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NATUREZA DA

FILOSOFIA
©2018 Copyright ©Católica EAD. Ensino a distância (EAD) com a qualidade da Universidade Católica de Brasília

Apresentação 
Olá, seja bem-vindo (a)!

O que é a filosofia? O que é a atividade do filosofar? Essas perguntas podem parecer óbvias,
mas no momento em que o objetivo é de respondê-las, percebe-se que os dizeres filosóficos
de Sócrates "Só sei que nada sei", evidenciam uma ignorância e convida para um caminho
em busca da sabedoria. A atividade de filosofar é isso, a dúvida original e a investigação
incansável rumo ao desconhecido.

Os primeiros filósofos ocidentais tinham como princípio norteador questionar e contemplar


a essência dos seres, a origem do universo e a constituição da sociedade. A ideia aqui
desenvolvida é que você desenvolva a autonomia na leitura e na interpretação dos textos e
problemas, o que é a metodologia filosófica. Para tanto, a abordagem sobre "Os mitos e as
origens da filosofia" em que será analisado a falsa dicotomia apresentadas nos estudos da
modernidade acerca da filosofia antiga.

Nos séculos IV. a.C e V a.C existem divergências e continuidades entre a narrativa mítica e a
filosofia. A grande diferença entre os dois temas será enfatizada com o tema: O discurso
filosófico. Para muitos filósofos, a filosofia apenas distanciava-se do mito ao se tratar dos
artifícios argumentativos.  No tópico História da filosofia e o filosofar você entenderá melhor
como funciona a filosofia como estrutura do pensamento e como foi criada a História da
Filosofia.

Para além disso, é preciso distinguir o fazer filosofia – o chamado filosofar – do fazer
História da Filosofia. Por fim, o tema "Filosofia e a criação de conceitos" convida-o a olhar a
filosofia por meio das lentes contemporâneas e a entender os novos desdobramentos do
que é o filosofar.

Esta temática, Natureza da Filosofia, é primordial para solidificar ideias básicas para a
abordagem de qualquer problema filosófico.

Objetivos
1. Distinguir as narrativas míticas das narrativas filosóficas.
2. Compreender o funcionamento da filosofia por meio de sistemas.
3. Analisar as diferenças entre história da filosofia e o filosofar.
4. Entender o ato filosófico e a criação de conceitos.
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Desafio 
Pensando a filosofia a partir de conceitos de Deleuze e os desdobramentos que Silvio Gallo
sugere para o campo do ensino de filosofia, faça o seguinte exercício envolvendo o conceito
de "razão".

1. Pesquise o conceito definido e em um texto de até 10 páginas, formule seu próprio


conceito, considerando a tradição filosófica.
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Conteúdo 
Os mitos e as origens da filosofia

Faz parte do imaginário social a ideia de que o conhecimento mítico é irracional e diferente
do conhecimento derivado da ciência. Quantas vezes você já ouviu falar que a filosofia era
superior ao mito? Já é de seu conhecimento que a mitologia grega está presente em jogos,
literatura juvenil Best seller e canais do YouTube. Poucos sabem, no entanto que a filosofia
relaciona-se com o discurso mítico desde o seu início. Diante disso, é importante partir dos
pressupostos de que a filosofia é por essência superior ao mito, mas buscar compreender
de quais formas o mito e o conhecimento relacionam-se, quais suas aproximações e seus
distanciamentos. Esse entendimento é fundamental para perceber que a filosofia não
nasceu por meio de um milagre – o tal chamado "milagre grego" – mas foi formulada de
modo orgânico, em conjunto com outras formas de conhecimento.

A primeira definição que é possível elencar sobre os mitos é a de que são fábulas
mentirosas, arcaicas e não racionais que não explicam com hipóteses os problemas do
universo. Contudo, sabe-se que para boa parte da filosofia da Antiguidade Clássica Grega e
da Antiguidade Tardia Grega e Romana, os mitos faziam parte do conhecimento e guiavam a
vida em sociedade, seja por meio da religião ou entrelaçados à filosofia. Assim, é
substancial entender como funciona a estrutura de um mito.

