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UFPR

Universidade Federal do Paraná


4.1.1.1 Mito e Filosofia. ● Saber mítico. ● Saber filosófico. ● Relação Mito e Filosofia. ● Atualidade do
mito. ● O que é Filosofia?......................................................................................................................... 1
4.1.1.2 Teoria do conhecimento. ● Possibilidade do conhecimento. ● As formas de conhecimento. ● O
problema da verdade. ● A questão do método. ● Conhecimento e lógica .............................................. 12
4.1.1.3 Ética. ● Ética e moral. ● Pluralidade ética. ● Ética e violência. ● Razão, desejo e vontade. ●
Liberdade: autonomia do sujeito e necessidade das normas.................................................................. 23
4.1.1.4 Política. ● Relações entre comunidade e poder. ● Liberdade e igualdade política. ● Política e
Ideologia. ● Esfera pública e privada. ● Cidadania formal e/ou participativa ......................................... 50
4.1.1.5 Filosofia da ciência. ● Concepções de ciência. ● A questão do método científico. ●
Contribuições e limites da ciência. ● Ciência e ideologia. ● Ciência e ética .......................................... 64
4.1.1.6 Estética. ● Natureza da arte. ● Filosofia e arte. ● Categorias estéticas – feio, belo, sublime,
trágico, cômico, grotesco, gosto etc. ● Estética e sociedade ................................................................. 74

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4.1.1.1 Mito e Filosofia. ● Saber mítico. ● Saber filosófico. ● Relação
Mito e Filosofia. ● Atualidade do mito. ● O que é Filosofia?

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PRÉ-SOCRÁTICOS: DO MITO AO LOGOS OU A ORIGEM DA FILOSOFIA1

A filosofia nasceu com o surgimento de uma nova forma de investigar a realidade (physis). O
pensamento filosófico representou uma ruptura com a tradição mitológica, que explicava a harmonia da
natureza, as estruturas sociais e muitas outras coisas através do simbolismo da mitologia. O pensamento
mítico é um recurso comum a todos os povos da antiguidade, mas, ainda assim, era uma forma de
racionalidade.
O verão e a primavera, por exemplo, eram causados pela visita de Perséfone ao Olimpo, e sua volta
ao reino de Hades tinha como efeito o outono e o inverno. A tempestade e o trovão eram causados por
Zeus, deus dos raios e autoridade máxima entre os deuses. Os nobres gregos seriam descendentes dos
deuses do Olimpo, portanto, tinham linhagem divina. Esses são exemplos do pensamento mítico que será
superado pelos primeiros filósofos.
A investigação racional da physis, que tem sua origem com Tales de Mileto, inaugura uma postura
investigativa que abandona, em certa medida, as explicações mitológicas.
A tradição filosófica, graças à incrível obra de Aristóteles (que registrou o pensamento dos pré-
socráticos), considera que Tales foi o primeiro a perguntar pelo princípio originário de todas as coisas
(Arché). Motivado pela admiração típica dos filósofos, Tales observou o movimento de geração e
corrupção da natureza, e concluiu que na multiplicidade dos seres existe uma unidade, um elemento
comum a todos. Através da indução, o primeiro filósofo avaliou casos particulares para concluir que a
água é o princípio da existência, elemento sem o qual a physis não seria possível.
Percebe-se assim uma forma de investigar baseada na observação e no pensamento racional, sem
recorrer à mitologia. Os demais filósofos pré-socráticos seguirão o exemplo de Tales. Anaxímenes,
Anaximandro, Parmênides, Heráclito e outros irão também investigar a natureza e chegar a outras
respostas. Entre eles teremos ainda duas fases: uma que busca o princípio físico e outra conceitual, que
investiga o Ser.
Heráclito sugere que a realidade é ordenada por uma razão universal (Logos). A razão, portanto, não
é propriamente humana. O homem apenas consegue exprimir o Logos através da linguagem. A
contemplação da physis nos leva a perceber essa razão universal.
Mas todos eles terão uma característica marcante: a ruptura com a mitologia, a investigação racional
e a busca pela unidade na multiplicidade. Não são explicações que repousam na tradição simbólica de
um povo, mas explicações de homens que não deram mais ouvidos ao mito, mas ao logos. Trata-se do
início daquilo que será chamado, séculos depois, de pensamento científico. Como exemplo, observe esta
explicação de Anaximandro, que não recorre a Zeus para explicar o relâmpago:
Segundo Anaximandro, os ventos produzem-se quando os vapores mais sutis do ar se separam e quando
são postos em movimento por congregação; a chuva resulta da exalação que se eleva das coisas que
estão ao sol, e o relâmpago origina-se sempre que o vento se desencadeia e fende as nuvens. (HIPÓLITO
apud REZENDE, 2008, pg. 22 ).
Apesar disso, o pensamento mítico não foi totalmente abandonado. A riqueza simbólica dos mitos são
um sofisticado recurso de linguagem para falar sobre coisas de difícil compreensão. Aquilo que pode ser
compreendido pela razão é desmistificado (como o relâmpago). Contudo, para aquilo que permanece
mistério os mitos são ainda nosso melhor recurso. Talvez por isso Tales tenha afirmado que “tudo está
cheio de Deuses “, e Heráclito, ao surpreender alguns convidados com a simplicidade de sua casa,
afirmou: “mesmo aqui, os deuses estão presentes”.

1
CARNEIRO, ALFREDO. Pré-Socráticos: do mito ao logos ou a origem da filosofia. Filosofia na rede. https://bit.ly/2TxFjza

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O Logos e o Surgimento da Filosofia
Heráclito criou o termo Logos para referir-se à razão dinâmica que governa a physis.
“Tudo flui” (Panta Rhei), e “o mesmo homem não se banha duas vezes no mesmo rio”. Na natureza
tudo nasce, cresce e perece. E volta a nascer em eterno devir. Heráclito comparou o Logos ao fogo. A
realidade é eterna e circular, não existindo um momento de criação. Essa perspectiva circular é
radicalmente oposta da linear, estabelecida por Platão, pelo judaísmo e pelo cristianismo, onde a
realidade tem um início, um criador e um fim. Heráclito foi profundamente admirado por Nietzsche.
Esse momento da história da humanidade, ocorrido na Grécia entre os séculos VII e V a.C, foi chamado
de passagem do mito ao logos. O logos corresponde a uma racionalidade que governa a natureza, uma
harmonia íntima que parece organizar a physis e que foi percebida pelos primeiros filósofos. Assim, os
pré-socráticos passaram a “dar ouvidos ao logos”, e não mais à tradição mitológica. Essa forma de pensar
marcou profundamente a civilização ocidental.
Aqui devemos tomar cuidado com o sentido da palavra logos, ora referindo-se a uma razão universal
que ordena a realidade, ora referindo-se à linguagem e pensamento racional dos homens. Então,
o logos como linguagem seria nada mais que o homem conseguindo exprimir essa racionalidade da
natureza. A razão, portanto, não é uma característica propriamente humana.
Heráclito foi enfático nesse ponto ao afirmar que “dando ouvidos não a mim, mas ao logos, é certo
afirmar que tudo é um”. Muitos séculos depois, Albert Einstein, um dos maiores cientistas da história,
parece ter a mesma percepção de Heráclito ao afirmar que “sem a convicção de uma harmonia íntima do
universo, não poderia haver ciência”.
O termo “pré-socrático” tornou-se pejorativo, pois seria uma filosofia inicial, ainda não amadurecida,
que iria brilhar de fato apenas com Sócrates, Platão e Aristóteles. Mas Nietzsche e Heidegger irão chamar
a atenção para o vigor do pensamento desses filósofos e combater essa visão negativa. Heidegger os
chamou de “originários” e Nietzsche chegou a afirmar que a verdadeira filosofia era feita somente pelos
pré-socráticos, pois valorizava a vida, o mundo e a riqueza simbólica dos mitos, enquanto que a filosofia
iniciada com Platão seria “uma tragédia”, pois voltava-se para um suposto mundo espiritual,
desconectando o homem da realidade da vida, tornando-o fraco e doente.

SABER FILOSÓFICO PARA ESTUDANTES

Tradução do Saber Filosófico para os Estudantes2

A Filosofia é bastante questionada enquanto disciplina, é necessário que os professores, pais, alunos
e sociedade e geral conscientizem de que o ensino não deve ser considerado como uma disciplina a mais
no currículo.
O ideal é que o professor da disciplina tenha em mente o quanto é necessário fazer com que seus
alunos não fiquem dependentes de livros didáticos e nem de ideias dogmatizadas. É preciso desenvolver
o espírito reflexivo questionador, que favoreça a formação de alunos capazes de desenvolver seu próprio
pensamento, formando cidadãos capacitados para enfrentar as diversas situações que poderão surgir em
suas vidas. A Filosofia é fundamental na vida de todo ser humano, visto que proporciona a prática de
análise, reflexão e crítica em benefício do encontro do conhecimento do mundo e do homem.
De forma geral o ensino da Filosofia no Ensino Médio tem sido efetuado com o acento em seu ensino
e não no ato de aprender. Mas o que os professores transmitem quando “ensinam” a filosofia? Transmitem
uma tradição, uma postura ou um conhecimento?
A conclusão mais óbvia, é que os professores limitam a transmitir a tradição do pensamento filosófico,
ou seja, aquilo que foi pensado e produzido pelos filósofos ao longo dos tempos, através de textos
filosóficos, uma vez que, não se ensina a tradição filosófica sem recursos aos textos filosóficos. Porém,
nem todos os pensadores acreditam que a mera transmissão seja suficiente para oferecer aos jovens o
desenvolvimento de um pensamento crítico e autônomo.
O exemplo mais eminente é o de Jacques Rancière, (1940) filósofo francês, professor de filosofia na
Escola Europeia de Pós-Graduação em Saas-Fee e professor Emérito de Filosofia da Universidade de
Paris (Saint-Denis) que dirigindo aos professores franceses afirmou que: “o papel da filosofia nas escolas
deveria o de promover uma experiência de ignorância” coisa que nenhuma outra disciplina é capaz de
fazer. A aula de filosofia não pode ser mais o mero contato que os estudantes têm com esse conhecimento
transmitido, mediado pelo professor. Então, torna-se necessário colocar ênfase no aprender como
processo, e dessa forma, é que o aluno participa e desenvolve a experiência filosófica.

2
ARLINDO NASCIMENTO ROCHA. O Ensino da Filosofia no Ensino Médio. http://www.publikador.com/filosofia/arlindo-nascimento-rocha/o-ensino-da-filosofia-no-
ensino-medio

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O filosofo francês Michel Foucault, por exemplo, caracterizou a atividade filosófica como "uma espécie
de ‘exercício de si, no pensamento’. Isto é, como um trabalho de pensar sobre si mesmo que faz com que
cresçamos e nos modifiquemos como pessoas. Sendo o ensino médio uma fase de consolidação do
jovem, de sua personalidade, de seus anseios, a filosofia tem ai um importante papel e uma colaboração".
(GALLO, 2009, p. 43)
Por isso, os desafios postos pelo ensino da filosofia atualmente, tornam-se necessários não apenas
romper com certas práticas pedagógicas tradicionais, mas também aderir a uma nova concepção de
ensino que visa desviar a centralidade da aula no professor, para ter como centro o próprio aluno. Uma
vez que só existe ensino se alguém aprende. O ensino da filosofia, não deve gravitar em torno da
sabedoria do professor que ensina. O ensino deve girar em torno do aluno não no discurso do professor.
Trata-se, portanto, de colocar do ponto de vista de quem aprende a filosofar e não do ponto de vista de
quem sabe filosofar.
(…) Cada aula de filosofia procura provocar uma sacudidela nos alunos, faze-los “quebrar a cabeça”,
derrubar suas certezas e provocar suas dúvidas, violar suas “virgindades”, faze-los perder
irrecuperavelmente as suas inocências… Exercer violência para provocar no outro um movimento. Um
movimento rumo ao… Imprevisível (…) (GALLO et al., 2009, p. 95).
O objetivo central do ensino da filosofia é introduzir o aluno à filosofia, ou seja, levá-lo para dentro e
inseri-lo numa forma específica de saber, então, a didática do ensino da filosofia deve perseguir em
termos gerais, uma dupla finalidade: a) criar mediações pedagógicas que facilitam o processo de
aprendizagem; b) promover a transição para a construção da capacidade de pensar por conta própria, de
modo que o estudante consiga gradativamente dispensar mediações com a filosofia.
Essas duas dimensões têm de ser obrigatoriamente indissociáveis num projeto educativo que tenha
como horizonte a autonomia intelectual. Como o aluno não tem condições de alcança-la de imediato há
necessidade de mediações. Nessa etapa a função do professor de filosofia, é principalmente a de
intermediário entre o saber filosófico e os alunos que devem ter acesso a ele, mas que ainda não tem
competência suficiente para fazê-lo por conta própria.
Educar filosoficamente é desenvolver uma metodologia filosófica, considerando a diversidade e a
multiplicidade de metodologias. O ensino da filosofia deve ser diverso e plural. Por isso os métodos
socráticos, escolástico, dialético, fenomenológico são possíveis de serem desenvolvidos no ensino médio
o que poderá possibilitar a ação filosofar. Educar filosoficamente remete a três questões: a) o modelo de
educação ao qual se pretende programar o exercício do filosofar; b) a postura do professor, e, c) a forma
de acesso ao filosofar. É importante ter em mente que o papel do professor de filosofia, é filosofar para,
assim permitir os seus alunos a filosofarem…
Porém, o professor de filosofia enfrenta muitos obstáculos na sua tarefa. Especificamente enfatizarei
a “motivação do aluno”, uma vez que, é um equivoco comum atribuir aos alunos o mesmo grau de
interesse que ele próprio possui para a sua área de conhecimento. Convém primeiro, indagar que
motivação pode ter o aluno do Ensino Médio pelo estudo da filosofia. Ao iniciar o estudo na disciplina, o
professor não pode contar com nenhum interesse prévio do aluno pela filosofia, mas deve fazer com que
o aluno adquira o gosto pelas questões filosóficas, partindo dos aspetos concretos da sua vida, refletindo
e formando novos conceitos, que o levam a desenvolver um pensamento cada vez mais abstrato.
Constata-se que o desinteresse pelas aulas de filosofia no Ensino Médio, deriva em boa parte, da falta
de compreensão dos conteúdos ou do fato, de que, muitas vezes, o estudante não consegue encontrar
significação nesse conhecimento, por isso, o professor deve estar atento à prática de ensino que adota
para não favorecer ou alimentar o desinteresse e a indiferença pelas aulas de filosofia. Na impossibilidade
de com o interesse inicial do estudante para a filosofia, deve-se reconhecer a necessidade de construí-
lo. Mas, como criar “um apetite que não existe”?
O interesse pela reflexão filosófica, só poderá ser despertado se os conteúdos se revelarem
significativos para o aluno, inscritos no horizonte pessoal de experiências, conhecimentos e valores. Os
pré-requisitos do aluno devem funcionar como uma espécie de ponto de ancoragem para novas
aquisições cognitivas.
Para que o saber filosófico se torne significativo, motive e desperte interesse, é preciso conceber
estratégias didáticas capazes de estabelecer alguma forma de relação entre esse saber e as referencias
culturais e experiências de que os alunos já são portadores ao ingressar na escola.
A sensibilização do aluno para a filosofia, a possibilidade de que ele se torne receptivo a ela, não é
tarefa fácil, mas também não é impossível. Parece que o desafio inicialmente, mais importante consiste
em descobrir aberturas que favoreçam o acesso para os não-iniciados ingressam no campo filosófico. O
professor de filosofia, entre muitas outras tarefas, tem como objetivo peculiar, o de desenvolver no aluno
o gosto pela reflexão, o espírito crítico amadurecido, a atenção as causas do que ocorre no nosso redor,
tornando-os sensíveis à dimensão ética de cada realidade.

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Definindo educação como “aquisição da arte de utilizar os conhecimentos” (Withehead, 1969, pag. 45)
o filosofo inglês destacava o fato de que a mente humana não é mero “depósito” de conhecimentos –
precisa saber “utilizar” aquilo que se aprende, uma vez que as ideias inertes provocam cegueira espiritual,
e esta redunda em frustração, ou seja, o conhecimento estéril redunda em morte espiritual, morte cultural,
morte civilizacional.
A importância do conhecimento filosófico está no seu uso, em nosso domínio ativo sobre ele, quero
dizer, reside na sabedoria. É convencional falar em mero conhecimento, separado da sabedoria, como
capaz de incutir uma dignidade peculiar a seu possuidor. Não compartilho dessa reverência pelo
conhecimento como tal. Tudo depende de quem possui o conhecimento e do uso que faz dele.
A pergunta sobre o porquê de se ensinar filosofia encontra suporte, por exemplo, se pensarmos na
relação da educação com a sociedade, pois a filosofia é ponto central para a realização final do processo
educativo de encaminhar o indivíduo para a sua autonomia. A produção de uma consciência verdadeira
pressupõe a autonomia do indivíduo. Porém, há que se buscar um caminho que seja caracterizado tanto
pela adaptação quanto pela autonomia.
E a Filosofia se torna cada vez mais importante na medida em que o mercado exige profissionais
especializados, dificultando a reflexão, o levantamento de questões acerca do meio em que vivem; uma
vez que o Ensino Médio não fornece, como afirma Silva (1992, p. 164-165), as bases para que o aluno
possa equilibrar as exigências do mercado com a sua formação cultural, estes profissionais, cada vez
mais, não se reconhecem na sociedade e se transformam em meras peças de uma gigantesca máquina.
Um dos pressupostos filosóficos em relação à educação é o de que educar filosoficamente é uma
forma de crescimento de dentro para fora, e crescer é viver. Para que os alunos cresçam e vivam,
precisam participar ativamente desse processo. A teoria (em tese) produz prática. A escola “parte
integrante da própria vida” não pode, portanto, confinar-se em si mesma, considerando sua principal
função dar lições previamente fixadas por adultos, visando à cobrança da resposta certa, com a
prerrogativa da coação intelectual.
A finalidade da educação filosófica é levar o aluno a participação ativa no sentido, nos valores, na
conduta da sociedade a que pertence. O sentido da educação, não é a educação. O sentido está sempre
além. Transcende. E por isso confere significado. O sentido da educação dá aos educadores e educandos
a certeza de que vale a pena dedicar-se às tarefas exigidas na busca de conhecimento.
O processo de emancipação do indivíduo cabe à Filosofia, a partir de sua reflexão radical, rigorosa e
de conjunto, utilizar essas ferramentas para que seja, então, possível essa emancipação. Isso não
significa afirmar que a Filosofia está acima das outras disciplinas; ocorre que elas não têm como
potencialidade prioritária emancipar o sujeito, enquanto, em algum sentido, a reflexão filosófica busca
ativar essa potencialidade. De todo modo, a Filosofia torna-se “inútil” quando as outras disciplinas não
fornecem a base cultural para que a Filosofia possa articulá-la, pensá-la e repensá-la.
E, pelo fato da Filosofia não ser fechada em si mesma, há – no que diz respeito aos seus conteúdos –
uma história de como as problemáticas foram surgindo, ganhando formas, respostas e contra-respostas
e a questão a ser colocada agora é como essa história da Filosofia deve ser trabalhada. A implementação
de determinadas práticas de ensino, depende da concepção que se tenha do processo ensiono-
aprendizagem em geral e da filosofia em particular. A postura tradicional ainda não foi inteiramente
abandonada. Em oposição a essa postura, passou a ser enfatizada uma conduta pedagógica mais
centralizada na aprendizagem, não apenas na aquisição de conteúdos, mas também no desenvolvimento
das capacidades e habilidades capacidades cognitivas.
A escolha consciente ou inconsciente de uma das duas lógicas de ensino conduz a práticas
pedagógicas bem diferenciadas. A primeira remete para uma didática centrada na exposição centrada na
exposição do professor, enquanto que a segunda privilegia o processo ativo de construção do
conhecimento com base nas atividades do aluno e na interação com o professor e com colegas da classe.
Concepções semelhantes estão de algum modo, implícitas na confiança que os professores depositam
na aula expositiva, como exercício pessoal de reflexão diante dos alunos. Expressa uma crença didática
muito antiga e arraigada na classe docente, segundo o qual o aluno aprende a filosofar ouvindo o mestre.
Isso não quer dizer que a aula expositiva não tenha sentido ou não seja necessária em muitos momentos.
Ao contrário, ele permite explicitar o envolvimento pessoal do professor com o processo educativo ao
apresentar a sua própria elaboração sobre o conhecimento filosófico.
O conteúdo filosófico em sala de aula não deve ser trabalhado somente a partir textos filosóficos, mas
também de filmes, anúncios, músicas, teatro, artes visuais, de todos os materiais que podem ser
coletados na Internet. É um trabalho que precisa do auxílio das outras disciplinas, das outras matérias,
uma vez que se pode produzir muito mais “experiência de pensamento” com um jovem usando a pichação
que ele vê nas ruas, do que um livro da biblioteca, com uma cena de uma telenovela ou mesmo um
problema do cotidiano.

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A aula pode ser um “campo de guerra” onde as armas são as ideias, os argumentos e os contra-
argumentos, ou um lugar de encontro de partilha, pesquisa e de formação cidadã. Sob a orientação e
supervisão do professor os alunos precisam debater, conversar, discutir, refletir sobre o sentido de estar
no Ensino Médio e na sala de aula e, inclusive, de permanecer nela ou modificá-la.. É preciso desenvolver
a consciência de que a escola é uma comunidade. A ausência dessa consciência é nociva para a
educação, para qualquer prática que se torna, deste modo, irreflexiva, cega e perdida.
O professor de filosofia deve ensinar aos seus estudantes a prática mais complexa de nossa época, e
da qual a nossa sociedade é tão carente, a do diálogo como elemento de qualquer método válido em
filosofia. Por isso, é um imperativo aplicar o diálogo em sala de aula sempre, porém, o diálogo só acontece
no processo do convite ao diálogo, ou seja, o professor deve estimular a participação dos alunos por
forma a adquirirem paulatinamente o poder de organizar suas ideias e expô-las com propriedade.
Atualmente existe consenso entre os educadores na defesa do papel ativo do estudante no processo
de aprendizagem. É preciso opor à passividade do aluno, por isso, torna-se necessário conceber
estratégias interativas de ensino. O ensino tradicional em que o aluno tinha um papel basicamente
receptivo, não atribui muita importância a participação ativa do aluno. Mesmo nas escolas de hoje que
pregoa o caráter ativo da aprendizagem, ainda é muito comum restringir as atividades dos alunos à função
da avaliação.
A participação ativa do aluno, principalmente na aula de filosofia, assume um papel fundamental, por
isso, o professor pode usar diferentes estratégias para as suas aulas, tais como: o dialogo, a discussão,
a disputa e o debate. Essas estratégias ajudam a reforçar a elaboração de um pensamento não
dogmático. O diálogo é uma atividade espontânea, sem uma preparação antecipada; a discussão possui
um caráter informal e nela a preparação também tem um papel secundário; a disputa tem como objetivo
a defesa do próprio ponto de vista, contra outras posições; o debate por sua vez, é mais estruturado que
a discussão e mais aberto ao confronto que a disputa. (Ruffaldi, 2004).
Uma das tarefas mais difícil é a avaliação utilizada como instrumento de fiscalização da aprendizagem.
Nas posturas pedagógicas menos tradicionais, passou a entender a avaliação como meio educativo,
resultando em propostas inovadoras em relação aos seus vários aspetos: o que, como e para que avaliar?
Em filosofia, como em qualquer outra área é importante determinar previamente os aspetos a serem
avaliados, assim como os critérios, embora a avaliação em filosofia deva ser mais flexível, uma vez que,
a educação filosófica é um investimento a longo prazo, cujos resultados imediatos não têm tanta
relevância.
Os professores, dentro da sala de aula, no Ensino Médio, precisam de aparatos conceituais e
experiências que justifiquem e orientem suas ações e seus critérios avaliativos. E mais: que lhes garantam
uma crítica consistente à avaliação enquanto mero dispositivo institucional e a consequente possibilidade
de torná-la um modelo justo, constituído de concepções filosóficas e educacionais também muito bem
fundamentados.

O MITO NA SOCIEDADE ATUAL

Os Mitos e a Sua Origem3


Os mitos podem ser entendidos como representações de verdades profundas da mente, e as uniões
deles em conjunto, de acordo com suas origens, formam as diversas mitologias que conhecemos. A
consciência humana afirma-se desde sua origem como estrutura do universo. Na antiguidade, o mito reina
sem rival, pois é um tempo em que o mito não é reconhecido como tal. Analisaremos a evolução dos
mitos dentro da sociedade grega e de como ele se adapta à realidade e à cultura de um determinado
povo. Analisar a importância do mito na explicação do mundo grego é falar de como, aos poucos, ele foi
se desligando da totalidade da realidade para se tornar algo particular de determinada parcela da
população.
Ainda como parte da reflexão, analisaremos a ligação do mito com a explicação da realidade e de
como ele une determinados grupos, os quais encontram no mito um ponto em comum. Deve-se entender
a linguagem do mito enquanto objeto de uma experiência numinosa (sagrada) arcaica. Esta experiência
da linguagem está profunda e inextricavemente ligada a uma certa concepção arcaica da linguagem, a
uma certa concepção arcaica de tempo, a uma concepção arcaica de Ser e de Verdade.
O mito é para quem o vive, uma forma de realidade, é para o mundo inteligível que dele nasce, uma
totalidade indefinível. Configura o mundo em seus momentos primordiais, relata uma história sagrada;
propõe modelos e paradigmas de comportamento; projeta o homem num tempo que precede o tempo;
situa a história e os empreendimentos humanos num espaço indimensionável, define os limites
3
Maiquel José Seleprin. O Mito na Sociedade Atual.
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/FILOSOFIA/Artigos/O_mito_na_sociedade_atual.pdf.

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intransponíveis da consciência e as significações que instalam a existência humana no mundo. O mito é
uma forma de narrativa. Os mitos apresentam-se como possível explicação ou interpretação da realidade
e dos acontecimentos. Para quem vive o mito, ele é a única história verdadeira, proposta numa linguagem
acessível à gênese do mundo, das coisas e do homem. Os mitos reproduzem ou repropõem gestos
criadores e significativos, que permanecem sustentando a realidade constituída.
A realidade mítica é sempre cósmica, porque todas as coisas propostas constituem um cosmos. Não
são objetos perdidos num todo desordenado. O cosmos mítico não é opaco e fixo em sua realidade
ontológica. É um mundo ordenado e vivo, transparente, harmonioso, festivo, mas, acima de tudo,
profundamente coeso em sua unidade. O mundo real apresenta-se sempre como uma totalidade. A
realidade é uma só, em sua consistência final.
O sobrenatural está presente na natureza, participando na constituição dos fenômenos vividos ou
admirados. Isto não significa que os homens fechassem os olhos diante da realidade e dos fenômenos
da natureza. Eles percebiam a existência de fenômenos naturais, como a chuva, a tempestade, a maré,
a vegetação, a seca, a umidade, o vivo e o não-vivo, e percebiam igualmente a relação que há na
natureza, entre causa e efeito, bem como a diferença entre condições favoráveis e desfavoráveis. Não
possuem, porém, nenhuma razão para refletir sobre as ligações entre fenômenos que se verificam
sempre. Acontecem por si, existem, aproveita-se deles e isto basta.
Se analisarmos a obra de Aristóteles, A Poética, podemos distinguir três significados para o mito: uma
forma atenuada de intelectualidade; uma forma independente de pensamento ou de vida e ainda como
um instrumento de controle social. O mito entre os clássicos é tido como uma forma inferior ou até mesmo
deformada do pensamento intelectual, ou seja, os gregos atribuíram ao mito apenas uma verossimilhança
com a verdade. Juntamente com essa inferioridade atribuída ao mito, em determinados casos, é atribuída
uma validade religiosa e moral.
Essa atribuição se dá devido à incapacidade de se poder demonstrar claramente a sua validade
através de raciocínios abstratos o que no campo da moral e da religião, não se faz mister provar a sua
validade através de raciocínios lógicos. Assim, o mito ensina o homem a ter certa conduta em relação
aos seus semelhantes e outra em relação aos deuses. Entre os gregos, o mito sobressai-se como uma
forma autônoma de pensamento e de vida. O mito possui vida própria, ele não precisa de uma validação
por parte do intelecto, o que não faz com que ele deixe de ter o seu grau e validade entre os homens,
principalmente entre o grupo de pessoas no qual nasceu. O mito desempenha uma função social, ou seja,
determinado grupo de pessoas une-se e tem no mito o principal ponto de união.
A função do mito não é, primordialmente, explicar a realidade, mas acomodar e tranqüilizar o homem
em um mundo assustador. Para o filósofo romeno Mircea Eliade (2002) uma das funções do mito é fixar
modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas. Dentro da
sociedade grega antiga, os mitos são de natureza sobrenatural, como, por exemplo, o mito preocupado
com a origem divina da técnica, da natureza divina dos instrumentos, da origem da agricultura, da origem
dos males, da fertilidade das mulheres, do caráter mágico das danças e desenhos etc. Percebe-se nestas
formas míticas de explicar o mundo, uma profunda relação entre mito e natureza.
Antes de iniciar a exposição da presença e da função do mito na sociedade grega do século IX ao VI
a.C., exporemos e analisaremos brevemente o Mito de Prometeu, o qual é o primeiro mito do qual se
possui uma referência escrita. Esse mito foi escrito por Hesíodo (século VIII a.C.) e está presente em
duas obras suas, na Teogonia e em Os Trabalhos e os Dias. Eis o mito:
Condenados, desde o seu nascimento, aos tormentos e aos cuidados, os primeiros homens não
tinham, para nutrir-se, senão frutas cruas e carnes sangrentas. (...) Tomado de piedade por sua miséria,
Prometeu, para colocar os homens em situação de viver melhor, de defender-se com armas eficazes
contra as feras, de cultivar com instrumentos adequados a nutriente Terra, resolveu dar-lhes o fogo e
ensinar-lhes, com a arte de trabalhar os metais, os meios de escapar à sua deplorável e lamentável sorte.
(...) Aproximando-se das forjas abrasadoras de Hefestos, roubou uma centelha do fogo que fundia os
metais (...) e levou-a, como oferenda, aos homens. A humanidade desde então conheceu, com o fogo, a
felicidade de viver melhor, de comer um alimento menos selvagem, de aquecer-se, de receber a luz. Mas,
em sua alegria imoderada, ela julgou-se igual aos poderes divinos, esquecendo seus deveres para com
os mesmos. Zeus, então, que não quer que os homens saiam dos justos limites, colocando seus desejos
mais altos que seus destinos, resolveu castigar aquele cujo roubo havia ocasionado esta presunção
sacrílega. Transportou Prometeu para o mais alto cume do Cáucaso e mandou Hefestos pregar o Titã a
um rochedo escarpado. Contra a vontade, o divino ferreiro obedeceu.
(...) Para cúmulo do infortúnio, todas as manhãs, uma águia de asas abertas ia pastar em seu fígado
imortal, e esse monstro de garras recurvas devorava, durante o dia, tudo quanto, à noite, aí podia
renascer. Esse suplício deveria durar mil anos, mas, ao fim de trinta anos, Zeus, apaziguado, perdoou o
culpado, consentindo então em introduzi-lo entre os Bem-aventurados.

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No mito de prometeu existe, de um lado, o homem, o qual age no mundo, e do outro, os deuses, os
quais punem ou recompensam. No mito o homem é caracterizado como previdente/sutil e ao mesmo
tempo irreflexivo/estúpido. Os deuses e os homens estão separados. Este último recorre ao primeiro para
tentar explicar o seu mundo. Essa divisão se inicia justamente com o mito prometéico. No Mito de
Prometeu estão correlacionados os vários âmbitos da sociedade grega: o fogo (como significando o
roubado); a mulher e o casamento (que implica o nascimento e a morte); a agricultura de cereais e o
trabalho. Dentro da sociedade grega, esses aspectos sociais servem como um quadro de referência para
a definição do homem, o qual é diferente dos animais e dos deuses, ou seja, todos os traços que o Mito
de Prometeu retém para diferenciar os homens e os deuses, também podem ser usados para fazer a
diferenciação entre homens e animais.
A concepção de mito que temos é uma herança de nossa cultura ocidental. O mito nos é apresentado
como aquilo que não é. Ele se opõe ao real, por um lado, e ao racional, por outro. Dessa maneira, para
obter uma compreensão do que é o pensamento mítico, precisamos partir dessa moderna forma de
interpretação. Quando nos referimos a um determinado mito, faz-se mister estar consciente do que está
presente no contexto daquele determinado mito. Todo mito tem um estatuto social e intelectual; todo mito
tem a sua linguagem e o seu pensamento próprio.

Mito na Sociedade Grega


Para os gregos, a forma mítica antecede o nascimento do pensamento filosófico. O mito foi a primeira
maneira encontrada pelo homem para explicar a realidade na qual se encontrava imerso. Os gregos
conceituavam o mito como uma intuição compreensiva da realidade fundamentada na
emoção/afetividade, o mito expressa aquilo que o homem deseja e o que ele teme. É um relato fabuloso
de algo que ocorre no tempo, na história e no começo das coisas; é um relato que personifica as forças
do bem e do mal. O mito surge frente a situações limites para o homem. A força do imaginário coletivo é
a sua principal força, ele precisa da força da palavra; não é apenas a explicação para algo que se
compreende, mas também o acomodante e o tranquilizante para o mundo que se apresenta como
assustador.
Antes de surgirem os sofistas, e depois também, mas não mais com tanta intensidade, a sociedade
grega era muito religiosa. Percebemos a religiosidade grega através do grande Panteão de deuses. Na
sociedade grega, os homens e os deuses possuíam vínculos muito estreitos. Para termos uma ideia, um
deus grego era caracterizado por ter aparência de homem, mas um homem perfeito, ou seja, dotado de
todas as capacidades humanas com um poder divino. Essa visão grega dos deuses influenciou em muito
toda a sociedade. Como os gregos temiam os castigos que provinham dos deuses, castigos que, às
vezes, não afetavam apenas um único indivíduo, mas poderiam até mesmo atingir toda a comunidade.
Para manter a ordem dentro da sociedade, as regras e os ritos eram usados para demonstrar o respeito
para com as divindades e eram rígidos e deveriam ser seguidas fielmente. Os deuses moravam no
Olimpo. Entretanto, esporadicamente, um deus visitava a terra e tinha algum tipo de relação com os
humanos, por exemplo, Zeus, que se uniu a uma mulher humana, união da qual nasceu Hércules (figura
mítica que era meio homem e meio deus). Tudo dentro da sociedade grega era sagrado. Os gregos
tinham deuses para tudo: deus da guerra, deusa do amor, deus do submundo etc. Daí o vínculo estreito
entre os homens e os deuses. Isso na época em que somente o discurso oral do mito existia.
Com o nascimento do pensamento filosófico, o qual se deu primeiramente na Grécia, o mito,
justamente com a sua explicação do início do mundo, perdeu a sua importância. Os primeiros filósofos,
os quais estavam preocupados em descobrir a arché, o princípio, que teria dado a existência ao mundo,
trouxe uma nova forma de ver e também de tentar dar uma explicação da origem do mundo físico. Com
o surgimento dessas novas formas de ver o mundo, o mito começou a ser questionado pelos gregos e,
aos poucos, descartada a sua explicação de mundo. Os filósofos começaram a questionar a relação que
os homens possuíam para com os deuses, pois, os deuses não poderiam ter formas iguais aos humanos
e serem apenas um aperfeiçoamento do homem comum.
O mito começa a perder o seu prestígio e o seu encanto a partir dos sofistas. A narração mítica, nos
diferentes grupos onde surgia, compreendia um discurso agradável a quem quer que fosse o ouvinte. Era
uma forma de encantamento, o qual envolvia o ouvinte e a todos que o ouviam, processo que fazia surgir
nas pessoas uma comunhão afetiva. Com o início da sofística e dos discursos lógicos, o mito começou a
perder o seu encantamento. A sofística trouxe consigo uma determinada maneira de se discursar, a qual
deveria obedecer a uma sequência lógica de pensamentos. Iniciou-se a redigir os mitos, deixando de ser
o mito apenas um discurso oral. Com o início da redação dos mitos, a narrativa tornou-se algo que
obedecia às normas, as quais deveriam ser observadas na escrita da época. A narrativa mítica perde a
sua identidade de narração livre e tornasse um discurso medíocre, que a partir de agora está preso às
regras linguísticas. As regras da escrita prendem o mito, pois, agora o próprio texto terá que se sustentar

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autonomamente, deverá ser escrito de forma que possa sustentar-se a si mesmo, ou seja, as regras
“exigem de um discurso que este seja a cada momento capaz de prestar contas a quem as pede ou, o
que dá no mesmo, de prestar contas de si, dando claramente a entender do que fala como fala do assunto
e o que diz dele.”
A linguagem empregada pelos autores como Hesíodo e Homero desapareceu para dar lugar às
dissertações filosóficas, as quais começaram a ser escritas pelos sofistas. A partir do historiador Tucíades
(século VIII a.C.), o pensamento grego toma um rumo diferente. Os textos que começaram a surgir nesse
período referiam-se a coisas que aconteciam no quotidiano das pessoas, coisas que foram vividas, o que
exigia do texto uma ligação desse com a verdade. O mito, que era lido como algo que aconteceu em
épocas anteriores, não está em vias de poder ser comprovado pela experiência. Esse fato criou certa
suspeita quanto ao seu conteúdo, pois, quem poderia dar alguma certeza de que aquilo que estava sendo
dito ou escrito sobre os deuses e sobre a criação do mundo, de fato acontecera daquela maneira. Assim,
os escritos míticos, foram aos poucos perdendo os seus valores iniciais e apenas considerados como
lendas ou fábulas, o que, aliás, se pensa atualmente sobre os mitos antigos.
Para os gregos, o mito era o único que conseguia dar conta de como a mundo teria sido criado. A
origem de todas as coisas estava contida nas narrativas mitológicas. O grego buscava no mito a razão
dele estar no mundo, de desempenhar a tarefa que estava desempenhando. Tudo girava em torno dessa
explicação, pois, era a única que conseguia dar um sentido para a existência do homem no mundo. O
mito estava presente em todas as classes sociais da Grécia e interferia diretamente em todas as relações
entre os indivíduos e nas relações do homem para com as divindades.
Para concluirmos a nossa explicação quanto ao mito na Grécia, cabe uma última colocação. Em
nenhuma outra sociedade da antiguidade percebe-se o quanto o mito inspirou e guiou a tragédia, a
comédia, a poesia épica e as artes plásticas. Outro aspecto significativo e não menos importante foi a
análise detalhada e penetrante do mito, o que fez com que os mitos fossem desmistificados. Podemos
concluir que o mito estava presente no dia-a-dia dos gregos e usado por estes para explicar as suas
regras de vida, além de ser uma expressão do seu mundo literário.

Mito no Contexto Atual


O mito possibilita ao homem um conhecimento anterior das coisas, que aquilo ao qual ele se empenha
já foi feito por alguém, excluindo toda e qualquer dúvida. Poderíamos nos perguntar: Por que temer em
fazer uma expedição marítima quando um Herói mítico já a efetuou em um tempo fabuloso? Basta apenas
que se siga o seu exemplo. Essa visão de mundo permite ao homem das sociedades onde o mito é algo
presente e vivo uma visão aberta do mundo, mesmo quando este lhe parece fragmentado e misterioso.
O mundo, no qual o homem se encontra, constantemente lhe está falando. Para que este homem
possa compreender o mundo no qual se encontra, a linguagem e o conhecimento dos mitos são
fundamentais para que se possa aprender a decifrar os símbolos.
A vida de todo o homem não acontece num mundo opaco e inerte. O homem, a partir do momento em
que consegue decifrar e fazer a leitura do mundo que está à sua volta, depara-se com o mistério. Os
gregos percebiam que a Natureza, ao passo que permite o conhecimento de determinadas realidades
sobrenaturais, do outro, camufla e esconde. Esse movimento da Natureza é para o homem grego o
mistério fundamental e irredutível que acontece no mundo. O conhecimento que o homem adquire sobre
a Natureza somente é possível porque ele se utiliza da mesma linguagem, que é o símbolo. Sendo a
narração mítica impregnada de simbolismos, torna-se a forma mais confiável e verdadeira de explicação
das coisas sobrenaturais. Portanto, na sociedade grega, os mitos alcançaram tamanha popularidade
devido ao seu fantástico enredo, criando para tanto na comunidade modelos e fontes de inspiração.
Em nossa sociedade moderna, muitos comportamentos míticos ainda aparecem aos nossos olhos,
não que isto se trate de uma sobrevivência da mentalidade antiga, mas devido a alguns aspectos e
funções do mito, os quais fazem parte do ser humano.
Percebemos como na sociedade grega o mito era um retorno às origens, retorno este que pode ser
feito de diversas maneiras. Esse mérito do retorno às origens está fortemente presente na sociedade
europeia, ou seja, quando é tomada a cabo alguma inovação, está é apresentada e concebida como um
retorno ao tempo primordial. Citaremos dois exemplos para facilitar o entendimento dessa questão: o
primeiro, é a Reforma na Igreja Católica. A Reforma iniciou um retorno à Bíblia e fez com que a Igreja
como um todo ambicionasse e vivesse a antiga experiência dos primeiros cristãos. O segundo exemplo
é o da Revolução Francesa. Esta revolução possui como fontes de inspiração as sociedades de Esparta
e de Roma.
No início da modernidade, a questão da origem era algo que denotava uma importância e um prestígio
fascinantes, pois, se dizia que, se houvesse uma origem bem estabelecida, como resultado ter-se-ia uma
sociedade nobre. “Temos a nossa origem em Roma! ’, repetiam com orgulho os intelectuais romenos dos

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séculos XVIII e XIX”. No início do século XIX, a ideia de uma origem nobre gerou na Europa Central e no
Sul-Oriental uma insaciável paixão pela história nacional, uma paixão que remontava as fases mais
antigas dessas nações. Essa paixão pelas origens nacionalistas, rapidamente despertou nas nações e
tornou-se um instrumento de propaganda e, mais ainda, um instrumento de luta política. Percebemos
claramente como o mito está vivo e como está se tornando um meio de enaltecimento e até de conflitos
entre os povos. Esse forte desejo de provar a origem nobre de cada uma dessas nações europeias
dominou de tal forma o pensamento dessas sociedades que acabou caindo num provincialismo cultural.
Como exemplo desse provincialismo cultural, dessa paixão pela “origem nobre”, temos o mito racista do
arianismo, o qual foi revalorizado e difundido no Ocidente principalmente pela Alemanha. Não insistiremos
no contexto sociopolítico desse mito, mas na sua origem. O Ariano pretendia-se um representante do
ancestral primordial, dessa forma possuindo uma origem nobre. Sendo de uma origem nobre, ele estava
dotado de virtudes, as quais não haviam ainda sido assimiladas por todos, sobretudo daqueles ideais que
remontavam às revoluções de 1789 e 1848. O homem ariano pretendia-se o modelo exemplar, devendo
por isto ser seguido e imitado por todos, pois, acreditava-se que dessa forma se recuperaria a pureza das
raças, da força física e de um princípio onde tudo fora glorioso.
Em nossa sociedade, as estruturas míticas estão fortemente presentes nas imagens e nos
comportamentos que são impostos às pessoas através da mídia. Esse fenômeno é mais perceptível
principalmente na sociedade dos Estados
Unidos. As personagens das histórias em quadrinhos trazem presentes em seus desenhos e em seus
diálogos os heróis mitológicos ou folclóricos. Essas personagens encarnam de tal maneira os ideais da
sociedade que, a qualquer mudança que aconteça nas suas formas de agir ou, em casos mais
específicos, em se tratando da morte de um herói dos quadrinhos, ocasiona verdadeiras crises nas
pessoas que são leitoras assíduas dessas histórias. Como exemplo para ilustrar essa nossa afirmação,
usamos o exemplo do herói chamado Superman. Esse personagem dos quadrinhos tornou-se popular
devido a sua dupla identidade. “[...] oriundo de um planeta destruído por sua catástrofe, e dotado de
poderes prodigiosos, ele vive na Terra sob a aparência modesta de um jornalista, Clark Kent; Clark se
mostra tímido, pagado, dominado por sua colega Miriam Lane.” Em suma, esse mito do Superman,
representa os anseios do homem moderno, o qual, consciente da sua limitação, sonha com um futuro
brilhante, de um vir a se tornar alguém importante, um herói.
Outra demonstração do mito em nossa sociedade são os romances policiais. A pessoa que é leitora
desse gênero de literatura depara-se com a narração de uma luta entre o bem e o mal, entre o herói e o
criminoso. Essa leitura desperta nas pessoas, de forma inconsciente, uma projeção e uma identificação
dela com a história. O leitor tem a nítida sensação de estar envolvido numa trama perigosa e heroica.
Os comportamentos míticos podem ser percebidos em toda forma de obsessão pelo sucesso, o que é
algo muito forte na sociedade moderna, pois, a pessoa projeta nos heróis míticos que são apresentados
pela sociedade o seu obscuro desejo de transcender a condição humana. Eliade cita como exemplo, o
culto que prestamos aos automóveis. Para que as lojas consigam obter sucesso nas vendas de seus
automóveis fazem de tudo para encantar e conquistar os seus compradores. Podemos comparar esse
“ritual” da venda com um ofício litúrgico.
(...) basta visitar o salão anual do automóvel para nele reconhecer uma manifestação religiosa
profundamente ritualizada. As cores, as luzes, a música, a reverência dos adoradores, a presença das
sacerdotisas do templo (as manequins), a pompa e o esplendor, o esbanjamento de dinheiro, a multidão
compacta - tudo isso representaria, em qualquer outra cultura, um ofício nitidamente litúrgico. O culto do
carro sagrado tem os seus adeptos e iniciados.
Outra forma de comportamento mítico são os chamados mitos da elite, os quais se apresentam ao
público nas criações artísticas e na sua grande repercussão social e cultural. Esse tipo de mitos atingiu
um êxito muito grande quando saiu dos círculos artísticos fechados, devido ao grande complexo de
inferioridade do público em geral e pela precariedade dos círculos artísticos tradicionais. Os atuais
artistas, como em nenhuma época passada da história, estão cientes de como é vantajoso ser audacioso,
iconoclasta e absurdo, pois, quanto mais aparecem essas qualificações, tanto mais o artista será
reconhecido, mimado, idolatrado. Essa forma de proceder dos artistas leva-os a amoldarem-se conforme
a imagem mítica, aparecendo estranhos e sempre produzindo algo de novo. Esse fenômeno cultural
torna-se cada vez mais significativo e tanto mais considerável por não mais haver uma tensão entre os
artistas, os críticos e o público, pois, na atualidade, todos estão sempre de acordo. A única coisa que
realmente importa, é que não se venha, um dia, a ter que admitir que não se compreendesse a real
importância de uma nova experiência artística.
Frente esta mitologia, que está presente nas elites modernas, são possíveis algumas considerações.
Primeiramente, falaremos do lugar que ocupa a redentora função da dificuldade, sobretudo como ela se
apresenta nas obras de arte moderna. Se as pessoas sentem um desejo de ouvir música atonal é porque

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essa obra representa um mundo fechado e, a penetração por parte de alguém que não faz parte desse
mundo, é algo dificultoso, o que poderia ser comparado aos ritos iniciatórios das sociedades antigas, onde
o jovem deveria passar por uma série de provas antes de poder ser considerado membro de um grupo.
Entretanto, se de um lado existe este sentimento de iniciação, o qual se extinguiu do mundo moderno,
por outro lado, proclama-se aos outros que se é membro de um determinado grupo.
Essa atração pela dificuldade impossibilita a descoberta de um novo sentido. As pessoas têm o sonho
de serem iniciadas, em poder fazer a leitura e compreender o oculto sentido das diversas destruições das
linguagens artísticas. Pois, o que percebemos são cartazes dilacerados, as telas que vemos são vazias
de sentido, os espetáculos são improvisados, os atores decidem por sorte a quem caberá a próxima cena
dentro de uma determinada peça de teatro.
Outro comportamento mítico é o que tange à literatura. É de conhecimento nosso que a literatura,
especialmente a literatura épica e os romances, prolongam a narrativa mítica. Em ambos os casos, é
contada uma história significativa na qual se passa uma série de eventos que ocorreram no tempo
fabuloso. O que queremos ressaltar é que a narração, principalmente o romance, assumiu o lugar que
cabia à recitação dos mitos e dos mais variados contos nas tradicionais e populares sociedades, ou seja,
é possível encontrar dentro dos romances certa estrutura mítica, a qual preza pela sobrevivência literária
de grandes personagens míticos e de temas referentes à mitologia. Podemos daí concluir que o desejo
do homem moderno de gostar da leitura de romances é um profundo desejo seu de ouvir um considerável
número de histórias mitológicas, mas que no romance aparece desacralizada ou camuflada sob uma
forma profana. O que mais aproxima os mitos dos romances é a “saída do tempo” que ambas as narrativas
possibilitam. “O tempo que se ‘vive’ ao ler um romance não é, evidentemente, o tempo que o membro de
uma sociedade tradicional reintegra, ao escutar um mito”. Porém, tanto no mito quanto no romance,
acontece uma “saída” do tempo pessoal e histórico e o mergulho em um tempo fabuloso. O leitor
depara-se com um tempo imaginário, estranho, pois, cada narrativa tem o seu ritmo e o seu tempo próprio,
exclusivo e específico. Porém, o romance não possui o acesso ao tempo primordial dos mitos, mas, na
medida em que é contada uma história fictícia, o autor do romance utiliza-se de um tempo histórico, o
qual dispõe de todas as liberdades do mundo imaginário.
Temos uma tendência quase que natural e uma ideia de que a filosofia, a razão, seria de alguma forma
superior ao mito. A filosofia responderia perguntas que o mito não responde, enfim, teria um traço de
superioridade em relação ao mito. Esse otimismo da razão nós vamos encontrar em Sócrates e em Platão.
A ideia de que existe um bem em si que pode ser alcançado por um desmembramento, por uma dialética,
por um exercício da razão e que esse exercício da razão pode chegar à essência do mundo, enquanto
esse bem em si, está, no caso de Platão, no mundo das ideias. No momento em que não se consegue
chegar ao sumo bem, o que faz a filosofia senão perguntar se o método que está sendo empregado está
sendo bem empregado, pois, em última instância, se eu der o bom funcionamento, o bom desdobramento
do intelecto eu vou chegar ao sumo bem, eu vou chegar a contemplar as ideias. Entretanto, isso é uma
sobrevalorização da razão, que acaba lançando a hipótese, de que o intelecto humano poderia conhecer
a essência do mundo e isso tudo através de um desdobramento, de uma lógica imperturbável que seria
feita, seria dada por um método filosófico.
Na narração mítica vemos que o autor consegue transmitir algo de belo, na medida em que traduz, dá
um significado para isso de que está falando. Ao invés de ver o bárbaro, o grego vê nos seus
antepassados o herói, a beleza de seus heróis, a beleza dos grandes feitos e de certa maneira ele
consegue assimilar essa história.
O mito é tanto uma narrativa fechada ao mesmo tempo em que é uma narrativa aberta. Fechada por
que é determinada pela cultura e presa a isso; aberta porque tenta explicar às outras culturas o seu lugar.
Quando tratamos dos mitos, uma coisa de relevância primordial na nossa mente é que o corpo aprende
antes da mente. O corpo constrói a experiência empírica, constrói o racional. Atualmente, no Ocidente,
nós melhoramos o nosso conteúdo enquanto crescemos e evoluímos. Entretanto, o que está acontecendo
no Ocidente é uma destradicionalização, ou seja, o sagrado está se tornando cada vez mais profano e o
profano sempre mais se aperfeiçoando. Os polos, as direções são diferentes da organização que existia
na época dos mitos. O mito é afetado hoje devido a diversos fatores da globalização Ocidental, e cada
vez mais está tentando explicar a partir de si as mais diversas formas como a realidade se nos apresenta.
Dessa maneira, os traços do comportamento mitológico, aparecem no desejo de novamente encontrar
a intensidade com a qual se viveu em tempos passados, ou que se conheceu; de poder recuperar um
passado distante, uma época que se considera beatífica, o tempo do “princípio”. “Como era de esperar,
é sempre a mesma luta contra o tempo, a mesma esperança de se libertar do peso do ‘Tempo morto’, do
tempo que destrói e mata”.
O mito não é algo que está preso à história, lá no passado, ele continua dizendo o que é o mundo, o
que é o homem hoje, e não apenas por que num determinado momento a ciência não mais conseguiu

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responder ao homem a sua situação, sua condição no mundo. O mito traduz muito do que nós somos no
dia-a-dia, nós falamos de coisas que são míticas. Mito não é nada mais que explicar o seu lugar, onde o
homem pós-moderno vê na sua forma de contato com o mundo um constante retorno aos tempos em que
a simplicidade, a harmonia e a paz reinavam livremente.

FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

O que é Filosofia4

Desde a invenção da palavra “filosofia”, por Pitágoras, temos diversos problemas filosóficos e diversas
respostas a cada um deles.
Para os Pré-Socráticos: a physis;
Para a Filosofia Antiga: a atividade política, técnicas e ética do homem;
Para a Filosofia Medieval, o conflito entre fé e razão, os Universais, a existência de Deus, a
conciliação entre Presciência divina e Livre-arbítrio;
Para a Filosofia Moderna, o empirismo e o racionalismo;
Para a Filosofia Contemporânea, diversos problemas a respeito da existência, da linguagem, da arte,
da ciência, entre outros.

A Filosofia, como conhecemos hoje, ou seja, no sentido de um conhecimento racional e sistemático,


foi uma atividade que, segundo se defende na história da filosofia, iniciou na Grécia Antiga formada por
um conjunto de cidades-Estado (pólis) independentes. Isso significa que a sociedade grega reunia
características favoráveis a essa forma de expressão pautada por uma investigação racional. Essas
características eram: poesia, religião e condições sociopolíticas.

A partir do século VII a.C., os homens e as mulheres não se satisfazem mais com uma explicação
mítica da realidade. O pensamento mítico explica a realidade a partir de uma realidade exterior, de ordem
sobrenatural, que governa a natureza. O mito não necessita de explicação racional e, por isso, está
associado à aceitação dos indivíduos e não há espaço para questionamentos ou críticas.

É em Mileto, situado na Jônia (atual Turquia), no século VI a.C. que nasce Tales que, para Aristóteles
é o iniciador do pensamento filosófico que se distingue do mito. No entanto, o pensamento mítico, embora
sem a função de explicar a realidade, ainda ecoa em obras filosóficas, como as de Platão, dos
neoplatônicos e dos pitagóricos.

A autoria da palavra “filosofia” foi atribuída pela tradição a Pitágoras. As duas principais fontes sobre
isso são Cícero e Diógenes Laércio.

Percebemos, por meio Cícero que:


1) A fonte na qual ele se baseia para escrever sobre Pitágoras é Heráclides Pontico, discípulo de
Platão, mas que era também influenciado pelos pitagóricos. No entanto, não se sabe da veracidade a
respeito dessa informação, como nota Ferrater Mora que também observa que não é possível saber se
“filósofo” para Pitágoras significa o mesmo que significaria para Platão ou Aristóteles.
2) Pitágoras em vez de se denominar como “sábio”, prefere se denominar “filósofo”, ou seja, aquele
que tem amor pela sabedoria. Também percebemos que aparece nome “filósofo” e não “Filosofia” que,
como atividade, tem origem posterior.

O que alguns filósofos dizem sobre O que é a Filosofia:

Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.): “A admiração sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os
homens começaram a filosofar: a princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois,
avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores, como, por exemplo, as fases da lua, o
curso do sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Procurar uma explicação e admirar-se é
reconhecer-se ignorante.”

Epicuro (341 a.C. - 270 a.C.): “Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem o canse fazê-lo
quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a

4
PEREIRA, Wigvan. http://atividadesparaprofessores.com/a-filosofia/?print=print

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saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que
diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz.”

Edmund Husserl (1859 - 1938): “O que pretendo sob o título de filosofia, como fim e campo de minhas
elaborações, sei-o naturalmente. E contudo não o sei... Qual o pensador para quem, na sua vida de
filósofo, a filosofia deixou de ser um enigma?”

Friedrich Nietzsche (1844 - 1900): “Um filósofo: é um homem que experimenta, vê, ouve, suspeita,
espera e sonha constantemente coisas extraordinárias; que é atingido pelos próprios pensamentos como
se eles viessem de fora, de cima e de baixo, como por uma espécie de acontecimentos e de faíscas de
que só ele pode ser alvo; que é talvez, ele próprio, uma trovoada prenhe de relâmpagos novos; um homem
fatal, em torno do qual sempre tomba e rola e rebenta e se passam coisas inquietantes.”

Kant (1724 - 1804): “Não se ensina filosofia, ensina-se a filosofar.”

Ludwig Wittgenstein (1889 - 1951): “Qual o seu objetivo em filosofia? - Mostrar à mosca a saída do
vidro.”

Maurice Merleau-Ponty (1908 - 1961): “A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo.”

Gilles Deleuze (1925 - 1996) e Félix Guattari (1930 - 1993)5: “A filosofia é a arte de formar, de
inventar, de fabricar conceitos... O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência... Criar
conceitos sempre novos é o objeto da filosofia."

Karl Jaspers (1883 - 1969): “As perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada
resposta transforma-se numa nova pergunta”6.

García Morente (1886 - 1942): “Para abordar a filosofia, para entrar no território da filosofia, é
absolutamente indispensável uma primeira disposição de ânimo. É absolutamente indispensável que o
aspirante a filósofo sinta a necessidade de levar seu estudo com uma disposição infantil. (…) Aquele para
quem tudo resulta muito natural, para quem tudo resulta muito fácil de entender, para quem tudo resulta
muito óbvio, nunca poderá ser filósofo”.7

4.1.1.2 Teoria do conhecimento. ● Possibilidade do conhecimento. ● As


formas de conhecimento. ● O problema da verdade. ● A questão do
método. ● Conhecimento e lógica

TEORIA DO CONHECIMENTO8

Posição da Teoria do Conhecimento no Sistema da Filosofia

Enquanto reflexão sobre o comportamento teórico, sobre aquilo que chamamos de ciência, a filosofia
é teoria do conhecimento científico, teoria da ciência. Enquanto reflexão sobre o comportamento prático
do espírito, sobre o que chamamos de valor no sentido estrito, a filosofia é teoria do valor. O campo da
filosofia divide-se portanto em três partes: teoria da ciência, teoria do valor e teoria da visão de mundo.
Uma ulterior divisão dessas partes fornece as principais disciplinas da filosofia. A primeira chamamos de
lógica; a última, de teoria do conhecimento.
Assinalamos, assim, o lugar que a teoria do conhecimento ocupa no conjunto da filosofia. Podemos
defini-la como teoria material da ciência ou como teoria dos princípios materiais do conhecimento
humano. Enquanto a lógica investiga os princípios formais do conhecimento, as formas e leis gerais
do pensamento humano, a teoria do conhecimento dirige-se aos pressupostos materiais mais gerais do

5
GALLO; Sílvio. “Ética e Cidadania – Caminhos da Filosofia, p. 22
6
Introdução ao pensamento filosófico, p. 140.
7
Fundamentos de filosofia, p. 33-34
8
PEDROSO, Claudemir. Resumo Teoria do Conhecimento. http://www.claudemirpedroso.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=125:resumo-
teoria-conhecimento&catid=36:artigo&Itemid=58

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conhecimento científico. Enquanto a primeira prescinde da referência do pensamento aos objetos e con-
sidera o pensamento puramente em si, a segunda tem os olhos fixos justamente na referência objetiva
do pensamento, na sua relação com os objetos. Também podemos definir a teoria do conhecimento como
a teoria do pensamento verdadeiro, por oposição à lógica, definida como a teoria do pensamento carreto.
Começaremos com a apresentação da teoria geral do conhecimento, antes, detenhamos brevemente
nosso olhar sobre a história da teoria do conhecimento.

História da Teoria do Conhecimento

Como disciplina filosófica independente, não se pode falar de uma teoria do conhecimento nem na
Antiguidade nem na Idade Média. É só na Idade Moderna que a teoria do conhecimento aparece como
disciplina independente. Na filosofia continental, Immanuel Kant aparece como o verdadeiro fundador da
teoria do conhecimento. Esse método não investiga a gênese psicológica do conhecimento, mas sua
validade lógica. Em Fichte, o sucessor imediato de Kant, a teoria do conhecimento aparece pela primeira
vez intitulada "teoria da ciência". Em contraposição a esses tratamentos metafísicos da teoria do
conhecimento, o neokantismo, surgido na década de 1860, esforça-se por separar nitidamente o
questionamento metafísico do epistemológico. O neokantismo desenvolveu a teoria kantiana do
conhecimento numa direção muito bem determinada.

Investigação Fenomenológica Preliminar: O Fenômeno do Conhecimento e os Problemas nele


Contidos

A teoria do conhecimento, como o nome já diz, é uma teoria, isto é, uma interpretação e uma explicação
filosóficas do conhecimento humano. Se aplicamos esse método, o fenômeno do conhecimento se nos
apresenta, nas suas características fundamentais, do seguinte modo. No conhecimento defrontam-se
consciência e objeto, sujeito e objeto.
O dualismo do sujeito e do objeto pertence à essência do conhecimento. A função do sujeito é
apreender o objeto; a função do objeto é ser apreensível e ser apreendido pelo sujeito. Vista a partir do
sujeito, essa apreensão aparece como uma saída do sujeito para além de sua esfera própria, como uma
invasão da esfera do objeto e como uma apreensão das determinações do objeto. Surge no sujeito uma
"figura" que contém as determinações do objeto, uma "imagem" do objeto. Visto a partir do objeto, o
conhecimento aparece como um alastramento, no sujeito, das determinações do objeto. Há uma
transcendência do objeto na esfera do sujeito correspondendo à transcendência do sujeito na esfera do
objeto. Pelo contrário, pode-se falar de uma atividade e de uma espontaneidade do sujeito no
conhecimento. Receptividade com respeito ao objeto e espontaneidade com respeito à imagem do objeto
no sujeito podem perfeitamente coexistir. Na medida em que determina o sujeito, o objeto mostra-se
independente do sujeito, para além dele, transcendente.
Todo conhecimento visa ("intenciona") um objeto independente da consciência cognoscente. Parece
existir uma contradição entre a transcendência do objeto em face do sujeito e a correlação constatada há
pouco entre sujeito e objeto. O objeto só não é separável da correlação na medida em que é um objeto
de conhecimento. A correlação entre sujeito e objeto não é em si mesma indissolúvel; só o é no interior
do conhecimento. A essência do conhecimento está estreitamente ligada ao conceito de verdade. Só o
conhecimento verdadeiro é conhecimento efetivo. "Conhecimento não-verdadeiro" não é propriamente
conhecimento, mas erro e engano. O conceito de verdade que obtivemos a partir da consideração
fenomenológica do conhecimento pode ser chamado conceito transcendente de verdade, vale dizer, ele
tem a transcendência do objeto como pressuposto. Ambos visam, com a verdade, a concordância do
conteúdo do pensamento com o objeto.
Como dissemos, o conhecimento possui três elementos principais: sujeito, "imagem" e objeto. Pelo
sujeito, o fenômeno do conhecimento confina com a esfera psicológica; pela "imagem", com a esfera
lógica; pelo objeto, com a ontológica. Enquanto processo psicológico num sujeito, o conhecimento é
objeto da psicologia. A "imagem" do objeto no sujeito é uma estrutura lógica e, enquanto tal, objeto da
lógica. O ser, porém, é objeto da ontologia. Quando se ignora isso e se encara o problema do
conhecimento, de forma unilateral, a partir do objeto, o resultado é o ponto de vista do ontologismo. Poder-
se-ia pensar que a tarefa da teoria do conhecimento estaria cumprida, no essencial, com a descrição do
fenômeno do conhecimento.
O método fenomenológico só pode oferecer uma descrição do fenômeno do conhecimento. De acordo
com o que foi dito, a descrição do fenômeno do conhecimento tem uma significação apenas preparatória.
Distinguimos correspondentemente um conhecimento espiritual e um conhecimento sensível. A fonte e o
fundamento do conhecimento humano é a razão ou a experiência? Essa é a questão sobre a origem do

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conhecimento. Somos conduzidos ao problema verdadeiramente central da teoria do conhecimento
quando fixamos o olhar sobre a relação entre sujeito e objeto. Na descrição fenomenológica
caracterizamos essa relação como uma determinação do sujeito pelo objeto. Pergunta-se qual das duas
interpretações do conhecimento humano é a correta. De forma abreviada, podemos chamar esse
problema de questão sobre a essência do conhecimento humano. Até agora, quando falamos em
conhecimento, sempre pensamos apenas numa apreensão racional do objeto.

Possibilidade do Conhecimento

Dogmatismo
Por dogmatismo (do grego dogma, doutrina estabelecida) entendemos a posição epistemológica para
a qual o problema do conhecimento não chega a ser levantado. O fato de que, para o dogmatismo, o
conhecimento não chega a ser um problema, repousa sobre, uma visão errônea da essência do
conhecimento. Ao contrário, acredita que os objetos de conhecimento nos são dados como tais, e não
pela função mediadora do conhecimento (e apenas por ela). A primeira forma de dogmatismo diz respeito
ao conhecimento teórico; as duas últimas, ao conhecimento dos valores. O dogmatismo ético lida com o
conhecimento moral; o religioso, com o conhecimento religioso. As reflexões epistemológicas estão, de
modo geral, afastadas do pensamento dos pré-socráticos (os filósofos jônios da natureza, os eleatas,
Heráclito, os pitagóricos). Dogmatismo, para eles, é fazer metafísica sem ter antes examinado a
capacidade da razão humana.

Ceticismo
O conhecimento como apreensão efetiva do objeto seria, segundo ele, impossível. Se se referir apenas
ao conhecimento metafísico, falaremos de ceticismo metafísico. Com respeito ao campo dos valores,
distinguimos o ceticismo ético do ceticismo religioso. Finalmente, cabe distinguir ainda o ceticismo
metódico do sistemático. A apreensão do objeto é vedada à consciência cognoscente. Não há
conhecimento. Isso representa uma negação das leis lógicas do pensamento, em especial do princípio
de contradição. Como não há juízo ou conhecimento verdadeiro, Pirro recomenda a suspensão do juízo,
aepokhé. Um conhecimento no sentido estrito, segundo eles, é impossível. O ceticismo também pode ser
encontrado na filosofia moderna. No filósofo francês Montaigne (1592), deparamos com um ceticismo,
sobretudo ético; em Hume, com um ceticismo metafísico. Em Bayle tampouco encontraremos um
ceticismo no sentido de Pirro, mas, no máximo, no sentido do ceticismo médio. Também aqui, porém, há
um conhecimento sendo expresso, a saber, o conhecimento de que é duvidoso que haja conhecimento.
A aspiração ao conhecimento da verdade é, do ponto de vista do ceticismo estrito, desprovida de sentido
e de valor. Nossa consciência ética dos valores, porém, protesta contra essa concepção. Não podemos
afirmar o mesmo do ceticismo especial. O ceticismo metafísico, que nega a possibilidade do
conhecimento do supra-sensível, pode ser falso, mas não contém nenhuma contradição interna. Na
história da filosofia, o ceticismo aparece como antípoda ao dogmatismo.

Subjetivismo e o Relativismo
Não há verdade alguma universalmente válida. O subjetivismo, como seu nome já indica, restringe a
validade da verdade ao sujeito que conhece e que julga. Todo juízo tem validade apenas para o gênero
humano. O juízo 2X2= 4 vale para todo indivíduo humano. O relativismo tem parentesco com o
subjetivismo. Também para ele, não há qualquer validade geral, nenhuma verdade absoluta. Toda
verdade é relativa, tem validade restrita. Os representantes clássicos do subjetivismo são os sofistas.
Esse princípio do homo mensura, como é abreviadamente chamado, muito provavelmente era tomado no
sentido do subjetivismo individual. O âmbito de validez da verdade coincide com o âmbito cultural do qual
provém seu defensor. O subjetivismo e o relativismo padecem de contradições semelhantes às do
ceticismo. O subjetivismo e o relativismo afirmam que não há nenhuma verdade universalmente válida.
No fundo, ambos são ceticismos, pois também negam a verdade, não diretamente, masna medida em
que contestam sua validade universal. Na prática, portanto, eles pressupõem a validade universal das
verdades que negam teoricamente.

Pragmatismo
O pragmatismo chega a um deslocamento valorativo do conceito de verdade porque parte de urna
determinada concepção da essência humana. A verdade do conhecimento consiste na concordância do
pensamento com os objetivos práticos do homem - naquilo, portanto, que provar ser útil e benéfico para
sua conduta prática. O filósofo americano William James (| 1910) é considerado o verdadeiro fundador
do pragmatismo. O erro fundamental do pragmatismo consiste em não enxergar a esfera lógica. Ele

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desconhece o valor próprio, a autonomia do pensamento humano. Certamente, por se acharem inseridos
na totalidade da vida espiritual humana, o pensamento e o conhecimento estão em conexão estreita com
a vida.

Criticismo
Quanto à questão sobre a possibilidade do conhecimento, o criticismo é o único ponto de vista correio.
Devemos distinguir o criticismo enquanto método do criticismo enquanto sistema. Nessa medida, o
criticismo de Kant representa uma manifestação particular do criticismo. A aceitação do criticismo geral
nada significa, afinal, senão reconhecer a teoria do conhecimento como disciplina filosófica autônoma e
fundamental. Seria, de fato, uma contradição alguém querer salvaguardar a possibilidade do
conhecimento pela via do conhecimento. No primeiro passo do conhecimento, esse alguém já pressuporia
aquela possibilidade. Mas a teoria do conhecimento não pretende estar livre de pressupostos nesse
sentido. Muito pelo contrário, parte do pressuposto de que o conhecimento é possível. A partir desse
ponto de vista, envereda por um exame crítico dos fundamentos do conhecimento humano, de seus
pressupostos e condições mais gerais.

A Origem do Conhecimento

Em meu juízo "o sol aquece a pedra", exibe, pois, dois elementos, um deles proveniente da
experiência, o outro proveniente do pensamento. A consciência cognoscente apoia-se de modo
preponderante (ou mesmo exclusivo) na experiência ou no pensamento? De qual das duas fontes do
conhecimento ela extrai seus conteúdos? Onde localizar a origem do conhecimento? A pergunta sobre a
origem do conhecimento humano pode ter tanto um sentido lógico quanto psicológico. A resposta à
questão da validade pressupõe uma perspectiva psicológica determinada. Quem enxerga no pensamento
humano, na razão, o único fundamento do conhecimento, está convencido da independência e
especificidade psicológica do processo de pensamento. Por outro lado, quem fundamenta todo
conhecimento na experiência negará independência, mesmo sob o aspecto psicológico, ao pensamento.

Racionalismo
Chama-se racionalismo (de ratio, razão) o ponto de vista epistemológico que enxerga no pensamento,
na razão, a principal fonte do conhecimento humano. A razão disso é que, nesses casos, dependemos
da experiência. Daí resulta que os juízos baseados no pensamento, provindos da razão, possuem
necessidade lógica e validade universal; os outros não. Assim, prossegue o racionalista, todo
conhecimento genuíno depende do pensamento. É o pensamento, portanto, a verdadeira fonte e
fundamento do conhecimento humano. É óbvio que um determinado tipo de conhecimento serviu de
modelo à interpretação racionalista do conhecimento. É da matemática, mostra-nos a história, que vêm
quase todos os representantes do racionalismo. O mundo da experiência está em permanente mudança
e modificação. Se não devemos, pois, desesperar da possibilidade do conhecimento, deve haver, além
do mundo sensível, um mundo suprassensível do qual nossa consciência cognoscente retira seus
conteúdos. As ideias são os arquétipos das coisas da experiência. Não apenas as coisas, como também
os conceitos por intermédio dos quais nós as conhecemos, são derivados do mundo das ideias. A parte
central desse racionalismo é a teoria da contemplação das ideias. O conhecimento simplesmente ocorre
quando o espírito humano recebe as ideias do Naus, sua origem metafísica. No lugar do Nous, entra o
Deus pessoal do cristianismo. O núcleo desse racionalismo está, portanto, na teoria da iluminação divina.
Por "choses", ele entende as coisas do mundo exterior. Podemos chamar essa forma de racionalismo,
em contraposição ao teológico e ao transcendente, de racionalismo imanente. No século XIX, deparamos
com uma última forma de racionalismo. É algo puramente lógico, um Abstraio, e não significa nada senão
a personificação dos mais altos pressupostos e princípios do conhecimento. Também aqui, portanto, o
pensamento é fonte exclusiva do conhecimento. O conteúdo completo do conhecimento é deduzido
daqueles princípios superiores de maneira rigorosamente lógica. É mérito do racionalismo ter visto e
sublinhado insistentemente a importância dos fatores racionais no conhecimento humano. No entanto,
ele é unilateral ao fazer do pensamento a única ou a verdadeira fonte do conhecimento.

Empirismo
À tese do racionalismo, segundo a qual a verdadeira fonte do conhecimento é o pensamento, a razão,
o empirismo (de empeiría, experiência) contrapõe a antítese, dizendo que a única fonte do conhecimento
humano é a experiência. A consciência cognoscente não retira seus conteúdos da razão, mas
exclusivamente da experiência. Para justificar seu ponto de vista, aponta o desenvolvimento do
pensamento e do conhecimento humanos, que prova a grande importância da experiência para que o

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conhecimento ocorra. A experiência aparece, assim, como a única fonte do conhecimento. O pesquisador
é completamente dependente da experiência.
Embora todos os conteúdos do conhecimento provenham da experiência, ensina ele, sua validade
lógica não se limita à experiência. Há muitas verdades completamente independentes da experiência e
que, por isso, têm validade universal. O fundamento de sua validade não está na experiência, mas no
pensamento. Como Locke, porém, Hume também reconhece no campo da matemática um conhecimento
independente da experiência e, portanto, válido de modo universal. Condillac (1715-1780),
contemporâneo de Hume, fez o empirismo avançar na direção do sensualismo. Não há proposições a
priori, válidas independentemente da experiência. As próprias leis lógicas do pensamento têm
fundamento na experiência. Se todos os conteúdos do conhecimento provêm da experiência, então o
conhecimento humano parece estar trancado de antemão nos limites do mundo da experiência. Uma
ultrapassagem da experiência, um conhecimento do suprassensível é, portanto, impossível. A importância
do empirismo para a história do problema do conhecimento consiste em que, em oposição à negligência
racionalista com respeito à experiência, ele apontou enfaticamente a importância desse fator de conhe-
cimento. Ao fazer da experiência a única fonte do conhecimento, ele certamente troca um extremo pelo
outro.

Intelectualismo
Se para o racionalismo o pensamento é a fonte e o fundamento do conhecimento, e para o empirismo
essa fonte e fundamento é a experiência, o intelectualismo considera que ambas participam na formação
do conhecimento. Como conteúdos não-intuitivos da consciência, os conceitos são essencialmente
distintos das representações sensíveis, embora mantenham com elas uma relação genética, na medida
em que são obtidos a partir dos conteúdos da experiência. Assim, experiência e pensamento constituem
conjuntamente o fundamento do conhecimento humano. Por meio dos sentidos, recebemos imagens
perceptivas dos objetos concretos.
Dos conceitos essenciais assim formados obtemos, por meio de outras operações do pensamento, os
mais altos e mais universais de todos os conceitos, como os contidos nas leis lógicas do pensamento.
Em última instância, portanto, mesmo os mais altos princípios do conhecimento estão fundamentados na
experiência, pois nos apresentam relações entre conceitos que provêm da experiência.

Apriorismo
O apriorismo também considera tanto a experiência quanto o pensamento como fontes do conheci-
mento. Apesar disso, a determinação das relações entre experiência e pensamento toma, aqui, uma
direção diametralmente oposta à do intelectualismo. Essas formas recebem seu conteúdo da experiência
- aqui, o apriorismo separa-se do racionalismo e aproxima-se do empirismo. O intelectualismo deriva o
fator racional do fator empírico. Todos os conceitos provêm, segundo ele, da experiência. O fator a priori
não provém, segundo ele, da experiência, mas do pensamento, da razão. A razão leva, por assim dizer,
as formas a priori até o material da experiência e determina, dessarte, os objetos do conhecimento. Isso
ocorre por meio das formas da intuição e do pensamento. Os tijolos são tomados, como vimos, da
experiência.

Posicionamento Crítico
Se às observações críticas feitas na apresentação do racionalismo e do empirismo quisermos
acrescentar, como complemento, um posicionamento de princípio frente às duas orientações, devemos
manter o problema psicológico rigorosamente separado do lógico. O empirismo, que deriva da experiência
todo o conteúdo do conhecimento e que, portanto, só reconhece os conteúdos intuitivos de consciência,
é refutado pelos resultados da moderna psicologia do pensamento. A psicologia tem mostrado que, além
dos conteúdos intuitivos de consciência, há outros não-intuitivos e que, além dos conteúdos sensoriais,
há outros que são intelectuais. Mais precisamente deveremos distinguir entre o conhecimento das
ciências ideais e o conhecimento das ciências reais. No interior desse domínio, vale de fato a tese
empirista segundo a qual nosso conhecimento se baseia na experiência, nossos juízos encontram na
experiência seu fundamento de verdade.
Essas evidências mostram, como vimos, que tanto a experiência quanto o pensamento tomam parte
na produção do conhecimento. Ora, é exatamente essa a doutrina tanto do intelectualismo quanto do
apriorismo. Essa questão só poderá ser respondida quando estiver resolvido o problema realmente
central da teoria do conhecimento: a questão sobre a essência do conhecimento. A priori, aqui, não
significa necessário para o pensamento, mas apenas possibilitador da experiência, vale dizer,
possibilitador do conhecimento da realidade empírica, do conhecimento das ciências reais. Pressuposto
geral de todo o conhecimento das ciências reais é, por exemplo, o princípio da causalidade.

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AÇÃO E VERDADE

O que é a verdade?9
No início da história da Filosofia, os filósofos começaram a se perguntar sobre as mais diversas
questões que permeiam o pensamento humano. Uma delas é sobre a verdade. O que é a Verdade?
Platão inaugura seu pensamento sobre a verdade afirmando: “Verdadeiro é o discurso que diz as
coisas como são; falso aquele que as diz como não são”. É a partir daí que começou a se formar a
problemática em torno da verdade.
No dicionário Aurélio encontra-se a seguinte definição de verdade: “Conformidade com o real”. Talvez
merecesse um comentário mais amplo, a afirmação acima de Platão, mas partindo do conceito dado pelo
dicionário pode-se chegar as seguintes conclusões: Não existe uma verdade cujo sujeito possa ser o
seu detentor; a Filosofia chegou a distinguir cinco conceitos fundamentais da verdade: a verdade como
correspondência, como revelação, como conformidade a uma regra, como coerência e como utilidade.
Falar-se-á um pouco de cada uma.
A verdade como correspondência diz respeito à afirmação platônica que foi citado no início deste texto.
É a verdade que garante a realidade, ou seja, o objeto falado é apresentado como ele é. Aristóteles diz
que: “Negar aquilo que é, e afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar o que é e negar o que não
é, é verdade”. Essa definição de verdade é a mais antiga e divulgada.
A concepção de verdade, sob o aspecto da revelação, surge num tempo em que empirismo, metafísica
e teologia apresentaram novas formas de se entender a realidade. Trata-se de uma verdade que sob a
luz empirista se revelou ao homem por meio das sensações, e sob a perspectiva metafísica ou teológica
mostrou o verdadeiro por meio de um Ser supremo, Deus, que evidencia a essência das coisas.
A conformidade apresenta uma verdade que se adapta a uma regra ou um conceito. E esta noção de
conformidade foi usada pela primeira vez por Platão: “... tudo o que me parece de acordo com este,
considero verdadeiro,” e retornando a história, Santo Agostinho afirma: “existe, sobre a nossa mente, uma
lei que se chama verdade”. Em suma, a verdade, no sentido da conformidade, deve-se adequar a uma
regra ou conceito.
Já na metade do século XIX, surgiu no movimento idealista inglês, a noção de verdade como coerência.
Essa ideia de coerência foi difundida pelo filósofo Bradley. Ele critica o mundo da experiência humana
partindo da ideia de que “o princípio de que o que é contraditório, não pode ser real”, isso o fez aceitar
que “a verdade é coerência perfeita”.
Por fim, achou-se o pressuposto de verdade como utilidade, formulada primeiramente por Nietzsche:
“Verdadeiro não significa em geral senão o que é apto à conservação da humanidade. O que me deixa
sem vida quando acredito nele não é a verdade para mim, é uma relação arbitrária e ilegítima do meu ser
com as coisas externas”. A preocupação é que a verdade como utilidade seja algo que faça bem toda a
humanidade. O que não é de práxis para a conservação do bem, podemos dizer que é verdade?
Toda essa investigação sobre a verdade limita muito esse tema. A verdade possui inúmeros
significados, dependendo da pessoa que a defina. Ela continuará sendo uma das questões mais
abordadas nestes últimos tempos.
Estamos em um mundo de grandes transformações. Muitas ideologias são nos apresentadas como
verdades inquebrantáveis. Somos forçados a acreditar na mídia, na política e na manifestação religiosa.
Isso acontece de uma maneira inconsciente.
O que nos libertará de toda essa prisão é nossa atitude como sujeitos formadores de consciência
crítica. A questão é ir afundo sobre aquilo que nos é apresentado. Fugir do senso comum e criar opiniões
próprias. Depende de você encarar isso como verdade.

Conceito da Verdade Segundo os Filósofos Clássicos10

Sócrates
Aquela que é, talvez propriamente, a sabedoria humana. É, em realidade, arriscado ser sábio nela:
mas aqueles de quem falávamos ainda há pouco seriam sábios de uma sabedoria mais que humana, ou
não sei que dizer, porque certo não a conheço.eu sou mais sábio do que esse homem, pois que, ao
contrário, nenhum de nós sabe nada de belo e bom, mas aquele homem acredita saber alguma coisa,
sem sabê-la, enquanto eu, como não si nada, também estou certo de não saber. Parece, pois, que ele
era mais sábio do que todos, nisso – ainda que seja pouca coisa: não acredito saber aquilo que não sei.

9
AGUIAR, Wisley. O que é verdade? http://abre.ai/1o5.
10
CAUSAS BRASIL. Conceitos de Verdade segundo os filósofos clássicos. http://abre.ai/1o6.

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Depois desse, fui a outro daqueles que possuem ainda mais sabedoria que esse, e me pareceu que todos
são a mesma coisa. Daí veio o ódio também deste e de muitos outros.

Platão
Platão pressupõe e define o que seria o discurso verdadeiro na obra Cratilo: “Verdadeiro é o discurso
que diz como as coisas são; falso é o que diz como elas não são” (385b.). Para Platão a verdade se
aplicava primeiro ao objeto, ou ao sujeito, e depois ao enunciado.

Aristóteles
Já para Aristóteles, cuja compreensão de verdade seria a mais celebrada, a verdade estaria ligada ao
ato de dizer. Assim, não existiria verdade sem enunciado, mas este não basta em si mesmo como
verdade. A visão aristotélica pressupõe a existência de uma materialidade exterior ao enunciado,
verdadeiro ou não.
Foi Aristóteles quem enunciou ou dois teoremas fundamentais desta compreensão de verdade. O
primeiro deles é de que a verdade estaria no pensamento ou na linguagem, e não no ser ou na coisa. A
segunda premissa é de que a medida da verdade, ou sua verificação, é exterior a ela; estaria presente
no ser, na ação, e não no pensamento ou no discurso produzidos sobre eles.
Desta forma Aristóteles utilizou de forma clara pela primeira vez a expressão lógica ou expressão
semântica da verdade. A relação aristotélica entre enunciado e coisa é caracterizada como de
correspondência, embora também tenha embutidos os conceitos de adequação e conveniência.

MÉTODO SOCRÁTICO E MÉTODO SOFÍSTICO11

Sócrates é um dos filósofos mais conhecidos de toda a humanidade. Ele se opôs a um grupo famoso
e tido como manipulador do poder intelectual de até então, os sofistas. Tomando como base essas ideias,
pretende-se aqui, mesmo que de forma rápida, apresentar o método socrático e sofístico e também fazer
uma breve análise da relação entre eles.

Método Socrático

Conforme é sabido, Sócrates não deixou nenhum escrito, porém seus discípulos encarregaram-se de
transmitir à posteridade suas ideias e propostas epistemológicas e filosóficas. Sócrates valia-se de dois
métodos famosos, que o fizeram trazer grandes reflexões para os seus interpelados e discípulos. Aqui
pretendemos apresentar estes dois métodos e suas características.
O primeiro método famoso em todo pensamento socrático é a Ironia. Não se deve aqui, assumir o
sentido desse termo conforme a nossa língua corrente, ou seja, como zombaria, sarcasmo ou sátira. Mas,
antes, como o sentido original da palavra grega, isto é, como questionamento que traz uma refutação em
busca do conhecimento e da percepção da ignorância:
A refutação (elénchos) consistia, em certo sentido, a pars destruens do método, ou seja, o método
socrático levava o interlocutor a reconhecer sua própria ignorância. Primeiro ele forçava uma definição do
assunto sobre o qual a investigação versava; depois, escavava de vários modos a definição fornecida,
explicitava e destacava as carências e contradições que implicava; então exortava o interlocutor a tentar
nova definição, criticando-a e refutando-a com o mesmo procedimento; até o momento em que o
interlocutor se declarava ignorante. (REALE, 2007, p.102)
Contudo, Sócrates não era um cético e sim uma pessoa crente na verdade que habitava no ser humano
e que era necessário um processo/método para descobri-la. A este método Sócrates deu o nome de
Maiêutica, ou seja, a parturição da ideia: “Frequentes vezes comparava sua tarefa a de uma parteira,
profissão de sua mãe, dizendo que ele mesmo não tinha que dar à luz sabedoria, mas apenas ajudar os
outros a parir suas ideias.” (STÖRIG, 2009, p.124). Partindo do método irônico-refutador, Sócrates ajuda
ao outro a ir em busca da verdade e principalmente empenhava na descoberta e na questão que sempre
o incomodou: “Conhece-te a ti mesmo”.
Portanto, as grandes marcas metodológicas de Sócrates no pensamento da Paideia grega são seus
métodos diferenciados e que faziam o pensamento, as ideias e a verdade assumir seu caráter reflexivo e
epistemológico, não o deixando como opinião (doxa) e/ou retórica.

11
BRAGA. Jackson de Sousa. Método socrático e método sofístico: um breve paralelo. http://pensamentoextemporaneo.com.br/?p=2365

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Método Sofista

Devido ao pensamento de Platão e outros discípulos de Sócrates, os sofistas foram vistos apenas
como um mercantilizadores do saber. Entretanto, com os estudos atuais e toda a reflexão histórico-crítica,
os pensadores têm os apontado como grandes conhecedores e retórico de seu tempo que passavam
seus conhecimentos aos que podiam remunerá-los (existem autores que afirmam que os sofistas também
possuíam turmas gratuitas), sem ter por finalidade somente o caráter financeiro, mas antes a
democratização do saber (LISBOA, 2011, p. 113-116). Com o intuito de conhecer seu método e suas
ideias pretendemos aqui apresentá-los, para podermos fazer uma análise junto às características
socráticas.
O método sofista assumia um caráter de ensinamento dos saberes que obtinham de pensadores
anteriores e também da capacidade de defender a ideias e pensamentos que o sujeito tinha. Sua
característica mais marcante não é a busca do saber, mas antes de uma formação sobre os recursos da
linguagem e também sobre a arquitetura das ideias pessoais em busca da conquista e vitória,
retórico/oratória, do outro e seus argumentos.
Além disso, deve-se a eles grandes conquistas, destacando-se três realizações:
[…] os sofistas pela primeira vez na filosofia grega, desviaram o olhar da natureza e dirigiram-no mais
amplamente para o homem; segundo, foram eles os primeiros a fazer do pensamento objeto de
pensamento, dando início a uma crítica de suas condições, possibilidades e limites. E por último
submeteram os padrões dos valores éticos a uma reflexão perfeitamente racional, com isso abrindo
possibilidade de a ética ser tratada cientificamente, e de fazer-se dela um sistema filosófico coerente.
(STÖRIG, 2009, p.120)
Assim sendo, devemos superar o preconceito trazido no pensamento filosófico sobre os sofistas, como
somente charlatões do saber e assumi-los também como pensadores da realidade humana e homens
que distribuíam seu conhecimento a todos, mesmo que de forma remunerada. Ainda devemos ter
consciência de seu papel significativo de atenção à reflexão antropológica e ética.

Um Breve Paralelo

Aqui não pretendemos deixar a reflexão se findar, mas antes apresentá-la como um possível caminho
de aprofundamento diante das realidades e comparações feitas entre o método socrático e o método
sofista. Para isso, pretendemos apresentar tanto os aspectos de encontro do pensamento de Sócrates
com os sofistas, bem como suas divergências.
Quanto as pontos de encontro entre Sócrates e os sofistas apresentamos 3 como mais marcantes, a
saber: ambos acreditam na capacidade de todo o ser humano conhecer e pensar; ambos utilizam métodos
para o processo de conhecimento, ainda que os empreguem de forma divergente; tanto Sócrates
(“Conhece-te a ti mesmo” e o conhecimento é virtude) como os sofistas (“o homem é a medida de todas
as coisas”) se atentam para questões antropológicas e éticas em detrimento das científico-físicas.
Quanto aos pontos de divergência entre o método socrático e o sofístico, podemos também apontam
3 principais características, cuja relação é impossível desfazer: Sócrates se preocupa em descobrir a
verdade ou o saber verdadeiro, em contrapartida os sofistas estão preocupados em vencer o discurso,
com argumento retórico e não descobrir a verdade – alguns são considerados até mesmo cético ou
relativistas, ou seja, que não acreditam em uma verdade ou não podem atingi-la; Sócrates se considera
um desconhecedor ou ignorante contra os sofistas que se consideram os verdadeiros sábios; Sócrates
modifica o centro do saber: “Mas o que Sócrates aplicava era uma forma particular de conversa e
ensinamento. A situação normal, em que o discípulo pergunta e o mestre responde, é nele invertida. É
ele quem pergunta” (STÖRIG, 2009, p.124).
Portanto, não se deve considerar Sócrates e os sofistas longes e/ou totalmente contrários, mas antes
ter atenção para seus devidos estilos de pensamento e de Paideia – sabendo perceber os pontos de
encontro/desencontro que um tomou do outro. Além disso, esta reflexão poderá nos ajudar a superar os
preconceitos investidos sobre os sofistas, que muitas vezes Platão e outros discípulos de Sócrates/Platão
passaram ao pensamento e história posterior.

MÉTODO EM FRANCIS BACON12

Francis Bacon é considerado pioneiro do chamado empirismo britânico, vertente memorada na história
da filosofia pela primazia do conhecimento pela empiria e a recusa de ideias inatas. O Lorde Bacon teve
12
FERREIRA. K. M. P. Duas perspectivas da questão do método na Filosofia Moderna. UNESP. Revista Eletrônica. Vol 8. 2015. <
http://www.marilia.unesp.br/#!/filogenese>

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uma vida profissional intensa devido ao cargo político que exerceu por anos e a cátedra de Direito em
Cambridge, mas sem nunca perder sua dedicação à ciência e pela pesquisa de teor experimental. O
papel da experiência para seu método é crucial, uma vez que, segundo o filósofo londrino: “em geral,
dificilmente se fará avanço importante no desvelamento da natureza se não se designam fundos para
gastos de experimentação” (BACON, 2007, p. 107, II. X). Aliada à indução, o elemento experimental se
torna a principal característica do método que desenvolvera.
As primeiras notações de seu método encontram-se no Advancement of Learning13, publicado em
1605. Nesta obra de juventude, Bacon já expõe muitas ideias que aparecem no Novum Organum,
publicado quinze anos depois. No texto de juventude referido, já havia apresentado a sobreposição de
um método indutivo e experimental, que fosse investigativo, colocando o contato do observador com a
natureza em importância maior e anterior à predição e elaboração de axiomas. Contudo, no Novum
Organum, obra parte de sua Grande Instauração14, ele articula melhor os conceitos de sua teoria do
conhecimento e o esforço de superar a lógica aristotélica. Segundo Bacon, a filosofia natural possui vital
importância para o progresso das atividades humanas. Por isso, seu método atende a preocupação de
bem desnivelar a natureza, para que todos os saberes possam ser bem aplicados uma vez que
relacionadas com a filosofia da natureza. Toda ciência ou técnica dependem, então, da filosofia natural
como matéria-prima. O problema era, na época de Bacon, a insatisfação com os feitos da filosofia natural
de autores passados, que eram preservados devido o apreço às autoridades intelectuais que havia na
época. O autor reconhecia que os pensadores do passado haviam contribuído proveitosamente ao
conhecimento, contudo, reprovava a atitude em reproduzir plenamente seus ensinamentos mesmo
quando errados. Muitas descobertas em sua época falseavam os paradigmas dos antigos em filosofia
natural, contudo, os seus contemporâneos, tal como os medievais, prezavam pela devoção aos textos
antigos. Quanto a isso, Bacon (1979. p. 46, I. LXXVIII) considerou apenas alguns momentos como
profícuos à ciência; seriam eles:
De fato, só podem ser levados em conta três períodos ou retornos na evolução do saber: um, o dos
gregos; outro, o dos romanos e, por último, o nosso, dos povos ocidentais da Europa; a cada um dos
quais se pode atribuir no máximo duas centúrias de anos. A Idade Média, em relação à riqueza e
fecundidade das ciências, foi uma época infeliz. Não há, com efeito, motivos para se fazer menção nem
dos árabes, nem dos escolásticos.
Instruído a não refutar seus predecessores, Bacon se posiciona criticamente em relação aos estudos
escolásticos da natureza, focando principalmente a noção de método em sua análise. O método em
questão é o silogismo de Aristóteles, criticando em dois pontos centrais no Novum Organum:

(I) O primeiro ponto tange ao caráter dedutivo do silogismo. Por conta dele, afirma o filósofo inglês,
haveria o estagirita corrompido sua física ao embasar-se na lógica15. Bacon cunha o método silogístico
como uma antecipação da natureza; isto é, Aristóteles visa a elaboração de enunciados universais
fundamentados em poucos casos da experiência. O londrino considera a indução o expurgo para livrar a
filosofia natural das amarras silogísticas. Para isso, diferencia a indução “vulgar” da “indução verdadeira”.
A indução considerada vulgar pelo Barão de Verulâmio é aquela que, uma vez com seus axiomas
estabelecidos, procura salvá-lo quando algum caso particular da experiência não consente com seu
enunciado; enquanto que o certo seria corrigir o axioma, e não mantê-lo;
(II) O outro ponto refere-se ineficiência do silogismo em oferecer demonstrações. Suas clarificações
discursivas a respeito dos fatos se deve em assentir o pensamento humano com as palavras e o modo
com que são articuladas, e o pensamento, por sua vez, submete à natureza. Bacon procura extinguir essa
postura da filosofia natural, e para isso, seu método deve submeter o investigador ao trato direto com a
realidade.

Para que seu método possa ser efetuado com o desejado sucesso, Bacon adverte que há tipos de
engano, aos quais a mente humana pode conduzir desapercebidamente no estudo da natureza. Esses
enganos são chamados ídolos, e Bacon define-os no aforisma XXXVIII do primeiro livro de sua obra.
Como o próprio autor adverte, seu método não é uma solução definitiva para expurgar a mente dos ídolos,
mas serve de instrução para evitá-los continuamente. Uma vez entendendo-os como obstáculos que
obstruem o alcance humano da verdade, houve uma divisão quadripartida feita dos ídolos pelo autor:
13
A tradução indicada em português por Raul Fiker (2007).
14
A Grande Instauração é como Bacon chama seu projeto de reformar a ciência em seu tempo. Esse projeto foi apresentado por Bacon numa obra homônima, de
utilidade sumária aos textos que pretendia que a seguissem. Sua Instauração consiste em seis partes, qual ele ocupou-se em estabelecer um inventário à ciência
emergente, um novo método para a filosofia natural e preocupações com seu caráter prático. Embora vasto, não conseguiu levar a cabo seu intento. Apenas uma
das partes fora concluída, que reside no método exposto no Novum Organum.
15
Nesta passagem, Bacon (1979, p. 32, I. LXIII) alega que Aristóteles “[...] corrompeu com sua dialética a filosofia natural”. Embora na filosofia aristotélica a palavra
“dialética” tenha um significado próprio e distinto da palavra “lógica”, tanto uma quanto a outra eram empregadas muitas vezes como sinônimas pelos medievais,
hábito que manteve-se na época de Bacon.

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“Ídolos da tribo, ídolos da caverna, ídolos do foro e ídolos do teatro” (BACON, 1979, p. 21, I. XXXIX).
Cada um deles trata, respectivamente: Das limitações sensoriais e cognitivas inerentes do ser humano,
das amarras relacionadas com a educação e opiniões subjetivas, ao mau uso da linguagem e dissenso
quanto ao significado dos termos, e, por fim, às doutrinas (sejam elas filosóficas ou religiosas) que
deturpam a compreensão do mundo. Atribui aos ídolos o desvio dos filósofos naturais em desvelar os
princípios da natureza tal como deveriam. Bacon não poupou-se em dar exemplos; citando os antigos,
como Aristóteles, ou seus contemporâneos, como William Gilbert16.
Na concepção baconiana, os ídolos são fontes de erro de ordem intelectiva, cujo método proposto pelo
filósofo se apresenta como uma ferramenta para expurgá-los. Segundo Bacon (1979, p. 21, I. XL), a
“verdadeira indução” é “sem dúvida, o remédio apropriado para afastar e repelir os ídolos”. Embora o
método seja de fato apresentado apenas no segundo livro do Novum Organum, alguns aforismas ainda
no primeiro livro são importantes para compreendermos a epistemologia do filósofo. Um deles é o
aforisma XCV, no qual notamos o empirismo moderado em sua filosofia. Bacon não credita aos sentidos
que eles sozinhos ofereçam dados sobre os objetos. Eles são enganosos. A mente também possui falhas,
passível de erro. Bacon (1979, p. 63) estaria no meio termo, e para explicar como ele se situa, é famosa
a analogia contida nesse aforisma entre os empiristas e os racionalistas: os primeiros seriam como
formigas, por apenas colherem o que está disposto para eles, e os segundos seriam como aranhas, que
utilizam apenas do que já possuem para elaborar suas teias. Bacon compara sua posição com a de uma
abelha, que recolhe e produz algo novo em cima do que colhe. Assim como os sentidos precisam de
instrumentos para ampliar suas capacidades, como faz o telescópio com a visão, o intelecto também
precisa de ferramentas que deixem-no aguçado. Essa ferramenta é o método; e sua via, a indução. Na
segunda parte da obra, Bacon lança as bases de sua indução, que valoriza os casos particulares da
experiência, que tornam os enunciados passíveis de reformulação.
Continuando na descrição do método indutivo proposto por Francis Bacon, é interessante referenciar
a segunda parte de sua obra, na qual é apresentado o método indutivo que propõe para substituir a
silogística aristotélica. Para tanto, apresenta como central a necessidade de se redefinir o objeto de
estudo da ciência, uma vez aplicado seu método: a forma17. Entende que: “Engendrar e introduzir nova
natureza ou novas naturezas em um corpo dado, tal é a obra e o fito do poder humano. E a obra e o fito
da ciência humana é descobrir a forma” (BACON, 1979, p. 93, II. I). No aforisma seguinte, Bacon explica
de forma sucinta que a forma é a lei, a essência e estrutura que determina os corpos, caracterizando-os
enquanto eles mesmos. Acreditava Bacon ser possível alterar as formas dos objetos, ou introduzir uma
forma em algum corpo de interesse. Esse é o âmago do teor prático da ciência segundo o filósofo:
melhorar a qualidade da vida humana.
Seu método inicia com a preparação de uma história natural18. Esse primeiro passo é feito pelas tábuas
da descoberta. A preparação das tábuas consiste em compilar a incidência da forma estudada nos objetos
dispostos – diversos, das mais variadas espécies – pelo observador, e para indicar como devem ser
feitas, Bacon explica como e quais são as tábuas: a primeira é a tábua da essência, que descreve corpos
que possuem a forma estudada; a segunda é a tábua do desvio, que registra os objetos desprovidos da
forma em questão. Por fim, deve ser feita a tábua dos graus, que compara corpos onde a forma estudada
se manifesta com maior ou menor intensidade. As tábuas são importantes para compreender a “indução
verdadeira” de Bacon (1979, p. 127. II, XIX), que induz não só com casos afirmativos, mas também, os
que não ocorrem o objeto de investigação. As duas últimas tábuas servem para confrontar a tábua da
essência, que por exclusão encaminham as particularidades do objeto e de como está relacionado com
alguma de suas formas.
Para que o esforço investigativo consiga contemplar a individualidade dos seus objetos, o método
baconiano recorre às instâncias prerrogativas. Estas instâncias são modalidades de incidências que
servem para identificar a forma de um corpo dado, bem como ela se manifesta. Não apenas, as instâncias
prerrogativas também podem prescrever ocorrências onde uma forma seja um caso isolado da natureza,
como também admitir incidências em que ela fuja de seu comportamento padrão.
Após a submissão das tábuas da primeira vindima e de alguma das instâncias prerrogativas, a indução
está feita. Os axiomas, ou leis gerais, podem enfim serem elaborados. Contudo, Bacon acredita ser
conveniente experimentar os casos, tornando possível que outros possam reproduzir a descoberta

16
William Gilbert (1540-1603) foi um médico e físico inglês. Seu nome está diretamente relacionado com descobertas no campo do eletromagnetismo, como em
admitir haver um campo magnético próprio da Terra. Francis Bacon (1979, p. 27, I. LIV; p. 38-39, I. LXX) criticava a importância que Gilbert dava ao magnetismo em
sua física, que seria, para ele, equivocada.
17
A definição do conceito de forma é complexa na filosofia baconiana, resultando em interpretações díspares por parte de seus comentadores. Para não dispersarmo-
nos demais do tema, passaremos por esse conceito sem contemplar sua profundidade. Ela surge, contudo, como uma recepção das quatro causas aristotélicas:
Bacon considerava apenas a causa formal útil para a ciência. As causas material e eficiente não seriam confiáveis, e a causa final é, segundo ele, inexistente na
natureza.
18
História natural é uma ciência obsoleta, que hoje compreende partes da biologia e da geologia. Ela consistia em descrever espécimes animais, vegetais, tipos de
rochas e formas da crosta. O primeiro a empregar este termo foi naturalista romano Plínio, o Velho (23-79).

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mediante experimentos. O próprio filósofo natural que o descreveu pode fazê-lo, como ao reproduzir
experimento de outros autores ou deixar passível que outros filósofos possam repetir a experiência que
conduziu sua descoberta. A concordância da lei geral com o experimento, para o inglês, é o marco que
aponta se o mesmo axioma está correto ou não. Caso não esteja, toda a investigação acerca da forma
deverá ser refeita, de modo a reconsiderar as conjecturas anteriores.
Bacon é percussor da tradição empirista, que embora considere importante papel da razão, reconhece
que ela por si só não oferece conhecimento e nem por si só guia até a verdade.

