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CONEXÕES ENTRE O PROCESSO DE SUCESSÃO RURAL NA AGRICULTURA

FAMILIAR E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Daniela Silveira Daniel 1


Karina Kestring 2
RESUMO

O tema desenvolvimento sustentável não deve ser visto apenas como um tripé que
visa manter as condições sociais, econômicas e ambientais para atender as
necessidades das atuais gerações e também das futuras, deve ser encarado com um
olhar muito mais amplo, onde considera-se que o pleno desenvolvimento vem de
encontro com a eliminação de tudo aquilo que causa restrição de liberdade aos
indivíduos, deve-se prevalecer sobretudo a justiça social e a democracia, onde as
capacidades são meios para alcançar a liberdade. Se tratando da agricultura familiar,
onde a propriedade, a gestão e a maior parte do trabalho vêm de pessoas que mantêm
entre si laços de sangue ou de casamento, o desenvolvimento sustentável está muito
presente, seja no modelo de organização do trabalho, na forma de produzir, nos
aspectos econômicos, interação da família, etc. E mais importante ainda, é o fato que
que para a agricultura familiar ter continuidade é necessário que haja a sucessão rural
na propriedade. Diante do exposto, o objetivo deste artigo é trazer algumas reflexões
teóricas sobre a importância e conexões entre o desenvolvimento sustentável,
agricultura familiar no contexto da sucessão rural.

Palavras-chave: desenvolvimento sustentável, unidade familiar, juventude rural.

INTRODUÇÃO

O tema desenvolvimento sustentável é discutido por diversos estudiosos.


Dentre eles, o renomado Ignacy Sachs, que apresenta importantíssimas noções sobre
o tema. Para que o desenvolvimento seja sustentado e includente, levando em
consideração a combinação entre crescimento econômico, aumento igualitário do
bem-estar social e preservação ambiental, Sachs (2004) indica necessárias oito
dimensões (econômica, social, ambiental, ecológica, territorial, cultural, política
nacional e política mundial).

1 Engenheira Agrônoma pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná- UNIOESTE-PR, mestranda em Desenvolvimento
Rural Sustentável pela UNIOESTE-PR. E-mail: danny_sylveira@hotmail.com
2 Engenheira Agrônoma pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná- UNIOESTE-PR, mestranda em Desenvolvimento
Rural Sustentável pela UNIOESTE-PR. E-mail: kaakestring@hotmail.com
Para Sen (2010), o desenvolvimento, deve necessariamente estar relacionado
com a melhora da vida dos indivíduos, bem como com o fortalecimento de suas
liberdades, visto que as suas capacidades contribuem para conquistar a liberdade e
estes são elementos fundamentais do desenvolvimento .
Falar em desenvolvimento sustentável muitas vezes está atrelado a uma
obrigação de cuidado e proteção do meio ambiente para as futuras gerações,
pensamento oriundo devido a preocupação da sociedade que percebeu os problemas
trazidos pela globalização, principalmente para a oferta de recursos naturais,
preservação e a capacidade de recuperação e regeneração do planeta (DA SILVA et
al., 2015). Tal fato, apesar de muito relevante, acaba proporcionando uma visão
unidimensional sobre o desenvolvimento com sustentabilidade.
O modelo de produção capitalista, que visa o lucro e acaba por deixar de lado
as questões sociais e ambientais está globalizado, mostrando que devemos mudar
nossa forma de pensar e agir, para que as gerações seguintes tenham condições de
sobreviver, devemos assumir a responsabilidade e deixar o futuro com uma melhor
qualidade de vida para todos (CARVALHO et al., 2015).
Voltando-se para a questão agrícola encontramos a agricultura familiar, a qual
se aproxima mais do atendimento às dimensões de desenvolvimento sustentável. A
agricultura familiar é caracterizada por Schneider (2014), como um modo de produção
baseado na combinação entre trabalho e gestão da propriedade. A família é quem
dirige o processo produtivo, baseado na mão de obra prioritariamente familiar e
atrelado a diversificação da unidade produtiva, onde as futuras gerações são
essenciais.
Em uma reflexão que conecta a agricultura familiar e as dimensões da
sustentabilidade, um dos fatos mais críticos segundo Biff et al., (2018) é o da
sucessão familiar, processo no qual é substituído o proprietário da terra por um de
seus filhos, no qual dará continuidade a atividade na sua maneira de agir e pensar,
estando relacionado com a organização, expansão e sobrevivência da mesma. Para
se ter uma sucessão é necessário um planejamento, tendo em vista que este
processo é acompanhado de alguns problemas.
As questões do desenvolvimento sustentável e da agricultura familiar, bem
como a sucessão familiar voltada para os jovens, estão estritamente ligadas. Ao passo
que quanto mais próximo do atendimento às dimensões de sustentabilidade, as
relações entre os jovens e o meio rural sejam mais bem definidas a partir da garantia
de suas necessidades de liberdade, afeto e autonomia (KESTRING, 2018).
Diante disso, o objetivo deste artigo é realizar um ensaio teórico sobre a relação
entre desenvolvimento sustentável, agricultura familiar e juventude rural através de
trabalhos de alguns estudiosos clássicos e contemporâneos.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O termo sustentabilidade passou a ser discutido com mais seriedade a partir


