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LUIZ COLEÇÃO Planejamento Urbano e Regional

Prof. Flávio Vilaça


PRIMEIRAS
A série “Primeiras Au-
las”, cujo sentido ini-
cial visava comemorar os
RECAMAN AULAS História do Urbano: Temporalidades,
Escalas e Pontos de Vistas Contras-
tantes
40 anos da Unesp, objeti- Profª. Maria Stella Bresciani
vou reavivar a “aula” - uma História Urbana: Repensar Histórias
antiga prática acadêmica-,
como “atividade cívica”, PENSAMENTO Cruzadas - Experiências de Pesquisa
em Arquitetura e Urbanismo

CRÍTICO NA
diante do “novo papel” Profª. Heliana Angotti-Salgueiro

PRIMEIRAS AULAS LUIZ RECAMAN


uiz Recaman possui graduação em Arqui-
tetura e Urbanismo pela Universidade de
que a universidade pública História da Arquitetura: Século XX -

ARQUITETURA E
São Paulo (1983), graduação em Ciências deveria assumir, em espe- Três Cortes: Procedimentos/Cadeia
Sociais pela Universidade de São Paulo (1987), cial no tocante à questão Produtiva/Significado
mestrado em Filosofia pela Universidade de

NO URBANISMO I
São Paulo (1995) e doutorado em Filosofia pela pedagógica e às tecnolo- Profª. Sophia Telles
Universidade de São Paulo (2002). Atualmente gias que influenciam os Para entender a Crise Urbana no Proje-
é professor doutor da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade de São Paulo e do novos modos de apren- to da Cidade Contemporânea
seu programa de Pós-graduação em Arquitetura der, comunicar, pensar e Profª. Ermínia Maricato
e Urbanismo. Suas principais pesquisas tratam
da Estética da Arquitetura, Crítica de Arquitetu-
também de se relacionar
’Guerra dos Lugares’ e o Projeto da
ra, Arquitetura Moderna Brasileira e da relação com a sociedade, frente à Cidade Contemporânea
entre Habitação Social e desenvolvimento ur- crescente propagação do
bano. É co-autor do livro “Brazil’s Modern Ar- Profª. Raquel Rolnik
chitecture” (Phaidon, 2004) e “Vilanova Artigas: chamado "analfabetismo
Habitação e cidade na modernização Brasileira” funcional". Para tal, foram O papel do patrimônio arquitetônico no
(Unicamp, 2013). projeto da cidade contemporânea
convidados grandes mes- Profª. Beatriz Kuhl
tres que enriqueceram, e
continuam enriquecendo História do Urbanismo: Teorias e
direta ou indiretamente, a Histórias
Prof. Carlos Roberto M. de Andrade
construção de um itinerá-
rio de pesquisa no âmbito A Formulação das Políticas Públicas
da Faculdade de Arquitetu- no Projeto da Cidade Contemporânea
ra, Artes e Comunicação - Prof. Fernando de Mello Franco
FAAC, Unesp – Bauru. Pensamento Crítico na Arquitetura e
Urbanismo - I
Adalberto da Silva Retto Jr. Prof. Luiz Recaman
Coordenador geral da Série
Pensamento Crítico na Arquitetura e
Urbanismo - II
Prof. Leandro Medrano

A Questão Habitacional no Projeto


da Cidade Contemporânea: Revisão
Histórica e Desafios Contemporânea
Prof. Nabil Bonduki
COLEÇÃO
PRIMEIRAS
AULAS
LUIZ

RECAMAN
PENSAMENTO
CRÍTICO NA
ARQUITETURA E
NO URBANISMO I

Bauru - SP
2019
CONSELHO EDITORIAL
R439p Retto Júnior, Adalberto da Silva; Recaman, Luiz. Prof. Dr. Adeir Archanjo da Mota - UFGD
Pensamento crítico na arquitetura e no urbanismo I [recurso Profª. Drª. Alba Regina Azevedo Arana - UNOESTE
eletrônico] / Coordenador Adalberto da Silva Retto Júnior. 1 ed. – Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva
Bauru: ANAP, 2019.
Prof. Dr. Alexandre França Tetto - UFPR
73 p; il.
Prof. Dr. Alexandre Sylvio Vieira da Costa - UFVJM
Prof. Dr. Alfredo Zenen Dominguez González - UNEMAT
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ISBN: 978-85-68242-98-8 Profª. Drª. Aline Werneck Barbosa de Carvalho - UFV
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1. Crítica 2. Arquitetura 3. Urbanismo
Profª. Drª. Ana Lúcia de Jesus Almeida - UNESP
I . Título.
Profª. Drª. Ana Lúcia Reis Melo Fernandes da Costa - IFAC
Profª. Drª. Ana Paula Branco do Nascimento – UNINOVE
CDD: 720 Profª. Drª. Ana Paula Fracalanza – USP
CDU: 720/49
Profª. Drª. Ana Paula Novais Pires
Profª. Drª. Ana Paula Santos de Melo Fiori - IFAL
Índice para catálogo sistemático Prof. Dr. André de Souza Silva - UNISINOS
Brasil: Arquitetura Profª. Drª. Andrea Aparecida Zacharias – UNESP
Profª. Drª. Andrea Holz Pfutzenreuter - UFSC
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Profª. Drª. Flávia Akemi Ikuta - UMS
Profª. Drª. Flávia Maria de Moura Santos - UFMT Profª. Drª. Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira - UFMT
Profª. Drª. Flávia Rebelo Mochel - UFMA Profª. Drª. Martha Priscila Bezerra Pereira - UFCG
Prof. Dr. Flavio Rodrigues do Nascimento - UFC Prof. Dr. Maurício Lamano Ferreira - UNINOVE
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Prof. Dr. Frederico Braida Rodrigues de Paula - UFJF Profª. Drª. Natacha Cíntia Regina Aleixo - UEA
Prof. Dr. Frederico Canuto - UFMG Profª. Drª. Natália Cristina Alves
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Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira - UEMS Prof. Dr. Nilton Ricoy Torres - FAU/USP
Profa. Dra. Gelze Serrat de Souza Campos Rodrigues - UFU Profª. Drª. Olivia de Campos Maia Pereira - EESC - USP
Prof. Dr. Generoso De Angelis Neto - UEM Profª. Drª. Onilda Gomes Bezerra - UFPE
Prof. Dr. Geraldino Carneiro de Araújo - UFMS Prof. Dr. Oscar Buitrago - Universidad Del Valle - Cali, Colombia
Profª. Drª. Gianna Melo Barbirato - UFAL Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA
Prof. Dr. Glauco de Paula Cocozza - UFU Prof. Dr. Paulo Augusto Romera e Silva – DAEE - SP
Profª. Drª. sabel Crisitna Moroz Caccia Gouveia - FCT/UNESP Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha - FCT/UNESP
Profª. Drª. Jakeline Aparecida Semechechem - UENP Prof. Dr. Paulo Cesar Vieira Archanjo
Prof. Dr. João Cândido André da Silva Neto - UEA Profª. Drª. Priscila Varges da Silva - UFMS
Prof. Dr. João Carlos Nucci - UFPR Profª. Drª. Regina Célia de Castro Fereira - UEMA
Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra - UFFS Prof. Dr. Renan Antônio da Silva - UNESP - IBRC
Prof. Dr. João Roberto Gomes de Faria - FAAC/UNESP Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino - UNICAMP
Prof. Dr. José Aparecido dos Santos - FAI Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara - UFSCar
Prof. Dr. José Manuel Mateo Rodriguez – Universidade de Havana – Cuba Profª. Drª. Risete Maria Queiroz Leao Braga - UFPA
Prof. Dr. José Queiroz de Miranda Neto – UFPA Prof. Dr. Rodrigo Barchi - UNISO
Prof. Dr. José Seguinot - Universidad de Puerto Rico Prof. Dr. Rodrigo Cezar Criado - TOLEDO Prudente Centro Universitário
Prof. Dr. Josep Muntañola Thornberg - UPC -Barcelona, Espanha Prof. Dr. Rodrigo Gonçalves dos Santos - UFSC
Prof. Dr. Josinês Barbosa Rabelo - UFPE Prof. Dr. Rodrigo José Pisani - UNIFAL-MG
Profª. Drª. Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia - UFPB Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho - UFGD
Profª. Drª. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro - FEA Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araujo - UFMA
Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia - UFPR Profª. Drª. Roselene Maria Schneider - UFMT
Profª. Drª. Karin Schwabe Meneguetti - UEM Prof. Dr. Salvador Carpi Junior - UNICAMP
Prof. Dr. Leandro Gaffo - UFSB Profª. Drª. Sandra Mara Alves da Silva Neves - UNEMAT
Profª. Drª. Leda Correia Pedro Miyazaki - UFU Prof. Dr. Sérgio Augusto Mello da Silva - FEIS/UNESP
Profª. Drª. Leonice Seolin Dias - ANAP Prof. Dr. Sergio Luis de Carvalho - FEIS/UNES
Profª. Drª. Lidia Maria de Almeida Plicas - IBILCE/UNESP Profª. Drª. Sílvia Carla da Silva André - UFSCar
Profª. Drª. Lisiane Ilha Librelotto - UFS Profª. Drª. Silvia Mikami G. Pina - Unicamp
Profª. Drª. Luciana Ferreira Leal - FACCAT Profª. Drª. Simone Valaski - UFPR
Profª. Drª. Luciana Márcia Gonçalves - UFSCar Profª. Drª. Sueli Angelo Furlan - USP
Prof. Dr. Marcelo Campos - FCE/UNESP Profª. Drª. Tânia Paula da Silva - UNEMAT
Prof. Dr. Marcelo Real Prado - UTFPR Profª. Drª. Vera Lucia Freitas Marinho – UEMS
Profª. Drª. Marcia Eliane Silva Carvalho - UFS Prof. Dr. Vilmar Alves Pereira - FURG
Profª. Drª. Márcia Eliane Silva Carvalho - UFS Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto - FCAE/UNESP
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes - EQUOIA Engenharia Ambiental LTDA Prof. Dr. Xisto Serafim de Santana de Souza Júnior - UFCG
Profª. Drª. Margareth de Castro Afeche Pimenta - UFSC Profª. Drª. Yanayne Benetti Barbosa
Profª. Drª. Maria Ângela Dias - UFRJ
Profª. Drª. Maria Ângela Pereira de Castro e Silva Bortolucci - IAU
Profª. Drª. Maria Augusta Justi Pisani - UPM
Profª. Drª. María Gloria Fabregat Rodríguez - UNESP
Profª. Drª. Maria Helena Pereira Mirante – UNOESTE
Profª. Drª. Maria José Neto - UFMS
Profª. Drª. Maristela Gonçalves Giassi - UNESC
\\3

APRESENTAÇÃO

SUMÁRIO
Primeiras Aulas: entre prática cívica e
escolhas ética, estética e política

