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FILOSOFIA DA MENTE

Prof. Dr. Paulo Rogério


Filosofia da Mente
Claretiano – Centro Universitário

INTRODUÇÃO

a) Objetivo. Compreender a relação existente entre


mente e cérebro – e suas possíveis respostas –, como também
para o desdobramento das inúmeras pesquisas voltadas para
os projetos de Inteligência Artificial (IA) e sua relação com as
Ciências Cognitivas.
b) Filosofia da Mente – Alguns questionamentos. A área
da Filosofia da Mente é ainda muito recente – em comparação
com outras disciplinas da Filosofia, como Metafísica, Lógica,
Estética etc. Além disso, pode gerar no leitor certa estranheza
e desconfiança acerca de sua cientificidade. Afinal de contas,

-1-
do que estamos falando quando tocamos no termo “mente”?
Mente cérebro seriam a mesma coisa? O que são os fenômenos
mentais? Os fenômenos mentais estão reduzidos à atividade
físico-neurológica? Ou estão relacionados a uma manifestação
cognitiva não-material e, portanto, opostas aos processos
físicos?
c) Problema central de pesquisa. Em tais questões, na
realidade, temos o problema por excelência de nossa
disciplina: mente e cérebro são realidades distintas ou a
atividade mental é algo redutível à atividade cerebral? Para
tais questionamentos, surgiram diversos autores que, de modo
geral, penderam para respostas ou “dualistas” ou “monistas”.
Veja:
d) Precursores da área da Filosofia da Mente. Apesar da
mente (alma ou espírito) ser objeto de estudo de muitos
filósofos antigos (Sócrates, Platão, Aristóteles etc.) e
medievais (Agostinho, Tomás de Aquino entre outros),
somente com René Descartes que o campo de pesquisa da
Filosofia da Mente ganhou notoriedade. Com Descartes o “eu
pensante” (res cogitans) torna-se muito mais do que uma mera
contraparte do corporal, mas a essência primeira pela qual
tanto a matéria (res extensa) quanto Deus (res infinita)
ganham justificação racional. Por um lado, como a matéria
não pensante poderia ser a essência do pensamento? Por
outro, de que maneira a perfeita onisciência divina poderia se
revelar senão pela via do eu pensante? Por conta disso,
somente o sujeito pensante – enquanto atividade mental –
poderia ser a base indubitável, sobre a qual seria possível a
construção de um edifício seguramente científico.

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A importância atribuída por Descartes à res cogitans
abriu um horizonte de pesquisa sobre a origem, possibilidade
e limites do conhecer, herança essa que fundamentou – ou ao
menos reformulou – disciplinas como Epistemologia (Teoria do
Conhecimento), Metafísica moderna, Filosofia da Natureza (ou
Cosmologia), Filosofia da Ciência e, obviamente, Filosofia da
Mente. O fato é que o caráter essencialmente dualista (razão-
matéria / mente-cérebro) presente no pensamento cartesiano
ofereceu, pela primeira vez na história, um campo de estudo
focado unicamente em descobrir a natureza da atividade
mental por si mesma e de maneira autônoma, bem como a suas
formas de relação com o dado biológico.
e) Críticas ao dualismo cartesiano. No entanto, deve-se
observar que, ao mesmo tempo que obra de Descartes foi a
precursora da Filosofia da Mente, também foi a responsável
por criar a sua primeira polêmica: será mesmo que a atividade
mental é tão diferente assim da função cerebral?
A partir de então, surgiram as primeiras críticas ao
dualismo cartesiano, primeiramente com as contribuições de
alguns autores iluministas do século XVIII, como Julien De La
Mettrie (1709-1751), até a chegada da Neurofisiologia no
século XX. Mas foram as contribuições de Gilbert Ryle (1900-
1976), Hilary Putnam (1926-2016) e John Searle (1932-...) que,
de fato, fizeram o materialismo realmente florescer,
inaugurando assim, definitivamente, a área da Filosofia da
Mente. Teixeira sintetiza muito bem a circunscrição conceitual
que caracteriza o problema de pesquisa da Filosofia da Mente:

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“O monismo é a tese que sustenta que só existe um tipo de
substância no universo, seja ela material ou espiritual. A
versão mais frequente do monismo é o materialismo, ou seja,
a teoria de que não existe nada além da matéria e suas
possíveis manifestações no universo. De acordo com essa
visão, fenômenos mentais são idênticos aos fenômenos físicos,
pois mente e cérebro são a mesma coisa. Por outro lado, o
dualismo sustenta que há duas substâncias do universo e que
existe uma diferença fundamental e irreconciliável entre
elas. Nunca poderíamos supor que a mente e cérebro são a
mesma coisa. A versão mais conhecida do dualismo é o que
chamamos de espiritualismo” (TEIXEIRA, 2016, p. 20).
As correntes dualistas e materialistas fundamentaram
inúmeras descobertas e ainda hoje exercem enorme influência
sobre pesquisadores e filósofos. Tanto uma como outra ainda
continuam extremamente atuais e profícuas na academia.
Talvez, você esteja se perguntando neste momento: mas qual
das duas seria a mais verdadeira? A dualista ou a materialista?
Não podemos deixar de pontuar que, apesar de ambas
apresentarem respostas interessantes, também é verdade que
nenhuma das duas consegue responder ao problema da relação
mente-cérebro de uma maneira definitiva e cabal.
Os problemas em ambas teorias são patentes: por um
lado, se a mente é algo totalmente distinto do cérebro
(dualismo), como então provar que esse algo imaterial seja
capaz de influir decididamente nas ações corporais e
materiais? Por outro lado, se as atividades mentais são
reduzidas a atividades cerebrais e possuem, por isso, as
mesmas propriedades, como então conceber a consciência
pensante – como uma atividade neurológica? O que seria o