de meados da década de 1970, se tornando tema nas conferências internacionais
promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de debater
sobre meio ambiente e o desenvolvimento (LIMA, 2003). Na mesma época, no Clube
de Roma, foram elaborados os primeiros estudos científicos envolvendo o assunto
(DAMASCENO et al., 2011; LIMA, 2003).
Na década de 1980 a ONU retomou as discussões sobre as questões
ambientais obtendo como resultado a elaboração do Relatório Brundtland – ou Nosso
Futuro Comum (1987) pelo qual o desenvolvimento sustentável foi definido como “o
desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (COMISSÃO
MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988).
A partir desse momento ficou evidente que o desenvolvimento econômico não
deveria apresentar efeitos colaterais ao meio ambiente, passaria a ser encarado como
uma proposta de preservação dos recursos naturais (SOBRINHO, 2008).
A partir da década de 90, as transformações sociais, políticas e econômicas,
em consonância com atores da sociedade civil e o enfoque analítico de estudiosos,
fizeram com que o desenvolvimento rural passasse a apresentar novas discussões
que acrescem críticas severas ao modelo agrícola implantado e que levava a ligação
da noção do desenvolvimento com sustentabilidade (SCHNEIDER, 2010).
A sustentabilidade é constituída de métodos e intervenções que visam dar
continuidade a vida e a integridade da Mãe Terra, buscando preservar os
ecossistemas de forma que a existência e a reprodução da vida sejam possibilitadas,
atendendo as necessidades das gerações atuais e também das próximas (BOFF,
2014).
Veiga (2010), destaca que a compreensão sobre o que realmente é a
sustentabilidade ainda vai demandar algum tempo, visto que este termo, na
atualidade, serve para as pessoas identificarem ambições referentes ao futuro.
Na visão de Boff (2014), o desenvolvimento sustentável é aquele que atende
às necessidades fundamentais à condição humana de: subsistência, proteção, afeto,
entendimento, criatividade, participação, lazer, identidade pessoal e cultural e a
liberdade.
Da mesma forma, Sachs (2004) enfatiza que o desenvolvimento é também
aquele que atua de maneira includente, ou seja, que leve em conta as condições e
relações humanas.
Sachs (2009), afirma que para se estabelecer um desenvolvimento sustentável
é necessário o atendimento a oito critérios que o definem, sendo esta definição
expandida quando comparada às anteriores que envolviam apenas três pontos:
economicamente viável, ambientalmente correto e socialmente justo.
Os critérios estabelecidos de maneira ampliada por Sachs (2009), são: (I)
Social: garantindo a homogeneidade no que tange a uma distribuição de renda justa,
o emprego pleno e autônomo, bem como o acesso a recursos e serviços; (II) Cultural:
que leva em consideração que as alterações que ocorrem uma comunidade servem
para manter o equilíbrio entre a tradição e inovação; (III) Ecológica: preservação da
natureza; (IV) Ambiental: resguardando e aumentando a estabilidade dos
ecossistemas; (V) Elaborando estratégias para a recuperação e desenvolvimento
ambiental de áreas consideradas ecologicamente mais frágeis; (VI) Econômico:
estabilizando o desenvolvimento entre os setores, garantindo sobretudo a segurança
alimentar; (VII): Implementação de políticas públicas Nacionais, projetos nacionais e
garantindo coerência social. (VIII): Implementação de Políticas Internacionais, a fim
de prevenir guerras da ONU, bem como controlando institucionalmente o sistema
internacional financeiro, de negócios e ambiental.
O desenvolvimento sustentável para Carvalho et al., (2015, p. 2), pode ser
definido como: “equilíbrio entre tecnologia e ambiente, relevando-se os diversos
grupos sociais de uma nação e também dos diferentes países na busca da equidade
social”.
No ano de 2015, reuniram-se diversos países e a população, com objetivo de
decidir sobre novos caminhos, que poderiam melhorar a vida das pessoas em todos
os lugares. As ações visavam acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente,
enfrentar as mudanças climáticas e, além disso, promover a prosperidade e o bem-
estar (ONU, 2018).
As ações que foram tomadas em 2015, resultaram nos novos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS): 1 - Erradicação da pobreza; 2 - Fome zero; 3 -
Boa saúde e bem-estar; 4 - Educação de qualidade; 5 - Igualdade de gênero; 6 - -
água limpa e saneamento; 7 - Energia acessível e limpa; 8 - Emprego digno e
crescimento econômico; 9 - Indústria, inovação e infraestrutura; 10 - Redução da
desigualdades; 11 - Cidades e comunidades sustentáveis; 12 - Consumo e produção
responsáveis; 13 - Combate às alterações climáticas; 14 - Vida debaixo d’água; 15 -
Vida sobre a terra; 16 - Paz, justiça e instituições fortes; 17 - Parcerias em prol das
metas (ONU, 2018).
Os ODS, foram baseados nos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM), sendo eles: 1 - Acabar com a fome e a miséria; 2 - Oferecer educação básica
de qualidade para todos; 3 - Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das
mulheres; 4 - Reduzir a mortalidade infantil; 5 - Melhorar a saúde das gestantes; 6-
Combater a Aids, a malária e outras doenças; 7 - Garantir qualidade de vida e respeito
ao meio ambiente; 8 - Estabelecer parcerias para o desenvolvimento, (ONU, 2018).
A chamada Agenda 2030, é um documento elaborado pela Organização das
Nações Unidas (ONU) e caracteriza-se como um plano de ação tanto para as
pessoas, para o planeta, quanto para a prosperidade, além de buscar o fortalecimento
da paz universal com mais liberdade. Corresponde ainda, ao conjunto de programas,
rumo ao desenvolvimento sustentável do planeta, incluindo também o meio rural.
O setor agrícola também está ligado com o desenvolvimento sustentável, já
não é mais uma tendência buscar somente o crescimento econômico oriundo da
modernização da agricultura. Segundo Ploeg (2000) (apud Kageyama, 2004), está
ocorrendo na Europa uma mudança de paradigma relacionado ao que é
desenvolvimento rural, atualizando o modelo de produção, com objetivos novos, da
relação com o cuidado do meio ambiente, mudando de economias de escala para as
de escopo e também a pluriatividade rural.
AGRICULTURA FAMILIAR

