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DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL:
DEFINIÇÕES, PRINCÍPIOS,
POLÍTICAS*

Herman E. Daly

1. Definições recursos da natureza através da economia


e de volta aos sumidouros da natureza, tem
Exatamente, o que é que se supõe que ser não-declinante. Mais precisa-
sustentarno desenvolvimento "sustentável"? mente, a capacidade do ecossistema de
Duas respostas amplas têm sido dadas: sustentar esse fluxo não deve ser reduzida.
Primeiro, a utilidade deveria ser O capital natural' tem que ser mantido
sustentada; ou seja, a utilidade das intacto. Assim, o futuro terá que ser pelo
gerações futuras tem que ser não- menos tão bom quanto o presente em
declinante. O futuro deveria ser pelo menos termos de seu acesso aos recursos
tão bom quanto o presente no que toca a biofísicos supridos pelo ecossistema.
sua utilidade ou felicidade, tal como Transumo aqui refere-se ao fluxo total de
experimentada pelos indivíduos. utilidade, throughput para a comunidade ao longo de
aqui, diz respeito à utilidade média per algum período de tempo (i.e., o produto do
capita dos membros de uma geração. transumo per capita pela população).
Em segundo lugar, o transumo Esses são dois conceitos totalmente
(throughpuíj tísico deveria ser sustentado, diferentes de sustentabilidade. A utilidade
isto é, o fluxo entrópico físico das fontes de constitui uma noção básica na economia

* Conferência pronunciada a convite no Banco ** Professor da School of PublicAffairs, University


Mundial, Washington, D.C., Estados Unidos, em of Maryland (hd22@urnail.umd.edu ).
30 de abril de 2002. Tradução para o português
de Clóvis Cavalcanti, da Fundação Joaquim
Nabuco, Recife, Brasil.
convencional. Já o throughput-transumo, trato digestivo que se liga ao meio ambiente
não, a despeito dos esforços de Kenneth em suas duas pontas. Da mesma forma,
Boulding e Nicholas Georgescu-Roegen isso se dá com relação a todas as estruturas
para introduzi-lo. Não é surpreendente, pois, dissipativas e seu agregado, a economia
que a definição de utilidade da humana.
sustentabilidade seja a dominante. Economistas gostam muito da visão do
Sem embargo, eu adoto a definição de fluxo circular da economia, inspirada pela
sustentabil idade a partir do throughput- circulação do sangue descoberta por
transumo e rejeito a de base na utilidade, William Harvey (1628), enfatizada pelos
por duas razões. Primeiro, a utilidade é não- fisiocratas e reproduzida no primeiro
mensurável. Em segundo lugar, e ainda capítulo de todo livro-texto de economia. De
mais importante, mesmo se a utilidade fosse alguma forma, o trato digestivo tem sido
mensurável, ela não é alguma coisa que se menos inspirador para os economistas do
possa deixar para o futuro como herança. A que o Sistema circulatório. Um animal com
utilidade é uma situação experimentada, sistema de circulação sangüínea, mas
não uma coisa. Não podemos legar nenhum trato digestivo, se por acaso
utilidade ou felicidade a gerações futuras. existisse, seria uma máquina de moto
Podemos deixar-lhes coisas e, em menor perpétuo. Biólogos não acreditam no moto
grau, conhecimento'. Se gerações futuras perpétuo. Já os economistas parecem
tornam-se felizes ou desgraçadas com dedicados a manter viva essa crença.
essas dádivas, isso simplesmente cai fora Trazer o conceito do transumo para os
de nosso controle. Definir sustentabilidade fundamentos da teoria econômica não
como um legado intergerações, não- reduz a economia à física, mas força, sim,
declinante, de alguma coisa que não pode o reconhecimento das restrições da lei
nem ser medida nem passada adiante, para física na economia. Entre outras coisas,
mim, é rebate falso'. Apresso-me em força o reconhecimento de que "sus-
adicionar que não penso que a teoria tentável" não quer dizer "para sempre". A
econômica possa sobreviver sem o ciência ensina que o mundo físico vai
conceito de utilidade. Penso apenas que a terminar, seja com o grande esfriamento,
idéia do'transumo seja um conceito melhor seja com o grande encolhimento. O para
pelo qual se defina sustentabilidade. sempre requer uma "nova criação" - morte
e renascimento, não prolongamento Desenvolvimento
A abordagem através do transumo Sustentável: Deriniç
designa sustentabilidade em termos de perpétuo. Princípios, Míticas
alguma coisa muito mais mensurável e Economia não é escatologia.
transferível entre gerações - a capacidade Sustentabilidade é um modo de afirmar o
de gerar um transfluxo entrópico a partir da valor da longevidade e da justiça
natureza e de volta para ela'. Ainda mais, intergerações, ao tempo em que reconhece
Herman E. DIy
esse transumo é o fluxo metabólico pelo mortalidade e finitude. O desenvolvimento
qual vivemos e produzimos. A economia, sustentável não é uma religião, embora
em st as dimensões físicas, é feita de coisas alguns pareçam vê-lo assim. Desde que
- populações de corpos humanos, gado, grandes porções do transumo são recursos
máquinas, edifícios e artefatos. Todas essas não-renováveis, o tempo de vida esperado
coisas são o que os físicos chamam de de nossa economia é muito mais curto do
"estruturas dissipativas", que são mantidas que o do universo. Sustentabilidade, no
contra forças da entropia por um throughput sentido de longevidade, requer depen-
do meio ambiente. Um animal só pode dência crescente da parte renovável do
manter sua vida e estruturas de ordem por transumo e um desejo de partilhar a parte
meio de um fluxo metabólico através de um não-renovável por muitas gerações'. E claro

