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Metedologia Direito 1º teste

Metodologia do Direito (Universidade de Coimbra)

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Metodologia do Direito → Prof. Doutor José M. Aroso Linhares

I. INTRODUÇÃO – O PROBLEMA METODOLÓGICO JURÍDICO

1. Noção e sentido genérico da metodologia jurídica

Atualmente, não conseguimos compreender um qualquer modelo metódico-jurídico sem


refletirmos sobre a sua intencionalidade num determinado contexto do pensamento
jurídico; aliás, como CASTANHEIRA NEVES nos diz, o problema do método jurídico não é
hoje senão uma dimensão do problema maior do Direito e do correspetivo pensamento
jurídico, o que ganha particulares contornos na metodologia. Esta será a principal razão
pela qual se começa pela reflexão sobre o problema metodológico-jurídico, antes de se
assumir o modelo ou esquema metódico propriamente dito.

A designação habitual metodologia jurídica, com um sentido próximo ao que lhe damos,
encontra-se de uma forma persistente no contexto da generalidade dos sistemas de Civil
Law (de inspiração romano-germâ-nica), destacadamente no horizonte alemão; nos
sistemas de Common Law, de matriz anglo-saxónica, esta terminologia não tem um
correspondente rigoroso (nem mesmo, na verdade, em alguns ordenamentos de Civil Law
), o que decorre do uso diferente de uma mesma expressão: no plano destes segundos,
metodologia vem sempre associada ao domínio da oficina júris enquanto reflexão sobre
uma investigação jurídica dogmaticamente estruturada e orientada em termos
científicos; no nosso contexto, diferentemente, a metodologia jurídica reporta-se
sobretudo à realização judicativo-decisória do Direito, ao modus operandi do juiz
(desenvolveremos adiante em que termos).

Ora, na esteira do protagonismo de CASTANHEIRA NEVES, tomaremos a expressão


como relativa à ciência jurídica que tem por objeto o papel do juiz, o seu modus operandi, a
sua inserção material e formal no sistema, e a tarefa de realização do Direito que leva a
cabo, e é nesse sentido que lhe tomaremos uma intenção específica e um intuito claro.

• Como é natural, têm-se vindo a ouvir outras vozes, com propostas e


perspetivas diversas, e que partem mesmo de determinadas teorias sobre
o surgimento e o modo de manifestação do próprio Direito; assim,
desvelaremos certamente diversas visões, que devem, todas elas, ser
também invocadas e analisadas – a prossecução desta linha de estudo
levar-nos-á, desde logo, a uma desenvolta reflexão metodológica sobre
variadíssimos percursos

1.1. Ponto de partida: a pergunta «de que modo?» e a contraposição entre a dimensão da
validade normativa e a dimensão metodológica

Uma vez que começámos pela referência ao modo como CASTANHEIRA NEVES
assume esta discussão, convém referir já a célebre conferência que o próprio profere sob
o título “O papel do jurista no nosso tempo ”: nela (e, mais tarde, em “A crise actual da
filosofia do direito no contexto da crise global da filosofia - tópicos para a possibilidade de
uma reflexiva reabilitação ”), o autor parte da sua ideia matricial de que o Direito é “uma
solução possível para um problema necessário”, e vem enunciar três grandes questões

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que o jurista dirige ao Direito (numa racionalização autonomamente jurídica, “voltada


para dentro”) sobre o papel e o percurso do juiz:

1) “Porquê?” – a pergunta sobre o fundamento do Direito:

Inquirindo do “porquê” do Direito, formula-se a pergunta que será, certamente, a mais


aberta e radical das três, ao assumir-se numa lógica autotranscendente de
interrogação da prática pela prática em si mesma (afinal, é a grande pergunta do «quid
ius?», que se debruça ontologicamente sobre o próprio destinatário), a cuja realização
o indivíduo, enquanto membro de uma comunidade de pessoas, é chamado.

Além disto, esta questão carrega em si uma reflexão pesada, noutra vertente: é que,
como sabemos, o Direito é tido e considerado, no contexto ocidental, como que
assente numa “ordem de validade” autorreferencial; assim, formular esta pergunta é
abordar a medida dessa sustentação.

2) “Para quê?” – a indagação da finalidade do Direito:

Aqui, no fundo, convoca-se um problema de lógica política, o de um confronto


ideológico sobre a dicotomia kantiana da liberdade e da necessidade (provindo
associadas a esta reflexão importantes discussões sobre, nomeadamente, os
conceitos de “lei justa” ou de “legitimidade”): por aqui, o jurista quer saber da função
social do Direito, e cabe sem dúvida a necessidade de interiorizar criticamente a
historicidade da ideia de Direito em si.

3) “De que modo?” – o problema metodológico puro:

Finalmente, se por uma lado o Direito se situa como assente numa ordem de
validade, e, por outro, se se compreende à luz de um certo contexto (num quase
paradoxal “absoluto histórico” autotranscendente, como CASTANHEIRA NEVES o
formula), chegamos agora à dificuldade de saber como ele se realiza – qual o método
para a sua concretização –: aqui reside, verdadeiramente, o problema central da
metodologia jurídica.

Nos termos em que a questão é respondida pelo autor e pelo curso, vamos chegar a
uma conceção de prius metodológico pensado e experimentado por uma via de
continuidade prática entre o caso e a realização concreta do Direito, mediada pela
figura incontornável e intransponível do juiz, e que assume que daquele primeiro se
extrairá, percorrido um tal caminho, a verdadeira experiência da juridicidade. Mas
como aqui chegamos?

▪ Quando, no início do curso, analisámos o substrato primário dos princípios e a


evolução histórica da sua compreensão, demos conta da importância do elemento
da experiência, graças à evidência dos problemas por ela suscitados – veja-se o
clássico exemplo da emergência do abuso de direito como parâmetro
inultrapassável na leitura atual do princípio da autonomia privada;

o Daqui resulta claríssima a carência de uma lógica sobretudo sequencial


mas circular, de duas faces (uma de validade – “contexto da prática” – e

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uma de metodologia – “relato da prática” –), uma lógica prezada no processo


constitutivo do Direito: por um lado, uma dimensão de validade
normativa; por outro, uma dimensão metodológica, que a concretiza
ciclicamente, de forma dinâmica mas constante, muito embora
compaginável com a predeterminação de uma validade que se projeta, ao
invés de repetidamente se restabelecer.

o A figura-chave na mediação desta dialética validade-metodologia é


indubitavelmente o juiz, que assume a historicidade constitutiva do Direito
que encara e mobiliza: esta é a dinâmica na conjugação daquelas três
questões essenciais; como tal, viremos dizer que cada solução jurídica será
uma plausível assimilação do Direito enquanto ordem de validade
institucionalizada no sistema jurídico (e, como tal, é uma solução que
provém de uma relação dialética problema-sistema).

1.2. «meta−odôs =logos» e uma introdução analítica ao termo

Ainda sobre a incursão de CASTANHEIRA NEVES, é nela que primeiro encontramos a


importante decomposição etimológica da expressão em meta, odôs e logos:

Deparando-nos com o meta enquanto “objetivo, finalidade que se visa conseguir”, e com
um odôs enquanto “caminho, percurso a percorrer”, obtemos o método – o processo, no
caso, para uma realização plausível do Direito –; de análise mais dificultada, e onde
reside uma primeira questão de relevo, temos o logos como racionalidade, uma exigência
de aspiração, uma lógica no sentido condutor a dar ao método

A lógica relacional destas componentes é incontornavelmente dinâmica: na realização


em concreto do Direito (no modus operandi do juiz), temos um percurso que carece de
uma construção complexa, de “estrutura mais-que-linear”; o sentido etimológico de
metodologia aponta-nos esse caminho – odôs – com uma finalidade, um propósito de
realização de uma ordem de validade – meta –; a intenção subjacente é mais do que
meramente esquemática: é uma intenção racional (no sentido de inervada por uma
racionalidade) de verdadeira reflexão sobre todo o esquema – logos –.

Exposta a fragmentação e conhecidos os elementos que dela resultam, surgem alguns


pontos de estudo interessantes numa abordagem inicial: é deles que, para já, cuidaremos.

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• Se o odôs, como noção itinerária fundamental, não implica grandes reflexões


senão enquanto método, associado a um meta, este propósito ou finalidade já
nos suscitará algumas dúvidas, mormente quanto ao específico conceito de
Direito que poderá vir implicado, como ordem de validade a realizar.

• Outra das questões prementes, colocada esta análise, é a que se debruça sobre
as diversas relações possíveis entre o logos e o método, dado que, como já foi
sendo dito, a um percurso poderão subjazer variadíssimas racionalidades e
intencionalidades lógicas.

• Também revisitaremos com mais detalhe, adiante, um ponto que até já


endereçámos em Introdução ao Direito, a propósito de uma introdução a estas
matérias: como vimos então, BRONZE acrescenta àqueles três ainda um outro
elemento, o nomos (e assim inaugura o neologismo meto-donomologia ),
enquanto ponte que liga uma tal compreensão a uma ideia de “realização jurídica-
-decisória concreta do Direito”.

2. Metodologia e «conceito de Direito» (um problema da meta no método)

Regressando brevemente ao plano anglo-saxónico, podemos acompanhar um


encadeamento (que, embora não valha em termos necessários, é em todo o caso
oportuno) famosamente enunciado por HART: o autor britânico propôs que o problema
central com o referente meta radicasse na implicação de uma reflexão filosófica sobre o
próprio “conceito de Direito” que se viesse perfilhar – devendo, antes de diferenciar
ordens, sistemas e decisões, proceder-se a uma “reconsideração” de todas as
experiências de todas as ordens jurídicas, para se encontrar essa common thread –. Com
efeito, é possível que perguntemos, assumindo uma ordem de validade, em que termos
ela se estruturará enquanto concept of law, passível de sustentar uma metodologia
jurídica; e a pergunta não é irrelevante, na medida em que perspetivas diferentes sobre
um tal “conceito de Direito” trarão consigo compreensões diferentes sobre o próprio
método.

o Com isto, HART tomou aquilo a que podemos chamar um conceito de classe –
class concept –, procurando um conceito universal de Direito que fosse tão
detalhado quanto possível, e estruturando para tal um conjunto rígido de pontos
de orientação que, uma vez preenchidos em bloco, permitiriam classificar uma
determinada ordem, sistema ou decisão como juridicamente relevantes (i.e.,
como “de Direito”) -, chegando, como sabemos, à sua distinção entre normas
primárias e normas secundárias.

o Posteriormente, todavia, este raciocínio foi retomado com uma perspetiva


crítica, por autores como FULLER e, mais recentemente, SIMMONDS: para
estes, a opção (e sublinhe-se que não deixa de ser uma opção) de perspetivar um
determinado concept of law como meta apenas fará sentido se fizermos o reparo
de que ele não deve ser abordado enquanto conceito de classe, mas sim como
conceito arquetípico – archetypal concept –, uma compreensão de desideratos
“iluminada por exigências ou aspirações de sentido”; mas o que se quer dizer por
isto?

