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CURSO DE LÓGICA

AULA III

HISTÓRIA DA LÓGICA.

1. Lógica tradicional e lógica moderna. –A história da lógica divide-se em dois grandes


períodos: o da lógica tradicional, que se estende do século IV a.C. ao século XIX, e o da
lógica moderna, que se estende do fim do século XIX ao nosso tempo.

2. Período pré-aristotélico. – A lógica tradicional tem como pai ARISTÓTELES (384– 322
a.C.). Embora o contributo de Aristóteles para a lógica, por sua extensão e grau de
elaboração,seja uma das obras de maior originalidade já realizadas por um espírito humano,
ainda assim se podemretraçar suas raízes na história do pensamento ocidental.
O período pré-aristotélico compreende os primórdios da lógica, em que se distinguem
três linhas principais: i)o ensino da retórica pelos sofistas e por ISÓCRATES (436 – 338 a.C.),ii)
a prática dialética de ZENÃO DA ELÉIA(c. 490 – c. 430 a.C.), de SÓCRATES(470/469 – 399
a.C.)e na Academia de PLATÃO(428/427 ou 424/423 – 348/347 a.C.), iii) a prática
demonstrativa da geometria na escola de PITÁGORAS (c. 570 – c. 495 a.C.).
Os sofistas surgem no século V a.C., período do auge e já da decadência da democracia
ateniense. O ensinoque promoviam voltava-se à ação política pelo discurso (λόγος, lógos). A
condição mais próxima para a sua emergência foi, claramente, a cidade democrática, na qual o
domínio da palavra é uma forma eminente de poder. A própria emergência da democracia,
porém, pode ser reconduzida a um apreço imemorial de certos povos helênicos pela
eloqüência, que se constata já na exaltação do orador por Homero. Sofistas mais radicais
declaravam possuir e ensinar a arte de demonstrar qualquer coisa e o seu contraditório; esse é
precisamente o caso nos Discursos Duplos (Δισσοὶλόγοι, Dissóilógoi), em que o autor
anônimo se propõe demonstrar, mediante exemplos, a possibilidade de se levar a cabo
demonstrações de proposições contraditórias. A principal crítica de Aristóteles à retórica dos
sofistas, a qual se estende também a outros mestres de retórica, comoIsócrates, é que ela
atendia desmesuradamente a aspectos secundários do discurso, como a indução de emoções e
o granjeio de credibilidade. Sendo próprio da retórica que a posse da tese a ser sustentada seja
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anterior à descoberta dos argumentos,era de certo modo natural que os retóricos não
distinguissem os argumentos válidos logicamente dos inválidos, mas atendessem apenas à sua
força persuasiva.
A segunda linha que converge para a criação da lógica aristotélica é a prática dialética
de Zenão da Eléia, discípulo de Parmênides. Parmênides é conhecido por sua doutrina da
unicidade e imobilidade do Ser, sintetizada na fórmula: “O Ser é, o não-ser não é.”. O
corolário dessa doutrina é a negação da experiência sensível: não há multiplicidade nem
movimento. Zenão sai em defesa dessas teses, argumentando que a admissão do movimento e
da multiplicidade é insustentável em suas implicações.Mais do que a forma de seus
argumentos, o quenos interessa agora é que Zenão parece ter sido o primeiro filósofo a
levantar-se polemicamente contra outros. O sentido dialético desse confronto com outras
opiniões é mais claro em SÓCRATES, cuja prática habitual era a da peirástica (do verbo
πειράζω, peiraso, pôr à prova, testar), isto é, de pôr à prova aqueles que tinham a reputação de
sábios em Atenas. Na Academia de Platão,a dialética constituiu-se como um exercício
preparatório para a verdadeira dialética, que era identificada com a prática filosófica.
Finalmente, a terceira linha que converge na obra de Aristóteles é a da prática
demonstrativa da geometria na escola pitagórica. Sabe-se que os antigos egípcios possuíam
conhecimentos geométricosnotáveis, e mesmo entre as culturas ágrafas pode-se presumir que,
além do valor prático, por exemplo, para a fabricação de instrumentos, para a agricultura ou
para a arquitetura, se reconhecia à geometria também um valor teorético, como se manifesta
no simbolismo da arte sacra. O nome grego da geometria (γεωμετρία, medida da terra) parece
indicar que se lhe atribuiu originalmente o sentido prático de agrimensura. Atribuem-se a
TALES DE MILETO (c. 625 – c. 546) as primeiras demonstrações geométricas e, portanto, a
elevação da geometria da condição de mero conhecimento à deciência. Foi, porém, na escola
de Pitágoras que a demonstração geométrica se tornou habitual. Na ciência demonstrativa da
geometria, já se distinguem as noções de conseqüência, de premissa e conseqüente, de
demonstração direta e indireta, e é clara a idéia de que os termos do conseqüente devem já
constar no antecedente.