LÓGICA NA FILOSOFIA

Sobre a lógica na Filosofia19

A lógica tem origem no grego, tal ciência surgiu para conciliar os pensamentos filosóficos, as ideias
que surgiam mediando a verdade ou a falsidade de um argumento, ou seja, a tlógica se tornou uma
grande ferramenta como método de avaliação de uma ideia, dos argumentos. No entanto vários autores
destacam a dificuldade em definir a lógica, devido às mudanças e evoluções das ciências, como define
Cesar A. Motari:
“Lógica: é a ciência que estuda princípios e métodos de inferência, tendo o objetivo principal de
determinar em que condições certas coisas se seguem, são consequências, ou não, de outras” (Motari,
200, p. 2).
Um grande ícone da lógica seria o filosofo grego Aristóteles (384-322 a. C), ou seja, Aristóteles
contribuiu em várias áreas do pensamento, como a ética, política, física, metafísica, psicologia, poesia,
retórica, zoologia, biologia história natural e a lógica. Aristóteles foi o criador do silogismo, que foi uma
forma particular de argumentação, ficou nomeada de lógica aristotélica. O silogismo é formado sempre
por duas premissas e uma conclusão. Além disso apenas preposições denominadas categóricas
poderiam fazer parte de um silogismo. Exemplo de silogismo:
Todo gato é preto. Miau é um gato. Miau é preto.
Em metafísica, Aristóteles enunciou seus três princípios da lógica:

Princípio da não contradição:


“É impossível que o mesmo atributo pertença e não, ao mesmo tempo e sob a mesma relação, ao
mesmo sujeito”.

Princípio do terceiro excluído:


“Não é possível que haja uma posição intermediaria entre dois enunciados contraditórios: é necessário
ou afirmar ou negar um único predicado, qualquer que ele seja, de um único jeito”. Ou ainda “Dado um
enunciado, ou ele é verdadeiro, ou ele é falso, não existi terceira hipótese”.

Princípio da identidade:
“Dado um enunciado, ele é sempre igual a ele mesmo”. (Nahara; Weber, 1997, p. 51).
Mesmo Aristóteles com sua grande contribuição, e tendo se preocupado em qualificar os tipos de
silogismo, tal técnica se mostrou muito limitada, porém foi durante muito tempo a única existente na
Grécia. No entanto houve outros pensadores que desenvolveram uma lógica diferente da de Aristóteles:
Crísipio (280-250 a. C). No entanto, as obras de Aristóteles ainda superaram seu concorrente, visto
desta forma na Grécia, como concorrentes, por isso suas obras não foram conciliadas em uma única
teoria.
Só no século XIX que outros grandes pensadores foram se ater ao assunto, tais como:
George Boole (1815- 1864), pensador de grande importância para o raciocínio lógico, trouxe uma
linguagem simbólica, a matematização da lógica, Boole também apresentou o chamado calculo lógico,
com número infinito de formas válidas de argumentos.
Gottlob Frege (1848-1925), trouxe sua contribuição para a lógica, o cálculo do predicativo e a utilização
de linguagens artificiais. A preocupação de Frege era a sistematização do raciocínio matemático, ou seja,
em encontrar uma caracterização precisa do que seria uma demonstração matemática (Motari, 2001, p.
29).
Daqui até os dias atuais o uso da lógica se tornou indispensável para a evolução em várias áreas do
conhecimento. Podemos afirmar que a lógica foi a ferramenta mais usada para evolução cientifica, temos
também, como no último tópico, visto acima, que o uso da linguagem, da simbolização para a utilização
19
VENANCIO, Matheus. Sobre a Lógica na filosofia. encurtador.net/sADV0

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da lógica, se torna inseparável, como exemplo de linguagem: a linguagem de programação, utilizada para
programas de computadores, que abrange a tecnologia da informática, em diversas fábricas do mundo
todo, sendo utilizado nos PLC – comando lógico programável, CNC- comando numérico
computadorizado, entre outros, ou seja o uso da lógica que ainda em expansão, foi muito útil para
expansão tecnológica, ou seja vemos a necessidade e a união entre a linguagem e matemática, ou os
vários modos da simbolização, da combinação entre esses para o uso da lógica. A lógica não se volta
para as análises dos conteúdos, mais sim para a forma do todo, entre a razão para o ponto de partida e
a conclusão final obtida.

4.1.1.3 Ética. ● Ética e moral. ● Pluralidade ética. ● Ética e violência. ●


Razão, desejo e vontade. ● Liberdade: autonomia do sujeito e
necessidade das normas

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO

Eu Racional: introdução ao sujeito ético

Uma das questões mais complexas do mundo científico, teológico e filosófico contemporâneo é
oferecer uma boa compreensão do significado preciso de palavras como eu, sujeito, subjetividade, pessoa
etc... Essas instâncias são ora afirmadas como entidades, ora negadas; ora exaltadas como centrais em
toda reflexão humana, ora humilhadas... (conforme a expressão famosa de Ricoeur).
Em nossa perspectiva consideramos o sujeito um aspecto fundamental para que possamos pensar e
falar em ética. A ética implica um sujeito que possa assumir a responsabilidade por atos praticados (seja
ele pessoal, comunitário, institucional, ou outro) diante de outros. Em vista desse aspecto de nosso tema,
daremos especial atenção à constituição do sujeito: como chegamos a constituir um sujeito com certa
autonomia? O eu e a subjetividade não são uma condição inata a todo ser humano? Se o “eu” não é inato,
como o “eu” e a “subjetividade” se constituem em nós? Como nos tornamos seres “responsáveis”? Como
se constitui o que chamamos “liberdade”?
Uma das tarefas primeiras da ética é, pois, a de fundamentar o aparecimento dessas instâncias.
Procuraremos precisar a constituição do sujeito em seu entrelaçamento com o desenvolvimento da
capacidade responsiva do ser humano e o progressivo incremento da capacidade de se auto reconhecer
até alcançar uma autonomia relativa. O discurso ético afirma que somos livres e responsáveis e
assumimos em nós mesmos o ato ético e suas consequências enquanto ações significativas.
Por outro lado, perguntamos até que ponto podemos ser éticos, livres e responsáveis, numa estrutura
de pecado e com a constituição de sujeitos dentro dessa estrutura.
Nossa abordagem do tema será feita a partir da pergunta-tema:
1. Como se constitui o sujeito?
2. Como se forma o sujeito ético?
Propomos uma breve descrição da experiência de “ser sujeito” (acompanhada de indicações dadas
pela análise genético/generativa da manifestação do sujeito) como pano de fundo interpretativo de nós
mesmos. Usamos o método enomenológico de Husserl e descartamos qualquer explicação prévia,
filosófica ou científica.
A nossa experiência humana não é vista como confinada aos processos definidos como natureza, nem
a vida humana pode ser confinada à fisiologia, por exemplo. Isso indica a distância que mantemos do
chamado naturalismo científico.
A abordagem originária do ser humano nunca é “científica” no sentido de objetivismo factual; mais que
natureza, somos também cultura e a sociedade é também nossa convivência cotidiana, é corpo e também
é uma abrangência de nosso ser humano como um todo. O conhecimento não se produz do sujeito para
seu entorno, nem do seu entorno para o sujeito, é uma integração com a vida. A experiência de ser sujeito
é ampliada no sentido de abarcar a vida, integrando vida e subjetividade, subjetividade e vida. Na
correlação sujeito e vida afirmamos a superação de todo dualismo sujeito/objeto desenvolvido a partir da
ciência moderna (especialmente depois de Descartes).

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Construção do sujeito ético20
O sujeito ético é um ser racional e consciente que sabe o que faz, como um ser livre que decide e
escolhe o que faz e como um ser responsável que responde pelo que faz. A ação ética é balizada pelas
ideias de bem e mal, justo e injusto, virtude e vício.
Assim, uma ação só será ética se consciente, livre e responsável e será virtuosa se realizada em
conformidade com o bom e o justo. A ação ética só é virtuosa se for livre e só o será se for autônoma,
isto é, se resultar de uma decisão interior do próprio agente e não de uma pressão externa.
Evidentemente, isso leva a perceber que há um conflito entre a autonomia da vontade do agente ético (a
decisão emana apenas do interior do sujeito) e a heteronomia dos valores morais de sua sociedade (os
valores são dados externos ao sujeito).
Esse conflito só pode ser resolvido se o agente reconhecer os valores de sua sociedade como se
tivessem sido instituídos por ele, como se ele pudesse ser o autor desses valores ou das normas morais,
pois, nesse caso, ele será autônomo, agindo como se tivesse dado a si mesmo sua própria lei de ação.
Enfim, a ação só é ética se realizar a natureza racional, livre e responsável do sujeito e se este respeitar
a racionalidade, liberdade e responsabilidade dos outros agentes, de sorte que a subjetividade ética é
uma intersubjetividade socialmente determinada.

Como se constitui o sujeito?


- Gênese do sujeito
Quando fazemos a pergunta “quem somos nós?”, temos a tendência de tentar respondê-la a partir da
reflexão sobre nós mesmos. Isso é uma grande ilusão.
Essa pergunta só pode ser respondida a partir de nossos relacionamentos com os outros. Sem o outro
não somos nada. Nossa constituição tem o ponto focal na presença do outro. Nascemos da vida dos
outros fisiologicamente, psicologicamente, culturalmente, e mesmo religiosamente (no cristianismo isso
é claro se atentamos para as expressões de Cristo ou de Paulo que nos veem como seres de relação
com o próximo e com Deus). A ilusão de consciência autônoma, que habitaria em nós desde o início em
forma potencial e natural, como condição inata do ser.
Correlação implica que um polo não pode ser isolado ou concebido sem o outro polo. Não podemos
conceber objetividade sem o polo da subjetividade.
Nem podemos conceber o sujeito ou a subjetividade sem o polo da objetividade constituída na
correlação. Toda “co-instituição” implica em alguma forma de correlação.
Há muitos estudos sobre as etapas do desenvolvimento humano. Quase todos partem do princípio que
o desenvolvimento é um processo de unidade da pessoa e seu entorno. Quase todos apontam a grande
distância entre o que fomos quando criança e o que somos como adultos. A unidade é atribuída a
constâncias biológicas, psicológicas, sociológicas, culturais. Entretanto, não podemos mais pressupor
uma substância humana em desenvolvimento que possua em si mesma as virtudes centrais desse
desenvolvimento. Nossa abordagem desloca o centro formador não para o exterior, mas para a correlação
entre o que o outro nos aporta e nossa capacidade de responder, responsividade que se revela desde a
nossa mais remota formação como bebê ou mesmo na condição de feto. Se para o bebê não houver as
condições necessárias relacionais e como entorno de ser humano, especialmente outras pessoas, o ser
humano não emerge em suas condições essenciais. Ser pessoa, ser livre, transcender o tempo e espaço,
utilizar a linguagem, são condições que não se desenvolvem por si. O desenvolvimento está condicionado
à presença de outros O “eu” não se desenvolve pelo crescimento físico, mesmo que dependa de uma
base fisiológica para que isso seja possível. O eu não é uma substância. O sujeito acontece: ele é e existe
em atos, e ele se forma e se revela em eventos, e se dá conta de si por se auto reconhecer em atos. O
sujeito se forma e se revela na relação de alteridade. O sujeito é constituído como evento, ele acontece
na trama que se estabelece em relação com outros seres humanos (mãe, família, grupos humanos) e
como resposta a eventos: o “eu” provém das respostas a outro/a. De início, um centramento na pura
corporeidade do recém formado, e cuja autonomia se constitui progressivamente a partir da não-
autonomia (quando a responsividade é ainda uma pura partilha do que recebemos). É uma sequência de
eventos que faz emergir a identidade egóica através das respostas e da estrutura que a pessoa vai
constituindo. O sujeito autônomo emerge de modo relativo e descontinuamente, isto é, o sujeito autônomo
não é uma constante linear sem interrupções. A vida testemunha muitas situações em que não podemos
pressupor o sujeito como plenamente autônomo: uma simples febre pode aniquilar ou limitar a autonomia
de um sujeito.
Chegamos ao ponto de estabelecermos uma compreensão de princípio constatado puramente a partir
da vivência e da reflexão retroativas: – sujeito é uma constituição que acontece em torno de eventos

20
Texto completo adaptado de JOSGRILBERG, R. S. A Constituição do Sujeito Ético.

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relacionais e respostas a esses eventos. Somos interpelados na convivência desde a mais tenra idade e
nos formamos como respondentes.
O cenário originário de constituição subjetiva é formado por relações provocadoras, interpeladoras e
em respostas; estas, acompanhadas das interpelações formam sedimentos habituais que nos permitem
reconhecer a nós mesmos.
Produz-se uma trama de interpelações e respostas. Essa trama é o nosso próprio pano de fundo. O
sujeito revela-se como um pertencente à ordem do “evento” entre pessoas, e não à ordem das coisas.
A constituição de sedimentos espirituais – em que ocorrem sentimentos, linguagens, atitudes, criações
culturais do espírito (lógicas, estéticas, éticas, religiosas...) etc. – acontecem no campo humano de
interações humanas dialógicas.
O si mesmo (self) se constitui em relações concretas de trabalho, relações de corporeidade, relações
de família, onde eu sou testemunha de mim mesmo e capaz de narrar minha trajetória longa ou curta.
Refletividade sobre mim mesmo e minhas relações me permitem dizer “eu” como fonte de uma trama com
os outros e na qual me encontro (co-) respondido, rejeitado, remetido a mim mesmo pelo outro e onde
me reconheço como sujeito.
A trama de aceitação e rejeição é basilar no processo de constituição de si mesmo. Essa trama aparece
na narratividade. As obras narrativas como mitos, lendas, romance, diálogos, novelas, a Bíblia, narrativas
de aventuras, história e estórias etc. refletem como tela de fundo essa trama essencial. A narratividade
encarna a trama de sujeitos. Daí a grande importância e sedução da literatura.
Muitas narrativas nos ajudam a constituir a consciência de nós mesmos. Ricoeur cunhou s expressão
“identidade narrativa” que descreve bem esse processo Narrativas revelam as tramas que constituem os
sujeitos numa cultura, dão o significado e origens das instituições como sedimentação de certa
responsividade coletiva.
Ainda que o polo dinâmico da constituição de si esteja originariamente localizado na alteridade, no
outro, o centramento de si mesmo possui uma dimensão transcendental de pessoalidade que constitui a
intersubjetividade humana. A vida humana intersubjetiva em suas muitas sedimentações constitui-se no
solo último e concentra as condições interpessoais de vida cotidiana. Que a intersubjetividade e a vida
cotidiana possuam dimensões transcendentais é uma das descobertas axiais do pensamento
contemporâneo. A unidade além de si mesmo, a significação intersubjetiva, a fundação não natural,
apontam para a dimensão transcendental dessa constituição.
Viemos dos outros e geramos outros fisiologicamente, culturalmente, socialmente... O caminho da
autonomia é, paradoxalmente, outro dependente. O ser humano não nasce “naturalmente”, por assim
dizer. O ser humano acontece na dimensão intersubjetiva da vida humana e na dialética da interpelação
e reposta, como caminho para atingir a autonomia ética.

Como se constitui o sujeito ético?


Vimos que o sujeito ético é uma autonomia alcançada através da alteridade.
Nele o acontecimento é um evento (no sentido de que ele vem a nós e nos interpela). A decisão ou
atitude ética é um modo de ser humano na vida concreta entre pessoas. O sujeito ético é parte de uma
humanidade social em que se constitui como indivíduo a partir dela e por refleti-la.
Ser outro-dependente (não confundir com subserviência ou dominação) é parte da autonomia do
sujeito ético. A autonomia se constitui nessa dialética. Todo sujeito possui uma trama narrativa e pode
testemunhar uma autobiografia.
Temos biografia e fazemos história. Todos esses elementos são constitutivos da personalidade ética.
O sujeito ético, na trama dialógica da interpelação e da resposta, encontra um mundo de validades
éticas e é impelido a agir em consonância com essas validades específicas. É a atitude e o
comportamento face às validades que agregam valor ético à ação: a ação pode ser boa ou má. É na
medida em que respondo por essas validades que me torno sujeito responsável eticamente. As validades
éticas são reconhecidas no outro, na natureza, na sociedade, no trabalho, nas instituições, no cotidiano,
em situações limites etc. O sujeito ético age, de modo geral, em relação às possibilidades que tem de
sustentar e encarnar valores que são reconhecidos e hierarquizados. Os valores mais fundamentais são
reconhecidos de modo a priori e com fundamento transcendental. Assim acontece, por exemplo, com o
amor, a justiça e a pessoa enquanto reconhecidos como validades transcendentais. Esses valores são
descobertos ou encobertos, afirmados ou negados, realizados ou falhados. Como tais, não são meros
produtos de algo ou de alguém. Valores são, pois, referências transcendentais necessárias à constituição
do sujeito ético.
O sujeito ético avalia a partir de um mundo com universalidade abrangente e a partir de muitos mundos
particulares possíveis. Essa dialética entre um mundo e muitos mundos em correlação é um dos avanços
fundamentais proporcionados por Husserl em sua análise do mundo da vida (Lebenswelt). A ética pode

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ser vista, ao mesmo tempo, como a correlação entre a unidade de um mundo e a pluralidade dos muitos
mundos culturais e pessoais possíveis.

CONCEITOS DE ÉTICA E MORAL COM BASE EM FILÓSOFOS

Distinção entre Ética e Moral21

Os conceitos de moral e ética, embora sejam diferentes, são com frequência usados como sinônimos.
Aliás, a etimologia dos termos é semelhante: moral vem do latim mos, moris, que significa “maneira de
se comportar regulada pelo uso”, daí “costume”, e de moralis, morale, adjetivo usado para indicar o que
é “relativo aos costumes”. Já ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado de “costume”.
Segundo Adolfo Sánchez Vásquez, tanto ethos como mos indicam um tipo de comportamento
propriamente humano que não é natural, o homem não nasce com ele como se fosse um instinto, mas
que é “adquirido ou conquistado por hábito”.
Lembrando a afirmação de filósofos como Aristóteles, para o qual o homem é um animal por natureza
social, político, e Thomas Morus, que afirmava que “nenhum homem é uma ilha”, podemos afirmar que a
moral tem um papel social, afinal, é o conjunto de regras que determinam como deve ser o comportamento
dos indivíduos em grupo, mas, ademais, é preciso ressaltar que ela também está relacionada com a livre
e consciente aceitação das normas. Dessa forma, o homem ocupa um papel ambíguo, de herdeiro e
criador de cultura, só conseguindo ter uma vida autenticamente moral quando, a partir da moral herdada,
é capaz de propor uma moral forjada em suas experiências de vida.
Já a ética é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que
fundamentam a vida moral. Essa reflexão pode seguir as mais diversas direções, dependendo da
concepção de homem que se toma como ponto de partida e, ao longo da história, filósofos foram
responsáveis por diversas concepções de vida moral, como veremos a seguir.

Concepção de Ética e Moral ao Longo do Tempo

No período clássico da filosofia grega, os sofistas rejeitam a tradição mítica ao considerar que os
princípios morais resultam de convenções humanas. Embora na mesma linha de oposição aos
fundamentos religiosos, Sócrates se contrapõe aos sofistas ao buscar aqueles princípios não nas
convenções, mas na natureza, o que se apreende em inúmeros diálogos de Platão, nos quais são
descritas as discussões socráticas a respeito das virtudes e da natureza do bem. Resulta daí a convicção
de que a virtude se identifica com a sabedoria e o vício com a ignorância: portanto, a virtude não pode
ser aprendida.
Platão, como Sócrates, combate o relativismo moral dos sofistas. Sócrates estava convencido que os
conceitos morais se podiam estabelecer racionalmente mediante definições rigorosas. Estas definições
seriam depois assumidas como valores morais de validade universal. Platão atribui a estes conceitos
ético-políticos o estatuto de Ideias (Justiça, Bondade, Bem, Beleza etc.), pressupondo que os mesmos
são eternos e estão inscritos na alma de todos os homens. Para Platão a Justiça consiste no perfeito
ordenamento das três almas e das respectivas virtudes que lhe são próprias, guiadas sempre pela razão.
A felicidade, portanto, consiste neste equilíbrio.
Herdeiro do pensamento de Platão, Aristóteles aprofunda a discussão a respeito das questões éticas,
mas, para ele, o homem busca a felicidade, que consiste na vida teórica e contemplativa cuja plena
realização coincide com o desenvolvimento da racionalidade.
O que há de comum no pensamento dos filósofos gregos é a concepção de que a virtude resulta do
trabalho reflexivo, da sabedoria, do controle racional dos desejos e paixões.
Além disso, o sujeito moral não pode ser compreendido ainda, como nos tempos atuais, na sua
completa individualidade. Os homens gregos são antes de tudo cidadãos, membros integrantes de uma
comunidade, de modo que a Ética se acha intrinsecamente ligada à política.
Durante a Idade Média, a visão teocêntrica do mundo fez com que os valores religiosos impregnassem
as concepções éticas, de modo que os critérios de bem e de mal se achavam vinculados à fé e dependiam
da esperança de vida após a morte.
Na perspectiva religiosa, os valores são considerados transcendentes, porque resultam de doação
divina, o que determina a identificação do homem moral com o homem temente a Deus.

21
GÓES, K, Elizabeth. Conceitos de ética e moral com base em filósofos. < https://karenelisabethgoes.jusbrasil.com.br/artigos/145251612/conceitos-de-etica-e-moral-
com-base-filosofica>.

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No entanto, a partir da Idade Moderna, culminando no movimento do Iluminismo, no século, XVIII, a
moral se torna laica, ou seja, ser moral e ser religioso não são pólos inseparáveis, sendo possível um
homem ateu ser moral, afinal, o fundamento dos valores não está em Deus, mas no próprio homem.
O Iluminismo exalta a capacidade humana de conhecer e agir à luz da razão. No lugar de explicações
religiosas, fornece três tipos de justificação para a norma moral: ela se funda na lei natural (teses
jusnaturalistas), no interesse (teses empiristas, que explicam a ação humana como busca do prazer e
evitação da dor) e na própria razão (tese Kantiana).
A máxima expressão do pensamento iluminista se encontra em Kant, o qual, analisando os princípios
da consciência moral, conclui que a vontade humana é verdadeiramente moral quando regida por
imperativos categóricos, que são assim chamados por serem incondicionados, absolutos, voltados para
a realização da ação tendo em vista o dever.
Nesse sentido, Kant rejeita as concepções que predominam até então, quer seja da filosofia grega,
quer seja da cristã, e que norteiam a ação moral a partir de condicionantes como a felicidade ou o
interesse. Para Kant, o agir moralmente se funda exclusivamente na razão. A lei moral que a razão
descobre é universal, pois não se trata de descoberta subjetiva (mas do homem enquanto ser racional),
e é necessária, pois é ela que preserva a dignidade dos homens, o que pode ser sintetizado na seguinte
afirmação: “Age de tal modo que a máxima de tua ação possa sempre valer como princípio universal de
conduta”.
No século XIX, as relações entre capitalistas e proletariados atingiram níveis agudos de antagonismo,
fazendo surgir os movimentos de massa e a tentativa de teorização desses fenômenos. Deriva daí a
preocupação empírica em examinar a situação concreta vivida pelos homens nas suas relações sociais.
Para Marx, “o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e
intelectual em geral”. Isso significa que as expressões da consciência humana – inclusive a moral – são
o reflexo das relações que os homens estabelecem na sociedade para produzirem sua existência, e,
portanto, mudam conforme mudam os meios de produção.
Ainda no século XIX, Nietzsche faz a análise histórica da moral, critica Sócrates por ter encaminhado
pela primeira vez a reflexão moral em direção ao controle racional das paixões, pois, segundo Nietzsche,
“nasce aí o homem desconfiado de seus instintos”, e denuncia a incompatibilidade entre a moral e a vida,
afinal, para ele, o homem sob o domínio da moral se enfraquece, tornando-se doentio e culpado.
Ao criticar a moral tradicional, Nietzsche preconiza a “transvaloração de todos os valores”. Denuncia a
falsa moral, “decadente”, “de rebanho”, “de escravos”, cujos valores seriam a bondade, a humildade, a
piedade e o amor ao próximo. Contrapõe a ela a moral “de senhores”, uma moral positiva que visa à
conservação da vida e dos seus instintos fundamentais.
Também do século XIX, Sartre afirma que:
“O conteúdo [da moral] é sempre concreto e, por conseguinte, imprevisível; há sempre invenção. A
única coisa que conta é saber se a invenção que se faz, se faz em nome da liberdade”. A decorrência
desse pensamento é a dificuldade em estabelecer os critérios para a fundamentação da moral. Sartre
prometeu e não conseguiu cumprir a elaboração de uma ética que não sucumbisse ao individualismo e
relativismo já que, segundo ele, “cada homem é responsável por toda humanidade”.
No mundo contemporâneo, a situação da moral e da ética, em síntese, nos lança diante de um
impasse: de um lado prevalece a ordem subjetiva das vivências e emoções, a anarquia dos princípios ou
a simples ausência deles; de outro lado, a razão dominadora, instrumento de repressão, como nos
denuncia Marx e Nietzsche, entre outros.
Dessa forma, conclui-se que, apesar de serem etimologicamente semelhantes, a moral e a ética são
distintas, tendo a moral um caráter prático imediato e restrito, visto que corresponde a um conjunto de
normas que regem a vida do indivíduo e, consequentemente, da sociedade, apontando o que é bom e o
que é mal, influenciando os juízos de valores e as opiniões. Em contrapartida, a ética caracteriza-se como
uma reflexão filosófica de caráter universalista sobre a moral, a fim de analisar os princípios, as causas,
mas, também as consequências das ações dos indivíduos para a sociedade.

O QUE É NÃO-CIDADANIA?

Desumanização e Coisificação do Outro


Vivemos tempos de crises. Vivemos o tempo da crise. É possível apresentar toda história do
capitalismo através do encadeamento de crises que sucessivamente marcaram diferentes momentos
desse modo de produção. Respaldada na realidade histórica, é possível asseverar que a crise é elemento
constitutivo do capitalismo. “Não existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise” afirma NETO
(2006), com o cuidado de advertir que sua afirmação não significa uma naturalização da crise. Defender
que toda economia, independentemente da contextualização histórica, tem crise e que, por conseguinte,

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é natural a existência de crises, funciona como um argumento ideológico para disseminar a aceitação do
particular como universal. A naturalização da crise, especificamente produzida sob a lógica do capital,
tem sido muito utilizada pela ideologia burguesa na mitificação das causas da crise conhecidas no
capitalismo22.
Crises econômicas não são fenômenos naturais, são fenômenos sociais, portanto, podem ocorrer,
inclusive, em sociedade que não estejam organizadas sob a lógica do capital, mas sob a lógica do capital
a crise é ineliminável. É forçoso destacar esses dois aspectos: primeiro, a crise é faz parte do capitalismo,
mas não por força da natureza; segundo, não existe nenhum dado histórico que possibilite universalizar
a crise no âmbito da sociabilidade humana. Assim, nenhum argumento ideológico pode retirar do
horizonte histórico a possibilidade real da construção de uma organização econômica diversa da
capitalista, capaz de suprimir as causas da crise estrutural que submete a humanidade a uma existência
desumana.
Obviamente as situações de crise não apareceram na história da humanidade com o capitalismo, antes
da sociedade produtora de mercadorias é possível constatar inúmeras crises que advieram em outros
contextos históricos. Entretanto, não existe uma semelhança entre as crises que ocorreram nas
sociedades pré-capitalistas e as crises ocorridas sob a lógica do capital. Aquelas crises apareciam sempre
em decorrência da destruição de produtores e meios de produção em consequência de desastres naturais
ou catástrofes sociais gerando uma insuficiência na produção de valor de uso, uma crise de subprodução.
Inversamente, as crises no capitalismo ocorrem em meio à superprodução de valores de troca que não
encontram escoamento no mercado, não realizam o valor. As crises anteriores ao capitalismo existiam
em função das necessidades humanas enquanto as crises do capital ocorrem primordialmente em função
dos interesses de reprodução do capital. Eis o cerne da questão... E é sobre essa questão: a crise do
capital e a construção de uma alternativa societária, que supere os antagonismos do nosso tempo, que
propomos refletir neste artigo. (NETO, 2006).

Crise Estrutural do Capital


Um breve recuo histórico nos coloca frente às demandas advindas da crise do capital, que marcaram
as últimas três décadas do século XX, e se estende aos dias atuais. Essa crise, embora ligada as crises
anteriores, assumiu uma forma diferente expondo, inegavelmente, seu caráter estrutural. Mas essa
diferença não é empiricamente perceptível no caos cotidiano dos antagonismos da sociedade de mercado
e tem sido naturalmente tratada, pelos capitalistas, como mais um episódio de crise ligada a um ciclo
econômico que se esgota para em seguida, pelas soluções adotadas, surgir outro ciclo.
Nesta perspectiva, a crise que se manifestou nos anos 70 foi enfrentada da mesma forma que as crises
anteriores, ou seja, epidermicamente. As medidas reestruturantes adotadas foram suficientes para o
capital poder reproduzir-se, não apenas consolidando livremente sua movimentação em circuito
planetário, mas, sobretudo, reeditando o mito da propriedade fundada no trabalho próprio e do mercado
como fundamento da sociabilidade humana. O conjunto dessas medidas adotado na mudança do modelo
de reestruturação produtiva necessitou de um suporte ideológico e de importantes reformas político-
sociais visando diluir, pelo discurso, a luta de classes e qualquer outra forma de organização societal para
além do capitalismo. O decreto do fim da história, intimamente ligado ao fim da utopia, substituiu a
possibilidade da luta revolucionária por práticas reformistas propositivas, institucionalizadas na forma de
cooperação e parcerias editadas no âmbito da participação cidadã e da promessa de emancipação
política.
Portanto, a reedição do discurso apologético do mercado, recurso ideológico embasado num retorno
aos economistas clássicos e ao liberalismo nascente, serviu como veículo de consenso para as reformas
exigidas. Pela trilha d’O Caminho da Servidão2 a ideologia liberal foi alçada a neoliberalismo que de
maneira dogmática eternizou o capitalismo na plenitude do consumo - potencializado pela lógica do
descartável; e nas conquistas da democracia burguesa - potencializadas pelo discurso da participação
representativa.
A ideia do novo que projetava a liberdade humana como possibilidade que levaria ao futuro, presente
no pensamento iluminista, e defendido pelo projeto civilizatório da burguesia nascente, desapareceu.
Restou, em meio aos limites da racionalidade pragmática e utilitarista, o interesse conservador da
reprodução incessante do metabolismo societal do capital, ideologicamente atualizado na turva visão pós-
moderna. O que vivemos hoje, na aceitação fatídica dos velho-novos tempos como imperativo categórico
de um momento histórico que não mais anuncia o futuro, está presente na desrazão intrínseca ao caráter
totalizante do capital. Sob a ideologia que forja a consciência contingente, essa desrazão parece natural
no limite da aparência fenomênica das promessas, irrealizáveis, de desenvolvimento para a humanidade.
22
Beth Furtado. QUAL ALTERNATIVA? UMA QUESTÃO TECIDA NA ESPERANÇA DO FUTURO. Revista Labor.
http://www.revistalabor.ufc.br/Artigo/volume2/BethFurtado.pdf.

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Não é sem razão que o ardil ideológico precisa compor, no âmbito das subjetividades, a mitificação
necessária para o acatamento da atualização objetiva das estratégias, cada vez mais reificantes e
desumanizadoras, da reprodução do capital.
Segundo NETO (2006), a prosperidade capitalista apregoada pela revolução da produção foi desde
sempre marcada por crises. Desde 1825 até o momento imediatamente anterior a Segunda Guerra
Mundial ocorreram pelo menos quatorze crises, número suficiente para dar relevo à instabilidade do
sistema. Se as primeiras crises do capitalismo eram mais ou menos localizadas, a partir de 1847-1848,
seguindo a própria lógica expansionista do capital, as crises foram tomando proporção mundial, como é
exemplar a crise de 1929. Até aquele momento entre uma crise e outra ocorria um ciclo econômico em
torno de 8 a 12 anos aproximadamente, mas após a Segunda Guerra Mundial esses ciclos foram
encurtando mais e mais. Para enfrentar as crises que começavam a ter uma existência quase contínua o
papel do estado foi redimensionado no âmbito da dinâmica econômica criando condições para o
surgimento de políticas macroeconômicas implementadas por organismos supranacionais instituídos para
administrar e reduzir o impacto das crises.
Portanto, todo o século XX foi palco de crises do capitalismo que, inicialmente cíclicas e passiveis de
controle por estratégias anódinas, confluíram, pelo adiamento da resolução dos antagonismos geradores
da crise, dos limites relativamente moderáveis para limites estruturais, insuperáveis dentro da ordem do
capital. No rol dos “remédios milagrosos” essas medidas de caráter paliativo acabaram contribuindo para
o aprofundamento da crise que vai se tornando crescentemente contínua. As estratégias de mudar para
não mudar estão, cada vez mais, dando mostras de exaustão e, nas últimas décadas, o caráter contínuo
da crise não pode mais ser obscurecido pelas diferentes expressões fenomênicas imediatamente visíveis.
A crise não se expressa nem se limita a uma questão técnica ou a uma disfunção monetária passageira
como querem fazer crer os economistas e/ou ideólogos burgueses.
Convertida em “problema técnico”, a crise dos anos 70 foi vinculada à falta de sincronia dentro da
extrema fragmentação do processo de produção taylorista-fordista. Avaliando que esse padrão produtivo
acabou acarretando uma perda de tempo na resultante da soma dos tempos de espera, entre os ciclos
cada vez mais curtos e cada vez mais parcelados dos movimentos de trabalho, a crise foi enfrentada com
uma reestruturação da base produtiva. Contudo o “remédio” vindo do oriente na prescrição toyotista e
todo arsenal neoliberal que serviu de suporte ideológico para as propaladas mudanças não logrou sanar
o problema, confirmando que essa crise não se esgota num problema meramente técnico, mas como
bem define MÉSZÁROS (1987), é uma crise estrutural que atinge as instituições capitalistas do controle
social na sua totalidade. Neste caso, mesmo a política, que nada mais é senão a aplicação consciente de
medidas estratégicas capazes de afetar profundamente o desenvolvimento social como um todo, é
transformada em instrumento de manipulação, desprovida de sua finalidade própria, restando ao discurso
político – neoliberal - apenas seguir o padrão de movimento reativo tardio e de curto prazo, em resposta
às crises que irrompem na base econômico-social da produção e acumulação do capital que se invalida.
A crise estrutural do capital é, portanto, o encontro do sistema com seus próprios limites intrínsecos,
mesmo que se manifeste, como atualmente, numa crise financeira que se tece, desde a década de 90,
nos problemas de liquidez, restrição de credito, queda do dólar e na alta dos preços do petróleo, das
matérias primas e dos alimentos. De forma imediata, ressalte-se imediatamente aparente, o que estamos
vivendo - agora - são as consequências do “buraco” criado pelo capital fictício que começou com mais de
200 bilhões de euros, valor da dívida de mais de três milhões de famílias, que criou um efeito dominó
atingindo grandes estabelecimentos de crédito do mundo e a economia real numa crise de proporção
mundial.
Toda a etapa de liberalização e globalização financeira dos anos 80 e 90 esteve baseada na
acumulação de capital fictício, sobretudo nas mãos de fundos de investimentos, fundo de pensões, fundos
financeiros hoje é que em muitíssimos países os sistemas de aposentadoria estão baseados no capital
fictício (...) desde finais ou meados dos anos 90 e ao longo dos anos 2000 foi, nos Estados Unidos e na
Grã Bretanha em particular, o impulso extraordinário que se deu a criação do capital fictício na forma de
crédito (...) a empresas, mas também e, sobretudo de crédito habitacional, créditos ao consumo e a maior
parte em créditos hipotecários originando formas ainda mais agudas de vulnerabilidade e fragilidade do
mercado acionário (...) existira a ilusão de que não havia limites para a alta no preço das ações, isso não
podia ocorrer no setor imobiliário: quando se trata de edifícios e casas é inevitável que chegue o momento
em que o boom acaba. (CHESNAIS,2008)
Logo no início do século XXI, com o estouro da supervalorização das empresas ligadas a internet, o
presidente do banco central norte-americano - Alan Greenspan, com a finalidade de resguardar os
investidores lançou uma política de redução dos encargos financeiros e de juros baixos. Isso induziu um
enorme volume de investimentos para o mercado imobiliário gerando uma ampla rede que envolveu
famílias sem grande poder aquisitivo em empréstimos hipotecários de risco e taxa variável. Prevendo o

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risco que corriam nessa roda-viva hipotecaria os grandes investidores venderam, para outros bancos,
uma parte de seus créditos de risco, estes colocaram em fundos de investimentos especulativos,
expandindo-se pelo sistema bancário do mundo inteiro, em condições tais que ninguém podia saber
exatamente o que estava comprando. Foi dessa maneira que surgiu o sistema dos subprimes que parece
ter desencadeado toda a crise financeira.
Desde 2005, com o fim da política de juros baixos, que era apenas uma estratégia artificialmente
originada para minimizar as turbulências do sistema financeiro, teve início a denominada crise financeira.
A partir da explosão do sistema dos subprimes se expandiu para além dos EUA alcançando, no segundo
semestre de 2007, o sistema bancário e a economia global. Mas, em relação ao caráter financeiro e
global dessa crise é fundamental observar o que Francisco de Oliveira protesta no artigo Quo vadis
capitalismus?
Esta não é uma crise da globalização, e não apenas global. Pois ela nasceu nas periferias, China e
Índia, que já nem são periferias, senão parte do centro. É uma crise clássica de realização do valor, com
a diferença de que desta vez a produção do valor se dá nas agora importantes periferias citadas, enquanto
sua realização depende do consumo das classes sociais nos países mais desenvolvidos. Que ela tome
logo o aspecto de uma crise financeira, pois o dinheiro é o equivalente geral e toda produção de valor
tende imediatamente a transformar-se em dinheiro, pois como sabíamos desde Marx, dinheiro não é mais
do que a circulação de mercadorias, incluindo o chamado "capital fictício" cujo delirante desenvolvimento
escondeu por muito tempo as raízes materiais da crise em gestação. Daí que nos países centrais,
sobretudo nos Estados Unidos, ela tenha imediatamente se convertido em crise financeira com a
inadimplência das hipotecas, mas, no caminhar da carruagem, o setor produtivo nos países centrais logo
acusou o golpe financeiro e entrou em recessão, com o risco de transformar-se na primeira grande
Depressão, com D maiúsculo, depois de Trinta. (OLIVEIRA, 2009).
Apesar de não sabermos a exata extensão do problema em números reais da crise e da ajuda
financeira que os bancos centrais e os governos, norte-americano, e do resto do mundo, dispuseram para
socorrer o sistema financeiro em bancarrota, sabe-se das muitas centenas de bilhões de dólares e euros
que foram usados para restaurar, não apenas as perdas monetárias, mas, sobretudo, a confiança no
mercado frente a mais grave crise da era da economia mundializada. Em Davos - 2009, o fundador do
Fórum Econômico Mundial - Klaus Schwa - manifestou sua preocupação com a complexidade e
profundidade dessa crise afirmando: “o grau de perda de confiança do mundo nas suas instituições é
sério”. Essa afirmação é um claro indicativo que, não obstante as controvérsias a respeito da crise, é o
mercado que deve ser protegido, é o capital que precisa ser reproduzido.
Também não podemos ignorar que mesmo na crise, a própria crise, serve como elemento re-ordenador
do capital e, portanto, por algum tempo alguns se beneficiam. “Os administradores de fundos
enriqueceram e os investidores viram o seu dinheiro desaparecer. E estamos falando de muito dinheiro,
em todo esse processo”, assegurou o Nobel de Economia e colunista do New York Times - Paul
Krugmann. No mesmo sentido e com ironia, The Economist de 6 de dezembro de 2008 mostrou na capa
um imenso buraco negro, e a manchete “Where have all your savings gone” (para onde foram todas as
suas poupanças). O título é uma brincadeira com a música “Where have all the flowers gone” cantada por
pessoas alegres em 1968. Mas na realidade, trata-se da poupança de uma imensa massa de pessoas
que foi para o buraco, e estas pessoas não estão nada felizes. O mais inquietante é que na realidade,
não desapareceu a riqueza, o mundo continua a contar com o mesmo número de casas, de carros etc. É
o direito sobre estas casas e outros bens que mudou de mãos. Esta apropriação de riquezas por quem
não as produziu, e inclusive desorganiza os processos produtivos, constitui um do elementos centrais da
deformação do sistema. (DOWBOR, 2009).

Sentido e Significado da Crise Estrutural


Mais profunda que uma crise de dominação, que coloca em xeque o poder da política de consenso do
capital – a crise estrutural coloca no horizonte histórico da humanidade o risco do fim da própria
humanidade, como indica o rastro de barbárie e aniquilamento da natureza deixado pela produção
destrutiva do capital. Neste caso, aquelas soluções provisórias, na expectativa de criar situações não
definitivas, mostram-se ainda mais ineficazes. Nada foge a lógica da irreversível extensão do capital e
seu domínio se estende a todos os aspectos da vida humana. Vale ressaltar que, se as consequências
do enfrentamento de limites relativos nas crises cíclicas já se mostravam destrutivas, as consequências
produzidas sob as condições de uma crise estrutural, atingindo as dimensões fundamentais do sistema,
se mostram ainda mais devastadoras.
A cega lei natural do mecanismo de mercado traz consigo o inelutável resultado de que os graves
problemas sociais, necessariamente associados com a produção e a concentração do capital, jamais são
solucionados, mas apenas adiados (...). Crescimento e expansão são necessidades inerentes do sistema

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de produção capitalista e, quando os limites locais são atingidos não resta outra saída a não ser reajustar
violentamente a relação dominante de forças (MÉSZÁROS, 1987).
Uma análise crítica da crise estrutural do capital, na busca do seu real sentido e significado, nos permite
percebê-la visceralmente ligada ao processo de reprodução ampliada do capital, que necessita de
métodos cada vez mais destrutivos ante o inexorável desafio de expandir-se. A produção destrutiva do
capital, enfatizada por Mészáros (2002), tem sido nas últimas décadas, a solução adotada pelo capital no
sentido de salvaguardar a extração do trabalho excedente; a diminuição do tempo impresso na
mercadoria no que tange à produção e a taxa decrescente do valor de uso, tempo necessário pra o
consumo. Em outras palavras, a produção de mercadorias nessa lógica destrutiva de diminuição de tempo
socialmente necessário de produção e de circulação-consumo, faz acelerar as demandas produtivas, que
exigem cada vez mais força de trabalho no sentido de criar mais trabalho excedente e produzir mais valor.
A efetivação desse padrão destrutivo, marcado pela urgência de consumo, é a razão da ênfase ao
descartável que acelera o esgotamento das matérias primas pondo em risco o equilíbrio ecológico do
planeta e o próprio homem.
Mas, de onde vem esse potencial crescentemente destrutivo que se revela no cotidiano da crise? Ainda
de acordo com Mészáros, o primeiro teórico a avaliar o potencial destrutivo do capital em seu processo
de auto expansão foi Marx, mesmo quando essas forças destrutivas ainda estavam longe da plena
manifestação vivida nos dias atuais. A letalidade desse sistema, hoje constatada, já estava anunciada em
1845, nas palavras do autor do O Capital:
No desenvolvimento das forças produtivas surge uma etapa em que se criam essas forças e os meios
de inter-relacionamento, sob os quais as relações existentes apenas prejudicam e já não são forças
produtivas, mas destrutivas. ... No sistema da propriedade privada, essas forças produtivas se
desenvolvem de forma apenas unilateral e, em sua maioria, tornam-se forças destrutivas. Deste modo,
as coisas chegam a tal situação que as pessoas são obrigadas a apropriar-se da totalidade das forças
produtivas existentes, não somente para realizar sua própria atividade, mas, também, para simplesmente
salvaguardar sua própria existência. (MARX apud MÉSZÁROS 2002).
A análise de Marx expressa bem a realidade deste início de século, a nova fase do capital mundializado
que em sua mais alargada extensão de miséria e barbárie conjuga, paradoxalmente, crescimento
econômico sem desenvolvimento humano, melhor dizendo, a custa do desenvolvimento humano.
CHASIN (1987) refere-se a essa face destrutiva do capital afirmando que o desenho que se mostra do
tópico ao profundo é o de um colosso desgovernado/desgovernante, complexo movente/movido que, pelo
seu próprio estatuto roeu seus controles e devorou seu nexo. No gigantismo da sua hipermaturidade
perdeu a proporcionalidade interna, e, com esta, os recursos compensatórios que foram capazes de
engendrar novos ciclos em fases anteriores. No Manifesto Comunista esta problemática está posta nos
seguintes termos:
Porque a sociedade possui civilização em excesso, meios de subsistências em excesso, indústria em
excesso, comércio em excesso. As forças produtivas que dispõem não mais favorecem o
desenvolvimento das relações burguesas de propriedade; pelo contrário tornaram-se poderosas demais
para essas condições, passam a ser tolhidas por elas; e assim que se libertam desses entraves lançam
na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da propriedade burguesa. O sistema burguês
tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu seio. E de que maneira consegue
a burguesia vencer essas crises? De um lado pela destruição violenta de grande quantidade de forças
produtivas; de outro, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A
que leva tudo isso? Ao preparo de crises mais intensas e mais destruidoras e a diminuição de meios para
evitá-las. (MARX e ENGELS, 1998).
A história do capitalismo demonstra essa afirmação, na crescente exigência de reordenamento
econômico e de reajuste da relação de forças a alternativa do capital tem residido na intensificação da
taxa de exploração do capital sobre o trabalho, condição necessária a produção de mais-valia. Via de
regra isso ocorreu, também, articulado a ciência e a tecnologia, atualmente essa prática de extração da
mais-valia relativa está avigorada, e o resultado apresenta que o crescimento econômico aliado a um
avanço tecnológico ímpar ampliou, também e de forma notável, a exploração do trabalho sob o império
do trabalho acumulado, trabalho morto. Paradoxalmente, tudo isso se mantém invisível na sutileza da
feição da exploração introduzida pela produção flexível e a forma volátil que o capital assumiu nos
circuitos financeiros mundializados.
Atrás de uma aparência factual da crise, CHASIN (1987) adverte acerca da desproporcionalidade
estrutural alargada, na qual se instaura o agigantamento e a desigualdade própria e intrínseca ao sistema
do capital, cujo circuito internacional é tomado pelas consequências do super crescimento e
monopolização do incremento tecnológico que desgovernam a lei do valor. Em consequência disso, o
fluxo entre os vasos comunicantes do sistema deixam de funcionar apenas em mão única, no

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deslocamento das contradições no sentido centro periferia, passando a um transito de mão dupla,
obviamente desigual. As contradições destinadas à periferia, que em fases anteriores eram assimiladas
por completo, passam a retornar ao centro na forma de contradições multiplicadas, assim, o circuito inteiro
apresenta a face de um sistema que parece ter perdido a capacidade de reter seu nexo, implodindo, por
exacerbação, os laços contraditórios que antes davam coesão ao sistema. Por outro lado, mas, no mesmo
sentido, julgando ter domesticado a lei do valor, a monopolização do incremento tecnológico, de fato, pelo
transtorno e constrangimento da lógica do valor, desequilibra todo o sistema aprofundando de modo
vulcânico o conjunto de suas contradições, a crise passa a ser, então, a mercadoria mais abundante, e a
barbárie a alternativa “natural” à auto- expansão do capital.
Chasin, como Chesnais e Mészáros, cada um à sua maneira, mas na mesma perspectiva de análise
posta por Marx, expõem no centro da crise a determinação ontológica do capital: sua orientação à
expansão pelo impulso da acumulação. É justamente a realização dessa determinação que torna cada
vez mais irrefutável o caráter estrutural da crise do capital, por isso não pode haver capitalismo sem crise.
Como objetivamente é a capacidade de extrair e acumular trabalho excedente a condição de existência
do capital e do seu processo de auto reprodução, cada vez mais é indispensável expandir-se gerando
mais-valia para reproduzir o capital.

