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Otra Economía, 9(16):94-104, enero-junio 2015

© 2015 by Unisinos - doi: 10.4013/otra.2015.916.07

Cooperativismo e desenvolvimento sustentável

Cooperativism and sustainable growth

José Odelso Schneider1


odelso5@gmail.com

Desenvolvimento sustentável tentabilidade e coordenado pela Primeira Mi-


nistra da Noruega Gro Harlem Brundtland, foi
A noção de desenvolvimento sustentável definitivamente incorporado como um princí-
passou a difundir-se especialmente a partir pio, durante a Conferência das Nações Unidas
da reunião da Comissão Mundial sobre Meio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a
Ambiente e Desenvolvimento - CMMAD da Cúpula da Terra de 1992 – Eco-92, no Rio de
Organização das Nações Unidas, coordenada Janeiro. O desenvolvimento sustentável busca
em 1987 pela Primeira Ministra Gro Harlem o equilíbrio entre proteção ambiental, o desen-
Brundtland da Noruega, e denominado “Our volvimento econômico e o direito ao bem-estar
Common Future”. Esta Comissão definiu que das gerações futuras, servindo como base para
desenvolvimento sustentável é aquele que a formulação da Agenda 21, com a qual mais de
atende às necessidades das gerações presentes 170 países se comprometeram, por ocasião da
sem comprometer a possibilidade de que as Conferência. Trata-se de um abrangente con-
gerações futuras satisfaçam as suas próprias junto de metas para a criação de um mundo,
necessidades. Desta iniciativa surge, portanto enfim, equilibrado.
o conceito hoje tão difundido de “desenvolvi- A seguir, a Declaração Política de 2002 da
mento sustentável”. Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sus-
Anteriormente a esta iniciativa, a ideia sur- tentável, realizada em Johanesburgo, África
ge originalmente do Relatório elaborado para do Sul na Rio + 10, reafirma que o desenvol-
o chamado Clube de Roma, fundado por Aure- vimento sustentável é construído sobre “três
lio Peccei, intitulado Os Limites do Crescimento pilares interdependentes e mutuamente sus-
e, depois, no mesmo ano de 1970, do conceito tentadores” – desenvolvimento econômico,
de ecodesenvolvimento, proposto por Mauri- desenvolvimento social e proteção ambiental.
ce Strong e Ignacy Sachs, durante a Primeira Esse paradigma reconhece a complexidade
Conferência das Nações Unidas sobre Meio e o inter-relacionamento de questões críti-
Ambiente e Desenvolvimento (Estocolmo, cas como pobreza, desperdício, degradação
1972). Esta Conferência deu origem ao Progra- ambiental, decadência urbana, crescimento
ma das Nações Unidas para o Meio Ambiente populacional, igualdade de gêneros, saúde,
– PNUMA. conflito e violência aos direitos humanos. Em
Ainda na década de 60, surgem as primei- continuidade ao tema suscitado nesta Confe-
ras comunidades sustentáveis, ecovilas, que rência, o PII – Projeto de Implementação Interna-
até hoje são exemplos plenos de como aliar o cional, apresenta quatro elementos principais
desenvolvimento sustentável ao desenvolvi- do desenvolvimento sustentável – sociedade,
mento humano integral, dentro dos novos pa- ambiente, economia e cultura.
radigmas ecológicos e sociais. Portanto, o desenvolvimento sustentável
O conceito difundido a partir de 1987, como pode dividir-se conceitualmente em três partes:
o relatório da ONU sobre meio ambiente e sus- as dimensões econômica, social e ambiental.

1
Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Av. Unisinos, 950, Cristo Rei, 93022-000, São Leopoldo, RS, Brasil.

Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Attribution License (CC-BY 3.0), sendo permitidas
reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
José Odelso Schneider

A dimensão social relaciona-se com a supera- O segundo modelo confere prioridade total
ção da miséria social/pobreza, o bem-estar so- à vida e aos seres vivos e leva o ser humano
cial, o meio ambiente e o equilíbrio econômico. a desenvolver e aplicar tecnologias que aper-
Devem satisfazer-se as necessidades da so- feiçoem as cadeias biológicas que contribuem
ciedade, tais como alimentação, roupa, habita- para o seu bem-estar. Este aufere os frutos ge-
ção e trabalho, pois, se a pobreza é habitual e rados por essas cadeias biológicas sem destruí-
progressiva, o mundo se está encaminhando -las e eliminá-las irremediavelmente. Os pro-
para catástrofes de vários tipos, incluídas as tagonistas deste modelo utilizam tecnologias
ecológicas. Por outro lado, o desenvolvimento que transformam a matéria inorgânica tão
e o bem-estar social estão limitados pelo nível somente quando estas conduzem ao aperfei-
tecnológico, os recursos do meio ambiente e a çoamento das cadeias biológicas em coerência
capacidade deste para absorver todos os efei- com a solidariedade do ser humano para com
tos das ações humanas. Diante desta situação, os seres vivos que lhe proporcionam bem-es-
coloca-se a possibilidade de aperfeiçoar a tec- tar individual e social. Este modelo assegura
nologia e a organização social de forma que o o verdadeiro desenvolvimento sustentável e
meio ambiente possa recuperar-se no mesmo constitui a base de uma civilização a serviço
ritmo e na mesma intensidade em que é afeta- da vida e do aperfeiçoamento dos seres vivos.
do pela atividade humana. Apoiando-se sobre as estruturas políticas
vigentes (União, Estados, Municípios e Acor-
A evolução do conceito de dos Internacionais), este modelo de desenvol-
vimento pautar-se-á pelas exigências de cada
desenvolvimento sustentável
ecossistema e bioma no que diz respeito:
• ao processo de urbanização;
Sustentabilidade, a exuberância • à gestão dos recursos hídricos;
e a diversidade dos seres vivos • à ocupação e exploração do solo,
• à manutenção da qualidade do ar;
A exuberância e diversidade de seres vivos, • à implantação da infraestrutura eco-
tão bem formuladas na recente visão de “bio- nômica (energia, transporte e meios de
diversidade”, devem ser levadas em conta no comunicação) e social (educação, habi-
planejamento e execução das atividades hu- tação, saneamento básico e demais servi-
manas nos diversos conjuntos de ecossistemas. ços de saúde).
Este planejamento, porém, é chamado a optar
entre dois processos e modelos distintos de “desen- É bem verdade que não são raros os casos
volvimento sustentável”. Na realidade, cada um de propaganda enganosa em que se veicula a
desses modelos corresponde a um conceito e a palavra sustentabilidade para adoçar práticas
um paradigma específico de civilização. predatórias. Ao mesmo tempo, pode parecer
O primeiro modelo corresponde ao para- credulidade valorizar o movimento em direção
digma de civilização oriundo das revoluções à responsabilidade socioambiental bancária,
industriais dos séculos XIX e XX, que confere quando se levam em conta a magnitude e a ori-
prioridade total à transformação da matéria gem da crise financeira que teve início em 2008 e
bruta inorgânica para colocá-la a serviço do que responde por uma elevação impressionante
ser humano, mesmo que este empreendimen- da insegurança, do desemprego e da opacidade
to elimine irremediavelmente cadeias inteiras que marcam as práticas financeiras atuais. Não
de seres vivos. Seu único cuidado é utilizar há dúvida que a grande maioria das operações
tecnologias que destruam o menos possível bancárias não se pauta por critérios básicos e ex-
essas cadeias biológicas e ao mesmo tempo plícitos quanto a seus impactos socioambientais.
assegurem a rentabilidade econômica e finan- Tais operações defendem interesses eminente-
ceira do empreendimento. Por esse motivo, mente privados, lucrativos e exclusivistas.
esse modelo conduz na prática a um pseudo- Ainda no que tange a possíveis distorções, o
desenvolvimento sustentável. É este modelo conceito de sustentabilidade parece ter sido se-
que provocou a famosa “Questão Social”, que questrado por empresas para fazer “greenwash”,
emergiu no bojo da Revolução Industrial e a ou seja, dar aparência verde ou ecológica. Essa
acompanhou ao longo de toda a sua evolu- palavra foi introduzida depois, como se entre-
ção, em que os empresários geralmente saíam gasse aquilo que o desenvolvimento sustentável
como os grandes beneficiados e os trabalhado- significa. Você precisa olhar cada empresa para
res assalariados, como as grandes vítimas. saber se ela está adotando a sustentabilidade ou

