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PSICOLOGIA:

um espaço de dispersáo do saber


Luiz AlfredoGarcia Roza

Este artigo não pretende ser po- é mâtematizável (e ,ão estarnos aqú con- , ta oposição entre o sientífico e o espec!-
lêmico, no sentido em que se pro fundindo matematização com quantfica- ,lativo acabou tomando a forma de uni:
ponha a demonstrar a cientificidade ção) e neste caso âpenâs aquilo que o for dicôtomia enEe o quantitativo e o qrur-:-
ou não-cientificidade da psicologia; se constitúú em ciênciâ, ou a@itamos a ..
tativo. Esta oposição é sobretudo ingênua.
nem tampoubo no sentido em que tese de que tudo é matematizável mas que Nâo é posível colocarmos de um lado o
se coloque a favor ou contra o seu na:o dispomos ainda de uma formalizaçío quantiürtivo ê de outro o qualitativo di-
direito à existência (pqsto que ela adequada paÍa ce os problemas humanos. cotomizardo a realidade como se fossem
de fato existe), mas também não 'Não acreditâmos que o problema d4 psi. o céu e o inr€Íno: o éu da rsgularidâde.
pretende ser neutro. Ele representa cologia deva ser enfocado através dessa i da precisão, da univocidade, contra o inÍer.
uma tomada de posiÇâo e portanto ótica. ; no das slgnificâçôes múltiplase imprecisas.
um compromisso com a forma de É uma atitude um tânto mágicâ aquela Cassirer, nurn estudo publicado em 191C,
colocar as questões, mais do que que pretende conferir à matemdtica o po- já chaÍnava a atenção pârâ o fato de que
com alguma das soluções já apre- der de cÍiar ciências. A matemática nâo as pessoas tendem a confundiÍ matemati-
sentadas, trânsforma nada em ciência. É perfeita- zação com quantificaçâo. A matemática
mente possível matematizamos grande diz respeito tanto â quantidade quaÍto à
paÍte do sabeÍ existente sem que com isso qualidade, sendo que alguns casos, ela é
A psicologü, desde que surgiu, tem es- este saber se torne científico. Por influên- apenas qualitativa. Um dos exemplos da
tado às voltas com-o problema de suajus. cia do positiüsÍno, desenvolveu-se a iddia ap[caçâo de uÍna matemática não quanri.
tiÍicaçâo- Nã'o foÍem poucos os que tenta- de que a matemática seria o instrumento tativâ à psicologiã, foi a realÍzada por
ram eliminrí-la do campo das ciências, sen- mais eficaz para que se supeÍassem alr Kurt Lewin em sua Psicologia Topológica.
do mais importântes, pela repeÍcussalo abordagens especulativas e metafísicas, A No entanto, o que é importante ressâI"
que tiveram, as tentativas empreendidas metafí§ca era a grande "culpada" pelos tar é que esta oposição entÍe o quantita-
por Comte e Pavlov. fracâssos nas tontativas de se constituiÍem tivo e o qualitatiyo escaÍnoteia a vetdâ-
Os odticos da psicologia posuem, em ciências. Era o passado pesando sobre o detâ quesuto que é a da possibilidade da
geral, um ponto em comum : confundem a pÍesente e contaminandoo. Mesmo quan- matemática conferfu a um sabeÍ uín
n€gação da p§cologia com a negação da do o candidato a cientista se precâúa "status" científico. Não é demais repetiÍ:
sua cientificidade, e pÍetendem que basta contra os efeitos dessa herança maldita, a matemática não transforma nada em
demonsEar-se quê ela não é ciência parâ esta so fazia sentir atÍavés de sintomâs ciência. Podemos ac,eitar que ela seja de
que automaticamente esteja negada sua ineludíveis, Um dos sintomas mais denun- extreÍna importância para a psicologia,
€ficácia ou a po§bilidade de sua exie ciadores eÍa, segundo os positiüstas, a mas seria üma ingenuidade acharmos que
tência. própria linguagem empregada pelo cienti* ela possa ser a condição ê o cÍitério de sua
Um dos eng-anos que é constantgÍnente ta. A linguagem comum estava cheia de constitúçío .
cometido nestas a!álisEs é o da supo§ção termos impregnados de conotação metafí- Um outro problema que costuma ocu-
d€ que a psicologia teria surgido como sica. No caso da psicologia, tal fato era ' paÍ o ceotro
das discussões é o da depen-
ciência a partt do mometrto em que um ainda mais abeÍante do que em qualquer dencia da psicologia ein relação à biologia
conjunto de saberes puramente empíricos outIa disciplina. Como exemplo, bastâ se e, em particular,à- fisiologia. Na sua ex-
recebesse uma codificação matemáticâ. citar o termo "consciência". Seu possÍvel pressâ'o mais simples, o que se pretende
Admite-se pois que sua cientifrcidade, as- pare esco com o termo "alma", er.a sufi- é quê a psicologia deva ater-se ao mvel
sim como a de quâIqueÍ ouüa disciplinâ, ciente para que tivesse que ser banido do descritivo e que o comportaÍrento,
está na Íazâo diÍetâ de sua matematizagão. terÍitório do sâbeÍ puraÍnente científico. que possui de mais profundo, deva ser ex-'!o
 se aceitü essa tese, ficamos com as s€- Para estes ci€ntistas, a simples utilizaçío plicado pela fisiologia, pela biologia, pela
guintes posibilidades de opção: ou acrs. de uÍnâ linguagem mâtemática seria o su- bioquímica, etc. Tal perspectiva atÍibú as
ditanos que nem tudo o que compõ€ o ficiente para empÍ€staÍ um caÉter de expliceções rítimas do compoÍamento
eqpâço dâs chanadas ciências do homem cientificiilade à disciplina em quesüio. Es psicotógico a um eqpaço que lhe é exte.