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▪ Por um lado, um conceito de classe visa, precisamente, a representação e


delimitação rigorosa de uma classe – a “de relevância jurídica” –, através
um acervo de características rígidas e exigentes, a deverem ser todas
verificadas para a classificação da realidade em mãos como juridicamente
relevante, por ser reconduzível ao conceito de Direito tomado (uma lógica
de “tudo ou nada”).

▪ Diferentemente, por um archetypal concept tem-se antes uma lógica de


aproximação em degraus a um conceito que tem por meta determinadas
aspirações de sentido – que podem mesmo nunca vir a preencher-se, mas
ainda assim são perseguidas (SIMMONDS formula “something can
constitute an instance of law (…) by its approximation to the archetype
(…) while nevertheless falling short of full compliance with the requirements
of that concept ”) –, cujo preenchimento genérico, e não rígido, basta
para nos vermos deparados com um conceito de Direito (uma lógica de
“ideal orientador”); desta forma, viabiliza-se inclusive uma possibilidade
enriquecedora de diálogo com alternativas possíveis de análise, estudo e
debate.

Na compreensão de LINHARES, a enveredarmos por esta perceção da meta enquanto


certo «conceito de Direito», não podemos deixar de o fazer tomando um conceito
arquetípico, que tome por uma ordem de Direito conformada por certas intenções de
sentido, e não pela verificação rígida de coordenadas estanques – o que a caracteriza
verdadeiramente, enquanto ordem de validade, é um alicerce axiológico, uma “âncora” de
valores e princípios.

3. Metodologia ou metodonomologia? A proposta dos nomos por BRONZE)

Recordámos já que, na análise decompositiva da expressão metodologia nos referentes


meta, odôs e logos, PINTO BRONZE lhe vem acrescentar uma quarta componente: o
nomos, cuja relevância tem que ver com a possibilidade de a método(nomo)logia passar a
ver-se como método focado numa determinada realização jurisdicional concreta –
judicativo-decisória – do Direito, que simultaneamente o encare e afirme como a ordem
de validade por que já concluímos.

+Cabe, nesta sede, uma primeira referência ao papel absolutamente essencial de HAYEK,
autor contemporâneo que famosamente distingue duas dimensões da compreensão do
Direito – como nomos e como thesis –, referência de que cabe, para já, uma
contraposição simples:

Law as nomos – em jogo quando se pretenda veicular que o sentido do Direito


está associado a valores, a um projeto cultural (pode dizer-se, até, do Direito
como ius no seu sentido originário); na perspetiva do Direito como nomos,
realça-se, vemos o Direito como projeto autónomo – aos olhos de HAYEK, a
ordem do nomos é uma ordem imanente, mas espontânea (e não uma ordem de
criação humana), que se vem realizar por uma via de continuidade na
prática jurisdicional.

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Law as thesis – implica que se acentue um aspeto associável à experiência


legislativa; o Direito surge como algo racionalmente construído e programado
para o futuro, implicando que, sendo uma construção humana, ele é
fundamentalmente um instrumento para prosseguir fins (a satisfação de
expectativas sociais). Assim sendo, a dimensão pragmático-estratégica intensa
(resultado do nosso presente, um presente aberto ao Estado-Providência)
redunda numa separação marcante das experiências legislativa e jurisdicional, em
descontinuidade.

Com esta menção, e amparado por uma noção de nomos muito próxima, BRONZE
pretende uma metodologia que pense o Direito como ordem de validade imanente, a
partir da experiência do problema concreto – a prática jurisdicional –; impera, nessa
medida um acrescento do predicativo nomos.

4. As relações possíveis entre o logos e o método

Retomando a análise do método, chegamos a uma questão abordada com grande


cuidado por CASTANHEIRA NEVES no manual (o primeiro dos pontos a que nele se
dedica), e que nos deve ocupar, portanto, algumas linhas: qual a relação que devemos
estabelecer entre as componentes já analisadas da expressão (o método) e o logos? Por
outras palavras, que razão intencional deve mediar a inteleção do método com uma
determinada racionalidade?

• Identificam-se no manual três grandes propostas de relação, que não só


correspondem a perspetivas diferentes, como perspetivas inseridas em
momentos historicamente referenciados:

➢ Relação de exterioridade construtiva e prescritiva;

➢ Relação de imanência descritiva;

➢ Relação de reconstrução crítico-reflexiva.

4.1. Relação de exterioridade construtiva e prescritiva

A verdadeira preocupação com um método jurídico só surgiu de uma forma clara no


contexto cultural europeu do séc. XIX, sobretudo graças ao protagonismo assumido pela
Jurisprudência dos Conceitos – Begriffejurisprudenz – no desenvolvimento do
positivismo jurídico. Foi precisamente com a corrente científica do positivismo
normativista que surgiu um primeiro interesse em construir um método para o estudo
do Direito, nos termos propostos para as demais áreas (científicas) do saber –
preocupação de tal forma marcante e trabalhada que se chegou ao ponto de se arrogar
ter identificado e detalhado o Método Jurídico, na sua plenitude científica –.

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Como é sabido, este discurso cientificista, proferido por um certo positivismo herdeiro
da Escola Histórica, partia de numa separação essencial entre o pensamento jurídico
(enquanto Ciência do Direito) e o Direito (como objeto a ser estudado): o pensamento
jurídico cientificamente concebido não poderia ser senão uma explicitação racional do
objeto a que se dirigia, pelo que se veio caracterizar como um pensamento teorético, que
separa antes de mais o que é sujeito do que é objeto – é nesta base que se erige um
modelo relacional de exterioridade construtiva e prescritiva –.

▪ Ao pensar-se um esquema metódico assim, em termos puramente teoréticos,


propõe- -se um desenho prévio, analiticamente perfeito, de um esquema (que o
decompõe em etapas, as ordena e caracteriza), um esboço abstrato e totalmente
alheado da prática.

▪ O momento da prática – a aplicação ao caso concreto – é um outro, posterior, ao


qual é imposto o padrão que foi delineado e concebido em abstrato: por se
entender que esta determinação metódica pensada antes da prática seria a que
melhor corresponderia a um entendimento da ordem jurídica racional-iluminista,
a prática só seria racional se seguisse o esquema preestabelecido –.

✓ Por outras palavras, esta razão intencional do método assenta numa


distinta e anterior (exterioridade) predeterminação do esquema metódico
(construtiva) que se impõe à prática como condição de racionalidade
(prescritiva).

Como se sabe, o positivismo viria fazer redundar esta visão no entendimento de que o
legislador vem estabelecer um esquema silogístico hipotético-condicional, que assim se
impõe ao aplicador da lei; embora se avancem outros argumentos no sentido da
aplicação silogístico-subjuntiva do Direito (como o de que apenas assim, estática e
rigidamente, pode o juiz respeitar a validade da lei enquanto expressão da volonté
génerale, sem nada acrescentar ao Direito que aplica), a ideia central é a de que a
observância de tal método corresponderá às ditas exigências racionais, ao passo que a
não observância da lógica subsuntiva culminará numa decisão arbitrária, irracional.

Se, por um lado, uma tal compreensão do Método Jurídico ainda influencia, pelo peso
absolutamente esmagador que assumiu, algumas perspetivas atuais – e aludiremos ainda
adiante em que termos –, na verdade a sua condição de paradigma caiu, já após o século
XIX

4.2. Relação de imanência descritiva

Aquele primeiro raciocínio de tom transcendente pode, em todo o caso, ser revirado e
contraposto pelo exemplo histórico da compreensão e realização do Direito: na verdade,
não se conhece uma qualquer tematização autónoma do método em autores antigos,
havendo uma marcante falta de discussão sobre uma qualquer “determinação prévia e
exterior do método” em obras medievais, tão pouco no horizonte romano; se os juristas
praticavam, sem dúvida, um determinado modo de compreensão do Direito, nunca se
debruçaram, reflexivamente, sobre o “método” que empregavam.

Uma compreensão assim dinâmica e imanente do Direito implicou, para os pensadores


– sensíveis a uma visão fiel às práticas culturais – que detetaram esta falha à explicação

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acima referida, que pudéssemos explicá-la através de uma classificação racional do


método jurídico como que assente numa relação de imanência descritiva.

▪ Para estes célebres e acolhidos reformuladores, o método pode efetivamente


ser descrito, mas é-o através da prática e na medida que a prática o permita; ao
invés de um momento exterior de determinação teórica do método – uma
realidade abstratamente concebida que se imporá à prática –, temos um método
que resulta da prática (imanência), e é pela prática compreendido (descritiva).

▪ No fundo, concebe-se uma prática que se vai desenvolvendo sozinha,


constituindo por si própria os seus caminhos, sem uma definição prévia que lhos
determine – o método constrói-se à medida que se percorre –.

Com efeito, afastada definitivamente uma relação de exterioridade, um jurista académico


que busque refletir sobre como o juiz decide quererá tentar ir mais longe, e poderá
debruçar-se sobre os vários modos de linguagem civilizacionais implicados numa
realidade plural, procurando congregar todos os possíveis numa só perspetiva analítico-
descritiva (tomando por certa uma metodologia assumida numa relação de imanência
descritiva); não mais uma intencionalidade prescritiva, mas um relato empírico – chega-
nos e basta-nos olhar para o passado, compreendendo que vale a plena aceitação de
práticas anteriores, numa acentuada lógica de continuidade –.