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a responsabilidade social corporativa. Palavras sustentável do ponto de vista ecológico e social


sempre podem ser mal usadas. Mas, segundo e, por isso, não é viável a longo prazo. Cresce no
Brundtland, você não pode dizer: “Esse con- mundo todo o ressentimento contra a globaliza-
ceito foi distorcido, então o deixamos de lado”. ção econômica, resistência que, segundo Manuel
Não acho que possamos encontrar uma maneira Castells, está levando à “rejeição social, cultural e
nova e melhor de descrever do que trataram a política, por parte de um grande número de pes-
nossa comissão e a Rio-92. Não vale a pena rein- soas no mundo inteiro, contra o Ente Autômato
ventar a roda porque alguém tentou roubá-la. que ignora ou desvaloriza a dimensão humana
Ela vai ser roubada de novo (Brundtland, 2012). destas pessoas” (Capra, 2002, p. 167).
Quanto à tomada de uma consciência eco- Durante a considerada Revolução Verde,
lógica e evolução da mesma, podem conside- de 1930 em diante, poderosos agentes da con-
rar-se as seguintes etapas: corrência no mercado acenavam com os gran-
Em 1970, como primeiro e relevante mo- des benefícios da inovação tecnológica, numa
mento, o Greenpeace, por exemplo, dirigiu o es- perspectiva de “admirável mundo novo”, be-
sencial de seus esforços a campanhas visando nefícios que infelizmente não se verificaram.
a governos nacionais, sobretudo protestando Segundo Capra, a tal Revolução “não ajudou
contra a expansão de usinas nucleares e a pes- nem os agricultores, nem a terra, nem os con-
ca predatória de baleias. sumidores. O uso maciço de fertilizantes e
Num segundo momento, a partir de 1980, pesticidas químicos mudou todo o modo de se
a pressão vai também a organismos multilate- fazer agricultura, na medida em que as empre-
rais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário sas agroquímicas convenceram os agricultores
Internacional. de que poderiam ganhar dinheiro plantando
E, num terceiro momento, em 1990, os te- um único produto agrícola em áreas enormes
mas se diversificam (lixo tóxico, florestas tropi-
e controlando as pragas e ervas daninhas com
cais, mudanças climáticas) e têm início campa-
agentes químicos. A prática da monocultu-
nhas contra grandes empresas. Mas é nos anos
ra, além de acarretar o forte risco de que uma
2000 que se intensificam e têm maior sucesso
grande área plantada fosse destruída por uma
campanhas voltadas explicitamente contra
única praga, também afetou seriamente a saú-
comportamentos julgados destrutivos por par-
de dos lavradores e das pessoas que moram
te do setor privado. Empresas e marcas globais
nas regiões agrícolas” (Capra, 2002, p. 194-195).
passam a ser alvo de campanhas em que são
O resultado da instauração deste modelo
nomeadas abertamente. Isso acaba por obrigá-
foi que o agricultor precisou produzir cada
-las a responder às críticas, constituir departa-
mentos de relacionamento com a sociedade ci- vez mais para responder aos progressivos
vil e alterar os próprios métodos com base nos compromissos contraídos junto aos bancos,
quais são avaliados seus negócios. onde obtinha recursos para realizar as inova-
Em relação ao terceiro momento, segundo ções solicitadas, e, por fim, com o simultâneo
Fritjof Capra, há um consenso entre acadêmi- aviltamento dos preços dos seus produtos, foi
cos, líderes comunitários e muitos cientistas de se endividando e com frequência se inviabili-
que o capitalismo global, em sua forma atual, zando econômica e socialmente.
é manifestamente insustentável e que teria que Com os novos produtos químicos, segun-
ser reestruturado desde as bases. Esta reestru- do Capra, “a agricultura tornou-se mecaniza-
turação é pleiteada até por alguns “capitalis- da e passou a ser marcada pelo uso intensivo
tas esclarecidos”, que, após ganharem rios de de energia, favorecendo assim os grandes
dinheiro, começam agora a preocupar-se com fazendeiros e agroindústrias munidos de ca-
a natureza altamente imprevisível e o enorme pital suficiente e expulsando da terra a maio-
potencial autodestrutivo do atual sistema. Até ria das famílias tradicionais de agricultores”.
mesmo o bilionário Georg Soros, um dos que Vítimas da Revolução Verde, estas famílias
mais foi favorecido pelo sistema capitalista saíram das áreas rurais e da agricultura fami-
com a especulação financeira, chega a conside- liar para irem engrossar as massas de desem-
rar a doutrina neoliberal da globalização eco- pregados ou subempregados urbanos (Capra,
nômica de “fundamentalismo de mercado” e 2002, p. 195). Nessas condições, os produto-
considera-o tão perigoso quanto qualquer ou- res familiares somente conseguem sobreviver
tro tipo de fundamentalismo. e até progredir através de sua pertença e ativa
Pois, além de sua instabilidade econômica, a participação em entidades associativo-coope-
forma atual de capitalismo global é também in- rativas agropecuárias.

