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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO - UFMA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CCH


DEPARTAMENTO DE LETRAS

NOEMY PRAZERES SOUSA

A MANIFESTAÇÃO DA MORTE NA OBRA OS DEGRAUS DO PARAÍSO

São Luís - MA
2023
NOEMY PRAZERES SOUSA

A MANIFESTAÇÃO DA MORTE NA OBRA OS DEGRAUS DO PARAÍSO

Ensaio apresentado à disciplina Estudos


Literários Maranhenses, do Curso de Letras,
da Universidade Federal do Maranhão, como
requisito para aprovação na disciplina.

Prof. Dr. José Dino Costa Cavalcante

São Luís - MA
2023
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente ensaio tem como objetivo analisar a manifestação da Morte na
obra Os Degraus do Paraíso (1965), do escritor maranhense Josué Montello, visa
destacar como a Morte tem uma presença constante na obra e se manifesta em
diversas situações, de forma que transforma os rumos da narrativa.
Partindo dos estudos do filósofo alemão Arthur Schopenhauer,
especificamente de suas considerações a respeito da morte, presente na obra
Metafísica do Amor, Metafísica da Morte (2000), em que ele concebe a Morte para
além da não-existência e sobre como o ser humano está intrinsecamente
relacionado com a questão do fim, percebo que a ideia de morte em Schopenhauer
está presente na obra Os Degraus do Paraíso, principalmente evidenciada na
personagem Mariana. Dessa forma, discorro sobre a forma de estabelecimento da
figura da Morte.

A MANIFESTAÇÃO DA MORTE NA OBRA


A obra Os Degraus do Paraíso (1965) é composta por diversas
representações, contudo duas merecem destaque: a representação da sociedade
maranhense e as angústias vividas pelo ser humano. A narrativa de Montello
representa de forma muito clara um importante embate entre duas correntes
religiosas cristãs no Maranhão: o Catolicismo e o Protestantismo, a partir disso há
uma discussão profunda sobre o fanatismo religioso. Esse embate central da
narrativa abre espaço para análise de outras questões, visto que a presença da
religião transforma as personagens da obra, moldando suas vidas e até o
psicológico.
Além dessa questão religiosa, percebo o destaque para as angústias e
sofrimentos vividos pelos personagens, nesse sentido se insere a figura da Morte
como um importante elemento para a compreensão desse cenário e esse elemento
se manifesta em diversas situações ao longo da narrativa.
No enredo de Os Degraus do Paraíso (1965), a Morte se apresenta
inicialmente através da epidemia de gripe espanhola, que dizimou grande parte da
sociedade de São Luís, diante disso, sãos inúmeros os relatos que a obra faz desse
fatídico episódio, então destaco o principal momento:
Até que uma noite, no começo de outubro, a Morte entrou de manso pelas
ruas tortas que se esgueiram para o mar, escondida no corpo de um marujo
de olhos em brasa e andar gingado. Dias depois a cidade lhe sentiu a
presença sinistra, os primeiros esquifes roxos que saíram das casas do
meretrício para o cemitério, à noite, sem acompanhamento, sob o olhar das
lívidas lâmpadas elétricas. (MONTELLO, 1986, p. 21)

Assim a Morte se torna uma presença constante na obra e acaba ditando o


rumo de personagens. Diante disso, D. Mariana, personagem de grande destaque
na obra, é transformada por essa presença, tendo em vista que o sentido de sua
vida muda totalmente após a morte de seu filho Teobaldo.
D. Mariana, antes uma mulher muito católica e devota de N. Senhora, ia
sempre às missas e desejava que seu filho mais novo se tornasse padre. Tinha uma
confiança enorme na virgem Maria, pois acreditava que ela protegia o filho, o qual
era muito amado por ela. Após a perda a personagem, muito angustiada, faz
diversos questionamentos sobre a fé e a vida:
Por alguns momentos, em silêncio, Mariana sacudiu a cabeça, para dizer
que não. Como podia acreditar na bondade de Deus? Ou na compaixão de
Nossa Senhora? Que mal havia feito para ser castigada tão duramente?
Não incorrera em pecado, vivia reclusa na sua casa. Se estava separada
do marido, era porque este levava uma vida de perdição, que a sua
dignidade de mulher condenava e repelia. De manhã e à noite, sempre
rezara o seu terço. E aos domingos, mesmo no rigor do inverno, com a
chuva copiosa, jamais faltara à sua missa. (MONTELLO, 1986, p.109).

No terrível acontecimento em que Teobaldo vai sozinho à missa, sofre um


atropelamento e não resiste, a mãe do menino não encontra mais nenhum sentido
para viver e começa a cultivar o desejo de encontrar com o filho. Nessa situação, a
personagem Abigail, uma moça protestante que trabalha na casa de D. Mariana,
aproveita o sofrimento para tentar convertê-la ao protestantismo, como indica o
seguinte trecho:
- Por que você não deixa a minha mãe em paz? – indagou-lhe, numa voz
ríspida. – Ela é católica! Todos nós aqui somos católicos! E não queremos
ser protestantes!
E Abigail, num tom suave, com uma sombra de riso nos cantos da boca:
- Deus me mandou trazer a verdadeira paz à sua mãe, Cristina. Sem essa
paz, ela não podia viver. (MONTELLO, 1986, p.125)