Bem, se tal atitude pode ser sedutora, teremos para nós que algumas coordenadas do
contexto contemporâneo o complexificam de forma tal que, como têm CASTANHEIRA
NEVES e LINHARES, resulta evidente a sua insuficiência – apenas se agravaria, ao invés
de se resolver, o problema –.:

• Ao nível das comunidades de juízes, de académicos, de filósofos do Direito, são


mobilizados códigos diferentes, e ainda vão implicados sistemas e ordens jurídicas
distintos: é exigível ao juiz que cumpra uma determinação, por via descritiva, dos
esquemas metódicos convocáveis num universo de tal modo vasto? Será sequer
humanamente possível cumprir, de todo, essa dificílima tarefa?

• Uma atitude de imanência descritiva pressupõe a relativa pacificidade


contextual dos pilares em que a nossa noção de metodologia assenta (conceção
da função judicial – ver a crítica dirigida por LINHARES a FISH –, a compreensão
do sistema, certos termos e seus significados): em que medida pode valer uma tal
ideia, em nada coincidente com a nossa atual – de acentuada conturbação
sistemática, de confronto de soluções e de compreensões –?

• Finalmente, se é absolutamente certo que a atitude teorética e alheada que se


propõe pela relação de exterioridade constitutiva não atende ao que de mais
imediato o método permite contactar – a prática –, faz sentido enveredar por
uma descrição que é particularmente inacessível, por ser estritamente empírica
(i.e., por se dirigir à realidade psicológica e sociológica, e não se debruçar sobre a
lógica, sobre a verdadeira racionalidade subjacente)?

Tudo isto acaba por tornar claro que é necessário um equilíbrio que se baseie numa
verdadeira intenção normativa – é inadequada, por parca, uma qualquer atitude

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prescritiva, mas também não é suficiente uma atitude de mera descrição empírica da
prática jurisdicional (de “teoria da prática”, como têm ESSER e GRÖCHNER) –.

❖ Em suma, admite-se que não será possível conceber um discurso metodológico


alheado da realidade, ou dependente dela ad nauseam – pretende-se um esquema
metódico possível, equilibrado, que não se limite a uma pura abstração científica,
de projeção difícil (e assim se perca numa referência exterior), nem a uma
descrição semiótica de determinação factual (assim se perdendo, por essa via,
numa referência epistémico-descritiva pura) –, mas uma outra solução.

4.3. Relação de reconstrução crítico-reflexiva

No pretendido equilíbrio, é primeiramente necessária à análise intrametodológica uma


índole intencional criticamente normativa: uma de verdadeira reflexão crítica, que verse
sobre aquilo que os juízes fazem, mas também sobre aquilo que devem fazer, se querem
levar a sério e concretizar uma certa compreensão do Direito enquanto ordem de
validade – qualquer que ela seja –. Dispensa-se, portanto, uma construção exterior que

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prescreva um método imposto à prática; querer-se-á uma descrição, é certo, mas mais
do que um mero relato (como originalmente o daqueles juristas medievais ou romanos):

▪ Numa descrição que conhece uma componente normativa, a envolver uma


atitude não fechada (que se problematiza mesmo a si própria, por todas as opções
e caminhos “que se abrem e fecham numa ordem de possibilidade”), conclui-se
mesmo que, num contexto como o nosso, se torna indispensável esta atitude
crítico-reflexiva com uma referência a um certo conceito arquetípico de Direito
(ligado, como vimos, a certas aspirações),assumindo- -se o propósito de construir
e ir reconstruindo uma ordem de validade).

▪ A intencionalidade normativa que se exprime por esta atitude partirá da


prática e dirigir-se-á à prática, mas fá-lo-á olhando de um modo crítico-
reflexivo e atento para a normatividade do Direito que se pretende realizar,
daquele concept of law – temos, pois, uma descrição analítica (não empírica) da
prática –, intenção que depois é metodicamente projetada na decisão judicativa
em que se cumpre (reconstrução).

5. O campo temático, o objeto intencional e o sentido do problema metodológico

5.1. Breve alusão aos esquemas gerais do pensamento jurídico contemporâneo

Se assumimos uma intenção normativa de reconstrução crítico-reflexiva, torna-se


inconcebível que abordemos o problema metodológico sem mais, dispensando uma
referência ao seu campo temático e ao seu sentido problemático num específico
circunstancialismo complexo: sublinhe-se que, num tal diagnóstico de necessária
situação temporal e espacial no hoje e no aqui, a nota crucial é a da pluralidade de
reflexões e perspetivas, que depois se vem repercutir na função desempenhada por
cada juiz – com influências, tendências e construções próprias –; se quisermos
compreendê-las, teremos de analisar, mesmo que de forma brevíssima, as distinções
possíveis: uma delas absolutamente central, axiomática, e outra em estreita articulação.

I. Normativismo, funcionalismo(s) e jurisprudencialismo

A cisão basilar, que acarreta uma conhecida grelha do pensamento jurídico


contemporâneo, é a que subdivide as variadas compreensões contemporâneas possíveis
em três grandes correntes (ou grupos de correntes): normativismo, funcionalismo e
jurisprudencialismo ; importa aludir, de forma brevíssima, à inserção do momento
jurisdicional em cada um destes horizontes de compreensão (que se estudam
aprofundadamente em Introdução ao Pensamento Jurídico Contemporâneo ), sendo certo
que a proposta que nos guiará e inspirará, como bem sabemos, será inevitavelmente a
terceira.

→Normativistas: estamos a pensar o Direito como conjunto de normas, então o Direito


surge como que dado, enquanto um modo-de-ser a que corresponde uma universalidade
racional previamente definida, e que cumpriu os parâmetros de legitimidade e validade
que o sistema lhe exige. Como tal, o papel jurisdicional resume-se simplesmente à
projeção da norma, por forma à mesma resultar intocada, sem adições ou modificações
materiais de qualquer espécie (a predeterminação do Direito converte o juiz na mera
“bouche qui prononce les paroles de la loi ” esboçada por MONTESQUIEU);

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• No contexto iluminista, recordemos, a estrutura do Direito positivo, contido em


normas, assentava nos pilares da generalização e da abstração. Dessa forma,
pensar e aplicar o Direito não poderia aspirar para lá daquilo que as normas
permitissem fazer – ao fim e ao cabo, não poderia ser de outra forma sob uma
perspetiva assim formalista, que encara um Direito formalmente autónomo,
alheado do substrato sociológico e cultural circundante a menos que este se
possa apresentar sob a forma de uma norma geral e abstrata –.

→Funcionalistas: são os ditos funcionalismos materiais --se o Direito é visto na


realidade social como um recurso flexível, posta que a sua função do Direito (aqui
evidenciada uma atitude pragmático-funcional) é a de servir de instrumento à realidade
social, para as exigências, aspirações e objetivos por esta colocados se tenham por
exprimidos, a função do juiz é a de mediar essas exigências na medida em que se
exprimam no Direito

• Fica clara a rejeição da autossubsistência programática do Direito e daquele


paradigma de aplicação, para se assumir uma atitude de diálogo- -dependência
com o contexto real, refletida num paradigma de decisão.

• Recorrendo a uma célebre metáfora a que já acedemos, o juiz é por aqui um


“tático” do “legislador-estratega”: este último delineia uma abordagem para a
prossecução de determinados objetivos, ao passo que aquele deverá
desempenhar uma tarefa de maximização, de garantia de eficiência num sistema
de lógica custo/benefício (especialmente legível em específicas propostas do
chamado funcionalismo material – como a da Law & Economics, da Escola de
Chicago–).

→ Jurisprudencialistas: Fala se agora, num paradigma de juízo decisório ou decisão


judicativa (rectius, numa ideia de realização judicativo-decisória do Direito), então o
modus operandi do juiz passará a centrar-se na prolação de um juízo – que é mais do que
uma pura decisão, formalmente determinada, como aquelas outras –.

• Esta proposta viabiliza uma dinâmica de reconstrução sistemática constante,


através da mobilização ou convocação das dimensões do problema e do sistema
plural, estratificado: esta dialética permite pensar o papel metodológico do juiz
como tentativa de realizar em concreto uma comunidade de sujeitos possíveis
– tudo isto sobre uma assumida autonomia (e não sujeição funcional) do Direito
(sem, porém, que se feche num isolamento racional) –.

A compreensão desta distinção passa ainda, como dissemos, pela colaboração com
outras distinções possíveis; dessas, caberá referir (além de outra para já mais
apagada, dirigida a uma dialética societas/communitas, e que contrapõe interesses
estratégicos de prossecução dos fins comuns a uma dimensão verdadeiramente
axiológica – vê-lo-emos melhor a propósito da superação do Método Jurídico do séc. XIX
–) uma que tem recentemente ganho maior destaque, particularmente contraposta e
concertada com o esquema desta primeira.

II. Discursos de “área aberta” e discursos juridistas /jurisdicistas

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Podemos também, pois, falar em duas tendências de compreensão da realização


jurisdicional do Direito, que se resumem a dois “tipos de discurso” possíveis (chegando,
então, mesmo a cruzar- -se no plano daqueles três “tipos de correntes” analisados
acima): por um lado, os chamados discursos da área aberta (open area ); por outro, os
discursos juridistas ou jurisdicistas.

Globalmente, pode defender-se que a atual circunstância, complexa e plural – opondo


exigências claramente pluridisciplinares – permite cindir todos os problemas que chegam
às mãos do juiz entre casos fáceis e casos difíceis.

o Casos fáceis ou de rotina, para cuja resolução bastam os materiais jurídicos


(possivelmente até mesmo um esquema silogístico-subsuntivo), e que raramente
encontramos;

o Casos difíceis, onde as normas, os princípios e fundamentos, os precedentes


jurisprudenciais e todos os demais standards jurídicos fornecidos se revelam
insuficientes por si, sendo infelizmente mais comuns (basta, por exemplo, que o
sistema permita várias soluções possíveis e não hierarquizadas de modo
algum).

→Discursos da área aberta (open área ): de acordo com este entendimento (para o qual
o funcionalismo é campo particularmente fértil), somos levados a entender que perante
um caso difícil, que conjuga várias hipóteses equivalentes mas alternativas, o julgador
virá mobilizar intenções não jurídicas (orientadas por uma sensibilidade pessoal), sejam
elas políticas, económicas, pragmáticas, até mesmo éticas; no raciocínio de POSNER, o
juiz escolherá a intenção que ele próprio terá definido anteriormente, mesmo que fora de
um esquema jurídico, ou até de forma inconsciente.