A agricultura familiar é entendida genericamente como aquela que ao mesmo


tempo é dona dos meios de produção é também responsável pelo estabelecimento
produtivo, dessa maneira, o pilar família-produção-trabalho na cadeia produtiva tem
um papel fundamental na forma de agir econômica e socialmente. No entanto, a
agricultura familiar deve ser considerada uma forma social de agricultura (Wanderley,
1996) que contém nela mesma toda a diversidade (LAMARCHE, 1993 apud
WANDERLEY, 1996).
De acordo com Abramovay (1998) a agricultura familiar pode ser entendida
como:
aquela em que a gestão, a propriedade e a maior parte do trabalho,
vêm de indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou de casamento.
Que esta definição não seja unânime e muitas vezes tampouco operacional.
É perfeitamente compreensível, já que os diferentes setores sociais e suas
representações constroem categorias científicas que servirão a certas
finalidades práticas: a definição de agricultura familiar, para fins de atribuição
de crédito, pode não ser exatamente a mesma daquela estabelecida com
finalidades de quantificação estatística num estudo acadêmico. O importante
é que estes três atributos básicos (gestão, propriedade e trabalho familiar)
estão presentes em todas elas. (ABRAMOVAY, 1998, p.10)

No Brasil, o setor de agricultura familiar tem representado a grande parte dos


estabelecimentos rurais, sendo uma gestão de propriedade compartilhada pela família
e sua principal fonte de renda é a atividade produtiva agropecuária (FRANÇA et al.,
2009).
Segundo a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento
Agrário (SEAD), a agricultura familiar obtém 84,4% dos estabelecimentos rurais sendo
responsável por R$ 54 bilhões do valor bruto da produção, portanto ela possui
importância econômica vinculada ao mercado interno e ao controle inflacionário
relativo aos alimentos consumidos pelos brasileiros (BRASIL, 2009).
A agricultura familiar tem papel fundamental na produção de alimentos, e não
cabe analisar a mesma de forma a pensar que tenha insignificância nesse processo.
Além disso, não pode-se mais considerar que pequenos produtores vivem na pobreza,
no atraso ou até mesmo que estejam sujeitos a extinção, muito pelo contrário, os
agricultores familiares têm papel tão importante, que certamente serão atores
protagonistas no enfrentamento de algumas situações mais urgentes que a
humanidade enfrentará, previstos até mesmo pela ONU nos ODS (SCHNEIDER,
2016).
Vale destacar ainda, que para Schneider (2016) a
terminologia “pequenos produtores” deve ser substituída por agricultores familiares,
ou ainda unidades produtivas, de maneira que isto não seja apenas uma mudança de
nomenclatura, mas sim um indicativo da configuração atual e estratégica que esses
atores tem mostrado no espaço rural.
Os agricultores familiares, de maneira geral
pertencem a uma categoria que no âmbito social é considerada diversa e no
econômico heterogênea. A maneira em que o trabalho é organizado e realizado
acontece de forma diferenciada das demais categorias, pois para que a produção
possa ocorrer e até mesmo se reproduzir é necessário encarar diferentes estratégias
de sobrevivência agrícolas e muitas vezes não agrícolas, levando em consideração o
contexto econômico (recursos) e o social no qual estão inseridos (SCHNEIDER,
2016).
Para Schneider (2016), a contribuição da
agricultura familiar não é só econômica, visto que:
No que concerne aos aspectos sociais e
demográficos, a agricultura familiar contribuiu de modo decisivo para a
manutenção das famílias no meio rural. As comunidades rurais em que se
verifica a presença da agricultura familiar possuem vida social ativa, que,
muitas vezes, reflete-se em dinâmicas locais virtuosas. A agricultura familiar
também é importante para as mulheres e os jovens, pois o acesso à terra e
aos ativos produtivos são recursos fundamentais para garantia de seus meios
de vida nos casos em que os homens migram para trabalhar fora da
agricultura (SCHNEIDER, 2016, pag. 16 e 17).