3. O Ôrganon de Aristóteles. – Essa, em linhas gerais, é a conjuntura com a qual se


encontrou Aristóteles. Neste momento, não nos ocuparemos da lógica aristotélica em si
mesma – ela será o objeto das próximas aulas –, mas apenas do seu aspecto histórico.
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Aristóteles é um grande sintetizador: não apenas no Órganon, mas em toda a suaobra,


reúne uma vasta extensão de conhecimentos em um todo articulado. Assim, diante da
conjuntura que encontrou em Atenas,percebeu a analogia entre os discursos dos oradores, os
diálogos socráticos e as demonstrações dos geômetras. Perceber a analogia aqui significa:
perceber a sua unidade sob um mesmo gênero e sua multiplicidade em diferentes
espécies.Aristóteles percebeu sua unidade enquanto discursos e a sua multiplicidade enquanto
dotados de diferentes graus de certeza (ακρίβεια, akríbeia), e os analisou até seus
elementos.Essa percepção do todo e de suas partesevidencia tambémas lacunas do
conhecimento, isto é, das questões irrespondidas pela tradição. É, pois, o resultado dessa
percepção e do trabalho de Aristóteles para levar a lógica à sua perfeição que será objeto deste
curso.

4. A lógica estóica e sua integração àlógica aristotélica. – Os discípulos diretos da


Aristóteles no Liceu, como TEOFRASTO (c. 371 – 287) e EUDEMO(c. 370 – c. 300),
continuaram o desenvolvimento de sua lógica.
Paralelamente, no entanto, originava-se outra tradição, que partia da dialética de Zenão.
Essa tradição tem origem na escola megárica, fundada por EUCLIDES DE MÉGARA (c. 435 – c.
365 a.C.), que estudou a obra de Parmênides. Euclides foi mestre de ESTILPO (c. 360 – c. 280),
de quem foi ouvinteZENÃO DE CÍTIO (c. 334 – c. 262), fundador da escola estóica. É no
Pórtico, pela mão de CRISIPO (c. 279 – c. 206 a.C.), seu terceiro diretor, que essa segunda
tradição da lógica teve maior desenvolvimento.
Os paradoxos formulados por Zenão de Eléia e pelos megáricos tinham originalmente
uma função metafísica ou espiritual. Serviam como demonstrações da falsidade da
experiência sensível, que a reduziam ao não-Ser, e, assim, conduziam à afirmação da Unidade
e da Imobilidade do Ser, identificado por Euclides com o Sumo Bem de Sócrates.Desse
modo, a lógica megárica surgirá como uma tréplica aos argumentos que surgiram em resposta
à negação eleática da experiência. Consiste, sobretudo, na negação das distinções feitas por
Sócrates, Platão e Aristóteles para tratar do uno e do múltiplo, da permanência e da
mutabilidade. Assim, negavam que houvesse outra predicação que a de identidade absoluta,
negavam a validade da argumentação analógica, negavam a possibilidade da distinção entre
ato e potência. Os megáricos, contudo, eram freqüentemente acusados de tagarelice e amor à
controvérsia, e é provável que de fato sua argumentação, e junto com ela, sua teoria lógica, se
tenham degenerado, tendo perdido de vista sua função espiritual originária.
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Zenão de Cítio, de origem fenícia, foiouvinte de Estilpo. Não comungou, porém, da