→Discursos juristas ou jurisdicistas: insiste-se, diferentemente, na possibilidade de


responder a controvérsias práticas de forma individualizada: a autonomia do Direito
manifesta-se na exequibilidade de caber sempre uma resposta jurídica para cada caso
individual (desde que os materiais jurídicos sejam adequadamente mobilizados), inclusive
para os casos difíceis. Naturalmente, normativistas e jurisprudencialistas, atentos e
centrados (se bem que de formas totalmente diversas) na resposta dada à luz das
possibilidades dadas pelo sistema, resvalarão para opções discursivas juridicistas.

+ CASTANHEIRA NEVES repara, a este propósito, que a perspetiva sobre a dialética


problema-sistema que se toma convoca um esquema metódico específico e constante,
garantindo sempre a possibilidade de resolver o caso sem convocar experiências e
intenções extrajurídicas (mais do que entender que a resposta ao caso “aguarda que a
encontrem” num dos vários substratos do sistema).

5.2. A rejeição da “metodologia jurídica global”: o problema de uma unidade


metódica

Mesmo que já tenhamos definido o campo temático da metodologia jurídica (a


reflexão metodológica dirige-se em exclusivo ao modus operandi do juiz), cabe abrir ainda
a discussão a outras posições, que tomam como possível ou desejável alargar esse
campo temático ao modus operandi do legislador – e mesmo até, no limite, à dimensão
dogmática do discurso académico, à doutrina –.

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De forma implícita naquilo que temos desenvolvido em certos momentos, já rejeitámos


estes caminhos totalizantes ou integrados para a metodologia jurídica (uma dita
“metodologia jurídica global”); todavia, será sempre do maior interesse refletir sobre tal
possibilidade, posto que um dos temas que mais preocupa os juristas é o de, quando
pensamos na realização e até na constituição do Direito, saber até que ponto as
experiências legislativa e jurisdicional divergem: mais rigorosamente, se deveremos
assumir entre elas uma linha de continuidade ou de descontinuidade discursivo-
constitutiva.

A) Poderá defender-se uma linha de continuidade discursiva, ou, pelo menos, uma
comensurabilidade certa, que permita uma perspetiva macroscópica por sobre um único
método jurídico – será o que defendem várias teses –:

i. Desde logo, como é evidente, o paradigma oitocentista do positivismo jurídico


procedia a uma tal compreensão de continuidade, levada mesmo a um extremo
formalista (mesmo que com algumas atenuantes – por exemplo, a da rejeição
parcial desta formulação pelo positivismo conceitual, ao dar relevo ao costume –):

✓ O julgador, ao apenas proferir no caso o Direito, seguindo um método de


racionalidade predeterminada, prossegue uma linha que começa no mo-mento
legislativo; de certa forma, o papel esbatido de mero aplicador então assumido ao
juiz vem quase que anular o relevo, sequer, de uma lógica de continuidade.

ii. Outra possibilidade de constituir um método jurídico integral baseou-se já em


pressupostos funcionalistas (com as já referidas ideias caricaturais de legislador-
estratega e de juiz-tático), vindo encontrar nexo numa continuidade assumida ao
núcleo da decisão:

✓ Se o legislador “desenha” (um plano, uma estratégia) e o outro “concretiza”


(afetando recursos a finalidades preordenadas), então o “esboço” será o foco da
continuidade, suscetível de uma análise metódica, que inquira da racionalidade da
escolha sequencial feita – quer numa perspetiva político-económica, quer num
espírito de compreensão do Direito como autêntica “engenharia social” (social
engineering), como temos no modelo de teleologismo tecnológico proposto por
HANS ALBERT –;

✓ Em concreto com ALBERT, a opção por determinados fins e meios seria o


busílis da questão, posto que a perspetiva funcionalista do Direito como
“engenharia social” vem mesmo debruçar-se sobre o papel do juiz numa escolha
ou conjunto de escolhas coerentes, aptas à prossecução eficiente do plano
legislativo. O que, relembra LINHARES, muito se aponta criticamente a esta
construção é que ela poderá comprometer a aquisição fundamental do princípio
da separação de poderes – se bem que esta continuidade se poderia admitir
sem reservas no plano da função legislativa singularmente considerada (p.e.,
entre o legislador constitucional e o legislador ordinário), a pretensão de
estendê-la ao momento jurisdicional seria converter o juiz, por tático, num mero
administrador, que se limita a afetar eficientemente os recursos disponíveis, em
ordem a prosseguir uma intenção estratégica que lhe é anterior.

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B) Será preferível, então, que assumamos um discurso de descontinuidade constitutiva: os


papéis, os tipos de discurso e as próprias problemáticas que surpreendemos nas funções
legislativa e jurisdicional deverão ser perspetivados em momentos diversos, com
intenções autónomas. Também podemos encontrar várias formulações deste caminho.

i. Uma primeira proposta, nesta linha, é a de HAYEK, pelo que convirá retomar aquele
raciocínio que já encetámos, a propósito do elemento nomos, por sobre dois tipos-
dimensões de compreensão do Direito:

✓ Por um lado, no Direito como nomos – law as nomos – falamos no Direito


como projeto cultural autónomo; como tal, estão em jogo modelos e
procedimentos de identidade quase natural, desenvolvidos espontaneamente, na
imanência das mesmas práticas a que dizem respeito (por outras palavras, vem
implicado um entendimento social de desenvolvimento paulatino, sem ruturas, da
prática judicial) – HAYEK, inclusive, invoca a título exemplar casos nos tribunais
ingleses do séc. XIX –. Há uma lógica de continuidade, mas tão somente no plano
jurisdicional, assumindo-se uma descontinuidade discursiva com o momento
legislativo (a haver uma alteração legislativa, ela é assimilada pela ordem – pelos
fundamentos e pelos princípios – através do julgador).

i. Ora, considera-se que esta construção já não pode ser tida como
possível, pelos estritos termos em que foi formulada: na verdade,
HAYEK enquadrou a sua compreensão dinâmica numa base atualista, e a
“espontaneidade” a que se refere assenta de tal forma numa determinada
exigência de liberdade e determinação imanente, que acaba por ver
como exemplo máximo de tal afirmação… a lógica de mercado.
ii. Como é evidente, uma tal conceção romperia gravosamente com uma
construção do Direito como verdadeiro jus, e coartaria certas bases de
entendimento que temos por fundamentais, impedindo
desenvolvimentos verdadeiramente interessantes.

✓ Quanto à compreensão do Direito como thesis (identificada e, como já vimos,


criticada por HAYEK), ela implica propostas erigidas sobre uma representação do
Direito em torno de escolhas – com uma dinâmica de políticas e projetos que
têm causa e consequência em diversas e sucessivas opções estratégicas, em
sucessiva rutura –: aqui, a interferência de uma autoridade- -potestas é
marcante, e a descontinuidade é mais notória.

i. Em todo o caso, se se desenvolve num raciocínio transformador, e


fundamentalmente diverso do daquele primeiro mundo (com HOBBES
ou BENTHAM há mesmo uma intenção de substituir o nomos ), é pelo
menos certo que é nesse que se lhe deverá conhece limite,
desempenhando os princípios e os fundamentos um papel decisivo
– o nomos como preponderante, se bem que numa conceção
diferente da de HAYEK, como traz PINTO BRONZE –.

ii.Torna-se essencial, portanto, acompanhar sequencialmente LINHARES (na esteira de


CASTANHEIRA NEVES) num desenho cuidado de uma proposta discursiva de
descontinuidade que beneficia de todos estes contributos.

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✓ Resulta evidente que, à luz do que vimos, o diálogo entre as dimensões


apontadas por HAYEK seria impossível no Iluminismo oitocentista: então,
quando se pensava na lei pela sua racionalidade, não se tinha outro esquema
universal possível que não o silogístico – hipótese/estatuição –, sem qualquer
indício de uma índole estratégica (que se considerava uma contingência
“abaixo” da formulação pura normativista);

✓ Já mais tardiamente, porém, a universalidade racional veio descer ao térreo


mundo da realidade sociopolítica – a viragem finalística –, com uma
componente político-legislativa importante de opções ideológico-partidárias, de
desenho de estratégias, a convocar artefactos microscópicos (conceitos de
economia, Estado, empresas, famílias ) –;

✓ De certa forma, o “terceiro andamento” da realidade histórica


contemporânea manterá por certo uma atenção à descontinuidade, mas com
atenção cuidada a referências de racionalidade (a que se acrescenta uma
dimensão axiológica-comunitária do sistema de grande importância); assim se
consideram, nomeadamente, referências a DWORKIN (a acentuação do papel
dos princípios na tarefa interpretativa), ao próprio CASTANHEIRA NEVES
(a contraposição entre ratio legis e ratio juris como dimensões possíveis no
contexto material da norma) implicam limites a esta compreensão da
experiência legislativa, teremos que assumir que este é um substrato necessário
e incontornável numa sociedade diversa e plural.

Para CASTANHEIRA NEVES, esta assunção implicará que se diga que o papel decisivo
da função jurisdicional passa a ser o dizer autónomo do Direito, com uma racionalização
específica que parte do regresso a uma lógica de descontinuidade, de rejeição de uma
complementaridade formal como a que o positivismo oitocentista propugnou, mas
também qualquer visão de unidade metódica: como tal, a convocação do Direito à sua
realização estará, sem dúvida, comprometida com a criação legislativa (e assim político-
ideológica), mas dedica-se a “assimilá-la nomologicamente”, a transpor essa criação para
um plano sistemático em sentido próprio.

5.3. O juízo-julgamento: o relevo da decisão judicativa na sua índole material

Com o que acabamos de concluir – a autonomia metódica do momento jurisdicional, a


assunção de uma compreensão jurisprudencialista, jurisdicista, associada a um nomos
que é também expressão de um discurso atento à dialética fins-valores (societas-
communitas ) –, podemos dedicar umas últimas linhas, nesta análise perfunctória do
pensamento subjacente à elaboração expositiva do curso, à questão da realização do
Direito através de uma concreta decisão judicativa; esta comportará, essencialmente,
dois momentos:

+Momento-aspeto de decisão (uma expressão da voluntas numa escolha, numa mera


decisão)

▪ A resolução de uma controvérsia prática não deixa de resultar de uma opção


entre caminhos, opção que se afirma a si própria por radicar numa voluntas
do juiz (e assim desvinculada quanto ao conteúdo e relativamente a

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qualquer predeterminação), imposta obrigatoriamente aos sujeitos do problema


decidendo.

o Esta mera decisão, seguramente, é dada através de um certo esquema


metódico; temo-la, pois, como expressão de uma índole formal.

