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RESPOSTA A UMA

TESE MARXISTA

“Çttquanic aó promedSaó dcò falsoS pro-


fetaS deóia terra dão em Sangue e Idgri-
maó, resplandece de cdeóiial beleza a gran*
de profecia apocalíptica do 'Redentor do
mnndoi que eu renovo iodaó aS conSas\
(Pio XI - "Divini Redemptoris”)

UMa.
102
f
RESPOSTA A LHA
TESE MARXBSTA
————w ■ o—

f|.° CONGRESSO BRASILEIRO DE FILOSOFIA

(C COMISSÃO DE FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS)

CURITIBA - 1953

POR

Pe, Estanislau Ladusãns S. J.


PROFESSOR DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
DO COLÉGIO ANCHIETA DE NOVA FRIBURGO

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS E DIVULGAÇÃO CULTURAL


RUA ALVARES PENTEADO, 180 - Sobfe-loja - Sala 1
SÃO PAULO - Brasil
- 1955 -
Ladusans, Stanislavs

Eesposta a uma tese marxista

CMa./102/f
(10759/86)

CPDOC/lNDíPO
Fundação Getúli.' Vargas

10.^5°) (36

UP-UOüUUlbO-6
OS PRESSUPOSTOS DA REFLEXÃO E A SUA
FUNÇÃO NA INDUÇÃO DA VERDADE

o ano de 1952 Caio Prado Ju­ constituir a matéria específica da


N nior, filósofo paulista que segue
a Marx, publicou uma obra vo­
lumosa «Dialética do Conhecimento»
Lógica indutiva, a sabor, como so
efetua a passagem de tais fatos ob­
servados para a teoria que dá conta
,
(1) na qual rejeita a legitimidade da deles c os explica. E é isso que in­
indução. Sustenta que não se pode teressa» (9).
harmonizar a Lógica dedutiva e a Articulando a crítica, o autor do
Lógica indutiva. Harmonizar estas livro pergunta: «Mas por que se mos­
lógicas seria admitir a indução e a tra a Lógica indutiva impotente cm
dedução, um dualismo injustificável face de seu problema essencial e fun­
das operações mentais (2), «uma das damental?» E responde logo: «E1
deformações metafísicas do fato do que mais ou menos explicitamente,
conhecimento» (3). A indução aris- ela postula uma circunstância que
totélica é declarada, com a expres­ não é verdadeira, a saber, que as
são de Goblot, como «totalização do teorias científicas se encontram de
saber adquirido» (4), como «uma ca­ antemão e préviamente a quaisquer
talogação ou própria dedução inver­ * operações de elaboração mental, im­
tida» (5), como muito diferente da plícitas nos fatos... Daí o programa
indução no sentido moderno, cujo da Lógica indutiva, concretizada nos
precursor é Fr. Bacon (6). Mais. métodos que apresenta, de descobrir
Admitir a indução seria admitir uma procedimentos de natureza formal»...
lógica distinta da lógica silogistica e (10). A verdade não pode ser in­
da inferência da Matemática, que duzida segundo o autor, pois diz:
«não se confunde», como diz, com a «As teorias não saem diretamente
dedução silogistica e muito menos dos fatos... e não se pode chegar a
com a indução» (7). E conclui: «Fi­ uma tal teoria por nenhuma opera­
camos assim com três lógicas distin­ ção lógico-formal do tipo pretendido
tas, o que está em contradição fla­ pela indução bacônica» (11).
grante com a unidade fundamental Finalmente o filósofo comunis­
do pensamento humano» (8). ta conclui assim a sua argumenta­
Caio Prado Junior apresenta de­ ção contra a possibilidade da indu­
pois contra a Lógica indutiva um ção: «Não seria aliás de esperar, de­
argumento que chama «decisivo»: «É pois de tanto tempo, três séculos e
que, apesar de seu já longo passa­ meio, de intensa elaboração cientí­
do», diz êle, «não se conseguiu ainda, fica posterior à concepção de Bacon,
até hoje, explicar satisfatoriamente e se tal operação fôsse possível, que
cm que ela consiste. Para compro- já se tivesse pelo menos encontrado
vá-lo, basta percorrer os tratados a pista que conduz para ela? E nada
tão numerosos que se ocupam com o indica, nem próxima, nem remota­
a matéria: somente existe relativo mente» (12).
acordo num único ponto, a saber, na O filósofo marxista enuncia bom
descrição dos métodos experimentais o problema de indução. Mas, per­
empregados pela ciência. Uma des­ guntamos: é verdadeira histórica e
crição puramente pragmática... e gnoseològicamente a sua resposta
nada diz sôbrc o essencial da questão, negativa a êste problema tão im­
aquilo que precisamente deveria portante ?

IT- 7“> em 2 ««-, Editora BrasHiensc Ltda., Sflo Pauto. _


í) Ibídcm, p. |9. — 3) Ib., p, 304. — 4) Jb., p, J9. — S) Jb., p. — 6) 1b. n — T) Ib n 19 — M Ih n
25 - S) Caio Prndo Junior» op, c., p. 20.- 10) Jb., p. 23, - 11) p, jij Calo Prado Junior, op, c.. p’ JL
2

