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vol. 4
Pesquisa
em arquitetura
e urbanismo:
reflexões sobre o
ambiente construído
e a paisagem
2
1ª Edição
ANAP
Tupã/SP
2019
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 5
ISBN 978-65-81469-07-8
Inclui bibliografia
Diagramação e Capas: Renata Cardoso Magagnin, Marta Enokibara e Maria Fernanda Nóbrega
dos Santos.
Ilustração das capas: fotos de Matheus Alcântara Silva Chaparim, Tamiris Mendes Genebra e
Eduardo Romero de Oliveira (Espaços ferroviários não operacionais de Bauru e Caminho sob o
viaduto “Falcão-Bela Vista”, Bauru).
6
Serie PPGARQ
Publicação em série do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ), da
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), da Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Bauru.
Organização
Renata Cardoso Magagnin
Marta Enokibara
Comissão Científica
Angelina Dias Leão Costa (Universidade Federal da Paraíba)
Gianna Melo Barbirato (Universidade Federal de Alagoas)
Josep Muntañola (Universidad Politécnica de Cataluña - Espanha)
Léa Cristina Lucas de Souza (Universidade Federal de São Carlos)
Maria Cristina da Silva Schicchi (Universidade Pontifícia Católica de Campinas)
Maria Solange G. de Castro Fontes (Universidade Estadual Paulista - UNESP)
Paula da Cruz Landim (Universidade Estadual Paulista - UNESP)
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 7
8
Sumário
Apresentação 10
Prefácio 12
PAISAGISMO E MEIO AMBIENTE
PAISAGEM E PERCEPÇÃO
Apresentação
O Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ), credenciado pela CAPES
em 2013, e avaliado em 2017 com conceito quatro, é o primeiro mestrado acadêmico na área de
Arquitetura e Urbanismo da UNESP e o terceiro das universidades públicas do Estado de São
Paulo.
O Mestrado Acadêmico tem por objetivo capacitar recursos humanos para a pesquisa científica e
docência, fornecendo formação em nível de pós-graduação stricto sensu. Objetiva, ainda, suprir a
demanda de docentes e pesquisadores em instituições de ensino e pesquisa e de profissionais nos
setores público e privado, desenvolvendo e difundindo novos conhecimentos e tecnologias na
área de Arquitetura e Urbanismo.
O PPGARQ é composto por uma única área de concentração, Arquitetura e Urbanismo, que
abriga duas linhas de pesquisa - Planejamento e Avaliação do Espaço Construído e Teoria,
História e Projeto, sustentadas pelos estudos realizados pelos grupos de pesquisa vinculados ao
programa.
A Linha de Pesquisa “Planejamento e Avaliação do Ambiente Construído” envolve uma ampla
gama de atividades, anteriores ao projeto e posteriores à ocupação e uso do ambiente
construído. As pesquisas desenvolvidas pelos docentes envolvidos estão relacionadas com os
estudos de desempenho e conforto ambiental, mobilidade, acessibilidade e tecnologia de
materiais de construção. A abordagem dessas temáticas está intimamente ligada a questões de
sustentabilidade, via compreensão dos fenômenos ligados à climatologia urbana, uso de materiais
com baixo insumo energético e de soluções que facilitem a mobilidade e a acessibilidade urbana.
A Linha de Pesquisa “Teoria, História e Projeto” objetiva estabelecer as bases teóricas e
conceituais para a leitura e análise crítica da história e dos projetos de arquitetura, da cidade e do
território. Busca, ainda, uma reflexão contemporânea das necessidades sociais, culturais,
estéticas e tecnológicas da sociedade e dos diferentes processos de estruturação e
transformação, ao relacionar a história, a teoria e a prática do projeto em arquitetura e
urbanismo, que se encontram na base de toda metodologia projetual. As pesquisas desenvolvidas
pelos docentes estão relacionadas com os temas: inventário, documentação e salvaguarda do
patrimônio cultural, história da arquitetura, da cidade e do território, e projeto de arquitetura
(teoria, método e ensino do projeto).
O volume 4 da série PPGARQ, intitula-se Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: reflexões sobre o
ambiente construído e a paisagem e contém nove capítulos, produto das pesquisas de docentes
e discentes do PPGARQ e de pesquisadores convidados, de universidades nacionais e
internacionais, distribuídos em três temas: Paisagismo e Meio Ambiente, Paisagem e Percepção, e
Avaliação do Ambiente Construído.
Com a publicação deste quarto volume da série, pretende-se que os temas abordados possam
contribuir com futuras pesquisas em Arquitetura e Urbanismos e outras áreas afins.
Prefácio
O livro “Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: reflexões sobre o ambiente construído e a
paisagem”, que temos a honra de organizar, é o quarto volume produzido pelo Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ) da Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação (FAAC) da UNESP, campus de Bauru. O objetivo dessas publicações tem sido a
divulgação das pesquisas desenvolvidas por docentes e discentes do programa, bem como de
pesquisadores docentes de outras Universidades do país e do exterior.
O presente livro está estruturado em três temas: “Paisagismo e Meio Ambiente”, “Paisagem e
Percepção” e “Avaliação do Ambiente Construído”.
Na temática “Paisagismo e Meio Ambiente” estão reunidos três capítulos. No primeiro, intitulado
“A Arquitectura Paisagista na construção da Democracia”, dos autores Ana Catarina Antunes e
Teresa Portela Marques, é apresentada uma reflexão sobre os períodos da história da arquitetura
paisagística em Portugal que tiveram uma ação marcante no processo de consolidação da
profissão. O enfoque se dá no primeiro período (1940-1974), com a criação do Curso Livre de
Arquitectura Paisagista junto ao Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de
Lisboa, e no segundo período (1974-1986), marcado pela dimensão política da profissão frente à
revolução de abril de 1974 e a retomada da democracia, até o ano de 1986, quando Portugal
passa a integrar a comunidade europeia. As autoras elucidam a trajetória de alguns agrônomos e
paisagistas relevantes neste percurso, que contribuíram “para a democratização da paisagem,
introduzindo novos conceitos no discurso político e na constituição jurídica de Portugal
relacionados com o ordenamento do território, a utilização e conservação da paisagem”.
O segundo capítulo, intitulado “Os serviços ecossistêmicos do cerrado: o caso de Bauru”, de
autoria de Osmar Cavassan, aborda inicialmente a definição sobre Serviços Ecossistêmicos e quais
seriam aqueles prestados pelo Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro. A reflexão do autor
repousa sobre o caso da cidade de Bauru, SP, cidade que possui um grande fragmento de cerrado
ainda preservado, discutindo alternativas no âmbito das políticas públicas para conservá-lo.
O terceiro capítulo, intitulado “Arborização Urbana: a contribuição das pesquisas histórica e
aplicada para um debate sobre a diversidade de espécies”, de autoria de Marta Enokibara, Maria
Fernanda Nóbrega dos Santos, Laís Bim Romero e Giuliana Del Nero Velasco, também aborda a
questão dos benefícios ambientais, no caso, quanto ao papel da arborização em áreas urbanas. As
autoras sobrepõem levantamentos históricos do início do século XX com inventários atuais a
respeito da arborização em São Paulo e demonstram como ainda há o predomínio de um mesmo
repertório vegetal, evidenciando a necessidade de um debate sobre a diversidade de espécies.
Na temática “Paisagem e Percepção” encontram-se reunidos os capítulos quatro a seis. No
quarto capítulo, intitulado “A dinâmica do Córrego das Flores”, as autoras Fernanda Moço Foloni
e Norma Regina Truppel Constantino apresentam as mudanças ocorridas no entorno do Córrego
das Flores, na cidade de Bauru, SP, desde a década de 1960, quando ainda era um riacho a céu
aberto, até tornar-se um canal de drenagem sob a Avenida Nações Unidas. O objetivo do artigo é
elucidar as transformações ocorridas neste espaço em diferentes gestões municipais e o papel
dos planos diretores, salientando a importância do incentivo à participação da população nos
projetos da administração municipal.
O quinto capítulo, intitulado “Entre a memória e a percepção: reflexões sobre as Oficinas Gerais
da Noroeste do Brasil, em Bauru, São Paulo”, de autoria de Matheus Alcântara Silva Chaparim,
Tamiris Mendes Genebra e Eduardo Romero de Oliveira, relata o desafio da preservação integral
do conjunto formado pelas Oficinas Gerais da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB), na
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 13
cidade de Bauru, SP. O artigo identifica os usos originais dos espaços e ao longo do tempo e
demonstra uma apreensão fenomenológica do espaço atual, utilizando metodologias da pesquisa
histórica e da deriva situacionista aplicadas à arquitetura industrial, visando a elucidar algumas
práticas espaciais que atualmente existem e interagem com este antigo espaço ferroviário.
O sexto capítulo, intitulado “Lugares topofílicos e topofóbicos da Praça Franklin Roosevelt, São
Paulo, SP. Uma análise dialógica”, de autoria de Pedro Paludetto Silveira e Rosio Fernández Baca
Salcedo, apresenta uma análise da Praça Franklin Roosevelt, localizada ao lado do centro histórico
de São Paulo, identificando os lugares topofílicos e topofóbicos. O método utilizado é o do
urbanismo dialógico, que “analisa a praça em relação com seu contexto e as relações intrínsecas
da mesma segundo seus ambientes físicos, sociais e simbólicos”.
Na temática “Avaliação do Ambiente Construído” encontram-se reunidos os capítulos sete a
nove. O capítulo sete, intitulado “Parques infantis públicos: uso e apropriação espacial pelas
crianças no Bosque da Comunidade (Bauru-SP)”, de autoria de Renata Cardoso Magagnin,
Mariana Falcão Bormio e Renata Braga Aguilar da Silva, identifica a forma como as crianças fazem
uso e se apropriam do parque infantil do Bosque da Comunidade. Para tal os autores utilizam
duas técnicas distintas de análise: a auditoria técnica, analisando as normas de uso do espaço de
acordo com as normas brasileiras (NBR) e o mapa comportamental, detectando os principais
fluxos em diferentes situações e horários.
O capítulo oito, intitulado “Conforto térmico em salas de aula: estado da arte das pesquisas
nacionais”, de autoria de Guilherme William Petrini da Silveira, Augusto Yuji Nojima Spagnuolo e
João Roberto Gomes de Faria, apresenta uma análise quantitativa, através de revisão
bibliográfica, sobre o tema conforto térmico no ambiente escolar no Brasil nos últimos 18 anos. A
metodologia utilizada para essa avaliação foi a “revisão do estado da arte”, onde foi identificada
uma quantidade significativa de trabalhos que foram analisados com relação aos métodos e
campos de estudo.
O capítulo nove, intitulado “O uso do Energyplus em pesquisas brasileiras”, de autoria de João
Victor de Sousa Lima, Ana Carolina dos Santos e João Roberto Gomes de Faria, apresenta uma
pesquisa exploratória para investigar a aplicabilidade do software EnergyPlus. A metodologia
utilizada consistiu em uma revisão sistemática e posterior análise de trabalhos publicados na série
de anais do Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído (ENTAC), averiguando os
principais temas onde o software é utilizado.
Os artigos apresentados são resultado de diferentes pesquisas na área de arquitetura e
urbanismo, permitindo ao leitor uma visão integrada das temáticas propostas.
Boa leitura!!!
RESUMO: Este artigo pretende refletir sobre Landscape Architecture in the construction of
períodos da história da Arquitectura Paisagista em Democracy
Portugal marcados pela introdução de conceitos
inovadores quer ao nível da prática profissional e ABSTRACT: This article intends to reflect on periods
do ensino universitário quer do sistema político- of the history of Landscape Architecture in Portugal
jurídico português. Na linha cronológica da marked by the introduction of innovative concepts
Arquitectura Paisagista em Portugal, identificámos at the level of professional practice, the academic
quatro períodos que tiveram uma acção marcante education and the Portuguese political-legal system.
no processo de consolidação da profissão: a In the chronological line of Landscape Architecture in
afirmação profissional da Arquitectura Paisagista Portugal we identified four major periods in the
(1940-1974); a Arquitectura Paisagista na process of consolidation of the profession: the
construção da Democracia (1974-1986); a professional affirmation of Landscape Architecture
Arquitectura Paisagista na integração da União (1940-1974); the Landscape Architecture in the
Europeia (1986-1998); a Arquitectura Paisagista construction of Democracy (1974-1986); Landscape
após a Exposição Mundial de 1998 (1998-2018). Architecture in the integration of the European
Debruçamo-nos sobre os dois primeiros períodos e Union (1986-1998); Landscape Architecture after the
olhámos para arquitectos paisagistas de referência 1998 World Exposition (1998-2018). We focused on
que assumiram posições públicas importantes. Esta the first two periods and reference landscape
análise permitiu concluir que a sua acção architects who took on important public positions.
contribuiu, grandemente, para a democratização This analysis allowed to conclude that their activity
da paisagem, introduzindo novos conceitos no contributed greatly to the democratization of the
discurso político e na constituição jurídica de landscape, introducing new concepts in the political
Portugal relacionados com o ordenamento e a discourse and in the Portuguese legal framework
gestão da paisagem. related to landscape planning and management.
1 INTRODUÇÃO
A paisagem, mais do que um fenómeno meramente social, político ou legal, é uma realidade
espacial experimentada sensorialmente e avaliada, planeada e projectada enquanto espaço físico
(OLWIG, 2013). No entanto, é também pensada como um sistema público que pode representar
valores democráticos e assumir uma responsabilidade governamental e cívica, resultado de uma
política da paisagem, entendida como a “formulação pelas autoridades públicas competentes de
princípios gerais, estratégias e linhas orientadoras que permitam a adopção de medidas
específicas tendo em vista a proteção, gestão e ordenamento da paisagem” (CONVENÇÃO
EUROPEIA DA PAISAGEM, 2000).
Este artigo pretende refletir sobre períodos da história da Arquitectura Paisagista em Portugal
marcados pela introdução de conceitos inovadores, quer ao nível da prática profissional e do
ensino universitário quer do sistema político-jurídico português. Vincularam uma abordagem
espacial imbuída de valores democráticos no acesso e gestão do espaço exterior enquanto
promotor da qualidade de vida das populações do ponto de vista ambiental, estético-sensorial e
social.
Na linha cronológica da Arquitectura Paisagista em Portugal, identificámos diversos períodos que
tiveram uma ação marcante no processo de consolidação da profissão e que propomos para
efeito desta discussão:
1
Esta integração na então Comunidade Económica Europeia trouxe novos desafios e oportunidades para a prática da
Arquitectura Paisagista, com especial realce para a estreia da elaboração de novos instrumentos de planeamento e de
uma política ambiental à escala da comunidade europeia.
2
Corresponde a um contexto económico florescente, marcado também por um novo olhar sobre a paisagem que teve
repercussões no crescimento e afirmação da profissão, com grandes investimentos em obras públicas de significativa
dimensão e impacto no espaço urbano, repercutindo-se no aumento da atividade profissional privada e pública e na
abertura de novos cursos universitários.
18
2. PERÍODO I - 1940-1974
A ideia de democratização da paisagem foi inicialmente difundida por Caldeira Cabral (1908-1992)
no Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, ao longo dos 34 anos em
que se manteve como docente, na qualidade de Professor Catedrático (1941-1975).
Teresa Andresen apresenta Caldeira Cabral como “one of the world leaders of landscape
architecture in the 20th century” (ANDRESEN, 2001, p. 19), com um papel incontornável na
afirmação da profissão, não só no país, mas também internacionalmente. A ele se deve não só a
3
Referimo-nos ao catálogo da exposição A Utopia e os Pés na Terra, Gonçalo Ribeiro Telles (2003) sob a coordenação de
Aurora Carapinha; às publicações Gonçalo Ribeiro Telles, esboço biográfico (2002) e Gonçalo Ribeiro Telles,
fotobiografia (2011) da autoria de Fernando Pessoa. Mais recentemente, em 2015, também da autoria de Fernando
Pessoa, foi publicada a obra A Arquitetura Paisagista em Ilídio Alves de Araújo, uma Fotobiografia.
4
ANDRESEN, T. et al. Do Estádio Nacional ao Jardim Gulbenkian. Francisco Caldeira Cabral e a primeira geração de
arquitectos paisagistas 1940-1970. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
5
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS ARQUITETOS PAISAGISTAS. Francisco Caldeira Cabral, memórias do mestre no
centenário do seu nascimento. Lisboa: Argumentum, 2009.
6
CÂMARA, T. Contributos da Arquitetura Paisagista para o espaço público de Lisboa (1940-1970). Tese de
doutoramento Universidade do Porto, 2015.
7
LOPES, G. Francisco Caldeira Cabral. Primeiro arquitecto paisagista português. Monografia de Arquitetura Paisagista,
Universidade de Évora, 1998.
8
PINTO, M. O legado escrito de Francisco Caldeira Cabral, construção do pensamento teórico em arquitetura paisagista.
Dissertação de mestrado, Universidade do Porto, 2014.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 19
E prossegue:
“A sua matéria é, portanto, o espaço e, por isso, ela tem de classificar-se entre
as artes plásticas, ao lado da pintura, da escultura e da arquitectura [...]. Dois
novos aspectos surgem, porém, na arquitectura paisagista que nenhuma
relação têm com as artes acima mencionadas – a vida e o tempo. [...] Temos
pois bem marcadas as características da matéria própria da arquitectura
paisagista: o espaço exterior, dominado por elementos vivos, plantas e animais,
e sujeito a uma evolução contínua no tempo, com alternâncias cíclicas. [...]
Assim, a ordem que pretendemos estabelecer é uma ordem natural, adequada
aos fins próprios do homem”. (CABRAL, 1950, p. 38-39).
Para o estabelecimento dessa ordem natural, Caldeira Cabral considera que a Arquitectura
Paisagista necessita de chamar em seu auxílio diversos ramos da ciência – as ciências que formam
a base da jardinagem, da agronomia e da silvicultura, indispensáveis uma vez que constituem o
fundamento da cultura biológica, como a climatologia, a pedologia, a ecologia, a botânica, a
fitossociologia. E, ainda, a arboricultura, a agricultura geral e a horticultura, a hidráulica agrícola e
a sociologia rural (CABRAL, 1950, p. 43-44).
20
Para esta visão interdisciplinar terá contribuído a sua formação no Instituto Superior Agrícola de
Berlim onde o curso de Arquitectura Paisagista, criado em 1929, seria herdeiro do ensino
experimental praticado, a partir do início do século XIX, na Escola Real de Formação de
Jardineiros, em Potsdam. A existência de estruturas como o Jardim Botânico de Berlim, em
Schönerberg, onde funcionavam as aulas teóricas, e dos parques e jardins de Potsdam, geridos
por Peter Joseph Lenné, que era também Diretor da Escola Real, facilitavam esse tipo de
aprendizagem. Esta formação interdisciplinar, traduzida na forte articulação entre o carácter
científico, prático e artístico e no modo como potenciou uma cultura da prática de jardinagem,
teve continuidade no curso de Arquitectura Paisagista no Instituto Superior Agrícola de Berlim e,
consequentemente, no pensamento e no trabalho inovador que Caldeira Cabral viria a
desenvolver em Portugal, após ter regressado da Alemanha.
De facto, numa época em que prevalecia um significativo desconhecimento relativamente às
questões ambientais, os novos conceitos e perspectivas trazidos por Caldeira Cabral
representaram um enorme salto relativamente ao conhecimento científico e às abordagens
sectoriais e especializadas que vigoravam em Portugal na década de 1940. A perspectiva
introduzida sobre a intervenção na paisagem é assente num conhecimento aprofundado das
ciências da natureza e num pensamento ecológico sistematizado, que evidencia a
interdependência de todos os factores que caracterizam a paisagem (CABRAL, 1943). Esse
pensamento pressupõe este novo entendimento sobre a paisagem, compreendida como um todo
orgânico e biológico em que cada elemento influencia e sofre da presença dos restantes (TELLES,
1956), configurando um repositório de enigmas, à espera de quem lhes interprete a significação
(ARAÚJO, 1973). As metodologias de trabalho inovam pela demarcação, detecção de
características, diagnósticos das aptidões, capacidades e potencialidades (BARRETO et al., 1971)
com vista ao alcance de uma solução multifacetada, a única satisfatória, aceitável e duradoura
(CABRAL, 1962), em resposta ao conceito de continuum naturale, introduzido em Portugal por
Caldeira Cabral como um dos princípios basilares, nomeadamente para o ordenamento do
território em Portugal.
Os primeiros anos da atividade profissional em Portugal foram decisivos. O reconhecimento da
necessidade das competências da Arquitectura Paisagista deu início a uma primeira fase de
atividade profícua, tanto em organismos governamentais como na atividade privada. Logo na
década de 1940, a profissão representou um avanço determinante que transformou
profundamente a cultura profissional da época. Com os primeiros profissionais, já na transição da
década de 1940 para 1950, a Arquitectura Paisagista preencheu um vazio em diversas áreas de
atuação, como o projeto do espaço público, o desenho urbano ou o planeamento e ordenamento
paisagístico, o que fortaleceu a autonomia e a profissionalização da atividade.
Em finais da década de 1940 formou-se no Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica
de Lisboa, o primeiro arquitecto paisagista, Azevedo Coutinho (1921-1992) que, em 1949, entrou
em funções na Câmara Municipal de Lisboa. Podemos dizer que “a diáspora tinha começado”
(ANDRESEN, 2003, p. 72):
“A par com a Câmara Municipal de Lisboa, a actuação profissional dos
arquitectos paisagistas enraizou-se na Direcção-Geral dos Serviços de
Urbanização (DGSU), na Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas (DGSA) e
também na Junta de Colonização Interna. Viana Barreto entrou para a DGSU em
1953 vindo da Junta Nacional de Cortiça, seguindo-se Ilídio de Araújo em 1957
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 21
vindo da DGSA onde se encontrava desde 1953 (...).” (ANDRESEN, 2003, p. 80).
No desenho dos espaços verdes urbanos, foram integrados os princípios de base ecológica e
cultural (TELLES, 1968), os quais deveriam garantir uma malha verde contínua que ligasse a cidade
às zonas rurais que a delimitavam, capazes de trazer, até ao centro da cidade, a presença do
campo e da Natureza que a envolve (FONTES, 1973), possibilitando aproximar novamente os
modos de vida rural e urbano (TELLES, 1962).
No âmbito do ordenamento do território, contribuíram para uma visão interdisciplinar, não só
desejada como indispensável, num entendimento em que cada ramo do saber, por mais
fundamental e importante que fosse, é sempre e apenas uma parte do problema (CABRAL, 1956),
com expressão na inclusão das componentes ambientais e do conceito de aptidão do território
nas metodologias de planeamento. A integração dos arquitectos paisagistas em equipas
multidisciplinares, revelou-se, assim, importante nas decisões de localização das atividades,
nomeadamente da expansão urbana (TELLES, 1962), como se pode verificar no Projeto de
Estrutura Verde do Plano Diretor da Região de Lisboa, realizado em 1959 por Caldeira Cabral,
Gonçalo Ribeiro e Álvaro Dentinho, e a proposta de António Roquette Campello, no âmbito da
revisão do mesmo Plano, elaborada em 1962 (“A paisagem da região de Lisboa com infra-
estrutura do seu desenvolvimento regional”), que conduziu à produção de uma Carta de Grandes
Zonas de Condicionamento Urbanístico.
Até à década de 1970, a atividade dos arquitectos paisagistas assumiu um papel importante junto
dos organismos públicos, essencialmente no planeamento e na gestão de áreas sensíveis e
protegidas e também no que se refere ao inventário de espaços com valor histórico-patrimonial.
São exemplos as publicações e acções de sensibilização sobre a vegetação e as condições do meio
em que ocorre, individualmente ou em associação, em Portugal9 e sobre os riscos de instalação de
povoamentos florestais monoespecíficos de pinheiro e eucalipto10, os projetos e alertas para a
necessidade de ordenamento das propriedades agrícolas11, de defesa do litoral12, da
renaturalização de rios e ribeiras e os riscos de edificação em leitos de cheia13, do uso sustentável
dos solos de elevado valor ecológico14, a divulgação de exemplos de boas práticas de Arquitectura
Paisagista, realizadas noutros países da Europa15 e também o surgimento de um novo interesse
9
Livro A Árvore, da autoria dos arquitectos paisagistas Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro Telles, editado em
1960 pela Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização.
10
Foram publicadas diversas obras e artigos, escritas por arquitectos paisagistas, dos quais destacamos Paisagem Rural,
publicada em 1968, na Revista Arquitectura, nº 100.
11
Trabalho realizado pelo arquitecto paisagista António Roquette Campello, em 1956, para a Junta de Colonização
Interna – Ordenamento Paisagístico da Urbanização da Colónia Agrícola da Gafanha.
12
Trabalho realizado pelo arquitecto paisagista Ilídio Alves de Araújo, em 1978, para a Direcção-Geral do Planeamento
Urbanístico – Reconhecimento Paisagístico da Faixa Costeira de Caminha a Cortegaça.
13
Comunicação do arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, em 1971, nas 33ª Jornadas Luso-brasileiras de
Engenharia Civil – Recuperação dum vale nos terrenos miocénicos da margem esquerda do Tejo em frente de Lisboa;
livro Reforma Agrária – A Terra e o Homem, da autoria de Gonçalo Ribeiro Telles, publicado em 1976 pelo Partido
Popular Monárquico.
14
Trabalho realizado pelos arquitectos paisagistas António Viana Barreto, Álvaro Ponce Dentinho e Albano Castelo
Branco, em 1969, para a Direcção-Geral do Planeamento Urbanístico – Plano de Ordenamento Paisagístico do Algarve.
15
Relatórios realizados pelos arquitectos paisagistas António Viana Barreto, Ilídio Alves de Araújo – Relatório de uma
visita de estudo efectuada a França, Itália e Suíça e Problemas da paisagem urbana: relatório da visita de estudo à
Alemanha e Holanda, publicados pela Direcção-Geral Serviços de Urbanização, Centro Estudos de Urbanismo, em 1959
e 1961, respectivamente.
22
3. PERÍODO II – 1974-1986
O período de 1974-1986 – que designámos de “A Arquitectura Paisagista na construção da
Democracia” – revela a dimensão política da história da profissão na sequência das mudanças
ocorridas com a revolução de abril de 1974 que levaram à institucionalização da democracia,
abrindo-se novas perspectivas à prática do Ordenamento do Território que se tornou uma
ferramenta indispensável da Política de Ambiente (PESSOA, 2015, p. 78). Neste período destacam-
se três arquitectos paisagistas da primeira geração, os primeiros alunos de Caldeira Cabral que
assumiram posições importantes no governo da nação. São eles Gonçalo Ribeiro Telles (n. 1922)
António Viana Barreto (1924-2012) e Ilídio Alves de Araújo (1925-2015)17. Nestes cargos, ao mais
alto nível político e governamental em matéria de política de ordenamento do território
(ANDRESEN, 2003, p. 88), contribuíram grandemente para a democratização da paisagem,
introduzindo novos conceitos no discurso político e na constituição jurídica de Portugal
relacionados com o ordenamento do território, a utilização e conservação da paisagem (Figura 2 -
Cronologia das políticas de ordenamento do território e de ambiente, em Portugal 18).