Parceria Equipe da TV Unesp


GRUPO SITU/DAUP/FAAC/ TV Unesp Produção
Licínia Iossi
Coordenação da série Mayra Ferreira
Prof. Adalberto da Silva Retto Jr
Unesp - Bauru Imagens
Alexsandro Belote
Equipe Organizadora Antônio Garcia
Prof. Dr. Adalberto da Silva Retto Jr Eduardo Marques
Unesp - Bauru Vanderlei D’lucca

Prof. Dr. Luiz Claudio Bitencourt Iluminação


Unesp – Bauru e Eduvale André Bazan
José Siqueira
Profa. Dra. Lilian Nakashima
Edição
USC
Cláudia Paixão
APRESENTAÇÃO
11
Comissão Científica Leandro Fontes
Adalberto da Silva RETTO JR Licínia Iossi
DAUP - Unesp, Bauru Mayra Ferreira
Mônica Ishikawa
Prof. Dr. Luiz Cláudio BITENCOURT Renan Maia Bolaño
DAUP - Unesp, Bauru Octávio Nascimento Neto
INTRODUÇÃO
Prof. Dr. Marcelo Carbone CARNEIRO
CHU - Unesp, Bauru
Videografismo
Vinicius Tavares
33
Prof. Dr. Guido ZUCCONI
IUAV di Venezia Equipe de apoio do Grupo S.I.T.U.
AULA
Prof. Dr. Marco DE MICHELIS
IUAV di Venezia
Arqta. Fabiana Eid Crespilho
Thiago Tomassine
37
Arquitetura e Urbanismo USC
Projeto Gráfico
Érica P. das Neves Matheus Drummond Weffort
Arquitetura e Urbanismo Unesp - Bauru
DEBATE
63

SÍNTESE
BIBLIOGRÁFICA
70
ASSOCIAÇÃO AMIGOS DA NATUREZA DA ALTA PAULISTA
Ao prof. Dr. Marcelo Carbone Carneiro, Di-
retor da FAAC, pois ao dar suporte à realização do
projeto Primeiras Aulas, ele permitiu a exploração
de interrelações na FAAC, a vocação extensionista
da Unesp e a integração com as práticas pedagó-
gicas e de pesquisa, à luz das novas formas de co-
municação digital e socialização.
APRESENTAÇÃO
Primeiras
Aulas: entre
prática cívica
e escolhas
ética, estética
e política

A série “Primeiras Aulas”, cujo sentido inicial


visava comemorar os 40 anos da Unesp, objetivou
reavivar a “aula” - uma antiga prática acadêmica-,
como “atividade cívica”, diante do “novo papel” que
a universidade pública deveria assumir, em especial
no tocante à questão pedagógica e às tecnologias
que influenciam os novos modos de aprender, co-
municar, pensar e também de se relacionar com a
sociedade, frente à crescente propagação do chamado
“analfabetismo funcional”. Para tal, foram convida-
dos grandes mestres que enriqueceram, e continuam
enriquecendo direta ou indiretamente, a construção
de um itinerário de pesquisa no âmbito da Faculda-
de de Arquitetura, Artes e Comunicação - FAAC,
Unesp – Bauru.
A escolha do titulo da série é uma homena-
gem póstuma ao professor italiano Bernardo Secchi e
deriva do livro “Prima Lezione di Urbanistica”1, tradu-
zido para o português, após sua vinda ao Brasil como
consultor durante a elaboração do Plano Diretor

1 SECCHI, Bernardo. Primeira lição de urbanismo. Tradução de Marisa Barda e Pedro M. R. Sales. São
Paulo, Perspectiva, 2007, p. 11.

10 11
Participativo do Município de Agudos2. O convite mente ligada ao ambiente em que vivemos,
para resenhar o livro de Bernardo Secchi e a atitude ao ambiente construído, ou seja, ao ambien-
te urbano.
crítica com relação à escolha da palavra “lição”, por O tema da disponibilização de estilos de
parte do autor e dos tradutores, para compor o título vida distintos incita a refletir sobre as velhas
do livro levaram-me a montar um quadro analítico categorias de tipologia e morfologia. Trata-
no intuito de, por um lado, embasar a reflexão sobre -se de ver como diferentes tipos de espaços
habitáveis podem ser compostos em função
a importância de uma “prima lezione” que poderia de aspectos morfológicos totalmente distin-
minimizar o chamado “analfabetismo urbanístico”, tos daqueles aos quais costumávamos pensar
termo apropriadamente cunhado pela profa. Ermí- numa época em que não tínhamos a sorte que
representam a liberdade, a individualidade e
nia Maricato e constatado na prática durante a ela- a gestão do próprio cotidiano para o indiví-
boração e as revisões de planos diretores de cidades duo de hoje. Esse ponto, precisamente, tor-
de pequeno e médio porte do Centro-Oeste Paulista nou-se um importante tema de projeto, a ser
e, por outro, refletir sobre a atuação profissional do desenvolvido seja por exercícios nas escolas
de arquitetura, seja na vida profissional. Se, a
arquiteto e urbanista, além do papel político da pro- partir dessa perspectiva, olharmos as enormes
fissão. cidades difusas de Flandres ou da região do
Vêneto, imensas extensões urbanas espalha-
Sobre o papel político de nossa profissão, o das que misturam velhos centros históricos,
próprio homenageado nos propõe explorá-lo no pre- periferias e vastas áreas residenciais, somos le-
vados a formular opiniões distintas daquelas
fácio do livro “Matières de Ville: Projet Urbain et En- comumente defendidas.
seignement”, a partir de três palavras cuja história está
ligada à República Francesa: “Liberdade, Igualdade, O que significa “Igualdade”?
Fraternidade”3.
Recorrentemente, essa noção gera pro-
“O que quer dizer “Liberdade”? blema: como conceber uma cidade que seja
a representação de sociabilidades distintas?
Significa que a sociedade contemporâ- Como criar uma cidade em que não haja ne-
nea, com suas diferenças nacionais, étnicas nhuma segregação entre os diversos grupos
e culturais – que continuamos enfatizando, sociais? Uma cidade na qual se possa viver
senão exagerando – nos oferece a possibili- sem a marca do seu status social?
dade de escolher trajetórias e estilos de vida
diversos. Desde Roland Barthes e Henri Le- Essa questão é muito mais complexa que
febvre, as pesquisas nos mostraram como a a exploração da liberdade, pois aqui se aborda
liberdade, tanto individual quanto coletiva, o tema da mescla. Como acomodar juntos jo-
embora dependa de outros fatores é estrita- vens e pessoas mais velhas? Como organizar
a coabitação de costumes, origens étnicas ou
2 O Plano Diretor Participativo de Agudos PDPA, (2004-2006), denominado Laboratório Agudos, estilos de vida diferentes? E ainda, como mis-
foi desenvolvido pela equipe do grupo SITU (Grupo em Pesquisas Integradas Territoriais e Urbanas) e
Dottorato di Urbanistica do IUAV de Veneza, a partir de dois workshops durante a elaboração do plano. turar as diversas atividades?
3 SECCHI, B. “La Recherche et le Projet Urbain” In.: TSIOMIS, Y.(org.) “Matières de Ville: Projet
Urbain et Enseignement” (Éditions de la Villette/ Cité de l’architecture et du patrimoine, Paris, 2008).
Quando se explora esse tema em pro-

12 13
fundidade, surge a percepção de que será -nos explorá-la com a necessária capacidade
preciso inventar exercícios pouco habituais, de invenção e imaginação, sem esquecer, con-
principalmente se se considera o fato de a so- tudo, que a atividade de projeto não se coloca
ciedade não ser estática. O que é compatível inicialmente como ação política ou na sua
hoje, talvez não o seja amanhã. A sociedade condição institucional, mas com um sentido
evolui depressa em um ambiente construído crítico, ou seja, de “ação na tensão”4.
que, ao contrário daquela, é dotado de tre-
menda inércia. O alargamento epistemológico, teórico e
Tal dualidade, inércia/rapidez (e seus conceitual do horizonte reflexivo permitiu descorti-
comportamentos múltiplos) constitui o nos-
so tema. Não se trata de um tema novo, mas nar diversos contextos em que uma “primeira aula”,
de uma nova declinação deste último, dentro de forma geral, se colocava como evento para além
da tradição do urbanismo europeu que busca de um plano de ensino. Nas universidades dos pa-
obter, por meio da urbanização, uma melhor íses de língua portuguesa utiliza-se aula magna com
repartição do bem-estar entre os grupos so-
ciais. O contrário pode ser verificado , por o mesmo caráter celebrativo das Leçons do College de
exemplo, no urbanismo dos Estados-Unidos. France, ou ainda, Lectio Magistralis, no contexto uni-
Quanto ao termo “Fraternidade” tra- versitário italiano, e MasterClass na língua inglesa.
duz, ao mesmo tempo, um projeto mais fácil Porém, a Prima Lezione di Urbanistica de Bernardo
e mais complicado. Trata-se mais uma vez de
reencontrar o gosto pelo compartilhamento Secchi, que está no conceito da própria coleção em
dos espaços. Não se pode mais aceitar e se que o livro está inserido e, que no meu ponto de
satisfazer com as categorias público/privado. vista, se afinava com o caráter a ser dado à série em
Tal distinção vale ainda na área da gestão, mas construção, objetivava rejeitar a extrema especializa-
não mais no âmbito da concepção. É preciso
pensar no compartilhamento dos espaços, co- ção da disciplina. Ao permitir uma abordagem plural
meçando pela parte interna da própria casa; é de pontos de vista, possibilita que o fenômeno ur-
preciso refletir novamente sobre as “idiorrit- bano seja explorado com complexidade, sem perder
mias” dos sujeitos, individuais e coletivos, em
suas práticas cotidianas; é preciso renovar a a importância e a fecundidade de uma abordagem
reflexão sobre a dimensão corporal da cidade. genuinamente interdisciplinar.
Quando, no doutorado, foi dado como obje-
to de pesquisa o tema “Como viver juntos”, Nas suas palavras, na contracapa da edição
um questionamento oriundo de Roland Bar- italiana:
thes, descobriu-se um universo inesperado
através de estudos, pesquisas e exercícios de Per urbanistica intendo non tanto un in-
projeto. sieme di opere, di progetti, di teorie o di norme
E complementa: unificate da un tema, da un linguaggio e da un’or-
ganizzazione discorsiva, tanto meno intendo un
Embora um tanto envelhecidas em apa-
settore d’insegnamento, bensì le tracce di un vasto
rência, as palavras “liberdade”, “igualdade” e
insieme di pratiche: quelle del continuo e consape-
“fraternidade” são, na realidade, a fronteira
que a sociedade de hoje nos propõe. Cabe- 4 A tradução das citações: Luc Matheron.