Pontuar a origem do termo mito, em grego mythos, e seu significado é tarefa árdua, pois o
termo em si é polissêmico , isto é, possui vários sentidos. Para o historiador Jean-Pierre
Vernant  (2005, p. 14) na antiguidade o lógos  e o mito não são opostos. As duas
palavras convergem a significados próximos, como palavra, relato ou "narrativa". "Ele tem
por especificidade relatar histórias de heróis, ações dos deuses e seres lendários, cuja
situação encontra-se em outro tempo que não o nosso, um passado diferente daquele que
trata a pesquisa histórica" (VERNANT, 2005, p. 9). Assim, Vernant (2005, p. 10) estabelece
que existem dois modos metodológicos de entender o mito:
a) Realizar a leitura dos mitos entendendo-os como alegorias em que o mito é um
símbolo, um indicativo para outro significado. Esse tipo de leitura foi feito desde cedo
entre os gregos, em que tenta-se substituir o sentido literal do texto, por uma tradução
que faça desaparecer aspectos do fantástico, das anomalias, das inverossimilhanças.
As leituras alegóricas foram feitas por filósofos neoplatônicos, como Plotino de
Licópolis (III d.C) que realizava leituras alegóricas dos poemas de Homero e Hesíodo,
além das próprias obras de Platão (IV.a.C) e Aristóteles (IV. a.C). Para, além disso,
outros filósofos da Idade Média realizaram leituras alegóricas da própria Bíblia e das
obras de Platão, como é o caso de Agostinho de Hipona (V. d.C).

b) Realizar a leitura dos mitos de acordo com o "caráter tautegórigo". Essa é uma
abordagem nova, criada por Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775 - 1854). Os
filósofos modernos explicaram que o mito não diz outra coisa a não ser o seu sentido
literal. Contrapondo a análise alegórica, os mitos não poderiam expor nada em outra
linguagem que não fosse a sua. Segundo essa abordagem, ele possui narrativa própria
e deve ser interpretado com seu contexto e suas limitações.

Após ler essas duas definições, busque refletir qual a definição que você possui sobre o
mito e qual a metodologia que você geralmente utiliza no seu dia a dia para realizar as
possíveis leituras. Perceber que o entendimento acerca do mito ao longo dos séculos e
tradições sofreu modificações e reconfigurações já é um grande passo. Na
contemporaneidade, é possível compreender o mito como um relato tradicional que precisa
ser conservado e transmitido ao longo das gerações no interior de uma cultura. Nas salas
de aula, por muito tempo o mito apresenta-se como uma possível origem do pensamento
ocidental, caracterizado como um compêndio de contos e lendas, como relembra o filósofo
francês Luc Ferry  (2009, p. 23). Para o filósofo, o mito está presente dentro das narrativas
em sociedade e possui um caráter indissociável da história de um povo. Ele não deixa de
ser uma narração, uma tentativa de responder à questão do que é viver bem com lições de
sabedoria sob a forma de literatura, de poesia e de epopeias . Essas leituras
contemporâneas mostram que a interpretação alegórica do mito prevaleceu sob a
interpretação literal. As interpretações encaixam-se com a ideia de que os mitos possuem
segredos que precisam ser desvendados ou que são símbolos que garantem uma reflexão
que transmite ensinamentos.

Para Ferry (2009, p.16), é "essa dimensão indissoluvelmente tradicional, poética e filosófica
da mitologia que a torna tão interessante até os dias de hoje". Porém, alguns filósofos
entendem que existe uma antiga "querela" entre o mito e a filosofia, que deve ser melhor
explorada. Tal questão, impulsionada por Platão na obra República, resume-se em
discordâncias entre os filósofos e os poetas – os contadores de mitos – e a distinção
evidente entre os modos de conhecimento.
Dentro dos Estudos Clássicos , pesquisadores como Glenn Most (2010, p. 132) acredita
que não se deve considerar Platão como a única autoridade de seu tempo. Esse teórico
observa certa continuidade entre o mito e a filosofia, não existindo uma passagem, ou
abandono por uma das partes, mas uma relação dialética  entre eles. "Existe uma
transposição dos temas míticos ao plano do pensamento discursivo, onde há "rupturas e
descontinuidades" (MARQUES , 1994, p. 22). Nessa visão, há um lógos no mito, como
existem resquícios do mito no lógos. Consequentemente, o mito contém uma sintaxe e uma
semântica própria, que deve ser desvendada.

Até o momento, a intenção é que você tenha começado a entender a estrutura do mito e sua
recepção na história da filosofia.  Para aprofundar sobre a questão, leia atentamente um
trecho do artigo do filósofo Marcelo Marques.