+Momento-aspeto de juízo (a fonte da racionalidade que converte a mera decisão em


puro juízo)

▪ A resolução de uma controvérsia prática faz-se através de uma ponderação


argumentativa racionalmente orientada, a redundar numa solução agora
comunicativamente fundada.

o Temos um modus operandi discursivo – articulação de elementos do


pensamento –, logicamente expresso num raciocínio – encadeamento
ilativo, a partir de certas premissas e virado a uma conclusão – e assente
numa contraposição dinâmico-argumentativa – prática, dialética –.

o Por outras palavras, uma opção voluntarística do juiz passa a conhecer


um fundamento que impede que a consideremos arbitrária: ela resulta de
uma explicação racional à luz de uma dialética problema-sistema, e é
muito mais do que “aquilo que o juiz quis” – é, verdadeiramente, “aquilo
que o Direito pretende” –; sem qualquer dúvida, está em jogo a índole
material da solução.

Em suma, diremos que no juízo decisório jurídico reverte-se a voluntas à ratio : o Direito
não pode ser apenas realizado, exclusivamente, através do juízo: em bom rigor, uma
referência a uma qualquer fundamentação racional sem que nada haja para fundamentar
(a solução escolhida) é inútil; mas também uma simples opção de um poder judicial,
radicada na vontade, não conseguirá cumprir as exigências do nomos, a que já tivemos
muitas oportunidades de aludir.

Desta forma, conseguimos surpreender um sentido absolutamente essencial da


dialética problema-sistema: o dela enquanto base de soluções fundamentadas para as
controvérsias práticas – “o juízo sempre será sustentado por uma decisão; a solução da
ratio amparada pelas opções da voluntas ”–; sendo certo que apenas a decisão dirá qual a
solução concretamente aplicada – id est, sem um esquema operatório, não posso a priori
apontar uma qualquer solução –, esta não “sobreviverá”, como solução racional, sem uma
fundamentação objetivo-racional, num sentido prático-normativo.

Com esta última referência conseguimos delimitar, por fim, o objeto intencional da
metodologia jurídica: o modelo metódico racionalmente fundado que permite uma
“ponte” entre o Direito positivo vigente (a juridicidade) e a decisão concreta (a realização
do Direito em concreto). Mas qual o específico tipo – ou quais os específicos tipos – de
racionalidade que poderá explicar e fundamentar a mera decisão, convertendo-a em puro
juízo?

Será disso que caberá agora estudar: dos tipos de racionalidade jurídica, e da
racionalidade jurídica que permeia, como tal “ponte”, a mera decisão e a decisão

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judicativa (sendo que apenas nesta se terá a realização em concreto do Direito); por
outras palavras, pretendemos conhecer o objeto intencional que delimitámos.

II. A RACIONALIDADE JURÍDICA

Todos os argumentos que se têm colocado e analisado permitem defender, entre


perspetivas diferentes, um importante conjunto de pontos, conceitos e divisões,
inseridos numa certa compreensão: esse deverá, em toda a linha, ser o nosso ponto de
partida para alguns desenvolvimentos sobre que racionalidade – de entre as várias
possíveis – se colocará na base da tarefa que nos propusemos a definir e localizar.

1. Considerações introdutórias: situação contextual histórica e distinções


essenciais
Assumir um juízo decisório como patamar essencial da realização do Direito será já uma
determinada inclinação: para uma compreensão juridicista – e não de área aberta –, que
se compromete a convocar uma realização plausível do Direito; antecipando uma
determinada dialética problema/sistema; com um propósito intencional de reconstrução
crítico-reflexiva… estas foram, precisamente, algumas das nossas conclusões- -opções
prévias. Assim se conclui que já estamos necessariamente num contexto analítico em
que teremos que optar por certas propostas e caminhos: e como é evidente, também
aqui vamos ensaiar uma resposta possível entre muitas, pelo que convirá que
estabeleçamos um diálogo com as restantes perspetivas que se têm avançado,
conhecendo-as primeiro.

• Será muito importante que se sublinhe este aspeto do estudo, uma vez que o
problema em mãos é, essencialmente, o de aferir de um tipo de racionalidade
num contexto pautado pela pluralidade de razões (quase que paradoxalmente
inserido na dita atual crise da razão), muito diverso do de outros tempos; o
que se pretende, hoje, é abordar genericamente os vários tipos de
racionalidade que se têm identificado, e tentar compreendê-los em
cruzamento com o universo do Direito, sob as suas várias propostas de
discurso.

De forma muito sintetizada, reportemo-nos ao panorama iluminista, no contexto da


explosão do racionalismo: aí, como teremos oportunidade de desenvolver, predominou
uma racionalidade epistémico-analítica ou científico-descritiva, baseada em esquemas
teoréticos dados pelas ciências naturais e exatas, e a apresentar-se, de uma forma
totalizante, como condição de racionalidade a qualquer discurso: daqui, o positivismo
jurídico oitocentista veio a ser francamente influenciado por um tal contexto de
cientificidade, e foi essa nota que, como sabemos, deu origem ao formalismo lógico-
dedutivo que veio a predominar nos seus esquemas.

O que sucede na superação destes modelos, também estudámos, é o surgimento de


diferentes tipos de racionalidade: não só propostas novas de discurso (como a finalístico-
funcional), mas sobretudo propostas renovadas – o séc. XX conheceu, efetivamente, uma
recuperação inevitável de tipos de discurso que haviam sido subalternados ou
completamente arredados durante aquele “império cientificista” –; nesta sede, destacou-
se a recuperação de modelos discursivos de racionalidade prática (dialética, retórica,

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tópica, hermenêutica, etc.), no fundo reconduzíveis àquilo que LINHARES chama uma
“Mega racionalidade prático-prudencial”, por acentuar uma prática que conhecera primor
na pré-modernidade, associada sobretudo à virtude aristotélica da phronesis (latinizada
prudentia – aqui o pendor “prático-prudencial ”, que retomaremos detalhadamente mais
à frente –).

Em Ética a Nicómaco (Livro VI), ARISTÓTELES apresenta aquilo a que podemos hoje
chamar uma base para os diferentes tipos de racionalidade: as virtudes intelectuais
(especificadamente, sofia, theoria, nous, phronesis, poiesis, etc.), que o autor distingue
entre as que colocam o sujeito perante um objeto exterior – numa atitude contemplativa
– e as que autonomizam, em termos próprios, uma prática firmada entre sujeitos: tanto
nos permitirá falar já numde racionalidades essencial, que nos acompanhará daqui em
diante:

Não deixamos, porém, de atender aos aspetos determinantes de modelos mais antigos e
mais recentes, num quadro comparativo e expositivo global; assim, será esta a nossa
ordem de estudo:

2. Racionalidade lógico-formal

Com a viragem para a modernidade, tem lugar, então, um autêntico domínio da


racionalidade epistémico- -analítica, de ciência – ou “racional em sentido clássico” –;
começaremos então, naturalmente, pela referência a esse discurso, de mera
discursividade lógico-formal: a chave reside na relação lógica entre as proposições que
estão envolvidas, sem quaisquer referências exteriores.

❖ Esta racionalidade discursiva assenta numa lógica estritamente formal e


autossubsistente, que perspetiva as premissas estabelecendo entre elas relações
necessárias (procurando dar a conhecer regras gerais para várias relações
proposicionais de um mesmo tipo); podemos, pois, falar num discurso lógico-
dedutivo, centrado na simples compossibilidade formal de proposições.

❖ Certo é que a racionalidade lógico-formal tem origem, particularmente no seu


acolhimento jurídico, raiz nas exigências do racionalismo científico: porém, a
racionalidade lógico-formal não pode ser entendida como racionalidade teorética

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hoc sensu, como racionalidade objetiva: já referimos que não há aqui uma atitude
verdadeiramente contemplativa, antes a ausência de qualquer referência a uma
exterioridade (o que nos distancia, sem dúvida, do domínio propriamente
teorético).

Sabemos bem do encontro marcante do Direito com este entendimento: esta é a


racionalidade paradigmática no positivismo normativista, de que cabe recordar dois
momentos inspiracionais:

1. Construção do sistema: é importante uma alusão, neste ponto, ao jusnaturalismo


racionalista (de célebres autores, como PUFENDORF ou WOLFF), que apontava uma
característica nuclear ao sistema jurídico, para a pensar axiomaticamente: a
correspondência racional a uma apreensão do Direito natural.

i. Esta compreensão de uma ordem necessária radica sempre numa tendência


imanente, procedente da natureza humana – que encontramos tanto no
pessimismo antropológico de HOBBES como no “apetite humano” invocado por
GRÓCIO –; por isso, a fixação do axioma jusnaturalista tem um alicerce empírico,
mas de construção lógica, racional.

2. Paradigma aplicativo: a menção mais destacada cabe, como seria inevitável, à resposta
mecânica que se desenvolveu: o silogismo subsuntivo, que parte da ideia de uma passagem
lógica (rígida, necessária, e materialmente neutra) do Direito dado ao caso concreto.

i. Se o Direito está predeterminado, o julgador limitar-se-á a enquadrar o caso na


hipótese prevista, aplicando-lhe a estatuição prescrita na norma, tomando-se
como certo que este Método Jurídico, científico e rigoroso, não pode permitir ao
juiz criar premissas (nem sequer acrescentar às premissas que lhe são
apresentadas): por ele, apenas se garante a efetividade do Direito positivo

A tentação de resvalar para esta famosa compreensão do Direito e do método foi de tal
modo marcante que, ainda hoje, grande parte do tratamento dogmático que é dado ao
Direito objetivo parte desta compreensão silogístico-subsuntiva, quase que
inconscientemente; até conscientemente, em certos casos – autores há que, em nome de
um pragmatismo, propõem o recurso a posteriori ao esquema lógico, como método final
de controlo (uma “prova dos nove”) sobre a correta mobilização dos materiais normativos
implicados –.

