Você está na página 1de 12

A natureza da realidade física

Henry Margenau

7 de julho de 2023
2
Sumário

3
4 SUMÁRIO
Capítulo 1

Levantamento preliminar
da realidade

Adquirir conhecimento de princípios gerais por meio de exposição abstrata é


uma rota possível porém não a mais rápida. Se torna sensato abordá-los com
um projeto amplo, mas bem definido, que clama por um aplicação continuada
e variada destes princípios a serem estudados, e que podem servir tanto como
objetivo quanto ilustração. Os pricípios sob discussão neste livro traz o tópico
conhecido como epistemologia da ciência, ou de forma mais simples, a filosofia
da física e suas disciplinas correlatas. O projeto eleito como objetivo específico
de nossa investigação é determinar o significado da realida física.
Não iremos iniciar com um conjunto de ideias fixas. Nos capítulos iniciais do
livro é feita uma tentativa de condensar a matriz vaga e imatura de conceitos
populares e semicientíficos que permeiam o problema da realidade em interesses
cada vez mais definidos e questões progressivamente específicas. A teminologia
será difusa no início mas irá ganhando nitidez conforme o progresso do trabalho.
Um filósofo pode, muito embora, sem perda do entendimento (e talvez poupar
a si mesmo de aborrecimento) saltar levemente sobre os primeiros dois ou três
capítulos do livro. No presente capítulo nós desejamos focar atenção sobre três
componentes muito óbivias do que é real: enduring, a thing-like, e a efficacious.
A busca pelo real inspira a maior parte dos esforços da nossa raça. Isso pre-
enche o cientista com curiosidade e entusiasmo para novas aventuras; define a
mente do filósofo para uma contemplação de pináculos passados do pensamento;
leva o historiador a examinar os registros das ações humanas em busca de pa-
drões constantes; ilumina na exuberância do místico e congela ao dogmatismo
do conhecimento resiliente do homem pragmático; canta na sinfonia de grandes
compositores e vibra por meio da visão dos poetas. Pode atingir a estatura do
desafio prometeano ou reduzí-lo à humildade de um pecador buscando a graça
divina. Um um modo ou de outro isto nos é uma preocupação peculiar.
O interesse pode ser tão casual quanto o do turista, ou pode alcançar o
êxtase do espanto que culmina no clamor: Por que eu sou, e por que existe uma

5
6 CAPÍTULO 1. LEVANTAMENTO PRELIMINAR DA REALIDADE

realidade? Por que estava destinado a essa sorte? Dentre estes repousa todo
grau de resposta emocional. Um conceito que invoca tão grande variedade de
reações não é um conceito fácil de definir, não poderia ser presumido ter um
significado simples.

Às vezes, no discurso mais vago, a realidade se define bem perto da verdade.


Quando um conto é verdadeiro, seus personagens são reais; a verdade sobre
um acontecimento é seu curso real. O que é verdade é dito ser um fato, e os
fatos constituem de certo modo a realidade. Mas, para os propósitos de nossa
investigação atual, desejamos desconsiderar essa identificação popular da reali-
dade e da verdade, cujo caráter ilusório se torna aparente sobre breve reflexão.
Para a verdade, como é aqui entendida, é uma propriedade das assertivas e tais
afirmações podem ou não se referir à realidade. Um teorema da matemática
pode ser verdadeiro e ainda assim não ter relação com a realidade, enquanto
uma assertiva sobre objetos reais pode muito bem ser falsa. Portanto, sempre
consideraremos a verdade como um termo lógico e nunca permitiremos que ela
nos leve a uma confusão do formalmente verdadeiro e fato material. A falha ao
fazer essa distinção nos leva diretamente à posição dos realistas medievais, para
quem a verdade lógica implicava a realidade.
Este livro se esforça para um entendimento claro, embora talvez apenas um
entendimento parcial do que é real; não começa com nenhuma das noções que
são vagamente atuais. Também não pode analisá-las nem criticá-las uma a uma,
uma vez que ainda não temos critério para tal julgamento, e também porque
essas noções são numerosas demais para revisá-las. O que finalmente emerge de
nossa investigação deve, para ter certeza, estar em conformidade de uma maneira
geral com o uso dominante do termo real se tal uso for discernível; mas nossa
análise irá eliminá-lo de inconsistências e pretensões inúteis. Ao acoplar a mera
inspeção do uso com uma descrição do que é racionalmente e empiricamente
significativo, nosso relato pode chegar a um nível superior da análise semântica
e apresentar um arcabouço, embora que ainda uma tentativa, do que deveria
compreender a realidade.
Neste volume, é feita uma tentativa de iluminar apenas a realidade física.
Mas o estudioso da metafísica não precisa ter medo do viés, nem deveria fazer
um levante contra essa limitação como se estivesse prejulgando a questão. Nossa
convicção é que um estudo cuidadoso sobre qualquer campo revelará suas limi-
tações, desde que este estudo seja conduzido de boa fé e com todos os recursos
dispostos. A história de nossa cultura está cheia de casos os quais campos de
estudo bem-sucedidos reconhecem e aceitam suas fronteiras; a ciência física e a
matemática são as mais autocríticas dentre eles. Por exemplo, a possibilidade de
tipos estranhos de geometria com propriedades desconcertantes foi descoberta
por homens que trabalhavam com, e demasiados preocupados pela, geometria
euclidiana, não por aqueles que não gostavam do assunto. De maneira similar,
o estudo da realidade física pode abrir nossos olhos para outras e possivelmente
mais abrangenstes tipos de realidade. Algo mais será dito sobre a possibilidade
e significado de realidade não-física num capítulo posterior.
1.1. A ENDURING 7