As unidades produtivas familiares também vão


além do objetivo de cunho social, sua promoção é um elemento chave de um novo
modelo brasileiro de desenvolvimento econômico. Oportunizar minifundistas, é
oferecer um caminho para tornar-lhes agricultores familiares viáveis, fazendo com que
arrendatários se tornem proprietários, oferecendo terras a seus filhos que podem ser
considerados critérios obrigatórios dentro da perspectiva de sustentabilidade (VEIGA,
ABRAMOVAY e EHLERS, 2003).
No que se diz respeito a agricultura familiar, que
com o passar dos anos, sofreu inúmeras transformações, está se desvinculou de uma
agricultura conservacionista, que muitas vezes não era sustentável, para uma onde a
pluriatividade é a principal palavra para descrever uma propriedade. A pluriatividade
nada mais é do que desenvolver múltiplas fontes de renda, desde atividades que
estão voltadas para a parte agrícola como para as não agrícolas (SILVESTRE, 2017).
A pluriatividade é um fenômeno de cunho social e
econômico presente nas diferentes localidades que compõem a estrutura agrária e
esta pode ser definida como o exercício de diferentes atividades que os membros da
família que vivem no meio rural podem exercer, compreendendo as atividades não-
agrícolas, porém necessariamente deve-se manter o laço com o campo, mantendo
moradia e ligação com a agricultura e a vida no espaço rural (SCHNEIDER, 2003).
De acordo com Sachs (2001), a agricultura familiar é imprescindível para
um desenvolvimento rural sustentável, pois:
(...) os agricultores familiares, afiguram-se como protagonistas importantes
da transição à economia sustentável, já que, ao mesmo tempo em que são
produtores de alimentos e outros produtos agrícolas, eles desempenham a
função de guardiões da paisagem e conservadores da biodiversidade. A
agricultura familiar constitui assim a melhor forma de ocupação do território,
respondendo a critérios sociais (geração de auto-emprego e renda a um
custo inferior ao da geração de empregos urbanos) e ambientais. Além de
que, nas condições brasileiras, nas quais, como já mencionamos um décimo
da população passa ainda fome, a meta da segurança alimentar continua
bem atual (SACHS, 2001 p. 78).

Com o passar dos anos a propriedade familiar vai se desenvolvendo,


tomando seu lugar no mercado nacional, mas ela ainda sofre um problema que muitas
vezes não pode ser resolvido, a sucessão. Os motivos pelo qual a propriedade
necessita de um sucessor são diversos, porém muitos dos possíveis sucessores já
não querem mais trabalhar com a terra, assim como também existem outros motivos
que fazem com que principalmente os jovens saiam da propriedade e anseiam
melhores condições de vida nas cidades.
JUVENTUDE E SUCESSÃO NA AGRICULTURA FAMILIAR

