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SEÇAO 1: Artigos

REVISTA DA SOCIEDADE DE
PSICOLOGIA DO RIO
GRANDE DO SUL

S E Ç AO 1 | A r t i g o s

Algumas contribuições da neuropsicanálise


em casos de traumas psíquicos
Some contributions of neuropsychoanalysis in cases of psychic trauma

Estevan de Negreiros Ketzer1

Resumo: Este trabalho é fruto das recentes Abstract: This work is the result of recent
pesquisas realizadas por psicanalistas, neurologistas research by psychoanalysts, neurologists and other
e demais pesquisadores ao redor do mundo acerca researchers around the world on the interaction
da interação entre as neurociências e a psicanálise. between neuroscience and psychoanalysis. The term
Foi formalizado o termo neuropsicanálise para dar neuropsychanalysis was formalized to give light
lume a determinados objetos que tem ganhado to certain objects that have gained prominence
destaque nas atuais pesquisas: 1) a memória de si; in the current researches: 1) the memory of itself;
2) a neuroplasticidade; e 3) intervenções clínicas. 2) neuroplasticity; and 3) clinical interventions. In
Em ambos os casos o cérebro é visto como o lugar both cases the brain is seen as the prominent place
de destaque e tensionamento entre as diferentes and tension between the different perspectives
perspectivas encontradas. Este estudo pode nos encountered. This study may help us to update the
ajudar a atualizar a relação terapêutica com pacientes therapeutic relationship with patients who are victims
vítimas de traumas de infância, considerados de difícil of childhood trauma, which are considered difficult to
acesso para a clínica psicanalítica. access to the psychoanalytic clinic.
Palavras-chave: Memória; Neuropsicanálise; Neuroplasticidade. Keywords: Memory; Neuropsychoanalysis; Neuroplasticity.

1 
Psicólogo clínico, escritor e professor. Doutor em Letras pela PUCRS. Membro da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul.
Email: estevanketzer@gmail.com.

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Introduzir um diálogo entre os achados para uma renovação acerca da relação humana por uma ciência integrada
da neurociência e da psicanálise com a responsabilidade ética.

Este artigo trata dos achados oriundos das recentes pesquisas em


neuropsicanálise. Levamos em consideração a integração da afetividade em De Freud aos nossos sonhos: a memória de si
neurociência como uma ferramenta na qual podemos acessar nossos pacien-
tes. Significa acessar pela vivência do material que é por eles produzido2. O Freud, como é sabido, abandona sua carreira como pesquisador das
pesquisador Louis Cozolino evidencia a importância dos relacionamentos como neurociências. Mais do que isso: ele abandona uma carreira acadêmica da qual
forma de desenvolvimento afetivo profundo,“consciente ou inconscientemen- já estava há muitos anos em busca (Gay, 2012). Desde seu trabalho inicial com
te” (Cozolino, 2006, p. 12). Por técnica compreendemos uma ação particular as enguias elétricas, de 1877 (Ades, 2001), passando pelo estudo das afasias
do analista em busca dos sinais emitidos pelo analisando acerca de si mesmo. (Freud, 1891/2013) até chegar ao apogeu de cientificidade encontrado no
O uso da técnica precisa estar atrelado à ética das relações e do cuidado não Projeto para uma psicologia científica, de 1895 (Freud, (1950/1976), e ainda a
pode estar desatrelado, caso contrário há um malefício na relação e, portanto, famosa Carta 52 (Freud, 1950/1976) inspirado pelo seu grande mestre Theodor
na ideia de que nossas intervenções advém de verdades preestabelecidas, mais Meynert. Também a partir de 1895 em seus Estudos Sobre a Histeria Freud
fortes na vaidade do saber que na dúvida diante de um outro desconhecido (1895/1976) começa a desenvolver uma clínica voltada para o tratamento
que precisaremos nos esforçar para estar perto. propriamente dito das patologias psíquicas.