Nem mesmo com às fontes da to com o real e constroem uma filo-


filosofia soviética oficial de hoje sofia apriorística, falsa. Estão pro­
concorda a posição de Caio Prado cedendo com um método aprioristico,
Junior. Perscrutando estas fontes, falso, «aranearum more», como as
como p. ex. a revista «Voprosy Fi- aranhas, que tecem rêdes com ma­
losofii», publicada pelo Instituto fi­ téria da sua própria substância (3).
losófico da Academia de Ciências da Para que a ciência seja real, deve
U.R.S.S., encontramos não só o se familializar com os dados da
conceito de indução, mas também a observação, com as coisas particu­
valorização da indução ao lado da lares: «Restat vero nobis modus
dedução e uma boa dose de simpatia tradendi unus et simplex, ut homi-
para a Lógica de Aristóteles (1). nes ad ipsa particularia... adduca-
Esta, porém, não é a nossa res­ mus et ut illi... cum rebus ipsis
posta ao problema enunciado, que consuescrere incipiant» (4).
já foi resolvido gnoseológica e meta- Será uma invenção de Bacon
fisicamente, como o mostra a Histó­ esta tese metodológica, anti-racio-
ria da Filosofia. Seria sumamente nalista que indica o pressuposto
interessante tratar sôbre os pressu­ necessário para a indução? — Não!
postos ontológicos da indução, evi­ Antes dêle a defendeu com brilho
denciar a solução metafísica dêste S. Tomás de Aquino, classificado
problema e mostrar também a im­ por Caio Prado Junior como «puro
possibilidade da posição tomada por nacionalista» (5). E‘ verdade que
aqueles filósofos soviéticos que ao S. Tomás é um gênio especulativo
lado da indução da Lógica aristotéli- por excelência, mas isso não nos
ca propugnam incoerentemente a dá direito de chamá-lo nacionalista.
Dialética marxista negando a exis­ Como Aristóteles, S. Alberto Mag­
tência das essências fixas, o deter­ no, também Tomás de Aíquino ele­
minismo da natureza. Escolhemos, va o edifício de sua altíssima espe­
porém, o aspecto noético ou gnoseo- culação sôbre a sólida base empiri-
lógico. ca, fecunda o abstrato pelo concre­
Èste aspecto da questão foi con­ to em uma rigorosa dependência
siderado com penetração não só por dos dados sensiveis, nos quais pre­
Fr. Bacon, mas também por Aris­ cisamente a inteligência humana
tóteles e, mais tarde, pela Escolásti-
encontra o seu objeto próprio e
ca.
proporcionado segundo o seu modo
O autor do plano reformador de ser. Consequentemente a gno-
«Institutio magna», Fr. Bacon, que­ scologia de Tomás de Aquino, bom
rendo reedificar tôda a ciência sôbre aristotélico, ensina, que o homem
novos fundamentos, propõe, em seu não chega a descobrir os primei­
tratado polêmico «Novum Organum» ros princípios indemonstráveis da
o método indutivo como via científi­ razão e as leis científicas, senão
ca a seguir:... «spes est una in in- pelo recurso, dócil e reverente, aos
duetione vera» (2). Renovando o dados concretos da experiência:
método, espera a renovação da ciên­ «Omnis nostra cognítio originaliter
cia . Com esta esperança Bacon cha­ consistit in notitia primorum prin-
ma atenção sôbre a experiência como cipiorum indemonstrabilium. Ho-
fonte de regeneração filosófica. A- rum autem cognitio in nobis ex sen-
bandonando os dados sensíveis, su oritur» (6) ou: «Quia primum
concretos da experiência, os naciona­ principium nostrae cognitionis est
listas dogmáticos perdem o contac­ sensus, oportet in sensum quodam-

!) "Voprosy fHotofH”» Moscou, números dc 1951*53 — "Der dtalektisehf MatcriaUsmus", Wten« Hcrder,
de Gustav A. Wcttcr, J9S2, pp. 539-556. — “Pr Búconis etc Vertdamío, «Stimnri AnpcUac Canccltaril,
Novum Oryanum SctonttoruTn’*. Ed. 2a , an. lt nr. 24, n, 30 — 3) Bacon, op, C, nr, 95. — <) lt>. nr. S5» —
f) Cato Prado Jr„ op. c.( p. 22?. — fi) Dc ver.t Í0, 9.
3

modo resolvere omnia de quibus iu- respostas da natureza, faz violência


dicamus» (1); e quanto as ciências à realidade, erra. Surge, portanto,
naturais: «Qui sensum negligit, in a necessidade de purificar a inteli­
naturalibus incidit in errorcm» (2). gência de tôda a prevenção, de li­
A tese renascentista sôbre a
bertá-la das anticipaçõcs ilusórias,
dos vários preconceitos, das causas
experiência, base da indução, já era
que a induzem a errar. Eis, a céle­
pois defendida na idade média.
bre doutrina de Bacon sôbre os
Contudo, antes de S. Tomás, Aris­ «idola», que tem um grande valor
tóteles, o maior educador na difí­ noético, pois destina-se a educar a
cil arte de filosofar, rejeitara o exigência crítica, a imparcialidade
apriorismo racionalista como falso da mente cm face do problema da
c proclamara a grande lei gnoseo- verdade.
lógica, segundo a qual o conheci­
mento científico se origina da ex­ Bacon divide estes «idola», co­
periência pela fiel cooperação da mo é bem sabido, em 4 classes: 1)
inteligência com os sentidos. E é «idola tribus», — erros originados
nisso, precisamente que está o sen­ pela natureza humana; 2 «idola
tido profundo da sua emancipação specus», — erros originados pela
do platonismo. natureza particular de cada um;
3) «idola fori», — erros originados
A experiência, porém, conhe­ pelas relações dos homens, pela
cimento sensível, concreto, é um linguagem; 4) «idola theatri», —
ponto de partida apenas e não o erros originados pela influência de
têrmo final. Formalmente o inteli­ filósofos, literatos, científicos, ho­
gível, qualquer que seja, encontra- mens políticos etc. Mas digamos
se só na inteligência; o sensível é logo, nem mesmo esta aguda e feliz
só fundamentalmentc inteligível. A penetração gnoseológica de Bacon
tese, que identifica a inteligência constitui uma doutrina essencial­
com a sensação, anulando o inteli­ mente nova.
gível, o necessário, é decididamente
rejeitada como falsa por Bacon, ad­ S. Tomás de Aquino fala não
versário dos empiristas, os quais só sôbre a complexidade do conhe­
compara com as formigas armaze- cimento da natureza (6), mas tam­
nadoras — «formicae more, conge- bém profundamente sôbre o erro,
runt tantum» (3). O sucesso cien­ sôbre as causas do êrro, sôbre as
tífico para Bacon está na estreita dificuldades humanas em geral no
aliança do conhecimento dos senti­ descobrimento da verdade.
dos e da inteligência: «Itaque ex Estas dificuldades segundo S.
harum facultatum (ex-perimentalis Tomás surgem quer da parte das
scilicet et rationalis) arctiore et coisas, quer da parte do mesmo ho­
sanctiore foedere... bene speran- mem: ‘Sic igitur potest contingere,
dum est» (4). A doutrina de «No- quod veritas sit difficilis ad cognos-
vum Organum» é clara: o conheci­ cendum vel propter defectum qui
mento indutivo da verdade perten­ est in ipsis rebus, vel propter de­
ce à inteligência, sob a orientação fectum, qui est in intellectu nos-
da experiência. A subtileza da na­ tro» (7). As maiores dificuldades,
tureza, porém, é grande. Não é fá­ porém, vêm, segundo S. Tomás, da
cil, por isso, descobrir as suas leis: parte do homem mesmo: «... non
«Subtilitas naturae subtilitatem sen- tamen principalis causa difficultatis
sus ct intellectus multis partibus est ex parte rerum, sed ex parte
superat» (5). Induzindo precipita­ nostra» (8). Isso, porque a nossa
damente, a inteligência antecipa as inteligência não é a de um espírito