Em 1975, participaram na fundação da organização profissional representativa da classe
profissional, a Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP), tendo Ribeiro Telles e
Viana Barreto assumido cargos de presidência nos períodos de 2001-2005 e 1983-1985,
respetivamente. Os três tiveram longos percursos profissionais, no decurso dos quais pensaram e
projetaram a paisagem numa constante mudança de escala, com expressão no projeto do jardim
e parque público e no ordenamento do território, entre outros campos de ação que os
notabilizam e os diferenciam na história da Arquitectura Paisagista.
16
Livro Arte Paisagista e Arte dos Jardins em Portugal, Vol. I, da autoria do arquitecto paisagista Ilídio Alves de Araújo,
editado em 1962 pela Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, Centro de Estudos de Urbanismo. Refiram-se
também, os textos pioneiros de Francisco Caldeira Cabral sobre o Jardim em Portugal.
17
Integram, juntamente com Edgar Fontes, Manuel Azevedo Coutinho, Fernando Vaz Pinto, António Campelo, Manuel
Cerveira e Álvaro Dentinho, entre outros, a primeira geração de arquitectos paisagistas formados pelo Curso Livre de
Arquitetura Paisagista.
18
Este quadro resulta de uma investigação que a primeira autora deste texto elaborou a convite da Associação
Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas em 2012, com o objetivo em obter um maior conhecimento da experiência e da
evolução histórica da atividade profissional da Arquitectura Paisagista em Portugal, investigação essa que não se
encontra publicada.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 23
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 25
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 27
Figura 3. Capa e ilustração do livro A Árvore, da autoria de Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro
Telles, 1962.
Em 1985 Ribeiro Telles sintetizava ideias que orientaram a sua actividade política:
“O território é o suporte físico, biológico e cultural da Nação pelo que o seu
ordenamento deverá ser a expressão física do desenvolvimento integrado,
resultante das múltiplas ações económicas, sociais e culturais, e da mais
equilibrada gestão da energia disponível. Deverá ter sempre em atenção a
relação harmónica daquelas acções e gestão com a Ecologia [...]. Podemos
afirmar que o Ordenamento do Território tem por fim a construção de novas
paisagens válidas, quer rurais quer urbanas, a transformação daquelas cuja
eficácia social e cultural está comprometida e a defesa das paisagens
equilibradas existentes. No ordenamento do território inclui-se, portanto, a
protecção, o enquadramento e a defesa do património paisagístico [...]. A
política de ambiente deve definir, proporcionar, defender e salvaguardar o
espaço físico e biológico que rodeia as pessoas. Este espaço é resultante das
relações destas mesmas pessoas entre si e com o meio, quando socialmente
organizadas.” (TELLES, 1985, p. 170).
Ribeiro Telles é referido por Ilídio de Araújo, no preâmbulo de um texto que escreveu em 2002
intitulado A Protecção da Natureza e das Paisagens no Planeamento da sua Gestão (evocação
histórica e crítica de uma experiência de meio século)19, nos seguintes termos:
“Ao ceder este depoimento [...] faço-o na espectativa de que a sua inclusão [...]
vá realçar [...] o invulgar mérito de um profissional que, sem perda da sua
natural e cativante simpatia, sempre soube enfrentar todas as contrariedades,
incompreensões e oposições, sem jamais abandonar a luta por uma causa que
sempre identificou com a da defesa do autêntico interesse nacional” (ARAÚJO,
2002, p. 1).
Em 2013, Gonçalo Ribeiro Telles foi o vencedor do Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, atribuído pela
International Federation of Landscape Architects (IFLA), prémio este que tem como objectivo
“reconhecer um arquitecto paisagista vivo cuja obra e contribuições ao longo da vida tenham tido
um impacto incomparável e duradoiro no bem-estar da sociedade e do ambiente e na promoção
da profissão de arquitetura paisagista” (IFLA, 2013).
19
Texto apresentado no parque Biológico de Gaia, em 2/2/2002, no Colóquio Exposição sobre Região do Porto: Áreas
Naturais para o Século XXI.
30
Figura 4. António Viana Barreto (1924-2012), s.d. Fonte: Arquivo Pessoal de António Viana Barreto.
Figura 6. Capa do relatório da visita de estudo Figura 7. Capa do relatório da visita de estudo
efectuada a França, Itália e Suíça - Paisagem efectuada a França, Itália e Suíça - Paisagem Rural,
Urbana, de António Viana Barreto. de António Viana Barreto.
Na Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização (DGSU) deu apoio técnico às câmaras municipais
no desenvolvimento de trabalhos de diversas naturezas, nomeadamente o projeto de
arruamentos e arborização de estradas, a construção de jardins, parques e outras tipologias de
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 31
espaços verdes. Este trabalho terá contribuído para a sensibilização dos quadros técnicos da
DGSU para a necessidade da integração paisagística dos empreendimentos públicos e privados e
da conservação do património biofísico, contribuindo para a evolução que o Planeamento
Urbanístico e o Ordenamento do Território foram assumindo até à década 1980 (ANTUNES,
2012).
Pouco tempo após ter ingressado na DGSU, em 1956, participa no 5º congresso na IFLA em
Zurique, com o tema Landscape in contemporary life, após o que publica dois relatórios sobre a
paisagem urbana e rural dos países então visitados: França, Itália e Suíça. Teresa Camara, na sua
tese de doutoramento sobre o contributo da Arquitectura Paisagista para o espaço público de
Lisboa no período de 1940 a 1970, defende que este contacto próximo com o que se realizava
então no estrangeiro terá contribuído como formação adicional da maior importância para o
desempenho dos arquitectos paisagistas e para a compreensão de como o seu trabalho ia ao
encontro das tendências contemporâneas (CAMARA, 2015, p. 80).
Em 1978, enquanto Chefe de Serviço de Ordenamento da Paisagem, colaborou na
descentralização dos Serviços, através da criação de zonas de ordenamento da paisagem (Norte,
Centro, Sul, Madeira e Açores), que já nesse tempo se julgou indispensável para uma ação mais
eficiente e alargada a todo o País. Esta iniciativa permitiu, igualmente, o conhecimento de uma
nova forma de olhar a paisagem e o território. Neste cargo, Viana Barreto criou o primeiro
departamento de Arquitectura Paisagista do Estado: o Serviço da Paisagem, com a finalidade de
dar apoio à DGSU, à Junta Autónoma de Estradas, à Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais, entre outros Serviços do Estado.
Entre 1981 e 1986, foi Diretor-Geral de Ordenamento da Paisagem no Ministério da Qualidade de
Vida.
Promoveu a prossecução dos objectivos do Ordenamento do Território, implementando a
integração dos aspectos físicos, biológicos e culturais com os socioeconómicos e com as
infraestruturas urbanísticas, sendo estas as bases do Planeamento Integrado do Território em
Portugal. Contribuiu de forma significativa e pioneira para a adopção de um vocabulário próprio
do ordenamento do território e do planeamento urbanístico e para a criação de instrumentos
jurídicos fundamentais como as Reservas Ecológica e Agrícola Nacionais e os Planos Directores
Municipais. As soluções que propôs para o Ordenamento do Território, para a sistematização da
Paisagem Rural e da exploração agrícola e silvícola, para os Espaços Verdes Urbanos e para a
Conservação da Natureza, entendidas de uma forma sistémica e dinâmica, evidenciam uma
atitude precursora e visionária que permanece válida atualmente.
Realizou algumas centenas de projetos para o espaço público. O jardim da Fundação Calouste
Gulbenkian, em Lisboa, projectado conjuntamente com Ribeiro Telles entre 1963 e 1969, obra
maior da Arquitectura Paisagista do século XX, foi decisivo para a inovação, senão mesmo para a
revolução ao nível da concepção e construção do espaço público em Portugal (CARAPINHA, 2006).
Ainda na atividade privada, destaca-se o trabalho realizado em colaboração com Álvaro Dentinho
e Albano Castelo Branco – Estudo de Ordenamento Paisagístico do Algarve (1967-1969) – trabalho
de grande pioneirismo onde definiram e aplicaram conceitos do âmbito da Ecologia, de modo
inovador para a época, desenvolvendo e aplicando um método que se verificou ser idêntico ao
que McHarg desenvolvera e viria a publicar em 1969 (MAGALHÃES, 2001).
32
Figura 9. Capa do livro Problemas da Paisagem Figura 10. Capa do livro Arte dos Jardins em
Urbana, de Ilídio Alves de Araújo, 1961. Portugal, de Ilídio Alves de Araújo, 1962.
Já no Porto, continuou ligado à Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização. Entre 1972-1975 foi
colaborador da Comissão de Planeamento da Região Norte (hoje Comissão de Coordenação e
Desenvolvimento Regional do Norte) onde participou ativamente na criação de estudos de
desenvolvimento urbano em função de uma rede de centros de prestação de serviços
(ANDRESEN, 2015b).
Em simultâneo, entre 1972 e 1980, colaborou no Plano da Região do Porto, desenvolvido sob a
coordenação do Professor Johnson Marshall, da Universidade de Edimburgo, que compreendia a
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 33
proposta de um parque regional como uma zona de proteção. Acerca deste trabalho, Ilídio de
Araújo refere que teve a satisfação de ver a sua “perspectiva ecológica da qualidade das
paisagens, e a preocupação com a gestão previdente dos seus recursos e potencialidades,
plenamente compreendidas” (ARAÚJO, 2009, p. 43).
Em 1980, e devido ao seu interesse e profundo conhecimento sobre os fundamentos que devem
presidir ao ordenamento das paisagens com vista ao seu equilíbrio funcional e qualidade estética,
Ilídio de Araújo foi chamado para Secretário de Estado do Ordenamento e Ambiente,
directamente sob a tutela do ministro adjunto do Primeiro Ministro, tendo, contudo,
permanecido pouco tempo no cargo, assumindo, seguidamente um tarefa de carácter mais
técnico, mais apropriada ao seu espírito científico rigoroso, enquanto Chefe da Divisão de
Ordenamento da Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho, cargo em que
permaneceu até 1983. Nesse ano, com Ribeiro Telles nas funções de Ministro de Estado e da
Qualidade de Vida e Viana Barreto como Director-Geral da Direcção-Geral do Ordenamento, Ilídio
de Araújo foi convidado para Subdiretor-Geral da Direcção-Geral de Ordenamento onde
permaneceu até 1986, ano em que tomou a decisão de se reformar.
Teresa Andresen recorda o legado escrito de Ilídio de Araújo que “acompanhou, com um olhar
crítico, meio século de transformação da paisagem associada à urbanização, ao êxodo rural, à
industrialização, tendo muitas vezes informado, e também denunciado, a falta de visão
estratégica sobre os problemas do ordenamento da paisagem” (ANDRESEN, 2015b, p. 8).
Deste legado, Fernando Santos Pessoa destaca quatro obras que considera de grande
notoriedade: A Gestão do Litoral em Portugal (1986), Douro Superior – Notas Corográficas (1980),
A degradação da Paisagem Portuguesa (1986) e a Alternativa é Rural (1986), obras que “exigiram
profunda preparação mas, na sua aparente simplicidade, são de grande folgo e revelam profunda
reflexão cientificamente fundamentada, sobre os problemas do território português” (PESSOA,
2015, p. 80).
4. CONCLUSÕES
O olhar aqui apresentado sobre a Arquitectura Paisagista e a pertinência e relevância do seu
exercício nos primeiros anos da atividade profissional permite concluir sobre o seu contributo,
nomeadamente para a orientação conceptual e ideológica na criação de diversos serviços
governamentais nas áreas do ambiente e do ordenamento do território e também da legislação
associada.
A criação de uma formação de nível superior nos anos 1940 na Universidade Técnica de Lisboa,
levou ao desenvolvimento de uma sucessão de gerações de quadros técnicos com formação para
a intervenção na paisagem segundo uma matriz de base ecológica e estética que, até à integração
de Portugal na União Europeia, em 1986, que também contribuiu para a dimensão política da
profissão.
Os modelos conceptuais inovadores trazidos por Francisco Caldeira Cabral e continuados pelos
seus discípulos, conduziram à autonomização da prática profissional fortalecendo e consolidando
os campos de atuação e filosofias de intervenção, os fundamentos teóricos e dos conceitos
operativos que foram sendo institucionalizados e que se encontram na base da atividade. Esta
base sólida permitiu o assumir de lugares de charneira na Administração Pública onde os
34
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Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., 2018.
AUTORAS
Ana Catarina Antunes: Licenciou-se em Arquitectura Paisagista pela Universidade de Évora e concluiu a
tese de doutoramento em Arquitetura Paisagista e Ecologia Urbana na Universidade do Porto, com o tema
“A influência alemã na génese da Arquitetura Paisagista em Portugal”, em 2019. Atualmente desempenha
funções de assistente convidada na Licenciatura e Mestrado em Arquitetura Paisagista na Faculdade de
Ciências da Universidade do Porto, e integra a direcção da Associação Portuguesa de Jardins Históricos.
Teresa Portela Marques: Arquitecta Paisagista, doutorada pelo Instituto Superior de Agronomia (U.Lisboa),
é professora auxiliar nos cursos de Arquitectura Paisagista da Faculdade de Ciências da Universidade do
Porto e investigadora no Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO/INBIO). A
sua investigação desenvolve-se, fundamentalmente, no âmbito da história e crítica das paisagens de
amenidade, particularmente das que foram desenhadas no século XIX e primeiras décadas do século XX,
assim como no domínio do estudo e recuperação de paisagens de valor histórico e cultural sendo autora de
vários textos e projectos neste domínio.
36
Osmar Cavassan
RESUMO: Serviços ecossistêmicos correspondem The ecosystem services of the cerrado: the case of
às características ecológicas, funções e processos Bauru
que, direta ou indiretamente, contribuem para o
ABSTRACT: Ecosystem services correspond to the
bem-estar humano. Podem ser considerados como
ecological characteristics, functions and processes
serviços de provisão, de regulação e habitat, de
that, directly or indirectly, contribute to human
suporte e habitat, e de cultura. Este capítulo tem
well-being. They can be considered as services of
como objetivo discutir o conflito entre os serviços
provision, regulation and habitat, support and
ecossistêmicos prestados pelo cerrado e o ônus
habitat, and culture. This chapter aims to discuss
dos proprietários das áreas de cerrado para mantê-
the conflict between the ecosystem services
lo. No Cerrado, segundo maior bioma brasileiro,
provided by the cerrado and the burden of the
são reconhecidos inúmeros serviços
owners of cerrado areas to maintain it. In the
ecossistêmicos, principalmente àqueles relativos à
cerrado, the second largest Brazilian biome,
retenção de água no solo, proporcionando a
numerous ecosystem services are recognized,
reposição de água nos aquíferos, mantendo as
mainly those related to water retention in soil,
nascentes, protegendo os ecossistemas ribeirinhos
providing the replacement of water in aquifers,
e protegendo o solo contra a erosão. No entanto,
maintaining the springs, protecting the riverside
onde operam esses ecossistemas, observa-se uma
ecosystems and protecting the soil against erosion.
rápida supressão das formações vegetais para
However, where these ecosystems operate, there
expansão das fronteiras agrícola ou urbana. É
is a rapid suppression of the plant formations for
citado o caso de Bauru, SP, uma cidade brasileira
the expansion of the agricultural or urban
de médio porte, localizada em um município
frontiers. It is mentioned the case of Bauru, SP, a
pequeno e que possui um grande fragmento de
Brazilian city of medium size, located in a small
cerrado ainda preservado. Conclui-se que, uma das
municipality, and that has a large fragment of
alternativas para resolver a questão, é a definição
cerrado still preserved. It is concluded that, one of
de políticas públicas, nas quais aqueles que
the alternatives to solve the issue, is the definition
mantêm fragmentos de vegetação nativa em suas
of public policies, where those who maintain
propriedades recebam por serviços ambientais
fragments of native vegetation in their properties,
prestados como compensação.
receive for environmental services provided, as
compensation.
1 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS
A expressão serviços ecossistêmicos tornou-se mais conhecida a partir da publicação na revista
Nature do artigo O valor dos serviços ecossistêmicos do mundo e o capital natural, por Constanza
et al. (1997). Nele, os autores consideram que os benefícios das populações humanas derivam,
direta ou indiretamente, das funções dos ecossistemas. Baseia-se na possibilidade de quantificar a
natureza se ela precisasse ser reconstruída (IMPERATRIZ-FONSECA; NUNES SILVA, 2010), de modo
que o capital natural passa a ser um ponto central nas discussões relativas às alterações no meio
ambiente, possibilitando maior ligação entre o conhecimento científico e tomadas de decisão
para conservação (BUSCH et al., 2012; SCHROTER et al., 2014).
Constanza et al. (2017) definem serviços ecossistêmicos como sendo as características ecológicas,
funções e processos que, direta ou indiretamente, contribuem para o bem-estar humano: isto é,
os benefícios que as pessoas obtêm do funcionamento dos ecossistemas. Reconhecem que a
definição gera discussões e esclarecem que serviços ecossistêmicos não podem ser confundidos
com processos ecossistêmicos. Estes descrevem interações biofísicas que existem, independente
de se reconhecer nelas benefícios humanos. Outra crítica frequente é que esta definição sugere
uma interpretação antropocêntrica, ou seja, tudo que existe na natureza é para servir ao homem.
Tal teoria era dominante na idade média (MARTINS; SANO, 2009) e os pesquisadores buscavam
saber qual a utilidade de cada espécie para o homem. A descoberta do novo mundo, que permitiu
a descrição de uma infinidade de novas espécies, além do advento da microscopia revelar que
existe muito mais vida que aquela que era conhecida macroscopicamente, tornou-a sem sentido.
Foram propostos vários tipos de sistemas de classificação de serviços ecossistêmicos (CONSTANZA
et. al., 1997; MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005; TEEB, 2010; CONSTANZA et al., 2017).
Todos dividem os serviços ecossistêmicos em serviços de provisão, de regulação e habitat,
suporte e habitat e culturais.
Serviços de provisão, são aqueles relativos aos alimentos orgânicos produzidos pelos
ecossistemas e consumidos pelas pessoas, matérias-primas para construção, combustível, água
potável e recursos genéticos ou medicinais.
Serviços de regulação e habitat englobam as funções ecossistêmicas que regulam as condições
ambientais naturais. Por exemplo, áreas nativas de matas e savanas são suprimidas para ceder
espaço à expansão agropecuária, áreas urbanas e vias de circulação. Como consequência tem-se
menor proteção do solo e alterações no ciclo da água. A impermeabilização das áreas urbanas
reduz a retenção de água das chuvas no solo, diminuindo a recarga dos aquíferos e contribuindo
para enchentes nos vales durante aguaceiros. Muitos manguezais são aterrados para expansão
imobiliária ou construção de fazendas de camarões. Como consequência, perde-se a proteção das
margens contra o impacto das ondas durante marés altas, ressacas ou em algumas regiões,
tsunamis.
Serviços de suporte e habitat referem-se aos processos de transformação de substância, ciclagem
de nutrientes, oferta de ambiente para nidificação e migração de animais e proteção do potencial
genético.
Serviços culturais correspondem aos benefícios não materiais oferecidos pelos ecossistemas, tais
como atividades recreativas, turísticas, esportivas, educacionais, apreciação estéticas e
38
espirituais.
Em 2000, o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, mediante documento encaminhado à
Assembleia Geral intitulado Nós, os Povos: O Papel das Nações Unidas no Século XXI, solicitou que
se fizesse a avaliação das consequências que as mudanças nos ecossistemas trazem para o bem-
estar humano e as bases científicas das ações necessárias para melhorar a preservação e uso
sustentável desses ecossistemas e sua contribuição ao bem-estar humano (MILLENNIUM
ECOSYSTEM ASSESMENT, 2005). Esse trabalho, iniciado em 2001, envolveu mais de 1.360
especialistas em todo o mundo. Suas conclusões sobre as condições e tendências dos
ecossistemas, cenários para o futuro, respostas possíveis e avaliações em escala subglobal estão
disponíveis em publicações técnicas agrupadas sob estes quatro temas principais.
Todos os seres vivos têm basicamente dois tipos de necessidades: de vida vegetativa, necessárias
para manter o indivíduo, e de vida reprodutiva, necessárias para manter a espécie. A espécie
humana é a que reúne maior capacidade de mudar condições ambientais para satisfazer tais
necessidades. De acordo com o IBGE (2018) a população humana no mundo era de 6,1 bilhões de
pessoas, estimando-se que em 2050, alcance 9,3 bilhões, com maior densidade demográfica nos
países em desenvolvimento. Com uma população que cresce exponencialmente, tais ações são
cada vez mais intensas e irregulares nas diferentes nações do planeta.
Deste modo, os serviços oferecidos por tais ecossistemas estão gradativamente diminuindo. Para
suprir a sua redução, o homem vale-se da tecnologia para obter tais serviços. Por exemplo, em
manguezais aterrados para expansão imobiliária, são construídos diques de contenção contra a
ação da água do mar. O custo dessas construções para substituir a proteção que o manguezal
oferecia é o que determina o capital natural. No entanto, nem sempre este valor é de fácil
estimativa. Qual o valor da água de boa qualidade que é reduzida pelo desmatamento da
vegetação de áreas ribeirinhas e nascentes? Quanto custa, por exemplo, dessalinizar a água do
oceano para abastecimento de populações que vivem no interior do continente?
Verifica-se uma redução rápida no nível das águas de rios e lagos para os fins de irrigação,
consumo doméstico e industrial. Há indicadores de que este consumo dobrou nos últimos
quarenta anos. Os seres humanos usam atualmente de 40 a 50% da água doce corrente à qual a
maior parte da população tem acesso. Em algumas regiões como o Oriente Médio e o Norte da
África, o homem usa 120% dos recursos renováveis (devido ao uso de água subterrânea, que
possui reposição muito lenta). Entre 1960 e 2000, a capacidade de armazenamento em
reservatórios quadruplicou. Como resultado, estima-se que a quantidade de água armazenada em
grandes represas seja de três a seis vezes a quantidade que flui naturalmente nos rios naturais,
excluindo-se lagos naturais (MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESMENT, 2005). Mesmo assim, em
muitos reservatórios a água que é fornecida à população é superior àquela que chega pelos rios.
Para Andrade e Romeiro (2013), ainda persistem questões sobre a valoração de serviços
ecossistêmicos. Consideram que é preciso avançar na sintonia entre economistas, ecólogos,
biólogos e demais pesquisadores (cientistas sociais, inclusive) em termos de propostas para o
aperfeiçoamento da valoração de serviços ecossistêmicos, de forma a contornar seu viés
reducionista. O diálogo construtivo e aberto entre esses profissionais é essencial para a
construção de uma massa crítica sólida para se desvendar os nexos entre ecossistemas, sistema
econômico e bem-estar humano.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 39
2 O CERRADO BRASILEIRO
Cerrado é o nome popular da vegetação natural que dominava o planalto central brasileiro,
conhecida internacionalmente como savana brasileira (DURIGAN et al., 2004). Corresponde ao
segundo maior bioma terrestre brasileiro, com área de ocupação apenas inferior ao bioma
amazônico. Sua biogeografia apresenta uma área nuclear no Distrito Federal e nos Estados de
Goiás, Tocantins, em parte de Minas Gerais e da Bahia, no leste de Mato Grosso e Mato Grosso do
Sul. Expande-se até os Estados do Ceará, Maranhão, Piauí, sul de Rondônia, São Paulo e norte do
Paraná, totalizando aproximadamente dois milhões de quilômetros quadrados. Apresenta áreas
disjuntas no Amazonas e outras áreas de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, na região do
Pantanal (CAVASSAN et al., 2006).
Embora ocupe uma área tropical em sua maior parte, sua ocorrência varia desde ambientes
climáticos mais úmidos e temperatura média elevada como no norte de Mato Grosso, até clima
temperado, com ocorrência eventuais de geadas no sul de São Paulo e norte do Paraná. De modo
geral, o clima apresenta duas estações sazonais distintas: uma mais seca e menor temperatura
média no inverno do meio do ano e outra mais úmida e temperatura média mais elevada no
verão de final e início do ano. O relevo do Domínio do Cerrado é, em geral, bastante plano ou
suavemente ondulado, estendendo-se por imensos planaltos ou chapadões. Cerca de 50% de sua
área situa-se em altitudes que ficam entre 300 e 600 m acima do nível do mar; apenas 5,5% vai
além de 900 m. Geralmente ocupa solos arenosos, permeáveis, profundos, com pH ácido e com
toxidez de alumínio ou ferro (COUTINHO, 2002).
A esses ambientes físicos, está adaptada uma vegetação facilmente reconhecida pelos seus
atributos morfológicos: um estrato lenhoso de baixa densidade, formado de árvores e arbustos
com altura média inferior a das demais matas brasileiras, caules tortuosos, maioria das espécies
com súber bastante desenvolvido e folhas cartáceas ou coriáceas. Entre os componentes do
estrato lenhoso, existe um denso estrato herbáceo, formado por plantas perenes e anuais. Mas é
abaixo da superfície do solo que se encontra a maior biomassa vegetal formada por caules
subterrâneos e sistema radicular extremamente desenvolvido, atingindo, muitas vezes, 20 metros
de profundidade.
Embora o Cerrado seja reconhecido como um bioma de savana, sua fisionomia varia desde um
campo (savana gramíneo-lenhosa) até florestal ou cerradão (savana florestada), sendo que a
fisionomia savânica propriamente dita é a que predomina no Brasil central. De acordo com o
Manual Técnico da Vegetação Brasileira (IBGE, 2012), o cerrado apresenta as seguintes
fisionomias: savana florestada, conhecida popularmente como cerradão, savana arborizada,
conhecida como cerrado propriamente dito ou cerrado sentido restrito, savana parque, quando
há o domínio de uma espécie que determina a paisagem, como se fosse plantada, e savana
gramíneo-lenhosa, popularmente, campo cerrado.
A flora desta vegetação apresenta muitas espécies endêmicas, embora algumas possam ocorrer
em outros tipos de formações vegetais. De acordo com Durigan et al. (2004), o cerrado é uma
formação vegetal altamente diversa, com aproximadamente dez mil espécies de plantas
superiores, abrigando também uma grande diversidade de outros organismos de diferentes
táxons. Além da Mata Atlântica é considerado um hotspot de biodiversidade no Brasil e
representa a savana tropical com maior diversidade de espécies do mundo (MITTERMEIER et al.,
2004; KLINK; MACHADO, 2005).
40
ocorrerem em solos mais férteis para a prática agrícola. As formações abertas de cerrado
indicavam solos oligotróficos e de pouco valor. Assim, a utilização econômica dessas fisionomias
de cerrado era, na maioria das vezes, como pastagens naturais, permanecendo o estrato lenhoso.
No século XIX houve uma grande expansão da cultura cafeeira no interior do Estado de São Paulo.