Estar atento às provocações que o processo psicanalítico3 suscita ela As observações de cérebros ao final do século XIX são muito incon-
via de nossa autoanálise em revisão mais profunda de como investigamos clusivas. As primeiras asserções terão de ser realizadas em um método de
nossas vidas e como lidamos com reações emocionais que exigem de nós interpretação ainda que seus resultados mudem de paciente para paciente,
capacidades tanto pessoais quanto interpessoais (Ogden & Gabbard, 2009), impossibilitando um fechamento com a concepção positivista da época.
cujo enredo torna-se altamente investigativo, tal como encontramos nos Haverá premissas dadas como universais sem provas, um aterramento na
atuais seriados do Netflix: Lie to me e Criminal Minds são bons exemplos que sexualidade e em seu desenvolvimento nos diferentes estágios maturacionais.
encontramos na cultura para ilustrar esse tipo de engajamento. A grande Os homens possuem cultura, mas essa cultura não os isenta de sentirem e
maioria das séries construídas hoje utilizam elementos de cliff hanging4 que serem afetados pelas mesmas reações do mundo externo, tal como os animais
podem ser entendidos como liberadores de 3,4-dihidroxifenilalanina (nome são afetados. As conclusões de Freud sobre suas observações dos neurônios são
da famosa dopamina) em alta quantidade. Sendo um hormônio excitatório, muito esclarecedoras de três sistemas muito utilizados na clínica: 1) Sistema
a dopamina afeta justamente a área do sistema límbico, responsável por fde neurônios permeáveis (estímulos percebidos pela medula espinhal);
sensações de prazer. A parte cerebral específica é chamada de tronco cerebral 2) sistema y de neurônios impermeáveis (a memória); e 3) sistema w de
onde a sensação de dor é modulada e interfere em nossas emoções. Toda esta neurônios perceptuais (a consciência). O sistema de descargas intitulado
informação está a serviço de um novo acontecimento que é benéfico para a sinapse nervosa também já havia sido encontrado, havendo os neurônios
psicanálise e para a ciência de um modo geral. que recebem estímulos (dendritos) e aqueles que descarregam (axônio)
(Garcia-Roza, 2008). O neurônio, Freud nota muito bem, possui uma barreira
Se pudermos entender como o cérebro faz contatos com o meio, de contato, o que Freud também já enxergava como a impermeabilidade celu-
podemos entender também e participar mais ativamente de uma relação lar na formação da memória. “Uma teoria psicológica digna de consideração
terapêutica genuína e ética com nossos pacientes. precisa fornecer uma explicação para a memória.”(Freud, (1950/1976, p. 318).
Abordaremos neste artigo três tópicos que acrescentam efetivamente Mais do que a memória, Freud tem em mira todos os processos psíquicos em
tanto para a técnica psicanalítica quanto para a discussão da ética de nossas geral. Freud tem em mira um processo muito importante que diz respeito à
intervenções: 1) acerca da memória sua relação com a identidade de si; 2) facilitação (bahnung) dos neurônios: a permeabilidade é seletiva pois depende
a neuroplasticidade cerebral e a mudança psíquica; 3) e as intervenções da quantidade de energia (Qh existente entre os neurônios. A permeabilidade
na clínica psicanalítica. Tais categorias metodológicas de observação foram seletiva é o que permite o contato entre os neurônios para atender ao maior
elencadas com base na mudança de olhar acerca da neurose, saindo da número de diferenças entre o que está fora dele e a descarga.
etiologia da ordem sexual para se dirigir a ordem cerebral no que diz res- Entretanto, será este um modelo puramente especulativo? Hoje sabemos
peito às neuroses traumáticas (Malabou, 2012). Este trabalho visa assim se o fato de que os estudos de Freud sobre a neurologia tiveram grande impacto
aproximar não apenas de um estudo teórico, mas também do modo como na União Soviética. Em 1922 Aleksander Romanovich Luria pede por carta
a prática é realizada e em como podemos trazer estímulos diferentes, a a Freud o reconhecimento de uma nova sociedade psicanalítica na cidade
partir de exercícios e de esforços, tanto de terapeutas quanto de pacientes, de Kazan, sendo-lhe concedido este pedido. Luria parte para Moscou e vai

2 
Temos em mira a importância do psicanalista inglês Wilfred Bion (1994) com o termo realize (realização), significando neste
caso um encontro com o objeto, significando um abandono da expectativa (pré-concepção) e a tolerância à frustração pelo
aprendizado com a experiência. “Se a função alfa [pensamentos oníricos] é perturbada, e portanto resulta inoperante, as
impressões sensoriais que o paciente capta e as emoções que por sua vez está experimentando permanecem imodificadas. Os
chamarei elementos beta [objetos não conhecíveis].” (Bion, 2003, p. 31)
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Deixamos claro aqui nossa opção pelo entendimento de Horacio Etchegoyen (1987), ao retomar o estudo Sobre a psicoterapia,
de Freud (1905/2017), acerca da psicanálise ser uma psicoterapia, pois está relacionada a uma relação interpessoal e não
apenas subjetiva como as terapias praticadas no século XIX, tal como a hipnose ou os choques elétricos.
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Termo em inglês que pode ser traduzido como os elementos que preparam a cena para o próximo capítulo. Todos os textos
originalmente publicados em inglês foram traduzidos pelo autor.

