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Título: O nascimento da fenomenologia: o psicologismo como impossibilidade da ciência

e a fenomenologia como possibilidade da experiência.


Resumo: Nesta comunicação mostrarei como a fenomenologia nasce como uma
alternativa crítica ao psicologismo e como um projeto de resolução dos problemas
oriundo daquela tendência do pensamento, a saber, a impossibilidade da ciência como
unidade de verdade e da experiência sem pô-la em um relativismo que a inviabiliza.
Tese principal: O naturalismo não pode fundamentar o conhecimento, nem o
psicologismo o pode, porque o primeiro é ingênuo desde seu ponto de partida e o segundo
é uma derivação do primeiro. Ambos possuem uma contradição de fundamento. A
tentativa psicologista de fundamentação do conhecimento e da experiência tem como
consequẽncia um relativismo que inviabiliza a ambos.
Questões a serem trabalhadas
Por que nem o naturalismo nem o psicologismo podem fundamentar o conhecimento e a
filosofia?
Por que a fenomenologia surge como resgate do conhecimento científico e de nossas
experiências mais fundamentais?
1. Exposição do problema
➢ É importante distinguir filosofia de ciências empíricas?
➢ Há esta distinção?
➢ Quais os efeitos no qual a filosofia passa quando não se faz essa distinção?
➢ Afirma Tugendhat [O método da filosofia do ponto de vista analítico]: a filosofia,
em sua história, se caracterizou por analisar conceitos e por investigar conceitos
universais (que compõem o todo de nossa compreensão). Se não houver o
universal, o que resta a filosofia?

1.1.Nesta comunicação eu gostaria de apresentar um fenômeno que teve início no


século XIX e que faz parte do nosso cotidiano de investigação: seja para a
discussão acerca do objeto e método da filosofia, seja no âmbito da teoria do
conhecimento, metafísica e ciências cognitivas: os efeitos proporcionados pela
falta de delimitação entre os campos do conhecimento.

1.2.Eu gostaria de abrir o debate partindo de dois apontamentos feitos por Edmund
Husserl em seu Prolegômenos à Lógica Pura:
1° A definição de uma ciência interfere diretamente em seu desenvolvimento:
- A definição de uma ciência expressa seus objetivos;
- A definição de uma ciência reflete em seu desenvolvimento;
o Fenomenologia é a ciência das essências;
o Psicologia é a ciência da consciência de indivíduos psíquicos;

“A apreensão dos objetivos de uma ciência encontra, porém, a sua expressão na


definição da mesma. Não podemos, naturalmente, ser de opinião de que à
elaboração bem-sucedida de uma disciplina tem de anteceder uma determinação
conceitual adequada do seu domínio. As definições de uma ciência refletem as
etapas do seu desenvolvimento; com a ciência progride, também, o conhecimento
subsequente das propriedades conceituais dos seus objetos, a delimitação e
situação do seu domínio”. [HUSSERL, Prolegomenos, §2]
Reino da Verdade

Ciência: Ciência:
Fenomenologia Psicologia
Domínio: Domínio:
Idealidades Investigação: Empírico
Consciência
Ciência: Ciência:
Lógica Física

Unidades
objetivas

2° O erro na delimitação dos domínios de uma ciência culmina em uma


perigosa imperfeição, a saber, a confusão de domínios:
“Mais perigosa é, entretanto, uma outra imperfeição na delimitação do domínio, a
saber, a confusão de domínios, a mistura do que é heterogêneo numa pretensa
unidade de domínio, especialmente quando se funda numa interpretação
totalmente errônea do objeto cuja investigação pretende ser o objetivo essencial
da ciência visada”.
Esquema 2:

Domínio:
Empírico

Relativismo
Ciência: cético
Psicologia

Impossibilidade
das ciências

1.3. Confusão de domínios


a) Quando se mal delimita um domínio: se parte de problemas e conhecimentos
para apreender domínios.
b) Quando se confunde os domínios: toma um domínios pelo outro.
Ex: Tem-se as leis do pensamentos como objeto de investigação e tenta-se
investigá-las empiricamente. Como se as leis “do pensamento” fossem leis
empíricas subjetivas.
- O que se faz, neste caso, é confundir aquilo que é do domínio empírico-real
(atos subjetivos particulares que apreendem os princípios lógicos) com o
conteúdo dos atos subjetivos, que é do domínio da idealidade.

