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14 Stegmüller : A Filosofia contemporânea

Os problemas da Filosofia atual 15

uma relação de discussão. A filosofia da matemática oferece um bom


uma disciplina com os mesmos títulos que estas; e rejeição da metafísica
exemplo de como esta situação pode ocorrer até mesmo no seio da mo­
sob a alegação de não ser científica ou até absurda. Dentre os filósofos
derna pesquisa fundamental. Muitos matemáticos admitem (ou até se
que têm uma posição afirmativa em relação à metafísica, podemos tam­
orgulham disso) que não entendem os argumentos do chamado intui­
bém distinguir os que partem de uma base empírica ou para os quais
cionismo matemático contra o modo de pensar tradicional da matemá­
existe, ao menos, uma estreita relação entre juízos metafísicos e as pro­
tica, embora não exista nenhuma dúvida sobre quais métodos tradicio­
posições científicas, aqueles de acordo com os quais as investigações
nais são admitidos e quais são rejeitados pelo intuicionismo.
metafísicas devem ser efetuadas estritamente a priori e, conseqüente­
Teríamos uma situação da fase 3 se Carnap se encontrasse com mente, com total independência da pesquisa empírica individual, e, fi­
Hâberlin. A fase 4 seria característica para a relação entre a filosofia nalmente, aqueles para os quais a metafísica não pode apresentar-se
analítica ou o empirismo moderno, por um lado, e as filosofias de Jaspers como ciência que pode ser fundamentada de maneira intersubjetiva,
ou Heidegger, por outro lado. mas apenas como uma espécie de atividade filosófica não-científica.
Talvez possa parecer pessimista, mas a verdade é que este processo
A filosofia de Brentano comprova que não precisa haver neces­
é irreversível. A equivocidade da palavra "filosofia" só poderia ser re­
sariamente uma oposição entre empirismo e metafísica. De acordo com
duzida se correntes filosóficas inteiras "morressem" definitivamente ( do a sua concepção, todos os conceitos têm uma origem empírica. Contudo,
que, entretanto, não existem indícios) ou, então, caso se decidisse não , 1 existem para ele juízas aprioristicos da realidade. Por isso, não obstante
mais denominar "filosofia" todas essas coisas heterogêneas mencionadas, 1
a sua base conceitua! empírica, conseguiu chegar a uma metafísica cien­
mas reservar a palavra para uma atividade de algum modo rigorosa­ tífica. Contrariamente a Kant, os conhecimentos apríorísticos não pres­
mente definida. Este último ponto seria muito desejável. Mas, enquanto
supõem para ele nenhum conceito apriorístico. Além disso, considera
não se chega a isso, uma orientação sobre a filosofia contemporânea só
totalmente falha a interpretação idealístico-transcendental do conceito de
pode ser uma orientação sobre coisas heterogêneas.
conhecimento de Kant.
Em Husserl encontramos uma interessante combinação do método
3. Perspectivas ontológico e do método filosófico-transcendental. De acordo com o seu
pensamento, existe ontologia como ciência apriorística, isto é, por um
Resta ainda dar algumas indicações sobre os problemas abordados lado a ontologia formal, a qual tem por objetivo o que é comum a todo
pelos filósofos apresentados neste livro, como também sobre as suas po­ ser, e, por outro lado, as ontologias materiais, cujo tema é constituído
sições em relação a esses problemas. por características determináveis a priori de certas áreas específicas, e
que, por isso, precedem as respectivas ciências particulares. Mas para
a) Metafísica e ontologia Husserl nenhuma das duas é a ciência dos últimos fundamentos. São
:~:I apenas ciências inseridas entre as diversas ciências particulares e a dis­
A. expressão "metafísica" é, às vezes, empregada de modo a incluir 11 ciplina filosófica que serve propriamente de base: a filosofia transcen­
os tipos de afirmações sobre a realidade ( portanto, afirmações não-lógi- i dental, cujo objeto é a "consciência pura", à qual é relativo todo ser
cas e não-matemáticas) que são de algum modo ';undamentáveis" sem, real e ideal.
contudo, pertencerem ao âmbito de uma ciência objetiva específica. Nesta
Concebida, por sua tendência, como continuação do pensamento de
concepção ampla da expressão também a ontologia como ciência das
Husserl, a ontologia fundamental de Heidegger deve preceder tanto a
determinações mais gerais do ser entra sob o ,d,'.'omínio da metafísica.
ontologia formal como as ontologias materiais. A sua função consiste
Num conceito mais estrito de metafísica, pertencem ao=seu âmbito so­
na explicação do conceito do ser, sem a qual, de acordo com a opinião
mente aquelas proposições que se referem a assuntos ' não-sensíveis
de Heidegger, permanecem no ar todas as leis ontológicas e relações
("transcendentes"). Por razões de brevidade, empregaremos neste pano­
categoriais resultantes de investigações ontológicas. De acordo com ele,
rama geral a expressão "metafísica" no sentido mais amplo da palavra.
a relação com a filosofia transcendental está em que o problema do ser
Em relação à possibilidade de uma metafísica, defrontamo-nos com os só pode ser colocado a partir da compreensão quotidiana que o homem
dois pontos de vista radicalmente opostos: reconhecimento da metafí­ tem do ser. A investigação ontológica básica necessária por isso não
sica como uma disciplina filosoficamente importante, isto é, como a dis­ começa, como se poderia esperar, com as generalidades mais abstratas,
ciplina que está na base das diversas ciências ou, pelo menos, como mas com o mais concreto e imediato: o ser quotidiano do homem. A

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