Mito e Filosofia 

Será enfatizado, inicialmente, o mito em um plano mais geral, partindo do que é


chamado práxis  mítica. Na práxis mítica, o mito é uma coisa viva, faz parte do que
os gregos chamavam phýsis , realidade, emergente e viva. É uma narrativa
preservada pela tradição oral que é revivida através de rituais e em situações sociais
específicas. Os relatos míticos ordenam o mundo natural e o mundo social presente,
ao se referirem aos tempos primordiais onde tudo-o-que-é teve sua origem. O modelo
básico para a compreensão do mundo, no pensamento mítico, são as relações de
parentesco, isto é, conhecer, explicar significa encontrar a origem, dizer quem é o pai.
O todo do kósmos , as práticas e instituições sociais, os fenômenos psíquicos
adquirem sentido ao serem inseridos em genealogias que remontam às origens
últimas de todas as coisas. Há personagens sociais específicos encarregados da
preservação, transmissão e re-efetuação do sentido mítico do mundo. [...] Os homens
recebem esses relatos e re-efetuam a ordenação do kósmos e de suas vidas, assim
como aprendem o que fazer e como fazer as coisas na vida social.

MARQUES, Marcelo. "Mito e Filosofia". Belo Horizonte, Núcleo de Filosofia Sônia


Viegas, 1994, p. 2-3.

De modo geral, Marques no trecho mencionado, explica que o mito refere-se a um conjunto
de práticas narrativas de histórias de um grupo social específico, transmitidas ao longo de
uma tradição. Com o olhar mais atento sobre a questão, observa-se que o poeta evoca os
deuses, principalmente Minemosine (traduzido como memória), para repassar essas
informações. "Através do "transe", o poeta aliena sua identidade e evoca em sua boca
palavras que os deuses deveriam emitir" (BRISSON , 2014, p.9). Na Grécia Clássica os
mitos eram transmitidos pelos poetas que implementaram o discurso oral do mito em
poesias, que foram adaptadas para o teatro. Existiam várias expressões artísticas que eram
definidas como techné (produção): a arquitetura, a cerâmica e o artesanato, a pintura, a
música, o teatro e a própria medicina.

Vamos nos ater ao papel do teatro, que é onde os mitos são apresentados por meio de
tragédias e comédias. Sabe-se que na Grécia Clássica o teatro acontecia principalmente nos
grandes festivais. Esses movimentavam a pólis (cidade) econômica, social e cultural. O
mais famoso dos festivais era as Dionisíacas Urbanas, em honra ao deus Dionísio. Para
Daise Malhadas  (2003, p. 84), os governantes adotaram diversas medidas para que o
povo pudesse participar dos festivais, como libertar prisioneiros sob fiança e durante o
período das festas não realizar nenhuma cobrança de impostos. Para os atenienses, as
peças de teatro traziam a dimensão mítica dos deuses e heróis para a realidade dos
sofrimentos humanos. A imitação colocada em ação pelo poeta ou pelos intérpretes tem
por objetivo último suscitar a identificação do público com a narrativa contada. Ao
identificar-se com as histórias, a população passava a entender as mensagens dos mitos
como ensinamentos morais de como viver uma boa vida. Assim, Brisson (2014, p. 9), explica
que "a vontade de modificar o comportamento de uma massa de seres humanos coloca
imediatamente um problema ético e político".

É preciso que você, leitor, entenda que a moral dos gregos era embasada nesses mitos
criadores e todas as explicações dos problemas do universo eram pensadas de acordo com
os mitos. Esse pensamento tornou-se um problema para os filósofos pré-socráticos  que
passaram a investigar a origem do universo de acordo com os elementos da natureza.
Depois deles, o Sócrates, que por meio dos textos de Platão, inicia a pesquisa por meio da
maiêutica , propondo um olhar moral sobre as questões do cotidiano.

Para Brisson (2014, p. 10), essa é a verdadeira questão entre a filosofia e a poesia, pois o
poeta na antiguidade era considerado um educador. Portanto, a discussão sobre a
supremacia da filosofia sobre o mito pode ser entendida como um movimento ideológico
que priorizava a narrativa filosófica sobre a narrativa mítica. O resultado desta discussão é
que não existe uma diferença qualitativa entre o mito e a filosofia. Ambos fazem parte de
uma estrutura do conhecimento e estimulam a produção intelectual no meio acadêmico e
fora até a contemporaneidade.

