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HELIANA COLEÇÃO Planejamento Urbano e Regional

Prof. Flávio Vilaça


PRIMEIRAS
A série “Primeiras Au-
las”, cujo sentido ini- ANGOTTI- AULAS História do Urbano: Temporalidades,
Escalas e Pontos de Vistas Contras-
cial visava comemorar os
40 anos da Unesp, objeti-
vou reavivar a “aula” - uma
SALGUEIRO tantes
Profª. Maria Stella Bresciani

História Urbana: Repensar Histórias


antiga prática acadêmica-, Cruzadas - Experiências de Pesquisa
como “atividade cívica”, em Arquitetura e Urbanismo
diante do “novo papel” Profª. Heliana Angotti-Salgueiro

PRIMEIRAS AULAS HELIANA ANGOTTI-SALGUEIRO


eliana Angotti-Salgueiro foi Professora que a universidade pública História da Arquitetura: Século XX -
Titular da Cátedra Brasileira em Ciên-
cias Sociais Sérgio Buarque de Hollanda deveria assumir, em espe- Três Cortes: Procedimentos/Cadeia
(EHESS-Maison des Sciences de l’Homme, em cial no tocante à questão Produtiva/Significado
Paris, entre 2004-2008) e professora-visitante Profª. Sophia Telles
nas universidades de La Rochelle, Poitiers e Tou-
pedagógica e às tecnolo-
rs. Doutora em História da Arte pela École des gias que influenciam os Para entender a Crise Urbana no Proje-
Hautes Études en Sciences Sociales de Paris novos modos de apren-
(EHESS, 1992), com pós-doutorados, pesquisas to da Cidade Contemporânea
e curadorias fomentados pela The Getty Founda- der, comunicar, pensar e Profª. Ermínia Maricato
tion, Conselho Nacional de Pesquisas e Tecno- também de se relacionar
logia (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa ’Guerra dos Lugares’ e o Projeto da
do Estado de São Paulo (FAPESP), Association com a sociedade, frente à Cidade Contemporânea
of Research Institutes in the Art History (ARIAH) crescente propagação do Profª. Raquel Rolnik
e Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
Autora dos livros: A Singularidade da obra de Vei-
chamado "analfabetismo
ga-Valle (Goiânia, 1983, reeditado em 1994); La funcional". Para tal, foram O papel do patrimônio arquitetônico no
Casaque d Arlequin. Belo Horizonte, une capitale projeto da cidade contemporânea
convidados grandes mes- Profª. Beatriz Kuhl
ecléctique au XIXe siècle (Paris, 1997); Engenhei-
ro Aarão Reis, o progresso como missão (Belo tres que enriqueceram, e
Horizonte, 1997); co-autora e organizadora de continuam enriquecendo História do Urbanismo: Teorias e
coletâneas e catálogos, como: Paisagem e arte. Histórias
(São Paulo, 2000); Cidades capitais do século direta ou indiretamente, a
Prof. Carlos Roberto M. de Andrade
XIX. (São Paulo, 2001); Bernard Lepetit: por uma construção de um itinerá-
nova história urbana (São Paulo, 2001); A Comé-
dia Urbana. De Daumier a Porto-Alegre (São Pau-
rio de pesquisa no âmbito A Formulação das Políticas Públicas
lo, 2003); Pierre Monbeig e a geografia humana da Faculdade de Arquitetu- no Projeto da Cidade Contemporânea
brasileira - a dinâmica da transformação (Bauru, ra, Artes e Comunicação - Prof. Fernando de Mello Franco
2006); Marcel Gautherot e seu tempo. O olho
fotográfico (São Paulo, 2007).(Fonte: Currículo FAAC, Unesp – Bauru. Pensamento Crítico na Arquitetura e
Lattes) Urbanismo - I
Adalberto da Silva Retto Jr. Prof. Luiz Recaman
Coordenador geral da Série
Pensamento Crítico na Arquitetura e
Urbanismo - II
Prof. Leandro Medrano

A Questão Habitacional no Projeto


da Cidade Contemporânea: Revisão
Histórica e Desafios Contemporânea
Prof. Nabil Bonduki
COLEÇÃO
PRIMEIRAS
AULAS
HELIANA

ANGOTTI-
SALGUEIRO

Bauru - SP
2019
CONSELHO EDITORIAL

R439h Retto Júnior, Adalberto da Silva; Angotti-Salgueiro, Heliana. Prof. Dr. Adeir Archanjo da Mota - UFGD
História urbana: repensar histórias cruzadas experiências de Profª. Drª. Alba Regina Azevedo Arana - UNOESTE
pesquisa em arquitetura e urbanismo [recurso eletrônico] / Coorde- Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva
nador Adalberto da Silva Retto Júnior. 1 ed. – Bauru: ANAP, 2019..
Prof. Dr. Alexandre França Tetto - UFPR
121 p; il. Prof. Dr. Alexandre Sylvio Vieira da Costa - UFVJM
Prof. Dr. Alfredo Zenen Dominguez González - UNEMAT
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ISBN: 978-85-68242-95-7 Profª. Drª. Aline Werneck Barbosa de Carvalho - UFV
Prof. Dr. Alyson Bueno Francisco - CEETEPS
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1. História 2. Cidade 3. Pesquisa
Profª. Drª. Ana Lúcia de Jesus Almeida - UNESP
I . Título. Profª. Drª. Ana Lúcia Reis Melo Fernandes da Costa - IFAC
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CDD: 720 Profª. Drª. Ana Paula Fracalanza – USP
CDU: 720/49 Profª. Drª. Ana Paula Novais Pires
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Brasil: Arquitetura Profª. Drª. Andrea Aparecida Zacharias – UNESP
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Prof. Dr. Fernando Sérgio Okimoto - UNESP
Profª. Drª. Flávia Akemi Ikuta - UMS
Profª. Drª. Flávia Maria de Moura Santos - UFMT Profª. Drª. Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira - UFMT
Profª. Drª. Flávia Rebelo Mochel - UFMA Profª. Drª. Martha Priscila Bezerra Pereira - UFCG
Prof. Dr. Flavio Rodrigues do Nascimento - UFC Prof. Dr. Maurício Lamano Ferreira - UNINOVE
Prof. Dr. Francisco Marques Cardozo Júnior - UESPI Prof. Dr. Miguel Ernesto González Castañeda - Universidad de Guadalajara - México
Prof. Dr. Frederico Braida Rodrigues de Paula - UFJF Profª. Drª. Natacha Cíntia Regina Aleixo - UEA
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Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai - UFSCar Prof. Dr. Natalino Perovano Filho - UESB
Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira - UEMS Prof. Dr. Nilton Ricoy Torres - FAU/USP
Profa. Dra. Gelze Serrat de Souza Campos Rodrigues - UFU Profª. Drª. Olivia de Campos Maia Pereira - EESC - USP
Prof. Dr. Generoso De Angelis Neto - UEM Profª. Drª. Onilda Gomes Bezerra - UFPE
Prof. Dr. Geraldino Carneiro de Araújo - UFMS Prof. Dr. Oscar Buitrago - Universidad Del Valle - Cali, Colombia
Profª. Drª. Gianna Melo Barbirato - UFAL Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA
Prof. Dr. Glauco de Paula Cocozza - UFU Prof. Dr. Paulo Augusto Romera e Silva – DAEE - SP
Profª. Drª. sabel Crisitna Moroz Caccia Gouveia - FCT/UNESP Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha - FCT/UNESP
Profª. Drª. Jakeline Aparecida Semechechem - UENP Prof. Dr. Paulo Cesar Vieira Archanjo
Prof. Dr. João Cândido André da Silva Neto - UEA Profª. Drª. Priscila Varges da Silva - UFMS
Prof. Dr. João Carlos Nucci - UFPR Profª. Drª. Regina Célia de Castro Fereira - UEMA
Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra - UFFS Prof. Dr. Renan Antônio da Silva - UNESP - IBRC
Prof. Dr. João Roberto Gomes de Faria - FAAC/UNESP Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino - UNICAMP
Prof. Dr. José Aparecido dos Santos - FAI Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara - UFSCar
Prof. Dr. José Manuel Mateo Rodriguez – Universidade de Havana – Cuba Profª. Drª. Risete Maria Queiroz Leao Braga - UFPA
Prof. Dr. José Queiroz de Miranda Neto – UFPA Prof. Dr. Rodrigo Barchi - UNISO
Prof. Dr. José Seguinot - Universidad de Puerto Rico Prof. Dr. Rodrigo Cezar Criado - TOLEDO Prudente Centro Universitário
Prof. Dr. Josep Muntañola Thornberg - UPC -Barcelona, Espanha Prof. Dr. Rodrigo Gonçalves dos Santos - UFSC
Prof. Dr. Josinês Barbosa Rabelo - UFPE Prof. Dr. Rodrigo José Pisani - UNIFAL-MG
Profª. Drª. Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia - UFPB Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho - UFGD
Profª. Drª. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro - FEA Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araujo - UFMA
Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia - UFPR Profª. Drª. Roselene Maria Schneider - UFMT
Profª. Drª. Karin Schwabe Meneguetti - UEM Prof. Dr. Salvador Carpi Junior - UNICAMP
Prof. Dr. Leandro Gaffo - UFSB Profª. Drª. Sandra Mara Alves da Silva Neves - UNEMAT
Profª. Drª. Leda Correia Pedro Miyazaki - UFU Prof. Dr. Sérgio Augusto Mello da Silva - FEIS/UNESP
Profª. Drª. Leonice Seolin Dias - ANAP Prof. Dr. Sergio Luis de Carvalho - FEIS/UNES
Profª. Drª. Lidia Maria de Almeida Plicas - IBILCE/UNESP Profª. Drª. Sílvia Carla da Silva André - UFSCar
Profª. Drª. Lisiane Ilha Librelotto - UFS Profª. Drª. Silvia Mikami G. Pina - Unicamp
Profª. Drª. Luciana Ferreira Leal - FACCAT Profª. Drª. Simone Valaski - UFPR
Profª. Drª. Luciana Márcia Gonçalves - UFSCar Profª. Drª. Sueli Angelo Furlan - USP
Prof. Dr. Marcelo Campos - FCE/UNESP Profª. Drª. Tânia Paula da Silva - UNEMAT
Prof. Dr. Marcelo Real Prado - UTFPR Profª. Drª. Vera Lucia Freitas Marinho – UEMS
Profª. Drª. Marcia Eliane Silva Carvalho - UFS Prof. Dr. Vilmar Alves Pereira - FURG
Profª. Drª. Márcia Eliane Silva Carvalho - UFS Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto - FCAE/UNESP
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes - EQUOIA Engenharia Ambiental LTDA Prof. Dr. Xisto Serafim de Santana de Souza Júnior - UFCG
Profª. Drª. Margareth de Castro Afeche Pimenta - UFSC Profª. Drª. Yanayne Benetti Barbosa
Profª. Drª. Maria Ângela Dias - UFRJ
Profª. Drª. Maria Ângela Pereira de Castro e Silva Bortolucci - IAU
Profª. Drª. Maria Augusta Justi Pisani - UPM
Profª. Drª. María Gloria Fabregat Rodríguez - UNESP
Profª. Drª. Maria Helena Pereira Mirante – UNOESTE
Profª. Drª. Maria José Neto - UFMS
Profª. Drª. Maristela Gonçalves Giassi - UNESC
\\3

SUMÁRIO
Parceria Equipe da TV Unesp
GRUPO SITU/DAUP/FAAC/ TV Unesp Produção
Licínia Iossi
Coordenação da série Mayra Ferreira
Prof. Adalberto da Silva Retto Jr
Unesp - Bauru Imagens
Alexsandro Belote
Equipe Organizadora Antônio Garcia
Prof. Dr. Adalberto da Silva Retto Jr Eduardo Marques
Unesp - Bauru Vanderlei D’lucca

Prof. Dr. Luiz Claudio Bitencourt Iluminação


Unesp – Bauru e Eduvale André Bazan
José Siqueira
Profa. Dra. Lilian Nakashima
Edição
USC
Cláudia Paixão
APRESENTAÇÃO
11
Comissão Científica Leandro Fontes
Adalberto da Silva RETTO JR Licínia Iossi
DAUP - Unesp, Bauru Mayra Ferreira
Mônica Ishikawa
Prof. Dr. Luiz Cláudio BITENCOURT Renan Maia Bolaño
DAUP - Unesp, Bauru Octávio Nascimento Neto
INTRODUÇÃO
Prof. Dr. Marcelo Carbone CARNEIRO
CHU - Unesp, Bauru
Videografismo
Vinicius Tavares
33
Prof. Dr. Guido ZUCCONI
IUAV di Venezia Equipe de apoio do Grupo S.I.T.U.
AULA
Prof. Dr. Marco DE MICHELIS
IUAV di Venezia
Arqta. Fabiana Eid Crespilho
Thiago Tomassine
41
Arquitetura e Urbanismo USC
Projeto Gráfico
Érica P. das Neves Matheus Drummond Weffort
Arquitetura e Urbanismo Unesp - Bauru
DEBATE
95

SÍNTESE
BIBLIOGRÁFICA
118
ASSOCIAÇÃO AMIGOS DA NATUREZA DA ALTA PAULISTA
Ao prof. Dr. Marcelo Carbone Carneiro, Di-
retor da FAAC, pois ao dar suporte à realização do
projeto Primeiras Aulas, ele permitiu a exploração
de interrelações na FAAC, a vocação extensionista
da Unesp e a integração com as práticas pedagó-
gicas e de pesquisa, à luz das novas formas de co-
municação digital e socialização.
APRESENTAÇÃO
Primeiras
Aulas: entre
prática cívica
e escolhas
ética, estética
e política

A série “Primeiras Aulas”, cujo sentido inicial


visava comemorar os 40 anos da Unesp, objetivou
reavivar a “aula” - uma antiga prática acadêmica-,
como “atividade cívica”, diante do “novo papel” que
a universidade pública deveria assumir, em especial
no tocante à questão pedagógica e às tecnologias
que influenciam os novos modos de aprender, co-
municar, pensar e também de se relacionar com a
sociedade, frente à crescente propagação do chamado
“analfabetismo funcional”. Para tal, foram convida-
dos grandes mestres que enriqueceram, e continuam
enriquecendo direta ou indiretamente, a construção
de um itinerário de pesquisa no âmbito da Faculda-
de de Arquitetura, Artes e Comunicação - FAAC,
Unesp – Bauru.
A escolha do titulo da série é uma homena-
gem póstuma ao professor italiano Bernardo Secchi e
deriva do livro “Prima Lezione di Urbanistica”1, tradu-
zido para o português, após sua vinda ao Brasil como
consultor durante a elaboração do Plano Diretor

1 SECCHI, Bernardo. Primeira lição de urbanismo. Tradução de Marisa Barda e Pedro M. R. Sales. São
Paulo, Perspectiva, 2007, p. 11.