Pelo Caminho da Linha de Menor Resistência


Para MÉSZÁROS (2002), a atual forma de produção destrutiva do capital expõe o fato de o capital ter,
historicamente, optado pela adoção da linha de menor resistência, ou seja, uma tendência que o capital
vem adotando na produção/reprodução de encontrar uma estratégia funcional, “capitalisticamente” mais
viável e facilmente exequível, no curso da acumulação em vez de apreender o que as determinações
materiais predicam, de modo diferente, na expansão da produção e no correspondente desenvolvimento
das necessidades humanas. Assim, o capital, no imediatismo de soluções pragmáticas, tem adotado um
programa de ação que vem assegurando o controle social exigido na manutenção do status quo sem
buscar novas estratégias, ao custo do próprio capital, para produzir opções que possam incluir as
possibilidades de desenvolvimento humano.
Foi na adoção dessa linha de menor resistência e em obediência a lógica intrínseca de expansão do
capital que ocorreu a produção e circulação ampliada, uma equação que apareceu dar certo até o
esgotamento do modelo taylorista-fordista. Com as crises de acumulação e novas exigências da
reprodução do capital ocorreu a exaustão funcional deste modelo de acumulação. Ante a impossibilidade
da abertura de mercados, na mesma lógica da linha de menor resistência a saída foi acelerar a velocidade
da circulação dentro do próprio círculo de consumo já existente. Vem daí toda produção generalizada do
desperdício.
Essa estratégia de ampliar as transações já estabelecidas em detrimento do alargamento do círculo
de consumo parece ser aos olhos do capital o caminho mais fácil, não obstante todas as mazelas que tal
opção provoca ao arrancar as pessoas do círculo de consumo. Apesar do movimento produzido por esta
lógica, da solução de menor custo para o capital, cobrar um elevado custo para o ser humano e para o
planeta, essa alternativa só será alterada quando a opção eleita se mostrar totalmente incapaz ao que é
requerido pela produção/reprodução no processo de recomposição do capital. Somente neste momento
será buscada outra forma, mas seguindo sempre a mesma racionalidade da linha de menor resistência.
(MÉSZÁROS; 2002)
Até lá resta aos capitalistas a administração da crise, deslocando as contradições subjacentes às
exigências ontológicas do capital e prevenindo qualquer potencialidade de enfrentamento ou superação
que possa advir do mundo do trabalho, que possa pôr em risco o padrão de distribuição adotado. È
importante ressaltar que a adoção da linha de menor resistência não é uma alternativa apenas do capital,
o trabalho também tem aderido a essa lógica. Mas, MÉSZÁROS (2002) adverte que a classe que domina
está atenta às formas de controle embora saiba, melhor até que algumas organizações e partidos
representativas dos trabalhadores, que a classe trabalhadora não se transformou em massa amorfa de
consumidores.
A classe trabalhadora também trilha pela linha da menor resistência, mas certamente esse não será o
caminho a ser construído para o futuro. A opção reformista tem sido muitas vezes adotada dentro da
lógica do capital, contribuindo para o adiamento resolutivo dos antagonismos do modo de produção
capitalista. Embora seja inegável a necessidade de ações imediatas no que se refere à distribuição da
riqueza, como exigência da miséria produzida pela exploração do trabalho, é indispensável enfrentar a
armadilha estéril e enganadora de teses como a do distributivismo, adotando-o como a saída para as
mazelas sociais do capitalismo dentro dos limites do próprio capital.
Para os trabalhadores o problema da distribuição deve estar ligado à necessidade de revolucionar a
produção no sentido dos interesses humanos, caso contrário será mais uma estratégia, dos

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trabalhadores, de adoção da linha de menor resistência. O antagonismo fundado no e pelo capital base
da riqueza e da barbárie do mundo de hoje, aponta indubitavelmente para a exigência de mudanças
estruturais, não apenas do padrão de distribuição, mas no modo de produção, na totalidade social.
Obviamente o interesse de revolucionar essa situação não pode ser dos capitalistas. É a realidade
vivenciada pelos trabalhadores, resultante do lugar que ocupam na sociedade produtora de mercadorias,
que coloca para a classe trabalhadora a necessidade de livrar-se de toda exploração e coisificação para
retomar sua humanidade.
O capital tem mantido determinadamente sua rota, apesar do enorme sofrimento imposto aos
trabalhadores. A opção por construir saídas conservadoras, assegurando o processo de acumulação nas
mesmas bases, indica que sem revolucionar a base produtiva não se altera a distribuição da riqueza
socialmente produzida e privativamente acumulada. Neste caso, a experiência pós-capitalista da ex-
URSS é exemplar, pois não bastou converter os meios de produção em propriedade coletiva sob o
controle do Estado se a forma produtiva permaneceu nos parâmetros do modelo fordista de produção e
o mecanismo de assalariamento impediu revolucionar a exploração do trabalho.
Para muitos teóricos marxistas que vivem no contexto dessa crise, ressaltando Mészáros, a exploração
do trabalho excedente, é o ponto nodal da total impossibilidade da emancipação humana dentro da
sociedade capitalista.
O capital no processo de reprodução ampliada tem dado mostras da sua incrível capacidade de
manipulação bem-sucedida tanto do círculo de consumo como da intensificação da extorsão das taxas
de mais-valia absoluta, enormemente reforçada pela forma relativa. Isso tem ampliado a margem de
manobra do capital retardando a maturação das suas contradições internas.
Enquanto as condições recém-criadas pelas reestruturações e reformas implementadas prevalecerem,
habilitando o capital a uma nova tentativa de controle graças a uma adequada reconfiguração, a linha de
menor resistência continua sendo a melhor saída adotada pelo capitalismo em crise. Todavia, mesmo
que a forma de administrar as crises pareça ser radicalmente nova também vai confluir para o processo
de exaustão das estratégias de reprodução ad eternam do capital. É inegável que, desde algum tempo,
o capitalismo, eficiente explorador e organizador do trabalho, perdeu sua função civilizatória e as
consequências danosas para a humanidade podem ser constatadas por todos os lados. A obsolescência
planejada, o culto ao desperdício, o desemprego estrutural, a miséria humana, a guerra, mostram a
notável capacidade do capitalismo de absorver oposições e amortecer contradições mesmo ao custo da
irrefreável negação da humanidade e da natureza. Mas, ao mesmo tempo, tudo isso pode ser um
indicativo do esgotamento das alternativas que o sistema contava para ampliar-se. Vivemos, talvez, as
últimas batalhas da uma guerra do capital contra o próprio homem.
Assim, o desafio da situação de desumanização que o homem está submetido, da destruição crescente
da natureza se apresenta irresoluto nos limites de um modo de produção subordinado ao capital. Como
já foi explicitada por Marx, e por tantos outros teóricos, a realização da exigência ontológica do capital,
de contínua expansão, exige que qualquer obstáculo, até mesmo o próprio homem, seja ignorado e
suplantado. Por isso, o capital necessita adotar processos de produção cada vez mais destrutivos.
A devastação sistemática da natureza e a acumulação contínua do poder de destruição – para as quais
se destina globalmente uma quantia superior a um trilhão de dólares por ano – indicam o lado material
amedrontador da lógica absurda do desenvolvimento do capital. Ao mesmo tempo, ocorre a negação
completa das necessidades elementares de incontáveis milhões de famintos: o lado esquecido e que
sofre as consequências dos trilhões desperdiçados. O lado humano paralisante deste desenvolvimento é
visível não só na obscenidade do “subdesenvolvimento” forçado, mas em todos os lugares, inclusive na
maioria dos países de capitalismo avançado. O sistema existente de dominação está em crise porque
sua raison d’être e sua justificação histórica desapareceram, e já não podem mais ser reinventadas, por
maior que seja a manipulação ou a pura repressão (MÉSZÁROS, 2002).
Riqueza e miséria em coeficientes inimagináveis. Um paradoxo autofágico entre o dinamismo
expansionista da realização do valor, sem precedentes históricos, e a crescente incapacidade do capital
de enfrentar os seus próprios limites. Uma pulsão de contradições advindas do imperativo de crescimento
e expansão do capital, o que parece ser, na leitura da classe hegemônica, a única alternativa histórica
para a humanidade. Essa tem sido a saída, não obstante sua resultante ser a submissão da natureza e
do homem aos interesses da acumulação do capital.
Como foi mostrada anteriormente, a alternativa do capital aos graves problemas gerados pelo processo
de expropriação, de apropriação/acumulação e de exclusão do capital, tem sido a adoção de medidas
emergenciais dentro da lógica da linha de menor resistência. CHESNAIS (2008b) sintetiza a alternativa
adotada pelo capital para enfrentar seus limites imanentes, em três estratégias utilizadas desde as últimas
décadas do século passado e que confluíram para as condições atuais de aprofundamento da crise. A
primeira refere-se à liberalização das finanças, do comércio e dos investimentos que aliados a um

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processo de destruição das relações políticas permitiu a criação de um mercado mundializado, enquanto
um espaço aberto, mas não homogêneo, que amortizou os obstáculos à mobilidade do capital e permitiu
a organização do seu ciclo de valorização em escala mundial. A segunda estratégia, localizada no centro
do sistema, foi a criação, numa escala sem precedentes, do capital fictício - e os meios de crédito para
ampliar uma demanda efetiva compatível. A terceira, historicamente a mais importante para o capital, foi
a reincorporação, enquanto elementos plenos do sistema capitalista mundial, da União Soviética e seus
satélites, e da China.
Foi essa alternativa, e suas diversas estratégias, que trouxe a humanidade a uma condição cada vez
mais limitada ao imperativo da reprodução do capital que aprisiona tudo e todos em seus limites
insuperáveis e reprime o caráter radicalmente ilimitado da história. A exigência expansionista do capital
projeta na forma de produção e de consumo crescentemente destrutivo, inevitavelmente, a crise que exige
reordenamentos cada vez mais amiúdes. Na crise atual a estratégia eleita para a recomposição da taxa
de lucro tem sido a mega ajuda governamental destinada ao salvamento de bancos e empresas e a
elevação da extração de mais valia.
Mas, como observa CHESNAIS (2008b), a amplitude da intervenção do Tesouro conseguiu que a
contração da atividade dos Estados Unidos e a queda nas importações tenha sido até agora muito
limitada. O problema é saber quanto tempo se poderá ter como único método de política econômica criar
mais e mais liquidez. Será possível que não há limites a criação de capital fictício sobre a forma de liquidez
para manter o valor do capital fictício já existente? Parece uma hipótese demasiado otimista, e mesmo
entre os economistas norte-americanos, muitos duvidam, pois a estatização das dívidas implica a criação
imediata de mais capitais fictícios para manter a ilusão de um valor do capital que está a ponto de
desaparecer. Crescem os rumores do fim da crise nas análises burguesas, mas Chesnais, no encontro
realizado pela revista Herramienta em setembro de 2008 fez uma advertência muito adequada aos dias
atuais: “é prematuro o discurso de que o “que o pior já passou”, quando o certo é que ‘o pior’ pode ainda
estar por vir. O risco de minimizar a gravidade da situação reforça a possibilidade de que,
inadvertidamente, estejamos interiorizando também esse discurso de que, definitivamente ‘está tudo
bem’”.
Para o autor de Para além do Capital, contrariando as expectativas de Marx, no fim século XX o capital
revolucionou formas de assegurar a acumulação, intensificando a exploração da mais-valia sem ampliar
a periferia da circulação. Isso significa que novos limites para a expansão do capital foram postos e as
condições objetivas de saturação da estrutura global da reprodução do capital foram qualitativamente
redefinidas. Consequentemente, qualquer tendência, fora da linha de menor resistência que aponte para
a alternativa revolucionária em relação à sociabilidade parece estar, pelo menos neste momento,
efetivamente bloqueada. Mas, isto não significa, sob nenhuma hipótese, que a alternativa revolucionária
tenha desaparecido do horizonte da classe trabalhadora. Mesmo porque é a barbárie a melhor alternativa
para a qual mostra a linha de menor resistência. (MÉSZÁROS, 2002)
Os capitalistas têm administrado as crises deslocando as contradições subjacentes às exigências
ontológicas do capital e prevenindo qualquer potencialidade de enfrentamento ou superação que possa
advir do mundo do trabalho, pondo em risco o padrão de distribuição adotado. É importante ressaltar que
a adoção da linha de menor resistência não tem sido uma alternativa apenas do capital, o trabalho tem
aderido, pela ausência de alternativas contrárias ao já estabelecido, a essa lógica. Todavia, a classe
trabalhadora pode até trilha pela linha da menor resistência, mas certamente esse não será o caminho a
ser construído para o futuro. A história mostra que a opção reformista, mais fácil, tem sido muitas vezes
adotada e que isso tem contribuído também para o adiamento resolutivo dos antagonismos do capital.
Embora seja inegável a necessidade de ações imediatas no que se refere à distribuição da riqueza,
como exigência da miséria produzida pela exploração do trabalho, é indispensável enfrentar a armadilha
estéril e enganadora de teses que se esgotam nos marcos do capital, como a do distributivismo, adotando-
as como a saída para as mazelas sociais do capitalismo dentro dos limites do próprio capital.
Para os trabalhadores o problema da distribuição deve estar ligado à necessidade de revolucionar a
produção no sentido dos interesses humanos, caso contrário será mais uma estratégia, dos
trabalhadores, de adoção da linha de menor resistência. O antagonismo fundado no e pelo capital base
da riqueza e da barbárie do mundo de hoje, aponta indubitavelmente para a exigência de mudanças
estruturais, não apenas do padrão de distribuição, mas no modo de produção, na totalidade social.
Obviamente o interesse de revolucionar essa situação não pode ser dos capitalistas. É a realidade
vivenciada pelos trabalhadores, resultante do lugar que ocupam na sociedade produtora de mercadorias,
que coloca para a classe trabalhadora a necessidade de livrar-se de toda exploração e coisificação para
retomar sua humanidade.
O capital tem mantido determinadamente sua rota, apesar do enorme sofrimento imposto aos
trabalhadores. A opção por construir saídas conservadoras, assegurando o processo de acumulação nas

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mesmas bases, indica que sem revolucionar a base produtiva não se altera a distribuição da riqueza
socialmente produzida e privativamente acumulada. Neste caso, a experiência pós-capitalista da ex-
URSS é exemplar, pois não bastou converter os meios de produção em propriedade coletiva sob o
controle do Estado se a forma produtiva permaneceu nos parâmetros do modelo fordista de produção e
o mecanismo de assalariamento impediu revolucionar a exploração do trabalho.
O fato da classe dominante está atenta às formas de controle é o reconhecimento, melhor até que
algumas organizações e partidos representativos dos trabalhadores, que a classe trabalhadora não se
transformou em massa amorfa de consumidores sem potencial luta. MÉSZÁROS quando reflete sobre o
desafio e o fardo do tempo histórico lembra que Marx escreveu em uma de suas primeiras obras que a
“produção de novas necessidades constitui o primeiro ato histórico”, e conclui que:
Nesse sentido, preconizam-se agora atos históricos importantes porque é impossível responder com
êxito ao desafio e ao fardo do nosso tempo histórico sem a criação e a consolidação das necessidades
capazes de assegurar não apenas a sobrevivência da humanidade, mas também seu desenvolvimento
positivo no futuro. Assim, como conclusão, consideremos suficiente a indicação dos novos atos históricos
absolutamente necessários sob a urgência do nosso tempo para a criação de duas necessidades vitais
das quais outras se seguirão naturalmente. A primeira é a necessidade de adotar a economia responsável
em nosso sistema produtivo, que só a alternativa socialista hegemônica ao modo de controle
sociometabólico do capital pode proporcionar. E a segunda é a busca consciente da determinação de
superar – de uma forma historicamente sustentável – a conflitualidade/adversidade antagônica endêmica
ao sistema do capital e que produz destruição em última instância incontrolável em uma escala
potencialmente catastrófica. (MÉSZÁROS, 2007).
Não é possível continuar fascinado diante de uma realidade que aponta, não apenas para a da
autodestruição do próprio sistema do capital, mas, também, para a possibilidade concreta de destruição
da própria humanidade. O que Fazer? Continua sendo a pergunta mais urgente e lúcida que desafia a
classe trabalhadora na luta contra a exploração do capital e pela emancipação humana. A alternativa a
ser construída pela classe dominada passa necessariamente do esforço da crítica à realidade e à
consciência contingente que se forma a partir dela articulada a uma prática coerente direcionada para
além do capital. Nessa direção cabe, também, refletir acerca do papel da educação nesse processo de
ruptura para a construção do futuro da humanidade. É urgente fazer ruir teórica e praticamente o mito,
tão propagado pelo pessimismo-otimista da burguesia, da falta de alternativas frente ao capital, pois
para além da doxa paralisante da negação de alternativas, a questão é: qual alternativa23?

Reprodução da Violência e da Desigualdade Social


A violência permeia a história da humanidade desempenhando papéis importantes e variados nas
diferentes formas de relação e organização social. É um tema controverso que vem ganhando cada vez
mais espaço, tanto pelo seu agravamento na contemporaneidade, quanto por sua interferência na vida
cotidiana dos homens. Constitui-se em um fenômeno real, complexo e multifacetado que assume
configurações específicas na sociedade capitalista, as quais tem sido objeto de frequentes intervenções
do Estado por meio de políticas públicas, com enfoque especial para as chamadas “violência urbana” e
“violência doméstica”.
Entendemos, porém, que as diversas formas de objetivação da violência na sociedade
contemporânea não podem ser apreendidas isoladamente. Uma perspectiva de compreensão do tem em
sua totalidade exige antes de tudo uma análise da sociedade capitalista, o terreno por onde a violência
se produz e reproduz, e a apreensão das relações que se estabelecem entre as variadas formas de
violência, em especial a violência estrutural.
O presente ensaio objetiva então apontar reflexões para uma compreensão mais profunda do tema,
em especial da violência estrutural, entendendo esta como ponto de partida para a compreensão da
violência na sociedade contemporânea.

Caráter Ontológico-social da Violência na História Humana


Na busca pela apreensão do tema em sua totalidade, consideramos a violência como categoria
ontológico-social diretamente ligada a produção e reprodução da vida humana. Segundo Barroco (2007)
as categorias são modos de ser objetivos, expressam o processo de (re) produção do ser social na
história, sendo o trabalho a categoria ontológica central já que, como apontou Marx, é este o fundamento
ontológico social do ser social, pois permite o desenvolvimento de mediações que instituem a
diferencialidade do ser social face de outros seres da natureza. É por meio do trabalho que o homem
transforma a natureza e a si mesmo, que institui modos de relação social, que realiza a práxis, enquanto

23
FURTADO, B.

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atividade criadora e transformadora, e é em relação práxis que se encontra o sentido ontológico da
violência, como um atributo também exclusivamente humano.
Vázquez (1977), ao abordar a relação entre violência e práxis, refere-se a violência como elemento
intrínseco à práxis, já que ambas pressupõem a alteração de uma determinada ordem. Segundo o autor,
o homem, para manter sua legalidade propriamente humana, necessita violentar uma legalidade exterior,
ao contrário do animal que se submete a uma ordem estabelecida passivamente sem poder alterá-la. “A
humanização da natureza nada mais é do que um processo pelo qual o homem lhe impõe uma lei a ela
estranha, uma lei humana, forçando ou violentando sua legalidade natural” (VAZQUEZ, 1977).
A violência significa, assim, um meio ou “elemento indispensável” para a realização da práxis e se
manifesta onde o natural ou o humano resiste ao homem, é, enfim, um elemento necessário à
transformação. Em sentido amplo, a violência está relacionada à destruição ou alteração de uma ordem
natural ou humana, é exatamente a alteração da estabilidade, imobilidade ou identidade.
Existem diferentes formas de violência, Vásquez diferencia a violência nas práxis produtiva e artística
da violência na práxis social. Na práxis produtiva e artística, o humano se opõe ao não humano, a matéria,
a práxis, nesse caso, enfrenta limites, mas não enfrenta uma antipráxis. Já na práxis social, o homem não
é apenas sujeito, mas também objeto da ação. Trata-se da práxis como ação de seres humanos sobre
outros, não tanto no que tange ao seu ser físico, mas especialmente ao seu ser social e às relações
sociais que se constituem. “A práxis social tende à destruição ou alteração de uma determinada estrutura
social constituída por certas relações e instituições sociais”.
Nesse caso, a práxis esbarra no limite oferecido pelos indivíduos e na sua capacidade maior
de resistência e possibilidade de uma antipráxis, junto à violência que acompanha a práxis está a
contraviolência dos que se opõem a ela, assim a “violência está tanto no sujeito como no objeto e
acompanha tanto a práxis como a antipráxis, tanto a atividade que objetiva subverter a ordem
estabelecida como a que visa conservá-la.
Nessa perspectiva, a violência aparece nas relações sociais tanto como forma de transformação
dessas relações, quanto como modo de dominação, coerção e manutenção de uma determinada ordem.
Vincula-se, na história humana, à criação e à transformação da própria sociedade, possuindo um papel
importante, seja no sentido revolucionário, contribuindo para subverter a ordem estabelecida, seja para
conservá-la. A violência desempenha “o papel de parteira de toda velha sociedade, que traz em si uma
nova” (ENGELS, 1976, p.188).
Isso não significa, contudo, considerá-la como elemento histórico fundamental sobre o qual se
desenvolvem as relações de dominação, é possível atribuir papéis positivos e negativos para a violência,
a questão não está então na violência em si, mas na sua inserção e função em determinada sociedade.
Engels (1976), em seu texto “teoria sobre violência”, afirma que toda a evolução da sociedade e, em
especial da sociedade burguesa, tem como base as relações econômicas; assim, a violência é, na história
humana, o meio, enquanto a vantagem econômica é o fim. A violência é então determinada pelo estado
econômico e não o contrário. Não é a violência que determina a organização social ou mesmo as formas
de opressão de uma classe sobre outra, e sim o “estado econômico”, “o poder econômico” que tece
relações que se utilizam da violência.
A violência exige condições concretas para sua materialização, necessita de instrumentos que devem
ser produzidos, de forma que “o produtor dos mais perfeitos instrumentos de violência, que são as
armas, triunfa sobre o produtor dos mais imperfeitos”.
Nas relações sociais, então, o aparecimento da violência está ligado a fatores objetivos, como o
surgimento da propriedade privada e a divisão em classes sociais. Examinando a transição da sociedade
feudal para a sociedade burguesa, observamos que esta se deu pela via econômica, quando a burguesia
tornou-se demasiadamente poderosa economicamente com a evolução das forças produtivas e a nobreza
perdeu suas funções sociais. E ainda de uma maneira inteiramente econômica, a sociedade burguesa
deu origem a uma nova classe, a qual surgiu mesmo contra a sua vontade, o proletariado.
A violência nesse processo existiu como um meio e até como consequência da instauração dessa
nova ordem societária, que traz intrínseca a si a subordinação do homem ao capital. Dessa forma, parece-
nos claro que para compreender a violência em sua complexidade é preciso ir além de suas
manifestações aparentes, entendendo seus processos de produção e reprodução nesta organização
social determinada. É preciso antes de tudo entender a forma como as relações sociais se tecem na
sociedade burguesa.
Apesar tratar-se de um fenômeno que muitas vezes se manifesta na esfera individual, a violência
não fica restrita a ela, e mesmo que imediatamente esteja ligado apenas àqueles indivíduos que violentam
ou são violentados, não podemos nos esquecer de que se tratam de seres sociais inseridos em processos
sociais reconstruídos em dadas condições históricas. Assim, mesmo que apareça inicialmente como
fenômeno individual, “é um complexo social potencializado por indivíduos sociais” (SILVA, 2008A, p.3).

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Como complexo social, imbricado a dinâmica das próprias relações sociais em condições históricas
determinadas, a violência não pode ser enquadrada em um conceito, seu estudo requer o desvelamento
das múltiplas determinações que a influenciam, ou mesmo a produzem, seja de forma direta ou indireta.
Nessa perspectiva, entendemos que se faz essencial considerá-la em sua inserção no mundo capitalista.
Não pretendemos afirmar assim, que toda violência deriva do capitalismo, mas que, no mínimo, “a ordem
do capital oferece o terreno sócio histórico e as condições objetivas para a materialização de todo e
qualquer processo violento (por mais pontual que pareça)”.

Configurações da Violência Estrutural e sua Naturalização na Sociedade Capitalista


Contemporânea
Recorrendo aos estudos de Marx sobre a acumulação capitalista, temos que “produzir mais
valia2 é a lei absoluta deste modo de produção”, e se a mais valia é produzida a partir do trabalho, temos
então este como elemento essencial à acumulação. Mas não qualquer trabalho, e sim o trabalho em
condições alienadas, em condições de ser explorado ao máximo, desprovido de suas potencialidades
emancipadoras, de forma que os indivíduos não consigam mais se reconhecer como sujeitos. O trabalho
“se converte em algo que não diz respeito aos indivíduos singulares, o próprio indivíduo se torna objeto e
os objetos passam a valer como coisas”.
O estranhamento do sujeito em relação ao seu trabalho retira do homem suas possibilidades de
emancipação, ele não é mais capaz de se reconhecer no que produz ou mesmo de reconhecer o seu
trabalho no que é produzido. Se por um lado o trabalho é essencial para o capitalista, por outro é primordial
que o capital tenha domínio sobre ele, ou seja, apesar da acumulação de capital depender do trabalho, a
sociedade do capital não pode ficar submetida ao trabalhador, sob pena de deixar de existir. O capitalista,
para garantir sua finalidade maior, o lucro, precisa ter o domínio das relações de produção e isso só é
possível quando a única forma de subsistência do proletariado é a venda de sua força de trabalho e
quando são retiradas todas as suas possibilidades de autonomia ante o capital.
Para manter a exploração, então, é necessário que o capital tenha total controle sobre o trabalho e
uma forma de manter esse controle é a existência de uma população excedente, vulnerável, a qual Marx
denomina “exército industrial de reserva”, que permite que a classe trabalhadora fique disponível às
oscilações e necessidades do mercado. Essa população trabalhadora excedente “proporciona o material
humano a serviço das necessidades variáveis de expansão do capital e sempre pronto para ser
explorado”
Esse exército industrial de reserva permite ao capital dispor do trabalhador em graus maiores ou
menores de exploração, conforme lhe convier, garantindo que ele esteja firmemente acorrentado ao
capital. A acumulação de riqueza exige ao mesmo tempo, e inversamente, a acumulação da miséria:
A magnitude relativa do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza,
mas, quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército ativo, tanto maior a massa da
superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do suplício de seu trabalho. E ainda,
quanto maiores essa camada de lázaros da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto
maior, usando-se a terminologia oficial, o pauperismo. Esta é a lei geral absoluta da acumulação
capitalista.
A condição de existência do trabalhador é em si precária, uma vez que ele precisa vender sua força
de trabalho para garantir sua sobrevivência e seu trabalho contribui sempre para aumentar a riqueza
alheia, assim, por mais que trabalhe, só consegue trazer para si e para sua família o essencial para
“sobreviver”, e mesmo aquele considerado com “melhor remuneração” dificilmente terá condições de
desvencilhar-se das amarras do sistema. Marx, ao citar o pastor anglicano Townsed, ilustra essa máxima
da sociedade capitalista:
“O trabalho obtido por meio de coação legal exige grande dose de aborrecimentos, violência e barulho,
enquanto a fome pressiona pacífica, silenciosa e incessantemente e, sendo o motivo mais natural para a
diligência e para o trabalho, leva a que se façam os maiores esforços”.
As necessidades, ou a insatisfação delas, são o motor da exploração. A existência de uma
superpopulação de supérfluos e a condenação de uma parte da classe trabalhadora a ociosidade forçada
e, consequentemente, a uma condição miserável, é a garantia da manutenção do controle do capital e
fonte de enriquecimento dos capitalistas. Outra citação no texto de Marx ilustra essa questão:
Nos países onde a propriedade está bem protegida, é mais fácil viver sem dinheiro do que sem pobres,
pois quem faria o trabalho? (...) Se não se deve deixar os pobres morrerem de fome, não se lhes deve
dar coisa alguma que lhes permita economizarem. (...) Os que ganham sua vida com o trabalho quotidiano
só tem como estímulo para prestar seus serviços suas necessidades. Por isso, é prudente mitigá-las, mas
seria loucura curá-las.

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Cabe ao capitalismo manter a classe trabalhadora subjugada aos seus ditames para garantir sua
sobrevivência e isso é feito não pelo uso da força, a coação se dá pela produção e reprodução da miséria.
E essa é uma das formas mais cruéis de violência, uma violência produzida pela própria estrutura social
que se desdobra numa série de outras que permeiam o cotidiano do trabalhador e são naturalizadas pela
sociedade.
É a violência da miséria, da fome, da prostituição ou das enfermidades, que já não é a resposta à outra
violência potencial ou em ato, mas sim a própria violência como modo de vida porque assim o exige a
própria essência do regime social.
A miséria, a pobreza e a precariedade das condições de vida de uma grande parcela da população
são produto desse modo de produção e condição para manter a riqueza. Essa violência estrutural, ou
como apontou Vásquez, a naturalização da violência “como modo de vida”, está relacionada então, à
imposição de regras, valores e propostas, muitas vezes considerados naturais e necessários, que
constituem a essência da ordem burguesa e se materializam envolvendo tanto a base econômica, por
onde se organiza o modelo societário (a estrutura), quanto sua sustentação ideológica (a superestrutura),
a qual corresponde a determinadas formas de consciência social. Surge a partir das condições
específicas de produção e reprodução da questão social, envolvendo aspectos econômicos, políticos e
ideológicos. Relaciona-se com o acesso (ou não acesso) aos direitos sociais, bem como a mercantilização
das relações humanas. (SILVA, 2005)
Historicamente, temos períodos em que as sequelas da questão social agravam-se, especialmente
para as parcelas mais pobres da classe trabalhadora, e outros que parecem se atenuar trazendo a ilusão
de que o sistema pode ser mais “humanizado”, sendo mais sutil em suas “consequências aos pobres”,
contudo é fato histórico que as crises do capital são cíclicas e junto com elas sua necessidade de
intensificar os níveis de exploração, ou seja, no caso da pobreza, “o aumento ou diminuição da massa de
indigentes refletem as mudanças periódicas do ciclo industrial” (MARX, 2006).
O capitalismo é inerentemente violento, especialmente em seus períodos de crises e depressões,
quando não mede esforços para garantir sua expansão, já que a lei natural do mercado, como afirma
Mészáros, “traz consigo o inelutável resultado de que os graves problemas sociais necessariamente
associados à produção e à concentração do capital jamais são solucionados, mas apenas adiados”
(2002).
Na contemporaneidade, a subordinação da sociabilidade humana às coisas retrata um
desenvolvimento econômico que se traduz como barbárie social. Em tempos de “capital fetiche4”, como
denomina Iamamoto (2008), verificamos a condensação e o agravamento da alienação, da invisibilidade
do trabalho e a radicalização das expressões da questão social. E se o que vale é a lógica capitalista,
então aqueles sujeitos que não têm utilidade para o mercado, não produzem e não consomem, não
possuem valor social e por isso acabam tendo sua humanidade negada, bem como seus direitos mais
fundamentais24.

FILOSOFIA MORAL

Ética Ou Filosofia Moral

Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao
permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para todos os seus membros. Culturas e sociedades
fortemente hierarquizadas e com diferenças muito profundas de castas ou de classes podem até mesmo
possuir várias morais, cada uma delas referida aos valores de uma casta ou de uma classe social.
No entanto, a simples existência da moral não significa a presença explícita de uma ética, entendida
como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores
morais. Podemos dizer, a partir dos textos de Platão e de Aristóteles, que, no Ocidente, a ética ou filosofia
moral inicia-se com Sócrates.
Percorrendo praças e ruas de Atenas – contam Platão e Aristóteles -, Sócrates perguntava aos
atenienses, fossem jovens ou velhos, o que eram os valores nos quais acreditavam e que respeitavam
ao agir. Que perguntas Sócrates lhes fazia?
Indagava: O que é a coragem? O que é a justiça? O que é a piedade? O que é a amizade? A elas, os
atenienses respondiam dizendo serem virtudes. Sócrates voltava a indagar: O que é a virtude?
Retrucavam os atenienses: É agir em conformidade com o bem. E Sócrates questionava: Que é o bem?
(...)

24
ROS, A. C. P.

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Nossos sentimentos, nossas condutas, nossas ações e nossos comportamentos são modelados pelas
condições em que vivemos (família, classe e grupo social, escola, religião, trabalho, circunstâncias
políticas, etc.). Somos formados pelos costumes de nossa sociedade, que nos educa para respeitarmos
e reproduzirmos os valores propostos por ela como bons e, portanto, como obrigações e deveres.
Dessa maneira, valores e maneiras parecem existir por si e em si mesmos, parecem ser naturais e
intemporais, fatos ou dados com os quais nos relacionamos desde o nosso nascimento: somos
recompensados quando os seguimos, punidos quando os transgredimos.
Sócrates embaraçava os atenienses porque os forçava a indagar qual a origem e essência das virtudes
(valores e obrigações) que julgavam praticar ao seguir os costumes de Atenas. Como e por que sabiam
que uma conduta era boa ou má, virtuosa ou viciosa? Por que, por exemplo, a coragem era considerada
virtude e a covardia, vício? Por que valorizavam positivamente a justiça e desvalorizavam a injustiça,
combatendo-a? Numa palavra: o que eram e o que valiam realmente os costumes que lhes haviam sido
ensinados?
Os costumes, porque são anteriores ao nosso nascimento e formam o tecido da sociedade em que
vivemos, são considerados inquestionáveis e quase sagrados (as religiões tendem a mostrá-los como
tendo sido ordenados pelos deuses, na origem dos tempos). Ora, a palavra costume se diz, em grego,
ethos – donde, ética – e, em latim, mores – donde, moral. Em outras palavras, ética e moral referem-se
ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, são considerados valores e
obrigações para a conduta de seus membros. Sócrates indagava o que eram, de onde vinham, o que
valiam tais costumes. No entanto, a língua grega possui uma outra palavra que, infelizmente, precisa ser
escrita, em português, com as mesmas letras que a palavra que significa costume: ethos. Em grego,
existem duas vogais para pronunciar e grafar nossa vogal e: uma vogal breve, chamada epsilon, e uma
vogal longa, chamada eta. Ethos, escrita com a vogal longa (ethos com eta), significa costume; porém,
escrita com a vogal breve (ethos com epsilon), significa caráter, índole natural, temperamento, conjunto
das disposições físicas e psíquicas de uma pessoa. Nesse segundo sentido, ethos se refere às
características pessoais de cada um que determinam quais virtudes e quais vícios cada um é capaz de
praticar. Refere-se, portanto, ao senso moral e à consciência ética individuais.
Dirigindo-se aos atenienses, Sócrates lhes perguntava qual o sentido dos costumes estabelecidos
(ethos com eta: os valores éticos ou morais da coletividade, transmitidos de geração a geração), mas
também indagava quais as disposições de caráter (ethos com epsilon: características pessoais,
sentimentos, atitudes, condutas individuais) que levavam alguém a respeitar ou a transgredir os valores
da cidade, e por quê.
Ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates realiza na verdade duas interrogações. Por um lado,
interroga a sociedade para saber se o que ela costuma (ethos com eta) considerar virtuoso e bom
corresponde efetivamente à virtude e ao bem; e, por outro lado, interroga os indivíduos para saber se, ao
agir, possuem efetivamente consciência do significado e da finalidade de suas ações, se seu caráter ou
sua índole (ethos com epsilon) são realmente virtuosos e bons. A indagação ética socrática dirige-se,
portanto, à sociedade e ao indivíduo.
As questões socráticas inauguram a ética ou filosofia moral, porque definem o campo no qual valores
e obrigações morais podem ser estabelecidos, ao encontrar seu ponto de partida: a consciência do agente
moral. É sujeito ético moral somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins de sua
ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais. Sócrates afirma
que apenas o ignorante é vicioso ou incapaz de virtude, pois quem sabe o que é o bem não poderá deixar
de agir virtuosamente(...).
Aristóteles acrescenta à consciência moral, trazida por Sócrates, a vontade guiada pela razão como o
outro elemento fundamental da vida ética. A importância dada por Aristóteles à vontade racional, à
deliberação e à escolha o levou a considerar uma virtude como condição de todas as outras e presente
em todas elas: a prudência ou sabedoria prática. O prudente é aquele que, em todas as situações, é
capaz de julgar e avaliar qual a atitude e qual a ação que melhor realizarão a finalidade ética, ou seja,
entre as várias escolhas possíveis, qual a mais adequada para que o agente seja virtuoso e realize o que
é bom para si e para os outros.
Se examinarmos o pensamento filosófico dos antigos, veremos que nele a ética afirma três grandes
princípios da vida moral:
1. por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela
conduta virtuosa;
2. a virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem e na conduta definida
pela vontade guiada pela razão, pois cabe a esta última o controle sobre instintos e impulsos irracionais
descontrolados que existem na natureza de todo ser humano;

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3. a conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em seu poder realizar,
referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável para um ser humano. Saber o que está em nosso
poder significa, principalmente, não se deixar arrastar pelas circunstâncias, nem pelos instintos, nem por
uma vontade alheia, mas afirmar nossa independência e nossa capacidade de autodeterminação(...).
Os filósofos antigos (gregos e romanos) consideravam a vida ética transcorrendo como um embate
contínuo entre nossos apetites e desejos – as paixões – e nossa razão. Por natureza, somos passionais
e a tarefa primeira da ética é a educação de nosso caráter ou de nossa natureza, para seguirmos a
orientação da razão. A vontade possuía um lugar fundamental nessa educação, pois era ela que deveria
ser fortalecida para permitir que a razão controlasse e dominasse as paixões. O passional é aquele que
se deixa arrastar por tudo quanto satisfaça imediatamente seus apetites e desejos, tornando-se escravo
deles. Desconhece a moderação, busca tudo imoderadamente, acabando vítima de si mesmo.
Podemos resumir a ética dos antigos em três aspectos principais:
1. o racionalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a razão, que conhece o bem, o deseja
e guia nossa vontade até ele;
2. o naturalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a Natureza (o cosmos) e com nossa
natureza (nosso ethos), que é uma parte do todo natural;
3. a inseparabilidade entre ética e política: isto é, entre a conduta do indivíduo e os valores da
sociedade, pois somente na existência compartilhada com outros encontramos liberdade, justiça e
felicidade.
A ética, portanto, era concebida como educação do caráter do sujeito moral para dominar
racionalmente impulsos, apetites e desejos, para orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade, e para
formá-lo como membro da coletividade sociopolítica.
Sua finalidade era a harmonia entre o caráter do sujeito virtuoso e os valores coletivos, que também
deveriam ser virtuosos.

Cristianismo: Interioridade e Dever

Diferentemente de outras religiões da Antiguidade, que eram nacionais e políticas, o cristianismo nasce
como religião de indivíduos que não se definem por seu pertencimento a uma nação ou a um Estado,
mas por sua fé num mesmo e único Deus. Em outras palavras, enquanto nas demais religiões antigas a
divindade se relacionava com a comunidade social e politicamente organizada, o Deus cristão relaciona-
se diretamente com os indivíduos que nele creem. Isso significa, antes de qualquer coisa, que a vida ética
do cristão não será definida por sua relação com a sociedade, mas por sua relação espiritual e interior
com Deus. Dessa maneira, o cristianismo introduz duas diferenças primordiais na antiga concepção ética:
em primeiro lugar, a ideia de que a virtude se define por nossa relação com Deus e não com a cidade (a
polis) nem com os outros. Nossa relação com o outros depende da qualidade de nossa relação com Deus,
único mediador entre cada indivíduo e os demais. Por esse motivo, as duas virtudes cristãs primeiras e
condições de todas as outras são a fé (qualidade da relação de nossa alma com Deus) e a caridade (o
amor aos outros e a responsabilidade pela salvação dos outros, conforme exige a fé). As duas virtudes
são privadas, isto é, são relações do indivíduo com Deus e com os outros, a partir da intimidade e da
interioridade de cada um; em segundo lugar, a afirmação de que somos dotados de vontade livre – ou
livre-arbítrio – e que o primeiro impulso de nossa liberdade dirige-se para o mal e para o pecado, isto é,
para a transgressão das leis divinas. Somos seres fracos, pecadores, divididos entre o bem (obediência
a Deus) e o mal (submissão à tentação demoníaca). Em outras palavras, enquanto para os filósofos
antigos a vontade era uma faculdade racional capaz de dominar e controlar a desmesura passional de
nossos apetites e desejos, havendo, portanto, uma força interior (a vontade consciente) que nos tornava
morais, para o cristianismo, a própria vontade está pervertida pelo pecado e precisamos do auxílio divino
para nos tornarmos morais.
Qual o auxílio divino sem o qual a vida ética seria impossível? A lei divina revelada, que devemos
obedecer obrigatoriamente e sem exceção. O cristianismo, portanto, passa a considerar que o ser
humano é, em si mesmo e por si mesmo, incapaz de realizar o bem e as virtudes. Tal concepção leva a
introduzir uma nova ideia na moral: a ideia do dever.
Por meio da revelação aos profetas (Antigo Testamento) e de Jesus Cristo (Novo Testamento), Deus
tornou sua vontade e sua lei manifestas aos seres humanos, definindo eternamente o bem e o mal, a
virtude e o vício, a felicidade e a infelicidade, a salvação e o castigo. Aos humanos, cabe reconhecer a
vontade e a lei de Deus, cumprindo-as obrigatoriamente, isto é, por atos de dever. Estes tornam morais
um sentimento, uma intenção, uma conduta ou uma ação.
Mesmo quando, a partir do Renascimento, a filosofia moral distancia-se dos princípios teológicos e da
fundamentação religiosa da ética, a ideia do dever permanecerá como uma das marcas principais da

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concepção ética ocidental. Com isso, a filosofia moral passou a distinguir três tipos fundamentais de
conduta:
1. a conduta moral ou ética, que se realiza de acordo com as normas e as regras impostas pelo dever;
2. a conduta imoral ou antiética, que se realiza contrariando as normas e as regras fixadas pelo dever;
3. a conduta indiferente à moral, quando agimos em situações que não são definidas pelo bem e pelo
mal, e nas quais não se impõem as normas e as regras do dever.
Juntamente com a ideia do dever, a moral cristã introduziu uma outra, também decisiva na constituição
da moralidade ocidental: a ideia de intenção. Até o cristianismo, a filosofia moral localizava a conduta
ética nas ações e nas atitudes visíveis do agente moral, ainda que tivessem como pressuposto algo que
se realizava no interior do agente, em sua vontade racional ou consciente. Eram as condutas visíveis que
eram julgadas virtuosas ou viciosas. O cristianismo, porém, é uma religião da interioridade, afirmando que
a vontade e a lei divinas não estão escritas nas pedras nem nos pergaminhos, mas inscritas no coração
dos seres humanos. A primeira relação ética, portanto, se estabelece entre o coração do indivíduo e Deus,
entre a alma invisível e a divindade. Como consequência, passou-se a considerar como submetido ao
julgamento ético tudo quanto, invisível aos olhos humanos, é visível ao espírito de Deus, portanto, tudo
quanto acontecem nosso interior. O dever não se refere apenas às ações visíveis, mas também às
intenções invisíveis, que passam a ser julgadas eticamente. Eis por que um cristão, quando se confessa,
obriga-se a confessar pecados cometidos por atos, palavras e intenções. Sua alma, invisível, tem o
testemunho do olhar de Deus, que a julga.

Natureza Humana e Dever

O cristianismo introduz a ideia do dever para resolver um problema ético, qual seja, oferecer um
caminho seguro para nossa vontade, que, sendo livre, mas fraca, sente-se dividida entre o bem e o mal.
No entanto, essa ideia cria um problema novo. Se o sujeito moral é aquele que encontra em sua
consciência (vontade, razão, coração) as normas da conduta virtuosa, submetendo-se apenas ao bem,
jamais submetendo-se a poderes externos à consciência, como falar em comportamento ético por dever?
Este não seria o poder externo de uma vontade externa (Deus), que nos domina e nos impõe suas leis,
forçando-nos a agir em conformidade com regras vindas de fora de nossa consciência?
Em outras palavras, se a ética exige um sujeito autônomo, a ideia de dever não introduziria a
heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho a nós?
Um dos filósofos que procuraram resolver essa dificuldade foi Rousseau, no século XVIII. Para ele, a
consciência moral e o sentimento do dever são inatos, são “a voz da Natureza” e o “dedo de Deus” em
nossos corações. Nascemos puros e bons, dotados de generosidade e de benevolência para com os
outros. Se o dever parece ser uma imposição e uma obrigação externa, imposta por Deus aos humanos,
é porque nossa bondade natural foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade privada
e os interesses privados, tornando-nos egoístas, mentirosos e destrutivos.
O dever simplesmente nos força a recordar nossa natureza originária e, portanto, só em aparência é
imposição exterior. Obedecendo ao dever (à lei divina inscrita em nosso coração), estamos obedecendo
a nós mesmos, aos nossos sentimentos e às nossas emoções e não à nossa razão, pois esta é
responsável pela sociedade egoísta e perversa.
Uma outra resposta, também no final do século XVIII, foi trazida por Kant.
Opondo-se à “moral do coração” de Rousseau, Kant volta a afirmar o papel da razão na ética. Não
existe bondade natural. Por natureza, diz Kant, somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos,
cruéis, ávidos de prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos. É
justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais.
A exposição kantiana parte de duas distinções:
1. a distinção entre razão pura teórica ou especulativa e razão pura prática;
2. a distinção entre ação por causalidade ou necessidade e ação por finalidade ou liberdade.
Razão pura teórica e prática são universais, isto é, as mesmas para todos os homens em todos os
tempos e lugares – podem variar no tempo e no espaço os conteúdos dos conhecimentos e das ações,
mas as formas da atividade racional de conhecimento e da ação são universais. Em outras palavras, o
sujeito, em ambas, é sujeito transcendental, como vimos na teoria do conhecimento. A diferença entre
razão teórica e prática encontra-se em seus objetos. A razão teórica ou especulativa tem como matéria
ou conteúdo a realidade exterior a nós, um sistema de objetos que opera segundo leis necessárias de
causa e efeito, independentes de nossa intervenção; a razão prática não contempla uma causalidade
externa necessária, mas cria sua própria realidade, na qual se exerce. Essa diferença decorre da distinção
entre necessidade e finalidade/liberdade.

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A Natureza é o reino da necessidade, isto é, de acontecimentos regidos por sequências necessárias
de causa e efeito – é o reino da física, da astronomia, da química, da psicologia. Diferentemente do reino
da Natureza, há o reino humano das práxis, no qual as ações são realizadas racionalmente não por
necessidade causal, mas por finalidade e liberdade.
A razão prática é a liberdade como instauração de normas e fins éticos. Se a razão prática tem o poder
para criar normas e fins morais, tem também o poder para impô-los a si mesma. Essa imposição que a
razão prática faz a si mesma daquilo que ela própria criou é o dever. Este, portanto, longe de ser uma
imposição externa feita à nossa vontade e à nossa consciência, é a expressão da lei moral em nós,
manifestação mais alta da humanidade em nós. Obedecê-lo é obedecer a si mesmo. Por dever, damos a
nós mesmos os valores, os fins e as leis de nossa ação moral e por isso somos autônomos.
Resta, porém, uma questão: se somos racionais e livres, por que valores, fins e leis morais não são
espontâneos em nós, mas precisam assumir a forma do dever?
Responde Kant: porque não somos seres morais apenas. Também somos seres naturais, submetidos
à causalidade necessária da Natureza. Nosso corpo e nossa psique são feitos de apetites, impulsos,
desejos e paixões. Nossos sentimentos, nossas emoções e nossos comportamentos são a parte da
Natureza em nós, exercendo domínio sobre nós, submetendo-se à causalidade natural inexorável.
Quem se submete a eles não pode possuir a autonomia ética. A Natureza nos impele a agir por
interesse. Este é a forma natural do egoísmo que nos leva a usar coisas e pessoas como meios e
instrumentos para o que desejamos. Além disso, o interesse nos faz viver na ilusão de que somos livres
e racionais por realizarmos ações que julgamos terem sido decididas livremente por nós, quando, na
verdade, são um impulso cego determinado pela causalidade natural. Agir por interesse é agir
determinado por motivações físicas, psíquicas, vitais, à maneira dos animais.
Visto que apetites, impulsos, desejos, tendências, comportamentos naturais costumam ser muito mais
fortes do que a razão, a razão prática e a verdadeira liberdade precisam dobrar nossa parte natural e
impor-nos nosso ser moral. Elas o fazem obrigando-nos a passar das motivações do interesse para o
dever. Para sermos livres, precisamos ser obrigados pelo dever de sermos livres.
Assim, à pergunta que fizemos no capítulo anterior sobre o perigo da educação ética ser violência
contra nossa natureza espontaneamente passional, Kant responderá que, pelo contrário, a violência
estará em não compreendermos nossa destinação racional e em confundirmos nossa liberdade com a
satisfação irracional de todos os nossos apetites e impulsos. O dever revela nossa verdadeira natureza.
O dever, afirma Kant, não se apresenta através de um conjunto de conteúdos fixos, que definiriam a
essência de cada virtude e diriam que atos deveriam ser praticados e evitados em cada circunstância de
nossas vidas. O dever não é um catálogo de virtudes nem uma lista de “faça isto” e “não faça aquilo”. O
dever é uma forma que deve valer para toda e qualquer ação moral.
Essa forma não é indicativa, mas imperativa. O imperativo não admite hipóteses (“se… então”) nem
condições que o fariam valer em certas situações e não valer em outras, mas vale incondicionalmente e
sem exceções para todas as circunstâncias de todas as ações morais. Por isso, o dever é um imperativo
categórico. Ordena incondicionalmente. Não é uma motivação psicológica, mas a lei moral interior. O
imperativo categórico exprime-se numa fórmula geral: Age em conformidade apenas com a máxima que
possas querer que se torne uma lei universal. Em outras palavras, o ato moral é aquele que se realiza
como acordo entre a vontade e as leis universais que ela dá a si mesma.
Essa fórmula permite a Kant deduzir as três máximas morais que exprimem a incondicionalidade dos
atos realizados por dever. São elas:
1. Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da
Natureza;
2. Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem,
sempre como um fim e nunca como um meio;
3. Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais(...).
As respostas de Rousseau e Kant, embora diferentes, procuram resolver a mesma dificuldade, qual
seja, explicar por que o dever e a liberdade da consciência moral são inseparáveis e compatíveis. A
solução de ambos consiste em colocar o dever em nosso interior, desfazendo a impressão de que ele
nos seria imposto de fora por uma vontade estranha à nossa.

Cultura e Dever

Rousseau e Kant procuraram conciliar o dever e a ideia de uma natureza humana que precisa ser
obrigada à moral. No entanto, ao enfatizarem a questão da natureza (Natureza e natureza humana),
tenderam a perder de vista o problema da relação entre o dever e a Cultura, pois poderíamos repetir,
agora, a pergunta que fizemos antes: Se a ética exige um sujeito consciente e autônomo, como explicar

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que a moral exija o cumprimento do dever, definido como um conjunto de valores, normas, fins e leis
estabelecidos pela Cultura? Não estaríamos de volta ao problema da exterioridade entre o sujeito e o
dever? A resposta a essa questão foi trazida, no século XIX, por Hegel. Hegel critica Rousseau e Kant
por dois motivos. Em primeiro lugar, por terem dado atenção à relação sujeito humano-Natureza (a
relação entre razão e paixões), esquecendo a relação sujeito humano-Cultura e História. Em segundo
lugar, por terem admitido a relação entre a ética e a sociabilidade dos seres humanos, mas tratando-a a
partir de laços muito frágeis, isto é, como relações pessoais diretas entre indivíduos isolados ou
independentes, quando deveriam tê-la tomado a partir dos laços fortes das relações sociais, fixadas pelas
instituições sociais (família, sociedade civil, Estado). As relações pessoais entre indivíduos são
determinadas e mediadas por suas relações sociais. São estas últimas que determinam a vida ética ou
moral dos indivíduos.
Somos, diz Hegel, seres históricos e culturais. Isso significa que, além de nossa vontade individual
subjetiva (que Rousseau chamou de coração e Kant de razão prática), existe uma outra vontade, muito
mais poderosa, que determina a nossa: a vontade objetiva, inscrita nas instituições ou na Cultura.
A vontade objetiva – impessoal, coletiva, social, pública – cria as instituições e a moralidade como
sistema regulador da vida coletiva por meio de mores, isto é, dos costumes e dos valores de uma
sociedade, numa época determinada. A moralidade é uma totalidade formada pelas instituições (família,
religião, artes, técnicas, ciências, relações de trabalho, organização política, etc.), que obedecem, todas,
aos mesmos valores e aos mesmos costumes, educando os indivíduos para interiorizarem a vontade
objetiva de sua sociedade e de sua cultura.
A vida ética é o acordo e a harmonia entre a vontade subjetiva individual e a vontade objetiva cultural.
Realiza-se plenamente quando interiorizamos nossa Cultura, de tal maneira que praticamos espontânea
e livremente seus costumes e valores, sem neles pensarmos, sem os discutirmos, sem deles duvidarmos,
porque são como nossa própria vontade os deseja. O que é, então, o dever? O acordo pleno entre nossa
vontade subjetiva individual e a totalidade ética ou moralidade.
Como consequência, o imperativo categórico não poderá ser uma forma universal desprovida de
conteúdo determinado, como afirmara Kant, mas terá, em cada época, em cada sociedade e para cada
Cultura, conteúdos determinados, válidos apenas para aquela formação histórica e cultural. Assim cada
sociedade, em cada época de sua História, define os valores positivos e negativos, os atos permitidos e
os proibidos para seus membros, o conteúdo dos deveres e do imperativo moral.
Ser ético e livre será, portanto, pôr-se de acordo com as regras morais de nossa sociedade,
interiorizando-as.
Hegel afirma que podemos perceber ou reconhecer o momento em que uma sociedade e uma Cultura
entram em declínio, perdem força para conservar-se e abrem-se às crises internas que anunciam seu
término e sua passagem a uma outra formação sociocultural. Esse momento é aquele no qual os
membros daquela sociedade e daquela Cultura contestam os valores vigentes, sentem-se oprimidos e
esmagados por eles, agem de modo a transgredi-los. É o momento no qual o antigo acordo entre as
vontades subjetivas e a vontade objetiva rompem-se inexoravelmente, anunciando um novo período
histórico.
Numa perspectiva algo semelhante à hegeliana encontra-se, no século XX, o filósofo francês Henri
Bergson. Como Hegel, Bergson procura compreender a relação dever-Cultura ou dever-História e,
portanto, as mudanças nas formas e no conteúdo da moralidade. Distingue ele duas morais: a moral
fechada e a aberta. A moral fechada é o acordo entre os valores e os costumes de uma sociedade e os
sentimentos e as ações dos indivíduos que nela vivem. É a moral repetitiva, habitual, respeitada quase
automaticamente por nós. Em contrapartida, a moral aberta é uma criação de novos valores e de novas
condutas que rompem a moral fechada, instaurando uma ética nova. Os criadores éticos são, para
Bergson, indivíduos excepcionais – heróis, santos, profetas, artistas -, que colocam suas vidas a serviço
de um tempo novo, inaugurado por eles, graças a ações exemplares, que contrariam a moral fechada
vigente.
Hegel diria que a moral aberta bergsoniana só pode acontecer quando a moralidade vigente está em
crise, prestes a terminar, porque um novo período histórico-cultural está para começar. A moral fechada
quando sentida como repressora e opressora, e a totalidade ética, quando percebida como contrária à
subjetividade individual, indicam aquele momento em que as normas e os valores morais são
experimentados como violência e não mais como realização ética.

História e Virtudes(...)

