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PLANEAMENTO URBANÍSTICO

E SUSTENTABILIDADE SOCIAL

Fernanda Paula OLIVEIRA

“The interaction between social and spatial


planning issues is complex. At its simplest, good
planning can improve environments and oppor-
tunities for communities experiencing disadvan-
tage. Planning which does not adequately engage
with, or consider the needs of, local communities
is unlikely to improve their life chances and may
further entrench area-based disadvantage.”
In Planning for Equality and Diversity in
London Supplementary Planning Guidance to
the London Plan, Outubro 2007.

1. Breve nota histórica

A preocupação da comunidade internacional com os limites do desenvol-


vimento do planeta, que se encontra na base do conceito de desenvolvimento
sustentável, data da década de 60, quando se iniciaram as discussões em torno
das questões dos riscos e da degradação do meio ambiente.
Tais discussões estiveram na origem da promoção, por parte da ONU, da
Conferência sobre o Meio Ambiente realizada em Estocolmo em 1972. No
mesmo ano foi publicado, sob orientação de DENNIS MEADOWS, o estudo
Limites do Crescimento, que concluía que, mantidos os níveis de industrialização,
poluição, produção de alimentos e exploração dos recursos naturais, o limite
de desenvolvimento do planeta seria atingido, no máximo, em 100 anos, pro-
vocando uma repentina diminuição da população mundial e da capacidade
industrial.
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Este relatório recebeu fortes críticas quer por parte de intelectuais dos
chamados países do Primeiro Mundo — para quem a tese de MEADOWS repre-
sentaria o fim do crescimento da sociedade industrial — quer por parte dos
designados países subdesenvolvidos — que defendiam pretenderem os primei-
ros, com este relatório, “fechar a porta” ao desenvolvimento dos países mais
pobres com base numa justificação ecológica.
Em 1973 MAURICE STRONG lançou o conceito de eco-desenvolvimento,
que integrava um conjunto de princípios que vieram a ser explicitados por
IGNACY SACHS. De acordo com este autor, seriam seis os caminhos para o
desenvolvimento: satisfação das necessidades básicas; solidariedade com as
gerações futuras; participação da população envolvida; preservação dos recursos
naturais e do meio ambiente; elaboração de um sistema social que garantisse
emprego, segurança social e respeito por outras culturas; e programas de edu-
cação. Esta teoria referia-se principalmente às regiões subdesenvolvidas, con-
tendo uma crítica à sociedade industrial.
Foram precisamente os debates em torno do eco-desenvolvimento que
abriram espaço ao conceito de desenvolvimento sustentável, o qual recebeu con-
tributos quer da Declaração de COCOYOK das Nações Unidas — que afirmava
ser a pobreza a causa da explosão demográfica que, por sua vez, gerava também
a destruição desenfreada dos recursos naturais, contribuindo os países indus-
trializados para esse quadro através de altos índices de consumo que era neces-
sário refrear — quer do relatório conhecido como Relatório DAG-HAMMAR-
SKJÖLD , preparado pela fundação com o mesmo nome em 1975, com
colaboração de políticos e pesquisadores de 48 países.
Foi, contudo, apenas em 1987 que o conceito de desenvolvimento susten-
tável veio alcançar uma formulação mais consolidada, quando a Comissão
Mundial da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED),
presidida por GRO HARLEM BRUNDTLAND e MANSOUR KHALID, apresentou
um documento chamado Our Common Future, mais conhecido por relatório
BRUNDTLAND. Ao contrário dos documentos anteriores, este não formulou
críticas à sociedade industrial, tendo antes reclamado o crescimento tanto dos
países industrializados como dos subdesenvolvidos, ligando a superação da
pobreza nestes últimos ao crescimento contínuo dos primeiros. Foi, por isso,
bem aceite pela maioria dos países.
Foi ainda este relatório que, pela primeira vez, efectuou uma ligação estrita
entre desenvolvimento sustentável e solidariedade intergeracional, ao definir aquele
como o “que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade
de as gerações futuras atenderem ás suas próprias necessidades”.
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Planeamento urbanístico e sustentabilidade social 501

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-


mento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, confirmou o crescimento do
interesse mundial pelo futuro do planeta: muitos países deixaram de ignorar
as relações entre o desenvolvimento sócio-económico e as modificações no meio
ambiente (1).

2. As valências do princípio do desenvolvimento sustentável

Do princípio do desenvolvimento sustentável foram inicialmente desta-


cadas apenas as suas vertentes económica e ambiental: o realce era colocado no
impacto da actividade económica sobre meio ambiente com o objectivo de
encontrar o ponto de equilíbrio entre desenvolvimento económico e a conser-
vação dos recursos naturais (o eco-desenvolvimento).
Esta visão não corresponde, no entanto, nem à intenção inicial nem à
configuração actual deste princípio, que era (e é) mais ampla: o desenvolvimento
sustentável refere-se às consequências que as relações entre a economia e o
ambiente têm na qualidade de vida e no bem-estar da sociedade (presente e
futura), de onde resulta que, a par de uma vertente económica e de uma vertente
ambiental, este princípio assume igualmente uma importante e incontornável
dimensão (vertente) social, apresentando-se, assim, como o garante do justo
equilíbrio entre o progresso económico, a coesão social e a sustentabilidade ambiental.
Deste modo, as questões sociais passam a fazer parte das preocupações do
desenvolvimento sustentável, que se apresenta, assim, como ampliado e progres-
sivo: ampliado, porque realiza o “encontro político necessário entre a Agenda
estritamente ambiental e a Agenda social, ao enunciar a indissolubilidade entre os
factores sociais e os ambientais e a necessidade de que a degradação do meio ambiente
seja enfrentada juntamente com o problema da pobreza”; progressivo, porque se
preocupa com a redução da “degradação do meio ambiente, mas também, con-
comitantemente, (d)a pobreza e (d)as desigualdades” (2).

(1)
Para mais desenvolvimentos sobre a evolução do conceito de desenvolvimento
sustentável vide BURSZTYN, Marcel, Para Pensar o Desenvolvimento Sustentável, 2. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1994. Para uma perspectiva geral dos vários documentos europeus
relativos a esta problemática, cfr. GOMES, Rogério, Ambiente Urbano. Conceito e Estratégia,
Urbe, 2000, pp. 23 e ss.
(2)
Os conceitos de sustentabilidade ampliada e progressiva são da autoria de
CANEPA, Carla, “Cidades Sustentáveis”, in AA.VV. A Cidade e o seu Estatuto (Coord. Maria
Garcia), S. Paulo, Juarez de Oliveira, 2005, pp. 137-138.

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Ainda que existam múltiplos modelos destinados a explicitar o conteúdo


do princípio de que aqui nos ocupamos, apontando outras dimensões ou
valências que o integram, uma análise atenta dos mesmos permite concluir que
são as três vertentes referidas aquelas que caracterizam, no essencial, o princípio
do desenvolvimento sustentável (3).