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Polêmicas no que respeita aos de eleições pluripartidárias, de Estado de di-


processos de sustentabilidade reito. Uma diferente mobilização sociopolíti-
ca seria o lugar onde as mudanças deveriam
O ponto mais polêmico refere-se à com- acontecer, argumenta. Na opinião do autor,
petência exclusiva dada ao órgão licenciador há uma sobrecarga de críticas vulgares anti-
para multar empresas que descumprirem a capitalistas. Ao mesmo tempo, do outro lado
legislação ambiental. De acordo com o texto desse fenômeno global, existem tentativas de
aprovado na Câmara, obras como a usina hi- legitimar um capitalismo ético pós-moderno
drelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, licen- que apostaria em equilibrar um discurso de
ciada atualmente pelo Ibama, deverão passar responsabilidade social e ecológica.
a ser licenciadas por órgãos estaduais e, dessa De acordo com o autor supracitado, há qua-
forma, caberá aos estados autuar esses em- tro estratégias centrais para se chegar a uma
preendimentos em caso de irregularidades. O nova revolução industrial: (i) A conservação
Ibama seria impossibilitado de vetar uma obra dos recursos através de uma manufatura mais
em caso de ilegalidades. efetiva dos processos de produção, (ii) A reutili-
Na avaliação de ambientalistas, isso pode zação de materiais na forma como são encontra-
aumentar a impunidade e agravar os proble- dos nos sistemas naturais, (iii) Uma mudança
mas ambientais. Eles temem que órgãos esta- dos paradigmas de valorização da quantidade
duais e municipais sejam mais susceptíveis à para a qualidade e (iv) Uma restauração e a sus-
pressão de interesses políticos articulados no tentabilidade dos recursos naturais.
plano nacional e internacional e que, portanto, Porém, Zizek afirma que, apesar de parecer
ampliem a emissão de licenças sem procedi- que tamanha redefinição de capital seja etica-
mentos técnicos e sejam coniventes com irre- mente benéfica, sua implementação deman-
gularidades. “Estão dando autorização para daria, como mínimo, um controle e regulação
desmatar, porque não haverá fiscalização na estatais muito mais estritos, com agências go-
Amazônia”, disse o líder do PV na Câmara, vernamentais definindo e implementando no
deputado Edson Duarte (BA). mercado preços de commodities naturais. A es-
Outro prejuízo apontado por ambientalis- tratégia do capitalismo natural é salvar o pla-
tas é quanto aos danos à fauna. O projeto prevê neta dos problemas ecológicos para que tudo
repassar aos Estados a prerrogativa, que hoje se torne uma commodity. Enquanto mantém
cabe à União, de licenciar e controlar criadou- a matriz do capitalismo – o lucro expandindo
ros de fauna silvestre. Especialistas advertem suas próprias formas de reprodução – propon-
que os órgãos estaduais não detêm suficiente do a salvação disso precisamente através dessa
poder e conhecimento técnico na área, o que excessiva universalização, o núcleo central do
poderá, entre outras coisas, trazer prejuízos problema permanece sendo a busca pelo lucro
para as políticas de combate ao comércio ile- como a razão da reprodução econômica.
gal de animais.
Numa perspectiva de visão sistêmica de A relevância dos movimentos sociais
preservação do meio ambiente e de respeito no processo de sustentabilidade
aos ritmos da natureza, o filósofo esloveno
Zizek fala sobre quatro aspectos que podem Ainda com o objetivo de debater o signifi-
levar ao fim do capitalismo: a crise ecológica cado, a importância, a contribuição e os limites
mundial, os desequilíbrios do próprio sistema dos movimentos sociais numa conjuntura ad-
econômico – problemas de propriedade inte- versa, há uma tendência entre entidades mais
lectual, a luta vindoura por matérias-primas, conservadoras de criminalizar os movimentos
comida e água –, as consequências da revolu- sociais, o que seria um atentado à democracia.
ção biogenética e o crescimento explosivo de Apesar da ira da direita política, que vem
divisões e exclusões sociais. Mas a pergunta se organizando e ocupando a esfera públi-
básica que desafia nossa reflexão é saber: se ca de forma contundente, da incompreensão
o fim do capitalismo é visto por muitos como do governo e até mesmo de forças considera-
o fim do mundo, como a sociedade ocidental das progressistas, é o movimento social que
pode enfrentar este período de fim dos tem- mantém aceso o debate político no país. É o
pos? (Boitempo Editorial, s.d.). movimento social que coloca em pauta o de-
Para enfrentar desafios tão complexos, a bate do projeto político de nação, no contex-
“democracia não é suficiente”, dispara Zizek. to atual. É nesse sentido e nessa perspectiva
Não se trata apenas do seu sentido conhecido que se pode dizer que o seu papel é civiliza-