Para Espinosa, somos seres naturalmente passionais, porque sofremos a ação de causas exteriores
a nós. Em outras palavras, ser passional é ser passivo, deixando-se dominar e conduzir por forças

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exteriores ao nosso corpo e à nossa alma. Ora, por natureza, vivemos rodeados por outros seres, mais
fortes do que nós, que agem sobre nós. Por isso, as paixões não são boas nem más: são naturais. Três
são as paixões originais: alegria, tristeza e desejo. As demais derivam-se destas. Assim, da alegria
nascem o amor, a devoção, a esperança, a segurança, o contentamento, a misericórdia, a glória; da
tristeza surgem o ódio, a inveja, o orgulho, o arrependimento, a modéstia, o medo, o desespero, o pudor;
do desejo provém a gratidão, a cólera, a crueldade, a ambição, o temor, a ousadia, a luxúria, a avareza.
Uma paixão triste é aquela que diminui a capacidade de ser e agir de nosso corpo e de nossa alma;
ao contrário, uma paixão alegre aumenta a capacidade de existir e agir de nosso corpo e de nossa alma.
No caso do desejo, podemos ter paixões tristes (como a crueldade, a ambição, a avareza) ou alegres
(como a gratidão e a ousadia).
Que é o vício? Submeter-se às paixões, deixando-se governar pelas causas externas. Que é a virtude?
Ser causa interna de nossos sentimentos, atos e pensamentos. Ou seja, passar da passividade
(submissão a causas externas) à atividade (ser causa interna). A virtude é, pois, passar da paixão à ação,
tornar-se causa ativa interna de nossa existência, atos e pensamentos. As paixões e os desejos tristes
nos enfraquecem e nos tornam cada vez mais passivos. As paixões e os desejos alegres nos fortalecem
e nos preparam para passar da passividade à atividade.
Como sucumbimos ao vício? Deixando-nos dominar pelas paixões tristes e pelas desejantes nascidas
da tristeza. O vício não é um mal: é fraqueza para existir, agir e pensar. Como passamos da paixão à
ação ou à virtude? Transformando as paixões alegres e as desejantes nascidas da alegria em atividades
de que somos a causa. A virtude não é um bem: é a força para ser e agir autonomamente.
Observamos, assim, que a ética espinosista evita oferecer um quadro de valores ou de vícios e
virtudes, distanciando-se de Aristóteles e da moral cristã, para buscar na ideia moderna de indivíduo livre
o núcleo da ação moral. Em sua obra, Ética, Espinosa jamais fala em pecado e em dever; fala em fraqueza
e em força para ser, pensar e agir.
As virtudes aristotélicas inserem-se numa sociedade que valorizava as relações sociopolíticas entre
os seres humanos, donde a proeminência da amizade e da justiça. As virtudes cristãs inserem-se numa
sociedade voltada para a relação dos humanos com Deus e com a lei divina. A virtude espinosista toma
a relação do indivíduo com a Natureza e a sociedade, centrando-se nas ideias de integridade individual
e de força interna para relacionar-se livremente com ambas. Como, porém, vivemos numa cultura cristã,
a perspectiva do cristianismo, embora historicamente datada, tende a ser dominante, ainda que se altere
periodicamente para adaptar-se a novas exigências históricas. Assim, no século XVII, Espinosa abandona
as noções cristãs de pecado e dever que, no século XVIII, reaparecem com Kant.

Razão, Desejo e Vontade

A tradição filosófica que examinamos até aqui constitui o racionalismo ético, pois atribui à razão
humana o lugar central na vida ética. Duas correntes principais formam a tradição racionalista: aquela
que identifica razão com inteligência, ou intelecto – corrente intelectualista – e aquela que considera que,
na moral, a razão identifica-se com a vontade – corrente voluntarista.
Para a concepção intelectualista, a vida ética ou vida virtuosa depende do conhecimento, pois é
somente por ignorância que fazemos o mal e nos deixamos arrastar por impulsos e paixões contrários à
virtude e ao bem. O ser humano, sendo essencialmente racional, deve fazer com que sua razão ou
inteligência (o intelecto) conheça os fins morais, os meios morais e a diferença entre bem e mal, de modo
a conduzir a vontade no momento da deliberação e da decisão. A vida ética depende do desenvolvimento
da inteligência ou razão, sem a qual a vontade não poderá atuar.
Para a concepção voluntarista, a vida ética ou moral depende essencialmente da nossa vontade,
porque dela depende nosso agir e porque ela pode querer ou não querer o que a inteligência lhe ordena.
Se a vontade for boa, seremos virtuosos, se for má, seremos viciosos. A vontade boa orienta nossa
inteligência no momento da escolha de uma ação, enquanto a vontade má desvia nossa razão da boa
escolha, no momento de deliberar e de agir. A vida ética depende da qualidade de nossa vontade e da
disciplina para forçá-la rumo ao bem. O dever educa a vontade para que se torne reta e boa.
Nas duas correntes, porém, há concordância quanto à ideia de que, por natureza, somos seres
passionais, cheios de apetites, impulsos e desejos cegos, desenfreados e desmedidos, cabendo à razão
(seja como inteligência, no intelectualismo, seja como vontade, no voluntarismo) estabelecer limites e
controles para paixões e desejos. Egoísmo, agressividade, avareza, busca ilimitada de prazeres
corporais, sexualidade sem freios, mentira, hipocrisia, má-fé, desejo de posse (tanto de coisas como de
pessoas), ambição desmedida, crueldade, medo, covardia, preguiça, ódio, impulsos assassinos,
desprezo pela vida e pelos sentimentos alheios são algumas das muitas paixões que nos tornam imorais
e incapazes de relações decentes e dignas com os outros e conosco mesmos.

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Quando cedemos a elas, somos viciosos e culpados. A ética apresenta-se, assim, como trabalho da
inteligência e/ou da vontade para dominar e controlar essas paixões.
Uma paixão – amor, ódio, inveja, ambição, orgulho, medo – coloca-nos à mercê de coisas e pessoas
que desejamos possuir ou destruir. O racionalismo ético define a tarefa da educação moral e da conduta
ética como poderio da razão para impedir-nos de perder a liberdade sob os efeitos de paixões desmedidas
e incontroláveis.
Para tanto, a ética racionalista distingue necessidade, desejo e vontade.
A necessidade diz respeito a tudo quanto necessitamos para conservar nossa existência: alimentação,
bebida, habitação, agasalho no frio, proteção contra as intempéries, relações sexuais para a procriação,
descanso para desfazer o cansaço, etc.
Para os seres humanos, satisfazer às necessidades é fonte de satisfação. O desejo parte da satisfação
de necessidades, mas acrescenta a elas o sentimento do prazer, dando às coisas, às pessoas e às
situações novas qualidades e sentidos.
No desejo, nossa imaginação busca o prazer e foge da dor pelo significado atribuído ao que é desejado
ou indesejado. A maneira como imaginamos a satisfação, o prazer, o contentamento que alguma coisa
ou alguém nos dão transforma esta coisa ou este alguém em objeto de desejo e o procuramos sempre,
mesmo quando não conseguimos possuí-lo ou alcançá-lo. O desejo é, pois, a busca da fruição daquilo
que é desejado, porque o objeto do desejo dá sentido à nossa vida, determina nossos sentimentos e
nossas ações. Se, como os animais, temos necessidades, somente como humanos temos desejos. Por
isso, muitos filósofos afirmam que a essência dos seres humanos é desejar e que somos seres
desejantes: não apenas desejamos, mas sobretudo desejamos ser desejados por outros.
A vontade difere do desejo por possuir três características que este não possui:
1. o ato voluntário implica um esforço para vencer obstáculos. Estes podem ser materiais (uma
montanha surge no meio do caminho), físicos (fadiga, dor) ou psíquicos (desgosto, fracasso, frustração).
A tenacidade e a perseverança, a resistência e a continuação do esforço são marcas da vontade e por
isso falamos em força de vontade;
2. o ato voluntário exige discernimento e reflexão antes de agir, isto é, exige deliberação, avaliação e
tomada de decisão. A vontade pesa, compara, avalia, discute, julga antes da ação;
3. a vontade refere-se ao possível, isto é, ao que pode ser ou deixar de ser e que se torna real ou
acontece graças ao ato voluntário, que atua em vista de fins e da previsão das consequências. Por isso,
a vontade é inseparável da responsabilidade.
O desejo é paixão. A vontade, decisão. O desejo nasce da imaginação. A vontade se articula à reflexão.
O desejo não suporta o tempo, ou seja, desejar é querer a satisfação imediata e o prazer imediato. A
vontade, ao contrário, realiza-se no tempo; o esforço e a ponderação trabalham com a relação entre
meios e fins e aceitam a demora da satisfação. Mas é o desejo que oferece à vontade os motivos interiores
e os fins exteriores da ação. À vontade cabe a educação moral do desejo.
Na concepção intelectualista, a inteligência orienta a vontade para que esta eduque o desejo. Na
concepção voluntarista, a vontade boa tem o poder de educar o desejo, enquanto a vontade má submete-
se a ele e pode, em muitos casos, pervertê-lo.
Consciência, desejo e vontade formam o campo da vida ética: consciência e desejo referem-se às
nossas intenções e motivações; a vontade, às nossas ações e finalidades. As primeiras dizem respeito à
qualidade da atitude interior ou dos sentimentos internos ao sujeito moral; as últimas, à qualidade da
atitude externa, das condutas e dos comportamentos do sujeito moral.
Para a concepção racionalista, a filosofia moral é o conhecimento das motivações e intenções (que
movem interiormente o sujeito moral) e dos meios e fins da ação moral capazes de concretizar aquelas
motivações e intenções. Convém observar que a posição de Kant, embora racionalista, difere das demais
porque considera irrelevantes as motivações e intenções do sujeito, uma vez que a ética diz respeito à
forma universal do ato moral, como ato livre de uma vontade racional boa, que age por dever segundo as
leis universais que deu a si mesma. O imperativo categórico exclui motivos e intenções (que são sempre
particulares) porque estes o transformariam em algo condicionado por eles e, portanto, o tornariam um
imperativo hipotético, destruindo-o como fundamento universal da ação ética por dever.

Ética das Emoções e do Desejo(...)

Há ainda uma outra concepção ética, francamente contrária à racionalista (e, por isso, muitas vezes
chamada de irracionalista), que contesta à razão o poder e o direito de intervir sobre o desejo e as paixões,
identificando a liberdade com a plena manifestação do desejante e do passional. Essa concepção
encontra-se em Nietzsche e em vários filósofos contemporâneos.

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Embora com variantes, essa concepção filosófica pode ser resumida nos seguintes pontos principais,
tendo como referência a obra nietzscheana A genealogia da moral: a moral racionalista foi erguida com
finalidade repressora e não para garantir o exercício da liberdade; a moral racionalista transformou tudo
o que é natural e espontâneo nos seres humanos em vício, falta, culpa, e impôs a eles, com os nomes de
virtude e dever, tudo o que oprime a natureza humana; paixões, desejos e vontade referem-se à vida e à
expansão de nossa força vital, portanto, não se referem, espontaneamente, ao bem e ao mal, pois estes
são uma invenção da moral racionalista; a moral racionalista foi inventada pelos fracos para controlar e
dominar os fortes, cujos desejos, paixões e vontade afirmam a vida, mesmo na crueldade e na
agressividade. Por medo da força vital dos fortes, os fracos condenaram paixões e desejos, submeteram
a vontade à razão, inventaram o dever e impuseram castigos para os transgressores; transgredir normas
e regras estabelecidas é a verdadeira expressão da liberdade e somente os fortes são capazes dessa
ousadia. Para disciplinar e dobrar a vontade dos fortes, a moral racionalista, inventada pelos fracos,
transformou a transgressão em falta, culpa e castigo; a força vital se manifesta como saúde do corpo e
da alma, como força da imaginação criadora. Por isso, os fortes desconhecem angústia, medo, remorso,
humildade, inveja. A moral dos fracos, porém, é atitude preconceituosa e covarde dos que temem a saúde
e a vida, invejam os fortes e procuram, pela mortificação do corpo e pelo sacrifício do espírito, vingar-se
da força vital; a moral dos fracos é produto do ressentimento, que odeia e teme a vida, envenenando-a
com a culpa e o pecado, voltando contra si mesma o ódio à vida; a moral dos ressentidos, baseada no
medo e no ódio à vida (às paixões, aos desejos, à vontade forte), inventa uma outra vida, futura, eterna,
incorpórea, que será dada como recompensa aos que sacrificarem seus impulsos vitais e aceitarem os
valores dos fracos; a sociedade, governada por fracos hipócritas, impõe aos fortes modelos éticos que os
enfraqueçam e os tornem prisioneiros dóceis da hipocrisia da moral vigente; é preciso manter os fortes,
dizendo-lhes que o bem é tudo o que fortalece o desejo da vida e o mal tudo o que é contrário a esse
desejo. Para esses filósofos, que podemos chamar de anti-racionalistas, a moral racionalista ou dos
fracos e ressentidos que temem a vida, o corpo, o desejo e as paixões é a moral dos escravos, dos que
renunciam à verdadeira liberdade ética(...)
Essa concepção da ética suscita duas observações.
Em primeiro lugar, lembremos que a ética nasce como trabalho de uma sociedade para delimitar e
controlar a violência, isto é, o uso da força contra outrem. Vimos que a filosofia moral se ergue como
reflexão contra a violência, em nome de um ser humano concebido como racional, desejante, voluntário
e livre, que, sendo sujeito, não pode ser tratado como coisa. A violência era localizada tanto nas ações
contra outrem – assassinato, tortura, suplício, escravidão, crueldade, mentira, etc. – como nas ações
contra nós mesmos – passividade, covardia, ódio, medo, adulação, inveja, remorso, etc. A ética se
propunha, assim, a instituir valores, meios e fins que nos libertassem dessa dupla violência. Os críticos
da moral racionalista, porém, afirmam que a própria ética, transformada em costumes, preconceitos
cristalizados e sobretudo em confiança na capacidade apaziguadora da razão, tornou-se a forma perfeita
da violência. Contra ela, os anti-racionalistas defendem o valor de uma violência nova e purificadora – a
potência ou a força dos instintos -, considerada libertadora. O problema consiste em saber se tal violência
pode ter um papel libertador e suscitar uma nova ética.
Em segundo lugar, é curioso observar que muitos dos chamados irracionalistas contemporâneos
baseiam-se na psicanálise e na teoria freudiana da repressão do desejo (fundamentalmente, do desejo
sexual). Propõem uma ética que libere o desejo da repressão a que a sociedade o submeteu, repressão
causadora de psicoses, neuroses, angústias e desesperos. O aspecto curioso está no fato de que Freud
considerava extremamente perigoso liberar o id, as pulsões e o desejo, porque a psicanálise havia
descoberto uma ligação profunda entre o desejo de prazer e o desejo de morte, a violência incontrolável
do desejo, se não for orientado e controlado pelos valores éticos propostos pela razão e por uma
sociedade racional.
Essas duas observações não devem, porém, esconder os méritos e as dificuldades da proposta moral
anti-racionalista. É o seu grande mérito desnudar a hipocrisia e a violência da moral vigente, trazer de
volta o antigo ideal de felicidade que nossa sociedade destruiu por meio da repressão e dos preconceitos.
Porém, a dificuldade, como acabamos de assinalar acima, está em saber se o que devemos criticar e
abandonar é a razão ou a racionalidade repressora e violenta, inventada por nossa sociedade, que precisa
ser destruída por uma nova sociedade e uma nova racionalidade.
Sob esse aspecto, é interessante observar que não só Freud e Nietzsche criticaram a violência
escondida sob a moral vigente em nossa Cultura, mas a mesma crítica foi feita por Bergson (quando
descreveu a moral fechada) e por Marx, quando criticou a ideologia burguesa. Marx afirmava que os
valores da moral vigente – liberdade, felicidade, racionalidade, respeito à subjetividade e à humanidade
de cada um, etc. – eram hipócritas não em si mesmos (como julgava Nietzsche), mas porque eram
irrealizáveis e impossíveis numa sociedade violenta como a nossa, baseada na exploração do trabalho,

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na desigualdade social e econômica, na exclusão de uma parte da sociedade dos direitos políticos e
culturais. A moral burguesa, dizia Marx, pretende ser um racionalismo humanista, mas as condições
materiais concretas em que vive a maioria da sociedade impedem a existência plena de um ser humano
que realize os valores éticos. Para Marx, portanto, tratava-se de mudar a sociedade para que a ética
pudesse concretizar-se.
Críticas semelhantes foram feitas por pensadores socialistas, anarquistas, utópicos, para os quais o
problema não se encontrava na razão como poderio dos fracos ressentidos contra os fortes, mas no modo
como a sociedade está organizada, pois nela o imperativo categórico kantiano, por exemplo, não pode
ser respeitado, uma vez que a organização social coloca uma parte da sociedade como coisa, instrumento
ou meio para a outra parte25.

RACIONALIDADE, LIBERDADE E AUTONOMIA26

A crítica pela crítica é uma atitude estéril. Acreditar que as mudanças ocorrem pelo andar natural da
casualidade e dos movimentos contínuos do destino proporciona uma derrota para aqueles que acreditam
ser o determinismo concepção falida. Os pressupostos da crítica, dessa forma, não podem significar
ações infundadas, sem o uso da razão condutora. Evidente que todo interesse por gerar mudanças está
amparado por um sentir emocional, o que não significa ofuscar o uso racional das argumentações.
DAMÁSIO (2000) afirma que os aspectos emocionais são elementos fundamentais na elaboração da
razão.
Criticar, antes de tudo, é refletir sobre a prática da própria crítica. Elaborar argumentos críticos não
deve ser estagnado por interesses particulares e dogmáticos, uma vez que está na natureza intrínseca
da crítica, na sua essência, a fuga de qualquer forma de dogmatização, a fuga por qualquer forma
totalitária de pensamento e concepção teórica explicativa para o todo. Essa mesma ideia é defendida,
com muita propriedade, por HORKHEIMER (1991). No seu ensaio “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” é
possível verificar a repulsa pela tentativa do Positivismo de se impor como modelo de explicação para
todas as ciências. Segundo Horkheimer, quando uma linha epistemológica tenta dominar uma ciência, o
que está em jogo, na realidade, é a permanência da heterogeneidade do pensamento e,
consequentemente, da livre iniciativa da crítica. Essas colocações iniciais têm como objetivo questionar
as atuais estruturas da disseminação do conhecimento, consolidando um novo período da história com
nova faceta da sociedade, menos heterogênea e mais pragmática. Na atualidade, muito em consequência
da expansão da racionalidade instrumental, as relações humanas e sociais firmaram-se de forma
utilitarista. Essa prática é devida, em parte, ao advento de uma ideologia capitalista mediada por
interesses específicos, tornando os indivíduos reificados por um sistema, que tende fazer do homem mero
instrumento, destituindo-o da capacidade crítica. Não é raro, portanto, encontrar pessoas inseridas no
bolsão de opiniões maçantes e repetitivas, chegando ao exagero de se tornarem clichês sociais.
ADORNO e HORKHEIMER (1985), com sua crítica à Indústria Cultural, responsabilizam, em parte, a
mídia por disseminar a ideologia dominante. Assim, as informações propagadas são formas de controles
sociais agravadas pela máscara de uma “pseudocrítica”, ou seja, o debate de ideias, em última instância,
não propicia mudanças qualitativas e quantitativas para a coletividade. Portanto, a própria crítica está
envolvida pelos controles sociais instituídos, de tal modo que suas possibilidades de fuga restringem-se
ao que é permitido. O que está perdido, nessa situação, não é a liberdade; mas sim, a autonomia do
indivíduo, que apesar de absorver ideias e pensamentos, transpõe ideias “prontas”, cuja aparência crítica
oculta produtos elaborados e prontos para serem consumidos sem o devido questionamento do conteúdo
a ingerir. Cultiva o fetiche pela embalagem e a despreocupação real com o conteúdo. A autonomia, ao
contrário da liberdade, requer o esforço do questionamento das práticas ocorrentes, pelo uso da razão.
Quando se aceita uma ideia, já se realiza o exercício da liberdade; contudo, para o exercício da autonomia
o esforço é maior, requer a capacidade de questionar e avaliar criticamente o porquê de se aceitar tal
ideia. Somente por meio de análises reflexivas pode-se libertar as ideias de uma prática subordinativa e
dogmática. Nas palavras de HORKHEIMER (2000, p.31) encontra-se semelhante pensamento: “A
verdade e as ideias foram radicalmente funcionalizadas e a linguagem é considerada como um mero
instrumento, seja para a estocagem e a comunicação dos elementos intelectuais da produção, seja para
a orientação das massas”.

25
Extraído p/ fins didáticos de Convite à Filosofia - de Marilena Chauí - Ed. Ática, São Paulo, 2000.
http://www.projeto.unisinos.br/humanismo/etica/histetica.pdf.
26
MENEGHETTI, K. FRANCIS. Liberdade ou autonomia: Reflexões críticas sobre as organizações. EnANPAD. http://www.anpad.org.br/admin/pdf/EOR-C1430.pdf

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Assim, a crítica é a prática da autonomia, respeitando-se a ética coletiva sem, contudo, ofuscar a ética
individual. Essa conciliação do nível individual com o coletivo guia e alicerça o pensamento crítico e sua
execução transpõe qualquer forma de totalização de pensamento e uniformização de ideias.

Da liberdade à Autonomia: Transformando as Relações

Para falar sobre a autonomia com propriedade, antes é necessário falar sobre a práxis. Entendida a
práxis como a transformação da realidade feita pela consciência formada por um indivíduo ou por uma
sociedade, sua função essencial nesse processo de mudança somente se efetiva, quando as relações
materiais permitem tal feito. A autonomia, quando se refere às relações de trabalho ou às relações
organizacionais, não é a utilização incondicional da liberdade individual. Sua limitação está sujeita às
determinações materiais das relações sociais.
A práxis criadora (VÁZQUEZ, 1977, p. 247-253) não é um movimento disforme das alterações
materiais, apesar de os analistas nem sempre entenderem dessa forma. Os processos de formação da
consciência dos indivíduos são construídos pelas alterações efetuadas pelas relações de produção.
Assim, um operário, que sente os efeitos da reestruturação produtiva do seu setor, se vê objeto das
modificações materiais, seja por meio de sua exclusão ou pela necessidade de nova qualificação para se
adaptar às novas condições de produção. Nesse simples exemplo, é possível perceber que, quando
submetido a tais modificações das relações de produção, o indivíduo isolado perde seu poder de
reivindicação frente às novas realidades materiais. A autonomia, nesse caso, se dá pelo poder coletivo.
Do indivíduo ao coletivo, a autonomia percorre caminhos que lutam contra o individualismo apresentado
como valor moral do atual modelo econômico. Não só a autonomia passa a ser uma condição material de
existência, mas, também, os valores morais e o imaginário dela provenientes. Substituição da coletividade
pelo individualismo e do colaboracionismo pelo particularismo são alguns dos exemplos de ações em que
a autonomia perdeu espaço para uma ideologia que nos transforma em sociedade de produtores e
consumidores, caminhando em velocidade cada vez maior na direção do engessamento social. Na
autonomia, os indivíduos, quando articulados em grupos democraticamente formados, não são meros
coadjuvantes do processo de decisão. Sua ação é voltada para a participação efetiva, sem cair nos
discursos do falso participacionismo. Os indivíduos têm um papel ativo e significativo na formação da
consciência social (na cultura, na educação, na política, enfim, na vida pública) e são responsáveis por
realizar concretamente as transformações sociais, tornando-se cientes desse processo histórico. Essas
afirmações não deixam de ser, até certo ponto, idealistas, uma vez que a cooperação integral da
sociedade é uma utopia.
Todavia, uma sociedade mais participativa e cônscia da sua história é perfeitamente possível e, para
que isso ocorra, pelo viés da perspectiva materialista, é necessária nova configuração das condições
materiais de existência e das relações de produção. Conforme Marx afirma, não é a consciência que
transforma a realidade material, mas, sim, é esta que favorece a formação da consciência individual e
coletiva, logo, a liberdade é limitada pela própria materialidade do mundo. As limitações biológicas e
psíquicas levam à suposição do que seria a liberdade incondicional, embora a realidade possível seja
condizente com as transformações possíveis em uma consciência coletiva. Nesse sentido é que as
transformações são possíveis sem, contudo, cair no discurso infundado da liberdade irrestrita. As
transformações de uma sociedade que “progride” não se dão ao acaso ou por simples voluntarismo dos
seus agentes. As determinações surgem em uma realidade já concreta, mas interagem constantemente
com a natureza (incluindo os indivíduos). Assim, é possível falar de autonomia individual e coletiva,
entretanto, não é possível subjugá-la como sinônimo de liberdade total. As determinações das
determinações são fundamentais para entender a limitação das ações humanas. Outro fator diz respeito
à interação da realidade concreta com a vontade humana. Ambas são transformadas pela consciência
formada na práxis, que se qualifica, em muitos momentos, como reprodução da realidade, mas que não
deixa de ter sua dimensão voltada para as transformações sociais.

DETERMINISMO27

Alvo de muitas críticas, o determinismo é uma teoria filosófica que afirma que as escolhas e ações
humanas não acontecem devido ao livre-arbítrio, mas por relações de causalidade. A crença determina
que qualquer acontecimento ocorre de forma conexa à outros de uma maneira já fixada, seja por um
plano sobrenatural ou pelas leis da natureza. A teoria defende ainda, que todos os acontecimentos
ocorrem devido ao decurso natural, por uma causa específica, e devem de fato acontecer. Desta forma,
27
PETRIN, Natália. Determinismo. Disponível em: < http://www.estudopratico.com.br/determinismo/>.

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os acontecimentos atuais tornam possíveis previsões de acontecimentos futuros, uma vez que todos os
fenômenos estão interligados e que tudo está predeterminado. São leis necessárias e imutáveis,
concluindo que as ações e o comportamento humano estão predeterminados pela natureza, e que a
liberdade é uma ilusão subjetiva.

Tipos de Determinismo
Dentro da teoria filosófica do determinismo, existem três tipos:

Pré-determinismo: de acordo com este tipo de determinismo, supõe-se que todos os efeitos estão
conectados totalmente em suas causas, sendo considerado um determinismo mecanicista. A
determinação, neste, é colocada no passado, ocasionando em uma cadeia causal explicada por completo
pelas condições iniciais do universo.

Pós-determinismo: nesse caso, as causalidades são determinadas por algum motivo, ou seja, a
determinação é vista no futuro e ligada a algo exterior, como um deus.

Co-determinismo: assim como a teoria do caos, todos os efeitos podem interagir com outros efeitos,
de forma a causar uma realidade em nível diferente das outras causas. É como se um efeito de uma
causa anterior, se tornasse a causa de um novo efeito, gerando desta forma níveis de realidades
diferentes. Pode-se usar como exemplo a interação no nível molecular, que forma um outro nível de
realidade, a vida. Ou então a interação entre indivíduos que gera uma realidade de outro nível, a
sociedade. A determinação, neste caso, é colocada no presente ou na simultaneidade dos processos.

Críticos: determinismo vs liberdade

A não-causalidade é usada por alguns estudiosos para justificar a livre escolha e o livre arbítrio. Os
críticos do determinismo afirmam que o desejo e a vontade dos animais existem em um universo diferente
do causal, no entanto, para os deterministas, estes críticos não levam em conta o terceiro tipo, o co-
determinismo, que leva em consideração a causalidade que possui outros níveis de realidade. Neste,
cada nível de realidade contém uma consistência que lhe dá autonomia, mas sem nunca parar de interagir
com os outros.

Liberdade28
A liberdade é motivo para reflexão de filósofos desde muito antes de Sartre, tanto na área do direito,
especificamente, como na tradição filosófica em si.
Na declaração dos direitos do homem e do cidadão consta que liberdade individual caracteriza-se pelo
poder de "fazer tudo o que não for nocivo a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada um
não tem outros limites além daqueles que asseguram aos outros membros da sociedade dos mesmos
direitos" (Vicente, 1985, v. 07, p. 2159).
O interesse pelo tema da liberdade humana vem permeando os estudos dos filósofos desde seu
princípio. Em Platão podemos perceber que a liberdade individual é capaz de atribuir mérito ou demérito,
segundo os atos realizados pelo próprio indivíduo, sendo que as leis são o peso utilizado para denominar
o mérito ou não. Podemos ainda apontar o conceito de liberdade assegurado pelos estoicos (Vicente,
1985, v. 5) de que seria uma adesão espontânea à necessidade natural.
Na Idade Média os limites da liberdade eram definidos segundo conceitos elaborados partindo do
conflito razão X teologia. Então eram elaborados basicamente pela religião predominante na Europa, o
cristianismo.
Continuando a linha de análise, na modernidade temos o conceito de Liberdade elaborado por
Descartes, sendo que ele apontou para o que denominou liberdade de indiferença, caracterizada pela
"adesão sem razão a uma de duas contrárias igualmente possíveis" (Vicente, 1985, v.7, p. 2160), e
afirmou ser esse o grau mais baixo de liberdade humana. Podemos neste ponto perceber a dicotomia
travada entre Teologia X Razão, em que Descartes acredita que o que é feito sem o uso da razão não
assegura a liberdade completa.
Leibniz denominou "toda a espontaneidade racional" de liberdade (Vicente, 1985, v.7, p. 2137), desde
que não houvesse a necessidade lógica. Assim, agir por estar inclinado e não necessitado seria agir
livremente.

28
SILVA, A, Andressa. A liberdade e a Filosofia. http://webartigos.com/artigos/a-liberdade-e-a-filosofia/60560

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Analisando ainda os diversos conceitos filosóficos acerca da liberdade, temos de Spinoza a descrença
no conceito de liberdade, sendo que no ponto de vista do filósofo, o conceito de liberdade não passa de
uma ilusão produzida pela ignorância das verdadeiras causas. Para Spinoza, a liberdade verdadeira não
é habilidade de escolher algo em detrimento de outro, mas sim a habilidade de agir de acordo com a
natureza de uma pessoa e agir sozinha (Bergman, 2004). Deus é livre por que é infinito, já para os
humanos, a liberdade consiste em "entender nossos desejos e nosso lugar no universo como uma causa
de deus" (Bergman, 2004, p. 55).
Kant definiu a liberdade como um postulado da razão prática, caracterizado pelo imperativo categórico.
A declaração dos direitos do homem e do cidadão certamente baseou-se no conceito kantiano de
liberdade: “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se mediante tua vontade a lei universal
da natureza" (Kant, 1785 apud Marcondes, 2007, p.123).
Como é possível averiguar, o tema liberdade tem sido estudado por diversas escolas filosóficas em
todo o decorrer da própria filosofia.

4.1.1.4 Política. ● Relações entre comunidade e poder. ● Liberdade e


igualdade política. ● Política e Ideologia. ● Esfera pública e privada. ●
Cidadania formal e/ou participativa

COMUNIDADE E SOCIEDADE29

É bastante comum a conceituação da comunidade em oposição à de sociedade. Enquanto a


comunidade é tradicional, a sociedade é moderna; enquanto a comunidade agrega, a sociedade
desagrega. A mais clássica formulação das ideias de comunidade e sociedade, nesses termos, foi feita
por Ferdinand Tönnies (1855-1936). Na visão de Tönnies (1995a), a comunidade – ou Gemeinschaft – é
um grupo social demarcado espacialmente. Grupos considerados comunitários contam com elevado grau
de integração afetiva e também com alto grau de coesão – e mesmo de homogeneização – entre seus
membros, e isso inclui conhecimentos, objetivos, práticas cotidianas e formas de agir e pensar. As normas
ocorrem especificamente por meio dos costumes, hábitos e tradições, e as formas de relacionamento
social são predominantemente pessoais, o que significa o compartilhamento de valores e também maior
grau de intimidade.
Deve-se notar que, em uma forma de vida comunitária, a restrição relativa ao espaço se refere
diretamente ao grau em que é possível a manutenção do compartilhamento de valores – a ponto de as
relações continuarem configurando um grupo coeso. Essa limitação não se refere apenas ao espaço, mas
ao número de membros, e é bastante razoável sugerir que os limites da comunidade são os limites da
família, da aldeia e das pequenas cidades.
Uma resenha de Durkheim (1995, p. 113) sobre Tönnies mostra a “imagem de comunidade” evocada
pelo último:
A Gemeinschaft é a comunidade. Ela constitui uma unidade absoluta que é incompatível com a
distinção em partes. Para merecer o nome de comunidade, mesmo se estiver organizado, um grupo não
é uma coleção de indivíduos que diferem uns dos outros; é uma massa, indiferenciada e compacta, que
só é capaz de se mover em conjunto, e é direcionada pela própria massa, ou por uma de suas partes
incumbida da direção. É um agregado de mentes tão fortemente coeso que ninguém é capaz de se mover
independentemente dos outros.
Também em Max Weber (1987, p. 77) pode-se encontrar uma conceituação de comunidade que
permite vislumbrar algo similar:

Chamamos de comunidade a uma relação social na medida em que a orientação da ação social,
na média ou no tipo-ideal, baseia-se em um sentido de solidariedade: o resultado de ligações
emocionais ou tradicionais dos participantes.

Aqui encontram-se a solidariedade, a relação afetiva e o compartilhamento de tradições como o


determinante da comunidade.
A comunidade, para Tönnies (1995a), desenvolveu-se a partir de três diferentes instâncias: o
parentesco, a vizinhança e a amizade. A primeira emerge da vida familiar e fundamenta-se na autoridade
dos membros da família – sendo essa autoridade traduzida em termos de idade, força e sabedoria. A
29
Mocellim, Alan Delazeri. A comunidade: da sociologia clássica à sociologia contemporânea. PLURAL, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
USP, São Paulo, v. 17, n. 2, pp.105-125, 2011

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segunda emerge da vida em comum, do território partilhado. Nesse caso, as necessidades de trabalho e
de uma organização comum promovem o compartilhamento dos hábitos, dos conhecimentos e a
emergência das tradições. A terceira emerge da semelhança de interesses e formas de pensar. Ela nasce
da similitude de atividades, mas deve ser alimentada por encontros frequentes, sendo mais comum nas
aldeias e pequenas cidades. De maneira diferente, pode-se falar de comunidade de sangue, de lugar e
de espírito e também notar que, mesmo nomeadas como sendo diferentes comunidades, são encontradas
em conjunto e fortemente ligadas.

A comunidade de sangue acha-se regularmente ligada às relações e participações comuns, quer


dizer, à possessão comum dos próprios seres humanos. Na comunidade de lugar, as relações
vinculam-se ao solo e à terra; e, na comunidade de espírito, os elos comuns com os lugares
sagrados e com as divindades honradas. As três espécies de comunidades estão estreitamente
ligadas entre si no espaço e no tempo, e, em consequência, em cada um de seus fenômenos
particulares e seu desenvolvimento, como na cultura humana geral e sua história (Tönnies,
1995a, p. 239).

A sociedade – ou Gesellschaft –, diferentemente da comunidade, não é demarcada espacialmente,


dentro de limites facilmente estabelecidos, podendo ter amplitude ilimitada. Grupos considerados
societários (ou associativos) contam com baixo grau de integração afetiva e de coesão, possibilitando
maior diferenciação e individualização de seus membros. Dessa forma, eles podem contar com
conhecimentos, objetivos, práticas cotidianas e formas de agir e pensar heterogêneas, que não se
integram em um todo comum. As normas se processam especificamente por meio das convenções, das
leis e da opinião pública. As formas de relacionamento social são predominantemente impessoais, o que
significa também menor compartilhamento de valores e baixo grau de intimidade.
Em teoria, a sociedade consiste num grupo humano que vive e habita lado a lado de modo pacífico, como
na comunidade, mas, ao contrário desta, seus componentes não estão ligados organicamente, mas
organicamente separados. Enquanto, na comunidade, os homens permanecem essencialmente unidos, na
sociedade eles estão essencialmente separados, apesar de tudo que os une (Tönnies, 1995a, p. 252).

A sociedade só pode existir com um grande número de pessoas vivendo em proximidade e em um


território expandido, onde possa conviver imenso número de pessoas, com os mais diversos modos de
ser. Dessa forma, a sociedade se refere ao mundo moderno, às metrópoles modernas e à cultura
heterogênea das cidades, onde as mais diversas variações culturais são aceitas, até com certa
indiferença.
Assim, a vida comunitária se contrapõe à vida societária. Em uma, impera a homogeneidade, na outra,
a heterogeneidade; em uma, encontram-se princípios gerais que orientam a ação do grupo, na outra,
princípios relativos que orientam ações de membros individuais.
A comunidade só pode ter seus aspectos demarcados e delineados a partir de seu grande contraste
com seu oposto moderno, a sociedade, pois, só a partir de então – do momento em que deixa de ser a
única forma de relação social de grupo –, ela passa a ganhar centralidade; e, só diante da conturbada
vida metropolitana – que, mesmo possibilitando um aumento dos contatos sociais, levou a uma menor
profundidade desses contatos –, a coerente vida comunitária passa a ser uma metáfora de tudo o que é
social.
Nas cidades, nas capitais e, sobretudo, nas metrópoles, a vida em família entra em declínio.
Quanto maior e mais extensa a influência urbana, mais os resíduos da vida familiar adquirem um
caráter puramente acidental. Poucas pessoas ultrapassam pela força de vontade um círculo tão
estreito. Todos são atraídos para o exterior, separados e isolados pelos negócios, interesses e
prazeres (Tönnies, 1995a, p. 346).

Similar à compreensão de Tönnies (1995a) acerca da sociedade é a visão de Georg Simmel acerca
da metrópole. Para Simmel (1987), a metrópole é a expressão da individualidade, “berço” da
individualidade, seguida de alta impessoalidade e de subjetividade altamente diferenciada. Na metrópole,
emerge a atitude blasé, ou seja, uma incapacidade de reagir a estímulos e novas sensações. Essa atitude
é resultante da intensidade e quantidade de estímulos aos quais os indivíduos são expostos
cotidianamente na metrópole. Além disso, com o extensivo do grupo – como no caso dos grandes
agrupamentos urbanos –, os contatos com outras pessoas se tornam menos intensos e pessoais, o que
– mesmo que diminuam os laços sociais – aumenta a liberdade de ação das pessoas e dos grupos.
Tanto em Tönnies como em Weber, a ideia de comunidade aparece como uma tipologia. No caso de
Tönnies, ele parte das comunidades para as associações modernas e, a partir disso, cria uma filosofia da
história, e o desenvolvimento tem um rumo ao longo do tempo. Mas não se trata apenas disso. Tönnies
converte o caso específico que lhe era disponível – a diferença histórica entre comunidade e sociedade
Apostila gerada especialmente para: kauany souza 095.822.709-85 51
– em uma classificação que busca dar conta da análise de qualquer sociedade do passado e do presente
(Nisbet, 1967, p. 74). Da mesma forma, tanto para Tönnies quanto para Weber, a comunidade deve ser
entendida como um tipo ideal, um construto intelectual útil para a análise de grupos sociais, mas que deve
considerar que, na realidade, comunidade e sociedade se misturam.
De certo modo, pode-se verificar em Tönnies uma visão pessimista da modernidade. De seu ponto de
vista, aquilo que a Sociologia chamou de “social” se encontra principalmente na comunidade. É nela que
se encontram a relação social mútua e os códigos morais compartilhados; é nela que o afeto predomina
e determina os laços entre as pessoas. Porém, com a modernidade e a decadência da vida comunitária,
o que se vê mesmo é a decadência deste “velho social”. A sociedade emergente é, para ele, sinônimo de
atomização e individualização radicalizada e, assim, não pode representar uma forma de reconstrução
da vida comunitária e de seu aspecto afetivo, pessoal e agregador.

A ESTREITA RELAÇÃO ENTRE O PODER E O CONHECIMENTO

Focault diz que:


Se quisermos realmente conhecer o conhecimento, saber o que ele é, apreendê-lo em sua raiz, (…),
devemos compreender quais são as relações de luta e de poder. E é somente nessas relações de luta e
de poder - na maneira como os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos outros,
querem exercer, uns sobre os outros, relações de poder - que compreendemos em que consiste o
conhecimento (2003, p.23).
A saber, conhecimento é um patrimônio humanitário. A definição clássica de conhecimento, originada
em Platão, diz que ele consiste de crença verdadeira e justificada. Aristóteles divide o conhecimento em
três áreas: científica, prática e técnica.
Além dos conceitos aristotélico e platônico, o conhecimento pode ser classificado em uma série de
designações/categorias:
Conhecimento Sensorial: É o conhecimento comum entre seres humanos e animais. Obtido a partir
de nossas experiências sensitivas e fisiológicas (tato, visão, olfato, audição e paladar).
Conhecimento Intelectual: Esta categoria é exclusiva ao ser humano; trata-se de um raciocínio mais
elaborado do que a mera comunicação entre corpo e ambiente. Aqui já pressupõe-se um pensamento,
uma lógica.
Conhecimento Empírico/Vulgar/Popular: É a forma de conhecimento do tradicional (hereditário), da
cultura, do senso comum, sem compromisso com uma apuração ou análise metodológica. Não pressupõe
reflexão, é uma forma de apreensão passiva, acrítica e que, além de subjetiva, é superficial.
Conhecimento Científico: Preza pela apuração e constatação. Busca por leis e sistemas, no intuito
de explicar de modo racional aquilo que se está observando. Não se contenta com explicações sem
provas concretas; seus alicerces estão na metodologia e na racionalidade. Análises são fundamentais no
processo de construção e síntese que o permeia, isso, aliado às suas demais características, faz do
conhecimento científico quase uma antítese do empírico.
Conhecimento Filosófico: Mais ligado à construção de idéias e conceitos. Busca as verdades do
mundo por meio da indagação e do debate; do filosofar. Portanto, de certo modo assemelha-se ao
conhecimento científico - por valer-se de uma metodologia experimental -, mas dele distancia-se por tratar
de questões imensuráveis, metafísicas. A partir da razão do homem, o conhecimento filosófico prioriza
seu olhar sobre a condição humana.
Conhecimento Teológico: Conhecimento adquirido a partir da fé teológica, é fruto da revelação da
divindade. A finalidade do Teólogo é provar a existência de Deus e que os textos Bíblicos foram escritos
mediante inspiração Divina, devendo por isso ser realmente aceitos como verdades absolutas e
incontestáveis. A fé não é cega baseia-se em experiências espirituais, históricas, arqueológicas e
coletivas que lhes dá sustentação.
Conhecimento Intuitivo: Inato ao ser humano, o conhecimento intuitivo diz respeito à subjetividade.
Às nossas percepções do mundo exterior e à racionalidade humana. Manifesta-se de maneira concreta
quando, por exemplo, tem-se uma epifania.
Quanto ao conceito de poder, este varia no tempo e em função da corrente de pensamento abordada
por diversos estudiosos. Para Foucault o poder é algo que se exerce em rede. Não existe uma entidade
que centraliza o poder. Este se dá tanto a nível macro quanto a nível micro. Já para Lasswell, poder é o
fato de participar da tomada de decisões. Marx Webel definiu o poder como sendo a probabilidade de um
certo comando com um conteúdo específico a ser obedecido por um grupo determinado.
Essa relação entre conhecimento e poder, faz-se visível desde a Idade Média, como podemos verificar
na obra de Humberto Eco, O Nome da Rosa.

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A expressão "O nome da Rosa" foi usada na Idade Média significando o infinito poder das palavras. A
rosa subsiste seu nome, apenas; mesmo que não esteja presente e nem sequer exista. A "rosa de então”,
centro real desse romance, é a antiga biblioteca de um convento beneditino, na qual estavam guardados
códigos preciosos: parte importante da sabedoria grega e latina que os monges conservaram através dos
séculos.
A referida obra é também uma crítica do poder e do esvaziamento dos valores pela demagogia,
violências sexuais, os conflitos no seio dos movimentos heréticos, a luta contra a mistificação e o poder.
Uma parábola sangrenta patética da história da humanidade.
O pensamento dominante, que queria continuar dominante, impedia que o conhecimento fosse
acessível a quem quer que seja, salvo os escolhidos. No “O nome da Rosa”, a biblioteca era um labirinto
e quem conseguia chegar no final era morto. Só alguns tinham acesso. É uma alegoria do Humberto Eco,
que tem a ver com o pensamento dominante da Idade Média, dominado pela igreja. A informação restrita
a alguns poucos representava dominação e poder. Era a idade das trevas, em que se deixava na
ignorância todos os outros.
Esta centralização do poder sobre o conhecimento também foi visível durante o período da Santa
Inquisição, onde a igreja possuía todo o monopólio do conhecimento e poder em suas mãos. Dessa forma,
doutrinas contrárias eram punidas severamente na fogueira.
Como sabemos, O conhecimento e a liberdade são condições ontológicas do ser humano. O que de
fato ocorreu nas sociedades ao longo da história foi uma exacerbação da lógica individualista e de
imposição, de apropriação e privatização. O conhecimento, portanto, é um patrimônio humanitário,
devendo servir ao bem comum, da mesma forma como o desenvolvimento econômico-social deve servir
a todos e todas, sendo uma possibilidade de felicidade humana, de construção de uma sociedade sem
excluídos.
Dessa forma, a escola sendo uma instituição que trabalha diretamente com o conhecimento, está
intrinsecamente ligada ao poder. Passa a ser, como diz Bourdieu, “(…) agência de reprodução social,
econômica e cultural das classes dominantes, ou, (…) como um programa de percepção de pensamento
e de ação uniformizante” (1992, 219). Por isso, não é difícil perceber que a escola não é apolítica, é a
maneira pela qual o estado, por meio de suas concessões seletivas, suas políticas de certificação e
poderes legais influencia as práticas escolares no interesse da ideologia dominante.
Para Tragtenberg (2001), não há dúvida que a escola, em qualquer sociedade, tende a renovar-se e
ampliar seu âmbito de ação, reproduzir as condições de existência social formando pessoas aptas a
ocupar os lugares que a estrutura social oferece. Como a religião e o esporte, a educação pode se
constituir num instrumento do poder e da reprodução das desigualdades sociais.
A educação, segundo Krisnamurti deve ajudar-nos a descobrirmos as barreiras nacionais e sociais,
em lugar de as reforçar. Infelizmente, nosso atual sistema de educação nos torna subservientes,
mecânicos e fundamentalmente incapazes de pensar, embora desperte nosso intelecto, deixa-nos
interiormente incompletos (2003, p. 13).
Nesse sentido, em concordância com o autor, acredito que Educação não significa apenas adquirir
conhecimentos, e correlacionar fatos, há que se educar não só os conhecimentos, mas os valores e
compreender o significado da vida como um todo. Mas o todo não pode ser alcançado pela parte, como
estão tentando fazer os governos, as religiões organizadas e os partidos autoritários.
Maria Montessori vem de encontro a essa ideia, quando defende que o investimento na criança e no
jovem deveria ser feito de uma forma bastante profunda, com uma visão científica para que fosse possível
contribuir com o desenvolvimento de homens integrais, isto é, com bagagem intelectual e, além disso,
com o esteio dos valores morais. A diferença é a forma como encaramos o indivíduo. Não apenas com
uma perspectiva intelectual mas como um homem que precisa ser visto na sua parte física, psíquica, e
de desenvolvimento de valores.
A relação entre conhecimento e poder sempre esteve caracterizada como uma relação intrínseca, o
poder do conhecimento se impõe através de várias formas de dominação: econômica, política, social etc.
A diferença entre pobres e ricos, é determinada pelo fato de se deter ou não conhecimento, já que o
acesso à renda define as chances das pessoas e sociedades. Apesar de termos vivenciado um paradoxo
em relação à formação acadêmica do ex-presidente, Luis Inácio Lula da Silva, convencionou-se que em
liderança política é indispensável nível superior.
O conhecimento sempre esteve no topo da pirâmide social, como um fator diferencial do acesso a
níveis hierárquicos diferenciados de poder. Hoje, porém já temos visto uma quantidade significativa de
profissionais que detém mais conhecimentos específicos do que os seus chefes. E aí, como fica esta
questão? Parece-me que alguma coisa está mudando!
O consultor empresarial, Bernardo Leite, levanta algumas hipóteses. Para ele o conhecimento passa
a ser entendido como vantagem competitiva do negócio, extrapolando a questão dos níveis hierárquicos.

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Destaca também que, com um mercado de trabalho cada vez mais exigente, obriga os profissionais a
fortalecerem cada vez mais sua formação. Ademais, com a democratização do acesso aos meios de
comunicação, a quantidade de informações que os profissionais alcançam é muito grande, principalmente
aqueles com mais disponibilidade.
Em suma, criou-se uma concorrência feroz, onde não basta apenas deter o conhecimento, mas saber
aplicá-lo. Com a globalização, as forças do mercado estão delineando uma revolução nas estruturas de
poder x conhecimento. Cabe a nós ficarmos atentos e conscientes desses movimentos30.

PRINCÍPIOS REPUBLICANOS

Liberdade e Igualdade

Falar em princípios do direito é estar construindo conceitos fundamentais para a formação do


ordenamento jurídico.Com a implementação do republicanismo vai se desenhando o processo de
constitucionalização do ordenamento jurídico, pois com a participação do povo na construção do Estado,
ou seja com a aproximação do Poder Político e do Poder público, à vontade da maioria vai sendo filtrada e
positivada pelo Estado, tornando a ordem pública constitucionalizada.Com isto o povo passa a lutar pela
garantia legal de seus direitos políticos como liberdade, a igualdade, a fraternidade e etc.
O chamado liberalismo contribuiu de maneira decisiva para a formação da cidadania do modo mais
pleno que se possa imaginar. A luta entre a nobreza e a burguesia foi à mola mestra na efetivação dos
direitos de liberdades, ambas buscavam alcançar maior visibilidade através da disputa pelo poder, e este
fator fez brotar na sociedade múltiplas lutas que acabaram por ampliar os conceitos de cidadania .Dando
origem a Carta de Direitos das Nações Unidas, de 1948 que foi inspirada nas Cartas de Direitos dos
Estados Unidos ,de 1776 e da Revolução Francesa de 1798.
Estas lutas foram as grandes responsáveis pelo nascimento dos direitos políticos e individuais,
chamados também de direitos de primeira geração, que vem a funcionar como um escudo de normas
tendentes a proteger os cidadãos das arbitrariedades do Estado, garantindo as liberdades públicas, onde
a administração estatal deve respeitar uma esfera mínima de proteção individual (propriedade, liberdade).
Estes direitos de primeira geração foram disseminados pelo mundo através das Cartas Constitucionais
surgiram no final do século XVIII, e são direitos de fácil emprego pelo Estado, haja vista que o mesmo
deve abster de interferir na área privada, devendo haver um judiciário competente e forte para garantir
estes direitos a todos. Ficando claro que esta não interferência na área privada é a principal característica
do movimento liberal. Deve-se notar que somente estes direito não foram suficientes para garantir as
liberdades públicas, com a evolução da sociedade novas gerações de direitos foram surgindo e sendo
incorporadas as gerações já existentes. Hoje já estamos vivendo a era da quarta geração de direitos,
denominados de direitos de direito universais.
Já os direitos condizentes com o princípio da igualdade estão expostos nos direitos de segunda
geração, chamados de direitos sociais, culturais e econômicos e surgiram no início do século XX .O povo
julgou insuficiente a mera garantia de ter apenas suas liberdades garantidas pelo Estado, exigindo não
só as ditas liberdades negativas, nesta esfera o Estado deixa de agir sobre a vida do indivíduo na esfera
particular. Aliás, é de suma importância ressaltar que o instituto Republicano foi um dos opositores ao
longo da história contra as liberdades apenas na esfera negativa, sendo um dos responsáveis por incutir
no seio social a luta pelas liberdades positivas, que vem a ser a obrigação estatal de se fazer presente
na prestação de dadas tarefas perante a coletividade.
Não basta apenas a noção primária de liberdade, como não ingerência do Estado, é necessário que o
mesmo esteja presente na vida social com o fim de atender as novas demandas de direitos. Diante disto
à máquina estatal deve ter atuações positivas para que os direitos sociais, sejam efetivados através das
políticas públicas visando à igualdade dos indivíduos.
Estes direitos de ação do Estado dizem respeito a direitos como, saúde, educação, trabalho e etc. São
direitos históricos que nascem da necessidade humana na busca de novas saídas para seus problemas.
A Constituição de 1988 consagra estes princípios em seus direitos e garantias fundamentais, direitos e
deveres individuais e coletivos.
O direito à igualdade não mais subsiste de modo a ser encarado do em sua formalidade tradicional,
num primeiro momento, essa aparente igualdade deu ao homem um caminho mais seguro para enfrentar
a vida em sociedade. Só que as desigualdades reais continuam a persistir e faz-se necessária à

30
ZANON. LISSANDRA. A estreita relação entre o poder e o conhecimento. Webartigos. http://webartigos.com/artigos/a-estreita-relacao-entre-o-poder-e-o-
conhecimento/83295

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reformulação deste conceito estático, passando de igualdade aparente para igualdade real, consagrando
a mesma como uma isonomia substancial, ou seja tratando os desiguais na medida de sua desigualdade.
O Estado deve assegurar que os menos favorecidos desfrutem dos mesmos direitos que todos os
cidadãos, afinal a construção de uma sociedade politicamente constitucional não serve pra nada, se a
realidade social não for modificada, no papel é tudo muito belo, mas a vida de milhões de pessoas está
condicionada aos princípios da mentira, até por que quem vai acreditar na república ou no Estado se não
há nem o que comer na mesa?
A Constituição para se tornar legitimada pelo povo que a acolheu deve estabelecer não só metas
formais, devemos lutar pela implementação substancial dos direitos tornando a constituição algo mais
palpável e socialmente válido para a coletividade.
O Republicanismo com seus princípios melhorou e muito a vida coletiva, porém não devemos nos
enganar e acreditar que o papel vai salvar nossas vidas, é necessário que a luta pela efetivação dos
direitos continue, a sociedade deve se mobilizar e buscar novas respostas para os problemas políticos da
atualidade. A cidadania é a arma que possuímos, porém não a utilizamos como deveríamos, pois se
assim o fizéssemos sem sombra de dúvidas estaríamos vivendo num mundo melhor e verdadeiramente
mais igualitário, livre e justo.
O ganho em termos destes princípios basilares para o Instituto Republicano, está de fato ligado à
noção da virtude cívica, ou seja da participação de cada indivíduo na construção da vida coletiva.
Exercendo sua cidadania e garantindo a existência de uma sociedade democrática, mesmo que com
desigualdades sociais periclitantes. Além da existência de normas mantenedoras de direitos, pois como
disse o célebre Aristóteles “a paixão perverte os Magistrados e os melhores homens: a inteligência sem
paixão – eis a lei”. Mesmo com todos os empecilhos enfrentados pela sociedade atual ainda assim é
sempre preferível o governo das leis, do que o governo do homem, pois a lei nos protege das
arbitrariedades e tiranias impostas pelos detentores do poder governamental.