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que a longevidade não vale nada, a menos como a única opção. Substituição de
que a vida seja prazerosa. Assim, devemos importações nãõ mais se menciona, salvo
conferir à definição de utilidade da para sublinhar-se que se trata de algo
sustnntabilidade seu !ugar apropriaøo como "desacreditado".
referência necessária. Dito isto, no que se Terá sucesso essa teoria ou ideologia
segue adoto a definição-transumo da de "desenvolvimento como crescimento
sustentabilidade e nada mais terei a dizer global"? Duvido, porduas razões, uma tendo
acerca da definição com alicerce na a ver com sustentabilidade ambiental; a
utilidade. outra, com eqüidade social.
Havendo demarcado o "sustentável", (1) Limites ecológicos estão rapidamente
voltemo-nos agora para o "desenvol- convertendo "crescimento económico" em
vimento". Mais frutiferamente, poder-se-ia "crescimento anti-econômico" - ou seja,
definir desenvolvimento como mais crescimento do throughput que faz crescer
utilidade por unidade de transumo, e mais os custos do que os benefícios do
processo, dessa maneira tornando-nos
crescimento como simplesmente mais
mais pobres, não mais ricos. O sistema
transumo. Porém, desde que na teoria
macroeconômico não é o Todo - ele é parte
econômica corrente inexite o conceito de de um Todo maior, qual seja, o ecossistema.
transumo, tendemos a definir desenvol- Na medida em que o macrossistema
vimento simplesmente como crescimento econômico cresça em suas dimensões
do P16, um índice de valor que funde os físicas (transumo), ele não o faz no Vazio
efeitos de mudanças no throughput e na infinito, mas dentro do ecossistema finito,
utilidade'. A esperança de que o devorando-lhe algo. Desse modo, gera um
incremento trazido pelo crescimento se custo de oportunidade do capital natural e
dirija grandemente para os pobres ou que, de serviços ambientais de que se apropria.
Esse custo de oportunidade (depleção,
pelo menos, transborde para eles é, com
poluição, serviços ecossistêmicos
freqüência, exprimida como uma condição
sacrificados) pode valere freqüentemente
adicional do desenvolvimento. Entretanto, vale mais do que os benefícios extras de
qualquer política séria de redistribuição do produção do crescimento do transumo que
P16 dos ricos para os pobres é rejeitada os causou. Não podemos estar
como "luta de classe" que irá provavelmente absolutamente seguros disso porque
amortecer o crescimento do P16. Além do medimos somente os benefícios, não os
Desenvolvimento mais, qüalquer mudança no PIB de bens custos do processo. Medimos, sim, os
entável: Definições, lamentáveis gastos defensivos tomadôs
frmncipios, PbIliricas privados para bens públicos (disponíveis
para todos, inclusive os pobres) é necessários para neutralizar custos do
processo; no entanto, até mesmo esses
normalmente recusada como interferência
gastos são adicionados ao PIB, ao invés
governamental no mercado livre - mesmo
de serem dele subtraídos.
sabendo-se que o mercado livre não (2) Mesmo se o crescimento não tivesse
Hernian E. Daly
produzirá bens públicos. Somos asse- custos ambientais de espécie alguma, parte
gurados de que uma maré crescente fará • do que tratamos como pobreza e bem-estar
subir todos os barcos e os benefícios do é uma função da renda relativa e não da
crescimento irão no fim de contas renda absoluta, isto é, das confles sociais
derramar-se sobre os pobres. A chave para de desigualdade distributiva. O
o desenvolvimento continua sendo crescimento, possivelmente, não faz
crescimento agregado e a chave para este, aumentar a renda relativa de todas as
pessoas. Na medida em que pobreza ou
atualmente, se encontra na integração
bem-estar seja uma função da renda
econômica global - livre comércio e livre
relativa, então o crescimento torna-se
movimento de capital. Considera-se o impotente para áfetá-1a 9 . Essa
desenvolvimento suscitado por exportações consideração é mais relevante quando a

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margem de crescimento está voltada mais contabilizando o consumo de capital natural
para as necessidades relativas (como nos (esgotamento de minas, poços, florestas,
países ris) do que para as necessidades pescas e solo) como se fosse renda no
absolutas (como nos países pobres). Mas sentido de Hicks 12 . Assim, pode-se
se a política de combate à pobreza é legitimamente argüir pela limitação do
crescimento global, então não se pode crescimento em países ricos (onde se está
ignorar a futilidade de um crescimento que
tornando antieconômico), a fim de se
eleva principalmente o consumo dos ricos. concentrarem recursos no crescimento em
Estou dizendo que riqueza não tenha países pobres (onde ainda é econômico).
nada a ver com bem-estar e que deveríamos A política atual do FMI (Fundo Monetário
abraçar a pobreza? De jeito nenhum! Internacional), OMC (Organização Mundial
Seguramente, mais riqueza é melhor que de Comércio) e BM (Banco Mundial),
menos riqueza - até certo ponto. O entretanto, decididamente não visa a que
problema é: crescimento aumenta a os ricos diminuam seu crescimento anti-
riqueza líquida? Como saber se o aumento econômico para abrir espaço a fim de que
de transumo, ou mesmo o crescimento do os pobres ampliem seu crescimento
PIB, na margem, não esteja elevando a econômico. O conceito de crescimento
"maleza"'° tornando-nos mais pobres e antieconômico permanece sem reconhe-
não mais ricos? Maleza se empilha sob a cimento. Ao invés disso, a visão da
forma de poluição no extremo onde sai o globalização requer que os ricos cresçam
produto do transumo e como depleção no rapidamente para que provejam mercados
extremo por onde entra o insumo. Ignorar o nos quais os pobres possam vender suas
transumo na teoria econômica leva a tratar exportações. E admitido que a única opção
depleção e poluição como custos, externos que resta aos países pobres é exportar para
"surpreendentes", caso eles tenham a sorte os ricos e que, para fazê-lo, têm que aceitar
de ser reconhecidos. Inserindo o transumo o investimento estrangeiro de corporações
na teoria econômica como um conceito que sabem como produzir as mercadorias
básico permite ver que maleza se gera de alta qualidade que os ricos desejam. A
necessariamente junto com riqueza. conseqüente necessidade de pagar esses
Quando um transumo em expansão produz empréstimos externos reforça a
maleza mais rápido do que riqueza, então necessidade de orientar a economia para
seu crescimento tomou-se antieconômico. as exportações e expõe os países Desenvolvimento
Sustentável: Denrriç
Como a análise macroeconômica não endividados aos riscos dos fluxos voláteis Princípios, Iblíticas
contém o conceito de transumo, é de se do capital internacional, das mudanças na
esperar que a noção de "crescimento anti- taxa de câmbio e das dívidas que não
econômico" não fará sentido para os podem ser pagas, da mesma forma que aos
macroeconomistas. rigores da concorrência com poderosas
Herman E. Dai)'
Conquanto o crescimento nos países firmas de categoria mundial.
ricos possa ser antieconômico, nos países A economia global em seu todo deve
pobres, em que o PIB consiste largamente crescer para que essa política funcione,
de comida, vestuário e abrigo, ainda será porquanto, a menos que os ricos cresçam
muito provavelmente econômico. Comida, rapidamente, eles não terão -o excedente a
vestuário e abrigo constituem neces- investir nos países pobres, nem a renda
sidades absolutas, não necessidades extra com a qual comprarão as expor-
relativas que se autocancelam, e para as tações dos últimos.
quais crescimento (da economia) não A incapacidade dos macroeconomistas
proporciona ganhos de bem-estar. Há muita de conceber crescimento antieconômico
verdade nisso, apesar de países pobres é muito estranha, dado que a micro-
serem bem capazes de se iludirem economia não trata de outra coisa que não