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“eu”? Uma concepção subjetiva e imaterial de si mesmo? Ou
uma rede de neurônios? Afirmar, portanto, que a mente não
depende do cérebro é tão bizarro quanto assegurar que a
mente é úmida como o órgão cerebral.
As respostas ao problema mente-cérebro vão desde um
espiritualismo mais radical até um fisicalismo reducionista.
Preenchem, portanto, uma gama de vertentes que
demonstram o quanto a pesquisa da Filosofia da Mente é
complexa e vasta – apesar de recente. Para conhecer um pouco
mais as principais teorias, observe a tabela a seguir:

Teses Teorias e Vertentes Representantes

Dualismo de substância: a mente possui uma


natureza totalmente independente do corpo René Descartes
e, por isso, imaterial e imortal.

Paralelismo psicofísico: mente e corpo estão


em dimensões diferentes, porém
Spinoza e Leibniz
previamente sincronizados por uma lógica
DUALISMO

extra material.

Ocasionalismo: mente e corpo estão


separados; no entanto, a alma é capaz de
Malebranche
pensar seu corpo por conta de sua
participação em Deus.

Dualismo de propriedade: os estados


mentais, apesar de se originarem a partir do David Chalmers,
físico, possuem propriedades distintas das Saul Kripke
propriedades biológicas e cerebrais.

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Teoria da identidade (fisicalismo de tipo):
afirma que os processos mentais são, em Ullin Thomas
última análise, idênticos aos processos físicos Place, John
que ocorrem no cérebro. A mente é reduzida Jamieson
ao cérebro.

Behaviorismo: Nega a existência da


substância mental e afirma que todas as
John Watson, B.
propriedades da mente são descritas
F. Skinner
unicamente como respostas
comportamentais aos estímulos do ambiente.

Materialismo eliminativo: elimina de todo e La Mettrie,


qualquer tipo de explicação ou suposta D’Holbach, James
ontologia que seja diferente dos fenômenos Cornman,
materiais e empíricos. Richard Rorty
MONISMO

Funcionalismo computacional: defende que


os estados mentais não são físicos, mas
funcionais. Ou seja, os estados interiores da
consciência não existem; ou melhor não se
dá em uma área específica do cérebro, mas
em uma sequência de inputs e outputs,
formando uma cadeia por onde a informação Hilary Putnam,
se move. Por isso, afirma uma Daniel Dennet
correspondência entre estados mentais e
eventos fisiológicos, desde que estejam
organizados funcionalmente como um
programa de computador: mediante um dado
de entrada (input), produz-se uma resposta
(output).
Naturalismo biológico: afirma que a
consciência e a inteligência são elementos John Searle
tão biológicos quanto os neurônios, porém,
ao mesmo tempo, não estão reduzidos a eles.

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Ou seja, a consciência é compreendida como
uma propriedade subjetiva que não emerge
do imaterial, mas da própria natureza
biológica (isto é, de um grupo de células em
rede).

Conteúdo programático da disciplina:


Ciclo 1: questões relacionadas ao início do debate da
Filosofia da Mente com o dualismo de Descartes, como também
a disputa que se estabeleceu na história entre a vertente
dualista cartesiana e o materialismo eliminativo de La Mettrie.
Ciclo 2: o desenvolvimento das críticas ao dualismo
cartesiano, com Putnam (Funcionalismo Computacional) e
Searle (naturalismo biológico).
Ciclo 3: as origens do projeto de Inteligência Artificial
(máquina de Turing), a sua relação com os delineamentos
filosóficos da Filosofia da Mente (Funcionalismo computacional
de Putnam) e as críticas às teses da Inteligência Artificial
(Searle).
Ciclo 4: as contribuições de alguns autores
considerados precursores das Ciências Cognitivas a partir da
herança cibernética (Norbert Wiener, John von Neumann,
William Ross Ashby e Barbara von Eckardt), bem como o novo
programa da Ciência Cognitiva Dinâmica, que aponta para a
necessidade de se discutir o elemento da cognição a partir do
paradigma da Complexidade (Edgar Morin).
Ciclo 5: a apresentação do alcance e dos limites dos

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modelos de Inteligência Artificial, especialmente no que diz
respeito ao funcionamento das Redes Neurais Artificiais (RNAs).

