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A TEORIA É UM MITO E O MITO FOI UMA TEORIA,

por Artur Felisberto.

I - A CAUSA MOTORA.
Jacques Maritain já havia mostrado que a ciência moderna tem a sua
regra formal na matemática e a sua matéria naquilo que é físico. Boutroux, por
sua vez, mostra que a impossibilidade de identificação da necessidade abstracta
das matemáticas e da constância do comportamento observável dos corpos
impede que o ideal da ciência perfeita acalentado pelos modernos se torne
realidade. Em outros termos, as matemáticas não seriam a linguagem última do
mundo, pois este apresenta aspectos totalmente distintos daqueles capazes de
serem alcançados e abarcados pela linguagem quantitativa. E por isso não há
possibilidade de se determinar leis imutáveis a partir somente da matematização
daquilo que se observa ser constante. -- Émile Boutroux, matemática e a
contingência das leis naturais.

"A história das descobertas científicas e técnicas revela-nos quanto o


espírito humano carece de ideias originais e de imaginação criadora. E mesmo
quando as condições exteriores e científicas para o aparecimento de uma ideia
já existem há muito, será preciso, na maioria dos casos, uma outra causa
exterior a fim de que se chegue a se concretizar. O homem tem, no sentido
literal da palavra, que se chocar contra o fato para que a solução lhe apareça.
Verdade bem comum e pouco exaltante para nosso orgulho, e que se verifica
perfeitamente no barco de Flettner. E actualmente este exemplo continua
espantando todo mundo!"

Mas antes de se dizerem os princípios sobre os quais repousa toda a sua


(de Hegel) explicação exaustiva do Universo, há uma questão preliminar: o que
é mesmo "explicar" o Universo? Há duas respostas possíveis: 1) explicar é dizer
a "causa"; 2) explicar é dizer a "razão". Embora não se entenda de imediato a
diferença entre "causa" e "razão" – e saberemos logo abaixo – se percebe que
estamos numa primeira encruzilhada do pensamento filosófico que determina
rumos completamente diferentes, talvez opostos, de explicação da realidade. E
de fato o é. A explicação por causas é uma explicação realista. A explicação por
"razão" é uma explicação idealista. -- Para ler Hegel – Nóbrega.
Como se pode comprovar mais uma vez os equívocos da física teórica
começam quando a metafísica se intromete à bruta a condicionar os caminhos da
busca da verdade natural. É falacioso separar a “explicação causal” da
“explicação racional” porque tanto a ciência como qualquer tipo de
conhecimento realista usa as duas em simultâneo porque uma “explicação
causal” sem razão é magia irracional e uma “explicação racional” sem o
confronto com as coisas é pura especulação metafísica.
O empirismo e o racionalismo estão ligados, no pensamento
científico, por um estranho laço, tão forte como o que une o prazer à dor.
Com efeito, um deles triunfa dando razão ao outro: o empirismo precisa ser
compreendido; o racionalismo precisa ser aplicado (BACHELARD, 1984,
p.4).
Por isso é que uma correlação causal só por si nada comprova se esta não
for confrontada com a racionalidade dessa correlação. E por isso também é que a
cientificidade idealista de Hegel não será de grande ajuda para trazer a ciência
moderna aos trilhos do realismo de que se afastou quando deixou de entender o
bom senso do realismo de Aristóteles.
Não é nada agradável ver a ignorância e a grosseria, sem forma nem gosto —
incapazes de fixar o pensamento numa proposição abstracta sequer, e menos ainda no
conjunto articulado de várias proposições —, garantindo que são, ora a expressão da
liberdade e da tolerância do pensar, ora a genialidade. Genialidade que, como hoje
grassa na filosofia, antes grassava igualmente na poesia, como é notório. Porém,
quando tinha sentido o produzir de tal genialidade em lugar de poesia, o que
engendrava era uma prosa trivial; ou, se saia para além da prosa, discursos
desvairados. Assim, hoje, um filosofar natural que se julga bom demais para o conceito,
e devido à falta de conceito se tem em conta de um pensar intuitivo e poético, lança no
mercado combinações caprichosas de uma força de imaginação somente desorganizada
por meio do pensamento — imagens que não são carne nem peixe; que nem são poesia
nem filosofia.
Em contrapartida, deslizando no leito tranquilo do bom senso, o filosofar
natural fornece no máximo uma retórica de verdades banais. Quando lhe objetam a
insignificância de suas verdades, então replica asseverando que o sentido e o conteúdo
estão presentes no seu coração, e devem estar presentes também no coração dos outros.
(***).
Eis um esforço que poderia ser poupado: produzir verdades últimas desse tipo,
porque desde muito se encontram, por exemplo, no catecismo, nos provérbios
populares etc. Não é difícil apreender tais verdades em sua indeterminação e em sua
distorção, nem muitas vezes mostrar na sua consciência e à sua consciência
exactamente o oposto. Mas quando essa consciência tenta arrancar-se à confusão que
nela se armou, cai numa nova confusão, e protesta dizendo que indiscutivelmente é
assim ou assim, e que tudo o mais é sofistica. Sofistica é uma palavra-de-ordem do
senso comum contra a razão cultivada; do mesmo modo que a ignorância filosófica
caracterizou a filosofia, de uma vez por todas, como sendo “devaneios". (***).
Caso se indague por uma “via régia” para a ciência, não seria possível indicar
nenhuma mais cómoda que a de abandonar-se ao bom senso, e no mais, para andar
junto com seu tempo e com a filosofia, ler recensões de obras filosóficas. Ler até mesmo
seus primeiros parágrafos, que proporcionam os princípios universais dos quais
depende tudo, e os prefácios que, junto com a informação histórica, também oferecem
uma apreciação a qual, justamente por ser apreciação, paira por cima do que é
apreciado. Esse caminho ordinário se faz com roupas de casa; porém o sentimento
elevado do eterno, do sagrado, do infinito, veste trajes sacerdotais para percorrer um
caminho que já é, ele próprio o ser imediato no centro, a genialidade de profundas
ideias originais, e os relâmpagos sublimes do pensamento. Como porém tal profundeza
ainda não revela a fonte da essência, esses raios não são ainda o empíreo. Os
pensamentos verdadeiros e o entendimento intelectual científica só se alcançam no
trabalho do conceito. Só ele pode produzir a universalidade do saber, que não é a
indeterminação e a miséria correntes do senso comum, mas um conhecimento cultivado
e completo; não é a universalidade extraordinária dos dotes da razão que se corrompe
pela preguiça e soberba do génio; mas sim, é a verdade que se desenvolveu até sua
forma genuína, e é capaz de ser a propriedade de toda a razão consciente-de-si. (***)
Penso, aliás, que tudo que há de excelente na filosofia de nosso tempo coloca
seu próprio valor na cientificidade; e embora outros pensem diversamente, de fato, só
pela cientificidade a filosofia se faz valer. Então, posso esperar que essa tentativa de
reivindicar a ciência para o conceito, e de apresentá-la nesse seu elemento próprio, há
de abrir passagem por meio da verdade interior da Coisa. Devemos estar persuadidos
que o verdadeiro tem a natureza de eclodir quando chega o seu tempo, e só quando
esse tempo chega se manifesta; por isso nunca se revela cedo demais nem encontra um
público despreparado. Também devemos convencer-nos de que o indivíduo precisa
desse resultado para se confirmar no que para ele é ainda sua causa solitária, e para
experimentar como algo universal a convicção que, de início, só pertence à
particularidade. (***)
Vivemos aliás numa época em que a universalidade do espírito está fortemente
consolidada, e a singularidade, como convém, tomou-se tanto mais insignificante; em
que a universalidade se aferra a toda a sua extensão e riqueza acumulada e as
reivindica para si. A parte que cabe à atividade do indivíduo na obra total do espírito
só pode ser mínima. Assim ele deve esquecer-se, como já o implica a natureza da
ciência. Na verdade, o indivíduo deve vir-a-ser, e também deve fazer, o que lhe for
possível; mas não se deve exigir muito dele, já que tampouco pode esperar de si e
reclamar para si mesmo. --- PREFÁCIO DO LIVRO “FENOMENOLOGIA DO
ESPÍRITO” AUTOR: G.W.F. HEGEL

A CONSERVAÇÃO DO MOVIMENTO
A célebre equação E = MC2 nas equações das “forças vivas” previstas nas
das leis da conservação da energia da física clássica mais não são do que a
especificação dinâmica do que viria a ser o princípio de Lavoisier de que “na
natureza nada se perde, nada se cria e tudo se transforma”.
Nada de novo vem ou pode vir a ser, a única mudança que pode ocorrer é
uma mudança na justaposição de elemento a elemento. – Empédocles.
Obviamente que só se pode falar no princípio da conservação do que quer
que seja na condição de se tratar de algo que se possa conservar o que por
definição costuma ser a «substância» das coisas, seja ela qual for, o que é difícil
de definir por esta se poder degradar por acção termodinâmica do tempo na
complexa cadeia de transformações a que está sujeita. Dito de outro modo, a
termodinâmica tende a contradizer o princípio da conservação da energia sendo a
crença na sua conservação apenas isso...uma crença de que a quantidade global
de movimento se mantenha num universo infinito que era o que Descartes
pretendia tomar por primeiro princípio a partir da tradição de Empédocles.
E na verdade assim será se entendermos que afinal o que está em questão é
apenas uma e única coisa: a quantidade de movimento enquanto Substancia do
Ser. Mas, as questões metafísicas foram deixadas de parte por Kant sendo
portanto o princípio da conservação da energia um postulado impossível de
demonstrar e difícil de sustentar mesmo a nível local a menos que se tenha por
acto de fé que a entropia do universo é igual à sua negantropia o que, como
adiante se verá, equivale a introduzir no mundo da física a subjectividade que a
filosofia moderna tentou expurgar dela, quiçá em vão e sem grandes resultados
finais. De facto, o princípio dito de Lavoisier (mas possivelmente copiado da “De
Rerum Natura” de Lucrécio) de que na “na natureza nada se cria, nada se
perde e tudo se transforma”) não revela uma mera fé na conservação das massas
mas, no final, também uma grande confiança na conservação da energia ou seja,
na constância da Substancia do Universo que “corporiza”, concretiza e
materializa o Ser na existência, o que, só foi inquestionável até à descoberta da
termodinâmica.
"A primeira lei da termodinâmica é essencialmente a afirmação do
princípio de conservação da energia para sistemas termodinâmicos. (...). Esta
primeira lei não coloca limitações sobre as possibilidades de transformação de
energia de uma forma para outra".
Ora, essa possibilidade ilimitada de transformação é a base de toda a
civilização do progresso. Já a segunda lei da termodinâmica impõe severas
limitações: "É ímpossível uma transformação cujo resultado final seja
transformar em trabalho todo o calor extraído de uma fonte" (postulado de
Kelvin). -- Enrico Fermi.
Assim, parece que o 2º princípio da termodinâmica tem vaticinado a morte
térmica do Universo.
A entropia é a inversão do tempo, ou seja, esse aspecto do tempo
pelo qual quanto mais se regride no tempo, mais "intenso" é o tempo. E
quanto mais se progride mais "diluído" é o tempo. É o tempo em seu
aspecto negativo: nós estamos acostumados a pensar no devir do cosmos
como um progressivo vir-a-ser, mas, na verdade, trata-se de um regressivo
deixar-de-ser sem aniquilar-se: acumula-se um "entulho de ser". Como
mostram muito bem os físicos Bernhard e Karl Philbert, não só o espaço é
função do tempo, mas o próprio tempo é função do tempo. Não podemos
pensar num tempo uniforme e linear e separado das coisas, mas num tempo
entrópico, que se degrada com o tempo, tendendo assintoticamente ao fim
do próprio tempo; ou, como se poderia dizer satiricamente: "o tempo vai
morrer com o tempo" (ou na visão joanina: "Não haverá mais tempo" Ap
10, 6). -- Entrevista com o Dr. Mario Bruno Sproviero, Professor
titular.
Tempus edax rerum: O tempo, esse devorador das coisas. Ovídio
(Metamorfoses, XV, 234).
Ora, uma visão da termodinâmica baseada na racional e matemática
manipulação do tempo, que é um não Ser como adiante se verá, só pode levar a
uma ilusão apocalíptica do mundo, comum nas mitologias da criação e destruição
cíclica do Cosmos. Porém, havendo múltiplos e infinitos níveis e perspectivas de
universos, nunca inteiramente fechados, a sua criação ordenada e a sua destruição
caótica não poderá ser nunca um acontecimento local e único mas, será sempre
um processo contínuo intrínseco e essencial à existência do Universo suportado
pela substância eterna do Ser, o que nos leva inexoravelmente à questão
ontológica: o que é o Ser? Para Hegel o Ser é o fundamento da lógica em boa
verdade por ser a razão de ser de tudo.

O SER E O NADA
O SER é o imediato indeterminado; está livre da determinação em relação à
essência, assim como é livre daquilo que pode alcançar o interior de si. Este ser
carente de reflexão é o ser como existe imediatamente só em si. Por ser indeterminado,
é um ser destituído de qualidade; mas o carácter da sua indeterminação pertence lhe
em si apenas em oposição ao determinado ou qualitativo. Mas sendo em geral, opõe-se
a ser determinado como tal; mas desta forma a sua própria indeterminação constitui a
sua qualidade. Devemos mostrar, portanto, que o primeiro ser é determinado em si
mesmo; e com isso, em segundo lugar, transcendendo o ser determinado [ou a
existência: Dasein], é ser determinado; mas este, enquanto ser finito, é superado e é a
relação infinita do ser para si mesmo; que em terceiro lugar, vai além de ser-por-si.
A. SER: Ser, ser puro - sem qualquer outra determinação. Em seu imediatismo
indeterminado é igual apenas a si mesmo, e não é desigual para outro; Não tem
diferença nem dentro nem fora. Por meio de qualquer determinação ou conteúdo, que
difere no mesmo, ou através do qual é colocado como diferente do outro, não seria
preservado em sua pureza. É pura indeterminação e puro vazio. Não há nada nele que
se possa intuir, se se puder falar aqui de intuição; ou então ele é apenas esse intuir
puro e vazio em si mesmo. Também não há nada nele que se possa pensar, ou então
isso é apenas um pensamento vazio.
O ser, o indeterminado imediato, é na realidade o nada, nem mais nem menos
que nada.
B. O NADA: Nada, o puro nada; é a simples igualdade consigo mesma, o
perfeito vazio, a ausência de determinação e conteúdo; o indistinto em si. - Assim que
tu podes falar sobre intuir ou pensar aqui, vale a pena como uma diferença que pode
ser intuída ou pensada como algo ou nada. Intuir ou pensar que nada tem, então, um
significado; ambos são diferentes e, portanto, nada está (existe) em nossa intuição ou
pensamento; ou melhor, é o intuir e pensar vazios, e o mesmo vazio intuir ou pensar
que é o puro ser. - O Nada é, portanto, a mesma determinação ou melhor a ausência de
determinação, e com isto é em geral a mesma coisa que é o puro ser.

C. O DEVIR 1. UNIDADE DE SER E NADA: O Ser puro e o nada puro são,


portanto, a mesma coisa. O que constitui a verdade não é nem o ser nem o ser nada,
mas aquilo que não supera, mas superou, isto é, o ser [superado] em nada e o nada
[superado] em ser. Mas ao mesmo tempo a verdade não é a sua falta de distinção, mas
sim que eles não são o mesmo, pois são absolutamente diferentes, mas não estão
separados pois são inseparáveis já que imediatamente cada um desaparece no seu
oposto. A sua verdade, então, consiste neste movimento do desaparecimento imediato
de um no outro: o Devir; um movimento onde os dois são diferentes, mas por meio de
uma diferença que foi resolvida imediatamente e ao mesmo tempo.
2. Os momentos do devir: nascer e morrer: O devir é a não separabilidade do
Ser e do Nada (Ser/Nada), não a unidade com que se abstrai o ser e o nada; como a
unidade do ser e do nada, está determinada a Unidade, ou seja, aquele em que está
igualmente o ser e o nada. No entanto, enquanto o ser e o nada não estão ainda
separados de cada um do seu outro [cada um deles], cada um não existe. Eles existem,
pois nesta unidade (Ser/Nada), portanto, eles são, enquanto desaparecidos, apenas
como (entes) superados. Eles decaem de sua auto-subsistência inicialmente
representada em momentos que ainda são distintos, mas ao mesmo tempo superados.
Se são tomados segundo esta sua diferença, cada um se acha na mesma unidade
com o seu outro. O devir, assim contém o ser e o nada como unidades, cada uma delas
é a unidade do ser e do nada; uma é o ser como imediato e como referência ao nada; a
outra não é o nada como imediato e como relação ao ser; nestas unidades as
determinações são de desigual valor1.
O devir assim é duplamente determinado. Em uma determinação, o nada é o
imediato, isto é, a determinação começa com o nada e isso se relaciona ao ser; isto é, o
atravessa. Na outra determinação, o ser é o imediato, isto é, a determinação começa
com o ser e isso passa para o nada - vir-a-ser e cessar de ser.
Ambos são o mesmo, o devir, e até mesmo como estas direcções são tão
diferentes eles se interpenetram e mutuamente se paralisam (2). Uma (direcção) é
perecer (morrer); o ser transcende ao nada, mas o nada é exactamente o oposto do ser
em si, a passagem para o ser, o vir a ser (nascer). Este futuro é a outra direcção; o
nada passa ao ser, mas sendo, igualmente, se supera em si e é antes a passagem ao
nada; está cessando de ser (perecendo).
Eles não se superam (excluem) reciprocamente – (no sentido de) que um supera
o outro, externamente - mas cada um deles se supera em si mesmo e é, em si mesmo, o
seu oposto.
3. O Superar do devir: O equilíbrio no qual o vir-a-ser e o perecer (o nascer e o
morrer), é sobretudo o devir. Mas este se recolhe em tranquila unidade. Ser e nada