14 15
vole modificare lo stato del territorio e della città 1968: As Barricadas do Desejo” (Tudo é História,
(SECCHI, 2000)5. 1989).
O viés formativo que se buscava, para calibrar Porém, a opção deliberada pela palavra Aula
o conceito do evento proposto, aparece no contexto em vez de Lição remeteu-me ao argumento apresen-
brasileiro de forma significativa em duas coleções de tado durante a discussão acalorada com o próprio
livros de bolso lançadas e editadas pela Editora Brasi- Secchi, em uma consulta sobre o título da edição em
liense, a partir do final da década de 1970: a Coleção português do seu livro: o “juízo de valor” que a pala-
“Primeiros Passos” e a Coleção “Tudo é História”. vra possui na língua portuguesa. Na ocasião, minha
justificativa apoiou-se em dois pontos:
Analisando cuidadosamente os títulos pro-
postos, percebe-se que a questão urbana emerge de 1. A tradução da conferência de posse e aber-
forma relevante. Nesse sentido, a primeira lista de tura do novo curso de semiologia literária
possíveis convidados foi, pretensiosamente, pensada no College de France, proferida por Ro-
como atualização desses títulos. Do elenco inicial, land Barthes e denominada Leçon, em 7 de
janeiro de 1977, explicitada pelo próprio
dois nomes viriam representar essa linha aproxima- Secchi para explicar seu percurso narrativo
tiva: Maria Stella Martins Bresciani, professora da e traduzida por Leyla Perrone-Moisés com
Unicamp: “Londres e Paris no século XIX: O espe- o título de “aula”;
táculo da pobreza” (Tudo é História, n. 52, 1982), e
Raquel Rolnik, da USP: “O que é Cidade” (Primei- 2. A utilização da palavra lição pelo arquiteto
ros Passos, 1988). franco-suíço Le Corbusier, ao escrever, no
início dos anos vinte, sobre as cidades de
Outros convites aventados pela proximidade Roma e Veneza. No livro Vers une archi-
temática, infelizmente, não se concretizaram: Car- tecture de 1923, no capítulo “A lição de
los A. C. Lemos: “O Que é Arquitetura (Primeiros Roma”:
Passos, 1980) e “O Que é Patrimônio Histórico” Roma é uma paisagem pitoresca. Lá a luz
(Primeiros Passos, 1982); A. J. Gonçalves Jr., Aurélio é tão bela que ratifica tudo. Roma é um bazar
Sant’anna, Frederico Carstens, Rossano Fleith: “O onde se vende de tudo. Todos os utensílios da
Que é Urbanismo”(Primeiros Passos, 1991); Vavy vida de um pouco lá ficaram, o brinquedo da
infância, as armas dos guerreiros, os restos dos
Pacheco Borges: “O Que é História” (Primeiros altares, as bacias dos Borgia e os penachos dos
Passos, 1980); Marilena Chauí: “O que é ideologia” aventureiros. Em Roma o Feio é legião.
(Primeiros Passos, 1980), Olgária C. F. Matos:”Paris
Roma é um pitoresco bazar ao ar livre.
Há de todos os horrores e o mau gosto da
5 “Por Urbanismo entendo não tanto um conjunto de obras, projetos, teorias ou regras unificadas por
um tema, por uma linguagem e por uma organização discursiva, muito menos entendo o termo como
Renascença romana. Esta Renascença, nós a
um campo de ensino, mas os traços de um vasto conjunto de práticas: aquelas do contínuo e consciente julgamos com nosso gosto moderno que dela
modificar o estado do território e da cidade”.

16 17
nos separa por quatro grandes séculos de es- ídas de um sentido moralizador. Como observado
forços, o XVII, o XVIII, o XIX, o XX. no título definitivo da edição brasileira – Primeira
Dispomos do benefício desse esforço, Lição de Urbanismo, o argumento apresentado não
julgamos duramente, mas com uma clarivi- se sustentou.
dência motivada. Falta à Roma entorpecida
após Michelangelo esses quatro séculos. Re- Duas outras “aulas” ganharam particular in-
pondo o pé em Paris, retomamos consciência teresse: a aula inaugural intitulada “O Desenho”,
da escala. A lição de Roma é para os sábios,
aqueles que sabem e podem apreciar, aque- em 1967 na FAU-USP, em que professor engenhei-
les que podem resistir, que podem controlar. ro-arquiteto João Batista Vilanova Artigas defende o
Roma é a perdiçao daqueles que não sabem projeto como atitude de resistência à opressão; e a
muito. Colocar em Roma estudantes de ar-
quitetura é mutilá-los por toda vida. O Gran-
aula do mesmo arquiteto, por ocasião de seu retor-
de Prêmio de Roma e a Villa Médici são o no à FAU-USP após período no exílio, no concurso
câncer da arquitetura francesa. para professor titular, cujas arguições foram publica-
das sob o título de “A Função Social do Arquiteto”7.
Em contraposição La Leçon de Venise , como Dizia ele:
denomina Stanislaus Von Moos, a cidade lagunar
é descrita como modelo de nova hierarquia urbana Entretanto, é preciso falar sobre a função
social do arquiteto sob o ângulo específico da
moderna: arquitetura moderna. Sob o ângulo daquela
arquitetura vivida no Brasil, sem ficar no pla-
(...) cette ville qui, à cause de son plan d’eau,
no genérico de uma arquitetura universal que
représente l’outillage le plus formel, la fonction la
tenha finalidade social – que não é o caso de
plus exacte, la vérité la plus indiscutable – cette
nosso enfrentamento, da problemática que
ville qui, dans une unité unique au monde, en
me foi dada, pelo menos de meu ponto de
1934 encore (à cause du plan d’eau) est l’image en-
vista.
tière, intégrale des actes hiérarchisés d’une société
(LE CORBUSIER, 1937)6.
A arquitetura moderna originou-se [e
isso quem diz com certa clareza é um crítico
Nos seus relatos, as duas cidades emergem que todos conhecemos chamado Manfredo
respectivamente como anti-exemplo e exemplo de Tafuri (Cacciari, M., Dal Co, F., De la Van-
Urbanismo. É claro que não se trata de uma lição guarda a la Metropoli, 1972)] das esperanças
de transformação social do mundo frente à
sobre técnica de planejamento, pois não explica a Revolução Russa. A verdade é que a Revolu-
cultura do plano ou o processo de sua formação; não ção Bolchevique, como diz o próprio Tafuri,
aborda a questão da análise nem a concepção do pla- ofereceu ao mundo dos anos 20 a perspecti-
va de um mundo novo (ARTIGAS, J.B.V.
no; não revela os mistérios da disciplina. Mas como 1989, p.13).
verdadeiras “lições” de planejamento urbano imbu-
7 ARTIGAS, Vilanova. A função social do arquiteto. São Paulo: Nobel-Fundação Vilanova Artigas,
6 LE CORBUSIER, Quand les cathédrales étaient blanches, Paris, 1937, p. 8. 1989. Esse conjunto de arguições foi posteriormente incorporado em: ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da
arquitetura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

18 19
Neste ponto, o nexo fundamental explicita- diferentes dinâmicas da sociedade contemporânea,
do no subtítulo desta introdução encontra sua me- seja do ponto de vista local, seja a partir das deman-
lhor adequação e permitiu o fechamento conceitual das sociais de um mundo globalizado.
da proposta em construção. Essas primeiras aulas
A partir da tentativa de explorar interrelações
funcionariam, portanto, como resposta ao cenário
na FAAC e a vocação extensionista da Unesp, bem
político que, paulatinamente, estava sendo trama-
como sua integração com as práticas pedagógicas e
do. E assim, rediscutiriam um conjunto de crenças
de pesquisa à luz das novas formas de comunicação
que o mundo acadêmico compartilha, como as da
digital e socialização, e seu impacto nas dimensões
Extensão Universitária e da Pesquisa Aplicada, sem
privada e pública, que se conseguiu o apoio da vi-
abrir mão de sua diversidade doutrinária: a liberdade
ce-diretoria da Faculdade de Arquitetura e Artes da
na prática do ensino e da pesquisa. Poderiam ain-
Unesp-Bauru, na figura do professor Marcelo Car-
da explorar o vigor criativo apresentando-se como
bone. Esse apoio abriu a possibilidade de:
proposta de renovação baseada no desenvolvimento
de temas recentes, os quais poderiam ser pensados • Estabelecer uma parceria com a TV Unesp,
como possibilidade de transformar e evitar a rigidez que se deu em dois momentos: com a Di-
das grades das disciplinas e do enclausuramento da retora Dra. Ana Silvia Lopes Davi Médo-
própria universidade pública. la, para a criação da série específica sobre
a questão urbana; e com o Diretor Dr.
No cenário atual, a “aula como atividade cí- Francisco Machado Filho, para edição e fi-
vica”, que se apoia na ideia de Civic University, termo nalização da mesma. O formato do progra-
cunhado pela primeira vez por Boyer E.L. (1996, ma, o logotipo e o cenário da série foram
p.11-20) no texto The Scholarship of Engagement8, po- pensados de forma a valorizar não só o am-
deria redefinir contornos do pensamento absorvendo biente da universidade – daí a opção pelo
grande auditório no fundo do logotipo –,
os temas emergentes para repensar a Unesp em seus mas também a expressão da fala fortemente
40 anos: primeiramente, para romper com o isola- ritualizada, característica das grandes aulas;
mento geopolítico dos diversos campi, resultado de esse formato seria reafirmado a partir da
um projeto político a ser superado e, em segundo lu- concepção de um cenário formado somen-
gar, para diluir o caráter indissociável entre pesquisa, te por elementos essenciais: um púlpito e
ensino e extensão, fornecendo estratégias para atuar um banco;
de forma articulada e sempre a partir do contexto e • Atingir outras universidades da cidade e da
das necessidades locais. O repensar desses três pilares região, o que levou ao alargamento do es-
da Universidade – ensino, pesquisa e extensão –, a copo do projeto e da equipe organizadora
partir de uma lógica horizontal, poderia congregrar que passou a contar ainda com Dra. Lilian
8 BOYER, E.L. The Scholarship of Engagement. Journal of Public Service Outreach, v.1(1), 1996. Nakashima, professora da Universidade
20 21
Sagrado Coração, egressa do Curso de Ar- -reitora de graduação presente na primeira edição,
quitetura da Unesp de Bauru, e Dr. Luiz professora Gladis Massini-Cagliari, deveriam ser re-
Cláudio Bitencourt, pertencente ao quadro petidos pelas outras unidades, revelou na sua inteire-
de professores da Unesp – Bauru. Na oca- za a atuação plural dos nossos ex-alunos. Entretanto,
sião, Bitencourt assumira a coordenação do a interdisciplinaridade contida no cerne do projeto
curso de Arquitetura e Urbanismo da Edu-
vale em Avaré e, no início de sua gestão, pedagógico de nossa Faculdade de Artes, Arquitetu-
implementou a série Primeiras Aulas. ra e Comunicação é, na realidade, um projeto a ser
construído e consubstanciado. A estrutura atual, to-
Apesar da discussão sobre a possibilidade de talmente anacrônica e que prima pela excessiva frag-
a série ser interiorizada como projeto departamental, mentação dos cursos vinculados a departamentos iso-
ideia cara à chefia do Departamento de Arquitetura lados, poderia ser repensada através de um plano que
da Unesp-Bauru, professoras Silvana Alves e Marta explore complementariedades e tangências à luz da
Enokibara na ocasião da proposta, optou-se por ini- sua natureza ambígua, em função de sua dupla filia-
ciá-la com dois módulos: História e a Construção do ção: às ciências sociais aplicadas e à dimensão artística.
Projeto da Cidade Contemporânea à luz das políti-
cas públicas. Isso se deu pelo fato de se observar um Diante da incapacidade de conter as fron-
grande número de egressos da FAAC-Unesp-Bauru teiras disciplinares tradicionais de arquitetura e do
atuando em vários campos, consubstanciando de urbanismo, a cidade tornou-se o tema focal da série,
forma consistente o perfil de um profissional que a partir da qual poderiam vir à tona diferentes tema-
aplica suas habilidades em distintos setores: nas artes tizações do fenômeno urbano. O convite enviado aos
(teatro, música, literatura, cenografia), na arquitetu- professores para compor a série Primeiras Aulas suge-
ra, no urbanismo, no paisagismo, no design e na co- ria alguns títulos que destacavam a especialidade de
municação, na publicidade, na comunicação empre- cada pesquisador e solicitava a readequação do título
sarial, e nos diversos níveis da administração pública, inserindo as palavras História ou Projeto da Cidade
inclusive no Ministério das Cidades. Contemporânea.
A importância dos dois eventos intitulados “Percurso Porém, a tentativa frustrada de estabelecer
dos Egressos”9, eventos esses que, nas palavras da pró- divisão entre os dois módulos – História e a Cons-
9 Percurso dos Egressos: Tema 01 - O Projeto da Cidade Contemporânea. Data: 17 de março de 2017:
Arquiteto e Urbanista Daniel Montandon - Prefeitura Municipal de São Paulo/Ministério das Cidades,
trução do Projeto da Cidade Contemporânea à luz
Arquiteto e Urbanista Marcelo Ignatios - Prefeitura Municipal de São Paulo, Arquiteto e Urbanista Felipe
Francisco de Souza - Banco Mundial, Arquiteto e Urbanista Elisa Pennings - Prefeitura Municipal de Ho-
das políticas públicas –, reafirma o que nos diz Alfre-
lambra, Arquiteto e Urbanista Alex Rosa - Prefeitura Municipal de Limeira, Arquiteta e Urbanista Andrea
Júlia - Prefeitura Municipal de Limeira, Arquiteto e Urbanista Rafael Ambrósio - Santos, Arquiteto e Urba- do Bosi em “O tempo e os tempos”: que o diálogo
nista João Felipe Lança - Prefeitura Municipal de Bauru; tema 02 - “Visões de Arquitetura e do Espaço na
Cidade Contemporânea” - Arquiteta e Urbanista Adriana Benguela, da equipe vencedora do 4º Prêmio de com o passado torna-o presente (BOSI, 1992, p.29),
Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel pelo projeto Moradas Infantis (Formoso do Araguaia, TO,
2015), Arquiteto e Urbanista Hugo Serra Alphaville Urbanismo e fez parte da equipe que ganhou Menção
Honrosa no Concurso Internacional para o Parque Olimpico - Rio 2016, Arquiteto e Urbanista Leandro
ou seja, “o pretérito passa a existir de novo”. Tal as-
Fontana, fez parte da equipe de paisagismo vencedora do 4º Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Oh-
take AkzoNobel pelo projeto Moradas Infantis (Formoso do Araguaia, TO, 2015), Arquiteto e Urbanista
sertiva pôde ser vislumbrada na “Primeira Aula de
Marcos Caracho, com obras significativas na cidade de Bauru e que participou da Casa Cor SP - 2017.