20 radice
-rior (ou pelo menos contígud), o que sig- do acústico do meu ato de fâlar, assim duo jamais seÍá objeto de ciênciâ nenhu-
nifica negar a possib.ilidade da psicologia como a mais exaustiva pesquisa Íisiológica ma. A ciência pode teÍ po-r,o.IieüJg. este
como ciêncla autôfloma, impondo.se um deste ato, na:ô seIão sequêÍ capazes de lhomem, já que ela visa explicar a realida-
reducionismo. afirmat se eu estou falando ou balbucian- de concreta, mas o seu-lbjelo serâo os
Quando na primeira merade do sec. do, se estou fâlafldô portugués ou inglês, -th pmduzir.r
. conceitos e as teorias qu;
)§X Augusto Comie publicou o '.Cours se o que êstou falando tem sentido ou Voltando ao exemplo da física: nâo é a
de Philosophie Positive", obra que se não. A dependência ontológica de um fe. 'pedra, o fogo ou ã árvoiã indivtduais e
apreseotavâ coÍno um proglama para toda nômelo a outro, não implica e nern justi- concÍetos que fazem deLa uma ciéncia,
â ciência futura, ele negou câtegorica- Jica um reducionismo em teÍmos explica- mas os cooceitos de gavitação, enertia,
menre que a psicologia pudesse ser ciên- tiyos. çampo de forças, etc., que constituem seu ,

cia. Segundo ele, se a psicolôgia tomasse Assim, quando o psicólogo estuda o


como objeto o indivíduo, ela seria reduzi- -objeto teórico.
sistema nervoso central, o saber resultante Muitos autores pensaÍam ainda que o
da à biologia e se elâ trâtasse dâ dimensão deste estudo pode, quando múto, se so- problema maior da psicologia em sua
socia] do homem, ela seria reduzida à so- mar âquele que ele fez do processo psico. proximidade com a hlosofia, o que impli.
ciologiâ. Umâ ciência púcológica era, se- lógico, mas qunca substitui. ou comple- caria numa conÍaminação metafi'sica que
tundo o pai do posiÍiyismo, ulna empres rar a explicaçâo psicológca. Etplicando teria que ser eliminada a qualquer custo.
impossível. Embora êsta aíirmação. hoje meÍhor: o psicólogo, enqua[to pessoa, Watson, por exemplo, julgou que a noça:o
em dia, possa parec€Í a alguns como coisa poderá se beneficiaÍ dos coniecimentos de comportamento, tal como foi por ele
do passado, o quê podemos veriíicar é ' adquüdos sobre flrsiologia nervosa da sen- proFosta em seu mânifesto-prograÍla de
que ela se mantém incriyelmente atual, E sâçâo visuâI, mas enquantô psicólogo, ele 1913, poderia resolver a questão, visto
êla sê mantém âtual exatamênte através lerá quese manter ao nt-yel da especifici- que estaria desvinculada de qualquer co,
daqueles que mais se dizem "cientifií' dade do fenômeno psicológico, sob pena notaçãq arímica ou subjetivista, O t€rmo
em psicologia. de não chegar a coisa alguma. Uga.pessoa, "comportamento" passou a ser.o brâdo
Tomemos como exemplo os estudos ; ao câir do a{to de um prédio, cai segundo .daqueles que, em nome de uma psicolo-
sobÍe peÍcepção realizados pela "ciência . a lei de Newton, e isto ocorre tenha ela se gia cientíÍicâ, tntavam de eliminar qual-
psicológica" atual. O que encontÍrmos .
suicidado ou sido jogada criminosamente. quer vestigio metafísico. Parece-nos que
mais comut'oente é, oo çaso da perc€pção O fato "queda do colpo" pode s€r visro estas questões, que são apontadas como
visual, por exemplo, a sua redução à üsão. 'desde um ponto de vista fi'sico, juldico, obstáculos â constituição da psicologia.
O tema proposto é '?ercepção" mas estu- sociológico, etc.; mas isto não quer dizer são derivadas de um particulaÍ modo de
dâ.se "yisão"- OÍa, umâ coisâ é a percep,. que cadâ uma dessas explicações teoha pensar, cuja proximidade com o posi
ção, oritÍa coisa é a yisa:o. Não se tÍatam que decorrer das outras; O fenômenojurí- iivasmô é.êvidente, e que é viciado em
de fatos idênücos. É eüdente que se não dico "assassinato". é lrrgd-tÍyel ao. fe!p: Driocípio.
houveÍ yisão, não haverá percEpçío visual, meno físico "atraçao gravitacional"; dâ O saber científico nâo é da mesma na-li
mas ídentificar percepção com sensação, inesma forma, o fenômeno psicológico turezà que o saber sobre o mundo que o fl
id€ntiíicar fenômeno psicoiógico com fe. "percepçâo" é irredutívei ao fenômeno homem acumulou através dos tempos, ]
nômeno Iisiológico, é não somente come- fisiológico "sensação". Àssim, considerar tomando este próDrio mufldo como pon- I
ter uma simpliÍicação assombÍosa como, !que a explicaçâo do Íenôrneniiliicológi- to de partida. A ciênçia não pretende des"
além do mais, negar a especificidade de 1co será dada
pela fisiologiô é decÍetar a cobdr o que o mllndo é, qual o seu ser,
um deles, no caso, o psicológico. Todo o trmorte da psicologia. sua .natureza esseícial- Este pode ser o
tstbeÍ que fisiologia possa acumu.lat sobre ' Ouira questâo que é frequentemente obietiyo da metaftsica, não o da ciência.
r minha úsão de um determinado livro em levantâdâ é â da extÍema complexidade Da mesma forma, a ciência não paÍte da
lirada me servid para a explicação da mi. do objeto da psicolo€ia: o homem. Como observação; ela romDe com a observaçío.
: nIâ percepção desse lir'Ío. O livro percebi- pretendeÍ a cientificidade e a autonomia Bachelard iá dizia que a obs€rvação é um
! do não é redutível aos processos fisiológi- de uma disciplina que tem por objeto o dos grandes obstáculos epistemôlógcos
cos mncomitaotes à sua percepçâo. Expli- . compoÍtamento humano, cuja densidade que a ciência tem que $perar.
ca! o processo psicológico "percepgão" e profurdidade metafísica o demonstra No entânto, a tradição positivista nos
pelo processo fisiológico "sensâção" é o há séculos a filosofia? deixou a crença de que a verdad€ é algo
equivalente a explicarmos os pÍocessos Este tipo de obj€ção, além de incorrer qtê sê êncontra oculto no mundo e quê
fi§ológicos que constituem â sersação num antropocentiismo, recai numa con- cábe ao cieÍrtista descobÍí.Ia, Daí a impoÍ-
visuai pela óüca. Uma çoisa são as leis da fusão que é típica do empiÍismo positivis- táncia atribuída à obsêrvação; não à ôb-
óüca propostas pelâ física, outra coisa são ta. É -um pÍeconceito antropomórfico, servação vulga!, feita pelo observador des-
os processos Iisiológicos que ocoÍÍem em pensaÍ que apenas o homem é complexo, preparado, mas a observação Íigorosa, sis-
nível periférico e central quando a luz im- mas nãô é essa â questão principal. O im- Íemática, feita com instrumentos precisos.
pressiona a retina; e outÍa coisa ainda é a poüante é compreendermos que seja o Sômente esta última poderá nos revelar
pe(cepção de um objeto. Se a ocorrência homem complexo ou não, não é ele que a verdade do mundo. Para o empirismo
da percepçâo depende da sensação € esta vai se constituiÍ no objeto da psicologia; positivista, os conceitos científicos serão
por sua vez depende da luz, isto nâo quer da mesma maaeira que o objêto da física obtidos a paÍiÍ da realidade empÍrica,
dizer que a explicação de cada um destes . não é â pedÍâ que .cai. Ciêncie nênhuma âtÍavés de txr processo de generalüação.
processos dependa da explicação dos o1r- 'tem poÍ objeto a realirlàde empírica. O E evidente que desta manefua, a teoria re-
tro§ dois- obieto das ciências são os conceitos que fietirá, como um espelho. a realidade em-
Da mesrna maneira, quaado falanios, iestas ciências produzem e rÉo o mundo pÍrica, ou um aspecto dela, estandô sem.
emitimos sors; mas nem poÍ isso vamos :.erÍpíÍico, Àssim sendô, Írão é â comple- pre em conformidade com ela,
pretender que a Aqistica possa nos for- xidade de que se reveste o comportamen- EotÍe um Ggnceito teórico e umâ gêne.
necer qualqüeÍ esclarecimàoto sobre a to do homem empírico, individual, que é nlização empfica existe um abisrno. A
fala eaquanto tal. O mais compl€to estu- obsüículo à ciência, posto que este indiyí- diferença entre ambos nlo é meÍamente.