10 11
Participativo do Município de Agudos2. O convite mente ligada ao ambiente em que vivemos,
para resenhar o livro de Bernardo Secchi e a atitude ao ambiente construído, ou seja, ao ambien-
te urbano.
crítica com relação à escolha da palavra “lição”, por O tema da disponibilização de estilos de
parte do autor e dos tradutores, para compor o título vida distintos incita a refletir sobre as velhas
do livro levaram-me a montar um quadro analítico categorias de tipologia e morfologia. Trata-
no intuito de, por um lado, embasar a reflexão sobre -se de ver como diferentes tipos de espaços
habitáveis podem ser compostos em função
a importância de uma “prima lezione” que poderia de aspectos morfológicos totalmente distin-
minimizar o chamado “analfabetismo urbanístico”, tos daqueles aos quais costumávamos pensar
termo apropriadamente cunhado pela profa. Ermí- numa época em que não tínhamos a sorte que
representam a liberdade, a individualidade e
nia Maricato e constatado na prática durante a ela- a gestão do próprio cotidiano para o indiví-
boração e as revisões de planos diretores de cidades duo de hoje. Esse ponto, precisamente, tor-
de pequeno e médio porte do Centro-Oeste Paulista nou-se um importante tema de projeto, a ser
e, por outro, refletir sobre a atuação profissional do desenvolvido seja por exercícios nas escolas
de arquitetura, seja na vida profissional. Se, a
arquiteto e urbanista, além do papel político da pro- partir dessa perspectiva, olharmos as enormes
fissão. cidades difusas de Flandres ou da região do
Vêneto, imensas extensões urbanas espalha-
Sobre o papel político de nossa profissão, o das que misturam velhos centros históricos,
próprio homenageado nos propõe explorá-lo no pre- periferias e vastas áreas residenciais, somos le-
vados a formular opiniões distintas daquelas
fácio do livro “Matières de Ville: Projet Urbain et En- comumente defendidas.
seignement”, a partir de três palavras cuja história está
ligada à República Francesa: “Liberdade, Igualdade, O que significa “Igualdade”?
Fraternidade”3.
Recorrentemente, essa noção gera pro-
“O que quer dizer “Liberdade”? blema: como conceber uma cidade que seja
a representação de sociabilidades distintas?
Significa que a sociedade contemporâ- Como criar uma cidade em que não haja ne-
nea, com suas diferenças nacionais, étnicas nhuma segregação entre os diversos grupos
e culturais – que continuamos enfatizando, sociais? Uma cidade na qual se possa viver
senão exagerando – nos oferece a possibili- sem a marca do seu status social?
dade de escolher trajetórias e estilos de vida
diversos. Desde Roland Barthes e Henri Le- Essa questão é muito mais complexa que
febvre, as pesquisas nos mostraram como a a exploração da liberdade, pois aqui se aborda
liberdade, tanto individual quanto coletiva, o tema da mescla. Como acomodar juntos jo-
embora dependa de outros fatores é estrita- vens e pessoas mais velhas? Como organizar
a coabitação de costumes, origens étnicas ou
2 O Plano Diretor Participativo de Agudos PDPA, (2004-2006), denominado Laboratório Agudos, estilos de vida diferentes? E ainda, como mis-
foi desenvolvido pela equipe do grupo SITU (Grupo em Pesquisas Integradas Territoriais e Urbanas) e
Dottorato di Urbanistica do IUAV de Veneza, a partir de dois workshops durante a elaboração do plano. turar as diversas atividades?
3 SECCHI, B. “La Recherche et le Projet Urbain” In.: TSIOMIS, Y.(org.) “Matières de Ville: Projet
Urbain et Enseignement” (Éditions de la Villette/ Cité de l’architecture et du patrimoine, Paris, 2008).
Quando se explora esse tema em pro-

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fundidade, surge a percepção de que será -nos explorá-la com a necessária capacidade
preciso inventar exercícios pouco habituais, de invenção e imaginação, sem esquecer, con-
principalmente se se considera o fato de a so- tudo, que a atividade de projeto não se coloca
ciedade não ser estática. O que é compatível inicialmente como ação política ou na sua
hoje, talvez não o seja amanhã. A sociedade condição institucional, mas com um sentido
evolui depressa em um ambiente construído crítico, ou seja, de “ação na tensão”4.
que, ao contrário daquela, é dotado de tre-
menda inércia. O alargamento epistemológico, teórico e
Tal dualidade, inércia/rapidez (e seus conceitual do horizonte reflexivo permitiu descorti-
comportamentos múltiplos) constitui o nos-
so tema. Não se trata de um tema novo, mas nar diversos contextos em que uma “primeira aula”,
de uma nova declinação deste último, dentro de forma geral, se colocava como evento para além
da tradição do urbanismo europeu que busca de um plano de ensino. Nas universidades dos pa-
obter, por meio da urbanização, uma melhor íses de língua portuguesa utiliza-se aula magna com
repartição do bem-estar entre os grupos so-
ciais. O contrário pode ser verificado , por o mesmo caráter celebrativo das Leçons do College de
exemplo, no urbanismo dos Estados-Unidos. France, ou ainda, Lectio Magistralis, no contexto uni-
Quanto ao termo “Fraternidade” tra- versitário italiano, e MasterClass na língua inglesa.
duz, ao mesmo tempo, um projeto mais fácil Porém, a Prima Lezione di Urbanistica de Bernardo
e mais complicado. Trata-se mais uma vez de
reencontrar o gosto pelo compartilhamento Secchi, que está no conceito da própria coleção em
dos espaços. Não se pode mais aceitar e se que o livro está inserido e, que no meu ponto de
satisfazer com as categorias público/privado. vista, se afinava com o caráter a ser dado à série em
Tal distinção vale ainda na área da gestão, mas construção, objetivava rejeitar a extrema especializa-
não mais no âmbito da concepção. É preciso
pensar no compartilhamento dos espaços, co- ção da disciplina. Ao permitir uma abordagem plural
meçando pela parte interna da própria casa; é de pontos de vista, possibilita que o fenômeno ur-
preciso refletir novamente sobre as “idiorrit- bano seja explorado com complexidade, sem perder
mias” dos sujeitos, individuais e coletivos, em
suas práticas cotidianas; é preciso renovar a a importância e a fecundidade de uma abordagem
reflexão sobre a dimensão corporal da cidade. genuinamente interdisciplinar.
Quando, no doutorado, foi dado como obje-
to de pesquisa o tema “Como viver juntos”, Nas suas palavras, na contracapa da edição
um questionamento oriundo de Roland Bar- italiana:
thes, descobriu-se um universo inesperado
através de estudos, pesquisas e exercícios de Per urbanistica intendo non tanto un in-
projeto. sieme di opere, di progetti, di teorie o di norme
E complementa: unificate da un tema, da un linguaggio e da un’or-
ganizzazione discorsiva, tanto meno intendo un
Embora um tanto envelhecidas em apa-
settore d’insegnamento, bensì le tracce di un vasto
rência, as palavras “liberdade”, “igualdade” e
insieme di pratiche: quelle del continuo e consape-
“fraternidade” são, na realidade, a fronteira
que a sociedade de hoje nos propõe. Cabe- 4 A tradução das citações: Luc Matheron.

14 15
vole modificare lo stato del territorio e della città 1968: As Barricadas do Desejo” (Tudo é História,
(SECCHI, 2000)5. 1989).
O viés formativo que se buscava, para calibrar Porém, a opção deliberada pela palavra Aula
o conceito do evento proposto, aparece no contexto em vez de Lição remeteu-me ao argumento apresen-
brasileiro de forma significativa em duas coleções de tado durante a discussão acalorada com o próprio
livros de bolso lançadas e editadas pela Editora Brasi- Secchi, em uma consulta sobre o título da edição em
liense, a partir do final da década de 1970: a Coleção português do seu livro: o “juízo de valor” que a pala-
“Primeiros Passos” e a Coleção “Tudo é História”. vra possui na língua portuguesa. Na ocasião, minha
justificativa apoiou-se em dois pontos:
Analisando cuidadosamente os títulos pro-
postos, percebe-se que a questão urbana emerge de 1. A tradução da conferência de posse e aber-
forma relevante. Nesse sentido, a primeira lista de tura do novo curso de semiologia literária
possíveis convidados foi, pretensiosamente, pensada no College de France, proferida por Ro-
como atualização desses títulos. Do elenco inicial, land Barthes e denominada Leçon, em 7 de
janeiro de 1977, explicitada pelo próprio
dois nomes viriam representar essa linha aproxima- Secchi para explicar seu percurso narrativo
tiva: Maria Stella Martins Bresciani, professora da e traduzida por Leyla Perrone-Moisés com
Unicamp: “Londres e Paris no século XIX: O espe- o título de “aula”;
táculo da pobreza” (Tudo é História, n. 52, 1982), e
Raquel Rolnik, da USP: “O que é Cidade” (Primei- 2. A utilização da palavra lição pelo arquiteto
ros Passos, 1988). franco-suíço Le Corbusier, ao escrever, no
início dos anos vinte, sobre as cidades de
Outros convites aventados pela proximidade Roma e Veneza. No livro Vers une archi-
temática, infelizmente, não se concretizaram: Car- tecture de 1923, no capítulo “A lição de
los A. C. Lemos: “O Que é Arquitetura (Primeiros Roma”:
Passos, 1980) e “O Que é Patrimônio Histórico” Roma é uma paisagem pitoresca. Lá a luz
(Primeiros Passos, 1982); A. J. Gonçalves Jr., Aurélio é tão bela que ratifica tudo. Roma é um bazar
Sant’anna, Frederico Carstens, Rossano Fleith: “O onde se vende de tudo. Todos os utensílios da
Que é Urbanismo”(Primeiros Passos, 1991); Vavy vida de um pouco lá ficaram, o brinquedo da
infância, as armas dos guerreiros, os restos dos
Pacheco Borges: “O Que é História” (Primeiros altares, as bacias dos Borgia e os penachos dos
Passos, 1980); Marilena Chauí: “O que é ideologia” aventureiros. Em Roma o Feio é legião.
(Primeiros Passos, 1980), Olgária C. F. Matos:”Paris
Roma é um pitoresco bazar ao ar livre.
Há de todos os horrores e o mau gosto da
5 “Por Urbanismo entendo não tanto um conjunto de obras, projetos, teorias ou regras unificadas por
um tema, por uma linguagem e por uma organização discursiva, muito menos entendo o termo como
Renascença romana. Esta Renascença, nós a
um campo de ensino, mas os traços de um vasto conjunto de práticas: aquelas do contínuo e consciente julgamos com nosso gosto moderno que dela
modificar o estado do território e da cidade”.

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nos separa por quatro grandes séculos de es- ídas de um sentido moralizador. Como observado
forços, o XVII, o XVIII, o XIX, o XX. no título definitivo da edição brasileira – Primeira
Dispomos do benefício desse esforço, Lição de Urbanismo, o argumento apresentado não
julgamos duramente, mas com uma clarivi- se sustentou.
dência motivada. Falta à Roma entorpecida
após Michelangelo esses quatro séculos. Re- Duas outras “aulas” ganharam particular in-
pondo o pé em Paris, retomamos consciência teresse: a aula inaugural intitulada “O Desenho”,
da escala. A lição de Roma é para os sábios,
aqueles que sabem e podem apreciar, aque- em 1967 na FAU-USP, em que professor engenhei-
les que podem resistir, que podem controlar. ro-arquiteto João Batista Vilanova Artigas defende o
Roma é a perdiçao daqueles que não sabem projeto como atitude de resistência à opressão; e a
muito. Colocar em Roma estudantes de ar-
quitetura é mutilá-los por toda vida. O Gran-
aula do mesmo arquiteto, por ocasião de seu retor-
de Prêmio de Roma e a Villa Médici são o no à FAU-USP após período no exílio, no concurso
câncer da arquitetura francesa. para professor titular, cujas arguições foram publica-
das sob o título de “A Função Social do Arquiteto”7.
Em contraposição La Leçon de Venise , como Dizia ele:
denomina Stanislaus Von Moos, a cidade lagunar
é descrita como modelo de nova hierarquia urbana Entretanto, é preciso falar sobre a função
social do arquiteto sob o ângulo específico da
moderna: arquitetura moderna. Sob o ângulo daquela
arquitetura vivida no Brasil, sem ficar no pla-
(...) cette ville qui, à cause de son plan d’eau,
no genérico de uma arquitetura universal que
représente l’outillage le plus formel, la fonction la
tenha finalidade social – que não é o caso de
plus exacte, la vérité la plus indiscutable – cette
nosso enfrentamento, da problemática que
ville qui, dans une unité unique au monde, en
me foi dada, pelo menos de meu ponto de
1934 encore (à cause du plan d’eau) est l’image en-
vista.
tière, intégrale des actes hiérarchisés d’une société
(LE CORBUSIER, 1937)6.
A arquitetura moderna originou-se [e
isso quem diz com certa clareza é um crítico
Nos seus relatos, as duas cidades emergem que todos conhecemos chamado Manfredo
respectivamente como anti-exemplo e exemplo de Tafuri (Cacciari, M., Dal Co, F., De la Van-
Urbanismo. É claro que não se trata de uma lição guarda a la Metropoli, 1972)] das esperanças
de transformação social do mundo frente à
sobre técnica de planejamento, pois não explica a Revolução Russa. A verdade é que a Revolu-
cultura do plano ou o processo de sua formação; não ção Bolchevique, como diz o próprio Tafuri,
aborda a questão da análise nem a concepção do pla- ofereceu ao mundo dos anos 20 a perspecti-
va de um mundo novo (ARTIGAS, J.B.V.
no; não revela os mistérios da disciplina. Mas como 1989, p.13).
verdadeiras “lições” de planejamento urbano imbu-
7 ARTIGAS, Vilanova. A função social do arquiteto. São Paulo: Nobel-Fundação Vilanova Artigas,
6 LE CORBUSIER, Quand les cathédrales étaient blanches, Paris, 1937, p. 8. 1989. Esse conjunto de arguições foi posteriormente incorporado em: ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da
arquitetura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

18 19
Neste ponto, o nexo fundamental explicita- diferentes dinâmicas da sociedade contemporânea,
do no subtítulo desta introdução encontra sua me- seja do ponto de vista local, seja a partir das deman-
lhor adequação e permitiu o fechamento conceitual das sociais de um mundo globalizado.
da proposta em construção. Essas primeiras aulas
A partir da tentativa de explorar interrelações
funcionariam, portanto, como resposta ao cenário
na FAAC e a vocação extensionista da Unesp, bem
político que, paulatinamente, estava sendo trama-
como sua integração com as práticas pedagógicas e
do. E assim, rediscutiriam um conjunto de crenças
de pesquisa à luz das novas formas de comunicação
que o mundo acadêmico compartilha, como as da
digital e socialização, e seu impacto nas dimensões
Extensão Universitária e da Pesquisa Aplicada, sem
privada e pública, que se conseguiu o apoio da vi-
abrir mão de sua diversidade doutrinária: a liberdade
ce-diretoria da Faculdade de Arquitetura e Artes da
na prática do ensino e da pesquisa. Poderiam ain-
Unesp-Bauru, na figura do professor Marcelo Car-
da explorar o vigor criativo apresentando-se como
bone. Esse apoio abriu a possibilidade de:
proposta de renovação baseada no desenvolvimento
de temas recentes, os quais poderiam ser pensados • Estabelecer uma parceria com a TV Unesp,
como possibilidade de transformar e evitar a rigidez que se deu em dois momentos: com a Di-
das grades das disciplinas e do enclausuramento da retora Dra. Ana Silvia Lopes Davi Médo-
própria universidade pública. la, para a criação da série específica sobre
a questão urbana; e com o Diretor Dr.
No cenário atual, a “aula como atividade cí- Francisco Machado Filho, para edição e fi-
vica”, que se apoia na ideia de Civic University, termo nalização da mesma. O formato do progra-
cunhado pela primeira vez por Boyer E.L. (1996, ma, o logotipo e o cenário da série foram
p.11-20) no texto The Scholarship of Engagement8, po- pensados de forma a valorizar não só o am-
deria redefinir contornos do pensamento absorvendo biente da universidade – daí a opção pelo
grande auditório no fundo do logotipo –,
os temas emergentes para repensar a Unesp em seus mas também a expressão da fala fortemente
40 anos: primeiramente, para romper com o isola- ritualizada, característica das grandes aulas;
mento geopolítico dos diversos campi, resultado de esse formato seria reafirmado a partir da
um projeto político a ser superado e, em segundo lu- concepção de um cenário formado somen-
gar, para diluir o caráter indissociável entre pesquisa, te por elementos essenciais: um púlpito e
ensino e extensão, fornecendo estratégias para atuar um banco;
de forma articulada e sempre a partir do contexto e • Atingir outras universidades da cidade e da
das necessidades locais. O repensar desses três pilares região, o que levou ao alargamento do es-
da Universidade – ensino, pesquisa e extensão –, a copo do projeto e da equipe organizadora
partir de uma lógica horizontal, poderia congregrar que passou a contar ainda com Dra. Lilian
8 BOYER, E.L. The Scholarship of Engagement. Journal of Public Service Outreach, v.1(1), 1996. Nakashima, professora da Universidade
20 21
Sagrado Coração, egressa do Curso de Ar- -reitora de graduação presente na primeira edição,
quitetura da Unesp de Bauru, e Dr. Luiz professora Gladis Massini-Cagliari, deveriam ser re-
Cláudio Bitencourt, pertencente ao quadro petidos pelas outras unidades, revelou na sua inteire-
de professores da Unesp – Bauru. Na oca- za a atuação plural dos nossos ex-alunos. Entretanto,
sião, Bitencourt assumira a coordenação do a interdisciplinaridade contida no cerne do projeto
curso de Arquitetura e Urbanismo da Edu-
vale em Avaré e, no início de sua gestão, pedagógico de nossa Faculdade de Artes, Arquitetu-
implementou a série Primeiras Aulas. ra e Comunicação é, na realidade, um projeto a ser
construído e consubstanciado. A estrutura atual, to-
Apesar da discussão sobre a possibilidade de talmente anacrônica e que prima pela excessiva frag-
a série ser interiorizada como projeto departamental, mentação dos cursos vinculados a departamentos iso-
ideia cara à chefia do Departamento de Arquitetura lados, poderia ser repensada através de um plano que
da Unesp-Bauru, professoras Silvana Alves e Marta explore complementariedades e tangências à luz da
Enokibara na ocasião da proposta, optou-se por ini- sua natureza ambígua, em função de sua dupla filia-
ciá-la com dois módulos: História e a Construção do ção: às ciências sociais aplicadas e à dimensão artística.
Projeto da Cidade Contemporânea à luz das políti-
cas públicas. Isso se deu pelo fato de se observar um Diante da incapacidade de conter as fron-
grande número de egressos da FAAC-Unesp-Bauru teiras disciplinares tradicionais de arquitetura e do
atuando em vários campos, consubstanciando de urbanismo, a cidade tornou-se o tema focal da série,
forma consistente o perfil de um profissional que a partir da qual poderiam vir à tona diferentes tema-
aplica suas habilidades em distintos setores: nas artes tizações do fenômeno urbano. O convite enviado aos
(teatro, música, literatura, cenografia), na arquitetu- professores para compor a série Primeiras Aulas suge-
ra, no urbanismo, no paisagismo, no design e na co- ria alguns títulos que destacavam a especialidade de
municação, na publicidade, na comunicação empre- cada pesquisador e solicitava a readequação do título
sarial, e nos diversos níveis da administração pública, inserindo as palavras História ou Projeto da Cidade
inclusive no Ministério das Cidades. Contemporânea.
A importância dos dois eventos intitulados “Percurso Porém, a tentativa frustrada de estabelecer
dos Egressos”9, eventos esses que, nas palavras da pró- divisão entre os dois módulos – História e a Cons-
9 Percurso dos Egressos: Tema 01 - O Projeto da Cidade Contemporânea. Data: 17 de março de 2017:
Arquiteto e Urbanista Daniel Montandon - Prefeitura Municipal de São Paulo/Ministério das Cidades,
trução do Projeto da Cidade Contemporânea à luz
Arquiteto e Urbanista Marcelo Ignatios - Prefeitura Municipal de São Paulo, Arquiteto e Urbanista Felipe
Francisco de Souza - Banco Mundial, Arquiteto e Urbanista Elisa Pennings - Prefeitura Municipal de Ho-
das políticas públicas –, reafirma o que nos diz Alfre-
lambra, Arquiteto e Urbanista Alex Rosa - Prefeitura Municipal de Limeira, Arquiteta e Urbanista Andrea
Júlia - Prefeitura Municipal de Limeira, Arquiteto e Urbanista Rafael Ambrósio - Santos, Arquiteto e Urba- do Bosi em “O tempo e os tempos”: que o diálogo
nista João Felipe Lança - Prefeitura Municipal de Bauru; tema 02 - “Visões de Arquitetura e do Espaço na
Cidade Contemporânea” - Arquiteta e Urbanista Adriana Benguela, da equipe vencedora do 4º Prêmio de com o passado torna-o presente (BOSI, 1992, p.29),
Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel pelo projeto Moradas Infantis (Formoso do Araguaia, TO,
2015), Arquiteto e Urbanista Hugo Serra Alphaville Urbanismo e fez parte da equipe que ganhou Menção
Honrosa no Concurso Internacional para o Parque Olimpico - Rio 2016, Arquiteto e Urbanista Leandro
ou seja, “o pretérito passa a existir de novo”. Tal as-
Fontana, fez parte da equipe de paisagismo vencedora do 4º Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Oh-
take AkzoNobel pelo projeto Moradas Infantis (Formoso do Araguaia, TO, 2015), Arquiteto e Urbanista
sertiva pôde ser vislumbrada na “Primeira Aula de
Marcos Caracho, com obras significativas na cidade de Bauru e que participou da Casa Cor SP - 2017.