1.4.O contrassenso gerado pela confusão de domínios inviabiliza a própria


psicologia como ciência
1° Contrassenso metodológico: Imaginemos que a psicologia é a disciplina responsável
por fundamentar e investigar os conceitos da lógica.
A própria psicologia trabalha segundo certos princípios e certos preceitos lógicos que
foge de seu campo de investigação, exemplo: o princípio de não contradição, hipóteses,
indução, dedução etc. Como pode a psicologia fundamentar princípios pelo qual ela
mesma parte?
Se a psicologia precisasse fundar seu método de investigação para então começar a
investigar, ela não sairia do lugar. Ou cairia em um círculo vicioso.
2° Contrassenso interpessoal
Imaginem que a psicologia, enquanto ciência do domínio empírico, entenda as leis do
pensamento e as significações como elementos do psiquismo humano, então por isso, esta
ciência é a responsável por sua progressão e fundamentação. Atos psicológicos nunca são
repetíveis, você pode realizar atos semelhantes, mas semelhança não é identidade. Como
é possível eu imaginar alguma coisa como “um copo de chá” e poder expressar isso a
todos vocês? Se as leis do pensamento são subjetivas e as significações são elementos
psíquicos, como eu posso elaborar algo por meio da minha subjetividade e eu ter a
consistência de que vocês entenderam o que eu disse ou de que o que vocês conceberam
é o mesmo que eu concebi? Vocês fariam isso por adivinhação? Como vão adivinhar algo
que minha subjetividade criou? É possível afirmar que um elemento extra subjetivo
precisa mediar esta relação entre aquele que comunica e aquele a quem se quer comunicar.

➔ Este elemento mediador, que faz com que eu tenha um ato subjetivo e mesmo
assim ao expressar algo eu consiga fazer com que vocês entendam, se chama
idealidade ou significações ideais, que são elementos objetivos e transcendentes
a minha subjetividade.
Com este exemplo, eu quis mostrar a vocês que reduzir elementos essenciais da
compreensão como se fossem subjetivos, inviabiliza a própria experiência humana.
1.4.1. O que é o psicologismo?
Pegando o fio condutor do naturalismo de que tudo que há possui uma existência real-
natural, a psicologia empírica cuida dos dados psíquicos reais.
Diz-se psicologismo a tentativa de investigar elementos que não são da ordem do
psicológico, ou seja, que não são reais-naturais, como se fossem explicáveis ou redutíveis
ao psicológico.
Psicologismo lógico é um procedimento teórico que encarrega à psicologia fundamentar
a arte lógica1. Isto é, é na psicologia que se encontra as fontes de onde brotam os conceitos
lógicos e matemáticos, pois estes são redutíveis a nossa atividade psíquica.
1.1.1.1. As raízes do psicologismo: o naturalismo
1.1.1.2. O que é o naturalismo?
Naturalismo é um modo de atitude perante o conhecimento: toma-se os objetos
do mundo como existências espaço-temporais e que são dotados de leis no qual
estão disponíveis a serem descobertas. Desta maneira, tudo o que há deve ser
explicado segundo leis que fazem parte do fluxo natural da realidade. Tudo que é
natural é real, e possui uma existência em algum lugar no tempo e no espaço.