radice 21
quantitativa, ile grau, mas esencialmente cas ideológicâs ou com categorias filosó- 'Outms, ainda, difidem a história da psico-
qualitativa. Quando Althussü aÍirma que Íicas. As histódas da psicologia nos apon- ]logia em função dánatureza do seu objeto.
o objeto cientíÍico àão é abstraído nem taÍn como sêu objeto o "pheumâ" gÍego, Assim, temos â psicologia entendida como
exÍaído dos comportâmentos ou fenô. a "adma" dos escousticos, a "res cogi- glé-Í.rgia natural, como ciéncia do psiquis
- Oeque
menos empíricos, que a realidade empíri. tans" cârtesiana, o inconsciente, o com- mo como ciência do comportamento,
ca não taz emsi mesÍna o conhecimento poíamento manifesto, o moümeÍrto es. se pretende com esses cÍitéÍios
oomo um segredo que bastaria extlaírmos trobôscópico ou a neurose de snBistia, de seleção é intÍoduzir uma unidade em
e colocâÍ de mânifêsto, quando enÍim ele A.lguns poderâo aÍgumentaÍ que esta algo que não apresenta unidade alguma.
afirma quc praticar uma ciência é antss de dispersão é caÍacterística de um perrodo O critério que possibürar maior unidade
tudo constÍuir e conquistu o objeto dessa. ' pd-histórico da ciência psicológica; que a serd o yitodoso. Pelo menos para aqueles
ciência, o que ele pretende é denunciar partir de um detetminado ponto (ponto que admitem um conceito continuista da
como falsa a pretensão positivista. este que âté hoje ninguém determinou), história. Mas o problema maior que estes
FazeÍ ciência é produzir um objeto tu- ela estabeleceu seus lirnites e seus procedi- autores enóntÍam nãô e o ae se determ!
redutível. E é exatamente iso que a psi- . mentos específicos. Os menos otimistas narem as fases da história da psicologia,
cologia não faz quando pÍetende reduzir rcsponderâo, porém, que c situaçâo não mas sim o de saberem o que e quem in-
os conceitos e os princípios psicológicos a .se modifimu de manetuâ tão notável. cluir em cada uma delas.
conceitos e princÍpios fisiológicos ou Encontramos ainda, no interior da psico- Assim, na última divisão apontada aci-
quando julga s€r suficiente intÍoduzir um logia, teorias e métodos tão diferêntes en' ma (a psicologia entendida como Ciência
formalisno matemático nas noçÕes empÍ" tre si como o poderiam ser os de ciências natural, como Ciência do psiquismo e co-'
ricas colhidas a parú da observação, eompletamente distintx. Na veÍdade, não mo Ciência do comportamento), âs duâs
Estes silo questões êpistemológicas que exirte, até o momento, um critéÍio êm etapas que antecedem â ciência do com-
poderiam ser levantadas com relâção às . função do qual se possa aíirmar com segu- portâmento podem sei vistas como a his-
lentativas posivistas de cientifizar a psico- rança: isto é psimlogia... isto não é tória de'uma luta entre um saber sobrc o
logia. Outms questÕes podeÍiam seÍ colo- pslcologia. indivíduo e um sabeÍ sobre o sujeito: o
cadas. numa análise mâis extensa e mais ; Na ausência de um critério de unidade, primeiÍo destacando os aspectôs biológi-
abrangente- A ânálir epistemotógicâ da . a própria história da psicologia se torna cos e ffsiológicos e o segundo enfalizando
psicologia está sendo feita e seus resulta- ; arbitrdria. Em nome de que fator, tal saber as características subjetivas da pessoa. A
dos se laráo sentir mais cedo ou mais § e não tal outÍo, fará parte dela? história dessa luta cobre um perÍodo de
tarde. sustentâmos qu€ estâ dispersão é ine- dois milênios e seus começos podem ser
No início deste artigo, assinalamos que rente à psicologia. Quando muito, a tota- localizados ros textos úistotélicos en-
não em nosa intengão fazer epistemolo- lidade do saber psicológico forma um quanto que o seu tdrmino ainda nâo s€
giâ -
apesaÍ de ser inevitável colocârmos conjunto aditivo, náo um conjunto estru- realizou plenamente. Enquanto a psicolo.
queslões epistemológicas - mas a de reali tura.l. Claro está que nâo estâmós à procu- gia como ciência natural terla se iniciado
zarmos um outro tipo de análise, gais ra de umâ unidade te{ríca, pois que esta com ÁÍistóteles (no De Ánima). passando
pÍeocupada com as condiçõe§ de emer- não existe em ciência alguma. Procummos pelos médicos da Escola de Alexandria,
gência do sâber psicológico, suâ ãticulâ- tanto identidades como difeÍenças, e o por Caleno, poÍ Aúcena ra Idade Média,
ção com outros saberes, seu caníter insti- Íato de pretendermos mostrar que aquilo por von Haller no sec. XVIII, por Gall nô
tucional, sem a preocupaçâo de determi- que se denomina de psicologia é um iÍnen- sec. XIX, para deseÍnbocaÍ em Pavlov no
narmos a oientiÍicidade ou não ciertiÍici so espac,o de dispersão do sabei;-consti- sec. XX; â psicologia entendida como
dade deste saber- Isto nâo implicâ em se tuído mais por diferenças do que por ciência do psiquisno se iniciaria com Des.
n6gar o valor dâs anális€s epistemológicas, identidades. nâo implica num menospre- caÍtes no sec. XVII, pâssando pelo empi-
mas apenas em pretender que outros tipos zo por e§ie saber, nem tampouco numa Íisrno inglês, W. James, Bergson, Düüey;
de análise possirm ser Íealizados tendo. negação de sua eficácía. Wrmdt, Brentâno, até à fenomenologia e
cada qual, seu valor específico. Quando examinamos as várias históÍÍâs à psicologia fenomenológica. Estas duas
A tese implícita em nossa anilise pode da psicologia escritas até hoje, verficamos "fases" não se excluem necessadírmente
ser resumida em dois ítens: que os critérios utilízâdos paÍâ a seleçâo e sobreviyeÍam paralelaÍnente durante
1. Oue o lErÍno "psicologiô" designa um do seu conteúdo variam enormemente. alguns séculos. Alguns autores são co-
espaço de dirpersâo do saber, cuja coor6n- Umas adiríiem dois grandes períodôs: o mun§ a ambas pois pÍoduziraÍn textos que
cia ihtornâ é um idoal prôvavelmentê inâ- Penodo Filosófico (pré-científico) e o Pe- podem ser incluídos em cada uma delas.
tingírlGl; ríodo Experimental (científico). Dentro Âssim, a paíir de Descartes o saber a Íes-
2l Que sua históÍia não é contínuâ e eve do peíodo fúosoÍico, encontrirm lugar p€ito do homem sofre uma divisão: en-
lútiva, mas descontínua, e que se pode- todos aqueles que üsseram alguma coisa quanto o modelo mecânico dâ física era
mos falar em pÍoglBsso, ele somente ocor- que, por semelhança de tema, de método aplicado a urna lrova conc€pçâo do coryo
re no interior de uma mesma retião deste ou de objetivo, lembra a psicologiâ atuâl; estabelecendo uma anâlogiâ entre o fenô-
sâber ê não de ume Íêgiío pâIâ outÍa. do perÍodo experimental fazem parte meno mecânico e o fisiológico, um novo
A psicologia não possüi, dÊntro do sa- aqueles que lahçaÍam ao &abalho de la-
sÊ lobjeto toma corpo: -a sp§etividade (o psi-
ber, um lugar definido. Podemos encon- boratório ou â pesquisa de campo segun- jqúsmo, a consciêrcia). Desa forma, do
tÍdLa tanto no inteÍioÍ de um saber cien- do certas normas estabelecidas Pela comu- ponto de vista da ciência natural presen-
'tíIico ciamos uma dewitalizaça:o do animisÍno.
como numa púüca ideológica (pan nidade cientrfica- Outms estâbelecem um
usarmos uma terminologia althusseriana). ponto mais ou menos arbir*írio que é enquanto que do ponto de ústa da iloso-
Ora ocupa um lugu no espâço dâs cién- apontado como o inÍcio da Psicologia, e fia é feita uma distinção que determinará
cias fÍsicâs e biológicas, ora se instala no daÍ por diante desenrolam auma conti- oovos Íumos para o saber: a distinção en-
interior das chamadas ciênciãs humanas. núdade sem nrpturas, a história de um u- tre "res cogitans" e "res exterlsa".
Trabalha com concêitos pertenceltes às beÍ que atÍavés de uma depuração contí- Mútos historiadores não hesitam em
ciências, çom noções letiÍadss das PÍdti nua teriâ obtido seu estatuto cientíÍico. âpontar o behaviorisno de Watson como