I – DUALISMO

1.1 DESCARTES: DUALISMO DE SUBSTÂNCIA

Para muitos historiadores da Filosofia, René Descartes


(1596-1650) é considerado o “fundador da Filosofia Moderna”
(REALE; ANTISERE, 2004, p. 283), especialmente por conta da
mudança de orientação filosófica daquela comum ao
pensamento antigo e medieval: “Com Descartes a filosofia
recebe uma colocação crítica e gnosiológica: o que se quer
verificar em primeiro lugar é o valor do conhecimento humano”
(MONDIN, 1982, p. 62). Ao invés de investigar a natureza
empírica das coisas particulares – que se fundamenta do uso
dos sentidos –, o principal é conhecer o potencial da razão:

Se alguém quiser investigar a sério a verdade das coisas, não


deve escolher uma ciência particular: estão todas unidas
entre si e dependentes umas das outras; mas pense apenas
em aumentar a luz natural da razão, não para resolver esta
ou aquela dificuldade de escola, mas para que, em cada
circunstância da vida, o intelecto mostre à vontade o que
deve escolher. Em breve ficará espantado de ter feito

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progressos muito superiores aos de quantos se dedicam a
estudos particulares, e de ter obtido não só tudo o que os
outros desejam, mas ainda coisas mais elevadas do que as
que podem esperar (DESCARTES, 1985a, p. 13).

A partir da definição do seu método, a preocupação de


Descartes era encontrar um ponto de partida indubitável e
evidente para o conhecimento. Para tanto utilizou-se da
chamada “dúvida metódica”: colocou tudo sob o filtro do
questionamento (sentidos, senso comum, verdades do
raciocínio, argumentos de autoridade etc.); aquilo que resistisse
ao próprio ato da dúvida, poderia ser uma verdade clara e
evidente por si mesma. De todas as coisas, a única ideia que
continuou inabalável à dúvida metódica foi o cogito
(pensamento): podemos duvidar de tudo que existe; mas, a
única coisa que não podemos negar é o fato de que
continuamos a pensar até mesmo quando duvidamos das coisas
e do próprio pensamento.

Mas logo depois atentei que, enquanto queria pensar assim


que tudo era falso, era necessariamente preciso que eu, que
o pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade
– penso, logo existo – era tão firme e tão certa que todas as
mais extravagantes suposições dos cépticos não eram
capazes de a abater, julguei que podia admiti-la sem
escrúpulo como o primeiro princípio da filosofia que buscava
(DESCARTES, 2001, p. 38).

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Fundamentado em Platão, o pensamento de Descartes
leva em consideração que, ao contrário dos outros seres, no
homem encontram-se juntas duas substâncias claramente distintas
entre si: res cogitans (pensamento / alma) e res extensa
(matéria / corpo). O ser humano, portanto, é uma espécie de ponto
de encontro entre dois mundos, ou, em termos tradicionais, entre
alma e corpo. Esse é o chamado dualismo cartesiano (ou
dualismo de substância), uma vez que separa alma e corpo
como substâncias distintas e irredutíveis uma à outra.
A diferença entre res congitans (alma) e res extensa
(corpo) decorre do fato de que a alma não deve ser
entendida como princípio vital – como se houvessem
diversos tipos de “almas”, como em Aristóteles, com a alma
vegetativa, sensitiva ou racional – mas sim como “pensamento”.
Ou seja, a alma é pensamento e sua separação do corpo não
provoca a sua morte, que é determinada unicamente por causas
fisiológicas – relativas à res extensa. A alma é uma realidade
inextensa, ao passo que o corpo é extenso. Trata-se de duas
realidades que nada têm em comum.
Cabe à alma (razão) a função de reger as paixões do
corpo. Portanto, a fonte do conhecimento para Descartes não
decorre da corporalidade, muito menos das sensações, mas da
ideia distinta o sujeito tem de si mesmo como ser pensante. É
a partir da certeza do cogito (res cogitans) que o intelecto
humano pode então chegar ao conhecimento de duas outras
substâncias: res infinita (Deus) e res extensa (matéria).
Mas uma pergunta ainda fica em aberto: como alma se
relaciona com o corpo? Por qual razão a alma move o corpo?

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Para tentar responder essa questão, no texto “Tratado do
homem”, Descartes apresenta uma explicação dos processos
físicos e orgânicos, como uma espécie de fisiologia, dando
especial atenção para a circulação do sangue, para a respiração
e para o momento dos chamados “espíritos animais”1.
Descartes explica o calor do sangue por uma espécie de
“fogo sem luz” que, penetrando nas cavidades do coração,
contribui para conservá-lo inflado e elástico. Do coração, o
sangue passa para os pulmões, onde a respiração, introduzindo
o ar, o refresca. Os vapores do sangue da cavidade direita do
coração alcançam os pulmões através da veia arterial, e caem
lentamente na cavidade esquerda, provocando o movimento do
coração, do qual dependem todos os outros movimentos do
organismo. Afluindo ao cérebro, o sangue não apenas nutre a
substância cerebral, mas também produz “certo vento, muito
sutil, ou antes uma chama muito viva e muito pura, ao que se

1
Os “espíritos animais” (de anima, alma) são as partículas materiais mais
vivas e sutis do sangue, capazes de penetrar as cavidades do cérebro. Veja:
“Os espíritos a que a doutrina cartesiana se refere nesta passagem dizem
respeito à teoria dos espíritos animais, doutrina existente antes e também
na época de Descartes. Ela se refere à ideia de que existem no organismo
humano partículas físicas que causam movimentos no corpo e na alma. Tais
espíritos surgem do sangue, que, aquecido pelo calor do coração, corre por
todo o corpo e, ao chegar ao cérebro, encontra cavidades estreitas pelas
quais só suas partículas mais agitadas e menores conseguem passar. Estas
partes minúsculas se deslocam para a glândula pineal, quando, então,
deixam de ter a forma de sangue e se chamam espíritos animais. Na doutrina
cartesiana, esta glândula é a principal sede da alma. Desta forma, os
espíritos animais, os quais são de natureza material, causam percepções na
alma, bem como se deslocam pelo corpo e fazem com que seus músculos se
movam” (PINHEIRO, 2007, p. 10).

