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Henry Margenau
7 de julho de 2023
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Sumário
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4 SUMÁRIO
Capítulo 1
Levantamento preliminar
da realidade
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6 CAPÍTULO 1. LEVANTAMENTO PRELIMINAR DA REALIDADE
realidade? Por que estava destinado a essa sorte? Dentre estes repousa todo
grau de resposta emocional. Um conceito que invoca tão grande variedade de
reações não é um conceito fácil de definir, não poderia ser presumido ter um
significado simples.
1.1 A Enduring
A partir dos gregos, herdamos uma preocupação para uma espécie de “princípio
do ser”, para alguma realidade última passível de ser descoberta, através ou para
além de nossa experiência sensorial porém não idêntica a tal experiência. Como
Parmênides e Platão, nos sentimos insatisfeitos com as mensagens que chegam a
nós por meio das percepções externas, pois essas mensagens são particularmente
incoerentes, cheias de surpresas e enigmáticas em seu significado. A mente
prefere contemplar condições que a exponham à uma visão calma e cuidadosa;
por isso, a visão do mundo externo mutável é uma ofensa perpétua. Assim,
surge a ideia de que o mundo sensorial pode, afinal, não ser totalmente real,
pois viola o estimado postulado de permanência.
Hoje existem poucos pensadores que iriam tão longe quanto Parmênides em
sua insistência sobre uma qualidade estática do real, porém há muitos outros
cuja atitude é fortemente influenciada por seus famosos argumentos. Buscar
princípios gerais e leis por trás dos fenômenos da natureza é prestar homenagem
ao gênio de Platão, e o sucesso da ciência na redução de todas as diferentes
formas de matéria para algumas partículas elementares corrobora com a correção
essencial do sentido ontológico grego. O tópico pode, é claro, ser exagerado.
O professor William Lyon Phelps, em suas encantadoras palestras informais
para os graduandos em Yale, insistiu que a física tinha muito menos a dizer
sobre verdade e realidade do que a poesia. E para provar seu argumento, ele
perguntou: “Você hoje leria um texto de física que tem 100 anos? Claro que
não. Mas você ainda lê Shakespeare!”
Talvez se deva perguntar aqui se ser e realidade, mais particularmente a
realidade física, são de fato a mesma coisa, como aqui tacitivamente assumimos.
Sem prejuízo à ontologia, cuja legitimidade será discutida no devido tempo,
vamos tomar a palavra ser em seu sentido literal e retirar dela as qualidades
misteriosas e ameaçadoras de sua contraparte grega. Nós então percebemos que
é um verbo auxiliar, com poucos significados, um verbo inflado num substantivo
mais independente. Ser algo geralmente é compreensível e definido–porém, ser?
Talvez tenha sido em resposta a esta pergunta que Lewis Carroll inventou o
sorriso do gato que desaparece da Alice. A única alternativa a uma negação de
significado na palavra ser é identificá-la com a realidade. De qualquer forma,
isso será feito aqui.
O termo existência será tratado de maneira semelhante. Além de seus usos
muito legítimos e perfeitamente definidos na matemática e na lógica, que são
excluídos da consideração neste livro, a existência e a realidade são aqui consi-
derados sinônimos.
Antes de descartar a mesclagem da ontológia grega em nossa visão moderna
da realidade, não devemos nos comprometer quanto à sua legitimidade? Quão
permanente e inflexível o real deve ser para aceitá-lo? A resposta completa a
esta pergunta não pode ser dada no início de nossa investigação; isso resulta
de um estudo cuidadoso dos métodos pelos quais adquirimos conhecimento da
realidade. Mas algumas dicas podem servir aos propósitos de orientação pre-
liminar. Certamente, queremos que a realidade seja mais permanente do que
8 CAPÍTULO 1. LEVANTAMENTO PRELIMINAR DA REALIDADE
nossas impressões de senso fugaz: a árvore, para ser real, deve estar na frente
da minha janela, mesmo quando não estou olhando para ela.
Por outro lado, reconheço que a árvore, embora real, crescerá, mudará com
as estações e, finalmente, morrerá. Nosso conhecimento do que é real também
muda no tempo. De fato, esse conhecimento preenche o mundo com entidades
cuja vida pode ser longa ou curta: os elementos gregos, o flogisto, o éter e
agora o elétron e outras chamadas partículas “elementares”–são rejeitados como
constituintes da realidade por conta do papel transitório que elas desempenham
nas teorias físicas?