A elevada produção precisava ser escoada para o exterior, cuja porta de saída era o porto de
Santos. Para isso, foram construídas ferrovias em todo Estado, facilitando o acesso da população
do litoral ao interior, que se fixou ao longo da ferrovia, promovendo o desenvolvimento de vilas e
cidades (MENDONÇA, 2004). Se inicialmente as terras com cerrado não eram as mais apropriadas
para o plantio de café, serviram, no entanto, como fornecedora de lenha para alimentar as
caldeiras das locomotivas a vapor e para o desenvolvimento da pecuária dos sitiantes da região. À
medida que a lenha se tornava menos disponível nas proximidades das linhas férreas, foram
construídos, sob a coordenação do eng. Edmundo Navarro de Andrade, hortos florestais para o
cultivo de essências australianas do gênero Eucaliptus. Atualmente, plantações extensivas de
eucaliptos ocupam grandes áreas outrora ocupadas pelo cerrado, mas, principalmente, para
produção de celulose, diversos tipos de papel, painéis de madeira, pisos laminados, móveis,
carvão vegetal, demais produtos sólidos de madeira e biomassas (JANOSELLI et al., 2016).
5 O CERRADO DE BAURU
No município de Bauru destacam-se dois grandes fragmentos com vegetação nativa. O primeiro,
de natureza florestal, está localizado na margem esquerda do rio Bauru, pertencente à bacia
hidrográfica Tietê-Batalha, definida como Unidade Hidrográfica de Gerenciamento de Recursos
Hídricos 16 (UGRHI 16). Neste tipo de vegetação a única área protegida é a Estação Ecológica
Sebastião Aleixo da Silva, também conhecida como Estação Ecológica de Bauru. Localiza-se ao
norte da cidade de Bauru, distante 15 quilômetros do centro, três quilômetros da Rodovia que
liga Bauru a Iacanga, SP (SP-321), na altura do quilômetro 352, nas coordenadas 22º13’- 22º15’S,
49º04’- 49º06’W com uma área de 287,98 ha (RANGEL DE ALMEIDA et al., 2010; CAVASSAN
2013).
O segundo fragmento é formado predominantemente por vegetação de cerrado, com fisionomia
florestal, conhecido como cerradão ou savana florestada (VELOSO, 1992), ocorrendo no lado da
margem direita do rio Bauru. Em duas bacias, encravadas entre o cerrado, encontram-se dois
fragmentos de mata estacional semidecidual ribeirinha com encharcamento permanente (mata
de brejo), nascentes do córrego vargem limpa, afluente da margem direita do rio Bauru, que, por
sua vez, é tributário do rio Tietê, pertencendo à bacia hidrográfica Tietê Jacaré (Unidade de
Gerenciamento de Recursos Hídricos 13 - UGRHI 13). Ocorre na Reserva Legal do campus de
Bauru da UNESP com 265,4235 ha, Jardim Botânico Municipal com 321,17 ha e Reserva Ecológica
da Sociedade Beneficente Enéas Carvalho de Aguiar com 217 ha, em áreas contíguas que
totalizam aproximadamente 803 ha. Sua flora, com mais de 360 espécies vasculares descritas no
município (CAVASSAN; WEISER, 2015), destacam-se o pequi (Caryocar brasiliense Cambess.), ipê-
amarelo-do-campo (Tabebuia aurea (Silva Manso) Benth. & Hook. f. ex S. Moore), barbatimão
(Stryphnodendron adstringens Benth.), pau-de-tucano (Vochysia tucanorum Mart.), gabiroba
(Campomanesia pubescens (Mart. ex DC.) O. Berg) e murici (Byrsonima coccolobifolia Kunth).
Segundo o monitoramento da cobertura vegetal publicada no Inventário Florestal da Vegetação
Natural do Estado de São Paulo (KRONKA et al., 2005), apesar da estabilidade no índice de
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 43
desmatamento no Estado de São Paulo, até aquele ano a Região Administrativa de Bauru foi a
terceira em perda de vegetação natural, passando de 114.649 ha em 1990, para 102.745 ha no
ano 2000, totalizando uma perda de 10,38% de seus remanescentes no intervalo de dez anos
(RANGEL DE ALMEIDA et al., 2010; CAVASSAN 2000).
Em 1999, foi lançado pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP), o
programa BIOTA para pesquisas em caracterização, conservação, restauração e uso sustentável
da biodiversidade, visando a conhecer, mapear e analisar a biodiversidade deste Estado. Visava
também a avaliar as possibilidades de exploração sustentável de plantas ou de animais com
potencial econômico e subsidiar a formulação de políticas de conservação dos remanescentes
vegetacionais. Deste programa participaram mais de 1.200 pesquisadores, a maioria das
Universidades Paulistas, aproximadamente 150 de outros Estados e 90 do exterior.
Este Programa permitiu o desenvolvimento de centenas de projetos, descrição de mais de 500
novas espécies, formação de centenas de mestres e doutores, bancos de dados, coleções
biológicas, mais de 700 artigos publicados em periódicos e dezenas de livros. Entre esses, destaca-
se o documento publicado em 2008 “Diretrizes para Conservação e Restauração da
Biodiversidade no Estado de São Paulo”, que apresenta um banco de dados com o inventário e
caracterização da biodiversidade do Estado de São Paulo, definindo os mecanismos para a sua
conservação e restauração. Com 248 páginas, a publicação traz ainda três mapas-síntese com as
diretrizes para a conservação e restauração da biodiversidade no Estado, propondo a criação e
ampliação de unidades de conservação, incremento da conectividade entre os fragmentos de
áreas florestais remanescentes e desenvolvimento da pesquisa de diversidade biológica.
Os resultados deste Programa indicaram o município de Bauru como uma área prioritária para a
conservação da vegetação nativa, incluindo o cerrado. Coube ao Instituto Florestal definir ações
para cumprir tal proposição. Em relação ao cerrado, foram identificados e delimitados todos os
fragmentos de cerrado no município, incluindo áreas públicas e privadas. Através do que é
proposto no documento “Proposta de Criação MOSAICO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO
CERRADO PAULISTA Bauru, Pederneiras, Agudos” (SÃO PAULO, 2018), algumas áreas foram
indicadas como Unidades de Conservação (UC) “Áreas de Refúgio da Vida Silvestre” (RVS) e outras
como “Áreas de Relevante Interesse Ecológico” (ARIE).
O anúncio desta proposta, provocou vários questionamentos, principalmente daqueles
proprietários de áreas delimitadas para inclusão em uma modalidade de UC. Muitas destas áreas,
haviam sido destinadas aos empresários, visando à ampliação do parque industrial da cidade de
Bauru, em época anterior à promulgação da Lei Estadual 13.550/2009, que estabelece condições
consideradas severas para autorização da supressão da vegetação. Com a inclusão daquelas áreas
como uma UC, tornava-se praticamente impossível a execução dos projetos empresariais de
ampliação do parque industrial do município.
A questão agrava-se em Bauru pelo fato de ser uma cidade de médio porte, com 374.372
habitantes em 2018, um município pequeno com 673,488 km² sendo que 68,9769 km² de área
urbana e 604,51 km2 na zona rural (IBGE, 2018). Destes, 21 km2 revestidos por vegetação de
cerrado, foram indicados para integrar RVS e ARIE. Consequentemente, muitos empresários
transferiram seus projetos de construção ou expansão de suas empresas, para municípios
vizinhos, que, sendo maior que o de Bauru e não abrigando vegetação de cerrado, não tinham
obstáculos oferecidos pela legislação ambiental e os prefeitos ofereciam vantagens fiscais para
que lá fossem instaladas.
A reação a esta situação ocorreu nos meios administrativos da cidade, empresariais, classes
sociais, onde se potencializou o conflito, preservação versus desenvolvimento. Os argumentos
contrários a essas medidas preservacionistas muitas vezes eram eivadas de justificativas
reducionistas, algumas irônicas, citando motivos transcendentais de idolatria da natureza por
44
Não se espera que proprietários de áreas com os poucos fragmentos de vegetação nativa, onde se
admite a existência de serviços ecossistêmicos, sejam altruístas a ponto de mantê-los, se isso lhes
trouxer prejuízos. Os legisladores, sofrem por parte dos interessados, constante pressão para o
abrandamento das leis, usando para isso argumentos que, do ponto de vista econômico e social,
são fortes, principalmente no discurso político.
A solução, portanto, deve ser forjada em projetos não corporativos, competentes e que extrapola
os limites federativos, onde se reconheça os serviços ecossistêmicos de interesse da população
mundial, mas fazendo justiça àqueles que diretamente contribuem para isso.
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AGRADECIMENTOS
O autor agradece à Profa. Dra. Veridiana de Lara Weiser Bramante pela revisão do abstract.
AUTOR
Osmar Cavassan é professor associado 3 em Ecologia, doutor em Ecologia pelo IB da UNICAMP e livre
docente em Ecologia de Comunidades pela Faculdade de Ciências, campus de Bauru da UNESP. É professor
voluntário junto ao Departamento de Ciências Biológicas da Faculdade de Ciências da UNESP em Bauru e
ministra aulas no Curso de Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas e Pós-Graduação em
Educação para a Ciência.
48
Marta Enokibara
Maria Fernanda Nóbrega dos Santos
Laís Bim Romero
Giuliana Del Nero Velasco
RESUMO: A arborização urbana vem ganhando Urban forestry: historic and applied researches
destaque pelo seu potencial de proporcionar contributions on the species diversity debate
diversos benefícios ambientais em áreas urbanas,
ABSTRACT: Urban forestry has been recently
especialmente no que tange à questão da
gaining attention since it can provide several
biodiversidade. Discutir o tema, com base nas
environmental benefits in urban areas, especially
contribuições de pesquisas históricas e aplicadas, é
regarding biodiversity. Historical and applied
de suma importância para a composição de um
researches can enlighten the discussion on the
panorama mais amplo no país. Deste modo, o que
subject, while broadening the national panorama.
se apresenta neste artigo é o resultado da
Thus, this chapter presents the overlapping of
sobreposição de levantamentos históricos com
historical surveys and current afforestation
inventários atuais a respeito da arborização em São
inventories in São Paulo. According to the results,
Paulo. Conforme os resultados, dentre as 30
among the 30 species with the largest number of
espécies com maior número de indivíduos, 22 já
individuals, 22 were already present in urban
estavam presentes na arborização no início do
afforestation at the beginning of the twentieth
século XX. Portanto, é possível afirmar que há o
century. It is possible to state, therefore, that São
predomínio de um mesmo repertório vegetal na
Paulo’s forestry has predominately the same plant
arborização urbana de São Paulo, composto em sua
repertoire, mostly composed of exotic species and
maioria por espécies exóticas e pouca variedade de
little species variety.
espécies.
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a compreensão sistêmica a respeito dos diferentes elementos que compõem o
espaço urbano, e como eles se relacionam com o ambiente natural – impulsionada pela
disseminação das ferramentas de modelagem computacional e pelas possibilidades de análises
conjuntas de grandes volumes de dados – têm proporcionado a base para o desenvolvimento de
metodologias que possam avaliar essas estruturas de forma integrada. Spatari et al. (2011),
Brudler et al. (2017) e Santos (2018), por exemplo, empregaram a Avaliação de Ciclo de Vida
(ACV) para estimar os impactos ambientais e hidrológicos de diferentes projetos de urbanização e
manejo de águas pluviais, evidenciando o papel positivo que a vegetação pode desempenhar no
balanço desses sistemas.
Empregando outra metodologia, mas ainda com grande consonância de objetivos e abordagem
holística, Hilde e Paterson (2014), Kim et al. (2015) e Tammi et al. (2016) conduziram estudos a
respeito da integração entre o planejamento urbano e a capacidade de provimento de Serviços
Ecossistêmicos (SE) desses espaços. Conforme bem conceituado pela Avaliação Ecossistêmica do
Milênio (MEA, 2005, p. 27), os SE são os benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas.
Existem diversas classificações desses serviços, mas ainda conforme MEA (2005), os SE podem ser
divididos em quatro categorias: serviços de provisão (ou abastecimento), como água, alimentos e
outros recursos como madeira; serviços de regulação, como regulação climática, da água, de
doenças, de danos naturais ou das inundações; serviços de suporte, como a formação do solo e a
ciclagem de nutrientes; e serviços culturais, como aqueles proporcionados pelos espaços para a
recreação, religiosos, espirituais, estéticos, dentre outros.
A Infraestrutura Verde (IV) possuiu um papel de destaque no provimento dos SE em ambientes
urbanos. Enquanto âmbito de abrangência da IV, incluem-se as “[...] áreas naturais e outros tipos
de espaços abertos que conservam os valores dos ecossistemas naturais e suas funções como
mananciais, controle ambiental, regulação climática, recreação e lazer, provendo uma ampla
gama de benefícios para a sociedade [...]” conforme tradução de Benedict e McMahon (2006,
apud CORMIER; PELLEGRINO, 2008, p. 128). Já para Franco (2010), o termo IV pode ter diferentes
significados, a variar de acordo com o contexto: desde as diferentes Técnicas Compensatórias (TC)
para o manejo de águas pluviais, até a arborização urbana.
Complementando esse pensamento, Silva Filho e Tosetti (2010, p. 13) afirmam que:
[...] A infraestrutura verde na forma de arborização das vias públicas, áreas
verdes e parques urbanos, principalmente em “Megacidades” como São Paulo,
proporciona diversos serviços ambientais muitas vezes não percebidos no
cotidiano dos moradores, tais como a diminuição das ilhas de calor, de poluição
atmosférica e sonora, de danos aos asfaltos por aquecimento e dilatação e da
amplitude térmica. A oportunidade de viver próximo as áreas verdes também
proporciona uma melhoria na saúde, diminuindo os índices de doenças
respiratórias e obesidade.
Denota-se assim quanto a IV, e particularmente a arborização urbana, possui estreita relação com
o provimento de SE, com importante função a desempenhar na busca por maior equilíbrio
ambiental dos assentamentos urbanos. Para Escobedo et al. (2019), conceitos como SE, IV e o
termo mais recente e abrangente, nature-based solutions (NBS), são hoje os grandes balizadores
dos discursos e pesquisas na arborização urbana. No Brasil, trabalhos como os de Laera (2006),
50
Minigildo (2016) e Rodrigues (2017) também evidenciam essa correlação ao explorarem o tema
arborização urbana e SE. Conforme os achados de Rodrigues (2017), ao avaliar a influência da
arborização na prestação de SE no município de Rio Claro-SP, a arborização pode ser vinculada a
cerca de 8% dos SE de provisão e regulação, bem como 16% dos SE culturais em áreas urbanas.
Outro ponto relevante em discussão diz respeito à proporção entre espécies exóticas e nativas na
arborização urbana – e como essa questão se relaciona à sua capacidade de prover SE. Conway et
al. (2019), ao analisarem esse tema em 17 planos de arborização para cidades no Canadá,
ponderam que mais importante que apenas priorizar espécies nativas para arborização urbana é a
questão da diversidade das espécies. Os autores defendem que os planos de arborização devem,
portanto, enfatizar a necessidade de biodiversidade, guiada pelos SE prioritários e características
locais.
Apesar da variedade de Biomas e abundantes fauna e flora, a pouca diversidade de espécies
encontrada na arborização urbana é tópico recorrente nas pesquisas no Brasil. Dados de
inventários realizados em diferentes municípios de São Paulo também refletem esse quadro. Em
um levantamento realizado por Aguirre Junior (2008) para um bairro de Campinas-SP, três
espécies correspondem a cerca de 26% da arborização: 12% de sibipiruna (Cenostigma
pluviosum); 8% de alecrim-de-Campinas (Holocalyx balansae) e 6% de pata-de-vaca (Bauhinia
variegata).
Ainda mais expressivos são os resultados encontrados por Silva (2005), em um levantamento
realizado em dois bairros de Americana-SP, onde cerca de 47% dos indivíduos correspondem a
apenas três espécies: 18% de falsa-murta (Murraya paniculata); 16% de ligustro (Ligustrum
lucidum); e 12% de oiti (Licania tomentosa). Esses valores são similares aos resultados do
inventário conduzido por Roseti et al. (2010) para dois bairros em São Paulo-SP: 24% de sibipiruna
(Cenostigma pluviosum); 17% de ligustro (Ligustrum lucidum); e 8% de resedá (Lagerstroemia
indica), totalizando 50% dos indivíduos arbóreos. Em Campos do Jordão-SP, somente uma
espécie, o plátano (Platanus acerifolia) representa 57% da arborização, conforme Andrade (2002).
Ao se deparar com tão estéril panorama – que se repete em cidades de todo o país – é possível se
questionar se essa situação não é apenas mais um dos reflexos do descaso com meio ambiente,
tão característico da contemporaneidade. Entretanto, pesquisas e levantamentos de cunho
histórico, como os realizados por Guaraldo (2002) e Romero (2019), podem fornecer importantes
indícios de como a arborização era conduzida em outros períodos e, principalmente, auxiliar a
compreender como (e se) a temática evoluiu ao longo do tempo.
Assim, tendo em vista a importância da arborização urbana, dentro do escopo das análises
sistêmicas do ambiente urbano e sua comprovada capacidade de proporcionar SE, o presente
artigo explora a questão de como o tema da biodiversidade na arborização evoluiu na cidade de
São Paulo-SP. Para tanto, foram cruzados dados de levantamentos históricos realizados entre o
final do século XIX e início do XX (1899 a 1927), com inventários atuais de arborização urbana
(2009-2019) na cidade de São Paulo-SP.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
As árvores existentes nas calçadas e canteiros centrais na cidade de São Paulo vêm sendo
cadastradas desde 2009 no software SISGAU. Já foram cadastradas árvores em todos os 96
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 51
distritos da cidade. Os dados fornecidos pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) da
cidade de São Paulo são parciais e, segundo Tácito, referem-se ao cadastramento de 106.773
árvores, o que corresponde a aproximadamente 16% do total de árvores existentes nas ruas de
São Paulo. Até o momento foram identificadas 315 espécies. Para fins comparativos e procurando
aferir as espécies mais representativas na atualidade, estabeleceu-se como linha de corte para
este artigo, as espécies com mais de 500 exemplares, congregando uma relação de 30 espécies.
Essas espécies correspondem a 75.179 indivíduos, 70,4% do total, portanto, representam a maior
parte das árvores.
O levantamento sobre a arborização urbana utilizada no início do século na cidade de São Paulo
foi pautado em duas pesquisas: a tese de Guaraldo (2002) e a dissertação de Romero (2019). Na
primeira, a autora desvenda o repertório vegetal empregado na capital paulista entre 1899 e 1927
conforme prescrito nos Relatórios Anuais de Prefeitos. Considerando as alterações adotadas no
repertório vegetal dos espaços livres da capital paulista no arco temporal da pesquisa (1899-
1927), Guaraldo (2002) define quatro períodos, elencando espécies representativas para cada
período.
Na segunda pesquisa, a autora levanta as espécies arbóreas distribuídas para todo o Estado,
incluindo a capital, no período de 1909 a 1912, por meio do Serviço de Distribuição de Mudas e
Sementes (SDMS) da Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (SACOP). As
informações foram obtidas através da sistematização dos dados do SDMS contidos nas “Cartas de
Envio” do Instituto Agronômico do Estado (IAE), uma das instituições que produziam e distribuíam
mudas para o SDMS. Nestas “Cartas” eram descritas as espécies vegetais e as quantidades
despachadas, bem como as localidades de destino da solicitação.
A interpolação dos dados do inventário atual da arborização urbana da cidade de São Paulo
realizado pela SVMA (2009-2019), com o levantamento histórico da arborização urbana
implantada na capital paulista no início do século XX, a partir das pesquisas de Guaraldo (2002) e
Romero (2019), resultaram em um Quadro comparativo, de onde se podem extrair diferentes
chaves de leitura.
3 RESULTADOS
O Quadro 1 está organizado em três colunas estruturais. A primeira coluna congrega as
informações acerca das 30 espécies com mais de 500 exemplares referente aos dados da SVMA
(2009-2019), contendo: a nomenclatura botânica descrita no levantamento, a nomenclatura
botânica atualizada, nome popular da espécie, quantidade existente e origem (nativa ou exótica).
A segunda e a terceira colunas trazem, respectivamente, os dados coletados por Guaraldo (2002),
que utilizou os Relatórios de Prefeitos da capital paulista referente ao período de 1899 a 1927; e
os dados coletados por Romero (2019), que utilizou as Cartas de Envio do SDMS, referente ao
período de 1909 a 1912. Nesta segunda e terceira coluna é identificada a presença ou não das
espécies relacionadas na primeira coluna, observando a nomenclatura botânica que consta na
identificação: gênero (G), espécie (E) ou o nome popular (P).
52
Quadro 1. Espécies presentes na arborização da cidade de São Paulo (2009-2019) em comparação com as
implantadas no início do século XX
SDMS
Inventário SVMA (2009-2019) Relatório para a
de cidade
Nº Nomenclatura Nomenclatura Prefeitos de São
Nome Qtde. (1899- Paulo
botânica do botânica Origem
popular existente 1927) (1909-
levantamento atualizada
1912)
Ligustrum Ligustrum
1 Alfeneiro 12.567 exótica G*; P * P
lucidum lucidum
Caesalpinia Cenostigma
2 Sibipiruna 12.247 nativa G G
peltophoroides pluviosum
Ficus Figueira
3 Ficus benjamina 6.597 exótica G; E* -
benjamina benjamina
4 Tipuana tipu Tipuana tipu Tipuana 5.178 exótica G; E -
Lagerstroemia Lagerstroemia
5 Resedá 4.926 exótica - -
indica indica
Tibouchina Pleroma
6 Quaresmeira 3.269 nativa G; P -
granulosa granulosum
Ficus Figueira
7 Ficus microcarpa 2.900 exótica - -
microcarpa microcarpa
Tabebuia Handroanthus
8 Ipê amarelo 2.743 nativa E; P -
chrysotricha chrysotrichus
Chapéu-de-
Terminalia Terminalia sol/sete-
9 2.333 exótica - -
catappa catappa copas/
amendoeira
10 Pinus sp Pinus sp. Pinheiro 1.699 exótica G; P G; P
Caesalpinia
Libidibia ferrea Jucá/pau-
11 ferrea var. 1.478 nativa G; E; P P
var ferrea ferro
ferrea
12 Ficus sp Ficus sp. Figueira 1.339 exótica G; P -
Eugenia
13 Eugenia uniflora Pitangueira 1.336 nativa - P
uniflora
Spathodea Spathodea
14 Espatódea 1.332 exótica - -
nilotica campanulata
Schinus Schinus Aroeira
15 1.316 nativa G; E; P -
terebinthifolius terebinthifolia pimenteira
Murraya Murraya
16 Falsa-murta 1.302 exótica P P
paniculata paniculata
Holocalyx Holocalyx Alecrim-de-
17 1.288 nativa G; E; P -
balansae balansae Campinas
18 Delonix regia Delonix regia Flamboyant 1.258 exótica P P
Bauhinia Bauhinia
19 Pata-de-vaca 1.230 nativa - -
cupulata cupulata
Jacaranda Jacaranda Jacarandá-
20 1.208 exótica G; E; P G
mimosaefolia mimosaefolia mimoso
21 Morus nigra Morus nigra Amoreira 1.084 exótica - P
Bauhinia Bauhinia
22 Pata-de-vaca 1.062 exótica - -
variegata variegata
Syagrus Syagrus
23 Jerivá 919 nativa G; E; P -
romanzoffiana romanzoffiana
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 53
SDMS
Inventário SVMA (2009-2019) Relatório para a
de cidade
Nº Nomenclatura Nomenclatura Prefeitos de São
Nome Qtde. (1899- Paulo
botânica do botânica Origem
popular existente 1927) (1909-
levantamento atualizada
1912)
24 Hovenia dulcis Hovenia dulcis Uva-japonesa 729 exótica - -
Dypsis
25 Dypsis lutescens Areca-bambu 709 exótica G; E; P P
lutescens
Persea Persea
26 Abacateiro 706 exótica - P
americana americana
Psidium
27 Psidium guajava Goiabeira 687 exótica - P
guajava
28 Schinus molle Schinus molle Aroeira salsa 659 nativa - -
Mangifera Mangifera
29 Mangueira 571 exótica - P
indica indica
Michelia Magnolia
30 Magnólia 507 exótica G; E; P P
champaca champaca
Fonte: Inventário SVMA (2009-2019)¹, Guaraldo (2002) e Romero (2019). Elaborado pelas autoras (2019).
3.2 Quantidade de espécies atuais que já estavam presentes desde o início do século XX
Ao considerar o exposto no tópico anterior, observa-se que das 30 espécies com maior número de
indivíduos levantados na capital paulista, 22 já estavam presentes na arborização de suas ruas no
início do século XX (incluindo as identificadas por gênero, espécie e nome popular), o que
corresponde a significativos 73,3% do total atual.
Dentre essas, destaca-se com a maioria absoluta de exemplares levantados uma espécie exótica
seguida de uma nativa, sendo, respectivamente o alfeneiro (Ligustrum lucidum), com 12.567
indivíduos, e a sibipiruna (Cenostigma pluviosum), com 12.247 (Figura 1). Apesar da sibipiruna
(Cenostigma pluviosum) não constar entre o repertório arbóreo utilizado em São Paulo no início
do século XX, destaca-se a presença do gênero Caesalpinia, sendo a comprovação de sua
aplicação relatada tanto por Guaraldo (2002) quanto por Romero (2019), como já citado.
O mesmo ocorre com o gênero Ligustrum, que permanece na arborização da capital atualmente
através da espécie Ligustrum lucidum (Figura 2), mas que no início do século XX foi muito utilizado
na espécie de menor porte Ligustrum japonicum (Figura 3), popularmente conhecido como
alfeneiro do Japão.
Guaraldo (2002) aponta que o Ligustrum japonicum já era utilizado na arborização da cidade de
São Paulo desde o final do século XIX, e informa que em face de sua ampla utilização, a árvore se
tornou o símbolo da administração do primeiro prefeito da capital, Antônio Prado (1899 a 1911).
Há de se destacar, ainda, que a presença desta espécie era significativa no Estado de São Paulo
como um todo, tendo em vista que desponta como a segunda espécie arbórea mais solicitada ao
SDMS entre 1909 e 1912, com mais de 22 mil mudas distribuídas no período (ROMERO, 2019).
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 55
Figura 2. Ligustrum lucidum. Fonte: Disponível em: Figura 3. Ligustrum japonicum. Fonte:
https://selectree.calpoly.edu/tree-detail/ligustrum- Disponível em:
lucidum. Acesso em: 6 nov. 2019. https://www.siteone.com/p/49581/. Acesso
em: 28 jun. 2019.
3.3 Quantidade de espécies exóticas e nativas e sua relação com o repertório empregado em
São Paulo em diferentes períodos
No Quadro 1 observa-se ainda que das 30 espécies com mais exemplares atualmente nas ruas da
capital paulista, 20 correspondem a espécies exóticas e dez nativas. Assim sendo, as exóticas
correspondem à maioria, ou seja, 67% das espécies atuais, enquanto as nativas equivalem a
apenas 33% do total.
Dentre as 20 espécies exóticas que constam nas ruas de São Paulo atualmente, 15 já eram
utilizadas no início do século XX, conforme Guaraldo (2002) e Romero (2019), a saber: alfeneiro;
figueira benjamina; tipuana; pinheiro; figueira; falsa-murta; flamboyant; jacarandá mimoso;
magnólia; areca bambu (uma espécie de palmeira); e as frutíferas pitangueira, amoreira,
abacateiro, goiabeira e mangueira.