22 23
Planejamento Urbano e Regional” ministrada pelo -se como passo inevitável, tanto em termos de go-
professor Flávio Vilaça, o qual selou de forma magis- vernança de sustentabilidade quanto de adaptações
tral o sucesso da série tendo em mãos a Constituição às mudanças climáticas e de patrimônio artístico e
Federal e o Plano Diretor Participativo do Município ambiental.
de Bauru.
Contudo, mais do que os contextos urbanos e
A superlotação do auditório com presença territoriais, a força propulsora real do desenvolvimen-
de técnicos e profissionais da cidade e da região, nos to reside nas estratégias que as cidades e os territórios
obrigou a transferir as aulas do auditório do SESC colocam em jogo. Sob essa perspectiva, seguiram-se
Bauru para o auditório do campus da Unesp. Além as Primeiras Aulas dos professores: Ermínia Mari-
disso, a presença do professor Vilaça restabeleceu cato: “Para entender a Crise Urbana no Projeto da
um antigo elo afetivo e profissional com o autor des- Cidade Contemporânea”; Raquel Rolnik: “ ´Guerra
te texto: durante o período do meu doutoramento dos Lugares´ e o Projeto da Cidade Contemporâ-
na FAU-USP, os ex-orientandos do professor Villa- nea”; e Nabil Bonduki: “A Questão Habitacional no
ça convidavam seus orientados para participarem de Projeto da Cidade Contemporânea: Revisão Histó-
um grupo de estudos sobre Urbanismo e Planeja- rica e Desafios Contemporâneos”.
mento Urbano, grupo esse que, até hoje, acontece
O estudo e o repensar das estruturas urbanas
às terças-feiras. Nesse grupo tive oportunidade de
e territoriais tornam-se, assim, plataforma complexa
aprender e dialogar com grandes nomes do urbanis-
para definir a relação entre a pesquisa histórica e o
mo, do planejamento urbano e da área de políticas
uso atual das estruturas materiais herdadas do pas-
públicas, todos atuando ativamente nos cenários
sado. A construção das disciplinas História Urbana,
paulista e nacional.
História da Cidade, História e Teoria da Arquitetura
Conforme a série foi acontecendo, destacou- e do Urbanismo foi abordada nas Primeiras Aulas
-se a discussão sobre a metamorfose da cidade con- das professoras: Heliana Angotti-Salgueiro: “Histó-
temporânea que não poderia ser tratada somente a ria Urbana - Repensar Histórias Cruzadas - Experi-
partir dos problemas do ordenamento do território. ências de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo”; e
Apesar de os pesquisadores discorrerem sobre mé- Maria Stella Bresciani: “Historia do Urbano: Tem-
todos de investigação e sobre o estudo das fontes, poralidades, Escalas e Pontos de Vistas Contrastan-
ressaltaram principalmente que a fonte primária em tes”. Nas aulas ficou evidente que o urbano deve ser
discussão é a própria cidade no seu território. A cada estudado na estratificação complexa de seus diversos
“primeira aula”, um cenário mais amplo e complexo elementos constitutivos e deve ser analisado a partir
viria à tona, no qual o controle dos usos da terra e da estreita relação de reciprocidade entre ele e seu
o equilíbrio dos recursos naturais em jogo colocam- território circundante.

24 25
Da mesma forma, a História do Pensamen- e territorial, deixando sinais de uma paisagem que
to Crítico na Arquitetura foi o tema tratado na sua se deteriora e “consome” a identidade do território.
especificidade nas Primeiras Aulas dos professores: Principalmente, e quase paradoxalmente, isso se ve-
Sophia Telles: “História da Arquitetura: “Século rifica quando a área em abandono coloca-se no pro-
XX - Três Cortes: Procedimentos/Cadeia Produti- jeto da cidade contemporânea, como recurso para o
va/Significado”; Leandro Medrano e Luiz Recaman sistema econômico regional e pode, de fato, tornar-se
(FAU-USP): Pensamento Crítico na Arquitetura um espaço redesenhado para novas atividades pro-
e Urbanismo”, de acordo com o método de inves- dutivas em torno das quais o território pode apostar
tigação sob o ângulo de sua natureza formal, com em um futuro diferente. Vista a partir dessa perspec-
ferramentas adequadas, tipos de fontes e sua aplica- tiva proativa a área em desuso é, em certo sentido,
bilidade de acordo com a específicidade do território símbolo de transformação e regeneração do espaço
e estrutura urbana em análise. urbano incentivando o enxerto de outras atividades,
com maior conteúdo de inovação e qualidade de pro-
Hoje, como no passado, as cidades continu-
dução. Essa perspectiva pressupõe que, em torno do
am a ser objeto de considerável interesse tanto no
trabalho de recuperação da área desocupada, o terri-
nível teórico quanto em termos práticos. Se por um
tório repense seu próprio modelo de desenvolvimen-
lado, as teorias sobre a crise e o declínio das cidades
to, identificando potenciais e vocações para sustentar
crescem, por outro, testemunhamos cada vez mais
o crescimento com um adequado plano de ação.
processos importantes de reconstrução, reestrutura-
ção, redesenvolvimento, ou – para usar um termo Entre os elementos de crise no espaço público
que é muito comum hoje – regeneração do tecido está o uso instrumental do conceito de público para
urbano. A crescente literatura sobre a história e a te- apoiar programas políticos e projetos urbanos, de-
oria dessas práticas foi abordada na Primeira Aula do fender mudanças sociais e legitimar transformações
professor Carlos Roberto M. de Andrade: “História espaciais. Por isso, é necessário restituir o valor ético
do Urbanismo: Teorias e Histórias”. ao projeto do espaço público, no sentido de que todo
gesto e toda ação de desenho, em todas as escalas, de-
Do ponto de vista do patrimônio, o “aban-
vem ter consciência do papel que exercem no destino
donado” é emblema de uma desertificação produti-
pessoal e coletivo.
va que teve como resultado lacerações profundas no
tecido social e económico - basta pensar no impacto As Primeiras Aulas dos professores: Beatriz
que teve o encerramento do sistema ferroviário so- Kühl, “O papel do Patrimônio Arquitetônico no
bre o emprego e renda de determinadas famílias -, Projeto da Cidade Contemporânea”; e Fernando de
quando se analisa o pátio ferroviário de Bauru: ao Mello Franco, “A Formulação das Políticas Públicas
mesmo tempo, um processo de degradação urbana no Projeto da Cidade Contemporânea”, orbitaram

26 27
entre o campo de investigação histórica e a questão
da qualificação da cidade existente à luz das políticas
públicas.
Ao promover o conhecimento e o confronto
entre os indivíduos, as Primeiras Aulas são gestos que
estabelecem as bases para novas formas de convivên-
cia e reconstroem o vínculo, cada vez mais instável,
entre a academia, a realidade e sua representação. Isso
significa cuidar de um lugar que sempre foi e conti-
nuará sendo um recurso precioso capaz de sustentar
os processos evolutivos da cidade e de reconhecer o
próprio espaço como componente fundamental da
esfera pública, da vida urbana e, sobretudo, da vida
democrática da sociedade.

Adalberto da Silva Retto Júnior


Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
Campus Bauru

28 29
INTRODUÇÃO
Adalberto da
Silva Retto Jr.

Nesta aula, o tema é História Urbana a par-


tir de experiências de pesquisas em Arquitetura e
Urbanismo. A convidada é a pesquisadora Heliana
Angotti-Salgueiro. Historiadora pela École des Hau-
tes Études en Sciences Sociales, de Paris, foi professora
titular da Cátedra Brasileira em Ciências Sociais Sér-
gio Buarque de Holanda, da Maison des Sciences de
l’Homme e CRBC (EHESS), ocasião em que, como
professora-visitante em universidades na França, ela-
borou um amplo programa de pesquisas divulgando
temas da cultura brasileira.
É membro do núcleo de pesquisas Brasil-
-França no IEA-USP, e do Grupo de pesquisas em
urbanismo moderno e contemporâneo na Univer-
sidade Presbiteriana Mackenzie (sem mencionar os
grupos de pesquisa na França com os quais dialoga);
sua mais recente ligação institucional foi como pes-
quisadora com bolsa da CAPES no PPGAU-FAU do
Mackenzie, e depois como pesquisadora voluntária
(2014-2018). A formação interdisciplinar que es-
colheu trilhar na EHESS permitiu-lhe ser autora de
vários projetos, que resultaram em obras individuais

33
e coletivas, pois tem organizado coletâneas e catálo- ram conosco. A Professora Heliana foi uma das pes-
gos das exposições de que foi curadora, nas áreas de soas que mais colaborou com nosso grupo, fazendo
história da arquitetura, história da arte, paisagem, algumas concessões muito importantes como a ces-
geografia humana, fotografia e urbanismo. são de copia do seu relatório de pesquisa à FAPESP
para que nós pudéssemos “seguir os passos do Pierre
Monbeig” - programa itinerante que ela idealizou de
Adalberto: apresentações de seminários no Oeste paulista e Nor-
Boa noite. Eu gostaria de agradecer a presen- te do Paraná, que fez parte de seu projeto sobre Pierre
ça de todos, da equipe da UNESP, da Diretoria da Monbeig, ha alguns anos. Além disso, ela sempre se
UNESP e Vice-diretoria, que estão dando suporte a disponibilizou a participar de todos os eventos que
este evento da celebração dos 40 anos. Anuncio algu- nós fizemos e a sua vasta bibliografia sempre fez parte
mas questões práticas porque a série “40 anos” é uma dos nossos programas de ensino. Nesse sentido, eu
série para ser filmada, logo, ela vai ser transmitida gostaria de agradecer em público à Professora Helia-
posteriormente em rede de televisão. Primeiro, so- na, que atuou muitas vezes como uma pesquisadora
licito que desliguem todos os celulares, não se pode independente, e mesmo assim conseguiu ter uma tra-
fotografar nem filmar, porque a Professora como os jetória ímpar aqui no Brasil, e no exterior. Talvez seja
demais palestrantes usarão imagens que pertencem a uma das nossas mais importantes pesquisadoras com
algumas de coleções nacionais e internacionais que uma carreira internacional consolidada.
não permitem divulgação, além de que há várias As “Primeiras Aulas” sao organizadas por
inéditas. Outra coisa: a aula dura uma hora e meia. mim, como professor da UNESP, pelo Professor
Não significa dizer que não pode ser interrompida Luiz Cláudio Bittencourt da UNESP e da UNIP
por perguntas. Ao contrário; só que, após uma hora e pela Professora Lilian Nakashima, que é uma ex-
e meia, a Professora Heliana terminará sua aula e nós -aluna nossa e é professora da USC. Também temos
continuaremos com as perguntas. Após a palestra, as um comitê científico que, de certa forma, nos ajuda
pessoas devem se identificar ao microfone e fazer as a montar e escolher esses nomes. Diante da escolha
perguntas (esta é uma questão prática da televisão). do tema, nós passamos a sugestão ao convidado para
A série das “Primeiras Aulas” foi pensada para que ele responda como ele daria uma aula, no caso,
celebrar os 40 anos da UNESP. Nós, nos colocando de História Urbana. Quem é especialista no assunto
como uma Universidade ainda jovem, resolvemos sabe que não daria para passar longe da bibliografia
criar a série para chamar pessoas que foram funda- da Professora Heliana Angotti, então nós sabemos
mentais para construir o nosso itinerário de pesquisa. que a escolha é mais do que adequada. A Professora
Logo, essas “Primeiras Aulas” também são uma ho- Heliana Angotti deu um título longo e muito expres-
menagem da UNESP aos professores que colabora- sivo à sua “aula”, que vale a pena nos debruçarmos:
34 35
“Repensar histórias cruzadas, experiências de pes- pais - na Escola Guignard em Belo Horizonte e no
quisa em Arquitetura e Urbanismo - do historiador MASP, em São Paulo, por ocasião do centenário de
e de seus estudos de caso”. Numa breve descrição, Belo Horizonte, com patrocínio da Prefeitura da ci-
retomando sua trajetória: observei que ela foi titular dade e empresas locais. A exposição, “Belo Horizon-
da Cátedra brasileira em Ciências Sociais, Sérgio Bu- te, o nascimento de uma capital”, enfocava o tema
arque de Holanda, na Maison des Sciences de l’Homme, de sua tese e as relações internacionais articuladas a
em Paris, de 2004 a 2008. Atuou como Professora vi- ele. (Ela trouxe aqui o Guia-catálogo da exposição
sitante nas Universidades de La Rochelle, de Poitiers “Belo Horizonte, o nascimento de uma capital”, para
e na Université François Rabelais, em Tours, além distribuir). A exposição foi um marco. Nunca havia
dos seminários feitos em Paris. Doutora em História acontecido algo parecido na nossa área, com material
da Arte pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Socia- inédito do século XIX, procedente de museus france-
les, de Paris, tem vários pós-doutorados e projetos de ses e do país. Sua tese, que recebeu o prêmio da tese
pesquisa fomentados pela The Getty Foundation, Con- do ano na École des Hautes Études en Sciences Sociales,
selho Nacional de Pesquisa e Tecnologia, Fundação foi publicada em 1997 pela editora da mesma escola:
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, As- La Casaque d’Arlequin. Belo Horizonte, une capitale
sociation of Research Institutes in the Art History, e foi éclectique au XIXe siècle. Posteriormente a Profes-
curadora de exposições internacionais na Fundação sora Heliana organizou uma obra coletiva, Cidades
Armando Alvares Penteado. Eis aqui alguns livros da Capitais do século XIX reunindo as palestras da men-
Professora Angotti, que eu fiz questão de trazê-los, cionada Jornada de Estudos, e editou também “Por
para que vocês vejam sua importância, principal- uma nova História Urbana”, com textos de Bernard
mente para a minha geração, e acho que para a de Lepetit, que foi seu professor no doutorado e “real”
vocês também, pois eles revelam um verdadeiro mé- orientador; o orientador oficial, porém, era o filósofo
todo de pesquisa. Se alguém quiser fazer uma tese ou Hubert Damisch. (Eu estou apresentando a ordem
uma dissertação sobre trajetórias ou biografias inte- cronológica de suas publicações). O livro “Paisagem
lectuais, a Professora Heliana Angotti lançou um dos e Arte”, organizado por ela, saiu em 2000 – é uma
primeiros livros sobre a questão: Engenheiro Aarão coletânea de importante congresso internacional, de
Reis: O progresso como missão, em 1997. Pouco antes, que ela foi uma das mentoras cientificas – o tema
em 1996, ela organizou um grande evento, uma ex- “paisagem” era novo, e ela lançou o tema no país em
posição e uma jornada de estudos - Jornada Interna- 1999, e trouxe grandes especialistas do exterior, que
cional de Historia Urbana, que aconteceu não só em marcam até hoje a reflexão na área. Segue-se A Co-
São Paulo (FAU), mas também em Belo Horizonte; média Urbana: de Daumier a Porto-Alegre, catálogo de
na ocasião ela montou a primeira e uma das maiores uma exposição internacional que ela organizou na
exposições sobre urbanismo e arquitetura feitas no FAAP em 2003. Um momento de destaque para nós,