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integrar a Sociedade Psicanalítica Russa. Mesmo após a proibição do estudo da díade entram dentro de um simbiótico estado do mais elevado afeto positivo.”
psicanálise na União Soviética e a dissolução da Sociedade Psicanalítica Russa, (Schore, 2016, p. 71) A comunicação não verbal desse olhar inicial já começa
na década de 1930, Luria manteve seus estudos em estreita aproximação a mediar relações sociais e é o aprendizado mais importante que acompanha
com a psicanálise, pesquisando em profundidade “a experiência viva de seres a vida da criança até se tornar adulto.
humanos”(Solms & Kaplan-Solms, 2004). Para Luria, a psicanálise poderia ser
O que os atuais estudos em neurociência querem demonstrar é uma
a ciência chave para resolver o conflito entre a ciência descritiva (ideográfica) e
aproximação e integração entre saberes que se distanciaram com o tempo,
a explanatória (nomotética), cujo sentido sugere uma superação dos métodos
mas que pertencem a um mesmo tronco de estudos reunidos e organizados
ainda hoje apresentados pelas correntes experimentais, muito galgadas na
pelos afetos que desenvolvemos ao longo da vida. É justamente por um de-
positividade dos dados e não restrito ao psicologismo reinante nas teorias da
senvolvimento afetivo que estamos implicados com as relações e com aquelas
consciência. Por esta razão ele decide estudar as afasias, assim como Freud
respostas que se tornam automatizadas, isto é, as quais não pensamos, apenas
(1891/2013) e Vygotsky (1989; 1984) o fizeram. A razão de levantarmos o
executamos. Este problema nos acompanha quando diante de pacientes
nome de Luria aqui se deve ao fato dele ter percebido que não há centros
narcisistas ou vítimas de abuso sexual, temos dificuldades em estabelecer
cerebrais como se acreditava em sua época, mas que haviam: “Funções
relações de intimidade com eles. A intimidade é capaz de gerar confiança, um
psicológicas, insistia ele não ficavam ‘perdidas’ com lesões cerebrais focais,
sentimento que está em nossa amígdala cerebral, parte do sistema límbico,
em vez disso, elas ficavam distorcidas de maneiras dinâmicas, complexas.”
responsável pela memória, tomada de decisão e regulação emocional. A
(Solms & Kaplan-Solms, 2004, p. 56) Este fato aparentemente simples significa
capacidade do sistema límbico regular nossas emoções é confrontada com
muito em termos de avanço no que diz respeito à estruturas dinâmicas de
a disposição do córtex pré-frontal ao assegurar confiança em imagens que
funcionamento cerebral. Uma função não se localiza em determinado lugar,
representam pensamentos e sentimentos já conhecidos, portanto, de fácil
porém, no córtex cerebral, as partes lesionadas podem ser substituídas por
acesso ao serem acionadas em momentos de medo ou ansiedade (Dixon,
partes sadias ao trocarem de atividades que aparentemente lhe seriam cor-
Thiruchselvam, Todd & Christoff, 2017)
respondentes. Isso torna o encontro de estados mentais com funcionamentos
físicos um problema. Os estados mentais escondem zonas afetivas de interação Pela via bioquímica, na dinâmica das sinapses nervosas, encontramos
que estão escondidas a olho nu. Para isso seria necessário que tanto um o problema do encontro com uma determinada resposta e a exigência de um
psicanalista quando um neurologista funcionassem em contraponto e não gasto de energia elevado. Esse gasto ocasiona uma facilitação (Bahnung) pré e
em oposição. É exatamente nesta medida que o trabalho de Luria intentou pós-sináptica. Temos a indicação de que essa resposta da memória implícita (a
uma metodologia que podemos compreender como uma terceira via, sendo qual não é possível declarar verbalmente) precisa de diferentes partes do cére-
posta em prática e integrada ao estudo da psicanálise. bro para poder se alojar. Num experimento realizado após retirada da brânquia
do molusco Aplysia e posterior estímulo no seu sifão, um estímulo nervoso é
Esta nova abordagem será desenvolvida mais detidamente nas partes
eliciado, gerando aquilo que chamamos de sensibilização (o neurônio respon-
seguintes, quando notaremos o quanto a memória de si é instaurada na
de ativamente) na cauda do animal. Em termos bioquímicos, há uma resposta
personalidade em funções neurais ligadas a neurociências cognitiva, afetiva
de Ca² + nos neurônios sensoriais, potencializando sua resposta à serotonina
e social (Kandel, 2007; Solms & Kaplan-Solms, 2002; Panksepp, 2005; Cyrul-
despertada no estímulo à cauda, consequentemente, aumentando a AMPc6 e
nik, 2006; Northoff, 2012). Os estudos de Luria avançam justamente aonde
a facilitação (Bahnung) pré-sináptica. O que é interessante notar neste estudo
Freud pensara não ser mais possível continuar, relacionando os processos
é estarmos diante da mudança de ordem dos estímulos, fato este que libera
mentais com posições cerebrais. Este fato é hoje a grande discussão que fez
a serotonina antes, como forma a impedir o condicionamento clássico que
as neurociências evoluírem e, em paralelo, temos o pioneirismo de Freud com
vimos ao sifão (Kandel et al, 2014). É justamente esse processo formador da
relação à necessidade imperiosa de um caminho frente ao mal estar psíquico.
memória de longo prazo, a partir de uma mudança epigenética, isto é, na
Num estudo laboratorial, o neurocientista Eric Kandel (2007), laureado quantidade de sensibilizações que aumentam fosforilação de proteínas que
com o Prêmio Nobel de Medicina, observa a estrutura das relações sinápti- são dependentes dos níveis de AMPc. “A transição da memória de curta para
cas na operação da memória de longo prazo, sugerindo que a tentativa de de longa duração depende de um aumento prolongado de AMPc que se segue
resgatar a memória vem de respostas externas, tal como se encontra em a aplicações repetidas de serotonina” (Kandel, 2014, 1281). A memória uma
neurônios sensórios. Um macaco desenvolve seu eu após um considerável vez marcada com tantas transformações carregadas de informação do RNA
treino de habilidades motoras, fato que significa uma sinapse em processo de nasce como uma transcrição de sínteses proteicas, aumentando as conexões
adaptação (Kandel, 2014). Isso gera um novo problema para nossa pesquisa: sinápticas. As sinapses simples (Fig. 1) logo se tornam associadas (Fig. 2),
teremos identidade, mas teremos também os malefícios de estímulos que se mostrando um aumento de varicosidades das sinapses em axônios pela
depositam de forma a atrapalhar a vida na qualidade de afetos que, devido utilização de estimulação serotoninérgica.
ao imprinting5, são evidentes nas pesquisas com neurônios óticos: “A inter-
nalidade do estado de prazer da criança é comunicada de volta para a mãe,
e neste sistema interativo de recíproca estimulação ambos os membros da