doutrina megárica;pelo contrário, foi fundador do estoicismo, filosofia materialista e
panteísta. Os estóicos dividiam a filosofia em três partes: lógica, física e ética. Embora
tenham herdado a lógica dos megáricos, ocorre claramente uma ruptura com respeito à sua
função. Em linhas gerais, contudo, a lógica conservava uma função ética: auxilia o homem na
aquisição do conhecimento certo da realidade, o qual fundamenta a ética estóica.
Nos séculos seguintes, as duas lógicas passam por uma gradual miscigenação, com certa
predominânciado aristotelismo. Assim, CÍCERO (106 – 43 a.C.), no princípio dos seus
Tópicos, critica os estóicos por tratarem apenas da parte judicativa da lógica, relativa à
formulação dos argumentos, atribuindo a Aristóteles o título de princeps de toda a lógica, por
ter tratado também da parteinventiva, relativa à sua descoberta dos argumentos. O médico e
filósofo GALENO (129 d.C. – c. 200 ou c. 216 d.C.) também estudou ambas as lógicas,
defendendo, porém, as doutrinas aristotélicas. Entre os comentadores de Aristóteles na
Antigüidade, destacam-se ALEXANDRE DE AFRODÍSIA (fl. c. 198 d.C.) e o neoplatônico
PORFÍRIO (c. 234 – c. 304 d.C.), cuja Isagogé (Εἰσαγωγή, eisagogé; introdução às Categorias
de Aristóteles) integrou-seao Ôrganon para a tradição posterior.Finalmente, o cristãoBOÉCIO
(c. 480 – 524 ou 525 d.C.), tendo vivido nos últimos anos do Império Romano do Ocidente,
realizou um trabalho civilizacional inestimável, traduzindo, comentando e escrevendo obras
originais de lógica, e assim transmitindo ao Ocidente Medieval o legado aristotélico.

5. Lógica no Islã. – As primeiras traduções para o árabe da lógica aristotélicaforam feitas


entre os séculos VIII e IX a partir das traduções siríacas feitas pelos cristãos nestorianos e
jacobitas em escolas e mosteiros na Pérsia, no Iraque, na Síria e no Egito.Traduziram-se tanto
as obras de Aristóteles como a de seus vários comentadores. O precursor dos comentadores
árabes foi AL-KINDI (801 – 873), seguido por AL-RAZI (854 – 925), AL-FARABI (872 – 950),
AVICENA (980 – 1037) e AVERRÓIS (1126 – 1198), que recebeu dos escolásticos o epíteto de
“o Comentador”. A recepção da lógica aristotélica dividiu opiniões. Seus adeptos a
justificaram como instrumento para o discernimento da verdade, necessário para a felicidade,
ressalvado o conhecimento profético. Seus opositores, acusaram-na de conduzir à
incredulidade e de ser, em verdade, um falatório sem sentido. Os gramáticos árabes, em
particular, se opuseram à lógica, dizendo que a lógica natural do homem, algum estudo de
geometria e o estudo da gramática tornariam absolutamente desnecessário o estudo da lógica.
Da intervenção de Avicena na controvérsia entre lógicos e gramáticos resultou uma
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importante contribuição para a lógica tradicional: a definição de seu objeto, que não consiste
nem nas palavras, nem nas coisas em si mesmas, mas nas propriedades das coisas enquanto
objeto do pensamento humano, como as relações de sujeito e predicado, gênero e espécie,
antecedente e conseqüente etc. Até o século XIV a lógica encontrou considerável
desenvolvimento no Islã, depois disso tendo seestagnado.