Com relação às dez espécies nativas, nota-se que oito estavam presentes na arborização da
capital no início do século XX. São elas: quaresmeira; ipê amarelo; pitangueira; aroeira salsa;
alecrim de campinas; jerivá (palmeira); além do gênero Caesalpinia, que, de acordo com o
levantamento atual, é representado por duas espécies: C. peltophoroides e C. ferrea var. ferrea.
Ressalta-se, porém, que o início da utilização dessas plantas no século XX não ocorreu de forma
concomitante. Em sua tese, Guaraldo (2002) identifica quatro períodos distintos no arco temporal
estudado (1899 a 1927), em que nota mudanças significativas no repertório vegetal adotado no
meio urbano paulista. Nos três primeiros períodos há uma predominância de essências exóticas,
com amplo destaque no primeiro período (1892 a 1898) de diversas espécies de eucaliptos; no
segundo (1899 a 1911), o plátano e o alfeneiro; e no terceiro (1912 a 1918), a tipuana (Figura 4) e
o jacarandá-mimoso. Apenas no quarto período, que se estende de 1919 a 1927, há a
predominância na utilização de essências nativas, o que a autora relaciona com a proximidade do
centenário da Independência do Brasil, em face da valorização do “nacional” (GUARALDO, 2002).
56
Nesse sentido, ainda segundo a autora, a introdução de ipês amarelos na avenida Paulista em
1919 intercalados aos alfeneiros é representativa dessa mudança de paradigma, que culmina com
a presença marcante e absoluta das espécies nativas nacionais como a quaresmeira e o alecrim de
campinas em outras ruas da cidade.
Figura 5. Vista da alameda de que liga a Estação da Luz com a rua Ribeiro Lima, arborizada com alecrim de
campinas desde 1920. Fonte: Romero (2017).
Reformulado na gestão do prefeito Antonio Prado (1899 a 1911), o jardim da Luz foi um modelo
para a época, não apenas do ponto de vista programático, mas como dos elementos decorativos
utilizados e sua vegetação, cuja relação foi disposta em um Guia Botânico, organizado em 1919
pelo botânico sueco Alfred Usteri. O Guia (Figura 6), com prefácio de Monteiro Lobato, foi
impresso pela Prefeitura de São Paulo em formato de bolso, com as plantas da praça da República
e do jardim da Luz (Figura 7), onde o visitante poderia instruir-se acerca da vegetação disposta
nesses dois jardins. No caso do jardim da Luz destaca-se no conjunto o Ligustrum japonicum (cor
roxa), a Magnolia champaca (cor rosa), a Tipuana tipu (cor verde) e a jaca – Artocarpus
heterophyllus (cor vermelha) que, curiosamente, era utilizada para compor uma aleia perimetral
para o passeio de carros. Ainda restam alguns exemplares desta época como testemunhos desta
ideia que, naturalmente, não seguiu adiante.
O levantamento atual aponta que várias outras frutíferas estão em uso na arborização urbana,
como a pitangueira, a amoreira, o abacateiro, a goiabeira e a mangueira. Através da pesquisa de
Romero (2019), constatou-se que todas estas frutíferas já eram distribuídas no início do século
pelo SDMS, e entre 1909 e 1912 foram contabilizadas: 9.880 amoreiras, 7.191 mangueiras, 2.374
58
Figura 6. Guia Botânico da praça da Figura 7. Aleia perimetral de jaqueiras no jardim da Luz para
República e do jardim da Luz (1919). o passeio de carros (em vermelho).
Fonte: USTERI (1919). Desenho: Inserção de cores indicando algumas espécies representativas na planta
original por Pedro Henrique Lopes (in memoriam - PPGARQ / Unesp-Bauru).
4 CONCLUSÕES
Apesar da crescente conscientização a respeito dos inúmeros benefícios da biodiversidade na
arborização urbana, e seu papel cada vez mais destacado no provimento dos SE, o que se
depreende da análise apresentada neste artigo aponta para o caminho inverso. Grande parte das
espécies citadas na revisão bibliográfica – resultados de inventários para diferentes cidades de
São Paulo – também estão presentes no inventário atual conduzido pela SVMA e nos
levantamentos históricos de Guaraldo (2002) e Romero (2019).
Isso certamente é um indicativo de que atualmente ainda predomina na arborização urbana de
parcela significativa das cidades do Estado de São Paulo o mesmo repertório vegetal utilizado no
início do século XX, composto em sua maioria por exemplares exóticos e pouca variedade de
espécies. Outro aspecto a ser frisado é que, apesar dos esforços para a publicação de manuais e
recomendações ao longo dos anos, muitas das espécies utilizadas para arborização urbana na
atualidade ainda podem ser consideradas inadequadas para esta finalidade, principalmente em
calçadas, como as figueiras benjamina e microcarpa, por terem sistema radicular muito agressivo
e o abacateiro e a mangueira, pelos seus grandes frutos.
Esses achados corroboram a relevância de se discutir o tema de forma ampla, não apenas dentro
da comunidade acadêmica, mas integrando outros grupos de atores envolvidos, como os órgãos
de regulamentação e fiscalização, os agentes governamentais, e, principalmente, a comunidade. É
preciso entender que, apesar da arborização urbana ser parte de uma rede de IV que proporciona
benefícios a todos, os processos de decisão (sobre as espécies, manutenções, podas, trocas)
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 59
passam pelo cidadão, que precisa, portanto, ser sensibilizado para a importância de seu papel.
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USTERI, A. Guia botânico da praça da República e do jardim da Luz. Impresso por ordem da Prefeitura
Municipal, com prefácio de Monteiro Lobato. São Paulo: Comp. Paulista de Papeis e Artes Graphicas, 1919.
AGRADECIMENTOS
As autoras agradecem a Tácito Lucio Toffolo dos Santos – SMSUB/ATOS/PMSP pelo fornecimento de dados
de frequência de espécies cadastradas no SISGAU para a cidade de São Paulo. O presente trabalho foi
realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) -
Código de Financiamento 001.
AUTORAS
Marta Enokibara: Pós-doutorado em História das Ciências e da Saúde na Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz-RJ).
Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela FAU-USP. Arquiteta e Urbanista pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Docente do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo (PPGARQ) e do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura,
Artes e Comunicação (FAAC), Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Bauru.
Maria Fernanda Nóbrega dos Santos: Doutora em Engenharia Urbana pela UFSCar (2018). Mestre em
Engenharia de Produção pela UNESP (2010). Arquiteta e Urbanista pela UNESP (2007). Pesquisadora de Pós-
Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ), Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Bauru.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 61
Laís Bim Romero: Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo (PPGARQ), Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), Universidade Estadual
Paulista (UNESP), campus de Bauru. Arquiteta e urbanista pela UNESP.
Giuliana Del Nero Velasco: Pós-doutorado em Engenharia Civil e Arquitetura pela FEC – UNICAMP (2014).
Doutorado em Agronomia pela ESALQ-USP (2007). Mestrado em Agronomia pela ESALQ-USP (2003).
Engenheira Agrônoma pela ESALQ-USP (1999). Pesquisadora no Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT.
62
PAISAGEM E PERCEPÇÃO
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 63
64
RESUMO: Dentre os diversos conceitos envolvendo The dynamic of córrego das Flores’ landscape
o termo, há um consenso de que a paisagem não
deve ser abordada como algo completamente ABSTRACT: Among the various concepts involving
estático. Observando as mudanças decorridas no the term, there is a consensus that the landscape
entorno do córrego das Flores (Bauru-SP) a partir should not be approached as something complete
da década de 1960, desde que era um riacho a céu static. Observing the changes that occurred in the
aberto até tornar-se um canal de drenagem sob a vicinity of Córrego das Flores (Bauru-SP) from the
avenida Nações Unidas, tem-se como objetivo 1960s, since it was an open-air stream until it
analisar como a gestão urbana interferiu na became a drainage channel under the Avenida
construção da paisagem, por meio de obras Nações Unidas, the objective is to analyze how
públicas, formação de identidade, fatores urban management interfered in the construction
econômicos e mudanças de paradigmas quanto à of the landscape, through public works, identity
predominância do transporte individual e à formation, economic factors and changes of
preservação do meio ambiente. A bibliografia, que paradigms regarding the predominance of
abrange estudos da paisagem, o oeste paulista e individual transport and preservation of the
questões ambientais, forma a base para a environment. The bibliography, which includes
pesquisa, somada às reportagens, imagens e studies of landscape, the Oeste Paulista region and
cartografias obtidas em arquivos históricos, além environmental issues, form the basis for the
do levantamento fotográfico ao longo da avenida research, together with the reports, images and
Nações Unidas, no seu trecho entre o parque cartography obtained from historical files, besides
Vitória Régia e o rio Bauru. Os estudos levam à the photographic survey along the Avenida Nações
constatação de que as decisões políticas durante a Unidas, in its stretch between Parque Vitória Régia
segunda metade do século XX foram fundamentais and Rio Bauru. The studies lead to the realization
para a configuração da paisagem urbana atual, that the political decisions during these condhalf of
salientando a importância do incentivo à the XX century were fundamental to the
participação da população nos projetos da configuration of the current urban landscape,
administração municipal. stressing the importance of encouraging the
participation of the population in municipal
management projects.
Palavras-chave: paisagem, rios ocultos, gestão Keywords: landscape, hidden rivers, urban
urbana. management.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 65
1 INTRODUÇÃO
mudança de paradigmas, Gorski (2010, p.39) aponta que as definições “foram acompanhando a
evolução das visões de mundo das diversas áreas de conhecimento e dos vários contextos”.
Por ter um caráter dinâmico, [a paisagem é] interação de componentes ecossistêmicos
(bióticos e abióticos) e de componentes socioeconômicos e culturais, em processos
que se corporificam, assumindo significado apreensíveis, pelos atores, através de uma
percepção que inclui a valorização estética e emocional. (GORSKI, 2010, p.41).
Em todo caso, os autores citados concordam com a existência dessa relação entre o homem e (ou
sua ação sobre) o espaço. Essa linha de pensamento não só nos remete à ideia de uma paisagem
relacionada ao domínio de sensibilidade como também à complexidade que a envolve.
Intervenções humanas como canalizações, retificações e ocupação de várzeas que visam apenas à
eficiência do desenho urbano, resultam em um distanciamento do homem para com a natureza, e
um desequilíbrio não natural.
Ainda corroborando essa relação Homem X Natureza na paisagem, o geógrafo Carl Sauer (2004)
denomina como paisagem cultural o espaço alterado e com aspecto resultante da composição de
obras humanas: “em geografia não nos preocupamos com a energia, costumes ou crenças do
homem, mas com as marcas do homem na paisagem” (SAUER, 2004, p.57). Martin Seel (2011)
utiliza-se do termo natureza para a ideia de totalidade, e natureza modificada ou problemática
para a paisagem. Para o autor, a natureza modificada é semelhante à paisagem cultural de Sauer,
ou seja, intervinda pelo homem, pois “através do desenvolvimento tecnológico e da intervenção
técnica, a natureza canónica repercute-se na problemática” (SEEL, 2011, p.402). Portanto,
podemos considerar que o homem é também parte do conjunto da paisagem.
Besse (2014) aponta que para estudar a paisagem é primordial a análise da organização do
espaço. Observando a paisagem de Bauru através dessa segunda porta20, como um espaço social,
é preciso verificar as formas espaciais, diversidades, elementos estruturantes, dinâmicas,
morfologias, fluxos e circulações, e descontinuidades do espaço (BESSE, 2014, p.31). Sendo assim,
é importante considerara relação entre lugar e pessoas, verificando a qualidade da avenida
Nações Unidas como espaço público e a relação de memória com o córrego das Flores.
20
O texto “As cinco portas da paisagem” de Jean-Marc Besse (2014) indica cinco maneiras (ou cinco portas de entrada)
para acessar a paisagem, a fim de compreendê-la em sua totalidade, sendo elas: a paisagem como uma representação
cultural; como um território produzido pelas sociedades ao longo da história; como um complexo sistêmico que articula
os elementos naturais e culturais em uma totalidade objetiva; a paisagem como uma experiência fenomenológica; e
como um sítio ou um contexto para o projeto. Para o autor, trabalhar hoje de um ponto de vista teórico a questão da
paisagem supõe que se aceite abordar a justaposição e a sobreposição dos diferentes discursos e pontos de vista sobre
a paisagem.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 67
Figura 5. Demarcação de doações de terra, editado pelas autoras com base em Ghirardello (1992).
A fundação oficial ocorreu em primeiro de agosto de 1896, e não demorou muito para que a
cidade começasse a se destacar, obtendo grande desenvolvimento urbano, comercial e cultural
após tornar-se um importante entroncamento de três ramais ferroviários, fator facilitado pela sua
localização estratégica, no centro do Estado de São Paulo. Em 1905, instalou-se a Estrada de Ferro
Sorocabana (vinda de Lençóis); em 1906, a Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil
(da qual a cidade de Bauru era o quilômetro inicial, e expandiu em direção ao oeste paulista); e,
em 1910, a Companhia Paulista (vinda de Pederneiras). A ferrovia é até hoje um dos patrimônios
históricos mais importantes de Bauru (GHIRARDELLO, 2008, p.37-38).
Com o desenvolvimento da vila, deu-se início à discussão a respeito do abastecimento de água.
Segundo Gulinelli (2016), no início do século (23 de agosto de 1912), foi outorgada uma lei que
permitia a exploração de água esgoto, sendo transferido para a Companhia de Água e Esgoto de
Bauru o poder de decisões e todas as ferramentas necessárias, isentando a Prefeitura e a Câmara
de responsabilidades. Até então, a captação de água acontecia na cabeceira do ribeirão Bauru e
próximo à nascente do córrego das Flores (na proximidade do atual anfiteatro Vitória Régia). Com
o acesso à água encanada pertencendo apenas aos moradores do centro da cidade, “os pobres
utilizavam-se das águas do próprio córrego das Flores, ribeirão Bauru ou das bicas instaladas na
cidade” (GULINELLI, 2016, p.108). Além da carência de água encanada, essa população distante da
área central não tinha acesso também à rede de esgoto sanitário. “Os quintais eram áreas de
acúmulo de dejetos e de águas servidas, ou seja, um grande foco de doenças” (GULINELLI, 2016,
68
p.109). A contaminação desses rios levou à necessidade de procura por outros cursos para
captação de água, encerrando o papel do córrego das Flores como fonte de abastecimento.
É importante ainda lembrar que durante esse período, o Governo do Estado passou a investir em
embelezamento do espaço urbano e modernização da infraestrutura em cidades do interior. Essas
medidas ficaram conhecidas como soluções higienistas, motivadas por frequentes epidemias
dispersas pelo transporte ferroviário e chegada de imigrantes (GULINELLI, 2016, p.104). “As
políticas sanitárias, o higienismo e os pensamentos embelezadores são consolidados na forma de
lei com o Código de Postura de 1913, quando apareceu, pela primeira vez, um capítulo dando
diretrizes normativas sobre água e esgoto” (GULINELLI, 2016, p.10).
Flores (CONSTANTINO, 2005, p.42-43). Desde a ocupação dessas terras doadas (delimitadas por
esses dois cursos d’água), as enchentes naturais afetavam a vida e o bem-estar dos moradores,
destruindo o calçamento e acessos à bairros distantes ou criando focos de insetos transmissores
de doenças.
A questão do saneamento e embelezamento da cidade esteve sempre presente nas
reportagens dos jornais veiculados em Bauru nas décadas de 1920-1940, apresentando
a canalização dos córregos como a solução dos problemas das enchentes nas áreas
urbanas. O processo de urbanização não incorporava o papel estruturador da
paisagem. (CONSTANTINO, 2005, p.57).
Essa dificuldade com as enchentes naturais e problemas de saneamento fica evidente em uma
matéria de Gabriel Ruiz Pelegrina, publicada em outubro de 1986, a respeito de uma enchente no
vale do córrego das Flores durante a década de 1930. As informações relatadas, somadas à
convivência da população com águas estagnadas e não tratadas, foram alguns dos fatores que
levaram, anos mais tarde, à canalização do córrego.
Na década de 1930, a Cia. Paulista de Estradas de Ferro, enquanto estava canalizando o córrego
das Flores com tubos de concreto numa extensão de aproximadamente 150 metros, desviou o
curso da água, formando uma grande lagoa. Em menos de um ano depois, uma chuva torrencial
carregou “casas, animais domésticos e tudo o que a correnteza ia encontrando pela frente”
(PELEGRINA, 1986). Na altura do trecho canalizado, a água que excedia a vazão da tubulação
encheu a lagoa artificial até a altura da linha férrea, causando seu desabamento. “Só assim deu-se
fim à lagoa artificial que foi considerada, certo ou não, responsável por uma onda de tifo que
assolou a cidade, em especial a população que residia nas imediações, causando inúmeras
mortes” (PELEGRINA, 1986). Antes que a Cia. Paulista completasse a passagem provisória daquele
local, outro temporal levou embora o material da reforma. O pontilhão foi, por fim,
reestabelecido em concreto e vigas metálicas21.
Outra justificativa para a transformação da paisagem do Córrego das Flores, que será melhor
abordada ao longo do trabalho, é a popularização do automóvel individual em meados do século
XX, não só subsidiado pelo Governo, com a pavimentação de vias por todo o país, como também
aclamado pela população.
21
PELEGRINA, G. R. O vale do Córrego das Flores, ago. 1986, p.7. Disponibilizado para consulta no Núcleo de Pesquisa e
História da Universidade do Sagrado Coração (NUPHIS-USC).
70
Figura 6. Córrego das Flores (1978) e Av. Nações Unidas (2017) na altura da rua Inconfidência, Bauru/SP
Fonte: Museu da Imagem e do Som de Bauru e acervo das autoras, respectivamente.
Em ambas as imagens é possível observar que não existe um tratamento paisagístico, que
favoreça a passagem do pedestre ou acrescente uma arborização significante à paisagem urbana.
Isso ocorre devido ao fato de a preocupação com o meio ambiente ter se popularizado apenas
após a década de 1990, com o fim da Guerra Fria e o segundo maior encontro mundial, até então,
a respeito da sustentabilidade, a Eco-92.
Entretanto, apesar da preocupação de planejar com a paisagem ocorrer apenas décadas mais
tarde, indícios de uma mudança de consciência ambiental já começavam a surgir cinco anos após
a Conferência de Estocolmo, como é possível observar em uma publicação de um livro organizado
pela Prefeitura Municipal de Bauru22. Nele, já é perceptível a inclusão, em textos oficiais, de
discursos relacionados ao meio ambiente. Isso pode significar o início do reconhecimento da
importância da paisagem natural dentro da cidade, interligada à paisagem cultural.
Torna-se praticamente impossível trafegar por um grande número de ruas de nossa
cidade por ocasião das chuvas, principalmente devido à qualidade de solo arenoso e
ausência de uma rede completa de captação de águas pluviais. A civilização
tecnológica na obsessão de objetivos econômicos imediatos tem-se descuidado das
fontes da própria sobrevivência. O desprezo pelas técnicas de preservação do meio
ambiente e a exploração irracional dos recursos naturais, em alguns países, já produziu
danos que o homem jamais poderá reparar. (PREFEITURA MUNICIPAL DE BAURU,
1977, p.71).
Na década de 1990, o crescimento do interesse pela proteção e conservação dos recursos
naturais, o combate ao desmatamento compulsório e degradação do solo, e a despoluição de rios
passou a ser vista positivamente, pois os problemas ambientais decorrentes dessas atividades
haviam se intensificado, caminhando em direção à um estado crítico, com a extinção de recursos
não renováveis ainda fundamentais para a conservação da qualidade de vida – como combustíveis
para transporte.
Foi também nessa época que a Prefeitura Municipal de Bauru começou a elaborar um Plano
Diretor que envolvesse a questão de planejamento urbano e proteção de fundo de vale e dos
elementos naturais remanescentes da área urbana. Isso porque a expansão urbana acelerada,
associada ao interesse de empreendedores, gerou, simultaneamente, vazios urbanos e ocupação
22
Disponibilizado para consulta no Museu Histórico Municipal de Bauru-SP.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 71
das várzeas de cursos d’água, encontrando-se assoreados, desprovidos de mata ciliar e escoando
esgoto urbano não tratado (CONSTANTINO, 2005, p.87).
Dessa forma, a legislação foi um instrumento fundamental para conter a degradação do espaço
urbano e introduzir o planejamento com a paisagem nas obras públicas. Esse instrumento e os
meios como foi utilizado será mais bem detalhado no decorrer deste texto.
Outro ponto resultante das decisões políticas do século XX foi o aumento da ocupação dos bairros
centrais localizados na bacia do córrego das Flores, onde o valor do metro quadrado é mais
valorizado pelo fato de ser uma região central (com shopping e outros serviços), próximo a alguns
dos poucos parques da cidade (Parque Vitória Régia e o Bosque da Comunidade), e a proximidade
com as principais vias de acesso à cidade (avenidas Nações Unidas, Getúlio Vargas, Nuno de Assis,
Rodrigues Alves, Duque de Caxias e rodovia Marechal Rondon).
A intensificação da impermeabilização do solo, a pouca incidência de áreas livres e permeáveis, e
o subdimensionamento do canal subterrâneo pelo qual o córrego e as águas pluviais percorrem
foram determinantes para o agravamento das enchentes na região. Esse processo também será
detalhado posteriormente, evidenciando como a aceitação popular das decisões tomadas, como a
preferência pela construção de vias, foi determinante para as transformações impostas à
paisagem local.
2 OBJETIVOS
O principal objetivo deste trabalho foi analisar o papel da gestão e da população na construção da
paisagem atual do córrego das Flores, e, consequentemente, da avenida Nações Unidas, através
de obras públicas, formação de identidade, fatores econômicos e mudanças de paradigmas
quanto à importância da via expressa e à preservação do meio ambiente.
3 METODOLOGIA
Para a pesquisa foi utilizada, principalmente, a bibliografia relacionada a estudos sobre a
paisagem, o oeste paulista e questões ambientais. Além disso, foram buscadas informações em
arquivos históricos particulares, como o Núcleo de Pesquisa e História da Universidade do
Sagrado Coração (NUPHIS-USC), e municipais (Museu Histórico Municipal e Museu da Imagem e
do Som de Bauru-SP), que forneceram reportagens, fotografias, e cartografias históricas. Além
disso, foi realizado um levantamento de campo ao longo da avenida Nações Unidas, no seu trecho
entre o Parque Vitória Régia e o rio Bauru.
4 DISCUSSÕES
entanto, isso não a impediu de ser palco de atrações, recebendo desfiles de carnaval e paradas
cívicas.
Com o intuito de esclarecer como se deu o processo de canalização do córrego das Flores e a
construção, por etapas, da avenida Nações Unidas através das décadas, foi elaborado um mapa
esquemático (Figura 3), baseado em descrições de documentos, fotos e bibliografia. Dessa forma,
a figura apresenta uma posição aproximada dos pontos de parada e continuação das obras
realizadas por diferentes gestões municipais. A obra foi iniciada pelo prefeito Nicolla Avallone Jr.,
tendo seus sucessores, mesmo que de outro partido, dado continuidade ao projeto, ampliando
todo o sistema viário sob orientação do Plano Diretor de 1967 (cuja criação foi obrigatória para o
recebimento de futuras verbas do Estado).
Enquanto na Figura 3 é possível observar listados os principais gestores envolvidos com obras que
encaminharam as transformações da paisagem para a forma que temos hoje, o Quadro 1 detalha
as principais ações aprovadas pelos prefeitos desse período de construção da avenida Nações
Unidas, além de apresentar algumas características pessoais ou administrativas.
Figura 7. Mapa esquemático da construção da Av. Nações Unidas na segunda metade do século XX.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 73
Quadro 1. Descrição das gestões públicas de Bauru-SP na segunda metade do século XX.
Gestão Descrição
Primeiro prefeito bauruense eleito; fundador do jornal Diário de Bauru; estilo
populista de governar; introdutor do slogan Cidade Sem Limites; responsável pela
Nicolla Avallone Junior
canalização do primeiro trecho da futura av. Nações Unidas (entre as ruas
(1956-1959)
Marcondes Salgado e Constituição); criou incentivos para indústrias (loteamento
e infraestrutura); criou novos bairros e o viaduto JK (acesso ao jardim Bela Vista).
Antecedido pelas gestões de Luiz Zuiani (1959-1960) e Irineu Bastos (1960-1964);
deu nome à antiga marginal do ribeirão Bauru; apoiava a vinda de indústrias;
Nuno de Assis responsável pela contratação do Núcleo de Pesquisas Urbanística da FAU-USP
(1964-1969) para a elaboração do Plano Diretor de 1967; financiamento para a construção da
nova ETA (Estação de Tratamento de Água); o estabelecimento da COHAB;
instalação de galerias pluviais em algumas ruas.
Empresário na área de transportes e herdeiro da empresa de ônibus Expresso de
Prata; maior acionista do Jornal da Cidade; novo acesso ao aeroporto pela
alameda Universitária; remodelação da av. Pedro de Toledo; reforma do viaduto
Alcides Franciscato Mauá; viaduto sobre a Rondon; valorização de terrenos com a instalação de
(1969-1973) infraestrutura; apoiava a vinda de indústrias; início das obras da praça República
do Líbano (1969); extensão da já renomeada av. Nações Unidas (1971-1972);
contratou o projeto do viaduto da av. Duque de Caxias; asfaltou as vias;
inaugurou a praça Portugal e o ainda incompleto viaduto João Simonetti (1973).
Partidário de Franciscato, deu continuação às obras iniciadas na gestão anterior;
único candidato; presidente do DAE (Departamento de Água e Esgoto) na gestão
anterior; proprietário da Tilibra; arquiteto Jurandyr Bueno Filho como vice-
prefeito; finalização dos viadutos da Duque de Caxias (1975) e João Simonetti;
finalizou trecho da canalização do rio Bauru (1974); avenida Brasil (avenida Nuno
de Assis) (1976); ampliação do viaduto Mauá (ligação Centro-Falcão); construção
Luiz Edmundo Coube
do viaduto João Martins Coube; continuação da avenida Rodrigues Alves sobre a
(1973-1977)
rodovia Marechal Rondon (1970) e extensão até as proximidades do distrito
Industrial e jardim Redentor (inaugurado pela Cohab em 1968); continuação das
obras do parque Vitória Régia (na época nomeado como parque das Nações);
prolongamento da av. Nações Unidas; explosão acidental da av. Nações Unidas
durante a visita do presidente Ernesto Geisel e do governador Paulo Egydio
Martins (1976).