22 23
Planejamento Urbano e Regional” ministrada pelo -se como passo inevitável, tanto em termos de go-
professor Flávio Vilaça, o qual selou de forma magis- vernança de sustentabilidade quanto de adaptações
tral o sucesso da série tendo em mãos a Constituição às mudanças climáticas e de patrimônio artístico e
Federal e o Plano Diretor Participativo do Município ambiental.
de Bauru.
Contudo, mais do que os contextos urbanos e
A superlotação do auditório com presença territoriais, a força propulsora real do desenvolvimen-
de técnicos e profissionais da cidade e da região, nos to reside nas estratégias que as cidades e os territórios
obrigou a transferir as aulas do auditório do SESC colocam em jogo. Sob essa perspectiva, seguiram-se
Bauru para o auditório do campus da Unesp. Além as Primeiras Aulas dos professores: Ermínia Mari-
disso, a presença do professor Vilaça restabeleceu cato: “Para entender a Crise Urbana no Projeto da
um antigo elo afetivo e profissional com o autor des- Cidade Contemporânea”; Raquel Rolnik: “ ´Guerra
te texto: durante o período do meu doutoramento dos Lugares´ e o Projeto da Cidade Contemporâ-
na FAU-USP, os ex-orientandos do professor Villa- nea”; e Nabil Bonduki: “A Questão Habitacional no
ça convidavam seus orientados para participarem de Projeto da Cidade Contemporânea: Revisão Histó-
um grupo de estudos sobre Urbanismo e Planeja- rica e Desafios Contemporâneos”.
mento Urbano, grupo esse que, até hoje, acontece
O estudo e o repensar das estruturas urbanas
às terças-feiras. Nesse grupo tive oportunidade de
e territoriais tornam-se, assim, plataforma complexa
aprender e dialogar com grandes nomes do urbanis-
para definir a relação entre a pesquisa histórica e o
mo, do planejamento urbano e da área de políticas
uso atual das estruturas materiais herdadas do pas-
públicas, todos atuando ativamente nos cenários
sado. A construção das disciplinas História Urbana,
paulista e nacional.
História da Cidade, História e Teoria da Arquitetura
Conforme a série foi acontecendo, destacou- e do Urbanismo foi abordada nas Primeiras Aulas
-se a discussão sobre a metamorfose da cidade con- das professoras: Heliana Angotti-Salgueiro: “Histó-
temporânea que não poderia ser tratada somente a ria Urbana - Repensar Histórias Cruzadas - Experi-
partir dos problemas do ordenamento do território. ências de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo”; e
Apesar de os pesquisadores discorrerem sobre mé- Maria Stella Bresciani: “Historia do Urbano: Tem-
todos de investigação e sobre o estudo das fontes, poralidades, Escalas e Pontos de Vistas Contrastan-
ressaltaram principalmente que a fonte primária em tes”. Nas aulas ficou evidente que o urbano deve ser
discussão é a própria cidade no seu território. A cada estudado na estratificação complexa de seus diversos
“primeira aula”, um cenário mais amplo e complexo elementos constitutivos e deve ser analisado a partir
viria à tona, no qual o controle dos usos da terra e da estreita relação de reciprocidade entre ele e seu
o equilíbrio dos recursos naturais em jogo colocam- território circundante.

24 25
Da mesma forma, a História do Pensamen- e territorial, deixando sinais de uma paisagem que
to Crítico na Arquitetura foi o tema tratado na sua se deteriora e “consome” a identidade do território.
especificidade nas Primeiras Aulas dos professores: Principalmente, e quase paradoxalmente, isso se ve-
Sophia Telles: “História da Arquitetura: “Século rifica quando a área em abandono coloca-se no pro-
XX - Três Cortes: Procedimentos/Cadeia Produti- jeto da cidade contemporânea, como recurso para o
va/Significado”; Leandro Medrano e Luiz Recaman sistema econômico regional e pode, de fato, tornar-se
(FAU-USP): Pensamento Crítico na Arquitetura um espaço redesenhado para novas atividades pro-
e Urbanismo”, de acordo com o método de inves- dutivas em torno das quais o território pode apostar
tigação sob o ângulo de sua natureza formal, com em um futuro diferente. Vista a partir dessa perspec-
ferramentas adequadas, tipos de fontes e sua aplica- tiva proativa a área em desuso é, em certo sentido,
bilidade de acordo com a específicidade do território símbolo de transformação e regeneração do espaço
e estrutura urbana em análise. urbano incentivando o enxerto de outras atividades,
com maior conteúdo de inovação e qualidade de pro-
Hoje, como no passado, as cidades continu-
dução. Essa perspectiva pressupõe que, em torno do
am a ser objeto de considerável interesse tanto no
trabalho de recuperação da área desocupada, o terri-
nível teórico quanto em termos práticos. Se por um
tório repense seu próprio modelo de desenvolvimen-
lado, as teorias sobre a crise e o declínio das cidades
to, identificando potenciais e vocações para sustentar
crescem, por outro, testemunhamos cada vez mais
o crescimento com um adequado plano de ação.
processos importantes de reconstrução, reestrutura-
ção, redesenvolvimento, ou – para usar um termo Entre os elementos de crise no espaço público
que é muito comum hoje – regeneração do tecido está o uso instrumental do conceito de público para
urbano. A crescente literatura sobre a história e a te- apoiar programas políticos e projetos urbanos, de-
oria dessas práticas foi abordada na Primeira Aula do fender mudanças sociais e legitimar transformações
professor Carlos Roberto M. de Andrade: “História espaciais. Por isso, é necessário restituir o valor ético
do Urbanismo: Teorias e Histórias”. ao projeto do espaço público, no sentido de que todo
gesto e toda ação de desenho, em todas as escalas, de-
Do ponto de vista do patrimônio, o “aban-
vem ter consciência do papel que exercem no destino
donado” é emblema de uma desertificação produti-
pessoal e coletivo.
va que teve como resultado lacerações profundas no
tecido social e económico - basta pensar no impacto As Primeiras Aulas dos professores: Beatriz
que teve o encerramento do sistema ferroviário so- Kühl, “O papel do Patrimônio Arquitetônico no
bre o emprego e renda de determinadas famílias -, Projeto da Cidade Contemporânea”; e Fernando de
quando se analisa o pátio ferroviário de Bauru: ao Mello Franco, “A Formulação das Políticas Públicas
mesmo tempo, um processo de degradação urbana no Projeto da Cidade Contemporânea”, orbitaram

26 27
entre o campo de investigação histórica e a questão
da qualificação da cidade existente à luz das políticas
públicas.
Ao promover o conhecimento e o confronto
entre os indivíduos, as Primeiras Aulas são gestos que
estabelecem as bases para novas formas de convivên-
cia e reconstroem o vínculo, cada vez mais instável,
entre a academia, a realidade e sua representação. Isso
significa cuidar de um lugar que sempre foi e conti-
nuará sendo um recurso precioso capaz de sustentar
os processos evolutivos da cidade e de reconhecer o
próprio espaço como componente fundamental da
esfera pública, da vida urbana e, sobretudo, da vida
democrática da sociedade.

Adalberto da Silva Retto Júnior


Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
Campus Bauru

28 29
INTRODUÇÃO
Adalberto da
Silva Retto Jr.

