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Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)

Sobre a noção de Consciência: um diálogo entre a Psicanálise e as


Neurociências.
Aluno: Gean D. Breda

Resumo: A consciência manifesta nos seres humanos é uma das grandes questões que estão
em aberto hoje na comunidade científica. Não existe um consenso em relação a origem da
subjetividade expressa por nós. Esse mesmo assunto foi abordado por Freud no projeto de 1895
para uma Psicologia Científica, quando ele propôs o sistema qualitativo chamado de Ômega.
Nesse trabalho procuro estabelecer um diálogo entre a psicanálise e outros ramos da ciência
com o objetivo de investigar o estado atual das pesquisas.

Palavras chave: Psicanálise; Consciência; subjetividade; neurociência; integração da informação;


entropia, redes neurais artificiais

1. Introdução
O mundo avançou muito no último século. Em termos científicos tivemos enormes
avanços nas diferentes áreas do conhecimento. Hoje, por exemplo, um físico formado numa
boa universidade tem acesso a muito mais informação do que Einstein nos idos de 1905 quando
formulou a Teoria da Relatividade Restrita, ou mesmo, em 1915 quando consolidou a teoria da
Relatividade Geral. Entretanto, apesar de tudo isso, existem questões que continuam sem
resposta. Uma das principais está relacionada com a consciência.

O trabalho desenvolvido por Sigmund foi um divisor de águas no entendimento da


psique humana. Ele reuniu, sistematizou e formulou uma estrutura para o funcionamento do
nosso sistema psíquico. Os avanços obtidos em relação ao inconsciente foram colossais. Apesar
de inúmeras controvérsias, reformulações e críticas, os pilares lançados continuam, ainda hoje,
sendo fundamentais no entendimento humano. Porém, na minha opinião, existe um aspecto que
passou um pouco distante dos holofotes da psicanálise. Estou falando da experiência
consciente, mais especificamente, relacionado ao sistema ômega, que tenta explicar as
características subjetivas.
Esse sistema foi proposto por Freud no Projeto para uma Psicologia Científica de 1895.
Nesse projeto Sigmund faz uma distinção muito precisa entre os aspectos quantitativos e os
qualitativos. Como assim? Todas as informações capturadas pelos nossos sentidos físicos
recebem quantidades. Todavia, dentro de nós essas quantidades se transformam em qualidades.
A melhor maneira de explicar é sugerir um exemplo: Talvez existam “cérebros” que
desempenham as mesmas funções sensoriais e de tomada de decisão que os nossos, mas nos
quais não há experiência subjetiva. Ou seja, reagem como se estivessem tristes, mas não sentem
tristeza. Sentem o sabor que seria o equivalente a uma excitação nas papilas gustativas, mas
não saboreiam, degustam, atribuindo subjetividade. Possuem características como o problema
da percepção em terceira pessoa. Esses são alguns exemplos dos aspectos qualitativos que
mostram o desafio a ser superado. Observe o que Freud nos diz:

“Naturalmente, não se pode tentar explicar como é que os processos excitatórios dos
neurônios levam à consciência. É apenas uma questão de estabelecer uma
coincidência entre as características da consciência que conhecemos e os processos
nos neurônios ômega que variam paralelamente a elas. E isso é bem possível, um
tanto detalhadamente.” (Jr. B. B., 2013)

Entretanto, essa parte ficou vaga no documento de 1895 e, no meu entender, na obra
como um todo. Lacan em nos fala justamente sobre isso:

“Encontramo-nos aqui, pela primeira vez, com essa dificuldade que se reproduzirá
ao longo de toda a obra de Freud – o sistema consciente, não se sabe o que fazer com
ele. É preciso atribuir-lhe leis inteiramente especiais, colocá-lo fora das leis de
equivalência energética que presidem as regulações quantitativas.” (Lacan J. J., O
Seminário 2)

Meu objetivo nesse trabalho é de caráter exploratório. Pretendo estabelecer um diálogo


entre a Psicanálise e outros ramos da ciência. Para isso farei um apanhado reunindo informações
em relação a maneira como Freud abordou esse tema, juntando a isso a opinião de outros
pesquisadores nos diferentes ramos da ciência. Na medida do possível estabelecerei correlações
entre o que foi descrito por Sigmund no Projeto, em relação ao sistema ômega e as últimas
linhas de pesquisa vigentes. Nesse caso, o objetivo é mostrar que a dificuldade encontrada por
ele parece ser de ordem ontológica, pois, ainda hoje, persistem dúvidas quanto à solução do
problema da qualidade. Irei apresentar as ideias de alguns cientistas, tais como: Steven Pinker,
Antônio Damásio, Gerald Edelman, Giulio Tononi, dentre outros. Darei especial atenção a este
último, pois, na atualidade, ele possui a formulação bem aceita na comunidade científica. Seu
pensamento está baseado na Teoria da Informação Integrada (TII) que, por sua vez, encontra-
se alicerçada na segunda lei da Termodinâmica conhecida como Entropia, termo utilizado por
Freud e Lacan na explicação, em parte, da pulsão de morte.

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A dificuldade em estudar esse assunto começa na própria definição do que é consciência.
Sendo assim, achei melhor restringir o trabalho. Não pretendo abrir muitas frentes, pois,
provavelmente, inúmeras ramificações ficariam sem explicação. Vou focar na questão da
subjetividade.

1.1 O que é a Consciência?

Na literatura existem milhares de explicações sobre o tema. As perspectivas variam


desde o campo da metafísica até os da mecânica quântica, como veremos a seguir. O assunto é
objeto de estudo desde a antiguidade, abarcando o esforço de muitas áreas do conhecimento
humano. Apesar de toda energia investida ninguém, até hoje, produziu uma teoria que seja
universalmente aceita. Isso não deixa de ser irônico, pois a sensação de estarmos conscientes é
algo que os seres humanos possuem, mas não conseguem entender do que realmente se trata. É
a experiência mais concreta e ao mesmo tempo a mais distante. É como se tentássemos segurar
água em nossas mãos. Contudo, as gotas escorrem por entre os dedos e quando menos
percebemos estamos de mãos vazias.

Na década passada o “Hard Problem of Conciousness” (HPC) foi o segundo tema que
mais despertou interesse na comunidade científica na área de Física. O que é o HPC? Diz
respeito ao que falamos até agora, ou seja, ao problema da experiência subjetiva. Essa é a
terminologia adotada pela comunidade científica.

Observe o que nos diz o pesquisador Carlos Lyra:

“A questão da qualidade é um problema antigo nas ciências naturais, que nos remete
a Aristóteles, o qual defendia ser impossível fornecer uma dedução matemática da
qualidade. (Koyré, 1982, p. 169). Assim, toda ciência moderna, a partir de Descartes,
deixa de lado o problema da qualidade, por considerá-lo de ordem subjetiva. Não
obstante, Freud procura incluir a qualidade em seu sistema explicativo, uma vez que
uma teoria psicológica completa não pode prescindir dessa categoria epistemológica.
Dessa maneira, Freud se depara com os limites entre, por um lado, uma teoria
baseada apenas em pressupostos das ciências naturais e, por outro, uma teoria
dinâmica acerca da consciência.” (Lyra, 2007)

Tudo o que vemos, ouvimos, tocamos, cheiramos, saboreamos são valores que são
captadas pelos respectivos sensores distribuídos pelo corpo que, por sua vez, transformam as
excitações em impulsos que chegam ao cérebro como uma quantidade. Entretanto, de alguma
forma elas são transformadas em qualidades. Não existiria dificuldade se a mente apenas
processa-se informações quantitativas e respondesse de maneira análoga. Aliás, esses aspectos
representam a parte fácil do entendimento e são comumente denominados de “easy problems
of conciousness”.