3. Planeamento e sustentabilidade

O princípio da sustentabilidade tem vindo a assumir um relevo fun-


damental em vários domínios da actuação administrativa. É o que sucede
com o planeamento do território em geral e o planeamento urbanístico em
particular.
Com efeito, os instrumentos de planeamento devem ser perspectivados
como importantes instrumentos de sustentabilidade nas suas várias dimensões,
o que amplia visivelmente o quadro das funções que actualmente lhe são reco-
nhecidas.
Desde logo, a vertente económica deste princípio acentua a necessidade de
os planos territoriais se apresentarem como instrumentos de desenvolvimento
económico, plasmando territorialmente as estratégias e as opções de desenvol-
vimento económico-social (4).

(3)
Veja-se, a título de exemplo, o modelo da sustentabilidade conhecido de “pica-
bue model” que identifica quatro pilares fundamentais do desenvolvimento sustentável: o
pilar da posteridade (cuidados a ter com as gerações futuras), o pilar do ambiente (cuidados
a ter com a protecção do ecossistema), o pilar da equidade (cuidados a ter com os pobres
e desfavorecidos) e o pilar da participação (garantia da participação das populações nas
decisões que lhe digam directamente respeito). Sobre este modelo vide GOMES, José Barros,
“Participação Pública: Componente Preliminar na Concepção do Ambiente Humano
Construído”, in Urbanismo Preventivo, Colecção Fórum, Urbe, Actas das Conferências
realizadas em 16 e 17 de Junho de 2000, no âmbito do 2.º Fórum Internacional de Urba-
nismo, pp. 84-85.
Sobre os vários problemas e as valências de um desenvolvimento sustentável cfr.
PAULET, Jean Pierre, Le Développement Durable, Ellipses, Paris, 1998.
(4)
Existe também uma articulação entre as políticas territoriais plasmadas nos
instrumentos de planeamento territorial com a dinâmica de planeamento de âmbito
nacional e regional realizada no Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN)
2007/2013 e no PRODER 2007/2013, articulação esta que visa a integração entre polí-
ticas territoriais e as políticas de programação das intervenções financiadas pelos Fundos
Estruturais e de Coesão da União Europeia com vista a garantir uma maior sustentabilidade

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A dimensão ambiental, por sua vez, está presente no planeamento territo-


rial a vários títulos: quer porque o ambiente se apresenta como um interesse a
ponderar pelos planos, quer porque se mostra como um dos objectivos a pros-
seguir por eles quer, ainda, porque, em certos casos, se posiciona mesmo como
a sua finalidade específica (como sucede com a maioria dos planos especiais de
ordenamento do território) (5) A integração no procedimento de elaboração
dos instrumentos de planeamento territorial da avaliação ambiental estratégica
corresponde a uma das concretizações da dimensão ambiental da sustentabi-
lidade (6).

da trajectória de desenvolvimento pretendida e uma maior eficiência e eficácia das medi-


das de acção.
De uma perspectiva mais ambiental deste princípio, a vertente económica significa a
plena internalização dos custos sociais e ambientais e, quando não seja possível, a equidade
na redistribuição desses custos.
(5)
O planeamento territorial, mesmo quando não direccionado imediatamente à
protecção do ambiente, emerge como instituto fundamental de direito do ambiente,
apresentando-se como um instrumento activo de controlo e transformação ambiental.
O plano contribui, efectivamente, para desenvolver novos conhecimentos e métodos ope-
rativos com vista à resolução de problemas de gestão ambiental, passando estes a assumir
centralidade no planeamento do território.
Existe, pois, actualmente, um planeamento animado por motivações de harmonização
a longo prazo entre o homem e a natureza, tendo os valores ambientais e o seu grau de
esgotabilidade sido integrados na análise dos custos e benefícios do processo de tomada de
decisão sobre o território.
Para uma ligação entre planeamento territorial e protecção do ambiente vide LEITÃO,
Maria Adelaide Teles de Menezes Correia, “O Planeamento Administrativo e a Tutela do
Ambiente”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 56, Janeiro de 1996.
(6)
Sobre a avaliação ambiental estratégica vide, por todos, CORREIA, Fernando Alves,
Manual de Direito do Urbanismo, 4.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 414 e ss., e
D’ALTE, Tiago Souza e RAIMUNDO, Miguel Assis, “O Regime da Avaliação Ambiental de
Planos e Programas e a sua Integração no Edifício da Avaliação Ambiental,” in Revista
Jurídica do Urbanismo e do Ambiental, N.os 29/30, 2008, pp. 125 e ss.
Para Eva Desdentado Daroca a submissão dos planos a avaliação ambiental estratégica,
exigência inspirada em concepções de um urbanismo sustentável, integra a variável ambien-
tal no procedimento de planeamento, proporcionando novos parâmetros para o controlo
da discricionariedade. Para a Autora o instrumento da avaliação ambiental estratégica incide
claramente sobre o núcleo da discricionariedade, pois implica um exame e uma avaliação
das diferentes alternativas existentes à luz dos seus efeitos sobre o meio ambiente e também
a justificação do modelo territorial definido de uma perspectiva ambiental. Surge, assim,
uma especial obrigação de motivação ambiental do plano. Cfr. DESDENTADO DAROCA, Eva

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Ultimamente é à dimensão social da sustentabilidade que a doutrina do


planeamento tem dado particular atenção (7), em face do crescimento acen-
tuado de fenómenos de segregação espacial urbana, uma das formas de segrega-
ção e exclusão sociais (8). A segregação espacial surge, efectivamente, como a
marca territorial da exclusão e da injustiça social, que pode, na sua vertente
mais radical, dar origem à constituição de guetos, os quais se apresentam como
fontes de instabilidade social, marginalidade, violência e delinquência, agrava-
dos quando associados a fenómenos de imigração e de segregação por classe
ou por etnia (9). A crescente segregação espacial urbana surge num contexto
de maior desigualdade social, tornando premente a procura de instrumentos
que a permitam combater (10).

“Ultimas Tendencias en la Reducción y Control de la Discrecionalidad del Planeamiento


Urbanístico”, in AA.VV. El Derecho Urbanístico del Siglo XXI, Madrid, Editorial Reus,
2008, pp. 209 e ss.
(7)
Vide, em especial, PONCE SOLÉ, Juli, Poder Local y Guetos Urbanos, Las Rela-
ciones entre el Derecho Urbanístico, la Segregación Espacial e la Sustentabilidad Social, Madrid,
MAP/INAP, 2002, p. 219.
(8)
Sobre a segregação urbana como uma das formas de exclusão social cfr. CLAVEL,
Gilbert, A Sociedade da Exclusão. Compreendê-la para sair dela, Porto, Porto Editora (trad.),
2004, pp. 53 e ss. e, ainda, o N.º 30 da Revista Sociedade e Território (2000), dedicado ao
tema “marginalidades e exclusão”.
(9)
Os guetos correspondem ao fenómeno urbano que consiste numa concentração
de populações desfavorecidas em territórios circunscritos caracterizados por uma degradação
física e social, ao contrário de outros espaços urbanos ricos ou menos estigmatizados.
Surge, porém, na actualidade, uma outra forma de segregação social, ditada muitas
vezes por razões de segurança, que se traduz na formação gated communities ou “condomínios
fechados”, que para alguns correspondem a verdadeiros “guetos dos ricos” por contradição
aos tradicionais guetos (dos pobres). Sobre esta nova realidade sociológica cfr. Billard,
Gérald; Chevalier, Jacques; Madoré, François, Ville Fermée, Ville Surveillée, La Sécurisa-
tion des Espaces Résidentiels en France et en Amérique du Nord, Presses Universitaires des
Rennes, 2005.
(10)
Note-se que se é perfeitamente compreensível que as pessoas se agrupem em
função da sua afinidade comunitária (nacionalidade, costumes, línguas, etc.) — não devendo
haver lugar, aqui, a qualquer intervenção estadual —, não é menos certo que a concentra-
ção urbana da população em dificuldades não tende a ser o resultado de uma livre escolha,
mas, pelo contrário, o resultado de uma discriminação directa ou de facto por motivos
económicos e/ou étnicos. Tal como o Conselho da Europa tem vindo a recomendar,
"a dispersão ou separação forçada de imigrantes e minorias étnicas e nacionais é inaceitável",
tornando necessário que os Estados garantam "que a habitação e as políticas de planeamento
e de urbanização tentem dar aos imigrantes e minorias étnicas a liberdade de escolha que tem