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seja a busca da extensão ótima de cada enfrentada fazendo trotar a doutrina
microatividade. Ótimo, por definição, é um maltratada e incompreendida das vantagem
ponto além do qual crescer toma-se anti- comparativás, cuja lógica é inatacável,
econômico. A regra cardinal da otimização dadas, porém, suas premissas.
microeconômica é crescer somente até o Infelizmente, uma dessas premissas (tal
ponto em que o custo marginal se iguala como enfatizava Ricardo) é a de imobilidade
ao benefício marginal. Essa regra tem sido do capital entre nações. Quando o capital
apropriadamente chamada da regra de pode se movimentar, como, de fato, pode,
"quando parar' - ou seja, quando parar de entramos no mundo das vantagens
crescer. Na macroeconomia não existe absolutas, onde, para ser justo, existem
regra de "quando parar". Supõe-se que o ainda ganhos globais que podem resultar
PIB cresça para sempre". A razão é que da especialização e do comércio. No
não se admite que o crescimento da entanto, não há mais qualquer garantia de
macroatividade vá se apropriar de alguma que, com elas, cada país necessariamente
coisa e, portanto, engendrar algum custo se beneficiará do comércio, tal como
de oportunidade limitante do crescimento. ocorreria sob as vantagens competitivas.
Opostamente, as partes microeconômicas Uma forma de sair dessa dificuldade seria
crescem dentro do resto do macrossistema, restringir grandemente a mobilidade
competindo com outras atividades quanto internacional do capital, tornando o mundo,
à apropriação de recursos, gerando dessa maneira, seguro para a aplicação
destarte um custo de oportunidade. Supõe- das vantagens comparadas". A outra
se, contudo, que o macrossistema forma de resolver o problema seda introduzir
econômico cresça no Vazio infinito, nunca a redistribuição internacional dos ganhos
forçando ou deslocando do caminho globais do comércio que resultassem das
qualquer coisa de valor. O ponto a enfatizar vantagens absolutas. Teoricamente, os
é que a atividade macroeconômica também ganhos da especialização sob a égide das
é Parte de um Todo maior finito, a saber, o vantagens absolutas seriam ainda maiores
ecossistema. A escala macroeconômica do que debaixo das comparadas, porque
ótima relativa ao ecossistema que a contém com as primeiras se teria removido uma
constitui o problema crítico com respeito restrição à maximização dos lucros dos
ao qual a macroanálise tem sido cega. Essa capitalistas, como é o caso da imobilidade
Desenvolvimento cegueira no tocante aos custos do internacional do capital. Mas as vantagens
,stentvel; Definições,
Princípios, Flfflcas crescimento na escala é largamente uma absolutas têm a desvantagem política de
conseqüência de se ignorar o transumo e que não há mais nenhuma garantia de que
tem conduzido ao problema da insus- o livre comércio, com elas, beneficiará
tentabilidade ecológica. mutuamente todas as nações. Que solução
o FMI advoga - vantagens comparativas
Herman E. Daly
outorgadas pela imobilidade do capital, ou
II. Crescimento por Integração Global: vantagens absolutas com redistribuição de
Vantagens Comparativas e Absolutas e ganhos para compensar os que perdem
Confusões Afins com o comércio? Nem uma nem outra. Ele
prefere fingir que não há contradição e
Sob a ideologia corrente de crescimento defender tanto o comércio livre com base
induzido por exportações, a última coisa que nas vantagens comparativas quanto a
se supõe que os países pobres devam fazer completa mobilidade do capital
é produzir alguma mercadoria para si internacional. Isso é uma incoerência.
próprios. Qualquer conversa sobre Em um mundo economicamente
substituição de importações é hoje integrado, com livre comércio e completa