- 11 -
dá o nome de “espíritos animais”. As artérias que veiculam o
sangue no cérebro ramificam-se em inúmeros tecidos, que se
reúnem depois em torno de pequena glândula, chamada
pineal, situada no centro do cérebro, que constitui a sede da
alma.

A máquina animal de Descartes é movida inteiramente pelo


“fogo sem luz” que há no coração, que cria a pressão nas
artérias. Os movimentos dos membros (e os movimentos
musculares internos, tais como a respiração) são
impulsionados pelos “espíritos animais” (matéria sutil)
filtrados das artérias na base do cérebro e distribuídos
através da glândula pineal, que Descartes localizara no
centro das cavidades cerebrais. Estes espíritos animais fluem
a partir da glândula pineal e adentram os vários poros que
revestem a superfície interior daquelas cavidades, de onde
passam através dos túbulos nervosos para os músculos
abaixo, os quais eles fazem inflar e contrair, movendo desse
modo a máquina (HATFIELD, 2009, p. 420-421).

Em trecho da obra “Tratado do homem”, confira a


referência do autor à glândula pineal:

As partes do sangue que penetram até o cérebro servem não


só para nutrir e sustentar sua substância, mas também e
principalmente para produzir um certo vento muito fino, ou
melhor, uma chama muito viva e pura, que é chamada de
espíritos animais. Deve-se notar que as artérias que

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transportam sangue do coração para o cérebro, depois de se
dividirem em incontáveis ramos minúsculos, que constituem
os tecidos minúsculos que são esticados como tapeçarias no
fundo das cavidades do cérebro, juntam-se novamente em
torno de uma certa glândula situada perto do meio da
substância do cérebro, bem na entrada de suas cavidades.
As artérias dessa região têm diversos e pequenos orifícios,
através dos quais as partes mais finas do sangue podem fluir
para essa glândula (DESCARTES, 1985b, p. 100, tradução
nossa).

O dualismo cartesiano e a relação entre a res cogitans


e a res extensa foram aprofundados ainda mais na obra “As
Paixões da Alma”, mas com preocupações e contornos
declaradamente éticos. Nesta obra Descartes apresenta uma
análise complexa das ações humanas (movidas pela vontade),
bem como das alterações psicofísicas (compreendidas pelo
autor como percepções, sentimentos ou emoções provocadas
pelo corpo e captadas pela alma). A alma, portanto, não está
alojada no corpo como um piloto de navio, mas está
estreitamente misturado com ele. A alma não apenas identifica
pelo pensamento as sensações do corpo, mas também é
afetada por tudo aquilo que ocorre no corpo. Ou seja, a resposta
de determinados órgãos em face a estados mentais ou
emocionais, e vice-versa.

Pois, se assim não fosse, quando meu corpo fosse ferido,


nem por isso sentiria dor, eu, que sou apenas uma coisa que

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pensa, mas perceberia o ferimento apenas pelo
entendimento, como um piloto percebe pela vista se algo se
rompe em seu barco; e, quando meu corpo necessitasse
beber ou comer, conheceria simplesmente isso mesmo, sem
disso ser avisado por sentimentos confusos de fome e de
sede. Pois, de fato, todos esses sentimentos de fome, de
sede, de dor, etc., nada mais são do que certas formas
confusas de pensar, que provêm e dependem da união e
como que da mistura do espírito com o corpo (DESCARTES,
1988, p. 68).

Para profundar as propostas do racionalismo


cartesiano, orientamos que leia os textos abaixo:
• CAPUTO, João Carlos Lourenço. Tópicos em
Epistemologia. Curitiba: Intersaberes, 2019, pp. 24-52.
Biblioteca Virtual Pearson.
• HUENEMANN, Charlie. Racionalismo. Petrópolis: Vozes,
2012, pp. 33-65. Biblioteca Virtual Pearson.