36 37
da UNESP, foi quando ela lançou Pierre Monbeig e a
Geografia Urbana brasileira, a dinâmica da transforma-
ção, abrindo uma coleção que nós idealizamos juntos
e estamos pensando em retomá-la agora em e-book.
E justamente, com esta publicação de sua
aula, a homenageamos, destacando seu papel como
o de uma intelectual que nos ajudou a trilhar uma
trajetória de pesquisa importante e que gerou um
projeto temático de seis anos na FAPESP. O último
de seus livros, que eu gostaria muito de ter trazido,
e que eu não tenho ainda é O olho fotográfico, Mar-
cel Gautherot e seu tempo, lançado em 2007. Nesse
sentido eu passo a palavra à Professora Heliana e fa-
ço-lhe a pergunta: Como a senhora daria uma “Pri-
meira Aula” de História Urbana?

38 39
AULA
Repensar histórias cruzadas, experiências de
pesquisa em Arquitetura e Urbanismo:
do historiador e de seus estudos de caso

Boa noite a todos. Eu tenho muito prazer de


estar aqui. Eu agradeço especialmente ao colega Pro-
fessor Doutor Adalberto Retto Júnior, por essa gran-
de oportunidade de comunicar-me com o público de
Bauru, acadêmico e não acadêmico. (Imagino que
haja pessoas aqui que não sejam da academia, tratan-
do-se das comemorações dos 40 anos da UNESP).
Agradeço, também, ao comitê científico organizador,
e extensivamente, também, aos demais professores
desta instituição.
Vou expor uma autorreflexão sobre aspectos
da minha vivência pessoal como historiadora com
mais de 25 anos de pesquisas em História Urbana e
campos conexos, trazendo estudos de caso já pesqui-
sados e publicados que englobam trajetórias e ideá-
rios de atores sociais ligados à história da cidade, da
arquitetura, do território - representações, modelos,
histórias de protagonistas que se cruzam em situa-
ções urbanas. Vocês vão perceber ao longo da pales-
tra que à medida que exponho questões, as imagens
as acompanham, pois elas constituem um elemento
privilegiado de comunicação e produção de conheci-
mento em nossas áreas de estudo.
Diante da vitalidade e da profusão de publi-
cações em campos disciplinares diversos que consti-

41
tuem, hoje, os estudos urbanos, na pluralidade das de acompanhar os seminários durante o doutorado
acepções desses estudos e diante de diferentes tradi- na França -, retomando o que ele escreveu no prefá-
ções historiográficas nacionais, - podemos pensar na cio de livro que coordenou Ensaios de ego-história, em
bibliografia inglesa, americana, italiana e francesa, 1987, traduzido em 1989.
para citar apenas as mais representativas -, seria in-
“O historiador dos dias de hoje está pronto, ao
viável fazer retrospectivas ou retomar essas bibliogra-
contrário de seus antecessores, a confessar a ligação es-
fias de forma genérica em uma palestra. Optei, en-
treita, íntima e pessoal que mantém com seu trabalho.
tão, trazer, por sugestão também do colega Professor
Ninguém ignora que o interesse confessado e elucidado
Adalberto, estudos de caso, repensar minhas próprias
oferece um abrigo mais seguro que vagos projetos de ob-
pesquisas, inserindo-as em enfoques da História Ur-
jetividade. O obstáculo transforma-se em vantagem. A
bana e destacando, especialmente, a atualidade de
explicação e a análise do investimento existencial (...)
certas experiências mais próximas a temas que inte-
tornam-se instrumento e alavanca da compreensão (...),
ressam àqueles que estudam Arquitetura e Urbanis-
cujo interesse metodológico (...) vai além do pretenso exi-
mo. Permito-me repensar a escrita de histórias que se
bicionismo de que seu editor (no caso Pierre Nora, or-
cruzam, fazer uma reflexão sobre pesquisas pessoais
ganizador da coletânea), foi acusado” na época.
e seus frutos ao longo de decênios de trabalho, pois
esta é, hoje, uma tendência entre os historiadores Aquele novo gênero que se fundava, a ego-his-
da minha geração. Tenho observado que uma série tória, que reuniu então historiadores para repensa-
de obras publicadas nos últimos anos sugere que
se vive um momento “reflexivo” em relação às pes-
quisas cumpridas e à sua inserção na historiografia.
(Refiro-me especialmente ao cenário intelectual da
historiografia francesa, que conheço melhor). Perce-
be-se, então, hoje, essa volta crítica dos historiadores
sobre seus próprios trabalhos, como se houvesse no
atual estágio de reflexão, a necessidade de “repensar
a História fazendo História”, como escreveu Fran-
çois Hartog no seu livro “Regimes de Historicidade”
(cujo original francês de 2003, foi traduzido para o
português em 2013). rem sua produção, antecedeu a tendência de histo-
riadores de hoje de explicarem a própria trajetória
Ao lançar este olhar reflexivo sobre meu iti-
como escreveu Gérard Noiriel em livro publicado
nerário de trabalho, remeto-me, primeiro, ao histo-
em 2014, – Pensar com, pensar contra - itinerário de
riador Pierre Nora – de quem tive a oportunidade
42 43
um historiador1 ; este exercício de repensar experiên- se refere a procedimentos “reflexivos” para repensar
cias de pesquisas pessoais e a historiografia em que se comparações, transferências e histórias cruzadas (esta
inscrevem, foi objeto de outro livro recente, Homo noção é de Michael Werner e Bénedicte Zimmer-
Históricos – reflexão sobre a história, os historiadores man), texto que vai pontuar alguns tópicos que trago
e as ciências sociais, de outro historiador da minha aqui4.
geração, Christophe Charle2, voltado também para Primeiramente levanto considerações intro-
uma postura memorial autocrítica. dutórias sobre o processo de pesquisas, considerando
Ainda nesta linha, Patrick Boucheron, his- as conjunturas metodológicas em que se inseriram, o
toriador da cidade medieval, explicitou o exercício lugar e o tempo em que se desenvolveram (seu con-
da nossa profissão em livro de 2010, e observou, em texto intelectual), para abordar em seguida recortes
entrevista ao jornal Le Monde (a 26/09/2015)3, que a de alguns estudos de caso que publiquei, destacan-
“auto-reflexividade é a única novidade metodológica do, ao longo da análise, as linhas e práticas que di-
da história contemporânea” – e que hoje o historia- recionaram certos enfoques, muitos ainda válidos na
dor deve explicar os caminhos de construção dos seus atualidade.
temas, não por vaidade, mas por um gesto de res- Conforme observam os autores que já citei
ponsabilidade profissional, refletindo sobre a própria aqui, “a historicização engaja o pesquisador e sua re-
historicidade de seus escritos. E que, neste exercício
de expor as escolhas de pesquisas realizadas, os his-
toriadores assimilam as lições das ciências sociais, da
literatura, e talvez mesmo da psicanálise, que os leva
a esclarecer seus pontos de vista e vivências pessoais
do trabalho.
Solicitada constantemente por jovens em
inicio de tese para contar minhas próprias experiên-
cias de pesquisa, e observando a importância hoje,
em múltiplos colóquios, de mesas-redondas sobre
questões de “Historiografia”, escolho um texto que
lação com o objeto. Ela visa tanto os fenômenos do
1 NOIRIEL, G. Penser avec penser contre. Itinéraire de um historien, Paris: Belin, 2014, especialmente o
capítulo « Marc Bloch et le métier d’historien ».
passado [estudados], como a maneira de abordá-los
2 Cf. CHARLE, C., Homo Historicus. Réflexions sur l’histoire, les historiens et les sciences sociales. Paris:
Armand Colin, 2013. Christophe Charle é autor de obras sobre a história dos intelectuais, das elites 4 WERNER, M. & ZIMMERMANN, B., « Penser l’histoire croisée: entre empirie et réflexivité »,
universitárias, e de estudos sobre capitais culturais, formas de circulação e internacionacionalização. Annales HSS, v. LVIII, n.1, jan.-fev. 2003, p.7-36. Republicado em De la comparaison à l’histoire croisée,
Paris, Le Seuil, 2004. Traduzido em português: “Pensar a história cruzada: entre empiria e reflexividade”,
3 BOUCHERON, P., Faire profession d’historien, Paris: Publications de la Sorbonne, 2010; e sua entre- Textos de História, vol.11, n.1/2, 2003, p-89-127; recentemente incluído em texto sintético dos mes-
vista ao Le Monde, sob o sugestivo titulo, « La recherchede l’identité est contraire à l’idée même d’histoire mos autores, “Histoire comparée, histoire croisée”. In: Historiographies I. Concepts et débats, sob a dire-
», a 26 de setembro de 2015. ção de C. Delacroix, F. Dosse, P. Garcia & N. Offenstadt, Paris, Ed. Gallimard (Folio-Histoire), 2010.

44 45
no presente”, devendo-se “estabelecer uma ligação arquitetura e as cidades, eu tenho desenvolvido pes-
entre as duas dimensões”. Trago-lhes elementos so- quisas em vários ramos conexos a estes. Dirijo-me
bre a pesquisa, o “sabor dos arquivos”, e as exigências aos jovens para observar que opções intelectuais não
da vida intelectual: a contextualização do objeto a ser se improvisam, são frutos de uma formação e cons-
estudado e o conhecimento da historiografia. Entre tante aprendizado, vivência e amadurecimento de
os desdobramentos, cito rapidamente a importância um sistema de referências e também, certamente, de
das exposições, pois estas levam ao grande público o oportunidades de trabalho que surgem de projetos
trabalho acadêmico. aprovados, de empreitadas a enfrentar e a concluir.
Cada estudo de caso é construído através de traços
Da iniciação cientifica ao doutorado, sei que
documentais. A História não preexiste ao trabalho
em uma Faculdade de arquitetura e urbanismo não
de busca e interpretação do historiador, por isso não
se trata apenas de formar pesquisadores, mas de em-
acredito em definições teóricas ou metodologias pré-
basar o bom profissional – acredito, porém, que a
vias. Essas se particularizam em função dos temas
erudição arquitetônica ou o conhecimento de corpus
escolhidos e dos enfoques disciplinares a cruzar que
de referências, de uma bibliografia sem fronteiras, da
lhes sejam pertinentes, em atitudes de pesquisa aten-
história e fortuna critica de obras clássicas e de auto-
tas às regras e práticas de investigação histórica no
res novos, bem como o conhecimento de doutrinas
sentido do conhecimento de seus princípios, no rigor
em torno dos problemas e das transformações na
e na ética dos procedimentos de busca, na interpreta-
cidade, alimentam o processo criativo do arquiteto
ção das fontes ou dos traços deixados por seu objeto,
- seja no escritório de arquitetura, seja na sua ação
além das “condições de possibilidade” bibliográficas
sobre o planejamento urbano. - Onde estamos hoje
do ambiente em que a pesquisa se desenvolve.
na arquitetura e nas demais disciplinas do projeto em
relação à produção da pesquisa? - Como constituir O historiador que se coloca diante de um
um corpus e métodos de observação sobre um tema tema ou que observa uma cidade, ou uma obra ar-
que lide com a história e como inseri-la nas práticas quitetônica, sobretudo, se trata de um objeto do
do projeto? Acredito que projetos só têm a ganhar passado no espaço contemporâneo, sabe que existe
com a associação à cultura arquitetural e urbana e sua uma distância para compreender este objeto, difícil a
história no passado e no presente. ser superada completamente. Distância esta de níveis
diversos, no caso da História Urbana, a dos tempos
(Imagem: Aqui vocês têm a “Musa da Histó-
que convivem na cidade, sua arquitetura ou o que
ria”, um detalhe de um quadro conhecido e a célebre
resta dela, e o ideário e formação dos atores sociais
frase de Lucien Febvre, historiador, no seu texto “Vi-
ou protagonistas de cada um de seus momentos. Há
ver a História”).
a questão da percepção visual, que o historiador bus-
Historiadora de formação, apaixonada pela ca suprir por meio da “operação histórica”, ou seja,
46 47
na pesquisa informada pelos saberes pertinentes ao Evidente, então, a minha filiação intelectual
seu objeto, submetidos à luz da experiência do olhar (eu mostro aqui na imagem, a entrada da École des
diligente que leva à construção narrativa. A inquie- Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, onde pas-
tude intelectual, ao construir um trabalho, nós todos
a temos, eu sinto uma apreensão até hoje diante de
cada novo trabalho. Isso não acontece apenas com os
jovens, mas com todo pesquisador rigoroso, ao longo
da vida, a cada novo desafio, não é? Quero dizer que
essa inquietude intelectual ao construir um trabalho,
o saber ver e escrever, não escapa, porém, de categorias
de análise do seu tempo, mas tem a ganhar na busca
da erudição para minimizar essa referida distância
inicial que se tem com o objeto, ou o estranhamento
que se sente diante de um novo tema. Se os objetos
da pesquisa variam ao longo da nossa vida intelectu-
al, sabemos que todo conhecimento tem um hori- sei vários anos), à quarta geração da revista Annales,
zonte cultural de tempo e lugar, cujas perspectivas, tendo tido a grande oportunidade, no final dos anos
limites e fontes, se redefinem, cada vez, no processo 1980 e 90, como bolsista do CNPQ, de ser aluna de
de construção da História. Jacques Le Goff, Roger Chartier, Pierre Nora, Hu-
bert Damisch (filósofo, que foi o meu orientador,
Antes de tudo, o pesquisador deve deixar cla-
mas, na verdade, eu segui mais Marcel Roncayolo,
ro “o lugar de onde ele fala”, ou seja, “prestar contas”
Bernard Lepetit e Jean-Louis Cohen), e outros pro-
aos seus leitores, aos seus auditores, situando a sua
fessores, em época áurea da École. Por outro lado,
formação, a historicidade do seu trabalho e de seu
frequentei durante vários anos, em Paris, as tribunas
universo de referências, pois uma produção e esco-
de debates e conferências da Société Française des Ar-
lhas de pesquisa estão sempre “ligadas fundamen-
chitectes, que se abriam naquele momento, tanto à
talmente a um lugar e a uma instituição”, como já
História, quanto à crítica da atualidade na área – vale
observou Michel de Certeau em “A Operação His-
dizer que eu sou uma “arquiteta de coração” e de de-
tórica”, texto que abria o Volume 1, da trilogia clás-
dicação a leituras e observação nessa área. Abro um
sica Fazer a História: novos problemas, em meados dos
parêntese para explicar que me lancei no aprendizado
anos 70, que foi uma das bases da minha formação,
da História da Arquitetura porque a minha tese foi
entre outras referências bibliográficas que marcaram
sobre a construção de Belo Horizonte, inserida nos
a Nova História e suas grandes mudanças a partir da-
contextos de relações com a história cultural urbana
quele momento.
48 49
do século 19, precisamente as relações com a França, do entre as fichas de escolaridade de alunos arquite-
mas não só (vou dizer porque a França foi importan- tos da École des Beaux-Arts, (a famosa Escola de Be-
te). Daí minha ligação estreita com a formação arqui- las-Artes de Paris), encontrei dados sobre o obscuro
tetônica e urbanística de vocês, a familiaridade com arquiteto de Belo Horizonte, José de Magalhães, que
fontes de pesquisa nesses ramos, e relativas à transfor- projetou os edifícios da Nova Capital. A pesquisa se
mação urbana que mencionarei aqui como primeiro estendeu a todos os tratados de arquitetura da época,
estudo de caso. (Imagem: A tese resultou nesse livro aos projetos Beaux-Arts contemporâneos - dos mo-
La Casaque d’Arlequin, Belo Horizonte, une capitale numentais Prix de Rome aos projetos de arquitetura
éclectique au 19e siècle, publicado em 1997 em francês, civil -, que se construíram nas cidades em transfor-
em Paris, que atualmente está no prelo na Edusp, em mação, a partir de meados do século 19. E também
co-edição com a UFMF). Vocês vão perguntar: por- às fontes primárias dos arquivos municipais, aos pe-
que a tradução tantos anos depois? Porque como pes- riódicos, e a outras fontes como os enunciados dos
quisadora independente, trabalho muito buscando e exercícios de composição que se davam aos alunos
cumprindo novos projetos, com prazos definidos..., arquitetos da Beaux-Arts no momento em que Ma-
por isso, eu nunca mais tinha tido tempo de voltar galhães completava aí a sua formação (ele estudou na
a esse livro, malgrado a insistência dos editores; mas, Escola Politécnica do Rio de Janeiro, antes de ir para
em determinado momento que eu estava sem traba- Paris completar a formação de arquitetura). Então,
lho, pude traduzi-lo, entre 2012/2013, e agora, final- trabalhando esses exercícios que eram dados aos ar-
mente, vai sair em português, depois de tanto tempo, quitetos é que eu fui entender como que ele adaptou
com uma longa apresentação em que fiz uma espécie o “sistema Beaux-Arts” apreendido em Paris nos anos
de reflexão retrospectiva, (semelhante a esta), sobre 1870 aos projetos de Belo Horizonte, mais tarde, em
o momento em que abordei os temas, e a atualida- 1894/95. Assim, na tese, fiz o que chamo de uma
de metodológica de muitos dos enfoques. Talvez seja desconstrução da composição tal qual era ensinada
por isso é que eu, hoje, depois de tantos anos, volte na Beaux-Arts, um estudo de “elementos analíticos”
ao tema Belo Horizonte, depois de ter passado por (disciplina básica do sistema Beaux-Arts), para enten-
tantas outras pesquisas; mas acho que num auditório der como esses elementos foram apropriados em seus
de arquitetos e urbanistas, esse assunto é importante, projetos. (Não posso desenvolver essa questão aqui,
pois remonta à história da modernidade e transfor- seria muito longa a explicar, mas a cito para exempli-
mações urbanas no Brasil – estudo que não pode ser ficar caminhos da pesquisa).
feito independente de fontes e uma bibliografia in-
Por outro lado, com a explosão dos estudos
ternacional na área.
urbanos da década de 80 e o movimento de revisão/
Lembro-me das salas geladas dos Archives revival do século XIX, partindo de interpretações
Nacionales e de tantas bibliotecas, lá em Paris, quan- culturais e de abertura aos métodos das Ciências So-
50 51
ciais, à pesquisa de campo, ou à observação da cida- ta-se, sobretudo, de algo que vai amadurecendo dia após
de, essas também passaram a ser fonte dos trabalhos dia”. Um tema se define e hipóteses se constroem no
científicos sobre Arquitetura e sua história. No meu andamento da pesquisa, mas desde os seus primeiros
caso, a vivência e a deambulação em Paris, “capital passos já se pode ter em mente uma direção, mesmo
do século 19”, o aprender a ver a arquitetura e sua se alguns caminhos se bifurquem ou se abandonem
relação com o urbano, ajudou-me a entender o tem- outros.
po vivido aí pelo arquiteto de Belo Horizonte, e a
reconhecer muitos de seus modelos. Voltarei a isso. Reitero que o trabalho de pesquisa em Arqui-