Nos anos de 1970, o Brasil atingiu o seu ápice no que diz respeito a quantidade
de pessoas residentes no meio rural, porém, desde os anos 50 evidencia-se um
declínio no percentual de moradores deste meio, quando comparado ao total da
população brasileira, fato que inclusive não cessou até o último censo demográfico,
realizado no ano de 2010 (IBGE, 2017).
Para a região Sul do Brasil, os anos de 1970 foram os mais expressivos quanto
ao êxodo rural, onde quase metade da população que residia no meio rural saiu do
campo, sendo responsável por 29% da migração que ocorreu no país durante este
período, ocasionando um declínio de 2 milhões de habitantes. Tal ocorrência pode ter
sido influenciada pelos incentivos econômicos e estímulos para a adoção de práticas
produtivas e culturais com menor necessidade de mão de obra (CAMARANO e
ABRAMOVAY, 1999).
Com o avanço da globalização ocorreram muitas mudanças, como afirma
Spanevello (2008, p. 18) “mudanças estruturais, econômicas, sociais, política e
culturais, trazidas no bojo do capitalismo para a fase da globalização, de profundas
mudanças no mercado de trabalho e do sistema de comunicações”. Tais mudanças
afetaram também a juventude rural, onde podemos destacar dois pontos: a tendência
migratória dos jovens, justificada por uma visão pessimista do trabalho rural e a
dificuldade que encontram no processo de transferência da propriedade para a
geração mais jovem (BRUMER, 2000).
A sucessão rural, anterior à década de 1970, visava de maiores possibilidades
e de forma mais garantida por estar com as características familiares mais enraizadas,
onde os mais novos aprendiam o trabalho com os mais velhos, assimilava os valores
e os costumes, mas também da sua proximidade geográfica, econômica e social que
havia com as cidades (SPANEVELLO, 2008).
A região sul apresenta uma forte influência da agricultura familiar,
apresentando um aumento nas taxas de fecundidade nas décadas anteriores, o que
reduziu a probabilidade de os filhos seguirem na profissão dos pais, devido às
dificuldades para se expandir novas fronteiras agrícolas na região, onde a região
Norte passou a representar o que a região Sul foi para os pais e avós de alguns novos
agricultores, quando vieram do Rio Grande do Sul (CAMARANO e ABRAMOVAY,
1999).
Na época da expansão de terras, tanto dentro da porteira da propriedade
quanto no município, cidades vizinhas, regiões e até mesmo de outros estados
facilitava a colocação dos filhos como agricultores. Além disso, os escassos
horizontes alternativos ou ainda de difícil acesso, a baixa qualificação profissional para
exercer outras atividades no espaço urbano ou ainda a baixa escolaridade que já era
limitante para os jovens filhos de agricultores (SPANEVELLO, 2008).
O processo de transformação tecnológico, acompanhado da globalização
impulsionou os agricultores a se inserirem na forma capitalista de produzir, onde os
agricultores precisam assumir mais tarefas com grandes responsabilidades, tomadas
de decisões mediante a situações de mercados internacionais (SPANEVELLO, 2011).
Assim como afirma Brumer (2000) em seus trabalhos, que devido a modernização da
agricultura os proprietários adquirem novos conhecimentos, o trabalho é mais
complexo, passam a utilizar equipamentos sofisticados, que acabam por diminuir a
necessidade de mão de obra na propriedade.
Os jovens que estão inseridos em uma propriedade de agricultura familiar, são
membros de uma unidade familiar agrícola, onde o pai é de maneira geral quem toma
as decisões e os filhos desde pequenos são instruídos de quais e como devem
desenvolver algumas atividades, onde muitas vezes esse trabalho é voltado somente
para os meninos e as moças ficam auxiliando a mãe no serviço doméstico (MARIM e