1 A noção de valor aparece aqui antes de ser definida tanto lógica quanto ontologicamente. Por outro lado
esta afirmação categórica aparece saída do nada sem justificação lógica. Muitos das afirmações
metafísicas hegelianas aparecem assim ex nihilo arbitrariamente como se fossem intuitivas quando não o
são. O conceito de valor, que deveria ser o fundamento de qualquer metafísica, não aparece desenvolvido
na ciência da lógica de Hegel.
2 É difícil intuir o que seja uma “paralisação” ao nível metafísico mais alto que não seja mais do que uma
exclusão lógica mútua. No entanto, o jogo de cintura lógico hegeliano é precisamente o de referir de
imediato que “não se superam (excluem) reciprocamente – (no sentido de) que um exclui o outro,
externamente - mas cada um deles se supera em si mesmo e em si mesmo o seu oposto”. Ou seja, a
metafísica pouco mais é do que um jogo de palavras sábio e inteligente, que pode ser respeitável desde
que seja intelectualmente honesto.
estão nele apenas como desaparecendo (ir morrendo); mas o devir em si, no entanto, é
apenas em virtude da sua diversidade. O seu desaparecimento significa, portanto, o
desaparecimento do devir ou o desaparecimento do desaparecimento em si. O devir é
uma inquietude carente de firmeza, que cai em um resultado de repouso.
Isso também poderia ser expresso assim: o devir é o desaparecimento de ser em
nada, e de nada em ser, e o desaparecimento de ser e nada em geral; mas, ao mesmo
tempo, repousa por sua vez em serem distintos. Portanto, ela se contradiz em si mesmo,
porque unifica em si algo que se opõe; mas tal unificação é destruída.
Este resultado é um desaparecimento, mas não é o nada; como tal, seria
apenas uma recaída em uma das determinações já superada e não o resultado do nada
e do ser. É a unidade de ser e nada que se tornou uma serena simplicidade. Mas a
serena simplicidade é Ser, porém precisamente não por si mesma, mas como
determinação do todo.
O devir, como remetente à unidade do ser e do nada, que se encontra como
existente, ou seja, tem a forma da unidade unilateral imediata desses momentos, é o Ser
determi-nado (ou existência).
SER OU EXISTÊNCIA DETERMINADA (DAS DASEIN) EXISTÊNCIA
[Dasein] significa um ser determinado; sua determinação é uma determinação
existente, uma qualidade. Pela sua qualidade, algo está em frente do outro, é mutável e
finito, determinado não apenas um contra o outro, mas francamente em si mesmo de
forma negativa. Essa sua negação, oposta em primeiro lugar a algo finito, é o infinito;
a oposição abstrata, na qual essas determinações aparecem, se resolve na infinitude
carecida de oposição, ou seja, no ser-por-si (Absoluto). – A Ciência da Lógica, Georg
Wilhelm Friedrich Hegel.
O esquema conceitual subjacente à frase, “a natureza tem horror ao
vácuo”, não era, no contexto da época, absurda como pode parecer nos dias
atuais. De certa forma, “essa idéia explicava adequadamente certo número de
fenômenos, como por exemplo, a ação das bombas de elevação, a adesão de um
pedaço de mármore molhado a outro, a ação de um fole, a impossibilidade de se
fazer um “buraco” num líquido como se faz num sólido, e assim por adiante”
(CONANT, 1947, p.55).
O «vácuo» relativo é que não pode continuar a ter tal nome porque o vazio
é vão e o nada...de nada serve e a natureza onde “nada se perde, nada se cria do
nada, mas onde tudo se transforma” tem “horror ao vazio” onde até andar, apenas
de passagem como a luz tem andado, é perigoso, doentio e solitário demais para
ser sensato continuar a deixar que a relatividade geral ande a gerar quimeras e
monstruosidades como os buracos negros e a expansão acelerada do universo e
outras singularidade míticas e por vezes tão místicas como o Big-Bang!
Seja como for, começa a ser evidente que antes das bombas de vácuo era
difícil a ciência do vazio molecular tal como antes da luneta de Galileu era
prematuro imaginar o céu como da mesma natureza da terra. De qualquer modo,
a teoria do “horror ao vácuo” era tão engenhosa quanto a do “estado natural”:
respondia às questões que a levantavam sem, apesar disso, não dizer
nada...exactamente como a tese newtoniana da atracção gravítica! O que está
errado na teoria de Aristóteles não é tanto a teoria, que até funciona, mas a
linguagem que nela usa o pressuposto finalista que reporta apetites à natureza que
os perdeu por pressuposto racionalista decorrentes dum paternalismo olímpico de
“natureza morta” e de um humanismo helenístico onde o homem foi deixado
sozinho com o livre arbítrio porque a velha deusa mãe Ananque passou a ser a
deusa primordial da inevitabilidade entrelaçada a Cronos, o deus do tempo,
equivalente de Enki, no laço dum par de cobras atado ao caduceu desde o início
dos tempos e em que ambos, Ana + Enki, a mãe Natureza e o seu filho
primogénito, eram as forças cósmicas eternas do Destino e do Tempo. Mas, se a
atracão da gravidade não é um apetite contra natura é uma estranha e louca
paixão com atracções fatais entre massas cósmicas de tal modo inevitável que a
esta hora todo o universo deveria ser um buraco negro infinitesimal.
Vejamos como Hegel encara este “sentimento metafísico” da matéria.
NOTA 2: Nesta forma de existência, o uno é o grau da categoria que entre os
antigos fez a sua estreia como o princípio do atomismo, de acordo com qual a essência
das coisas são: o átomo e o vazio (rό άτομον o bien rά άroμa kaί rό κενόν). Quando
desenvolvida desta forma, a abstração ganhou uma maior determinação do que o ser
de Parménides e o devir de Heráclito. Tão alto quanto esta abstracção se levanta ao
fazer esta simples determinação do uno e do vazio como princípio de todas as coisas,
reduzindo a variedade do mundo a esta simples oposição e ousar derivar o
conhecimento disto do último, tão fácil é para a reflexão figurativa imaginar átomos
aqui e o vazio ao lado deles. Não é portanto, surpreendente, que o princípio
atomístico se tenha preservado em todas as épocas; igualmente a relação trivial
e externa da composição, que ainda lhe deve ser adicionada para atingir a
aparência de unidade concreta e de uma multiplicidade, é tão popular quanto os
próprios átomos e o vazio. O uno e o vazio são o ser-para-si, o ser-dentro-de-si
qualitativo mais elevado, caído na completa exterioridade; a imediação ou o ser de
uno, por se tratar da negação de todo ser-outro, se encontra posta para não ser mais
determinável ou mutável; e por seu absoluto rigor toda a determinação, multiplicidade
e conexão permanece, portanto, uma relação absolutamente externa.
213 - Com os primeiros pensadores, no entanto, o princípio atomístico não
permaneceu nessa exterioridade, mas também tinha, além de sua abstracção. No
entanto, entre os primeiros pensadores que o conceberam, o princípio atomístico
não permaneceu em tal exterioridade, mas pelo contrário tinha, além de sua
abstracção, uma determinação especulativa nisto: que o vazio fosse reconhecido
como a fonte do movimento; o que constitui uma relação entre os átomos e o
vazio completamente diferente do seu ser puro próximo um do outro e da
indiferença dessas duas determinações uma contra a outra.
Que o vazio é a fonte do movimento não tem o significado trivial que algo só
pode se mover em um espaço vazio e não em um já ocupava pelo uno, pois no último
não encontraria espaço deixado aberto; entendido dessa maneira, o vazio seria apenas
o pressuposto ou a condição de movimento, não o seu solo, e o próprio movimento
seria pressuposto como já existe enquanto o ponto essencial, o seu fundamento, é
esquecido. A visão de que o vazio constitui o fundamento do movimento contém o
pensamento mais profundo de que o terreno do devir, do agitação e auto-movimento,
encontra-se no negativo em geral, que, neste sentido, no entanto, deve ser tomado como
a verdadeira negatividade do infinito. - O vazio é o fundamento do movimento apenas
como a referência negativa do uno para com o seu negativo, para o uno, isto é, para o
seu próprio eu colocado, no entanto, como determinado existente.
Mas, por outro lado, as últimas determinações dos antigos com respeito à forma
e posição dos átomos e à direcção de seu movimento são arbitrárias e externas e
também estão em contradição directa com a determinação fundamental dos átomos. Os
átomos, princípio da máxima exterioridade e, portanto, da máxima falta de conceito,
afectam [desfavoravelmente] a física na teoria das moléculas e das partículas, assim
como a ciência política, que tem como ponto de partida a vontade particular dos
indivíduos.
C. Muitos unos – Repulsão: O uno e o vazio constituem a primeira existência
do ser-para-si. Cada um destes momentos tem negação para sua determinação, e está
posicionado ao mesmo tempo que uma existência. De acordo com essa determinação, a
que e o vazio são, cada um, a referência da negação à negação como de outra para o
outro: o uno é a negação na determinação do ser; o vazio, negação na determinação
do não-ser. Essencialmente, no entanto, aquele é apenas auto-referência como negação
referente, isto é, é ela mesma a mesma que a vazio do lado de fora é suposto ser. Ambos
são, no entanto, também postulados como cada existência afirmativa - um como sendo
para si como tal, o outro como existência indeterminada em geral - e cada um como
referindo-se ao outro como para uma outra existência. Essencialmente, no entanto, o
ser-para-si daquele é a idealidade da existência e do outro; não se refere a um outro,
mas apenas para si mesmo. Mas na medida em que o ser-para-si é fixo como o um,
como existente por si mesmo, como imediatamente presente, sua referência negativa a
si mesmo é ao mesmo tempo referência a um existente; e desde a referência é tão
negativo quanto aquele a que o ser-para-si refere determinado como uma existência e
como outro; como essencialmente auto-referência, o outro não é negação
indeterminada como o vazio, mas é igualmente um. O uno é, consequentemente, um
devir de muitos. Estritamente falando, porém, isso não é apenas um devir; para se
tornar é uma passagem de estar em nada; o outro, pelo contrário, torna-se apenas um
referido, como referido, contém o negativo como referência; tem essa referência,
portanto, nele. Assim, em vez de um devir, a próprio referência imanente é, em primeiro
lugar, presente; e, segundo, como essa referência é negativo e um é ao mesmo tempo
um existente, o que se repele de si mesmo. Esta referência negativa do um para si é a
repulsão. (...)
NOTA 5: Atração e repulsão, como é bem conhecido, são geralmente
consideradas como forças. Devemos agora comparar essa determinação deles, e as
relações conectada com isso, da maneira como acabamos de concebê-los. -
Considerado como forças, elas são tratadas como autónomas e, portanto, não se
referem a uns aos outros por natureza, isto é, não como cada um apenas um momento
que deve passar para o seu oposto, mas como cada um persistindo em oposição ao de
outros. Eles estão representados, além disso, como se juntando em um terceiro, na
matéria - de tal maneira, no entanto, que esta unificação não conta como sua verdade,
mas cada um conta antes como um primeiro, como um existente em si e para si: é
matéria ou determinações da matéria que são postuladas e produzidas através de eles.
Quando se diz que a matéria tem forças dentro de si, então ela é
entendida sob essa unidade de sua conexão, onde elas são vistas pressupostas
como existindo dentro de si mesmas e livres umas das outras. – A Ciência da
Lógica, Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
Mais estranho ainda é pensar com Hegel que o vazio, mais do que uma
condição para a penetrabilidade do movimento na realidade natural, seja “o
fundamento do movimento apenas como a referência negativa do uno para o
seu negativo, para o uno, isto é, para o seu próprio eu colocado, no entanto,
como determinado existente”. Entendido? Duvida-se mas adiante3!

3 Ao ler a verborreia metafísica idealista de Hegel, raramente fundamentada em factos, ou seja, quase
nunca resultante de generalizações empíricas ou científicas ficamos com as mesmas tonturas dos delírios
Ora, se de facto a Natureza (atomística, corpuscular ou como tal se
comportando) “abomina o vazio” porque tende a preenche-lo assim que pode, ou
seja, porta-se como se de facto lhe aborrecesse manter locais sem utilidade, é
duvidoso que a mesma Natureza seja capaz de sentir estes sentimentos tal como é
inaceitável que possa sentir atracção física por outros corpos que seria capaz de
detectar a distâncias infinitas! No entanto, Arthur Schopenhauer em «O Mundo
como vontade e representação» refere: Se, pois, eu disser que a força que atrai a
pedra para a terra é, conforme sua essência em si, além de representação,
vontade -- que não se atribua a tal frase a tola opinião de que a pedra se
movimenta segundo um motivo conhecido, já que é assim que a vontade aparece
no homem e depois em nota*: De modo algum concordamos com Bacon de
Verulam, quando (De augm. Scicnt. L 4 in fine) opina que rodos os movimentos
físicos e mecânicos dos corpos só se seguem depois de uma percepção prévia
nesses corpos; embora um pressentimento da verdade envolva essas falsas
colocações. O mesmo ocorre com a afirmação de Kepler, em seu ensaio De
planeta Martis, de que os planetas têm de possuir conhecimento para se
manterem tão exactamente em sua órbita elíptica e assim avaliarem a velocidade
de seu movimento, de modo que o triângulo da área de sua órbita sempre
permanece proporcional ao tempo no qual passam por sua base.
E, de seguida, Arthur Schopenhauer deveria ter introduzido a distinção
entre determinismo e livre arbítrio para distinguir a diferença entre a necessidade
da natureza e a vontade mas obviamente que ao nível da coisa em si é impossível
saber se existe diferença entre o fenómeno da vontade humana estudados pela
psicologia e os restantes fenómenos estudados pela ciência natural embora se
aceite que participam da mesma realidade objectiva ressalvadas as respectivas
distâncias de complexidade e subjectividade.
No caso de um fole comum, por exemplo, o ar entra violentamente depois
de se diminuir dentro dele a pressão porque os seus constituintes elementares
(moléculas) por um lado são empurradas pela pressão atmosférica e por outro
caem no vácuo do fole expandido porque perderam subitamente o apoio desse
lado da entrada do ar, ou seja actuam sobre elas tanto forças de atracão como de
repulsão o que microscopicamente resultará em vórtices e não em movimentos
lineares regulares e uniformes.
O que é que efectivamente gera o movimento de entrada de ar no
pulmão? Obviamente que as duas causas do movimento (atracão e repulsão),
porque a pressão só por si não levaria a nada se não houvesse uma
descompressão dentro do tórax e estas duas causas resumem-se a uma só unidade
de pensamento: um desequilíbrio de momentos de apoio (molecular ou outro) no
espaço gerado pelo “vazio relativo” dentro do mediastino, mais precisamente por
diminuição da pressão dos componentes moleculares do seu conteúdo. Se tal
significa, que “a matéria tem essas duas forças (atração e repulsão) em si
mesma” e se “essa unidade que têm na matéria é entendida como uma
associação dentro da qual são ao mesmo tempo pressupostos de permanecerem
independentes e livres umas das outras” eis, quod era demonstrandum, ou seja

ad nauseam dos gnósticos que em ambos os casos partem de vislumbres sábios sobre o Ser mas que
rapidamente descambam em apriorismos arbitrários e voluntaristas por falta de apoio concreto e real.
que as coisas atraem o que lhe falta para existirem e repelem os que lhes limita e
determina a existência. Põe isso é que, em equilíbrio dinâmico, o movimento
molecular é aleatório e brauneanao e também é por isso que sem fluxos
dinâmicos que o determinem nenhum corpo sai do seu equilíbrio dinâmico
estável para se lançar nos braços da aventura das forças cósmicas. O Devir
acontecem por atracção do Ser e repulsão do não ser Nada porque podem
acontecer ou seja, passando da potência ao acto.
Este mundo: uma monstruosidade de força, sem princípio, sem fim, uma
firme, brônzea grandeza de força... uma economia sem despesas e perdas, mas
também sem acréscimos, ou rendimento,...mas antes como força ao mesmo
tempo um e múltiplo,...eternamente mudando, eternamente recorrentes...
partindo do mais simples ao mais múltiplo, do quieto, mais rígido, mais frio, ao
mais ardente, mais selvagem, mais contraditório consigo mesmo, e depois outra
vez...esse meu mundo dionisíaco do eternamente-criar-a-si-próprio, do
eternamente-destruir-a-si-próprio, sem alvo, sem vontade...Esse mundo é a
vontade de potência — e nada além disso! E também vós próprios sois essa
vontade de potência — e nada além disso!” – Nietzsche, 1885.

A VIDA
O instinto sexual demonstra, além disso, ser a mais positiva e mais enérgica
afirmação do querer-viver, porque constituiu para o homem, no estado de natureza,
como para o animal, o último escopo e o supremo resultado da vida. A primeira
tendência do indivíduo é a conservação de si; apenas tenha provido a tal, não aspira
senão a propagar a espécie; como criatura natural não pode ter, para além, outra
tendência. Também a natureza, da qual é essência íntima o querer-viver, atira com
todas as suas forças, tanto o homem quanto o animal, à reprodução. Depois do que,
quando obteve do indivíduo o resultado que dele esperava, torna-se absolutamente
indiferente à sua destruição; porquanto na sua qualidade de querer-viver, interessa-se
unicamente pela conservação da espécie, e nunca pelo indivíduo. (...)
No livro segundo depreendemos que necessarimente existe em toda a natureza,
em todos os graus de objetivação da vontade, uma luta incessante entre os indivíduos
das várias espécies, e que com isto se revela um antagonismo interno do querer-viver
consigo mesmo. No grau supremo de objetivação, tal fenómeno, como tudo o mais, se
manifestará com clareza muito maior e poderá ser interpretado mais completamente.
Com esse fim procuremos antes de tudo a origem do egoísmo, que é o ponto de
partida de toda luta. -- O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO, Livro
IV, Arthur Schopenhauer.

O essencial dessa visão é antigo: Heráclito lamentava nela o fluxo eterno das
coisas; Platão desvalorizava seu objeto como aquilo que sempre vem-a-ser, sem nunca
ser; Espinosa o nomeou meros acidentes da substância única, existente e permanente;
Kant contrapôs o assim conhecido, como mero fenômeno, à coisa-em-si, por fim, a
sabedoria milenar dos indianos diz: “Trata-se de MAIA, o véu da ilusão, que envolve
os olhos dos mortais, deixando-lhes ver um mundo do qual não se pode falar que é
nem não é, pois assemelha-se ao sonho, ou ao reflexo do sol sobre areia tomado a
distância pelo andarilho como água, ou ao pedaço de corda no chão que ele toma
como serpente”. -- SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como
representação. Tradução: Jair Barboza. São Paulo:UNESP, 2005, p. 44.
“Por isso denominamos o mundo fenomênico seu espelho, sua objetidade; e,
como o que a Vontade sempre quer é a vida, precisamente porque esta nada é senão a
exposição daquele querer para a representação, é indiferente e tão-somente um
pleonasmo se, em vez de simplesmente dizermos “a Vontade”, dizermos “a Vontade de
viver”’. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 357-358).
No entanto, a vontade subjectiva de existir sentida como busca territorial
de poder vital é no homem o que Espinoza deduzia "Toda a coisa, enquanto é
em si, esforça-se por perseverar no seu ser." (E III, p6).
Este esforço de auto-preservação, ou conatus, pertence à natureza
intrínseca de todas as coisas individuais, já que nenhuma delas contém o
princípio da própria dissolução (sob pena, de contradizer a própria essência) e
pode portanto ser destruída apenas por causas externas. Este conatus, esta
vontade de manter ou aumentar o nosso poder de perseverar na nossa existência,
é o fundamento dos juízos morais que aplicamos às coisas: Espinoza afirma a
neutralidade moral da natureza, que é dominada por uma necessidade
totalmente cega que a coloca para além dos valores; ele acredita, porém, que em
virtude do nosso impulso de sobrevivência, naturalmente desejamos o que
favorece a nossa conservação e recusamos o que a ameaça, e que, portanto, «não
apetecemos nem desejamos qualquer coisa porque a consideramos boa; mas, ao
contrário, julgamos que uma coisa é boa porque tendemos para ela, porque a
queremos, a apetecemos e desejamos.»
Então, a única razão que nos permite acreditar na subsistência eterna do
Universo é a suspeita de que sendo infinitamente inexorável a sua entropia
material, tendencialmente caótica, também a negantropia formal e organizativa
da ordem vital terá que ser infinita, mantendo-se assim o equilíbrio total entre o
acaso da desordem e a necessidade organizativa de todos os processos envolvidos
no Devir. Sendo assim, o princípio mais geral e universal da conservação não é o
da Matéria / Energia mas o da Substância do Ser de que depende a eternidade e a
infinita conservação do Universo sendo a natureza do movimento uma crença na
dualidade dos processos opostos e divergentes que o compõem, feita de
equilíbrios sistémicos abertos porque o caos que a criação organizativa gera
segundo o segundo princípio da termodinâmica são o substrato de novas forma
de criações a múltiplos e infinitos níveis de organização e de vida que no final se
revela como sendo o terceiro principio em falta na termodinâmica para que o
principio de Lavoisier volte a ser válido.
Los sistemas vivos son capaces de conservar estados de
organización improbables (entropía). Este fenómeno aparentemente
contradictorio se explica porque los sistemas abiertos pueden importar
energía extra para mantener sus estados estables de organización e incluso
desarrollar niveles más altos de improbabilidad. La negentropía, entonces,
se refiere a la energía que el sistema importa del ambiente para mantener
su organización y sobrevivir (Johannsen. 1975).
Ao princípio entrópico da morte térmica opõe-se o princípio sintrópico
(negantrópico) da organização sistémica que retoma o princípio criador do elan
vital de Bergson a um nível muito mais universal e cósmico.
Na investigação filosófica sobre a mente, a expressão elã vital é uma
expressão de origem francesa (élan vital) que foi utilizada por Henri Bergson
(1859-1941) para designar um impulso original de criação de onde proviria a
vida e que, no desenrolar do processo evolutivo, inventaria formas de
complexidade crescente até chegar, no animal, ao instinto e, no homem, à
intuição, que seria o próprio instinto tomando consciência de si mesmo.
Uma física que foi delongadamente separada das ciências naturais teria
que redundar na morte térmica inexorável do universo que só a força essencial do
elã vital da sintropia, inerente à substância do Ser, poderão manter na eternidade
da existência. Ora bem, dizer que a entropia é proporcional à negantropia do
Universo a todas as escalas do espaço e do tempo equivale a dizer que afinal e
existência não passa de uma ilusão do Ser.
Na verdade, se as ciências naturais comprovam que omnis cellula ex
cellula, temos que generalizar com mais propriedade ainda que “a vida nasce da
vida” (por generalização indutiva de todas as vidas passadas e anteriores) do
mesmo modo que o mais complexo e organizado nasce do mais simples e
aparentemente organizado de acordo com a nossa escala de observação. Dito de
outro modo, o princípio da conservação do Ser como substância imutável de
Tudo e do Todo implica o princípio mais geral de conservação do ser admitindo
que o caos e a organização obedecem à regra da acção e reacção sendo o verso e
reverso do mesmo processo do Devir. Na prática tal implica a aceitação de que as
perdas invisíveis de energia são absorvidas por processos invisíveis do seu
reaproveitamento em formas invisíveis de criação de matéria oculta, porque “na
natureza nada se perde nada se cria e tudo se transforma” e ao lado de cada
destruição e desperdício aparece vida e organização que reaproveitam a sua
energia remanescente ad nausem e ad infinitum. Na verdade, se repararmos bem,
a termodinâmica não determina o aniquilamento da energia em si mesma mas a
sua dispersão enquanto fonte de energia útil, humanamente aproveitável e
disponível. Mesmo as físicas que prevêem a destruição da matéria, em confronto
hegeliano com a antimatéria, se postula que esta se transforma em energia do
vazio. É certo que os estados com baixa entropia são inerentemente
improváveis, tal como a vida o é, de tal modo que só a encontramos até
agora na Terra mas a eternidade infinita tem tempo para tudo!
Vejamos o exemplo que usa Julian Barbour:
Se colocarmos um cubo de gelo dentro de uma caixa, a entropia
aumentará da seguinte forma: primeiro teremos um cubo bem ordenado, ou seja,
com baixa entropia.
Então aquele cubo derreterá e a água se espalhará pela caixa. A entropia
aumentará. Finalmente, a água poderá evaporar, e suas partículas se
distribuiriam indistintamente por toda a caixa. A entropia atingirá seu nível
máximo.
Em um espaço sem limites, diz Barbour, essas partículas de água
poderiam continuar viajando e, graças à gravidade, se juntar a outras partículas
até formarem estruturas novas e mais complexas, que se expandiriam em todas
as direções do espaço... e do tempo.
Assim, segundo Julian Barbour, o que determina a passagem do tempo
não é o aumento da entropia, mas o aumento da complexidade, sem limites de
tempo ou espaço.
Na visão tradicional da física, a entropia aumenta implacavelmente com o
passar do tempo, o que significa que um dia nosso Universo atingirá seu estado
máximo de entropia: terá se expandido tanto que será uma desordem total. Ou,
melhor, dizendo uma infinidade de nulidades solitárias!
Julian Barbour, porém, arrisca-se com uma visão mais optimista. Em sua
teoria, o tempo não avança inevitavelmente em direção à entropia total. O que
ele prevê é o inverso: um Universo cada vez mais complexo e estruturado que
cresce sem fronteiras. Na verdade, em vez de dissipação, Barbour prefere dizer
que a energia se espalha. (...)
Sua visão é a de um Universo cada vez mais variado e dinâmico, onde não
faltará calor e energia para continuar crescendo em todas as direcções do tempo
e do espaço4.
E na verdade não falta energia no Universo porque ela, a energia é a sua
essência, do mesmo modo que a matéria é a sua existência tal como o Ser é a
substância de tudo.
O mesmo Julian Barbour afirma que Mach observou
“Está totalmente além de nosso poder medir as mudanças das coisas
pelo tempo. Muito pelo contrário, o tempo é uma abstração à qual chegamos
através das mudanças das coisas.”
Assim, o tempo como tal não existe, apenas muda. Grande parte da minha
pesquisa foi dedicada às implicações desse insight. Mostrei como, ao lado da
relatividade do movimento, a noção de tempo como mudança pode ser
construída nas bases da dinâmica. Na verdade, essa ideia está contida de uma
forma oculta na relatividade geral. Suas consequências potenciais para a ainda
não descoberta mecânica quântica do universo são profundas. O universo
quântico provavelmente é estático. O movimento e a aparente passagem do
tempo podem ser apenas ilusões muito bem fundadas. (...)
Mas a unificação da relatividade geral e da mecânica quântica pode
muito bem significar o fim dos tempos. Com isso, quero dizer que ela
deixará de ter um papel nos fundamentos da física. Veremos que o tempo
não existe.
No entanto é difícil seguir Julian Barbour quando esta afirma: Agora
acho que devemos, em uma virada irónica para a revolução copernicana,
ir mais longe, para uma realidade mais profunda em que nada, nem o
céu nem a Terra, se movem.
Como sabemos esta era a posição dos eleatas ou seja o que Julian Barbour
propõe é um regresso ao cepticismo idealista antigo que contaminou o próprio
paradoxo socrático: «só sei que nada sei». Na verdade, o tempo é seguramente
uma abstracção cuja materialização é a fonte de todos os equívocos relativistas
pós einsteinianos e o movimento poderá ser uma ilusão relativa à sucessão de

4 O físico que afirma que o tempo corre em duas direções (e de que modo isso afeta como entendemos o
Universo) Carlos Serrano (@carliserrano) BBC News Mundo.
diferentes instantes e «agoras» mediado pelos suportes de memória e pur si
muove algo, aqui e agora!