Ainda sobre a pesquisa: apesar da revolução


digital que transformou hoje as condições de aces-
so às fontes, e os procedimentos em relação a elas,
o trabalho de seleção e articulação de documentos
pertinentes a um tema de pesquisa escolhido, o
processo da pesquisa enfim, não mudou muito. Os
historiadores ainda seguem uma metodologia que,
ao mesmo tempo, engloba uma atitude ética e um
engajamento intelectual incondicional ao seu obje-
to. Como usuária de arquivos diversos durante anos,
embora compreenda os benefícios da reprodução
digital de documentos para conservação, alcance, e tetura e Urbanismo, como em outras áreas do co-
ampla divulgação, lamento que muitos jovens, hoje, nhecimento das humanidades, não pode prescindir
desconheçam a abordagem tátil, a sensação direta e da coleta arquivística ou da análise de documentação
material do contato com o passado pelo manuseio original. Precisamos optar por objetos ou temas que
do documento: O sabor dos arquivos, como descreveu deixaram traços, registros, indícios, vestígios, para
Arlette Farge, no seu famoso livrinho, em 19895. podermos fazer recortes, justificarmos uma perio-
O encaminhamento de uma pesquisa é como dização, inscrever nosso objeto em contextos docu-
o de um projeto de arquitetura: requer erudição e mentais, antes de desenvolver uma redação cuidada.
informação - mostro uma frase que fotografei numa Fato comum para quem lida com a nossa história é a
exposição sobre Gae Aulenti, na Itália, e que se aplica escassez documental, as lacunas e os silêncios, o que,
aos dois casos: “Não existe a lâmpada que se acende, a porém, não deve nos desencorajar. O pesquisador
lâmpada do gênio, a ideia improvisada, a intuição. Tra- deve saber interpretar um simples documento. Por
exemplo: numa crônica de um pequeno jornal local,
5 FARGE, A. Le goût de l’archive, Paris, Seuil, 1989.

52 53
o Minas Geraes, durante a construção de Belo Hori- mesmo o belga Verdussem (desenhistas da Comissão,
zonte, em 1894-18956 reconheci referências a nomes auxiliares de Magalhaes).
como Léonce Reynaud (autor de um tratado de ar- Além das fontes é imprescindível o conheci-
quitetura de 1850, com reedições, e difusão interna- mento da historiografia da área a abordar quando se
cional no século 19, que encontramos também nas faz uma tese. Não desconhecer o que veio antes, além
bibliotecas brasileiras), menções a Viollet-Le-Duc, de conhecer a bibliografia em que ela se inscreve. A
além de outros nomes fundamentais da arquitetura observação parece óbvia, mas vale lembrá-la aos que
do século 19, em conversas informais entre o cronis- estão começando uma dissertação: deve-se dominar
ta e o arquiteto José de Magalhaes, no tempo em que a produção científica geral e particular que cerca o
se construía a cidade – por essas referências que pas- tema escolhido. Na nossa área do Brasil eu cito um
saram despercebidas até minha pesquisa, eu elaborei artigo, que funciona como um balanço de 30 anos
toda uma trama de relações, reconhecendo traços dos da produção historiográfica e seus enfoques, caso vo-
ideários do arquiteto. cês não conheçam7 e que foi também publicado em
As perguntas que se faz aos documentos de português.
uma época, embora muitas possam continuar váli- Um trabalho, então, ganha muito por estar
das, podem ser acrescidas de interrogações que são inserido no que se está produzindo no seu tempo,
próprias da atualidade, dependendo dos avanços nos debates e textos em circulação. Em Paris, por
da historiografia sobre os temas tratados, e também exemplo, eu vivenciei a explosão dos estudos urbanos
se novos documentos vieram à luz. É o caso desse do decênio de 1980, participando da revisão de in-
documento – (mostrado no power point), que foi terpretações da História Urbana feita em obras como
descoberto anos depois que meu trabalho já estava a coleção Histoire de la France Urbaine nos anos 80
publicado. Trata-se de uma “Lista de pagamentos (História da França Urbana, aqui mostro exemplares
feita a operários da Comissão Construtora da Nova dessa coleção) ou, também, o livro de Bernard Le-
Capital” assinado pelo mencionado arquiteto, autor petit, que marcou época Les Villes dans la France Mo-
dos projetos - documento que está curiosamente es- derne, de 1988. (Abro um parêntese sobre Bernard
crito em francês. Fiquei pensando a principio: - seria Lepetit: ele foi secretário de redação dos Annales, - a
pedantismo do arquiteto? Depois levantei uma hipó- célebre revista de historia e ciências sociais, da Éco-
tese mais plausível: teria sido escrito por algum dos le des Hautes Etudes -, em momento de uma “virada
membros da comissão construtora que eram estran- critica”8). Ele faleceu num acidente aos 48 anos, em
geiros? No caso, Edouard Lemonier (que depois fez
brilhante carreira como arquiteto na Argentina), ou 7 Margareth da Silva Pereira, “L’architecture et l’urbanisme au Brésil, une reflexion sur trente ans d’his-
toire”, in Perspective. La revue de l’ INHA, Le Brésil, n.2, 2013, p.343-364.
6 Refiro-me às crônicas de Alfredo Camarate, publicadas no jornal Minas Geraes, especialmente as de 8 Refiro-me ao célebre editorial “Histoire et sciences sociales: un tournand critique”, dos An-
1894, « Por montes e vales », reeditadas na Revista do Arquivo Público Mineiro, ano XXXVI, Belo Hori- nales ESC, ano 43, n. 2, março-abril 1988, que expressava as posições de Bernard Lepetit, jo-
zonte, 1985. vem secretário de redação da revista, sobre as relações entre a História e as Ciências Sociais.

54 55
1996, pouco antes de atender ao meu convite como quitetos ligados ao estudo do território, lembrando
palestrante na Jornada de História Urbana que orga- que, no próprio positivismo, foi a ala littreista (Lit-
nizei na FAU-USP, por ocasião da exposição interna- tré) não-ortodoxa, a adotada pela geração de Aarão
cional sobre Belo Horizonte, ambas já mencionadas. Reis autor da planta de BH), e seus contemporâneos,
Essa jornada resultou no livro que organizei Cidades os engenheiros politécnicos racionalistas que pensa-
Capitais do Século XIX. Racionalidade, Cosmopolitismo vam as transformações urbanas no Rio de Janeiro.
e Transferência de Modelos, que inclui textos de Do-
natella Calabi e Antoine Picon, também convidados
por mim, que vinham ao Brasil pela primeira vez9.
Eu fiquei com uma dívida em relação a Bernard Le-
petit, que havia sido tão importante no final da mi-
nha tese em Paris – e assim, reuni em um livro dez
textos seus, entre os mais importantes que deixou e
alguns inéditos, publicando-os português, em 2001
pela Edusp – o prof. Adalberto já mostrou esses li-
vros no inicio da palestra –10. A reedição de Por um
nova historia urbana em 2016 traz um novo prefácio
de atualização que escrevi destacando a evolução da
Acontecia também na Paris do final dos anos
disciplina, novos rumos das leituras e a fortuna cri-
1980 as revisões interpretativas do Haussmannismo,
tica do historiador Lepetit. Seus textos, se lidos com
de que a Revue de l’Art, faria um balanço crítico um
cuidado (pois não são fáceis...) representam uma re-
pouco mais tarde, do qual participei com um artigo
volução historiográfica na área de estudos urbanos.
sobre Belo Horizonte, cuja imagem saiu até na capa
Acontecia, também, na época em que eu es- da revista, no número 104, em 1994. Esse clima foi
tava em Paris, o revival dos estudos da arquitetura e fundamental para inserir minha pesquisa em outras
da cidade do século 19, com novos enfoques sobre o sobre temas semelhantes, e construir argumentos afi-
ecletismo, a análise de doutrinas que marcaram a re- nados com novas abordagens. Os questionamentos
flexão urbana e territorial, como é o caso do saint-si- do tempo presente de um trabalho, repito, enrique-
monismo (aqui no Brasil todo mundo só se refere ao cem o processo da sua elaboração.
positivismo, sendo que Saint Simon foi muito mais
Porém, quero deixar bem claro, em todas as
importante, especialmente para os engenheiros e ar-
minhas pesquisas sempre privilegiei representações
9 Este livro inclui também o último texto escrito por Bernard Lepetit, que me foi enviado uma semana
antes dele falecer, em 1996. construídas por atores sociais em situações da histó-
10 Bernard Lepetit: por uma nova Historia Urbana, São Paulo, Edusp, 2001 – segunda edição em 2016,
acrescida de um novo prefácio, onde atualizo referências e procuro analisar a recepção da obra e da
ria brasileira, muitas vezes envolvendo experiências
metodologia do autor.

56 57
de deslocamento, viagens, apropriações culturais di- caso das viagens, por elas nós conhecemos arquivos e
versas11, que transformaram a produção do protago- bibliotecas, diversificamos a bibliografia, saímos dos
nista estudado, as relações entre imagem e discurso, limites das histórias nacionais, comparamos, relativi-
estudando e identificando trajetórias ligadas aos con- zamos “certezas”, cruzamos histórias.
ceitos, teorias e condições de possibilidade práticas e
O pesquisador deve ser um andarilho fiel ao
localizadas da recepção e transformação das represen-
dever da exploração e da aventura, como escrevia Ja-
tações formais e discursivas. Muitas vezes tendo que
cques Le Goff. Ele não pode ficar cantonado no seu
lançar mão de enfoques interdisciplinares e quase
computador e na informação digital de segunda mão.
sempre de perspectivas de internacionalização, pois
Aliás, certa vez, alunos da pós-graduação Mackenzie,
uma pesquisa não se constrói isoladamente. Então,
apresentaram um seminário sobre o arquiteto fran-
“imagem, linguagem, viagem” foi a “tríplice aliança”
cês Donalt-Alfredo Agache, com base em textos da
pela qual muitas vezes pautei a formalização de meus
internet, e eu lhes perguntei: - Mas por quê vocês
temas.
não atravessaram a rua (a rua do Mackenzie ali é a
Sabemos que experiências de viagens são im- Itambé) e foram até a biblioteca da FAU Maranhão
portantes na formação do historiador e do arquiteto, para consultar os livros originais do Agache? São li-
voltadas para observação in loco de sítios urbanos, vros que circularam por ex. entre 1917 e 1930, que
de conjuntos e monumentos arquitetônicos. Trata-se são tão interessantes, belos álbuns, como é o caso do
do que os antropólogos chamam de observação par- que se refere ao Rio de Janeiro (– vejam as capas). A
ticipante, apoiada, logicamente, na informação que propósito, esses livros clássicos imprescindíveis para
a precede. O fato de “estar no lugar mesmo”, per- a História do Urbanismo eram da biblioteca pessoal
mite-nos a observação da morfologia, escala, traços de Luiz de Anhaia Mello, engenheiro-arquiteto pau-
da evolução e transformação de núcleos urbanos, do lista, objeto de minha pesquisa atual, que vou men-
território e da paisagem, além de certo conhecimento cionar daqui a pouco.
da sociedade. Evoco uma frase de Bernard Lepetit a
Para finalizar essa longa introdução, sobre o
respeito: “A cidade não escapa da História. Todos os
trabalho de pesquisa e seus desdobramentos, men-
passados estão presentes nela”. As Leituras das Cida-
ciono rapidamente a questão de curadorias de expo-
des, formas e tempos, que é o título de um dos livros
sições, que para nós, historiadores, e para arquitetos
de ensaios de outro mestre, Marcel Roncayolo (li-
estudiosos da cidade, é uma oportunidade de comu-
vro que farei circular na sala), constitui um exercício
nicar visualmente e pôr em prática a construção de
obrigatório do nosso ofício. Além disso, voltando ao
questões articuladas a obras e objetos diversos em
11 Refiro-me aqui aos temas que pautaram meu projeto quando foi escolhida por meio de um concurso
na França para ser professora titular da Chaire Brésilienne en Sciences Sociales Sergio Buarque de Holanda
(MSH-CRBC-EHESS), em 2004-2008. Cf meu Programa de seminários e pesquisas: “Image, langage,
diferentes níveis, que de outro modo não sairiam do
Voyage: représentations du Brésil. Acteurs, lectures, pratiques. Expériences de déplacement. Transferts de
modèles, appropriations, conventions visuelles – construction de représentations nationales et collections
âmbito acadêmico. O trabalho curatorial requer uma
photographiques” – questões presentes na minha linha de pesquisa nos últimos anos.