1) De Ver. 1Í4, od. t. — 2) In Boít. de Trin.» 6,2 — 3) Bacon, op., c, nr, 9J p. 105 — 4) Ib. pao. 105
nr, 93 — 5) Ib. nr. 10, p. 29. — 6) In BoOt. de trin. 6t2 — 7) 11 Met., Lcct, — S) II Met.» Lect. 1.
infinito e puro, mas de um espírito obras de Tomás dc Aquino e, antes,
finito que vivifica o corpo e conse­ cm «Dc sophisticis elenchis» de
quentemente conhece segundo o seu Aristóteles, como, aliás, o mesmo
modo de ser, dependendo do fantas­ Bacon o reconhece, embora persua­
ma, dos sentidos, de tal ou qual dido da própria originalidade e su-
corpo concreto: «... modus cognos- periodade: «Doctrina enim de idolis
ccndi veritatem convenit naturae similiter se habet ad interprelatio-
animae secundum quod cst forma nem naturae, sicut doctrina de So­
talis corporis» (1). S. Tomás tem phisticis Elenchis ad Dialecticam
pois, a mesma tese dc Bacon, en­ vulgarem» (6).
quanto ensina, que o estado dos
sentidos, do corpo, a nossa nature­ Um meio positivo e radical con­
za, o temperamento de cada um tra a superbicialidadc e falsidade
exercem sôbre a inteligência huma­ no estudo da natureza é a aquisição
na influências profundas não só be­ das noções objetivas e dos princí­
néficas, mas também que dificul­ pios verdadeiros recorrendo a «no­
tam muito a busca da verdade e nos vo» e infalível método — verdadeira
indução, proposta por Bacon em o
fazem mesmo errar. A compleição
«Novum Organum» como «pars ae-
física constitui para muitos um dificans»: «Excitatio notionum et
grande obstáculo para a pesquisa axiomatum per induetionem veram
científica: «Quidam siquidem im- est certc proprium remedium ad
pediuntur propter complcxionis in- idola arcenda et summovenda» (7).
dispositionem, ex qua multi natu-
raliter sunt indispositi ad sciendum» A verdadeira indução não ante­
(2) . O homem cai frequentemente cipa as respostas da natureza, mas
nos erros dominado pela fantasia espera que a natureza fale à inte­
(3) , não sai do estado de ignorância ligência por meio da experiência
e de seus erros por causa da inati­ metódicamente ordenada, pois a ex­
vidade intelectual: «Quidam autem periência isolada não passa de sim­
impediuntur pigritia... laborem ples tentativa, servindo mais para
pauci subire voiunt pro amore scien- distrair o homem do que para ilu­
tiae» (4). Também os erros origi­ miná-lo (8). Começando com ob­
nados pelas relações sociais, pela servações numerosas, metódicas,
linguagem são bem conhecidos de organizadas, o homem não julgará
S. Tomás. Ensina, p. ex., que os de modo antropomórfico — «ex ana­
erros cometidos pelos filósofos — logia hominis» — mas será dirigido
«idola theatri» — podem desviar as para que possa julgar com um ge­
mentes c só por meio de um exame nuíno realismo sôbre o ser — «ex
diligente podem ser superados: «... analogia universi», o que é precisa­
priores errantes circa veritatem mente o fim do filósofo. O filósofo
posterioribus exercitii occasionem não deve criar arbitràriamente um
dederunt, ut diligenti discussione mundo próprio, pequeno, imaginá­
facta, veritas limpidius appareat» rio e ilusório, mas traçar na inteli­
(5). gência uma imagem do universo
realmente científica, verdadeira,
Verificamos, pois, claramente, haurindo-a da experiência com or­
que a «pars destruens» do «Novum dem fixa e bem marcada, mas alcan­
Organum» — doutrina sôbre «ido­ çar esta visão do universo é impos­
la» •— tão íntimamente conexa com sível lidando-se só com a razão e
a indução («... indicatio idolorum tomando-se uma atitude passiva.
magni est usus», ibidem, nr. 40), E’ necessário que o filósofo seja
encontra-se, bem desenvolvida, nas ativo: entregue-se a analisar a rea-

1) - H Mct. Lect. 1. — 2) S. c. G. I, 4. - 3) De Ver. I, lí — 4) Ibidem. — S) II Ket„ Lcot. I. — í)