O TEMPO E A MUDANÇA
Voltando à definição do movimento de Descartes notamos que esta não
diverge em quase nada da de Aristóteles.
El físico tiene que estudiar el lugar de la misma manera que el infinito, a
saber: si es o no es, de qué modo es, y qué es. Porque todos admiten que las
cosas están en algún «donde» (...), y porque el movimiento más común y
principal, aquel que llamamos «desplazamiento», es un movimiento con
respecto al lugar. – Aristóteles – Física.
Tendo em vista que Descartes compreende o movimento
“simplesmente” como “mudança de lugar”, como pode haver movimento
sem vazio, se o movimento é entendido tão somente como o que faz os
corpos passarem de um lugar para outro? (…)
Considero que há uma infinidade de diferentes movimentos que
duram perpetuamente no mundo. E, após ter observado os maiores, que
constituem os dias, os meses e os anos, noto que os vapores da terra não
cessam de subir em direção às nuvens e de lá descer, que o ar está sempre
agitado pelos ventos, que o mar jamais está em repouso, que as fontes e os
rios fluem sem cessar, que os mais firmes edifícios por fim entram em
decadência, que as plantas e os animais não fazem mais que crescer ou se
corromper, em suma, que não há nada, em lugar algum, que não se altere
(AT XI, p. 10-11; DESCARTES, 2009, p. 29-31). – O PAPEL DO
MOVIMENTO N’O MUNDO DE DESCARTES, Marcos Alexandre
Borges.
Lo mismo hay que decir del supuesto de que las cosas son así por la
Naturaleza y que ésta ha de ser considerada como un principio, como parece
haber pensado Empédocles cuando dice que el dominio y la fuerza motriz
alternante del Amor y el Odio es algo que pertenece por necesidad a las cosas,
y que en el tiempo intermedio las cosas están en reposo. (...)
Baste, pues, con lo dicho para mostrar que nunca hubo un tiempo en el
que no hubiera movimiento y que nunca habrá un tiempo en el que no haya
movimiento. -- Aristóteles – Física.
É interessante que este princípio do moto perpetuum seja sobretudo da
intuição subjectiva e emocional porque aparece num dos mais belos sonetos da
lírica camoniana sobre as vicissitudes que nem só já da vida amorosa mas da
existência em geral.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
-- Luís Vaz de Camões, "Sonetos".
O tema da mudança como realidade sobretudo emocional é muito
recorrente na Renascença e sempre para pior tanto em Camões como em Sá de
Miranda.
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
Qual é tal coração que em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
Incertos muito mais que ao vento as naves.
Sá de Miranda.
Mas é óbvio que o progresso científico demandava uma cada vez mais
clara objectividade que passava tanto pela separação da física da metafísica como
de uma visão mítica e poética do mundo...que muitas vezes nos confunde por ser
um mero exercício de má linguagem!
O cinema hoje é tido como movimento. Mas o movimento não
existe. O que existe são as coisas a moverem-se no espaço. -- Manoel de
Oliveira. "A vida é uma derrota"5.
Na verdade, com que critério gramatical pôde Manuel de Oliveira dizer
que o movimento não existe se logo depois diz que são as coisas que se movem
uma vez que o movimento é somente isso: um advérbio relativo à qualidade
essencial das coisas que se movem? Nesta melhoria da visão do mundo a bordo
das naus dos descobrimentos marítimos os ibéricos acabavam demonstrando os
erros dos antigos ao dar novos mundos ao mundo e comprovando urbi et orbi a
rotundidade da Terra com a viagem de circum-navegação de Fernão de
Magalhães.
Estimulados por essas teorias, vários países e vários grupos de
comerciantes europeus lançam-se ao mar, buscando apoio na ciência para
ampliar seus conhecimentos sobre construção naval e sobre as rotas
marítimas de comércio. A Terra é mapeada e esquadrinhada por geômetras
e cientistas; os comerciantes, com uma atitude típica da época - o
experimentalismo -, põem em prática as teorias científicas, navegando. A
descoberta da América por Colombo (1492), por exemplo, e a primeira
viagem ao redor do mundo (1519-1521), realizada por Fernão de
5 Uma conversa de Pedro Mexia com o histórico realizador, publicada no Expresso em 2013.
Magalhães, são atitudes ousadas de navegantes que acreditavam na
rotundidade da Terra muito antes de sua comprovação. -- 6
«Que direi daqueles — diz Lactando — os quais tiveram para si que há
no Mundo outros homens que andam com os pés virados para nós, a que
chamam antípodas? Porventura dizem estes alguma cousa que tenha
fundamento, ou pode haver homem de tão pouco juízo que se lhe meta na
cabeça que há homens que andem com a cabeça para baixo, e que todas as
cousas que aqui estão em pé, e direitas, lá estejam dependuradas? Que as
árvores cresçam para a parte inferior? Que a chuva caia para cima? (...)
Mas será bem que digamos a origem donde teve princípio este erro e que
razão moveu ou levou estes homens a uma cousa tão irracional, como haver
antípodas. Viam que o Sol, a Lua e estrelas, saíam sempre do Oriente e
entravam pelo Ocaso; viam, ou cuidavam que viam, que este céu que nos cobre,
tem figura de uma abóbada (sendo que esta representação não a faz a figura do
céu, senão o termo e fraqueza de nossa vista); e não entendendo o modo por que
esta máquina se governa, vieram a imaginar que o Mundo era redondo como
uma bola, e assim fingiam que havia no céu vários orbes de matéria sólida
como bronze, em que estavam esculpidas essas imagens e corpos portentosos, a
que chamamos estrelas e planetas. Desta redondeza ou rotundidade do céu
inferiam e assentavam que também a Terra era redonda; e, acomodando-se
naturalmente a figura do corpo exterior e maior, dentro do qual estava metida,
e torneada desta maneira, e feita redonda a Terra, tiravam por segunda
consequência que também havia de estar povoada de homens e de animais, em
todas as partes, como está: nesta em que vivemos; assim que a imaginada
rotundidade do céu foi a inventora destes antípodas pendurados. (...).
O que se haja de dizer de tais homens e de tais entendimentos, não o sei;
só digo que, depois de terem caído no primeiro erro, perseveram
constantemente na sua ignorância, defendendo umas cousas vãs com outras
tão vãs como elas; sendo que algumas vezes cuido que não dizem nem escrevem
isto de siso, senão por jogo e zombaria, e que sabendo muito bem que tudo o
que dizem são fábulas e mentiras, as defendem contudo para ostentar habilidade
e engenho, empregando tão bons entendimentos em tão más cousas. Este é o
discurso de Lactâncio, e foi bem que o deixasse tão miúdamente escrito, para
que soubéssemos o que naquele tempo se sabia do Mundo e para que saiba o
mesmo Mundo quanto deve aos Portugueses, primeiros descobridores de seus
antípodas. (...)
«E quanto à fábula dos que fingem que há antípodas — diz Santo
Agostinho, isto é, homens da outra parte do Mundo, onde o Sol lhes nasce a
eles, quando se põe a nós, e que pisam a terra com os pés voltados para os
nossos, como nós para os seus, é cousa que de nenhum modo se há-de crer, nem
seus autores o provam com alguma história que tal afirme, e só o conjeturam
por discursos.
Não dissera isto o sapientíssimo Doutor, se já naquele tempo estiveram
escritas as histórias dos Portugueses, mas este é o maior louvor da nossa Nação
(como disse um orador delas) que chegaram os Portugueses com a espada
onde Santo Agostinho não chegou com o entendimento. -- Padre António
Vieira HISTÓRIA DO FUTURO, CAPÍTUL0 XII.
6 http://dominiodasletras.spaceblog.com.br/1295531/Clacissismo/
O problema com Descartes é saber o que é a substância do ser depois de se
aceitar o movimento eterno como determinante da sua realidade.
O que faz com que haja movimento no mundo físico, segundo
Descartes, não é algum motor (seja ele primeiro ou não), mas é a simples
presença de movimento. Se não há vazio e há movimento, não é possível
que o movimento não seja constante, não é possível que o movimento de
alguns corpos não cause o movimento de outros e não determine todas as
configurações dos corpos (figura, tamanho, etc.). (…)
Portanto, segundo a física cartesiana é possível que os corpos
passem de um lugar para outro e ocupem sucessivamente todos os espaços
que há entre eles, sem a necessidade do vazio, por conta da existência de
diferentes elementos na natureza. Sendo que os elementos mais líquidos,
formados por partículas muitíssimo pequenas de matéria e que se movem
muito rapidamente, não são perceptíveis aos sentidos e são facilmente
removíveis pela acção de corpos mais sólidos. E os espaços em que não se
percebe a presença de algo, o que faz com que se pense no vazio, estão
ocupados por esses elementos muito sutis e imperceptíveis à limitada
capacidade de percepção humana. – O PAPEL DO MOVIMENTO N’O
MUNDO DE DESCARTES, Marcos Alexandre Borges.
Como a Substância é o que permanece nas coisas que mudam e, portanto,
o fundamento de todo o acidente que designa as determinações que podem
mudar, Descartes definiu-a como sendo tudo aquilo que não necessita de
nenhuma outra coisa para existir o que costuma ser definido como sendo o
Absoluto, aspecto que reportado à Natureza iria colocar Descartes na posição de
uma panteísta discípulo de Espinosa...o que, entre outras coisas, o iria colocar à
porta do Santo Ofício razão que o levou a considerar essa definição stricto sensu
pois, irá posteriormente distinguir a substância incriada das substâncias criadas, o
que o leva, conforme comenta Espinosa, a ser clara e distintamente rígido na sua
definição de substância, mas não nas consequências lógicas desta porque para
Descartes a única substância que rigorosamente não precisa de nenhuma outra
para existir é a incriada (Deus) sendo as outras, a res cogitans e a res extensa,
dependentes do Deus bíblico e criador do mundo.
Em contrapartida, e ainda segundo Espinosa, a rigidez metódica racional
exige que o termo “substância” seja reservado exclusivamente a Deus pois, se
houvesse mais de uma substância, uma teria que limitar à outra, como é óbvio e
daí a possibilidade da Substância de Descartes se confundir com o Absoluto.
Então, mais para salvar as aparências do que a lógica, Espinosa pensava que, o
que para Descartes aparecia como substâncias criadas (res cogitans e res extensa)
seriam modos da substância divina a única substância que existiria
absolutamente. No entanto poderíamos contrapor a Espinosa que por ventura o
erro de Descartes estará na definição e não na substância embora com a ajuda dos
eleatas chegaríamos às mesmas conclusões de Espinosa bastando para tanto
deixar de lado o preconceito cristão da natureza criada, herdada do paternalismo
patriarcal que havia rejeitada a Natureza materna da sempre eterna Virgem Mãe
Natura, constantemente autogerada ou eternamente incriada.
Por Isso temos razão quando na Escola dizemos que o nome de
substância não é unívoco relativamente a Deus e às criaturas, isto é, não
concebemos distintamente nenhuma significação desta palavra que convenha a
ambos com o mesmo sentido. [Mas porque entre as coisas criadas algumas são
de tal natureza que não podem existir sem outras, distinguimo-las daquelas que
só têm necessidade do concurso ordinário de Deus, chamando então
substâncias a estas, e qualidades ou atributos das substâncias àquelas].
“De l’étendue maintenant telle que la conçoit Descartes, c’est-à-dire
comme une masse au repos, il n’est pas seulement difficile, ainsi que vous le
dites, mais complètement impossible de tirer par démonstration l’existence des
corps. La matière au repos, en effet, persévérera dans son repos autant qu’il est
en elle et ne sera mise en mouvement que par une cause extérieure plus
puissante. Pour cette raison je n’ai pas craint d’affirmer jadis que les principes
des choses de la nature admis par Descartes sont inutiles, pour ne pas dire
absurdes.“ (Lettre 81, 1676). Spinoza à Ehrenfried Walther von Tschirnhaus.
Tout d’abord, c’est Spinoza lui-même qui réfute catégoriquement -
quelques móis avant sa mort - dans sa lettre 81 à Ehrenfried Walther von
Tschirnhaus (1651-1708) la façon dont Descartes conçoit l’étendue comme
«masse en repos» ou autrement dit matière dépourvue de mouvement.
(...) Selon Spinoza, un corps est un ensemble três dynamique des corps
composants identifié par un rapport mutuel de mouvement et de repôs [motus et
quietis rationem]. Presque tout peut varier: la grandeur des parties peut varier, la
vitesse et la direction de la vitesse peuvent changer, les parties peuvent être
séparées et substituées et le corps en soi peut même être en repos ou en
mouvement dans n’importe quelle direction. Toutefois, le corps maintient sa
nature à condition que son ratio de repos et de mouvement soit identique. Un
corps n’est donc pas quelque chose qui peut AVOIR un mouvement ou un repos
par rapport aux corps voisins, mais plutôt une individualité physique qui EST
un ensemble de «mouvement et repos» des parties. -- Le «démasquement» de
Descartes par Spinoza dans les Principia Philosophiae Cartesianae, F.F.A.
Buyse Université Paris 1- Panthéon / Sorbonne.
Obviamente que com a substância de Descartes a física teórica não teria
ido muito longe porque o único referencial seria o absoluto que só poderia ser
Deus que estando em toda a parte também não está em parte alguma. Como é
óbvio, esta questão é eminentemente metafísica e discuti-la irá lentamente perder
sentido em detrimento da objectividade que em Descartes estaria, afinal, apenas
nos «elementos», razão pela qual o racionalismo de Descartes acabou alcunhado
de materialista.
Simplício da Cilícia, em seu livro Física, assim nos explica sobre a
natureza desse Ser-Absoluto de Parménides: “Como poderia ser gerado? E
como poderia perecer depois disso? Assim a geração se extingue e a destruição
é impensável. Também não é divisível, pois que é homogéneo, nem é mais aqui e
menos além, o que lhe impediria a coesão, mas tudo está cheio do que é. Por
isso, é todo contínuo; pois o que é adere intimamente ao que é. Mas,
imobilizado nos limites de cadeias potentes, é sem princípio ou fim, uma vez que
a geração e a destruição foram afastadas, repelidas pela convicção verdadeira.
É o mesmo, que permanece no mesmo e em si repousa, ficando assim firme no
seu lugar. Pois a forte Necessidade o retém nos liames dos limites que de cada
lado o encerra, porque não é lícito ao que é ser ilimitado; pois de nada
necessita – se assim não fosse, de tudo careceria. Mas uma vez que tem um
limite extremo, está completo de todos os lados; à maneira da massa de uma
esfera bem rotunda, em equilíbrio a partir do centro, em todas as direcções;
pois não pode ser algo mais aqui e algo menos ali.” – Parménides – Wikipédia.
O princípio da conservação da energia manifestava-se na física cartesiana
na conservação da quantidade de movimento porque afinal era apenas ele o que
permanecia durante a mudança...o que parece ser uma contradição nos termos
que vamos encontrar em Aristóteles, se é que isso pode ser possível como as
polémicas dos eleatas e pré-socráticos o demonstraram.
O antigo sistema filosófico dos eleatas só admitia duas espécies de
conhecimentos: os que provinham dos sentidos e eram meras ilusões, e os que
provêm do raciocínio e são os únicos verdadeiros, ou seja, contrapunham ao
empirismo o racionalismo que foi durante os séculos seguintes o grande travão ao
desenvolvimento científico moderno.
Na verdade, o pensamento moderno só iria progredir quando se começou a
dar conta de que não existe empirismo descontrolado senão entre tolos e que a
racionalidade inteiramente desligada da realidade sensível só gera especulações
quiméricas, mitos e ficção científica. E Descartes, também racionalista, o diria se
pudesse ser confrontado com Newton. De facto, o dualismo das antinomias
filosóficas clássicas só se pode ultrapassar aceitado que ao nível do
conhecimento humano as verdadeiras ilusões decorrem dos delírios racionais que
só o relativismo empírico pode fazer descer à terra na forma de um racionalismo
realista de tradição aristotélica.
Este es un problema fundamental que a finales del siglo XVII
enfrentará a los pensadores newtonianos – mejor dicho, al mismo Newton –
con Leibniz, precisamente, por el problema de la conservación o no de la
cantidad de movimiento que hay en el universo; de manera más exacta, si
el movimiento se conserva o tiende a acabarse. Según Newton, la cantidad
de movimiento en el universo tiende a acabarse, es decir, que tiende al
reposo; esta es la razón por la cual Dios, de vez en cuando, interviene en él
para imprimirle la cantidad de movimiento necesaria para que siga
existiendo; por ello, según Leibniz, el Dios de Newton es un relojero que de
vez en cuando debe darle cuerda el reloj para que siga funcionando, es por
tanto, un Dios imperfecto.
De cierta manera, Leibniz es heredero del racionalismo cartesiano;
así, defiende la idea de que Dios en el momento de la creación puso una
cantidad de movimiento en el mundo que se mantiene constante y, por lo
tanto, Dios no interviene en el mundo; es la razón por la que Newton,
acusando de herejía a Leibniz, afirmaba que el Dios de Leibniz es un Dios
holgazán, que creó el universo y el movimiento, y se acostó a dormir. -- LA
FILOSOFÍA DE LA NATURALEZA CARTESIANA, por: Johman
Carvajal Godoy.
O princípio de que a quantidade de movimento permanece constante já
vinha de Heraclito que afirmava que “tudo é movimento, e que nada pode
permanecer parado, excepto o próprio movimento”. E aqui Heraclito erra tanto
por falta de lógica como por falta de congruência porque esta afirmação envolve
uma contradição nos termos do tipo das que desacreditam as afirmações
metafísicas e dogmáticas baseadas em palavras e conceitos imprecisos como “se
tudo é relativo” também esta afirmação o é e nem a relatividade é credível. Ora
uma coisa é afirmar juízos de facto como “ser tudo movimento” e outra misturar
esta verdade com juízos de valor do tipo de sendo tudo mutável tudo é fútil e sem
valor como seria a afirmação tudo o que é mutável é relativo.
Então a afirmação “tudo é relativo” implica que duas afirmações
contraditórias possam ser verdadeiras? Evidentemente que não, pois afirmar
que duas contraditórias são verdadeiras implica aceitar que duas afirmações
contraditórias não são verdadeiras, o que é um absurdo. (7)
Sendo assim, o movimento não é absoluto nem mesmo gramaticalmente
pois que sendo tudo mutável é mesmo porque o movimento se move
constantemente ad ifinitum em tudo e todo o lado, como seria de esperar do tudo
o que se move eternamente.
Que era então o movimento para os antigos pós socráticos?
Segundo Aristóteles, as coisas tendem a colocar-se no seu “lugar natural”
de equilíbrio dinâmico, facto a que chamou de “movimento natural” com óbvia
propriedade porque só artificialmente (por acção humana como seria
miraculosamente por intervenção divina, se tal for epistemologicamente
admissível) acontece algo na natureza de forma inabitual. Dois mil anos depois,
dizer isto pareceria pouco mais do que uma lapalissada se não fosse evidente que
o difícil é saber qual é de facto o “local natural” das coisas no meio da
complexidade caótica da realidade, mediada pela fenomenologia dos caprichos
da subjectividade humana. Contudo, Aristóteles continuará por muitos séculos a
ser uma dos maiores vultos do pensamento humano porque, não ignorando os
limites da epistemologia que o seu mestre lhe tinha ensinado e que os
relativismos sofistas tornavam incontornável na tendência para aceitar que o
“homem é a medida de todas as coisas”, ainda assim não desistiu de encontrar no
realismo a verdade possível ao seu tempo, aceitando que ”nihil est in intellectu
quod non fuerit prius in sensu8.
Leibniz irá contrapor que “nada há na mente que não tivesse passado
pelos sentidos...excepto a própria mente”...o que Aristóteles naturalmente não
rejeitaria se as coisas lhe fossem assim colocadas no tempo do iluminismo! Mas
este retoque de Leibniz relativo às ideias inatas nem é de todo intelectualmente
inocente nem remata de vez a questão do relativismo do conhecimento porque a
mente depende do cérebro e do corpo e estes da capacidade criadora da natureza
cujas leis o pensamento e a mente procuram descobrir num processo que tem
tanto de reflexivo como de especulativo e por isso sempre necessariamente
relativo e circular.