O discurso filosófico

Conforme estudos oportunizados, você já sabe que a filosofia não se distancia do mito e por
isso não é possível entendê-los como duas formas do pensamento antagônicas . Uma
das características é que o mito, assim como a filosofia, é narrativa, ambos são discursos
diferentes dentro de uma mesma sociedade. Platão, Aristóteles e todos os outros filósofos
estavam preocupados em convencer uma parcela da população de que o método filosófico
era o ideal para a investigação em busca da verdade para os problemas da sociedade.
Foi enfatizado que uma das maneiras de interpretar o mito é por meio de alegorias, que
consistem em pesquisas sobre o oculto que as imagens míticas carregam. Esse caráter
investigativo sobre o mito pode ser encarado como uma atitude filosófica diante de uma
narrativa.

Na obra A República no livro X, Platão apresenta o mito de Er, um homem que morre e que
acompanha a jornada de sua alma no processo de reminiscência . Plotino, por exemplo, é
filósofo da escola neoplatônica  que utiliza dos mitos em seus tratados dentro das
Enéadas  interpretando as metáforas  como imagens discursivas para explicar a
estrutura metafísica  de sua filosofia. 

Compreender como opera o processo discursivo da filosofia é estar diante de um problema


filosófico: os limites da linguagem.  Dentre os significados da filosofia, a resposta simples
deriva da sua interpretação em grego. Filosofia vem da junção das palavras em grego: philo
+ sophia. Sua tradução é amor pela sabedoria. Com o estudo da filosofia antiga aprende-se
que a atitude filosófica é a de busca da verdade e da sabedoria. Para isso, não se pode dizer
que existem respostas para todos os problemas, pois para a filosofia a resposta é o
caminho a ser percorrido.

Para os filósofos modernos, como René Descartes na obra Discurso sobre o método,
publicado em 1637, os conhecimentos deveriam ser questionados e submetidos a um
método que testasse seus critérios de verdade e, só assim eles poderiam ser considerados
seguros e racionais. Descartes foi o criador da dúvida metódica e o pai do racionalismo, que
acreditava que as ideias dos objetos do mundo nascem com a gente e que os sentidos são
falíveis. Com a dúvida como ponto de partida, o filósofo inicia a investigação questionando
a capacidade de duvidar e de conhecer as coisas. Partindo deste pressuposto, Descartes
entende que todas as coisas que vê são falsas e analisa o conhecimento por via da
experiência, chegando à conclusão de que não é possível chegar à verdade por meio dos
sentidos (DESCARTES , 1979, p. 22). Como isso poderia ser colocado em prática? Um
exemplo é o da manipulação do gelo. Observando o gelo, nota-se que possui uma estrutura
sólida e úmida, que sua origem depende de uma temperatura abaixo da do ambiente. Com
esses dados, pode-se supor que ao pegar o gelo, o sentido do tato constatará que ele é frio
e que se trata de um elemento que congela. Contudo, todos sabem que ao manipular esse
tipo de material sem ferramentas específicas, por uma quantidade longa de tempo, podem
queimar, causando uma experiência semelhante à manipulação do fogo. Nesse caso, os
sentidos da visão e do tato não estariam de acordo.

Assim, Descartes criou seu método cartesiano  para buscar conhecimentos verdadeiros.
Essa teoria de Descartes suscitou desdobramentos para a história da filosofia, fazendo com
que outros filósofos se pronunciassem sobre a origem do conhecimento verdadeiro.
Filósofos como John Locke (1632 - 1704) teorizaram contra o pensamento de Descartes e
acreditavam que o conhecimento só pode ser apreendido por meio do empirismo, ou seja,
dos sentidos. De todo modo, teorias como a de Descartes e a de Locke, demonstram que a
filosofia é fluida e é papel dos filósofos buscar métodos para tornar suas teorias críveis.
As ideias que são unânimes entre os praticantes da filosofia são as de que para percorrer o
caminho filosófico, é preciso possuir uma postura crítica diante das questões do mundo.
Seu modo de apreensão é o do esforço da construção do discurso progressivo ,
argumentativo  e demonstrativo , satisfazendo a sua vontade de manter uma linguagem
conceitual (MARQUES, 1994, p.33). O saber, como prática discursiva, possui como objetivo a
superação da finitude  e da precariedade , tornando-se busca da verdade sobre o
mundo, verdade que carrega junto consigo uma potência de persuasão  e de dominação
de outros humanos (MARQUES, 1994, p. 30).