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“A clássica definição de imprinting (impressão gravada) implica uma irreversibilidade estampada da experiência primitiva
sobre o processo de desenvolvimento do sistema nervoso.” (Schore, 2016, p. 77) Também conhecido como o apego ao
objeto visualizado no primeiro instante depois do nascimento, mas em seres humanos equivale até os 8 meses com o
desenvolvimento do córtex temporal anterior.
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Adenosina monofosfato cíclico, é uma molécula que tem um papel de mensageiro celular, a qual é sintetizada, geralmente,
pela Adenilil-Ciclase.

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A ferida e a cicatriz: a
neuroplasticidade cerebral

É importante mantermos a ideia de que o traço mental encontra


uma superfície de inscrição, o cérebro, para poder factualmente existir, isto
é, externar sua essência. Ao inscrever temos a suspeita de que o psíquico
participa do cerebral e o cerebral do psíquico, em dupla dobra (double bind)
de suas atividades. Tal como regras da escrita, própria da memória, enxerta a
transmissão de elementos não apenas em termos formais, enquanto palavras
ou objetos, mas o faz tendo em mira a superfície que armazena determinado
conteúdo. Nesta operação surge um resto indecomponível, visual antes de ser
audível, cuja coisa (Ding) se mostra saturada de traços, enquanto as camadas
superficiais da percepção não as mantêm por muito tempo, base material dos
sonhos. É um problema do debate estabelecido entre natureza ou cultura, isto
Fig. 1 – Sinapses simples é de processos por vezes cegos que participam da mesma lacuna, então há
uma evidente ponte entre ambas (Bezerra, 2003). Esta ponte heterogênea,
suplementar, de realidade, está relacionada ao nível inicial de contato, cuja
“escrita substitui a percepção antes mesmo desta aparecer a si própria.”
(Derrida, 2009, p. 329).
Neste intervalo entre escrita e percepção algo sustenta a duração por
uma espécie de economia da multiplicidade de texturas escriturais, planos de
inscrição, num trabalho delineado por Freud (1925/1976), em O Ego e o Id,
como muito próximo da memória. Entretanto, num plano técnico, significa a
sobrevivência ou morte do organismo, em Além do princípio do prazer (Freud,
1920/1976). Este projeto de escrituras residuais com uma base neurológica foi
algo que Freud se viu obrigado a abandonar por não encontrar base material
consistente em seu tempo para um exame apurado. A psicanálise é uma
tentativa de relação a partir dos problemas da ciência positivista do século XIX.
O caminho através da inscrição, seu labirinto de intensidades, nos faz
voltar a pensar a regulação novamente nos mamíferos para que seja possível
entender aquilo que Freud (1926/1976) chama de sinal de angústia, uma
Fig. 2 – Sensibilização de longa duração importante contribuição terminológica para um medo aprendido (Seligman,
1992). “A amígdala recebe informações diretas sobre as respostas de medo
Com relação ao desenvolvimento de uma teoria da passagem sináptica inconsciente (estado emocional) e informações indiretas sobre o processamen-
Solms & Turnbull (2002) compreendem que a memória só é consolidada após to cognitivo do medo (sentimentos) pelas conexões com o córtex cingulado”
três etapas: 1) codificação da informação (encoding); 2) armazenamento da (Kandel et al., 2014, p. 1289). A amígdala aprende a distinguir sinais que
informação (storage); e 3) recuperação da informação (retrieval). A memória podem ser entendidos como ameaçadores (incondicionados) ou comuns
parte do curto-prazo para o longo, na qual se consolida. Neste momento de (condicionados). Precisamos ter em mente que alterações de estímulos na
consolidação nossa consciência se desliga do processo, deixando a memória amígdala são decorrentes de células com baixas quantidades de proteína CREB7
de curto-prazo passiva diante da reação de trazer novamente o que foi ar- responsável pela consolidação de um determinado aprendizado e, portanto,
mazenado. Os pesquisadores consideram muitos sistemas interligados que da constituição da memória. Há uma homogeneização das sinapses diante
trazem a memória de longo prazo à tona, tais como codificação e recuperação. de situações de medo aprendido, mas o aprendizado envolverá persistência.
Passaremos a ver como a neuroplasticidade está particularmente imbricada Mudar um hábito não é algo simples e dependerá de mudanças das sinapses
com a prática da psicanálise no consultório. no corpo estriado, uma região do cérebro afetada pela Doença de Alzheimer,
por exemplo.
Este momento de destruição celular é tão importante quanto a recons-
trução, existindo em decorrência de processos de secreção de “catecolaminas