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Tendo em vista que partimos do ponto que esse fenômeno que emerge no cérebro, nada
mais justo do que buscar suas origens nos elementos que o compõe. Sendo assim, o principal
componente onde devemos buscar são as células nervosas. Sabendo que os neurônios podem
ser reduzidos aos átomos de uma variedade de elementos químicos. Nada mais lógico do que
procurar alguma característica que possa induzir qualidade na sua composição. Portanto, a
subjetividade deveria, de alguma forma, estar presente nesses átomos, mesmo que
representadas por características singulares. Todavia, utilizando o reducionismo não
encontramos nada além de quantidades. Todas as partículas que existem e mesmo os campos
(eletromagnético, ..., gravitacional) associadas a elas, sejam eles quânticos ou baseados na
mecânica geral, não possuem nenhuma qualidade, apenas quantidades através das quais eles
podem ser medidos.

Antônio Damásio é um neurocirurgião e neurocientista português que estuda esse tema


há décadas. Ele nos diz o seguinte:

“Nenhum aspecto da mente humana é fácil de investigar, e, para quem deseja


compreender os alicerces biológicos da mente, a consciência é unanimemente
considerada o problema supremo, ainda que a definição desse problema possa variar
notavelmente entre os estudiosos. Se elucidar a mente é a última fronteira das
ciências da vida, a consciência muitas vezes se afigura como o mistério final na
elucidação da mente. Há quem o considere insolúvel.” (Damásio, 2000)

O filósofo David Chalmers nos diz que:

“Não existe nada mais imediato do que a experiência consciente, mas ao mesmo
tempo não existe nada tão difícil de ser explicado.” (Teixeira J. d., 1997)

1.2 Principais Linhas de Pesquisa

Segundo o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis (2015) a consciência seria uma


propriedade que aparece fruto da interação de bilhões de neurônios estabelecidos em trilhões
de conexões. De maneira similar estão os trabalhos de Gerald M. Edelman (Lyra, 2007)
(Edelman & Tononi, 2013) e neurocientista Christof Koch, diretor científico do Instituto Allen
de Ciências Cerebrais. Para Koch:

“a consciência emerge em qualquer sistema de processamento de informação


complexo o suficiente. Todos os animais, de humanos até minhocas, são conscientes;
até a internet poderia ser. É simplesmente a forma como o universo funciona.” (USP-
Esalq)

Giulio Tononi, psiquiatra e neurocientista, propôs a Teoria da Informação Integrada


(TII). Um dos resultados da teoria é o cálculo de Phi que representa a interconectividade da
rede, podendo abranger desde partículas até um cérebro. A interconectividade, o Phi, representa
também o nível de consciência. O córtex cerebral possui um valor altíssimo de

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interconectividade, pois é formado pela interconexão de cerca de 80 bilhões de neurônios, o
que forma cerca de 100 trilhões de conexões. Muitos consideram a TII a melhor explicação
vigente para elucidar esse fenômeno.

Já o pesquisador Carlos Lyra aborda o tema de uma maneira alternativa:

“Durante muito tempo, a psicologia, enquanto ciência empírica, procurou seguir o


modelo das ciências naturais, tendendo, na maioria das vezes, a reduzir as diferenças
entre sujeito e objeto, e adotando uma concepção naturalista. Para os naturalistas, a
consciência não passa de um epifenômeno: emerge dos processos quantitativos e das
relações causais que se realizam no cérebro. Husserl criticou severamente o
psicologismo, defendendo uma posição dualista, na qual a consciência ocupa um
lugar relevante em relação às coisas na natureza. Herdeiro do pensamento
cartesiano, Husserl concebe a consciência como um fenômeno qualitativo, dotado de
intencionalidade, isto é, que visa a um determinado objeto. Igualmente, para Husserl,
o psíquico é um fenômeno, e não a coisa (Hursel, 2000).” (Lyra, 2007)

Ainda nesse texto podemos constatar que Husserl coloca a consciência num patamar
acima de uma simples manifestação que emerge de relações causais. Esse tipo de discordância
é muito comum quando estudamos o tema. O espectro de proposições é enorme.

Para outros cientistas a consciência seria apenas uma espécie de ilusão. No livro do
neurocientista Ramon Consenza, o autor faz uma apreciação das atividades conscientes e
inconscientes. Segundo ele:

“As neurociências têm repetidamente demonstrado que o cérebro é responsável pelos


processos mentais, e que o sentimento de um eu consciente é resultante de um
processamento distribuído, independente de um comando central. O eu consciente
parece não ser mais que uma narrativa tecida por um intérprete a partir das
informações que ele incorpora, ao mesmo tempo em que racionaliza e ignora outras
informações.” (Consenza, 2016)

Para esses autores os processos inconscientes, no seu aspecto mais abrangente, ou seja,
não apenas o que é recalcado, seria a verdadeira realidade do Sapiens. A consciência
representaria apenas uma narrativa com o objetivo de integrar os processos e dar possibilidade
de criar novas saídas aos problemas enfrentados.

Existem outros pesquisadores, dentre eles, podemos citar Pinker (1998) que tentam
mostrar que o fenômeno em questão é suscetível de ser tratado pelos métodos tradicionais, por
exemplo: teorias computacionais. Sendo assim, não seria necessário formular
uma teoria específica para isso.
De forma similar pensa Daniel Dennett (Memes and the Exploitation of Imagination,
1991) que afirma que a consciência é o resultado de uma espécie de processos “computacionais”
que ocorrem no cérebro aos quais ela denomina por “Memes”.

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Dentro do fisicalismo podemos citar o cientista cognitivo Joscha Bach que defende a
ideia de que somente dentro de uma simulação pode haver a experiência de estarmos
conscientes. Ela seria apenas uma espécie de programação.

Temos o modelo quântico conhecido como ORC (USP-ESALQ), Redução Objetiva


Orquestrada, que foi proposto por dois pesquisadores. O primeiro Sir Roger Penrose (A Mente
Nova do rei, 1993), ganhador do prêmio Nobel de Física no ano de 2020 por seu trabalho com
Buracos Negros, o segundo: Stuart Hameroff. Para eles a consciência depende de processos
quânticos coerentes biologicamente "orquestrados" em coleções de microtúbulos presentes
dentro dos neurônios do cérebro.

Gostaria de destacar que existe uma corrente de pensadores que afirmam que não existe
explicação possível para a subjetividade. Um dos argumentos utilizado para isso reside no
segundo teorema de Kurt Godel que nos diz que um sistema não pode ser totalmente deduzido
a partir de si mesmo (Ernest Nagel, 2019). Um ser consciente não poderia se auto equacionar,
pois somente é possível entender um sistema se estivermos olhando de um nível acima dele.