7 8 abril 2013Anderson AlvesAnálise.


8 Nada está no intelecto que não tenha estado primeiro nos sentidos.
Aristóteles resumiu o pensamento de todos os seus antecessores na sua
teoria metafísica das quatro causas das quais os modernos respeitam apenas a
material e a motora, sendo as restantes meras categorias formais mais ou menos
arbitrárias...mas ainda assim racionais e que serão de aceitar enquanto
funcionarem por corresponderem à forma dual e funcional do pensamento
humano de tal modo que da causa material resta a “matéria-prima”; da causa
formal fica o essencial; na causa eficiente se fundamente o determinismo e da
causa final o pragmatismo político se “de boas intenções não estivesse o inferno
cheio”. Ainda assim, a causa final pode encontrar na física o peso da necessidade
das leis naturais, ou seja, seria a forma tangível do lugar “natural das coisas” que
como veremos é, de certo modo, o conceito mais simples de Aristóteles e
também o mais bem conseguido, como adiante se verá.
Sobre a causa motora, Aristóteles elaborou a física do movimento a que
toda a substância está sujeita nas mudanças da sua matéria dividindo-o em acto e
potência...ou seja, até o que não está em movimento participa potencialmente
deste por lhe ser receptivo e poder vir a mover-se 9. Obviamente que tudo isto é
apenas a descrição gramatical da realidade tal como ela se apresenta ainda hoje
ao senso comum esclarecido, particularmente no universo da prática jurídica.
Ahora bien, no hay movimiento fuera de las cosas, pues lo que cambia
siempre cambia o sustancial o cuantitativamente; cualitativa o localmente, y,
como hemos dicho, no hay nada que sea común a tales câmbios y no sea o un
«esto» o una cantidad o una cualidad o alguna de las otras categorías. (...)
El movimiento es, pues, la actualidad de lo potencial, cuando al estar
actualizándose opera no en cuanto a lo que es en sí mismo, sino en tanto que es
movible. (...)
Es claro, entonces, que esto es el movimiento, y que una cosa se mueve
cuando está en actualidad (...). Porque actuar sobre lo movible en cuanto tal es
precisamente moverlo; pero el moviente hace esto por contacto, de tal manera
que al mismo tiempo experimenta también una modificación. – Aristóteles –
Física.
De facto, o pensamento de Aristóteles a respeito do movimento conseguiu
ser mesmo mais subtil do que o de Descartes na medida em que distinguia o
“movimento em geral”, de que o movimento subjectivo do pensamento faz parte,
do “movimento local” que em particular era movimento objectivo e físico, ou
seja, um mero aspecto formal do movimento real das coisas em acção e
movimento. No entanto, é forçoso dar conta de que o pensamento clássico (e
quiçá o moderno) enferma muitas vezes de equívocos de linguagem ou então o
grande Aristóteles também cometia gafes tremendas.
Dizer “pois o que muda sempre se altera nem que seja substancialmente”
parece ser uma contradição nos termos sabendo-se que a substância é o que
permanece durante a mudança...quiçá na convicção de Heraclito de que “tudo
muda excepto a mudança”...quando deveria ter dito, sobretudo a mudança por ser
mutável na sua essência e então até a substância do Ser é mutável por condição e
essência! A verdade é que não sabemos muito bem o que dizemos quando
9 Notar que a este respeito a dialética hegeliana da teses e antíteses se podem reflectir na potência e no
acto de Aristóteles.
pensamos as coisas desta maneira metafísica porque sendo o nosso espírito
relativo e finito difícil lhe é pensar o Ser como infinitamente mutável sem perder
a substancialidade una e indivisível. Quiçá a metafísica seja, como pensa Kant,
inefável e indeterminada por essência e o movimento seja afinal uma forma de
ilusão mas então é esta espécie de ilusão do nosso entendimento que constitui a
nossa realidade sobre a qual nos cabe pensar e fazer ciência e o resto é pura
metafísica de onde não saímos sem cair na loucura divina se nos enredamos à
procura de uma teimosa descoberta do fio de Ariadne da verdade Absoluta. Por
isso, o melhor é entender a metafísica como o conjunto de primeiros princípios
recolhido à tona do oceano da indeterminação da especulação racional (e muitas
vezes à toa) e sobre os quais nos entendemos o suficiente para construir uma
epistemologia instrumental apta a fazer ciência útil e saber reconfortável.

QUANTIDADE DE MOVIMENTO
Seja como for, parece que a última fronteira da condição mínima da
realidade é a “quantidade de movimento” que já parecia estar latente no
pensamento aristotélico. A física de Aristóteles era quase apenas uma gramática
das ciências naturais do seu tempo, relativas ao entendimento que se pode ter do
movimento que estando limitado aos conhecimentos do senso comum que não ia
além do percurso pedestre ou por tracção animal e das corridas de carros de
cavalos, pois parece que o movimento de navegação não teria impressionado
particularmente os clássicos. Aristóteles acaba a sua física com o apriorismo, de
que “somente o movimento circular pode ser contínuo e infinito” algo que hoje
seria inaceitável na física dinâmica pós Galileu, e que se referiria seguramente
mais a uma forma de movimento metafísico derivado do mito do “eterno retorno”
da Natureza, e ao movimento circular das esferas concêntricas dos astros na
abóbada celeste, que segundo os gregos seria o movimento perfeito, eterno e
regular porque, para todas as gerações, eram sempre observados nos mesmos
corpos celestes. Deste modo, Aristóteles transforma-se no primeiro teórico da
física moderna e o último da nebulosa e mística física pré socrática que ainda
tinha mais de mitologia do que de filosofia metafísica.
El tiempo y el movimiento son infinitos, y también el pensamiento,
aunque no permanezca la parte que es tomada. (...)
Pero no hay ninguna necesidad de que exista el vacío por el hecho de
que exista el movimiento. No hay en absoluto tal necesidad como condición de
todo movimiento en general, por una razón que se le escapó a Meliso, a saber,
porque lo lleno puede alterarse. Así, tampoco el movimiento local exige la
existencia del vacío; porque los cuerpos pueden simultaneamente reemplazarse
entre sí, sin que haya que suponer ninguna extensión separada y aparte de los
cuerpos que están en movimiento. Y esto es evidente también en los torbellinos
de los contínuos, como, por ejemplo, en los de los líquidos. – Aristóteles –
Física.
A metafísica da causa motora de Aristóteles parecia ser tão clara que nem
Descartes a alterou. Não foram alguns erros empíricos grosseiros de Aristóteles a
respeito do movimento local quantitativo, como foi a necessidade da acção
contínua, a perfeição e primazia do movimento circular e a diferença de
velocidade na queda dos graves em função da densidade e Aristóteles poderia ser
um cartesiano. Porém, Aristóteles era sobretudo um biólogo que estava longe do
fôlego de Arquimedes em termos de observação física e deixou-nos uma física
mais racionalista que realista porque quando a ciência se afasta da natureza, à
míngua de dados sensíveis cai no excesso de racionalismo e à força de
formalismos especulativos ou matemáticos acaba por gerar discursos
incompreensíveis mais próximos da ficção científica do que da realidade.
A matemática é o instrumento científico utilizado para examinar o mundo
do ponto de vista de sua quantidade, mas ela não é capaz de nos dar por si só a
natureza do mundo. – Aristóteles.
Notar que Aristóteles não nega o valor da matemática. No entanto, Galileu
irá retomar o erro do idealismo platónico ao referir metaforicamente que “a
matemática é a linguagem da natureza” e Kant até irá mais tarde ao postular que
estas duas ciências (a matemática e a física) eram capazes de elaborar "juízos
sintéticos "a priori”, por tratarem justamente das leis que regem o conhecimento
dispensando, assim, qualquer experiência. De facto, os progressos da física
matemática do iluminismo foram tais que até Kant ficou rendido ao fascínio do
casamento entre estas duas ciências que ocorreu depois de Galileu. No entanto, é
inaceitável que Kant tenha confundido a Física com a Matemática no que repita
aos "juízos sintéticos "a priori”. Se a “distinção dos objectos do conhecimento
entre «fenómeno» e «núomeno» é basilar na teoria kantiana” porque o “objecto
da experiência de nossas representações sensíveis e o objecto do entendimento de
nossas representações intelectuais” são coisas diferentes então a física é distinta
da matemática porque a primeira não sobrevive sem os «fenómeno» e a segunda
só sobrevive com os «núomenos». Ora, quando a física dispensa os ‘juízos’ a
posteriori” transforma-se numa ficção científica racionalista, como aconteceu
com a física de Descartes.
Ora bem, a razão pela qual a filosofia nunca acaba por trazer convicções
duradouras reside precisamente nestes pequenos deslizes imperdoáveis que
decorrem do facto de se usar o pensamento como um escravo da razão à maneira
de um advogado do diabo.
“Por esta razão designaremos, doravante, por juízos a priori, não aqueles
que não dependem desta ou daquela experiência, mas aqueles em que se verifica
absoluta independência de toda e qualquer experiência”. (KANT, 2001, p. 37)
Uma ciência feita apenas de juízos a priori que fosse “absolutamente
independente de toda e qualquer experiência” ou seria uma pura tautologia
matemática ou uma ilusão teórica absoluta que nem a Física de Descartes foi.
Tomemos o exemplo dos juízos matemáticos, como 2 + 3 = 5. Kant
argumenta que a verdade desta proposição é necessária, absoluta e não
necessita de comprovação da experiência.
Qual é a incógnita X em que se apóia o entendimento quando crê
encontrar fora do conceito A um predicado B, que lhe é estranho, mas
todavia considera ligado a esse conceito? (...) Ora é sobre estes princípios
sintéticos, isto é, extensivos, que assenta toda a finalidade última do nosso
conhecimento especulativo a priori (...). (KANT, 2001, p. 45)
Depois da Introdução, Kant irá concluir que apenas serão
suficientemente válidos os juízos sintéticos a priori cujo objeto se dá no
mundo fenomenal. Aquilo que para nós não se dá no tempo e no espaço, o
numenal, não pode ser conhecido. -- Como são possíveis os juízos
sintéticos a priori? Caius Brandão.
Se aquilo que “para nós não se dá no tempo e no espaço, o nuomenal,
não pode ser conhecido” então também o mundo da matemática não pode ser
conhecido senão enquanto mero formalismo racionalista à priori. Na verdade, a
preposição 2 + 3 = 5 “é necessária, absoluta e não necessita de comprovação da
experiência” apenas no mundo fechado da matemática porque na física teria que
corresponder a objectos do mundo dos fenómenos e teria que ser sujeito a
processos de contagem e recontagem de acordo com o processo trabalhoso do
metódico experimental. Para se chegar a esta clareza algébrica a humanidade
precisou de milénios de agronomia e agrimensura nas margens lodosas do Nilo
depois das cheias para reconstruir a propriedade dos campos de que os Egípcios
retiravam a sua prosperidade e a força da sua cultura. A matemática e a
geometria decorrem do longo, penoso e mortificado processo empírico da
humanidade dominar a natureza com a procura do entendimento quantitativo para
além do acaso e da magia.
Mesmo que você não seja fera em matemática, muito provavelmente
você sabe que o número 1, se elevado ao quadrado, é igual a 1. E que se
elevarmos 1 à potência de 8, ainda assim o resultado será 1. E quanto é 1
elevado à octagésima-nona potência? Não precisa usar a calculadora, a
resposta é 1! Bem, você não vai ficar surpreso se eu disser que 1 elevado a
um milhão, oitocentos e dezessete mil, quatrocentos e nove é igual a… 1!
Temos então, por indução, que o número 1, se elevado a qualquer outro
número, será sempre 1. Eis uma verdade incontestável (pelo menos por
enquanto!). -- Pensando a ciência – parte 1 – Indutivismo, por Alexey
Magnavita.
Na verdade para se chegar à certeza de que “o número 1, se elevado a
qualquer outro número, será sempre 1” é uma dedução algébrica pura a partir da
teoria dos números e não uma indução experimental por medições e contagens de
fenómenos naturais.
Desenhe trinta triângulos diferentes, e você perceberá que a soma de
seus ângulos internos será sempre igual a 180 graus. Desenhe mil
triângulos, oito milhões de triângulos, e você jamais, sob hipótese alguma,
encontrará algum cuja soma dos ângulos internos seja menor ou maior do
que 180 graus. Temos outra verdade absoluta, ainda que seja possível
falarmos em triângulos que fogem a esta regra se sairmos da geometria
euclidiana. Mas dentro dos parâmetros da geometria euclidiana é
impossível falarmos em triângulos com 4 lados, por exemplo, ou com
ângulos internos que, somados, tenham 420 graus. Pensando a ciência –
parte 1 – Indutivismo, por Alexey Magnavita.
A certeza de que o triângulo tem sempre 180º decorre da própria definição
de triângulo na geometria euclidiana e do próprio conceito de graus e ângulos na
geometria dependente do uso experimental do uso do compasso desde os tempos
neolíticos da agrimensura pela descoberta empírica da divisão do círculo em
rosáceas múltiplas de seis pétalas reconhecida desde os sumérios.
Através do caso particular 13 + 23 + 33 + 43 = 102, Polya coloca a
seguinte hipótese: A soma dos primeiros n cubos é um quadrado. O autor
tenta seguir os mesmos passos que um naturalista seguiria para provar a
existência de uma lei geral, ou seja, ele investigaria outros casos especiais.
Para n=2 ou 3 a certificação é simples; o caso n=5 é o próximo (13 + 23 +
33 + 43 + 53= 152), acrescentaria, para salvaguardar a uniformidade e
completude, o caso n=1 e arranjando todos estes casos, como um geólogo
arranjaria os espécimes de um certo minério, obteria uma tabela verdade.
(...)
O matemático se expressa com maior reserva embora
fundamentalmente pense da mesma forma. Ele diria que o teorema seguinte
é fortemente sugerido por indução: “a soma dos primeiros n cubos é um
quadrado”. Surge aqui a diferença entre os dois processos em causa; para
o naturalista a lei geral é quase provada por indução; para Polya a
matemática tem uma fase experimental muito parecida com as ciências da
natureza, no entanto, a observação de alguns casos particulares arranjados
elegantemente apenas lhe permite dizer que o teorema é fortemente
sugerido, mas não permite provar a sua verdade.
Poder-se-ia dizer que a indução matemática difere da indução
clássica, na medida em que contém uma demonstração. -- O método
indutivo Gerardo Valdisio Rodrigues Viana.

“Qual é a incógnita X em que se apoia o entendimento quando crê


encontrar fora do conceito A um predicado B, que lhe é estranho, mas todavia
considera ligado a esse conceito?” É imperdoável que o criticismo de Kant não
lhe tenta feito verificar que a reposta a esta questão não tem nada a ver com a
racionalidade dos juízos sintéticos “a priori” mas só e apenas com a constância
fenoménica do “determinismo físico” que parecia universal desde Galileu até ao
positivismo mas que com a física quântica entrou no “colapso da função de
onda” que apenas é um problema fundamental na interpretação da mecânica
quântica como dependente do relativismo do problema das medições.
Se na mecânica clássica a descrição completa de um sistema consistia
na tarefa de encontrar a posição e a velocidade de todas as partículas e, com
esta descrição, ser possível prever todos os movimentos futuros e passados do
sistema, na mecânica quântica não se pode descrever todos as grandezas
desejadas com a mesma certeza (ver Princípio da incerteza de Heisenberg). (...).
Por isso, depois do nascimento da mecânica quântica, a ciência
alcançou um patamar que encerra o contraste entre o determinismo e o
indeterminismo e, sob os auspícios da ciência contemporânea, temos a função
de onda, que está na fronteira entre o determinismo e o indeterminismo.
O colapso da função de onda é um processo físico associado ao
problema de medição na mecânica quântica envolvendo a brusca mudança de
estado de um sistema depois se ter obtido uma medida. (...) O aspecto não-local
da natureza sugerida pelo Teorema de Bell, está de acordo com a teoria
quântica pelo colapso da função de onda, que é uma alteração súbita da função
global de onda como um sistema. Ocorre quando qualquer parte do sistema é
observada.
Isto é, quando se faz uma observação / medição do sistema em uma
região, a função de onda varia instantaneamente, e não apenas na região da
medida como em qualquer outra por muito distante.
Obviamente que o determinismo à outrance, gerador de juízos sintéticos à
priori, já era discutível nas ciências biológicas e mais discutível se tornou nas
ciências psicossociais e políticas. De facto, o determinismo que o sucesso público
e cultural da física newtoniana promoveu resulta do seu objecto se encontrar no
“mundo supra lunar” que era inacessível ao aristotelismo mas que havia sido
recentemente conquistado à experiencia sensível pela “luneta de galileu” de tal
modo que o “lugar natural” dos corpos celestes dos gregos antigos e dos que
seguiam errada e cegamente Aristóteles deixou subitamente de ser eterno e
imutável para ser apenas determinístico. Moral da história: em ciência nunca se
deve ser fiel a ninguém a não ser ao método científico e, pelo contrário, deve-se
sempre explorar as mínimas falhas dos paradigmas científicos para os refutar e
refazer novamente. Saber irrefutável é metafísico ou ideologia mas jamais
ciência. A realidade, por mais ilusória que possa ser metafisicamente falando é o
nosso único apoio seguro neste mundo vão...e instável.

PARADOXOS DE ZENÃO
Uma investigação das causas e efeitos dos movimentos” pode acabar em
pura metafísica que os gregos levaram até a exaustão desde a filosofia de
Heráclito e Paraménides até aos Paradoxos de Zenão.
Tudo flui e nada permanece; tudo se afasta e nada fica parado...
O mesmo homem não pode atravessar o mesmo rio, porque o homem de
ontem não é o mesmo homem, nem o rio de ontem é o mesmo do hoje.
El devenir está animado por el conflicto: «La guerra (pólemos) es el
padre de todas las cosas», una contienda que es al mismo tiempo armonía, no
en el sentido de una mera relación numérica, como en los pitagóricos, sino en el
de un ajuste de fuerzas contrapuestas, como las que mantienen tensa la cuerda
de un arco.
É na mudança que as coisas encontram repouso...Heráclito, fragmentos.
Enquanto Heráclito ensinava que tudo está em perpétua mutação,
Parmênides desenvolvia um pensamento completamente antagónico: “Toda a
mudança é ilusória”.
Quanto às mudanças e transformações físicas, o Devir, que a todo
instante vemos ocorrer no mundo, Parmênides as explicava como sendo apenas
uma mistura participativa de ser e não-ser. “Ao vir-a-ser é necessário tanto o
ser quanto o não-ser. Se eles agem conjuntamente, então resulta um Devir”.
Os paradoxos de Zenão são argumentos pela redução ao absurdo de
passagens ao infinito em pressupostos mentais utilizados para provar a
inconsistência dos conceitos de multiplicidade e divisibilidade que o movimento
implica. Obviamente que a ideia triunfante de que o cálculo infinitesimal veio
resolver de vez estes paradoxos é uma pura ilusão! Jamais a ciência resolverá
paradoxos metafísicos mesmo que se trata da mais metafísica de todas as ciências
que é a matemática!
Quando falamos do processo limite, falamos de uma incógnita que
"tende" a ser um determinado número, ou seja, no limite, esta incógnita nunca
vai ser o número, mas vai se aproximar muito, de tal maneira que não se
consiga estabelecer uma distância que vai separar o número da incógnita. Em
poucas palavras, um limite é um número para o qual y = f(x) difere
arbitrariamente muito pouco quando o valor de x difere de x 0 arbitrariamente
muito pouco também.
(…) Então, no limite é como se pudéssemos substituir o valor de x para
resolvermos o problema. Na verdade, não estamos substituindo o valor, porque
para o cálculo não importa o que acontece no ponto x, mas sim o que acontece
em torno deste ponto. Por isso, quando falamos que um número "tende" a ser n,
por exemplo, o número nunca vai ser n, mas se aproxima muito do número n.
Como se vê o cálculo diferencial está longe de ter poderes milagrosos
porque epistemologicamente não passa de um processo de aproximação ao limite
infinitesimal da incerteza mínima que deixaria Zenão pouco convencido.
De acordo com a dedução de António Saraiva, essa demonstração
matemática é possível. Partindo da Hipótese de que zero é igual a infinito,
deduz-se que:
0=∞
log 0 = log (+∞)
-∞ = +∞
log (-∞) = log (+∞)
log (-1) + log (+∞) = +∞
i.π + ∞ = ∞
∞=∞
A conclusão é que o zero é igual a infinito e, vice-versa, que o
infinito é igual a zero. – Cláudia Penélope Fournier, A Viagem no Tempo.
A hipótese de António Saraiva de que 0 = ∞ é absurda porque contrária ao
pensamento matemático e é contra-intuitiva ao pensamento metafísica! Desde
logo porque algumas passagens desta matemática estão forçadas.
Mas então um número a dividir por zero,
não dá infinito?
Aqui estamos a entrar na teoria dos limites e
na prática não estamos a dividir por zero. Aquilo que
estamos a fazer é a dividir por um número muito
próximo do zero. Assim sendo, estamos a afirmar
que numa divisão, quanto mais pequeno vai ser o
divisor em relação ao dividendo, maior será o
quociente. Quanto mais perto do zero estivermos,
maior é o resultado da divisão.
A esse resultado muito grande, convencionou-se chamar infinito, mas em
todo o caso deixo aqui o alerta: o infinito não é um número!
What is the logarithm of infinity?
log10(∞) = ?
Since infinity is not a number, we should use limits:
A: x approaches infinity:
The limit of the logarithm of x when x approaches infinity is infinity:
lim log10(x) = ∞
x→ ∞
B: x approaches minus infinity:
The opposite case, the logarithm of minus infinity (-∞) is undefined
for real numbers, since the logarithmic function is undefined for negative
numbers:
lim log10(x) is undefined
x → -∞.
What is the logarithm of zero? Why log(0) is not defined.
The real logarithmic function logb(x) is defined only for x > 0.
We can't find a number x, so the base b raised to the power of x is equal to
zero:
bx = 0, x does not exist
So, the base b logarithm of zero is not defined.
logb(0) is not defined
The limit of the base b logarithm of x, when x approaches zero from the
positive side (0+), is minus infinity:

A verdadeira fórmula do universo racional é uma indeterminação


matemática que só é levantada pela actividade racional empírica. Se o nada é o
inverso (/) de tudo e a unidade resulta de uma infinitude de quase nadas, então:
1=∞*0
0=1/∞

Por isso se diz que 0/0 é uma expressão indeterminada e que 0/1 é uma
divisão impossível, ou seja, toda divisão do tipo 0/k, com k ≠ 0 é impossível
(tendo o limite no infinito). Zero dividido por zero 0 ÷ 0 = indeterminado.
O resultado da divisão 0÷0 é uma indeterminação, pois qualquer
número real multiplicado por zero sempre será igual à zero. É possível que
alguém queira discutir que 0/0 é 0, porque 0 dividido por qualquer número é 0.
Também podem querer afirmar que 0/0 é 1, porque qualquer número
dividido por ele mesmo é 1. E é exactamente este o problema!
Independentemente da resposta que dermos para 0/0, estaremos contradizendo
uma propriedade fundamental dos números. Para evitar "contradizer a
matemática," simplesmente dizemos que 0/0 é indeterminado.
1 ÷ 0 = +/- ∞ Qualquer número não-nulo dividido por zero resulta em
infinito, pois infinito multiplicado por zero resulta em qualquer número real.
O conjunto dos números transreais, denotado por ℝ𝑇, é uma
extensão do conjunto dos números reais. James A. D. W. Anderson, o
propositor deste novo conjunto numérico, postula a existência, além dos
números reais, de três novos elementos, a saber: −∞, ∞ e Φ, chamados,
respectivamente, de menos infinito, infinito e nullity. Desta forma,
ℝ𝑇=ℝ∪{−∞,∞,Φ}. A aritmética transreal é total, isto é, o resultado de
qualquer uma, adição, subtração, multiplicação e divisão, entre números
transreais é um número transreal. Em particular, a divisão por zero é
permitida. Anderson define −10=−∞, 10=∞ e 00=Φ (ANDERSON, 2005).
Uma imagem da reta transreal pode ser dada como a que segue abaixo.