Wiil
mobilidade dos fluxos de capital, e com de uma torta, existe apenas um bocado de
migração cada vez mais livre ou, pelo "docinhos" que consistem de valor agregado
menos, não controlada, fica difícil separar por diferentes pessoas ou diferentes países,
o crescimento dos países pobres do dos desatentamente adicionados por estatís-
ricos, uma vez que as fronteiras nacionais ticos numa "torta" abstrata que, de fato, não
vão se tornando economicamente existe como totalidade indivisa. Se alguém
insignificantes. Somente ao se adotar uma quiser redistribuir essa "torta" imaginária,
abordagem do desenvolvimento com mais deve apelar à generosidade daqueles que
bases nacionais pode-se dizer que o assaram docinhos maiores para que os
crescimento deveria continuar em alguns compartilhem com aqueles que assaram
países, mas não em outros. Porém, o trio docinhos menores, não a alguma noção
globalizante do FMI, OMC e BM não pode antipática de igual participação numa
falar isso. Pode apenas advogar herança comum fictícia.
crescimento contínuo do P16. O conceito Tenho considerável simpatia por essa
de crescimento antieconômico simples- visão, até onde é possível. Mas ela deixa de
mente não aparece em sua visão do mundo. fora algo muito importante.
Nem sua ideologia cosmopolita reconhece No nosso foco caolho sobre valor
a nação como unidade fundamental de adicionado nós, economistas, temos
comunidade e política, malgrado a cada desprezado a categoria correlativa de
de fundação do FM? e Banco Mundial os "aquilo a que valor é adicionado", a saber, o
defina como federação de nações. transumo. "Valor agregado" por trabalho e
capital tem que ser adicionado a alguma
coisa, e a qualidade e quantidade dessa
III. Ignorando o Transumo na Macro- alguma coisa são importantes. Existe
economia: PIB e Valor Adicionado sentido real e de peso na idéia de que a
contribuição original da natureza seja,
Tal como se fez notar, transumo e escala deveras, uma "torta", uma totalidade pré-
do macrossistema econômico relati- existente, sistêmica, que todos nós
vamente ao ecossistema não são conceitos compartilhamos como herança. Não se
familiares na economia. Portanto, voltemos trata de uma agregação de docinhos que
por um momento ao território conhecido do cada um de nós mesmos assou. Ao
contrário, trata-se de semente, solo, luz solar Desenvolvimento
P16 e valor adicionado, e abordemos o Sustentável Deflnlçõ€
conceito de transfluxo por esse caminho e chuva de que trigo e maçãs floresceram Prindpios, Míticas
familiar. Os economistas definem o P16 e nós convertemos em docinhos graças a
como sendo a soma de todo valor nossos trabalho e capital. A reivindicação
adicionado pelo trabalho e capital no de igual acesso ao legado da natureza não
processo de produção`. Exatamente, o que é a cobiça repulsiva daquilo que nosso
Herman E. Daly
é aquilo a que esse valor está sendo vizinho produziu por seu próprio trabalho e
acrescentado é uma questão para a qual abstinência. O foco de nossas demandas
pouca atenção é dada. Antes de considerá- de renda para redistribuir aos pobres, por
la, olhemos o próprio valor adicionado. conseguinte, deveria recair sobre o valor da
Cria-se e simultaneamente distribui-se contribuição da natureza, o valor original do
valor agregado no processo de produção transumo ao qual valor a mais é adicionado
em si próprio. Portanto, economistas por trabalho e capital - ou, se você gostar, o
argumentam que não existe uma "torta" do valor da baixa entropia acrescentado pelos
P16 para ser distribuída independentemente processos naturais à matéria neutra, do
e de acordo com princípios éticos. Como acaso, elementar.
Kenneth Boulding situou a questão, ao invés

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IV. Ignorando o Transumo na desapareceu, não mais para ser vista de
Macroeconomia: A Função de Produção novo no resto do livro. Porém, a produção a
que se alude no texto de "exemplo do
Mas existe também um engano na mundo real" do processo produtivo é "barras
nossa compreensão mesma da produção de confeito embaladas". Em que lugar na
como um processo físico. As funções de função de produção se encontram confeito
produção neoclássicas são consistentes, e papel de embalagem como insumos?18
pelo menos, com a definição da Descrevem-se geralmente funções de
contabilidade nacional do PIB como a produção sob a forma útil de receitas
soma de valor adicionado por trabalho e técnicas. Mas, diferentemente de receitas
capital, porque usualmente descrevem a reais em livros de cozinhar reais, raramente
produção como uma função de apenas dois se oferece uma lista de ingredientes!
insumos, trabalho e capital. Em outras E mesmo quando os neoclássicos
palavras, o valor agregado por mão-de-obra incluem recursos naturais como ingre-
e pelo fator capital na produção não se diente genérico, trata-se simplesmente de
agrega a nada, nem sequer a substâncias "R" elevado a um expoente e multiplicado
neutras sem valor. No entanto, o valor não por L e K, cada um também elevado a um
pode ser adicionado ao vazio. Nem pode expoente. Tal forma multiplicativa significa
ser adicionado a cinzas, poeira, ferrugem e que R pode aproximar-se de zero, bastando
energia de calor dissipada nos oceanos e que K e L cresçam suficientemente.
atmosfera. Quanto mais baixa a entropia Presumivelmente, poderíamos produzir um
do insumo, tanto maior sua capacidade de bolo de 50 quilos apenas com meio quilo
receber o carimbo do valor adicionado por de açúcar, farinha, ovos, etc., desde que
trabalho e capital. A alta entropia resiste à tivéssemos um número bastante de
adição de valor. Desde que a ação humana cozinheiras mexendo a massa com incrível
não pode gerar baixa entropia em termos força em grandes caçarolas e assando tudo
líquidos, nós somos inteiramente num forno enorme.
dependentes da natureza quanto a esse O problema é que o processo produtivo
recurso último por meio do qual vivemos e não é descrito com acuidade pela
produzimos 16 . Toda teoria de produção que matemática da multiplicação. Nada no
ignorar essa dependência fundamental processo de produção é análogo à
Desenvolvimento com relação ao transumo tende a ser multiplicação 19 . O que acontece é trans-
;ustencí: Definições,
Princípios, ibliticas seriamente enganadora. formação, um fato que é difícil reconhecer
Como exemplo do modo pelo qual os se o transumo estiver ausente. R é o que
estudantes são enganados sistema- está sendo transformado de matéria-prima
ticamente nessa questão, cito um livro- em produto acabado e em resíduos (o
texto 17 usado no curso de teoria micro- último, sintomaticamente, não listado como
Herman E. Daly
econômica em minha instituição. Na sua um produto das funções de produção). R é
p. 146, o estudante é apresentado ao um fluxo. K e L são agentes de
conceito de produção como conversão de transformação, estoques (ou fundos) que
insumos em produtos através da função de efetuam a transformação do insumo R em
produção. Os insumos ou fatores são produto O - mas que não são incorporados
listados como sendo capital (K), trabalho fisicamente a O. Pode haver substituição
(L) e matéria diversa (M) - a inclusão de M entre K e L, ambos agentes de
constituindo traço incomum e promissor. transformação, e pode haver substituição
Viramos para a página 147, e agora entre partes de A (cobre por alumínio),
encontramos a função de produção escrita ambas as coisas sofrendo transformação.
simbolicamente como q = f(K, L). M Contudo, a relação entre agente de