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É a este propósito que se afirma a necessidade de o planeamento territo-


rial em geral e o planeamento das cidades em particular se apresentarem como
procedimentos de combate à segregação espacial urbana (11).

4. Da vertente social da sustentabilidade no planeamento do território

4.1. Considerações gerais

A vertente social da sustentabilidade obriga a integrar no planeamento do


território um conjunto de novas preocupações tendentes a fomentar o desen-
volvimento social e a evitar fenómenos de segregação espacial de uma sociedade
diversificada do ponto de vista social e étnico, determinando a necessidade de
integrar nos planos territoriais políticas sociais e culturais, políticas de combate
à pobreza e de apoio a sectores da população mais vulneráveis, políticas de
segurança urbana, políticas de habitação e de oferta de serviços públicos e
políticas de transportes públicos e de promoção de acessibilidades e mobili-
dade urbana. O que transforma o planeamento territorial num planeamento
integrado (12).

o resto da população, incluindo oportunidades de viver fora das áreas tradicionalmente povoadas
por grupos minoritários" (Conselho da Europa, 2000, p. 15).
Ora, a falta de liberdade de residência e a existência de discriminação e desigualdade
requer uma intervenção pública que permita corrigir as falhas de mercado. Intervenção
exigida pela própria Constituição, não sendo assim o resultado de uma opção política, mas
de uma exigência decorrente de vários direitos e princípios de ordem constitucional.
(11)
Assim o defende PONCE SOLÉ, Juli, Poder Local y Guetos Urbanos, cit., p. 37.
(12)
Sobre cada uma das preocupações referidas no texto, como relevantes na defi-
nição de um modelo de desenvolvimento social sustentável das cidades, vide BAILLY, Antoine;
BRUN, Philippe; LAWRENCE, Roderick e REY, Marie-Claire, Développent Social Durable des
Villes. Principe et Pratiques, Paris, Anthropos, 2000. De acordo com estes Autores, a fim
de aproximar as diferentes perspectivas temáticas, propõe-se um novo modelo de política
integrada que se baseia em cinco grandes princípios: 1) o princípio económico do reforço do
potencial endógeno: revitalizar, reforçar, inovar, manter; 2) o princípio social da diversidade e
equidade social: redistribuição social, redistribuição territorial, diversidade cultural; 3) o prin-
cípio ecológico da preservação do ecossistema: princípio da precaução, equilíbrio dos ecossis-
temas; 4) o princípio geográfico da equidade territorial: governança à escala das metrópoles,
integração urbana, redução das disparidades espaciais, luta contra a fragmentação e a exclu-
são; 5) e o princípio político da autonomia territorial: governança respeitadora da democra-
cia, decisões de baixo para cima, subsidiariedade, cooperação, parcerias.
Ora, segundo os referidos autores, para promover um desenvolvimento sustentável

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Para uma parte da doutrina, porém, o paradigma tradicional de planeamento


urbanístico não tem a capacidade para fornecer os meios adequados para o
combate à segregação urbana e para dar resposta àquelas exigências, afirmando
mesmo que esse paradigma tem inclusive potenciado fenómenos espacialmente
segregativos (13).
Referimo-nos a um paradigma que tem como marcas características
(1) a atenção quase exclusiva à protecção do direito de propriedade (esquecendo
a sua vertente de integração ou reintegração social e outros direitos constitu-
cionais distintos dos da propriedade, não menos importantes para amplas
camadas de cidadãos); (2) a visão do direito à habitação de uma perspectiva
predominantemente economicista (olhando para a produção de habitações
como um sector da actividade económica, em detrimento de uma perspectiva
social e do seu carácter de direito fundamental); e (3) a dissociação das questões
da habitação relativamente às do planeamento urbanístico (ausência de inte-
gração de programas de habitação, em especial da destinada a classes despro-
tegidas).
As exigências decorrentes da vertente social do princípio da sustentabili-
dade impõem uma superação deste paradigma de planeamento territorial,
obrigando-o a transformar-se num planeamento social e democrático capaz de
fornecer um contributo importante para a paz social e para a melhoria da qua-
lidade de vida dos cidadãos.
Assim, ainda que o planeamento territorial não seja o campo, por exce-
lência, de resolução das questões de cariz social, o mesmo deve, contudo,
servir, nem que seja em pequena medida, para, através da regulação do uso do
solo e do fenómeno da urbanização, garantir uma sociedade coesa, integrada
e socialmente sustentável.
Com este novo tipo de planeamento, a regulação do uso do solo deixa de
corresponder a uma mera delimitação e conformação do direito de propriedade,

das cidades é necessário ligar as dimensões espaciais e sociais do planeamento. Ob. cit.,
pp. 152-153.
Para mais desenvolvimentos sobre esta problemática cfr. Conseil d’Analyse Écono-
mique, (Rapport de FITOUSSI, Jean-Paul; LAURENT, Éloi, JOËL, Maurice) Ségrégation Urbaine
et Intégration Sociale, La Documentation Française, Paris, 2004; TOURETTE, Florence,
Développement Social Urbain e Politique da la Ville, Paris, Gualiano Edicteur, 2005 e
MORAND-DEVILLER, Jacqueline, “La Ville Durable”, in Mélanges en L’Honneur de Henri
Jacquot, cit., pp. 417 e ss.
(13)
Cfr. PONCE SOLÉ, Juli, Poder Local y Guetos Urbanos, cit.

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para se apresentar ainda como uma actividade possibilitadora da correcta pres-


tação de serviços públicos aos diversos estratos da população e do respeito
efectivo por direitos constitucionais (como o da habitação), cuja adequada
localização territorial tem suma importância.
Com a integração de preocupações de ordem social no planeamento do
território acentuam-se as ideias fundamentais de equidade ou de justiça social
e, consequentemente, de distribuição justa dos custos e benefícios gerados pela
cidade.