Humanismo Cívico

Uma outra questão tratada pela teoria republicana diz respeito ao chamado humanismo cívico, em a
ser um tema muito discutido dentro do âmago republicano, e diz respeito às questões que transcrevemos
no capítulo anterior, ou seja as orientações condizentes ao conceito de liberdade política.
Isso é o que classicamente se convencionou ser o humanismo cívico. Tal preceito teve
desenvolvimento no período que vai do fim da Idade Média ao início do Renascimento, notadamente no
território italiano. Estas ideias remontam ao ideal proposto por Aristóteles, onde o mesmo acredita que o
homem é um animal político por excelência, ressurgindo está ideia nas obras de Maquiavel em sua
notável obra, O Príncipe.
Maquiavel rompe de vez com a interferência contemplativa do cristianismo na estruturação e
administração do Estado. O mesmo deve ser gerido de modo ativo baseando-se na virtú, ou seja na
participação efetiva da estruturação política dando primazia os aspectos racionais, que durante a Idade
Média ficaram relegados a segundo plano. O homem volta a ser visto como um ser dotado de
personalidade e criatividade, bastando fazer uso da razão a fim de atingir seus objetivos concretos.
A política de Maquiavel e relacionada com o embate entre a virtú e a fortuna. A virtú vem a ser a
capacidade tanto do cidadão quanto do governante de ser bem sucedido nas empreitadas contra seus
inimigos, ou seja consiste em traçar uma estratégia de sucesso que em curto prazo traga resultados para
a vida política de cada um, seu resultado só seria observado posteriormente dado o caráter positivo ou
negativo da ação que foi executada, em suma o conjunto de qualidades que o indivíduo julgasse
necessário agregar como valores para que o sucesso de seus atos fosse garantido. Não confunda virtú
com virtude cívica, a primeira é referente a qualidade que possam ser utilizadas a fim de manter a ordem
estatal, a segunda é a característica dos governos republicanos, ou seja a participação política.
A fortuna vem a ser literalmente entendida como a acepção do termo, ou seja o poder material
conferido aos homens. A fortuna não é prudente aos homens, pois a mesma o leva a agir de modo
egoístico somente atendendo ao anseio da paixão. A boa fortuna só nasce através da virtú, que traz fama
ao homem que virtuosamente alcançou o sucesso e, portanto merece ser afortunado. O indivíduo também
necessita da fortuna para atingir seus objetivos, ou seja metade da estratégia racional que acompanha o
ser humano é a fortuna, a outra a virtú.Com isto não podemos agir contra a fortuna, porém jamais
podemos nos entregar aos deleites oferecidos por ela. Este é o humanismo cívico que teve origem, na
Itália da época de Maquiavel.
Atualmente sabemos que se extrai três grandes críticas contra o humanismo cívico:
- A questão de que a liberdade reside de fato na e se realiza plenamente através da participação
política

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- A questão das liberdades negativas, onde o Estado não deve interferir na vida do indivíduo deixando
o mesmo livre para agir, desde que não coloque a segurança e a propriedade alheia em risco.
- A liberdade normativa, ou seja encontrarmos abrigo contra o domínio de outrem na imperatividade
das leis.
As três questões mencionadas anteriormente constituíram o início da longa jornada rumo a liberdade
que hoje nos cerca, porem o excesso de virtuosismo político não torna o cidadão realmente livre na
acepção do termo. A liberdade exige muito mais do que a simples participação na vida pública faz
necessário também que os cidadãos sejam tratados como iguais. Isto posto, com base na imperatividade
do domínio da lei sobre as vontades humanas, pois somente a lei pode salvaguardar os direitos da
coletividade.
Sabemos também que esta é uma análise do humanismo cívico clássico, a discussão atual em torno
deste tema é algo bem maior e envolve a história das liberdades políticas. Também é latente que as
sociedades modernas não podem subsistir a este ideal de meados do século XV, pois vivemos numa
época de grande desenvolvimento, crescimento industrial e tecnológico acelerado, além de estarmos
passando pelo fenômeno da globalização, algo que também vem contribuindo para o aumento
desigualdades sociais. Se a igualdade é um dos requisitos do humanismo cívico, como o mesmo pode
conviver e subsistir sem ela?31

FILOSOFIA POLÍTICA

Filosofia: "Filha Da Cidade"32

Quando a Filosofia surge na Grécia Antiga e se consolida na cidade de Atenas que naquela época
havia se tornado um centro intelectual e cultural, a Filosofia vai adquirir uma característica bastante
peculiar. Filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles e os Sofistas vão concentrar boa parte de suas
reflexões em torno das discussões antropológicas, quer dizer, em torno do próprio homem, do ponto de
vista individual, normativo, social, político e existencial.
Por sua ênfase nas discussões antropológicas e em torno da realidade política ateniense o historiador
da Filosofia, Jean-Pierre Vernant, chegou a declarar que a Filosofia é "filha da cidade", ou seja, havia
uma preocupação por parte de tais pensadores em discutir o papel social e coletivo dos indivíduos e esta
preocupação era tão forte que Aristóteles chegou a definir o homem como um "zoon politikon", um "animal
político".
A ágora (praça pública) era o lugar privilegiado onde o debate em torno dos problemas políticos e
sociais enfrentados pelos cidadãos atenienses se realizavam.
Vale lembrar que a Grécia Antiga é o berço da Democracia (governo do povo) e, pela primeira vez, os
cidadãos poderiam participar diretamente da coisa pública (res pública). Assim surge, se assim podemos
dizer, a Filosofia Política.
Os primeiros grandes mestres do pensamento político foram, sem dúvida, Platão e Aristóteles. Ambos
procuraram sistematizar suas ideias escrevendo obras cuja importância são reconhecidas ainda hoje, o
primeiro, é autor do clássico A República e o segundo, autor de Política. Obras fundamentais para quem
quer conhecer um pouco da história e das ideias em torno do fenômeno do poder.
Filosofia e Política têm mantido, entre si, ligações antigas. Platão oferece aquele que pode ser o seu
mais forte paradigma. O filósofo rei, aquele que está apto a exercer uma função pública de administrar a
cidade e que pode fazer passar, para a ordem instável do mundo sensível e na qual se encontra a cidade,
a imutabilidade do mundo das ideias, o mundo da verdade. Já com o filósofo alemão Karl Marx nós
encontramos um outro modelo. Pois agora a verdade é a dialética do movimento do mundo material (o
mundo das ideias platônico é uma quimera, só existe o mundo sensível, material) histórico e da luta de
classes entre opressores e oprimidos. Marx, além disso, denuncia a filosofia que, ocupando-se apenas
em interpretar o mundo, esquece de transformá-lo. Mas a práxis revolucionária marxista, que fique bem
claro, não é uma práxis que se faria às cegas. Toda práxis demanda sua teoria, e cabe à filosofia, então
revolucionária indicar-lhe o seu portador.
Marx pesquisou a história da humanidade. Foi um pensador, um estudioso, que queria entender a
sociedade. Sua grande contribuição foi uma profunda análise sobre o sistema Capitalista e como esse
modelo de organização política e Econômica favorece a ampliação das desigualdades sociais. E de como
esse modelo revela uma sociedade que não é uma sociedade preocupada com o bem estar geral, é uma
sociedade preocupada em vender, a sociedade do lucro, por isso que é a sociedade do capital, não a
sociedade do social, é a sociedade que só quer se manter para que cada vez mais seja produzido mais
31
MACHADO, S. Fernanda. Teoria dos Governos, Republicanismo e Humanismo Cívico.https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=9376
32
MEDEIROS, Alexsandro M. http://www.portalconscienciapolitica.com.br/filosofia-politica/.

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e mais lucro. A sociedade avança muito com a tecnologia, começa a produzir muito, mas o social fica
para trás.
O Capitalismo que tem suas origens no Liberalismo político com John Locke e se consolida com o
Liberalismo econômico de Adam Smith. A ideia de que o homem é livre e o Estado existe apenas para
garantir o direito à vida, à liberdade e o direito da propriedade faz com que Locke seja considerado o pai
do liberalismo político. A ideia de que essa liberdade tem que ser garantida dentro das relações de
mercado, ou seja, o Estado tem que intervir o mínimo possível na economia faz com que Adam Smith
seja considerado o pai do liberalismo econômico. E a crítica a este pensamento é feita por Karl Marx. Mas
a ideia de que a propriedade privada é algo natural e tem que ser garantida pelo Estado é criticada antes
mesmo de Marx, por Jean-Jacques Rousseau. O primeiro homem que cercou um lote de terra e disse
“isso aqui é meu”, afirma Rousseau, causou um dos maiores males para a humanidade, pois com a
surgimento da propriedade privada teve origem as desigualdades sociais. Rousseau estabelece dessa
forma a instituição da propriedade privada e da desigualdade social como o principal problema da
organização política
Mas estas não são as únicas contribuições que a Filosofia pode oferecer em torno da análise do
pensamento político. Em todas as épocas os filósofos sempre se pré-ocuparam com a questão social e
pensaram à respeito. Como é o caso do renascimento e da modernidade. No renascimento o pensamento
político de Nicolau Maquiavel caracterizou-se pela reflexão crítica sobre o poder e o Estado. Em “O
Príncipe”, Maquiavel secularizou a filosofia política e separou o exercício do poder da moral e religião
cristã. Diplomata e administrador experiente, cético e realista, defende a constituição de um estado forte
e aconselha o governante a preocupar-se em conservar o Estado, pois na política o que vale é o resultado.
O príncipe deve buscar o sucesso sem se preocupar com os meios. Com Maquiavel surgiram os primeiros
contornos da doutrina da razão de estado, segundo a qual a segurança do estado tem tal importância
que, para garanti-la, o governante pode violar qualquer norma jurídica, moral, política e econômica.
Maquiavel foi o primeiro pensador a fazer distinção entre a moral pública e a moral particular e o primeiro
defensor da autonomia da esfera política, sobretudo em relação à moral e a religião, quer dizer, fora de
qualquer preocupação de ordem moral e teológica. Além disso, Maquiavel rejeita os sistemas utópicos, a
política normativa dos gregos e procura a verdade efetiva, ou seja, como os homens agem de fato.
Fazendo uma clara alusão às utopias desde Platão até Thomas Morus e Tommaso Campanella,
Maquiavel distancia-se também dos tratados sistemáticos da escolástica medieval e propõe estudar a
sociedade pela análise dos fatos, sem se perder em vãs especulações. Ao observar a história dos fatos,
Maquiavel constata que os homens sempre agiram pelas formas de violência e da corrupção e conclui
que o homem é por natureza capaz do mal e do erro. Às utopias opõe um realismo antiutopista através
do qual Maquiavel pretende desenvolver uma teoria voltada para a ação eficaz e imediata.
Também é possível encontrar um certo realismo político nas análises da pensadora contemporânea
Hanna Arendt. Arendt analisa a aproximação entre filosofia e política e entende que o político e o filósofo
não se confundem, pois enquanto um busca um conhecimento abstrato e complexo sobre algo que é uma
espécie de ser, o outro se preocupa com as ações, atos e posicionamentos que uma pessoa deve ter.
Segundo ela, a filosofia tenta demasiadamente ser neutra para poder se posicionar. São discussões sobre
o que é plausível, o que é lógico, o que faz sentido dentro de um esquema teórico, enquanto o político se
importa mais com o que faz sentido dentro de um aspecto mais real, mais concreto.
Vemos assim como o problema político evidencia o problema social – sua organização, seus
mecanismos – e ambos têm ocupado os filósofos em todos os tempos. Nesta seção você poderá
aprofundar algumas das ideias aqui esboçadas, seja na Filosofia Antiga, através das ideias de Platão e
Aristóteles, seja na Filosofia Moderna, mergulhando no pensamento de Maquiavel, Rousseau ou dos
economistas clássicos, seja na Filosofia Contemporânea, através do pensamento de Marx, Arendt, a
Escola de Frankfurt, dentre outros.
Através destes pensadores, a filosofia se projeta para o campo da política, para pensar os desafios do
convívio sócio político, enfrentar e debater de perto a lógica das regras que devem presidir o jogo das
relações políticas, para propor-se a avaliar o confronto de valores na esfera pública, para pôr a nu a
presença do mecanismo Ideológico como mascarador do poder nas relações sociais, para apresentar a
utopia que guia o raciocínio em direção a ruptura com as mazelas do sistema estabelecido quando
apresenta traçado um Estado Ideal, para criar alternativas reflexivas e críticas para a superação da crise
política e se debruçar sobre as formas de Estado. Se a filosofia pensa o poder, pensa os limites do poder,
se pensa a justiça, discute as injustiças. É neste sentido que seu papel e sua função social vêm
exatamente descritos por esta sua intromissão na dimensão das questões de relevância política e de
relevância social, na governança dos interesses comuns.
E eis como o filósofo e historiador do pensamento político contemporâneo, Norberto Bobbio, definiu a
Filosofia Política:

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- Filosofia política como determinação do Estado perfeito: quando a filosofia busca construir modelos
ideais de Estado ou convivência política fundamentada em valores;
- Filosofia política como determinação da categoria “política”: quando a filosofia busca esclarecer os
significados e o alcance do conceito e da atividade política;
- Filosofia política como procura do critério de legitimidade do poder: quando a filosofia procura
responder à questão dos fundamentos da necessidade da obediência ao poder político;
- Filosofia política como metodologia da ciência política: quando a filosofia busca esclarecer os
pressupostos epistemológicos que tornam possível a Ciência Política.

Filosofia Política33

A Filosofia sempre se propôs a investigar os caminhos, percalços e melhor forma para a convivência
em sociedade. Fruto da antiguidade clássica, a ciência da Filosofia foi idealizada e criada pelos gregos,
como reflexo da inquietação sobre as suas vidas, sobre a religião ou sobre os fenômenos da natureza.
Os gregos se organizavam em cidade-estados chamadas “pólis”, que influenciaram na criação de
termos como “politiké”, a política. De uma forma geral, a política passou a designar todos os assuntos
referentes à pólis, e consequentemente, as sociedades, o sentido de comunidade e a vida urbana.
Partindo desse princípio foi criada a Filosofia Política que investigava todas as questões referentes ao
convívio em sociedade e ao espaços público e político.

Fonte: https://www.resumoescolar.com.br/filosofia/resumo-da-filosofia-politica/

A Grécia Antiga também foi berço da Democracia, ou o governo do povo, no qual pela primeira vez os
cidadãos podiam participar diretamente do espaço político, nas ágoras (locais de reunião). Vale lembrar
que a participação era válida apenas para homens gregos, com mais de 21 anos de idade.

Filosofia Política na Grécia


Um dos primeiros filósofos a pensar e metodizar uma ideia política foi o grego Platão (428-7 – 348-7
a.C). O filósofo teve como principal inspiração, o pensamento e ideias de Sócrates, seu mestre,
condenado à morte por ter um comportamento considerado subversivo para a época.
Platão acrescentou sua própria contribuição ao pensamento socrático e criou obras como “A
República” e “As Leis”, a partir desses escritos surgiram diversas reflexões sobre questões do homem e
seu convívio em sociedade, o que gerou as primeiras discussões e avaliações políticas.
Em “A República”, Platão traz propostas e ideias para uma sociedade mais justa e igualitária. Para ele,
cada um deveria exercer atividades as quais possui aptidões especiais, em que fortes vão para guerra,
artesãos trabalham com as mãos e assim por diante. Além disso, a educação deveria ser voltada para
que crianças e jovens encontrassem e desenvolvessem essas habilidades no futuro.
Ainda na Grécia, Aristóteles (384 – 322 a.C.) passou a discordar do pensamento platônico. Suas ideias
iam de encontro a ideia de Platão de que o público deveria se sobressair ao que é privado. Para
Aristóteles, a sociedade sempre iria privilegiar seus bens pessoais. Para o filósofo, compreender a
realidade política da sua época era mais importante do que idealizar uma sociedade ideal. Essas ideias

33
Filosofia Política. Disponível em: < https://www.resumoescolar.com.br/filosofia/resumo-da-filosofia-politica/>.

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foram reunidas na obra “Política”, em que ele ressalta um dos conceitos mais importantes para a
sociedade, de que o homem é um “animal político” e faz parte da sua natureza se organizar politicamente.

Contratos Sociais

A ideia de homem como “animal político” perdurou até o século XVII, quando Thomas Hobbes (1588
– 1679) levantou a hipótese de que a sociedade se organizava a partir de um contrato social, em que
cada indivíduo prezava pela sua própria conservação dentro do convívio social, que implicava na perda
de um pouco de liberdade. É neste instante, que homens assinavam um contrato fictício de convívio em
sociedade. Se voltassem ao seu estado completamente livre, de natureza, o convívio em harmonia seria
praticamente impossível. Em sua obra “Leviatã”, Hobbes coloca o Estado como ceifador da liberdade
humana, usando seu poder para garantir a ordem social.
Já John Locke (1632 – 1704) pensava nesse contrato como leis naturais, que impediam os indivíduos
de viverem em guerra constante, antes da formação das sociedades. Para ele, a formação das
sociedades ocorreu apenas pela necessidade da garantia da propriedade privada. Sua ideia de que o
homem é livre e o Estado existe apenas para garantir o direito à vida e o direito da propriedade ocasionou
em um novo fundamento conhecido como liberalismo político.
Ainda baseado na ideia de um contrato social, estava Jean-Jacques Rosseau (1712 – 1780), que
acreditava no compartilhamento de recursos entre sociedades sem qualquer necessidade de guerras.
Para o filósofo, a propriedade privada era a maior representação da desigualdade e causadora das
mazelas sociais, como pobreza, crime e violência. Sua solução para melhorar essas sociedades é que
os governos seguissem inteiramente os desejos e anseios da maioria dos cidadãos.
No século XX, a noções de contratos sociais foram retomadas com Rawls (1921 – 2002), que prezava
pelos princípios da justiça escolhidos em função da sociedade. Esses princípios seriam igualitários e
designados pelos próprios indivíduos e que todos deveriam ter liberdades e oportunidades igualitárias.

Poder e o Estado

A Filosofia Política de alguns pensadores se baseava mais diretamente nas relações de poder que o
Estado deveria exercer sobre as sociedades.
Um desses nomes é o de Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), historiador, poeta, diplomata e músico
italiano do Renascimento. Com características céticas e realistas, Maquiavel trouxe um desenvolvimento
da Filosofia Política ao longo dos séculos na obra “O Príncipe”. Para ele, o Estado deveria ter uma
constituição forte visando sempre o resultado político, em que “o príncipe deveria buscar o sucesso sem
se preocupar com os meios.”
Maquiavel acreditava na separação total da esfera política com qualquer outro segmento, seja ele de
cunho moral ou religioso. Baseado nesse princípio, o governante poderia violar qualquer lei ou norma
imposta pela economia, moral ou religião. O historiador se baseava em uma verdade efetiva, em que
homens agiam de fato, e rejeitava a política dos gregos e qualquer pensamento utópico.

Filosofia Política e os Sistemas Econômicos

O filósofo alemão Karl Marx foi um dos principais pensadores da Filosofia Política a estruturar suas
teorias com base nos sistemas econômicos, principalmente o capitalismo. Para ele, alguns pensadores e
filósofos apenas se preocupavam em interpretar o mundo sem gerar mudanças nele.
Marx se preocupou em pesquisar a história da humanidade para entender a formação de cada
sociedade, principalmente a pós-capitalismo, sistema econômico que favorecia o crescimento das
desigualdades sociais. Uma de suas conclusões é de que a sociedade pouco se preocupa com o bem-
estar geral, e sim, com o lucro. Por isso a sociedade do capital não seria a sociedade do social.

O PENSAMENTO POLÍTICO DE MAQUIAVEL34

“Como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me mais conveniente
procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se possa imaginar. E muita gente
imaginou repúblicas e principados que nunca se viram nem jamais foram reconhecidos como
verdadeiros.” (Maquiavel)

34
ANDERSON PINHO. O pensamento político de Maquiavel. Professor Anderson Pinho. https://filosofiaesociologia.com.br/o-pensamento-politico-de-maquiavel/

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As transformações sofridas pelo poder político não passaram despercebidas pelos renascentistas, e a
principal, e mais significativa personalidade nesse campo foi o florentino Nicolau Maquiavel (1469 – 1527).
Ele assumiu um cargo importante no governo de Florença depois que a família Médici foi afastada do
controle da cidade. Trabalhava como diplomata fazendo várias viagens aos grandes reinos que haviam
se unificado, e não se conformava com o estado de guerra que se encontrava a Península Itálica.
Maquiavel é considerado o pai da ciência política moderna porque não escreveu um tratado teórico de
como deveria ser o governo ideal. Desde os gregos até sua época, todos fizeram isso. Sua preocupação
não era como deveria ser a política, mas sim em como ela é realmente praticada. Com isso em mente,
tendo como fundamento empírico as lições que a história havia dado e como se comportavam os grandes
políticos de sua época, ele escreveu um manual de como construir um estado forte e como se manter no
poder para governá-lo.

Formação do Estado Nacional

Durante a Idade Média, como vimos, o poder do rei era sempre confrontado com os poderes da Igreja
ou da nobreza. As monarquias nacionais surgem com o fortalecimento do rei, e, portanto, com a
centralização do poder, fenômeno este que se desenvolve desde o final do século XIV (Portugal) e durante
o século XV (França, Espanha, Inglaterra). Dessa forma surge o Estado moderno, que apresenta
características específicas, tais como o monopólio de fazer e aplicar as leis, recolher impostos, cunhar
moeda, ter um exército. A novidade é que tudo isso se torna prerrogativa do governo central, o único que
passa a ter o aparato administrativo para prestação dos serviços públicos bem como o monopólio legítimo
da força. É em função desse contexto que se torna possível compreender o pensamento de Maquiavel.

Itália Dividida
Na época de Maquiavel as cidades mais expressivas da Península Itálica eram: a sua Florença, Milão,
Nápoles e Veneza. Apesar de seu forte comércio elas eram frágeis politicamente e totalmente vulneráveis
a ataques externos. Na época dele era a coisa mais comum uma cidade invadir e dominar outra, por isso
a sua preocupação. Além disso, Maquiavel acreditava que a região italiana só teria a ganhar se fosse
unificada. Mas como fazer isso? Essa é a pergunta central de O Príncipe (1515), a sua grande obra prima
que iria mudar totalmente o modo dos homens ocidentais enxergarem a política. Enquanto as demais
nações europeias conseguem a centralização do poder, a região onde futuramente será a Alemanha e a
Itália se acham fragmentadas em inúmeros Estados sujeitos a disputas internas e a hostilidades entre
cidades vizinhas.
No caso da Itália, a ausência de unificação a expõe à ganância de outros países como Espanha e
França, que reivindicam territórios e assolam a península com ocupações intermináveis. É nessa Itália
dividida que vive Nicolau Maquiavel (1469-1527) na república de Florença. Observa com apreensão a
falta de estabilidade política da Itália, dividida em principados e repúblicas onde cada um possui sua
própria milícia, geralmente formada por mercenários. Nem mesmo os Estados Pontifícios deixavam de
formar os seus exércitos. Maquiavel não foi apenas um intelectual que refletiu a respeito de política, pois
viveu intensamente a luta de poder no período em que Florença, tradicionalmente sob a influência da
família Médici, encontrava-se por uma década governada pelo republicano Soderini.
Nessa época Maquiavel ocupa a Segunda Chancelaria do governo, função que o obriga a
desempenhar inúmeras missões diplomáticas na França, Alemanha e pelos diversos Estados italianos.
Tem oportunidade de entrar em contato direto com reis, papas e nobres, e também com o condottiere
César Bórgia, que estava empenhado na ampliação dos Estados Pontifícios. Observando a maneira de
Bórgia agir, Maquiavel o considera o modelo de príncipe que a Itália precisava para ser unificada. Quando
Soderini é deposto e os Médicis voltam à cena política, Maquiavel cai em desgraça e recolhe-se para
escrever as obras que o consagraram. Entre peças de teatro (como a famosa Mandrágora), poesia,
ensaios diversos, destacam-se O príncipe e Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio.

Controvérsias sobre O Príncipe


Escrito em 1515 e dedicado a Lourenço de Médici, O príncipe tem provocado inúmeras interpretações
e controvérsias. Uma primeira leitura nos dá uma visão da defesa do absolutismo e do mais completo
imoralismo: “É necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha
ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade”. Essa primeira leitura apressada da obra levou à
criação do mito do maquiavelismo, que tem atravessado os séculos. Esse mito não só representa a figura
do político maquiavélico, mas se estende até à avaliação das atividades corriqueiras de qualquer pessoa.
Na linguagem comum, chamamos pejorativamente de maquiavélica a pessoa sem escrúpulos,
traiçoeira, astuciosa que, para atingir seus fins, usa da mentira e da má-fé, sendo capaz de enganar tão

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sutilmente que pode nos fazer pensar que agimos livremente quando na verdade somos por ela
manipulados. Como expressão dessa amoralidade, costuma-se vulgarmente atribuir a Maquiavel a
famosa máxima: “Os fins justificam os meios”. Ora, essa interpretação se mostra excessivamente
simplista e deformadora do pensamento maquiaveliano e, para superá-la, é preciso analisar com mais
atenção o impacto das inovações do seu pensamento político.
Contrapondo-se à análise pejorativa do maquiavelismo, Rousseau, no século XVIII, defende o
florentino afirmando que O príncipe era na verdade uma sátira, e a intenção verdadeira de Maquiavel
seria o desmascaramento das práticas despóticas, ensinando, portanto, o povo a se defender dos tiranos.
Tal hipótese se sustentaria a partir da leitura dos Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio, onde
são desenvolvidas as ideias do Maquiavel republicano.
Modernamente, no entanto, rejeita-se a visão romântica de Rousseau, e a aparente contradição entre
as duas obras é interpretada como fruto de dois momentos diferentes da ação política. Em um primeiro
estágio, representado pela ação do príncipe, o poder deve ser conquistado e mantido, e para tanto
justifica-se o poder absoluto. Posteriormente, alcançada a estabilidade, é possível e desejável a
instalação do governo republicano. Além disso, as ideias democráticas aparecem veladamente também
no capítulo IX de O príncipe, quando Maquiavel se refere à necessidade de o governante ter o apoio do
povo, sempre melhor do que o apoio dos grandes, que podem ser traiçoeiros. O que está sendo
timidamente esboçado é a ideia de consenso, que terá importância fundamental nos séculos seguintes.

O Príncipe Virtuoso
Para descrever a ação do príncipe, Maquiavel usa as expressões
italianas virtú e fortuna. Virtú significa virtude, no sentido grego de força, valor, qualidade de lutador e
guerreiro viril. Homens de virtú são homens especiais, capazes de realizar grandes obras e provocar
mudanças na história. Não se trata do príncipe virtuoso no sentido medieval, enquanto bom e justo
segundo os preceitos da moral cristã, mas sim daquele que tem a capacidade de perceber o jogo de
forças que caracteriza a política para agir com energia a fim de conquistar e manter o poder. O príncipe
de virtú não deve se valer das normas preestabelecidas da moral cristã, pois isso geralmente pode
significar a sua ruina.
Implícita nessa afirmação se acha a noção de fortuna, aqui entendida como ocasião, acaso. O príncipe
não deve deixar escapar a fortuna, isto é, a ocasião. De nada adiantaria um príncipe virtuoso, se não
souber ser precavido ou ousado, aguardando a ocasião propícia, aproveitando o acaso ou a sorte das
circunstâncias, como observador atento do curso da história. No entanto, a fortuna não deve existir sem
a virtú, sob pena de se transformar em mero oportunismo.
O príncipe deve usar de todas as artimanhas possíveis, mentir, ludibriar, enganar. É o homem astuto,
esperto o suficiente para conseguir o que deseja. Desse modo, para conseguir o poder ele tem que
possuir a virtú, ou seja, qualidades especiais que o diferencie dos outros homens. É ela que vai possibilitá-
lo a reconhecer as circunstâncias certas (fortuna) para agir como se deve no momento certo. A fortuna é
o que muitos chamam de sorte, mas só a aproveita quem estiver preparado.
Esse é o elemento característico do pensamento renascentista nos seus ensinamentos. Maquiavel
sabe que existem forças independentes da vontade do homem agindo sobre ele. Mas o homem como um
ser racional, dotado de inteligência, não é uma simples marionete jogada de um lado a outro ao sabor do
acaso. Ele pode usar sua racionalidade para decidir os rumos de sua vida. Chegado ao poder, é preciso
saber como se manter nele. Para isso, é melhor ser temido do que amado. Maquiavel tinha uma visão
pessimista sobre o homem, acreditava que ele é um bicho escroto, que quando tá tudo bem, todo mundo
é seu amigo, mas “na hora do vamos ver” todo mundo lhe vira as costas.
Não existe essa de bem comum. Os indivíduos vivem em constante conflito em sociedade, e não dá
para agradar todo mundo. Para manter a lealdade de todos é melhor que eles o temam, pois assim é
mais fácil de obedecerem e se manterem fiéis. É até bom de vez em quando esfolar um infeliz para que
todos vejam que o príncipe não está para brincadeira.
Maquiavel escreveu essa obra, quando os Médici retornaram ao poder e ele foi posto para fora da
cena política. Ele a dedicou a Lorenzo de Médici, o único homem que poderia, aos olhos dele, unificar a
Itália e lhe trazer de volta o brilho e esplendor da Roma republicana anterior à ditadura de Júlio César. É
necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-
se disso segundo a necessidade.

Ética e Política
A novidade do pensamento maquiaveliano, justamente a que causou maior escândalo e críticas, está
na reavaliação das relações entre ética e política. Por um lado, Maquiavel apresenta uma moral laica,
secular, de base naturalista, diferente da moral cristã; por outro, estabelece a autonomia da política,

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negando a anterioridade das questões morais na avaliação da ação política. Para a moral cristã,
predominante na Idade Média, há valores espirituais superiores aos políticos, além de que o bem comum
da cidade deve se subordinar ao bem supremo da salvação da alma.
A moral cristã se apoia em uma concepção do bem e do mal; do justo e do injusto, que ao mesmo
tempo preexiste e transcende a autoridade do Estado, cuja organização político-jurídica não deve
contradizer ou violar as formas éticas fundamentais, implícitas no direito natural. O indivíduo está
subordinado ao Estado, mas a ação deste último se acha limitada pela lei natural ou moral que constitui
uma instância superior à qual todo membro da comunidade pode recorrer sempre que o poder temporal
atentar contra seus direitos essenciais inalienáveis.
A nova ética analisa as ações não mais em função de uma hierarquia de valores dada a priori, mas
sim em vista das consequências, dos resultados da ação política. Não se trata de um amoralismo, mas
de uma nova moral centrada nos critérios da avaliação do que é útil à comunidade. O critério para definir
o que é moral é o bem da comunidade, e nesse sentido às vezes é legítimo o recurso ao mal (o emprego
da força coercitiva do Estado, a guerra, a prática da espionagem, o emprego da violência). Estamos diante
de uma moral imanente, mundana, que vive do relacionamento entre os homens. E se há a possibilidade
de os homens serem corruptos, constitui dever do príncipe manter-se no poder a qualquer custo.
Maquiavel distingue entre o bom governante, que é forçado pela necessidade a usar da violência
visando o bem coletivo, e o tirano, que age por capricho ou interesse próprio. O pensamento de Maquiavel
nos leva à reflexão sobre a situação dramática e ambivalente do homem de ação: se o indivíduo aplicar
de forma inflexível o código moral que rege sua vida pessoal à vida política, sem dúvida colherá fracassos
sucessivos, tornando-se um político incompetente.
Tal afirmação pode levar as pessoas a considerar que Maquiavel estaria defendendo o político imoral,
os corruptos e os tiranos. Não se trata disso. A leitura maquiaveliana sugere a superação dos escrúpulos
imobilistas da moral individual, mas não rejeita a moral própria da ação política:
“Se o indivíduo, na sua existência privada, tem o direito de sacrificar o seu bem pessoal imediato e até
sua própria vida a um valor moral superior, ditado pela sua consciência, pois em tal hipótese estará
empenhando apenas seu destino particular, o mesmo não acontece com o homem de Estado, sobre o
qual pesam a pressão e a responsabilidade dos interesses coletivos; este, de fato, não terá o direito de
tomar uma decisão que envolva o bem-estar ou a segurança da comunidade, levando em conta tão
somente as exigências da moral privada; casos haverá em que terá o dever de violá-la para defender as
instituições que representa ou garantir a própria sobrevivência da nação“.
Isso significa que a avaliação moral não deve ser feita antes da ação política, segundo normas gerais
e abstratas, mas a partir de uma situação específica que é avaliada em função do resultado dela, já que
toda ação política visa a sobrevivência do grupo e não apenas de indivíduos isolados. Por isso Maquiavel
não pode ser considerado um cínico apologista da violência. O que ele enfatiza é que os critérios da ética
política precisam ser revistos conforme as circunstâncias e sempre tendo em vista os fins coletivos.
No entanto, é bom lembrar que o pensamento de Maquiavel tem um sentido próprio, na medida em
que ele expressa a tendência fundamental da sua época, ou seja, a defesa do Estado absoluto e a
valorização da política secular, não atrelada à religião. Talvez por isso o extremo politicismo, ou seja, a
hipertrofia do valor político, de cujas consequências últimas talvez nem ele próprio pudesse suspeitar.
Embora Maquiavel não tivesse usado o conceito de razão de Estado, é considerado o pensador que
começa a esboçar a doutrina que vigorará no século seguinte, quando o governante absoluto, em
circunstâncias críticas e extremamente graves, a ela recorre permitindo-se violar normas jurídicas, morais,
políticas e econômicas. Sintetizando, podemos dizer que ele entendia que o príncipe deveria ser guiado
pelos resultados a serem alcançados, podendo tudo fazer. Não deveria ficar preocupado com questões
morais, o importante era conseguir o poder e mantê-lo. Para Maquiavel, portanto, a política não é atrelada
à moral, pois os “fins justificam os meios”. A experiência pessoal de Maquiavel se baseava nas pequenas
tiranias italianas do século XVI, que não podem ser comparadas às monarquias absolutas do século XVII
nem as nossas ditaduras modernas, o que nos faz ver hoje o maquiavelismo através de uma lente de
aumento.

Autonomia da Política
Maquiavel subverte a abordagem tradicional da teoria política feita pelos gregos e medievais e é
considerado o fundador da ciência política, ao enveredar por novos caminhos “ainda não trilhados”. Pode-
se dizer que a política de Maquiavel é realista, pois procura a verdade efetiva, ou seja, “como o homem
age de fato”. As observações das ações dos homens do seu tempo e dos estudos dos antigos, sobretudo
da Roma Antiga, levam-nos à constatação de que os homens sempre agiram pelas vias da corrupção e
da violência. Partindo do pressuposto da natureza humana capaz do mal e do erro, analisa a ação política
sem se preocupar em ocultar “o que se faz e não se costuma dizer”.

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A esse realismo alia-se a tendência utilitarista, pela qual Maquiavel pretende desenvolver uma teoria
voltada para a ação eficaz e imediata. A ciência política só tem sentido se propiciar o melhor exercício da
arte política. Trata-se do começo da ciência política: da teoria e da técnica da política, entendida como
disciplina autônoma. Maquiavel torna a política autônoma porque a desvincula da ética e da religião,
procurando examiná-la na sua especificidade própria.
Em relação ao pensamento medieval, Maquiavel procede à secularização da política, rejeitando o
legado ético-cristão. Além da desvinculação, da religião, a ética política se distingue da moral privada,
uma vez que a ação política deve ser julgada a partir das circunstâncias vividas, tendo em vista os
resultados alcançados na busca do bem comum. Com isso, Maquiavel se distancia da política normativa
dos gregos e medievais, pois não mais busca as normas que definem o bom regime, nem explicita quais
devem ser as virtudes do bom governante. Em alguns casos, como o de Platão, a preocupação em definir
como deve ser o bom governo leva à construção de utopias, o que mereceu a crítica de Maquiavel.
Talvez alguém inadvertidamente se pergunte se o próprio Maquiavel não estaria à procura do príncipe
ideal, indicando as normas para conquistar e não perder o poder. No entanto, há, de fato, diferenças
fundamentais entre o “dever ser” da política clássica e aquele a que se refere Maquiavel. Na nova
perspectiva, para fazer política é preciso compreender o sistema de forças existentes e calcular a
alteração do equilíbrio provocada pela interferência de sua própria ação nesse sistema.

Maquiavel Republicano

Quando estava no ostracismo político, Maquiavel se ocupa com a elaboração dos Comentários sobre
a primeira década de Tito Lívio, interrompendo esse trabalho por alguns meses para escrever O príncipe.
À medida que escreve os Comentários, lê trechos nas reuniões realizadas por jovens republicanos, a
quem dedica a obra. Aí desenvolve ideias democráticas, admitindo que o conflito é inerente à atividade
política e que esta se faz a partir da conciliação de interesses divergentes. Defende a proposta do governo
misto: “Se o príncipe, os aristocratas e o povo governam em conjunto o Estado, podem com facilidade
controlar-se mutuamente”. Considera importante que as monarquias ou repúblicas sejam governadas
pelas leis e acusa aqueles que, no uso da violência, abusaram da crueldade, ou a usaram para interesses
menores.
Maquiavel era um republicano, e não escreveu uma obra para um governante que quisesse se
perpetuar no poder de forma absoluta e despótica. Ele tinha um sonho, mas não era um ingênuo. Sabia
que teria de haver derramamento de sangue para que um grande Estado fosse criado, e que isso teria de
ocorrer sob a liderança de um único homem. No entanto, alcançada a estabilidade, um regime republicano
deveria ser instalado para que o interesse coletivo pudesse guiar o destino de todos, e os rumos do
Estado.
É claro que não encontramos isso em O Príncipe, que, como já dissemos, é um manual de como
conseguir o poder e se manter nele. Esse perfil republicano de Maquiavel é percebido em outra obra sua,
qual seja, Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Vejamos um trecho dessa obra em que isso
fica bem evidente:
“Percebe-se facilmente de onde nasce o amor à liberdade dos povos; a experiência nos mostra que
as cidades crescem em poder e em riqueza enquanto são livres. É maravilhoso, por exemplo, como
cresceu a grandeza de Atenas durante os cem anos que sucederam à ditadura de Pisístrato. Contudo,
mais admirável ainda é a grandeza alcançada pela república romana depois que foi liberta dos seus reis.
Compreende-se a razão disto: não é o interesse particular que faz a grandeza dos Estados, mas o
interesse coletivo. E é evidente que o interesse comum só é respeitado nas repúblicas: tudo que pode
trazer vantagem geral é nelas conseguido sem obstáculos. Se uma certa medida prejudica um ou outro
indivíduo, são tantos o que ela favorece, que se chega sempre a fazê-la prevalecer, a despeito das
resistências, devido ao pequeno número de pessoas prejudicadas”
Essas palavras não parecem ser de um homem que defenda um governo absolutista, que deseja ver
um rei governar por toda a eternidade. Parecem mais o alerta de alguém que sabe a importância da
liberdade para a grandeza e prosperidade de um povo.

DIREITO E CIDADANIA

Os “Direitos” poder ser divididos em três tipos: Civis, Políticos e Sociais. A cidadania consiste na
conquista desses direitos35.

35
https://bit.ly/2SauFhp

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Direitos Civis Consistem na garantia da liberdade religiosa e de pensamento, o direito de ir e vir, o
direito à propriedade, a liberdade contratual, principalmente a de escolher o trabalho, e finalmente, a
justiça, que deveria salvaguardar todos os direitos anteriores.
Direitos Políticos referem-se aos direitos eleitorais (possibilidade de votar e ser votado) o direito de
livre associação (partidos, sindicatos, etc.) e o direito de protestar.
Os direitos políticos começaram a ser reivindicados já no século XVIII, mas foram conquistados
efetivamente, na maioria dos países, somente no século XX.
Direitos Sociais referem-se ao direito a educação básica, a saúde, a programas habitacionais,
transporte coletivo, previdência, lazer, acesso ao sistema judiciário, etc.
De uma forma geral, Somente no século XX esses “direitos” foram reconhecidos como “direitos” do
cidadão.
Hoje temos ainda outros tipos de direitos, relacionados à modernidade, surgidos no final do século XX
e início do século XXI, como o direito dos consumidores, dos idosos, dos adolescentes, das crianças, dos
deficientes, dos homossexuais, das minorias étnicas, dos animais, da natureza (meio ambiente), etc.
Podemos acrescentar uma outra maneira de entender os direitos que nos ajuda a distinguir aquilo que
“diz a lei” e aquilo que é praticado no dia-a-dia. São dois tipos, a cidadania “formal” e a cidadania “real”.
Cidadania Formal refere-se a maneira como a cidadania está descrita formalmente na lei, nas
constituições nacionais, é a garantia que o indivíduo tem para lutar legalmente por seus direitos.
Cidadania Real também chamada de substantiva, refere-se a maneira como a cidadania é vivida na
prática, no dia-a-dia. Através dela podemos ver que nem todos os seres humanos são iguais socialmente,
que a sociedade se estrutura desigualmente e, pois alguns grupos sofrem os mais diversos tipos de
necessidades e preconceitos. Ex: Um aluno de uma escola pública que não consegue competir em
condições de igualdade com um aluno de escola particular, tem sua cidadania “formal” conquistada, pois
a lei lhe garante acesso à educação, contudo, a cidadania “real” está bem longe de ser atingida. A mesma
situação dos pobres, dos negros, dos deficientes, etc. que, em maior ou menor grau, conseguiram
reconhecimento “formal”, mas ainda tem um longo caminho para conquistar a cidadania “real”.

4.1.1.5 Filosofia da ciência. ● Concepções de ciência. ● A questão do


método científico. ● Contribuições e limites da ciência. ● Ciência e
ideologia. ● Ciência e ética

FILOSOFIA DA CIÊNCIA36

Diferente da filosofia, a qual pretende alcançar a verdade; a ciência busca o entendimento da realidade.
Embora a definição de ciência comporte múltiplas explicações, tal como a afirmação de Aristóteles de
que seria a busca do universal e eterno.
A partir do século XIX, a ciência passou a ser entendida como um processo de investigação para
alcançar um conjunto de conhecimentos tidos como verdadeiros, por meio de generalizações verificáveis.
Mas se é assim, vale à pena insistir: afinal, qual a diferença entre filosofia e ciência?

Ciência e Filosofia

Enquanto a filosofia busca a verdade, dentro de um sistema, inquestionável e inabalável; a ciência


encontra sempre verdades provisórias.
Segundo Karl Popper, toda hipótese deve ser considerada verdadeira, obviamente, desde que
fundamentada, até que outra hipótese demonstre sua falsidade.
Um princípio que ficou conhecido como vericabilidade ou falseabilidade.
Conceito que foi complementado pela ideia de paradigma de Thomas Kuhn.
Segundo o qual, uma hipótese estaria circunscrita a uma base referencial sobre a qual um conjunto
teórico é construído.
O paradigma não comporta contradições e, portanto, não admite paradoxos.
Quando uma contradição é verificada, isto conduziria a uma quebra, já que uma teoria se contrapondo
a base teórica de sustentação leva a construção de um novo paradigma.

36
RAMOS, P, Fábio. Filosofia da Ciência: uma introdução a partir de considerações gerais. http://twixar.me/DfFn

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É o que Kuhn chamou de revolução cientifica, a quebra de paradigma e sua substituição por outro
conjunto teórico referencial.
Na filosofia a quebra de paradigma não acontece, conjuntos teóricos paradoxais coexistem, a exemplo
do que acontece nas ciências humanas.
No início da década de 1960, o francês Victor Goldschmidt escreveu um texto, hoje clássico,
abordando a questão, trata-se de “Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas
filosóficos”, presente na obra “A religião de Platão”.
Para ele, pensando na história da filosofia, haveria duas maneiras de interpretar um sistema filosófico:
interrogando o texto sobre sua origem ou sobre sua verdade.
Em outras palavras, um sistema filosófico compõe uma verdade dogmática, perfeito na sua explanação
lógica e na sua pretensão de ser inquestionável.
Em outro sentido, o sistema pode ser questionado através do contexto de sua construção e pelos
embates enfrentados na época de sua construção.
Igualmente, portanto, seria possível contestar um sistema filosófico através de outro, construído
justamente para questioná-lo.
Questionar o sistema cartesiano por ele mesmo é impossível, Descartes tem respostas para todas as
objeções através de suas obras.
No entanto, o sistema cartesiano pode ser questionado pelo empirismo.
Nasce aí o grande problema: a existência de sistemas filosóficos que se contrapõem sem causar a
anulação mutua.
Estes sistemas coexistem de forma paradoxal, inclusive com novos conjuntos de pensamento que
tentam conciliar as contradições, criando soluções para o paradoxo que não fazem mais que multiplicar
as verdades sobre um mesmo objeto.
É o caso do sistema kantiano que, através do criticismo, conciliou o racionalismo e o empirismo.
Na ciência esta convivência de paradigmas não é possível, pois uma verdade, mesmo que provisória,
anula a outra.
A despeito da ciência trabalhar com hipóteses e teses, as contradições não são aceitas, geram a
quebra do paradigma, com exceção das ciências humanas é claro.
Já na filosofia a verdade é dogmática e, ao mesmo tempo, relativa.
A verdade é bem definida para determinado sistema filosófico e dentro de certos argumentos lógicos,
mas esta verdade coexiste com outras.
Cada concepção filosófica espelha apenas uma visão distinta de uma mesma verdade oculta fora da
caverna platônica.

Função da Filosofia

A partir do momento que a ciência começou a tornar-se complexa, multiplicando-se e se


particularizando, sua especialização passou a comportar forte influência ideológica.
Simultaneamente, o avanço da tecnologia tornou a fé na ciência dogmática, uma contradição dentro
de sua base de sustentação, tida como provisória.
Esta fé quase nunca reconhece as limitações da ciência, impedindo uma reflexão ética sobre sua
utilidade e seus limites.
O contexto fordista contemporâneo, herdeiro do século XX, tornou a ciência um terreno fértil para a
filosofia, originando um novo campo de trabalho para o filosofo: a filosofia da ciência.
Neste sentido, passou a ser função da filosofia analisar os fundamentos da ciência, questionando o
próprio conceito de ciência ou seu papel diante do mundo, além das consequências das descobertas
cientificas.
Cabe a filosofia, inclusive, perguntar até que ponto os cientistas realmente são neutros.
Será que o direcionamento e os resultados das pesquisas não são manipulados para atender
interesses ideológicos?
Quais são os limites da ciência, até que ponto as pesquisas são benéficas à humanidade, quais os
limites éticos que os avanços científicos devem respeitar?
Perguntas que conduzem a outras, tal como:
O que é a ciência?
O que pode e o que deve a ciência realizar?
Qual é o papel da ciência?
Existe neutralidade cientifica?
Até onde a ciência é confiável?
Podemos questionar a ciência?

Apostila gerada especialmente para: kauany souza 095.822.709-85 65


A ciência é boa ou má para a humanidade?
Questões que multiplicam as perguntas.

História da Construção da Ciência

Durante a antiguidade, filosofia e ciência eram sinônimos, confundiam-se.


Na Idade Média aconteceu o mesmo, com a diferença que os teólogos cristãos utilizaram o
conhecimento filosófico para manipular o senso comum em favor da fé.
A situação só começou a mudar com Copérnico, Galileu e Descartes.
No século XV, Nicolau Copérnico contribuiu para alterar a mentalidade da humana, iniciando um
processo complementado por Galileu.
O universo aristotélico geocêntrico foi deslocado para o mundo heliocêntrico e antropocêntrico, com o
homem no centro da construção do conhecimento.
No século XVI, Galileu iniciou a matematização da realidade, estudada com o auxílio de instrumentos
que ampliaram os sentidos, sistematizando a observação dos fenômenos para descobrir regularidades,
estabelecendo leis gerais e teorias.
Descartes referendou esta tendência, compondo o método e inaugurando a modernidade.
No entanto, a ciência só adquiriu autonomia, separando-se da filosofia e da religião, no século XVIII.
Dentro do espírito da revolução francesa, os iluministas começaram a defender a neutralidade
cientifica.
Eles foram responsáveis também, através da enciclopédia, pelo início da separação entre filosofia e
ciência, uma tendência completada no século XIX pelo positivismo.
Destarte, o iluminismo, como consequência, acabou especializando o conhecimento humano,
acelerando o progresso cientifico, a despeito dos estragos que seriam efetivados pelo fordismo no século
XX.
A partir do século XVIII, a ciência passou a pretender ser objetiva, neutra, isenta de influências
ideológicas, voltada à construção de um conhecimento desinteressado em prol do benefício da
humanidade.
Entretanto, esquece-se que existem homens que fazem a ciência, portanto, sujeitos as influências
sociais, culturais, políticas e econômicas.
Além disto, existem fatores como a pressão exercida pelos órgãos de fomento.
O que leva a questionar a possibilidade da existência de neutralidade cientifica.
Não podemos esquecer que a ciência reflete interesses os mais diversos, apresentando um modelo
que pretende desvendar a realidade e que é fruto desta mesma pretensa realidade.
O contexto especifico, circunscrito ao tempo e espaço, cria os problemas analisados e as soluções,
fazendo a ciência caminhar na direção que atende estes pressupostos.
O que conduz a questão da neutralidade para o campo da ética, porque em nome do progresso
humano desinteressado, pesquisas que afetam milhões de pessoas são efetivadas, beneficiando
concretamente uma pequena parcela destes indivíduos.
Em outras palavras, cabe questionar os limites da ciência, até que ponto determinados atos justificam
os métodos e recursos empregados.
É por isto que, a partir do século XIX, a filosofia passou a discutir a questão da neutralidade cientifica
e a ética do fazer ciência.
O que originou os atuais conselhos de ética cientifica, principalmente existentes quando seres
humanos ou animais estão envolvidos em experiências como cobaias.