1.1 A Enduring
A partir dos gregos, herdamos uma preocupação para uma espécie de “princípio
do ser”, para alguma realidade última passível de ser descoberta, através ou para
além de nossa experiência sensorial porém não idêntica a tal experiência. Como
Parmênides e Platão, nos sentimos insatisfeitos com as mensagens que chegam a
nós por meio das percepções externas, pois essas mensagens são particularmente
incoerentes, cheias de surpresas e enigmáticas em seu significado. A mente
prefere contemplar condições que a exponham à uma visão calma e cuidadosa;
por isso, a visão do mundo externo mutável é uma ofensa perpétua. Assim,
surge a ideia de que o mundo sensorial pode, afinal, não ser totalmente real,
pois viola o estimado postulado de permanência.
Hoje existem poucos pensadores que iriam tão longe quanto Parmênides em
sua insistência sobre uma qualidade estática do real, porém há muitos outros
cuja atitude é fortemente influenciada por seus famosos argumentos. Buscar
princípios gerais e leis por trás dos fenômenos da natureza é prestar homenagem
ao gênio de Platão, e o sucesso da ciência na redução de todas as diferentes
formas de matéria para algumas partículas elementares corrobora com a correção
essencial do sentido ontológico grego. O tópico pode, é claro, ser exagerado.
O professor William Lyon Phelps, em suas encantadoras palestras informais
para os graduandos em Yale, insistiu que a física tinha muito menos a dizer
sobre verdade e realidade do que a poesia. E para provar seu argumento, ele
perguntou: “Você hoje leria um texto de física que tem 100 anos? Claro que
não. Mas você ainda lê Shakespeare!”
Talvez se deva perguntar aqui se ser e realidade, mais particularmente a
realidade física, são de fato a mesma coisa, como aqui tacitivamente assumimos.
Sem prejuízo à ontologia, cuja legitimidade será discutida no devido tempo,
vamos tomar a palavra ser em seu sentido literal e retirar dela as qualidades
misteriosas e ameaçadoras de sua contraparte grega. Nós então percebemos que
é um verbo auxiliar, com poucos significados, um verbo inflado num substantivo
mais independente. Ser algo geralmente é compreensível e definido–porém, ser?
Talvez tenha sido em resposta a esta pergunta que Lewis Carroll inventou o
sorriso do gato que desaparece da Alice. A única alternativa a uma negação de
significado na palavra ser é identificá-la com a realidade. De qualquer forma,
isso será feito aqui.
O termo existência será tratado de maneira semelhante. Além de seus usos
muito legítimos e perfeitamente definidos na matemática e na lógica, que são
excluídos da consideração neste livro, a existência e a realidade são aqui consi-
derados sinônimos.
Antes de descartar a mesclagem da ontológia grega em nossa visão moderna
da realidade, não devemos nos comprometer quanto à sua legitimidade? Quão
permanente e inflexível o real deve ser para aceitá-lo? A resposta completa a
esta pergunta não pode ser dada no início de nossa investigação; isso resulta
de um estudo cuidadoso dos métodos pelos quais adquirimos conhecimento da
realidade. Mas algumas dicas podem servir aos propósitos de orientação pre-
liminar. Certamente, queremos que a realidade seja mais permanente do que
8 CAPÍTULO 1. LEVANTAMENTO PRELIMINAR DA REALIDADE

nossas impressões de senso fugaz: a árvore, para ser real, deve estar na frente
da minha janela, mesmo quando não estou olhando para ela.
Por outro lado, reconheço que a árvore, embora real, crescerá, mudará com
as estações e, finalmente, morrerá. Nosso conhecimento do que é real também
muda no tempo. De fato, esse conhecimento preenche o mundo com entidades
cuja vida pode ser longa ou curta: os elementos gregos, o flogisto, o éter e
agora o elétron e outras chamadas partículas “elementares”–são rejeitados como
constituintes da realidade por conta do papel transitório que elas desempenham
nas teorias físicas?