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transformação (causa eficiente) e a combater a pobreza e financiar bens
substância submetida à transformação públicos.
(causa material) se constitui fundamen- O valor adicionado pertence a quem
talmente de complementaridade. A causa quer que o tenha ajuntado. Mas o valor
eficiente é muito mais um complemento do original daquilo a que mais valor se agréga
que substituto da causa material! Essa por intermédio de trabalho e capital deve
espécie de substituição é limitada ao uso pertencer a todo mundo. Rendas de
de um pouco de trabalho ou capital extra escassez de serviços naturais - o valor
para reduzir o desperdício de substâncias adicionado da natureza - deveriam
no processo - uma diminuta margem, logo concentrar o foco de esforços redisthbutivos.
a ser esgotada". Renda (da terra), por definição, é um
A linguagem engana ao nos fazer pensar pagamento acima do preço necessário de
o processo de produção como multi- oferta do recurso; do ponto de vista da
plicativo, uma vez que habitualmente eficiência de mercado, constitui a fonte de
falamos de bens produzidos como produto" receita pública que menos distorções
e de insumos como "fatores". O que poderia provoca.
ser mais natural do que cogitar de que Apelos à generosidade daqueles que
multiplicamos os fatores para chegar ao tenham adicionado muito valor por meio de
produto?! Isso, porém, é matemática, não seu trabalho e capital são mais legítimos
produção! Se reconhecemos o conceito de como caridade privada do que como
transumo, falaremos de "funções de fundamento de justiça na política pública.
transformação", não de funções de A tributação do valor agregado por capital e
produção. trabalho é certamente legítima. Não
obstante, ela será mais legítima, e menos
necessária, depois que, na medida do
V Problemas Opostos: Não-Inclusão dos possível, tiver sido efetuada a captura das
Escassos e Inclusão dos Não-Escassos receitas públicas sobre as rendas de
recursos naturais.
A tradição dos economistas é de O raciocínio acima reflete o insight
considerar a natureza infinita em relação à básico de Henry George (Progress and
economia, conseqüentemente não- Poverty, 1879), estendendo-o da terra para
os recursos naturais em geral. Os Desenvolvimento
escassa e pois, apropriadamente, Sustentável: DefinIçõ€5
possuindo preço zero. No entanto, não é economistas neoclássicos tornaram uma Princípios, IIítias
assim: a natureza é escassa e vai se grande confusão esse insight simples por
tornando mais ainda cada dia, como sua recusa em reconhecer a contribuição
resultado do crescimento do transumo. A produtiva da natureza provendo "aquilo a
eficiência demanda que os serviços da que valor é adicionado". Em sua defesa,
Herman E. Daly
natureza tenham preço, como mesmo os poder-se-ia argumentar que isso foi assim
planificadores centrais soviéticos porque, no passado, os economistas
terminaram descobrindo. Mas a quem se consideravam a natureza como não-
deveria pagar esse preço? Do ponto de vista escassa, mas que agora estão começando
da eficiência, não importa quem o receba, a considerar a escassez da natureza e
contanto que ele seja cobrado dos inseri-ia no mercado. Sejamos felizes por
usuários. Já do ponto de vista da eqüidade, isso e façamos força para que a nova
importa um bocado quem recebe o preço percepção avance.
pago pelos serviços crescentemente Embora o problema principal que estou
escassos da natureza. Tal pagamento é a discutindo seja a não-inclusão do escasso,
fonte ideal de fundos com os quais se possa um problema oposto (inclusão do não-

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escasso) deveria ser também notado. Francis Crick não recebem royalties de
Existem alguns bens que, por natureza, são patente por terem desvendado a estrutura
não-escassos e não-rivais, e que deveriam da DNA, considerada a descoberta
ser liberados de inserção ilegítima no científica mais básica do século XX. No
mercado através do sistema de preços. entanto, pessoas que fazem as mínimas
Refiro-me especialmente a conhecimento. modificações práticas dessa descoberta
Saber, diferente de transumo, não é dividido monumental estão ficando ricas em virtude
na partilha, mas multiplicado. Não existe do monopólio de suas contribuições
custo de oportunidade para mim em relativamente triviais, que não poderiam
partilhar saber com você. Sim, eu perderia nunca ter sido feitas sem o saber livre
o monopólio do meu conhecimento ao suprido por Watson e Crick.
partilhá-lo, mas nós, economistas, há muito Conquanto o empuxo principal de
que argumentamos que o monopólio é uma minhas observações seja para trazer o
coisa ruim porque cria escassez artifical que capital natural e serviços ecológicos, que
é ao mesmo tempo ineficiente e injusta. se têm tornado escassos e verda-
Uma vez que exista conhecimento, o custo deiramente rivais, para inserção no
de oportunidade em partilhá-lo é zero e seu mercado, não devemos menosprezar o
preço alocativo deveria ser zero. problema oposto, qual seja, liberar bens
Conseqüentemente, eu apelaria para que verdadeiramente não-rivais de uma
a ajuda ao desenvolvimento internacional inclusão artificial.
tomasse mais e mais a forma de
conhecimento livre e ativamente compar-
tilhado, e menos e menos a de empréstimos VI. Princípios e Políticas para o
a juros. Partilhar saber custa pouco, não Desenvolvimento Sustentável
cria dividas que não possam ser pagas e
aumenta a produtividade dos fatores Não estou advogando a desapropriação
verdadeiramente escassos de produção. revolucionária de toda propriedade privada
Ainda que o preço alocativo correto do da terra e dos recursos naturais. Se
saber existente seja zero, o custo de pudéssemos começar do zero, eu me
produção de saber novo é com freqüência sentiria tentado a manter a terra e os
maior do que zero, algumas vezes muito minerais como propriedade pública.
DesenvoMmento maior. Isso, é claro, representa a justificativa Porém, com relação a muitos bens
ustentável: Definições,
Princípios, Políticas comum para os direitos de propriedade ambientais, anteriormente livres, mas cada
intelectual na forma do monopólio de vez mais escassos, dispomos ainda de
patentes. Entretanto, o insumo principal da carta branca no que toca à atribuição de
produção de novo saber é o saber que propriedade. Devemos fazer com que mais
existe; manter o último artificialmente e mais serviços ambientais escassos e que
Herrnan E. Daly
dispendioso irá certamente arrefecer a não pertencem a ninguém sejam postos
produção do primeiro. Essa é uma área que sob a disciplina do sistema de preços,
necessita de muita consideração. porquanto se trata de bens autenticamente
Menciono-a somente aqui e sinalizo meu rivais, cujo uso por alguém impõe custos
ceticismo quanto ao argumento usual a de oportunidade sobre terceiros21 . Todavia,
favor dos monopólios de patente, tão para a eficiência importa apenas que um
enfatizados recentemente pelos globali- preço seja cobrado pelo recurso natural,
zadores do livre comércio sob a rubrica não quem o recebe. O preço necessário
gratuita de "direitos de propriedade ou a renda de escassez que coletarmos em
intelectual relacionados com o comércio". bens públicos ambientais que se tornam
Tanto quanto saiba, James Watson e escassos (v.g., capacidade de absorção