22. radice
, Íez do que aplicar as normas da doutina de Watson. em psicolog.ia, está não na teG
Na verdade,
í posirivista tais como foram elaboradG no ria que ele pÍoduziu, mas na repressão
não existe, até o momento, | !éculo XIX por Comte, Ater-se ao dâdo, que ele exerceu.
I ao "positivo", não considerar como digno
Podemos argumentíu que esta tepres-
um criério I da ciéncia nada que não pudesse ser ob§eÍ- sa:o era necessária, numa época em que a
vado publicamente, medido, desnudado psicologia se emaÍaohava no inttincado de
em Íunçâo do qual em todas as suas caracterÍsticas, abster-se suas pniprias malhas, que o subjetivismo
se possa afirmar de elaborar qualquer construto, nada diy decorrenle de uma tradiça:o cartesiana a
to nos paÍece revolucionário. A visâo posi- impedia de se toÍnar uma ciéncia autênti-
oom segurança: . tiústa da ciência na-o foi uma invenção de ca, que Watson procedeu a uma limpeza
Watson, e mesno a necessidade de sua metodolóBica indispenúvel e que sua
isto é psicologia... aplicação à psicologia já üúa sendo sen- eigência de objetividade era não somen.
isto não é psicologia. tida e modestamente empreendida por ou.
trcs autores. Sem dúvidâ alguma, Watson
te compatível como necessárú ao estabe-
lecimenlo de uma ciênc.ia. IUd§t-.!§-!q nos
foi muito mais audacioso e eigente do pq1g,q9_yí_l!do. Mas é dê ,undarnêntal im-
que seus contemporâneos. Não devemos portánciâ lembrar que uma ciência. além
nos esquec€r, porém, que foi em nome da repressão que ela impõe ao sabsr, êla
fdos mesrnos princípios "científicos" acla. se caracteriza sobretudo por um trabalho
{mados pelo behavioriyno que, Comre e de pÍoduÇão de conhecimêntos que é tra-
I Pavlov alguns anos antes, propuseÍain a duzido por zua
extiflçâo da psicologia. Para Comte. uma mera repressão torna o
vez que a subjetividade nâo poderia ser Estas'objeções não üsaÍn o saber psico-
objeto de um estudo cienttfico, não havia lógico representado pelo beheviorisÍno.
Íazão patra a eisténcia da psicologra. pois Ou melhor, visam este saber apenas na
se ela pretendesse tratar do homem como medida em que êle se pretenda revolucio-
indiyíduo, seria reduzida à biologia (que ndÍio. Acreditamos que o behaÍiorismo
poszuia maior poder expiicativo e maior possua tantos méÍitos quanto qualquer
cientificidade) e se tratâsse do homem em outra forma de sabeÍ psicológico e talvez 1