58 59
prática intelectual além daquela da pesquisa, levan- não sabia que Adalberto ia traze-los para mostrar
do-nos a divulgar para a comunidade científica e o para vocês ) – ou seja: “Cada uma das nossas publi-
grande público as nossas conclusões sobre um tema cações têm uma história...elas se prestam a uma de-
pesquisado, colocando-as, materialmente, em um finição de nos mesmos”)12. Assim, as escolhas pesso-
espaço comunitário estudado para recebê-las. Aos ais levaram-me aos enfoques metodológicos de uma
que saem de uma escola de Arquitetura, as exposi- História urbana sócio-cultural sobre trajetórias de
ções constituem mais uma fonte de trabalho futuro. atores sociais, levantamentos sobre a formação ins-
Senão do trabalho de curadoria científica para os que titucional deles, apropriação de ideários, transferên-
têm vocação de pesquisador (muitos arquitetos-pes- cia de “modelos” e representações - (modelos entre
quisadores se tornaram, também, grandes curado- aspas, porque é um termo complexo) - experiências
res), as exposições requerem trabalhos de cenografia, vividas de deslocamento e produção (viagens, texto,
de iluminação, de museografia, de fotografia – áreas projetos, fotografias, etc), que resultaram em biogra-
de atuação da formação de arquitetos – sem falar no fias intelectuais e em histórias que se cruzam.
design gráfico de composição de catálogos que se tor-
Os quatro registros escolhidos para tratar
nam obras de referência. Lembro-me de um curso
aqui inscritos em linhas da História Urbana são:
que eu dei sobre análise de exposições especialmente
voltadas para cidade e arquitetura, que envolviam 1. Representações urbanas e arquiteturais
todas essas atividades - da concepção científica, que francesas na construção de Belo Horizonte, de que
embasa a escolha do tema, à articulação das obras e já adiantei algumas questões: a pesquisa partiu de
sua montagem no espaço expositivo. (Como exem- traços das biografias intelectuais dos atores sociais
plo, eu trouxe um o pequeno guia da exposição de envolvidos na construção da Nova Capital, no final
Belo Horizonte. Na época, não conseguimos orça- do século 19, o engenheiro, o arquiteto, o mestre de
mento suficiente para fazer um grande catálogo, mas obras, contextualizando comparações, transferências
como a minha tese ia sair em livro em breve, escre- e transformações operadas nos ideários e formas ar-
vemos esse guia ligado diretamente à exposição - eu quiteturais de que eles se apropriaram; especialmen-
trouxe alguns exemplares para vocês. Já faz anos que te, mencionarei “os limites da comparação” de um
o produzimos, mas o tempo passa rápido quando a estudo de caso o Belo Horizonte em relação à refor-
gente trabalha sem parar, e penso que no texto há ma de Haussmann da Paris de meados do século 19.
posturas ainda válidas, e a Lista de obras é exemplar
de como se deve fazer uma associação de obras). 2. Em segundo lugar, eu vou mostrar algumas
imagens, das representações no campo da caricatura,
Bom, vamos passar agora aos nossos estudos inscritas no espaço social da cidade, ou seja, a apro-
de caso. (Essa frase projetada é de Gaston Bardet,
acompanhada da capa de alguns dos meus livros - 12 Frase de Gaston Bardet, em Le Nouvel Urbanisme, 1948.

60 61
priação que Manuel de Araújo Porto-Alegre faz em revisões interpretativas do Haussmannismo. Acho
“A Lanterna Mágica” (que circulou em folhetins no que todos vocês sabem: o Haussmannismo foi essa
Rio de Janeiro em 1844), de uma série de caricatu- intervenção para remodelação de Paris que se deu
ras do francês Honoré Daumier. Porto- Alegre viveu entre 1853 e 1870, pelo prefeito escolhido por Na-
em Paris naqueles anos em que circulavam essas ca- poleão III, o barão Haussmann. Então, entre essas
ricaturas, vivenciando, então, a eclosão da imprensa revisões que aconteciam naquele momento, muitas
ilustrada e depois, quando volta para o Brasil, bus- publicações foram fundamentais para construir os
ca retomar a crítica presente nas representações dos meus argumentos afinados com novas abordagens.
homens e das práticas urbanas, na vida do Rio de
O momento historiográfico nos sugeria
Janeiro daquele momento.
um estudo comparativo de modelos de referência,
Eu vou mencionar entre esta e a próxima pes- na linha de uma história sociocultural de apropria-
quisa, outro estudo de caso, muito rapidamente, a ções feitas por atores sociais envolvidos no processo.
guisa de transição: o trabalho sobre o geógrafo Pierre Quem eram esses atores? No caso, lembremos pri-
Monbeig, cujo livro coletivo que dirigi foi editado meiro do Engenheiro Aarão Reis, autor da planta
aqui em Bauru, como já ressaltou o colega Adalberto. de Belo Horizonte, cujo pensamento e ação foram
marcados pela formação recebida na Politécnica do
3. Em terceiro lugar estariam as séries foto-
Rio e por doutrinas do ideário urbano e arquitetural
gráficas do francês Marcel Gautherot, que retomam
em circulação em textos da época (os seus livros são
tendências da fotografia regionalista e da vanguarda
a maior fonte) que foram embasar suas concepções
modernista, vivenciadas por ele na França nos anos
para traçar a cidade que ele planejava. Em segundo
1920 e 1930, antes dele vir para o Brasil. Especial-
lugar, o arquiteto José de Magalhães, que passou um
mente eu vou mostrar o que interessa mais para vo-
período na Beaux-Arts de Paris, de que eu já adiantei
cês, imagens fotográficas da construção de Brasília.
uma série de dados - em que implicava o trabalho?
4. Finalmente trarei alguns dados da pesqui- Entender as modalidades de transferência de formas
sa atual sobre a biblioteca de Luiz de Anhaia Mello, dessa famosa escola e, consequentemente, a transfor-
na linha da história dos “pioneiros” do urbanismo mação dela segundo as condições locais (possibilida-
paulista. des de mão de obra, de materiais e tudo mais). Essa
metodologia engajava questões de geração intelectu-
* * * al, de inscrição dos atores em situações da micro-his-
1. Sobre o primeiro estudo de caso, já ob- tória, uma história localizada. Mas embora localiza-
servei que um trabalho ganha por estar inserido no da, aparentemente circunscrita, ela se inscrevia num
que está se produzindo no seu tempo, no sentido de contexto muito maior. Por isso é que se diz que a mi-
debates e textos em circulação. Entre esses textos, as cro história não é isolada, mas ela deve ganhar com
62 63
a análise mais ampla. No caso é o que chamamos de países tinham três, quatro, cinco, seis arquitetos que
contextualização. vinham estudar em Paris, os Estados Unidos tinham
mais de 200 alunos-arquitetos na Escola de Belas-Ar-
A fundação de Belo Horizonte é marcada por
tes. Recentemente saiu um novo livro a respeito,su-
documentos importantíssimos, e foi uma reflexão
gerindo que este é um tema da atualidade, Americans
pioneira no campo do urbanismo no Brasil. Eu fui
in Paris13, que vai justamente analisar a trajetória dos
cotejando textos fundadores inéditos com referências
arquitetos americanos que tanto construíram nos Es-
implícitas ao ideário saint-simoniano francês que
tados Unidos o famoso estilo Beaux-Arts no século
estavam citadas, explícitas ou implicitamente neles,
19, em grande escala, e sob um requinte construtivo
por exemplo em torno de ideais de racionalidade, or-
e material, que outros países não propiciaram.
ganização de uma cidade, equipamentos necessários,
medidas higienistas a tomar, nutridos por Aarão Reis, Falava-se muito naquela época de compara-
e explícitos em sua planta. Tratava-se de inscrever es- ções, hoje é um termo que merece reservas. Por que?
sas questões numa historiografia geral do urbanismo No fundo, não difere muito do que chamamos de
que estava acontecendo em vários outros locais. “transferências”, de “histórias cruzadas”, mas, sabe-se
hoje, que toda vez que se faz uma comparação, sem-
Em segundo lugar, em relação ao arquiteto
pre se descarta a noção de “influência”. Nesse aspec-
observei, então, a irradiação do sistema Beaux-Arts
to, eu me permito aqui, a remissão a um prefácio que
de Arquitetura e o cosmopolitismo do ecletismo que
escrevi para a edição brasileira do livro de Michael
marcou a segunda metade do século 19, não só nos
Baxandall, Padrões de Intenção: a explicação histórica
projetos da capital, mas levantando vários outros
dos quadros, editado pela Companhia das Letras em
exemplos e debates entre os profissionais da arqui-
2006. Já que a noção de “influência”, hoje tão desa-
tetura urbana mundial. E destaquei, finalmente, na
creditada cientificamente, ainda persiste aqui e acolá
terceira parte do trabalho, o papel da mão de obra
em algumas teses de áreas do conhecimento que nós
imigrante, especialmente dos italianos, na feição da
convivemos, na história da arte, arquitetura, pensa-
cidade, na arquitetura civil. A escolha desses enfo-
mento urbanístico, convém lembrar sua improprie-
ques se inscreveu numa determinada conjuntura
dade.
intelectual. Como eu já expliquei para vocês, que
não poderia ser melhor, na Paris dos anos 1980-90, Em seguida ao artigo da Revue de l’Art, escrevi
em torno de leituras em circulação de historiadores um artigo, que foi publicado na revista da USP, em
anglo-saxões que estudavam o sistema Beaux-Arts. 1995, relativo aos limites da comparação no Brasil:
Foram eles, talvez, os primeiros a chamar atenção
para uma análise do ecletismo e dos ensinamentos da 13 Jean-Paul Carlhian e Margot M. Elis, Americans in Paris. Foundations of America’s Architectural Gilded
Age. Architecture Students at the Ecole des Beaux-Arts 1846-1946, New York, Rizzolli, 2014. Seus anteces-
Escola de Belas-Artes – isso porque, enquanto outros sores merecem ser lembrados: desde o clássico organizado por Arthur Drexler, por ocasião da exposição
do MoMa em 1975, aos livros que se seguiram de autores especialistas no estudo do sistema Beaux-Arts,
entre eles, D. Van Zanten, R. Middleton, N. Levine, R. Chafee, D. Egbert.

64 65
“Revisando Haussmann, ou os limites da compa- gidez analítica de “se ter um ponto de partida e um
ração. A cidade, a arquitetura e os espaços verdes. ponto de chegada”. Os historiadores passam, então,
O caso de Belo Horizonte” - era então, pertinente, a privilegiar a história cruzada e não apenas compara-
tomar uma posição diante das evocações frequen- ções e transferências, pois os cruzamentos encerram
tes a Haussmann nas publicações brasileiras, sem as acepções relacional, interativa e processual, pre-
o devido aprofundamento e ignorando as posturas vendo uma multiplicidade de aspectos que se trans-
revisionistas da historiografia recente. Então, escrevi formam e supondo temporalidades distanciadas:
explicando as diferenças históricas e estruturais das tudo a ser devidamente articulado pelo pesquisador.
duas situações urbanas e dos horizontes pragmáticos
em que evoluíram.
O Haussmannismo correspondia exatamente
naquele momento, à evolução da história de Paris.
O que quer dizer que toda transformação urbana
carrega dentro de si, a lógica de suas próprias condi-
ções de possibilidade (jargão da história cultural, que
não perdeu a atualidade). Daí os limites da apropria-
ção, que só pode ser parcial, pois o modelo urbano
é inseparável das culturas profissionais de todo um
conjunto de noções e de escolhas engendradas nelas.
Daí a escolha de níveis pertinentes de comparação e As comparações com o haussmannismo são,
compreensão das particularidades. Neste raciocínio porém, pertinentes em vários pontos, no caso de
a chamada universalidade da haussmannização é, de Belo Horizonte, por exemplo, em relação a sistemá-
fato, um equívoco, pois o modelo fora de Paris não tica hierárquica buscada por Aarão Reis na organiza-
se sustenta. ção da Comissão Construtora da Nova Capital. As
seções e subseções em que a competência técnica dos
Os problemas, então, da transferência de
engenheiros deveria predominar (isso segue o pen-
questões urbanas decorrem dos diferentes quadros
samento saint-simoniano que marcou a gestão de
de referência das sociedades que os recebem, e do
Haussmann). A construção da cidade devia ser uma
fato das categorias de análise pertencerem a registros
ciência autônoma a ser delegada um grupo de experts,
nacionais diferentes, pressupondo, automaticamen-
sem ingerência política. É indiscutível a preocupa-
te, os “desvios”, ou melhor, a aculturação do modelo
ção de Aarão Reis e dos engenheiros politécnicos que
que engendra dinâmicas específicas e escapa da ri-
trabalharam com ele, ainda que por curto tempo, em
criar uma cidade que tinha infraestrutura completa,
66 67
arborização sistemática, e um grande parque público tempo14. O livro que cito reafirma as dimensões da
(que foi sendo paulatinamente mutilado), um zone- obra haussmanniana diante de atitudes depreciativas
amento precoce, higiene, aeração e com um traçado e estereótipos redutores que se perpetuaram na histo-
que permitisse uma futura circulação fluida nas lar- riografia com base em críticas de cunho ideológico. A
gas avenidas. tomada de consciência da dimensão histórica de um
estudo de caso (na questão de uma intervenção como
Outro aspecto interessante que aproxima Reis
foi a haussmanniana) faz parte da atenção do pesqui-
de Haussmann é que ele também se serve da fotogra-
sador à historicidade do objeto da pesquisa, como
fia. Ele vai criar um Gabinete Fotográfico da Comis-
observaram Werner e Zimmerman, na reflexão sobre
são Construtora, tanto para salvaguardar a memória
histórias cruzadas.
do arraial do Curral del Rei, que devia desaparecer,
quanto para difundir os projetos em elaboração, para Da sala de leitura de uma biblioteca ou prati-
a nova cidade. São gestos típicos dos administrado- cando a deambulação no tempo e no espaço da capi-
res urbanos do século 19: usar a fotografia como tal do século 19, eu me reconheço no envolvimento
documento e propaganda das obras públicas. Haus- experimental que esses autores vão descrever, mais
smann, dentre eles, quando solicita a Charles Mar- tarde, de ida e volta do pesquisador ao seu objeto, ao
ville a campanha fotográfica para documentar Paris observar a cidade. Pois além da desconstrução do sis-
em três tempos: a partes da cidade em demolição, a tema da Escola de Beaux Arts que o arquiteto de BH
cidade que estava sendo construída, e as novas cons- frequentou me permitindo conhecer sua arquitetura
truções surgindo. A fotografia documental registra como uma variante possível deste sistema, cruzei e
esses três tempos (na exposição mencionada, sobre entrecruzei modelos que circulavam e monumentos
“Belo Horizonte: o nascimento de uma capital”, eu que se destacavam na Paris vivida por ele - no caso,
trouxe inúmeros originais de Charles Marville, que, estava sendo inaugurada a Ópera Garnier que ele vai
na época despertaram pouca curiosidade...). A reter retomar (guardadas as devidas proporções...) no par-
que a consciência patrimonial possível naquele mo- tido do Palácio da Liberdade em Belo Horizonte. A
mento é o registro fotográfico. Não podemos cobrar vivência cotidiana, então, da arquitetura, ela se torna
do passado de ter feito demolições. Não se tinha ain- um meio cognitivo, uma experiência informal para
da, repito, uma consciência patrimonial. O fato de que se faça a retrospectiva do olhar de Magalhães ca-
se fazer o registro imagético documental, já era um minhando pelos bulevares parisienses, olhando a ar-
gesto de memória. Françoise Choay destaca que toda quitetura, desenhando, observando, assim, uma série
a obra parisiense de Haussmann ilustra essa dialéti- de elementos presentes nessa arquitetura – forma-se
ca: conservação/demolição/inovação, que caracteriza assim, uma espécie de stock de memória de rua trans-
uma cultura urbana e sua inscrição no espaço e no
14 Françoise Choay e Vincent Sainte Marie Gauthier, Haussmann, conservateur de Paris, Arles, Actes
Sud, 2013

