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Exposição do problema
se à lógica das relações, mais condizente com sua concepção realista (BORTOLOTTI,
1994). Tal concepção coloca o signo como meio privilegiado de se compreender o real,
apreendido numa cadeia inferencial, cuja finalidade está na opinião verdadeira,
investigada pela comunidade de seres que pensam através de signo. Ora, para o autor,
nossas representações são verdadeiras em relação ao real, pois algo que é representável
é cognoscível em algum grau, e o real, objeto de tal representação, é, ao mesmo tempo,
objeto que impulsiona a investigação para o futuro, para a sua verdade.
Dessas considerações, podemos dizer que Peirce, ao pressupor um real
cognoscível, joga por terra as teorias que mantêm o incognoscível. E, ao abordar uma
teoria da cognição sígnica, cuja base é triádica, e baseada inteiramente na lógica das
relações, reforça sua defesa acerca do realismo. Com base nisso, a visão dual dos
fenômenos é descartada, restando em seu lugar o signo e a ideia de contínuo, ou seja,
nossas concepções gerais são reais, no sentido de corresponder a regularidades
observadas nos fenômenos. Obviamente, não queremos dizer que minhas
representações correspondam à realidade, mas que são frutos da percepção do real, e
que, ao longo do tempo, com a investigação, espera-se que tais concepções alcancem
um nível mais elevado de generalidade acerca do mesmo fenômeno.
Com o realismo, Peirce dispensou a divisão sujeito/objeto, descartando o “Eu
penso” kantiano, substituindo-o pelo signo. Nossas concepções são gerais, pois
apreendem, via inferencial, os fenômenos. A ideia de continuidade fortalece o realismo
de Peirce, uma vez que os signos são tratados como mediações, e o seu objeto pode ser
visto como regularidades do mundo externo, ou seja, leis ou gerais.
Em vista disso, podemos afirmar que apreendemos o real nas regularidades
experimentadas na cognição, mas que, conforme a filosofia do autor, predomina a
visão processual, temporal. E, para compreendermos esses gerais, não podemos nos
ater ao esquema nominalista, o qual os reduziria a uma concepção mental ou à essência
escolástica, atemporal e estática. Evidencia-se, aqui, a necessidade de explicar essas
regularidades reais, e que perfazem o contínuo, estofo de nossa cognição e da
ontologia peirceana. Assim, para manter um realismo saudável, Peirce necessita de
Peirce apega-se à ideia de amor, exposta em seu trabalho “Evolutionary Love” (CP-
6.287-306)1.
Assim, as teorias, defendidas por Peirce integram-se no seu agapismo, no qual a
evolução é fruto do amor, no vínculo entre as ideias ou formas, que se estendem,
generalizando-se cada vez mais. É o Admirável a espelhar o cosmos evolutivo, a
Razoabilidade encarnada na visão da ordem predominante das leis naturais.
Após esse extenso comentário, passaremos a discutir o evolucionismo filosófico
de Peirce, baseado no acaso, na necessidade e no amor criativo.
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CP-6.13 significa Collected Papers of Charles S. Peirce, volume 6, parágrafo 13.
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“Uma teoria inteligível do universo é a do idealismo objetivo, aquela em que a matéria é mente, em seu estado
mais baixo, hábitos inveterados que se tornaram leis físicas.” (CP-6.25).
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A lei do hábito é a responsável pela evolução, uma vez que a ação do hábito
pressupõe o exercício para a sua efetivação, além de não agir, quando estabelecida,
com absoluta rigidez. Esta última característica do hábito garante certa flexibilidade na
adequação do organismo ao meio. Ao agir sem rigidez, a lei do hábito tem mais
probabilidade de garantir a sobrevivência do organismo.
Em vários trabalhos, Peirce mostra-nos porque a evolução não pode ser
explicada pelas leis mecânicas (CP-6.13). Estas agem segundo certa rigidez, estando
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propósito que ultrapasse a lei da sobrevivência (MURPHEY, 1961: 350). Veremos que
Peirce substitui o exercício continuado e a necessidade do meio pelo amor criativo
(CP-6.302), o qual, na verdade, integrará os outros modos evolutivos, no que Peirce
denomina de Agapaticismo4, a sua teoria do amor evolucionário (BORTOLOTTI,
2002).
Antes, porém, de adentrarmos na teoria evolucionária do amor, algumas
palavras em relação à teoria do catastrofismo, de Clarence King.
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“... o mundo real é o mundo da mente, e os objetos reais são simplesmente partes da mente, a qual tem assumida
uma forma particular.” (MURPHEY, 1961: 348).
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CP-6.302: “Três modos de evolução têm sido colocados a nós: evolução por variação fortuita, evolução por
necessidade mecânica e evolução por amor criativo. Nós podemos denominá-los evolução ticástica, ticasma,
evolução anancástica, ou anancasma, e evolução agapástica, ou agapasma. As doutrinas que as representam
podem ser denominadas de ticasticismo, anancasticismo e agapasticismo. Por outro lado, as simples proposições,
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nas quais o acaso absoluto, a necessidade mecânica e a lei do amor são operativas no cosmos, podem receber o
nome de tiquismo, ananquismo e agapismo.”
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“(...) Comecei mostrando que tiquismo deve dar à luz uma cosmologia evolucionária, na qual todas as
regularidades da natureza e da mente são consideradas como produtos de crescimento, e para um idealismo à
maneira de Schelling, que mantém ser a matéria meramente especializada e, em parte, mente em seu estado
inerte.” (CP-6.102 e 158; e, também, os CP-6.268).
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Em “The Law of Mind” (CP-6.102-163), texto de 1892, Peirce não considera a matéria totalmente determinada
pelas leis físicas, mas aberta à diversificação. Vejamos um trecho: “O que chamamos de matéria não é (alguma
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coisa) completamente morta, mas é meramente mente que se esconde atrás dos hábitos. Ela ainda retém o
elemento de diversificação, e nisto há vida.” (CP-6.158).
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a sua noção de hábito, juntamente com a de continuidade8, e que fazem parte do que
ele classifica como sinequismo:
Este hábito é uma tendência generalizante, e como tal, uma generalização, e como tal
um geral, e como tal um continuum ou continuidade. Deve ter sua origem na
continuidade originária, que é potencialidade inerente. Continuidade, como
generalidade, é potencialidade inerente, que é essencialmente geral. (CP-6.204).
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“Uma teoria inteligível do universo é a do idealismo objetivo, aquela em que a matéria é mente, em seu estado
mais baixo, hábitos inveterados que se tornaram leis físicas.”
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Ora, com estas considerações, Peirce passa a expor a origem do universo e das
leis, enfatizando o papel mediador do hábito. Isso, conforme observamos, a partir das
leis da mente, sob as quais a continuidade é entendida em termos ontológicos e
epistemológicos, ou seja, o universo pode ser conhecido por apresentar-se inteligível, a
partir da pressuposição do contínuo, tanto a níveis cognitivos, da percepção sígnica,
quanto no nível da realidade dos universais. Apreendemos o universal, que pode não se
coadunar com o real, conduzindo-nos a novas teorias, porém, o que interessa é que o
conhecimento é possível, estando rejeitado o incognoscível. O falibilismo de nossas
concepções justifica, por outro lado, a evolução em termos de conhecimento do
mundo, e evidencia, mais uma vez, o fim do dualismo e da hegemonia de concepções
mecanicistas, para dar lugar a uma filosofia de cunho evolucionista e realista.
Considerações finais
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Ibri (1992: 66) define o que Peirce entende por contínuo: “(...) continuum é alguma coisa infinitamente divisível
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Referâncias Bibliográficas