Para outros pesquisadores a consciência seria a base do universo físico. Um deles é o


cientista em psicologia cognitiva Donald Hoffman (2016), os outros são: Bernardo Kastrup
(2014) e o físico Thomas Campbell1 (2001) (2003) (2003). Segundo eles as propriedades físicas
não podem explicar a consciência, já à consciência é necessária para explicá-las. A ciência não
nos diz o que são as coisas, mas apenas como elas se comportam, relacionam. Frente a esse
comportamento são criadas leis que conseguem garantir precisão na maneira como os
fenômenos se comportarão. Isso se traduz em ganhos tecnológicos. Os avanços que vemos não
são por conhecermos o universo, mas sim por interpretá-lo da maneira correta. Nunca foi visto,
um próton, elétron, nêutron e nenhuma partícula elementar. Na verdade, elas não existem, o
que existe, segundo uma das teorias aceitas hoje na Física, seria o campo quântico e a
manifestação desse campo é em forma de aparentes partículas ou ondas. Por mais estranho que
possa parecer tudo o que experimentamos do mundo acontece dentro de nossas mentes.
Segundo esses cientistas existe um campo fundamental e irredutível que poderíamos chamar de
consciência que modula toda aparente realidade.

1.3 - Consciência segundo a Psicanálise

1
TOE – Theory Of Everything – Teoria do Todo

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A dificuldade em trabalhar com esse tema esbarra também no fato de que existem
poucas publicações psicanalíticas a esse respeito. Por isso, acabei anexando material
complementar de outras áreas na esperança de complementar as explicações.

Não existe um livro específico onde Freud trate do tema. Uma das primeiras menções a
consciência é feita no livro de 1895. Falarei aqui de maneira resumida sobre o Projeto para uma
Psicologia Científica, deixando os detalhes para discutir no capítulo 2. Nesse trabalho, ele
estabelece as bases neurológicas do funcionamento da psique, criando um ponto comum entre
o comportamento dos neurônios e sua correspondente componente psíquica e vice-versa.
Vemos que sua tentativa é estrutural, baseada numa formulação de caráter newtoniana.

Nesse texto extraído de um dos seus últimos livros podemos constatar uma incerteza em
relação aos processos que estão rodando.

“Conhecemos duas espécies de coisas sobre o que chamamos nossa psique (ou vida
mental): em primeiro lugar, seu órgão corporal e cena de ação, o cérebro (ou sistema
nervoso), e, por outro lado, nossos atos de consciência, que são dados imediatos e
não podem ser mais explicados por nenhum outro tipo de descrição. Tudo o que jaz
entre eles é-nos desconhecido, e os dados não incluem nenhuma relação direta entre
estes dois pontos terminais de nosso conhecimento. Se existisse, no máximo permitir-
nos-ia uma localização exata dos processos da consciência e não nos forneceria
auxílio no sentido de compreendê-los.” (Freud S. , Moisés e o Monoteísmo, 1990)

Freud chegou a afirmar que a consciência seria um “fato sem igual, que resiste a toda
explicação ou descrição” (Gomes, 2003). Ainda segundo o autor, essa afirmação considerava a
perspectiva da primeira pessoa, ou seja, a maneira como a consciência se apresenta para o
indivíduo. Isso é similar ao limite imposto pelo teorema de Kurt Godel citado anteriormente.
Ainda segundo (Gomes, 2003) Freud teria escrito, em 1915, um documento específico sobre o
tema. O objetivo era incorporá-lo a sua coleção de metapsicologia. Entretanto, não ficou
satisfeito com o resultado, de maneira que acabou descartando-o. É importante lembrar que isso
aconteceu também com o Projeto de 1895, pois depois de concluir, enviou o manuscrito para
seu amigo e confidente Fliss. O fato interessante é que nunca solicitou que o devolvesse. O
projeto só foi publicado em 1945 graças ao esforço da sua filha Ana e da princesa Alice. O
documento foi publicado de maneira incompleta, pois uma parte havia sido perdido.

A interpretação de alguns é que ele não tenha ficado satisfeito com o resultado. Em
relação à quantidade ele fez um ótimo trabalho ao sugerir os sistemas Phi, Psi, como veremos
no próximo capítulo. Apesar de sugerir um sistema ômega para tentar explicar a subjetividade
não ficou claro como a quantidade é transformada em qualidade. O grande problema é entender
como se dá essa transformação. Freud nos diz:

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“Naturalmente, não se pode tentar explicar como é que os processos excitatórios dos
neurônios levam à consciência. É apenas uma questão de estabelecer uma
coincidência entre as características da consciência que conhecemos e os processos
nos neurônios ômega que variam paralelamente a elas. E isso é bem possível, um
tanto detalhadamente.” (Jr. B. B., 2013)

Mesmo Lacan levanta essa dificuldade:

“Encontramo-nos aqui, pela primeira vez, com essa dificuldade que se reproduzirá
ao longo de toda a obra de Freud – o sistema consciente, não se sabe o que fazer com
ele. É preciso atribuir-lhe leis inteiramente especiais, colocá-lo fora das leis de
equivalência energética que presidem as regulações quantitativas.” (Lacan J. J., O
Seminário 2)

Apesar da dificuldade em defini-la, Freud atribuiu grande importância à tornar


conscientes os conteúdos reprimidos. Gilberto Gomes faz menção clara sobre a maneira como
o processo deve se desenrolar, não sendo efetivo fazer sugestões ao paciente:

“Quando comunicamos a um paciente uma representação que a seu tempo ele


recalcou e que identificamos, isto a princípio em nada altera seu estado psíquico. Isto
de forma alguma suspende o recalque, nem anula seus efeitos, como se poderia talvez
esperar, já que a representação anteriormente inconsciente tornou-se agora
consciente... Efetivamente, não se produz qualquer suspensão do recalque antes que
a representação consciente, após a superação das resistências, tenha se ligado ao
traço de lembrança inconsciente. Só ao fazer consciente este próprio traço é que se
alcança o sucesso.” (Gomes, 2003)

Para algumas pessoas a resposta para a subjetividade está presente na metapsicologia.


Estaria atrelada aos eventos que aconteceram no passado do indivíduo, ao conteúdo que envolve
as experiências que cada pessoa teve. Porém, no meu entender a metapsicologia parte do
princípio de que a experiência qualitativa existe e não que ela a origina. Ou seja, inicia baseado
do ponto que o “sistema” funciona e que sobre ele se estruturam determinadas formas de
resposta.

Parto do pressuposto que a subjetividade é uma qualidade que já existe nos momentos
em que começamos a ter as experiências. Sendo assim, essa característica qualitativa não pode
nascer baseada nas vivências. O que se forma a partir delas são os condicionamentos, a maneira
de responder, nossa visão do “eu”, etc. Podemos definir isso como o “conteúdo” do qual a
subjetividade faz uso (Hohwy, 2009). Se nos atermos a lógica de que são as experiências que
definem a consciência, então ficamos presos em um loop conceitual, do tipo: “O que veio antes
o ovo ou a galinha?” Existe uma subjetividade pré-existente (Hohwy, 2009). Toda a história,
na minha opinião, aumenta os graus de liberdade sobre a qual nossos aspectos qualitativos
podem operar. As experiências vividas aumentam o “horizonte” sobre o qual esse princípio
atua. Fazendo um paralelo, se deixarmos uma mesma criança em períodos diferentes em dois
quartos, um sem e o outro com brinquedos, constataremos que a probabilidade de criação será

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maior, provavelmente, na segunda situação. Apesar da criança ser a mesma, os resultados são
diferentes.

Entretanto, entendo que a metapsicologia seja um aspecto da consciência. Para isso vou
utilizar uma classificação dada pela terminologia de (Block, 1995) que a dividiu em: Fenomenal
e de Acesso.