Ao inventar o conceito, a filosofia projeta sua lógica sobre todas as regiões da experiência
humana e acredita que cabe a ela julgar a verdade ou validade do mito ou de qualquer outro
assunto ou problema, a partir de seus próprios parâmetros lógicos (MARQUES, 1994, p. 3).
As leituras filosóficas das questões do mundo serão diversas, mas o que deve ser
ressaltado é a dimensão profunda da relação entre linguagem e realidade: tanto a nível
operacional lidando com as questões sociais e práticas, como a nível do conhecimento do
mundo enquanto tal, aquele que busca a origem e verdade de questões existenciais.

Esta relação entre linguagem e realidade está sendo problematizada no centro das
transformações culturais e sociais que determinam as modificações no tempo. Quantas
vezes já mudou a moeda oficial de uma região? Só no Brasil já teve o Cruzeiro, o Cruzado e
agora o Real. Essas mudanças fizeram com que os economistas repensassem a maneira de
analisar a economia local. Outro exemplo pode ser dado pela quantidade de guerras que já
aconteceram e modificaram profundamente as artes e as humanidades. Entre a Primeira
Guerra Mundial (1914 - 1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), movimentos como
a Arte Moderna , o Estruturalismo e até mesmo a invenção da Fotografia fizeram com
que os horizontes da filosofia moderna e contemporânea pensassem em outros modos de
fazer filosofia e principalmente, de buscar soluções e análises aos problemas de cada
período.

Deste modo, para Marcelo Marques (1994, p.31) pode-se dizer que a emergência da
linguagem conceitual é solidária de transformações profundas na estrutura social e mental
dos cidadãos: a busca de normas éticas e de valor que sejam conhecidas e aplicáveis a
todos para propor novos desdobramentos sociais para garantir uma boa vida em sociedade.
Consequentemente, a filosofia passa a problematizar questões como: O que é ser um ser
humano justo? O que é o belo e o feio? O que sou e quem é Deus?  Esses problemas
perpassam pelo tempo e os métodos filosóficos modificam-se de acordo com cada período
histórico.

É preciso ressaltar que o saber filosófico não parte de uma certeza, porém busca
credibilidade. Ao longo da história nota-se que a palavra que antes unia as pessoas em vida
comunitária, é agora o elemento crucial de um jogo de separação-união, marcado pelo
conflito, pela luta de interesses sociais, pela dominação e, mais importante, dominação
através da pretensão à verdade. Essas problemáticas não são abstratas na
contemporaneidade. Um dos papéis da filosofia contemporânea é buscar entender quais os
problemas do tempo presente.

Existem problemas éticos, estéticos, políticos, existenciais que necessitam de investigações


e análises, mas antes, é preciso compreender como a História da Filosofia é formada e
como configurou-se ao longo dos tempos.

História da filosofia e o filosofar

Para iniciar, observe com atenção aos detalhes da obra Escola de Atenas (1509 - 1511) do
renascentista italiano Rafael .Sanzio (1483-1520).

Figura 1 -  Escola de Atenas. (1509 - 1511).

Fonte: História da Filosofia Antiga, 2019.

No centro da imagem é possível reconhecer Platão, apontando para cima, e Aristóteles,


sinalizando para baixo. Esses movimentos dos dois filósofos resumem suas teorias
principais. Platão é o pai da metafísica, do transcendente e do conhecimento por meio das
ideias, enquanto que Aristóteles é o pai da lógica e do conhecimento por meio da
experiência. Ao redor dos dois filósofos, encontram diversos filósofos que representam
escolas e movimentos diferentes. Rafael Sanzio ao criar essa pintura, demonstra a
importância da filosofia da Antiguidade para os estudiosos do Renascimento. Para, além
disso, Sanzio remonta a uma tradição que começava a se formar em relação à filosofia.

Não se pode dizer, certamente, quando e onde a filosofia teve início. Contudo, sabe-se que
esse campo do conhecimento não é um privilégio apenas do ocidente e da Grécia Antiga.
Hoje pode-se falar em inúmeras tradições filosóficas, como a Filosofia Oriental, a Filosofia
Africana e quem sabe tecer comentários sobre uma possível Filosofia Indígena. O que
diferencia a Filosofia Ocidental é sua maneira de se comportar em relação a sua história e
ao seu sistema de conhecimento. Deste modo, faz-se necessário entender:

a) O básico sobre o que é a História da Filosofia Ocidental, como ela se definiu durante o
tempo e como ela é entendida na contemporaneidade.

b) O que é o filosofar.