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Cooperativismo e desenvolvimento sustentável

tório, ou seja, a força que busca rupturas e tica de Imigração dos EUA, o número de latino-
questionamentos junto aos setores das elites, -americanos cruzando a fronteira hoje é duas
que concentram e se negam a distribuir as vezes maior que há dez anos, atingindo quase
riquezas da nação, surge dos movimentos 300 mil por ano. Dois terços desse contingente
sociais. Estes, desse modo, são protagonistas são de mexicanos.
nas lutas contra as desigualdades – materiais Em alguns países como Equador, Guatemala,
e imateriais – e por uma sociedade mais justa El Salvador, República Dominicana e o México,
e equânime. as remessas recebidas de parentes do exterior
representam parcela significativa do dinheiro
A sustentabilidade no contexto em circulação e influenciam o PIB do país. Isso
é expressão de uma dantesca diáspora. Nos
da América Latina: resistências
últimos anos, acentuou-se também a migração
e novos caminhos intrarregional.
A América Latina é um continente fraturado
por séculos de colonização, por ditaduras e pela
Outros elementos componentes
desigualdade social. A partir dos anos 1980, tor- do conceito de sustentabilidade –
nou-se um laboratório do capitalismo mundial repartir em prol de um consumo
sob as orientações do ‘Consenso de Washington’. sustentável
O vendaval arrasa-quarteirão do neoliberalis-
mo levou o continente ao ‘fundo do poço’. Segundo o economista Marcio Pochmann
E isso ocorreu através das seguintes medi- (2012), “o padrão de consumo dos ricos tornou
das: (i) Privatizações, desregulação, (ii) aber- cada vez mais grave a crise ambiental no pla-
tura indiscriminada das economias nacionais neta. A saída, portanto, não pode ser a conten-
ao capital e a empresas multinacionais, (iii) ção do crescimento da demanda material dos
inserção subordinada à economia internacio- pobres, mas a reversão do modelo de vida dos
nal, (iv) fragilização do Estado, (v) desman- países e indivíduos ricos, assentado no consu-
telamento e ataques aos direitos dos traba- mo ostentatório”2.
lhadores, e a consequente crítica e resistência O economista chama a atenção para o risco
à legislação trabalhista e previdenciária, que da “chamada economia verde estar a serviço
surgiram nos avanços de mais sensibilidade da ocultação, mais uma vez, da manutenção do
social, a partir de 1930 até 1990; (vi) desestru- quadro geral de dominação imposto pelos paí-
turação do mercado de trabalho e (vii) emigra- ses ricos. Isso pode estar ocorrendo justamente
ções acentuadas, que caracterizam o cenário quando as economias do norte convivem com
latino-americano nos anos 1990. inegável esvaziamento de suas posições relati-
Em que pese a redução – ano a ano – da vas no mundo” (Pochman, 2012, p. 3).
pobreza no continente, ela é ainda muito alta. Eis alguns aspectos a serem destacados
Segundo a Comissão Econômica para a América dessas ideias:
Latina e o Caribe (CEPALC), em 2006 os latino- (a) As resistências à mudança por parte do
-americanos que viviam em situação de pobre- sistema econômico dominante terminam por
za chegavam a 205 milhões (38,5% da popula- dar maior curso ao aprofundamento da cri-
ção na região), sendo 79 milhões de indigentes se ecológica atual. Sem a revisão do padrão
(14,7 % da população no continente). Um dos de crescimento do consumo material global,
indicadores perversos da deterioração social prossegue a tendência do desaparecimento
foi a intensificação da migração. da abundância dos recursos naturais e da ele-
De acordo com os dados do Centro Latino- vação das emissões de gases nocivos ao meio
-Americano e Caribenho de Demografia (CELA- ambiente, provocando a mudança climática e
DE), houve na América Latina e no Caribe, nos o aumento da temperatura média da terra.
primeiros cinco anos do terceiro milênio, um (b) Das 45 mil espécies atualmente catalo-
significativo aumento do número de migran- gadas, quase 40% encontram-se ameaçadas de
tes, passando de 21 milhões, em 2000, para 26 extinção. Somente nas últimas três décadas, o
milhões, em 2005. Segundo o Instituto de Polí- planeta perdeu um terço de suas florestas na-

2
Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em artigo publicado originalmente
no jornal Valor Econômico (2012).