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CREB (cAMP response element-binding) traduzida por “elementos de resposta a AMPc”, é mais conhecida pela sua função de
transcrição nas moléculas de DNA. Está ligada ao crescimento do sistema nervoso e, realizando a transcrição em genes C-Fos,
a neurotrofina BDNF (Brain-derived neurotrophic factor), tirosina hidroxilasa, e neuropeptídeos, tais como a somatostatina,
encefalina (fator de crescimento nervoso), e ao Hormônio de Liberação de corticotropina, o CRH (Corticotropin-Releasing
Hormone). “A via de ativação do AMPc é regulada pelos sistemas serotonérgico, noradrenérgico e dopaminérgico, o que sugere
que essa via esteja implicada na mediação das ações de antidepressivos, psicoestimulantes e neurolépticos.” (Glezer et al.,
2000, p. 27)

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neurotransmissoras e cortisol provenientes das glândulas supra-renais” coisas quanto das coisas em direção a si. A possibilidade de realizar uma boa
(Cyrulnik, 2006, p. 93). O médico francês reconhece os efeitos danosos do plasticidade cerebral é justamente a “capacidade de preservar o passado”
cortisol, pois ele é capaz de explodir as células corticais, causando um profundo (Malabou & Johnson, 2013, p. 61), ser resiliente, aprender a curar uma ferida,
edema após muitos anos de danos persistentes, isto é, estímulos negativos poder sonhar as imagens do dia na noite de sono. A habilidade de preservar
sobre o humor, uma existência empobrecida com o tempo e a falta de novos com uma censura o sono, preservando o sonhar8, e assim regular a saída
estímulos. É a atrofia geral do sistema. entre o latente e o manifesto, para resolver o material cru de uma elaboração
subjacente. “O papel preciso que a junção occipto-temporo-parietal joga
No caso de doentes envolvidos que passaram por grandes violências
no processo do sonho não é inteiramente claro. Pode muito bem ser que
psíquicas, por exemplo, acabam possuindo uma mudança na atitude de como
lesões a esses locais produzem a perda do sonhar, por causa do papel destes
enxergamos o psiquismo do doente: “A estimulação sadia de um cérebro deve
lugares nas imagens mentais.” (Malabou & Johnson, 2002, p. 208). Aqui há
portanto evitar a segurança total que entorpece a vida emocional, bem como
o deslocamento de materiais primitivos, formando um jeito de manter a
o excesso de estresse que, ao atrofiar os circuitos da emoção e da memória,
racionalidade como uma criptografia e o afeto desregrado em uma camada
paralisa também a vida psíquica.” (Cyrulnik, 2006, p. 93) Este fato fala acerca
mais escondida. A perda das certezas que não permitimos na vigília parece
do paradoxo da identificação de nosso córtex pré-frontal. A constância de
no sonho. “Sonhos realmente aparecem para serem ‘a insanidade do homem
estímulos ao manterem a energia em um nível sempre adequado, suportável,
normal’.” (Solms & Turnbull, 2002, p. 216).
em que não há esforço, é a grande causa de problemas em pacientes com
estruturas psíquicas muito frágeis, com dificuldades em formarem vínculos Portanto, esta insanidade é muito ativa no processo do sonho a ponto
afetivos. Há a forte incidência de pacientes que foram abusados na infância de também o analista participar ativamente como uma espécie de anteparo
associados à liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), responsável da elocução imaginária de seu paciente, gerando um terceiro elemento
pela hiperatividade da amígdala (Barbosa et al., 2014), em situações de an- (Oden, 1994) pelo contato do par analítico, “nem o analista nem o analisante
siedade e acusações em pacientes que receberam o diagnóstico de transtorno podem alegar serem os únicos autores de seus ‘próprios’ sonhos/devaneios.”
borderline (Gabbard, 2006). (Ogden, 2010, p. 23), pois partilham de um espaço de desenvolvimento da
experiência emocional da dupla terapêutica. É justamente este fator que
A violência traumática sofrida gera uma dificuldade da fala e, conse-
desenvolve a plasticidade cerebral: a experiência de um encontro de duas
quentemente, elementos díspares acerca de uma narrativa identitária sobre
pessoas diferentes dispostas a trocar.
si. Boris Cyrulnik compreende que este ponto é crucial para aquilo que não
fala poder tomar lugar, uma vez que “sem emoções íntimas e sem balizas
externas, familiares ou sociais, a memória fica vazia.” (Cyrulnik, 2009, p. 43). As intervenções na técnica da psicoterapia
A memória só pode ser preenchida quando é possível sair da indiferença e ir de orientação psicanalítica
para um enfrentamento íntimo com o outro, pois há “o complexo amigdaloi-
de, centro de triagem neurológica das emoções, que facilita a memória das
imagens e das palavras.”(Cyrulnik, 2009, p. 43). Por este motivo, o pesquisador
francês não crê que a memória seja um mero retorno ao passado, mas sim
uma reconstrução de marcas que sempre são afirmativas, portanto, buscam
dar conta do sentimento de felicidade ou de infelicidade.
Malabou & Johnson (2013), indicam a relevância do termo plasticidade
tal como retirada da física diante da capacidade de um corpo sofrer uma
mudança na forma após determinada pressão. Para eles, quando a plasti-
cidade está relacionada à conexões neurais novas é uma boa plasticidade e
quando ligada a danos cerebrais é uma má plasticidade. Há a má plasticidade
(destrutiva), gera uma a “mudança radical” que (...) “não pode ser assimilada
ou interiorizada pela psique ou pelo cérebro” (Malabou & Johnson, 2013, p.
57), não sendo também realizada em etapas, mas em um só movimento.
Eles citam o famoso caso de Phineas Gage, tendo seu lobo frontal dilacerado
por uma barra de ferro após a explosão de uma dinamite nos Estados Unidos,
mostra justamente a impossibilidade de Gage ter consciência sobre seus
estados afetivos. Gage perdera o medo e aumentara significativamente sua
raiva. “Plasticidade destrutiva é uma desconstrução biológica da subjetivi-
dade.” (Malabou & Johnson, 2013, p. 58) Um fracionamento de elementos
Fig. 03 – Retirantes, de Cândido Portinari (1944)
que perdem sua capacidade subjetiva de afetação, tanto de si em relação às

