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Já nas primeiras linhas de MPBC, é possível definir o modelo luciânico que Machado adotará
para ler e configurar a realidade nacional oitocentista no romance. O estilo cômico e sério,
spoudogeloios, marca da sátira menipeia, é o mote com o qual Brás torna sua vida pública na
morte:
A confissão de Brás não seria outra que não a opção machadiana, diante da
acumulação literária de uma nação periférica como o Brasil, de inovar as letras nacionais
adotando “um estilo livre” à maneira de Laurence Sterne. Assim, Machado lança um enigma
para a crítica literária: por que nosso autor se utiliza desta forma de romance para aproximar-
se da “cor local”? Para Enylton Sá Rego (1989), ao fazer essa escolha, Machado arrisca-se a
tornar alvo de crítica do público, uma vez que a “forma shandiana” do escritor inglês gozara
de pouco prestígio em matéria de crítica literária após os primeiros séculos de publicação de
Tristram Shandy. E é essa opção que leva Capistrano de Abreu (apud REGO, 1989, p. 9) a
assinalar estas palavras ao autor das Memórias em carta de 1881: “O que é Brás Cubas, em
última análise? Romance? Dissertação moral? Desfastio humorístico?”.
A palavra sátira guarda relações diretas com a produção literária satírica grega. Para
Mônica Costa Vitorino (2003), a crítica literária clássica, de Aristóteles a Horácio, viu na
sátira um gênero literário e, como tal, uma relação direta de correspondência entre forma e
conteúdo. No entanto, segundo a autora, deve-se ter cautela para avaliação de textos antigos
com base nesses critérios, uma vez que as teorias de Aristóteles da Arte Poética (2007) são
prescritivas e normativas, não nos fornecendo, portanto, insumos necessários à compreensão
da gênese satírica de textos antigos. Em Arte Poética (2007), por exemplo, Aristóteles toma a
categoria de mimesis para diferenciar os gêneros literários de acordo com aquilo que imitam.
Embora o estagirita não tome a comédia como artefato literário de suas considerações
filosóficas nessa obra, ele a diferencia da tragédia de acordo com os caracteres humanos que
visa a imitar: na tragédia, imitam-se as virtudes humanas, ao passo que, na comédia, os vícios
(ARISTÓLES, 2007).
A obra de Luciano de Samósata, para Sá Rego, guarda dois momentos, devido ao seu
caráter híbrido, com a produção literária do mundo antigo: a continuidade e a descontinuidade
com a tradição satírica. Quanto ao segundo, o próprio caráter híbrido representa o elemento de
ruptura com as normatizações de gêneros literários na Antiguidade; em relação à
continuidade, a obra de Luciano herda dos diálogos filosóficos e da comédia gregos a
linguagem literária. Dentre esses dois momentos, há um elemento contínuo na obra luciânica:
o caráter sistemático do uso de paródias. seja em relação aos gêneros literários com os quais
manterá diálogo
“o lucianismo apresenta também um método: trata-se de uma obra baseada não numa
mimesis, como a aristotélica, mas sim numa poética guiada fundamentalmente pela paródia”
(REGO, 1989, p. 65).
Um olhar sobre a característica da sátira menipeia feita por Sêneca pode apontar estas
características: “caráter parodístico, mistura de estilos populares e elevados, assim como
andamento irregular da narrativa” (REGO, 1989, p. 42).