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José Odelso Schneider

turais, enquanto a quantidade retida de água Aspectos recentes na evolução do


por meio de barragens tornou-se três vezes su- conceito de sustentabilidade
perior à área ocupada por florestas no mundo.
(c) Ao mesmo tempo, a conversão de ter- Numa entrevista por ocasião de sua partici-
ras para a exploração econômica desde 1980 pação no Fórum Mundial da Sustentabilidade
tornou-se bem maior que o verificado no acu- ocorrido em Manaus em março de 2012, a no-
mulado nos séculos XVIII e XIX. Para o cresci- rueguesa Gro Harlem Brundtland, ex-premiê
mento de 53,3% da população mundial entre da Noruega, que cunhou a expressão “susten-
1980 e 2010, a área ocupada pela urbanização tabilidade” como base da discussão ambiental,
simplesmente dobrou. declarou que o desenvolvimento sustentável
(d) Percebe-se por que a generalização da ainda não foi implementado. Ela chefiou a
economia de alto carbono impacta o comporta- comissão que, em 1987, produziu o relatório
mento da temperatura global, com a elevação “Nosso Futuro Comum”, onde o conceito de
radical da concentração de dióxido de carbono “desenvolvimento sustentável” foi cunhado.
na atmosfera. A elevação da renda per capita O relatório serviu de base para a Eco-92. Em
vem, em geral, acompanhada do aumento da 2012, participando do citado evento no Brasil,
intensidade da emissão de carbono na atmos- ela afirmou que mesmo com o “sequestro” da
fera, cuja concentração cresce de 275 partículas noção de sustentabilidade por empresas que
por milhão (ppm) antes do ciclo de industria- não têm práticas sustentáveis, o termo não
lização para próximo de 400 ppm atualmente. deve ser abandonado.
A concentração de gás metano, que girava em E continua, afirmando: “Nos últimos dez
torno de 720 a 780 partículas por bilhão (ppb) anos, as pessoas começaram a usar ‘sustenta-
entre os anos 1.000 e 1.800, passou para 1.750 bilidade’ como forma alternativa. Sempre tive
ppb nos anos 2.000. A consequência direta tem cuidado em não usar a palavra ‘sustentabilida-
sido o movimento de aquecimento global. de’ sozinha enquanto conceito. Precisamos de
(e) Nesse contexto, os pobres são os que sustentabilidade em diversas áreas, mas tam-
mais sofrem os efeitos da crise ecológica, pois bém precisamos de desenvolvimento susten-
vivem, geralmente, nas áreas de maior polui- tável”3. Por isso, não desistiu de considerar a
ção e excluídos das condições de vida decente, atualidade do conceito, porque de fato efetiva
sem acesso adequado a moradia, saneamento, realização ainda não aconteceu. Pois a totalida-
energia elétrica. Talvez por isso os maiores de- de do conceito, a visão dos pilares econômico,
fensores das teses do limite da produção e, por ambiental e social numa abordagem de longo
consequência, da redução do consumo dos ou- prazo não aconteceu em lugar nenhum. Mas
tros sejam justamente os ricos. muitas mudanças lentamente passam a acon-
(f) Na realidade, o modo de vida das clas- tecer. “O Protocolo de Montréal, entre a minha
ses ricas assenta-se no consumo ostentatório comissão e a Rio-92, é um exemplo. O mundo
e que degrada consideravelmente a ecologia, está se livrando das substâncias que afetam a
esvaziando o futuro das próximas gerações. camada de ozônio”.
Isso porque o padrão de consumo ostentatório Mas muito ainda precisa acontecer para
das camadas ricas da população não resulta da que a sustentabilidade possa demonstrar o
busca ao atendimento das necessidades mate- que prometeu. Pois, afirma ainda Gro, “vários
riais da existência humana, mas ao interesse críticos dizem que a tomada de consciência só
de se diferenciar dos demais. aconteceu porque já era de interesse das em-
(g) Conforme definiu Thorstein Veblen presas. Já ouvi isso. Mas a história não é assim
(em A teoria da classe ociosa), na passagem tão simples. As pessoas mais progressistas na
do século XX, a rivalidade ostentatória reve- indústria entenderam que aquilo não podia
la o desejo dos ricos de serem reconhecidos continuar. Mas, é claro, não houve sucessos
como melhores que os outros. E, por conta globais semelhantes, e os gases de efeito estufa
disso, o consumo ostentatório expressa-se são um exemplo de abordagem ampla e global
insaciável, gerando necessidades materiais que envolve todos os setores da economia. Daí
indefinidas – e infinitas – e resultando em a dificuldade de se chegar a um resultado”.
referência cultural a ser imitada por parte Interrogada sobre quais foram os princi-
restante da população. pais avanços nestes 20 anos até o Fórum de

3
As citações literais da fala de Gro Brundtland são extraídas do jornal Folha de S. Paulo (Brundtland, 2012).

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Cooperativismo e desenvolvimento sustentável

Manaus, ela responde: “houve uma mudança Somente 500 grandes corporações transna-
considerável no uso de energia. O que você cionais controlam a metade da produção mun-
pode ganhar aumentando a eficiência energé- dial, em grande medida voltada ao atendi-
tica está longe de estar realizado”. A entrevista mento do padrão de consumo ostentatório dos
segue questionando se existe algum país que ricos e imitado por muitos não ricos. Nesses
possa liderar a economia verde e uma trans- termos, tem-se o risco de parte da teorização
formação nos modos de produzir, ao que ela em torno da chamada economia verde estar a
considera que a Coreia do Sul fez muitos es- serviço da ocultação, mais uma vez, da manu-
forços nessa direção, mas não chega a afirmar tenção do quadro geral de dominação imposto
que poderia liderar um processo consistente pelos países ricos. Isso pode estar ocorrendo
de mudança. justamente quando as economias do norte
E, em relação ao Brasil no aspecto da sus- convivem com inegável esvaziamento de suas
tentabilidade, ela opina que “há uma melhora posições relativas no mundo.
na questão do desmatamento na Amazônia,
que pode ser medida. Mas está muito melhor O cooperativismo e a opção
agora do que quando viemos em 1985. Eu me em prol da sustentabilidade
lembro que estive em Manaus com um go-
vernador famoso [Gilberto Mestrinho] que Em eventos internacionais recentes, o
achava uma estupidez isso de os ambientalis- Secretário-Geral da Organização das Nações
tas virem dizer o que fazer com a Amazônia. Unidas (ONU), Ban Ki-moon, reafirmou o
Quando estivemos em Cubatão, aquilo era um apoio aos 17 Objetivos de Desenvolvimento
dos casos mais graves de poluição industrial. Sustentável (ODS) propostos por um grupo
Hoje é um exemplo de como as coisas mudam de trabalho de Estados membros para a nova
e o que pode ser feito”. agenda que o Fórum Mundial aplicará entre
2015 e 2030.
As distorções no desenvolvimento Os 17 ODS, negociados durante um perío-
em época de globalização do de nove meses, incluem uma ampla gama
de problemas socioeconômicos, como pobre-
Constata-se recentemente que o padrão de za, fome, igualdade de gênero, industriali-
consumo dos ricos tornou cada vez mais grave zação, desenvolvimento sustentável, pleno
a crise ambiental no planeta. A saída, portan- emprego, educação de qualidade, mudança
to, não pode ser a contenção do crescimento climática e energia sustentável para todos. A
da demanda material dos pobres, mas a rever- maior parte deles faz parte dos oito Objetivos
são do modelo de vida dos ricos assentado no de Desenvolvimento do Milênio (ODM), esta-
consumo ostentatório ou conspícuo, segundo belecidos para 2018 e que vencem no final de
Thorstein Veblen (1974). O crescimento da pro- 2015, e já se sabe que em alguns deles as metas
dução permite elevar o nível geral de riqueza, não serão alcançadas.
enquanto requisito básico para melhorar a sor- O Secretário-Geral disse que os 17 ODS
te dos pobres. Mas o aumento da riqueza sem são uma clara expressão da visão dos Esta-
a sua justa redistribuição favorece justamente dos membros e de seu desejo de contar com
os ricos, impulsionando a prevalência do pa- uma agenda que possa acabar com a pobreza,
drão de consumo ostentatório. alcançar a prosperidade e a paz e proteger o
Atualmente, os países ricos representam um planeta, tudo isso sem exclusões. Ban Ki-moon
quinto da população mundial e detêm 80% da destacou a necessidade de uma aliança mun-
riqueza global. A perspectiva das nações não ri- dial renovada para o desenvolvimento, entre
cas para enfrentar a crise ecológica global não países ricos e pobres, no contexto da agenda
pode ser a mesma defendida pelos ricos. posterior a 2015.
Certamente o avanço tecnológico pode Segundo Ban Ki-moon, os recursos, a tec-
contribuir para que o padrão de vida urbano nologia e a vontade política são fundamentais
reduza o grau de emissão de gases nocivos à não só para a aplicação da agenda, uma vez
biosfera, bem como altere o conteúdo forte- adotada, mas inclusive agora, para gerar con-
mente material do consumo. Mas cabe indagar fiança enquanto os Estados membros negociam
a respeito da propriedade dos novos avanços seus parâmetros finais. Espera-se que os ODS,
tecnológicos quando cerca de dois terços dos que continuarão submetidos à revisão, estejam
investimentos em tecnologia se encontram em completos em 2015 e que a Assembleia Geral da
poder das grandes corporações transnacionais. ONU, de 193 membros, os adote em setembro.