68 69
ferido e transformado em seus projetos anos depois de séries ligadas ao Palácio da Justiça, mostradas nas
na arquitetura de BH. Embora a análise de Werner imagens do power point).
e Zimmermann ainda não tivesse sido escrita, livros O espaço de compreensão criado pela pesqui-
como o de Michel de Certeau, L’invention du quoti- sa, não existe a priori. Ele se constitui de forma di-
dien, com o célebre capítulo “Marches dans la ville”, nâmica nessas relações documentais e visuais que vão
(deve ser “Caminhando pela Cidade”, em portu- se cruzando na escrita do pesquisador. Mesmo que se
guês), já faziam parte da nossa bibliografia. Eu penso volte para um fato passado, a História é dinâmica e
que os historiadores do urbano têm muito a ganhar uma época pode entender diferentemente um docu-
com esse tipo de exercício. Na observação da cidade, mento ou indícios que restaram, pois a história con-
percebia detalhes da arquitetura para reconhecer que tinua a ser feita nas releituras. Eu afirmo isso porque,
em Belo Horizonte se buscava construir uma varian- recentemente, depois de mais de mais de 20 anos de
te possível da arquitetura de Paris em alguns pontos. ter feito a pesquisa sobre a fundação de Belo Hori-
Então cruzei e entrecruzei modelos que circulavam, zonte, eu fui chamada a participar de um Congresso
e monumentos que se destacavam na Paris vivida por em Paris sobre “capitais fotografadas”. (Aceitei esse
ele. convite porque novos documentos ligados ao papel
No ar do tempo, também, em plena come- da fotografia nos trabalhos da construção da cidade
moração dos 200 anos da Revolução Francesa (1989) vieram à luz com a reorganização dos arquivos, pois
quando eu estava escrevendo minha tese, muitos não queria repetir o que já escrevera antes). Na época
historiadores estudavam as representações femini- em que fiz a tese, projetos, fotografias, documentos
nas da República e sua circulação internacional ao estavam jogados dentro de latas, sem classificação, no
longo do século 19. Tanto nos manuais, como aqui, museu histórico da cidade Então, a pesquisa foi uma
nas próprias esculturas no espaço urbano, como as “garimpagem possível” - hoje, os arquivos estão em
imagens da Estátua da Liberdade (sabe-se que ela foi outro nível, organizados, o que facilita muito o tra-
um presente dos franceses aos Estados Unidos, obra balho e nos leva a localizar novos documentos.
de Bartholdi e Eiffel), cujo busto foi visto por José Então há questões de ampla atualidade que
de Magalhães nos jardins da Exposição Universal de comecei a pensar nelas, como o caso da história da
Paris de 1878, e que ele vai retomar a postura hierá- imigração. Esse tema se torna cada vez mais funda-
tica e os atributos, como a coroa raiada, em 1895 no mental nos estudos de História Urbana, hoje. (Aqui,
desenho do busto que está no frontão do Palácio da esse cartão postal está mostrando uma hospedaria
Liberdade, em Belo Horizonte. Além desses, outros gratuita para os imigrantes em BH). Nós que esta-
exemplos desta vivência parisiense se evidenciam, mos vivendo momentos tão pesados pelas imagens
como o “recorte” analítico de parte de edifícios então que nos são veiculadas da imigração em massa na
vistos por ele, presentes em seus projetos (exemplos
70 71
Europa e no Oriente Médio todos os dias, sabemos trajetórias visam mostrar possibilidades de démar-
que esse é um capítulo antigo, mas incontornável na ches relacionais, nessa pesquisa que desenvolvi sobre
História Urbana. Os estrangeiros estiveram presen- mecanismos da apropriação no século 19, A Comédia
tes em Belo Horizonte desde o começo das obras, Urbana: de Daumier a Porto-Alegre, trato de compa-
em todos os campos de atividade de uma sociedade rações no âmbito da caricatura, que mostram prá-
citadina em pleno crescimento recém-saída da escra- ticas sócio-culturais no espaço urbano. Manuel de
vidão. Os italianos eram, não só fotógrafos, desenhis- Araujo Porto-Alegre está em Paris em 1831 (ele vai
tas, arquitetos, construtores, como ocupavam outras com seu mestre Debret), e lá vivencia esse universo
profissões urbanas demonstrando que a cidade é uma da imprensa ilustrada, que difunde caricaturas que
categoria das práticas sociais - célebre frase de Marcel retratam o comportamento dos homens em lugares
Roncayolo que Bernard Lepetit gostava de retomar15. da cidade, como os teatros de boulevard, a bolsa de
Os imigrantes contribuíram para remodelar o espa- valores, os tribunais... E essas caricaturas presentes
ço urbano da capital como é o caso, por exemplo, nas sátiras políticas e sociais moralizantes de Dau-
de Luiz Olivieri, que foi o foco da terceira parte da mier, representam, ironicamente, profissões - os
tese sobre Belo Horizonte, relativa aos mestres de charlatães e os políticos (que no fundo são uma coisa
obras, especialmente italianos. Os modelos que se só...), os burgueses corruptos da Monarquia de Ju-
difundiram nesse manual (mostro o frontispício de lho, os problemas urbanos em geral - especialmen-
“O Arquiteto Moderno no Brasil”, que era então te na série que foi retomada por Manuel de Araújo
inédito - achei a primeira edição de 1911 na Esco- Porto-Alegre e seu discípulo no folhetim anônimo
la de Minas de Ouro Preto, e mais tarde a segunda, A Lanterna Mágica, que circulou no Rio de Janeiro,
de 1922, na biblioteca da Escola de Arquitetura da em 1844 – o modelo é a série de Daumier chama-
UFMG). Esses modelos se difundiram em outras ci- da Les Robert Macaire (Na França, quando você dizia
dades de Minas Gerais ao longo de anos, às vezes 10, no século 19, “aquele fulano é um Robert Macaire”,
20 anos depois. Por esse manual e a circulação dos queria dizer que é um ladrão...). As imagens das pro-
profissionais, uma arquitetura de imigrantes circulou fissões urbanas vividas por Robert Macaire e seu acó-
e padronizou a pequena arquitetura civil nas cidades, lito, circularam em estampas e também no jornal Le
no inicio do século XX (Aqui, casas do manual de Charivari, e eram extremamente populares na Paris
Olivieri, reproduzidas em Uberaba). de 1830, 1840. De volta ao Brasil, Porto-Alegre vai
transferir esse referencial transformando-o em uma
2. Vamos passar, ao nosso segundo estudo
sátira adaptada à vida urbana do Rio de Janeiro nas
de caso: às representações no campo da caricatura,
páginas de A Lanterna Mágica, que, porém, não teve
inscritas no espaço urbano. Se estudos de casos de
a recepção que ele esperava e ficou esquecida num
15 Estudávamos este tema desde os anos 90 – ver entre a bibliografia da época, Donatella Calabi e Jacques
Bottin, com prefácio de Bernard Lepetit, Les étrangers dans la ville. Minorités et espace urbain du bas Moyen-
canto da nossa História... Achei um único exemplar
Âge à l’époque moderne. Paris, éditions de l’EHESS, 1999.

72 73
na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que mos- A cidade é um tema interdisciplinar, seria
trei na exposição da FAAP, em São Paulo, em 2003 até banal reafirmar isso, igualmente as imagens da
– suas imagens e significado se articularam a mais de cidade, que é o que esse livro - Figures de la Ville et
300 obras de museus franceses, caricaturas originais construction des savoir. Architecture, urbanisme, géogra-
e outras peças de instituições nacionais e estrangeiras. phie retrata (foi resultado de um coloque que eu par-
ticipei. Vejam imagens de cidades brasileiras na capa:
São Paulo e Belo Horizonte). Destaco a questão da
interdisciplinaridade, no caso, Arquitetura, Urbanis-
mo e Geografia. Assim, então, passei de uma His-
tória da Arte atenta a representações iconográficas
da sociedade urbana, que eu acabei de mencionar, a
representações em outros campos do conhecimento.
No caso, à história da geografia humana e cultural, e
à história da fotografia, no interesse por representa-
ções iconográficas do Brasil tema que me movia nos
anos 2000. Então, apresentei um projeto à Fapesp
para classificar os arquivos e estudar textos do fran-
Paris e Rio eram, obviamente, bem dife-
cês Pierre Monbeig, que viveu 11 anos no Brasil (de
rentes naqueles anos, como ainda hoje. Daumier e
1935 a 1946) e fundou a Geografia na USP – seu
Porto-Alegre também apresentam trajetórias bio-
acervo estava esquecido no IEB-USP há anos. Após
gráficas diversas, que porém, são passíveis de serem
este trabalho que levou 5 anos, com muitos desdo-
relacionadas sob vários pontos. São as escolhas e o
bramentos, inclusive internacionais, lancei-me na
conhecimento do pesquisador que apontam as con-
pesquisa sobre a fotografia de outro francês, Marcel
vergências. Ao construir esta relação eu procurei não
Gautherot, que em 1941 se instala no Brasil - duas
separar os níveis dos cruzamentos: a história da arte
questões das quais tratarei agora.
se integra na cultura urbana, na literatura, no teatro,
na propaganda, na litografia, na musica (o folhetim 3. Afinal, toda pesquisa histórica nasce do
apresenta partituras, que Ana Maria Kieffer gravou fim provisório de uma série de pesquisas sucessivas
para nós, na época em um CD, que faz parte do anteriores, não é? É como se os enfoques fossem le-
catálogo). As relações que estabeleci colocaram sob vando a outras pesquisas e mostrando as relações en-
outros ângulos as noções desgastadas da comparação tre elas - muitas vezes, a gente toma direções novas,
como “influência”, “cópia”, “originalidade”. Não é conscientemente ou por oportunidades de trabalho
sob esses conceitos que se entendem gestos de apro- que surgem. Assim foi que organizei os arquivos do
priação como este. geógrafo Pierre Monbeig, manuscritos e documentos
74 75
pessoais de toda ordem (eu trouxe mesmo cópias de de história urbana e territorial do interior de São
fotografias dele, dos arquivos parisienses, fotos que Paulo, da capital, obras como o Aterro do Flamen-
ele fez durantes anos percorrendo o país, associando- go, a construção de Brasília, e depois a penetração
-as aos seus textos e aulas, e as articulei em uma Base da Amazônia, nos anos 197017 (Essas imagens foram
de dados, financiada pela Fapesp (ver explicação a mostradas na palestra).
respeito no livro que organizei, publicado na Edusc,
E como desdobramento desta pesquisa, que-
a que já nos referimos).
ro destacar o projeto que considero muito interes-
E Pierre Monbeig, como vocês já devem ter sante, que foram os seminários que nós levamos às
estudado, nos interessa de perto porque ele foi orien- universidades do Oeste Paulista e Norte do Paraná:
tador das primeiras monografias urbanas sobre cida- Marilia e Presidente Prudente (UNESP), e Marin-
des do Estado de São Paulo, e ele mesmo foi autor gá e Londrina, com os nossos bolsistas da Fapesp e
de um livro, a sua tese complementar, La Croissance o colega geógrafo Hervé Thery, que convidei, para
de la ville de São Paulo, “O crescimento da cidade despertar pesquisas sobre a história local e a leitura
de São Paulo”, em 1949. Os textos deste fundador de Monbeig, pois como já disse, naquele momento,
da geografia da USP, discípulo da Escola Francesa de em 2000 ninguém falava nele na Geografia da USP...
Geografia, tão famosa desde o começo do século 20,
Antes de concluir o projeto Monbeig, eu já
além de se associar à História, Economia, Sociologia,
estava interessada por séries iconográficas sobre as
Urbanismo e estudos do meio ambiente, destacam os
representações do Brasil – (lembremo-nos do acervo
homens como agentes de transformação do territó-
de fotografias de Pierre Monbeig que inseri na Base
rio, da paisagem e da cidade. Os temas de Monbeig,
de dados). No caso, mostro a efeito de transição para
fundadores de uma epistemologia e história da disci-
a coleção de Gautherot, uma série da Revista Brasi-
plina no Brasil, estavam esquecidos quando comecei
leira de Geografia, muito famosa na época, mostrada
a pesquisa sobre ele16, e só passaram a despertar inte-
em livros didáticos, que são Os Tipos e Aspectos do
resse recentemente (hoje há até uma Cadeira Pierre
Brasil. Identificando algumas relações fotográficas
Monbeig na Geografia da USP). Entre os desdobra-
passo ao terceiro estudo de caso que vou tratar aqui
mentos desta pesquisa destaco o acervo iconográfico
rapidamente: séries fotográficas de Marcel Gauthe-
com fotografias inéditas dele que consegui em Paris
rot. Não terei tempo de tratar dos “tipos e aspec-
– suas imagens são documentos preciosos de registro
tos” nas paisagens regionais, mas indico a leitura de
do nascimento e da dinâmica das cidades pioneiras,
meu artigo, em um dossiê que eu dirigi nos Anais
e de transformações de cidades brasileiras – registros
do Museu Paulista, com textos também de colegas
16 Ver Heliana Angotti-Salgueiro (org.) Pierre Monbeig e a geografia humana brasileira. A dinâmica da
transformação. Bauru, Edusc, 2006, com textos de Marcel Roncayolo, Marie-Claire Robic, Marie-Vic 17 Montei esta Base de Dados entre 2000 e 2005 com os bolsistas do Projeto Pierre Monbeig que co-
Ozouf Marignier, Didier Mendibil, Mauricio de Abreu, Paulo César Costa Gomes, Paulo César Garcez ordenei no IEB-USP, graças às bolsas da Fapesp – esta base articulava documentos textuais, fotografias e
Marins e Martine Droulers. Publiquei uma série de artigos sobre Pierre Monbeig, aqui e na França, anali- publicações de Pierre Monbeig - mas soube recentemente que ela foi desativada e depois, lamentavelmente
sando sob diversos aspectos sua produção, suas fotografias, seu papel no Brasil. se perdeu, não sendo mais acessivel no arquivo da instituição.