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Diferente da filosofia, a qual pretende alcançar a verdade; a ciência busca o entendimento da realidade.
Embora a definição de ciência comporte múltiplas explicações, tal como a afirmação de Aristóteles de
que seria a busca do universal e eterno.
A partir do século XIX, a ciência passou a ser entendida como um processo de investigação para
alcançar um conjunto de conhecimentos tidos como verdadeiros, por meio de generalizações verificáveis.
Mas se é assim, vale à pena insistir: afinal, qual a diferença entre filosofia e ciência?

Ciência e Filosofia

Enquanto a filosofia busca a verdade, dentro de um sistema, inquestionável e inabalável; a ciência


encontra sempre verdades provisórias.

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Segundo Karl Popper, toda hipótese deve ser considerada verdadeira, obviamente, desde que
fundamentada, até que outra hipótese demonstre sua falsidade.
Um princípio que ficou conhecido como vericabilidade ou falseabilidade. Conceito que foi
complementado pela idéia de paradigma de Thomas Kuhn. Segundo o qual, uma hipótese estaria
circunscrita a uma base referencial sobre a qual um conjunto teórico é construído.
O paradigma não comporta contradições e, portanto, não admite paradoxos. Quando uma contradição
é verificada, isto conduziria a uma quebra, já que uma teoria se contrapondo a base teórica de
sustentação leva a construção de um novo paradigma.
É o que Kuhn chamou de revolução cientifica, a quebra de paradigma e sua substituição por outro
conjunto teórico referencial.
Na filosofia a quebra de paradigma não acontece, conjuntos teóricos paradoxais coexistem, a exemplo
do que acontece nas ciências humanas.
No início da década de 1960, o francês Victor Goldschmidt escreveu um texto, hoje clássico,
abordando a questão, trata-se de “Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas
filosóficos”, presente na obra “A religião de Platão”.
Para ele, pensando na história da filosofia, haveria duas maneiras de interpretar um sistema filosófico:
interrogando o texto sobre sua origem ou sobre sua verdade.
Em outras palavras, um sistema filosófico compõe uma verdade dogmática, perfeito na sua explanação
lógica e na sua pretensão de ser inquestionável. Em outro sentido, o sistema pode ser questionado
através do contexto de sua construção e pelos embates enfrentados na época de sua construção.
Igualmente, portanto, seria possível contestar um sistema filosófico através de outro, construído
justamente para questioná-lo.
Questionar o sistema cartesiano por ele mesmo é impossível, Descartes tem respostas para todas as
objeções através de suas obras.
No entanto, o sistema cartesiano pode ser questionado pelo empirismo.
Nasce ai o grande problema: a existência de sistemas filosóficos que se contrapõem sem causar a
anulação mutua.
Estes sistemas coexistem de forma paradoxal, inclusive com novos conjuntos de pensamento que
tentam conciliar as contradições, criando soluções para o paradoxo que não fazem mais que multiplicar
as verdades sobre um mesmo objeto.
É o caso do sistema kantiano que, através do criticismo, conciliou o racionalismo e o empirismo.
Na ciência esta convivência de paradigmas não é possível, pois uma verdade, mesmo que provisória,
anula a outra.
A despeito da ciência trabalhar com hipóteses e teses, as contradições não são aceitas, geram a
quebra do paradigma, com exceção das ciências humanas é claro.
Já na filosofia a verdade é dogmática e, ao mesmo tempo, relativa.
A verdade é bem definida para determinado sistema filosófico e dentro de certos argumentos lógicos,
mas esta verdade coexiste com outras.
Cada concepção filosófica espelha apenas uma visão distinta de uma mesma verdade oculta fora da
caverna platônica.

Função da Filosofia

A partir do momento que a ciência começou a tornar-se complexa, multiplicando-se e se


particularizando, sua especialização passou a comportar forte influência ideológica.
Simultaneamente, o avanço da tecnologia tornou a fé na ciência dogmática, uma contradição dentro
de sua base de sustentação, tida como provisória.
Esta fé quase nunca reconhece as limitações da ciência, impedindo uma reflexão ética sobre sua
utilidade e seus limites.
O contexto fordista contemporâneo, herdeiro do século XX, tornou a ciência um terreno fértil para a
filosofia, originando um novo campo de trabalho para o filosofo: a filosofia da ciência.
Neste sentido, passou a ser função da filosofia analisar os fundamentos da ciência, questionando o
próprio conceito de ciência ou seu papel diante do mundo, além das consequências das descobertas
cientificas.
Cabe a filosofia, inclusive, perguntar até que ponto os cientistas realmente são neutros. Será que o
direcionamento e os resultados das pesquisas não são manipulados para atender interesses ideológicos?
Quais são os limites da ciência, até que ponto as pesquisas são benéficas à humanidade, quais os
limites éticos que os avanços científicos devem respeitar?
Perguntas que conduzem a outras, tal como:

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- O que é a ciência?
- O que pode e o que deve a ciência realizar?
- Qual é o papel da ciência?
- Existe neutralidade cientifica?
- Até onde a ciência é confiável?
- Podemos questionar a ciência?
- A ciência é boa ou má para a humanidade?

História da Construção da Ciência

Durante a antiguidade, filosofia e ciência eram sinônimos, confundiam-se. Na Idade Média aconteceu
o mesmo, com a diferença que os teólogos utilizaram o conhecimento filosófico para manipular o senso
comum em favor da fé.
A situação só começou a mudar com Copérnico, Galileu e Descartes. No século XV, Nicolau Copérnico
contribuiu para alterar a mentalidade da humana, iniciando um processo complementado por Galileu.
O universo aristotélico geocêntrico foi deslocado para o mundo heliocêntrico e antropocêntrico, com o
homem no centro da construção do conhecimento.
No século XVI, Galileu iniciou a matematização da realidade, estudada com o auxílio de instrumentos
que ampliaram os sentidos, sistematizando a observação dos fenômenos para descobrir regularidades,
estabelecendo leis gerais e teorias.
Descartes referendou esta tendência, compondo o método e inaugurando a modernidade. No entanto,
a ciência só adquiriu autonomia, separando-se da filosofia e da religião, no século XVIII.
Dentro do espírito da revolução francesa, os iluministas começaram a defender a neutralidade
cientifica.
Eles foram responsáveis também, através da enciclopédia, pelo início da separação entre filosofia e
ciência, uma tendência completada no século XIX pelo positivismo.
Destarte, o iluminismo, como conseqüência, acabou especializando o conhecimento humano,
acelerando o progresso cientifico, a despeito dos estragos que seriam efetivados pelo fordismo no século
XX.
A partir do século XVIII, a ciência passou a pretender ser objetiva, neutra, isenta de influências
ideológicas, voltada à construção de um conhecimento desinteressado em prol do benefício da
humanidade.
Entretanto, esquece-se que existem homens que fazem a ciência, portanto, sujeitos as influências
sociais, culturais, políticas e econômicas.
Além disto, existem fatores como a pressão exercida pelos órgãos de fomento. O que leva a questionar
a possibilidade da existência de neutralidade cientifica.
Não podemos esquecer que a ciência reflete interesses os mais diversos, apresentando um modelo
que pretende desvendar a realidade e que é fruto desta mesma pretensa realidade.
O contexto especifico, circunscrito ao tempo e espaço, cria os problemas analisados e as soluções,
fazendo a ciência caminhar na direção que atende estes pressupostos.
O que conduz a questão da neutralidade para o campo da ética, porque em nome do progresso
humano desinteressado, pesquisas que afetam milhões de pessoas são efetivadas, beneficiando
concretamente uma pequena parcela destes indivíduos.
Em outras palavras, cabe questionar os limites da ciência, até que ponto determinados atos justificam
os métodos e recursos empregados.
É por isto que, a partir do século XIX, a filosofia passou a discutir a questão da neutralidade cientifica
e a ética do fazer ciência.
O que originou os atuais conselhos de ética cientifica, principalmente existentes quando seres
humanos ou animais estão envolvidos em experiências como cobaias37.

Conceito Básico de Ciência38

A palavra ciência tem sua origem etimológica no latim scientia, que significa sabedoria, conhecimento.
Podemos dizer, de modo bem simples, que a ciência é o conhecimento de caráter racional, sistemático e
seguro dos fatos e fenômenos do mundo.

37
Fonte: Prof. Dr. RAMOS, F. P.
38
Texto adaptado: http://twixar.me/JW31

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O objetivo fundamental da Ciência é tornar o mundo compreensível, proporcionando ao homem meios
de exercer controle sobre a Natureza. Através do conhecimento científico, portanto, “o homem domina a
Natureza não pela força, mas pela compreensão”.
Ao contrário do senso comum, cujos conhecimentos estão freqüentemente marcados pela incoerência
e pela fragmentação, a Ciência propõe-se a atingir conhecimentos precisos, coerentes e abrangentes.
Enfim, ela se caracteriza por tentar, deliberadamente, alcançar resultados livres das limitações do senso
comum.
Isso não significa que os conhecimentos científicos sejam inquestionavelmente certos, coerentes e
infalíveis.
O estudo da história das ciências nos revela inúmeras teorias científicas que, no passado, foram
consideradas pela maioria dos cientistas como absolutamente sólidas e corretas e, atualmente, foram
substituídas ou modificadas por outras teorias.
Durante séculos e séculos, por exemplo, o mundo ocidental acreditou, de forma inabalável, que a Terra
fosse o cento do Universo, baseando-se nas teorias geocêntricas de Ptolomeu. Entretanto, Nicola
Copérnico (1473-1543) com a obra “Da revolução das esferas celestes”, publicada no ano de sua morte,
demonstrou que a Terra se movia em torno do seu próprio eixo e ao redor do Sol. Copérnico propôs a
teoria heliocêntrica, pela qual o Sol era o centro do nosso sistema planetário.
Essa permanente possibilidade de que uma teoria científica, atualmente digna de crédito, seja revista
ou corrigida por outra não deve conduzir à noção pessimista de que a “Ciência é uma instituição falida”
ou à posição cética de que todos os conhecimentos científicos são crenças passageiras que serão
condenadas no futuro.
Embora determinadas teorias cientificas possam ser reformuladas e corrigidas, “o conteúdo da Ciência,
não é um fluxo instável de opiniões, mas ao contrário a Ciência pode alcançar êxito no seu propósito de
fornecer explicações dignas de confiança, bem fundadas e sistemáticas para numerosos fenômenos.”

Filosofia da Ciência
Na sua busca de explicar e compreender o mundo, a Ciência procura ampliar ao máximo a extensão
do conhecimento racional do homem. Nessa trajetória, ela se desenvolve investigando setores
específicos da realidade, que constituem as diversas áreas especializadas das disciplinas científicas,
como, por exemplo: a Física, a Psicologia, a Química, a Biologia, a Astronomia etc.
Questionando a realidade, os cientistas delimitam problemas a serem resolvidos e trabalham no
sentido de encontrar justificativas satisfatórias, segundo as exigências da Razão. É assim que se constitui
o chamado saber cientifico, o qual, em última análise, não se opõe ao saber filosófico. O que os diferencia
é mais uma questão de enfoque: a Ciência interessa-se mais em resolver problemas específicos,
delimitados, enquanto a Filosofia busca alcançar uma visão global, harmônica e crítica do saber humano.
O ramo da Filosofia diretamente voltado para a reflexão sobre os conhecimentos científicos denomina-se
Filosofia da Ciência.
O tema geral da Filosofia da Ciência é o desenvolvimento da reflexão crítica sobre os fundamentos do
saber científico. Esse tema geral desdobra-se numa série de questões discutidas pelos filósofos da
Ciência, tais como: o estudo do método de investigação científica, a classificação das ciências, a natureza
das teorias científicas e sua capacidade de explicar a realidade; o papel da Ciência e sua utilização na
sociedade etc.

Método de Investigação Científica


O modo de proceder dos cientistas, ao conduzirem suas investigações, envolve um núcleo comum de
atividades que recebe o nome de método científico.
A estrutura lógica do método científico compreende uma série de etapas que costumam ser percorridas
para a solução de um problema. Vejamos, agora, um plano básico da estrutura lógica do método científico:

1) Enunciado de um problema – observando os fatos do mundo, o cientista enuncia um problema que


o intriga e que ainda não foi explicado pelo conjunto de conhecimentos disponíveis. Nessa etapa, o
cientista deve enunciar o seu problema com clareza e precisão, e procurar todos os instrumentos
possíveis para tentar resolvê-los.
2) Formulação de hipóteses – tentando solucionar o problema, o cientista propõe uma resposta
possível, que constitui uma hipótese a ser avaliada na sua investigação. Isso significa que a hipótese é
uma resposta não comprovada, que deve ser “testada” cientificamente.
3) Teste experimentais da hipótese – nesta fase, o cientista deve testar a validade de sua hipótese,
procurando investigar as consequências da solução proposta. Esta investigação deve ser controlada pelo

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cientista, para que o fator relevante previsto na hipótese seja suficientemente destacada na ocorrência
do fato-problema.
4) Conclusão – é a afirmação dos resultados da pesquisa cientifica, confirmando ou corrigindo a
hipótese formulada e testada.

Método Cientifico
Devemos ressaltar que o método científico não pode ser visto como uma receita rígida de regras capaz
de garantir soluções para todos os problemas. Na verdade, nunca existiu essa receita única, pois o
método científico não é conjunto fixo e estereotipado de atos a serem adotados em todos os tipos de
pesquisa cientifica.
O que chamamos de método científico consiste numa estrutura lógica de ações freqüentemente
utilizadas na pesquisa científica mas que, por se só, não é suficientemente para garantir o êxito desse
empreendimento. Pois o sucesso de uma pesquisa depende de um amplo conjunto de fatores, que
abrange desde a natureza do problema a ser pesquisado até os recursos aplicados na pesquisa e,
sobretudo, a criatividade e a inteligência do pesquisador.

Leis e Teorias Científicas


Analisamos os inúmeros fatos do mundo, percebemos a ocorrência de fenômenos regulares, como por
exemplo, a sucessão do dia e da noite, das estações do ano, o nascimento dos seres vivos, a atração
dos corpos em direção ao centro da Terra etc.
Para reconhecermos a ocorrência de regularidades devemos observar os fenômenos semelhantes e
classificá-los segundo suas características comuns. Ao examinar as regularidades, a Ciência procura
chegar a uma conclusão geral que possa ser aplicada a todos os fenômenos semelhantes. Através desse
processo, ela procura formular leis cientificas.
Leis são enunciados generalizadores que apresentam relações constantes e necessárias entre
fenômenos regulares.
As leis cientificas desempenham duas funções básicas:

- Resumem uma grande quantidade de fenômenos regulares, favorecendo uma visão global do seu
conjunto;
- Possibilidade a previsão de novos fenômenos que se enquadram na regularidade descrita.

As leis costumam fazer parte de uma teoria cientifica. “a teoria especifica a causa ou mecanismo
subjacente tido como responsável pela regularidade descrita na lei”. A teoria tem como objetivo explicar
as regularidades entre os fenômenos e deles fornecer uma compreensão ampla.
Costuma-se dizer que explicar e prever constituem a função fundamental das leis e teorias cientificas.

Compreensão e Explicação
A palavra compreensão tem uma origem etimológica no latim comprehensio, que significa ação de
aprender conjuntamente.
Ocorre compreensão de um fato quando conseguimos perceber os elementos internos que o
caracterizam. Quem compreende torna-se capaz de apreender globalmente as Partes que compõe um
Todo. Assim, por exemplo, a compreensão do conceito de animal implica apreendermos seus elementos
característicos, tais como os conceitos de: ser vivo, célula, reprodução, crescimento etc.
A palavra explicação tem origem etimológica no latim explicare, que significa desdobrar, justificar,
esclarecer.
Ocorre explicação de um fato quando apontamos as causas ou razões pelas quais o fato acontece
dessa forma e não de outra.
Para explicar um fato precisamos compreendê-los e, em seguida, justificá-lo, situando as causas que
o geraram e os fatores de seu desenvolvimento. Essas casas e esses fatores devem ser procurados
numa estrutura mais ampla de fatos que possam ser englobados numa teoria abrangente.
Se estudos, por exemplo, a Independência do Brasil, percebendo suas limitações internas, passo a
compreende-la. Mas se, posteriormente, procuro as causas da das limitações dessa Independência nas
relações socioeconômicas estabelecidas entre Portugal e suas Colônia com o capitalismo inglês, então,
compreendo essas relações socioeconômicas e, através delas, explico a Independência brasileira.

Classificação das Ciências


Desde há muitos séculos, os filósofos procuram elaborar uma classificação geral das ciências. Mas o
problema não e fácil de ser resolvido, pois implica uma série de outras questões, tais como: o que é,

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exatamente, o conhecimento cientifico? Qual a extensão desse conhecimento? Qual a sua relação com
outros tipos de conhecimentos? Dependendo de como essas questões sejam encaminhadas, surge um
tipo de classificação das ciências. Vejamos algumas dessas classificações:

- Aristóteles

O filosofo Aristóteles distribuía as ciências em dois ramos básicos:


- O das Ciências Teóricas: tinha por objetivo o conhecimento puro e racional do mundo. Exemplo:
física, matemática, biologia etc.
- O das Ciências Práticas: tinha por objeto o conhecimento de princípios instrumentais a serem
aplicadas no comportamento social e intelectual do homem. Exemplo: moral, política, lógica.

- Augusto Comte

O filosofo Augusto Comte (1798-1857) propôs uma classificação das ciências tendo como critério o
grau de simplicidade ou de generalidade dos fenômenos estudados. Afirmava ser necessário começar do
estudo dos fenômenos mais simples, ou mais gerais, procedendo, sucessivamente, até atingir os
fenômenos mais particulares ou mais complicados.
Para Comte, as ciências podem ser classificadas em cinco grupos básicos: Astronomia, Física,
Química, Fisiologia, Sociologia. Segundo ele, a primeira dessas ciências, a Astronomia, se ocupava dos
“fenômenos mais gerais, mais simples, mais abstratos e mais afastados da humanidade, e que
influenciam todos os outros sem serem influenciados por estes. Os fenômenos considerados pela última
pela última (Sociologia) são, ao contrário os mais particulares, mais complicados, mais concretos e mais
diretamente interessantes ao homem; dependem, mais ou menos de todos os precedentes sem exercer
sobre eles influencia alguma.”
Além desses cinco grupos, Comte reservava um lugar especial à Matemática, por representar,
segundo ele, a base fundamental de toda Ciência, “consistindo no mais poderoso instrumento que o
espírito humano pode empregar na investigação das leis e dos fenômenos naturais.”

- Carl Hempel

O professor Carl Hempel, da Universidade de Princeton (EUA), classificou as ciências em dois grupos:
- O das Ciências Empíricas – são aquelas que “procuram descobrir, descrever, explicar e predizer as
ocorrências no mundo em que vivemos”
As afirmações dessas ciências devem ser confrontadas com os fatos de nossa experiência só
aceitáveis quando amparadas por uma evidencia (experimentação, observação sistemática etc).
- O das Ciências Não-empíricas – são aquelas que dispensam a referência permanente a experiência
sensível. Desenvolvem-se no plano mais abstrato do raciocínio: é o caso da lógica e da matemática.
As Ciências Empíricas dividem-se me Ciências Naturais e Ciências Sociais ou Ciências Humanas. O
critério para essa divisão, adverte Hempel, não é muito claro, nem muito rígido, não havendo acordo geral
sobre onde se encontra a linha da separação.
Basicamente, podemos dizer que as Ciências Naturais são aquelas que estudam o conjunto de seres
e coisas, orgânicas e inorgânicas, que compõem a Natureza. Pertencem as Ciências Naturais: a Física,
a Química, a Biologia etc.
Por outro lado, as Ciências Sociais estudam as relações do homem consigo próprio, com os outros
homens e com a Natureza. Que tipo de relações? As relações que se originam do ato pelo qual o homem
produz cultura, agindo no mundo e a ele reagindo, criando e sofrendo os efeitos das suas criações.
Pertencem as Ciências Sociais: a Sociologia, A Economia, a Antropologia, a História etc.
A Psicologia é classificada como Ciência Natural e, outra vezes, como Ciência Social, conforme se
encare como seu objeto de estudo:
- O psiquismo e o comportamento do homem como manifestação pura e simples do seu organismo
natural (Visão das Ciências Naturais);
- A investigação do comportamento humano na sua significação ampla de porta-se com, isto é, a
postura do homem em relação a si mesmo, aos outros e a Natureza (visão das Ciências Sociais).

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MITOS DA CIÊNCIA39

Mito do Cientificismo

Se formos avaliar o papel da ciência na história humana, seremos tentados a acreditar que o “método
científico” seria uma das formas de produção de conhecimentos mais bem-sucedidas que o Homem já
elaborou.
Por meio dele, o Homem pôde superar inúmeros limites e transformar sua relação com a natureza:
erradicou doenças endêmicas, foi ao espaço sideral, está decodificando códigos genéticos, inventou o
rádio, a televisão, o telefone, o laser, o microprocessador etc.
Segundo a Professora Cristina G. Machado de Oliveira, na medida em que a ciência se mostrou capaz
de compreender a realidade de forma mais rigorosa e tornou possível fazer previsões, rapidamente
transformou o mundo. Diante de tantas maravilhas, desenvolveu-se a tendência de desprezar outras
abordagens da realidade (religião, filosofia, arte, etc).
Já no séc. XIX, o positivismo valorizava exageradamente o conhecimento científico. Essa forma de
pensar foi explicitada pelo filósofo francês Augusto Comte, fundador do positivismo, corrente filosófica
segundo a qual a humanidade teria passado por estágios sucessivos (teológico e metafísico) até chegar
ao ponto superior do processo, caracterizado pelo conhecimento positivo, ou científico. A preocupação
positivista de tudo reduzir ao racional redunda no seu oposto, ou seja, na criação do mito do cientificismo,
segundo o qual o único conhecimento perfeito é o científico. Então, em que consiste tal “mito”?
É uma crença de que a ciência possui um poder ilimitado sobre as coisas e os homens, dando-lhes o
lugar que muitos costumam dar às religiões, isto é, um conjunto doutrinário de verdades atemporais,
absolutas e inquestionáveis.

Mito do Progresso

Embutido no ideal cientificista, existe o mito do progresso. Segundo essa concepção, o progresso é
inicialmente algo embrionário, cabendo à ação humana transformadora trazer à luz as possibilidades
latentes. O progresso é explicado como um fenômeno linear, cuja tendência automática é o
aperfeiçoamento humano.
Por isso o ideal do progresso justificaria todas as ações humanas realizadas em seu nome. Mas
infelizmente já conhecemos as consequências (as fábricas poluem, a especulação imobiliária destrói, a
opulência não expulsa a miséria) – o que são de fato indicativos de regressão humana, o que nos leva a
rever a noção de progresso.

Mito da Tecnocracia e o Mito do Especialista

Outra decorrência do cientificismo e da exaltação do progresso é o mito da tecnocracia. O positivismo


garante a justificação do poder pela técnica e, mais que isso, do poder dos tecnocratas. O saber derivado
da ciência passa a ser considerado o único a ter autoridade: portanto, o poder pertence a quem possui o
saber. Cria-se assim o mito do especialista, segundo o qual, apenas certas pessoas têm competência
em determinados setores específicos.
A ciência, pode, portanto, servir à dominação como produtora de ideias e discursos que sirvam de
respaldo ao discurso dos econômica e politicamente poderosos. A ciência possui esta potencialidade
porque ela é apresentada, como portadora da verdade. Ninguém pode negar que em nossa cultura a
ciência adquiriu um status de suprema guardiã da veracidade. Tudo o que se fala em seu nome é
escutado com temor e reverência, como se houvesse saído da boca do mais infalível oráculo. Um
absurdo, dito por um cientista (ou atribuído a algum), pode transformar-se, em pouco tempo, em artigo de
fé para grande parte da população mundial.
É claro que temos bons motivos para confiar nos diagnósticos e prognósticos da ciência, e a vida
contemporânea não seria possível se não pudéssemos ter essa confiança. O problema é que as pessoas
costumam confiar cegamente nas decisões, informações e recomendações dos cientistas sem levar em
conta uma série de fatores e interesses que podem estar por detrás de suas atividades. Pois, embora a
maior parte delas o ignore, o fato é que eles muitas vezes são assediados por representantes de
interesses escusos, que, em troca de tentadoras bonificações, procuram convencê-los a “chegar” a
determinadas conclusões. E, além disso, pretende-se muitas vezes que a ciência saia de seu estreito
círculo de atuação no mundo material e explique fenômenos que não são de sua alçada.

39
MAXIMINO, M, Silvio. O mito do cientificismo: algumas anotações. https://bit.ly/2EtHg6i

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Mito da Neutralidade da Ciência

Outra ramificação importante deste mito está na crença de que a ciência constitui um saber neutro,
isto é, que as pesquisas não sofrem nenhuma influência econômica ou política e que cientistas visam
apenas ao conhecimento “puro” e desinteressado. Desse modo, não só a atividade científica estaria à
margem das questões históricas, como não caberia ao cientista discutir o uso político de suas
descobertas.
Essa imagem de neutralidade científica também é ilusória. A maioria dos resultados científicos que
usamos em nossa vida cotidiana teve como origem investigações militares e estratégicas, competições
econômicas entre grandes empresas transnacionais e competições políticas entre grandes Estados.
Muito do que usamos em nosso cotidiano provém de pesquisas nucleares, bacteriológicas e espaciais.
Como produtora de tecnologia, a ciência pode ser instrumento de poder.
A inconsciência dos cientistas é a causa da ambiguidade de suas atividades. Esta aptidão para se
transformar em instrumento de poder resulta, em primeiro lugar, de um aspecto perigoso e problemático
da tecnologia, o qual começou a se tornar evidente desde os primórdios desta. No momento em que o
homem percebeu que a técnica lhe possibilitava dominar os processos naturais, ele também percebeu
que ela possibilitava a dominação de outros homens. Trata-se de um setor sombrio da ciência, do qual o
principal propulsor é a guerra. Segundo a revista Impact of Science on Society, editada pela UNESCO
em 1980, quase a quarta parte dos recursos mundiais dedicados à pesquisa científica era consumida
pela pesquisa militar, e mais de meio milhão de cientistas estavam atrelados ao desenvolvimento de
novas armas.
Além disso, muitos pesquisadores acabam trabalhando para projetos bélicos sem sequer sabê-lo, visto
que seus trabalhos são usados para fins clandestinos. É o que aconteceu, por exemplo, no caso dos
desfolhantes que foram utilizados pelos EUA na guerra do Vietnã, os quais tiveram sua origem numa
pesquisa que visava o desenvolvimento de produtos agrícolas cujos resultados foram desviados pelos
militares americanos.
Essa má utilização da tecnologia também é geradora da falta de critério na seleção das pesquisas a
serem realizadas. A viagem à lua, por exemplo, que custou bilhões de dólares, foi um contrassenso diante
da situação calamitosa do mundo, com populações inteiras vivendo na miséria e morrendo de fome.
Ainda segundo Cristina G. M. Oliveira, é a filosofia que, diante do saber e do poder, avalia se estes
resultados estão a serviço do homem ou contra ele, isto é, se servem para seu crescimento espiritual ou
se o degradam se contribuem para a liberdade ou para a dominação.
Cabe, portanto, à filosofia recolocar o problema da unidade do saber, tornado “esquizofrênico” pela
ciência moderna, na medida em que foi compartimentalizado. O resultado dessa fragmentação é que o
homem se torna o grande ausente da ciência, já que a razão é posta a serviço da destruição da natureza,
da alienação humana e da dominação.
Em síntese, temos a ilusão de progresso e de evolução na ciência por dois motivos principais, segundo
M. Chauí:

1. do lado do cientista, porque este sente que sabe mais e melhor do que antes, já que o paradigma
anterior não lhe permitia conhecer certos objetos ou fenômenos. Tem o sentimento de que o passado
estava errado, era inferior ao presente aberto por seu novo trabalho;
2. do lado dos não-cientistas, porque vivemos sob a ideologia do progresso e da evolução, do “novo”
e do “fantástico”. Vemos os resultados tecnológicos das ciências: naves espaciais, computadores,
satélites, fornos micro-ondas, telefones celulares, cura de doenças julgadas incuráveis, objetos plásticos
descartáveis... e tais resultados tecnológicos são apresentados pelos governos, pelas empresas e pela
propaganda como “signos do progresso”. O progresso é uma crença ideológica.
A conclusão é que, se há um 'discurso competente', em contraposição, há os incompetentes (os
elaborados por não cientistas...), cujo não-saber supõe a aceitação passiva do discurso do saber.

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4.1.1.6 Estética. ● Natureza da arte. ● Filosofia e arte. ● Categorias
estéticas – feio, belo, sublime, trágico, cômico, grotesco, gosto etc. ●
Estética e sociedade

INDUSTRIA CULTURAL

Estética40

O significado da beleza e a natureza da arte têm sido objeto da reflexão de numerosos autores desde
as origens do pensamento filosófico, mas somente a partir do século XVIII, com a obra de Kant, a estética
começou a configurar-se como disciplina filosófica independente.
Ciência da criação artística, do belo, ou filosofia da arte, a estética tem como temas principais a gênese
da criação artística e da obra poética, a análise da linguagem artística, a conceituação dos valores
estéticos, as relações entre forma e conteúdo, a função da arte na vida humana e a influência da técnica
na expressão artística. Os primeiros teóricos da estética foram os gregos, mas como "ciência do belo" a
palavra aparece pela primeira vez no título da obra do filósofo alemão Alexander Gottlieb Baumgarten,
Æesthetica (1750-1758). A partir dessa obra, o conceito de estética restringiu-se progressivamente até
chegar a referir-se à reflexão e à pesquisa sobre os problemas da criação e da percepção estética.

Antiguidade Clássica
A arte, objeto mais geral da estética, tem sido considerada de maneira distinta segundo as épocas e
os filósofos que dela se ocuparam. Na antiguidade, o problema do belo foi tratado por Platão, Aristóteles
e Plotino. No diálogo Hípias maior, Platão procura definir o belo em si, a ideia geral ou universal da beleza.
No Banquete e no Fedro, o problema da beleza é proposto em função do problema do amor. Por meio de
imagens sensíveis, da cópia ou imitação da Idéia, e no delírio erótico, somos possuídos pelo deus, o que
leva à reminiscência e à visão da realidade absoluta da beleza inteligível.
Na República, Platão sacrifica a estética à ética: critica os poetas que atribuem aos deuses fraquezas
e paixões próprias dos mortais e acrescenta a essa crítica outra de ordem metafísica: a arte não passa
de imitação da aparência, ou seja, é cópia de um objeto sensível, que, por sua vez, já é cópia, e imperfeita,
da Ideia. Assim, a arte produz apenas a ilusão da realidade.
Nas reflexões de Aristóteles sobre a arte (imitação da natureza e da vida, mimesis), dominam as ideias
de limite, ordem e simetria. Sua Poética aplica esses princípios à poesia, à comédia, à epopeia e afirma
que "o Belo tem por condição certa a grandeza e a ordem". Plotino, seguindo a inspiração platônica,
indaga nas Enéadas se a beleza dos seres consiste na simetria e na medida, pois tais critérios convêm
apenas à beleza física, plástica, indevidamente confundida com a beleza intelectual e moral. O próprio
ser físico, sensível, só é belo na medida que é formado por uma ideia que ordena e combina as múltiplas
partes de que o ser é feito.

Escolástica
A filosofia medieval inspirou-se no idealismo de Platão e no realismo de Aristóteles. Para os
escolásticos, a arte é uma virtude do intelecto prático, um hábito de ordem intelectual que consiste em
imprimir uma ideia a determinada matéria. Santo Tomás de Aquino definia a beleza como "aquilo cuja
visão agrada", cujos requisitos são a proporção ou harmonia, a integridade ou unidade e a clareza ou
luminosidade.

Kant
Na Crítica do juízo (ou da faculdade de julgar), que examina os juízos estéticos, ao referir-se aos
objetos belos da natureza e da arte, Kant concebe o juízo estético como resultado do livre jogo do intelecto
e da imaginação e não como produto do intelecto, ou seja, da capacidade humana de formar conceitos,
nem como produto de intuição sensível. O juízo estético provém do prazer que se alcança no objeto como
tal. Exprime uma satisfação diferente daquela que é proporcionada pelo agradável, pelo bem e pelo útil.
O belo, diz Kant, "é o que agrada universalmente, sem relação com qualquer conceito". A satisfação
só é estética, porém, quando gratuita e desligada de qualquer fim subjetivo (interesse) ou objetivo
(conceito). O belo existe enquanto fim em si mesmo: agrada pela forma, mas não depende da atração

40
ESTÉTICA. Portal do Estudante de Filosofia. http://www.estudantedefilosofia.com.br/conceitos/estetica.php.

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sensível nem do conceito de utilidade ou de perfeição. No juízo estético verifica-se o acordo, a harmonia
ou a síntese entre a sensibilidade e a inteligência, o particular e o geral.
O prazer estético é universalizável, porque as faculdades que implica estão presentes em todos os
espíritos. Esse senso comum estético é a condição necessária da comunicabilidade universal do
conhecimento, que deve ser presumida em toda lógica e em todo princípio de conhecimento.
Quanto às origens da arte, Kant diz que a imaginação é compelida a criar (causalidade livre) o que não
encontra na natureza. A arte é, pois, a produção da beleza não pela necessidade natural, mas pela
liberdade humana. Kant propõe uma classificação das "belas-artes" em artes da palavra (eloquência e
poesia), figurativas (escultura, arquitetura e pintura), e as que produzem um "belo jogo de sensações",
como a música. Todas se encontram na arte dramática e, de modo especial, na ópera.

Hegel
O objeto da estética, segundo Hegel, é o belo artístico, criado pelo homem. A raiz da arte está na
necessidade que tem o homem de objetivar seu espírito, transformando o mundo e se transformando.
Não se trata de imitar a natureza, mas de transformá-la, a fim de que, pela arte, possa o homem exprimir
a consciência que tem de si mesmo. O valor ou o significado da arte é proporcional ao grau de adequação
entre a ideia e a forma, proporção que permite a divisão e classificação das artes. Sua evolução consiste
na sucessão das formas nas quais o homem exprime suas ideias a respeito de Deus, do mundo e de si
próprio.
As diferentes formas de arte correspondem às diferentes maneiras de apreender e conceber a ideia e
às diversas modalidades de incorporação do conceito à realidade. A propósito, Hegel distingue três
dessas modalidades, a que correspondem, metafísica e historicamente, as três formas fundamentais da
arte: arte simbólica, arte clássica e arte romântica. Para Hegel, a história da arte, do ponto de vista da
filosofia, mostra que a arte simbólica está à procura do ideal, a arte clássica o atinge e a romântica o
ultrapassa.
A evolução da arte reproduz a dialética da ideia infinita, que se nega ou aliena no finito, para negar a
negação na síntese do finito e do infinito. A esse processo correspondem graus crescentes de
interiorização do espírito, desde a arquitetura, arte do espaço vazio, mero receptáculo do divino, até a
poesia, arte puramente interior ou subjetiva.

Benedetto Croce
Os princípios estéticos de Hegel, desprezados na Alemanha durante toda a segunda metade do século
XIX, foram preservados na Itália por Francesco De Sanctis. Seu sucessor é Croce, cuja estética, baseada
no conceito da expressão individual, exerceu profunda influência no mundo inteiro. Segundo Croce,
qualquer ato artístico é meio de expressão e esta é a origem do lirismo. Só enquanto lirismo as obras de
arte são arte e têm valor estético. Uma das consequências dessa estética como ciência da expressão é
a abolição das fronteiras entre todas as artes e entre todos os gêneros literários.

Marxismo
A estética marxista, apenas esboçada na obra de Marx e Engels, é tributária da estética hegeliana, em
que encontra sua justificação, e parece ter achado sua formulação mais completa na obra do dramaturgo
e encenador Bertolt Brecht. A tese do "distanciamento" (Entfremdung), de Brecht, implica uma ruptura
com a concepção clássica da arte como catarse. O espectador toma consciência dos problemas que lhe
são apresentados na cena e é convocado a decidir e optar, colaborando na tarefa de libertação do
homem: seria esta a razão de ser da obra de arte.
Os filósofos do Instituto de Pesquisas Sociais, mais conhecido como Escola de Frankfurt, constituíram
o núcleo de uma linha original de pensamento estético de inspiração marxista, desenvolvido
principalmente por Walter Benjamin e Theodor Adorno. Benjamin analisou o papel da obra de arte na
época da reprodução mecânica e Adorno formulou o conceito de "indústria cultural" para designar o
tratamento de mercadoria aplicado aos bens culturais na sociedade contemporânea.

Existencialismo
A filosofia da existência não suscitou uma estética propriamente dita, embora alguns de seus
representantes (Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger, Sartre) tenham refletido sobre a arte e seus
problemas. Para Heidegger, a arte em sua essência é uma origem: um modo eminente de acesso da
verdade ao ser. Sartre, no meio da tradição hegeliana e marxista, oferece em seus ensaios sobre literatura
os elementos do que poderia ser uma estética, especialmente literária. Para ele, a gratuidade da obra de
arte é a imagem da liberdade. O artista, ao revelar o mundo e propor implicitamente sua mudança,
desempenha a função de inventar-se a si mesmo, ao mesmo tempo em que inventa a história.

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Estruturalismo
Ao examinar os problemas tradicionais da estética em função das repercussões, no domínio da arte,
das novas formas de comunicação e informação representadas pelo rádio, cinema e televisão, o
estruturalismo trouxe importantes contribuições à análise da obra de arte, vista como estrutura aberta e
dotada de significados múltiplos. Contribuições de pensadores como Abraham Mole, Michel Foucault,
Roland Barthes e Umberto Eco enfocam a revolução científica e tecnológica dos tempos modernos que,
ao transformar o mundo e o homem, cria nova realidade, determina o surgimento de novas formas de
arte, como o cinema, e de novas teorias ou interpretações da criação estética.

Indústria Cultural

A partir de quando poderíamos falar em indústria cultural ou cultura de massa? E mais, o que significam
esses termos? Por que associar indústria a cultura? Que tipo de mercadoria essa indústria afinal de contas
produz? Como nos capítulos anteriores, este também se inicia com perguntas, às quais tentaremos
responder.
Talvez possamos falar em indústria cultural com segurança a partir do século XVIII. O fato marcante
foi a multiplicação de jornais na Europa. Se até a idade média a leitura e a escrita eram privilégios do
clero e de parte da nobreza, isso se modifica no capitalismo.
As características básicas do novo modelo socioeconômico que se impunha eram a urbanização, a
industrialização e, principalmente, a criação e ampliação do mercado consumidor. As cidades passam a
ser polos de importância social, econômica e cultural. A população vai abandonando o campo rumo à
cidade e ao trabalho nas fábricas. A mecanização barateia os produtos e, consequentemente, aumenta
o mercado consumidor. A burguesia comercial e industrial se estabelece como classe hegemônica, e
crescem as classes médias. Esse novo público vai ser conquistado pelo mercado em geral e, também,
pelo mercado de bens culturais.
É nesse sentido que os jornais assumem grande importância. Paralelamente ao barateamento do
papel, há uma elevação do número de leitores, uma tendência que se impõe. Os jornais divulgam notícias,
crônicas políticas e os chamados folhetins (precursores do romance e das novelas de tv atuais). A estória
que os jornais publicavam nos rodapés de suas páginas vinha em capítulos, obrigando o leitor a comprar
o próximo exemplar para saber a continuação da trama.
Stuart Hall, sociólogo jamaicano, afirma que não se pode pensar em cultura erudita ou em cultura
popular sem antes considerar a existência da indústria cultural. O jornal do século XVIII certamente já
interferia na produção e divulgação das ideias, bem como o predomínio de umas, e não de outras.
Além disso, se lembrarmos o quanto a sociedade estava mudando nesse período, poderemos
compreender a atitude dos primeiros folcloristas ou colecionadores, que queriam coletar e preservar as
velhas canções populares, ao perceberem que a nova sociedade dava cada vez menos espaço para
essas manifestações culturais. As populações camponesas chegavam às cidades e tinham que se
adaptar ao seu ritmo alucinante. O lazer e a arte que elas praticavam no seu dia-dia, no campo, sem
separá-los de sua rotina, passam a lhes ser oferecidos por profissionais que vivem exatamente da arte e
do lazer: companhias de teatro, os circos, os balés, que a partir de agora ocupam um espaço na divisão
social do trabalho.
Mas por que chamar isso tudo de cultura de massa ou de indústria cultural? O primeiro termo faz com
que vejamos a sociedade moderna como uma sociedade de massas, de multidões padronizadas e
homogêneas, ou no máximo compartimentalizadas em setores com características semelhantes. O
segundo termo remete às ideias de produção em série, de comercialização e de lucratividade,
características do sistema capitalista. Podemos imaginar, então, o estabelecimento de uma indústria
produtora e distribuidora de jornais, livros, peças, filmes, em resumo de “mercadorias culturais”.

Industria Cultural ou Cultura de Massa.41

O termo indústria cultural foi criado por Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973),
membros de um grupo de filósofos conhecidos como Escola de Frankfurt. Ao fazerem a análise da
atuação dos meios de comunicação de massa (mdcm), esses autores concluíram que eles funcionavam
como uma verdadeira indústria de produtos culturais, mas, mais do que isso, vende imagens do mundo
e faz propaganda deste mundo tal qual ele é e para que ele assim permaneça.
Segundo os dois autores, a indústria cultural pretendia integrar os consumidores das mercadorias
culturais, agindo como uma ponte nociva entre a cultura popular e a erudita. Nociva porque retiraria a
41
BIRUEL, H, Eduardo. A indústria Cultural. http://abre.ai/1qN.

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autenticidade da primeira e a seriedade da segunda. Ambos autores, veem a indústria cultural como
qualquer indústria, organizada em função de um público-massa, abstrato e homogeneizado, e baseado
nos princípios do lucro.
Poderíamos pensar, a partir do que os autores indicam, que a indústria cultural venderia mercadorias
culturais como pasta de dentes ou automóveis, e o público receberia esses produtos sem saber diferenciá-
los ou sem questionar seu conteúdo. Assim, após uma sinfonia de Beethoven, uma estação de rádio
poderia veicular o anúncio de um restaurante e, depois dele, noticiar um golpe de Estado ou terremoto,
sem nenhuma profundidade, e mais sem nenhuma discussão. Nesse sentido, é preciso observar como
essa sucessão de música, propaganda e noticia ilustra o caráter fragmentário dos MDCM, principalmente
o rádio e a televisão.
Os meios tecnológicos tornaram possível reproduzir obras de arte em escala industrial. Para os
autores, essa produção em série (por exemplo, os discos de música clássica, as reproduções de pinturas,
as músicas eruditas como pano de fundo de filmes de cinema) não democratizou a arte. Simplesmente,
banalizou-a, descaracterizou-a, fazendo com que o público perdesse o senso crítico e se tornasse um
consumidor passivo de todas as mercadorias anunciadas pelo MDCM. Nesse caso, o fato de um operário
assobiar, durante o seu trabalho, o trecho da ópera que ouviu no rádio não significaria que ele estaria
compreendendo a profundidade daquela obra de arte, mas que apenas ele a memorizou, como faria com
qualquer canção sertaneja, romântica, ou mesmo um jingle que ouvisse no mesmo rádio.
Para adorno, a indústria cultural tem como único objetivo a dependência e a alienação dos homens.
Ao maquiar o mundo nos anúncios que veicula, ela caba seduzindo as massas para o consumo das
mercadorias culturais, a fim de que elas se esqueçam da exploração que sofrem nas relações de
produção. A indústria cultural estimularia, portanto, o imobilismo.
Ao contrário de Adorno e Horkheimer, Marshall Mcluhan (1911-1980) via a atuação dos MDCM de
maneira otimista. Estudando principalmente a televisão, o autor acreditava que ela poderia aproximar os
homens, diminuindo as distâncias não apenas territoriais como sociais entre eles. O mundo iria
transformar-se, então, numa espécie de “aldeia global”, expressão que acabou ficando clássica entre os
teóricos da comunicação.
O crítico Umberto Eco, por sua vez, faz uma distinção polêmica entre os autores dedicados ao estudo
da indústria cultural. Segundo ele, esses autores dividem-se entre “apocalípticos” (aqueles que criticam
os meios de comunicação de massa) e “integrados” (aqueles que os elogiam).
Entre os motivos para criticar os MDCM, segundo os “apocalípticos”, estariam:
· A veiculação que eles realizam de uma cultura homogênea (que desconsidera diferenças culturais e
padroniza o público);
· O seu desestímulo à sensibilidade;
· A sua definição como simples lazer e entretenimento, desestimulando o público a pensar, tornando-
o passivo e conformista;
Nesse sentido, os MDCM seriam usados para fins de controle e manutenção da sociedade capitalista.
Entre os motivos para elogiar os MDCM, apontados pelos “integrados”, estariam:
· Serem os MDCM a única fonte de informação possível a uma parcela que sempre esteve distante
das informações;
· As informações veiculadas por eles poderem contribuir para a própria formação intelectual do público;
· A padronização de gosto gerada por eles funcionarem como um elemento unificador das
sensibilidades dos diferentes grupos.

Nesse sentido os MDCM funcionariam como fundamentais para a manutenção e a expansão de todas
as sociedades democráticas.
Eco irá criticar as duas concepções, os “apocalípticos” estariam equivocados por considerarem a
cultura de massa ruim simplesmente por seu caráter industrial. Para Eco, não se pode ignorar que a
sociedade atual é industrial e que as questões culturais têm que ser pensadas a partir dessa constatação.
Os “integrados”, por sua vez, estariam errados por esquecerem que normalmente a cultura de massa é
produzida por grupos de poder econômico com fins lucrativos, o que significa a tentativa de manutenção
dos interesses desses grupos através dos próprios MDCM. Além disso, não é pelo fato de veicular
produtos culturais que a cultura de massa deva ser considerada naturalmente boa, como querem os
“integrados”.
Eco acredita que não se pode pensar a sociedade moderna sem os MDCM. Nesse sentido, sua
preocupação é descobrir que tipo de ação cultural deve ser estimulado para que os MDCM realmente
veiculem valores culturais, remetendo aos intelectuais, o papel de fiscalizar e exigir que isso aconteça.
Outro autor também ligado à Escola de Frankfurt, mas com uma concepção diferente do papel da
indústria cultural, é Walter Benjamin (1886-1940). Para ele, a revolução tecnológica do final do século XIX

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e início do século XX não acabou com a cultura erudita, como pensavam Adorno e Horkheimer, mas
alterou o papel da arte e da cultura.
Os MDCM e suas novas formas de produção cultural propiciariam mudanças na percepção e na
assimilação do público consumidor, podendo, inclusive, gerar novas formas de mobilização e contestação
por parte desse público.
Para Benjamin, a possibilidade de reprodução técnica das obras de arte retirou delas seu caráter único
e mágico (o que ele chama de sua “aura”). Em compensação, possibilitou que elas saíssem dos palácios
e museus e fossem conhecidas por um número infinito de pessoas. Por exemplo, a reprodução fotográfica
permitiu que qualquer pessoa pudesse ter em sua sala as clássicas Monalisa e Santa ceia, Leonardo da
Vinci; a reprodução fonográfica fez com que muito mais pessoas pudessem escutar (e quantas vezes
quisessem) uma sinfonia de Mozart.
O impacto que a indústria cultural moderna pode provocar no público não seria, portanto,
necessariamente negativo, podendo, ao contrário, contribuir para a emancipação desse público e para a
melhoria da sociedade, uma vez que ampliaria o seu horizonte de conhecimento.
Muitos críticos consideram a visão de Adorno e Horkheimer sobre a indústria cultural conservadora.
Segundo eles, a posição desses autores, ao dizerem que a indústria cultural banalizaria a cultura erudita
(que eles denominavam “alta cultura”) valorizavam a cultura burguesa. E não apenas isso, seria também
uma depreciação da cultura popular, que, segundo eles, ficaria ainda mais simplificada no âmbito da
indústria cultural, e a própria capacidade crítica do povo, considerado mero consumidor de mercadorias
culturais, produzidas industrialmente.

ARTE E ESTÉTICA

A discussão sobre Arte e Estética. O que é ‘Feio’. O que e ‘Belo’?

A sensibilidade de quem admira um objeto (qualquer ser ou paisagem) Quem é bonito? Quem é feio?
O que é bonito? O que é feio? Qual expressão artística pode ser considerada bonita, feia, boa ou ruim?
Difícil de responder não é!? Bom, a resposta para tais perguntas parece dizer respeito à questão de gosto
de cada pessoa. Será?42
O certo é que todas as vezes que observamos algo, sentimos e escutamos qualquer coisa, os nossos
órgãos sensoriais produzem informações para o nosso cérebro que rapidamente processa e nos
proporciona uma interpretação sobre o que nos cerca. Geralmente esta interpretação pode nos levar a
um sentimento de prazer, aprovação, reprovação, nojo, beleza, feiúra, etc.
E isso tudo ainda depende de como a nossa sociedade percebe as coisas e de como nós absorvemos
da sociedade esses significados. Assim, as ideias de belo, feio, bom, ruim estão intimamente ligadas à
cultura à qual pertencemos.

Arte
Do latim, ars, artis significa: o “ato de fazer”. Para os Gregos Antigos, a arte significava o domínio do
ser humano de uma ou mais técnicas. Deriva daí a ideia de que saber faze r algo muito bem feito é uma
arte, por exemplo: a arte da guerra, a arte da política, a arte de fazer parto, da medicina, do direito, etc.
Deste modo, arte é o ato de fazer a obra que será admirada, seja ela uma canção, uma escultura, uma
poesia, uma dança, uma arquitetura. A estética será, portanto, a disciplina que irá estudar, analisar a
relação existente entre a arte e o homem.
Mas o que determinaria o ato de fazer uma obra de arte? A resposta mais aceita é a personalidade do
artista e o contexto histórico-cultural do qual o artista faz parte e todas as influências que ele possa
receber. Para Gallo (1997), o próprio artista é quem determina a funcionalidade de sua obra.
Na política, por exemplo, o artista pode retratar uma injustiça, um problema social, uma ideologia. A
obra “Os retirantes”, de Cândido Portinari (1903-1962), representa a vida difícil dos milhares de brasileiros
que migram de cidades do interior para os grandes centros em busca de melhores condições de vida. A
imagem retrata a magreza, a fome, a miséria e o sofrimento das pessoas que se encontram nesta
situação.
Na religião, a arte serve para a representação do sagrado e está a serviço das instituições religiosas
e de suas crenças. A arte está presente nas pinturas, esculturas, hinos e arquitetura dos templos
religiosos. A maior representação de arte sacra está relacionada à Igreja Católica na forma das imagens
e esculturas que representam todas as divindades do cristianismo católico.