Figura 1: Reta transreal…ou transcendental.


Os números transreais surgiram motivados na computação. Os
computadores atuais têm uma limitação de processamento, a saber, as
exceções aritméticas que ocorrem quando da divisão por zero. Fornecer
detecção e processamento a tais exceções causa um gasto excessivo de
memória, espaço no processador, tempo de processamento e energia
elétrica e desperdiça o tempo do programador em antecipar e lidar com os
erros. Um novo computador que não tem exceções tem sido desenvolvido
por Anderson com base nos números transreais (ANDERSON, 1997, 2005).
A primeira menção à divisão por zero foi inspirada na geometria projetiva
(ANDERSON, 1997). Desde então diversos trabalhos foram produzidos no
desenvolvimento dos números transreais. Em 2002, Anderson considera o
uso sintático das regras de operações entre frações, ainda que, com o
denominador zero. Em 2006, Anderson propõe o conjunto dos números
transracionais, ℚT:=ℚ∪{−10,10,00}. Um tempo depois, é apresentada uma
lista de axiomas que estabelecem o conjunto e a aritmética dos números
transreais (ANDERSON, VÖLKER e ADAMS, 2007). Em 2007, Anderson
estende as funções trigonométricas, logarítmicas e exponenciais aos
números transreais e, em 2008, ele propõe uma topologia para o espaço
transreal e estabelece o conceito de transmétrica. Reis, Gomide e Kubrusly
(2013) fazem uma analogia do momento pelo qual passam os números
transreais com momentos históricos de diversas outras categorias de
números. (...)
É possível que Anderson tenha tido a ideia dos transreais ao ousar
aplicar as regras de operações entre frações usuais a frações que permitem
denominador zero. Obviamente, qualquer um preocupado com o rigor
diria: Mas uma fração com denominador zero não tem qualquer sentido!
Frações se operam nos números reais ou complexos e, nestes conjuntos, um
símbolo do tipo x/0 tem significado nenhum. Não é um número. É nada! É
não-ser! Entretanto, Anderson simplesmente se aventurou em aplicar as
regras usuais, a frações que permitem denominador zero, de forma
sintática, isto é, abdicando de qualquer significado e, até mesmo, de
qualquer definição para um obcjeto do tipo x/0. (...)
Para muitos, o zero é um símbolo do nada, uma vez que, quando os
números inteiros são vistos como ferramentas de contagem, o zero representa
nenhuma quantidade. A cultura ocidental, com influência de Parmênides, pensa
dicotomicamente. Ou algo é ou não é. Existem apenas o ser e o não-ser. Desta
forma o zero seria o não-ser. No entanto, longe do alcance parmenidiano, o não-
ser é uma forma de existência diferente do nada. Na tradição semita, o não-ser
também é. O não-ser pode ou não se manifestar. Quando se manifesta, é um
ente e, quando não se manifesta, será o nada que se fará notar pela ausência,
até que se manifeste dando origem ao ser (BARBOSA e KUBRUSLY, 2011). O
número infinito, por sua vez, pode ser visto como o cardinal de um conjunto não-
finito. E o infinito transreal, que pela relação de ordem é maior que qualquer
número transreal ordenável, seria então o cardinal de um conjunto universal, o
conjunto que contém todas as coisas. Desta forma, o infinito é visto como o
símbolo do tudo. Na aritmética transreal, o número infinito é obtido através de
uma transformação aritmética a partir do zero. Tomando-se o recíproco do
zero, obtém o infinito. Isto é, o zero gera o infinito. Metaforicamente, podemos
dizer que o nada gera o tudo.
-- DIVISÃO POR ZERO E O DESENVOLVIMENTO DOS
NÚMEROS TRANSREAIS, TIAGO SOARES DOS REIS, INSTITUTO FEDERAL
DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO DE JANEIRO, BRASIL &
RICARDO SILVA KUBRUSLY, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO,
BRASIL.
“Ao Devir é necessário tanto o Ser quanto o Nada (não-ser). Se eles agem
conjuntamente, então resulta um Devir (vir-a-ser)”. – Parménides.
A verdadeira resposta aos paradoxos de Zenão não será a do cálculo
diferencial mas a de uma meta-matemática que considere que em todos os
paradoxos onde há divisão ad infinitum resulta uma infinitude de pontos nulos
que no caso do movimento carece de um tempo com uma infinidade de instantes
nulos para os percorrer e cujos somatórios são iguais à unidade, de tal modo que
para 1 / ∞ = 0 => 1 / 0 = +/- ∞ => 1 = ∞ * 0.

DIVISÃO POR ZERO


Zero.
Que número é este que está aí, mas representa nada?
Representa nada? Então por que está aí?
Zero representa nenhuma quantidade. E se não há, então é não-ser.
Mas o não-ser não pode ser. Portanto o zero não é, garante Parménides.
Mas, se tudo que existe é ser e, portanto, o não-ser não é, como o que existe
veio a ser?
Como o primeiro ser se tornou?
Será que algo que não existe trouxe outr algo a existência?
Será que o não-ser de alguma forma é?
Será que existe alguma forma de ser diferente do ser?
Será que o não-ser é, mas apenas não se manifestou?
Não ser e não não-ser. Eis a questão!

Moisés testemunha, Javé disse "Eu sou o EU SOU".


O EU SOU se mostrou.
O não-ser agora ser é. O não-ser, agora é ser, EU SOU disse "Haja luz!".
E tudo houve! Houve do não-ser.
Do nada, tudo se tornou ser. Do nada, tudo. Nada gerou tudo.

Isto está muito complicado! Recorramos a matemática!


Quem mais poderia descomplicar e dar ao louco alguma sanidade?
Nada gerou tudo. Zero gerou infinito. 0 gerou ∞.
Mas eu não sei entender! Eu só sei matematicar.
Preciso trocar o "gerar" por um cidadão matemático.
Que objeto matemático transforma 0 em ∞ ?

Entendi! O tudo surgiu de uma divisão por zero!10

Obviamente que a unidade é convencional e pode ser sempre arbitrada


consuante a bitola que se quiser e na quantidade real necessária o que nos reporta
para a questão da escala de percepção da realidade. Esta foi a intuição de
Descartes que por envolver um vórtice de pensamento difícil de expressar, e mais
ainda de comprender, deixou de ser levada a sério pelo pensamento moderno. De
facto, Descartes deveria ter-se limitado a formolar uma espécie de mistério da
santíssima trindade do movimento evitando de seguida qualquer tipo de
raciocínio mecanicista para o explicar porque, nas fronteiras metafísicas em que
estas intuições se dão, tudo o que se possa dizer é vão e incerto como é o que
acontece a todas as teorias unificadoras e do todo.
A descrição puramente geométrica de um movimento num espaço em que
“todos os lugares estão repletos de corpos” e em “que e que cada parte da
matéria é de tal modo proporcional ao tamanho do lugar que ocupa” implique
“concluir (...) que tem de haver necessariamente um círculo de matéria ou [anel]
de corpos que se movem em conjunto ao mesmo tempo; e de tal maneira que
quando um corpo deixa o seu lugar para que outro o preencha, vai ocupar o do
outro e assim sucessivamente até ao último, que nesse instante ocupa o lugar
deixado pelo primeiro” (...) sem que seja necessário supor a condensação ou o
vazio” envolve passagens ao limite ad ifinitum em todas as ordens de grandezas

10 NÚMEROS TRANSREAIS: MATEMÁTICA OU DEVANEIO? Tiago Soares dos Reis*


relativas de espaço e de tempo e são de facto um exercício mental turbulento
difícil de seguir. Estas passagens ao limite, não podendo ser instantâneas,
poderiam acabar por explicar especulativamente, na perspectiva do pensamento
cartesiano, a razão metafísica da relatividade do movimento, e, na prática, a
realidade natural da inércia e do atrito; da entropia e da impossibilidade do motor
eterno em movimento linear uniforme.
33. Como em cada movimento deve haver um círculo [ou anel] de
corpos que se movem conjuntamente.
Feita esta demonstração, a saber, que todos os lugares estão repletos de
corpos e que cada parte da matéria é de tal modo proporcional ao tamanho do
lugar que ocupa [que seria impossível que preenchesse um lugar maior ou que
se comprimisse para ocupar um que fosse mais apertado, ou que qualquer outro
corpo possa ocupar esse lugar enquanto ela lá se encontra], devemos concluir
portanto que tem de haver necessariamente um círculo de matéria ou [anel] de
corpos que se movem em conjunto ao mesmo tempo; e de tal maneira que
quando um corpo deixa o seu lugar para que outro o preencha, vai ocupar o do
outro e assim sucessivamente até ao último, que nesse instante ocupa o lugar
deixado pelo primeiro. E facilmente verificamos que isto é um círculo perfeito
pois, sem recorrermos ao vazio e à rarefacção ou à condensação, vemos que a
parte A deste círculo pode mover-se para B, já que a sua parte B se move ao
mesmo tempo para C e C para D, e D para A.
Mas se tivermos em conta
que todas as desigualdades dos
lugares podem ser compensadas
por outras desigualdades
pertencentes ao movimento das
partes, facilmente verificaremos
que esse movimento conjunto da
matéria também acontece no
círculo mais imperfeito e irregular
que se possa imaginar. Assim,
toda a matéria compreendida no
Fig. 3 espaço EFGH pode mover-se
circularmente, e a sua parte que se
dirige para E pode passar para G,
e a que se dirige para G pode
passar ao mesmo tempo para E,
sem que seja necessário supor a
condensação ou o vazio, desde
que - supondo que o espaço G é
quatro vezes - maior do que o
espaço E duas vezes maior do que
os espaços F e H - também
suponhamos que o seu movimento
é quatro vezes mais rápido para E
do que para G, e duas vezes mais
rápido do que para F ou H, e que
Fig. 4 em todos os locais deste círculo a
velocidade do movimento
compensa a exiguidade do lugar. Por conseguinte, este processo permite-nos
saber que, em qualquer espaço de tempo que queiramos determinar, neste
círculo passaria tanta matéria por um sítio como por outro.
34. Daqui se segue que a matéria se divide em partes indefinidas e
incontáveis, ainda que não as compreendamos.
É no entanto necessário confessar que neste movimento há algo que o
nosso espírito concebe como verdadeiro mas que, apesar de tudo, não
consegue compreender, a saber: a divisão de algumas partes da matéria até ao
infinito, ou até a uma divisão indefinida, e cujas partes são tantas que o nosso
pensamento não consegue conceber uma tão pequena que não se divida também
noutras ainda mais pequenas. A matéria que ocupa o espaço G não pode
preencher sucessivamente todos os espaços entre G e E, sucessivamente mais
pequenos ate inumeráveis graus, se qualquer das suas partes não mudar a sua
figura e não se dividir [sempre que necessário] para ocupar exactamente os
tamanhos desses espaços incontáveis [diferentes uns os outros]; mas para que
isto aconteça é necessário que todas essas pequenas parcelas que supomos
pertencer à divisão de uma das partes - e que de facto são incontáveis - se
distanciem um pouco umas das outras; e por mais pequeno que este intervalo
seja, não deixa de ser uma verdadeira divisão.
35. Como se faz esta divisão e como não se pode duvidar de que ela se
pode fazer, embora não a compreendamos.
Há que observar que não falo de toda a matéria, mas apenas de alguma
das suas partes. Ainda que imaginássemos que no espaço G há duas ou três
partes do tamanho do espaço E, e que há outras ainda mais pequenas e em
maior quantidade que permanecem indivisas, todavia compreendemos que todas
se podem mover circularmente na direcção de E, desde que aí houvesse outras
misturadas -- e que mudam de figura em tantas maneiras como se estivessem
unidas às que não podem mudar de figura facilmente, mas que se deslocam mais
ou menos depressa conforme o lugar que devem ocupar -- , e assim poderiam
preencher todos os ângulos [e pequenos recantos nos quais as outras não
caberiam por serem demasiado grandes]. Ainda que não compreendamos
como acontece esta divisão indefinida, não devemos duvidar que ela não se
faça, pois compreendemos que ela se deduz necessariamente da natureza da
matéria de que já temos um conhecimento muito distinto, e também
compreendemos que esta verdade pertence àquelas que não conseguimos
compreender, pois o nosso espírito é finito. -- René DESCARTES,
PRINCIPIOS DA FILOSOFIA.
Aparentemente Zenão mais não terá feito do que relembrar o pensamento
da escola dos eleatas onde Parménides no seu poema Sobre a Natureza e sua
Permanência tinha deixado claro que, se há a Unidade, há imobilidade do Ser e,
por isso, o mundo sensível é uma ilusão!
Toda nossa realidade é imutável, estática, e sua essência está
incorporada na individualidade divina do Ser-Absoluto, o qual permeia todo o
Universo. Esse Ser é omnipresente, já que qualquer descontinuidade em sua
presença seria equivalente à existência de seu oposto – o Não-Ser.
Esse Ser não pode ter sido criado por algo pois isso implicaria em
admitir a existência de um outro Ser. Do mesmo modo, esse Ser não pode ter
sido criado do nada, pois isso implicaria a existência do “Não-Ser”. Portanto, o
Ser simplesmente é.
Quanto às mudanças e transformações físicas, o Vir-a-Ser, que a todo
instante vemos ocorrer no mundo, Parmênides as explicava como sendo apenas
uma mistura participativa de ser e não-ser. “Ao vir-a-ser é necessário tanto o
ser quanto o não-ser. Se eles agem conjuntamente, então resulta um vir-a-ser”.
Um desejo era o fator que impelia os elementos de qualidades opostas a
se unirem, e o resultado disso é um vir-a-ser. Quando o desejo está satisfeito, o
ódio e o conflito interno impulsionam novamente o ser e o não-ser à
separação.
Parmênides chega então à conclusão de que toda mudança é ilusória. Só
o que existe realmente é o ser e o não-ser. O vir-a-ser é apenas uma ilusão
sensível. Isto quer dizer que todas as percepções de nossos sentidos apenas
criam ilusões, nas quais temos a tendência de pensar que o não-ser é, e que o
vir-a-ser tem um ser.
Seguramente que Parménides tinha um conceito de ilusão de acordo com a
mitologia do seu tempo o que devidamente traduzido em linguagem moderna
estaria próximo do relativismo relacional. Sendo ilusório “o não nada” tal não
impede que as ciências da natureza estudem o mundo sensível de acordo com
aquilo que ele nos parece ser.
Descartes, a respeito da natureza última do movimento, parece ter entrado
por esse vórtice paranóico onde a opinião especulativa se perde na busca de
falsas certezas tanto mais que se sabe de antemão serem tão incognoscíveis como
o dogma da Santíssima Trindade dos cristãos.
A metafísica do movimento de Descartes assenta na de Aristóteles que
pressupunha a divisibilidade e a ausência de vazio factos que Parménides
contestaria porque não é possível pensar uma verdadeira divisibilidade material
sem descontinuidade que passe pelo vazio, razão que iria levar ao espaço
permeável pela mistura do cheio e do vazio de Newton. No entanto, é destas
antinomias metafísicas que se sustentam os paradoxos de Zenão. Na verdade
estes correspondem sinteticamente ao desconforto que sente quem estuda em
física básica a velocidade instantânea. A velocidade escalar instantânea é
considerada como sendo um limite da velocidade escalar média, quando o
intervalo de tempo for zero, ou a taxa de variação da posição de um corpo dentro
de um intervalo de tempo infinitesimal...que tende para zero. Por alguma razão
os romanos rejeitavam o zero porque entendiam que era absurdo pensar com
ele...sobretudo rejeitando a existência do vazio absoluto.
Como v = e / t então o espaço e percorrido a uma velocidade instantânea
no tempo t0 será e = v* = v*0 = 0 ou seja, os corpos estariam parados em cada
instante e não se moveriam nunca porque é intuitivo pensar que, sendo o espaço
total de um movimento qualquer o somatório dos seus espaços instantâneos, este
será zero quando aqueles o são logo, não é pensável a existência de uma
velocidade instantânea zero quer porque não cabe no pensamento humano pensar
o zero quer porque a equação do movimento é um mero formalismo matemático
porque de facto o que não existe é a realidade tempo mas apenas a res extensa em
eterno movimento ad infinitum como o entendia Descartes.
Por isso mais realista seria uma matemática onde o 0 fosse 1/∞, ou
seja, sempre infinitamente pequeno mas nunca igual a zero...ou seja, uma
ponte ilusória de Devir entre o Ser que é e o Nada que nunca foi nem será.
Também por causa disso foi criado por Newton o cálculo infinitesimal
para que fosse possível uma aproximação a esta realidade paradoxal.
A impossibilidade racional da velocidade instantânea implica a aceitação
de que só a velocidade média é real e praticável. Mas para tanto é preciso um
ponto de referência externo que garanta a diferença entre o começo e o fim do
movimento porque, ainda que a distância entre os dois pontos da velocidade
média possam tender para zero nunca haverá tecnologias que nos permitam a
percepção nuomenal da velocidade instantânea porque o nosso entendimento do
movimento implica uma janela de conhecimento mínimo da história dos
fenómenos que não é possível sem o recurso ao tempo passado de que é feito o
Devir e, por isso, um mínimo de uma qualquer forma de memória operativa. Esta
consciência do relativismo da condição da sensibilidade humana e da
inacessibilidade do empirismo à “coisa em si” é também uma condição do
entendimento racional do tempo como mera categoria fundamental do
conhecimento sem o qual os paradoxos de Zenão continuarão a atrapalhar
qualquer ciência nos seus limites metafísicos.
A substância do Ser, pode ser pensada como Una e indivisível sendo a
ilusão do movimento apenas concebível como “função de onda” dessa substância
de Ser infinitamente elástica e permeável ad infinitum o que faria do movimento
um Devir de “cordas” e fios onde os corpos seriam meros novelos ou nós do Ser
emaranhado pelos complexos e infinitos movimentos do Nada como quiçá será o
pensamento da “teoria das cordas”. Na verdade, a metafísica da indivisibilidade
do Ser gera uma física ainda mais complexa do que a física relativista comum.
Obviamente que a física metafísica é impraticável. Porém, a física real acaba
sempre em paradoxos porque implica a divisibilidade do Ser Absoluto que, por
definição, é Uno e indivisível...ou nem Substantivo seria! Mas este é o eterno
desatino entre os fanáticos de Platão e os adeptos descuidados de Aristóteles.
Se existissem duas ou mais substâncias, como afirmam Aristóteles e
Descartes, elas deveriam distinguir-se entre si pela diferença dos atributos ou
pela diferença das afecções. Se elas se distinguissem apenas pela diferença dos
atributos, é de se admitir, então, que não existe senão uma única substância de
mesmo atributo. Se elas se distinguissem, entretanto, pela diferença das
afecções, como uma substância é, por natureza, primeira, relativamente às suas
afecções, se elas forem deixadas de lado e ela for considerada em si mesma, isto
é, verdadeiramente, então não se poderá concebê-la como sendo distinta de
outra, isto é, não podem existir várias substâncias, mas tão somente uma única
substância. – Ética de Spinosa.
De facto, se é possível uma intuição sensível imediata do espaço das
coisas que sentimos, sabemos também que, sendo as sensações mediadas pelos
sentidos e por agentes e vectores de informação, então o conhecimento empírico
é por essência relativo não sendo, por isso, possível o conhecimento instantâneo
da realidade, pelo que, todas as coisas que percebemos são já uma ilusão
elaborada pelos nossos sentidos mas não na acepção de puras e arbitrárias
fantasias mas antes na de infindáveis e meticulosas sucessões de codificações
informativas, a diversos níveis de escala e perspectivas, e sempre impostas pela
realidade, ou seja, existimos num mundo de infinita ilusão informativa que, ainda
que fora absurda e gratuita, por mero critério de opinião, teria que resultar de
forma racional de uma intenção organizativa intrínseca à realidade, mais de moto
próprio do que por vontade divina. Na verdade, conceber uma realidade cuja
substância é feita de processos informativos, intencionalmente auto-organizados
ad infinitum, é já uma forma de panteísmo racional que dispensa o recurso coxo a
um deus ex machina, atitude mental do nosso entendimento incapaz de intuir
imediatamente o fluxo da realidade em si e em que se baseia a dualidade das
antinomias metafísicas matéria / espírito, onda / partícula, etc.
Da mesma maneira que da natureza do triângulo se segue, desde toda a
eternidade e por toda a eternidade que a soma dos seus três ângulos é igual a
dois retos, da suprema potência de Deus, ou seja, de sua natureza infinita,
necessariamente se seguem - sempre com a mesma necessidade – infinitas
coisas, de infinitas maneiras, isto é, tudo. (...)
“Deus, não é causa existente transitiva de todas as coisas ou de todos
os seus modos, isto é, não é uma causa que se separa dos efeitos após havê-los
produzido, mas é causa eficiente imanente de seus modos, não se separa deles,
e sim se exprime neles e eles O exprimem.” – Ética de Spinosa.
Seja como for, é evidente que toda a informação é diálogo e, no mínimo,
interacção do Ser em si, ora pela Necessidade do determinismo objectivo ora for
puro Acaso subjectivo, que nos chega à consciência racional de forma mediada
pelos sentidos e, por isso, na forma da realidade fenoménica sobre a qual
construímos a ciência.
Por isso é que a realidade é sempre conhecimento passado e anterior à
consciência facto apenas possível pela mediação de uma janela de oportunidade
de entendimento feita de memórias do devir constantemente restauradas e
reconstruídas o que faz de toda a ciência uma história para intelectuais e da
história escrita um livro de profecias racionais sobre fenómenos quase sempre
estocásticos e irracionais onde procuramos entender o futuro ainda inexistente a
partir de um passado que também já não existe apenas na base da crença no
determinismo enquanto organização mais ou menos necessária do Caos
primordial. Daqui podemos intuir que se a extensão cartesiana pode ser a
substância do Ser e a sua matematização apenas uma categoria kantiana do
entendimento já o tempo não é nada na eternidade do ser, onde o passado é mera
ficção elaborada pelos processos de memória com maior ou menor livre arbítrio
dos mediadores intervenientes no processo e o futuro, um salto mortal da
Necessidade sobre o escuro Acaso baseado na fé no determinismo da necessidade
divina e por isso, uma mera profecia racional mais ou menos fatalista feita com o
lançamento de dados estocásticos e a sua leitura probabilística.
A verdade é que nem Deus saberá de antemão qual é o nosso futuro
porque sendo Ele a substância de que é feito cada um dos nossos sonhos, desejos
e caprichos apenas existimos na eternidade do Ser que constantemente se
materializa no aqui e agora por força da vontade divina de existir em cada ser que
disso toma consciência. Sendo o futuro um não ser que será mas ainda não é e o
passado um não ser por ter sido e não ser já, então, Deus só pode ser Aquele que
É e sempre foi nos infinitíssimos momentos, eternamente mutáveis, do aqui e
agora de que é feita a Natureza Divina. Deus existe na ilusão da individualidade
de cada ser subjectivo quando este toma consciência de si e dos objectos e só
assim é que Deus sabe de todos quando apenas cada um mal sabe de si.
A verdade absoluta só seria possível nos limites absolutos da infinitude
que nos é inacessível razão porque nos é inalcançável a física do Todo e de tudo
absolutamente exacta, matematicamente livre de irracionais e números
imaginários, etc....e irrefutável.
Todas e quaisquer ciências serão sempre mais verdadeiras quanto mais se
aproximarem de uma imagem racional adequada da realidade natural.
No entanto, a física duma natureza com senso comum cultural não pode
ser a que derrapa para as fronteiras da metafísica dos objectos infinitos e
infinitesimais tanto por desconhecimentos fundamentais nos objectos de estudo e
pela impossibilidade prática de concluir as experimentações com os
experimentos necessários para os por à prova como sobretudo pela natureza finita
da condição humana que o incapacita em absoluto para a compreensão tanto do
que as “coisas são em si mesmas” quanto da sua textura infinita de que a “física
quântica” é apenas o reflexo dos nossos limites sensíveis a esse nível. Ora, os
limites da física quântica são o «fotão» porque este é o elemento mínimo de que
os sentidos humanos são capazes de perceber tal como as fronteiras reais do
universo cognoscível são os que dependem da velocidade da luz e possivelmente
do seu desgaste final a que equivocadamente se tem chamado fuga para o
vermelho por expansão do universo. De facto, é mais simples e plausível postular
a fadiga termodinâmica do fotão do que imaginar a infinitude do universo a fugir
para o infinito. No entanto, não tem sido esta ideia do senso comum a que tem
prevalecido no mundo científico que tende a cair nas malhas da metafísica mais
facilmente do que poderíamos supor.
Na medida em que a vocação profissional de Aristóteles seria a de biólogo
a física aristotélica nunca passou de uma mera gramática do movimento na
Natureza à luz do bom senso e na perspectiva de um racionalista incapaz de
deixar de lado os seus preconceitos culturais de nascimento e desprovido dos
meios empíricos que, por exemplo, veio a ter Arquimedes mas que os clássicos
consideravam impróprios de um homem livre e muito menos de um filósofo, que
como homem de cultura superior deveria ser antes de tudo o mais, tal como na
época medieval e próxima, todo o doutor deveria ser clérigo.
Además, los proyectiles se mueven aunque lo que los impulsó no esté ya
en contacto con ellos, o bien por antipe-rístasis, como suponen algunos, o bien
porque el aire que ha sido empujado los empuja con un movimiento más rápido
que el que los desplaza hacia su lugar propio. Pero en el vacío ninguna de estas
cosas puede ocurrir, ni algo puede desplazarse a menos que sea transportado.
(Esto sería rechazado de plano por la Física moderna a partir de Galileo.) --
Aristóteles – Física.
Aristóteles acreditava como qualquer ser humano culto da sua época que
um corpo só permanecia em movimento se actuasse sobre ele alguma força
contínua porque nenhum fardo se movia sem tracção contínua humana ou animal
e foi essa a ideia que foi aceite até ao Renascimento. Tal erro só pode ter
ocorrido porque esta suposição era a que ia de encontro ao senso comum que
sabia que neste mundo nada se conseguia sem um esforço de trabalho árduo e
contínuo. Nenhum carro da vaidade e orgulho da modernidade anda sem motor
potente e sem gastos caros de combustível. Obviamente que esta ideia ia contra a
realidade bem conhecida do lançamento de projécteis que eram tão difícil de
seguir que permitia conjecturas fantásticas como a do movimento anti peristásico
que, sendo entendida como uma suposta “intensificação da força de um processo
de oposição”, particularmente referida para explicar a reacção exotérmica da cal
viva, seria à época difícil de comprovar para o movimento de projécteis.
A teoria aristotélica, embora fosse pouco plausível, inclusive para as
pessoas da época, nunca foi contestada até Galileu. Este, através de
experiências mais precisas e rigorosas, notou que existia uma força contrária
ao movimento – a força de atrito, que faz com que um corpo pare depois de ser
lançado. Galileu supôs que, se não existisse atrito, o movimento de um corpo
continuaria sem limites após o impulso inicial, contrariando a teoria de
Aristóteles. Galileu idealizou uma experiência em que previu que uma bola, se
largada de uma determinada altura ao longo de uma rampa sem atrito, rolaria
exatamente até à mesma altura numa rampa semelhante colocada em frente da
anterior, independentemente do comprimento da trajetória, tal como se pode ver
na figura 1.