4.2. A sustentabilidade social nos planos

a) Ponderação dos interesses sociais, em especial dos mais desfavo-


recidos

A existência de um planeamento sustentado do ponto de vista social é


garantido, em primeiro lugar, pela necessidade de se dar cumprimento ao
princípio da ponderação de interesses, o qual obriga a que o plano, no que aqui
importa, tome em consideração, desde logo, quer do ponto de vista quantitativo
quer qualitativo, os interesses (as necessidades) habitacionais da população, em
especial daquela que é socialmente mais desfavorecida, integrando na sua regu-
lamentação standards relativos a estas necessidades (14).
As opções planificadoras — que se apresentam como o resultado desta
ponderação — podem (e devem, mesmo), a este propósito, criar soluções de
discriminação positiva a favor dos grupos desfavorecidos (em razão dos seus
estados económicos e do nível de qualidade de vida de que desfrutam), apre-
sentando-se, assim, como opções social e ambientalmente justas.
Com o mesmo objectivo, deve o plano evitar soluções territoriais que
onerem apenas grupos sociais minoritários ou desfavorecidos. Assim, por
exemplo, a localização de actividades indesejadas (localy unwanted land uses),
em regra com cargas ambientais e territoriais negativas (ou a relocalização das

(14)
Para além do princípio da ponderação de interesses, a dimensão social da
sustentabilidade tem ainda fundamento jurídico nas normas da Constituição que consagram
o princípio da igualdade e as que impõem ao Estado a promoção das condições favoráveis para
o progresso social e económico e a protecção e melhoria da qualidade de vida, as quais exigem,
por sua vez, solidariedade entre as diversas partes do território nacional. Tal fundamento
pode também ser encontrado nas normas constitucionais que reconhecem o direito à habi-
tação como direito fundamental de carácter social.

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já existentes), deve ser feita de forma a evitar uma proximidade sistemática a


grupos sociais mais frágeis (do ponto de vista étnico, económico, cultural) que,
para além do mais, não têm a mesma capacidade que a restante população,
quer para desencadear uma reação adequada quer, em último termo, para mudar
de local de residência, de trabalho ou de lazer.
Os instrumentos de planeamento territorial devem, ainda, promover o
desenvolvimento de políticas urbanas vocacionadas para a criação e desenvol-
vimento de emprego em bairros em dificuldade, para a sua abertura ao resto
da cidade, para o favorecimento de uma maior mistura social e funcional nes-
ses bairros, bem como de políticas promotoras de maior mobilidade residencial
e de segurança urbana dos seus habitantes (15).
Refira-se que a exigência de tomada em consideração na ponderação das
necessidades habitacionais e sociais da população, em especial da mais desfavo-
recida, se assume como um verdadeiro dever jurídico de meios, que tornará
ilegal qualquer omissão por parte do planeador na introdução destes interesses
no procedimento de decisão quanto à ocupação do solo. A consideração dos
mesmos deve resultar clara nas peças documentais do plano, designadamente
do seu Relatório, onde deve estar vertida a fundamentação social das principais
opções deste.
Mas, não são apenas as necessidades habitacionais que devem ser tidas em
consideração no processo de planeamento territorial. Se se pretender que este
se apresente como socialmente sustentável, é necessário, ainda, que ele tenha
em consideração outras necessidades da população, como a existência, apenas
a título de exemplo, de áreas destinadas à instalação de locais de culto que
traduzam a pluralidade religiosa existente no território. Este aspecto é relevante
na medida em que a insuficiência dos espaços destinados a lugares de culto
pode funcionar como um factor de agravamento dos problemas de segregação
urbana, dado o papel de foco na vida social — não só o religioso — que alguns
destes centros religiosos podem assumir, reunindo os membros da Comuni-
dade (16). A correcta consideração das necessidades de locais de culto e de
equipamentos religiosos nos instrumentos de planeamento pode perspectivar-se,
deste modo, também, como um instrumento de coesão social. Existem inclu-

(15)
Cfr. HUET, Michel, Le Droit de L’Urbain. De l’Urbanisme à L’Urbanité, Paris,
Económica, 1998, pp. 33 e ss.
(16)
Um exemplo é a necessidade de satisfazer a exigência de criação de mesquitas
perto da residência e do emprego da população muçulmana.

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sive, actualmente, directivas de planeamento neste domínio: é o caso das exi-


gências constantes da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé
de que os instrumentos de planeamento do território afectem espaços para fins
religiosos, e o artigo 28.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2001, de 22 de Julho (Lei da
Liberdade Religiosa) de que os planos municipais e demais instrumentos de
gestão territorial prevejam a afectação de espaços a fins religiosos (17).

b) A “mescla” como garante da coesão

α) Outra forma de garantir um planeamento socialmente sustentado é


através da promoção ou mesmo da imposição, através do plano, da coexistên-
cia, na mesma zona, de usos urbanísticos variados (residencial, industrial, comer-
cial) e/ou de tipologias de habitação destinadas a estratos sociais diferentes (mais
favorecidos e menos favorecidos), com o que se potencia a convivência, num
espaço comum, de pessoas pertencentes a classes sociais ou grupos culturais
distintos, promovendo uma maior riqueza do tecido social e o fortalecimento
da respectiva coesão (18).

(17)
As directivas de planeamento são normas de conduta dirigidas à Administração
na sua actividade planeadora e que devem ser tomadas em consideração como linhas gerais
de orientação nesta tarefa administrativa.
A doutrina distingue as directivas internas — aquelas que se encontram nas respecti-
vas leis de planificação e, em particular, nos normativos que se referem a cada tipo especí-
fico de plano — das directivas externas — as que constam de outros preceitos legais gené-
ricos não necessariamente dirigidos ao planeamento, mas que não deixam, por isso, de
impor importantes limites à discricionariedade planificadora. É o caso, para além das
directivas constantes da legislação relativa à liberdade religiosas já referidas, e apenas a título
de exemplo, das exigências constantes da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto
— que contempla a necessidade de previsão nos instrumentos de planeamento, de
infra-estruturas de utilização colectiva para a prática desportiva (artigo 8.º, n.º 2, do
Decreto-Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro) — e das exigências constantes do Regulamento
Geral do Ruído — que impõe que os planos municipais promovam uma distribuição
adequada dos usos no território, tendo em consideração as fontes de ruído existentes e
previstas (artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei
n.º 278/2007, de 1 de Agosto).
(18)
A exigência de que os instrumentos de planeamento territorial promovam a
mistura de tipologias de habitação destinadas a estratos sociais diferentes pode ser feita pelo
próprio legislador, que tem a possibilidade de estabelecer ora uma habilitação genérica ora,
mesmo, uma obrigação de que estes instrumentos prevejam reservas de solos para a cons-
trução de habitação destinada à população mais desfavorecida (ainda que exigindo a sua