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José Odelso Schneider

Um novo informe que sintetiza os 17 ODS, comunidade em geral. Combatem, pois, o ab-
intitulado O Caminho para a Dignidade em 2030: senteísmo, a inexistência de vínculos afetivos e
Acabar com a Pobreza, Transformar Todas as Vidas efetivos nestas empresas que lhes asseguram a
e Proteger o Planeta, apresenta um conjunto in- sobrevivência e o bem-estar.
tegrado de “seis elementos essenciais: a digni- Como e por que surgiram as cooperati-
dade, as pessoas, a prosperidade, nosso plane- vas? Elas foram criadas por representantes da
ta, a justiça e a associação”. A menção a estes classe operária no início da revolução indus-
seis elementos visa oferecer certa orientação trial capitalista. Então, a classe trabalhadora,
conceitual para o trabalho que há pela frente”, a grande vítima da QUESTÃO SOCIAL, pro-
explicou Ban Ki-moon aos meios de comunica- vocada pela revolução industrial capitalista,
ção (Instituto Humanitas Unisinos, 2014). estava submetida à ganância incontrolável de
Cabe perguntar por que as Nações Unidas empreendedores industriais da época, que os
priorizam a importância dos empreendimen- mantinham entre 12 a 16 horas contínuas de
tos associativos, considerando-os um modo trabalho diário, com salários de fome, em con-
sustentável de trabalho e geração de renda, dições precárias de saúde e de segurança labo-
com potencial de gerar dignidade aos mais ral, sem legislação trabalhista, previdenciária
pobres. Tentando responder aos elementos es- e sindical que os protegesse. Os operários de
senciais de um desenvolvimento sustentável, então criaram cooperativas de consumo e de
diríamos que, na área destes empreendimen- trabalho, autônomas, solidárias, integralmente
tos, situam-se, como expressiva presença, as sob o seu controle, a serem geridas democrati-
muitas e variadas experiências e organizações camente, na base de “uma pessoa, um voto”.
da economia cooperativa e solidária. No caso Isso se torna, então, algo inusitado no cenário
particular dos empreendimentos cooperati- econômico, social e político europeu, tanto no
vos, eles tendem a ser um sistema, uma em- processo produtivo quanto na distribuição dos
presa, uma organização que se estrutura não excedentes gerados.
em busca do lucro, mas do excedente, onde o Na sequência das propostas do socialista
primeiro fomenta a apropriação individual, utópico Robert Owen, propõe-se a expansão
o segundo, a apropriação coletiva, mediante do modelo, para que a classe trabalhadora,
decisão democrática e transparente em assem- através de cooperativas, pudesse controlar
bleia geral. O empreendimento cooperativo/ progressivamente empreendimentos econô-
associativo não tem por finalidade acumular micos na indústria, na construção civil, na
bens e riquezas em mãos de poucos, gerando produção agropecuária e no setor de serviços.
crescentes processos de desigualdade econô- Junto com essas iniciativas e emergindo tam-
mica e social. Mas sim, visa satisfazer cada vez bém como reação à Questão Social, surgem
mais e melhor, e de forma equitativa, as ne- também os primeiros sindicatos e os diversos
cessidades de todas as pessoas que participam movimentos e partidos socialistas.
do empreendimento coletivo, buscando con- No cenário de crise que hoje vivemos, o
tribuir para a sua dignidade e o seu bem-estar Estado procura repassar para a sociedade ci-
material, social e humano. vil crescentes parcelas de responsabilidade
As organizações cooperativas e da econo- na busca de saídas, entre elas, respeitando
mia solidária são ainda uma discreta e bem o espaço e apoiando o terceiro setor. Assim
recente expressão de uma nova e diferente nascem as Organizações Não Governamen-
forma de organização econômica e social, tais (ONGs). Nesta nova categorização, o
com uma trajetória de apenas 200 anos desde cooperativismo também se inclui neste ter-
as primeiras cooperativas de consumo apare- ceiro setor. Trata-se de uma articulação e as-
cidas na Europa, com os operários das docas sociação de pessoas, com valores e princípios
navais de Chatham e Woolwich já nos finais consciente e previamente consensuados. Am-
do século XVIII, as cooperativas do modelo bas, ONGs e cooperativas, tentam atenuar as
William King, lançadas desde 1827 em Bri- desigualdades sociais oriundas do acúmulo
ghton e a iniciativa dos Pioneiros de Rochdale de riquezas e de poder, próprias do desen-
em 1844 na Inglaterra. O seu diferencial em volvimento capitalista. A cooperação integra
relação ao modelo hegemônico de empresa é a ideia de trabalho social combinado, onde,
que elas exigem de cada membro associado segundo Antunes, é “preciso alterar a lógica
sua plena, participativa e responsável inserção da produção societal; a produção deve ser
nas atividades que assegurem de forma cole- prioritariamente voltada para produzir valo-
tiva a sua sobrevivência, a dos familiares e da res de uso e não de troca”.