179
atmosférica, espectro eletromagnético) nos mecanismos de limitação do transumo
deveria ser usado para alívio da pobreza e acima mencionados.
para financiar-se a provisão de outros bens "Primeiro, eficiência" soa agradável,
públicos. especialmente quando entendido como
A moderna forma do insight de Henry estratégias de "vencer-vencer ou, mais
George é tributar os recursos e serviços da pitorescamente, como "pegando a fruta que
natureza (aquelas coisas escassas pende mais baixo". Contudo, o problema
esquecidas seja na função de produção, de "primeiro, eficiência" é com o que vem
seja nas contas do PIB) - e usar esses em segundo lugar. Uma melhora na
fundos para a luta contra a pobreza e para eficiência em si mesma equivale a ter uma
financiamento de bens públicos. Ou oferta maior do fator cuja eficiência
poderíamos simplesmente desembolsar aumentou. O preço desse fator declinará.
para o público em geral os ganhos de um Mais usos do fator agora mais barato serão
fundo fiduciário criado por aquelas rendas, encontrados. Terminaremos consumindo
como no caso do Alaska Permanent Fund, mais do recurso do que antes, ainda que
que talvez seja a melhor institucionalização mais eficientemente. A escala continua a
existente do princípio georgista. Retirar por crescer. Isso é algumas vezes chamado de
meio de impostos o valor adicionado por "efeito Jevons". Uma política de "primeiro,
indivíduos da aplicação de seus próprios frugalidade", entretanto, induz eficiência
trabalho e capital cria ressentimentos. De como conseqüência secundária; "primeiro,
fato, deixar de tributar as rendas de escassez eficiência" não induz frugalidade - ela torna
da natureza e permitir que elas se a frugalidade menos necessária e também
acumulem como remunerações não não dá origem a uma renda de escassez
ganhas nos bolsos de indivíduos que possa ser capturada e redistribuída.
favorecidos desde muito tem sido Uma fonte Temo que serei advertido por alguns de
primária de ressentimentos e conflito social. meus colegas neoclássicos que a
A cobrança de rendas de escassez sobre o frugalidade é um conceito carregado de
transumo de recursos naturais e sua valor, especialmente se o conectamos com
redistribução para usos públicos podem ser redistribuição de rendas de escassez para
efetuadas quer através de uma reforma os pobres. Quem sou eu, perguntarão eles,
tributária ecológica (mudando a base para impor minhas preferências pessoais
elitistas no mercado democrático,blá, blá, DesenvoMnentO
impositiva do valor adicionado para o Sustentável: Definições,
transumo) quer através de sistemas de blá, etc., etc. Estou certo de que alguém já Ptindpios, Polidas
limites e comércio iniciados por um leilão escutou esse discurso. A resposta a tal
governamental de quotas de poluição ou sofisma é que sustentabilidade ecológica
depleção. Por diferentes meios, cada uma e justiça social são valores objetivos
dessas providências restringiria o transumo fundamentais, não preferências individuais
Hennan E. Daly
e a expansão da escala da economia subjetivas. Há realmente uma diferença, e
dentro do ecossistema, além de prover já é tempo para que os economistas a
receitas públicas. Não discutirei seus reconheçam.
méritos relativos, que têm a ver com
intervenções de preço versus quantidade
no mercado, mas enfatizo a vantagem que VIL Conclusão
elas possuem em compração com a
estratégia atualmente favorecida. Essa Reduzir a probreza é, na verdade, o fim
estratégia poderia ser chamada de básico do desenvolvimento, como o Banco
"primeiro, eficiência", para distingui-Ia do Mundial agora louvavelmente proclama.
princípio de "primeiro, frugalidade", contido Mas isso não pode ser alcançado pelo