Adalberto:
Boa noite. Eu gostaria de agradecer a presen-
ça de todos, da equipe da UNESP, da Diretoria da
UNESP e Vice-diretoria, que estão dando suporte a
este evento da celebração dos 40 anos. Nesta aula,
o tema é Pensamento Crítico na Arquitetura e Ur-
banismo. O convidado é o professor Luiz Recaman.
possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Universidade de São Paulo (1983), graduação em
Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo
(1987), mestrado em Filosofia pela Universidade
de São Paulo (1995) e doutorado em Filosofia pela

33
Universidade de São Paulo (2002). Atualmente é
prof. dr. da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo e do seu programa de
Pósgraduação em Arquitetura e Urbanismo. Suas
principais pesquisas tratam da Estética da Arquite-
tura, Crítica de Arquietura, Arquitetura Moderna
Brasileira e da relação entre Habitação Social e de-
senvolvimento urbano. É co-autor do livro “Brazil’s
Modern Architecture” (Phaidon, 2004) e “Vilanova
Artigas: Habitação e cidade na modernização Brasi-
leira” (Unicamp, 2013).

34 35
AULA
Pensamento Crítico na
Arquitetura e Urbanismo I

Boa noite, eu queria começar agradecendo


aos colegas da Unesp, em especial o Professor Adal-
berto, pelo convite para ajudar a comemorar os 40
anos de fundação da Unesp. Eu fiquei muito lison-
jeado e o espírito da minha participação aqui vai ser
estabelecer algumas diretrizes para o debate. O livro
“Vilanova Artigas - Habitação e cidade na moder-
nização brasileira” foi lançado na ocasião do Cen-
tenário do Professor Vilanova Artigas. Acredito que
esse livro tem como interesse não só contribuir para
a compreender a obra desse arquiteto, mas também
apresentar uma proposta de abordagem metodológi-
ca que nós estamos tentando construir já faz algum
tempo. Tem um caráter, portanto, acadêmico, mas
procura ao mesmo tempo criar mecanismos para in-
terferir diretamente na maneira como se pensa o es-
paço, a questão da Arquitetura e a questão da cidade.
A grande preocupação do PC3 (Pensamento
Crítico e Cidade Contemporânea), grupo de pes-
quisa que eu e o Professor Leandro coordenamos,
é trabalhar com o espaço que fica entre o domínio
da Arquitetura, que tem seu arsenal de compreensão
Histórica, e a cidade, que tem também um outro ar-
senal de perspectivas compreensivas de sua constru-
ção histórica. E muitas vezes, principalmente no Bra-
sil, essa interface é bastante difícil. Nossa proposta é
37
uma espécie de síntese interessada dos mecanismos acrescentar à equação a nossa condição básica de me-
de análise desses dois pólos da produção do espaço trópole sul-americana com suas dinâmicas sociais,
nas cidades, tentando criar uma maneira de olhar espaciais e culturais.
para o evento arquitetônico em direção à cidade.
Lembremos que a abordagem moderna, exacerbada
no Brasil, é justamente a desvinculação instruída en-
tre a Arquitetura e sua situação urbana. Nossa pes-
quisa tem, portanto, uma premissa com implicações
diretas tanto na eleição dos objetos de estudo quanto
na maneira de abordá-los, procurando evitar o vazio
de significado que resulta da banalização do termo
“arquitetura e cidade” hoje.
A relação entre Arquitetura e Cidade compre-
ende diferentes fenômenos. Nós estamos pensando
na possibilidade de configuração do espaço arqui-
tetônico orientada pela construção do espaço da ci-
dade. Isso é um problema, porque tanto a Arquite-
tura contemporânea quanto o fenômeno urbano e
o urbanismo passam por um momento de grandes
transformações, não permitindo a estabilidade de pa-
Crítica à modernidade
râmetros analíticos e operativos. Pode-se falar, inclu-
sive, no fim das cidades, em um mundo pós-urbano. Essa abordagem coloca alguns problemas di-
Mas a nossa hipótese de trabalho é a inevitabilidade retamente. Como utilizar todas as informações que
histórica da vida gregária nas cidades e sua latência e vêm de outras disciplinas, de outros campos de co-
virtualidades reforçadas nos conflitos atuais. Assim nhecimento em relação à Arquitetura e Urbanismo?
sendo, cremos que vale a pena insistir - aproveitando Dois aportes principais podem ser aqui sugeridos:
uma abertura suscitada pela crise ideológica dos mo- a crítica da ideologia, como pensada em relação à
delos neoliberais do espaço urbano - em metodolo- arquitetura moderna pelo Instituto de Veneza, e a
gias críticas de intervenção espacial. Uma arquitetura crítica da produção do espaço que segue as formu-
e urbanismo críticos implicam uma revisão geral dos lações de Henri Lefebvre. Deles depreendem-se os
pressupostos de reflexão e ação até então considera- dois argumentos principais da revisão crítica em an-
dos. E se o sentido dessa operação deve ser procurado damento sobre o processo arquitetônico e espacial da
na relação entre a disciplina e a sociedade, devemos modernização brasileira.
38 39
O primeiro, trata de alinhar a apropriação do 1970), realizaram a crítica mais radical à moderni-
movimento moderno no caso brasileiro com a perio- dade arquitetônica, ainda que o tenham feito por
dização sugerida por Tafuri em relação às “ideologias meio de categorias analíticas distintas. Suas críticas
da planificação”. Afinal, foi esse momento - da crise seguem válidas e se consolidaram no debate contem-
das ideologias liberais - que deu sentido à produção porâneo sobre a modernidade. Lefebvre, no entanto,
vertiginosa da arquitetura moderna brasileira em sua se vale de uma metodologia que contrapõe a homo-
matriz hegemônica (1936-1956). E, nesse caso, des- geneidade tempo-espacial da modernidade realizada
considerado pelo crítico italiano, devemos refratar o ao seu oposto: o urbano como forma e conteúdo do
processo “internacional” segundo as determinações processo de humanização. Se a cidade na história é
da modernização conservadora brasileira e o “nacio- um fenômeno social total, lugar da produção e da
nal-desenvolvimentismo” - sucedâneo local do prota- festa, seu eclipse durante a revolução industrial pa-
gonismo do Estado na planificação econômica. Mais recia ter chegado ao fim no capitalismo recente (os
especificamente, na Europa analisada por Tafuri, o anos rebeldes), que novamente a coloca no centro do
Estado orientado pelas contradições da Social-demo- processo econômico e social (“centro de decisão” e
cracia do entre-guerras. O vínculo genético e contra- “centro de consumo”). É evidente que dos anos 1960
ditório entre os princípios da arquitetura moderna, até hoje quase tudo se alterou, principalmente a re-
em sua formulação mais original e abrangente do lação entre o capitalismo e as cidades. Mas podem-se
ponto de vista histórico, e o desenvolvimento capita- considerar válidas - crítica e historicamente - as vir-
lista de base industrial. tualidades sociais da “sociedade urbana” deflagrada
pelo capitalismo industrial (a urbanização completa
O segundo argumento segue o ciclo espacial
da sociedade).
de Henri Lefebvre, desde suas análises sobre espacia-
lidade moderna confrontadas com a cidade tradicio-
nal até a sua aposta em uma “revolução urbana”. In-
teressa, principalmente, a retomada mais recente da
obra do filósofo francês, tanto pela atualidade de suas
reflexões depois da crise - urbana, segundo Harvey -
de 2008 quanto pelas novas abordagens que ajudam
a esclarecer as relações entre seu método e a arquite-
tura, iluminando uma especificidade que escapava à
sua crítica ao urbanismo.
Os dois autores (Tafuri e Lefebvre), escreven-
do no mesmo período (final dos 1960 e início dos

40 41
Os problemas desse quadro teórico apresen- Essa crítica tem um caráter negativo, isto é, identifica
tado em relação à sua utilidade crítica no contexto uma ausência de generalidade do esquema arquitetô-
local são relativos à transposição do ideário moderno nico em relação a uma espacialidade social e coletiva
para o Brasil - ideologias da sociedade industrial em alternativa. As possibilidades propositivas embutidas
contexto de “atraso” - e a operatividade do “urbano” na crítica não são objeto de investigação, no momen-
considerada nossa formação territorial peculiar - não to.
existiu aqui o momento social definidor do urbano
Analisado em profundidade, esse padrão es-
na passagem do feudalismo para o capitalismo co-
pacial se aproxima - de maneira surpreendente e pro-
mercial. Nossos núcleos urbanos originais decorrem,
blemática - das determinações gerais de construção
além disso, da peculiaridade da estratégia colonial de
das cidades brasileiras, estas já analisadas em ampla
Portugal.
bibliografia. Quer seja em seus padrões informais
O “influxo externo”, como diria Antonio ou aqueles regulados pela legislação e pelo mercado
Cândido, do ponto de vista cultural, nos chega pela imobiliário. Apesar de ter surgido como alternativa
influência da vanguarda, radicalização estética de idealizada em relação ao caótico e violento processo
um ciclo que compreende desde a Ilustração até a de urbanização dessas cidades durante o século XX,
arquitetura moderna. Ele deve ser pensado segundo a Arquitetura Moderna Brasileira tornou-se uma es-
as condições de nossa modernização tardia, “conser- pécie de atualização estética conciliadora das contra-
vadora”. Especialmente o “desenvolvimentismo”, ou dições da questão urbana no Brasil. Se por um lado,
seja, o capitalismo brasileiro promovido pelas estra- sublimação estética da modernização conservadora,
tégias do Estado centralizador a partir de 1930 até por outro, orientadora espacial dos esquemas de ocu-
o período militar nos anos 1970. Trata-se então de pação territorial privada e suas potencialidades for-
ponderar os princípios gerais da arquitetura moderna mais (o “lote”), desprovidas de abrangência geral.
dos anos 1920 - fordismo e antiurbanidade - com
O fenômeno urbano brasileiro vem sendo já
o nosso processo de metropolização nos anos 1940,
há algum tempo compreendido por nossa Sociologia
quando a produção moderna brasileira se difunde e
Urbana e pelos estudos críticos sobre a urbanização.
se torna ideologicamente hegemônica.
Paul Singer, Lúcio Kowarick, Gabriel Bolaffi, Ermí-
nia Maricato, Raquel Rolnik, Nabil Bonduki etc.,
A cidade no Brasil e a arquitetura são nomes que pontuam um ramo do pensamento
Em linhas gerais, a busca aqui é compreender social que migra para a FAUUSP. Tratava-se de co-
um padrão espacial, arquitetônico e urbano que es- nhecer a cidade desigual, fruto de uma modernização
truture a relação entre Arquitetura e cidade no Brasil social apoiada na exploração das informalidades so-
conforme consolidado pela nossa matriz hegemônica. ciais - do ponto de vista do desenvolvimento capita-