sua dimensão social, seria reduzida â até mais do que a maioria deles. É a pater-
sociologia. nidade da psicologia cientifica ou o sêu
O que lVatson na realidade fez foi caráter de grande novidade que queremos .
abdicâr a toda e qualqueÍ pretensâo expli- questionar.
cativa para a psicologia, uma vez que isto Sem dúvida alguma, poucas correnles
o início dapsicologia realmente científica. implicaria no risco dos constructos, e p9Í- psicológcas gozaram de tanto prestÍgio e
As outras "fases" aludidas antedormente, manecer num nível puÍamente descritivo, o mantiveram durante tanto tempo quan-
fariam parte da pré-história da psicologia. à esperâ do diâ em que o comportaÍnento to o behâviorismo. Claro está que isto não
.1 A gÍande ruptura leria sido ope rada como pudesse ser explicado inteiramente pêlos se consegue sem méritos. E o beharioris,
:a noçâo de comportamento e esta teria conceitos físico-qu Ím icos. mo os tem de sobra" lnfelizmente, junto
como aÍtífice único o psicólogo america- Do ponto de vista teórico, não vemos com o prestígio que ele gozou nos meios
,,no J. B. Watson, tafibém Íazão para se considerar Watson chamados cientÍficos, houve um cresci-
Crernos que este üipioo merece uÍna um rcvoluciooiíÍio. Entendemos que uma mento vertiginoso de sua popularidade. E
análise mais detalhada, seja pela possível Íevolução implica numa ruptura. A rigor. a popularidade, quando se trata de um sa.
veÍdade que ele encena, seja pela atuali- Wa*ôn não empreendeu nenhuma ruptu- ber que pretende se afirmar como cientí.
dade de que ainda se reveste. ratúrica. Nãochegou a formular ngnhum fico é. quase sempre fata.l. Estâ populâri.
A noção de comPortamento não sur- conceito que pudesse ser üsto como rup- dadc se deve, em parte, ao- seu ca.áter.
giu ccimo resultado de uni trabalho de tural com o que haüa antes na psicologia. pÍ'agmático que se enquâdrava perfeita-
produção conceitual teoricâ. E!êapareceu Do ponto de visla científico, temos uma mente na mentalidade do americano da
como uma noção descritiva, des.ignativa nova teoÍia ou uma nova ciéncia, toda vez época assirn como se adaptava perfeita-.
idos âspectos manifestos da ação humana que houver uma produça-o de conceitos mente à ideologia polÍtica de que todos
le animal. Seu objetivo priacipal era o de ique se mostrem irredutr'veis aos existen' os homens foram criados iguais (o que sig-
eütar qualquer referência a entidades nào ftes em outras teoÍias ou em outras ciên- nifiàa qüe qualquer um irode obter éxito). r
observáveis que poderiam [evar o investi- lcias. A própria repulsa que Watson sente Não há indivíduos privilegiados, há ape-
gador a um retomo â temida metafisicâ. pelo trabalho teórico já o impede de ser nas condições exteÍnas pdyilegiadas. E,
Seu caftíteÍ era essencia.lmente Íestritivo, revolucionário. sem dúvida alguma os Estados Unidos
restrição que se fazia não em nome de Acreditamos que seja mais verdadeiro eÍam ústos desta maneira.
uma teoria, mas em nome.de uma atitude afirmar que Watson procedeu a uma cas. É na concepção da psicologia como
metodológica que considerava essencial â tração (que ele perdoe o emprego de um uma iiêàiÍà prãiica (sem entÍarmos na
ciência conjuÍaÍ os riscos decorrente§ termo psicanalítico) no saber psicológico. discussão do que seja urna "ciência pÍíti-
dos çonsiructos, Todos os termos, noções e conceitos, as- ca") que a nosso ver reside a maior noü.
Apesar do caráter apaÍenteÍnente reyo- sim como todos os proc€dimentos que dade do behaüorisrno de Wats!À. A psi-
lucionário da psicologia apresentada por mostrassem quâlquer incompatibflidade cologia, expeiimêíial; tal como en em.
Watson, sob o nome de behavioÍiÍno, nâo com a doutrina positiüsta, foram elimi- preendidà pôrWüridt.ou por Titchener, se
nos parece que esta Íevolução seja tâo evi- i nados,Não houve, com Watson, uma nova carlcterz.ava por ser uma "ciência abstre
dente ou mesÍno rcal..Do ponto de üsla iproduçao teórica, mas sim uma proibição ta" (por oposição ao "príiiôa"). Visava o
metodológico, o behaviorhmo nada mais falar das teoÍias existentes. A novidade homem em geral, seus estados de conscién
ldo
radice 23
ciâ, suâs faculdâdes, além de sê limitar ao É como se o saber da psicologê da mesna maneira que fala-
adulto civilizado. A dose de eryeculação mos da história da física, da história da
que isto implicava era considpÍável, o psicologico filosofia ou da história de uma pessoa.
mesmo podendo se dizeÍ de seus comprc- Nestes casos, há um "mesrno" que perma-
missos filoúficos que a viciavam de base.
fosse constitu ído nece por detús das mudanças. No caso da
Watson propõe, eÍn trocâ, urnâ psicologiâ de retalhos psicolo8ia, não há este "mesmo". Toman-)
do homem concreto, interatindo com um do o material que nos oferecem as histó- I
meio concrcto, possibilitando um contÍo- de tamanhos, cores, rias da psicologia, verificamos que entre a I "
le e uma previsão que as psicologias clássi psicologia entendida como ciência natural I
câs não pôdeÍiâm sequer almejar. Isto é formas c a psicologa entendida como saber sobre I
uma novidade, uma boa novidade. Não e texturas diferentes, o psiquismo, nada há em comum- Nemj
talo exclusiva quanto pÍetendem os apai .
nleqno. o termo "psicologiâ", posto que
xonados pelo behaviorisÍro e nem fundâ- cabendo ao historiador este foi htroduzido a posteriori. Em no-
dora da psicologia científica, pois a ciên- . rne de que fator este saber, que vai desde
cia exigiria um pouco mais, mas de qual- iuer a colcha. 'Ariskiteles até Comte, deve seÍ chamado
quer mareüa uma uovidade capaz de.ju$ de psicológico? Mesmo que por conven-
tificar o fato de Watson poder ser aponta- ção resolvamos denomiruí-lo assim, o que
do, sem favores, como um dos maiores tem ele em comum com aquele outro que
nomes da história do saber psicológico. tem por objeto a zubjetividade? Nada.
Nem o objeto, nem o método, qem o ti-
Não se considerândo Watson como o po de problemática. Na. ânsia de encon-
gÍande iníciador da psicotogia cientíÍica, trar continuidades, os historiadores vis-
voltamos às t€s divisões referidas ante- lumbraÍam uma longínqua analogia entre
Íiormont€. Poderíamos então perguntar: a."anima" aristotélica, o "co8itor' çarte-
Por çe se dividiu a História da Psicologia siano e a consciência tal como é \,ista pe-
erii três ÊIand* regiões e não em duas ou Íos psiólogos do iculo )(IX. Esquece-
quatro-? Por que foram inclurdos tais au- r-ffi-se, poÉm, que a "anima" aristotélica
toÍes e não outÍos? Por que um determi- é um princípio material, físico, nada ten-
naáo autor foi incluído em tal regiâo e do em comum com o "espírito" dos criy
não em outÍa? tãos e ainda menos com o "cogito" caÍte-
siano. Sê o trâtâdo De Anima tivesse que
A resposta mâis simples. e talvez a mais Íaer parte da p!#ris6ria de algum s-eÍ,
jisincera, poderia ser: "Porque seus autoÍ€s melhor serie que o Íosse da biologia, e,
fassim o desejaram". É como se o saber rmos que as rupturas é que são indicati- lÍEsÍno asim, por uma enoÍme benevo-
ipsicológico lcse constituído dê retalhos lvas de novas emergências. então o que lllncia dos epiíemólogos. Da mesrna ma-
ide tamanhos, corês, formas e têxturas di- 'importará são as diferenças e nâo as neta, o "cogito ergo s,um" pertence a um
it"r"mer, dendo ao historiador Íâzer a jdentidades. discurso filoúfico no interior do qual ad-
llcolcha. A sua costura é que ligaria um de- Acreditamos, poIém, que a escolha de quire pleno sentido. Descartes não preten-
'terminado retalho a outro, ela é que foÍ- uma ou outÍa peÍspectivâ não pode ser to- dia fazer e n.m fez pí6logi!. §é õ iícluí- I
neceria continuidade a estes espaços não talmente arbitdria- Há condições mate- mos numa história da psicologia, por sua r -,r,
-
necessariamente contínuos. O importante ais, concÍetâs, de emergência de um sa- referência ao "cogito", por que nao in- j ''
é nâo haYer, a priori, neúum critéÍio beÍ e estas condições são, em si mesÍnas, cluirmos também Dostoievski ou Proust j