Para entender o que é a História da Filosofia, é preciso lembrar o momento e por quem ela é
inaugurada como uma disciplina filosófica. Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1779 - 1831) foi
um filósofo alemão que com suas teorias impactaram a compreensão do que é filosofia. No
artigo Texto e contexto: a dupla lógica do discurso filosófico da filósofa brasileira Marilena
Chauí  (2017, p. 16) é possível encontrar cinco tópicos que resumem o posicionamento
hegeliano diante da filosofia:

Esses foram argumentos e demonstrações de como funciona a história da filosofia. Dentro


das universidades, o que se ensina é a história da filosofia, a disciplina é capaz de introduzir
os estudantes do período contemporâneo para questões desenvolvidas por determinados
filósofos, em contextos diferentes, com a finalidade de responder a questões diversas.
O que vem a ser então a prática do filosofar? A prática do filosofar é anterior ao
entendimento de história da filosofia. Consiste em analisar qual o motivo, como e porque
cada filósofo foi levado ao ato de criar uma tese, uma resolução para seus problemas. Para
visualizar como o filosofar funciona, nada mais justo do que entender os filósofos para
perceber como chegaram à filosofia.

Já foi mencionado como exemplo, o sistema filosófico elencado por Descartes, em que para
ele o ato inicial para filosofar é por meio do cogito (em latim), que significa da dúvida.
Compreende-se que para chegar nesse princípio, ele precisou conhecê-lo, testar e passar
por diversas áreas do conhecimento para então preparar um sistema filosófico que levaria à
verdade, conforme explicita na obra Discurso do método. Porém, para filosofar é preciso de
um sistema?

O filósofo Gerd A. Bornheim  (2009, p.36) explica que o ponto inicial para todo indivíduo
filosofar foi dado de modos diferentes. Assim, ele relata que "a primeira atitude vem da
Grécia Clássica. Platão e Aristóteles pretendiam ver na admiração o impulso inicial de todo
filosofar"(2009, p.36). A contemplação platônica e aristotélica, grossamente resumida,
como uma admiração pode ser o ato inicial para que os seres humanos passem a
questionar a existência e a ordem das coisas. A consciência do mundo leva os humanos à
busca por conhecimento. Outra atitude filosófica narrada por Bornheim (2009, p. 36) é o
"sentimento de insatisfação moral". Para o autor existem pessoas que não conseguem ter
uma atitude filosófica, pois estão concentradas em atividades do cotidiano. A filosofia está
presente a partir do momento em que esses indivíduos passam a questionar a própria
ordem em que se está inserido, a sua existência no mundo. Deste modo, surge um
sentimento de insatisfação com o momento e a condição de vida desse indivíduo, fazendo-o
tomar consciência de sua própria miséria.

O ato de filosofar está presente na cultura visual. Diversos filmes representam o despertar
de uma atitude filosófica. No filme "Matrix"(1999), é possível ver a inquietude de um jovem
programador em questionar a existência do mundo em que vive. Outro filme que segue a
mesma problemática existencial é "Blade Runner 2049"(2017), em que na distopia 
urbana, um android questiona sua essência e qual o objetivo de sua existência.

Essas atitudes, que chamadas de estopim filosófico, aparecem em diversos filósofos,


estudantes de filosofia e amantes do conhecimento. O incômodo e a vontade pela busca do
conhecimento configuram-se como o passo inicial para todo e qualquer impulso à
observação filosófica. Ademais, a observação filosófica está entrelaçada à história da
filosofia, em que uma não existe sem a outra.

Filosofia e a criação de conceitos


Você já sabe que é possível filosofar e fazer história da filosofia de diferentes maneiras.
Compreendendo alguns dos sistemas da filosofia, e de como o filosofar é específico para
cada indivíduo, é preciso continuar a investigação sobre maneiras de se fazer filosofia.
Assim, é fundamental analisar a filosofia como sendo a criação de conceitos.

Deste modo, observe a definição dada pelo filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995)
sobre a história da filosofia. No documentário "Abecedário de Gilles Deleuze", filmado nos
anos de 1988-1999 e exibido na TV francesa em novembro de 1994, Deleuze responde a
questões diversas.

Neste ponto, você possui três opções: realizar a leitura do trecho abaixo, assistir ao tópico
"H de História da filosofia " do documentário "Abecedário de Gilles Deleze ou ler a
transcrição do documentário  na íntegra.