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Uma das técnicas adoptadas no ordenamento jurídico norte-americano


para alcançar este objectivo — da mistura de classes sociais numa mesma cidade,
com vista ao reforço da coesão social —, foi a do zonamento de inclusão (inclu-
sionary zoning), que visava garantir a inserção de camadas da população desfa-

mistura com a habitação da restante população), assumindo a coesão social como um dos
objectivos a ser atingidos pelo planeamento do território. Esta possibilidade é particular-
mente acentuada no nosso ordenamento por a Constituição considerar o direito do urba-
nismo (e, logo, também os seus instrumentos) como uma garantia do direito fundamental
à habitação, determinando a alínea a) do n.º 2 do artigo 65.º que incumbe ao Estado
“programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do
território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada
de transportes e equipamento social”. A revisão constitucional de 1997, ao consagrar no
mesmo título os temas da habitação e do urbanismo, estreitou ainda mais a associação entre
ambos, motivo pelo qual a doutrina vem concluindo que o direito do urbanismo tem um
papel fundamental como garantia do direito à habitação. Cfr. CORREIA, Fernando Alves,
Manual de Direito do Urbanismo, cit., pp. 100-102.
Em Espanha existem vários exemplos de leis autonómicas que ora habilitam expli-
citamente os entes locais a reservar terrenos para a construção habitação submetida a
algum regime de protecção pública — ainda que sem impor qualquer obrigação, ficando
essa possibilidade na inteira discricionariedade da Administração — ora impõem aquela
reserva, havendo, neste último caso, duas alternativas expressamente admitidas: aquela
em que a lei estabelece a referida obrigação de reserva sem concretizar percentagens (o
que abre a discricionariedade administrativa para as fixar em função das necessidades de
habitação locais e das circunstâncias fácticas que condicionem o ordenamento urbanístico)
e aquela em que tais percentagens constam expressamente da lei. Para maiores desenvol-
vimentos, vide PONCE SOLÉ, Juli, Poder Local y Guetos Urbanos, cit., p. 160 e ss. e LÓPEZ
RAMÓN, Fernando, “Ordenación Urbanística Sustantiva”, in El Derecho Administrativo
En El Umbral Del Siglo XXI: Homenaje al Profesor Dr. D. Ramón Martín Mateo, Valencia,
Tirant lo Blanch, 2000, Tomo I, p. 412 e RAMÓN FERNÁNDEZ, Tomás, Manual de Dere-
cho Urbanístico, Madrid, El Consultor de los Ayuntamientos (La Ley), 21.º Edição, 2008,
p. 52.
Quando se questiona a legitimidade de o legislador impor standards deste tipo aos
instrumentos de planeamento, terá de se afirmar que sendo a diversidade uma das condições
indispensáveis para garantir maior coesão social, e estando a mesma relacionada com direi-
tos de expressão constitucional, ela não pode, nem deve, ficar na mão da absoluta discri-
cionariedade do planificador, o que justifica uma intervenção mais acentuada do legislador
que permitirá, da mesma forma, uma maior intervenção de controlo por parte dos tribunais.
Deve assim afastar-se uma argumentação que foi utilizada pelos tribunais espanhóis contra
a regulamentação destes aspectos pelos instrumentos de planeamento do território, segundo
a qual os planos não podiam reservar terrenos para estes fins porque tal não fazia parte dos
seus objectivos.

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Planeamento urbanístico e sustentabilidade social 511

vorecida em determinadas áreas urbanas, através da imposição à iniciativa


privada de disponibilização de habitações a preços acessíveis ou de inclusão de
uma percentagem mínima de unidades de habitação destinada a famílias de
rendimentos baixos, em alguns casos fazendo-as acompanhar de ajudas federais.
A técnica da inclusionary zoning pretendeu ser a superação de outras que,
a coberto de regularem a ocupação dos solos, funcionaram como autênticas
práticas de segregação urbana e de exclusão de minorias raciais pobres: covenants;
redlining; fixação de parcelas mínimas edificáveis; limitação do número de
habitações a construir; construção de casas mono-familiares isoladas com recusa
de construção de habitações plurifamiliares; ausência de áreas reservadas para
habitação social ou de rendas baixas; e exclusionary zoning.
À utilização destas técnicas acrescia, em favor da manutenção de tal situ-
ação, um controlo judicial pouco incisivo dos instrumentos de planeamento
municipal onde aquelas se encontravam integradas, consequência do entendi-
mento de que a capacidade de estabelecimento das mesmas em planos muni-
cipais era o resultado do reconhecimento aos representantes democráticos
escolhidos pelos cidadãos de um amplo campo de discricionariedade [uma
ampla margem de apreciação (judicial deference)].
A semente para a alteração deste estado de coisas no ordenamento jurídico
americano encontrou-se no poder judicial. Primeiro através da sentença Mont
Laurel I do Tribunal Supremo de New Jersey (1975) — que determinou, com
fundamento nos princípios da igualdade e da não discriminação, que os instru-
mentos de planeamento municipais estavam obrigados a prever a construção de
habitações de renda baixa, pelo menos na proporção da quota municipal das
necessidades regionais presentes e futuras, e a garantir uma relação razoável entre
o solo destinado a usos industriais e comerciais e o destinado a uso residencial,
de modo a garantir a mão-de-obra necessária para fazer funcionar indústrias e
comércio no município — e, em segundo lugar, dada a ausência de consequên-
cias práticas da primeira, a sentença Mont Laurel II (1983), cujas principais teses
vieram, posteriormente, a ser consagradas legalmente (o caso da Lei Fair Housing
Act de 1985 e de outras leis correspondentes adoptadas em alguns Estados).
Actualmente muitas das previsões de planeamento municipal incluem já medi-
das deste tipo, promotoras de inclusão social e de sustentabilidade urbana.
Em França a reacção contra a segregação urbana provocada pelos instru-
mentos urbanísticos (potenciada pela utilização constante por estes de um
zonamento monofuncional), veio por via legislativa, desde logo, pela Lei de
Orientação da Cidade de 1991, fortemente influenciada pelo direito norte-ame-
ricano e que introduziu a diversidade como forma de lutar contra a segregação
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512 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho

espacial e a exclusão social: diversidade e coexistência de usos urbanísticos


variados (residencial, industrial, comercial); diversidade de tipologia de habi-
tações na mesma área; diversidade de grupos sociais no mesmo espaço geográ-
fico. Acresce a introdução, pela legislação urbanística, de um conjunto de
obrigações jurídicas aos municípios relacionadas com Programas Locais de
Habitação (PLH), limitando, assim, a sua discricionariedade neste domínio.
Nesta mesma linha — de garantia da diversidade de usos urbanísticos e de
aprofundamento de medidas anti-segregacionistas — foram alterados diversos
preceitos do Código do Urbanismo francês e aprovada a Lei de Solidariedade
e de Renovação Urbana de 2000, que foi, em matéria de combate à segregação
espacial, um passo em frente relativamente à lei de 1991 (19).
Igualmente em Espanha, no mesmo sentido aqui referido, cite-se a Lei de
Castilla y Lyon 5/1999, de 8 de Abril — em cujo preâmbulo se realça que o
uso do solo se deve fazer conforme ao interesse geral da melhoria da qualidade
de vida e da coesão social da população, para o que o planeamento há-de
contribuir através do favorecimento da mistura equilibrada de usos — e a Lei
catalã 2/2002, de 14 de Março — que visa, entre outras coisas, a promoção
de uma utilização racional do território com vista a alcançar um desenvolvi-
mento sustentável do mesmo do ponto de vista económico, do respeito pelo
meio ambiente e da qualidade de vida das gerações presentes e futuras e, ainda,
da garantia da coesão social que o mercado nem sempre garante (20).