1.2 A Thing-like
Deixando de lado tais perguntas e ignorando por enquanto o ontológico, o lado
estático do conceito sob estudo, agora examinamos nossa herança romana. Real
é o que torna parte da natureza de um algo tão distinto do pensamento. Para os
não-sofisticados, a distinção é óbvia; para o pensador cuidadoso isso apresenta
problemas espinhosos, a serem tratados mais adiante. De qualquer forma, nossa
dominação pela doutrina do algo vai tão longe que nós, da cultura ocidental,
somos propensos a rejeitar imediatamente uma filosofia que não dá significado
a essa distinção.
O que deve ser entendido por algo ou um objeto externo num sentido crítico
forma o principal objeto de investigação deste livro. Mas, para limpar o cami-
nho, deixe-nos definir aqui alguns pensamentos vagos e não-sistemáticos sobre a
natureza dos externos, para que eles não nos incomodem mais adiante em nosso
estudo mais sistematizado. Vamos aceitar provisoriamente a visão de que, se
houver uma classe de coisas reais, o que quer que nos ataque ou nos coage de
fora deve pertencer a ela. Pois a origem dessas ações sobre nós é independente
de nosso pensamento e, portanto, é real no sentido romano.
Mas o destino linguístico da palavra res 1 indica que a situação descrita está
longe de ser clara. Essa palavra logo nega sua origem humilde, assume o signifi-
cado abstrato de res publica e, finalmente, reverte seu sentido original em frases
como a res cogitans de Leibnitz2 . Esses caprichos verbais refletem incertezas
dentro dessa ideia do próprio real, incertezas que oferecem locais de lançamento
para ataques devastadores a ela. O real deve ter propriedades que sejam elas
mesmas reais? Caso contrário, se alguns dos atributos ou partes do real são
projeções do reino do pensamento, assim, as qualidades independentes e ines-
peradamente afetadas que serviram para definí-lo são imediatamente colocadas
em questão. Agora o dilema é aparente: ninguém pode razoavelmente sustentar
que todos os atributos que caracterizam até a mais simples variedade de algo
são externos e são dados apenas pela percepção sensorial.
Duas linhas de evidência servem para corroborar essa afirmação, uma empí-
rica e científica, a outra epistemológica. A primeira nota que as coisas externas
1 palavra em latim para coisa
2 ele se referiu à alma humana com essa expressão
1.2. A THING-LIKE 9

são divisíveis, talvez indefinidamente divisíveis. Isso embora contradiga superfi-