Foi assim que surgiu a primeira definição de inércia: “Um corpo


continuará a mover-se com uma velocidade constante numa superfície infinita
sem atrito”.
Aristóteles, como a maioria dos nobres gregos nunca ousaria carregar
pesos que nunca estão bem aparelhados quando levados às costas pelo que
também nunca lhes sentiria a fricção e assim lhes ficou para sempre vedada a
intuição do «atrito» como causa universal da degradação da quantidade de
movimento, que de outro modo seria eterno até que algo o parasse. A verdade,
porém, é que esta suposição é quase um acto de fé platónico no racionalismo
indutivo de Galileu...que obviamente nós partilhamos também por puro bom
senso da razão prática mas não pela convicção de que assim seja na realidade. O
postulado de galileu do movimento eterno sem atrito equivale no limite ao
perpetuum mobile que além de violar as leis da termodinâmica violaria também a
chamada Lei Áurea da Mecânica, segundo a qual o trabalho aplicado é igual ou
maior que o trabalho realizado.
O plano inclinado permite uma 'economia de força' (P < Q), o que
acarreta, entretanto, um 'acréscimo de distância' (L > H). A 'velha' lei áurea da
mecânica: ganha-se em força, mas perde-se em distância.
Dito de outro modo se Aristóteles ficou envergonhado por Galileu na
questão do impulso veio a ser parcialmente vingado por Carnot na questão
termodinâmica da impossibilidade de alguma forma de acção contínua que vença
e compense a degradação de energia e do atrito.
«Atrito» < Lat. attritu < Ad-ter-itu, adj. que tem atrição; • roçado; • s.
m. resistência que um corpo desenvolve quando sobre ele se move outro corpo; •
fricção entre dois corpos duros e ásperos; • s. m. pl. dificuldades, obstáculos.
Attrition (n.) = 1540s, "abrasion, a scraping," from Latin attritionem
(nominative attritio), literally "a rubbing against," noun of action from past
participle stem of atterere "to wear, rub away," figuratively "to destroy, waste,"
from ad- "to" (see ad-) + terere "to rub" (see throw = Look up"to project,
propel," c.1300, from Old English þrawan "to twist, turn, writhe, curl," (past
tense þreow, past participle þrawen), from Proto-Germanic *threw- (cognates:
Old Saxon thraian, Middle Dutch dræyen, Dutch draaien, Old High German
draen, German drehen "to turn, twist;" not found in Scandinavian or Gothic),
from PIE *tere- (1) "to rub, turn, rub by turning, bore" (cognates: Sanskrit
turah "wounded, hurt," Greek teirein "to rub, rub away," Latin terere "to rub,
thresh, grind, wear away," Old Church Slavonic tiro "to rub," Lithuanian trinu
"to rub," Old Irish tarathar "borer," Welsh taraw "to strike").
Em assuntos de etimologia muitas vezes a semântica mais correcta estará
onde menos se espera. Os animais de «tiro» comprovam com a antiga igreja
eslava o conceito de arrastamento de peso como sendo o sentido comum do
esforço que Aristóteles confundia como sendo o que movia os corpos quando era
apenas a força de atrito que os impedia de se moverem livremente.
"O ridículo da opinião de Aristóteles é mais claro do que a luz. (...) se
duas pedras forem lançadas ao mesmo tempo de uma torre alta, tendo uma o
dobro do tamanho da outra, quem vai acreditar que a mais pequena vá a meio
do caminho quando a grande esta a chegar ao chão?" (...)
"-- Simplicio - A sua discussão é deveras admirável; no entanto acho
difícil de acreditar que uma lágrima de pomba se mova com a mesma
velocidade de uma bala de canhão.
-- Salviati – (...) Aristóteles afirmou: 'Uma bola de ferro de cem libras,
caindo de uma altura de cem cúbitos, chega ao chão antes que uma bola de uma
libra tenha caído de um simples cúbito'. Eu digo que chegam ambas ao mesmo
tempo. Descobre, se fizer a experiência, que a maior precede a menor de dois
dedos; isto é, quando a maior bate no chão, a outra está ainda acima dois
dedos. Não pode meter nestes dois dedos os noventa e nove cúbitos de
Aristóteles".
Galileu ridicularizou o pensamento de Aristóteles, quiçá mal traduzido a
nível da equivalência das medidas, par enfatizar o seu pensamento e por isso
exagerou as próprias palavras de Aristóteles o que tem mais de polémica
(dialéctica de informação) do que de promoção da boa nova científica.
Começamos a suspeitar que a sanha da Inquisição contra Galileu teria tanto a ver
com razões de política papal da contra reforma como da falta de taco da
personalidade truculenta deste génio.
Os escritos de Aristóteles sobre a queda dos corpos não são de modo
algum claros. Vale, porém, a pena citar uma passagem mais transparente do
volume "De Caelo":
"O movimento para baixo de uma massa de ouro ou chumbo ou de
qualquer outro corpo dotado de peso é tanto mais rápido quanto maior for o
seu tamanho".
De facto, é precisamente isto o que se observa. Se se deixarem cair, no
ar, dois corpos maciços de igual natureza e com a mesma forma (por exemplo,
esférica), vê-se que o maior é, portanto, mais pesado chega primeiro ao chão.
Aristóteles tinha e tem, neste ponto particular, razão.
Numa outra sua obra, "Physica", Aristóteles escreve: "Vemos que corpos
com maior tendência de peso ou de leveza, mas semelhantes em todos os outros
aspectos, se movem mais rapidamente no mesmo espaço e isto na razão que
tenham entre si os valores dessas tendências. Por isso mover-se-ão também no
vazio com esta razão de velocidades. Mas tal e impassível; porque deve um
corpo ser mais rápido do que o outro?".
Os corpos com maior peso cairiam, segundo Aristóteles, no ar mais
rapidamente (no tempo dos gregos não havia bombas de vácuo nem se viajava
no espaço, pelo que só no ar se podia observar a queda dos corpos!). A
velocidade de queda, aparentemente constante, seria proporcional ao peso.
Hoje sabe-se que a velocidade de queda de um corpo no ar aumenta até acabar,
eventualmente, por atingir um valor constante - a velocidade terminal - e que
esta velocidade é, realmente, tanto maior quanto maior for o peso do corpo.
Não é directamente proporcional ao peso, como presumia Aristóteles, mas sim,
para um objecto esférico, proporcional à raiz quadrada do peso (o peso, por
sua vez, só é directamente proporcional ao tamanho se por tamanho se entender
o volume do corpo e não qualquer dimensão linear). Não é inversamente
proporcional à força de resistência do meio, como Aristóteles noutro passo dá a
entender, mas tem, de facto, a ver com essa força. A velocidade terminal é
inversamente proporcional à raiz quadrada da secção transversa de um objecto
esférico, que é uma medida da resistência experimentada durante o movimento
no ar.
Repare-se que Aristóteles acha natural que os corpos mais pesados
caiam mais rapidamente do que os mais leves não só no ar como também no
vazio, mas encontra logo aí uma questão: "porque deve um corpo (, no vazio,)
ser mais rápida do que o outro?)". Não encontra nenhuma boa razão para tal
e, com base neste paradoxo, conclui um pouco mais adiante que não existe
vazio. É o "horror ao vácuo" dos antigos!
"(...) se observarmos um objecto não particularmente pesado a cair de
uma certa altura, tal como uma bola de lã, uma pena ou algo de semelhante,
veremos que ele se move de inicio lentamente, mas que pouco depois passa a ter
movimento uniforme. A razão por que tal acontece de forma mais clara para as
coisas mais leves é que as coisas, quando se começam a mover, sofrem uma
força contrária, de grandeza igual ao seu próprio peso. Se as coisas forem
pouco pesadas então a força contrária será pequena, sendo esta força
rapidamente anulada; e quando é anulada, o objecto passará a andar com
movimento uniforme. É mais fácil observar a uniformidade do movimento de
uma coisa que se mova devagar do que de uma coisa que cai muito
rapidamente. Mas uma vez que a força contrária a vencer na queda de coisas
pesadas é enorme, é necessário um grande intervalo de tempo para a anular;
nesse tempo, uma vez que elas se movem muito rapidamente, descerão um
espaço grande. Como não temos à disposição os ditos grandes espaços nos
quais os corpos pesados deviam ser largados, não admira que se uma pedra
cair apenas da altura de uma torre pareça acelerar durante todo o tempo até
chegar ao chão, uma vez que este espaço e tempo pequenos não serão
suficientes para anular toda a fora contrária."
É errado que a "força contrária", que traduz a resistência do ar, seja de
inicio igual ao peso. De inicio é nula, se o corpo partir do repouso; passa a ser
muito pequena quando o corpo se passa a mover e fica igual ao peso, sempre
constante (despreza-se a variação da aceleração da gravidade com a altura, por
ser insignificante), quando se atinge o regime de velocidade terminal. Mas o
tempo que demora a atingir a velocidade terminal é, de facto, maior para os
corpos grandes. For isso é que corpos pesados, quando largados do cimo de
uma torre baixa, não chegam a atingir a velocidade terminal.

FIG.1- Velocidades em função do tempo para a queda de 3 esferas de


ferro, 1, 2 e 3. A esfera 1, pontual, não sofre resistência do ar. As esferas 2 e 3
são de ferro, tendo 2 uma massa de 45,4Kg e 3 uma massa de 0,454Kg.
Um corpo em queda livre no ar sofre uma força total não nula (e,
portanto, acelera) até atingir a velocidade terminal, altura em que passa a
mover-se com velocidade constante. Na verdade, o corpo está sempre a
acelerar, embora a aceleração seja cada vez menor. Não há, de facto, um
instante preciso para o qual se possa dizer que se estabeleceu o regime de
movimento uniforme, embora se possa indicar a ordem de grandeza de tempos
para a qual se dá uma certa mudança de comportamento cinemático. Numa
primeira fase do movimento, podemos dizer que todos os corpos se comportam
mais ou menos como no vazio, aumentando a sua velocidade mais ou menos da
mesma maneira (a derivada da velocidade é praticamente a aceleração da
gravidade terrestre para todos, uma vez que a aceleração devida à força de
resistência do ar é comparativamente muito pequena). Essa é a região que
podemos denominar de "galileica".
Numa segunda fase do movimento, os corpos mantêm velocidades
constantes, conforme pretendia Aristóteles, variando essa velocidade conforme
o tamanho do corpo. Essa é a região que podemos apelidar de "aristotélica". A
transição entre as duas fases é mal definida. Convencionalmente, considera-se
que a primeira dura durante um tempo que é obtido dividindo a velocidade
terminal pela aceleração da gravidade.
Salientar a primeira ou a segunda fase do movimento depende da
respectiva importância relativa num dado contexto particular. Se lançarmos
uma pena ou um balão do cimo de uma torre de 56m verificamos que eles
entram passado pouco tempo e, portanto, depois de percorrerem uma distância
pequena, no regime de velocidade terminal, pelo que se tratam de objectos
"aristotélicos" (por "pouco tempo" e "distância pequena" entendem-se
respectivamente tempos e distâncias muito menores que os tempos e as
distâncias totais observadas). Uma tal queda pode ser filmada com uma câmara
de vídeo doméstica, sendo o movimento uniforme reconhecido com o auxílio de
um relógio e de uma fita métrica. Uma galinha ou uma bola de chumbo, pelo
contrário, demoram mais tempo a entrar no referido regime, podendo nem
sequer chegar a entrar nele, ao cair de uma torre como a de Pisa, pelo que são
objectos "galilaicos". Já serão objectos "aristotélicos" se forem lançados do
cimo do "Empine State Building" (380m), em Nova Iorque . -- ARISTÓTELES,
GALILEU E A QUEDA DOS GRAVES, Carlos Rolhais e João Paiva
Departamento de Física da Universidade de Coimbra.
Como se depreende do conflito entre Galileu e Aristóteles, na falta de
experimentos sensíveis, estes sábios divergiam sobretudo pela importância que
atribuíam ao atrito que, na física de Aristóteles, seguia a que o senso comum lhe
atribuía e que em Galileu e nos modernos se torna desprezível tendendo para ser
nulo no espaço vazio e absoluto de Newton. No entanto, o atrito é, de certo
modo, o preço termodinâmico de peagem que o movimento paga à natureza para
evitar os conflitos e contradições dos paradoxos de Zenão assim como a dúvida
racional de por um lado o movimento não ser possível sem o vazio e por outros
serem neste impossíveis acções de braços de forças sem o ponto de apoio que só
o atrito das coisas cheias de algo podem oferecer. Todos sabemos intuitivamente
que um carro ficaria em “roda livre”, e sem andar, numa superfície sem qualquer
atrito tal como andar de bicicleta numa passadeira rolante resulta em pedaladas
inúteis sem deslocamento espacial o que em termos práticos poderia ser
considerado um trabalho sem deslocamento e “só para aquecer”!
Para Leibniz, o problema do movimento dá uma resolução aos
paradoxos de Zenão. Uma vez que o movimento é contínuo, o espaço deve ser
infinitamente divisível. Para que nada absolutamente comece a se mover, deve
haver alguma propriedade mental e voluntária ou alguma força inerente nos
constituintes básicos do universo que impulsiona as coisas. Este conatus é uma
espécie de movimento instantâneo ou "virtual" que todas as coisas possuem,
mesmo quando elas estão estáticas. O movimento, entretanto, é apenas o
somatório de todos os conatus que uma coisa possui, juntamente com as
interações das coisas. O conatus está para o movimento como um ponto está
para o espaço. O problema com este ponto de vista é que um objecto que colide
com outro não seria capaz de se recuperar, se a única força em jogo for o
conatus. Portanto, Leibniz foi forçado a postular a existência de um éter que
mantém os objetos se movendo e "autorizados" a colisões elásticas. O conceito
de Leibniz de uma propriedade mind-like memory-less de conatus, acoplado à
sua rejeição aos átomos, enventualmente levou à sua teoria das mónades.
Notar que o conatus de Leibniz é já um quantum de movimento, ou
unidade mínima de quantidade de movimento e, de certa forma, uma
aproximação quântica ao movimento em geral.
"Cada coisa, à medida que existe em si, esforça-se para perseverar em
seu ser" (Ética de Spinoza, parte 3, prop. 6).
O termo latino cōnātus vem do verbo cōnor, que é geralmente traduzido
em português como "tentar", "procurar"; mas o conceito do conatus foi primeiro
desenvolvido pelos estoicos (333–264 a.C.) e peripatéticos (c. 335 a.C.) na
Antiguidade. Estes grupos usavam a palavra ὁρμή (hormê, traduzida em latim
por ímpeto) para descrever o movimento da alma em direção a um objeto, e do
qual um ato físico resulta.
Cōnor (cōnārī, cōnātum); verbo deponente < De Proto-Itálico *kōnāō, de
Proto-Indo-europeu *kona11, de root *ken- (“pôr a si mesmo em movimento”).
Como a voz ativa do verbo praticamente desapareceu permanece desconhecido.
Conatus (latim para esforço; impulso, inclinação, tendência; cometimento)
é um termo ou conceito usado na filosofia para se referir a uma inclinação inata
de uma coisa para continuar a existir agindo. O conatus pode se referir ao
instintivo "desejo de viver" de organismos vivos ou às várias teorias de
movimento e inércia. Frequentemente, o conceito é associado com a vontade de
Deus em uma visão panteísta da Natureza. O conceito pode ser dividido em
definições distintas para a mente e o corpo quando se discute força centrífuga e
inércia.
Adiante se verá que no limite a questão da aceitação do vazio físico como
entidade real marcará não apenas o desastre do materialismo moderno como o
começo da introdução do pensamento mágico na física relativista e quântica!