1.2 MALEBRANCHE: OCASIONALISMO PSICOFÍSICO

Nicolas Malebranche (1638-1715) leva o dualismo de


corpo (res extensa) e alma (res cogitans) de Descartes ao
extremo: não existe uma alma vegetativa ou sensorial –
conforme dizia Aristóteles, mas apenas uma alma só, dotada
somente das funções do pensar e do querer; ao corpo, resta

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somente a extensão e materialidade. Isso leva o autor a
conceber que nem o corpo interage ou influencia a alma; e nem
alma, por sua vez, influencia os estados corporais – pois ambas
as naturezas são distintas: o imaterial jamais pode influenciar
no material, e vice-versa.
No entanto, resta uma questão: se corpo e alma não
interagem entre si, bem como a alma está isolada de todas as
outras almas, como é possível então o intelecto conhecer a
verdade e as coisas externas? Retomando o neoplatonismo de
Plotino e de Agostinho de Hipona, Malebranche leva em
consideração o conhecimento das coisas através do princípio da
participação na natureza divina: de fato, a alma está separada
de todas as coisas, mas, por conta de sua natureza, ela possui
uma relação direta e imediata com Deus, conhecendo, portanto,
todas coisas não por si mesma, mas por meio da “visão divina”,
da qual participa.
Desta forma, tudo está em Deus – e o conhecimento da
alma (intelecto) só é possível através da unidade com Deus, que
conhece tudo. A alma só é capaz de pensar seu corpo por conta
de sua participação em Deus. Daí surge o conceito de
“ocasionalismo” em Malebranche: “Todas as atividades da alma
que nos parecem causar efeitos sobre o corpo são na realidade,
causas ocasionais, que agem tão somente pela eficácia da
vontade de Deus. O mesmo pode-se dizer sobre as supostas
‘ações’ do corpo sobre a alma” (REALE; ANTISERE, 2007, p. 8).
Sobre o ocasionalismo de Malebranche, acesse os
seguintes materiais:

- 15 -
• CAPUTO, João Carlos Lourenço. Tópicos em
Epistemologia. Curitiba: Intersaberes, 2019, pp. 54-80.
Biblioteca Virtual Pearson.
• YOUTUBE. Malebranche (1): A busca da verdade, o
ocasionalismo e Racionalismo em Nicolas Malebranche.
Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=a2TQC8dzOcQ>.
Acesso em: 22 ago. 2021.

1.3 SPINOZA: PARALELISMO PSICOFÍSICO

Embora também racionalista, Baruch Spinoza (1632-


1677) diverge de várias ideias da filosofia cartesiana. Ele
também concebe que o ser humano é constituído de corpo e
alma, mas não o considera a partir do dualismo de “substâncias”
distintas. Para Spinoza, Descartes criou uma ambiguidade ao
propor o conceito de substância. Em Princípios da Filosofia,
Descartes tinha afirmado que, “quando concebemos a
substância, concebemos uma coisa que existe de tal maneira
que só tem a necessidade de si própria para existir”
(DESCARTES, 1997, p. 45). Ora, levando em consideração essa
definição, somente Deus (res infinita) poderia ser então uma
substância – e não mais o pensamento (res cogitans) e a
matéria (res extensa), consideradas como criaturas. Para sair
desta situação, Descartes apresentou uma segunda definição
de substância: são também substâncias aquelas realidades

- 16 -
criadas (tanto as pensantes como as corpóreas) que, para
existirem, “só têm necessidade do concurso ordinário de Deus”,
diferentemente dos atributos, que dependem de outras coisas
criadas para existirem (DESCARTES, 1997, p. 45).
Embora a segunda definição sirva para resolver o
problema criado pela primeira, é inegável a ambiguidade em
torno do conceito de substância: trata-se daquilo que “depende”
e, ao mesmo tempo, “não depende” de outra coisa para existir.
Ao perceber essa contradição conceitual, Spinoza conclui que a
única maneira de resolver essa aporia seria considerar a
existência de uma substância só, de modo unívoco e radical,
como causa sui (causa de si mesma): “por substância
compreendo aquilo que existe em si e que por si mesmo é
concebido” (SPINOZA, 2016, p. 13). Portanto, para o autor, só
Deus pode ser causa de si mesmo: “por Deus compreendo [...]
uma substância que consiste de infinitos atributos, cada um dos
quais exprime uma essência eterna e infinita” (SPINOZA, 2016,
p. 13).
Se Deus é a única realidade que pode ser identificada
como substância, o que seria então o pensamento e a matéria?
Segundo Spinoza, pensamento e matéria não seriam
substâncias, mas atributos infinitos de uma única substância: “o
atributo é aquilo que, da substância, o intelecto percebe como
constituindo a sua essência” (SPINOZA, 2016, p. 18). Na
realidade, a substância (Deus) possui infinitos atributos
constitutivos de sua essência; no entanto, a finitude do intelecto
humano concebe apenas dois: o pensamento e a extensão
(materialidade).

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Além dos atributos da substância divina, Spinoza
também propôs a existência dos “modos”2, que, de acordo com
sua definição, trata-se “aquilo que existe em outro e que apenas
mediante este outro e concebido”. Desta forma, o mundo é
constituído pelos “modos” desses dois atributos:
a) Pela série dos “modos” relativos à extensão – nesse
caso, os corpos são “modos” determinados do “atributo” divino
da extensão (e, portanto, expressão determinada da essência
de Deus como realidade extensa).
b) Pela série dos “modos” relativos ao pensamento –
nesse caso, os pensamentos singulares, por seu turno, são
“modos” determinados do “atributo” do pensamento divino
(expressão determinada da essência de Deus como realidade
pensante).
Ora, como todos os modos dos atributos divinos
(extensão e pensamento) decorrem de uma mesma e única
substância (Deus), então a ordem das ideias corre paralela à
ordem dos corpos: todas as ideias derivam de Deus, enquanto
Deus é realidade pensante; analogamente, os corpos derivam
de Deus, enquanto Deus é realidade extensa. O que significa
que Deus gera os pensamentos só como pensamento e gera os
modos relativos à extensão só como realidade extensa. Em
suma, um atributo de Deus (e tudo aquilo que se encontra na

2
Os modos são as especificações particulares dos atributos da substância
divina, e podem ser: a) infinitos (como, por exemplo, o movimento, que é
modificação do atributo divino “extensão”; ou o intelecto, que é modificação
do atributo divino “pensamento”); b) finitos (por exemplo, os movimentos
singulares e os pensamentos singulares).