H de história da filosofia 

[...] Gilles Deleuze: Suponho que muita gente ache que a Filosofia é uma coisa muito
abstrata e só para os "entendidos". Tenho tão viva em mim a ideia de que a Filosofia
não tem nada a ver com "entendidos", de que não é uma especialidade, ou o é, mas só
na medida em que a pintura ou a música também o são, que procuro ver esta questão
de outra forma. Quando acham que a Filosofia é abstrata, a história da Filosofia passa
a ser abstrata em dobro, já que ela nem consiste mais em falar de ideias abstratas,
mas em formar ideias abstratas a partir de ideias abstratas. Para mim, a história da
Filosofia é uma coisa muito diferente. [...]

Claire Parnet: Sabemos qual é a utilidade da história da Filosofia para você. Mas, para
as pessoas de modo geral? Já que você não quer falar da especialização da Filosofia
e que a Filosofia se dirige também aos não-filósofos. Gilles Deleuze: Isso me parece
muito simples. Só se pode entender o que é a filosofia, a que ponto ela não é uma
coisa abstrata, da mesma forma que um quadro ou uma obra musical não são
absolutamente abstratos, só através da história da Filosofia, com a condição de
concebê-la corretamente. Há uma coisa que me parece certa: um filósofo não é uma
pessoa que contempla e também não é alguém que reflete. Um filósofo é alguém que
cria. Só que ele cria um tipo de coisa muito especial, ele cria conceitos. Os conceitos
não nascem prontos, não andam pelo céu, não são estrelas, não são contemplados. É
preciso criá-los, fabricá-los. Haveria mil perguntas só neste ponto. Estamos perdidos,
pois são tantas questões. Para que serve? Por que criar conceitos? O que é um
conceito?  [...]

"O abecedário de Gilles Deleuze", 1994.


Para Deleuze, a essência do filosofar não consiste na observação do mundo, ou na
investigação de acordo com a dúvida. O papel do filósofo é produzir definições e criar
conceitos.  Em outra obra, Deleuze e Félix Guattari explicam que para o filósofo contemplar
e refletir sobre as questões do universo é preciso que antes crie um conceito. Para que seja
possível refletir sobre o que é o mundo é preciso que se tenha consciência do conceito do
que é o mundo. Assim, a criação de conceitos aconteceria antes do processo de
investigação.

Você deve estar estranhando essa definição do ato de filosofar. Deve estar parecendo
prático, fácil, já que foram definidas e nomeadas as coisas do mundo a todo o momento.
Porém, Deleuze impõe que para a criação de conceitos ser efetiva é preciso que esses
conceitos sejam novos. Para, além disso, o "filósofo é o amigo do conceito"(DELEUZE;
GUATTARI , 1992, p. 13).

Mas como criar um conceito? Para os autores, é preciso que conheça a discussão filosófica,
que entenda com profundidade a história da filosofia e as demais formas de filosofar. Como
criar um conceito novo se não conhece toda a tradição que já pensou e criou diversas
definições para determinado objeto? Faz-se necessário entender a dimensão do problema
estabelecido por Deleuze e Guatari.

Na filosofia de Deleuze o filósofo possui um papel central na interpretação e reinterpretação


dos acontecimentos do mundo. O caráter crítico e o questionamento perante as certezas
que são impostas fazem parte da essência do filósofo. Mais do que isso, para os autores, é
obrigação do filósofo realizar uma mirada para sua história, para o passado, com o intuito
de entender outros momentos da história da filosofia. Até então essa ideia não é inovadora.
Diversos filósofos, desde a Antiguidade, reformularam ideias já estabelecidas e refizeram o
que era compreendido como tradicional.

Para aprofundar na questão de como fazer filosofia por meio de conceitos, o filósofo Silvio
Gallo  (2006, p. 18) relata que é preciso estar atento com três questões quando o assunto
é filosofia:

1. "Atenção ao filosofar como ato/processo"(GALLO, 2006, p. 18): não se pode entender


que a filosofia é apenas conteúdo que precisa ser repassado para as próximas
gerações. É preciso dominar o processo filosófico, entender o ato do que é filosofar,
independente de qual tradição filosófica servirá como base para o pensamento.
2. "Atenção à história da filosofia"(GALLO, 2006, p. 18): é imprescindível que o estudioso
conheça a história da filosofia, entenda a tradição filosófica e perceba que existem
outras filosofias fora do cânone ocidental. Não se pode criar conceitos e aprender o
ato de filosofar sem ter uma noção de toda a história da filosofia.
3. "Atenção à criatividade"(GALLO, 2006, p. 18): só é possível criar novos conceitos e
filosofar de fato por meio de uma postura crítica e sem receios de romper com ideias
já concebidas. Todo movimento filosófico pressupõe o rompimento com as ideias
anteriores. Foi preciso que Aristóteles frequentasse a escola de Platão para aprender o
ato de filosofar. Contudo, foi necessário que deixasse seu mestre para ter autonomia
do pensamento e passasse a filosofar por conta própria.