180
crescimento por duas razões. Primeiro, um comentário direto sobre esse
porque o aumento do P18 já faz os custos documento, cuja versão constitui uma
sociais e ambientais se elevarem mais melhora benvinda quanto ao tratamento do
depressa do que a elevação que efetua nos WDR 1992 sobre o mesmo tema". As
benefícios da produção. Tal crescimento discussões sobre complementaridade de
antieconômico toma-nos mais pobres, não ativos, limites à substituição e a natureza
mais ricos. Segundo, porque mesmo o não-excludente, não-rival de muitos
crescimento verdadeiramente económico serviços ambientais merecem acolhida
não consegue elevar o bem-estar quando especial. A intenção de incluir um capitulo
estivermos, na margem, produzindo bens e final sobre "questões abertas que podem
serviços que satisfazem principalmente não ser resolvidas" constitui excelente idéia.
necessidades relativas antes que absolutas. Seguem-se algumas observações:
Se o bem-estar for primordialmente uma (1)Eu dou ênfase à operacionalidade da
função da renda relativa, então o definição da sustentabilidade com base no
crescimento agregado torna-se auto- transumo, enquanto o WDR 2003 parece
cancelado no seu efeito sobre o bem-estar. muito mais comprometido com a definição
(na medida em que se pode dizer que uma
A óbvia solução de restringir o crescimento
definição é ensaiada) à base da utilidade.
antieconómico dos países ricos para dar
(2)Embora o WDA 2003, em sua versão
oportunidade de mais crescimento que Ii, tenha adotado o vocabulário de
econômico, pelo menos temporariamente, 'ontes" e "surnidouros", ele não os conecta
nos países pobres é rejeitada pela ideologia por um transumo, e muito menos reconhece
da globalização, que só consegue advogar a natureza entrópica do transumo e suas
crescimento global. Precisamos promover conseqüências econômicas.
políticas nacionais e internacionais que (3)Não há ainda reconhecimento no WOR
imponham tributo, adequadamente, sobre 2003 de que o crescimento do transumo
recursos naturais, a fim de limitar a escala (ou mesmo o aumento do P18, como
atualmente se o mede) possa gerar maleza
do macrossistema econômico em relação
mais rápido do que riqueza, e assim
ao ecossistema e prover um receita que
representar crescimento antieconômico.
sirva a propósitos públicos. Essas políticas Não há conceito da escala física ótima da
devem ter raiz numa teoria econômica que economia como subsistema relativo ao
inclua o transumo entre seus conceitos ecossistema que o contém.
Desenvolvimento básicos. Tais políticas nacionais eficientes (4)Em nível de política existe demasiada
stentivel: Definições,
Princípios, IIíricas precisam proteger-se da extemalização de ênfase na "eficiência em primeiro lugar";
custos e da competição, que está em oposição a "primeiro, frugalidade". A
conduzindo a globalização, à base do frugalidade-primeiro induz eficiência; a
nivelamento de padrões por baixo. Proteger eficiência-primeiro torna a frugalidade
políticas nacionais eficientes não é o menos necessária25.
Herman E. Daly (5) Não há nenhuma discussão do
mesmo que proteger indústrias nacionais
problema de afrouxamento da disciplina do
ineficientes.
mercado sobre os não-escassos - direitos
de propriedade intelectual em biotecnolo9ia
são reafirmadas um tanto acriticamente.
VIII. Adendo: Comentário Implícito sobre o (6) O WDR 2003 deveria pelo menos
Relatório do Desenvolvimento Mundial questionar se a integração econômica
(WDR) 2003 global representa adequado contexto
institucional para políticas que fortaleçam a
Este artigo foi escrito antes que eu criação líquida de riqueza e alívio da
lesse o rascunho do WDR 200321 sobre o pobreza. O papel dos países ricos no
desenvolvimento sustentável deveria ser
desenvolvimento sustentável; não é assim
tratado. Que ação os países ricos deveriam

181
tomar para ajudar os pobres: (a) crescer questão, muito menos defendê-la.
mais depressa a fim de prover maiores Entretanto, se o transumo constitui o
mercados e mais investimento de fator limitante, a resposta não deveria
capital aos países pobres, ou (b) ser (b)?
restringir seu próprio crescimento do O leitor descobrirá outras áreas tanto de
transumo a fim de liberar capacidade acordo como de discordância entre mim e
de suporte e espaço ecológico para
o relatório do Banco Mundial , mas os seis
que os países pobres os
pontos listados oferecem um contexto
empreguem? A globalização opta
básico para que este artigo seja visto como
por (a) e assim, aparentemente, o
um comentário sobre o WDR 2003,
faz oWDR 2003, mas sem levantar a

Desenvolvimento
Sustentável: Deflnlçô
Princípios, PbIltios

Herman E. Daly

182
Notas de riqueza e renda, do mesmo modo que pela
exclusão da demanda das futuras gerações e das
espécies não-humanas e pelo fracasso de não se
Em inglês, throughput, noção da engenharia incluírem outros custos e benefícios externos nos
significando a passagem do insumo (input) para preços. E difícil conferir sentido normativo a um índice
produto (output). Trata-se do que os biólogos construído com tais preços relativos distorcidos.
chamam de fluxo metabólico (pelo qual um
organismo se mantém vivo). Ver l-lerrnan Daly, 1 Evidência de que o crescimento nos EUA desde
"Políticas para o Desenvolvimento Sustentável". In os anos setenta do século XX tem se tomado
Clóvis Cavalcanti (org.), Meio Ambiente, provavelmente antieconômico é apresentada em
Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. H. DalyeJ. Cobb, For lhe Common Good. Boston:
São Paulo, Cortez, 1997, p. 185, n. 3. N. do T. Beacon Press, 1989, 1994. Ver o apêndice sobre
o índice de Bem-estar Econômico Sustentável.
2 Capftal natural é a capacidade do ecossistema de
fornecer tanto um fluxo de recursos naturais quanto 1 Se o bem-estar é uma função da renda relativa e
uma corrente de serviços da natureza. Manter o o crescimento aumenta a renda de todo mundo
capital natural constante consiste naquilo que se proporcionalmente, então ninguém fica melhor. Se
chama freqüentemente de "sustentabilidade forte', o crescimento eleva somente algumas rendas,
em oposição à "sustentabilidade fraca", na qual a então os ganhos de bem-estar dos relativamente
soma do capital natural com o capital feito pelo melhor são cancelados pelas perdas dos
homem se mantém constante. relativamente pior.