FROEHLICH, 2019).
As gerações atuais estão cada vez mais imersas nas tecnologias, ampliando
suas relações sociais e é neste sentido que emerge a individualização da sucessão
nos estabelecimentos agropecuários. A perda de como ocorria a sucessão no
passado, caminha para uma forma individual onde os filhos atendem seus interesses
profissionais, sendo favoráveis ou não aos interesses do grupo familiar
(SPANEVELLO, 2008).
As novas formas de se trabalhar na agricultura oriundas da modernização,
afetam a sucessão de forma diferenciada conforme o grau de inserção na economia,
tamanho da propriedade, capacidade de produção, organização do trabalho, relação
dos pais com os filhos e também o modo de vida. Esses fatores somados ao chamado
processo de individualização altera algumas questões referentes a sucessão, que
pode ser bem-sucedida, conforme algumas condições que a família e a propriedade
se encontram (SPANEVELLO, 2008).
Na agricultura familiar é o pai quem determina quem será o sucessor e o
momento que este poderá tomar as decisões e assumir as responsabilidades da
unidade produtiva, sendo muitas vezes influenciada pela capacidade e disposição de
trabalho do pai do que as do futuro sucessor ou ainda voltada para as questões
financeiras da propriedade (ABRAMOVAY, 2000).
Os jovens rurais visam a diversidade das atividades da propriedade,
buscando não trabalhar somente com as atividades primárias, mas também
agregando valor aos produtos, processos e também a propriedade, conquistando
assim uma autonomia financeira e a gestão da unidade familiar. O meio rural pode
trazer ao jovem hoje, uma forma de realizar seus projetos de vida que vão além da
produção agrícola (MARIM e FROEHLICH, 2019).
Uma das dificuldades encontradas por Brumer (2000), no Brasil para a
sucessão rural é a questão de o pai não poder passar a terra para o filho enquanto
ainda vivo, fazendo com que a demora para conseguirem, gera uma baixa expectativa
entre o projeto de se instalar como agricultores e conseguirem uma efetiva realização
pessoal.
A divisão da propriedade entre dois ou mais irmãos, quando voltada para a
agricultura familiar, muitas vezes se torna inviável economicamente, por
apresentarem um pequeno tamanho de área (ABRAMOVAY, 2000). É a partir do
momento que o jovem possa arrumar um emprego, onde na maioria das vezes é no
meio urbano, no qual começa a se desvincular da propriedade, somando com o fato
de que o jovem em certo momento deseja ter sua autonomia financeira (BRUMER,
2000).
Nos estudos realizados por Abramovay (2000), afirma-se que ser agricultor não
apresenta um caráter moral como nas gerações anteriores, mas sim uma profissão
dentre tantas outras que os jovens podem escolher, evidenciando o fim de uma fusão
entre destino da propriedade e o da família.
Para os jovens, ficar ou sair da propriedade muitas vezes não representa terem
tido sucesso ou fracasso, mas é conclusão de uma escolha na qual visava uma melhor
qualidade de vida, valores e costumes no qual estão atrelados a tecnologia e a
comodidades existentes no meio urbano, almejando o que seria o melhor do campo
com o das cidades (CARNEIRO e CASTRO, 2007).
A agricultura familiar é um segmento importante para o desenvolvimento do
setor agrícola do país, porém mesmo assim é crescente a saída dos jovens do meio
rural para as cidades, parte disto é justificado pela ausência de políticas públicas
voltadas para esta classe. No Brasil a predominância de desenvolvimento rural ainda
está vinculada a ideia de desenvolvimento econômico, onde se vincula aos grandes
proprietários de terras que trabalham num sistema de sucessão de culturas (soja e o
milho em muitos casos), exploração da força de trabalho e esgotamento dos recursos
do meio ambiente (CONTAG, 2015).