quanto ao tipo de costura ou âo que deve indicativas quanto âs continuidades e às que realizaram maravilhoús e profundas
ser costurado. Podemos fazer uma colcha ruptuÍas refeÍentes a este saber, A eÍner- análises da subjetiúdâde humana? Sem
unindo os pedaços dessemelhantes entre , gencia de um conceito pode, no interior àüvida alguma podemos encontÍar alguma
si ou podemos utilizar um critério escolhi- de uma megna obra, de um mesmo autor, continuidade no saber que tem poÍ objeto
do aÍbitrariamente (cor, forma, tamaúo) , reprêsentaÍ um pooto de ruptuÍa. Não é q a subjetividade, mas se o denominamos
e fazer conjuntos d€ pedaços sem€lhantes. m€sÍno Descartes, o que nos falâ sobÍe as ' "psicológico", o que o toma contínuo
Da megna maneirâ, o sâber Psicológico paixões da alma e o que nos fala do "cogi- àquele saber denominado ciência natuÍal
pode ser "coíurado" segundo vários cri. to", assim como são tão diferente§ como ou ainda ao behaviorismo de Watson?
téÍios: semelhança de tena, analogia de se fossem dois autoÍes, o Galilzu dos di* O fato é que as histórias da púcologia
objeto, identidade de método, etc. §e e$ cursos aÍistotélicos e o Galileu da unifrca- contidâs nos liwos so puderam ser escritas
tamos interessados em conferü a este sa. ção da '?hy§ca coelestis" com a '?hysi- retÍospectivamente. Não poderiam seÍ e9
ber uma continuiàde histórica, eleger+ ir ,ca terÍestris"- Nâo estamos interessado§ critas à medida em que o saber foi se for-
mos a semelhança como fator predomi- "l/,"p"nu, nds descontüuidades do saber psi- ma[do porque ele não se constituiu como
naote. Assim, dois autoÍes podem ser in- jlcológico, mas também não queremos for- saber psicológico, ma§ como saber filoú-
teilamente diferentes quanto ao método lllar magicamente continuidades para criaÍ fico, biológico, físico, etc. Foi somentÊ a
empÍegado, mâs muito pÍóximos quanto ljuma aparência de união e de coerência partiÍ de um sâbeÍ psicológico constituí-
ao tema abordado, p_1e$q,§qá,Pgrta+to, ''deste sabeÍ- do (embora com limites muito impÍêcisos)
o critério de continúdadQ. entÍe ambos. Quando aÍirmamos que a Hist5ria da que os httoriador€s pudeÍam, Íetrospecti
Mas se por outlo lado não estamos inte- Psicologia não é a história de uma coie vamente, vas€dhar o sâber ocidentâl e
lessrdos numâ visão continuista ila histó- úníca a psicologia - o çe desejamos procurar analogias que justificassem a itr-
- dusão de um determinâdo texto nâ histô
ria da psicologia, seja por acharmos que é este aqrecto de dispersão e de
o continuigno escamoteia o verdadeiro descontinuidade dos discursos por ela Íia da psicologia. Esta atitude é que cÍia
sentido da históÍia, seja por consideraÍ- qbrangidos. Não podemos falar da história a figura do pÍecursot, entidade de difícü