cialmente a versão ingênua da hipótese atômica, é o aparente veredicto da física
moderna, que indica que até mesmo supostas partículas elementares podem ser
divididas ou forçados a alterar suas identidades sob tratamento suficientemente
energético. Se essa expectativa é confirmada por experimentação ou não, o
fato é que partículas de magnitude atômica de acordo com a concepção atual–
protons, nêutrons, clétrons, mesons–não são perceptíveis no mesmo sentido que
os objetos que eles compõem, e se as teorias atuais estão corretas, eles nunca
serão assim perceptíveis. Diante dessa circunstância, somos forçados a reconhe-
cer que as partes do real não são reais elas mesmas ou, de qualquer maneira são
reais em algum outro sentido. Mas essa concessão tende a dissolver a qualidade
supostamente irredutível de tudo o que é que nos ataque de fora.
Talvez não se deva esperar o que é físico, a parte espaciail de algo (de uma
coisa) para ser ele mesmo parte da natureza das coisas. Vejamos, portanto,
qual resultado pode ser obtido analisando suas propriedades perceptíveis. Aqui
ficamos cara a cara com o velho problema de distinguir entre as qualidades
primárias e secundárias dos objetos, o primeiro atribuindo de maneira única
e significativa às coisas, sendo este último injetado mais ou menos de forma
espúria pelo sujeto que percebe. A história desse problema é interessante e
pode ser desenvolvida mais frutiferamente, considerando o que os homens em
diferentes estágios da ciência transmitiram aos seus elementos, os constituintes
mais reais do mundo no sentido “romano”. Anaxágoras escolheu o tamanho,
cor e gosto como qualidades primárias, Empédocles apreendem sobre tamanho,
forma e posição, rejeitando a cor e o sabor como antropomórficos. A partir
daqui, a ideia de um elemento se associa muito próxima àquela de um átomo,
cujas características dominantes permanecem tamanho, forma e posição.
A mecânica newtoniana, ao focar de olho na partícula, um conceito um
pouco mais geral, incluindo o átomo, lança toda a sua ênfase na massa, posi-
ção e velocidade como atributos essenciais. O afastamento do plano familiar
de consciência sensorial se torna cada vez mais evidente, até que finalmente a
física moderna seja forçada até a negar o significado de termos como velocidade
e posição exatas designados para pequenas partículas. Existe uma conversão
progressiva de qualidades primárias em secundárias que culmina nas teorias
quânticas do século atual3 , um desenvolvimento que aponta ameaçadoramente
para um possível estágio num futuro próximo em que todas as qualidades pri-
márias serão resolvidas e nossa descrição dos acontecimentos físicos irá tornar-se
completamente abstrata. Se isso ocorrerá, não se pode prever. Mas a tendência,
que permeia bastante a história do pensamento científico, deve dar uma pausa
àquele que coloca toda a sua confiança sobre o sensorial, sobre o externo.
Os argumentos mais habituais sobre esse ponto não precisam nos deter por
muito tempo. É um lugar comum, ilustrado pelo fato do daltonismo, que as
coisas parecem de maneira diferente para pessoas diferentes; isso remove a cor
da gama de qualidades que são objetivas e por isso presumivelmente do campo
da realidade de acordo com esta versão simples. Ao continuar o argumento, a
3 século passado
10 CAPÍTULO 1. LEVANTAMENTO PRELIMINAR DA REALIDADE

dúvida pode ser lançada sobre a opacidade de uma pedra, a forma do corpo
humano, a própria presença de uma coisa já que sabemos das radiações que
penetram todas dessas coisas, e como podemos imaginar seres cujos olhos são
sensíveis para tais radiações em vez de raios de luz comuns. Depois há, é claro,
o fato perturbador de que todas as características de uma coisa externa não
são percebidas ou perceptíveis de uma só vez e in situ, essa memória sempre se
introduz ao dar substância no que equivale a um objeto sensorial. Atribuímos
um interior a uma pedra porque lembramos de ver uma quebrada, cor das
flores à noite porque as observamos durante o dia, uma volta à lua porque não
conhecemos objetos físicos sem ela – embora neste último caso a situação seja
talvez um pouco mais complexa, e vamos além da memória em nossa imaginação
construtiva. A realidade, se for construída a partir de impressões sensoriais, deve
ao menos incluir com as impressões realmente atuais todas àquelas levadas na
memória, se não muito mais.
O que é real no sentido sob investigação geralmente é mais profundamente
sentido do que o conhecido; os critérios para ser uma coisa são aplicados in-
tuitivamente ao invés de aplicados com cuidados analíticos. E nossos padrões
mudam consideravelmente da juventude para a idade adulta. Dentro da expe-
riência limitada de uma criança, as fadas são certamente tão reais quanto as
nebulosas galácticas na experiência de um adulto. A total rigidez de nossa idéia
do real, sua inexorabilidade, é gradualmente adquirida na vida; e podemos nos
perguntar se essa rigidez não pertence à crosta sem vida de hábitos com os quais
nossa mente indulgente e inquestionável se desligou. O mito cruelmente bonito,
segundo o qual as fadas devem morrer quando uma criança deixa de acreditar
nelas geralmente cria na criança de sete anos uma espécie de atitude de cre-
púsculo em relação à existência, na qual ela sente uma preocupação aguda pela
realidade e ainda está disposta a continuar sua crença em fadas para impedir
que elas morram. Da crença cega da realidade que mais tarde a domina, dessa
fé peculiar dos incrédulos, ela ainda não é capaz. Para ela, encontrar a reali-
dade é parcialmente descoberta e parcialmente invenção. Pode-se sustentar que
a existência pode ser encontrada apenas pela descoberta?
Parmênides e Platão procuraram generalidade e permanência ao buscar a
realidade; Lucrécio, tipificando o que aqui não foi chamado com muita pre-
cisão da visão romana, tentou estabilizar o real, amarrando-o à libertação de
nosso sentido externo, esperando assim mantê-lo independente do observador
humano. Ambas as visões são pontos de partida razoáveis; ambas levam a difi-
culdades; ambas coloram nossa atitude atual em relação ao problema e devem
ser examinadas.
Não vamos sobrecarregar este livro com comentários específicos sobre os
vários tipos tradicionais de realismo, de ingênuo a crítico. Nossa posição sobre
eles ficará clara à medida que prosseguimos e desenvolvemos uma formulação
positiva do problema; fazer todas as velhas perguntas nos envolve em algum
risco de obter todas as velhas respostas. Mas há uma dificuldade básica em
todas as formas conhecidas de realismo que chegaram até nós como o legado
da doutrina da coisa, uma dificuldade que deve ser observada. É que o realista
não pode evitar ter dois objetos quando a experiência é apenas sobre um. O
1.3. A EFFICACIUS 11