Bacon, op. c„ nr, 44, p. ». — 7; Bacon, op, c, nr. <0, p. 33, — 3) Jb. nr, 100, p. 210.
lidado, a dissecá-la, por assim dizer desaparecimento do fenômeno; apli­
e submetê-la a mais exata anato­ cá-la a casos práticos, reuni-la a ou­
mia, guiando a observação, multi­ tras experiências para saber se se
plicando os casos e organizando-os, reforçam e finalmente tentear ou
para proporcionar assim suficiente fazer experiências como que ao caso,
informação à inteligência c dar fun­ para, possivelmente, descobrir do­
damento à filosofia. E’ indispen­ mínios ainda inexplorados. Em
sável provocar a experiência com o função da descoberta, o «Novum
fim de inventar ou controlar a idéia, Organum» elabora três «tabulae»,
selecionando os fenômenos de acor­ isso é listas de fatos, sôbre o que
do com o fim e criar assim o que está em questão, para fazer à base
Bacon chama de «história natural». destas listas a indução. Na primei­
Quando, pois, a «história natural ra lista, «tabula essentiae et prae-
fôr mais ampla e melhor seleciona­ sentiae», pôem-se os fatos em que o
da, sòmente então poderemos es­ objeto da indução aparece positiva­
perar muito da filosofia natural (1). mente, notando-se os antecedentes
Mais! Uma vez reunidos os mate­ (3). Na segunda lista, «tabula de-
riais de uma «história», experimen­ clinationis sive absentiae», põem-se
tal, tal qual exige a função própria fatos semelhantes, onde porém não
do entendimento, não basta abando­ está presente o objeto em questão,
nar-se à memória para que a inte­ notando-se bem os antecedentes que
ligência aja sôbre esta matéria. Do aparecem e os que positivamente
mesmo modo que o homem, dotado deixam de aparecer (4). Na tercei­
da mais prodigiosa memória, não ra lista, «tabula graduum vel com­
poderia reter exatamente na mente parativa», pôem-se os fatos em que
todos os algarismos de um livro. o objeto em questão se manifesta
Devemos recorrer a escritura para com diversas intensidades, notando-
completar o trabalho, criando a se os antecedentes que crescem ou
«experiência letrada» («experientia diminuem conforme a variação cres­
literata»), fonte de promessas (2). cente ou decrescente do objeto da
indução (5).
Mas isto ainda não basta! A Com esta preparação metódica c
Experiência deve ser organizada se­ mais ainda com outros auxílios a-
gundo regras determinadas. E qual presentados no «Novum Organum»
é o motivo? E' que os pormenores e Bacon quer conduzir a inteligência
fatos particulares selecionados são a uma verdadeira interpretação da
muito numerosos e dispersos e di­ natureza, isso é a uma verdadeira
videm excessivamente a atenção, indução, que é uma operação for-
causando na inteligência uma espé­ malmentc intelectual.
cie de tensão e confusão. Eis, o mo­
Qual é o processo concreto desta
tivo para temer os desvios.O remé­ operação intelectual indutora se­
dio contra isso, Bacon o indica em gundo Bacon? — perguntamos ago­
certas normas ou processos. Estu­ ra; como se efetua esta passagem
dando o fenômeno, devemos variar da inteligência para uma «verdade-
as condições em que se produz, for­ juízo»? Qual é a sua estrutura gno-
çar a experiência, para ver se êle
se reproduz em condições diferen­ scológica?
tes, transportá-la para campos di­ O «Novum Organum» não nos dá
ferentes com intenção de saber, se a solução deste problema, não res­
êle sc estende a êsses novos campos; ponde, com outras palavras, à per­
inverter a experiência, para contra- gunta de Caio Prado Junior: «Como
prova; compeli-la, isso é provocar o se efetua a passagem de tais fatos

1) Jb. nr. M, p. 208. - 2) Bacon, op. c, nr. 1H, p. 1M. _ 3) Ib. p. 11, nr. 11, p. 158 - 4) Bacon, op. c,
p. n. nr. IZ, p. 261. — S) — 1b. p. 27$, nr. 33,
6

observados para a teoria»? Bacon só na parte fcnomenológica, mas


distingue entre o conhecimento in- também crítica, justificadora do co­
telectivo e sensitivo, reconhece o nhecimento humano. E' muito mais
valor da faculdade intelectiva e dos detalhada c completa do que a gno-
sentidos (1). Êle distingue entre a scologia do «Novum Organum» e,
indução que procede por via de sim­ sendo admiravelmente fecunda, me­
ples enumeração, declarando-a pue­ rece ser hoje estudada, repensada
ril, inútil e a indução incompleta, á sériamente, aproveitada e desenvol­
qual reconhece como uma fonte au­ vida em função dos problemas a-
têntica da verdade, da regeneração tuais. O problema de indução en­
da ciência (2). Mas o filósofo inglês contra nela todos os elementos para
não nos dá a doutrina sôbre a jus­ a solução. Tomás de Aquino, desen­
tificação do juízo geral alcançado volvendo o realismo crítico natural,
pela inteligência à base da enume­ não negligenciou nem um dos pon­
ração incompleta. tos importantes do conhecimento
O precioso complemento para o humano. Iluminou as diversas con­
«Novum Organum», isso é a gnoseo- tribuições dos sentidos e da inteli­
logia da justificação da verdade in­ gência, na gênese do juízo humano,
duzida encontramos, bem desenvol­ determinando com penetração e
vido, no aristotelismo tomista, com exatidão admiráveis a função, os
o qual polemiza Bacon, cometendo limites e o valor de cada uma das
não poucas e não pequenas injusti­ faculdades; admitiu que embora a
ças. inteligência dependa dos dados sen­
Na filosofia de Tomás de Aqui- síveis, contudo dêles é relativamente
no encontramos teses profundas e independente. Indicou os diversos
graus desta dependência e indepen­
claras sôbre os pressupostos do ato dência segundo as várias classes de
indutivo da verdade c sôbre a jus­ juízos, dando-nos uma doutrina pre­
tificação da verdade induzida, pela ciosa sôbre os graus de abstração.
efetuação da reflexão completa, crí­ Porisso, a gnoseologia tomista da
tica. indução é rica, fecunda e também
Os estudos dos filósofos neo- verdadeira.
escolásticos, principalmente dêste A indução é um processo pelo
século, colocaram à luz meridiana a qual de um caso ou de vários casos
gnoseologia de S. Tomás, recons­ particulares de observação se con­
truída por um rigoroso e minucioso clui a lei geral que os rege. Aristó­
exame crítico dos textos dissemina­ teles, fundador da Lógica científica,
dos nas monumentais obras do filó­ entende com a noção •ipagoguí» qual­
sofo medieval, comentador profun­ quer processo ao universal, incluin­
do e completador genial de Aristó­ do também a abstração universali-
teles . sadora de conceitos. Também S.
Entre estas pesquisas crítico- Tomás de Aquino, que seguiu e de­
textuais c especulativas sobressai o senvolveu com profundidade a Lógi­
excelente estudo do P. Hoenen S.J., ca de Aristóteles, tem êste sentido
elaborado em 20 anos, sôbre o juízo amplo de «tpagaguí» traduzindo em la­
em S. Tomás de Aquino (3). E’ tim por «induetio» — indução (4).
neste estudo que nos inspiramos Esta mesma posição é também de
parcialmcntc nesta comunicação. outros Escolásticos. Mas na obra de
Tomás de Aquino não profes­ Aristóteles «Analyiica^àttra* «Analyti-
sou um realismo ingênuo. A sua ca Posteriora» — e no respectivo co­
gnoseologia é rica e desenvolvida não mentário de S. Tomás encontramos