1
SANTOS, J.H. Do empirismo à fenomenologia. Crítica do psicologismo
nas Investigações Lógicas de Husserl. P. 38. São Paulo: Loyola, 2010.
➢ O que dá legitimidade à filosofia quando as ciências experimentais
tomam para si o objeto que antes era o dela? O que “resta” à filosofia?
Qual sua razão de ser?

2. O nascimento da fenomenologia
Para que tanto a ciência, tanto a experiência humana ganhe fundo seguro, eu preciso
de uma disciplina que escape das contradições que tanto o naturalismo, tanto o
psicologismo deixaram como legado.
Em primeiro lugar, eu preciso de uma ciência que investigue os conteúdos de
pensamento, como transcendentes ao pensamentos (como idealidades e não como
entidades reais-empíricas), são eles: leis lógicas, significações ideais. A esta ciência
é dado o nome de: Lógica pura.
Em segundo lugar, precisa-se de uma disciplina que descreva as vivências de
pensamento no qual os conceitos da lógica pura são apreendidos: são elas vivências
de pensamento e de conhecimento.

Domínio: Elementos objetivos que são transcendentes à consciência e que perpassam


Idealidades todos os fatos

Ciência: Descreve os modos de captação dessas essências (idealidades)


Fenomenologia
Intencionalidade: toda consciência tem como correlato significados ideais
que tornam possíveis objetos aparecerem.

Ciência: Analisa os conceitos fundamentais de toda e qualquer ciência. As condições


Lógica pura ideais de possibilidade para teorias em geral

Ciência:
Ciência que investiga fatos psíquicos.
Psicologia

2.1.Conceitos principais da fenomenologia


Intencionalidade: a essência da consciência é estar em relação com seus objetos por meio
de significados ideais.
O que combate o psicologismo é a ideia de que esses significados são transcendentes a
consciência e não seu produto.

Princípio da ausência de pressupostos: uma investigação que se diz filosófica por


excelência precisa partir de um lugar ausente de teorias científicas empiricamente
constituídas.
A ideia da fenomenologia é descrever elementos da experiência que são as condições de
possibilidade para o empírico real, por isso, não se pode partir deles para fundamentar
eles mesmos.

Conclusão
A fenomenologia tem como objeto de estudo a essência da consciência,
assim como as condições de possibilidade para a constituição da experiência
de objetos e de conhecimento.
Deste modo prepõe-se que a ela cabe o estudo de universais, que são
unidades transcendentes a própria consciência, ao passo que as ciências
empíricas, cabe os fatos particulares.
Este modo de fazer filosofia é uma opção entre outras? O que resta à filosofia
se não o universal, visto que as ciências particulares possuem método
legítimo para seus objetos? Sem o universal ainda há filosofia? De que
maneira e com que base legítima?
Bibliografia

DARTIGUES, A. O que é a fenomenologia? Rio de Janeiro: Eldorado, 1973.


DILTHEY, Wilhelm. Ideias para uma psicologia descritiva e analítica.
Tradução de Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Via Vérita, 2011.

HUSSERL, E. Investigações Lógicas. Prolegômenos à Lógica Pura. Rio de


Janeiro: Forense Universitária: .
________________. Investigações Lógicas: segundo Volume, parte 1.
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de Pedro M.S. Alves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.

_________________. Ideias para uma Fenomenologia Pura e uma


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São Paulo: Ideias e Letras, 2006.

_________________. A crise das ciências europeias e a filosofia


transcendental: uma introdução à filosofia fenomenológica. Tradução:
Diogo Falcão. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2012.

_________________. Philosophy as Rigorous Science. Traduzido de


“Philosophie als strenge Wissenschaft” in Logos. Internationale Zeitschrift
für Philosophie der Kultur 1 (1910–11), 289–341 por Marcus Brainard.

MERLEAU-PONTY, M. O primado da percepção e suas consequências


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Horizonte: Autêntica, 2017.
SANTOS, J.H. Do empirismo à fenomenologia. Crítica do psicologismo nas
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___________. A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro: Via Vérita,


2015.

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