3. Racionalidades teoréticas

Como já dissemos, se bem que o esquema modelo dado pelo positivismo formalista, de
racionalidade lógico-formal, se aproxima de uma atitude teorética – mormente no plano
jurídico –, a racionalidade objetiva, que parte de um esquema sujeito-objeto onde se
implica uma atitude contemplativa, é bem diversa; cabe falar, então na racionalidade
teorética – se quisermos – hoc sensu.

❖ Novamente, é proposta uma relação reflexiva entre os prolatores do discurso e


uma realidade exterior: se aquele primeiro discurso é um de mera compossibilidade
entre premissas, neste já teremos uma correspondência com uma exterioridade,

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com uma “verdade” – um objeto – dada à apreciação do sujeito, que a contempla


e analisa; chegamos a um modelo correspondencial.

❖ O pendor teorético, que já vinha sendo visto, acentua-se claramente, na medida


em que a validade é aqui aferida pelo próprio objeto (e não, como na lógica formal
sucedia, pela compossibilidade autorreferencial sintática entre proposições, de
modo puramente interno).

Perguntar-nos-íamos, certamente, como é que uma racionalidade assim analítica se


poderá transpor para o domínio do Direito: se bem que alguns temas e pontos (como, por
exemplo, a prova) são mais sensíveis à admissibilidade deste discurso, o mesmo tem sido
assumido de uma forma mais genérica, manifestado sobretudo em duas possibilidades
fulcrais.

3.1. Racionalidade cognitivista-especulativa

Um discurso teorético que assumiu grande destaque no pensamento jurídico ocidental foi
o discurso especulativo [speculum - espelho], que podemos reconduzir à virtude
intelectual aristotélica da sofia, ou sapientia (para ARISTÓTELES, a sophia é o
conhecimento de verdades universais e transcendentes, e é considerada em grande
medida uma virtude maior).

+Todo o pensamento do jusnaturalismo pré-moderno – até o medieval – alinhava


com esta tipologia, uma vez que todo ele se pode reconduzir a uma estrutura
sujeito-objeto (um sujeito conhece apenas um Direito que não é imanente, mas
transcendente ao Homem, partindo de uma ordem indisponível, universal e
imutável);

+Esta articulação racional exprime-se, no concreto esquema metódico, numa


abordagem dos princípios e dos valores como puras realidades ontológicas,
metafisicas, e vistas enquanto umas com os seus correspondentes não normativos
– os elementos das situações em concreto que o jurista é chamado a apreciar –: a
isto se chamou o monismo metódico entre ser e dever ser, cujo domínio exige a
virtude da sofia (conseguir mobilizar em pleno entidades normativas puras e
universais e dirigi-las ao caso concreto pertence sem dúvida à dimensão da
sapientia ).

Vários problemas puderam suscitar-se em torno desta leitura; porém, terá sido a
valorização do elemento da historicidade, logo no século XIX, a contribuir decisivamente
para diagnosticar as dificuldades e desadequações das posições jusnaturalistas (não
obstante haja ainda quem ensaie tentativas semelhantes – nomeadamente, se bem que
com específicas variações e alguns preciosismos, CABRAL DE MONCADA –).

3.2. Racionalidade teorético-explicativa

Outro discurso teorético possível manifestou-se pela racionalidade explicativa, que


acentuou a virtude da episteme, ou scientia (a virtude aristotélica do conhecimento
científico, atestado universalmente, sobre a realidade constante).

+ A diferença fundamental assenta em aqui se descrever e relacionar fenómenos


físicos, e já não metafísicos: por outras palavras, estão em causa agora factos

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suscetíveis de serem contemplados e, sobretudo, experimentados – estamos,


claramente, na linha do conhecimento científico-natural (seguindo os modelos
metódicos de BACON ou GALILEU) –.

+Em específico, procura conhecer-se as relações causais entre fenómenos, sendo


a descrição destes uma tentativa de investigação direcionada ao estabelecimento
de ligações; as ligações empiricamente detetadas são formuladas numa tese, numa
teoria que explicará os fenómenos, para no futuro se partir dos factos e chegar às
causas, indo sedimentando:

Muito há de criticável nestas propostas teoréticas, sobretudo a ausência de uma


intencionalidade normativa – como a que vimos necessária –, mas meramente descritiva,
cognitiva.

4. Racionalidade instrumental-estratégica

4.1. O problema da racionalidade estratégica, de base finalístico-funcional: teorética


ou prática?

Partindo ainda de uma componente relevante neste último discurso de


racionalidade teorético-explicativa, convém tecer um breve comentário sobre a
“técnica”: ARISTÓTELES refere a techné associada à virtude intelectual da poiesis
(criação de artefactos autónomos do seu criador): em termos poiéticos, a techné implica a
obediência a certas regras, que devem ser dominadas para a concretização de artefactos
(nomeadamente, conhecer bem a carpintaria para produzir uma boa peça, dominar
técnicas de pintura para conseguir pintar um bom mural, etc.).

o Todavia, com o cientificismo moderno, veio assistir-se à “migração” da técnica


para o domínio da virtude da episteme, na asserção de uma “virtude na
imutabilidade” dos conhecimentos científicos: a techné passou, pois, a consistir
na habilidosa mobilização de conhecimentos (técnico–)científicos sobre a
realidade, para se conseguir afirmar como objetivos programáticos – no fundo, a

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produção de efeitos pensados e projetados –; uma preocupação que, à luz de um


discurso finalístico, de causa-efeito, redundou no corolário da racionalidade
instrumental-estratégica.
o Em termos simplistas, o domínio jurídico de uma techné epistémico-científica
permitiria um conhecimento técnico da realidade que serviria de base à
modificação da própria realidade – como se, sendo a realidade o objeto analisado,
fosse ela a matéria-prima de um artefacto que mais não é do que uma realidade
alterada (e alterada seguindo certas finalidades, funcionalizando-se o Direito à
produção de efeitos e prossecução de objetivos no mundo)–.~

Ora, um primeiro problema será a classificação desta racionalidade na dicotomia


teorética/prática, surpreendendo a atitude e a intenção que nela vão implícitas:

o Estaremos aqui perante um sistema teorético (assente numa análise epistémica


da realidade), transposto posteriormente a uma determinada prática?
o Teremos, diferentemente, uma tal acentuação da technéno discurso finalístico-
funcional que não podemos arredar a índole prática que originalmente – com a
poiesis – se lhe associava?

4.2. Específica índole constitutiva: o degrau instrumental e o degrau estratégico

Dito isto, cabe compreender o modelo que, num plano jurídico, o discurso finalístico-
funcional (associado a um teleotecnologismo, como fala PINTO BRONZE) tido por
uma racionalidade destas propõe: pode falar-se num esquema racional determinado
em dois degraus:

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1. Degrau da relação instrumental: definição dos fins a prosseguir, afetando certos


meios que se apresentam ou não como racionalmente aptos alcançar tal meta (quais
os meios ade-quados a prosseguir esta finalidade);
2. Degrau da relação estratégica: já estruturada uma relação meio-fim, há que a
tornar efetiva através de uma escolha do meio que se revele o mais eficiente
(selecionando primeiro os meios aptos, escolhe-se agora o mais apto com os
menores custos).

A clareza e a apreensão fácil desta esquematização terão sido fatores absolutamente


determinantes na crescente aplicação deste entendimento no universo do Direito –
desde logo no exercício do poder legislativo (a definição de planos legislativos, associada
ainda aos novos esquemas de leis-medida e leis-tarefa), onde tal raciocínio é
praticamente indispensável–.

❖ A acentuação deste “encontro” vê uma das suas repercussões mais expressivas


no pensamento e obra de HANS ALBERT, que constrói uma ideia do Direito
como engenharia social – social engineering –, modelo alicerçado numa
conjugação modelo-sistema extrema, que extravasa a atividade legislativa, indo
mesmo até ao momento jurisdicional de decisão (uma proposta, como sabemos,
de “metodologia jurídica global”), apresentando-nos um juiz-tático, vinculado a
uma série de legisladores-estrategas (do legislador constituinte ao legislador
ordinário, já hierarquizados entre si de forma semelhante);
❖ Fórmula semelhante encontramos em FRANÇOIS OST, que identifica vários
tipos históricos de juiz: o juiz pacificador pré-moderno, o juiz árbitro de um
racionalismo pós- -iluminista, e finalmente um juiz empreendedor – juge
entraîneur –, ou juiz tecnocrata, assim a identificar sozinho os recursos
disponíveis no caso e a afetá-los à estratégia determinada pelo legislador,
anterior e macroscopicamente.

Por vários motivos poderemos refutar esta proposta: não só pelos pressupostos em que
assenta (funcionalistas, a implicar em grande medida um discurso de área aberta, focada
sobretudo num discurso finalístico da societas ), mas ainda pela implicação larga de uma
unidade metódica que, em sede própria, já viemos rejeitar.

5.Racionalidades práticas

Já tivemos oportunidade de contrapor, de forma introdutória, as racionalidades lógico-


formal, teoréticas e instrumental-estratégica às racionalidades práticas; demos, ainda,
conta da influência absolutamente decisiva da virtude intelectual da phronesis na
construção hodierna de um discurso prático: chega a altura de nos debruçarmos, em
termos próprios, sobre esta possibilidade intencional.

➢ Vê-se aqui presente uma lógica conversacional, de argumentação, num esquema


sujeito-sujeito (um plano em tudo distante do de formalismo lógico do
positivismo oitocentista, bem como do de uma intenção – especulativa ou
explicativa – de conhecimento contemplativo, que identificámos nas
racionalidades teoréticas, sobre um esquema sujeito-objeto, e ainda da pura
acentuação de uma techné funcionalizante, como vimos na racionalidade
instrumental-estratégica).

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➢ Avançando assumidamente para o domínio da phronesis, com uma praxis em


sentido próprio, viremos admitir este esquema de diálogo sujeito-sujeito,
reportado à dialética e à argumentatividade; mas onde e de que modo é tido o
momento jurisdicional? Tem-se que a solução dada pelo juiz provirá da hábil
mobilização argumentativa dos vários materiais jurídicos que o sistema fornece.