1.2 A Thing-like
Deixando de lado tais perguntas e ignorando por enquanto o ontológico, o lado
estático do conceito sob estudo, agora examinamos nossa herança romana. Real
é o que torna parte da natureza de um algo tão distinto do pensamento. Para os
não-sofisticados, a distinção é óbvia; para o pensador cuidadoso isso apresenta
problemas espinhosos, a serem tratados mais adiante. De qualquer forma, nossa
dominação pela doutrina do algo vai tão longe que nós, da cultura ocidental,
somos propensos a rejeitar imediatamente uma filosofia que não dá significado
a essa distinção.
O que deve ser entendido por algo ou um objeto externo num sentido crítico
forma o principal objeto de investigação deste livro. Mas, para limpar o cami-
nho, deixe-nos definir aqui alguns pensamentos vagos e não-sistemáticos sobre a
natureza dos externos, para que eles não nos incomodem mais adiante em nosso
estudo mais sistematizado. Vamos aceitar provisoriamente a visão de que, se
houver uma classe de coisas reais, o que quer que nos ataque ou nos coage de
fora deve pertencer a ela. Pois a origem dessas ações sobre nós é independente
de nosso pensamento e, portanto, é real no sentido romano.
Mas o destino linguístico da palavra res 1 indica que a situação descrita está
longe de ser clara. Essa palavra logo nega sua origem humilde, assume o signifi-
cado abstrato de res publica e, finalmente, reverte seu sentido original em frases
como a res cogitans de Leibnitz2 . Esses caprichos verbais refletem incertezas
dentro dessa ideia do próprio real, incertezas que oferecem locais de lançamento
para ataques devastadores a ela. O real deve ter propriedades que sejam elas
mesmas reais? Caso contrário, se alguns dos atributos ou partes do real são
projeções do reino do pensamento, assim, as qualidades independentes e ines-
peradamente afetadas que serviram para definí-lo são imediatamente colocadas
em questão. Agora o dilema é aparente: ninguém pode razoavelmente sustentar
que todos os atributos que caracterizam até a mais simples variedade de algo
são externos e são dados apenas pela percepção sensorial.
Duas linhas de evidência servem para corroborar essa afirmação, uma empí-
rica e científica, a outra epistemológica. A primeira nota que as coisas externas
1 palavra em latim para coisa
2 ele se referiu à alma humana com essa expressão
1.2. A THING-LIKE 9
dúvida pode ser lançada sobre a opacidade de uma pedra, a forma do corpo
humano, a própria presença de uma coisa já que sabemos das radiações que
penetram todas dessas coisas, e como podemos imaginar seres cujos olhos são
sensíveis para tais radiações em vez de raios de luz comuns. Depois há, é claro,
o fato perturbador de que todas as características de uma coisa externa não
são percebidas ou perceptíveis de uma só vez e in situ, essa memória sempre se
introduz ao dar substância no que equivale a um objeto sensorial. Atribuímos
um interior a uma pedra porque lembramos de ver uma quebrada, cor das
flores à noite porque as observamos durante o dia, uma volta à lua porque não
conhecemos objetos físicos sem ela – embora neste último caso a situação seja
talvez um pouco mais complexa, e vamos além da memória em nossa imaginação
construtiva. A realidade, se for construída a partir de impressões sensoriais, deve
ao menos incluir com as impressões realmente atuais todas àquelas levadas na
memória, se não muito mais.
O que é real no sentido sob investigação geralmente é mais profundamente
sentido do que o conhecido; os critérios para ser uma coisa são aplicados in-
tuitivamente ao invés de aplicados com cuidados analíticos. E nossos padrões
mudam consideravelmente da juventude para a idade adulta. Dentro da expe-
riência limitada de uma criança, as fadas são certamente tão reais quanto as
nebulosas galácticas na experiência de um adulto. A total rigidez de nossa idéia
do real, sua inexorabilidade, é gradualmente adquirida na vida; e podemos nos
perguntar se essa rigidez não pertence à crosta sem vida de hábitos com os quais
nossa mente indulgente e inquestionável se desligou. O mito cruelmente bonito,
segundo o qual as fadas devem morrer quando uma criança deixa de acreditar
nelas geralmente cria na criança de sete anos uma espécie de atitude de cre-
púsculo em relação à existência, na qual ela sente uma preocupação aguda pela
realidade e ainda está disposta a continuar sua crença em fadas para impedir
que elas morram. Da crença cega da realidade que mais tarde a domina, dessa
fé peculiar dos incrédulos, ela ainda não é capaz. Para ela, encontrar a reali-
dade é parcialmente descoberta e parcialmente invenção. Pode-se sustentar que
a existência pode ser encontrada apenas pela descoberta?