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Importante levar em consideração que o processo de sonhar é gerado por seis regiões do cérebro: “região parietal inferior
esquerda, a região parietal inferior direita, a região frontal ventromesial profunda, a região ocípito-temporal-ventromesial, a
região límbica frontal e a região límbica temporal” (Solms & Kalplan-Solms, 2005, p. 75). Esta integração de áreas, de maneira
muito interessante, não faz distinção no momento de sonhar entre o consciente e o inconsciente. Solms & Kalplan-Solms
(2005) ainda referem que o uso de haloperidol, anti-psicótico de primeira geração, inibe o circuito dopaminérgico, impedindo
um pensar tal como um devaneio, cuja semelhança reside no próprio ato de sonhar.

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Com frequência os pacientes chegam ao consultório desgastados pelas uma vez que ela se desenvolve em uma zona específica do desenvolvimento
situações pelas quais passaram em suas vidas. Este fato não é simples e por emocional, sendo posterior ao desenvolvimento da amígdala (área subcorti-
vezes precisamos ajuda-los a enfrentar um processo de integração do Eu pelo cal), relacionada às mais primitivas respostas ao meio como a resposta de luta
qual, devido às contingências, são obrigados a mudarem seus planos de vida e fuga e a memória emocional. Sem dúvida que o desenvolvimento saudável
ou mesmo a ter de tomar posições tais como os sobreviventes em situação está relacionado à estimulação do córtex pré-frontal (área cortical), onde há
de fuga. Na pintura de Cândido Portinari (Fig. 03) vemos típicos fugitivos. Em o surgimento dos neurônios espelhos, responsáveis pela exteriorização das
seus olhares observamos o esvaziamento, a falta de perspectiva e a miséria emoções, isto significa, tomar uma decisão emocional. Sendo assim, uma
de uma vida sem sentido, figuras meio vivas e meio mortas, despedaçadas, reação da amígdala é levada até o pré-frontal que pode ou não ser inibida.
enquanto os urubus espreitam seus corpos. Os traços cubistas são evidentes, Esta decisão inibitória é justamente o resultado do que realizamos com nossas
afinal, são figuras geométricas, objetos enquanto parcialidades, não como emoções: se teremos condições de sermos inteiros com elas ou se iremos
pessoas inteiras. A fragmentação da personalidade está em parte nas situações abandonar inconscientemente partes desintegradas.
que são passadas por nossas vivências, mas não sabemos lidar e, portanto,
Gostaríamos de comentar brevemente uma intervenção de Louis Cozo-
passam a se acomodar enquanto objetos amontoados e confusos.
lino (2006) acerca de um paciente que ele atendeu em psicoterapia: o caso
O trabalho de Cozolino (2006) aponta para algumas intervenções clínicas Charlie. Este paciente vinha de uma família formada por um pai violento e uma
desse cérebro relacional que tem chamado a atenção de pesquisadores ao mãe alcoolista, o que o fez fugir e dedicar-se à música, sonhando em formar
redor do mundo. Como propor uma relação se há tanta desconfiança que uma banda de rock de sucesso. Ele de fato construiu esta banda, recebendo
elas possam dar certo? Se justamente estabelecer uma relação profunda é um contrato com uma gravadora. Charlie refere que seus pais se comunicavam
algo no mínimo problemático em termos de reação da pessoa diante de si sempre batendo, gritando ou jogando coisas. Esse contato intenso com eles
mesma? Estar com o outro é, no caso desses pacientes, muito problemático, o deixou com um comportamento muito parecido, com a diferença de que
pois a pessoa sente como se nunca fosse dar certo se relacionar. quando ele se sentia ameaçado, ao invés de bater e quebrar tudo à sua volta,
ele simplesmente fugia. Charlie também referiu que a pessoa que ele mais
Instintos maternos e paternos – na verdade, todos os gostou de conhecer na sua vida foi o Sr. Sorrento, seu professor de música na