Dito isto, convém dar algumas notas e considerações contextuais:

o Como vimos, o que sucedera no panorama iluminista fora, se não a pura


rejeição, pelo menos a forte desacreditação de hipóteses de construção
prática – de matriz clássica –, e o consequente “recuo” a uma necessidade
de fundamentação da prática na teorética, num plano puramente
epistémico (e numa relação de exterioridade constitutiva e prescritiva entre o
método e o logos, chamámos-lhe); o que temos de comum nas racionalidades
percebidas supra é decisivamente um juiz que vem imprimir intenções que,
de uma forma ou outra, lhe são anteriores (um esquema teoreticamente
determinado, uma lógica silogístico-subsuntiva já pronta, um plano
instrumental estratégico a cumprir).
o Na 2.ª metade do século XX, porém, um novo relevo dado a estas perspetivas
(aquilo a que se chamou “a reabilitação da filosofia prática” – fenómeno
exemplarmente descrito por RIEDEL –), revigorou este discurso, não de uma
reflexão teorética sobre a prática, mas sim de uma reflexão inserida na
própria prática, a insistir numa fundamentação racional no discurso da
phronesis, da prudentia – na última obra de DWORKIN, Justiça para
Ouriços, a dicotomia análise científica/interpretação (assente na distinção
das fórmulas e dos esquemas para a resolução das respetivas problemáticas)

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é reflexo disso mesmo.

Porém, a phronesis aristotélica foi sempre sendo sustentada numa ordem de validade
necessária, num certo Direito natural – ideia cujo restabelecimento pós-moderno a
marcada acentuação da historicidade que o séc. XIX trouxe tornou largamente inviável –;
como tal, a recuperação da prudentia não pôde mais ser acompanhada pelo apoio
metafísico que a mesma tinha no contexto pré-moderno: passou a sustentar-se toda a
prática pela prática, como especificação e ramificação concretizadora de uma phronesis
historicamente situada – no fundo, uma combinação da revitalização da filosofia prática
com a aquisição moderna da communitas enquanto construção axiológica humana,
imanente –.

• A partir desta asserção, começam a identificar-se os primeiros traços de um


esquema descritivo circular (essencialmente, com HEIDEGGER): os vários
materiais dados pelo sistema jurídico (princípios, normas, critérios, regras)
concretizam-se pela prática, ao mesmo tempo que é pela prática que são
inferidos: contudo, não podemos ver por este caminho uma disponibilidade
absoluta do Direito admitir que tudo é mutável, dependente da vontade do
indivíduo, seria um extremo impossível de aceitar), pelo que se deverá falar
num círculo imanente que implica, porém, uma imediata autotranscendência
dessa realidade sistemática (por ser, ao fim e ao cabo, um património a ser
preservado).

Esta realização do pensamento prático traduzir-se-á na aceitação de que, numa relação


sujeito-sujeito, há sempre a mobilização de uma certa tradição, a repercutir-se na
necessidade de fundamentação extensa a uma qualquer rutura com o entendimento

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vigente; essa implicação do discurso dialético entre novidade e pressuposto é


absolutamente indissociável e irremovível; postas estas notas centrais, poderemos falar
em três grandes caminhos, diversos, que foram prosseguidos no domínio da racionalidade
prático-prudencial

5.1. Racionalidade tópico-retórica

Uma primeira via veio situar o percurso no problema concreto: a resposta ao caso
vai-se desenvolver sempre e fundamentalmente na perspetiva do mesmo (compreensão
que é desenvol-vida posteriormente pelas correntes da tópica, da “nouvelle
réthorique ” – vide PERELMAN, VIEHWEG, TOULMIN –), a permitir uma abordagem
antiformalista e proto-argumentativista, as-sente, principalmente, em dois pontos
essenciais:

• A consideração do sistema como um catálogo de materiais jurídicos


(princípios, normas, critérios, regras) enquanto topoi, ferramentas paritárias e
equivalentes na sua vinculação – um tratamento tópico –;
• A articulação de argumentos e contra-argumentos na realidade com que o
julgador se repara (a controvérsia concreta, os diversos materiais dados, as
soluções possíveis) – acentuação da transposição retórica da dialética –.

Se quiséssemos mobilizar aqui a dialética novo-velho, centrar-nos-íamos no julgador a


encarar o caso (“novo”), dirigindo-se ao Direito (“velho”) para lhe poder dar resposta:
será a perspetiva de cada caso que permitirá estabelecer a resposta do sistema – a
preferência por “este” material e não “aquele”, a prolação de uma decisão em detrimento
de outra possível –, tentando compreender-se qual a solução consensual que resultaria
dessa argumentação, e propô-la como decisão.

Na linha de CASTANHEIRA NEVES, o curso formula importantes críticas a esta


proposta (que desenvolveremos, a propósito da caracterização da racionalidade
propriamente jurídica):

a) Uma conceção como esta, insensível – avessa, até – a um sistema


verdadeiramente estratificado, tenderá a tomar a discussão em termos
puramente argumentativos, como se a pura contraposição seja decisiva na
prolação da decisão judicial (desvalorizando-se, ao fim e ao cabo, o sistema
enquanto ordem em sentido próprio), apostando-se num consenso a posteriori, e
não numa validade apriorística.
b) Além disto, e mais preocupantemente, o modo como os argumentos e contra- -
argumentos se constroem e desenvolvem obedece a certas regras de
procedimento, e no desenrolar deste raciocínio identifica-se mesmo uma
transição (ainda que tendencial) de uma racionalidade material a uma
racionalidade procedimental – pois assim que aquilo que passa a fundamentar
uma “boa decisão” é a simples prossecução das regras procedimentais (a
deslocação do ponto-chave para a qualificação vem da matéria para a forma):
nesta linha, algumas das teses mais relevantes são a teoria do discurso de
HABERMAS, ou mesmo as obras de ALEXY e de MACCORMICK, que
evidenciam tentativas de conciliação de um regresso da filosofia prática nestes
termos com expressões normativistas.

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o Isto sem prejuízo desta perspetiva até poder assimilar um determinado


conteúdo substantivo (nomeadamente, uma certa compreensão do
Homem uma referência valorativa a um certo modo-de-ser): a
racionalidade da decisão extrai-se por uma via estritamente
procedimental, formal.

Como é evidente, resultam muitas reservas quanto à aceitação deste modelo proposto à
racionalidade metodológica – substituir a autorreferência a uma ordem de validade
anterior indisponível por uma autorreferência ao mero procedimento como raiz de
validade não resolve, em boa verdade, o problema –, não obstante a menção desta
proposta seja uma nota incontornável, como veremos, na nossa assunção do modelo
dialético problema-sistema.

5.2. Racionalidade hermenêutica

Proposta diversa foi dada pela nova hermenêutica – movimento intensamente ligado
a GADAMER, cujo pensamento foi, por sua vez, influenciado por HEIDEGGER –, que
partiu para um discurso jurídico como prático-prudencial (sublinha-se a importância da
phronesis aristotélica) mas, antes, dedicou-se profusamente a reinventar a hermenêutica
como proposta filosófica global, e não mero método.

• Para o modelo neo-hermenêutico, no fundo, o que está em causa não é uma


atitude centrada no que fazemos ou no que devemos fazer, mas naquilo que
acontece connosco na relação com os outros; a nossa postura originária, assim
não é explicativa, é compreensiva – aqui o compreender, Verstehen, surge como
aclaração de um modo-de-ser social, em nada idêntica à contemplatio
objetiva da racionalidade teorética –).
• Sempre que interagimos, que nos dirigimos imediatamente ao mundo,
estamos a interpretá-lo partindo de certas pré-compreensões – sendo
socialmente condicionados por uma herança de tradição, mas também por
esquemas passados, um património complexo (exemplarmente, a leitura de um
mesmo livro em momentos diferentes da nossa vida levar-nos-á a interpretações
e significações diferentes) –; isto leva-nos, evidentemente, a uma lógica circular,
que acentua aquelas pré-compreensões na praxis momentânea.

No plano jurídico, esta reposição da hermenêutica leva-nos a encarar os elementos do


momento jurisdicional (essencialmente, o problema e os materiais jurídicos) como
simples situações de leitura, precipitados num esquema interpretativo, de onde o juiz
vai retirando determinadas significações, soluções e sentidos.

5.3. Racionalidade narrativa

A terceira possibilidade que destacamos é particularmente original: trata-se de uma


racionalidade narrativa, que parte da condição humana de se ser um sujeito que
comunica narrativamente (o nosso modo-de-ser, diz-se, é todo ele determinado através
de “histórias”, as nossas e as dos outros, até a nós próprios – a essência da memória –),
mobilizando, para tal, diferentes tipos de linguagem, uma pluralidade de códigos e planos
de objetivação, articulados em termos muito próprios.

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• Transposta para o plano jurídico, facilmente se compreende das insuficiências


desta proposta de logos : será certamente esforçado pretender que, por exemplo,
a própria norma obedeça a um esquema estrutural narrativo, mas é certo que
esta racionalidade (que contrapõe narrativas opostas, argumentativamente), não
deixa de ser assaz oportuna – em temáticas como a da prova –.
• Precipitações célebres deste discurso particular podem ser encontradas no
desconstrutivismo pós-moderno (nomeadamente, DERRIDA).

6. A racionalidade (específica e autonomamente) jurídica

Postas todas estas considerações, estaremos em condições de nos abeirarmos da


racionalidade que prosseguiremos, enquanto racionalidade jurídica – metodológica –,
tentando aproximá-la e compará-la de todos os caminhos que foram sendo avançados e
estudados

6.1. A racionalidade jurídica como racionalidade prático-prudencial

A racionalidade metodológica, sem dúvida, deve ser enquadrada como uma racionalidade
prático-prudencial, por motivos claros, que já foram sendo afirmados – nomeadamente, a
assunção de um esquema dialógico sujeito-sujeito (não obstante se possam ir
identificando alguns aspetos reminiscentes de outras das racionalidades vistas), e um
acentuar da importância racional da phronesis aristotélica –.

Ora, tendo acabado de desenvolver, se bem que comedidamente, as três propostas


fundamentais que se conheceram aos discursos de racionalidade prático-prudencial,
inquiriríamos se seria possível reconduzi-la a um desses discursos em especial, por reunir
de um qualquer modo particular as coordenadas gerais da racionalidade prática:

 Será esta uma racionalidade tópico-retórica (a que mais se aproxima do mundo)?