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dimensão desse atributo) não atua sobre outro atributo de Deus
(sobre aquilo que se encontra na dimensão deste outro
atributo).
Visto que cada atributo, como sabemos, expressa a
essência divina de igual modo, então a série dos modos de cada
atributo deverá necessária e perfeitamente corresponder à série
dos modos de cada um dos outros atributos. Em particular, a
ordem e a série das ideias deverão corresponder necessária e
perfeitamente à ordem dos modos e das coisas corpóreas,
porque tanto em um como em outro caso se expressa
inteiramente a essência de Deus vista sob diversos aspectos.
Existe, portanto, perfeito paralelismo, que consiste em
perfeita coincidência, enquanto trata da mesma realidade vista
sob dois diferentes aspectos: “ordo et connexio idearum idem
est ac ordo et connexio rerum”: “a ordem e a conexão das ideias
é o mesmo que a ordem e a conexão das coisas”.
Essa perspectiva – de uma única substância –
desconstrói o dualismo de substância de Descartes, bem como
sua premissa moral: para Spinoza, corpo e alma não são
realidades distintas e separadas, pois pertencem
ontologicamente à mesma substância (Deus) – são diferentes
apenas enquanto atributos da mesma essência. E se não são
substâncias distintas, então quer dizer que não existe uma
relação de causalidade ou de hierarquia entre corpo e alma, mas
apenas um paralelismo. “Nem o corpo pode determinar a mente
a pensar, nem a mente pode determinar o corpo ao movimento
ou ao repouso, ou a qualquer outro estado (se é que existe)”

- 19 -
(SPINOZA, 2016, p. 100).
Para aprofundar o racionalismo de Spinoza, leia o texto
abaixo e, em seguida, assista aos vídeos:
• HUENEMANN, Charlie. Racionalismo. Petrópolis: Vozes,
2012, pp. 92-122. Biblioteca Virtual Pearson.
• YOUTUBE. Spinoza: Metafísica, 1/2. Com Claudio
Costa. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=DiPU1C3JNyQ>.
Acesso em: 28 ago. 2021.
• YOUTUBE. Spinoza: Ética, 2/2. Com Claudio Costa.
Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=zD0WZ_tA9Sg>.
Acesso em: 28 ago. 2021.

II – MATERIALISMO ELIMINATIVO

O materialismo é a concepção segundo a qual a atividade


mental (alma, consciência ou espírito) depende de modo
causal da matéria. Denis Diderot foi um dos principais
iniciadores do materialismo iluminista, ao supervalorizar a razão
e o saber científico.
No entanto, o materialismo de Diderot se caracterizava
apenas como um programa de pesquisa, diferentemente das
teorias dos iluministas La Mettrie (1709-1751), Helvitius (1715-
1771) e D’Holbach (1723-1789), que tinham a pretensão de

- 20 -
serem verdadeiras – muito por conta dos resultados das
ciências, particularmente da medicina.
Com o materialismo iluminista, a res cogitans de Descartes
perde sua autonomia, sendo reduzida a res extensa. O
mecanicismo cartesiano é transformado em um materialismo
metafisico.

2.1 LA METTRIE: O HOMEM MÁQUINA

Na sua História natural da alma, Julien Offroy de La


Mettrie (1709-1751)3 já afirmava o seguinte: “escrever como
filosofo significa [...] ensinar o materialismo! ”. No entanto, sua
obra mais famosa é O Homem-máquina, publicada em 1748:

O homem é uma máquina tão complexa que é impossível ter


dela uma ideia clara à primeira vista e, consequentemente,
poder defini-la. Por isso, todas as pesquisas realizadas pelos
maiores filósofos a priori, isto é, procurando se servir, por
assim dizer, das asas do engenho [lógica formal], foram vãs.
Desse modo, somente a posteriori, isto é, procurando
destrinchar e descobrir a alma através dos órgãos do corpo,

3
Obras: História natural da alma (1745); O Homem-máquina (1748); O
Homem-planta (1748); O anti-Sêneca ou discurso sobre a felicidade (1750);
Reflexões filosóficas sobre a origem dos animais (1750); A arte de gozar
(1751); Vênus física ou ensaio sobre a origem da alma humana (1751).

- 21 -
é possível já não digo descobrir, de modo evidente, a
natureza mesma do homem, mas alcançar o maior grau de
probabilidade possível sobre o assunto (LA METTRIE apud
REALE; ANTISERE, 2007, p. 254).