A MODERNIDADE E O RACIONALISMO CARTESIANO


Parece que Descartes sofria ainda do mesmo preconceito que o impediu de
intuir por completo a importância da física de Galileu que manifesta desconhecer
quase por completo, seguramente por nunca o ter lido, tal terá sido o terror que
lhe provocou a notícia da sua prisão e julgamento às mãos da Inquisição por
defender as teorias de Copérnico. De facto, só em 1629 começou a trabalhar no
"Tratado do Mundo", uma sua obra de física. Mas em 1633, quando Galileu foi
condenado pela igreja católica, Descartes amedrontou-se e não quis publicá-lo.
Os livros de Galileu foram incluídos no Índex, censurados e proibidos, mas
foram publicados nos Países Baixos, onde imperava o protestantismo mas os
tempos cartesianos eram de contra-reforma, politicamente muito conservadores e
muito conturbados socialmente por isso o espírito de Descartes, mais comodista
que acomodado, não lhe terá permitido ler Galileu na Holanda. Descartes sempre

11 Pois, só faltava descobrir que a procura de sexo e «o cheiro a cona» movem o universo, hehehehehehe
e era um sentimento particularmente activo entre os cónios dos Algarves!
alegou que nada na sua obra tivera a influência do trabalho de outrem e de
Galileu e Copérnico apenas terá sabido o que ouviu falar.
De facto o que há de mais espantoso na obra de Descartes é, por um lado a
completa originalidade do que nela é válido e por outro a infeliz incompletude e
os profundos erros experimentais do que nela poderia ter sido grandiosa se
tivesse seguido os passos pioneiros dos seus antecessores modernos. Na verdade,
a física de Descartes segue mais o racionalismo de Aristóteles do que o
empirismo dos modernos. Aliás, grande parte da sua obra foi publicada
anonimamente e, mesmo assim, em 1643 a filosofia cartesiana foi condenada
pela Universidade de Utrecht (Holanda) e Descartes foi acusado de ateísmo e
apenas sobreviveu porque obteve a protecção do Príncipe de Orange. Em 1667,
apesar de ter morrido como um católico num país protestante e enterrado em
Estocolmo num cemitério de crianças não baptizadas, a Igreja Católica Romana
colocou as suas obras no Índex. De facto, ninguém foge às calamidades da
história humana. René Descartes que depois da Universidade seguiu a carreira
militar na conturbada guerra da independência da Holanda terá sido menos um
actor do que um cauteloso espectador das profundas mudanças da vida social do
seu tempo em ambiente violento tanto a nível social como cultural.
Todas estas pretendidas demostraciones de la tercera ley fueron las
que finalmente impidieron que las leyes de la naturaleza de Descartes
fueran aceptadas por los pensadores de la época – como Newton –, pues
veían un racionalismo a ultranza con poca aplicabilidad a la experiencia.
Es decir, estas reglas ciertamente forzaban los fenómenos naturales
acomodándolos a la fuerza en su visión de los movimientos. De esta
manera no es raro encontrar en Descartes una expresión como esta:
“Las demostraciones de todo esto son tan ciertas que aun cuando la
experiencia nos pareciera mostrar lo contrario, sin embargo estaríamos
más obligados a dar crédito a nuestra razón que a nuestros sentidos”.
Éste, como sabemos, es un presupuesto fundamental en toda la
reflexión cartesiana sobre la ciencia, que de ninguna manera, desde este
punto de vista, es empirista, sino, racionalista, en el que el conocimiento
humano obedece, necesariamente, a procesos racionales y no a la
formulación de teorías partiendo de eventos empíricos o experimentales.
¿Cuál es, entonces, la motivación de Descartes para llevar a cabo
enunciaciones de esta naturaleza?
El objetivo es claro: llegar a la formulación del principio de
conservación del movimiento. Este es un principio fundamental para la
cabal comprensión de su física. -- LA FILOSOFÍA DE LA
NATURALEZA CARTESIANA, por: Johman Carvajal Godoy.
Descartes tinha afinal, como veio a ser descoberto por Newton, um
pensamento contraditório próprio de uma época reaccionária e em transição o
que foi uma das razões que levou o grande físico inglês a criar uma física em
completa oposição aos erros empíricos de Descartes que foi de facto o produto
mais inteligente de uma época decadente, depressiva e cobarde e ao mesmo
tempo sublime e gloriosa como foi o barroco...na senda da ressaca cultural do
fabuloso, divinal e magnífico renascimento!
Newton pretendeu, portanto, explorar as idéias de Descartes onde
quer que ocorressem movimentos circulares. Ao constatar a inconsistência
da mecânica cartesiana, o objetivo de Newton foi oferecer um tratamento
adequado ao conatus recedendi a centro nos movimentos circulares. O seu
afastamento do universo metafísico e conceitual da mecânica cartesiana,
que progressivamente se aprofundou à medida que suas pesquisas
prosseguiram, foi devido ao que Newton considerou como uma
impossibilidade de fornecer, por meio da doutrina de Descartes, os
conceitos exatos de movimento, lugar e espaco. Assim, Newton
compreendeu que seria necessária uma reformulação rigorosa desses
conceitos. (...)
O esforço de Newton ao longo do De Gravitatione será no sentido de
realizar uma revisão conceitual na doutrina cartesiana que significará
admitir que:
(I) o “espaço é distinto do corpo”;
(II) e “o movimento é algo que acontece com respeito às partes do
espaço, e não com respeito à posição dos corpos vizinhos”. (...)
A partir deste momento Newton demonstrou a inconsistência da
doutrina cartesiana do movimento (que implicaria nas noções de lugar e
espaço) com as investigações acerca das condições físicas fundamentais em
que ocorrem os movimentos. Porém, um passo decisivo dado por Newton
foi a inferência das definições que o ajudariam a sustentar sua própria
doutrina do movimento local, lugar, corpo e repouso. O estabelecimento
dessas definições foram importantes para se afastar de vez dos
pressupostos da física de Descartes, reduzidos a meras “ficções”. --- A
gravitação universal na filosofia da natureza de Isaac Newton Valdinei
Gomes Garcia Curitiba.
E toda a tragédia da física moderna começou então aqui nesta rejeição
newtoniana do racionalismo cartesiano que Leibniz tanto iria criticar.
E porque? Porque a física deixou de ser uma Ciência Natural para se
transformar numa geometria do movimento o que não seria nada de grave, antes
pelo contrário, se os seus resultados passassem a ser apenas isso e não uma
suposta descrição fiel da realidade. Na verdade, Newton fez à física o que
Euclides tinha feito à geometria e a moda pegou de tal modo que a gravidade
passou a ser mais tarde, com o relativismo de Einstein, como uma deformação da
geometria do espaço-tempo. E porquê? Porque, tal como na geometria tudo é
pura matemática desenhada à imagem e semelhança das ideias platónicas,
também na física de Newton quase tudo é Matemática onde os conceitos físicos
deixam de ser realidade concretas para serem meras definições axiomáticas
despidas de todas as referências reais para serem puros espíritos formais
inteiramente manipuláveis pelo espírito da razão pura dos juízos sintéticos a
prior! E começam então os mais graves equívocos saídos do mais genial dos
espíritos que o empirismo inglês criou nos tempos do iluminismo.
O tempo e o espaço como realidades absolutas da tradição clássica de
Euclides passam a substituir a res extensa do racionalismo cartesiano, que
malegré tout pretendia ser apenas uma mera racionalização dos dados empíricos
fornecidos pelos corpos naturais.
Na verdade, as questões fundamentais da física resultam da confusão entre
o espaço e o tempo enquanto critérios de medida que Kant muito bem define
como categorias, ou conceitos puros, a priori do entendimento.
Espaço e tempo Espaço é a forma do sentido externo; e tempo, do
sentido interno. Isto é, os objetos externos se apresentam em uma forma
espacial; e os internos, em uma forma temporal.
Como Kant prova isso? Pense em uma cadeira em um espaço
qualquer, por exemplo, em uma sala de aula vazia. Agora, mentalmente,
retire esta cadeira da sala de aula. O que sobra? O espaço vazio. Agora
tente fazer contrário, retirar o espaço vazio e deixar só a cadeira. Não dá,
a menos que sua cadeira fique flutuando em uma dimensão extraterrena.
E o tempo? Ele é minha percepção interna. Só posso conceber a
existência de um "eu" estando em relação a um passado e a um futuro. Só
concebemos as coisas no tempo, em um antes, um agora e um depois.
Voltemos ao exercício mental anterior: podemos eliminar a cadeira do
tempo - ela foi destruída, não existe mais. Porém, não posso eliminar o
tempo da cadeira - eu sempre a penso em uma duração, antes ou depois.
A conclusão é de que é impossível conhecer os objetos externos sem ordená-
los em uma forma espacial - e de que nossa percepção interna destes mesmos objetos
fica impossível sem uma forma temporal. -- Kant - teoria do conhecimento: A
síntese entre racionalismo e empirismo, José Renato Salatiel.
O tempo, por exemplo, que distinguimos da duração em geral e que
dizemos ser o número do movimento, não passa de uma certa maneira de
pensarmos esta duração, visto não concebermos que a duração das coisas que
se movem seja diferente das coisas que não se movem: tal como não conta mais
tempo num do que noutro quando dois corpos se movem durante uma hora, um
depressa e o outro lentamente, embora suponhamos mais movimento num desses
corpos. Todavia, para compreendermos a duração das coisas subordinadas a
uma mesma medida geralmente servimo-nos da duração de certos movimentos
regulares que são os dias e os anos, e chamamos-lhes tempo depois de termos
comparado essa duração desse modo; se bem que, de facto, fora da duração
das coisas o que assim chamamos é apenas uma maneira de pensar.
Os princípios das causas corporais ou físicas: que há corpos extensos
em comprimento, largura e altura, que têm diversas formas e se movem de
diversas maneiras. Eis, em poucas palavras, os princípios donde deduzo a
verdade das outras coisas.
(...) Assim, a extensão em comprimento, largura e altura constitui à
natureza da substância corporal, e o pensamento constitui a natureza da
substância que pensa. Com efeito, tudo quanto pode ser atribuído ao corpo
pressupõe a extensão e não passa de dependência do que é extenso. Igualmente
todas as propriedades que encontramos na coisa pensante são diferentes
maneiras de pensar.
(...) Para discernirmos melhor a verdadeira ideia que temos do corpo,
tomemos por exemplo uma pedra e retiremos-lhe tudo o que sabemos que não
pertence à natureza do corpo. Primeiramente retiramos-lhe a dureza, e nem por
isso deixará de ser corpo; depois, a·cor, já que algumas vezes temos visto
pedras tão transparentes que não têm cor; tiremos o peso, porque também o
fogo, ainda que muito ténue, nem por isso deixa de ser um corpo; tiremos-lhe o
frio, o calor e todas as outras qualidades deste género, pois não pensamos que
estejam na pedra, ou que a pedra mude de natureza porque umas vezes nos
parece quente e outras frias. Depois de assim termos examinado esta pedra
descobrimos que a verdadeira ideia que nos faz conceber que é um corpo
consiste unicamente em nos apercebermos distintamente de que é uma
substância extensa em comprimento, largura e altura; ora, isso mesmo está
compreendido na ideia que temos do espaço, não só daquele que está
preenchido pelos corpos, mas também daquele que se chama vazio.
9. A substância corporal não pode ser concebida claramente sem a sua
extensão.
Apesar de alguns darem outra explicação deste assunto, não penso
todavia que concebem outra coisa diferente da que acabo de expor; se
distinguem a substancia corporal ou material da extensão e da grandeza, então
não subentendem nada com a palavra substância [corporal], ou na sua mente
apenas formam uma ideia confusa da substância imaterial que falsamente
atribuem à substância corporal, deixando para a extensão a verdadeira ideia
desta substância corporal; a esta extensão chamam eles um acidente, mas tão
impropriamente que facilmente se vê que as suas palavras não têm qualquer
relação com os seus pensamentos.
16. Não pode haver vazio no sentido em que os filósofos tomam esta
palavra. Quanto ao vazio, no sentido em que os filósofos tomam esta palavra,
isto é, como um espaço onde não há nenhuma substância, é evidente que tal
espaço não existe no universo, porque a extensão do espaço ou do lugar interior
não é diferente da do corpo. E dado que só podemos deduzir que um corpo é
uma substância porque é extenso em comprimento, largura e altura, como
concebemos que não é possível que o nada tenha extensão, então devemos
concluir a mesma coisa acerca do espaço que se supõe vazio, isto é: dado que
ele tem extensão, então é necessariamente substância. -- René DESCARTES,
PRINCIPIOS DA FILOSOFIA.
Como facilmente se depreende, embora Descartes tenha tido uma clara
intuição da natureza do tempo como forma de o pensamento entender a duração
não fez o mesmo para o espaço que teimosamente acabou por confundir
sistematicamente com a extensão. Desgraçadamente irá ser esta confusão que
desacreditará a sua física que Newton acabou por rejeitar precisamente por
Descartes se ter recusado a separar o espaço formal, como forma de o
pensamento ordenar e medir a extensão dos corpos, da substância extensiva da
realidade que, essa sim, Descartes intuiu clara e distintamente.
Segundo Descartes, a realidade física é totalmente constituída de
corpos, e a matéria, por ser a substância desta realidade, não está ausente
em lugar algum, e não pode estar, justamente por ser a substância de tal
realidade. Desse modo, lugar, espaço e extensão podem ser entendidos
como sinónimos, pois não há lugar não preenchido por corpos, ainda que
não perceptíveis. A filosofia cartesiana não admite ausência de matéria
na realidade física, sendo que esta é organizada a partir e através do
movimento dos corpos que constituem tal realidade. É através do
movimento que a realidade física é organizada, o que faz do movimento
não apenas “mais um” dos modos da substância material, mas um modo
determinante em tal substância, um modo determinante para a física
cartesiana. Na busca por uma definição mais simples de movimento,
Descartes se distancia dos escolásticos e propõe uma definição que,
segundo ele, é mais ‘compreensível’, uma vez que:
Eles mesmos admitem que a natureza do [movimento] deles é muito
pouco conhecida; e, a fim de torná-la de algum modo inteligível, não foram
capazes ainda de explicá-la mais claramente que nestes termos:
Motus est actus entis in potentia, prout in potentia est, os quais são
para mim tão obscuros que sou obrigado a deixá-los aqui na sua língua,
uma vez que não saberia interpretá-los. (E, com efeito, estas palavras: ‘o
movimento é o ato de um ser em potência, enquanto está em potência; não
são mais claras por estarem em francês). – O PAPEL DO MOVIMENTO
N’O MUNDO DE DESCARTES, Marcos Alexandre Borges.
Já Newton irá fazer o oposto: reduzir o espaço absoluto ao lugar
geométrico dos corpos que Kant e os filósofos posteriores viriam a definir como
uma categoria e um conceito puro e a priori do entendimento. Obviamente que
algo de errado se passou no racionalismo cartesiano porque a res extensa,
enquanto substancia espacial, nunca poderia ser decomposta nas coordenadas
cartesianas sem o formalismo da geometria euclidiana onde o ponto
unidimensional só existe por ser uma abstracção que mesmo enquanto
representação do ponto de apoio do tira-linhas será sempre quanto muito um
círculo a duas dimensões e no limite do imaginário uma esfera corpuscular de
raio zero. Dito de outro modo, as dimensões euclidianas são uma mera
convenção didáctica do mínimo de dimensões (comprimento, largura e altura)
necessárias e suficientes para definir o volume de um objecto precisamente na
linha do que os anti kanteanos classificam desdenhosamente como psicologista e
que Kant entendia como forma a priori de intuirmos o conceito de espaço.
Porém, em Kant, o espaço enquanto forma de intuição já não é a res extensa de
Descartes mas só e apenas a condição racional das coordenadas cartesianas. E até
hoje tem sido este equívoco kantiano que tem enredado os físicos que nunca
souberam em rigor separar o espaço formal da geometria do espaço real onde os
corpos físicos objectivos se movem que é também o meio ambiente dos
fenómenos biológicos ou o volume dos corpos dos mesmo corpos coisa que
Descartes sabia fazer com alguma clareza.
Já no que respeita ao tempo, parece que todos os físicos tiveram razão,
menos os que substancializam o tempo e assim permitiram os equívocos dos
paradoxos de Zenão. Na realidade, o tempo é algo que Descartes poderia ter
intuído como a res intensa da nossa percepção interna porque o pensou como
sendo uma certa maneira de pensarmos a duração...do movimento. De facto o
racionalismo fino e escrupuloso de Descartes não lhe permitia maiores ousadias.
De facto, as grandes diferenças entre Descartes e Newton resultavam de
diferenças metafísicas sobretudo a nível da concepção de espaço e do tempo. Por
um lado entende-se que durante a derrocada do mundo físico de Aristóteles,
iniciado por Galileu, tenha havido algumas incertezas de transição a nível dos
postulados metafísicos essenciais da escolástica que, como vimos, perduram em
algumas posições de Descartes. Galileu e Newton, no entanto, foram os que
fizeram descobertas físicas mais revolucionárias e portanto também os que mais
se atreveram a ter que postular princípios metafísicos mais arrojados.
Costumamos dizer que Descartes era um mecanicista que olhava para o universo
como se fora uma máquina de relojoaria e possivelmente era este o paradigma
dominante da natureza do começo da renascença mas a verdade é que em
Descartes este mecanicismo era sobretudo ingénuo porque no fundo continuava a
ser um realismo clássico peripatético que tendia a separar o mundo das ideias,
reservadas ao pensamento, que funcionava como um mundo virtual, da natureza
onde as coisas eram tal como as sentimos e experimentamos, o que, segundo
Descartes, significava serem res extensa. No entanto, o verdadeiro mecanicista
foi um Newton maçónico que pretendia descrever uma física natural onde o
espaço absoluto seria Deus ex maquina supremo arquitecto e relojoeiro do
mundo.
Newton não dispunha da religião como um complemento. O Deus
newtoniano deveria ser atuante, fato que marcará sua definição de espaço.
"Reconhecemos, portanto, um Deus infinito, eterno, onipresente,
onisciente, o Criador de todas as coisas, o mais justo, o mais bondoso, o
mais sagrado. Devemos amá-lo, temê-lo, honrá-lo, confiar nele, orar a ele,
agradecer-lhe, glorificá-lo, consagrar seu nome, obedecer a seus
mandamentos e dedicar tempo para seu serviço, como nos ordenam o
terceiro e o quarto Mandamentos; pois este é o amor a Deus; que
cumpramos seus Mandamentos, e eles não são severos. (I João V 3)...”1
(Westfall, 1983:221)
(…) Mário Barbatti insiste que o pensamento dos filósofos era,
então, marcado por uma espécie de realismo ingênuo, que se assenta em
dois elementos centrais: a filosofia mecânica e a filosofia empírica. A
primeira sugere que a matemática (mais precisamente a geometria) fornece
elementos que são base segura de certeza e clareza. Essa descrição
matemática do mundo só pode ser feita, entretanto, obtendo-se dados da
experiência sensível e, para tal, o experimento criterioso é fundamental
para o estabelecimento de verdades. Deus seria o elemento que
fundamentaria a grandiosidade desse comportamento da natureza,
diferenciando-se apenas na forma com que participava do mundo: alguns
entendiam que ele atuava constantemente (More, Boyle e Newton),
enquanto outros, como Descartes e Hobbes, entediam que sua participação
teria sido apenas a de garantir o primeiro motor (Barbatti, 1999:156),
imprimindo a quantidade de movimento inicial ao mundo.
Nesse ambiente de intenso debate entre os filósofos da época, Renè
Descartes teve um papel fundamental para o estabelecimento das bases
metodológicas da nova filosofia. Isso se deve ao fato de que seu dualismo
mente-corpo conduz a duas implicações que fomentam as discussões do
período: a ateização da natureza (decorrente da ação que Deus possui na
máquina do mundo) e a dificuldade de justificar como as duas substâncias
se comunicam.
(…) A adoção da existência do espaço absoluto para Newton,
veremos, cumprirá duas finalidades: a primeira será teológica, de modo a
se permitir a ação direta de Deus sobre sua criação. A segunda, de que
Newton, face ao estatuto da nova filosofia, que clama por critérios mais
claros e distintos, precisará garantir a realidade empírica do espaço
absoluto, visto que este se constitui como não acessível aos sentidos.
(…) O conceito de lugar, absoluto e relativo, será importante, pois
dele é que se seguirá a argumentação que levará Newton à demonstração
da existência do espaço absoluto. Newton afirma que o lugar é algo que o
corpo apenas ocupa transitoriamente, pois, ao se mover, o lugar
permanece onde está, podendo ser ocupado, em seguida, por outro corpo.
Mas como saber se o lugar é absoluto ou relativo? Tal distinção residirá na
forma como Newton define movimentos absolutos e movimentos relativos.
“O movimento absoluto é a translação de um corpo de um lugar absoluto
para outro e o movimento relativo, a translação de um lugar relativo para
outro.(Newton, 1990:8).
(…) Newton sugere uma forma de diferenciar movimento verdadeiro
do movimento absoluto, partindo da investigação da ação de uma força
impressa. Segundo ele, a aplicação de uma força, no corpo que se move,
muda seu movimento absoluto e, conseqüentemente, seu lugar absoluto. Tal