24 radice
compreensão em qualquer tipo de histó-
ria. Segundo nos querem fazer crer alguns
O que inspira a procura da origem é da O homem gosa de unidade,
mesma natuÍeza daquilo que lwà alguns
historiadores, o precursor é aquele indiví- historiadores à procura de precursores, A pretende um deus único,
duo qu€ ainda não realizou uma determi procura da origem, assim como a dos
nada coisa da qual recebe os méritos. ou plecursores, srpõe que apesar de todas as uma verdade úniea
então é aquele que Íealmente a fez. seac: da história algo se mantém
o mérito atÍibuído a outro que lhe é po-.-
peripdcias e, por que nÉÍo,
ija:lt:co a si meslno e que cabe ao histo-
terior. Em ambos o's casos ele se icrnl riâCo! â tarefa de remover todos os di$ urna psicologia única.
uma entidade histórica ininteligr'vel. \o :-ces para descobrir o "mesmo", o quejá
primeüo, ele não iniciou nadâ e, portanto. e.3 o qus já é desde o corneço dos tompos.
não se justifica sua inclusão na hisró:ia :c A ariiise da pÍoveniênciâ (Herkunft) é o
refeÍido sâber- No segundo caso- eie i ;.ii lai peÍmitir encontrar sob o aqrecto
realmente o iniciador e, assim sendo. r.:c ' ún::o de um conceito, a diversidade dos
pode ser úamado de precursor. 3.c[r€cimentos graças aos quais ou con.
' Em psicologia, encontramos precu:so- üa 05 quais ele se formou- Não coosidera
res para tudo. A rigor, poderíamos ciiie.- o: êcicienies da históÍia como incômodos
que a história da psicologia é constituicê :-"::ar-es à manutençitro de uma identidâ-
por precursores da própria psicologle. cê. !r:âs como o que deve ser meticulosa-
Em noÍne de uma vaga analogia temát::a .:3n:a procurado paÍa o esclarecimento
traçamos continuidades sem fim e. iest: d.os ,iários sentidos designados pelo
forma, Herófilo da Escola médicâ de a':es!ro termo. Â história, enquaflto pro-
'Alexandria, '
no seculo IV a.C.. se rornar:a aür3 ia proveniência, não supôe lâmpou-
precursor de Freud já que ambos se reJe- :c e efsiéncia de uma continuidade cujo
riram ao sonho como Íealrzaça:o de desejos p::cursc deva sêr retomado paiâ que apa.
que não pudeiam ser efetivados durante a re;a urr passado que, tendo permanecido
vigíia. Acontece que em Freud o sentldo i ag:lc secrelamente, explique um pre-
da âfitmação é bem difeÍente. Nele. ela sec'i. \ão se assemelha em nada à procu.
decorre de toda uma teoÍia da estrutura ra de umâ unidade. de uma identidade, de
do psiquisÍno, do conceito de inconscien- um delineamento préestabelecido. A
te, de motivação inconsciente, de repres- smersêr'tcia (Entstehung) designa o ponto
são, de sublimâção, etc- Muitos aurores se de surgimento. Ela se produz sempre num
referfuam ao sonho ou ao inconscielte certo eÍado de foÍças que caractêrizam
mas somente Freud elaborou uma teoria um jogo de dominações.
do inconriente, com todo um trabalho Essâ emeÍgéncjâ nem sempre é nítida. Talvez fosse o caso de se peÍguntar até
de produção conceitual. Com Freud co- Gerêlmente, quando chega a seÍ notada, que ponto os psicólogos estiveÍam preo-
meçou a psicaníílise, Um começo naio ad- ela já ocorreu há âlgum tempo. Pôr oulÍo cupados coà a coerência da psicologia. O
mite precursores. lado. o aparecimento de um novo termo que eles de fato prosuÍavam? Uma coe-
Ao invés de vermos a história da psico' não slenifica. necessaÍiamente, o surgi rência ou uma eficácia? Nem sempre a efi-
logia como uma histiria dqs precursores, mento de uma nova forma de saber, de cácia de umâ determinada prática decorÍe
o melhor é aceitarmos a idéia de que o uma 4ova problemática ou de um novo de sua co$istência lógco-teórica. De um
termo psicologia possui vários significa- objeto. Assim. poucos sêriam capazes de psicólogo real, pânicular, pede-se eficácia.
dos. ou seja, que significa exatamente esta susrenlar que a psicologia suÍgiu a partiÍ Quando esta eficácia se efeiiva, pede-se
dispersa-o que pretendem eliminar, A acêi- do momento em que Goclenius @udolf consistência teódca. O Íesultado é que,
taÉo da dispêÍsãoé que nos é intoleável. Glokel), em 1590, intoduz o termo para atendeÍ à exigência de consistência
O hornem gosÉ de unk ade. Prêtênde um "psicologia" no yocabulário fúosofico. teóricâ, o psicólogo acaba por Íeduzir
dêus único, uma verdade única e, por que Mas igualmente poucos ousariam deter. enorm€mente o campo de sua eficícia,
não, uma psicologia única. A dispeÍsão, a minaÍ um inicio efetivo pâÍ? a psicologiâ. tornando-se, o objeto do coÀhecimento,
descontinuidade, a multiplicidade, inco- Pelo menos um início único. uma caricatura da realidade.
modam. Daf, a necessidade de ocullá.las Num aíigo Íecente, e com um tí- Uma das conclusões a que chegamos
sob a capa do úaico, do contínuo, do pei. tulo muito significativo ("Psychology após a aniílise destes dois mil e quiúen-
manente, A pÍocura das oÍigens - e não' ! cannot be a coherent science"), Sigmundo tos ânos de "história da psicologia", é a
dos come4os - e dos precursores reflete lKoch fala-nos da psicologia co-mõ sendo de que este saber não é nem acumulativo
o mesmo modo de persar. Já no final do 1ãôiistítuiaa por um conjunto de ps€udo- nem progressivo. Acreditamos ser muito
sécúo passado, Nietzsche, referindo-se à +oúecimentos em torno dos quais en- difícil uma aÍirmaçâo da supeÍioridade de
história, opunha o termo "origem" contÍa-se um imenso aglomerado de teori- um tipo de saber sobre o outo. Até que
(Ursprung) aos terÍnos "provenÉncia" zÀçío e de Íetórica metodológica. Rela- ponto houve um progessg? Até que pon-
(Herkunft) e "emeÍgência" (Entstehund. cione esse sabêr a uma "sindrome do pen- to um saber se beneficiou do outro num
Sua Íazão para rejeitar a busca da ori- samento a-significativo" (ameaning{ul sentido evolutivo? Melhor será fa.larmos
gem está no fato de que isto implicarie na thinldng)- Para ele, os útimos cem anos de diferenças e não de seçências woluti
procura de uma essência da coisa, algo de psicologia "cientíÍicâ", podem ser vi$ vas. Mesmo em se tomando a ciência co-
que se mantivesse idêntico a si mesmo, tos como uma sucessão de doutinas acer- mo paÍâmetro, a afmação de progresso
alheio a tudo que fossê acidental, singu- ca daquilo que se deve imitar das ciências seria difÍcú. Se por um lado o behavioriv
lar, mutável, Algo que, como um concei- nâtureis funcionando, cada uma delas, mo se aproxirna mais daquilo que chama-
to metafísico, fosse invariável, intempo- como un fetiche assegurando â cienti- mos de ciência, pela sua objetividade e pe-
Íal, universâl e, portanto, "verdadeiro". Íicidade da psicologia. losêu gosto pela experimentação, ele,