Partidário de Franciscato e continuação das obras iniciadas na gestão anterior;
funcionário da empresa de ônibus rodoviário Expresso de Prata; apoiado por
Franciscato (o qual era vice, até se tornar deputado federal de 1975-1987);
construção do trevo da rodovia Marechal Rondon com a avenida Nações Unidas
(1979); inauguração do parque Vitória Régia (1978), zoológico municipal (1980) e
bosque José Guedes de Azevedo (bosque da Comunidade) (1981); conclusão da
Oswaldo Sbeghen
extensão da Nações Unidas, ligando o Vitória Régia a Marechal Rondon (1980);
(1977-1982)
obras estendidas até o viaduto da Fepasa; viaduto Antônio Eufrásio de Toledo
(1981). Prosseguimento às obras na avenida Nuno de Assis, com a canalização do
rio Bauru e a interligação da Nuno com a avenida Nações Unidas; novo terminal
rodoviário Eng. Dirço Durval dos Santos (1980), com projeto de Jurandyr Bueno
Filho. O trecho da av. Nações Unidas sob o viaduto da Fepasa foi finalizado na
gestão seguinte, em 1986, pelo vice-prefeito eleito, José G. Tuga Martins
74
Gestão Descrição
Angerami (1983-1989), que assumiu a prefeitura com o falecimento do titular,
Edson Bastos Gasparini (1983).
Sendo considerados símbolos de modernidade, a avenida Nações Unidas, o parque Vitória Régia,
e a avenida Nuno de Assis enalteceram a grandiosidade dessas décadas do século XX, reforçando
a ideia de Cidade Sem Limites e sendo representados em calendários e cartões postais. Por outro
lado, possuem também graves problemas projetuais e de drenagem de águas pluviais (LOSNAK,
2004). Um dos principais pontos de alagamento localiza-se próximo a outro símbolo do moderno,
o edifício Brasil-Portugal, situado no cruzamento das avenidas Nações Unidas com a Rodrigues
Alves. O prédio, concluído em 1964, foi projetado pelo arquiteto português Fernando Ferreira de
Pinho, permanecendo até os dias atuais com um uso residencial. É atualmente tombado pelo
Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Bauru (CODEPAC).
Em relação ao parque Vitória Régia (oficialmente parque das Nações e, posteriormente, parque
Dr. César Benedito Fernandes Rodrigues), o projeto inicial foi elaborado pelo arquiteto Jurandyr
Bueno Filho, que, preocupado com as erosões próximas às nascentes do córrego, imaginou a
implantação de um grande parque que servisse ao entretenimento para a cidade e pudesse
recuperar a área, protegendo a nascente. O projeto previa um teatro municipal e um anfiteatro
semicircular em um lago, preenchido com a água da nascente do córrego das Flores. Eles seriam
implantados em um “bolsão verde”, separando a marginal (com fluxo lento) da via expressa.
Como consequência dessas obras, ocorreu uma rápida ocupação e valorização imobiliária, com o
investimento do Poder Público na “transformação de determinado espaço urbano, ampliando
territórios da classe média, oferecendo suporte para setores empresariais que passaram
instalando vários tipos de atividades na avenida e regiões próximas” (LOSNAK, 2004, p.173-174).
A avenida Nações Unidas se tornou símbolo de orgulho e identidade de Bauru, diferente do
córrego já degradado.
certa preocupação com o uso das áreas de fundo de vale, não é apontada a recomposição de
matas ciliares, e sugerem a possibilidade de ocupação dessas áreas por vias marginais. Além disso,
a paisagem de fundos de vale não é considerada na proposta de integração entre os três setores
divididos pela ferrovia. Nesse período os planos elaborados atendem a valores funcionais em vez
de naturais e culturais, sendo a setorização e a estruturação de zonas de uso uma característica
mais comum (CONSTANTINO, 2005, p.65).De qualquer forma, na prática, apenas as propostas
relacionadas ao sistema viário do primeiro Plano Diretor de Bauru foram implantadas (LOSNAK,
2004, p.193).
A partir daí, observa-se uma sequência de legislações municipais, estaduais e federais que aos
poucos levam em conta as questões ambientais, relacionadas a áreas verdes, fundos de vale e
educação ambiental. Nesse contexto, podemos citar o Código das Águas (Decreto 24.643, de 10
de julho de 1934) e, posteriormente, a Lei das Águas (Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997); Decreto
Estadual 13.069, de 29 de dezembro de 1978, contendo normas técnicas a respeito do
saneamento ambiental, loteamentos e do código sanitário; A Lei Federal 6.766, de 19 de
dezembro de 1979 (alterada posteriormente pelas Leis 9.785/1999; 10.932/2004; 11.445/2007),
também conhecida como Lei Lehmann, relevante para o estabelecimento de diretrizes mais
rigorosas para o parcelamento do solo; a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que institui a Política
Nacional do Meio Ambiente.
No município de Bauru destaca-se a Lei Municipal 2.339, de 15 de fevereiro de 1982
(regulamentada pelo Decreto 3.590/1982), que estabelece normas para o parcelamento, uso e
ocupação do solo no município, conforme ordena a Lei Federal 6.766/1979. Com isso, a Lei
propiciou a definição de uma reserva próxima ao antigo ribeirão das Flores (atual Água do
Castelo) para o parque do Castelo (ainda não implantado), mas não foi capaz de barrar núcleos
habitacionais de interesse social de ocuparem os fundos de vale, sendo implantados sem respeito
às áreas marginais de conservação dos córregos ou aproveitamento paisagístico. A partir de 1982,
o zoneamento estabelecido pôde auxiliar no controle do uso e ocupação espaço. “Adota-se assim
o zoneamento como maneira de organizar o desenho da cidade, através dos usos e não pelo
controle da ocupação, que é comandada pelos empreendedores imobiliários” (CONSTANTINO,
2005, p.73).
Antes de citar os Planos Diretores posteriores à década de 1990, vale destacar: a Lei Orgânica do
Município de Bauru, de 1990, que, em seu artigo 151, cobra do Poder Executivo, através do DAE,
a realização de um planejamento de tratamento de esgotos e despoluição do rio Bauru e
afluentes; Lei do Cerrado (Lei Federal 13.550/2009), que trata sobre a proteção e utilização da
vegetação do bioma cerrado, e Resolução SMA 64/2009 sobre fisionomias e estágios de
regeneração desse bioma; a Lei 5.889, de 5 de abril de 2010, que estabelece a Política Municipal
de Educação Ambiental do Município de Bauru; e o novo Código Florestal (Lei Federal
12.651/2012, alterada pela Lei 12.727/2012), que dispõe sobre a proteção de vegetação nativa.
Em 1996, foi elaborado o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Bauru (Lei 4.126/1996),
formado com base em informações obtidas com a população e outros órgãos públicos. Foi o
resultado do interesse da gestão pública em relação às questões ambientais e melhora da
qualidade de vida das pessoas, integrando mais equilibradamente, obras, normas e serviços. A
respeito da Política do Meio Ambiente, foram estabelecidas diretrizes como: projetos de
educação ambiental, gerenciamento dos recursos naturais, e recuperação de áreas degradadas. O
76
Plano foi ainda responsável pela instituição de Unidades de Conservação Ambiental, demarcando
Áreas de Proteção Ambiental, Setores Especiais de Conservação, e um projeto de Sistema Viário
Básico.
Doze anos mais tarde, foi elaborado o Plano Diretor Participativo do Município de Bauru de 2008
(Lei 5.631/2008), revisando o Plano anterior, e também trabalhando com a participação dos
habitantes. Foi ainda realizada a regulamentação dos instrumentos do Estatuto da Cidade de
2001, macrozoneamento e definição de áreas de interesse ambiental, além da remoção de
residências irregulares em áreas de risco. Incluiu ainda as áreas de relevante interesse ecológico,
determinando locais para construção de barragens e apontando novas áreas de proteção
ambiental (APAs).
Figura 8. Cachoeira na cabeceira do córrego das Flores. Década de 1930 (Bauru Ilustrado, 1997).
A Figura 4 faz parte da seção “Crônica do leitor”, do Bauru Ilustrado, enviado pela correspondente
Alba Ramos Barbosa Condi, que descreve o local a partir de suas memórias, recordando de sua
moradia próxima ao córrego e bicas de água.
Não sou saudosista. Mas penso que recordações da infância são coisas que nos fazem
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 77
bem, nos fazem voltar às raízes e construir a nossa história. Quando vejo hoje a
avenida Nações Unidas inundada pelas águas da chuva, fico lembrando do tempo que
ali corria um simples riacho: o rio das Flores. Manso silencioso, batendo nas pedras,
água límpida seguindo seu o trajeto. Tinha até uma cachoeirinha onde a meninada se
deliciava. A gente se divertia batendo os pés contra correnteza, pegando pedrinhas,
brincando com barro e areia branca de suas margens. O rio passava no fundo do nosso
quintal. Nossa casa ficava na rua das Flores, hoje Saint-Martin, esquina com a Batista
de Carvalho. Na época das chuvas muita terra rolava pelos barrancos levando até as
verduras de lindas hortas cultivadas por japoneses, mais ou menos onde hoje é a Casa
Moreira. Do outro lado do rio, um pouco mais abaixo, ficava a mina do Abelha, como a
chamávamos. Fazíamos fila para apanhar aquela água boa que levávamos para casa.
Dos amigos que ali se reuniam para brincar, a “Kiki” (filha de Dona Adelaide e Sr. Jonas
Landhal) hoje Cristina Cabral, mudou-se ainda pequena para Fortaleza e só voltou
muitos anos depois, quando o rio já não mais podia ser visto... E para ele fez esse
poema que nos mandou [...]. O progresso tem um preço: alguma coisa tem que ser
sacrificada para que outras mais necessárias apareçam. A beleza simples do pequeno
riacho com seus encantos naturais deu lugar à beleza arquitetônica de uma grande
avenida. Mas é preciso saber admirar todas as coisas que têm, cada qual sua beleza
23
diferente. (BAURU ILUSTRADO, 1997, p.3) .
Na crônica acima, Alba Ramos Barbosa Condi declara que “o progresso tem um preço: alguma
coisa tem que ser sacrificada para que outras mais necessárias apareçam”. Essa afirmação retrata
uma conformidade das pessoas sobre a desfiguração da paisagem urbana. Atualmente, os
projetistas que leem a paisagem para poder projetar, o fazem através do sentir e experimentar o
espaço, integrando os elementos, naturais e artefatos, dentro do sistema da paisagem. É
importante preservar a memória do lugar e das pessoas que o habitam, integrando sua história às
novas transformações que ocorreram nessa paisagem.
É por essa razão que se torna fundamental o incentivo à preservação da cultura local e integração
com os projetos, preferencialmente envolvendo a conservação ambiental e aumento de espaços
livres e verdes para a população. Quando se trata do desenvolvimento de projetos urbanos, o
envolvimento da comunidade e do Poder Público é fundamental. No caso do Plano Diretor
participativo de 2008, conseguiu-se com sucesso envolver boa parte da população, sendo esse
“um direito do cidadão de contribuir, de interagir em sociedade, de tomar parte no processo de
tomada de decisão e de apropriar-se do território em que vive” (RIGITANO; BARBASSA, 2008,
p.182).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Primeiramente, tomando como base o conceito de uma paisagem dinâmica, sensível e complexa,
fica claro que as ações tomadas pelo homem afetam diretamente sua configuração, como foi
comprovado ao analisar a sequência de transformações desencadeadas pela porção de terras
doadas (entre o rio Bauru e o córrego das Flores) ainda no século XIX. Como Besse (2014) explica,
a paisagem pode se modificar naturalmente ou sob a influência da ação humana, mas o impacto
que esses estímulos exercerão podem causar um grande desequilíbrio na relação Homem X
Natureza se não pensados em conjunto.
As discussões a respeito das gestões e obras viárias demonstraram que quando não consideramos
23
Rio das Flores. Bauru Ilustrado, p.3, maio. 1997. Disponibilizado para consulta no Museu Histórico de Bauru.
78
o complexo da paisagem nos projetos urbanos, problemas como enchentes e queda na qualidade
da vida irão eventualmente ocorrer. Contudo, ainda no âmbito governamental, a legislação
encontra-se como uma ferramenta fundamental nesse processo de planejamento consciente do
território, mostrando que basta uma mudança de consciência (no caso ambiental) para dar o
primeiro passo em direção a uma relação sustentável, ao contrário de predatória, entre
desenvolvimento e meio ambiente.
Por fim, foi possível perceber que as transformações no entorno do Córrego das Flores não foram
só de responsabilidade de decisões políticas. A aceitação (ou muitas vezes, conformidade) da
população provou ser de grande peso para a continuidade das obras – e consequentemente das
reações da natureza. O Plano Diretor Participativo de 2008 criou a oportunidade de uma relação
direta entre a opinião das pessoas sobre o que desejavam para a cidade, e as medidas de
planejamento que seriam tomadas. Isso foi fundamental para concluir a importância do incentivo
à participação ativa da população dentro e fora da comunidade, com o papel de alertar e fiscalizar
a Administração Municipal, informando quais medidas irão melhorar a qualidade de vida que é de
direito a todos.
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paisagem: uma antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011. p. 213-225.
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GORSKI, M. C. B. Rios e cidades: ruptura e reconciliação. São Paulo: Senac São Paulo, 2010.
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Filosofia e arquitectura da paisagem: intervenções. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa,
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TUCCI, C. E. M. Águas urbanas. Estudos avançados, São Paulo, v.22, n.63, 2008.
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
AUTORAS
Fernanda Moço Foloni: Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de
Mesquita Filho" – UNESP-Bauru (2018). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) de maio de 2017 a março de 2018. Graduada em Arquitetura e Urbanismo também pela
UNESP-Bauru (2012). Atua principalmente com os temas: paisagem, rios urbanos, infraestrutura verde e
drenagem sustentável.
Norma Regina Truppel Constantino: Possui doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de
São Paulo (2005), sendo, atualmente, professora assistente doutora da Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (UNESP-Bauru) no Curso de Arquitetura e Urbanismo e no Mestrado Acadêmico em
Arquitetura e Urbanismo. Mestrado em Planejamento Urbano e Regional Assentamentos Humanos pela
UNESP-Bauru (1994). Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná (1979).
80
RESUMO: Em 1906, partindo de Bauru, foram Between memory and perception: reflections
inaugurados os primeiros 100 km da Estrada de about the Workshops Railway of Noroeste do
Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB). Em 1921, deu-se Brasil, in Bauru, São Paulo
a inauguração das Oficinas Gerais. Ali era realizada
toda produção, montagem e reparos despendidos ABSTRACT: In 1906, initiating from Bauru, were
pela EFNOB. O projeto inicial distribuía as inaugurated the first 100 km of the Estrada de
operações em seis galpões, unidos por uma nave Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB). In 1921, the
central, ultrapassando mais de 11.000 m². Outrora inauguration of the Workshops Railway was given.
o conjunto de oficinas foi muito importante para as All production, assembly and repairs were carried
dinâmicas urbanas e sociais da cidade, pelo out by EFNOB. The initial project distributed the
elevado número de empregos gerados e atividades operations in six warehouses, united by a central
realizadas. Atualmente, parte está em desuso e nave, surpassing more than 11.000 m². Formerly,
outra utilizada pelas atuais concessionárias. Nestas the set of workshop was very important for the
condições, o conjunto enfrenta o desafio de sua urban and social dynamics of the city, due to the
preservação integral. Para dar conta dos objetivos high number of jobs created and activities carried
propostos (identificação dos usos originais dos out. Nowadays, part is in disuse and the other one
espaços e ao longo do tempo e apreensão is being used by the current concessionaires. In
fenomenológica do espaço atual), foram utilizadas this way, the set faces the challenge of its integral
metodologias de pesquisa histórica e da deriva preservation. In order to handle the proposed
situacionista aplicadas à arquitetura industrial. objectives (identification of original uses of spaces
Espera-se apresentar as características gerais deste and over time, phenomenological apprehension of
espaço industrial (edifícios das oficinas, pátio e the current space), we used methodologies based
vila) e a relação com a cidade à época de sua on historical research and on situationist dérive,
construção, assim como algumas práticas espaciais applied to industrial architecture. We hope to be
que atualmente existem e interagem com este able to present the general characteristics of this
antigo espaço de manutenção ferroviária. industrial space (workshop buildings, patio and
village) and the relationship with the city at the
time of its construction, as well as some spatial
practices that currently exist and interact with this
former railway maintenance space.
1 INTRODUÇÃO
Pensar sobre a preservação do patrimônio industrial ferroviário passa, inevitavelmente, pela
compreensão de sua história e de sua materialidade. Por conta disso, este trabalho procura
estudar as Oficinas Gerais da Noroeste do Brasil (NOB), em Bauru (SP), a partir de uma abordagem
histórica e perceptiva do espaço.
A vinda das ferrovias para Bauru foi muito significativa para cidade, sobretudo pelas mudanças
em suas dinâmicas urbanas derivadas do elevado número de empregos gerados e atividades
realizadas. Ademais, também foi um passo fundamental para a colonização de toda porção oeste
do Estado de São Paulo ao criar um entroncamento ferroviário com três das mais importantes
Companhias Ferroviárias da época: a Paulista, a Sorocabana e a Noroeste.
Entretanto, mesmo possuindo essa relevância histórica, e tendo atualmente uma parte de sua
área utilizada por concessão privada (RUMO e TRANSFESA), o legado ferroviário de Bauru em
grande medida está em desuso. Entende-se também que este complexo ferroviário não pode ser
pensado de maneira isolada, e, por isso, torna-se importante compreender como esses bens se
relacionam com a sociedade. Um olhar atento à sua materialidade permite reconhecer muitos
usos e apropriações – práticas espaciais que expressam uma gama muito diversa de significados
da população. Deste modo, questiona-se: Como pensar a preservação desse espaço nestas
condições?
Diante do desafio de contribuir para a sua preservação integral, este estudo procura,
primeiramente, compreender a evolução da ocupação das oficinas da NOB através de uma
camada de informações com base em sua revisão histórica, entendendo sua relação com a cidade
à época de sua construção e nos dias atuais.
Através da importância que se dá à experiência no local, a “proposta metodológica” adotada
também envolve a realização de derivas (método do Movimento Internacional Situacionista) para
reconhecer e registrar as práticas espaciais existentes, elaborando-se, ao final, um protótipo de
mapa psicogeográfico.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é tanto identificar os usos originais das oficinas da NOB e
suas mudanças ao longo do tempo como também averiguar a pertinência da deriva enquanto
método de reconhecimento das práticas e apropriações do espaço urbano. Dessa forma, ao
relacionar essas informações de fontes tão distintas de maneira transversal, procura-se fornecer
subsídios para as reflexões e práticas de preservação patrimonial.
Considerando os pressupostos acima mencionados, este capítulo visa a contribuir com a
publicação do quarto volume da série “Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo”, promovida pelo
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UNESP, ao apresentar reflexões
teóricas e metodológicas sobre a preservação e apreensão espacial do patrimônio industrial
ferroviário e suas relações com a cidade.
(CANO, 1990). A cultura do café originada no Vale do Paraíba – iniciada ainda no Império – foi
dentre os ciclos econômicos a maior responsável por transformar as cidades brasileiras. Em
meados do século XIX, em São Paulo, o café tornou-se a linha mestra da produção brasileira
assumindo a responsabilidade por uma nova organização social, econômica e urbana. A expansão
da produção acarretou, inevitavelmente, a expansão urbana e o nascimento de novas cidades
plantadas junto aos grãos (MATOS, 1990). Contudo, a colonização do centro-oeste paulista até o
início do século XX era considerada complicada, devido à predominância de tribos indígenas e de
terrenos supostamente desfavoráveis, sendo uma região praticamente inexplorada (QUEIROZ,
2004).
Inserida nesse contexto histórico e territorial, Bauru era considerada como “boca do sertão”
(GHIRARDELLO, 1992). Os primeiros registros documentais sobre o terreno atual da cidade
surgem por volta 1856, data na qual se tem o registro (Lei de Terras), realizado pelo pioneiro
Felicíssimo Antônio Pereira, de suas posses na atual Bauru, sendo, portanto, anterior à expansão
efetiva cafeeira nessa região. A ocupação foi crescendo com a ajuda de migrantes de todo país,
com destaque para os mineiros que vinham em busca de novas lavouras. Pela posição estratégica,
e crescimento considerável, Bauru pode ser considerada o passo inicial para a ocupação incisiva
do oeste paulista (NEVES, 1977). Localizada no centro do Estado de São Paulo, a cidade era na
época habitada por índios caingangues (dizimados em 1917 pela ocupação), que demonstraram
resistência em ceder suas terras aos primeiros posseiros que surgiram. Logo a expansão cafeeira
chegou à pequena freguesia, elevada a município em 1896 (PAIVA, 1975).
Pode-se dizer que o crescimento da cidade esteve diretamente relacionado a uma política de
ocupação do oeste paulista, tendo como instrumento efetivo a execução de uma ferrovia.
Diversos pesquisadores enunciam que a idealização de uma via férrea entre os extremos do
Estado de São Paulo e Mato Grosso se iniciou ainda no século XIX, sendo alimentada por
movimentos republicanos visando à soberania territorial que havia sido ameaçada anos antes
pela Guerra do Paraguai. Existiu, portanto, um caráter político no estabelecimento dessa
comunicação, em que a elite desejava demonstrar e reafirmar a unidade nacional,
constantemente atingida nos períodos anteriores. Por mais, a abertura dessa via de comunicação
ampliou o poder mercantil do Brasil tanto por via marítima, com o escoamento da produção
mato-grossense, quanto por via fluvial como acesso facilitado ao Rio Paraguai. Essas
características deixam claro o caráter econômico e político empregado juntos na construção da
Noroeste do Brasil (QUEIROZ, 2004).
implantação da estrada de ferro deveria ocupar definitivamente o oeste do país, para servir tanto
à seguridade nacional, quanto à cafeicultura (QUEIROZ, 2004).
A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil tem seus primeiros 100 km inaugurados em 1906. As
locações da estação, seus pátios e galpões, foram feitas próximas às instalações preexistentes da
Estrada de Ferro Sorocabana. A estação definitiva começa a ser construída em 1936, sendo
entregue em 1939, com arquitetura Art Déco. Bauru passou a ser o centro de decisões da
companhia e ascendeu no Estado (GHIRARDELLO, 1992).
Na Figura 1 observa-se o traçado urbano resultante ao final da implantação das ferrovias, como
também o primeiro eixo de crescimento no sentido norte-sul. Como se vê, é inegável que as
linhas férreas alargaram e definiram a divisão da cidade, consolidando uma barreira de difícil
transposição.
p. 42).
Com o passar dos anos, e o crescimento da Noroeste do Brasil, foi aferida uma necessidade de
melhoria na gestão e planejamento da companhia. Dessa motivação surgiu o complexo industrial
das Oficinas Gerais. O responsável pela gestão da empresa nesse período, o engenheiro Arlindo
Luz, decidiu trabalhar os problemas de infraestrutura enfrentados pela companhia, que até a
década de 1920 mantinha sua sede na capital federal, Rio de Janeiro (ESTRADA DE FERRO
NOROESTE DO BRASIL, 1921, p. 4). Sendo uma das primeiras empreitadas do engenheiro, a
construção do complexo das Oficinas Gerais da Noroeste do Brasil se iniciou em agosto de 1920.
A linha do tempo, representada na Figura 2, foi elaborada visando a elucidar a dinamicidade
promovida pelas ferrovias em Bauru. Através dela é possível concluir que todas as transformações
sucederam numa velocidade considerável para o período.
Figura 2. Linha do tempo e tabela populacional dos primeiros anos de Bauru. Fonte: Losnak (2004, p. 63).
responsáveis por todos os setores de montagem. Entre os vagões emblemáticos produzidos ali,
encontra-se – atualmente no Museu Ferroviário de Bauru – um vagão de luxo feito
exclusivamente para o Presidente Getúlio Vargas utilizar durante a Revolução Constitucionalista
(1932). As etapas envolvidas na produção industrial foram também setorizadas nas plantas dos
edifícios. A produção era dividida em Ajustagem, Eletricidade e Carpintaria e então subdividida
entre os subsetores. A primeira seção envolvia as operações de máquinas que trabalhavam os
metais, como as fresas e plainas, a fundição e caldeiraria. Ao setor seguinte ficavam reservados os
cuidados referentes às instalações elétricas, tanto de iluminação quanto de funcionamento. E, por
fim, no último setor, os acabamentos em madeira, como assentos e esquadrias.
No desenho técnico (Figura 3), observa-se essa organização em planta livre, modulada entre
pilares com subdivisão interna independente da estrutura. Nota-se nitidamente que havia uma
intenção de criar uma organização que favorecesse a produção em série.
Figura 3. Planta Baixa com os três setores iniciais de 1921 – Desenho técnico com data ilegível. Fonte: DNIT -
UR BAURU.
A construção das oficinas não impactou somente no aspecto econômico e produtivo da N.O.B.,
mas também na ocupação urbana e consolidação da Vila Falcão, bairro adjacente. De início, a
ocupação ocorreu principalmente pelo fator necessidade, impulsionada pelos milhares de
migrantes que chegaram para trabalhar junto às ferrovias desde as primeiras fundações,
ganhando ainda mais força na década de 1920, com a construção das oficinas.
No mapa de evolução urbana (Figura 4), fornecido pela Secretaria Municipal de Planejamento de
Bauru (SEPLAN), é possível destacar o crescimento significativo da área onde se localizam as
Oficinas Gerais. Se compararmos com o restante do município, nota-se que as regiões entre as
linhas diretamente relacionadas com o edifício industrial foram as que tiveram maior expansão.
Na tabela de crescimento populacional, apresentada na Figura 2, vimos um crescimento de
aproximadamente 16.000 habitantes entre os anos de 1907 e 1922. De acordo com informações
obtidas pelo departamento responsável pelos pensionistas da antiga Noroeste, a empresa
contava com aproximadamente 700 funcionários na região de Bauru, saltando para mais de 2.200
na década de 1920, após a implantação das oficinas. Isto significava que aproximadamente 15%
86
Figura 4. Recorte de mapa de evolução urbana de Bauru entre 1920-1940, em destaque a Vila Falcão.
Fonte: Secretaria de Planejamento Urbano – Editado.
Assim, a partir do mapa anterior, associando aos dados demográficos e número de funcionários,
pode-se aferir o impacto da implantação desse complexo industrial no crescimento da cidade de
Bauru.
Figura 5. Planta de Situação das Oficinas Gerais (1984) - editada. Fonte: DNIT - UR BAURU.
Em contrapartida, outra área encontra-se em desuso, com seus espaços não operacionais
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 87
Figura 6. Espaços ferroviários não operacionais. Fonte: Acervo dos autores, 2018.
Figura 7. Percursos realizados durantes as derivas. Fonte: Google Earth, 2018. Editado.
Ressalta-se que o ponto preponderante para as realizações das derivas foi o reconhecimento das
práticas espaciais, de modo que este estudo se preocupou mais em gerar reflexões que fazer um
levantamento exaustivo sobre todas as possibilidades de apropriações.
Figura 8. Caminho sob o viaduto “Falcão-Bela Vista”. Fonte: Acervo dos autores, 2018.
Do lado oposto da linha férrea, próximo ao bairro Jardim Bela Vista, as pessoas caminham ao
longo de um ramal aparentemente desativado, seja para empinar pipa ou simplesmente se
encontrar para conversar. No decorrer do caminho também foram observados alguns acessos
para pedestres e veículos ao lado dos trilhos.