fato já não ocorre com o movimento relativo: posso mudar o lugar relativo
de um corpo pela simples impressão de uma força aos corpos que se situam
ao redor do corpo móvel, que se caracteriza o estado de movimento
relativo. Se aplicarmos uma força a um corpo situado nas proximidades do
móvel, o movimento relativo deste, em relação ao esse corpo de sua
proximidade que sofreu a força, é alterado. Pois se, no mesmo instante em
que o corpo usado como referência sofrer a impressão de uma força e o
corpo móvel sofrer também uma força, é possível que o estado de
movimento relativo não seja alterado. Em função dessa diferença, o
movimento circular ganhará um estatuto diferenciado na física newtoniana.
(…)
Qualquer corpo em rotação só possui um movimento circular real,
correspondendo a um poder de esforçar-se por se afastar do seu eixo de
movimento, como seu efeito próprio e adequado; mas os movimentos
relativos, em um único e mesmo corpo, são inumeráveis, segundo as várias
relações que ele tem para com corpos externos, e, como outras relações,
são inteiramente destituídas de qualquer efeito real, além daqueles que
possam derivar da participação do movimento verdadeiro e único. E,
portanto, no sistema daqueles que supõem que nossos céus, girando abaixo
da esfera das estrelas fixas, transportam consigo os planetas, nesse sistema
as várias partes desses céus e os planetas, que estão em repouso em
relação a esses céus, na verdade se movem. Pois mudam de posição uns em
relação aos outros (o que nunca acontece aos corpos verdadeiramente em
repouso) e ao serem carregados juntamente com seus céus participam dos
movimentos deles, e, como partes de todos em giro, esforçam-se por se
afastar do eixo de seus movimentos. (Newton apud Koyré, 1979:161) -- AS
BASES TEOLÓGICO-EXPERIMENTAIS DO ESPAÇO ABSOLUTO
DE NEWTON, Marcus Vinícius Russo Loures.
As concepções metafísicas de Newton não o impediram de fundar a física
moderna mas condicionaram a sua evolução no sentido do seu formalismo
matemático quase inacessível ao senso comum pouco dado a matemáticas.
Ninguém nega que há dificuldades na análise da mecânica
Newtoniana quando realizada apenas em termos do mecanicismo de
segunda ordem [não previa a existência do éter]. Em contraste, porém (ao
que nos parece), se afirmarmos que, para Newton, todas as forças eram
meros pseudo conceitos e a realidade estava sempre no impacto
corpuscular etéreo, estaremos dizendo, na verdade, que os Principia dizem
respeito a uma pseudo consciência [...]. Será que os Principia contêm uma
visão da realidade, ou serão eles apenas um modelo matemático
conveniente – um modo de calcular os efeitos do éter, sem de fato
introduzir o mecanismo etéreo? (HALL; HALL, 2002, p. 110).
Mesmo assim, podemos comparar o conceito de substância entre
Descartes e Newton que ao lado das variantes Aristotélicas representam as
inutilidades conhecidas de conceitos metafísicos não controláveis pela
experiência sensível nem pelos usos e costumes da linguagem.
Claro que depois de Descartes ter definido a res extensa como substancia
dos corpos se iniciou a confusão destes com o seu “lugar natural” e logo com o
espaço repleto destes de todas as formas, tamanhos e perspectivas. Newton, em
vez de separar os corpos do seu “lugar natural” de acordo com o seu estado de
movimento atirou-os para o vazio solitário do espaço absoluto da acção onde
ficaram sujeitos à substância do mundo já minada de forças que iriam evoluir
para os fantasmagóricos campos vectoriais gravíticos e magnéticos. Obviamente
que as duas substâncias cartesianas decalcam as dualidades lógicas escolásticas
matéria / forma; corpo / alma, etc.
Sabemos que Newton quase copiou o primeiro princípio da sua mecânica
de Descartes e por isso não há divergências no conceito de movimento de ambos.
As grandes diferenças entre Descartes e Newton vão começar na diferenciação
entre movimentos relativos e movimentos absolutos por força de concepções
diversas que tinham do espaço.
Também compreendi a natureza do movimento. Além do mais, também
percebi que o espaço não é algo absoluto ou real e que ele nem sofre mudança
nem podemos conceber o movimento absoluto, mas que toda a natureza do
movimento é relativa, de tal forma que dos fenômenos não podemos determinar
com rigor matemático o que está em repouso, ou com que quantidade de
movimento algum corpo se move. Isto vale mesmo para o movimento circular,
embora não parecesse assim para Isaac Newton, aquele cavalheiro distinto que
é, talvez, a maior joia que a Inglaterra culta jamais teve. Embora ele tenha dito
muitas coisas esplêndidas sobre o movimento, ele pensou que, com a ajuda do
movimento circular, podia discernir qual matéria contém movimento a partir da
força centrífuga, coisa com a qual não posso concordar. Mas mesmo se não
houver maneira matemática de determinar a hipótese verdadeira, contudo
podemos, com boas razões, atribuir movimento verdadeiro à matéria com a qual
resultaria a hipótese mais simples para explicar os fenômenos. Em relação ao
restante, basta para nós por questões práticas investigar não tanto o sujeito do
movimento quanto as mudanças relativas das coisas, umas em relação às
outras, já que não há ponto fixo no universo.
(…) Temos de perceber, acima de tudo, que força é algo absolutamente
real nas substâncias, mesmos nas substâncias criadas, enquanto que espaço,
tempo e movimento são, até um certo ponto, seres da razão [do intelecto] e que
são verdadeiros ou reais, não por si mesmos [per se], mas apenas até o ponto
que eles envolvem ou atributos divinos (imensidão, eternidade, a habilidade de
realizar trabalho), ou a força nas substâncias criadas. Disto segue
imediatamente que não há lugar vazio e [não há] momento de tempo vazio.
Além do mais, segue que movimento considerado separadamente da força, isto
é, o movimento considerado até o ponto em que contém apenas noções
geométricas (tamanho, forma e suas mudanças), não é realmente nada além da
mudança de situação e, além isto, no que diz respeito aos fenômenos,
movimento é uma relação pura, algo que Descartes também reconheceu ao
definir movimento como uma translação das vizinhanças de um corpo para as
vizinhanças de outro. Mas ao tirar consequências disto, ele esqueceu sua
definição e estabeleceu as leis do movimento como se o movimento fosse algo
real e absoluto. Portanto, temos de considerar que quaisquer que sejam as
maneiras como muitos corpos possam estar em movimento, não podemos inferir
a partir dos fenômenos quais deles têm realmente movimento absoluto e
determinado, ou [estão em] repouso. -- Um Exemplar de Dinâmica [Specimen
Dynamicum], Leibniz.
(…) O opositor de Leibniz, o grande físico Newton, era anti
relacionista. Newton considerava o espaço e o tempo como algo que não
consiste apenas em meras relações espaciais e temporais entre objectos e
acontecimentos materiais, mas não tinha a certeza do que seriam
exactamente. Considerava-os como algo semelhante a uma substância, mas
por vezes preferiu concebê-los como atributos ou propriedades — na
verdade, como propriedades de Deus. Embora tenha oferecido argumentos
puramente filosóficos contra o relacionismo de Leibniz, Newton é mais
conhecido por ter defendido que os resultados da observação e da
experimentação podem refutar conclusivamente a doutrina relacionista.
Na física desenvolvida por Newton a partir das investigações
anteriores de Galileu, entre outros, existe um contraste claro entre
movimentos inerciais e não inerciais. Os movimentos inerciais são os
movimentos de um objecto com uma velocidade constante, isto é, de um
objecto que se move a uma velocidade imutável e numa direcção fixa. Ora,
para um relacionista, noções como as de "velocidade imutável" e "direcção
fixa" só podem ser entendidas em relação a um quadro de referência
estabelecido por alguns objectos materiais. Algo que está em repouso em
relação à superfície da Terra, por exemplo, está em movimento rápido e a
mudar constantemente de direcção em relação a um quadro de referência
localizado, digamos, no Sol. Mas, defende Newton, a noção de movimento
não inercial não é a de um movimento "meramente relativo", mas a de
um movimento "absoluto".
Porquê? Os movimentos não inerciais geram "forças" que se
revelam em efeitos demonstráveis. A água de um balde que descreve
movimentos rotativos transborda. (…)
Encontramos assim em Newton a introdução de um novo elemento
no velho debate filosófico entre aqueles que consideram o espaço e o tempo
como constituintes autónomos do mundo, e aqueles que os consideram
simplesmente como compêndios de colecções de relações entre as coisas
fundamentais do mundo: os objectos materiais e as suas mudanças. Para o
newtoniano, o espaço e o tempo são elementos teóricos postulados, cuja
existência tem de se pressupor para poder explicar os fenómenos a que
temos acesso ao nível experimental e observacional. (…)
No século XIX, o físico e filósofo Ernst Mach tentou, uma vez mais,
conciliar os resultados da física newtoniana com a abordagem relacionista
do espaço e do tempo. Mach chamou a atenção para o importante facto de
que a taxa de rotação da Terra, determinada pela observação das estrelas
fixas, é a mesma que a taxa absoluta de rotação da Terra, determinada
por experiências puramente mecânicas baseadas nas forças geradas pela
rotação. Poderia isto sugerir uma origem das forças inerciais que Newton
não tivesse imaginado? Suponhamos que a aceleração de um objecto
material em relação a outro produz forças, tal como a velocidade relativa
de duas partículas electricamente carregadas produz uma interacção
magnética. Suponhamos que tal força é independente da separação dos
objectos (num grau elevado), mas dependente das suas massas. Não
poderão as forças geradas por acelerações, que Newton atribuía à
interacção causal do objecto experimental com o espaço em si, ser antes
atribuídas à aceleração relativa do objecto experimental em relação às
estrelas fixas, ou, mais propriamente, em relação à média da restante
matéria "espalhada" pelo universo? Se assim for, não poderemos
reconciliar os factos observacionais que Newton usou para argumentar a
favor da existência de um tipo de espaço substantivo com um relacionismo
leibniziano que considerasse todas as posições, velocidades e acelerações
como características de uma coisa material em relação a outra?
(…) No final do século XIX, a situação era assim mais ou menos a
seguinte: todos concordavam que existiam duas amplas dimensões da
realidade — todas as coisas materiais existiam no espaço, e todos os
acontecimentos, materiais ou mentais, decorriam no tempo. A estrutura
destes palcos do mundo era conhecida. O tempo podia ser concebido como
um simples contínuo unidimensional. O espaço era uma estrutura
tridimensional, descrita pela conhecida geometria euclidiana. Parecia que
podíamos conhecer esta estrutura inferindo-a de primeiros princípios cuja
verdade era, num certo sentido, indisputável, isto é, cuja verdade podia ser
conhecida por uma pessoa racional por meio de um tipo qualquer de razão
pura. De um ponto de vista filosófico, a natureza destes contentores de
todas as coisas e acontecimentos não era clara. Os substantivistas de
inspiração newtoniana rivalizavam com os relacionistas que seguiam as
ideias de Leibniz. Outros defendiam concepções metafísicas diferentes.
Kant, por exemplo, pensava que o espaço e o tempo eram estruturas
organizadoras da mente, por meio das quais dávamos às sensações um
formato compreensível.
Ao passo que a aceleração em relação ao espaço em si tinha
consequências observáveis, a posição no espaço em si e a velocidade
uniforme em relação ao espaço em si não tinham tais consequências. Mas
existia a esperança de que, por meio de fenómenos ópticos, se pudesse
determinar o estado de repouso no espaço em si. A tentativa de determinar
o estado de repouso em relação ao espaço em si por meio de experiências
com a luz foi o que conduziu, graças ao trabalho do grande físico Albert
Einstein, às espantosas revisões das nossas ideias de espaço e de tempo. A
possibilidade de novas ideias puramente filosóficas sobre a natureza do
espaço e do tempo já existia antes do seu trabalho, mas foi à luz dos
resultados de Einstein e das penetrantes ideias por eles proporcionadas
que se explorou a maior parte da filosofia contemporânea do espaço e do
tempo. Em "Do espaço e do tempo ao espaço-tempo" e em "A gravidade e a
curvatura do espaço-tempo", esquematizarei as novas teorias sobre o
espaço e o tempo propostas por Einstein, regressando depois à filosofia do
espaço e do tempo no contexto dessas novas teorias físicas. -- Lawrence
Sklar, Universidade de Michigan.
Os grandes equívocos da Física moderna pós metafísica (já que antes a
confusão entre ambas era quase inevitável) resultam dos tropeções que esta
dá nos seus conceitos. No entanto, a respeito do espaço e do tempo os
tropeços podem resultar em quedas fatais.
Na verdade, se O ser é Deus e eterno não tem espaço nem tempo logo
foi sempre vã a tentativa de querer atribuir razões teológicas às ideias de
espaço e de tempo porque ambas as ideias serão sempre aproximações
humana e finitas à natureza una e eterna, imutável e infinita do Ser. Razão
tem por isso Kant, que magistralmente colocou a metafísica de lado como de
resolução impossível no mundo sensível da ciência experimental, ao afirmar
contra Newton e Leibniz que nem um nem outro têm razões nos seus pontos
de vista metafísicos porque o espaço e o tempo não são dessa natureza por
serem tão só e apenas condições essenciais do nosso entendimento, ou seja,
um fundamento formal da epistemologia.
Todos nos damos conta de que a querela entre Newton e Leibniz a
respeito do espaço e do tempo se baseou em equívocos metafísicos forçados por
ambos os contendores porque ambos estavam inconscientemente mais
interessados no desentendimento do que no consenso porque tinham uma querela
pessoal por resolver a respeito da paternidade do cálculo diferencial. Felizmente
para Newton, que acabou por levar a melhor, o treino filosófico que este tinha
tido para refutar a física de Descartes facilitou-lhe o trabalho, até porque o
relacionismo de Leibniz era uma variante do racionalismo cartesiana onde a res
extensa não diferia muito da teoria esotérica das mónadas, coisas que
desacreditaram para sempre a seriedade da física tanto de Descartes como de
Leibniz. A este propósito há que referir o deslize materialista de Leibniz referido
por Hegel:
Eu entendo quanto ao assunto como quantidade, está entre as sete
proposições que foram preservadas da primeira dissertação de Leibniz (primeira
parte do primeiro volume de suas obras), uma segunda sobre esta questão, que
diz: "Non omnino improbabile est, materiam et quantit esse realiter idem "(não
é de todo improvável que matéria e quantidade sejam na verdade a mesma
coisa). Ora, se fosse provável que a quantidade e a matéria fosse a mesma coisa
seria impossível contar o número de anjos no céu pois segundo a Sagrada
Escritura nos permite afirmar o número de anjos é limitado, pois, ainda que em
número imenso são criaturas de Deus. Precisamente por esta quantidade enorme
de anjos, no mundo angelical existe ordem e uma hierarquia sendo a mais
corrente, derivada do Pseudo-Dionísio e de Tomás de Aquino, que divide os
anjos em nove coros, agrupados em três tríades.
Mas tinha Newton verdadeiramente razão na sua questão do espaço
absoluto? Obviamente que não porque o espaço absoluto tresanda à alquimia
metafísica que arruinou a saúde do físico...mas não a física newtoniana.
A conclusão é de que é impossível conhecer os objetos externos sem
ordená-los em uma forma espacial - e de que nossa percepção interna destes
mesmos objetos fica impossível sem uma forma temporal.
Além disso, espaço e tempo preexistem como faculdades do sujeito - e,
portanto, são a priori e universais - quando eliminamos os objetos da
experiência. Por isso, segundo Kant, espaço e tempo são atributos do sujeito e
condições de possibilidade de qualquer experiência. (...)
Chegamos, portanto, a uma síntese que Kant faz entre racionalismo e
empirismo. Sem o conteúdo da experiência, dados na intuição, os pensamentos
são vazios de mundo (racionalismo); por outro lado, sem os conceitos, eles não
têm nenhum sentido para nós (empirismo). Ou, nas palavras de Kant: "Sem
sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria
pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são
cegas."
Considerações finais É um lugar-comum dizer que Kant é um divisor de
águas na filosofia, mas é verdade. O sistema kantiano foi contestado pelos
filósofos posteriores. No entanto, suas teorias estão na raiz das principais
correntes da filosofia moderna, da fenomenologia e existencialismo à filosofia
analítica e pragmatismo. -- Kant - teoria do conhecimento: A síntese entre
racionalismo e empirismo, José Renato Salatiel, Especial para a Página 3
Pedagogia & Comunicação.
Desde Aristóteles que sabemos que as tentações antitéticas da
gnosiologia se ultrapassam apenas por uma qualquer forma de realismo que
seja o meio caminho possível entre a dualidade das antinomias sendo por isso
suspeito de falsidade qualquer sistema que tenda a ser dogmático e absoluto
mesmo confessando-se relativista como foi o caso de Galileu e,
modernamente, de Einstein. A dificuldade em ultrapassar a natureza dual da
luz reside em grande parte nesta herança pós revolução francesa de recusar os
compromissos realistas que a razão e o bom senso sempre impõem em
épocas de boa paz social.
El conjunto de ecuaciones (1.3) se denominan ecuaciones de la
transformación Galileana o, simplemente, transformación de Galileo. Hemos
añadido t = t para enfatizar que estamos suponiendo que el tiempo transcurre
igual para ambos observadores; es decir, que las medidas del tiempo son
independientes del movimiento de cada observador. Esto es algo que está muy
de acuerdo con el sentido común, pero que es sólo una suposición que puede ser
desechada de forma experimental.
Como veremos a respeito das forças fictícias o que existe precisamente
de mais inaceitável na física clássica é a questão das transformações de
Galileu.
Embora as transformações sejam nomeadas em homenagem a Galileu, é
o conceito de tempo e espaço absolutos como concebido por Isaac Newton que
fornece seu domínio de definição. Em essência, as transformações de Galileu
incorporam a noção intuitiva de adição e subtração de velocidades como
vetores.
No entanto é um erro pensar que pelo simples facto de se poderem
adicionar formalmente velocidades vectoriais se possa multiplicar a
velocidade de um corpo ou de um fenómeno por simples somatório de corpos
movidos em plataforma sobrepostas de progressivas velocidades. Se assim
fosse os extremos de disco de vinil sobrepostos ou de longo raio acabariam
por se desintegrar ao atingirem velocidades tendencialmente infinitas. A
adição de velocidades é intuitiva e válida no cômputo final de um
acontecimento na situação fisicamente possível de corpos em movimento em
plataformas móveis, como é o caso da subida de escadas rolantes ou de um
barco a motor num rio caudaloso e veloz. No entanto seria um abuso pensar
que a velocidade real do móvel movido corresponda à soma da sua
velocidade própria acrescida da velocidade que lhe foi transmitida a não ser
quando se der a separação dos dois corpos. Dito de outro modo, a soma de
velocidades só é efectiva quando os móveis se separam. Em rigor nestas
situações há apenas transmissão de quantidade de movimento cujo resultado
final é uma aceleração que o móvel transportado, se for um observador
sensível, virá a sentir como força fictícia quando parar o móvel transportador
ou aquele abandonar este. As velocidades sobrepostas resultantes de somas
vectoriais são sempre relativas e só a velocidade própria de um corpo pode
ser considerada como sendo uma velocidade absoluta (própria ou em si).
Transportando esta realidade para a luz e para o som verificamos que
não pode haver soma de velocidades porque tal iria contrariar o seu
comportamento ondulatório descrito de acordo com o efeito Doppler que
confirma a invariância das velocidades das ondas para todos os referenciais
de inércia precisamente pelo seu carácter ondulatório. Assim, não se
compreende que Einstein tenha estranhado o facto de as leis do
electromagnetismo de Maxwell não cumprissem as transformações de Galileu
porque as cumpriam com o previsto no efeito Doppler.
O mais absurdo desta situação é ter-se posteriormente criado o
conceito de “efeito Doppler relativístico” postulando a estranha expansão do
universo:

A ciência não se faz exclusivamente de especulação matemática como no


caso dos relativistas e grande parte dos físicos modernos ou racionalista como foi
o caso dos cartesianos mas sobretudo de muita investigação experimental feita de
moto próprio ou a partir da reflexão profunda sobre os resultados empíricos dos
trabalhos de outros. Mas a ciência será sempre apenas o conhecimento dos
fenómenos do Devir e por isso uma ilusão empírica tratada pela razão mas nunca
o conhecimento das coisas em si mesmas uma vez que estas não passam de puras
ilusões do Ser que só a Filosofia enquanto ciência das ciências pode abordar
usando de todas as formas de entendimento incluindo a arte, a fé e outras formas
de “loucura divina” sem cair também no orgulho e vaidade de se pensar que se
poderá alguma vez vir a conhecer directamente o Ser em Si e a Si mesmo antes
de se enlouquecer completamente ou sem primeiro morrer.

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