42 43
lista industrial - herdadas de nosso passado agrícola horizonte da intervenção era escala total da cidade
e colonial-escravocrata. Ou seja, nossa modernização idealizada. À cidade existente, com sua desordenação
conservadora que se constitui por meio da negação territorial - do ponto de vista da disciplina - eram
dos princípios básicos da universalidade burguesa, o reservadas estratégias extra-disciplinares, na medida
que fica dramaticamente registrado em nosso espaço em que a causa de suas mazelas tinham origem em
social. dimensões supra-arquitetônicas. Assistimos à explo-
são-implosão das metrópoles brasileiras sem cons-
Esse processo territorial que reproduz a segre-
tituir mecanismos de intervenção crítica que não
gação social teve sua aceleração no século XX cor-
remetessem a abstrações jurídicas, políticas ou ultra-
respondente à vertiginosa ascensão da Arquitetura
-formalistas. Essa pode ser uma das explicações para
Moderna Brasileira. Esta pode ser entendida como
o conservadorismo atual em relação ao pensamento
uma síntese entre a necessidade de enfrentamento
projetual que tenciona produzir um espaço de excep-
dessa realidade e a sua má consciência. De qualquer
cionalidade estética que convive com o seu oposto
maneira, essa arquitetura se apresentava contra a ocu-
(que lhe dá, inclusive, razão de ser).
pação desordenada da cidade, produzindo soluções
radicais de forma e planejamento. Nosso desenvol-
vimento urbano foi explosivo durante o século XX,
principalmente depois dos anos 1950, e a desigual-
dade social produziu uma cidade dividida. A Arqui-
tetura e Urbanismo teriam de criar fórmulas que
superassem essa dualidade espacial diretamente atre-
lada ao nosso processo social, segundo essa prolífera
bibliografia sobre a cidade, que não poderia ser mais
desconsiderada.
Um paradoxo se formulava: ao mesmo tempo
em que a disciplina arquitetônica em âmbito inter-
nacional no segundo pós-guerra preparava uma re- Formação
visão dos esquemas totalizadores modernos - o que
significava a aceitação política e metodológica da Do mesmo ambiente intelectual e crítico que
complexidade da produção do urbano, que se reve- refletiu sobre o urbano no Brasil vem outra contri-
lava mais ampla que as intervenções arquitetônicas buição para a reflexão sobre arquitetura moderna
ou urbanísticas -, no Brasil, onde o controle do ter- brasileira. Diferentemente dos métodos de análi-
ritório do ponto de vista urbanístico era mínimo, o se da sociologia urbana, que permitem observar os
fenômenos arquitetônicos e urbanísticos com base
44 45
nos processos sociais abrangentes, a tradição críti- ças políticas em jogo e sua urgência naqueles anos
co-estética da qual Antonio Cândido foi o principal de redemocratização que se seguiram ao fim do Es-
representante poderia permitir compreender esses tado-Novo. Uma distância histórica maior foi ne-
fenômenos segundo uma dialética entre forma e cessária para a compreensão do processo em sentido
conteúdo, ou seja, entre as forças de autonomia do expandido, que incluísse os desfechos arquitetônicos
campo artístico cultural e as determinações materiais e urbanísticos verificáveis com o andamento do “des-
do mundo social. Nesse sentido, faz-se necessário manche” promovido pelo ciclo “pós-desenvolvimen-
conhecer a dinâmica histórica dos “sistemas cul- tista” iniciado no país no final dos anos 1970. Esse
turais” brasileiros - no caso a arquitetura moderna “desmanche” deu clareza ao seu avesso histórico, a
brasileira - em relação ao seu principal conteúdo, “formação”. O trabalho de Otília Arantes sobre a
determinante de nosso século desenvolvimentista: a “formação” em Lúcio Costa, bem com a organização
formação da nação independente. É evidente que esse do “itinerário crítico” de Mário Pedrosa realizados
“empréstimo” metodológico deve considerar suas nos anos 1990 sinalam essa abordagem.
várias condicionantes. A principal dela é sua origem
A noção de formação implica a energização
literária, cuja extrapolação fica por conta e risco das
de forças culturais e artísticas no sobrepasso necessá-
novas análises. Mas também é inegável que ao se de-
rio à modernização nacional - que naqueles anos de
dicar à “Formação da Literatura Brasileira”, Antonio
modernismo significava industrialização. Nada mais,
Cândido teria compreendido os esquemas culturais
nada menos que a estratégia da vanguarda para a re-
sob o desenvolvimento tardio, ou subdesenvolvido,
volução social, com todas as suas contradições (como
brasileiro. Principalmente, teria vislumbrado o me-
visto na crítica da ideologia realizada por Manfredo
canismo de sua superação. É também evidente que as
Tafuri). O que diferenciava o caso brasileiro, era o
circunstâncias do tempo histórico no final dos anos
fato de que essa aceleração cultural pretendida pela
1950 se diferenciam das atuais, principalmente em
vanguarda histórica europeia deveria, por aqui, dar
relação às expectativas de futuro. Curiosamente, o
conta dos déficits históricos do processo de indepen-
“sistema cultural” arquitetônico do Brasil moderno
dência do país colonial, em sentido amplo. Ou seja,
foi ao mesmo tempo o mais atrelado às estratégias es-
a formação do Estado nacional brasileiro, não reali-
tatais do nacional-desenvolvimentismo e aquele com
zado segundo o esquema clássico europeu. Às vicis-
maior dificuldade de realizar sua auto-crítica. Mário
situdes sociais e históricas - a colônia, a escravidão -
Pedrosa, crítico-militante do modernismo brasilei-
deveriam corresponder esforços culturais e artísticos
ro, apontara diversas contradições estético-políticas
sobrecarregados de funções formadoras tout court.
de nossa arquitetura moderna no exato momento
Para além da relação mais orgânica entre literatura e
de suas formulações (de Pampulha a Brasília). Suas
formação dos estados nacionais europeus - e suas cor-
críticas são mediadas pelo embate direto com as for-
respondentes formas de subjetivação - necessitamos
46 47
uma intencionalidade estética, uma função auto-a- sileiro foi antecipado por prefigurações culturais identi-
tribuída que criava um atrito necessário entre os pro- tárias da nação, fato acelerado a partir do modernismo
cessos sociais inexoráveis de nossa realidade material dos anos 1920. Mas ele foi realizado, apesar de tudo,
excêntrica e os desejos de formação metamorfosea- pelo projeto político-econômico do varguismo, cuja
dos em nosso desejo de “literatura”. Resolvendo, via exigência de centralização de poder deslizou progres-
Machado de Assis, a difícil equação da criação do ro- sivamente para o autoritarismo. Via outra que aquela
mance em um meio social no qual as condições para - invertida - da formação espiritual da nação preconi-
esse desenvolvimento estético falhavam. Tarefa esté- zada pelo original desejo de independência inserido
tica alcançada - a literatura brasileira existe (existiu) na barafunda mental da sociedade brasileira. E é dire-
-, tarefa social possível. tamente a esse estado centralizador que se liga a “hi-
per aceleração” desse sucedâneo de formação que foi a
fulguração arquitetônica moderna brasileira. Não se
tratou de antecipações ideológicas - ou desejos - de
industrialização, como no caso da vanguarda arquite-
tônica européia, especialmente a Bauhaus. No Brasil,
a arquitetura moderna tem como fato originário a
necessidade de representação emblemática do Estado
Nacional para uma sociedade que se massificava e ur-
banizava a partir dos anos 1930. A isso se devem suas
formas e seus temas. Não sendo resultado de proces-
sos sociais - guerras, religião, revoluções - a gênese do
Estado moderno no Brasil foi um projeto unilateral
Nos distancia desse esquema aquilo que ajuda
de classe, ainda que com alguma coincidência com
a compreender o problema da formação em relação à
os anseios populares de emancipação (seu momento
arquitetura moderna brasileira: sua dimensão ideo-
de verdade). A criação de emblemas de nacionalidade
lógica, mais evidente a partir da crise desse projeto
foi estágio anterior e necessário à criação do Estado
de modernização social, resultante do afloramento de
centralizado - superando a fragmentação política da
suas contradições concretas. Trata-se simplesmente
República Velha - que por sua vez era a possibilida-
do abandono progressivo desse projeto, que supera
de histórica de industrialização e modernização no
as ideologias de modernização social ampla em dire-
contexto posterior à crise liberal de 1929. A partir de
ção a uma modernização produtiva que dispensa as
1930 todos esses processos culminam no varguismo,
frágeis pretensões universalistas iniciais.
e definem a modernização conservadora que indus-
O projeto de criação do Estado nacional bra- trializou o país. Para a arquitetura, necessariamente