ato de se separar de uma árvore o envolve em uma espécie de entrega entre a


árvore real e o que ele considera a árvore. O que ele chama de duas entidades não
importa aqui; tampouco mudará a situação se ele marcar um deles desconhecido,
como um Kantian Ding an sich. O fantasma ainda está lá para assombrá-lo,
e a experiência como uma aventura única está sempre presente para rejeitar o
fantasma e incomodar a consciência do realista.

1.3 A Efficacius
Além da preocupação com o geral e o duradouro (Grécia), além de uma orien-
tação para a thing-like (Roma), nossa idéia de existência é dominada por uma
vigorosa medida de pragmatismo. O real e o vigente estão próximos; de fato, a
palavra alemã, wirklich, embora não implica nada como res, significa não obs-
tante o mesmo que real. Literalmente, wirklich é o que age, o que é capaz de ter
um efeito.4 Em detalhes, o significado da palavra está solto, pois não significa
se o efeito deve estar em outro objeto ou na mente. O que não é real no sentido
romano pode muito bem ser real neste contexto. Uma idéia é pragmaticamente
real na medida em que pode ter efeitos importantes; Deus, de acordo com esta
versão, é real para a pessoa que acredita Nele.
Embora essa fórmula pareça a princípio não ter aplicação à realidade física
porque abre as comportas para especulações sem princípios, um pouco de refle-
xão todavia mostrará que é de significado crucial na ciência. Por que o químico
do século dezoito acreditou firmemente na existência física de um material de ca-
lor chamado flogisto? Por que o éter luminífero funcionou tal qual uma entidade
física? Por que agora acreditamos em um universo em expansão? A resposta
mais simples é em cada caso: porque observamos seus efeitos inconfundíveis. De
fato, toda entidade que não pode ser observada diretamente – e essas entidades
são mais numerosas na ciência moderna do que se imagina – deve sua existência
a uma aplicação da definição pragmática de realidade que a torne trabalhável.
Nossa cultura construiu um santuário para o real, um santuário apoiado
pelos três pilares descritos: um significa os aspectos constantes e permanentes
da experiência, no thing-like, os aspectos externos, noutro simboliza a prática, a
efficacious. Entre eles, estamos acostumados a adorar, embora muitas vezes sem
muita discriminação; a posse que o real tem sobre nossas mentes é realmente
forte, e o que quer que tenha sido estabelecido antes, seu altar é incontestável e
conclusivo. Para a maioria de nós, não há maior exemplo de apelo.
O papel desempenhado pela realidade em nosso pensamento, em nossas vi-
das, é realmente importante. Muitos, talvez temendo o destino da juventude de
Lessing que morreu na contemplação da deusa da verdade cujo véu ele tivera
a temeridade de levantar, são relutantes em encontrar a realidade cara a cara,
ao menos numa atitude irreverente. Vamos dispensar com reverência e com o
preconceito gentil gerado dentro de nós pelo estudo da tradição filosófica; vamos
4 Este é ao menos o entendimento moderno. A palavra wirken originalmente significava

tecer. Nota do autor.


12 CAPÍTULO 1. LEVANTAMENTO PRELIMINAR DA REALIDADE

definir realidade no meio de outros problemas os quais nos preocupam hoje e


aplicar ao seu estudo os métodos que têm se mostrado úteis em outros domínios.

1.4 Resumo
Uma avaliação do significado da realidade, como a palavra é compreendida usu-
almente, reconhece três critérios vagos: o duradouro, a thing-like, e a efficacious
na experiência humana. Esses critérios são fortemente examinados e algumas
questões são levantadas com relação à adequação das teorias baseadas nelas.

Você também pode gostar