escola. O terapeuta se percebe deste fato e reconhece em seu solilóquio ao
comportamentos cuidadores – são atitudes de criação que “desenvolver o tipo de relação atenciosa e apoiadora que ele tinha formado
potencializam a sobrevivência pessoal. (...) Quando pais abusam, com o Sr. Sorrento dez anos antes. Meu papel como professor seria ajudar
negligenciam ou abandonam uma criança, este pai está comuni- Charlie a entender como seu cérebro tinha sido moldado por suas experiências
precoces – e como ele poderia ser remoldado no presente.”(Cozolino, 2006, p.
cando à criança que ela é menos adaptada. Consequentemente,
94) Neste sentido, Charlie começou a deixar as impressões sobre seu passado
o cérebro da criança pode se tornar moldado de uma forma que mais recorrentes, reconhecendo o quanto sua mãe não possuía a maternidade,
não favoreça sua sobrevivência de longo-prazo. Atos de desamor expressão de afetos cuidadores do filho, e que seu nascimento deve ter ocorrido
sinalizam para a criança que o mundo é um lugar perigoso e por acidente. A preocupação do terapeuta neste momento era ajudar Charlie
a relaxar consigo mesmo, envolvendo também a família de Charlie, no caso
lhes dizem ‘Não explore, não descubra, não corra riscos’. Quando aqui referido por ele, os colegas da banda de rock. “Quando seus colegas de
crianças são traumatizadas, abusadas ou negligenciadas, elas banda viam Charlie aborrecido com alguma coisa, eles começavam a gritar
estão recebendo a mensagem de que elas não estão entre os es- ‘compartilhe amor, compartilhe amor’ e se agrupavam em torno dele brin-
cando, rindo e prendendo-o ao chão.” (Cozolino, 2006, p. 95)
colhidos. Conforme elas crescem, elas tem pensamentos, estados
mentais, emoções e função imunológica que não são consistentes Cozolino refere que esta terapia foi um processo longo com muita
autoindulgência de Charlie, lidando com os medos de fazer contato com
com bem-estar, procriação bem-sucedida e sobrevivência de seus sentimentos destrutivos e possibilitando um espaço para o amor em
longo-prazo. Com todo o respeito devido ao velho ditado, também sua vida. O terapeuta refere que estimulou em seu cérebro social o ambiente
poderíamos dizer que ‘o que não nos mata nos torna mais fracos’. social em que ele estava com pessoas que o queriam bem. “Assim como o
pequeno príncipe de Saint-Exupery domou a raposa, agora Charlie tinha se
(Cozolino, 2006, p. 14).'
tornado domado (ou domesticado, como Charlie colocou) no sentido de se
importar com os outros da forma gentil e consistente que ele necessitara ser
Neste sentido a fala deste pesquisador abre nosso horizonte para uma cuidado quando criança.” (Cozolino, 2006, p. 96) Não é demais frisar o fato
especificidade clínica que por vezes é um desafio: como lidar com uma dor que de que esse domesticar está presente na ideia de que a selvageria de Charlie
impede o reconhecimento de si, enquanto dor, por julgá-la insuportável? Neste precisa de novos estímulos, um novo condicionamento, como um exercício
sentido acrescentamos que um cérebro também se constrói onde justamente físico em que tentativas precisam ser realizadas, novos estímulos precisam
há a expansão do hipocampo e, com ele, “a organização espacial, sequencial e ser tentados e oferecidos, indicando a necessidade de uma postura mais
na aprendizagem e memória emocionais. (...) Em contraste com a amígdala, propositiva, partindo do terapeuta a mensuração sobre o que ele observa do
o hipocampo tem maturação tardia, continuando seu desenvolvimento até paciente e o que o paciente observa de si mesmo.
a idade adulta (...)” (Cozolino, 2006, p. 57) Por esta razão, o adulto não se
recorda dos eventos mais antigos de sua infância – o recalcamento –, pois
o hipocampo ainda não está maduro. Levamos esta função em consideração