I) Ib.» p. «4. nr. «7 etc. — (2 lb., nr. Ifls, p. 112. -» 2) "La théorle du jugemen d‘apn*s Sé. Thonas
d*Aquln'\ P, Hoenen S. J,, Roma, Pont. Uniu. Gregoriana. 1953, 2,a pp. 3S4. Esta obra importante está tra-
<tu2idu tamWm em inglís; "KcalHy^anct judgment occording to St. Thomas". Chicago. Henry Kcgcncry
Compang, 1952, p XV-3H. — in tibros Pnster. Analitpcorum. lt lecHo 30; na cdiçdo Leonina, t. I. p. 255,
onde está também o texto dc Arfstótctcs, em grego.
também um sentido mais restrito e lectual e a conduzem ao juízo, à pos­
especial da indução: Aristóteles e se formal da verdade. A verdade
com êle S. Tomás entendem por in­ Induzida c um juízo; c por isso é que
dução, como os modernos (Bacon precisamente no juízo devemos a-
etc,), um processo pelo qual de um char os elementos para a justifi­
ou vários casos particulares obser­ cação critica desta verdade.
vados passamos para uma proposi­ Todo o juízo pressupõe um ato
ção, um juízo comum, objetivamen­ anterior: simples apreensão, que é
te válido também para os casos não a primeira operação da mente hu­
observados. S. Tomás e Aristóteles mana, Mas êste conhecimento é, por
têm plena consciência de um sério assim dizer, simples informação da
problema gnoseológico, suscitado mente. A inteligência representa, o
por este processo: com que direito objetivo, ela o possui intencional­
podemos afirmar de todos os casos, mente, está conformada à realida­
comumentc o que foi observado de de, mas não conhece ainda esta sua
um ou de poucos casos? Ou: pode­ conformidade, não sabe, se corres­
mos nós, por meio desta indução — ponde à realidade o conteúdo repre­
incompleta — chegar a uma verda­ sentado — «dispositio rei» — se­
deira certeza sôbre o valor dos juí­ gundo S. Tomás, «Sachverhalt» —
zos universais? E’ possível o conhe­ segundo expressão moderna. Jul­
cimento indutivo? Eis, o problema gando, porém, a nossa inteligên­
de Caio Prado Junior, problema pe­ cia conhece. Pois vê que
rene! Êste problema não existe a na simples apreensão possuía uma
respeito da indução completa, bem representação intelectual da reali­
conhecida e rejeitada por Bacon, dade e descobre a conformidade na
pois esta indução consiste na obser­ representação a conformidade com
vação de todos os casos particula­ a realidade. A primeira operação
res: é, porisso, uma simples enume­ da mente se refere à «quididade», a
ração, uma totalização. Por vários segunda — juízo — à existência,
motivos é injusto Caio Prado Ju­ mas nem sempre como atual: eis,
nior, quando, com uma mentalidade porque o caráter do juízo é existen­
empirístico-positiva, declara que tô- cial.
da a indução aristotélica é «totali­ Uma pergunta é inevitável nes­
zação do saber adquirido». Existe te ponto: por que via ou por que
a indução incompleta e existe o pro­ modo a nossa inteligência chega a
blema sôbre a legitimidade desta in­ conhecer a conformidade entre a
dução, insolúvel para tôda a filoso­ representação intelectual e a coisa,
fia empirista, sempre cética, qual­ como chega a saber que assim, co­
quer que seja e, por isso, absurda. mo é representado, é na realidade
A inteligência humana, dotada da ou não é na realidade? A fenome-
capacidade de conhecer a verdade, nologia do nosso conhecimento nos
a qual, mesmo posta em dúvida, se manifesta o fato, que o homem
manifesta e se afirma, marcha, por exerce a reflexão antes de qualquer
várias vias e com multiplicidade de juízo. Precisamente esta reflexão,
atos para a conquista de sua per­ completa, é uma volta crítica sôbre
feição que encontra conformando-se o conteúdo da simples apreensão
ao ser, do qual recebe a sua unidade que revela a natureza, noética do
e especificação como faculdade. ato apreensivo, a evidência e con­
Abstração e reflexão — dados ine­ duz, consequentemente ao juízo, po­
gáveis da constatação fenomenoló- sitivo ou negativo. O juízo é, pois,
gica — caracterizam essencialmente um fruto desta reflexão crítica. O
a atividade dc nossa faculdade inte­ ôlho vê, mas não vê a sua visão: vê
M 8