42
Blog do Enem. Arte e Estética. https://blogdoenem.com.br/filosofia-enem-arte-estetica/

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Na educação, a arte assume o compromisso com o lúdico, ou seja, busca, a partir da perspectiva
pedagógica, ensinar as pessoas a compreender o mundo a partir da criação de obras artísticas.
Na arte naturalista, Gallo (1997), menciona a finalidade de retratar a realidade tal como ela é. Podemos
assim representar a realidade através de um quadro de natureza morta, com uma foto 3×4 ou a pintura
de uma paisagem ou de uma pessoa.
Há ainda a arte da técnica formalista, na qual a preocupação central do artista é o emprego correto de
uma técnica específica para realizar uma obra de arte. Exemplos: Impressionismo, Expressionismo,
Cubismo ou Surrealismo.
O conceito moderno de arte estaria contido nos trabalhos de Kant. Basicamente, o filósofo fez a
seguinte diferenciação: arte e natureza de arte e ciência. Para a primeira, distingue-se o significado de
arte no sentido de haver uma arte da mecânica, na qual o ser humano teria a capacidade de fazer algo a
partir do seu próprio conhecimento. Para a segunda, desenvolveu a terminologia de arte estética, que
tem por finalidade a contemplação do sentimento de prazer, ou seja, do aprazível, que significa algo
agradável e alegre. Daí o significado de Belas Artes.

Estética
Foi o filósofo Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1831), que utilizou a palavra “estética”, no conceito
moderno, pela primeira vez. Ele tinha o intuito de estabelecer uma disciplina da Filosofia que se
encarregaria de estudar todas as manifestações artísticas. Assim, já na Grécia Antiga, outros filósofos já
faziam o uso da palavra “estética” que deriva da palavra grega aesthesis e que significa sensibilidade.
Deste modo, no sentido mais estreito do significado, a palavra “estética” significa: “sensibilidade”.
Atualmente, seu significado moderno corresponde a: “doutrina do conhecimento sensível”.
Baumgarten definiu a estética como sendo uma disciplina que deveria refletir sobre as emoções
produzidas pelos objetos que são admirados pelos seres humanos. O autor ainda afirmava que a estética
deveria ser abordada de forma subjetiva, ou seja, a partir da consciência da cada indivíduo.
Este filósofo da arte entende que a única forma de se apreciar uma obra de arte se dá pela
sensibilidade do observador. Ela, a sensibilidade, só é possível quando o observador se permite
contemplar a arte a partir da sua própria subjetividade.

Relação Entre Arte e Natureza

Arte como imitação


Arte dependente da natureza. Nesta concepção encontramos a inspiração do artista altamente atrelada
à cópia de algum elemento pertencente à própria natureza, que é representado em uma pintura ou
escultura. Também é conhecida como arte morta.

Arte como Criação


Arte independente da natureza. A originalidade de uma obra se expressa no próprio sentimento do
artista, de modo que este é comparado a Deus como o criador da sua obra. O artista busca a perfeição
não dos traços, mas dos sentimentos expressos. O Romantismo é um bom exemplo, no qual a criação
estética se desvincula da natureza e representa sistematicamente a liberdade criativa do homem.

Arte como Construção


Arte condicionada pela natureza. Nesta perspectiva há uma mistura conceitual entre homem e
natureza. O homem cria uma obra artística na qual ele conjuga os elementos da natureza e os
sentimentos do próprio homem. O melhor exemplo desta perspectiva é, sem dúvida, a arte abstrata.

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA ARTE

A pergunta fundamental em filosofia da arte43 é: qual a natureza da obra de arte? Teorias da arte
buscam respondê-la. Uma objeção frequente à pretensão de construir tais teorias é que a arte é um
fenômeno demasiado diversificado para que possa ser encontrada uma essência comum a todas as suas
manifestações, o que equivale a dizer que não podemos encontrar condições necessárias e suficientes
para a sua identificação, ou seja, condições que uma vez presentes nos garantam que estamos diante de
uma obra de arte. O que há de comum, afinal, entre o teto da capela Sixtina e as caixas de supermercado
Brillo de Andy Warhol? Muito pouco.

43
Texto adaptado de COSTA, C. F. A Essência da Grande Arte.

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Essa objeção tomou uma forma articulada na sugestão, feita por Morris Weitz, de que o conceito de
arte não pode ser definido em termos de condições necessárias e suficientes por se tratar de um conceito
caracterizado pelo que Wittgenstein chamava de semelhanças de família, tal como os de jogo ou de
religião. Para Wittgenstein, embora tais palavras-conceitos pareçam possuir uma essência comum a
todas as suas aplicações, na realidade elas apresentam apenas semelhanças parciais entre uma e outra
aplicação, nada possuindo de relevante que seja comum a todas as aplicações. As similaridades entre
as aplicações são, segundo outra metáfora de Wittgenstein, como as cerdas trançadas de um mesmo fio,
que apenas parecem percorrer toda a sua extensão. Weitz adiciona a isso considerações sobre a textura
aberta do conceito de arte: trata-se de um conceito em constante mutação, continuamente ampliado pela
criação de novas formas de arte.
Essa objeção tem sua força. Mas é importante notar que a noção de semelhanças de família, se
interpretada como exigindo apenas que os objetos de aplicação do conceito possuam semelhanças
quaisquer entre si, é incoerente. Qualquer coisa é, em algum aspecto, semelhante a qualquer outra. Como
Nigel Warburton notou, o edifício do Empire State e um alfinete são semelhantes no tocante ao fato de
serem ambos feitos de material inorgânico e de serem pontudos, o que não nos permite dizer que o
Empire State é um alfinete. Se as semelhanças não forem limitadas por algum critério, palavras-conceito
possuidoras de semelhanças de família entre as suas aplicações tornam-se ilimitadamente aplicáveis,
perdendo a sua função classificatória e deixando de fazer qualquer sentido.
Há alternativas semanticamente menos danosas. Um meio de delimitar as semelhanças sem fazer
apelo a uma essência comum consiste em estabelecer um modelo ou paradigma, que consiste em uma
série de propriedades cuja presença pode contar para a aplicação do conceito, adicionado ao
estabelecimento de uma regra criterial exigindo um compartilhamento mínimo entre as propriedades
encontradas no objeto e as propriedades descritas no paradigma. Dessa forma, dois objetos podem não
possuir nenhuma propriedade comum e mesmo assim compartilharem suficientemente das propriedades
descritas no paradigma para caírem sob o mesmo conceito. Esse poderia ser o caso, por exemplo, do
conceito de religião. Uma religião como a católica possui todas as propriedades do paradigma. Outras,
como o budismo, podem possuir apenas algumas.
E quanto à questão da textura aberta? Ela parece-me outra. Conceitos se modificam e eventualmente
se expandem. Mas isso quer dizer apenas que as convenções que lhes são constitutivas de algum modo
foram alteradas ou ampliadas. A sua essência nominal – ou seja, as convenções conceituais que supomos
designar a essência real – foi alterada ou ampliada. Mas isso não implica em semelhanças de família.
Considere, por exemplo, o conceito de número: embora ele sempre descreva quantidade ou medida,
houve uma imensa expansão, desde os números naturais, contados já pelo homem das cavernas, até,
digamos, números hipercomplexos, como os biquarteniões e os sedeniões.
Se admitimos tais respostas as teorias da arte voltam a fazer sentido, se não como teorias que visam
estabelecer condições necessárias e suficientes, essências comuns para todo o sempre, ao menos como
teorias que devem estabelecer as margens de similaridade a serem requeridas entre o objeto e o
paradigma para que ele possa ser chamado de obra de arte, ou que classificam estágios históricos do
seu desenvolvimento. O importante passa a ser que essas teorias sejam capazes de iluminar dimensões
importantes do que entendem por arte, as quais constituem historicamente o paradigma, além das
relações sistemáticas eventualmente existentes entre elas.
Há, contudo, outra maneira de se abordar a questão, não necessariamente conflitante com a que
acabo de expor. Um conceito com aplicações muito diversificadas pode ser muitas vezes analisado como
sendo formado por subconceitos mais ou menos autônomos e variadamente assemelhados entre si.
Sendo assim, mesmo que certo conceito geral não possua uma essência comum relevante para as suas
aplicações, isso não significa que os subconceitos que o constituem, quando considerados
individualmente, não possuam essências comuns aos seus campos de aplicação específicos. Além disso,
há subconceitos que são mais fundamentais e que importa mais analisar. Considere, por exemplo, o
conceito de conhecimento. Ele se divide em pelo menos três tipos relativamente autônomos: o
conhecimento como capacidade (por exemplo, “Sei nadar”), o conhecimento de particulares (por exemplo,
“Conheço Maria”) e o conhecimento proposicional (por exemplo, “Sei que a terra é redonda”). O último
tipo de conhecimento é certamente o mais fundamental, pois concernente a tudo aquilo a que atribuímos
verdade.
Ora, sendo assim uma teoria da arte pode talvez esclarecer a essência comum ao que pertence à
espécie verdadeiramente importante de arte, podendo ser essa uma tarefa bem mais significativa do que
a de estabelecer uma regra criterial capaz de delimitar nossas aplicações da palavra ‘arte’ por margens
de similaridade com um paradigma, em circunstâncias nas quais a busca de uma essência comum
revelou-se uma miragem.

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Com essas considerações em mente quero expor e discutir brevemente algumas teorias mais
influentes acerca da natureza da arte em algumas de suas variantes, em busca do que possa parecer
mais relevante e esclarecedor.

Representativismo
O representativismo é a mais antiga concepção da obra de arte, sugerindo que a sua função seja a de
representar alguma coisa. Platão e Aristóteles concebiam a arte como imitação ou mímese, ou seja, como
uma representação naturalista da realidade. Assim, a pintura imita a natureza, o drama imita a ação
humana. Essa concepção já era problemática na antiguidade. A música instrumental, por exemplo, não
parece imitar coisa alguma. E a pintura moderna tornou essa concepção ainda menos plausível. Um
quadro que intenta copiar a realidade é chamado pejorativamente de Trompe D’oeil, sendo em geral visto
como destituído de valor estético. Esse juízo não pode ser generalizado. Os autorretratos de Rembrandt,
nos quais ao longo da vida ele documentou, com honestidade e coragem, a sua própria decadência, são
obras de arte. Contudo, grande parte da pintura, da literatura, e quase toda a música, não são certamente
cópias literais de coisa alguma.
Uma segunda versão de representativismo é a teoria representacional propriamente dita. A obra de
arte não precisa ser uma cópia ou imitação da realidade, ou seja, uma representação naturalista. Ela pode
ser uma representação puramente convencional ou simbólica. Quadros cubistas e simbolistas, por
exemplo, embora pareçam muito pouco com o que representam, não deixam de ser considerados obras
de arte. Essa versão do representativismo é, mesmo assim, insuficiente. O que dizer de pinturas
realmente abstratas, como o Número 32 de Pollock, ou de objetos achados, como o pissoir de Marcel
Duchamp (intitulado A Fonte), ou de músicas puramente orquestrais, como a Sétima Sinfonia de
Beethoven? Convencionalmente essas obras não simbolizam nada.
A terceira versão do representativismo é o que já foi chamado de neo-representativismo. Nessa versão
não se exige que a obra de arte represente mais nada, mas que seja sobre algo, que possua um tema,
um assunto, um significado, que nos diga algo de alguma coisa. Mais tecnicamente: uma obra de arte
precisa ter algum conteúdo semântico. Com efeito, toda obra de arte admite ser interpretada, se ela
admite ser interpretada é porque ela nos diz algo e se ela nos diz algo é porque possui algum conteúdo
semântico. Esse conteúdo semântico não costuma ser convencionalmente estabelecido, o que o torna
aberto, polissêmico. Mesmo uma obra de arte que pretenda não ter significado algum paradoxalmente
acaba por tematizar algo, a dizer, a sua ausência de significado: ela significa a ausência de significado.
Uma objeção possível seria a seguinte: se uma música apenas exprime um sentimento, por exemplo,
a tristeza, ela não pode ser sobre o sentimento que exprime, sendo errado dizer que ela possui conteúdo
semântico. Mas essa objeção por si só não basta. Se alguém bate com a cabeça na porta de um armário
e exclama “Ai!”, sem dúvida esse proferimento possui função expressiva, ele exprime espontaneamente
a sensação de dor. Mas nem por isso (pace Wittgenstein) a palavra proferida precisa perder a sua
referência, pois ela pode (e parece) ser também sobre a dor que a pessoa sente, sendo este o seu
conteúdo semântico. O mesmo talvez possa ser dito da música: o fato de ela exprimir um sentimento não
prova que ela não é também sobre o sentimento que ela exprime.
Pode bem ser que a teoria neo-representativista da arte seja aplicável a toda e qualquer manifestação
artística. Mas não é esse o seu problema. É que ela é demasiado pobre como meio de esclarecer o que
é arte, pois o que semelhante teoria oferece é apenas uma condição necessária e não uma condição
suficiente para a identificação da obra de arte, posto que coisas demais possuem conteúdo semântico
sem ser arte. Tudo o que escrevi nos parágrafos acima, por exemplo, possui conteúdo semântico sem ter
nada a ver com arte.

Formalismo
Segundo as teorias formalistas, o que caracteriza a obra de arte é a sua forma e não o seu caráter
representativo. Um paradigma do formalismo é a teoria proposta por Clive Bell em 1914 com o objetivo
de defender o neo-impressionismo de pintores como Paul Cézanne. Para Bell o que caracteriza as artes
plásticas e talvez a música é a presença da forma significante. O conceito de forma significante é simples,
não podendo ser definido. Mas na pintura ele resulta da combinação de formas, linhas e cores. Considere,
por exemplo, a Composição em Vermelho, Amarelo e Azul, de Mondrian. O que faz a singularidade dessa
pintura é a inesperada harmonia entre as cores puras, as formas e dimensões de seus retângulos, de
modo a constituir uma forma significante. Próprio da forma significante é que ela produz uma emoção
estética em pessoas com sensibilidade para a arte.
A teoria da forma significante foi útil como defesa da pintura abstrata ou semi-abstrata surgida desde
o final do século XIX. Mas ela possui defeitos sérios. Para Bell a representação e o contexto não possuem
relevância. Mas não é difícil encontrarmos exemplos de obras de arte nas quais o elemento

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representacional e o contexto parecem importantes. Considere o quadro de Géricault, A Jangada do
Meduza. A composição do quadro é importante, mas o que ele representa também. Nele estão retratados,
em um amarelo mortiço, alguns náufragos à beira da morte, em uma jangada perdida no oceano, no
momento em que é divisada a salvação. Sentimos que essa pintura, inspirada por um acontecimento
verídico, potencializa o drama da vida e da esperança humanas para além da simples representação
naturalista de um acontecimento. Não é só a composição, mas também o conteúdo simbólico, que aqui
se somam na produção do sentimento estético.
A dificuldade maior com a teoria de Bell consiste, todavia, em sua falta de conteúdo. Para a questão
“O que é forma significante?”, a melhor resposta parece ser: aquela que tende a produzir no auditório um
sentimento estético. À pergunta “O que é o sentimento estético?”, a resposta parece ser: aquele que é
produzido pela forma significante. A teoria beira a vacuidade ou a circularidade.

Teoria Institucional
A teoria institucional da arte surgiu na década de 1960, tendo sido sustentada por George Dickie. Ela
enfatiza a importância da comunidade de conhecedores de arte na definição e ampliação dos limites
daquilo que pode ser chamado de arte. Dickie define a obra de arte como um artefato que possui um
conjunto de aspectos que lhe conferem o status de candidato à apreciação por parte das pessoas
pertencentes à instituição do mundo da arte. Nigel Warburton ilustra a teoria com a história da obra de
Alfred Wallis. Wallis era um marinheiro que nada entendia de arte e que aos 70 anos, após a morte da
esposa, decidiu pintar barcos na madeira para afugentar a solidão. Casualmente, dois pintores de
passagem pelo lugar gostaram de suas telas e o descobriram como artista. Como resultado, as obras de
Wallis podem ser hoje vistas em vários museus ingleses. Como disse um crítico, Wallis tornou-se um
artista sem sequer saber que era.
Há duas objeções principais à teoria institucional. A primeira é que, ou os entendidos em arte decidem
o que deve ser considerado uma obra de arte com base em razões, ou o fazem arbitrariamente. Se eles
o fazem com base em razões, essas razões baseiam-se em uma teoria da arte que não é a teoria
institucional. Assim, alguém poderá dizer que os quadros de Wallis apresentam excelentes combinações
de cores aliadas à simplicidade formal; mas essa seria uma maneira de dizer que eles possuem forma
significante. Nesse caso a teoria institucional colapsa em outra concepção acerca do que é a arte.
Suponhamos agora que os entendidos em arte decidam o que deve ser considerado obra de arte de
modo meramente arbitrário. Ora, nesse caso não fica claro porque devemos dar alguma importância à
arte. Uma objeção adicional seria a de que a teoria institucional é viciosamente circular. Obras de arte
são definidas como objetos que são aceitos como tais pelas pessoas que entendem de arte; e as pessoas
que entendem de arte são definidas como as que aceitam certos objetos como sendo obras de arte.

Expressivismo
Segundo as teorias expressivistas, a arte é expressão de emoções. As teorias expressivistas da arte
são mais modernas, embora sinais dela já pudessem ser encontrados na antiguidade, como na teoria
aristotélica da função catártica da tragédia de purgação das emoções. Para o expressivista a arte é para
o mundo interior das emoções um pouco como a ciência para o mundo exterior. A ciência tem como objeto
fenômenos físicos enquanto a arte tem como objeto as emoções humanas que ela exprime.
Uma versão ingênua da teoria expressivista é usualmente, embora injustamente, atribuída a Leon
Tolstoy. Primeiro o artista precisa ter um sentimento: Tolstoy vai à guerra e volta cheio de sentimentos
únicos. Ele produz então uma obra de arte destinada a expressá-los de forma clara, digamos, Guerra e
Paz. Por sua vez, a obra evoca no leitor os mesmos sentimentos que o artista teve ao passar pela guerra.
O esquema é simples:

Emoções do artista -> obra de arte -> emoções no auditório.


A obra de arte é aqui apenas um veículo de transmissão de emoções. Essa versão do expressivismo
é ingênua porque não é capaz de distinguir a obra de arte de qualquer outra coisa que transmita um
sentimento. Uma notícia de jornal sobre a guerra pode ter profundo efeito emocional, mas isso não a torna
uma obra de arte. Se uma pessoa está se afogando em um rio e grita por socorro, ela expressa um
sentimento de desespero pela asfixia, enquanto a pessoa que a ouve compreende muito bem o que ela
deve estar sentindo. Mas isso não faz de seus gritos obras de arte.
Há, contudo, versões mais sofisticadas do expressivismo, a melhor delas sendo talvez a do filósofo
inglês R. G. Collingwood em seu livro The Principles of Arts. O que esse filósofo quis fazer foi desenvolver
uma teoria da grande arte, da arte séria, por ele chamada de arte própria (art proper). Ele quer distinguir
a arte própria da má arte, que se encontra a serviço do que ele chama de corrupção da consciência, do
que passa por arte sem realmente sê-lo: a arte “assim chamada” (so called). Esta última, por sua vez,

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pode ser para Collingwood de dois tipos: a arte como mágica e como entretenimento. A arte como mágica
é a que tem uma função utilitária. Um hino patriótico, por exemplo, pode ter a função de incitar sentimentos
cívicos nas pessoas. A arte como entretenimento é a que tem uma função hedonista. Um filme de horror
de má qualidade, por exemplo, objetiva produzir na audiência certas emoções canalizadas, que nada
fazem no sentido de ampliar a consciência emocional do espectador e no final podem mesmo produzir
um sentimento de frustração e tédio.
Seria pedante rejeitar a arte como entretenimento. Mas para Collingwood uma sociedade em que as
pessoas acreditam que o único objetivo da existência humana é a diversão é uma sociedade inferior ou
decadente. Seja como for, nada impede que a arte própria venha misturada à arte mágica ou à arte como
entretenimento. A belíssima cantata Meus Suspiros Minhas Lágrimas, de Bach, e o livro Sexus de Henry
Miller, exemplificam, respectivamente, uma e outra coisa. O que essas distinções nos sugerem é que,
embora não possamos encontrar uma essência relevante do conceito de arte em geral, podemos
distinguir o subconceito mais relevante, o de arte própria, e se formos capazes de esclarecer a sua
essência, quem sabe mesmo em termos de condições necessárias e suficientes, já teremos encontrado
tudo o que vale a pena buscar.
Para Collingwood, que era uma pessoa com experiência pessoal de criação artística, ao contrário do
expressivismo ingênuo, antes do artista produzir a sua obra ele ainda não possui a peculiar emoção
estética que a obra produzirá na audiência e em si mesmo. O que ele possui é uma “excitação emocional”,
um sentimento indefinido e incompreensível. Na medida em que ele utiliza a sua imaginação e
pensamento, planejando e produzindo a obra de arte, ele consegue reconhecer melhor a natureza de
suas emoções, defini-las, refiná-las, clarificá-las e articulá-las em sua relação com os seus objetos. Essas
emoções assim clarificadas são, por sua vez, reconhecidas enquanto tais pela imaginação da audiência
capaz de apreciar a obra de arte. Podemos considerar como exemplo o painel de Picasso intitulado
Guernica. Esta cidade foi criminosamente bombardeada pelos nazistas para efeito de experiência militar.
Informado acerca disso, o artista, movido por emoções, pintou Guernica. Mas as emoções que o painel
suscita em nós e no próprio pintor foram transformadas. Elas são emoções estéticas, muito superiores à
emoção bruta que cada um de nós poderia ter, digamos, ao ler uma notícia sobre o bombardeio de
Guernica.
Para Collingwood, na produção artística a imaginação e o pensamento são no mínimo tão importantes
quanto a expressão de emoções. É pela imaginação que o artista refina, corrige e articula os seus
sentimentos, sendo também pela imaginação que o auditório interpreta e compreende os sentimentos
expressos na obra de arte. Como resultado, a obra de arte é capaz de produzir no auditório e no próprio
artista um entendimento mais adequado de seus próprios sentimentos, e com isso a preservação, a
purificação, a regeneração de sua consciência.
É nessa regeneração da consciência que Collingwood vê a função da arte. Nossas emoções, observa
ele, frequentemente deixam de ser associadas a certas ideias, posto que tais associações nos
desagradam e assustam. O resultado disso é o que ele chama de corrupção da consciência, a qual pode
se estender à toda uma sociedade, fazendo com que ela entre em decadência. A arte verdadeira, por
promover uma compreensão das associações certas entre emoções e ideias, serve de remédio contra a
corrupção da consciência, ao passo que a má arte é com ela conivente. Como escreve Collingwood, a
arte não é luxúria e a má arte não é tolerável, pois “conhecer a nós mesmos é a fundação de toda a vida
que se desenvolve além do nível de experiência meramente físico. Uma consciência verdadeira dá ao
intelecto uma fundação firme; uma consciência corrompida força o intelecto a construir sobre areia
movediça.” Por isso o artista deve ser um profeta: não no sentido de prever coisas que virão, mas no
sentido de que ele conta a sua audiência, sob o risco de desagradá-la, os segredos de seus próprios
corações. (...) Como porta-voz de sua comunidade, os segredos que ele precisa pronunciar são os dela
mesma. A razão pela qual ela precisa dele é que nenhuma comunidade conhece o seu próprio coração;
e por falhar em conhecê-lo, uma comunidade engana-se a si mesma sobre uma matéria em relação a
qual a ignorância significa morte... A arte é a medicina comunitária para a pior doença da mente, que é a
corrupção da consciência.
Assim, quando James Joyce, em uma famosa passagem de O Retrato do Artista Quando Jovem,
afirmou que a sua finalidade como artista era a de forjar, no âmago de sua alma, a incriada consciência
de sua raça, ele estava manifestando poeticamente o mesmo ponto que Collingwood buscou articular
mais filosoficamente anos mais tarde.
A teoria de Collingwood talvez seja a que mais se aproxima do intento de definir a arte no sentido de
grande arte. Ela chega perto de estabelecer condições suficientes para a definição de arte própria, ou
seja, das condições que constituem a essência comum à arte no sentido da palavra que mais importa
considerar. Na sequência desse texto farei alguns comentários e sugestões visando avançar a teoria
expressivista.

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Uma biblioteca de emoções?

O primeiro comentário é sobre a enorme variedade de emoções de grande complexidade e sutileza


cuja existência é sugerida por uma teoria como a de Collingwood. O sentimento de alegria e regozijo
profundos produzido pelo Magnificat Anima Mea de Bach deve ser diferente do sentimento de alegria
eufórica da dança dos camponeses no Don Giovanni, de Mozart, o qual é ainda muito diferente da alegria
jocosa produzida pela música Camisa Listada, cantada por Carmen Miranda. O sentimento evocado pela
interpretação de Björling de uma ária de Puchini, por sua vez, é mais profundo e sutil do que o produzido
pela mesma ária na mais modulada e suave interpretação de Beniamino Gigli.
Essa tese é a mais controversa: não haveria um limite muito mais estreito para a variedade das
emoções? Afinal, como poderia ser notado, o movimento final do bolero de Ravel pode ser uma explosão
de gozo, mas também uma explosão de cólera. Como decidir? Uma resposta é que os sentimentos em
questão são constituídos a partir das representações únicas que os exprimem, às quais se encontram
ligados de maneira inseparável. Como a linguagem carece de símbolos capazes de designar a enorme
variedade de estados emotivos únicos, temos a impressão de que eles não existem. Entretanto, algo
paralelo acontece com as sensações. Ficamos surpresos quando vemos que provadores de vinho
conseguem adivinhar a marca de um vinho pelo gosto, odor, aspecto. Isso torna mais compreensível a
ideia de que a arte é capaz de refinar e ampliar o nosso universo emocional.
Em conformidade com essa maneira de ver, Susanne Langer concluiu que a função pedagógica da
arte é a de educar o sentimento:
A maioria das pessoas anda tão imbuída da ideia de que o sentimento é uma excitação amorfa,
totalmente orgânica, em homens como em animais, que a ideia de educar o sentimento, de desenvolver-
lhe o raio de ação e a qualidade, se lhes afigura fantástica, se não absurda. De minha parte creio que
constitui realmente o próprio cerne da educação pessoal.
Como a arte própria promove a regeneração da consciência?
O ponto mais importante, porém, é que embora a teoria de Collingwood chegue a uma caracterização
da essência da grande arte, ela o faz de uma maneira ainda alusiva. A emoção individuada, esclarecida
e refinada que a obra de arte evoca, seria a emoção propriamente estética. Mas como caracterizá-la e
distingui-la das emoções mais comuns? De que maneira as emoções únicas, evocadas pela
representação artística, seriam capazes de nos defender da corrupção da consciência?
A vaga hipótese que quero propor tem a ver com o caráter polissêmico da arte, fazendo uso de algumas
ideias da metapsicologia freudiana. As produções simbólicas constitutivas da obra de arte (palavras, sons,
formas, cores...) são reproduzidas na consciência da audiência sob a forma do que Freud chamaria de
representações (Vorstellungen). Essas últimas são possuidoras de alguma espécie de conteúdo
semântico, como pretende a teoria representacional. Também segundo Freud, representações costumam
associar-se a emoções, a intensidades afetivas que lhe são próprias, àquilo que ele chamava de cargas
afetivas (Besetzungen), e a tomada de consciência de representações costuma vir acompanhada de uma
descarga das intensidades afetivas a elas ligadas, a qual segundo ele produz prazer pela diminuição da
tensão endopsíquica. Há duas maneiras gerais pelas quais isso pode ocorrer, que são os processos
psíquicos primário e secundário. No processo secundário (sekundäre Vorgang) – próprio do pensamento
científico – as cargas afetivas encontram-se rigidamente associadas às representações correspondentes.
Já no processo primário (primäre Vorgang) – próprio dos sonhos, mas também das manifestações
artísticas – as cargas encontram-se livres, sofrendo efeitos de deslocamento (Verschiebung) e
condensação (Verdichtung). No deslocamento a carga afetiva se desloca de uma representação
inconsciente para outra que lhe seja em algum aspecto semelhante e capaz de passar pela censura de
modo a tornar-se consciente, disso resultando uma liberação das tensões afetivas. Na condensação as
cargas afetivas provenientes de uma variedade de representações condensam-se em uma só, que é parte
dessa variedade, a qual se torna consciente, também produzindo prazer ao liberar tensões afetivas.
Com a introdução dessas poucas categorias podemos agora tentar uma explicação mais precisa para
a emoção estética e sua suposta função regeneradora da consciência. De que maneira? Talvez um insight
proveniente do idealismo alemão possa auxiliar-nos. Para o idealismo de Schelling, a beleza é a
compenetração ou fusão do ideal no particular, no real, existindo onde o infinito ingressa no finito para
ser contemplado em concreto; a beleza é, pois, a apresentação do infinito no finito. Disso Hegel concluiu
famosamente que a beleza se define como a manifestação sensível da ideia, sendo a ideia a verdade,
aqui exteriorizada no sensível e no concreto.
Uma maneira de se parafrasear livremente esse insight usando o vocabulário freudiano parte da
sugestão de que na obra de arte temos representações polissêmicas, capazes de se associar
naturalmente a uma indeterminada variedade de outras representações. Essas associações da
representação estética com outras se dão por meio dos mecanismos de condensação e deslocamento

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do processo primário e suas variantes. As cargas afetivas das múltiplas representações não-estéticas de
que temos lembrança (conscientemente ou não) já se encontram de algum modo ativadas e os
mecanismos do processo primário permitem que elas passem para a representação estética, dotando a
emoção estética de sua intensidade própria. A qualidade regenerativa da emoção estética singular, por
sua vez, advém de um movimento em direção oposta: a associação entre a representação estética e
outras representações permite reavaliá-las para a consciência em termos de sua verdade e correção.
Essa seria a característica distintiva da emoção estética pertencente à arte própria.
Tentando exemplificar: as representações de Guernica (Picasso) ou, digamos, da Premonição da
Guerra Civil Espanhola (Dali), produzem emoções mais elevadas do que os fatos correspondentes,
encontrados em notícias de jornal. Essas representações estéticas são mais elevadas porque apresentam
certa semelhança com uma variedade de outras representações de injustiça coletiva, de massacre e
genocídio, absorvendo as suas cargas afetivas potenciais na formação de uma emoção estética única,
que nos incita a distingui-las e a ordená-las valorativamente. O mesmo acontece com a metáfora poética.
Quando o Hamlet de Shakespeare diz
Ser ou não ser, eis a questão! O que é mais nobre para o espírito: sofrer os dardos e setas de um
ultrajante fado, ou tomar armas contra um mar de iniquidades para encontrar o fim resistindo? Morrer...
dormir; nada mais! nós percebemos que ele está verbalizando uma generalização do dilema que ele
mesmo está experienciando concretamente em sua vida (o qual é uma “manifestação sensível da
generalização, da ideia, da verdade”). Esse dilema tem sido experienciado de muitos modos como uma
invariante da condição humana em sociedade. A emoção evocada parece advir do fato de ter a sua fonte
em cargas afetivas associadas a toda uma gama de representações, as quais se condensam em
associação com o drama particular de Hamlet. A resultante inversa desse processo seria uma disposição
para a reorganização e harmonização das representações entre si, de maneira a permitir-nos classificá-
las de um modo mais verdadeiro e correto.
É possível que até mesmo as emoções épicas suscitadas pelo primeiro movimento da Sinfonia do
Destino de Beethoven, por exemplo, embora não possuindo qualquer objeto próprio, sejam capazes de
concentrar em si cargas afetivas que poderiam vir associadas a uma variedade de representações de
situações de grandeza dramática, das quais retemos algum traço mnêmico. Essas associações possíveis
da representação artística a um número indeterminado de outras representações, que advém da
experiência da obra de arte, explicariam a intensidade da emoção estética: ela é produto dos processos
de condensação e deslocamento, que promove o recolhimento de cargas afetivas de algum modo
ativadas em associação com uma multiplicidade de representações na produção da emoção singular
ligada à representação artística, a qual se libera na consciência produzindo prazer, em um processo por
vezes chamado de catarse ou purgação afetiva.
Tais podem ser os mecanismos de funcionamento da arte própria, responsáveis pela preservação e
regeneração da consciência. Essa arte só é possível porque nela a representação consciente não se
associa a uma multiplicidade de outras representações de forma arbitrária, como acontece, por exemplo,
com as representações sonhadas, que embora pareçam importantes para a própria pessoa que sonha,
se demonstram sem qualquer valor para a coletividade. O que se deixa sugerir é que a concentração de
cargas afetivas também associáveis a outras representações na produção da emoção estética única
ligada à representação artística tende a tornar a consciência capaz de produzir uma melhor integração
valorativa dessas e das outras representações abrangidas pela emoção estética. Essa integração, por
sua vez, é valorativa no sentido de que tende a conformar melhor as representações com a sua avaliação
em termos do que é verdadeiro e bom. É por tornar-nos mais abertos para a verdade e para a escolha do
que é bom que a grande arte alcança o seu poder regenerador da consciência e o seu valor para a
comunidade. Um resultado semelhante, mas cumulativo e mais duradouro, seria o proveniente da
educação estética.

Questões

01. “Tales foi o iniciador da filosofia da physis, pois foi o primeiro a afirmar a existência de um princípio
originário único, causa de todas as coisas que existem, sustentando que esse princípio é a água. Essa
proposta é importantíssima… podendo com boa dose de razão ser qualificada como a primeira proposta
filosófica daquilo que se costuma chamar civilização ocidental.” (REALE, Giovanni. História da filosofia:
Antigüidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. p. 29.)
A filosofia surgiu na Grécia, no século VI a.C. Seus primeiros filósofos foram os chamados pré-
socráticos. De acordo com o texto, assinale a alternativa que expressa o principal problema por eles
investigado.

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(A)A ética, enquanto investigação racional do agir humano.
(B)A estética, enquanto estudo sobre o belo na arte.
(C)A epistemologia, como avaliação dos procedimentos científicos.
(D)A cosmologia, como investigação acerca da origem e da ordem do mundo.
(E)A filosofia política, enquanto análise do Estado e sua legislação.

02. (Uncisal) O período pré-socrático é o ponto inicial das reflexões filosóficas. Suas discussões se
prendem a Cosmologia, sendo a determinação da physis (princípio eterno e imutável que se encontra na
origem da natureza e de suas transformações) ponto crucial de toda formulação filosófica. Em tal contexto,
Demócrito afirma ser a realidade percebida pelos sentidos ilusória. Ele defende que os sentidos apenas
capturam uma realidade superficial, mutável e transitória que acreditamos ser verdadeira. Mesmo que os
sentidos apreendam “as mutações das coisas, no fundo, os elementos primordiais que constituem essa
realidade jamais se alteram.” Assim, a realidade é uma coisa e o real outra.
Para Demócrito a physis é composta:
(A) pelas quatro raízes: o úmido, o seco, o quente e o frio.
(B) pela água.
(C) pelo fogo.
(D) pelo ilimitado.
(E) pelos átomos.

03. (Uff) Como uma onda


“Nada do que foi será/ De novo do jeito que já foi um dia/ Tudo passa/ Tudo sempre passará/
A vida vem em ondas/ Como um mar/ Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é/ Igual ao que a gente/ Viu há um segundo/ Tudo muda o tempo todo/ No mundo
Não adianta fugir/ Nem mentir/ Pra si mesmo agora/ Há tanta vida lá fora/ Aqui dentro sempre/ Como
uma onda no mar/ Como uma onda no mar/ Como uma onda no mar”
(Lulu Santos e Nelson Motta)

A letra dessa canção de Lulu Santos lembra ideias do filósofo grego Heráclito, que viveu no século VI
a.C. e que usava uma linguagem poética para exprimir seu pensamento. Ele é o autor de uma frase
famosa: “Não se entra duas vezes no mesmo rio”.

Dentre as sentenças de Heráclito a seguir citadas, marque aquela em que o sentido da canção de Lulu
Santos mais se aproxima:
(A) Morte é tudo que vemos despertos, e tudo que vemos dormindo é sono.
(B) O homem tolo gosta de se empolgar a cada palavra.
(C) Ao se entrar num mesmo rio, as águas que fluem são outras.
(D) Muita instrução não ensina a ter inteligência.

04. (Leopoldino Rocha) O sujeito ético-moral é somente aquele que preencher os seguintes
requisitos:
(A) ser consciente de si, mas não precisa reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos
iguais a si.
(B) saber o que faz, conhecer as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de
suas atitudes e a essência dos valores morais.
(C) não precisa controlar interiormente seus impulsos, suas inclinações e suas paixões, deixando-as
fluir livremente
(D) dizer o que as coisas são, como são e por que são. Enunciar, pois, juízos de fato
(E) ser responsável, mas não precisa reconhecer-se como autor da sua própria ação nem avaliar os
efeitos e as consequências dela sobre si e sobre os outros.

05. O brasileiro tem noção clara dos comportamentos éticos e morais adequados, mas vive sob o
espectro da corrupção, revela pesquisa. Se o país fosse resultado dos padrões morais que as pessoas
dizem aprovar, pareceria mais com a Escandinávia do que com Bruzundanga (corrompida nação fictícia
de Lima Barreto).
O distanciamento entre “reconhecer” e “cumprir” efetivamente o que é moral constitui uma ambiguidade
inerente ao humano, porque as normas morais são:
(A) decorrentes da vontade divina e, por esse motivo, utópicas.
(B) parâmetros idealizados, cujo cumprimento é destituído de obrigação.
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(C) amplas e vão além da capacidade de o indivíduo conseguir cumpri-las integralmente.
(D) criadas pelo homem, que concede a si mesmo a lei à qual deve se submeter
(E) cumpridas por aqueles que se dedicam inteiramente a observar as normas jurídicas.

06. (Leopoldino Rocha) Um dos problemas centrais da Ética como disciplina filosófica é a
fundamentação da moral. Sobre essa questão, marque a alternativa FALSA.
(A) “As teorias éticas são, ao final das contas, esforços de investigação da possibilidade de
fundamentação da moral, e em que medida disso ela é tal, ou seja, apontar uma forma racional, dar
razões para a moralidade. Entretanto, isso não significa dizer que toda teoria ética aponte a razão como
fundamento da moralidade”.
(B) “O cientificismo não recusa uma fundamentação racional para a moral, pois prescreve que não há
uma separação entre fatos e valores. A neutralidade axiológica própria da ciência, conforme Max Weber,
permite que os valores possam ser captados na sua objetividade”.
(C) “Na perspectiva do racionalismo crítico de K. Popper e H. Albert, qualquer esforço de
fundamentação última da ética vai fracassar porque termina por cair no Trilema de Münchaussen
(Regresso infinito, Círculo lógico e Decisionismo). Para eles, essa impossibilidade da fundamentação
última da moral faz com que esta seja, ao final, ancorada no dogmatismo que encobre a decisão de
colocar um princípio arquimédico imune a toda crítica”.
(D) “O pensamento débil ou pós-moderno rejeita a possibilidade de fundamentar a moral porque
considera que a tradição filosófica foi vítima de um engano centrado na epistemologia. Não é possível
uma razão totalizante, que forneça uma metanarrativa que integre os diversos aspectos do real. A razão
é frágil, débil, própria da finitude de nossa condição. Valores éticos universais são formas de
mascaramento da vontade de poder totalizante”.
(E) “O etnocentrismo ético defende que só podemos justificar uma decisão moral para aqueles que
compartilham uma determinada forma de vida, porque só eles podem nos entender. Além disso, a
objetividade da moral como uma verdade universal acima das contingências históricas e geográficas é
uma forma de encantamento que dificulta o consenso social de nossas sociedades democratas liberais”.

07. A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e
a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos e levá-la a sério? Sim, e por três razões:
em primeiro lugar, porque essa proposição anuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar,
porque o faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado
de crisálida, está contido o pensamento: Tudo é um.
NIETZSCHE, F. Crítica moderna. In: Os pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
O que, de acordo com Nietzsche, caracteriza o surgimento da filosofia entre os gregos?
(A) O impulso para transformar, mediante justificativas, os elementos sensíveis em verdades racionais.
(B) O desejo de explicar, usando metáforas, a origem dos seres e das coisas.
(C) A necessidade de buscar, de forma racional, a causa primeira das coisas existentes.
(D) A ambição de expor, de maneira metódica, as diferenças entre as coisas.
(E) A tentativa de justificar, a partir de elementos empíricos, o que existe no real.

08. Trasímaco estava impaciente porque Sócrates e os seus amigos presumiam que a justiça era algo
real e importante. Trasímaco negava isso. Em seu entender, as pessoas acreditavam no certo e no errado
apenas por terem sido ensinadas a obedecer às regras da sua sociedade. No entanto, essas regras não
passavam de invenções humanas.
RACHELS, J. Problemas da filosofia. Lisboa: Gradva, 2009.
O sofista Trasímaco, personagem imortalizado no diálogo A República, de Platão, sustentava que a
correlação entre justiça e ética é resultado de:
(A) determinações biológicas impregnadas na natureza humana.
(B) verdades objetivas com fundamento anterior aos interesses sociais.
(C) mandamentos divinos inquestionáveis legados das tradições antigas.
(D) convenções sociais resultantes de interesses humanos contingentes.
(E) sentimentos experimentados diante de determinadas atitudes humanas.

09. A felicidade é, portanto, a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo, e esses
atributos não devem estar separados como na inscrição existente em Delfos “das coisas, a mais nobre é
a mais justa, e a melhor é a saúde; porém a mais doce é ter o que amamos”. Todos estes atributos estão

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presentes nas mais excelentes atividades, e entre essas a melhor, nós a identificamos como felicidade.
ARISTÓTELES.
A Política. São Paulo: Cia. Das Letras, 2010. Ao reconhecer na felicidade a reunião dos mais
excelentes atributos, Aristóteles a identifica como:
(A) busca por bens materiais e títulos de nobreza.
(B) plenitude espiritual e ascese pessoal.
(C) finalidade das ações e condutas humanas.
(D) conhecimento de verdades imutáveis e perfeitas.
(E) expressão do sucesso individual e reconhecimento público.

10. A ética precisa ser compreendida como um empreendimento coletivo a ser constantemente
retomado e rediscutido, porque é produto da relação interpessoal e social. A ética supõe ainda que cada
grupo social se organize sentindo-se responsável por todos e que crie condições para o exercício de um
pensar e agir autônomos. A relação entre ética e política é também uma questão de educação e luta pela
soberania dos povos. É necessária uma ética renovada, que se construa a partir da natureza dos valores
sociais para organizar também uma nova prática política.
CORDI et al. Para filosofar. São Paulo: Scipione, 2007 (adaptado). O Século XX teve de repensar a
ética para enfrentar novos problemas oriundos de diferentes crises sociais, conflitos ideológicos e
contradições da realidade. Sob esse enfoque e a partir do texto, a ética pode ser compreendida como:
(A)Instrumento de garantia da cidadania, porque através dela os cidadãos passam a pensar e agir de
acordo com valores coletivos.
(B)Mecanismo de criação de direitos humanos, porque é da natureza do homem ser ético e virtuoso.
(C)Meio para resolver os conflitos sociais no cenário da globalização, pois a partir do entendimento do
que é efetivamente a ética, a política internacional se realiza.
(D)Parâmetro para assegurar o exercício político primando pelos interesses e ação privada dos
cidadãos.
(E)Aceitação de valores universais implícitos numa sociedade que busca dimensionar sua vinculação
a outras sociedades.

11. Indique as alternativas que estão corretas (C) e incorretas (I):


(A) A palavra moralidade vem do latim “mos” ou “moris” e significa dever.
(B) A moralidade não se relaciona com aquilo que cada um quer para si, e sim com as formas de agir
com o outro.
(C) A moralidade não se relaciona com as formas de agir com o outro, e sim com aquilo que cada um
quer para si.
(D) A noção de moralidade não pode ser associada às noções de justiça, ação e deve

12. Os juízos morais podem ser diferentes a depender do código moral no qual se baseiam. No entanto,
qualquer juízo moral tem em comum com o outro dois aspectos:
(A) Aspecto formal e aspecto físico;
(B) Aspecto formal e aspecto relativo;
(C) Aspecto formal e aspecto de conteúdo;
(D) Aspecto de conteúdo e aspecto físico.

13. A diferença que existe entre as diversas concepções de Ética possibilitou o estabelecimento de
alguns aspectos sobre o que é a Moralidade. Assinale a alternativa que não corresponde a um dos
aspectos da Moralidade:
(A) A moralidade como aquisição de virtudes para alcançar a felicidade.
(B) A moralidade como aquisição de meios para alcançar a riqueza.
(C) A moralidade como aptidão para resolver conflitos.
(D) A moralidade como prática solidária das virtudes comunitárias.

14. (PJC/MT – Delegado de Polícia Substituto – CESPE) A definição filosófica de ato moral como
um ato, sobretudo, de moderação, isto é, uma justa medida entre dois extremos, está relacionada ao
pensamento ético de
(A) Aristóteles, pois ele afirma que a virtude é uma qualidade que se exprime na escolha do meio-
termo entre a falta e o excesso.

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(B) Platão, visto que, para ele, a virtude não é algo que possa ser ensinado, tampouco algo inato, mas,
sim, um dom divino.
(C) Kant, já que, para ele, agir moralmente significa exercer a autonomia inerente ao homem, por meio
do exercício da razão.
(D) Nietzsche, pois ele propõe que a moralidade e a equidade são meios inadequados para alcançar
a felicidade.
(E) Foucault, já que, para ele, os números são os princípios de todas as coisas e estabelecem, assim,
a medida da moralidade.

15. (SEJUDH/MT – Advogado – IBADE) Corrente filosófica que enfatiza o papel da razão como
fundamento do modo de conhecer a realidade. Nesta perspectiva, a razão vai possibilitar a apreensão e
a justificação do conhecimento sem o recurso sensorial interferindo no processo do conhecimento. Tal
conceito refere-se à(ao):
(A) Fenomenismo
(B) Racionalismo
(C) Dogmatismo
(D) Empirismo
(E) Ceticismo

Gabarito

01.E / 02.E / 03.C / 04.B / 05.D / 06.B / 07.C / 08.D / 09.C / 10.A / 11.I-C-I-I / 12.C / 13.B / 14.A / 15.B

Comentários

01. Resposta: E
Tales de Mileto foi o primeiro filósofo. Ele surgiu em uma fase em que a questão central era a origem
do mundo. Com a emergência da filosofia, os pré-socráticos passaram a analisar esse objeto não como
cosmogonia, mas cosmologia, ou seja, uma análise racional acerca da origem do mundo. Apenas a partir
de Sócrates a filosofia adquiriu temas pertinentes ao homem e à forma de conhecimento humano.

02. Resposta: E
Vamos analisar cada uma das alternativas.
(A) O pré-socrático que defendeu as quatro raízes como sendo a physis foi Empédocles.
(B) O pensador que afirmou ser a água a physis foi Tales.
(C) O pensador que defendeu o fogo como sendo símbolo da mudança e do devir e por tanto physis
foi Heráclito.
(D) O pensador que afirmou que a physis era o ilimitado foi Anaximandro.
(E) Demócrito afirmou que a physis era os átomos que se uniam de diversas formas para originar tudo
que existe.

03. Resposta: C
Essa música é uma clara menção ao fragmento supracitado na alternativa “C”. No pensamento de
Heráclito, o mundo está em constante mudança. Nesse caso, ele afirma não ser possível entrar duas
vezes no mesmo rio, porque a cada segundo tudo o que existe se transforma, de modo que nada possa
permanecer o mesmo. Isso se aplica às pessoas e a todas as coisas.

04. Resposta: B
Vamos analisar cada uma das alternativas.
(A) Essa alternativa está errada, porque o sujeito moral precisa ter consciência de tudo que o cerca.
(B) Essa alternativa responde perfeitamente à questão. O sujeito moral é aquele que vive em plena
consonância com sua cultura, com seus objetivos e com os outros.
(C) O agir moral é o resultado de um acordo comunitário, por isso o homem precisa conter suas paixões
para que possa exercitá-lo.
(D) O sujeito moral precisar ter disposição para alterar a realidade através de seus atos.
(E) O sujeito moral deve responsabilizar-se inteiramente pelo que faz e abraçar as implicações de seus
atos totalmente.

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05. Resposta: D
Vamos analisar cada uma das questões.
(A) As normas morais são fruto do pensamento de cada comunidade.
(B) A moral é um padrão de conduta coletiva que deve existir na teoria e na prática.
(C) As normas morais têm um caráter restritivo, uma vez que funcionam como um conjunto de regras.
(D) as normas morais foram criadas pelos homens e todos devem submeter-se a elas para que possam
ter uma convivência equilibrada.
(E) O cumprimento das normas morais é um dever de todos.

06. Resposta: B
(A) Embora a ética seja conhecida como filosofia da prática, ela não visa formular leis, mas analisar o
agir moral.
(B) A ética apenas estuda os sistemas morais, por isso ela não é normativa, mas teórica.
(C) A tarefa última da ética é esclarecer reflexivamente a moral.
(D) A ética, assim como os demais campos da filosofia, não tem a finalidade de fazer um estudo neutro
dos sistemas morais, pelo contrário: ela tende a criticá-los, mas mesmo assim não é sua responsabilidade
eleger o melhor.
(E) A metaética analisa a ética em seu aspecto linguístico.

07. Resposta: C
Nietzsche refere-se a um grupo de filósofos pré-socráticos chamados de filósofos da natureza,
naturalistas, ou filósofos da phýsis. Esses buscavam a realidade primeira fundamental numa perspectiva
cosmológica. Nietzsche valoriza os pré-socráticos por investigarem o real de forma racional, sem "imagem
e fabulação" próprias da mitologia.

08. Resposta: D
O sofista Trasímaco entendia que a justiça não era mais do que a conveniência do mais forte, ou seja,
de acordo com os seus interesses. De fato, Sócrates fazia oposição aos sofistas justamente por causa
desse relativismo

09. Resposta: C
A eudaimonia é um conceito central para Aristóteles, o homem é um animal político que busca ser
feliz, donde temos que exercer por meio de nossa potência racional, a ponderação, a prudência enquanto
forma de se atingir um justo meio, a mediania, ou seja, não faltar nem pelo excesso nem pela falta, mas
manter um equilíbrio uma justa medida. Donde o fim de nossas ações, a partir deste crivo será
factualmente atingir a finalidade de toda conduta humana que é ser feliz.

10. Resposta: A
A partir do fragmento de Cordi, podemos inferir que a ética é produzida através das relações
interpessoais tendo como objetivo estabelecer o respeito entre indivíduos. Desta forma, a fim de enfrentar
problemas inerentes à sociedade e evitar conflitos, os indivíduos necessitam agir de acordo com os
interesses da comunidade em que vive, respeitando os princípios estabelecidos, temos aqui um bom
exemplo do que é o ETHOS de um povo.

11. Resposta:
Alternativa A: incorreta;
Alternativa B: correta;
Alternativa C: incorreta;
Alternativa D: incorreta.

12.Resposta: C
Os juízos morais, por mais diferentes que sejam entre si, têm em comum dois aspectos. No aspecto
formal, eles se referem a ações que supõem a liberdade do ser humano de escolher sua forma de agir
no mundo e, portanto, responsabilizar-se por aquilo que faz e entender a responsabilidade que está
envolvida em seu ato. No aspecto de conteúdo, o traço em comum entre os juízos morais é que eles se
referem àquilo que os seres humanos desejam ou necessitam.

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13. Resposta: B
A moralidade pode ser entendida como a aquisição de virtudes para a felicidade, como aptidão para
resolver conflitos e práticas solidárias. Isso não ocorre com aquilo que enunciamos na alternativa B, pois
a aquisição de riquezas não é um aspecto que possa ser associado à moralidade.

14. Resposta: A
Para Aristóteles, o ser humano virtuoso é aquele que consegue ou que possui a justa medida daquilo
que deve realizar. Portanto, não falhará nem por excesso, nem por falta. A excelência moral é um caminho
de realização, de felicidade. Essa ética é chamada também de: Physis44.

15. Resposta: B
O filósofo francês René Descartes costuma ser designado como o pai do racionalismo. Para Descartes,
a razão era a via para aceder a verdades universais das quais se desprendiam todos os demais
conhecimentos da ciência45.

44
https://www.sabedoriapolitica.com.br/products/a-etica-em-aristoteles/
45
https://conceito.de/racionalismo

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