Conforme alguns moradores expuseram, há certa dificuldade em cruzar a principal linha férrea
ainda em funcionamento, especialmente em decorrência do trânsito nos momentos em que o
trem passa pelo trecho urbano, impedindo a circulação dos pedestres, ciclistas e dos automóveis.
Quando este “conflito viário” ocorre, é possível observar algumas pessoas pulando os vagões
diante da necessidade de transposição dos trilhos (Figura 9).
Figura 9. Momento da passagem do trem pelo trecho urbano. Fonte: Acervo dos autores, 2018.
Estas práticas demonstram que mesmo com a presença de barreiras físicas e/ou simbólicas, as
pessoas subvertem a lógica dominante para alcançar a liberdade de ir e vir pelos espaços públicos
da cidade.
Ainda que determinada prática espacial não seja presenciada in loco, como as anteriormente
apresentadas, também é possível perceber suas “pegadas” – as marcas deixadas em outros
momentos pelas presenças que ali se encontravam. Como exemplo, ao longo dos diversos muros
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 91
que circundam o pátio ferroviário, é possível perceber que suas paredes servem como “mural”
para as mais variadas formas de expressão, entre grafites e pichações (Figuras 10 e 11).
Conforme afirma Certeau (2008), a presença de uma representação não indica o que ela é para os
seus usuários, sendo necessário analisar a manipulação feita pelos seus praticantes. Considerando
essa afirmação, é plausível supor que são variadas as intenções para a realização desses tipos de
práticas e, consequentemente, também são variados os significados para cada um de seus
praticantes.
Além disso, durante os percursos das derivas também houve diversas sinergias com os “agentes
locais”, por meio de conversas ou rápidos diálogos, dando-se preferência para os moradores ou
pessoas que trabalham nos bairros, de modo a se ter contato com as relações “semânticas”,
ligadas aos significados e as memórias atribuídas à ferrovia.
A partir dessas experiências, compreende-se que coexistem várias memórias sobre o espaço
ferroviário. Dentre elas, destacam-se as dos velhos residentes da Vila Falcão, que descrevem com
nostalgia as lembranças do período em que as oficinas funcionavam pelas antigas empresas
ferroviárias. Por outro lado, os moradores mais jovens, em grande parte filhos ou netos dos
primeiros ocupantes do local, sabem da história ferroviária principalmente pelas memórias de
seus pais ou avós.
Ao se conversar com alguns moradores mais velhos da Vila Falcão, ainda há relatos que o apito
dos trens, as sirenes das oficinas e o barulho das máquinas eram os responsáveis por despertar as
pessoas para o trabalho, revelando a simbiose que existia entre a população e o objeto industrial.
Atualmente, restam apenas os apitos de alguns trens de carga que passam diariamente pela
cidade. Entretanto, tais ruídos muitas vezes são encarados de maneira pejorativa por outros
moradores das proximidades do Jardim Bela Vista. Isso pode ser explicado pelo fato que os
residentes com os quais se conversou são relativamente novos naquele bairro, o que os leva a
não ter tantos vínculos afetivos quanto os da Vila Falcão.
Ao longo de toda a experiência por meio das derivas, destacam-se das percepções realizadas as
edificações remanescentes das oficinas da antiga N.O.B., que apenas puderam ser vistas por trás
do extenso muro que margeia toda a Vila Falcão. Entende-se que esta condição amplia a sensação
da ferrovia ser um cenário distante, ao tornar a experiência corporal fundamentalmente visual-
passiva (Figuras 12 e 13).
92
Figuras 12 e 13. Edificações remanescentes como cenário. Fonte: Acervo dos autores, 2018.
Ao final, por meio das realizações das derivas, foi possível compor uma “cartografia
psicogeográfica”, como forma de mapear as diferentes “unidades de ambiência”, com base nos
comportamentos afetivos reconhecidos durante a experiência no local (Figura 14). Ressaltam-se
tanto os “principais eixos de passagem, suas saídas e suas defesas”, quanto “as distâncias que
separam efetivamente os lugares de uma cidade”, com suas “margens” mais ou menos extensas
(DEBORD, 2003).
4 REFLEXÕES TRANSVERSAIS
Através da revisão histórica, sabe-se que as primeiras famílias destinadas a morar na Vila Falcão e
nos bairros adjacentes eram de funcionários ferroviários. Esta condição permitiu criar, desde os
seus primeiros anos, uma relação estreita com as ferrovias, especialmente com a N.O.B. e suas
oficinas. Em entrevistas realizadas com antigos moradores do bairro foi possível notar essa
importância: todos os residentes possuíam algum vínculo com a companhia; eram antigos
funcionários ou estudantes das oficinas; eram pais ou filhos de funcionários; tinham amigos ou
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 93
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme ressaltado, no início do século passado a conformação dos centros urbanos no oeste
paulista foi fomentada pela construção das estradas de ferro. No caso de Bauru, as ferrovias
promoveram um rápido e significativo crescimento econômico e demográfico na cidade. A linha
férrea, ao passo que atraiu uma grande quantidade de trabalhadores, trazendo muita riqueza
para a cidade, também foi a responsável por reafirmar a barreira natural do rio Bauru como um
elemento de segregação. Entretanto, o fator necessidade foi, e continua sendo, um elemento que
supera essas adversidades.
As oficinas da N.O.B., um marco da construção civil, além de construídas como edifícios industriais
essencialmente funcionais, só podem ser compreendidas se olhadas desde uma perspectiva
histórica, em associação com as análises in loco de suas condições atuais. Levando isso em conta,
uma dificuldade encontrada durante os trabalhos de campo (tanto na atualização de seus usos
como durante as derivas) se deu pelo fato de as antigas oficinas serem fechadas por muros em
quase toda a sua extensão, sem acesso aos transeuntes. A forma de se contornar esta condição
foi constatar que atualmente as barreiras são intrínsecas ao uso daquele espaço pela população.
Afinal, essas barreiras tanto influenciaram em suas apropriações quanto também interferiram na
projeção mental sobre o espaço.
94
Assim, o método histórico nos traz como contribuição a ressalva da relevância dos edifícios das
antigas oficinas da N.O.B. para a história da técnica e da arquitetura, além da necessidade de se
entender a sua antiga espacialização para compreender sua relação com as dinâmicas dos
trabalhos da época. Ademais, a partir desses estudos também se entende como as ferrovias
influenciaram na dinâmica urbana e na estruturação da cidade de Bauru ao longo do tempo.
Por sua vez, o recurso ao método da deriva permitiu apreender práticas espaciais da comunidade
sobre o conjunto ferroviário atual, principalmente por meio da percepção sensorial e afetiva do
espaço. Admite-se que com maior número de membros nas derivas, mais diálogos seriam feitos
ao longo dos percursos. Apesar disso, do modo como foram realizadas, acreditamos que foi
reconhecido um conjunto significativo de práticas cotidianas em seu entorno (relações
“sintáticas”). Entretanto, como foi exposto no trabalho, considera-se que o antigo conjunto
ferroviário é apropriado de forma muito visual-passiva pelas pessoas.
Do ponto de vista “semântico”, o que se destaca é que existe um perceptível contraste entre a
memória dos moradores mais velhos e a dos mais novos, como também entre os moradores da
Vila Falcão e dos moradores das proximidades do Jardim Bela Vista. Os apitos dos trens ainda
ressoam pelas ruas dos bairros, mas apenas como lembranças nostálgicas para os mais idosos,
enquanto para os grupos mais jovens estes ruídos são encarados como um incômodo. Apreensões
auditivas que, associadas à visão contemplativa da degradação ou impedimentos à circulação
urbana, só reforçam sentimentos negativos sobre a ferrovia.
Ambos os métodos utilizados (histórico e deriva) fornecem indicações e trazem informações que
podem orientar o modo de se intervir sobre o preexistente, seja por meio de propostas de
intervenção projetual ou por ações de gestão patrimonial. Por exemplo, através das entrevistas
com os antigos moradores identificam-se as suas memórias afetivas, tão significativas para suas
identidades e que possuem nas oficinas as suas bases materiais, devendo por isso serem
preservadas. Atentar-se às práticas espaciais pode possibilitar maior cuidado tanto em projetos
que atendam às necessidades dos pedestres – como já preveem diretrizes urbanistas; como
também na avaliação da pertinência de se manter ou não as formas de apropriação reconhecidas.
Contudo, em ambos os casos, torna-se fundamental considerar a experiência no local. Entende-se
que novas reflexões podem advir da interlocução desses dois métodos e acredita-se que seguir
este caminho investigativo é uma maneira de se pensar a ativação destes espaços.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, C. R. M. de. Prefácio. In: JACQUES, P. O. (Org.). Apologia da deriva. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra, 2003.
CARERI, F. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo: G. Gili, 2013.
DEBORD, G. Teoria da deriva. In: JACQUES, P. O. (Org.). Apologia da deriva. Rio de Janeiro: Casa da Palavra,
2003.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 95
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL. Resumo do relatório sobre os serviços da Estrada em o anno
de 1921. S.l.: s.n., 1921.
FONTES, M. S. G. de C.; GHIRARDELLO, N. Olhares sobre Bauru. Bauru: Faac Unesp, 2008.
JACQUES, P. O. Apresentação. In: JACQUES, P. O. (Org.). Apologia da deriva. Rio de Janeiro: Casa da Palavra,
2003.
LOSNAK, C. J. Polifonia urbana: imagens e representações – Bauru 1950-1980. Bauru: EDUSC, 2004.
MATOS, O. N. de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo. 4. ed. São Paulo: Pontes, 1990.
MONTANER, J. M. Del diagrama a las experiencias, hacia una arquitectura de la acción. Barcelona: Gustavo
Gili, 2014.
PAIVA, C. F. de. Complemento às narrativas sintéticas dos fatos que motivaram a fundação de Bauru.
Bauru: São João, 1975.
AUTORES
Matheus Alcântara Silva Chaparim: Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (2018). Atualmente é aluno regular do Mestrado Acadêmico do
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ) da UNESP.
Tamiris Mendes Genebra: Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual de
Maringá – UEM (2016). Desde 2019 atua como arquiteta na Secretaria de Planejamento da cidade de Bauru.
Eduardo Romero de Oliveira: Possui graduação em História pela Universidade Estadual de Campinas
(1990), mestrado em História Social pela Universidade de São Paulo (1995) e doutorado em Filosofia pela
Universidade de São Paulo (2003). Atualmente é Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, pesquisador de temas relativos a patrimônio cultural, história dos
transportes e memória.
96
Palavras-chave: praça, lugar, percepção, topofilia, Keywords: plaza, perception, topofilia, topofobia
topofobia
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 97
1 INTRODUÇÃO
Diante das intervenções nos espaços públicos da paisagem cultural nas metrópoles realizadas
pelos setores públicos e privados, sejam reformas, reabilitações ou projetos novos, tem-se visto
transformações da paisagem cultural, por vezes preservando-os, reabilitando-os e integrando-se
harmoniosamente no contexto, outras descaracterizando os existentes e implantando projetos
que não correspondem às necessidades dos usuários e não se integram com o contexto existente.
Dentre as intervenções realizadas em espaços públicos está o projeto para a requalificação da
praça Roosevelt, localizada no centro histórico da metrópole de São Paulo.
As intervenções arquitetônicas e urbanas, em centros históricos, interferem na qualidade desses
espaços, podendo ocasionar bem-estar ou mal-estar aos usuários. É importante, portanto,
conhecer o impacto dessas intervenções através das percepções topofílicas e topofóbicas dos
usuários, uma vez que topofilia leva ao bem-estar social, à sensação de prazer, e a topofobia
ocasiona o constrangimento do usuário, familiaridade engendra desprezo (TUAN, 1980).
Pallasmaa (2011, p. 39) acrescenta a importância da experiência multissensorial para entender a
percepção como os sentidos da experiência sensorial, o espaço, a matéria e a escala são
percebidas por nossos olhos, pele, nariz, ouvidos.
A percepção da paisagem cultural da praça deve ser compreendida pelas características
específicas do lugar (ZARATE, 2015b). Paisagem cultural refere-se aos resultados de interação
entre ações humanas e paisagem primária que se desenvolve no tempo (RAPOPORT, 2003, p. 53).
O lugar em tanto que, representação do ambiente humano é produto da mediação socio-física e
simbólica entre natureza e sociedade (ZARATE, 2015b, p. 83). A dialogia (BAKHTIN, 2000)
compreende a relação do texto com seu contexto, ou seja, a praça com seu contexto. Vários
estudos mostram a importância de estudar o texto com seu contexto, por entender que o
contexto pode interferir no texto, como o texto pode transformar seu contexto, podendo ou não
corresponder às necessidades e expectativas dos usuários, e a preservação ou não de seu
contexto (MUNTAÑOLA, 2006; ZARATE, 2015b; ZUQUETE, 2000; SALCEDO et al., 2005; MARTINS,
2016; CASTRO, 2016; PAMPANA, 2017).
O contexto compreende as categorias: históricas, urbanas, sociais, cultuais, ambientais e políticas,
que deveriam ser lidas e interpretadas na elaboração do projeto para o espaço público, ou mais
especificamente da praça. A paisagem cultural da praça, entendida como a praça e seu entorno
imediato. A praça como lugar compreende os ambientes físicos, sociais e simbólicos e suas
relações (ZARATE, 2015a, 2015b). O ambiente físico compreende as edificações que estão na
praça, os caminhos, mobiliário urbano, vegetação, comunicação visual. O ambiente social está
constituído pelos grupos sociais que frequentam a praça e as atividades que desenvolvem, e o
ambiente simbólico são as necessidades, expectativas, valores e significados dos grupos sociais.
Segundo Zarate (2015a, 2015b), esses ambientes se relacionam entre si, configurando o ambiente
socio-físico, ou seja, os grupos sociais e suas atividades especializadas; o ambiente socio-simbólico
como as expectativas, significados e valores dos grupos sociais; e o ambiente físico-simbólico
como o significado que os grupos sociais atribuem ao lugar. Essas representações socio-físicas,
socio-simbólicas e físico-simbólicas podem ser representadas nas matrizes. E as relações
complexas entre os grupos sociais, suas atividades, os lugares, suas simbologias e a identificação
de problemas (topofobia) ou topofilia, podem ser representadas através do mapa heurístico.
98
Também, essas relações entre os ambientes e suas sinergias são importantes para identificar os
lugares topofílicos e topofóbicos da praça.
Dentre as intervenções urbanas em São Paulo está a praça Franklin Roosevelt, objeto de estudo
desta pesquisa. Essa praça está localizada no distrito da República do centro histórico de São
Paulo. A escolha da praça Roosevelt deve-se ao fato de ser objeto de diversas intervenções em
seu espaço público, desde pequenas reformas até o último projeto novo realizado pela Prefeitura
de São Paulo, na gestão de 2013 a 2016, que a requalifica de modo significativo e revela uma
grande dinâmica nos seus espaços públicos, o que interfere na percepção topofílica e/ou
topofóbica dos usuários.
No contexto desta praça estão o centro histórico e sua ambiência, que abriga uma diversidade de
edifícios desde os tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico,
Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), edifícios modernos e
contemporâneos, espaços transformados, que mudam suas identidades em um curto período.
São Paulo é uma cidade que busca em seu planejamento o conceito de cidade sustentável, e
reconhece que precisa atender aos objetivos sociais, ambientais, políticos e culturais, bem como
aos objetivos econômicos e físicos. “É um organismo dinâmico tão complexo quanto a própria
sociedade e suficientemente ágil para reagir rapidamente às suas mudanças” (ROGERS;
GUMUCHDJAN, 2001, p. 167).
2 OBJETIVOS
O objetivo é analisar quais ambientes físicos, sociais e simbólicos dos lugares da praça Roosevelt
no centro histórico de São Paulo interferem na percepção topofólica ou topofóbica dos usuários.
3 MÉTODO
O método Urbanismo Dialógico tem como base a fundamentação teórica e filosófica de Bakhtin,
Muntañola (2006) e Zarate (2015a, 2015b), na relação de texto (paisagem cultural da praça
Roosevelt) com seu contexto (distrito da República do centro histórico de São Paulo) e nas
relações intertextuais da praça Roosevelt nos ambientes: físico, social e simbólico (Figura 1).
Neste trabalho é aplicado o método urbanismo dialógico do Zarate (2015a, 2015b) que
compreende as análises dos ambientes físicos, sociais e simbólicos e suas relações (matrizes,
mapa heurístico e sinergias), e são acrescentadas a análise da relação da praça Roosevelt com seu
contexto e a identificação dos lugares topofílicos e topofóbicos. Assim, o método compreende
seis etapas. Primeira, a relação da praça Roosevelt com seu contexto. Segunda, a identificação dos
lugares topofílicos e topofóbicos (questionários e formulários). Terceira, ambientes físico, social e
simbólico. Quarta, as matrizes. Quinta, os mapas heurísticos. Sexta, as tabelas e suas sinergias.
Para conhecer a percepção dos usuários foram aplicados questionários e para identificar os
grupos sociais e as características físicas do lugar foi realizado uma visita in loco.
3.3 Matrizes
As matrizes estabelecem as relações físico-simbólicas dos grupos sociais com os lugares, as
congruências socio físicas das atividades com os lugares e o reconhecimento socio simbólica entre
os grupos sociais. Os resultados das matrizes subsidiaram a elaboração das tabelas de sinergias
(Figura 2).
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 101
(66,6% - 100%), sinergia dupla (33,3% - 66,6%) e uma sinergia (0% - 33,3%) para o grau de
topofilia e para o grau de topofobia, sendo que as porcentagens sinérgicas são proporcionais.
A sinergia única é representada por um elemento de algum ambiente (físico ou social ou
simbólico) de um lugar. No entanto, a sinergia dupla é a relação de dois elementos de ambientes
distintos (físico, social ou simbólico) de um lugar, relações representadas através da conexão de
linhas tracejadas, e a sinergia tripla é presentada por três elementos de ambientes distintos
(físico, social e simbólico) de um lugar, representada através da conexão de linhas contínua. As
linhas têm as cores que correspondem a cada lugar da praça Roosevelt.
Sendo assim, quanto maior for a porcentagem ou maior for a relação sinérgica entre os ambientes
(físico, social e simbólico) com seus lugares, maior será a possibilidade de interferência na
percepção topofílica ou topofóbica dos usuários (Figura 4).
3.6 Questionários
Para identificar os lugares da paisagem cultural da praça Franklin Roosevelt do Centro Histórico de
São Paulo que interferem na percepção topofílica e topofóbica dos usuários foram aplicados
questionários aos usuários. Para a coleta de dados, foram elaborados um formulário de
levantamento dos elementos físicos da praça (com a visão do autor) e um questionário com
levantamento dos elementos dos ambientes (físicos, sociais e simbólico), como pesquisa de
opinião. Os questionários foram aplicados pelo pesquisador na própria praça Roosevelt, nos
períodos da manhã, tarde e noite, nos dias 14, 15 e 16, no mês de setembro de 2017, fazendo um
total de 90 entrevistados.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
topofílicos e topofóbicos, as relações entre seus ambientes físico-simbólica, socio física e socio
simbólica (matrizes), o mapa heurístico e as sinergias.
4.1.1 Praça Roosevelt e o distrito da República do Centro Histórico de São Paulo
4.1.1.1 Viabilidade urbana
Na proximidade da praça Roosevelt encontram-se dois pontos de ônibus, tanto na rua Consolação
quanto na rua Augusta, as estações de metrô, sendo três bem próximas da praça, a estação da
República, Anhangabaú e Higienópolis-Mackenzie. Mobilidade urbana, no sentido de transporte
público, não falta nas proximidades da praça, o que facilita seu acesso.
Há ao redor da praça diversos pontos de serviços alimentícios como: restaurantes, cafés e
botecos, equipamentos fundamentais que complementam o uso do local. A dinâmica do uso da
praça em seu período noturno, relacionada aos pontos de alimentação, é semelhante à dos
teatros. Com efeito, ambas se complementam e mantêm a vida da praça ativa nas noites
paulistanas. Segundo o questionário aplicado in loco, 34% dos usuários dizem desenvolver a
atividade de comer e beber, assim como 35,5% frequentam, passam ou atravessam a praça
justificando os bares, botecos e restaurantes (Figura 5).
Figura 6. Espaços topofóbicos e parque infantil da praça Roosevelt. Fonte: Silveira (2018).
Figura 7. Espaços topofóbicos da praça Roosevelt. Fonte: Silveira (2018); Guerini Filho (2018).
Um comentário feito no questionário aplicado foi sobre os quiosques, sendo a pergunta “Que
você mais gosta na praça Franklin Roosevelt? Por quê?”, sobre a qual a resposta foi: “dos
quiosques, da vista”. Abaixo na (Figura 8), veem-se imagens que representam o espaço dos
Quiosques em uma manhã na praça.
Figura 9. Espaços topofílicos da praça Roosevelt. Fonte: Silveira (2018); Guerini Filho (2018).
grupos sociais da praça. Com base na matriz físico-simbólica identificamos que todos os grupos
sociais, com exceção dos religiosos, relacionam-se com o Centro da Praça, sendo assim o
ambiente mais democrático da praça. Já os religiosos têm vínculo apenas com a Igreja da
Consolação, limitando suas atividades à missa (Tabela 1).
4.2.2 Matriz socio-física
Na matriz socio-física são relacionados os lugares físicos com os aspectos sociais, para identificar
as congruências ou incongruências de cada grupo social com o ambiente físico da praça, ou seja,
identificar se existe ou não concordância entre os ambientes físicos e sociais. O que chama a
atenção nos resultados são: as missas só são realizadas na igreja, não encontrando nenhuma
atividade rotineira a mais nos demais lugares da praça. Também muitas atividades são realizadas
no centro da praça, revelando um lugar de múltiplos usos e de apropriação dos usuários. Apesar
do Cachorródromo não ser um lugar para o fim que foi designado, muitas atividades são
realizadas no local, mostrando que os usuários também se apropriam de lugares nas quais seus
fins não foram bem-sucedidos (Tabela 2).
Tabela 1. Físico-simbólica Tabela 2. Socio física
Tabela 3. Socio-simbólico
da praça, oferece alimentação de boa qualidade, boa visibilidade ao seu redor, mesas e cadeiras
para os usuários dos quiosques de serviços alimentícios. O lugar é um dos poucos que oferece
sombreamento através dos pergolados, gerando local de permanência, conversas, descanso.
igreja: a igreja está totalmente isolada da praça por vegetação e gradis, a mesma dá as costas
para a praça literalmente e Ausência de pavimentação no parque infantil: no princípio o que era
grama, atualmente, devido à falta de manutenção, está em terra crua, trazendo a falta de um
lugar apropriado e salubre para crianças.
O lugar mais topofóbico é a parque infantil, pois se encontra isolado da praça, tanto
espacialmente quanto o seu nível de altura, sua configuração é desprivilegiada, fica ao lado de um
viaduto com trânsito e barulho constante, a falta de pavimentação adequada fez com que o
parque infantil ficasse totalmente inutilizável para a sua finalidade, dando brecha para a
apropriação inadequada, como, por exemplo, local de uso de drogas e bebidas, o que torna o
lugar totalmente inseguro. Pode-se perceber que são fatores interdependentes que geram um
local tanto topofóbico quanto topofílico.
4.4 Sinergia
As relações sinérgicas ocorrem por meio da afinidade entre os elementos dos ambientes físicos,
sociais e simbólicos. As sinergias são elaboradas para topofilia e topofobia.
4.4.1 Sinergia topofílica
As sinergias topofílicas são as associações de dois ou três elementos entre os ambientes físicos,
sociais ou simbólicos nos lugares da praça Roosevelt.
Cada relação sinérgica tem uma porcentagem de possibilidade de interferência na percepção
topofílica dos usuários, podendo ser: a sinergia tripla (66,6% - 100%), sinergia dupla (33,3% -
66,6%) e uma sinergia (0% - 33,3%). A presente pesquisa pretende focar e aprofundar a atenção
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 111
nas sinergias triplas, pois são elas que revelam o código genético do lugar analisado, baseado nos
ambientes físico, social e simbólico. Os lugares com sinergia tripla são: quiosques, centro da
praça, centro do guarda civil, pista de skate, escadaria skate e escadaria do teatro (Figura 12); os
quais serão explicados segundo as relações dos ambientes físicos, sociais e simbólicos na
sequência.
skate, escadaria skate e escadaria do teatro (Figura 13); os quais serão explicados segundo as
relações dos ambientes físicos, sociais e simbólicos na sequência.
4.5 Elementos dos ambientes físico, social e simbólicos dos lugares da Praça Roosevelt que
influenciam na percepção
4.5.1 Parque infantil
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desta pesquisa é analisar quais elementos dos ambientes físico, social e simbólico e
suas relações na paisagem cultural das praças em centros históricos interferem na percepção
topofílica ou topofóbica dos usuários. Os lugares da praça Roosevelt que interferem na percepção
topofílica e topofóbica dos usuários foram identificados através da aplicação dos questionários.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 115
Os usuários relataram que o lugar mais topofílico da praça está na região dos quiosques (42%), e
a seguir centro da praça (25%), escadaria dos teatros (18%), centro cachorródromo (8%), pista
de skate (5%) e a escadaria do skate (2%). Já o lugar mais topofóbico relatado pelos usuários foi o
parque infantil (50%), e, a seguir, escadaria da guarda civil (28%), centro da guarda civil (10%),
escadaria dos teatros (7%), centro da praça (5%) igreja (2%). Constatou-se que os usuários
tiveram mais facilidade em apontar lugares topofílicos e mais dificuldade de marcar lugares
topofóbicos; isso porque as pessoas conhecem melhor os lugares com os quais possuem mais
afinidade; “transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e dotamos de valor”.
O lugar topofílico dos quiosques compreende os elementos físicos, sociais e simbólicos e suas
relações. Os bancos, propícios para o descanso, que servem de apoio para as atividades de
comer/beber e isso torna o ambiente convidativo para a união dos grupos sociais. O pergolado,
além de trazer estética e uma divisão espacial, traz a permanência dos usuários e grupos sociais
como os donos de pets para o descanso e aproveitar o sombreamento que o pergolado gera. Os
próprios quiosques, como atrativos de alimentação, se relacionam com a socialização entre os
diversos grupos sociais: donos de pets, moradores, amigos, terapia e a vegetação “grama” com
passeio com os pets, com o descanso de usuários, a visão agradável de uma paisagem verde, o
cheiro de grama no ambiente.
O parquinho infantil, sendo um “não lugar” segundo a citação de Marc Augé, “o espaço do não-
lugar não cria nem identidade singular nem relação, mas sim solidão” (AUGÉ, 1994, p. 95), possui
os seguintes elementos topofóbicos (físicos, sociais e simbólicos), respectivamente: vegetação
“árvores” acabam gerando sombra em excesso e sujeira (pois o piso é de terra, inapropriado e
dificultando a limpeza como manutenção) relacionando com a desapropriação do espaço, local
inapropriado para permanência “dormir”, o que acaba gerando um isolamento social dos seus
usuários, que são os moradores de ruas, os usuários de drogas e bebidas alcoólicas; os pisos
internos “terra” geram ambiente insalubre, o que acaba resultando em falta de manutenção e
muito lixo como garrafas de bebidas alcoólicas jogadas, cigarros no chão, entre outros; o guarda-
corpo gera um espaço como uma barreira fechada, mais o fato do grande barulho dos automóveis
no viaduto ao lado o que favorece ainda mais os assaltos na praça e o muro de arrimo que gera
uma barreira visual isolando o espaço, favorecendo com uso de drogas e entorpecentes.