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Cooperativismo e desenvolvimento sustentável

Multiplicam-se hoje iniciativas que buscam Sustentabilidade é um termo usado para


alternativas de sobrevivência aos desequilí- definir ações e atividades humanas que visam
brios sociais, causados pelo sistema econômi- suprir as necessidades atuais dos seres huma-
co neoliberal. Este sistema acolhe e estimula o nos, sem comprometer o futuro e o patrimônio
desenvolvimento tecnológico e informacional, das próximas gerações. Ou seja, a sustentabi-
porque lhe permite gerar crescentes margens lidade está diretamente relacionada ao desen-
de lucro e de concentração de capital, de pro- volvimento econômico e material sem agredir
priedades, poder e o domínio do progresso o meio ambiente, usando os recursos naturais
científico, mas, ao mesmo tempo, gera a explo- de forma inteligente para que eles se mante-
ração da mão de obra, o desemprego em mas- nham no futuro.
sa e a exclusão social. Como reação e resistên- Quais são as principais ações relacionadas
cia a este processo, tanto na França quanto na à sustentabilidade? Elencamos aqui oito ativi-
Inglaterra, surgem o cooperativismo e o sindi- dades:
calismo, como uma nova possibilidade de re- • Exploração dos recursos vegetais de
estruturação do processo produtivo e da pró- florestas e matas de forma controlada,
pria sociedade. Tendo como foco o trabalho, o garantindo o replantio sempre que ne-
ser humano se identifica e busca sua satisfação cessário.
plena, abre espaços para o protagonismo, esta- • Preservação total de áreas verdes não
belece uma identificação direta com o produto destinadas à exploração econômica.
que produz, tendo acesso à utilização do mes- • Ações que visem ao incentivo à produ-
mo e não somente focado no capital. ção e consumo de alimentos orgânicos,
Este movimento de resistência presente nos pois estes não agridem a natureza além
inícios do capitalismo industrial hoje se reno- de serem benéficos à saúde dos seres
va e se reflete num novo contexto de conflitos humanos.
e tensões, onde os múltiplos empreendimen- • Exploração dos recursos minerais (pe-
tos da economia solidária somam esforços e tróleo, carvão, minérios) de forma con-
iniciativas, ao lado da longa trajetória do coo- trolada, racionalizada e com planeja-
perativismo, em busca de uma economia mais mento.
solidária, humana e participativa, em suma, na • Uso de fontes de energia limpas e reno-
busca de “uma outra economia possível”, ou váveis (eólica, geotérmica e hidráulica)
de “um outro desenvolvimento possível”. para diminuir o consumo de combustí-
Os empreendimentos econômicos associa- veis fósseis. Esta ação, além de preser-
tivos, quando razoavelmente fiéis e coerentes var as reservas de recursos minerais,
com a natureza de suas organizações e leais visa diminuir a poluição do ar.
aos aspectos que lhes são peculiares, contri- • Criação de atitudes pessoais e empresa-
buem de forma relevante nos processos de sus- riais voltadas para a reciclagem de resídu-
tentabilidade, motivando os associados a pre- os sólidos. Esta ação, além de gerar renda
servarem o seu patrimônio, a sua propriedade, e diminuir a quantidade de lixo no solo,
seja industrial, seja rural, seja de serviços, de possibilita a diminuição da retirada de re-
forma a poder continuar a servir não apenas cursos minerais do solo.
às necessidades das gerações atuais, mas tam- • Desenvolvimento da gestão sustentável
bém das gerações futuras. Isso é especialmente nas empresas para diminuir o desper-
válido para os que atuam na produção rural e dício de matéria-prima e o desenvolvi-
industrial familiar. São educados e motivados mento de produtos com baixo consumo
para não esbanjarem, não destruírem o poten- de energia.
cial natural e produtivo do seu patrimônio, em • Atitudes voltadas para o consumo con-
atenção a si próprios e em prol das gerações trolado de água, evitando ao máximo o
futuras. desperdício. Adoção de medidas que vi-
sem à não poluição dos recursos hídri-
O que é próprio da sustentabilidade? cos, assim como a despoluição daqueles
que se encontram poluídos ou contami-
Como resposta a esta questão, cabe reto- nados.
mar alguns aspectos básicos, para entender
melhor o papel das experiências cooperativas Como situar o cooperativismo e a econo-
e solidárias num processo de desenvolvimen- mia solidária frente a estas desafiadoras ações?
to sustentável. Ambos, porque movidos por uma filosofia pe-