Diante do acontecimento inesperado com o filho, Mariana passa a ser muito


reclusa e até ignora suas outras duas filhas ( Morena e Cristina), tornando-se assim
uma pessoa recolhida e amarga. A personagem é acometida por uma doença, mas
com os cuidados do Dr. Luna, se recupera fisicamente, nesse momento, tomada por
luto, demonstra seu ódio e o desejo de morrer ao médico:
- E por que não deixou que eu morresse? Se pensa que me fez um favor,
cuidando de mim nesta doença, está enganado. Mil vezes morrer, ouviu?
Mil vezes morrer! Ao senhor é que devo o tormento de continuar neste
mundo sem meu filho. [...] (MONTELLO, 1986, p.123)

Também noto uma grande outra questão da Morte na obra: o suícidio, que é
objeto de estudo de Schopenhauer. Para o filósofo, quando o ser humano está
diante de situações extremas, de angústias existenciais, ou seja, quando a vida se
torna um fardo difícil, começa o desejo pelo fim. O ser humano é movido pela
vontade e o suicídio é a última demonstração dessa vontade inerente ao ser, dessa
maneira, o desejo de morrer torna-se uma forma de escape. Diante disso, no
momento de disseminação da gripe espanhola na cidade de São Luís, onde impera
o desespero e o medo, surge o desejo pela Morte, como forma de escape:
Quem podia dispor de um abrigo no interior da ilha, nas casas de sítio ou
nas palhoças de beira de estrada, tratara de fugir da Morte. E a Morte não
raro acompanhava os fugitivos, aparecendo-lhes de repente na Maioba, no
Anil, na Jordoa, em São José de Ribamar, e obrigando os sobreviventes a
novas fugas para lugares ainda mais apartados. Na Rua dos Afogados, um
senhor louro tinha-se atirado da janela do mirante, depois de gritar que
estava doente. E não fora esse o único caso do medo da Morte, a impelir
ao suicídio. Um oficial da Polícia, sentindo-se febril, encostara o cano da
arma na cabeça e dera ao gatilho, diante dos companheiros estupefatos.
Um funcionário do Tesouro, gripado havia dois dias, amanhecera enforcado
na escápula da rede. E mais de um corpo amanhecera boiando na orla da
Praia do Caju. (MONTELLO, 1986, pp. 46 e 47)

Nessa obra, o suicídio é buscado não só como uma maneira de fuga diante
da realidade e do medo que assola as pessoas, mas também como uma tentativa
de escape para os sofrimentos existenciais, como evidencia o seguinte trecho:

-Deixe-me em paz, já lhe disse… Quero ficar só… Por favor, não me
atormente… Eu não posso mais viver… A vida para mim é insuportável…
Já sofri muito… Se Deus não me der a morte, hei de busca-la… com
minhas mão… (Montello, 1986, p.97)

A busca pelo suicídio na narrativa, mesmo que de maneira indireta, está de


acordo com as ideias de Schopenhauer, para quem a morte é uma espécie de
solução para a dor. Desse modo, a morte nos imprime a necessidade de se pensar
sobre a existência e esta é, para alguns personagens da obra, repleta de angústias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das considerações expostas neste ensaio, concluo que a Morte se
manifesta de diversas maneiras e formas ao longo da narrativa, de início é
evidenciada de forma física, através da doença que assola a cidade e leva consigo
pessoas que se reduzem depois à cadáveres amontoados em carros ou jogados
pelas ruas de São Luís, também aparece de forma espiritual, simbolizada na
mudança psicológica de D.Mariana e quando leva consigo sua vontade de viver.
Ao compreender a morte como mais do que um simples fim, Schopenhauer
entende que o ser humano possui uma relação com o fim da existência e em certos
momentos sempre há a lembrança da finitude. Dessa forma, através dos diálogos
das personagens, a Morte ganha uma espécie de protagonismo e assim vai
definindo os rumos que toma a narrativa, já que através de uma morte a história se
desenrola, mudando a vida de D. Mariana:
Se a morte de Teobaldo levou a senhora a se afastar do catolicismo, ferida
no seu amor materno, a morte de Morena é uma razão mais forte para que
regresse à verdadeira fé. Deus operou aqui um milagre. Falo-lhe como filha
e como religiosa. E sei agora que só vim aqui a mando de Jesus.
(MONTELLO, 1986, p.378)

Por fim, destaco que a Morte ganha na obra um importante papel e se torna
um acontecimento complementar que define a vida dos personagens, pois é temida
e lembrada em muitos momentos:
A morte, sempre a morte. E por que? Acaso a vida, com as maravilhas
criadas por Deus, não tinha valor? Se tinha, qual o sentido da lembrança da
morte, a cada momento? (MONTELLO, 1986, p.345)

REFERÊNCIAS

MONTELLO, Josué. Os degraus do Paraíso. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira,


1986, 5ª ed.

NOGUEIRA, Thiago Victor Araújo dos Santos et al. AS RELAÇÕES RELIGIOSAS


EM OS DEGRAUS DO PARAÍSO, DE JOSUÉ MONTELLO. 2019.

SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Amor, Metafísica da Morte. São Paulo:


Martins Fontes, 2000.

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