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AUTORES
Pedro Paludetto Silveira: mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UNESP – "Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. Pós-graduado em 2014
no curso de Design de Interiores pelo Centro Universitário Toledo, Araçatuba. Formado em 2010 no Curso
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Docente no Centro
Universitário Unitoledo. Currículo completo disponível em http://lattes.cnpq.br/1378321289908739.
Rosio Fernández Baca Salcedo: doutora em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo
(2003), mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1994) e
Graduação em Arquitetura e Artes Plásticas pela Universidad Nacional San Antonio Abad de Cusco, Peru
(1990). Atualmente é docente do curso de graduação e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, da Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho. Currículo completo disponível em CV: http://lattes.cnpq.br/9657359692240283.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 117
118
1 INTRODUÇÃO
A infância é a fase da vida marcada pelo brincar em suas mais distintas possibilidades, pois é a
principal maneira pela qual a criança escolhe para se expressar e se relacionar com o mundo que
a envolve. Prellwitz e SKär (2007) consideram que cabe ao adulto criar estímulos para essas
brincadeiras, ao considerar que elas estão além do lazer, pois contribuem para o desenvolvimento
da criança e de habilidades, capacidades, potencialidades, cultura e integração entre os seus
aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivos e sociais (PRELLWITZ; SKÄR, 2007).
Para Schmitti (2010), Muller, Almeida e Teixeira (2014) e Siu, Wonga e Lam (2017), o
desenvolvimento infantil está relacionado às potencialidades adquiridas pela criança desde os
primeiros anos de vida, pois é a partir das experiências vividas neste período que elas
desenvolvem suas capacidades físicas, psíquicas e cognitivas, ou seja, constrói seu conhecimento
por meio da vivência, como, por exemplo, o tocar, o ouvir, o cheirar, o ver e o sentir.
Complementando, Soltani, Abbas e Awang (2012) citam ainda a importância do estímulo da
imaginação e a geração da sensação de desafio para enfrentar e superar os riscos, assim como
construir sua autoconfiança e independência.
No Brasil, a Convenção sobre os direitos da criança de 1989 (BRASIL, 1990b), a Constituição
Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 (BRASIL, 1990a),
definem o brincar como um direito humano que deve ser garantido a toda e qualquer criança e
adolescente.
Dentre as distintas possibilidades de lugares para a brincadeira acontecer, os parques infantis são,
sem dúvida, os preferidos, pois constituem espaços especialmente projetados para dar suporte às
brincadeiras e estimular o lado lúdico da criança.
Para Romani (2011) o parque infantil consiste em um sistema de regras voltado a uma atividade,
que pode ser física ou mental, que permite o desenvolvimento das habilidades infantis, cognitivas
e motoras, além de novos experimentos. Stagnetti (2004) corrobora com esta afirmação ao
considerar que o papel do parque infantil é o de possibilitar que a criança ao ter consciência a
respeito do ambiente também aprende normas e valores sociais.
Para Schmitt (2010), a forma como a criança lida com o mundo é lúdica. Ela busca sempre fazer o
que lhe dá prazer e satisfação. Portanto, conhecer o universo infantil é fundamental para
desenvolver um produto ou espaço que seja atrativo.
Outro ponto associado aos locais destinados às brincadeiras refere-se à acessibilidade, ou seja, o
uso do parque infantil deve permitir que qualquer criança tenha acesso e possibilidade de uso
independente de qualquer tipo de deficiência. Esse direito é corroborado pela Convenção sobre
Deficiência de 2007 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que consiste num
acordo entre os países membros das Nações Unidas, com o intuito de ajudar a garantir que
crianças e adultos com as deficiências sejam tratados de maneira justa e possam participar
igualmente de todos os aspectos da vida social (BRASIL, 2007).
Em contrapartida a todo contexto exposto, Tamm e Skär (2000) chamam atenção ao ambiente
físico de um parque infantil, pois consideram que em sua grande maioria estes espaços possuem
uma configuração que pode representar um obstáculo para muitos usuários.
122
No meio acadêmico, Stanton-Chapma et al. (2018) citam que existem uma quantidade expressiva
de pesquisas que correlacionam os parques infantis com a atividade física da criança, mas
destacam que há escassez de estudos que enfocam as características específicas dos parques
infantis, como, por exemplo, a configuração dos equipamentos e a acessibilidade.
Neste contexto, considerando que os parques infantis devem ser inclusivos, este artigo apresenta
os resultados de um estudo desenvolvido em um parque infantil de uso público, que teve por
objetivo analisar a maneira como o usuário criança utiliza e se apropria desse espaço.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste artigo foram adotados os seguintes procedimentos metodológicos: (i) auditoria técnica dos
brinquedos e do local de implantação; e (ii) mapa comportamental.
Esse espaço está localizado em um bairro de uso misto (residências, comércio e escolas de Ensino
Infantil e Fundamental I), na região sul da cidade.
A escolha do local é justificada por ser um local utilizado por crianças e adultos, moradores desta
região da cidade e por pacientes que estão passando por tratamento no Hospital de Reabilitação
de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da Universidade de São Paulo (USP), devido sua
proximidade (Figura 1).
LEGENDA:
1 - Bosque da
Comunidade
2 - Hospital de
Reabilitação de
Anomalias Craniofaciais
(HRAC/Centrinho) da
USP
Figura 1. Localização do parque infantil em estudo no entorno, sem escala. Fonte: Adaptado Google maps
(2018).
O bosque, que foi fundado na década de 1980, possui densa vegetação, recortada por trilhas para
a prática de caminhada, área para atividades físicas, espelho d’água, área de exposição da antiga
locomotiva, sanitários, pontos de hidratação e parque infantil, distribuídos em uma área de
aproximadamente 14.600 m2.
Na região leste do bosque está localizado o parque infantil (Figura 3). Ele tem seu uso direcionado
a crianças de 3 a 10 anos. Em uma área aproximada de 550 m 2, o espaço abriga oito brinquedos:
três conjuntos de balanços, dos quais dois possuem assento de pneus e um em formato de
cadeirinha, um escorregador – ponte, um gira-gira, um trepa-trepa, um conjunto com três
gangorras, um brinquedo modular (balanços, escorregadores, casinhas, escalada de cordas e de
pneus, etc.) e um quiosque (Figura 3).
126
LEGENDA:
Localização do parque
infantil
Figura 2. Localização do parque infantil no Bosque da Comunidade. Fonte: Adaptado Google Earth (2018).
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Nesta seção são apresentados os resultados obtidos no estudo que foi realizado em três dias
distintos, quinta-feira, sexta-feira e sábado, em dois horários (manhã - 9h e 12h e tarde - 14h e
17h15). Cabe destacar que nos três dias de visitas, nos períodos da manhã observaram-se poucas
crianças, entretanto, no período da tarde o número de crianças aumenta significativamente,
principalmente aos sábados.
A respeito do piso do parque infantil observou-se que é de terra, não existe qualquer tipo de
outro material ou, ainda, de caminhos predefinidos. Tal contexto está adequado às definições da
Norma Brasileira (NBR) 16071 – Playgrounds, no que diz respeito à definição do emprego de
material que minimize os impactos em caso de queda. Entretanto, se enfocados os aspectos de
acessibilidade, definidos pela NBR 9050 (Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e
equipamentos urbanos), pode-se dizer que o material acaba por configurar uma barreira na
locomoção por dificultar o deslocamento de cadeira de rodas ou uso de andadores, por exemplo.
O local possui poucas placas de sinalização, que somente indicam a faixa etária à qual o parque
infantil é destinado. Além dos brinquedos o local conta com seis bancos, sendo que quatro estão
distribuídos dentro do quiosque, um perto da ponte e um próximo as gangorras, e duas lixeiras.
Observou-se também que os brinquedos, com exceção do modular na parte das casinhas e
escalada, permitem que a criança faça o uso sozinho ou com o auxílio de um adulto responsável.
Por fim, destaca-se que nenhum brinquedo está configurado de maneira a permitir o uso por
128
crianças com deficiência, como, por exemplo, balanços com espaço para uso com cadeira de
rodas ou com assento tipo calça.
No segundo dia de levantamento, no período da manhã, o parque contou com 5 crianças (na faixa
etária de 2 a 8 anos), as mães e os pais observaram as crianças brincarem e auxiliavam em alguns
brinquedos como balanço e gira-gira (Figura 8). No período da tarde foram observadas 34 crianças
(na faixa etária entre 2 a 10 anos), houve o uso predominante do brinquedo modular, balanços,
gira-gira e trepa-trepa. Por volta das 16h15 uma turma da escola particular com 11 crianças na
faixa etária de 7 anos chegou ao local e permaneceu por 20 minutos. Neste dia foi identificada
uma criança com deficiência auditiva. A respeito da maneira como as crianças ocuparam o local,
não foi identificado nenhum ponto de conflito que prejudicasse o uso dos brinquedos (Figura 9).
Por fim, no terceiro dia de levantamento no parque, no período da manhã, estava sendo utilizado
por nove crianças com idades entre 3 a 10 anos, acompanhadas por mães e avós que auxiliavam o
uso em determinados brinquedos (Figura 10). No período da tarde, observou-se maior fluxo de
crianças, foram contadas aproximadamente 79 crianças com idades entre 1 a 10 anos, algumas
crianças permaneceram por longos períodos, as crianças com até 3 anos de idade contaram com
auxílio dos adultos e de outras crianças para brincarem nos balanços e no brinquedo modular, já
as crianças acima de 3 anos contavam com a ajuda dos adultos apenas para o gira-gira e balanço.
Figura 10. Mapa comportamental sábado período da manhã. Fonte: Autoras (2018).
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 131
Figura 11. Mapa comportamental sábado período da tarde. Fonte: Autoras (2018).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo apresentou o resultado de duas técnicas distintas (auditoria técnica e mapa
comportamental) para avaliar o uso e apropriação do parque infantil do Bosque da Comunidade
pelas crianças. A utilização dessas duas técnicas permitiu conhecer o local e entender como as
crianças utilizam o parque infantil.
A auditoria técnica mostrou que o local possui uma configuração que pode limitar sua utilização
por crianças com deficiência física e visual, pois não possui brinquedos adaptados, piso adequado,
assim como acessos definidos que possibilitem fácil acesso aos brinquedos.
A aplicação do mapa comportamental permitiu compreender como as crianças se apropriam do
espaço, verificar quais brinquedos são mais utilizados, em qual período do dia o parque é mais
frequentado e identificar os principais fluxos entre os brinquedos.
O mapeamento comportamental identificou que há preferência das crianças pelos balanços e
brinquedo modular. Foi observado, também, que não existem pontos de conflito entre os
brinquedos e que as crianças que não possuem qualquer deficiência conseguem se deslocar de
maneira autônoma ou com o auxílio de um adulto responsável. Ou seja, trata-se de um local cuja
estrutura possibilita que as crianças brinquem sem que haja interferência entre os brinquedos,
132
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
AUTORES
Renata Cardoso Magagnin: Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, mestrado em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos e
doutorado em Engenharia de Transportes pela Universidade de São Paulo. Professora assistente doutora do
Curso de Graduação em de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UNESP. Tem
experiência na área de Planejamento Urbano, com ênfase em Planejamento da Mobilidade Urbana,
atuando principalmente nos seguintes temas: planejamento urbano, mobilidade urbana, planejamento de
transporte, acessibilidade espacial, modos motorizados e não motorizados e métodos e técnicas de
avaliação da mobilidade urbana (espaço urbano e edifício). Currículo lattes:
http://lattes.cnpq.br/6470698041137310.
Renata Braga Aguilar da Silva: Aluna regular do Mestrado Acadêmico em Arquitetura e Urbanismo do
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ) da UNESP, na linha de pesquisa
Planejamento e Avaliação do Ambiente Construído sob orientação da Profª Drª Renata Cardoso Magagnin.
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade do Oeste Paulista (2014), com experiência em
projetos de interiores, paisagismo e acessibilidade. Foi aluna especial do Mestrado Acadêmico em
Arquitetura e Urbanismo do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ) da UNESP
(2015). Temas de atuação: espaço público e praça. Currículo lattes:
http://lattes.cnpq.br/6712919511213314
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 135
136
RESUMO: O espaço físico da escola é, por natureza, Thermal comfort in classrooms: state of art of
o território de desenvolvimento do processo de national surveys
ensino e aprendizagem, portanto, a arquitetura
escolar deve ter a preocupação com o conforto dos ABSTRACT: The physical space of the school is, by its
espaços físicos, especialmente nos aspectos nature, the territory of learning process; therefore,
relacionados a condições ambientais e funcionais. school architecture must be concerned with the
Diante do exposto, o objetivo deste estudo é comfort of people in physical spaces, aspects related
realizar a análise quantitativa, através da revisão to environmental and functional conditions. The
bibliográfica sobre o tema conforto térmico no objective of this study is to perform a quantitative
ambiente escolar no Brasil nos últimos dezoito analysis, through literature review of published on
anos. A metodologia utilizada para essa avaliação the topic “thermal comfort in Brazilian classrooms”
foi a revisão do estado da arte, que permite o in the last 18 years. The method was the state of the
conhecimento de determinada área científica pela art review, which allows the knowledge of a given
observação de toda a produção registrada em uma scientific area through the observation of all the
ou mais bases científicas. Foram identificados 88 recorded production in a set of scientific databases.
trabalhos, os quais foram analisados com relação A total of 88 studies were identified. Data were
aos métodos e campos de estudo. Observou-se que analyzed in relation to methods and fields of study.
essas informações são insuficientes para a One finding is that this information is insufficient for
compreensão global do conforto térmico no the global understanding of thermal comfort in the
ambiente escolar brasileiro. Por fim, foram Brazilian school environment. Finally, gaps were
identificadas lacunas e uma série de identified and a series of recommendations to
recomendações é sugerida para pesquisas futuras. future researches are suggested.
1 INTRODUÇÃO
O espaço físico da escola é, por natureza, o local do desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizagem e as condições ambientais, em especial o conforto térmico, exerce grande
influência sobre o desempenho nesse processo (KOWALTOWSKI, 2011; GIVONI, 1991).
Apesar disso, há ainda poucas pesquisas relacionadas ao tema, principalmente no Brasil. Não
existem normas ou diretrizes nacionais de projeto de edificações escolares para a obtenção de
conforto térmico; assim, frequentemente são utilizados normatizações e parâmetros
estrangeiros, os quais, na maioria das vezes, possuem características ambientais bem diferentes
das encontradas na realidade brasileira, tornando as mesmas questionáveis e pouco eficientes
(GRZYBOWSKI, 2004).
2 OBJETIVO
O objetivo do presente trabalho é analisar as pesquisas sobre o tema conforto térmico de salas de
aula realizadas no Brasil nos últimos dezoito anos, publicadas nos principais eventos e periódicos
da área. A revisão destaca os métodos e campos de estudos, além de indicar as lacunas e sugerir
recomendações a serem trabalhadas em pesquisas futuras sobre o tema.
3 METODOLOGIA
O método adotado foi a revisão sobre o estado da arte das publicações resultantes de pesquisas
nacionais que enfocam o tema conforto térmico em salas de aula. Segundo Vosgerau e
Romanowski (2014), a descrição do estado da arte é um dos métodos de revisão de literatura que
permite esclarecer e caracterizar um objeto de estudo a partir de determinado período temporal
e através da observação dos registros em uma ou mais bases científicas. A leitura e catalogação
dos resultados podem auxiliar na identificação de tendências de crescimento ou obsolescência de
campos científicos, além de facilitar a descoberta de lacunas no conhecimento.
As pesquisas de artigos científicos foram conduzidas com a revisão dos anais dos dois principais
congressos da área, Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído (ENTAC), Encontro
Nacional de Conforto no Ambiente Construído (ENCAC), promovidos pela Associação Nacional de
Tecnologia do Ambiente Construído (ANTAC), e dos Seminários Internacionais promovidos pelo
Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo (NUTAU), do periódico Ambiente
Construído, além da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (BDTD). Foi estabelecido o período de publicação de 2000 a
2017. Na busca utilizaram-se individualmente as palavras chave “escola”, “conforto”, “térmico”,
“educação” e “aula” nos títulos e extensões dos artigos. Após a triagem inicial, foram excluídos os
artigos que não se relacionavam diretamente com o tema. Foi conduzida pesquisa similar nas
bases de dados internacionais SCOPUS e SCIENCE DIRECT com a utilização dos termos “thermal
comfort school”, excluídos os termos “house”, “housing”, “comercial” e “supermarket” nos
títulos, palavras-chave e resumos e filtrados os resultados de pesquisas originárias do Brasil.
Posteriormente, informações foram classificadas por ano de publicação, instituição de origem,
cidade onde se realizou a pesquisa, zona bioclimática, tipo de condicionamento do ambiente
(artificial ou ventilação natural), nível de ensino, estratégias metodológicas, software, estação do
138
ano e modelo de conforto térmico. Foram também levantados, quando possível, o tamanho da
amostra dos usuários e as temperaturas limites da zona de conforto. Finalmente, desenvolveu-se
uma análise quantitativa dos dados resumidos, observando as características das pesquisas
nacionais e apontando suas qualidades e lacunas.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
O levantamento da literatura retornou um total de 88 trabalhos científicos com a temática do
conforto térmico em salas de aula. A Figura 1 mostra a distribuição de trabalhos encontrados por
ano, em que se observa uma oscilação/ano, mas um incremento em 2001, com trabalhos
realizados pela Faculdade de Engenharia Civil da Universidade de Campinas (UNICAMP). Outro
pico nos trabalhos ocorreu nos anos 2012 e 2013, cujas pesquisas foram realizadas pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
usuários (GEMELLI, 2009; PIZARRO, 2005; VIANA, 2013) e em alguns casos apenas o último
parâmetro (KRUM; TUBELO; FEDRIZZI, 2010; PASQUOTTO; SALCEDO; FONTES, 2007; PASQUOTTO;
FONTES; SALCEDO, 2006). Também foram avaliadas edificações que adotaram estratégias
bioclimáticas para obtenção de conforto térmico (CERQUEIRA, 2001; MUSSKOPF; SATTLER, 2006;
TUBELO; SATTLER, 2010), discutida a compatibilidade de modelos de conforto térmico
internacionais com as atividades em sala de aula (KOYAMA; BARTHOLOMEI, 2012) e utilizados
estes modelos como referência para indicação de desconforto e eficiência energética, resultando
na indicação de climatização de ambientes (FARIA; KANEKO, 2001).
Com relação ao tempo das pesquisas a maioria, 69%, realizou estudos em curtos períodos e em
uma determina estação do ano, não comparando situações climáticas distintas em que estão
expostos os usuários.
As pesquisas analisadas podem ser classificadas em objetivas, que têm como campo de estudo a
catalogação e análise das informações físicas ambientais através de medições físicas e simulações
computacionais, e subjetivas, as quais se baseiam em questionários e entrevistas com o intuito de
compreender as sensações térmicas dos usuários (Figura 2).
modelo estático foi utilizado por 74% dos trabalhos, o adaptativo por 18% e a composição dos
dois modelos na mesma pesquisa foi observada em 8% dos casos.
A utilização do índice estático ou Voto Médio Predito (Predicted Mean Vote – PMV) para avaliação
de conforto térmico foi adotado pela norma ISO 7730: Ergonomics of the thermal environment:
analytical determination and interpretation of thermal comfort using calculation of the PMV and
PPD indices and local thermal comfort criteria (ISO, 2005) a partir de 1984, incorporando o
conceito de Porcentagem de Pessoas Insatisfeitas (Predicted Percentage of Dissatisfied – PPD) e o
índice dinâmico foi incluído na norma ASHRAE 55 (ASHRAE, 2013) a partir de 2010, sendo
recomendado para ambientes naturalmente ventilados. Na Figura 3 pode-se verificar a evolução
anual na utilização dos índices, apresentando o aumento de utilização do índice adaptativo a
partir de 2011 e diminuição da utilização do índice estático a partir de 2013.
c) Condicionamento da edificação
Houve grande disparidade entre as pesquisas sobre ventilação natural e sobre ambientes com ar-
condicionado: 90% das pesquisas realizam seus estudos em ambientes com a ventilação natural e
apenas 7% destes em climatizados artificialmente. Salienta-se ainda que somente 3% das
pesquisas analisaram a comparação de resultados nos dois ambientes.
Silveira, Kallas e Ribeiro (2003) determinaram as condições térmicas em edificações escolares da
cidade de Teresina em um ambiente ventilado naturalmente. Como métodos de obtenção de
dados foram feitas medições nos turnos da manhã e tarde, e escolhidos os meses de novembro
de 2001, março e setembro de 2002, complementadas com a aplicação de 1.132 questionários
aos usuários das escolas. Após as coletas dos dados, consideraram-se como confortáveis as salas
que obtiveram mais de 50% dos usuários com sensação de conforto. O estudo comprovou que os
usuários que não utilizavam a climatização artificial estavam adaptados a valores elevados de
temperatura do ar, sem que isto contribuísse negativamente no desempenho de suas atividades.
d) Nível de ensino da instituição
De acordo com a compilação de dados, o nível de ensino mais pesquisado, cerca de 43% do total,
foi o Fundamental, sendo semelhantes as quantidades de pesquisas no Ensino Médio e superior.
Todavia, observa-se que, das publicações dos últimos dezoito anos, 16% realizaram pesquisas
mistas entre turmas do Ensino Médio e Fundamental, devido principalmente ao fato de muitas
escolas brasileiras compartilharem os prédios para ensino desses dois níveis escolares.
Apesar de quantidades semelhantes, observa-se que a maioria das pesquisas realizadas no ensino
superior não compartilha de informações de outros níveis de ensino: da quantidade total de
publicações, 32% abordam estudos apenas dentro de universidade. Observa-se que desses
ambientes pesquisados a maioria realiza estudos de caso, justificado pela facilidade encontrada
pelos pesquisadores na verificação de dados quantitativos e qualitativos dentro do próprio
ambiente escolar que se tem contato.
Pequeno número de publicações é observado em ambientes de ensino profissionalizante e
infantil. Do total, apenas duas pesquisas incidiram sobre o primeiro ambiente e 5% sobre as
escolas de educação de crianças. Justifica-se a pequena abordagem deste nível de escolaridade
pelas dificuldades encontradas na identificação da percepção térmica do ambiente escolar pelas
crianças. Para contornar esta dificuldade, Elali (2002) e Pasquotto, Fontes e Salcedo (2007)
utilizaram-se da técnica de desenho-temático ou desenho-estória-com-tema (TRINCA, 1976) para
introduzir as perguntas de avaliação ambiental de um modo lúdico, mas compreensível para uma
criança.
e) Avaliação do grau de satisfação térmica e melhorias
O principal objetivo da análise térmica do edifício escolar é a identificação do grau de satisfação
do seu usuário, considerado nestas pesquisas principalmente o aluno. Neste sentido, 42% das
pesquisas buscaram esse tipo de avaliação, definindo em alguns casos uma nova zona térmica de
satisfação do brasileiro.
Paralelamente a este objetivo, os pesquisadores identificaram as possibilidades de alteração do
espaço físico para melhoria desta satisfação térmica (27%), enquanto apenas um por cento
avaliou a interferência do desconforto no aprendizado do estudante.
144
Labaki e Bueno-Bartholomei (2001) e Kowaltowski et al. (2002) relatam em suas pesquisas uma
avaliação pós-ocupação do conforto ambiental em instituições de ensino de Campinas. Avaliando
15 instituições de ensino da cidade e distribuindo 1.891 questionários, os autores verificaram a
sensação térmica do usuário (funcionário, professor e estudante), de acordo o parâmetro de
conforto definido pela BS EN ISO 7730: Moderate thermal environments: determination of the
PMV and PPD indices and specification of the conditions for thermal comfort (BRITISH..., 1994).
Não muito diferente da realidade brasileira, verificaram que as condições térmicas das escolas
estaduais paulistas estão muito aquém do adequado para uma instituição de ensino. De maneira
geral, essa condição é afetada principalmente devido à falta de ventilação natural no verão.
Ainda, devido à implantação incorreta das edificações, ocorre a insolação direta das salas por um
longo período de tempo e, consequentemente, aquecimento excessivo das mesmas e
ofuscamento no quadro negro. Propondo melhorias para as edificações, os autores citam o
isolamento e ventilação natural das coberturas e, quando possível, evitar o uso de telhas de
fibrocimento. Recomendam ainda especial atenção na definição da orientação do edifício escolar,
assim como a implantação dos dispositivos corretos para sombreamento das aberturas e paredes
através de beirais, e pintura das salas de aula e regiões externas com cores claras.
Nesse mesmo sentido, Bogo (2002) identificou, para a cidade de Florianópolis (SC), as principais
estratégias de projeto de arquitetura para salas de aula em edificações escolares a partir de
diretrizes gerais definidas pelas tabelas de Mahoney. Realizando diversas simulações com o
software DOE - 2.1 E, o autor recomendou como prioritárias para atingir nível satisfatório de
conforto térmico os usos de estratégias de condicionamento passivo, como ventilação natural
cruzada da edificação, sendo que as aberturas preferencialmente devem ser direcionadas para
leste e norte e protegidas de insolação direta. Verificou também que as salas de aula atingem
melhores condições térmicas quando localizadas no térreo, podendo os demais andares serem
reservados para apoio e administração. Cores claras, coberturas com isolamento térmico e
sombreamento da edificação também foram recomendações oportunas para o ambiente escolar.
Principalmente para climas quentes e úmidos, a ventilação natural apresenta-se como uma
importante estratégia de projeto passivo na busca da melhoria do conforto térmico. Nessa linha
de pesquisa Bittencourt, Cândido e Batista (2003) utilizaram o software Phoenics versão 3.4 para
simular a ventilação natural com o uso de captores de ventos em edifício escolar para a cidade de
Maceió/AL. Verificaram que o uso dos captores aumenta na ordem de 50% a velocidade de
ventos no interior da edificação, podendo produzir uma melhora considerável na distribuição e
na intensidade do fluxo de ar, além da constante ventilação cruzada da edificação.
Outra estratégia de ventilação natural ocorre com o uso de técnica de duto enterrado. Pesquisa
sobre o tema, desenvolvida por Musskopf e Sattler (2006), avaliou se ocorre benefício ao conforto
térmico com o uso desta estratégia bioclimática, além dos fatores influentes na circulação de ar
através desta técnica quando inexiste o uso de ventiladores. Monitorando as temperaturas do ar
e radiante, e umidade do ar de uma sala com e outra sem o protótipo enterrado, os
pesquisadores observaram que os tubos atuam regulando a temperatura interna. Tal fenômeno
ocorre pela atuação do tubo em contato com o solo, o qual, por possuir massa inercial bem
superior à da edificação, auxilia em seu condicionamento térmico. Durante o trajeto, o ar troca
calor com o solo e ingressa no ambiente a temperaturas mais amenas, ora comumente no
período noturno aquecendo a edificação ou a resfriando no período diurno.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 145
conforto foi determinada no intervalo de 20 a 26 °C, bem distinta do intervalo verificado por
Araújo (1996) e diferente também da zona de conforto preconizada pelas normas de conforto
estático. O autor destaca a importância na verificação da temperatura média mensal como um
parâmetro adequado de conforto a ser utilizado. Destarte, no cruzamento das informações
fornecidas na escala de preferência foi possível verificar as diferenças individuais correlacionadas
à capacidade de aclimatação do usuário. Nesse sentido as pesquisas do autor corroboram com o
modelo adaptativo de Humpreys, Nicol e outros.