Deste fragmento decorre o seguinte aspecto: a


pesquisa e o conhecimento precisam estar fundamentadas pelo
“bastão da experiência”, prescindindo assim o “vão palavrório
dos filósofos”.
Para La Mettrie, os fatos empíricos demonstram que os
estados da alma são sempre correlativos aos estados do
corpo, a ponto de não ser possível distinguir a alma do corpo:

A alma nada mais é [...I do que uma palavra vazia, a qual


não corresponde nenhuma ideia e da qual um homem
razoável não deve se servir senão para designar a parte
pensante em nós. Uma vez admitido o princípio mínimo de
movimento, os corpos animados têm tudo o que lhes é
preciso para se mover, sentir, pensar, se arrepender e, em
suma, se comportar, tanto na vida física como na vida moral,
que dela depende (LA METTRIE apud REALE; ANTISERE,
2007, p. 254).

Em outro trecho, La Mettrie também afirma:

Não é nem Aristóteles, nem Descartes, nem Malebranche


que vos ensinarão que é a vossa alma. [...] A essência da

- 22 -
alma do homem e dos animais é e será sempre tão
desconhecida como a essência da matéria e dos corpos. Digo
mais, a alma separada do corpo por abstração assemelha-se
à matéria considerada sem forma alguma: não se pode
conceber. A alma e o corpo foram feitos em conjunto no
mesmo molde, disse grande teólogo que ousou pensar.
Aquele que quiser conhecer as propriedades da alma deve,
pois em primeiro lugar procurar aquelas que se manifestam
claramente nos corpos de que a alma é o princípio ativo (LA
METTRIE, 1982a, p. 125).

Ou seja, para La Mettrie, o “homem é uma máquina” –


aliás, não somente o homem, mas o mundo: em todo o universo
só existe uma única substância, diversamente modificada.
Noutras palavras: “O pensamento é tão pouco incompatível com
a matéria organizada, que ele parece ser uma de suas
propriedades, ao lado da eletricidade, da faculdade de
movimento e da impenetrabilidade” (LA METTRIE, 1982b, p.
96).
Isso não significa, no entanto, que La Mettrie seja ateu
– pelo contrário, chega até admitir a existência de um ser
supremo:

Não é que eu esteja pondo em dúvida a existência de um ser


supremo; ao contrário, acredito que exista um alto grau de
probabilidade em seu favor. [Mas, de qualquer forma, a
existência de Deus] não demonstra a necessidade de um
determinado culto em preferência a outro, pois se trata de

- 23 -
verdade teórica que não encontra muito uso na prática (LA
METTRIE apud REALE; ANTISERE, 2007, p. 254).

Para aprofundar o materialismo de La Mettrie, acesse


os materiais abaixo:
• DONATELLI, M. C. O. F. Filosofia e medicina em La
Mettrie. Scientiæ Studia, São Paulo, v. 11, n. 4, p. 841-71,
2013. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/ss/a/B4tCQfHF9MHZXfV4HmcTMn
J/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 28 ago. 2021.
• YOUTUBE. Materialismo em La Mettrie. Entrevista
com Soraia Ribeiro dos Santos. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=PdOs8MxTaUM>.
Acesso em: 28 ago. 2021.

2.2 D’HOLBACH: O HOMEM COMO OBRA DA NATUREZA

De acordo com Paul Heinrich Dietrich, Barão de


Holbach4, o homem é formado pela natureza e por ela
circunscrito em todos os sentidos. Para além da natureza, nada

4
Obras: O sistema da natureza (1770); A política natural (1773); O sistema
social (1773); A moral universal (1776); Sobre a crueldade religiosa (1766);
A impostura sacerdotal (1767); Os padres desmascarados ou as iniquidades
do clero cristão (1768); Exame crítico da vida e das obras de São Paulo
(1770); História crítica de Jesus Cristo (1770); O bom senso ou ideias
naturais opostas as ideias sobrenaturais (1772).

- 24 -
existe. Logo, a distinção entre homem físico e homem espiritual
é desviadora:

O homem é o puramente físico; o ser espiritual nada mais é


do que esse mesmo ser físico considerado de um ponto de
vista particular, isto é, relativamente a algum de seus modos
de agir, devidos a sua organização particular. [...] O homem
físico é o homem agente sob o impulso de causas
cognoscíveis através dos sentidos: o homem espiritual é o
homem agente por causas físicas que nossos preconceitos
nos impedem de conhecer (D’HOLBACH apud REALE;
ANTISERE, 2007, p. 254).

Consequentemente, “por todas as suas exigências”, o


homem deve sempre recorrer “à física e à experiência”. E isso
vale também para a religião, a moral e a política. É através da
experiência que ele deve e pode compreender essas coisas.
Sua tese fundamental concentra-se no seguinte
ponto: O homem está, portanto, todo dentro da natureza. E,
como na natureza sé podem existir causas e efeitos naturais,
consequentemente, não tem sentido falar de uma alma
separada do corpo. E não tem sentido falar da liberdade do
homem.
Do ponto de vista da moral e da política, segundo
D’Holbach (apud REALE; ANTISERE, 2007), todo homem tende
por natureza à felicidade e “todas as sociedades se propõem ao
mesmo objetivo; com efeito, é para ser feliz que o homem vive