48 49
retardatária, restou a nacionalidade progressivamente chaminés e viadutos metálicos.
aliviada das ambiguidades originais do modernismo,
Nos anos 1930, a precedência ideológica da
pelo menos em sua fase primeira bem representada
construção do Estado Nacional povoou as fortes re-
pelo virtuosismo formal de Oscar Niemeyer. Esta-
presentações identitárias, concernentes à centraliza-
mos falando de sua matriz hegemônica em que se re-
ção política e a instalação da infraestrutura necessária
conheça traços gerais coerentes e reiterados e, como
à implantação do capitalismo industrial no Brasil (es-
lembra Antonio Cândido tratando da literatura, “li-
tradas, siderurgia, portos etc.). A racionalidade das
nhas evolutivas” que são a base do processo de forma-
formas industriais entraram timidamente na pauta
ção. Ainda que essa linhagem tenha sido buscada e
estética do país na década de 1950, e, do ponto de
estrategicamente reconstruída em exemplares do pe-
vista da arquitetura, se confrontaram com o fato de-
ríodo colonial, saltando o século XIX, como mostra
terminante de ser prescindível a industrialização da
farta bibliografia.
construção civil em qualquer uma de suas possibi-
Devemos lembrar que a hipertrofia operativa lidades (pré-fabricação, estandardização, modulação,
da vanguarda relaciona-se à posição relativa de atraso mecanização, etc.). A característica mais evidente e
de modernização e industrialização, no contexto do auto-proclamada da arquitetura moderna brasileira
entre-guerras. É como se a necessidade de estratégias são as formas livres e curvas construídas contra qual-
de modernização, perdido o bonde da primeira leva quer lógica de racionalidade construtiva ou trabalhis-
(Inglaterra, Estados Unidos, França), impulsionasse ta. Expressam, no entanto, um espírito local refratá-
as representações de industrialização, como no caso rio ao “funcionalismo” radical anglo-saxão, segundo
da Alemanha. Consideremos, porém, que a moder- diz seu mais destacado arquiteto.
nização alemã, conservadora e heterodoxa (burguesia
Se considerarmos a formulação de Tafuri
não politicamente hegemônica, tampouco sua ética),
(com Cacciari e Dal Co) sobre a “ideologia do plano”
foi levada a cabo pelo planejamento estatal de sua
e as contradições da vanguarda histórica, teremos de
indústria, alinhando empresários, artistas, artesão
admitir um outro patamar ideológico - ou pós-ideo-
etc. em direção à “reprodutibilidade técnica” (fordis-
lógico, a considerar as exigências originais do concei-
mo ideológico). Na Rússia das primeiras décadas, o
to de ideologia - para as prefigurações espaciais e ar-
imaginário estético industrial se abria para uma li-
quitetônicas no Brasil depois de 1930. Essas só foram
berdade formal que se afastava das necessidades da
possíveis exatamente no momento da “crise da uto-
produção industrial capitalista mais imediatas. No
pia” que tornou superados os grandes planos de or-
Brasil do café, eram rarefeitas as exigências formais
denação territorial - em especial os corbusianos, para
racionalizadoras, dado o fato de que a indústria inci-
Argel, Rio de Janeiro, São Paulo etc. A planificação -
piente não ocupava o imaginário urbano para além
antítese do liberalismo que fôra ideologicamente an-
de alguns símbolos do século XIX, como ferrovias,
50 51
tecipada como necessidade sistêmica pela arquitetura cial - as revoluções - etc.) presente no ambiente social
moderna - seguia, no entanto, seu curso material: o posterior ao primeiro pós-guerra evocaram múltiplas
planejamento da economia e da guerra. No Brasil, o representações de renovação, e muitas delas consti-
centralismo varguista e o planejamento econômico tuíram a base das utopias da arte e arquitetura mo-
- ou mesmo a planificação geral da nação frágil em dernas. A culminância do plano - arquitetura - como
todos os seus aspectos constituintes (etnia, educação, alternativa à revolução social (na frase síntese de Le
trabalho, cultura). Assim, a transposição de princí- Corbusier) resulta das contradições um processo his-
pios da arquitetura moderna para o Brasil dos anos tórico social que não se reproduziu nas primeiras dé-
1930 não compartilhou, desde seu início, as formu- cadas do século XX no Brasil. Portanto, a utilização
lações universalistas, ainda que agonísticas como no do esquema conclusivo - a obra corbusiana do final
caso da Bauhaus da República de Weimar. Nenhuma da década de 1920 e 1930 - capturava e ampliava
referência sistêmica à questão da habitação social ou a potência desse repertório arquitetônico na medi-
à industrialização como princípio construtivo nem, da em que o destituía de propósitos - ideológicos -
principalmente, ao plano territorial. Podemos con- originais. Liberava suas forças “plásticas” que tanto
siderar então, insistindo no vocabulário tafuriano, o motivaram Lúcio Costa, segundo sua justificativa
cumprimento de tarefas marginais a que estava fada- da afinidade brasileira com o mestre suíço. As ener-
da a arquitetura moderna depois da crise econômica gias universalistas de extroversão formal inerentes às
do liberalismo em 1929. Mas também podemos con- formulações espaciais modernas converteram-se em
siderar um deslocamento ideológico, ou sua recon- potentes energias de comunicação de emblemas de
figuração, no quadro socioeconômico brasileiro do Estado (como síntese do Brasil moderno). No mais,
período, já que seria no mínimo impreciso procurar voltamos a Tafuri, por vias tortas: o esvaziamento se-
o vigor ideológico do liberalismo por aqui, e portan- mântico dos signos operado pela vanguarda libera os
to sua caducidade. Dessa maneira, a grande energia significantes de sua dimensão social e política e os
estética da arquitetura moderna brasileira adviria do prepara para as operações semiológicas que estarão
fato de ter sido protagonista de tarefas ainda primá- na base da sociedade programada que se construirá a
rias, considerado a importância medular do processo partir do segundo pós-guerra. Teríamos sido, então,
histórico de criação da Nação e criação do Estado em a vanguarda do “fim das vanguardas”, o que nos po-
conjuntura histórica sui generis e periférica. Um caso sicionaria novamente como reveladores privilegiados
particularíssimo do estilo internacional, registrado em das contradições do capitalismo central e ideológico.
um acervo considerável de edifícios modernos de
Essa “crítica da ideologia”, mutatis mutandis,
diferentes gradações, além da ousadia da construção
aplicada ao Brasil pretende clarear a relação funda-
da nova capital. O caos liberal (econômico - a crise
mental entre os fenômenos urbano-arquitetônicos
financeira -, urbano - a doenças metropolitanas -, so-
conhecidos como arquitetura moderna brasileira em
52 53
sua matriz hegemônica e o desenvolvimento capita- de consequente renovação cultural (e arquitetônica!).
lista segundo suas especificidades locais (subdesen- A hegemonia da lógica mais direta do capitalismo lo-
volvimento, pensado estruturalmente, e não como cal, cada vez mais independente da dimensão “social”
um estágio em direção ao desenvolvimento). Propo- do Estado desenvolvimentista - em retração - exigia
nho aqui, além da explicação acima rabiscada - ar- novas formulações espaciais que correspondessem
quitetura moderna brasileira construtora dos emblemas aos novos imperativos superestruturais da ordem pri-
identitários da Nação, passo fundamental para a constru- vada. Acredito ser bastante evidente que não se trata
ção acelerada do Estado nacional e decorrente implanta- de uma inusitada adesão do patrimonialismo à ética
ção do capitalismo industrial no país - uma outra, que protestante, mas de uma reconfiguração do papel
desloca o foco da relação Estado-arquitetura para a do Estado ajustado ao fortalecimento e expansão da
relação sociedade-arquitetura. A segunda considera a produção capitalista no país.
primeira, mas procura aprofundar as contradições do
esquema estético aqui em questão. Além disso, deve
considerar também, a unidade heteróclita entre Es-
tado, sociedade e capital, que embaralha todas essas
“esferas da existência” sem realizá-las plenamente (o
público, o comum e o privado) devido à sua particu-
lar sobreposição histórica no caso brasileiro. Por isso
a relação entre a arquitetura e o desenvolvimento ca-
pitalista, neste caso, deva ser refratada segundo essas
especificidades, para não correr o risco de mecani-
cismo ou simples importação teórica. Do ponto de
vista da crítica da ideologia devemos levar em conta
o esmaecimento do potencial ideológico do desen- Arquitetura e metrópole
volvimentismo, seguindo o curso de suas contradi-
ções em direção ao final dos anos 1950. Que, não Esse desdobramento dos pressupostos da
por acaso, corresponde à formalização máxima das análise explicativa da relação Estado-arquitetura em
aporias socioespaciais realizadas no projeto de Bra- direção à relação sociedade-arquitetura implica uma
sília (uma cidade construída segundo pressupostos necessária discussão da categoria espaço. Nesse sen-
arquitetônicos). Esse período é também aquele da tido, entram em cena as críticas e a perspectiva de
consolidação do capitalismo industrial no país, e o Henri Lefebvre, apontada no início desta fala, sobre
início do processo de metropolização da cidade de urbanismo e arquitetura e, novamente, sua refração
São Paulo, o centro das novas contradições sociais e necessária às particularidades do desenvolvimento
capitalista brasileiro. Assim, podemos refletir sobre
54 55
uma relação histórica de ciclo longo que identifique trópole (emergente ainda que não hegemônica nesse
um padrão espacial - provavelmente involuntário - período).
que a arquitetura moderna brasileira atualizou e que
Se os constrangimentos ideológicos impostos
representa, ideologicamente (na falta de outra pala-
pela anulação dos princípios de universalidade (base
vra menos problemática) a clivagem estrutural que
da ideologia burguesa) tenderam a tensionar sobre-
organizou e organiza a ordem produtiva e social do
maneira o objeto arquitetônico brasileiro, impossibi-
Brasil. É tampouco uma operação ideológica trivial,
litando uma formulação generalizante ou generalizá-
na medida em que os conflitos sociais crescentes da
vel da arquitetura, a nova condição (São Paulo, anos
sociedade brasileira tem encontrado arena nos emba-
1950) terá como laboratório de experimentação o
tes culturais, lugar também de suas expressões cole-
próprio objeto (continuidade), que pode então reve-
tivas mais importantes - à falta de uma organização
lar sua verdade, ou latência (descontinuidade): o de-
institucional vigorosa. Portanto, ao necessitar repre-
senho da ordem privada, agora na sua dupla determi-
sentar essa ordem coletiva - imperativo herdado da
nação de virtualidade social e propriedade. Tal tensão
sua condição moderna - a arquitetura brasileira dos
tem como base a equação original de vetores formais
anos 1950 terá de re-elaborar seus princípios formais
relativos à dinâmica processual - fordista - que supe-
e construtivos, atualizando-os em relação ao esque-
rava as determinações do objeto arquitetônico tra-
ma anterior centrado nas contradições do Estado
dicional (o desenho, a arte), em crise desde o tardo-
desenvolvimentista. Tratou-se então de reformular
-barroco na Europa. O retorno ao objeto - no mais,
o edifício e seu conjunto semelhante, enfrentando a
uma realidade válida para o movimento moderno
impossibilidade do vazio da paisagem. Impossibili-
enquanto tal - não pode no Brasil simplesmente anu-
dade ideológica (afinal, a combinação palácio-paisa-
lar seus vetores de extroversão presentes na genética
gem obliterava a “sociedade”, e portanto, a cidade) e
formal da arquitetura moderna, na medida em que
objetiva (a metrópole não tem paisagem, nessa acep-
deles se valeu para dar o sucedâneo de universalidade
ção derivada de uma natureza idealizada, e o mundo
exigido pelo processo social local. Assim, podemos
social nela se impõem como lógica estruturadora das
melhor explicar o ciclo objeto-arquitetura, conjunto-
relações espaciais). Como pensar/idealizar/construir
-arquitetura e cidade-arquitetura, que procurou aco-
a dimensão coletiva de um país no qual não se cons-
modar e sublimar as tensões inerentes à expansibi-
tituíram com alguma organicidade a esfera pública e
lidade socialmente interditada nesta apropriação do
a ordem privada? Tarefa a ser realizada sem o recurso
esquema vanguardista original. Essa determinação se
ideológico ao Estado, pois era exatamente a represen-
prolonga até o momento em que a arquitetura bra-
tação da lógica diretamente produtiva que regulava
sileira se mantém como sistema em funcionamento
as novas contradições formais a serem enfrentadas e
(final dos anos 1960). Essa sobrevida local das ener-
sublimadas na nova espacialidade brasileira da me-
gias de extroversão presentes nas formulações funda-
56 57
mentais da arquitetura moderna européia na segun- essas duas formulações espaciais que permitam es-
da metade dos anos 1920 pode explicar a mutação da tabelecer uma espécie de lei geral da espacialidade
valência do ciclo ideológico da arquitetura moderna, segregadora nacional, ainda que em ambos os pólos
ao invés de seu ultrapassamento em direção as tare- (arquitetura e mundo social) existam contradições
fas de “suporte marginal” do desenvolvimento capi- e desconfortos. A obra de Vilanova Artigas em São
talista, como indicava Tafuri o papel da arquitetura Paulo, nos anos 1950 e 1960, permite compreender
depois de 1929. Em todo caso, essa é uma questão a atualização das determinações estruturantes herda-
que não impede o desdobramento dos argumentos, das do período anterior em direção à elaboração de
apenas indica a complexidade do entendimento dos um paradigma espacial para a metrópole brasileira.
fenômenos modernos específicos. O mergulho nas contradições socioespaciais da cida-
de de São Paulo vai produzir a sua solução sintética
Quando falamos na relação entre sociedade
(falsa, no sentido de ser possível apenas com recursos
e arquitetura implicamos a “cidade”, uma mediação,
estéticos não extensíveis à práxis) que se radicalizará
como afirma Lefebvre. Essa relação é essencialmente
com o agravamento da crise política que culminará
espacial, e portanto deve ser compreendida segundo
no golpe militar em 1964, quando essa história de
sua multidimensionalidade. Nesse sentido, deve-
formação cessa de produzir vocábulos socialmente
mos refletir sobre as determinações específicas da
abrangentes.
produção espaço arquitetônico, urbanístico e social,
que não são estanques, mas em interação constante. O livro que escrevi em conjunto com o pro-
Nesse sentido, considerando a metrópole paulista- fessor Leandro Medrano, e que ensejou esta fala, re-
na, devemos reconhecer que estamos diante de uma sulta da tentativa de compreensão dos impasses da
ocupação territorial em sua maior parte não mediada arquitetura brasileira atual. Para poder agrupar uma
por racionalizações disciplinares (arquitetura e urba- vasta produção sob categorias que não se detivessem
nismo), e portanto construída segundo as urgências em sua aparência estética, procuramos compreender
da sobrevivência ou da exploração mercantil - ou a uma constante que nos chamava atenção em primei-
combinação de ambas. Esse contraponto produziu ro lugar, independente de qual projeto premiado
uma grande excentricidade: uma arquitetura de van- estivéssemos analisando (com raríssimas exceções).
guarda internacionalmente reconhecida pontuando Essa constante era a relação problemática com o es-
cidades desordenadas e iníquas. Temos que indicar paço urbano, em qualquer dos círculos considerados
caminhos para explicar essa aparente discrepância, (próximos, médios ou distantes). Pareciam existir
que não deve ser apenas entendida como resultado duas estratégias que se repetiam: uma tentativa de
da impotência política do campo arquitetônico para interação espacial “politicamente correta” mas esteti-
poder fazer valer seus planos alternativos à desordem camente frágil (considerados os pressupostos formais
territorial. Há de haver uma relação genética entre inultrapassáveis que orientavam a composição geral),
58 59
e a exacerbação retórica da cisão programática entre parecer, identifica uma dimensão formadora para a
o espaço arquitetônico e as indeterminações espaciais obra desse arquiteto, na medida em que ele produziu
da cidade real. Nesse caso, considerada a produção um paradigma espacial, realização notável e só possí-
mais recentes (deste século) não se estabelecia ne- vel quando existe excelência artística atrelada às con-
nhuma relação crítica entre o edifício arquitetônico e tradições de seu tempo histórico. Os seus impasses
as dinâmicas urbanas da metrópole. são os impasses da modernização conservadora que
Identificado esse padrão, não foi difícil en- a arquitetura tentou, mas não conseguiu, ultrapas-
contrar suas formulações originais. Além do fato de sar. Uma possibilidade espacial crítica - creditadora
que a conexão da produção contemporânea (anos de uma domesticidade livre, ou libertária - inserida
10) já estar relacionada, por motivos outros, à obra na dinâmica da metropolização. Sua contradição pri-
de Vilanova Artigas, a clareza e intensidade da sua meira é o fato de que a dimensão crítica e moderna
obra tornava clara sua estratégia projetual, especial- de sua estratégia tinha como base formal o “lote”
mente em seu laboratório predileto - e possível -, as que, antes de ser o lugar da casa, é a partição abstrata
casas produzidas nentre os anos 1950 e 1960 - perío- da propriedade sob o capitalismo. A intensificação da
do crucial acima apontado. A produção escolar, vista dinâmica dos espaços interiores corresponde à radi-
por muitos como a sua produção verdadeiramente calidade do enclausuramento das empenas que repli-
social, nos pareceu como uma expansão formal do cam, estrudando, o lote. As tensões formais podem
padrão espacial residencial, o que tornava mais evi- ser compreendidas pelo choque, desenhado nessas
dentes os impasses formais da relação entre essas hi- paredes-películas (apesar de sua materialidade), entre
póteses arquitetônicas e a sociedade que as recebia. os vetores da expansibilidade interna e os limites so-
Nas casas, Artigas elaborou a possibilidade formal da ciais da propriedade que os contradizem.
arquitetura em uma conjuntura de impossibilidade Essa análise, também precariamente rabisca-
de planificação territorial, ou seja, baseada na unida- da aqui, encontra apoio nas análises de algumas casas
de mínima do lote. Mesmo quando teve a oportuni- realizadas no livro. E também em um artigo sobre
dade de projetar um espaço em escala urbana, como o Edifício Louveira, que procura mostrar que essas
é o caso do concurso para Brasília, Artigas multiplica contradições não são resolvidas, ou resolvíveis nesse
essa lógica da unidade, sugerindo - o que é inveros- projeto de habitação coletiva. O esquema espacial se
símil, mesmo para a mais mercantil das lógicas de mantém, ainda que a natureza do programa se altere.
produção do espaço urbano - uma extensibilidade es-
pacial baseada na replicação não qualitativa do lote/
casa.
Essa análise crítica, ao contrário do que possa