Parmênides e Platão procuraram generalidade e permanência ao buscar a
realidade; Lucrécio, tipificando o que aqui não foi chamado com muita pre-
cisão da visão romana, tentou estabilizar o real, amarrando-o à libertação de
nosso sentido externo, esperando assim mantê-lo independente do observador
humano. Ambas as visões são pontos de partida razoáveis; ambas levam a difi-
culdades; ambas coloram nossa atitude atual em relação ao problema e devem
ser examinadas.
Não vamos sobrecarregar este livro com comentários específicos sobre os
vários tipos tradicionais de realismo, de ingênuo a crítico. Nossa posição sobre
eles ficará clara à medida que prosseguimos e desenvolvemos uma formulação
positiva do problema; fazer todas as velhas perguntas nos envolve em algum
risco de obter todas as velhas respostas. Mas há uma dificuldade básica em
todas as formas conhecidas de realismo que chegaram até nós como o legado
da doutrina da coisa, uma dificuldade que deve ser observada. É que o realista
não pode evitar ter dois objetos quando a experiência é apenas sobre um. O
1.3. A EFFICACIUS 11
1.3 A Efficacius
Além da preocupação com o geral e o duradouro (Grécia), além de uma orien-
tação para a thing-like (Roma), nossa idéia de existência é dominada por uma
vigorosa medida de pragmatismo. O real e o vigente estão próximos; de fato, a
palavra alemã, wirklich, embora não implica nada como res, significa não obs-
tante o mesmo que real. Literalmente, wirklich é o que age, o que é capaz de ter
um efeito.4 Em detalhes, o significado da palavra está solto, pois não significa
se o efeito deve estar em outro objeto ou na mente. O que não é real no sentido
romano pode muito bem ser real neste contexto. Uma idéia é pragmaticamente
real na medida em que pode ter efeitos importantes; Deus, de acordo com esta
versão, é real para a pessoa que acredita Nele.
Embora essa fórmula pareça a princípio não ter aplicação à realidade física
porque abre as comportas para especulações sem princípios, um pouco de refle-
xão todavia mostrará que é de significado crucial na ciência. Por que o químico
do século dezoito acreditou firmemente na existência física de um material de ca-
lor chamado flogisto? Por que o éter luminífero funcionou tal qual uma entidade
física? Por que agora acreditamos em um universo em expansão? A resposta
mais simples é em cada caso: porque observamos seus efeitos inconfundíveis. De
fato, toda entidade que não pode ser observada diretamente – e essas entidades
são mais numerosas na ciência moderna do que se imagina – deve sua existência
a uma aplicação da definição pragmática de realidade que a torne trabalhável.
Nossa cultura construiu um santuário para o real, um santuário apoiado
pelos três pilares descritos: um significa os aspectos constantes e permanentes
da experiência, no thing-like, os aspectos externos, noutro simboliza a prática, a
efficacious. Entre eles, estamos acostumados a adorar, embora muitas vezes sem
muita discriminação; a posse que o real tem sobre nossas mentes é realmente
forte, e o que quer que tenha sido estabelecido antes, seu altar é incontestável e
conclusivo. Para a maioria de nós, não há maior exemplo de apelo.
O papel desempenhado pela realidade em nosso pensamento, em nossas vi-
das, é realmente importante. Muitos, talvez temendo o destino da juventude de
Lessing que morreu na contemplação da deusa da verdade cujo véu ele tivera
a temeridade de levantar, são relutantes em encontrar a realidade cara a cara,
ao menos numa atitude irreverente. Vamos dispensar com reverência e com o
preconceito gentil gerado dentro de nós pelo estudo da tradição filosófica; vamos
4 Este é ao menos o entendimento moderno. A palavra wirken originalmente significava
1.4 Resumo
Uma avaliação do significado da realidade, como a palavra é compreendida usu-
almente, reconhece três critérios vagos: o duradouro, a thing-like, e a efficacious
na experiência humana. Esses critérios são fortemente examinados e algumas
questões são levantadas com relação à adequação das teorias baseadas nelas.