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em sociedade”. A sociedade nada mais é do que “um conjunto
de indivíduos, reunidos por suas necessidades, com o objetivo
de colaborar para a conservação e a felicidade comuns”. Essa é
a razão pela qual todo cidadão, tendo em vista sua própria
felicidade, “se obriga a submeter-se e a depender daqueles que
a sociedade tornou depositários de seus direitos e intérpretes
de suas vontades”.
Nesse sentido, as leis naturais, que nenhuma sociedade
pode revogar ou suspender, são precisamente as leis “fundadas
na natureza de um ser que sente, busca o bem e foge do mal,
pensa, raciocina e deseja incessantemente a felicidade”. As leis
civis, portanto, nada mais são do que:

As leis naturais aplicadas às necessidades, às circunstâncias


e às opiniões de uma sociedade particular ou de uma nação.
Tais leis não podem contradizer as leis da natureza, porque
em cada país o homem é sempre o mesmo e tem os mesmos
desejos, podendo mudar apenas os meios para saciá-los
(D’HOLBACH apud REALE; ANTISERE, 2007, p. 254).

Para conhecer um pouco mais sobre D’Holbach, acesse


os materiais abaixo:
• SOUZA, M. G. Materialismo e história: o caso do Barão
d’Holbach. Doispontos, Curitiba, São Carlos, vol. 8, n. 1,
p.23-36, abril, 2011. Disponível em:
<https://revistas.ufpr.br/doispontos/article/download/2812
0/18681>. Acesso em: 28 ago. 2021

- 26 -
• YOUTUBE. Quem foi Barão D’Holbach? Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=NGoBNsqJJOc>.
Acesso em 28 ago. 2021.

III – CONTRIBUIÇÕES DE SEARLE E PUTNAM

3.1 SEARLE
Searle também discorda de Descartes ao enfatizar a
atividade mental a partir de uma vertente materialista. Porém,
Searle não concorda com a abordagem de Putnam, sugerindo
que a “consciência” e a “inteligência” resultam dos próprios
processos cerebrais. O cérebro, dado o seu material de
formação e constituição, produziria estados mentais.
A solução de Searle, por extensão, distancia-se da
tentativa da IA, de simular estados mentais em uma máquina.
Ou seja, o Naturalismo biológico afirma que a consciência e a
inteligência são elementos tão biológicos quanto os neurônios,
porém, ao mesmo tempo, não estão reduzidos a eles. Ou seja,
a consciência é compreendida como uma propriedade subjetiva
que não emerge do imaterial, mas da própria natureza biológica
(isto é, de um grupo de células em rede).

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3.2 PUTNAM
Segundo Putnam, em sua concepção funcionalista, o
pensamento pode ocorrer não apenas em seres humanos ou
entidades com estrutura cerebral semelhante à nossa, mas em
sistemas gerais com capacidade de processar informações
estruturadas. Deste modo, o funcionalismo afirma uma
correspondência entre estados mentais e eventos fisiológicos,
desde que estejam organizados funcionalmente como um
programa de computador, isto é, mediante um dado de entrada
(input), produz-se uma resposta (output).
Noutras palavras, o computador, na abordagem
epistemológica funcionalista computacional, serve como modelo
de um organismo que apresentaria certa organização funcional
que é explicitada por um programa encarregado de manipular
o input (entrada) recebido e devolver um output (saída). A
organização funcional de um organismo, portanto, pode ser
descrita como um programa que, frente a um dado de entrada,
produz uma resposta.
Em síntese, Putnam defende que os estados mentais não
são físicos, mas funcionais, a partir de uma sequência de inputs
e outputs, formando uma cadeia por onde a informação se
move.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. In: DESCARTES, R.


Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, p. 5-74, 1988.

- 28 -
DESCARTES, R. Discurso do Método. Tradução de Maria
Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
DESCARTES, R. Princípios da Filosofia. Tradução João Gama.
Lisboa: Edições 70, 1997.
DESCARTES, R. Regras para a Direcção do Espírito.
Tradução João Gama. Lisboa: Edições 70, 1985a.
DESCARTES, R. Treatise of Man. In: DESCARTES, R. The
Philosophical Writings of Descartes, volume I. Cambridge:
Cambridge University Press, 1985b, p. 99-108.
HATFIELD, Gary. A fisiologia de Descartes e a relação
desta com sua psicologia. Tradução de André Oídes.
Aparecida: Ideias & Letras, 2009.
LA METTRIE, Julien de. Hombre máquina. In: LA METTRIE,
Julien de. Obra Filosófica. Madrid: Editora Nacional, 1982b.
LA METTRIE, Juien de. O Homem Máquina. Tradução de
Antônio Carvalho. Lisboa: Editorial Estampa, 1982a.
MONDIN, Battista. Curso de Filosofia: os filósofos do
Ocidente. Tradução de Benôni Lemos. 7. ed. São Paulo: Paulus,
1982, vol. 2.
PINHEIRO, J. S. As paixões segundo Descartes: obscuras e
irrecusáveis experiências. Controvérsia, vol. 3, n. 2, pp. 07-
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REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de
Spinoza a Kant. São Paulo: Paulus, 2007, vol. 4.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do

- 29 -
Humanismo a Descartes. São Paulo: Paulus, 2004, vol. 3.
SPINOZA, Baruch. Ética. Tradução de Tadeu Tomaz. Belo
Horizonte: Autêntica, 2016.

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