(19)
Com o objetivo de alcançar a mistura de usos (e, consequentemente, de classes
sociais), o artigo L-302 do Côde de L’Urbanisme Francês (alterado pela “Loi sur solidrarité et
le renouvellement urbains”) veio requer que certas cidades francesas (dependendo da sua
população e das características das aglomerações) deveriam ter, dentro de 20 anos, uma oferta
adequada de habitação social numa percentagem de 20% do total das residências. Para tal,
o sistema jurídico francês projectou uma série de figuras (por exemplo, a aprovação de planos
específicos de habitação para avaliar necessidades de habitação social), estabelecendo, ainda,
formas de controlo dos municípios para aferir se estas obrigações estavam a ser cumpridas.
Numa decisão 7 de Dezembro de 2000, o Conseil Constitutionnel sustentou a cons-
titucionalidade do objectivo da mistura social definida pela Lei da Solidariedade e do dis-
positivo que permite o estabelecimento de quotas obrigatórias de habitação social.
Para uma análise desta questão no direito francês cfr. QUILICHINI, P., Logement social
et décentralisation, LGDJ, París, 2001.
(20)
O autor espanhol que mais se tem dedicado a esta problemática é PONCE SOLÉ.
Realçam-se aqui as seguintes obras deste autor: Derecho urbanístico, vivienda y cohesión social
y territorial, (coord.), Marcial Pons, Madrid, 2006; Land Use Law, Housing and Social and
Territorial Cohesión, RMLUI, University of Denver, 2006; “Sociedades pluriculturales y

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Planeamento urbanístico e sustentabilidade social 513

De referir que a Lei dos Solos espanhola integra actualmente, de forma


expressa, no seu artigo 2.º, o princípio do desenvolvimento urbano e territorial
sustentável (21).

β) As exigências acabadas de referir encontram hoje eco num princípio


estruturante do planeamento urbanístico: o princípio da mistura de usos com-

Administraciones Locales: inmigración, diversidad y convivencia en las ciudades. Reflexio-


nes jurídicas”, Cuadernos de Derecho Local, núm. 11, 2006; "Una reflexión desde el derecho
urbanístico sobre las modernas sociedades pluriculturales y pluriconfesionales", Revista de
Derecho Urbanístico y Medio Ambiente, núm. 215, enero-febrero 2005; “Solidaridad, cohe-
sión social y Derecho público: a propósito de las reservas legales de vivienda protegida como
instrumento de desarrollo urbanístico sostenible”, en AA.VV. Diversidad y convivencia en
las ciudades, Fundació Carles Pi i Sunyer-CEMCI-UIM, Barcelona, 2004; Poder Local y
Guetos Urbanos cit.; Deber de buena administración y derecho al procedimiento administrativo
debido. Las bases constitucionales del ejercicio de la discrecionalidad y del procedimiento admi-
nistrativo, Lex Nova, Valladolid, 2001.
(21)
Determina este normativo que: “1. Las políticas públicas relativas a la regulación,
ordenación, ocupación, transformación y uso del suelo tienen como fin común la utilización de
este recurso conforme al interés general y según el principio de desarrollo sostenible, sin perjuicio
de los fines específicos que les atribuyan las Leyes. 2. En virtud del principio de desarrollo
sostenible, las políticas a que se refiere el apartado anterior deben propiciar el uso racional de
los recursos naturales armonizando los requerimientos de la economía, el empleo, la cohesión
social, la igualdad de trato y de oportunidades entre mujeres y hombres, la salud y la seguridad
de las personas y la protección del medio ambiente, contribuyendo a la prevención y reducción
de la contaminación, y procurando en particular: a) La eficacia de las medidas de conservación
y mejora de la naturaleza, la flora y la fauna y de la protección del patrimonio cultural y del
paisaje. b) La protección, adecuada a su carácter, del medio rural y la preservación de los
valores del suelo innecesario o inidóneo para atender las necesidades de transformación urbanís-
tica. c) Un medio urbano en el que la ocupación del suelo sea eficiente, que esté suficientemente
dotado por las infraestructuras y los servicios que le son propios y en el que los usos se combinen
de forma funcional y se implanten efectivamente, cuando cumplan una función social. La
persecución de estos fines se adaptará a las peculiaridades que resulten del modelo territorial
adoptado en cada caso por los poderes públicos competentes en materia de ordenación territorial
y urbanística. 3. Los poderes públicos promoverán las condiciones para que los derechos y debe-
res de los ciudadanos establecidos en los artículos siguientes sean reales y efectivos, adoptando las
medidas de ordenación territorial y urbanística que procedan para asegurar un resultado equi-
librado, favoreciendo o conteniendo, según proceda, los procesos de ocupación y transformación
del suelo. El suelo vinculado a un uso residencial por la ordenación territorial y urbanística
está al servicio de la efectividad del derecho a disfrutar de una vivienda digna y adecuada, en
los términos que disponga la legislación en la materia.”

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patíveis (ou de proximidade simbiótica (22)), que se apresenta como a formula-


ção positiva de um outro, de sentido oposto: o da separação de usos incompa-
tíveis.
Visa este princípio contrariar o planeamento tradicional baseado num
zonamento racionalista e monofuncional (23), cuja consequência foi a de
promover cidades difusas, com segregação crescente de funções e estratos
sociais, aumento do consumo de recursos naturais, maior utilização de veí-
culos automóveis privados e ineficácia económica pelos elevados custos
energéticos, de construção e de manutenção de infra-estruturas e ainda de
prestação de serviços. E embora o zonamento continue a ser, ainda hoje, a
técnica fundamental subjacente ao planeamento territorial, a mesma assume
actualmente distintas configurações, mais propícias à referida mistura (24).
Neste sentido aponta a actual legislação urbanística, de acordo com a qual
a classificação e a qualificação dos solos levadas a cabo pelos planos muni-
cipais procedem à identificação dos usos dominantes a concretizar em cada
área territorial, de onde decorre a admissibilidade, na mesma, de outros usos
(não dominantes), que tanto podem ser complementares daquele como com-
patíveis com ele.
A tendência da teoria do planeamento que ainda hoje recorre ao zona-
mento do espaço é, pois, a de configurar esta técnica de forma a superar as
críticas que lhe foram apontadas tradicionalmente: o seu monofuncionalismo
(por isso se fala hoje de zonamento plurifuncional) e o seu carácter demasiado
rígido (por isso se ensaiam novas formas de zonamento mais flexíveis, como o
mixed-use zoning — que substitui o conceito de uso dominante pela recomen-

(22)
Esta segunda designação é a que lhe advém do domínio do direito do ambiente.
(23)
Trata-se de uma técnica característica de um planeamento urbanístico funcio-
nalista, que assenta na decomposição funcional do território, isto é, na identificação pelo
plano de zonas, cada uma delas destinada a uma função urbana distinta. O zonamento
assim entendido correspondia a um esforço de dar ordem às actividades humanas, colocando
cada uma no local que lhe fosse mais conveniente do ponto de vista da sua utilização e
funcionamento. Em nome desta concepção, consumou-se a dissociação funcional da cidade
tendo-se determinado a localização necessariamente pré-determinada e classificada de cada
uma das utilizações possíveis dos solos. Os postulados do funcionalismo, contidos na Carta
de Atenas e difundida sobretudo após a 2.ª guerra mundial e técnica do zonamento que
lhe está associada, são actualmente alvo de várias críticas.
(24)
Cfr. CARVALHO, Jorge, Ordenar a Cidade, Ordenar a Cidade, Coimbra, Quar-
teto, 2003, pp. 307 e ss.