6. Lógica na Cristandade Ocidental. – Certo domínio da lógica em sentido amplo se


impõe pela primeira vez como necessidade prática aos cristãos, em prol da pregação àqueles
que não haviam testemunhado os fatos originários, em particular àqueles já habituados à
retórica e à dialética greco-latinas. A forma e o conteúdo dessa pregação podem ser
verificados, por exemplo, nas epístolas de SÃO PAULO (c. 5 – c. 67) ou nos discursos
apologéticos de SÃO JUSTINO MÁRTIR (100 – 165). O cristianismo, tendo nascido sob o
Império Romano, não propunha uma nova ordem política, mas se voltava à conversão
espiritual a Deus; sua postura diante da cultura antiga não foi a de absoluta negação e
substituição, mas a de absorção. Assim, cristãos estudaram em escolas pagãs e chegaram a
obter fama como professores, e quando com a convulsão das invasões bárbaras desapareceu o
sistema escolar clássico, bispos chegaram a se encarregar pessoalmente da instrução
elementar de crianças, para assegurar o recrutamento do clero.
No século VIII,ALCUÍNO (c. 735 – 804) conduziu reformas educacionais sob o
patrocínio deCARLOS MAGNO (747 – c. 814), objetivando umatranslatiostudii, a construção de
uma Nova Atenas em Aachen, sede do Império Carolíngio, pela revitalização do ensino das
artes liberais. Valeu-se sobretudo das obras conservadas de Aristóteles, Boécio e MARCIANO
CAPELLA (fl. 410 d.C.). A Dialecticade Alcuíno é o primeiro tratado medieval de lógica. No
século X, as obras da logica vetus (o livro das Categorias e o De Interpretatione de Aristóteles
e a Isagoge de Porfírio), cuja tradição foi ininterrupta, adquirem maior circulação. Se nos
séculos XI e XII, a educação escolar era predominantemente literária e retórica, com a
ascensão das corporações universitárias, no século XIII a lógica adquiriu proeminência. Eram
parte essencial do ensino da Universidade medieval as exposições e as disputações, ambas
estruturadas segundo os cânones da lógica tradicional. Já no século XII, Pedro ABELARDO
(1079 – 1142) escreve obras muito influentes: a Logica ingredientibus (“Lógica para
principiantes”), sua Dialectica e o Sic et Non. No século XIII, Pedro Julião Rebolo (c. 1215 –
1271), conhecido como PETRUS HISPANUSe que viria a ser o Papa João XXI, escreve as
SummulaeLogicales, livro fundamental no ensino da lógica pelos séculos seguintes. S.
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ALBERTO MAGNO (c. 1193 – 1280), mestre de S. TOMÁS (1225 – 1274), é, então, um dos
primeiros a realizar um comentário completo ao Ôrganon de Aristóteles, e de quase toda a sua
obra. Guilherme de OCKHAM (c. 1295 – 1349), famoso proponente do nominalismo,
contribuiu para a lógica principalmente com sua Expositio Aurea superArtemVeterem e a
Summa TotiusLogicae, primeira tentativa de exposição sistemática de toda a lógica. Em suma:
a lógica surge na Idade Média ainda de forma rudimentar dentro de um projeto amplo de
restauração cultural e, após a ascensão da intelectualidade universitária, se torna uma
disciplina proeminente e com alto grau de elaboração conceitual.