“Para ele, a primeira consistiria na experiência em si, ou seja, seria um estado de


consciência com propriedades experienciais, como quando alguém vê algo, ouve, ou
experiencia percepções, sensações, desejos, pensamentos, entre outros. Ademais, não
corresponderia às propriedades cognitivas (como o ato de pensar) e nem
intencionais. Já o segundo tipo proposto por Block (1995) consiste na representação
do conteúdo de um estado de consciência, a qual é armazenada em forma de memória
de trabalho, de acordo com Tsuchiya e Koch (2016).” (Salazar, 2018)

A Metapsicologia se enquadra dentro da consciência de acesso. Importante mencionar


que os autores consideram que ambas as classificações tenham integração entre si.

Pesquisei no livro de (Garcia-Roza, 1995) que trata da metapsicologia Freudiana


procurando por indícios em relação a discussão da quantidade x qualidade. Contudo, não
encontrei as respostas que buscava. Outro trabalho que tive acesso foi a tese de doutoramento
do aluno Ivan Ramos Estevão (A Realidade, entre Freud e Lacan, 2009). Novamente não
encontrei uma resposta que chegasse nessa questão específica. Na tese o candidato utiliza o
Projeto de 1895 do sistema ômega para contextualizar o subjetivo.

Nesse sentido me atenho a explicação dada por Benilton Bezzera Jr.:

“Freud parte da suposição de que a própria arquitetura do sistema neural possua


alguns dispositivos capazes de transformar a quantidade externa em qualidade.
Como essa seria uma forma de afastar a quantidade (tendência primordial do
sistema), a qualidade seria uma resultante do próprio aparelho neuronal, ou seja,
Freud continua em busca de uma descrição naturalística dos fenômenos psíquicos.”
(Projeto para uma Psicologia Científica - Freud e as Neurociências, 2013)

Entendo que exista uma lacuna que pode ser complementada, tendo em vista que essa
questão é, ainda hoje, um dos temas em aberto que suscita extremo interesse pela comunidade
científica.

Nos próximos capítulos continuarei agregando informações ao tema. Existe uma


probabilidade de eu não encontrar uma resposta definitiva, mas talvez possa fazer pequenas
contribuições ao debate.

2. Projeto para uma Psicologia Científica

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Vários dos artigos que li que abordavam a consciência do ponto de vista da psicanálise
partiram sempre do mesmo ponto (Lyra, 2007) (Júnior, 1999) (Gomes, 2003): Projeto para uma
Psicologia Científica de 1895. Entendo o projeto como o primeiro trabalho do pai da psicanálise
na tentativa de elucidar os processos mentais. Ele tinha como objetivo fundamentar os processos
psíquicos através da fisiologia cerebral. Entendo que o caráter da pesquisa era baseado no
fisicalismo de cunho materialista e, portanto, monista e reducionista.

“As teorias reducionistas afirmam que estados mentais podem ser reduzidos a estados
cerebrais. […] Não se trata de negar a realidade do mental ou do psicológico
afirmando que esse seria apenas uma manifestação dissimulada da atividade
cerebral, como sustentam os partidários da teoria da identidade. A reducionista parte
da existência do mental, afirmando que esse, em última instância, é um tipo de
realidade física. Ele não afirma que o mental é o cerebral, nem tampouco que o
mental é dispensável, como o fazem os partidários do materialismo eliminativo.”
(Teixeira J. F., 2003)

Pretendia associar conceitos físicos, tais como, movimento, forças, barreiras de


potencial, mínimo gasto energia, a dinâmica neuronal ligando tudo isso ao funcionamento da
psique.

No meu entender esse movimento de Freud foi natural tendo em vista que sua formação
era de um médico com especialidade em psiquiatra. Sendo assim, ele conhecia as bases
fisiológicas, neurológicas. Nada mais natural do que partir de onde tivesse mais familiaridade.
Ele desejava estabelecer uma ponte entre o sistema neurológico e a “psicologia”. Todavia,
acredito que ele mesmo tenha ficado insatisfeito com o resultado final, pois o texto foi deixado
de lado, esquecido.

Freud comenta o seguinte:

“Vivo atormentado por duas intenções: descobrir que forma tomará a teoria do
funcionamento psíquico se nela for introduzido um método de abordagem
quantitativo, uma espécie de economia de força nervosa, e, em segundo lugar, extrair
da psicopatologia tudo o que puder ser útil à psicologia normal.” (Publicações pré-
Psicanalíticas e esboços inéditos, 1996 - Pág 213)

A intenção de Freud era apresentar o aparelho Psíquico buscando seu correlato neural,
demonstrando que através da transmissão e transformação da energia (Q), impeliria e abarcaria
atividade psíquica. Mas o que é essa energia Q? Freud separa em dois tipos, a primeira definida
apenas como “Q” e diz respeito a quantidade de excitação proveniente da estimulação sensorial
externa (exógena). A segunda ele denomina de Qh a que ele se referia como sendo proveniente
do próprio organismo (endógena).

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Freud pressupunha que o aparelho psíquico fosse dirigido segundo o princípio da
inércia, ou seja, frente uma nova carga de energia “Q” ou “Qh” os neurônios tendem a dissipá-
la, e isso é feito transmitindo essa energia para a cadeira neuronal. A presença de “Q” causa um
desconforto que tem que ser dissipado. Todavia, ele vai além ao definir que tudo isso acontece
de um ponto de vista econômico. Essa questão diz respeito à maneira como ele pensava que
“Q” circulava nos sistemas neuronais. Sendo assim, regula a maneira como a energia circula
entre ou nas cadeias de neurônios. À medida que o neurônio recebe uma quantidade “Q” ele
tende a dissipar essa energia passando para outros neurônios, pelos mais diversos caminhos.
Sendo assim, a função do sistema é equanimizar “Q”, seja através da descarga dessa energia
através de ações motoras, por exemplo, andar, gesticular.

Além do princípio da inércia é proposto o princípio da constância que tem por objetivo
limitar o livre escoamento da energia a determinadas barreiras de potencial entre os neurônios.
Isso foi necessário, pois do contrário não haveria acúmulo de carga para executar uma tarefa,
por exemplo, alimentação, sexualidade. Se ela fluir de maneira livre segundo o princípio da
inércia, à medida que chegar seria dissipada, nunca acumulando para executar uma determinada
tarefa.

O que impede o livre fluxo são as “barreiras de contato” nas conexões entre os
neurônios. Em função disso Freud classificou em dois tipos de neurônios:

1) Permeáveis que permitem a passagem de “Q” como se não houvesse barreiras. Depois
da passagem ele retorna a sua forma original, são destinados a percepção.

2) Impermeáveis são os que possuem barreiras que impedem o livre fluxo de “Q”.
Nesses neurônios sempre fica armazenada certa quantidade de energia. Estes neurônios
funcionam como uma espécie de memória. Essa energia fica retida nas barreiras. Não é uma
quantidade igual para cada barreira, porém como “Q” é dissipada nas redes neuronais, são os
vários elementos que formam uma memória. Quanto mais reforçada a memória, mais definidos
são os neurônios e as barreiras relativas àquela memória.

Entendo que seja oportuno correlacionar as barreiras de contato com as sinapses que
nada mais são do que as conexões entre neurônios. Elas são formadas na interligação entre
dendritos e axônios que são os elementos que formam o neurônio, além do corpo celular. Nos
idos de 1895 isso ainda não era conhecido pela ciência médica.