60 61
DEBATE
Adalberto:
Obrigado, Professor. Eu abro para as pergun-
tas e sejamos rápidos porque agora o outro Professor
começa.

Pessoa 1:
Luiz, no começo da sua fala, você... me cha-
mou atenção para essa história da arquitetura viva, o
exemplar que vocês viram e dessa produção do Brasil,
das casas, o que estava sendo publicado. E daí você
falou dos descendentes do Artigas, que ele conseguiu
deixar esses descendentes. Não sei se é só mais na
questão formal. Porque esses descendentes, eles vão...
Assim, queria saber um pouco como é que você vê
isso? Eles estão deslocados do contexto histórico,
social, econômico por ser outra época, outro perí-
odo. Isso não cai, também, nessa mesma produção
da arquitetura viva que você comentou? E até uma
questão: um tempo atrás saiu um artigo falando,
criticando um pouco os resultados dos concursos de
arquitetura no Brasil, de ser uma repetição de um
62 63
modelo, que é um pouco, talvez, essa descendência. Luiz Recamán:
No subdesenvolvimento?
Luiz Recamán:
É bem complicada a questão porque, eviden- Adalberto:
temente, não precisa de análise formal para entender
Sim, e no caso de duas cidades em que ele
os deslocamentos das questões que deram origem a
chega com uma produção muito grande, Londrina e
essa arquitetura para as questões hoje. É fácil reco-
Jaú, que são aqui perto. Estou perguntando isso por-
nhecer que não é possível reproduzir esse esquema na
que os alunos, alguns alunos estão aqui vão para Jaú
sua complexidade originária. Isso a gente não pode
comigo. Isso se repete? Vocês tiveram essa reflexão
reproduzir. Porém, na medida em que os mecanis-
comparativa?
mos de produção do espaço urbano no Brasil não
foram alterados, o paradigma descrito tem validade
operativa, mas não estética (porque não é formal-
mente crítica). O esquema “pavilhão” e uma mera
decantação dessas contradições, que só tem sentido
neste momento histórico que poderíamos, pela pres-
sa, designar como “pós-moderno”. A permanência
da solução formal mostra que tem grande validade
quando o conflito é eliminado. Poderíamos supor
um esquema da própria pós modernidade para expli-
car esse fenômeno. Artigas teria produzido um nexo
entre forma e sociedade, ou entre significante e sig-
nificado. A partir do final dos anos 1960 (a retração
das expectativas sociais, como indica Sérgio Ferro) e Luiz Recamán:
principalmente no projeto do MUBE inaugurando
uma nova fase, esses significantes estariam liberados Não. Londrina é uma produção, vamos di-
para relacionar-se sem seu nexo original. zer, anterior a esse processo. Essa arquitetura, ela está
relacionada a uma fase em que o Artigas estava expe-
rimentando esse vocabulário moderno mais direta-
Adalberto: mente corbusiano, ou mesmo niemeyriano.
Luiz, você fala que o Artigas define um pa-
drão espacial metropolitano. Luiz Recamán:

64 65
Sim, sim, nós vimos isso. E em São Paulo
existe uma infinidade de casas do Artigas e o Artigas
é o arquiteto que construía muito. Ele tem uma pro-
dução imensa. Então, como nós não somos historia-
dores, qual que era nossa preocupação? Detectar os
saltos de sua pesquisa espacial. Isso a gente fez anali-
sando as casas e os textos em que ele explicava com
grande clareza o estágio de sua pesquisa. O que me
dá certa segurança em relação a análise feita é que ela
pode ajudar a explicar a replicação infindável desse
mesmo esquema, só que congelado.

66 67
106-139.

SÍNTESE
BIBLIOGRÁFICA
RECAMAN, L. Brasília: problemas de
arquitetura (uma introdução). São Carlos: SAP-
EESC, Revista Risco, v. 11, p. 03-14. 2007
RECAMAN, L. Bauhaus: Vanguarda e
mal-estar da Metrópole. In: ALMEIDA, J.; BA-
DER, W. (Orgs.). Pensamento Alemão no século
XX, Volume III. 1a.ed. São Paulo: Cosac Naify/
Instituto Goethe , v. III, p. 55-79. 2012
GAUTHEROT, Marcel; SALGUEI-
RO, Heliana Angotti (Ed. e Coord.). Marcel Gau-
therot e seu tempo. O olho fotográfico. Museu de
Arte Brasileira. São Paulo, 2007.

PRINCIPAIS OBRAS
MEDRANO, L.; RECAMAN, L. Vila-
nova Artigas. Habitação e cidade na modernização
brasileira. 1. ed. [s.l.] Editora da Unicamp, 2013.
MEDRANO, Leandro; RECAMAN,
Luiz . Vilanova Artigas e o Condomínio Louveira:
Verticalização e ordem urbana. Arquitextos (São
Paulo), v. 16, p. 1-14, 2016.
MEDRANO, Leandro; RECAMAN,
Luiz. As virtualidades do morar. Artigas e a me-
trópole. Ed. FAUUSP, 2015.
RECAMAN, L. Forma sem utopia.
In: Andreoli, E., Forty, A. (orgs.). Arquitetura
moderna brasileira, Londres: Phaidon, 2004. pp.

70 71
O conteúdo da Primeira Aula - Pensamento Crítico na Ar-
quitetura e Urbanismo I, ministrada pelo Prof. Dr. Luiz Recamán
encontra-se disponível no site da TV Unesp: <https://tv.unesp.br/
video/kVPT36_pBgc>. A revisão do texto é responsabilidade do
palestrante.

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