7. Lógica na Modernidade. – O humanismo, que tem como pai Francesco PETRARCA


(1304 – 1374), foi uma ruptura com a tradição escolástica por um novo acento dado às litterae
humanae (letras humanas), opostas às litterae divina, isto é, às Escrituras e à teologia. Se os
autores pagãos não deixaram de ser estudados pelos cristãos durante a Idade Média, os
humanistas deram a essa leitura um novo acento, emulativo e existencial. Com o novo estudo
dos poetas e oradores, renasce o ideal do retórico de Isócrates, em oposição ao ideal dialético
pitagórico-platônico; na expressão de QUINTILIANO (35 – 100 d.C.), o ideal dovir
bonusdicendiperitusOs principais críticos humanistas da lógica escolástica foram
LorenzoVALLA (lat. LaurentiusValla, c. 1407 – 1457), RoelofHuesman(lat.
RudolphusAGRICOLA1444 – 1485) e Pierre de la Ramée(lat. Petrus RAMUS, 1515 – 1572).
Grosso modo, a lógica humanista foi uma tentativa de simplificação da lógica aristotélico-
escolástica, orientada por um ideal humano retórico, inspirada sobretudo na interpretação de
Cícero da lógica aristotélica e que se apresentava ora como crítica de toda a lógica
aristotélico-escolástica, ora como retorno à doutrina de Aristóteles, corrompida pelos
escolásticos.
Houve, de parte dos escolásticos, uma reação à crítica humanista, a qual floresceu
sobretudo na península ibérica. Isso não pode ser compreendido sem se considerar a Reforma
Protestante. A Reforma, assim como o humanismo, foi animada pela nova ciência da filologia
e por um espírito de ruptura com a tradição e volta às fontes. Petrus Ramus converteu-se ao
protestantismo e junto com Felipe de MELÂNCTON (1497 – 1560), o “PraeceptorGermaniae”,
exerceu grande influência sobre o ensino da lógica entre os protestantes.Escolásticos como
DOMINGO DE SOTO (1494 – 1560), PEDRO DA FONSECA (1528 – 1599), Antônio RÚBIO (1548 –
1615) eJOÃO DE SANTO TOMÁS (1589 – 1644)escrevem obras sobre lógica, renovadas pelo
estudo do texto grego de Aristóteles e com um grau de elaboração talvez até hoje inigualado.
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No fim do século XIX, com a exortação doPAPA LEÃO XIII (1810 – 1903), promoveu-se um
renascimento do tomismo. Entre os neotomistas, o nome mais famoso é o de
JacquesMARITAIN(1882 – 1973), embora o movimento tenha contado com outros autores
maiores, como o jesuítaJuan José URRÁBURU (1844 – 1904) e o beneditino Joseph GREDT
(1863 – 1940).
Na abadia de Port-Royal, centro jansenista na França, ANTOINE ARNAULD (1612 – 1694)
e PIERRE NICOLE (1625 – 1695) escreveram “La Logique ou l’art de penser”, publicada pela
primeira vez em 1662 e que viria a ser até o século XIX o mais influente tratado de lógica no
Ocidente. Concebiam a lógica e toda ciência como uma ascese para a aquisição da justesse de
l’esprit.A busca da ciência por si mesma évã; apenas se justifica enquantoserve ao
desenvolvimento do discernimento da verdade, sob qualquer forma que essa se apresente.
Essa exaltação do discernimento como exatidão do pensamento, a cuja aquisição
consagravam a lógica, muito se deveà influência deRENÉDESCARTES (1596 – 1650). Embora
os autores da Lógica de Port-Royal não negassem o quanto deviam a Aristóteles, sublinhavam
sua não filiação a nenhum autor ou escola.
Mais ambicioso, Gottfried LEIBNIZ (1646 – 1714), movido também pelo amor à
exatidão, mas sobretudo por seus projetos conciliatórios entre católicos e protestantes,
idealizou a criação de umacharacteristica universalis, isto é, uma língua construída
cientificamente, pela qual todo problema poderia ser resolvido com exatidão matemática.
Inspirou-se em RAIMUNDO LÚLIO (c. 1232 – 1315), que desenvolveu sua ars magna, visando
à conversão dos árabes e judeus. Lúlio, por sua vez, teria se inspirado nas tábuas divinatórias
(‫ةجرياز‬‎; zâ’iraja) dos muçulmanos, cuja invenção é atribuída ao místico sufi ABU AL-ABBAS
AS-SABTI(1129 – 1204).Essa tradição, cujo intento era a absorção de todo o pensamento
humano pelo simbolismo matemático, de modo a conferir-lhe a sua exatidão e certeza, dá
origem à lógica moderna. Segundo Gottlob FREGE (1848 – 1925), a obra de seus
predecessores imediatos, como George BOOLE (1815 – 1864), limitou-se à elaboração de um
calculusratiocinator, enquanto o seu projeto, mais amplo, era o mesmo de Leibniz.
Outra linha crítica da lógica tradicional é oriunda da ciência moderna. Seus principais
representantes são Francis BACON (1561 – 1626), autor do Novum Organon, John LOCKE
(1632 – 1704) eJohn Stuart MILL (1806 – 1873). Negavam a utilidadeinventiva da lógica, isto
é, a sua utilidade para a descoberta, bem como qualquer utilidade da lógica formal, a qual
reputavam frívola. Dentre os três, Mill, em sua obra A System ofLogic,
RatiocinativeandInductive, foi quem considerou mais positivamente a lógica tradicional.
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8. Lógica Tradicional no Brasil. – O Brasil ingressa na história do pensamento ocidental