 Será esta uma racionalidade hermenêutica (a que mobiliza e situa os materiais-
texto)?
 Será esta uma racionalidade narrativa (a que dinamiza a apresentação dos
elementos)?
➢ O curso, partindo dos nossos pressupostos (procura-se, não esqueçamos, um
concreto logos que se possa dizer imbuir o modus operandi do juiz), diz-nos que
a racionalidade jurídica não consegue reconduzir-se de forma plena a nenhuma
daquelas propostas “puras”, tendo em si uma particularidade que a coloca como
possibilidade para além daquela tipologia – mesmo que todas as opções
consideradas tragam à consciência da racionalidade jurídica elementos de
grande relevo, nos termos em que, aliás, fomos referindo –; por outras palavras, o
caminho que nos será oferecido, não obstante seja enriquecido por certos
aspetos provenientes das opções discursivas dialéticas da racionalidade prática,
não pode passar pela sua mera assimilação por um daqueles três modelos.

Ainda há que sublinhar uma outra questão: da generalidade das análises histórico-
jurídicas consta o célebre momento da “viragem teleológica das normas” a
propósito da superação do paradigma positivista, formalista e normativista, que
também aqui desenvolvemos, pelo exame da racionalidade estratégica, de matriz
finalístico-funcional; todavia, essa viragem, hoje, também se faz atendendo a uma

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dualidade (que também vimos, a propósito do contraponto entre os “discursos da societas


” e “discursos da communitas ”, e do relevo do nomos ), entre:

– Fins (como projeções de necessidades subjetivas, para cuja prossecução o Direito se


pode revelar útil, mesmo que não instrumentalizado e ordenado a elas);

– Valores (que virão hierarquizar os fins – na medida em que, sem uma referência
axiológica ao “outro”, se torna inacessível a própria perceção de um referente
comunitário próprio –).

➢ Este ponto, muito embora se reitere a rejeição da lógica finalístico-funcional e


estratégica que abordámos, evidencia a influência da mesma na racionalidade
jurídica propriamente dita; a propósito desta referência, PINTO BRONZE vem
contrapor o teleotecnologismo (reforço de uma componente finalístico-
estratégica nos termos mais estritos) a um teleonomologismo (que já assume
aquela dualidade, e a encara numa tal estruturação dialógica sujeito-sujeito):
assim, uma racionalidade indubitavelmente prática, mas, além e dentro dessa
asserção, uma racionalidade específica.

Concluindo que a racionalidade jurídica, sendo prática, não convoca nenhum daqueles
discursos, cabe retomar brevemente a contraposição dos mesmos, agora apenas com o
intuito de aceder aos motivos que impedem a assimilação, por qualquer um deles, do
caminho que se propõe ser percorrido como logos da metodologia jurídica.

I. Porque não tópico-retórica?

A racionalidade jurídica não poderá ser assumida em pleno pelo modelo tópico-retórico,
avultando para o efeito vários obstáculos de fundo, que o curso desenvolve:

1. Não conhece uma dimensão de validade – a racionalidade jurídica precisará, para


além da dimensão da controvérsia, de uma dimensão de validade (o que, como
veremos, se exprime particularmente através das exigências postas pelos princípios,
como fundamentos do sistema); a perspetiva tópico-retórica implica um raciocínio de
consenso a posteriori, assente na mobilização de uma teia de argumentos em torno de
topoi, numa “discussão” que o julgador vem mediar, reconstituindo, para chegar à sua
decisão, qual o consenso racional que seria alcançado no final desse “debate” – e não,
como procuramos, uma realização plausível do Direito como ordem de validade –.

2. Não assume a estratificação do sistema – por um discurso puramente tópico,


estaríamos a dizer que, em abstrato, os materiais jurídicos devem ser tratados como
recursos equivalentes (topoi ), paritariamente considerados na sua relevância e no seu
modo de vinculação (sendo o caso concreto que estabeleceria os equilíbrios ou as prio-
ridades de uns em relação aos demais): esta é uma dificuldade essencial, na medida em
que, como veremos, o juiz terá que pressupor o relevo diferenciado dos diversos
substratos do sistema (princípios, normas, critérios da jurisprudência e critérios da
doutrina), com modos de vinculação distintos.

3. Esvazia materialmente o papel do juiz – uma vez que esta proposta perspetiva o juiz
como mero mediador de argumentos, o mesmo tem no argumentativismo tópico- -
retórico um papel muito mais próximo ao que conhecemos nos meios extrajudiciais da

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resolução de litígios (na arbitragem, na conciliação, mas sobretudo na mediação), como


simples terceiro “vigilante” do diálogo das partes, a garantir um espaço de discussão,
sem nele se imiscuir de qualquer forma; a nosso ver (e de qualquer perspetiva material
sobre o Direito que se mostre próxima do jurisprudencialismo de CASTA-NHEIRA
NEVES, prosseguido por BRONZE e LINHARES), o papel do juiz não pode conhecer esta
limitação.

4. Resvala para uma racionalidade procedimental – finalmente, ao levarmos a sério


esta assimilação por uma racionalidade tópica, teríamos de admitir o resvalar para um
discurso de racionalidade procedimental (já fizemos acima esta nota tendencial), por
cujo raciocínio o juiz apenas vigia e garante a observância de certas regras
procedimentais, e visa alcançar uma solução baseada num “consenso”, que adquire
validade apenas e só pelo cumprimento formal daquelas regras, numa lógica totalmente
desprovida de qualquer alicerce substantivo.

II. Porque não hermenêutica?

Também a resposta dada pela nova hermenêutica se depara com um argumento fulcral
contra a sua assimilação da racionalidade metodológico-jurídica:

1. Não preenche a intenção necessária – a hermenêutica, como estudámos, dá a


resposta de que os materiais jurídicos serão, no fundo, tidos como materiais de
leitura, e cuja apreciação interpretativa (influenciada por certas pré-
compreensões, por um certo contexto e pela convocação de determinadas
tradições) emergirá a decisão; tudo isto aponta no sentido de uma intenção de
compreensão. Todavia, pode questionar- -se se esta intenção esgota a tarefa
jurisdicional, ou se, na verdade, o juiz não encarará interpretativamente os
materiais jurídicos com o propósito fito de deles extrair um critério de resolução
para aquele problema: na realidade, o objetivo na interpretação é prático, e não
tão cognitivo – a controvérsia, na realidade, é um problema carente de resposta, e
não uma qualquer situação de leitura –. Assim, se, por um lado, é certo que a
“nova hermenêutica” nos veio relembrar de que as interpretações em abstrato
são impossíveis, vazias, não é menos verdade que o modo como reduz o caso a
uma situação de leitura, os substratos do sistema jurídico a materiais de leitura e
o papel do juiz a uma tarefa de compreensão (qual mero académico) é
insustentável.

III..Porque não narrativa?

Finalmente, também a proposta narrativista fica aquém das exigências que se


apresentam a um caminho de racionalidade propriamente jurídico: essencialmente surge
um argumento de insuficiência.

1.Não dá uma resposta global –a tese (se bem que dinâmica e original) de que a
tarefa complexa do juiz se pode sintetizar na apreensão e reconstituição de
narrativas, sem atender ao momento em que – e ao modo como – se dirigirá ao
Direito e lhe pedirá resposta, não consegue dar mostras de utilidade geral, além
de se revelar pouco fiel à realidade do momento jurisdicional (salvo em certos
momentos e figuras, como a prova); nessa medida, tentar fazer corresponder a

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racionalidade jurídica a uma racio-nalidade prático-prudencial com uma nota


discursiva na narrativa revela-se infrutífero.

6.2. As coordenadas fundamentais da racionalidade autonomamente jurídica: a


tectónica jurídica

Findas esta exposição e análise, compreendemos que a racionalidade jurídica, sendo


inquestionavelmente uma racionalidade prático-prudencial, se dota de caracteres que a
autonomizam, pelo menos relativamente às propostas mais significativas que se foram
afirmando no seio do discurso de racionalidade prática. Cabe agora, pois, surpreender as
notas fundamentais dessa racionalidade autonomamente jurídica.

Refere-se a quatro grandes dimensões que a assistem, numa estruturação quase que
“tectónica” do universo jurídico:

1.ª - Dimensão axiológica;

2.ª - Dimensão dogmática;

3.ª - Dimensão judicativo-decisória;

4.ª - Dimensão problemática.

Comecemos pelas dimensões polares – primeira e quarta –, absolutamente decisivas:

1.ª – na dimensão axiológica, encontramos as exigências basilares a uma ordem de


Direito (no fundo, é aqui que reside a referência aos princípios, onde encontramos os
fundamentos essenciais do sistema);

4.ª – já na dimensão problemática, achamos as controvérsias reais (o proverbial “caso


concreto”), as situações controversas de facto que o juiz é chamado a responder.

Como é evidente, estas duas dimensões – que, podemos dizer, se relacionam no


limite daquela dialética velho-novo, ou pressuposto-irrepetibilidade – não podem bastar,
acrescentando- -sê-lhes ainda duas outras, intermédias, numa dualidade partilhada:

2.ª – sabendo que se já invocou uma dimensão de validade (a primeira), há que assumir
que nos dirigimos ao sistema jurídico, aos seus substratos, em busca dessa ordem de
validade comunitária, o que significa que temos que ter uma “precipitação” institucional
da dimensão axiológica, com caráter de dogmaticidade, nos substratos que descendem
do dos princípios – uma dimensão dogmática (em que a comparabilidade do juiz reside,
sobretudo, na ideia de que o seu juízo está sustentado em padrões de comparabilidade
que radicam numa ordem de validade, ordem que ele conhece – a que ele acede – através
do sistema) –;

3.ª – de forma próxima, também a controvérsia real, para se lhe dar uma solução jurídica,
há de ser convertida num caso jurídico, e assim “ascender” ao sistema (no esquema
dialético problema-sistema), à luz do qual o juiz tomará o relevo das suas várias
particularidades e garantirá uma decisão que é juízo – a nossa decisão judicativa ou juízo
decisório –, por convocar as exigências fundamentais e as predicações axiológicas de
validade que o sistema reveste – a dimensão judicativo-decisória

❖ Em suma- da tectónica jurídica >:

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https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/metodologia-
juridica/resumo-de-metodologia-do-direito/21839147

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