2.1 - Sistemas Phi, Psi e Ômega

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O que mais despertou meu interesse foi a maneira como Freud abordou a consciência.
No item anterior expliquei dois tipos de neurônios: permeáveis (conduzem a carga, mas não a
retém) e impermeáveis (conduzem e retém parte da carga “Q”). Essa diferença entre os dois
tipos está justamente nas barreiras de potencial que cada um possui. Para nomear de maneira
diferente os sistemas neuronais, Freud denominou de sistema Phi os neurônios que recebem
estímulos exógenos (mundo externo) que são responsáveis pela percepção. E sistema Psi os
neurônios que recebem os estímulos endógenos, ou seja, registram os eventos que chegam
provenientes do próprio corpo. Nesse caso, em ambos os casos o que determina a passagem ou
não é a relação entre as forças de excitação e a resistência a ela.

Ainda segundo ele, os neurônios Psi ficam em um estado diferente após a passagem dos
estímulos que sobrepassam as barreiras. É como se a passagem da energia deixasse um traço
que acaba por se tornar um caminho para futuros fluxos similares. Ele sugere que esse
mecanismo é a base da memória. Os estímulos endógenos são em grande parte descarregados
através dos mecanismos reflexos motores.

O problema nessa abordagem é explicar a consciência, tendo em vista que ela não é um
aspecto quantitativo. O sistema Psi e Phi2 lidam com quantidades, mas isso não é válido para
aos aspectos subjetivos. Além do fato de que ambos os sistemas são inconscientes. Como
explicar os aspectos subjetivos de experimentar o sabor de um pêssego, extrair sentido em
determinadas experiências?

A qualidade não pode ser simplesmente reduzida a partir de uma quantidade, ela não é
um aspecto objetivo. É importante salientar que estados conscientes pressupõem a intersecção
entre fenômenos subjetivos e objetivos. Não se referem às propriedades dos objetos em si, tais
como cores, sons e cheiros, mas às experiências individuais que essas suscitam. Toda percepção
por parte de um indivíduo suscita propriedades subjetivas. A experiência para cada indivíduo é
diferente, já a quantidade que representa a objetividade é igual. É importante explicar um pouco
melhor esse aspecto. Tudo o que o mundo nos apresenta pode ser representado objetivamente
por quantidades. Por exemplo, um carro pode ser representado em termos de comprimento,
largura, altura, peso, material, cor, velocidade, aceleração, carga elétrica, ..., temperatura. A
cor, por sua vez, pode ser representada pela frequência no espectro eletromagnético, ..., índice
de reflexão e refração, mas observe que tudo isso são quantidades.

2
Não confundir com o Phi que Giulio Tononi sugere. São duas definições completamente diferentes.

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Se dois indivíduos estiverem numa mesma sala eles poderão criar e convergir para uma
representação daquela sala apenas em termos quantitativos. Entretanto, ao mesmo tempo cada
um dos indivíduos terá uma experiência totalmente diferente daquele espaço. Parte dessa
experiência é devida a metapsicologia, mas a questão fenomenal fica sem resposta. Se
reduzirmos o cérebro chegaremos as células nervosas, se reduzirmos essas chegaremos a
componentes químicos que podem ser representados por átomos. Por sua vez, os átomos só
possuem quantidades e não qualidades. Prótons, nêutrons e elétrons possuem características
quantitativas. Mesmo se reduzirmos Prótons e nêutrons aos seus componentes que são quarks
e gluons, ainda assim, não existe nada que represente subjetividade.

Foi justamente nessa inconsistência que Sigmund se deparou. De uma forma geral, essa
é uma das grandes perguntas que ainda hoje não estão respondidas. Existem muitas tentativas
de tentar contornar esse problema. Uma delas é justificar o aparecimento da qualidade à medida
que determinado tipo de matéria se junta, no caso do cérebro, os neurônios. Para outros
(pampsiquismo), as partículas elementares possuem os “qualias” e à medida que se juntam
adquirem um ponto a partir do qual os processos conscientes ficam cada vez mais refinados.
Mas, voltamos as mesmas dúvidas manifestadas anteriormente: Como é possível que isso surja
do nada tendo em vista que nenhuma propriedade física ou química reflete isso?

Pensando assim, Freud sugere um terceiro sistema também permeável, mas responsável
por registar a qualidade da excitação e não a quantidade. Esse sistema foi denominado de ômega
(futuro sistema Pcpt-Cs). Contudo, essa saída não é tão simples, pois ele monta uma explicação
da qualidade baseando-se na quantidade. É sugerida uma transformação de uma para a outra.
Entretanto, existem dúvidas na maneira como foi formulada. Para ele os neurônios ômega
seriam excitados durante uma percepção, mas isso não ocorreria numa recordação, tendo em
vista que ômega não são dotados de memória. Devido a aparente dificuldade de relacionar a
qualidade a quantidade, Freud associa os “qualia” a outra representação que seria a temporal.
Esse aspecto seria até mesmo uma espécie de filtro, onde os órgãos dos sentidos deixariam
passar apenas estímulos acima de um determinado valor de duração. Todavia, observe o que
nos diz Benilton Bezerra Jr.:

“O sistema ômega se configura como um sistema diferente dos sistemas Phi e Psi,
embora mantenha as relações necessárias. Os neurônios ômega não retém Q, mas
são capazes de se apropriar do período de excitação. É esse estado de afecção do
período que o sistema ômega transmite para o sistema Psi sob a forma de signos de
qualidade, ou signos de realidade, que Freud indica como o fundamento da
Consciência. Vê-se que Freud não diz como exatamente se dá o processo por meio do
qual o período de excitação faz emergir a qualidade. Ele se contenta em formular

13
uma descrição hipotética que lhe permite manter a ideia básica de que fenômenos
psicológicos e fenômenos neurais ocorrem em paralelo.” (Jr. B. B., 2013)

É muito interessante essa transformação que ele propõe. Parece que isso, de certa forma,
desarma o leitor tendo em vista que não seria possível explicar o surgimento da qualidade em
termos de excitação e da energia Q. Sendo assim, ao propor o tempo3 como a nova resposta, ele
acaba reavivando o debate. Entretanto, vale ressaltar que tanto Q quanto o tempo ou período
“t” são basicamente valores. O período também é uma quantidade. O tempo é medido em
segundos, minutos, ..., anos. Na minha maneira de entender a dificuldade ainda perdura. Se
criamos regras para definir isso teremos como resultado, mais uma vez, aspectos quantitativos.

2.2 - Eu (Realidade)

Vou voltar um pouco para retomar o tema da descarga da carga “Q”. Quando a descarga
dessa energia acontece pela motilidade isso gera uma sensação de satisfação/prazer. A
motilidade diz respeito à capacidade do organismo em buscar recursos externos para diminuir
o desprazer interno. Por exemplo, quando um bebê está com fome e começa a chorar. O
desfecho mais provável é ele receber o seio da mamãe de forma a sanar a fome que está
sentindo. À medida que esse processo é repetido o pensamento do bebê se fixa no seio. Isso
produz um traço mnemônico que é representado pela imagem do seio que produziu a satisfação.
Isso é repetido toda vez que uma excitação “Q” de mesma natureza surge desencadeando uma
mesma resposta. Ou seja, o traço mnemônico é reforçado.