no século XVI, portanto já no período moderno, após sua descoberta por Portugal. De
Portugal, vieram importantes obras de lógica. As já referidasSummulaelogicales são
atribuídas a Pedro Hispano, nascido em Lisboa. No século XVI, foi grande a influência das
Institutiones Dialecticae de Pedro da Fonseca, o “Aristóteles português”, bem como do
Cursus Conimbricensis. Também o dominicano João de Santo Tomás (nascido João Poinsot)
foi célebre pela Ars Logica de seuCursus Philosophicus Thomisticus e hoje é objeto de
renovado interesse por sua semiótica.
A primeira educação brasileira que prosperou foi a dos jesuítas. Chegaram em 1530,
com o primeiro Governador-Geral do Brasil, TOMÉ DE SOUSA (1503 – 1579), liderados pelo
PE. MANUEL DA NÓBREGA (1517 – 1570). Depois da morte do Pe. Manuel da Nóbrega e da
promulgação da RatioStudiorum, em 1599, a educação voltou-se à Universidade
portuguesa.Conforme as instruções da Ratio, o ensino da lógica deveria durar um ano e seguir
os comentários de Pedro da Fonseca e de Franciso de TOLEDO Herrera (1532 – 1596) à obra
de Aristóteles. Assim, nos primeiros cursos de filosofia no Brasil, a lógica foi ensinada ao
modo do Colégio de Artes de Lisboa.
Em 1759 os jesuítas são expulsos e seus colégios fechados por decreto de Sebastião
José de Carvalho e Melo, o MARQUÊS DO POMBAL(1699 – 1782). Além da acusação de
conspiração, outra forte denúncia contra os jesuítas era a de obstarem o progresso da ciência
em Portugal, de acordo com as luzes do século. A crítica à lógica dos jesuítas,
predominantemente escolástica, é exposta com maior extensão na carta VIII d’O Verdadeiro
Método de Estudar de Luís AntônioVERNEY (1713 – 1792), padre oratoriano tributário do
iluminismo italiano. Verney escreveu seu De re logica ad usumlusitanorumadolescentium.
Mais influente, contudo foram as Institutiones Logicae ad usumtironumscriptae do italiano
AntônioGENOVESI (1712 – 1769). Assim, a lógica escolástica foi preterida por uma lógica
eclética, inspirada sobretudo por Locke e pela Lógica de Port-Royal.
Na segunda metade do século XIX, surgem divulgadores das lógicas neotomista e
positivista no Brasil. Os positivistas valiam-se sobretudo da lógica defendida por Auguste
COMTE (1798 – 1857) na Síntese subjetiva e da lógica de Stuart Mill. A lógica tradicional
seguiu encontrando defensores no Brasil como MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS (1907 – 1968) e
o belga Leonardo VAN ACKER (1896 – 1986).
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No século XX, a partir da publicação, em 1929, de As idéias fundamentais da


matemática, por Manuel AMOROSO COSTA (1885 – 1928) e, principalmente dos Elementos de
lógica matemática, por VICENTE FERREIRA DA SILVA (1916 – 1963), a lógica moderna começa
a penetrar no Brasil, sendo um marco o curso ministrado por Willard Van Orman QUINE
(1908 – 2000), na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo entre junho e setembro
de 1942. A partir de então, a lógica tradicional seria relegada oficialmente à história da lógica.

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