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dação de usos indesejáveis, compatíveis e preferenciais — e o incentive zoning —


que identifica os usos desejáveis) (25).
Só desta forma se conseguirá alcançar um modelo de cidade compacta,
com mistura de usos e tipologias, bem como com habitação de densidade
elevada, fugindo à progressiva sub-urbanização.

γ) Ainda a propósito das questões habitacionais, há que referir que é o


plano director municipal aquele que se apresenta, de entre os vários instrumen-
tos de gestão territorial, como o mais adequado para as tratar. Com efeito, nos
termos do n.º 1 do artigo 84.º, o plano director municipal estabelece a estra-
tégia de desenvolvimento territorial e ainda, para além da política municipal
de ordenamento do território e de urbanismo, as demais políticas urbanas, de
entre as quais se realça, precisamente, a política habitacional.
Por sua vez, faz parte do conteúdo material deste plano o estabelecimento
dos objectivos de desenvolvimento estratégico a prosseguir e os critérios de
sustentabilidade a adoptar (sendo a política da habitação uma das mais rele-
vantes para a sua concretização) — alínea d) do artigo 85.º — bem como, a
definição de programas na área habitacional [alínea i) do mesmo normativo].
Tal não significa que os instrumentos de planeamento de ordem superior
não possam também (ou não devam), fornecer directrizes e orientações nestas
matérias. Pelo contrário, desde que a definição destas directrizes e estratégias
se prendam com a salvaguarda de interesses de ordem supra-local, e desde que
tal não implique uma intervenção ilegítima na esfera de decisão própria dos
municípios, ela apresenta-se como fundamental para a concretização de mode-
los de desenvolvimento económico social tão indispensáveis à necessária coesão
social.
Exemplo de uma intervenção supra-local nestes domínios é a que é feita
pelo Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo, aprovado pela
Resolução do Conselho de Ministros n.os 53/2010, de 2 de Agosto que, preci-
samente com o intuito de reforçar a vertente social a que nos vimos referindo,
integra nas suas normas orientadoras e de natureza operacional referentes ao
planeamento urbano, urbanização e edificação, a obrigatoriedade de definição
pelos planos directores municipais da sua área de abrangência de uma política

(25)
Sobre os vários recortes que a técnica de zonamento pode assumir e, em espe-
cial, as formas de a tornar mais flexível e aberta a negociação, CARVALHO, Jorge, ob. cit.,
p. 309-310.

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municipal de habitação ou de programas locais de habitação enquanto instru-


mentos estratégicos para a definição de intervenções na área habitacional, em
articulação com outras políticas de desenvolvimento social e económico.
Obriga, pois, este plano, a integrar nos instrumentos de planeamento
municipal questões de ordem habitacional. Por isso determina:

“145 — (…)

b) De forma a atenuar progressivamente carências habitacionais a nível


municipal, a administração local poderá definir a afectação de
quotas de habitação a custos controlados nas novas urbanizações a
garantir pelos promotores privados. Um Programa Local de Habi-
tação ou a regulamentação dos PMOTs podem ser instrumentos de
previsão de quotas mínimas de habitação acessível a estratos sociais
com menores recursos; atendendo às diferentes realidades territoriais;
c) Dados os valores patrimoniais em presença, deve fomentar-se a rea-
bilitação do parque edificado existente, estabelecendo medidas de
descriminação positiva para a reabilitação dos tecidos habitacionais
existentes, promovendo acções de regeneração urbana e dando prio-
ridade e requalificação dos espaços públicos em áreas consolidadas,
em prole de um reforço da qualidade residencial;
d) facilitar o acesso das famílias jovens a alojamentos a preços razoáveis
(aquisição ou auto-construção de habitação a custos controlados.”

Tudo exigências de um planeamento urbanístico socialmente sustentável.

c) A política da reabilitação urbana como instrumento de coesão

A procura de coesão social e a luta contra a segregação espacial por inter-


médio de instrumentos especificamente urbanísticos, como são os instrumen-
tos de planeamento do território, adquire ainda particular importância nas
questões relacionadas com a reabilitação urbana (26) — em particular a reabili-

(26)
Para Eva Desdentado Daroca a conservação, reabilitação e renovação da cidade
decorrem das exigências do princípio da contenção urbana que se apresenta como uma
exigência do princípio da sustentabilidade. Cfr. DESDENTADA DAROCA, Eva, “Ultimas
Tendencias en la Reducción Y Control de la Discrecionalidad del Planeamiento Urbanístico”,
cit., p. 208-209

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tação de espaços já construídos e submetidos a processos de degradação, como


acontece com áreas urbanas centrais ou de habitação social (bairros exclusiva-
mente sociais concretizados há décadas). Tal reabilitação visa tornar atractivos
aqueles espaços urbanos em vias de degradação, permitindo a sua integração no
tecido urbano, indo, por isso, mais além do que a pura lógica da reabilitação
interna: demolindo, reconstruindo, reduzindo densidades, variando tipologias,
buscando a mistura de usos, cuidando os espaços públicos, ligando estas áreas
com os centros mediante vias adequadas e suficiente transporte público. Uma
reabilitação deste tipo pode, inclusive, ter como efeito o aumento da procura
de habitação nestes locais por parte das classes médias (movimento de popu-
lação de fora para dentro) criando, ao mesmo tempo, habitação social fora
destes espaços urbanos em dificuldade (movimento de pessoas de dentro para
fora). A combinação de ambos é propícia à mistura, fonte de coesão social (27).

d) Sustentabilidade social e participação

A mistura da diversidade como forma de garantir a coesão mais não é do


que o reflexo da realidade: o espaço urbano é colectivo e, por isso, marcado
pela diferença e heterogeneidade dos seus habitantes, levando o plano a
defrontar-se com o dilema de planear a cidade como um todo em face da
variedade de opiniões, de percepções, de interesses, de culturas, de classes, de

(27)
O mesmo efeito tem o decréscimo de importância que em Portugal tem sido
dado ao alojamento social. A este respeito, as intervenções têm vindo a ser direccionadas
para a qualificação e restauro do parque habitacional social e para a substituição da pro-
moção de habitação social pela atribuição de subsídios de alojamento, o que contribui para
o objectivo de maior coesão social e para a diminuição da exclusão social, uma vez que
reduz a estigmatização que se associa à habitação social e permite uma maior integração
dos extractos sociais menos solventes. Os programas de incentivo ao arrendamento a jovens
permitem, por um lado, facilitar o acesso à habitação a um escalão etário da população que
apresenta maiores dificuldades e, por outro, contribuir para a revitalização demográfica e
económica de áreas urbanas com maiores problemas de envelhecimento e declínio funcio-
nal e económico.
Para uma visão distinta da apontada, no sentido de que a heterogeneidade das popu-
lações (mistura de classes sociais) não contribui, pelo contrário, para o desenvolvimento de
solidariedades sociais GONÇALVES, António Custódio, “Estruturas Espaciais e Práticas Sociais:
o Caso da Cidade do Porto”, in Relações Sociais de Espaço. Homenagem a Lean Remy,
Org. Casimiro Balsa, Edições Colibri/CEOS — Investigações Sociológicas, FCSH-UNL,
pp. 127 e ss.