3
Redes Neurais Artificias (RNA) procuram recriar sistemicamente a fisiologia cerebral, tanto em termos do
neurônio como também da interconectividade entre as células. As RNAs são extremamente eficientes em várias
tarefas. Podemos ter sistemas especializados no reconhecimento de fala, face, íris, andar, grafia, assinaturas, ...,
conversas e interações sem muita profundidade. Mas como isso é possível? Basicamente o sistema retira
características (quantidades) e essas servem como informação para treinar as RNAs. Essas redes aprendem os
padrões presentes nas quantidades apresentadas, mas sempre irão responder em função de quantidades.
Podemos até mesmo, apresentar qualidades, mas essas sempre, em última instância, serão transformadas em
quantidades. É possível numa RNA incorporar o equivalente a um sistema ômega trabalhando conjuntamente
com os sistemas Psi e Phi, porém ele será mais um sistema quantitativo. O grande problema das RNAs reside
justamente no aspecto subjetivo, pois essa característica não é possível de ser derivada de nenhum ponto da
rede. As RNAs aprendem, mas estão limitadas a aprender quantidades. A incorporação de uma maior variedade
de valores dará a RNA, em termos práticos, uma taxa de acerto maior em relação ao que ela deve “saber” e
consequentemente “responder”. Existem RNAs que, até mesmo, aprendem automaticamente sem necessidade
de treinamento. Poderíamos pensar que essas redes manifestam subjetividade, mas mesmo nessas as respostas
são resultado de características quantitativas. Não vemos a RNA se manifestando de forma subjetiva. Para
simular isso sempre precisamos criar regras. Ou seja, será simulada através de uma lei implantada e isso quebra
a própria essência da subjetividade que é espontânea e foge de qualquer definição. O resultado dos melhores
modelos físico-matemáticos de neurônios conectados nos melhores modelos de redes, sendo esses submetidos
ao treinamento mais refinado dará a essa rede a característica de aprender, responder, mas sempre da mesma
maneira quantitativa. Lógico que não temos a escala (bilhões de neurônios criando trilhões de conexões)
presente no cérebro humano. Contudo, podemos treinar, através das RNAs, o equivalente a circuitos específicos
do cérebro e a natureza da resposta é sempre a mesma.

14
À medida que a criança chora de fome existe a esperança que apareça um seio que irá
satisfazer seu desejo. Isso acontece de maneira natural tendo em vista que existe uma memória
já incorporada ao bebê. Entretanto, se isso não acontecer gerará uma frustração. O problema
começa a surgir justamente quando essas pulsões não são satisfeitas. À medida que mais
ocorrências dessa natureza acontecem e não são satisfeitas, o bebê pode começar a não se
manifestar mais através do choro. Isso significa que ele não irá demonstrar mais nenhum tipo
de reação. Isso passa a ser denominado de alucinação. Esse processo como um todo gera
ansiedade. Vários problemas físicos podem acontecer devido a não descarga de “Q” na via da
motilidade. Porém, de alguma maneira essa energia é extravasada o que caracteriza os processos
psicossomáticos.

No projeto Freud explica que a dor aparece quando a quantidade de energia que passa
pelos neurônios excede o normal. Já o sofrimento diz respeito a não realização de um
determinado desejo. Outro conceito muito importante é o do Trauma que seria o excesso de
energia que se fixa na memória. Seria uma hipersensibilidade a determinados estímulos.

É importante também destacar a diferença entre processo primário e secundário. Toda


vez que um processo é iniciado e não vai para a motilidade, ou seja, que fica represado dentro
do indivíduo, ele é denominado de processo primário. Quando este termina na motilidade é
denominado secundário. Isso tem a ver com duas maneiras da energia livre circular. Quando
ela está livre denominamos de processo primário e quando está ligada de secundário. A
explicação anterior é complementar a essa. Dentro desse aspecto Freud introduziu o conceito
de “Eu” que seria um elemento agregador para regular esses modos de circulação, dando
equilíbrio ao sistema psíquico. Isso se justifica à medida que o sistema psíquico tende a repetir
a resposta encontrada a cada novo estado de necessidade. O organismo sempre tende a repetir
o processo que desfez o desprazer e o conduziu ao prazer. Mas, isso não significa que o caminho
percorrido, traço mnemônico, seja real. Ele pode ser uma alucinação. Justamente para distinguir
entre esses cenários é que entra no jogo o “eu” que representaria a componente da realidade.
Cabe ao “eu” escolher o destino da descarga. Se houver um objeto para o qual possa ser dirigido,
ou então, inibir a descarga. Inibindo a descarga existe a identificação de que não existe um
objeto real.

Observe que os processos primários e secundários seriam internos ao sistema Psi.


Todavia, este sistema não é capaz de fazer juízo de valores, pois se trata apenas de um sistema
quantitativo. É necessário um indicador da realidade e é justamente nesse ponto que entra o

15
sistema ômega, pois a partir desse sistema é possível escolher quando da existência de um
objeto real. Esse sistema leva em conta os signos da realidade para definir o que é real ou
imaginário. Sendo assim, a descarga de um processo primário que é mediada pelo sistema
ômega permite que seu escoamento seja feito da melhor forma possível, diminuindo assim a
chance de frustração pelo investimento em uma alucinação.

3. Modelo baseado na Teoria da Informação Integrada


O objetivo nesse capítulo é explicar a teoria bem aceita hoje na comunidade científica
em relação à consciência. A Teoria da Informação Integrada TII) nasceu dos trabalhos
desenvolvidos pelo psiquiatra e neurocientista Giulio Tononi. Um dos resultados da teoria é o
cálculo de Phi que representa a interconectividade da rede, podendo estimar a integração desde
partículas até um cérebro. Além de representar a interconectividade, o Phi representa também
o nível de consciência. Pois, segundo Tononi, esses níveis estão diretamente relacionados com
a complexidade e interligação. O córtex cerebral possui um valor altíssimo de interconexão,
tendo em vista que é formado por cerca de 80 bilhões de neurônios que formam cerca de 100
trilhões de conexões.

Contudo, não é todo sistema que apresenta consciência, apenas os que possuem Phi
diferente de zero. Se não houver integração o Phi necessariamente será zero.

A TII utiliza a informação intrínseca ou endógena a um organismo. A seguir apresento,


de forma resumida, a conceituação geral para informação.

3.1 - Informação

O primeiro passo em relação à uma Teoria da Informação foi dado pelo pesquisador
Claude E. Shannon (Shannon, 1948) (Gleick, 2013) em 1948, quando trabalhava no Bell Labs
(AT&T Bell Laboratories and Bell Telephone Laboratories) nos EUA. Shannon ao medir a
quantidade de informação acabou associando isso ao conceito de Entropia. Conceito esse que
na sua essência diz respeito à segunda lei da termodinâmica e está associado a desordem. A
desorganização dentro de um sistema fechado tende a aumentar com a passagem do tempo. Em
tese quanto mais complexo for o objeto, maior a quantidade e integração de informação
envolvida e menor a entropia.

Importante mencionar que esse conceito foi utilizado por Freud (1917) (Alberti, 2009)
para justificar, em parte, a explicação sobre a pulsão de morte. Até mesmo Lacan (1991) utilizou

16
esse mesmo princípio em seus trabalhos. No texto a seguir a autora faz uma análise bastante
assertiva sobre a associação feita entre a pulsão de morte e a segunda lei da termodinâmica:

“Nesta perspectiva, o segundo princípio da termodinâmica expressa uma tendência


para a desordem, para uma situação em que haja uma distribuição cada vez mais
uniforme de matéria e de energia em um sistema. Assim, a entropia é uma grandeza
que expressa a irreversibilidade de um processo e ao mesmo tempo traz a questão da
degradação da energia em um sistema fechado.” (Prata, 2000)

No livro de “The Demon in the Machine” o físico Paul Davis (2017) associa a
informação a vida:

VIDA = MATÉRIA + INFORMAÇÃO

Não entrarei em detalhes aqui, porém segundo o princípio holográfico a informação é


um princípio fundamental do universo (Bekenstein, 2003) (Bohm, 2008) (Susskind, 1995).