. radice 25
igualolente, dela se afasta pela sua aüScn- tram o seu lugar. O que explica a dificul. Uma das razões para não termos es:::
cia de pÍodução conceitual e teórica. Os dade das ciências humanas, a sua precarie- dido a nosa exposição à psicologia :-.
psicólogos da consciência, por seu lado, dade, a sua incerteza como ciência, a suâ temporânea foi a de eyitarmos a imp: j
foram pródigos em teorias. mas estas perigosa familiaddade com a filosofia, o tiva dísputa epistemológica soble o q:: .
eram demasiadamentc cspeculativas e não seu apoio mal definido noutros domÍnios científico e o que não é científico em ! L
davam margem a experimentações e nem do saber, o seu caráter sempre secundári'o coloBia. MaÍrtendo-nos denlro dos lima::.
atendiam âo requisito de objerividade im- 'compreendidos
e derivado, mas também suâ pretensâo âo por Aristóteles até a em::-
posto pela comunidade científica. Segun- universal, não é, como muitas vezes se gência da noçío de compoÍamento. !:.
do qual critéÍio iríâmos pois afirmar que diz, â extrema densidade do objeto delas; demos realizar uma análise que não p::
houye uma eyolucão ou um progresso? não é o €sÍatuto metafísico ou a indestru- tende excluir um sâbet em nome de outi:
Mas também seria o caso de se pergun- tível transcendência do homern de que as mas que con§idera o conjunto desse sat:l
tar se a psicologia pode ser uma ciência. ciências hummas falam, mas antes â côm- na dispersão que lhe é caÍâcteÍística. E:
É possÍvel que seu fracasso em atintir este plexidade da configqração epistemotógica relação ao período compreendido p-
tão álmejado nível, não decorra de uma em que se encontmm colocadas, a sua re- nossa exposição, poderíamosconcluir qu:
incapacidade dos psicólogos, mas da pró- iação constante com as três dimensões l. O termo "psicologia" não designa u.
pria constituição deste sâber, lmaginemos que lhes dd o seu espaço". saber unitário, mas um saber dispers:
que os escÍitores resolyessem, um dia, toÍ. A imagem do triedro foucaultiano não não {oerenie ;
nar a litetatura uma ciência, Se este obje- está aqui colocada como uma dofesa do 2. Que esta dispersão não deco e ii
tivo é inâtingÍvel, isto na:o decorie de nosso ponto de vistâ. Achamos âpenas uma insuficiente ou ainda nâo comple::
uma inferioridade intelectual dos liieratos, que ela serve para ilustrar a icleia - da evoluça:o histórica, mas da própria cons'-:
mas da própria natureá do discuÍso tite- quâl paÍticipamos - de que um saber tuiçâo deste saber:
rário e da forma de saber que ele repre- pode ser constituÍdo de tal forma que 3. Que a história deste saber é, necess:-
senta. No dia em que a literatura se tor- uma mudança no q[e lhe é fundâmental- riarnente, descontínua e não-pÍogressir:
nasse cientÍfica, ela automaticamente dei- mente estrutural acarrete a morts deste podendo-se falaÍ em continuidade (e po:-
xaria de ser literaturâ, pois é constitutivo sâber e o surgimento de um outrc que lhe taito em progresso) apenas no interior d:
de sua estrutuia discursiva o nà'o possuir A acoitarmos a idéia de
§erá irredutível. cada uma das grandes regiões que :
as caracterl:sticâs do discuso científico. que a psicologiâ esteja constituída à ma- compõem;
Voltando, enlão, à pertunta feita aÍte- neira como Foucault acima descreve, sua 4. Que um "estágio" de completa cient:.
doÍmente, gostaÍíamos de sâber se nâo trânsformação de não{iência em ciénciâ ficidade deste saber implica-rá na emer.
estaÍia a p§cologia no mesmo caso, Pode s€Íia impossível. géncia de ün novo saber irredutível ao ar:-
o sabeÍ psicológico ser científico? Repetimos que isto não implica num terior (não sendo,poÍtaÍtto,um "estígio' .):
No capítulo dez de As PalavÍas e as denegrimento da psicologia. A não seÍ 5. Que no interioÍ deste saber há "pro,
Coisas, Michel Foucault coloca o proble- que vejamos a ciéncia como o valor mais cedimentos" científicos mas nâo píodG-
ma da emergênciâ das ciêhcias humanas alto da cúÍura humdm. A consideração ção científica;
em termos que julgamos servir de exem- de que há uma "evolução" ou um "prc- 6. Que a existência ê a po§tiyidade desti
plo ao que estamos querendo dizer. Se- gresso" no saberquando ocorre uma "pas saber independem de suâ cientificidadei
gundo ele, o domínio do saber modernq sagem" da não-ciência para a ciência, ím- 7. Que a emergência da noçâo de com-
pode ser representâdo por um triedro no plicâ numa valorização hierárquica com a portâmento não câracterjzou a passagen
qual ele se encontra distribuido da seguin' qual não concordamos. da pd-ciência para a ciência psico.lógica:
te foma: um dos planos seriâ ocupâdo Da mesmâ mâneira, se aceitarmos a 8. Que poderíamos escrever várias histó-
pelas ciêicias matemdticas e físicas; um tese epistemológiÇa segundo a qual uma das da p§cologia tendo, cada uma delas.
outro plano, pela linguística, pela biologia ciência não se forma pelc acúmulo de da- pleao direito à eústência;
e pela economia; o terceiro seria ocupado dos empíricos e a conseqü€nte formaliza- 9, Que o rermo "psicologia" seria má:.
pela filosofia. Cada uma destas dimensões ção matemática, mas sim por um trabalho adequado se escrito no plural;
ao se encontrar com a outra. formaria de produção conceitual cujo resrútado é o 10. Que não pode haver n€nhum üitéri:
uma interseção. No caso dos dois pÍimei- conhecimento científico e que este é irre- preciso segundo o qua.l um determina-:
ros, srrÍgiria o campo de apticação da ma- dutrtel ao sâber empirico acumulado pela sáber d ou não psicológco.
temática ê essas ciências empíricas, ou o experiêocia, se aceitamos este ponto de É posivel que nenhuma destas çon,:l...
domínio do matematizável na linguística, vista, também a psicologia não podeÍia sÕes sEja o ginâI. Âcreditamos que p,:l
na biologia e na economia; a interseçâo ter-s€ "toroado" cieltifiêa. Porque, ou siun ser enco[tradas dispersas em vi.-.
do plano dâ biotogia, dâ linguística e da chamamos de psicologia aquele sãber em- textos de vários aütoEs. Espeiamos, i
economia com o da f osofia, determina- pirico ou especulativo ao qual as fustórias rém, que elas ajudem a conjuÉr a ilu:. .

Íia o campo das várias ontologias regio- da psicologia se referem, ou úamamos de de unidade, de continuidade, de prog::.
nais, as filosofias da vida, do homem alie- psicologia a ciência constituÍda poi uma so, de unicidade da chamada história:-
nado, das formâs simbólicas: finâlmente, produção teó ca especíí'ica. A denomina- psicologia, a§m como de sua inexorá. r.
a interseçao do plano das ciências mato- ção de "psicologia" a ambas as formas de marúa rumo à ciência. Áinda que p: i-
máticas com o da filosofia, determinaria saber seria epistemologicameflte contra- dentemente na:o teúamos nos envere---
o campo da foÍmalização do pensamen- ditória. do pelo in€xtrincável €maran}lado da psi'
to. Não encontramos, porém, incluidas A imagem foucaultiana não é, portan- cologia contemporânea, cremos que o
em nenhum destes planos, as ciências to, necessariamente absurda. Ela não se quafto geÍal não se modificará de fomla
humanas - e dentre elas a psicologia. propõe como uma tese epistemológica. substancial. Esperamos ter coragem para
Mas tampouco estão totalmente excluí- O qw ela nos propôe é uma r€flexío ss tentar suâ análise em breve.
das, "pois é no exercício destes saberes, bre a possibilidade de aceitarmos a disper-
Ínais exatamerte no volume definido pe- são e a não-coeÍ€ncia da psisologia como obs: os destdques e negritos sa:o nosps (RA-
las suas três dimensô€s, que elas encon- sendo constitutivas dêsle saber. DICE)

26 radice

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