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religiões e de grupos sociais que têm de conviver num mesmo espaço. Ora, se
os instrumentos de planeamento pretendem garantir a sustentabilidade social,
os mesmos terão de garantir que os interesses de todos, na sua diversidade e
heterogeneidade, serão efectivamente tidos em conta, para o que se revela
essencial garantir boas práticas no processo de planeamento que garantam a
participação efectiva de todos.
O plano precisa, efectivamente, de se aproximar de todos aqueles que
apresentem necessidades específicas, o que torna particularmente relevante o
procedimento de recolha dessas necessidades e dos interesses que lhe estão
associados. Tal significa que as ideias fundamentais da democracia e da promo-
ção da plena participação do público nos procedimentos territorial e ambiental-
mente relevantes se apresentam como importantes dimensões do princípio da
sustentabilidade na sua vertente social.
O princípio da participação corresponde, assim, à dimensão procedimental
do princípio do desenvolvimento sustentável: a validade das decisões territoriais
depende do grau de participação cívica efectiva e da tomada em consideração
dos interesses em jogo.
O relevo desta questão tem levado alguns governos europeus a elaborar
Guias de Boas Práticas para assegurar igualdade na diversidade nos procedimen-
tos de planeamento. É o caso do documento intitulado Diversity and Equality
in Planning. A good practice guide (28), no qual se fornecem importantes direc-
tivas para a elaboração dos instrumentos de planeamento, designadamente
aquelas que apontam no sentido de que estes devem: (i) reflectir as necessida-
des dos diversos grupos da população; (ii) combinar informações e orientações
da política nacional com dados locais e a fazer um levantamento de dados
relativos aos diversos grupos sociais; (iii) garantir uma participação e, mesmo,
uma concertação com diferentes grupos que têm necessidades distintas; (iv) pro-
mover abordagens proactivas para chegar a grupos-alvo e obter deles declarações
de envolvimento comunitário; (v) assentar em técnicas de engajamento com os
grupos-alvo; (vi) ponderar as necessidades de grupos sociais com problemas
especiais (ciganos e nómadas); (vii) identificar os recursos; (viii) envolver a
comunidade nas soluções; (ix) promover a eliminação de barreiras físicas;
(x) efectuar a avaliação do impacto social das opções tomadas; (xi) tornar os

(28)
Diversity and Equality in Planning. A good practice guide, School of the Built
Environment, Heriot-Watt University, Edinburgh e Office of the Deputy Prime Minister,
Janeiro de 2005.

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espaços inclusivos e seguros para todos os estratos sociais e distintos grupos,


incluindo as minorias étnicas, etc. (29).
Para se garantir um planeamento socialmente sustentável torna-se, deste
modo fundamental não apenas garantir a participação de todos nos processos
de planeamento, mas, mais do que isso, providenciar um conjunto de ferra-
mentas que garantam a ocorrência de uma participação efectiva e eficaz, o que
pressupõe, entre outras coisas, meios de aproximação das entidades planifica-
doras aos diversos grupos.

e) Sustentabilidade social e controlo judicial

Embora exista ainda pouca sensibilidade judicial para as questões sociais


no planeamento do território — que se deve, em parte, a uma intervenção
pouco visível neste domínio por parte do legislador urbanístico — existem,
contudo, fortes pontos de apoio para o seu fortalecimento, se não directa-
mente com base no princípio do desenvolvimento sustentável, pelo menos
com apelo a princípios jurídicos mais tradicionais que se podem considerar
conformadores daquele, como o princípio da igualdade (que permite anular
decisões que impliquem uma discriminação de facto ao impedir determinados
grupos sociais e/ou étnicos de aceder a uma habitação digna e adequada,
originando uma segregação espacial e uma discriminação por motivos eco-
nómicos), e o da proporcionalidade (que permite a anulação judicial de solu-
ções urbanísticas com impactos negativos pelas suas consequências segrega-
doras sem que existam benefícios para o interesse geral que correlativamente
as possam justificar).
Do mesmo modo, o referido princípio do desenvolvimento sustentável
apela para um reforço do controlo do procedimento de planificação (facultando
aos tribunais a possibilidade de verificar se durante aquele se ponderou ou
tomou realmente em consideração o factor da segregação espacial que as suas
opções finais podem provocar, pesando-se tal segregação com as medidas alter-
nativas que a podiam evitar ou aliviar). Este controlo judicial deve ser feito
com base na documentação que compõe ou acompanha o plano, da qual deve

(29)
Uma questão importante que se coloca a este propósito, e que se prende com
o princípio da solidariedade intergeracional, é a de saber como dar cumprimento à parti-
cipação das gerações futuras no procedimento de planeamento e como promover a repre-
sentação actual desses interesses.

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decorrer, de forma clara, que as respectivas opções foram tomadas após um


rigoroso exame do impacto social das mesmas.
A doutrina tem vindo, porém, a referir-se ao relevo autónomo do princí-
pio da sustentabilidade como parâmetro de controlo sobre as decisões planifi-
cadoras, apresentando-a como um novo limite à discricionariedade de planea-
mento (30).

Conclusão

De tudo quanto foi referido retira-se a necessidade de desenvolver uma


nova sensibilidade pelas questões sociais no âmbito do planeamento territorial
em geral e do planeamento urbanístico em particular, de modo a que se possa
falar hoje num urbanismo social, o qual se apresenta como o resultado de uma
evolução: de um urbanismo de talento urbano (preocupado, sobretudo, com as
infra-estruturas, arquitectura e a tecnologia da cidade) e de um urbanismo
ecológico (que junta às preocupações precedentes as do património, espaços e
estética urbana), as novas realidades obrigam a caminhar em direcção a um
urbanismo de desenvolvimento social, vocacionado para a prevenção e cura dos
males sociais de uma civilização urbana. O que obriga à mudança dos para-
digmas de que se parte, tanto a nível legislativo como jurisprudencial e dou-
trinal, reforçando a vertente social da sustentabilidade.
O planeamento do território pode (e deve), assim, desempenhar um papel
social superador do egoísmo de alguns centros urbanos e, deste modo, na
prevenção da segregação espacial e na promoção da inclusão social.

(30)
Cfr. DESDENTADO DAROCA, Eva, “Ultimas Tendencias em la Reducción y
Control de la Discrecionalidad del Planeamiento Urbanístico”, cit., pp. 205 e ss.

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