bó a coisa. A inteligência vê, isto é, tivismo. O homem é naturalmente


conhece a coisa c conhece o seu co­ crítico c não ingênuo, porque é re­
nhecimento, vê a sua visão. E’ um flexivo. A reflexão crítica se exerce
dado que nenhum sofisma pode obs- sôbre a representação da apreensão,
curcccr. Voltando-se sôbre o con­ que nos oferece o conteúdo do juízo
teúdo representado, isto é, sôbre o futuro, o nexo entre o sujeito e o
que se dá na apreensão, a inteli­ predicado. Esta composição prece­
gência conhece a natureza apreensi­ de mesmo a apreensão e se encon­
va ou intelectiva do ato apreensivo tra, como matéria do nosso inteli­
e simultaneamente, por meio dêste gível, nos dados sensíveis. Portan­
ato, descobre intuitivamente (c im­ to, o espírito humano depende dos
plicitamente) a si mesma como «in­ dados sensíveis não só com seus
teligência». Aquilo que julgamos primeiros conceitos, mas também
afirmando e negando é o que se co­ quanto ao nexo destes conceitos. A
nhece explícitamente. A fenomeno- razão, por que a inteligência deve
logia e a critica desta autotransfe- encontrar o nexo na simples apre­
rência ou autopenctração da inteli­ ensão, é a seguinte: antes de julgar,
gência está evidenciada com uma préviamente devemos comparar os
precisão admirável e com profundi­ conceitos — o sujeito e predicado
dade nas obras de S. Tomás, que — isso c apreender a relação entre
logo ao princípio de sua atividade eles o que não se dá, quando estes
filosófica verifica que quando co­ conceitos aparecem sucessivamente
nhecemos a verdade, nós conhece­ na nossa inteligência. A nossa fun­
mos o nosso ato de conhecimento e ção no juizo é afirmar ou negar a
que, por conseguinte, nosso conhe­ realidade ao nexo dado pela simples
cimento da verdade supõe uma re­ apreensão. O juizo é sempre um
flexão sôbre nós mesmos, um ato fruto da reflexão sôbre o que se dá
anterior. O Juizo, a posse formal na apreensão, em virtude do moti­
da verdade é um fruto dessa refle­ vo descoberto precisamente por esta
xão. Eis, o clássico texto de S. To­ reflexão que é completa e crítica,
más, jovem: «(Veritas) cognoscitur como dissemos. A afirmação se efe­
autem ab intellectu secundum quod tua dependentemente da necessida­
intellectus reflectitur supra actum de da relação ou do nexo descoberta
suum, non solum secundum quod pela inteligência na reflexão. O
cognoscit actum suum, sed secun­ pressuposto necessário desta, refle­
dum quod cognoscit proportionem xão é a apreensão. A luz da inteli­
eius ad rem: quod quidem cognosci gência projetando-se sôbre o con­
non potest nisi cognita natura ipsius teúdo (Sachverhalt) da apreensão,
actus; quae cognosci non potest, descobre a necessidade e, conse­
nisi cognoscatur natura principii ac- quentemente a inteligibilidade. Quan­
tivi, quod est ipse intellectus,- in do, pois, no conteúdo oferecido ou
cuius natura est ut rebus conforme- dado pela apreensão descobrimos a
tur» (1). Há vários outros textos necessidade ou a evidencia (é as­
em S. Tomás, que iluminam mara­ sim!) e com isso a inteligibilidade
vilhosamente a nossa atividade re­ do nexo, a inteligência, faculdade vi-
flexiva mental natural ao homem, siva e necessária por sua natureza,
da qual promana a luz da verdade, passa inevitavelmente à afirmação
que objectivisa e absolutiza a ver­ da verdade, chega à ciência, que
dade e que constitui um argumento tem por objetivo o necessário (e
destruidor do ceticismo c, de qual­ consequentemente o universal) no
quer positivismo sensista e do rela- sentido de que os nexos formais