Em menor grau 1 porque conhecimento deve ser 11 "Maleza" é uma tentativa de usar em português
aprendido sempre, de novo e de forma ativa, em palavra similar àque o autor empregou, no original
cada geração. Ele não pode ser passivamente em inglês: 1111h, a partir de ilI (=mal) + th (riqueza em
trarismffido. inglês é wealth, que tem a mesma raiz, weal-de.
bem-estar, que, por sua vez, é we/fare- mais th).
4 E coloca o futuro em desvantagem - o presente N.doT.
poderia legar um transunio cada vez menor e
argumentar que isso ésuficiente para uma utilidade ll/thé o útil termo de John Ruskin para o oposto
não-decrescente, se por acaso o futuro tirar de riqueza, i.e., um estoque acumulado de males
proveito de possibilidades previsíveis de substituição em contraste com um estoque de bens.
tanto na função de produção quanto na de utilidade. 12
Mas se essa substituição é tão fácil, deixe-se que o Ao invés de "se iludirem", talvez eu devesse
Desenvolvimento presente faça-a agora e reduza seu custo de dizer "sendo enganados" por economistas do FMI
istentveI: Definições, e Banco Mundial, que impõem esse equivocado
Prindpios, MÍIIQS utilidade de um dado legado de transumo.
sistema de contas nacionais
O transumo não somente é, em princípio,
11 Os macroeconomistas reconhecem, sim, que a
mensurável, mas tem sido calculado para muitos
economia possa estar crescendo rápido em
países industriais nos estudos pioneiros de
demasia, quando causa inflação, embora, em sua
Herman E. Daty contabilidade física publicados pelo World
visão, ela não possa nunca ser grande em demasia.
Resources Institute em colaboração com institutos
de pesquisa holandeses, alemães, japoneses e 11 Como se poderiam restringir os fluxos de capital?
austríacos. Ver, do WRI, Resource Flows (1997) e Um imposto Tobin; um tempo mínimo de residência
The Weight o? Nations (2000).
antes que o investimento estrangeiro pudesse ser
6
repatriado; e, mais que tudo, alguma coisa como a
Investir rendas de recursos não-renováveis em União de Compensação Internacional de Keynes,
substitutos renováveis é uma boa política, com na qual obalanço multilateral nas contas de comércio
impecáveis raízes neoclássicas, para sustentação é encorajado cobrando-se juros tanto sobre os
do transumo por um período mais longo.
superávfts quanto os déficits da conta corrente. Na
medida em que as contas correntes sejam
Os preços usados no cálculo desse índice de equilibradas, então a mobilidade do capital fica
valor são, obviamente, afetados pelas distribuições correpondentemente restringida.

183
20 Obviamente, podem-se imaginar tecnologias
is Note-se que o P16 não atribui valor aos recursos
naturais (aquilo a que se adiciona valor). Todavia, inteiramente novéis que usem recursos totalmente
todos nós pagamos um preço no mercado por diferentes para prover o mesmo serviço. Isso seria
gasolina. Esse preço, entretanto, reflete o trabalho urna função de produção diferente, não substituição
e o capital despendidos na perfuração, de fatores dentro de uma função de produção. E
bombeamento e refinação do petróleo, não o valor se se quiser induzir a descoberta de novas funções
do petróleo in situ, que se toma corno zero. Seu tio de produção ue usem a base de recuros mais
no Texas descobriu óleo em sua fazenda e a eficientemente, então seria uma boa idéia contar os
Texaco está pagando-lhe pelo direito de extração. recursos naturais, em primeiro lugar, como fatores
Esse não é um preço positivo para o petróleo in de produção e garantir que preços adequados
sllu? É assim que se parece, mas o montante que a sejam cobrados por seu uso! Do contrário, tais
Texaco pagará a seu tio é determinado pela novas tecnologias não serão lucrativas
facilidade relativa de se extrair seu óleo comparado.
21 Por exemplo, renda da terra pode ser coletada
com os depósitos marginais. Assim, é trabalho e
capital poupados na extração que determinam a sobre a capacidade de sumidouro da atmosfera, o
renda para seu tio, não o valor em si do recurso in espectro eletromagnético das transmissões de rádio,
as pescas, as terras públicas usadas para pasto ou
situ, o qual continua sendo zero.
produção de madeira, o petróleo do mar, sobre
16 Nicholas Georgescu-Roegen, The Entropy Law direitos de passagem, órbitas de satélites, etc...
ano the Economia Process. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 1971. Por "frugalidade" quero dizer "suficiência não-
desperdiçadora", ao invés de "insuficiência
Microeconomics, segunda edição, por Jeffrey mesquinha".
M. Perloff, Addison Wesley.
Cada ano o Banco Mundial produz um Relatório
18 Alguns leitores podem correr em defesa do livro- sobre o Desenvolvimento Mundial (WDR, na sua
texto e me dizer que a função de produção está sigla em ingês), escolhendo sempre novo foco para
apenas descrevendo o valor adicionado por L e K o dõcumento. O de 2003 será sobre
e é por isso que se omitiram os insumos materiais. desenvolvimento sustentável. N. do li
Lembro a esses leitores que na página anterior
eles incluíram insumos materiais e ainda que a função
24Para comentários sobre o WDR 1992, ver pp.
de produção está em unidades de quantidades 5-10 em H. Daly, Beyond Growth, Boston: Beacon
físicas, não em valores ou valor adicionado. Mesmo Press, 1996.
se ela fosse expressa em unidades agregadas de
"valor em dólar", permanece o fato de que um "valor Relacionado a isso encontra-seno WDR 2003 DesenvoMrncflto
Sustentável: Dennlçõe
em dólar" de alguma coisa representa uma um foco nos "padrões" de consumo, mais do que P,incípios, llitIcas
quantidade física. no volume total de consumo. Mas é o volume total
que é limitado por considerações de
19 Eu deveria dizer que estou pensando no sustentabilidade, não o padrão. Deixemos que o
processo unitário de produção - um trabalhador mercado determine o padrão de consumo, mas
com uma serra e um martelo que transforma madeira não o volume total (escala do transumo). Tentar HermarI E. Daly
e pregos em uma casa de cachorro em um período controlar o padrão (alocação) ao invés do volume
de tempo. Poderíamos, é claro, multiplicar o (escala) é unia perversão tanto na perspectiva do
processo unitário por dez e obter dez casas de mercado quanto na do meio ambiente.
cachorro feitas por dez trabalhadores, etc. O que
quero dizer é que o processo unitário de produção,
que é o que a função de produção descreve, não
envolve multiplicação.

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