Com esses pressupostos iniciais, é possível compreender que o ato filosófico está
estreitamente ligado à história da filosofia, principalmente se a finalidade que o filósofo
enxerga para sua existência é o de produzir conceitos.

Finalizando a Unidade 

De forma sucinta foi apresentado o conceito de mito, sendo possível concluir que os
mitos são narrativas racionais, que seguem uma lógica do pensamento diferente do
que é proposto pela filosofia. Evidenciou-se que existem rupturas e continuidades
entre o mito e a filosofia.

Foi enfatizado que a filosofia consiste em uma narrativa radical que requer
argumentação e bases sólidas para convencer os indivíduos de uma determinada
ideia. Para isso, diversos filósofos criaram sistemas para auxiliar no pensamento
filosófico.

Outro aspecto abordado foi a diferença entre a história da filosofia e o filosofar, foi
exposto que as bases do filosofar precedem a história da filosofia.

Outra dimensão da aprendizagem mencionou a filosofia como produtora de conceitos.


Para tanto, é possível ter a vontade filosófica, a crítica e aprofundar os estudos na
história da filosofia.

 Por último, e não menos importante, citou que o rompimento com a tradição em
busca de novas possibilidades é o que define melhor o objetivo do filósofo.
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Dica do Professor 
Você poderá ler o artigo: "Texto e contexto: a dupla lógica do discurso filosófico " da
filósofa brasileira Marilena Chauí, publicado pela revista Cadernos Espinosanos, n. 37, 2017.

Você poderá ler também: Ensinos de Filosofia , do professor e filósofo brasileiro Marcelo
Marques. Leia, ainda, artigos e pensamentos sobre filosofia antiga, mito e filosofia e como
ler os antigos
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Saiba Mais 
Alguns pesquisadores dos Estudos Clássicos até o início do século XX adotavam a
interpretação de que existia de fato uma "querela" entre os filósofos e os poetas da
antiguidade e que Platão como filósofo e historiador descreve em seus textos a realidade de
seu tempo. Nessa interpretação, existe uma relação descontínua e radical da passagem do
mito ao lógos, sendo o primeiro negado e suprimido pelo segundo. Esta superação do mito
pelo lógos foi chamada de "milagre grego".

Acesso ao site do Museu do Vaticano  onde é possível encontrar uma infinidade de obras
de arte renascentista, favorecendo o conhecimento interdisciplinar que é de suma
importância para a história da filosofia.
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Referências 
ARISTÓTELES. Poética. Tradução, prefácio, introdução, comentário e apêndices de
Eudoro de Sousa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2003.

BRISSON, Luc. Introdução à Filosofia do Mito. São Paulo: Editora Paulus, 2014.

CHAUÍ, Marilena. Texto e contexto: a dupla lógica do discurso filosófico. In:  Cadernos
Espinosanos, n. 37, 2017, p. 15-31. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/espinosanos/article/view/139500 

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia. São Paulo: editora 34, 1992.

DELEUZE, Gilles. O abecedário de Gilles Deleuze. 1994. Disponível em:


http://stoa.usp.br/prodsubjeduc/files/262/1015/Abecedario%252BG.%252BDeleuze.pdf

DESCARTES, René. Discurso sobre o método. "Os Pensadores". São Paulo: Abril
Cultural, 1979.

KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte e na pintura em particular. São Paulo,


Martins Fontes: 2015.

FERRY,  Luc.  A   Sabedoria   dos   Mitos   Gregos:   Aprender   a   viver   II.   Rio   de  
Janeiro: Objetiva, 2009.

MALHADAS, Daise. Tragédia Grega: o mito em cena. São Paulo: Ateliê editorial, 2003.

MARQUES, Marcelo P. Mito e Filosofia. Núcleo de filosofia Sônia Viegas. Caderno de


Textos n.2, 1994.

MOST, Glenn.  Que antiga querela entre a poesia e a filosofia? Revista Organom, Rio
Grande do Sul, v.24 n. 49, p. 129-153, 2010.

VERNANT, Jean-Pierre.  Fronteiras do mito. In: FUNARI, Pedro Paulo. Repensando o


Mundo Antigo. Textos didáticos, IFCH/UNICAMP, 2005. 

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