Também Silveira, Kallas e Ribeiro (2003) estudaram o conforto térmico de duas escolas
climatizadas naturalmente em Teresina, investigando as principais variáveis climáticas da região e
a sensação térmica dos usuários entrevistados. Aplicando mais de 1.100 questionários entre
professores e alunos, os pesquisadores definiram uma zona de conforto nos intervalos de
temperatura do ar entre 27,4 e 31,6 °C e de 50,4 a 73,7% de umidade relativa do ar. Ao comparar
as pesquisa do índice calculado com os limites de conforto propostos por Olgyay, Givoni e
Koenigsberger, foi possível verificar as principais diferenças existentes entre eles, evidenciando
restrições quanto ao uso de índices ou zonas de conforto elaborados para outras regiões.
Mais recentemente, a pesquisa de Straub et al. (2017) determinou a temperatura neutra em
edificações de ensino com ambientes climatizados no Estado do Mato Grosso. A pesquisa foi
realizada em duas estações distintas, período seco e chuvoso, em quatro regiões bioclimáticas do
Estado. Através de informações de 1.151 alunos, os pesquisadores investigaram as variáveis
pessoais dos ocupantes e suas sensações térmicas, além das variáveis ambientais. Através de
equações de regressões lineares, os autores determinaram a temperatura de neutralidade e a
zona de conforto para as quatro zonas bioclimáticas do Estado de Mato Grosso. Destacam, no
entanto, que os índices calculados aplicam-se a grupo de pessoas que desenvolvem atividades
semelhantes dentro de um mesmo ambiente, como no caso do ambiente escolar. Percebeu-se
que para cada localidade a temperatura neutra que variou de 25,4 °C, no período seco, até 26,9 °C
no período úmido. Novamente justifica-se a variação da zona de conforto devido à aclimatação do
ser humano, que segue as características climáticas de cada região.
A importância na definição da zona de conforto para o ambiente escolar em clima local vem,
sobretudo, avaliar a aclimatação do usuário a este, indicando-se adequadamente as estratégias
necessárias para a melhoria no projeto arquitetônico do edifício de ensino.
g) Conforto térmico e aprendizagem
O processo de aprendizagem no ambiente de ensino envolve a inter-relação de diversos fatores,
desde aspectos individuais, sociais e afetivos até aspectos físicos e ambientais do próprio meio.
Dentro do ambiente escolar a criação de um espaço adequado, que proporcione condições
satisfatórias de conforto ambiental, é o primeiro passo para que se tenha eficácia no ensino. A
avaliação da influência do conforto térmico sobre o processo de aprendizagem tem sido pouco
abordada pelas pesquisas brasileiras. Quando realizado, alguns aspectos do ensino são estudados
de maneira individualizada, gerando em alguns casos dados contraditórios entre as pesquisas.
Em destaque no ambiente escolar, o fator psicológico da aclimatação do indivíduo pode exercer
grande influência no estabelecimento de sua zona de conforto térmico. Corgnati, Filippi e Viazzo
(2007) ressaltam a diferença entre este ambiente e o das casas e escritórios. Enquanto nestes os
indivíduos possuem maior liberdade para ajustes de atividades, vestimentas e de manipulação do
próprio ambiente, como controle de abertura de janelas e de aquecedor e ar-condicionado em
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 147
resposta ao estresse térmico, dentro de uma escola esta liberdade é limitada, ora devido ao
próprio tradicional sistema de ensino, com aluno ouvinte e professor expositor, ora pela própria
constância da atividade desenvolvida em sala de aula.
Kowaltowski, Bernardi e Krüger (2001), em avaliação comportamental do usuário a favor do
conforto ambiental de espaços escolares em Campinas (SP), observaram que sua interferência
ocorre geralmente após situação de estímulo de uma ação. A reclamação de desconforto térmico
de um aluno desencadeia uma sequência de reações semelhante de outros. Destaque é dado à
proximidade do usuário do dispositivo de controle de ventilação e à ação de abertura de
esquadrias dos alunos mais próximos às janelas.
Dentro do ambiente escolar, Xavier (1999) e Bernardi (2001), citando outros autores, relatam em
suas pesquisas que o desconforto térmico provoca alterações fisiológicas do ser humano, como
aumento de sudação e sonolência, dificultando a capacidade de compreensão de textos,
concentração e alteração no desempenho dos alunos.
Torres (2016) avaliou a interferência do conforto térmico no desempenho de alunos no nordeste
brasileiro. Avaliando estudantes dentro de ambiente climatizado, o autor propôs a alteração de
temperatura e avaliação do desempenho com aplicação de baterias de provas de raciocínio,
conhecido como instrumento BPR-5. Programando a temperatura em 20 °C, situação de
desconforto para frio segundo a norma ISO 7730, observou que, devido à aclimatação do
indivíduo no clima quente da região nordestina, esta situação prejudicou o desempenho cognitivo
na realização de provas de raciocínio do usuário. Observou também que o aumento da
temperatura auxiliou o organismo na manutenção do equilíbrio térmico, com menos estresse
térmico, menor o esforço necessário para realização da tarefa cognitiva na realização dos testes, e
assim maior o desempenho verificado. Para temperaturas acima do limite de conforto, no
entanto, em contradição à sua expectativa, o autor continuou observando o aumento do
desempenho dos alunos. Sugeriu-se que neste caso, os alunos buscaram maior esforço cognitivo
para finalização rápida das provas sem perda de desempenho com objetivo de sair da situação de
desconforto para o calor o mais rápido possível. Como citado nos estudos Tham e Willem (2010) e
Lan, Lian e Pan (2009), a situação de desconforto para o calor diminui o desempenho cognitivo do
usuário quando a permanência for superior a 60 min dentro do ambiente, e no caso da pesquisa
Torres este tempo restringiu-se a 15 min.
Destaque sobre a influência da umidade no comportamento dos indivíduos é dado na pesquisa de
Aiala et al. (2011). Em estudo realizado na cidade de Conceição do Araguaia (PA) em ambiente
escolar de Ensino Fundamental, os autores verificaram o impacto do tempo de estiagem de
inverno sobre os alunos: devido à baixa umidade, maior a apresentação de sintomas de
inflamações do trato respiratório, dores de cabeça e tontura. Os autores observaram também
que, por afetar também a saúde do usuário, as condições de desconforto térmico provocaram
alterações neurofisiológicas, diminuindo os processos de concentração e memorização, afetando,
assim, diretamente o processo de ensino.
Evidencia-se, portanto, a importância do conforto ambiental, em destaque nesta pesquisa o
conforto térmico, sobre o processo de ensino dentro do ambiente escolar, uma vez que afeta as
atividades de desenvolvimento cognitivo dos usuários e sua capacidade de aprendizagem.
148
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O campo de pesquisas sobre conforto térmico no ambiente escolar é tema importante para a área
da arquitetura escolar, uma vez que exerce relação direta sobre o aprendizado.
As dimensões territoriais do país, a diversidade de técnicas e de elementos construtivos, a
incerteza quanto aos padrões adequados de conforto térmico para o território nacional, a
variedade de níveis de ensino e as condições socioeconômicas regionais são variáveis que
individualmente geram extensas pesquisas. Por isso, a reunião destas informações se apresentou
ainda insuficiente para a compreensão geral ou para a generalização de indicação de parâmetros
de conforto térmico no ambiente escolar brasileiro. O conjunto de estudos consultados
apresenta, no entanto, uma série de recomendações para o ambiente de ensino e sugerem
algumas lacunas que podem ser trabalhadas em pesquisas futuras, como as descritas a seguir:
• Ampliar as análises em mais de uma estação do ano, já que pesquisas foram geralmente
realizadas em apenas uma estação, assim como aumentar o tamanho das amostras e o número
de localidades, para permitir sua generalização em áreas com padrões de conforto térmico
homogêneas;
• Explorar a simulação computacional, pois foi utilizada em um número reduzido de trabalhos. A
partir delas é possível realizar comparações e análises anuais e em diversas localidades;
• Realizar mais pesquisas com a avaliação de conforto a partir do modelo adaptativo, já que para
a realidade nacional a maioria das salas é ventilada naturalmente;
• Ampliar pesquisas para outras regiões do país, e também em instituições de ensino infantil, que
foram pouco estudadas. Esses ambientes são essenciais na formação inicial;
• Definir faixas de conforto térmico para diversas zonas bioclimáticas, pois a utilização das
definidas por estudos internacionais apresentaram-se questionáveis. As pesquisas podem definir
novos limites de acordo com a diversidade climática do país, buscando-se a adequada melhoria
do conforto térmico do ambiente;
• Realizar mais pesquisas sobre a importância do conforto térmico no desenvolvimento cognitivo
do aluno. O acréscimo de pesquisa sobre o tema contribuiria para a verificação dos prejuízos
causados sobre a aprendizagem.
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AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à professora doutora Maria Solange Gurgel de Castro Fontes e à
mestranda Heloisa de Freitas Zanella Rosseto pelo apoio no desenvolvimento desta pesquisa.
154
AUTORES
João Roberto Gomes de Faria: Professor Adjunto da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação. Atua nos programas de pós-graduação em Design e em Arquitetura e
Urbanismo, e no curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo. Desenvolve pesquisas vinculadas ao
Núcleo de Conforto Ambiental (NUCAM) nas áreas de conforto ambiental e ergonomia no ambiente
construído.
Guilherme William Petrini da Silveira: Arquiteto e urbanista pela Universidade de Marília (UNIMAR, 2016);
diretor geral do departamento de projetos da Prefeitura Municipal de Jacarezinho e aluno do Programa de
Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Bauru
(SP), linha de pesquisa: Planejamento e Avaliação do Ambiente Construído.
Augusto Yuji Nojima Spagnuolo: Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual
de Londrina (2002). Atualmente é aluno regular do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campos de Bauru (SP); arquiteto - Studio Urbe
Arquitetura; professor do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza; arquiteto e urbanista da
Prefeitura Municipal de Joaquim Távora. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase
em Projeto de Arquitetura e Urbanismo.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 155
156
1 INTRODUÇÃO
Dentro do vasto universo da pesquisa no âmbito da tecnologia do ambiente construído, é
perceptível a importância dos estudos sobre o desempenho termoenergético das edificações.
Esse desempenho está diretamente relacionado ao consumo de energia elétrica, um grande
problema ambiental, e um dos maiores custos contínuos na vida útil das edificações (KIM;
RIGDOM, 1998). Nesse contexto, as ferramentas computacionais de auxílio às tomadas de decisão
no âmbito do desempenho térmico e energético se mostram, além de extremamente úteis para o
campo profissional, importantes instrumentos experimentais para o campo científico. Shaviv
(1999) classifica essas ferramentas em duas categorias principais: ferramentas geradoras, que
auxiliam nas definições geométricas e geralmente requerem poucos dados de entrada, sendo
bastante úteis durante o processo projetual; e ferramentas de análise de desempenho
(ferramentas de simulação), mais complexas, mas úteis na avaliação quantitativa de desempenho
do projeto já consolidado.
Ferramentas geradoras ainda são escassas e limitadas, de modo que as simulações são realizadas,
em sua maioria, com ferramentas de análise de desempenho. Essas ferramentas, por sua vez, são
geralmente utilizadas após a concepção do projeto, quando grande parte das decisões que
impactam o desempenho térmico já foram tomadas. Dessa forma, seu uso acaba se restringindo a
pesquisas acadêmicas, em detrimento do processo de projeto (LIMA, 2012).
Dentre as ferramentas computacionais mais utilizadas por todos os profissionais de áreas afins à
arquitetura, Venâncio e Pedrini (2011) constataram, por meio de pesquisa exploratória com
arquitetos, consultores e pesquisadores que se destacaram, o ECOTECT, lançado pela Square One
Research em 1996 (FREIRE et al., 2013) e descontinuado em março de 2015 (AUTODESK, 2016), e
o EnergyPlus (DOE; BTO; NREL, 2001)/DesignBuilder (DBS, 2000), sendo o primeiro o mais
utilizado por arquitetos e os últimos por pesquisadores.
O Energy Plus começou a ser desenvolvido em 1996, financiado pelo governo americano, com
base nos recursos de dois programas já existentes, o DOE-2 (WINKELMANN et al., 1993) e o BLAST
(BUILDING SYSTEMS LABORATORY, 1999). Ele incluía uma grande quantidade de ferramentas
inovadoras, tanto no cálculo de balanços térmicos, quanto no cálculo de consumo energético.
Além disso, sua estrutura de entrada de dados e de saída de resultados facilita a elaboração, por
terceiros, de interfaces mais amigáveis, como o OpenStudio. Ele começou a ser testado em 1999,
e teve sua primeira versão lançada em 2001 (CRAWLEY et al., 2001).
Dentro deste contexto, o objetivo desta pesquisa de caráter exploratório é caracterizar a
utilização do programa computacional EnergyPlus por pesquisas brasileiras, enquanto ferramenta
de experimento científico no âmbito do desempenho térmico e energético das edificações.
Evidenciaram-se questões sobre sua usabilidade, aplicabilidade e operação, e a compreensão dos
limites e potenciais dessa ferramenta em novas descobertas e avanços neste meio.
2 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA
A estratégia metodológica consistiu na revisão sistemática da literatura conforme as diretrizes de
Smith et al. (2011), seguida de uma análise de distribuição temática e temporal dos trabalhos
selecionados. Como base dados foram adotados os anais dos Encontros Nacionais de Tecnologia
158
3 ANÁLISE
Os artigos selecionados foram classificados quanto: i) à cronologia de utilização do software na
pesquisa; ii) às instituições que realizaram as pesquisas; iii) ao caráter das pesquisas (indutivo ou
dedutivo), conforme os conceitos de Marconi e Lakatos (2003); iv) às categorias de objetivos e
métodos mais utilizados nas pesquisas; v) às principais conclusões no âmbito da usabilidade,
aplicabilidade e operação do software.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Foram analisadas, no total, 62 pesquisas entre os anos 2004 e 2016. A seguir, são apresentados os
resultados do levantamento, buscando compreender através das discussões a utilização do
software EnergyPlus nas pesquisas dos anais do ENTAC.
Figura 1. Cronologia de publicação de trabalhos sobre o EnergyPlus nos anais dos ENTACs.
Fonte: os autores.
Figura 2. Número de artigos sobre o EnergyPlus publicados nos anais dos ENCACs por instituição.
Fonte: os autores.
Figura 3. Abordagens dos trabalhos indutivos sobre o EnergyPlus publicados nos anais dos ENTACs.
Fonte: os autores.
Segue uma discussão sobre as predominâncias identificadas em cada uma dessas categorias,
assim como os principais resultados no que diz respeito à usabilidade, aplicabilidade, e operação
do EnergyPlus.
I. Avaliação de sistemas construtivos ou estratégias bioclimáticas (50% dos artigos): os objetivos
em comum consistem em avaliar os efeitos de estratégias bioclimáticas ou sistemas construtivos
no desempenho térmico ou energético das edificações, individualmente (em relação a um modelo
de controle) ou comparativamente (em relação a modelos com outras opções de estratégias ou
sistemas construtivos). Como método em comum, os pesquisadores modelam e simulam um ou
mais objetos de estudo utilizando o mesmo arquivo climático ou arquivos climáticos distintos,
alterando na modelagem as configurações construtivas e observando os resultados gerados.
Três desses estudos qualificam estratégias bioclimáticas e/ou sistemas construtivos específicos,
individualmente (GONÇALVES; TREICHEL; CUNHA, 2016; MIZGIER; PENSO, 2016; ATAÍDE; SOUZA,
2010) e seis comparativamente (CECHINEL; HACKENBER; TONDO, 2016; SALES; BRITO; AKUTSU,
2014; PIRES et al., 2012; AMPARO; SOUZA; GOMES, 2010; GOMES; SOUZA, 2008; LARA; ALUCCI,
2006) para climas específicos. Uma pesquisa induz modelos e parâmetros ideais aplicáveis a
projetos de mesmo contexto funcional e climático, avaliando-os, neste caso, com o auxílio de
indicadores de conforto térmico (SIRTULI et al., 2016).
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 161
Outros estudos (seis deles) não se limitam a apenas um clima, avaliando uma ou mais estratégias
ou sistemas em mais de uma situação climática (INVIDIATA et al., 2016; PIRES; WESTPHAL, 2014;
SILVEIRA; LABAKI, 2012; BESEN; WESTPHAL, 2012; MELO; LAMBERTS, 2008; BRITO; VITTORINO,
2008). Constatam, muitas vezes, para quais tipologias e/ou climas específicos essas estratégias ou
sistemas são mais eficientes.
Essa categoria de pesquisa é a mais frequente dentre as identificadas nos anais do ENTAC e possui
um crescimento cronológico (Figura 4). Isso pode indicar uma preocupação cada vez maior com a
eficiência das estratégias bioclimáticas e sistemas construtivos utilizados atualmente, assim como
uma tendência na maior utilização do EnergyPlus para tais investigações.
eficácia à de outra ferramenta de simulação, o TAS (EDSL, 2004), por meio do método
desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT, 2004), o qual consiste na comparação
dos dados simulados pelos programas com os dados levantados in loco para um determinado
protótipo edificado. Como resultado dessa comparação, a pesquisa conclui que o modelo
utilizado pelo EnergyPlus está mais adequado à condição avaliada, se comparado ao modelo do
TAS. É importante ressaltar que essa pesquisa foi desenvolvida há mais de dez anos, quando o
EnergyPlus ainda estava sendo validado por vários pesquisadores. As pesquisas atuais já não se
preocupam mais com essa validação, o que pode indicar que o programa já é considerado
bastante confiável; assim, apenas mais um artigo dessa categoria surge em 2016.
4.3.2 Caráter dedutivo
É possível classificar as pesquisas identificadas com caráter dedutivo em apenas uma categoria de
objetivos e métodos de abordagem, a qual segue descrita a seguir.
I. Avaliação de projetos padrão (6 casos): o objetivo comum é avaliar o desempenho térmico e
energético de uma construção baseado em projetos padrão, estando ela já edificado ou apenas
em fase de projeto. O intuito geral é elaborar uma crítica aos projetos padrão desenvolvidos
atualmente no país, evidenciando a dificuldade de sua adaptação aos diferentes contextos
climáticos. Todas as pesquisas identificadas se concentram na crítica aos projetos e implantações
de habitações de interesse social. Como método em comum, os projetos escolhidos são
modelados e simulados em uma situação climática (DOERFLER; KRUEGER, 2014; GARCIA; PRADO,
2014; MENEZES; KALIL; CUNHA, 2006) ou mais situações climáticas (DÖRFLER; KRÜEGER, 2016;
TORRES; BATISTA, 2014; FERREIRA; PEREIRA, 2012), de modo que, no último caso, os resultados
possam ser comparados. Nota-se a concentração dessa categoria de pesquisa nos últimos anos
(Figura 8). É importante ressaltar que algumas pesquisas propõem estratégias específicas para os
projetos padrão e projetos-base, comparando-as com situações nas quais elas não são utilizadas.
Entretanto, nesses casos, as pesquisas se enquadram como indutivas (tópico 4.3.1), não se
voltando para a avaliação da autonomia de adaptação dos projetos em si, e sim para quais
alternativas projetuais poderiam atenuar seus problemas.
5 CONCLUSÕES
Até o último congresso analisado (2016) foi constatado que os usos mais frequentes do
EnergyPlus se concentram na avaliação de estratégias bioclimáticas e sistemas construtivos
através de métodos prescritivos, no que diz respeito à suas influências no desempenho térmico e
energético da edificação. É possível observar também que o nível de complexidade das pesquisas
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 165
tem aumentado e que, nos últimos anos da série estudada, as pesquisas voltadas para o auxílio na
operação do programa também têm se intensificado, o que demonstra maior familiaridade com a
ferramenta por parte dos pesquisadores mais experientes. Entretanto, ainda é necessário maior
produção no âmbito da operação do programa, de modo que pesquisadores ainda iniciantes na
linguagem de programação possam ter maior apoio para utilização do EnergyPlus em suas
pesquisas.
Os resultados desta revisão bibliográfica apontam para uma tendência de maior utilização do
programa nos próximos anos, principalmente no âmbito indutivo. No entanto, é necessário
destacar que essa tendência pode ser decorrente da predominância do mesmo público que
constitui a amostra de análise durante os anos, assim como interesses particulares na divulgação
do programa. Além disso, considera-se a possibilidade de sua substituição por outra ferramenta,
que por acaso venha a ser desenvolvida futuramente.
A pesquisa realizada abordou apenas os trabalhos de um evento (ENTAC). Evidencia-se a
necessidade de se realizar esse estudo para outras fontes bibliográficas relacionadas ao tema para
maior representatividade dos resultados.
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AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à profa. dra. Maria Solange Gurgel de Castro Fontes (PPGARQ/UNESP) pelo
apoio no desenvolvimento desta pesquisa.
AUTORES
João Roberto Gomes de Faria: Professor adjunto da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação. Atua nos programas de pós-graduação em Design e em Arquitetura e
Urbanismo, e no curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo. Desenvolve pesquisas vinculadas ao
Núcleo de Conforto Ambiental (NUCAM) nas áreas de conforto ambiental e ergonomia no ambiente
construído.
João Victor de Souza Lima: Discente do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ)
da Universidade Estadual Paulista (UNESP) na Linha de Pesquisa “Planejamento e Avaliação do Ambiente
Construído”, na área de conforto térmico. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade do
Oeste Paulista, especialista em Arquitetura de Interiores pela Universidade do Oeste Paulista. Tem
experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, Design de Interiores, Design de Mobiliário, Orçamento e
Gerenciamento de Obras. Professor na Universidade Paulista (UNIP – campus de Assis – SP).
Ana Carolina dos Santos: Discente do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ)
da Universidade Estadual Paulista (UNESP) na Linha de Pesquisa “Planejamento e Avaliação do Ambiente
Construído”, na área de conforto térmico. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Ciência
e Tecnologia – FCT/UNESP. Bolsista PROEX BAAE II no ano de 2013 e Bolsista FAPESP de iniciação científica
de 04/2014 a 12/2015.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 171
172
INDICE REMISSIVO
acessibilidade ............................................................ 10, 109, 115, 132, 133, 134, 135, 136, 139, 147
ambiente construído ................................................. 2, 4, 5, 10, 12, 69, 135, 136, 167, 168, 169, 183
ambiente escolar .......................................................................13, 148, 155, 156, 157, 159, 160, 164
aplicabilidade ............................................................................13, 157, 163, 168, 169, 170, 172, 174
arborização .................................................... 12, 32, 51, 52, 53, 54, 56, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 74
arborização urbana ....................................................................................... 51, 52, 53, 54, 62, 63, 64
arquitectura paisagista ........................................................................................................... 8, 17, 20
Arquitectura Paisagista ..................... 12, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36
arquitetura escolar ................................................................................................................. 148, 160
arquitetura industrial ........................................................................................................... 13, 86, 87
árvore ......................................................................................................................................... 28, 59
árvores.....................................................................................................................41, 54, 64, 73, 125
auditoria técnica............................................................................................... 13, 131, 135, 136, 144
Bauru ....................................................................................................................................................
5, 6, 8, 12, 13, 38, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 62, 64, 65, 68, 70, 71, 73, 74, 75, 76, 78, 79, 80, 81,
82, 83, 84, 85, 86, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 100, 101, 102, 103, 125, 126, 131, 137, 147, 163,
165, 167
biodiversidade .....................................................................................................42, 45, 48, 51, 53, 62
bioma ........................................................................................................................12, 38, 41, 48, 80
Bosque da Comunidade .......................................................................... 8, 13, 75, 131, 137, 138, 144
botânica.....................................................................................................................21, 54, 56, 57, 58
brincadeira ..................................................................................................................... 131, 133, 134
brincar ...................................................................................................................... 82, 131, 133, 134
brinquedos .............................................. 114, 131, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144
brownfields ....................................................................................................................................... 69
calçadas .............................................................................................................................. 54, 63, 109
canteiros ..................................................................................................................................... 54, 76
centro histórico .........................................................................................13, 105, 106, 107, 108, 126
cerrado ........................................................................ 8, 12, 38, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 80
comportamento de crianças .......................................................................................................... 132
conforto ................................................................................................................................................
10, 13, 109, 136, 139, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162,
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Reflexões sobre o ambiente construído e a paisagem 173
163, 164, 165, 166, 167, 173, 178, 179, 181, 183
conforto térmico ..................................................................................................................................
13, 136, 139, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163,
164, 165, 166, 167, 173, 178, 179, 183
conservação .............. 12, 23, 28, 29, 32, 39, 42, 43, 45, 46, 47, 48, 49, 72, 74, 80, 83, 114, 136, 162
criança ............................................................................. 131, 133, 134, 135, 140, 141, 144, 156, 162
deficiência ...............................................................................131, 133, 134, 135, 140, 141, 144, 145
deriva situacionista .............................................................................................................. 13, 86, 87
desempenho energético ................................................................................................ 168, 178, 179
desempenho térmico ...........................................................................................................................
152, 153, 161, 163, 164, 166, 168, 169, 170, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181,
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desenho urbano ......................................................................................................................... 21, 70
dialogia ........................................................................................................................................... 106
drenagem ..................................................................................................................12, 68, 72, 79, 85
ecologia .......................................................................................................................... 20, 21, 46, 49
ecossistemas ............................................................................... 29, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 46, 47, 52
edifícios ......................................................... 86, 91, 92, 101, 102, 107, 109, 139, 151, 152, 168, 181
enchentes ..................................................................................................................39, 72, 73, 75, 83
EnergyPlus ......................................... 13, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 180
ENTAC ................................................................................................13, 149, 168, 170, 173, 175, 177
escola............................................... 140, 141, 148, 149, 151, 152, 153, 159, 162, 163, 164, 165, 166
espaços físicos ................................................................................................................................ 148
espaços públicos .........................................................................................64, 98, 105, 106, 107, 108
espaços verdes ........................................................................................................................... 22, 32
espécies ......................................... 8, 12, 39, 41, 42, 43, 45, 51, 53, 54, 57, 58, 59, 60, 62, 63, 64, 65
espécies exóticas ............................................................................................................ 51, 53, 57, 59
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil .......................................................................13, 86, 87, 90, 103
ferrovia .......................................................................................... 44, 71, 80, 89, 93, 98, 99, 100, 102
ferrovias ...................................................................................... 44, 88, 89, 90, 91, 92, 100, 101, 103
gestão patrimonial ......................................................................................................................... 102
gestão urbana................................................................................................................................... 68
habitat ............................................................................................................................ 38, 39, 42, 43
174