(De Ver.,
9 -

descobertos ou as relações conheci­ mente, um conteúdo da primeira o-


das são metafísicamente, fisicamen­ peração mental que pertence ao ob­
te ou moralmente necessárias. A jeto próprio e proporcionado da
verdade formal é fruto da reflexão, nossa faculdade intelectiva e que é
completa, que é, por isso, o ponto- abstraído de uma imagem sensível.
chavc para a justificação crítica do A primeira reflexão se exerce ne­
juízo científico qualquer que seja. cessariamente sôbre êste conteúdo
Pressupõe necessariamente a abs­ inteligível que se origina em nós pe­
tração, ato da nossa inteligência que la cooperação da inteligência com a
é também naturalmentc abstrativa, imaginação. E’ precisamente esta
como é naturalmente reflexiva. Sc reflexão que constitui o ponto de
abstraímos e rcflcctimos é porque, partida, o pressuposto necessário
temos a capacidade de abstrair e para tôda a série ordenada de refle­
refletir. Isso não se prova rigorosa­ xões que se seguem e que nos condu­
mente por uma demonstração pro­ zem aos juízos noéticos e metafísi­
priamente dita, mas só se declara: cos.
são fatos ou dados da análise feno- Estas reflexões estão ordena­
mcnológica do conhecimento huma­ das e rigorosamente concatenadas
no. Depois da abstação do inteligí­ e têm por seu ponto de partida obri­
vel do sensível, começa a nossa ati­ gatório o inteligível lido pela inteli­
vidade reflexiva que pode se dar em gência no sensível que é apresenta­
muitas direções conduzindo-nos, do pela imaginação. Esta faculda­
consequentemente, a diferentes juí­ de depende, como faculdade cognos­
zos: há processos, em que a refle­ citiva que é, dos dados dos sentidos
xão se dirige sôbre a apreensão in- externos. Esta é a nossa condição:
telectiva e não sai da esfera pura- a condição humana. Por isso. S.
mente intelectual. Originam-se as­ Tomás de Aquino diz com razão:
sim os juízos necessários e univer­ «... incorporea, quorum non sunt
sais. Noutros processos a reflexão phantasmata, cognoscuntur a nobis
penetra até as origens sensíveis do per comparationem ad corporea
conhecimento intelectual, às vêzes sensibilia, quorum sunt phantasma­
até o fantasma, originam-se então ta; sicut veritatem intelügimus ex
os juízos singulares. A’s vêzes a consideratione rei circa quam veri­
reflexão vai até aos sentidos exter­ tatem speculamur... Et ideo cum
nos, originando os juizos contin­ de huiusmodi aliquid intclligimus,
gentes. Os juizos noéticos nascem necesse habemus convertí ad phan­
da reflexão sôbre a natureza noéti- tasmata corporum, licet ipsorum
ca da operação intelectual e da pró­ non sunt phantasmata (2). Tudo
pria faculdade intelcctiva o sôbre a isso S. Tomás condensa nesta tese
natureza cognoscitiva dos atos e profunda: «Omnis nostra cognitio
das faculdades sensitivas. Se a re­ originaliter consistit in notitia pri-
flexão se dirige sôbre a natureza morum principiorum indemostrabi-
entitativa dos atos e das faculdades lium. Horum autem cognitio in no­
cognoscitivas, quer sensitivas, quer bis a sensu oritur» (3); com outras
intelectivas, surgem os juízos meta­ palavras: «Quia primum principium
físicos, Para esses é necessária uma nostrae cognitionis est sensus, opor-
inquisição diligente e subtil, como o tet ad sensum quodammodo resol-
diz S. Tomás. «Requiritur diligens vere omnia de quibus iudicamus»
ct subtilis inquisitio» (1). Subli­ (4). São êstes precisamente os tex­
nhamos, porém, que neste maravi­ tos de S. Tomás que citamos antes,
lhoso processo de ascenção o ponto no comêço desta comunicação, para
de partida é sempre a apreensão da mostrar a identidade do ponto de

J) S., Th, J, 17.1. 2) s. Th., 1, 12,1, 0(j. j. _ Ver10,í — <) De Ver., 11,1 ad, 1.
1O

vista do filósofo aristotélico c dc dade objetiva e com isso a inteligi­


Bacon quanto à base empírica da bilidade. Depois de ver a necessi­
indução. Partindo dos dados sensí­ dade do nexo na reflexão entende­
veis, a inteligência nos conduz aos mos aquilo que é, julgamos conse­
primeiros juízos induzidos, isso é quentemente com verdade, afirma­
ao conhecimento de primeiros prin­ mos o nexo descoberto como real,
cípios da razão e também às leis como ser. Êste processo é uma ver­
científicas. Como tôdas estas ver­ dadeira indução, que é na sua es­
dades são juízos, a função da refle­ sência a mesma para a aquisição
xão completa é de valor decisivo na dos primeiros princípios indemons-
justificação deles, como bem se po­ traveis da razão e das leis científi­
de deduzir do que acabamos de ex­ cas. A diferença é acidental e está
plicar . no pressuposto empírico. Para a
Nos dados puramente sensíveis, indução dos primeiros princípios,
dos quais se orgina a representação verdades fáceis, pode bastar um só
intelectual de um certo conteúdo, es­ caso particular concreto da experi­
tá contido o nexo dêstes juízos, mas ência, quando a vida sensitiva já se
em um estado material, isso é como desenvolveu suficientemente. Para
um nexo material. Na reflexão sô­ a indução das leis da natureza, di­
bre o conteúdo da apreensão intelec­ fícil e complexa, é necessário porém
tual, que nos conduz aos juízos ne­ recorrer, ordinàriamente, a vários
cessários, a inteligência reflexiva casos sensíveis, à experimentação.
descobre os nexos formais destes Esta dependência da inteligência dos
juízos e com isso efetua o ato de dados sensíveis não é o motivo, nem
nosso assenso mental, pois só ao uma parte do motivo para a afirma­
nexo formal compete aquela neces­ ção dos nexos formais. Êste moti­
sidade que nos dá a perfeita inteli­ vo é só a evidência: a necessidade
gibilidade. Isso é o que propugna da inteligibilidade, que é a causa da
com clareza S. Tomás: «Necessitas verdade afirmada. Na ordem desta
autem consequitur rationem for- inteligibilidade perfeita tudo se pas­
mae; quia ea quae consequuntur ad sa só na inteligência. Ela afirma,
formam, ex necessitate insunt» (1). porque vê a necessidade do nexo,
Na representação intelectual, sôbre da relação; «é assim e não de outra
a qual se dirige a reflexão, estão sorte!» O depender da inteligência
presentes múltiplas formas, mas pe­ dos sentidos, do sensível é condição
la visão da nossa mente, no caso de necessária, para que possa receber
uma indução, põe-se a descoberto uma manudução segura na desco­
precisamente aquela forma, com a berta. Assim não será uma vítima
qual o predicado está unido neces­ dos «idola» de Bacon, inventando
sariamente. Êste ato descobridor de arbitràriamente e afirmando nexos
um nexo entre duas formas, — nexo irreais, falsos. Aristóteles e S. To­
formal é intuitivo abstrativo ou abs- más são categóricos no exigir o fun­
trativo-intuitivo e nêle está a essên­ damento sensível para a abstração
cia do processo indutivo, que é um do nexo formal. A razão é eviden­
conhecimento imediato e não fruto te: a inteligência para que possa
de dedução. afirmar um nexo real, deve ser
Assim não é por um raciocínio, guiada a esta afirmação pela mes­
nem por uma análise, mas por uma ma realidade. O Card. Caietano ex­
abstração formal que chegamos a plica, precisamente nêste sentido e
conhecer aquela forma, da qual pro- com profundidade, o autêntico pen­
mana o predicado; e precisamente a samento do livro de Aristóteles
êste nexo formal devemos a necessi­ «Posteriora Analytica» (2), comen­

1) S. Th-, I, 36J — 2) Ed. Leon. I. p., <03.