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Considerações finais: aprender a vivenciar 248) Não há nesta medida pensamento sem corpo e vice-versa, ugar daquilo
as emoções que nos habitam que a psicanálise compreende como a dinâmica pulsional (Freud, 1915/2017).
Esta é a aceitação do “monismo de duplo espectro” (Bezerra, 2003, p. 245) em
Neste breve artigo tentamos mostrar uma visão da psicanálise unida às detrimento de uma postura reducionista ao fisicalismo redutora, tal como
neurociências. Esta união foi convencionalmente chamada e neuropsicanálise encontramos no trabalho de Churchland (2004).
pela Neuropsychoanlysis Association (2018)9 e tem repercutido nos meios
É indispensável levarmos em conta as posições atuais da plasticidade
acadêmicos internacionais como uma renovação dos conhecimentos e técnicas
cerebral pelo estímulo ao novo e aos diferentes processos de metacognição
da psicanálise na aproximação com regiões do cérebro cognitivas, sociais e
como alternativa de enfrentamento a traumas severos na identidade de muitos
emocionais. Há um profundo reconhecimento de que o termo inconsciente,
pacientes. Estes fatores contribuem para que possamos enxergar o cérebro
utilizado por Freud, não apenas diz respeito ao conflito recalcado pela cons-
possuidor dentro de um modelo epigenético (Schore, 2016), focado no contato
ciência, mas também ao dinamismo das condições internas, transformações
interpessoal e transformador da experiência humana, distanciando-se assim
que acontecem ao longo da vida:
do behaviorismo social dos primeiros olhares acerca da caixa preta cerebral,
quando o cérebro foi comparado a um computador.
Ao mesmo tempo, Freud popôs outro componente da ativi-
Portanto, uma importante contribuição passa a ser a profundidade nas
dade inconsciente, que envolve hábitos e habilidades motoras e relações humanas no contato com a alteridade a partir de nossas emoções.
perceptuais. Esse componente encaixa-se no entendimento atual Como vimos no decorrer da discussão, o assunto ganha diferentes campos
da memória implícita. De acordo com Freud um indivíduo não está de estudo quando nos aproximamos de maneira microscópica, provocando
novos experimentos emocionais, tal como podemos observar diante de uma
consciente da maior parte dos processos mentais por trás de seus
obra de arte ou mesmo discutindo a sensibilidade de nossos pacientes. Estas
hábitos e, consequentemente, por trás dos aspectos subjacentes intervenções precisam, pelas razões aqui apresentadas, provocar uma mudança
de sua personalidade. Essa ideia é consistente com o pensamento de atitude também em nossos olhares enquanto psicanalistas, psicoterapeutas
neurobiológico atual de que muito do processamento mental é e pesquisadores sobre as relações que estabelecemos tanto com a realidade
quanto com nossa imaginação, para que possam ser compartilhadas inte-
inconsciente. (Kandel, 2014, p. 1295). gralmente (Ogden, 2010). É a partir desse questionamento que podemos
também prospectar a realidade que queremos inventar para o nosso futuro.
Este entendimento também tem revelado uma mudança de rumos da
técnica psicanalítica que, como Solms & Kaplan-Solms (2005) reparam o uso
do método clínico proposto por Freud, fazendo amplo uso da transferência e Referências
da associação livre, a partir de um estudo de 14 anos, com 35 casos que foram
encaminhados para eles por neurologistas. Eles tiveram de fazer, algumas Ades, C. (2001) Freud, as enguias e a ruptura epistemológica. Psi-
alterações no método freudiano para sessões com menos de 4 a 5 encontros cologia (USP), São Paulo, Vol. 12, n. 2, p. 125-135. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
semanais, mantendo o período de 50 minutos, mas com apenas alguns meses
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de tratamento. Em pacientes com afasias perceberam que existem represen- Jun. 2018.
tações mentais diferentes para cada uma das modalidades fundamentais da Barbosa, I. G.; Oliveira, G.; Fabregas, B. C.; Teixeira, A. L. (Orgs.). (2014)
linguagem visual: auditiva, cenestésica e motora.“O aspecto motor da palavra, Psicossomática: Psiquiatria e suas Conexões. Rio de Janeiro: Editora Rubio.
então, e portanto o componente motor do aparato da fala – área de Broca – Bezerra Jr. B. (2003) Projeto para uma psicologia científica: Freud e as neuro-
repousa na periferia sensório-motora do ego. É pouco mais do que um canal ciências. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
de saída para os complexos trabalhos do ego; seu papel, para o pensamento Bion, W. R. (1994) Second Thoughts: estudos psicanalíticos revisados. Rio de
verbal, é superficial.”(Solms & Kaplan-Solms, 2005, p. 118). Isto significa que Janeiro: Imago.
a palavra é complexa demais, possuidora de um aspecto performativo que Bion, W. R. (2003) Aprendiendo de la experiencia. Barcelona: Paidós Ibérica.
escapa a uma mera atribuição de significados. Churchland, P. M. (2004) Matéria e Consciência: uma introdução contemporânea
à ciência da mente. São Paulo: UNESP.
Queremos com isso concluir justamente a importância do não dito inclu- Cozolino, L. (2006) The Neuroscience of the Human Relationship: attachment
sive nos achados clínicos que como aqui mostramos tem enorme proximidade and the developing social brain. New York: W.W. Norton & Company.
com o método científico abandonado por Freud. Diante deste não dito unimos Cyrulnik, B. (2006) Falar de amor à beira do abismo. São Paulo: Martins Fontes.
problemas que tem sido encarados pela tradição do pensamento binário (Trabalho original publicado em 2004)
cartesiano, como afirmou Antonio Damasio (1994) em O Erro de Descartes, Cyrulnik, B. (2009) De corpo e alma: a conquista do bem-estar. São Paulo:
cujo princípio sempre foi a separação entre o pensar do corpo (res cogitans) Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 2006)
Damásio, A. (1994) Descartes’Error: emotion, reason and the human brain.
e o corpo mecânico a ser pensado (res extensa): “Nós somos e então nós New York: Avon Books.
pensamos somente na medida que como nós somos, desde o pensamento Derrida, J. (2009) Escritura e Diferença. São Paulo: Perspectiva.
é realmente causado pelas estruturas e operações do ser.” (Damasio, 1994, p.

9 
“A Neuropsicanálise está interessada na sustentação neurobiológica de como nós agimos, pensamento e sentimos. Quando
nós começamos a ligar a atividade cerebral com o modelo psicanalítico da mente, mesmo nos níveis mais profundos, um
entendimento dinâmico verdadeiro emerge.” (Neuropsychoanlysis Association, 2018) Esta definição é encontrada na abertura
da página no site oficial da Associação Internacional de Neuropsicanálise.

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