3.2 - Teoria da Informação Integrada

Segundo a TII a consciência que manifestamos resulta da nossa capacidade de integrar


informação. Para entendermos um pouco melhor o que isso significa, veja o exemplo a seguir:
Imagine que ao abrir os olhos pela manhã você veja pela janela do seu quarto uma paisagem
composta por uma grande montanha com árvores, pássaros, animais, flores, ..., céu azul com
nuvens, sol. Um segundo depois você decide tirar uma foto da mesma cena com uma câmera
de alta resolução. A foto captura muito mais informação do que a retina do olho. Se
comparamos a sensibilidade do sensor de uma câmera com o da retina, veremos que a diferença
é muito grande. A foto terá milhões de pixels que conseguirão retratar minúcias da paisagem.
Entretanto, no caso da fotografia todos esses dados são estanques. Ao passo que na imagem
capturada pelos olhos que foi traduzida em informação pelo córtex visual, os dados presentes
foram integrados em uma narrativa singular. Nosso corpo é composto por uma complexa rede
de sensores. Não estamos falando apenas da visão, como também dos outros sentidos e mesmo
de nossas demandas internas, sejam elas psicológicas ou orgânicas. Todas os dados são
integrados no cérebro.

“Esta análise sugere que, para que haja consciência, um sistema deve possuir um
grande repertório de estados (informação) e que não deve ser possível decompô-lo
em partes que representem subsistemas sem dependência causal (integração).”
(Nathan, 2011)

Estudos apontam que a consciência não possui um local pré-determinado no qual ela
surja. Ela seria resultado da unificação, integração, não sendo pontual. Essa característica
crucial desempenhou um papel importante na filosofia de Kant, que argumentou que a

17
experiência consciente deve ser o produto do trabalho de síntese da mente. Os pesquisadores
Wolf Singer e Charles Gray (Singer, 1995) demonstraram que existem uma ressonância na faixa
dos 40 hertz que a princípio parece dar unidade as percepções. Isso vai além do comportamento
individual dos neurônios. Em determinados momentos, frequências de integração fazem com
que eles se comportem de forma uníssona.

“Heckhorn et al. (1988) e Gray et al. (1989) também contribuíram para o tema em
questão a partir de suas descobertas quanto às oscilações neuronais no córtex visual
de gatos, as quais variam de 40 a 60 hertz de frequência. Para os autores, essas
oscilações seriam responsáveis pelas sincronizações entre neurônios de diferentes
colunas corticais. Isso fundamentou a hipótese de que partes corticais espacialmente
separadas poderiam funcionar em sincronia e, possivelmente, estariam de alguma
forma relacionadas.” (Salazar, 2018)

Sem essa ressonância entre as diferentes áreas cerebrais parece o mundo, como o vemos,
consistiria apenas em segmentos. Cada parte teria uma “imagem” própria estanque, mas não
haveria uma unificação, correlacionando as partes aparentemente separadas. A noção de que,
do ponto de vista da primeira pessoa, experimentamos o mundo de forma integrada e como um
único campo fenomenal de experiência, parece ser devido a uma integração elevada da
informação. No entanto, quando observamos como o cérebro processa as informações, vemos
apenas regiões discretas do córtex processando aspectos separados de objetos perceptivos.
Quando vemos, pegamos, cheiramos um objeto o processamento é feito em diferentes partes
do córtex. Não existe um local onde todas as informações correlatas são agrupadas para que a
cena que estamos vendo faça sentido. Existem sim um disparo ressonante entre diferentes áreas
dando integração ao conteúdo.

Outro exemplo de integração pode ser visto na maneira como funciona nossa memória.
Apesar dos aspectos visuais estarem localizados em regiões cerebrais diferentes dos outros
sentidos, todas elas são guardadas de forma associativa, não existe separação em
compartimentos, mas sim ligando fatos, objetos, sensações, narrativas. Por exemplo, ao
pensarmos em uma maçã poderemos desencadear uma cadeia de eventos, diversas associações
poderão virão à tona: tipos de maçãs; um momento quando uma maçã caiu na cabeça; ou uma
cobra que estava no pé da macieira num dia que fomos comer maçãs. Nesse último caso a
lembrança dispara emoções relacionadas ao medo/horror. Sendo assim, quando algum evento
nos remete a uma maçã, toda uma cadeia neuronal é ativada e os fatos mais marcantes virão à
tona. Quais fatos? Provavelmente os mais relevantes que contém as emoções mais intensas.
Observe que as memórias guardam o aspecto temporal e são armazenadas de forma associativa,
elas possuem uma integração elevada que é capaz de reconstruir as sequências de eventos.

18
3.3 – Axiomas e Fórmulas

Existe uma formulação matemática rígida em relação ao cálculo do Phi. O resultado do


cálculo diz respeito ao nível de integração de um sistema. Não apresentarei as fórmulas nesse
trabalho, pois acredito que isso não faça parte do contexto do artigo. Para as pessoas que tiverem
curiosidade sugiro que leiam o capítulo 5 da tese de doutoramento (Nathan, 2011).

A maneira como a TII foi formulada difere do convencional da pesquisa. Ela não inicia
a partir do cérebro para chegar ao entendimento da experiência consciente, ou seja, não parte
da matéria. O princípio do trabalho é admitir que o fenômeno existe e é real. Baseado nesse
ponto procura as propriedades que um substrato físico necessita ter para que ela possa ser
explicada.

“A capacidade de realizar este salto da fenomenologia para o mecanismo repousa na


suposição do TII de que se as propriedades formais de uma experiência consciente
podem ser totalmente explicadas por um sistema físico subjacente, então as
propriedades do sistema físico devem ser restringidas pelas propriedades da
experiência.” (Salazar, 2018)

Ela inicia baseada nas “propriedades fenomenais essenciais das experiências


denominadas Axiomas Fenomenológicos”. A formulação dá uma base sobre a qual a TII é
construída.

“Assim, infere-se postulados ontológicos acerca das possíveis características


necessárias para a existência dos substratos físicos a eles relacionados. Conforme
Tononi et al. (2016a), axiomas consistem em propriedades essenciais e auto-
evidentes, tidas como verdade em quaisquer experiências possíveis. Dentre elas, estão
i. existência intrínseca; ii. composição; iii. informação; iv. integração e v. exclusão.
Enquanto isso, os postulados são explicados como sendo as propriedades derivadas
desses axiomas e que devem corresponder satisfatoriamente a substratos físicos de
consciência. Oizumi et al. (2014) definem os postulados como sendo hipóteses não
comprovadas, mas que, ainda assim, servem como base lógica para novas
descobertas. Dentre eles, incluem-se ser maximamente i. irredutível; ii. específico;
iii. composicional e iv. intrínseco quanto ao poder de causa e efeito, ou seja, quanto
à capacidade dos mecanismos de um sistema interferirem em seus estados passados
e futuros, ocasionando mudanças e outros possíveis efeitos. Segundo Tononi (2012),
todos esses fatores são importantes, pois podem ser aplicados a um sistema geral e,
ainda, para seus elementos. Em sequência, o autor cita o exemplo de que não somente
os neurônios, mas também os grupos neuronais podem ser entendidos enquanto
possibilidades constituintes da consciência.” (Salazar, 2018)

3.4 Inteligência Artificial partindo da TII

Nosso cérebro é um órgão extremamente eficiente quando falamos de integrar dados.