11

tado por S. Tomás cm plena con­ sideratio ad nos ascendit quod talis
córdia com a posição de «Novum species herbae sanat febrientem
Organum». Começa exigindo um simplicitcr, hoc acciptur ut quaedam
motivo suficiente para a composi­ regula artis medicinae» (1). S. To­
ção ou para o nexo da afirmação: más é ainda mais moderno, pois en­
«Oportet ponere aliquod motivum et sina o seguinte: como os fatos, às
determinativum intellectus ad ta­ vêzes, são insuficientes para elimi­
lem complexionem faciendam: ter- nar tôdas as dúvidas e dirigir bem
mini autem accepti, licet si compa- a mente, há necessidade, desenvol­
rentur haberent ex se evidentiam, vendo a experimentação, de provo­
non suficiunt tamen ad movendum car outros análogos, em condições
(et?) deter minandum intellectum escolhidas por nós: «... scientia
ad hanc compositionem potius quam rerum aequiri potest non solum per
illam». Argumenta logo depois com experientiam ipsarum, sed per expe-
experiência: Expcrimur namque rientiam quarundam aliarum ro-
continue in nobis ipsis, quod habe- rum: cum ex virtute luminis intel­
mus diu multorum terminorum con- lectus agentis possit homo procede-
ccptus absque notitia principiorum rc ad intelligendum effectus per
complexorum, quae ex illorum ter­ causas et causas per effectus et si-
minorum coniunctionc constat. Fa- milia per similia et contraria per
teor enimme cognovisse quid ae- contraria» (2).
quale, quid demere, et quid rema-
net, nescivisse tamen hoc principi- Moderna, pois, fecunda e bem
um: si ab aequalibus aequalia de- completa é a noética da indução de
mas, quae remanent sunt aequalia; S. Tomás de Aquino, segundo a
et similis ratio est in aliis». A con­ qual induzimos a verdade, partindo
clusão de Caictano: «Oportet ergo de algo concreto, isto é chegamos
ultra conceptus terminorum incom- «ao abstracto pelo concreto». Êste
plexorum ponere aliquod determi­ concreto, porém — base e pressu­
nativum seu motivum intellectus ad posto necessário da abstração for­
talem compositionem faciendam. mal na reflexão — é bem diverso
Tale autem motivum oportet esse segundo a categoria de juízos indu­
sensum, quoniam ante compositio­ zidos: às vezes êste concreto pos­
nem principiorum Aristóteles mul- sui diversas formas sensíveis, re­
lum motivum intellectus novit nisi presentadas na inteligência pela
sensum. Ergo necessário cognitio apreensão, sobre a qual se exerce a
complexa principiorum praeexigit
sensitivam experimentalem». reflexão; outras vêzes o concreto é
Mais. Encontramos textos de a mesma reflexão feita sôbre o con­
S. Tomás, que falam sôbre a ne­ teúdo concreto ora mencionado; é
cessidade da experimentação para a um determinado ato de juízo, que
indução das leis da natureza. Assim serve como base e fonte para uma
verificamos melhor ainda à concór­ série de reflexões sôbre a natureza
dia essencial da posição tomista com noética das nossas operações e fa­
a posição de Bacon e dos recentes: culdades cognoscitivas. Esta comu­
«Ex memória autem multoties facta nicação porém não nos permite tra­
circa eandem rem, in diversis ta­ tar da modalidade destas reflexões
men singularibus, fit experimen­ ou sôbre a indução dos princípios
tam ... Puta quamdiu medicus con-
sideravit hanc herbam sanasse So- noéticos em particular. Seriam ain­
cratem febrientem et Platonem et da vários outros pontos para serem
muitos alios singulares homines, est desenvolvidos. Sem mais porém po­
experimentum; cum autem sua con- demos concluir afirmando que o

1} Jn rost. Anal. II, Lect. 10, nr. II, ed. c., p. «I - I) S. Th., II!, 12, I ad. 1.
12

realismo moderado aristotélico-to- dução e a dedução são dois proces­


mista, evitando os erros do empe- sos essencialmente diferentes do
rismo c racionalismo, nos oferece nosso pensamento, mas estão em
elementos seguros para a solução do profunda harmonia; a dedução, co­
problema noético da indução, prin- mo fonte da verdade, pressupõe a
cipalmcnte com as suas teses pere­ indução e extende, por novos cami­
nes fenomcnológico-críticas sôbre a nhos, o domínio dos nossos conhe­
abstração e refrexão. Bacon não foi cimentos. Induzindo e deduzindo
o inventor da indução. O problema vamos marchando em passos contí­
da indução encontramos enunciado nuos no campo do conhecimento
e resolvido em Aristóteles e S. To­ humano rumo ao ser. E' falsa, pois
más de Aquino. O que é vivo e pe­ a posição de Caio Prado Junior,
rene em Bacon quanto a indução quer filosófica, quer historicamente.
fôra já pensado até com maior pro­ Não são as obras de Marx, mas as
fundidade o elaboração gnoscológi- dc Aristóteles e de S. Tomás de
ca por S. Tomás, filósofo aristotéli- Aquino que constituem a fonte au­
co. E’ o ser que dá a unidade ao têntica c fecunda para a solução
pensamento humano, que justamen- dos problemas filosóficos de hoje.
tc por esta conformidade ao ser é A distância que dêles nos separa em
verdadeiro. Mas na conquista da nada invalida o rigor do seu pensa­
luz da verdade êle começa com a mento verdadeiro. Pois a verdade,
indução e continua o seu dinamismo porque perene, é sempre viva e a-
conquistado com a dedução. A in­ tual.

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