CONCLUSÃO

Através das conexões estabelecidas entre as temáticas do desenvolvimento


sustentável, a agricultura familiar e a juventude rural, pode-se evidenciar que ambas
estão inter-relacionadas principalmente no sentido de que a continuidade dos jovens
na propriedade é totalmente dependente da existência e aproximação de dimensões
da sustentabilidade, tais como a inclusão, o cuidado, o afeto e o equilíbrio entre
contextos socioeconômicos. Logo, é possível afirmar que a manutenção das famílias
no campo com sucessão está muito voltada à uma mudança na forma de
compreensão do desenvolvimento, que não seja puramente econômico, visando
envolver os jovens em um meio que estejam confortáveis, preparados e amparados
para que escolham permanecer.
Para se manter nas atividades do meio rural, na maioria das vezes é
necessário buscar diversificação da mesma, bem como a pluriatividade, ou seja,
buscar um desenvolvimento rural e para que isso aconteça juntamente com a
permanência do jovem no campo, é necessário estimular o jovem a colocar em prática
o que aprende fora da propriedade, dar autonomia ao mesmo, para que se sinta
motivado e livre a continuar no campo buscando ter uma melhor qualidade de vida e
mantendo a unidade familiar, tais características apresentadas estão de comum
acordo com o que Sen afirma ser o desenvolvimento sustentável.
Nem sempre os jovens saem de casa por escolha própria, mas por ter que
conseguir uma “renda extra” para auxiliar na manutenção da propriedade, pois a
mesma não é autossustentável, indo contra ao que se define por desenvolvimento
sustentável e em muitos casos se observa que isto acontece principalmente em
unidades de agricultura familiar.
Sendo a agricultura familiar, a principal responsável pela produção de
alimentos básicos para a alimentação de todo o país, confirma-se que é de suma
importância haver sucessão rural das propriedades para que as atividades possam
continuar sendo executadas com o passar dos anos, promovendo conjuntamente o
equilíbrio entre as dimensões que resultam no desenvolvimento rural sustentável.

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