Como já mencionei, é formado por cerca de 80 bilhões de neurônios que se interconectam
formando trilhões de conexões. Até onde conhecemos é o maior nível de integração alcançado

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na natureza. Algumas conclusões a respeito da TII podem nos levar a pensar que, por exemplo,
um computador que possui muito mais informação em seu Hard-Disk (HD), comparado com
nosso cérebro, possua consciência. Entretanto a informação armazenada em seu HD possui
integração muito baixa. É a mesma coisa que as fotos tiradas pela câmera. Isso também vale
para a Internet, estamos falando do mesmo princípio. No ano de 2016 o tamanho da rede de
computadores (Miranda, 2016) era estimado em 2 zettabytes (1.000.000.000.000.000.000.000
bytes) por ano de dados. Fazendo um paralelo, estima-se que o cérebro humano seja capaz de
armazenar de 1 a 10 terabytes (1.000.000.000.000 bytes). Sendo assim, nossa capacidade de
armazenamento é cerca de um bilhão de vezes menor. Entretanto, ao mesmo tempo em que a
informação na internet possui um grau muito pequeno de integração, nós seres humanos,
possuímos um grau elevadíssimo.

No estudo (Phil Maguire, 2014) os autores demonstram que, dentro do modelo proposto
por Giulio Tononi, a informação integrada em nossos cérebros não pode ser modelada por
computadores. A princípio não existem como ter um nível de integração em máquinas similar
ao que acontece em nosso cérebro.

“No estudo, provamos que um processo que une informações juntas de forma
irreversível não é computável. Se o cérebro humano genuinamente está unindo
informações, então não pode ser emulado por inteligência artificial. E provamos isso
matematicamente”. (Redação, 2014)
“Se você construir um sistema artificial, você sempre saberá como você o construiu”,
explica. “Você sabe que é ‘decomposto’. Você sabe que é feito de elementos que não
são integráveis. Você não poderá nunca construir um sistema computacional e um
algoritmo que integra algo de maneira tão completa que não pode ser decomposto”
(Redação, 2014)

3.5 Hard Problem of Counciousness

Os estudos sugerem que a solução para o HPC está relacionado com o problema da
interligação entre as diferentes áreas do cérebro. Podemos também dizer que a interligação seja
a própria integração. Importante mencionar que não é apenas nas escalas maiores, mas também
nas menores que envolvem neurônios. A subjetividade aparece fruto dessa onda ressonante que
faz com que diferentes partes trabalhem em comum acordo na criação de uma narrativa.

Existe um fato que é conhecido e que foi mencionado num tópico anterior. O
processamento da informação se dá em diferentes partes do cérebro. Um copo colorido, com
chá em seu interior, é analisado em diferentes áreas do córtex cerebral, cada uma com sua
especialidade. Como também mencionamos, existe uma integração na informação. Ao que tudo
indica essa integração se dá no âmbito da qualidade. O que dá integralidade é a subjetividade.

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A quantidade apenas define os objetos, nos diz o que é cada parte separadamente, apenas suas
características mensuráveis, assim como numa foto. Contudo, a subjetividade é a cola que
integra tudo, assim como no exemplo da maçã.

3.6 Comprovações da TII

Toda teoria para ser aceita deve estar sujeita a replicação e comprovação. Nesse sentido
a TII angariou alguns pontos a seu favor. Os especialistas mencionam que estamos longe de
uma unanimidade em relação a sua aceitação. Porém, até agora, a teoria foi comprovada em
relação aos campos das evidências da participação mnêmica, em relação ao tempo de
processamento neural e a partir de lesões e disfunções neurológicas (Salazar, 2018).

Também existem alguns estudos mostrando que o efeito de determinados anestésicos


causa uma descorrelação no cérebro causando a perda da consciência. Isso significa que
perdemos a capacidade de integração quando determinados analgésicos são aplicados ao
organismo.

4. Conclusão
Chegamos ao final, para mim foi uma jornada gratificante estudar vários pensadores nos
mais diferentes ramos do conhecimento. Eu não tinha ideia de onde iria chegar.

A integração da informação, ou seja, a forma inata que temos de integrar dados que
poderiam, de outra forma, estar estanques é o grande diferencial em termos evolutivos. A teoria
nos leva a pensar que integrações menores, por exemplo, que são apresentadas em outros
animais também representam um certo grau de consciência. Isso nos obrigada, em termos
morais, humanos, a repensarmos nossa relação com todo ser vivo desse planeta. Como
expressou Mauro de Almeida:

“pois a formação de galáxias, de cristais, de formas vivas e de neurônios são


exemplos de ilhas de simetrização num oceano de entropia.” (Simetria e Entropia:
Sobre A Noção de Estrutura de Levi-Strauss, 1999)

Cada ser vivo representa um refinamento sem precedentes, uma integração de elevada
ordem. Nesse aparente oceano de caos, nós, sapiens, como seres autorreflexivos, possuímos
uma responsabilidade aquém dos demais. Temos que zelar pela vida para que esse refinamento
não termine devido a atos egoístas da nossa espécie.

A questão da subjetividade apresentada pela consciência humana é algo fascinante. Eu


imaginava que dificilmente encontraria uma respostava definitiva para isso. A TII não “bate o

21
martelo” em relação ao problema difícil da consciência. Ela propõe o caminho da integração da
informação. A subjetividade parece ser a cola que torna possível integrarmos coisas,
quantidades. Talvez seja um mecanismo de aproximação. Ela permite integrarmos tudo numa
narrativa única. Entretanto, fazer isso de forma quantitativa é impossível. A consciência poderia
representar a melhor aproximação disponível, em termos físicos, para compormos uma
narrativa. Para melhor entendermos isso gostaria de dar um exemplo. Recentemente tomei
conhecimento da dificuldade que Elon Musk (Tesla Motors) está tendo em desenvolver um
sistema autônomo para seus carros elétricos. A aplicação que está sendo desenvolvida é baseada
em RNAs. Até então, Musk definia esse desenvolvimento como algo simples que seria
facilmente superado. Todavia, depois de anos desenvolvendo, ele sugere que o problema está
justamente no elevado grau de liberdade que a realidade nos impõe.

“Não esperava que fosse tão difícil, mas a dificuldade é óbvia em retrospecto. Nada
tem mais graus de liberdade do que a realidade.” Elon Musk (Ventura, 2021)

Talvez, a subjetividade seja uma boa maneira de superar essa dificuldade. Contudo,
confesso que ainda tenho uma pergunta que reluta em desaparecer: Como é possível que nosso
cérebro manifeste essa característica? Mesmo Musk com seus trilhões de dólares não consegue
achar uma saída para essa questão que aparenta ser de ordem epistemológica. Ao que tudo
indica a própria informação pode estar nessa mesma categoria de problemas.

Minha última conclusão é que se a TII for realmente comprovada, isso deixará claro que
a consciência é o resultado da integração da informação. Pensando dessa maneira o conteúdo
reprimido poderia ser entendido como um cabedal de situações que devido a fatores
psicológicos não estariam totalmente integrados a nossa narrativa. Ou seja, deve existir uma
demanda interna inconsciente pela integração dessas informações. A terapia, análise, a fala
livre, representam uma chance de reinterpretarmos os conteúdos de forma com que possam
fazer parte dessa totalidade. A psicose e esquizofrenia também podem ser pensados em termos
de quebras da integração. Porém, nesses casos, eles representam rachaduras mais profundas que
ameaçam a estrutura como um todo, podendo levar, até mesmo, ao colapso da unidade. Corro
riscos ao falar sobre isso num único parágrafo, pois a explicação é extremamente superficial.
Entendam essa primeira tentativa apenas como um esboço inicial.

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