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José Odelso Schneider

culiar e humanista, têm todas as características • É diferente porque ela consegue instau-
para abraçarem de forma mais apropriada as rar adequados processos de autocapitalização
diversas atividades antes mencionadas. Isto junto aos associados, para cada individuo e
porque agem não apenas movidos por uma para a organização, salvaguardando, com a
racionalidade instrumental, eficientista e pro- geração do capital próprio, a necessária auto-
dutivista, que se foca na busca insaciável do nomia política e econômica frente ao mercado
lucro, mas sobretudo por uma racionalidade e, assim, também preservando a peculiar iden-
substantiva, que trata dos aspectos essenciais tidade da cooperativa.
e humanos das organizações, na perspectiva • Ela é mais humana e respeitadora da
do atendimento das necessidades e das aspira- dignidade e do protagonismo de cada associa-
ções dos seus associados. do. Ela abre um espaço para que cada associa-
Quais são alguns dos benefícios decor- do demonstre suas capacidades e qualidades
rentes destas atividades? A adoção de ações de associado participativo, vigilante, mas tam-
de sustentabilidade garante a médio e longo bém como produtor, prestador competente de
prazo um planeta em boas condições para o serviços e prestamista consciente, responsável,
desenvolvimento das diversas formas de vida, dinâmico e sempre presente.
inclusive a humana. Garantem os recursos na- • A cooperativa e a economia solidária,
turais necessários para as próximas gerações, como já se mencionou em referência anterior,
possibilitando a manutenção dos recursos na- contribuem para que cada associado zele, cui-
turais (florestas, matas, rios, lagos, oceanos) e de do seu patrimônio, o explore adequada-
garantindo uma boa qualidade de vida para as mente, sem ferir e agredir o equilíbrio do meio
atuais e futuras gerações. ambiente e, assim, possa assegurar o adequa-
do uso do patrimônio da propriedade para as
gerações futuras de sua família e das demais
Vantagens da economia
famílias de associados.
cooperativa e solidária • Na medida em que a cooperativa con-
tribui para que o associado preserve bem o seu
Eis, a seguir, o elenco de algumas vanta- patrimônio, ele estará em condições de ser um
gens das organizações cooperativas e da pró- zelador vigilante e ativo na defesa do meio am-
pria economia solidária, em geral, em prol de biente e da relação equilibrada e sustentável com
processos de sustentabilidade: a mãe natureza.
• A cooperativa é mais justa e equitativa, • A cooperativa é uma excelente escola
pois distribui melhor e mais igualitariamen- para a formação em prol da cidadania. Na me-
te os bens e serviços que produz, permitin- dida em que o associado participa razoavel-
do a cada associado usufruir daquilo que ele mente de todas as atividades da cooperativa,
ajudou a construir coletivamente e na exata das suas assembleias gerais, das pré e minias-
proporção do seu envolvimento participativo sembleias, dos cursos de capacitação para qua-
como coproprietário e como usuário. lificá-lo como produtor, prestador de serviços
• A cooperativa é uma empresa e como tal e prestamista, na medida em que aprende a
deve seguir a racionalidade, a estrutura e a dis- falar e a escutar, mesmo as opiniões controver-
ciplina de qualquer empresa, em busca de mais sas, na medida ainda em que o informa sobre
eficiência e economia de recursos, mas como em- as complexas, contraditórias e imprevisíveis
presa tem um grande diferencial. O diferencial tendências do mercado, ele adquire uma com-
consiste em que internamente exige a democra- plexa cultura econômica, social e administrati-
cia, a participação decisória e de usuário dos as- va. Esta cultura o ajuda não apenas para gerir
sociados, em todos os processos produtivos e de bem sua cooperativa e seu patrimônio, mas
prestação de serviços. Por isso, o resultado final também para ser um cidadão ativo, dinâmico
é melhor e mais justa e democraticamente distri- e criativo na comunidade e no município no
buído. qual vive e atua.
• A economia solidária é diferente em rela- • A cooperativa supera a dependência e
ção às demais empresas presentes no mercado, subordinação paternalista, própria de quem
porque produz bens e serviços para o adequado espera de forma passiva doações e proteção,
uso dos seus associados e o seu melhor bem-es- mas se estrutura como empresa, para que
tar. Produz não para lucrar e explorar os outros, seus associados, numa adequada visão de au-
mas para servir a comunidade interna e externa tonomia, sejam os efetivos agentes de desen-
a ela, na satisfação de suas reais necessidades. volvimento e os protagonistas, na produção

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Cooperativismo e desenvolvimento sustentável

qualificada e sempre maior de bens e serviços, sustentável das comunidades de sua área de
assumindo de forma coletiva e responsável a atuação.
participação e a transparência em todas as ati- • Que a cooperativa, como empresa possa
vidades de seu projeto e empreendimento co- ser um caso exemplar junto e ao lado das de-
letivo e solidário. mais empresas para ser uma efetiva empresa
• Em momentos de aguda crise econômica cidadã, e de relevante impacto econômico, so-
e social, igualmente muitas organizações coo- cial e local, que prepare as entidades empresa-
perativas e da economia solidária vão à falên- riais e as pessoas que nelas trabalham em prol
cia. Mas é, em geral, em momentos de crise que de um elevado senso social, comunitário e am-
as cooperativas conseguem desencadear do seu biental.
interior as energias e o potencial ético e comuni-
tário para reagir melhor às crises, potencial que, À guisa de conclusão, face às considerações
às vezes, está meio adormecido no corre-corre e anteriores, cabe apenas enfatizar que os em-
na luta pela sobrevivência num mercado voraz- preendimentos cooperativos e solidários já são
mente competitivo. Assim agindo, conseguem e podem ser cada vez mais importantes instân-
não só sobreviver, mas crescer e fortalecer-se cias de construção de uma economia e de uma
em meio à crise econômica e social, com maior sociedade sustentável.
visibilidade e presença no mercado.
Referências
Mas, para que tais qualidades possam ser
efetivamente acionadas, é importante que, no BOITEMPO EDITORIAL. [s.d.]. Disponível em:
plano interno, a cooperativa busque superar http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/Ti-
tulos/visualizar/vivendo-no-fim-dos-tempos
os seguintes desafios: Acesso em: 22/06/2015.
• Diminuir ou evitar a pouca rotatividade BRUNDTLAND, G.H. 2012. Existe um abuso do
e até a perpetuidade de dirigentes, como ainda conceito de ‘sustentabilidade’. Folha de São Pau-
acontece em algumas cooperativas. Deveria es- lo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.
tabelecer-se, por disposição estatutária, que um br/fsp/ciencia/32761-existe-um-abuso-do-con-
dirigente poderá ser reconduzido apenas mais ceito-de-sustentabilidade.shtml#. Acesso em:
17/06/2014.
uma vez, após uma primeira e boa gestão. Mas
CAPRA, F. 2002. As conexões ocultas: ciência para uma
isso envolve formar, preparar e motivar novas vida sustentável. São Paulo, Cultrix, 296 p.
lideranças em prol do próprio bem da coopera- INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. 2014. Os 17
tiva. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável se-
• Não fechar-se numa “ilha de prospe- guem intatos. Disponível em:http://www.ihu.
ridade e de boa organização”, mas abrir-se unisinos.br/noticias/538310-os-17-objetivos-de-
-desenvolvimento-sustentavel-seguem-intatos.
mais com o seu olhar para a relação externa à
Acesso em: 17/06/2015.
cooperativa, e dar-se o tempo para envolver- POCHMANN, M. 2012. Repartir para o consumo
-se, junto e ao lado de outras forças vivas, no sustentável. Disponível em: http://www.ihu.
bem-estar e no desenvolvimento equilibrado e unisinos.br/noticias/507747-repartirparaocon-
sustentável das comunidades nas quais estão sumosustentavel. Acesso em: 11/12/2014.
inseridas. VEBLEN, T. 1974. A Teoria da Classe Ociosa – Um es-
• Que a cooperativa, abrindo-se mais e tudo econômico das instituições. São Paulo, Ática,
358 p.
mais para enfrentar os desafios das comunida-
des nas quais se insere, se coloque junto e ao
lado de outras entidades civis, políticas e de Submetido: 02/04/2015
caráter religioso em prol do desenvolvimento Aceito: 21/05/2015

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