76 77
que convidei a refletir sobre a temática (online desde registro de monumentos coloniais como da arquite-
2005, para quem se interessar sobre essa questão)18; tura moderna brasileira. As fotografias de Gautherot
este dossiê que também mostra várias histórias cru- tiveram um papel fundamental na difusão interna-
zadas de como nós estudamos e relacionamos Marcel cional da arquitetura modernista, que passa a ser co-
Gautherot com a iconografia da Escola Francesa de nhecida graças aos periódicos da área que circularam
Geografia e com outros fotógrafos da sua geração no entre 1940 e 1960. Nós temos também livros como
entre-guerras que também registraram essas “repre- o do historiador americano Hitchcock, Latin Ameri-
sentações nacionais”. can Architecture since 1945, os de Papadaki sobre Oscar
Niemeyer, editados nos anos 1950, 1955, 1960, que
Passo diretamente à questão que nos interessa
passam a mostrar edifícios que vão se tornar ícones
mais de perto, a relação arquitetura moderna/foto-
da arquitetura moderna brasileira, como é o caso da
grafia, um dos temas do livro que eu fiz com cole-
Igreja da Pampulha, ou do prédio do Ministério da
gas pesquisadores19 (a antropóloga Lygia Segala, da
Educação e Saúde, depois chamado MEC – fotogra-
Universidade Federal Fluminense, e o pesquisador da
fias amplamente divulgadas nos periódicos - aqui nós
fotografia da Université de Lausanne, na Suíça, Olivier
temos a página de L’Architecture d’Aujourd’hui e outras
Lugon, que convidei para escrever um capítulo mui-
publicações que marcaram época, como Brazil Builds.
to importante sobre séries e sequências fotográficas).
O trabalho de pesquisa, da contextualização
E entre os desdobramentos desta pesquisa,
da formação de Gautherot em Paris, antes de vir para
refiro-me rapidamente a um capítulo que foi editado
o Brasil, ainda não havia sido feito – sobre sua for-
em livro na Suíça20, e ao estudo que fiz sobre a revista
mação, trajetória e estudo do seu acervo, comprado
“Módulo”, fundada por Oscar Niemeyer, on line nos
pelo IMS nos anos 90, quase nada se sabia – a va-
Anais do Museu Paulista21.
riedade de situações e relações em que o situamos
Marcel Gautherot chega ao Brasil 1941 e vai na documentação dos anos 30 em Paris, evidenciou
ser um dos responsáveis junto ao SPHAN tanto do que ele não se tornou fotógrafo no Brasil, mas que,
como todo jovem aspirante a artista de sua geração
18 Ver Heliana Angotti-Salgueiro, Apresentação do Dossiê: “Representações do Brasil: da viagem moder- ligava-se à vanguarda fotográfica e ao universo das
na às coleções fotográficas”, e autora do artigo no mesmo volume: ”A construção de representações na-
cionais: os desenhos de Percy Lau na RBG e outras ´visões iconográficas´ do Brasil moderno”. In Anais do
Museu Paulista, História e Cultura Material, v.13, n. 2, Jul.-Dez. 2005, 11-72. http://dx.doi.org/10.1590/
fotos documentais, que explicam suas escolhas figu-
S0101-47142005000200003 rativas de linguagem mais tarde no Brasil. Ele será o
19 Ver especialmente, Heliana Angotti-Salgueiro (org.), O Olho Fotografico. Marcel Gautherot e seu tempo.
São Paulo, Museu de Arte Brasileira/Fundaçao Armando Alvares Penteado, 2007. Catálogo de exposição fotógrafo que vai acompanhar Oscar Niemeyer desde
internacional homônima, realizada de outubro a dezembro de 2007, em São Paulo. (Colaboradores: Lygia
Segala e Olivier Lugon). o conjunto da Pampulha a Brasília, sendo um dos
20 Cf. Heliana Angotti-Salgueiro, “Brasilia, ville radieuse photogénique”, in K. Imesch (dir.), Utopie et
réalité de l´urbanisme au XXe siècle. La Chaux-de-Fonds, Chandigarh, Brasília. Infolio, Collection Archi- responsáveis pelo registro documental de epopeia da
graphy, 2014.
21 Heliana Angotti-Salgueiro, “Marcel Gautherot na revista Módulo - ensaios fotográficos, imagens do
Nova Capital. Gutherot frequentou a École Nationale
Brasil: entre a arquitetura e a cultura material e imaterial”, Anais do Museu Paulista, vol.22, n.1, São Paulo,
Jan-Junho 2014, (Printed version, pp.11-79). http://dx.doi.org/10.1590/0101-4714v22n1a02
des Arts Décoratifs de Paris em 1925, amava o mo-
78 79
dernismo e era leitor de Le Corbusier, e trabalhando passagem pelo construtivismo, vivenciada lá atrás,
como ensemblier-décorateur chegou a desenhar mó- na vanguarda europeia, nesses contatos das estrutu-
veis na linha de Charlotte Perriand22. ras dos edifícios em construção da nova capital, que
ninguém conhecia antes. Essas formas vão estar pre-
Sua obra vai guardar uma série de tendências sentes (a gente foi observando) também em outros
da história da fotografia do entreguerras, apesar da fotógrafos imigrantes – e em alguns fotógrafos ativos
ruptura que possa ter representado sua vinda para em São Paulo, como é o caso do arquiteto Libeskind
o Brasil definitivamente em 1941. No caso, em al- em São Paulo – aqui, na capa da Revista Mackenzie de
gumas fotografias feitas em Brasília ele vai retomar Engenharia (n. 126, 1955), nota-se o mesmo gesto, en-
a linguagem do construtivismo de fotógrafos como tão, próximo do construtivismo francês ou alemão,
Germaine Krull, e suas séries de contatos abstra- que era um dos temas da vanguarda: retratar os ope-
tos, como o da visão distorcida da Torre Eiffel. Os rários no canteiro de obras, e os aspectos tectônicos
contatos de Gautherot nessa linha (estudados por da materialidade da arquitetura.
nós e mostrados na exposição de que fui curadora
na FAAP em 2007) passavam despercebidos em seu Essas relações nos fazem pensar que a história
acervo no IMS, até então desprovido de pesquisas. de Gautherot vai se cruzar com muitas outras, ao se
As pranchas-contato dele são do maior interesse - ele estudar convenções de representação de uma gera-
recortava e ia criando uma narrativa, mesclando con- ção, uma das linhas de pesquisa que construí24. Mais
tatos figurativos e documentais, em que ia se aproxi- uma vez, a prática do métier do historiador nos levou
mando do edifício (das tomadas panorâmicas às de ao universo historiográfico de reflexões em franca
aproximação, isolando detalhes ou close ups de lin- ebulição: os estudos da história da fotografia a partir
guagem mais vanguardista, por exemplo, na linha da de 2004 (quando eu e Lygia Segala ganhamos a bolsa
Nova Objetividade23). da Paul Getty), assim como havia sido o momento
de reflexão sobre o haussmannismo e o ecletismo nos
Passo rapidamente sobre sua trajetória (foi anos 1980-90. O encadeamento de temáticas apa-
fotógrafo do Sphan, do barroco mineiro, dos ícones rentemente imprevisíveis quando a gente começa a
do modernismo, dado nosso tempo, que vai se esgo- estudar um tema, assume uma lógica evidente, coe-
tando) – Gautherot poderia ser objeto de várias aulas rente com minha própria trajetória de pensamento e
considerando suas tomadas urbanas, inclusive de São curiosidade intelectual. A pesquisa histórica, obser-
Paulo, tão vasto é seu acervo - mostro apenas essa vava Bernard Lepetit, deve ser retomada a cada vez
22 Detalhes e dados da pesquisa estão em Heliana Angotti-Salgueiro (org.) O olho fotográfico. Marcel
Gautherot e seu tempo, op. cit. (Com versão em inglês incluída). Tenho uma pesquisa que pretendo concluir
a efeito de um livro sobre Gautherot e Niemeyer).

23 Ver especialmente as análises de nossa parceira de pesquisa, Lygia Segala, a respeito da coleção, edição
e arquivamento do material fotografado, no dossiê dos Anais do Museu Paulista, vol. 13, n 2, jul.-dez. 24 Heliana Angotti-Salgueiro, “Pierre Verger e Marcel Gautherot, da França ao Brasil: experiências cruza-
2005, e no catálogo acima citado. das e convenções de representação”, in Leila Perrone-Moysés, Cinco Séculos de Presença Francesa no Brasil,
São Paulo, Edusp, 2013.

80 81
sob novas bases25. de São Paulo, onde sempre enfatizou a dimensão
urbanística da profissão do engenheiro. Na contra-
4. Seguindo essa linha metodológica trilhei
mão da maioria de seus pares, achava que era preciso
as citadas áreas de pesquisa coerentes com minha
frear o crescimento desmesurado da cidade de São
formação interdisciplinar, na complementaridade da
Paulo e planejar a organização de seu espaço regio-
história com a arte urbana, a geografia, a cidade, a
nal. Ocupou ainda que por pouco tempo, alguns
arquitetura, e hoje, de volta aos atores do urbanis-
cargos políticos, como o de vereador e o de prefeito
mo e aos seus ideários, busco entender a apropriação
por seis meses, nos anos 1920 e 1930, bem como
de leituras internacionais no estudo da biblioteca de
assumia posições dominantes nas esferas técnicas de
Luiz de Anhaia Mello. Vamos passar a esta questão
debates sobre leis e planejamento para reformulação
para terminar esta retrospectiva de estudos de caso
da cidade, ao longo dos anos 50. Fundador da FAU-
pesquisados.
-USP em 1948, onde foi também, professor, Anhaia
Considerando que uma das entradas de pes- Mello era, antes de tudo, um erudito conhecedor da
quisa em História Urbana, com a qual eu me iden- bibliografia internacional com uma produção teórica
tifico, é partir das trajetórias de atores sociais, o
enfoque principal da pesquisa atual é o estudo da bi-
blioteca de Luiz de Anhaia Mello, doada por ele em
1973 à FAU da rua Maranhão, em São Paulo. Esta
biblioteca pessoal é uma das fontes de seu pensamen-
to, formada por autores estrangeiros que ele convoca;
meu trabalho é cotejar as ideias sublinhadas por ele
em uma série de obras significativas do urbanismo e
do pensamento arquitetônico internacional, com o
que ele deixou escrito – artigos e livros de 1927 aos
anos 1960.
Para quem não conhece o personagem, trago e um engajamento pedagógico sem par, na busca de
alguns dados sobre quem foi Luiz Inácio Romeiro de soluções para os problemas que previa na evolução
Anhaia Mello (1891-1974). Engenheiro-arquiteto descontrolada da cidade e que a assolam ainda hoje.
pela Escola Politécnica, ele trabalhou junto às empre-
sas construtoras de Ramos de Azevedo, mas sua prin- Faz parte do estudo dos livros de sua bibliote-
cipal atividade foi a docência na mesma Politécnica ca, a observação das marginalias, os grifos do Anhaia
25 Ver Bernard Lepetit, “Arquitetura, Geografia, História: usos da escala”, in Heliana Angotti-Salgueiro
leitor, as datas de aquisição das obras, as genealogias
(org.) Bernard Lepetit. Por uma nova história urbana, São Paulo, Edusp, p. 225 (na primeira edição). dos autores. Como em toda pesquisa, depois que me
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foi “encomendado” o tema (– explico: o colega José pais do seu oficio de engenheiro-arquiteto e profes-
Geraldo Simões chamou-me no Mackenzie para de- sor: as áreas de história do urbanismo e planejamento
senvolver o estudo de Luiz de Anhaia Mello, confian- urbano, sociologia, economia, história da arquitetu-
do-me documentação que levantara há muitos anos ra, direito, educação, história da técnica, engenharia
e que não podia se ocupar dela – eram duas pastas sanitária, materiais, transportes, habitação e outros,
com seus artigos coletados especialmente nos perió- que explicitam sua erudição em campos conexos do
dicos da área), ao começar a leitura do material para que se chamava na época, “problemas urbanos”.
montar um projeto, busquei primeiro inteirar-me da
O cotejamento que venho fazendo de seus
historiografia existente. Vi que muitos haviam escri-
textos com livros clássicos lidos por ele, referências
to a seu respeito, por isso eu devia escolher uma abor-
de uma geração (entre elas os periódicos norte-ame-
dagem que pudesse trazer algo novo. Assim, observei
ricanos), afigura-se como uma contribuição nova à
na bibliografia desses trabalhos, que poucos eram os
história cultural urbana dos engenheiros e arquitetos
livros de sua biblioteca arrolados ou que estes não
dos anos 1920-1960. O fato da maioria dos textos
haviam sido consultados de forma aprofundada, ou
de Anhaia Mello terem sido publicados em peri-
sob o propósito específico do meu projeto em cons-
ódicos de instituições de classe, como o Boletim do
trução, ou seja, segundo a metodologia da história
Instituto de Engenharia, o Digesto Econômico, a Revista
cultural da leitura, que remonta a Roger Chartier,
Politécnica, indica a importância desse tipo de fonte
um dos meus ex-mestres na École des Hautes Etu-
na pesquisa em uma área pouco pródiga em docu-
des, que eu devia adaptar ao estudo de caso de um
mentos pessoais que é a história urbana brasileira. A
urbanista do século 20, escrevendo sobre problemas
imprensa profissional torna-se fonte primária essen-
urbanos de sua cidade, São Paulo.
cial ao longo do século XX para estudos críticos da
Anhaia Mello não deixou arquivo pessoal, história do urbanismo, da construção e dos debates
fato lamentável para nós historiadores; restavam-me sobre as obras de arquitetura, como eu já havia cons-
os textos que ele escreveu: seus artigos circunstanciais, tatado na pesquisa de inúmeros periódicos franceses,
muitos deles publicados em revistas, sobre temas da americanos, ingleses e italianos do século 19, quan-
atualidade urbana, programas de seus cursos, e três do da elaboração da minha tese de doutorado nos
livros que reuniam esses artigos, e..., claro, o acervo anos 90, na França. As revistas são fonte essencial
que compõe sua biblioteca (...lamentavelmente hoje para compreender a atualidade construtiva da cidade
fechada! durante mais de dois anos). Livros que ele ia brasileira, o debate entre os profissionais e os gestores
adquirindo em sua busca de atualização constante a urbanos, os modelos em circulação, a jurisprudên-
respeito do universo do urbanismo internacional, li- cia da construção, as informações sobre materiais e
dos ao longo de mais de 50 anos. Seus livros cobrem a evolução das técnicas no país. Periódicos permitem
variados campos do conhecimento além dos princi- não só entender as políticas editoriais e posturas de
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seus autores, como as representações que são veicu- em tantos clássicos do começo do século 20. Anhaia
ladas em um dado período, debates e polêmicas, e o se refere muitas vezes em seus textos, que era necessá-
que se difundia em termos de imagens. ria uma “censura estética” para melhorar a má arqui-
tetura urbana de São Paulo.
Como minha intenção é de fazer um livro
sobre Anhaia Mello, cuja estrutura se inscreva nos A questão das ruas (o item Streets, em Bar-
moldes metodológicos de uma biografia intelectual, tholomew) se destaca em suas falas, desde que ele foi
além do referido estudo das matrizes culturais ou vereador nos anos 20, defendendo um arruamento
atores-chave do seu pensamento em histórias que se controlado, pois os loteamentos clandestinos iam
cruzam, venho coletando a iconografia dos livros que surgindo sem planejamento e benfeitorias; Anhaia
circulavam no seu tempo, presentes em sua bibliote- Mello denuncia os proprietários que estavam lu-
ca, associando-as aos temas de suas reflexões sobre os crando com a expansão urbana, criando leis para que
problemas da cidade. pagassem “taxas de melhoria”, pois se beneficiavam
com os serviços a cargo da prefeitura. Conhece-se
Ele lança mão de referências norte-america-
todo um debate sobre isso.
nas e não só, e nesse cotejamento de textos decidi
também ressaltar suas temáticas a partir da iconogra- Ele se preocupava também com as questões
fia da época, visualizada por ele nas obras que con- de tráfego. Escreveu sobre a regulamentação dos
sultava. (Vocês sabem que eu gosto de trabalhar com transportes públicos no planejamento urbano, sobre
imagens, não é?) Assim, estou me familiarizando a questão da circulação, ressaltando, sempre, em seus
com as imagens vistas por Anhaia, pois elas encer- textos os números de pessoas mortas em acidentes,
ram o universo dos temas urbanos da época. Cole- especialmente crianças (ele perdeu um filho atropela-
tando iconografia em livros da biblioteca de Anhaia, do), comentando, então, dados de diagramas e esta-
as tomo como fio condutor, a exemplo de algumas tísticas da literatura norte-americana.
imagens do livro de Harland Bartholomew, The City
O zoneamento também foi um tema funda-
Plan of Memphis Tennesee. A Compreensive City Plan,
mental nos seus textos desde os anos 30 e ele cita,
1924, que retratam princípios do city planning, nos
muitas vezes, não só os americanos na matéria, na
anos 192026.
busca da organização do espaço da “cidade tenta-
A arte cívica é a primeira imagem - para ele, cular” (expressão do belga do final do século XIX,
não basta o city planning na composição urbana, mas Emile Verhaeren que expressa em versos e imagens
o desenho criativo da cidade, o civic design, tratado o temor da expansão urbana). A charge norte-ame-
ricana sobre o zoning, conhecida pelos historiadores
26 Essa linha de análise que venho aprofundando e algumas das imagens mostradas aqui, já es-
tavam presentes no meu primeiro trabalho sobre Anhaia Mello, apresentado no III Enanparq,
do urbanismo, incluída no livro de Anhaia Mello de
em 2014, « Pensamento e leituras de Luiz de Anhaia Mello – das propostas de arte urbana ao
planejamento de um urbanismo humanista », on line.
1929, Problemas de Urbanismo, era de folhetos sobre
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planejamento de cidades e de textos das reuniões dos arquitetura e engenharia. Contrastes e confrontos”,
homens ligados ao City Planning, que circulavam nos na revista Habitat, n. 38, janeiro de 1957. Anhaia
Estados Unidos27. sempre se manifestou contra a congestão urbana e
a explosão demográfica, defendendo o planejamento
Como Bartholomew, Anhaia Mello defendia
regional, não só municipal, fazendo, então, a crítica
também a criação de espaços públicos de lazer e de
da cidade tentacular e elogiando a cidade orgânica e
recreação ativa e organizada, parques esportivos, cida-
com crescimento controlado.
des jardim, unidade de vizinhança, núcleos descen-
tralizadores da densidade da capital para melhoria E nessa mesma revista Habitat em 1957, ob-
das condições de vida das populações urbanas se- servem o diálogo entre a imagem de São Paulo ver-
guindo, mais tarde, os princípios da Carta de Atenas. ticalizada e a Guernica de Picasso (uma das imagens
do ‘caos do mundo moderno’, que se anunciava em
1937, exposta na exposição de Paris). Assim, reco-
nheço Anhaia como um dos “precursores do “decres-
cimento”28. Nessa perspectiva, vê-se que ele estava
na contra-mão dos outros urbanistas paulistas (lem-
brar a conhecida polêmica com Prestes Maia, entre
eles). Nesse sentido, Anhaia apoia-se então em Lewis
Mumford, no sociólogo Robert Park, da Escola de
Chicago, e também em uma série de outros autores
dentro dessa linhagem, a de ser contra a cidade ten-
tacular, como Oswald Spengler, que era um arauto
do fatalismo histórico do “declínio das civilizações”,
A habitação salubre era considerada por ele
como reconheceu Pierre Lavedan.
como um dever e responsabilidade pública. Ele, que
em 1931, dirige o Primeiro Congresso da Habitação Anhaia foi leitor dos livros do CIAM: Can
do Brasil, defendia que este era um elemento funda- our cities survive? De Sert, em 1942, e The Heart of
mental do planejamento e do desenvolvimento urba- the City (1952), defendendo então a humanização da
no, denunciando as más condições das “favelas pau- vida urbana, em posturas que partilha com o Padre
listanas” que se seguiram aos cortiços, como é o caso Lebret, em São Paulo, nos anos 50. São tantas as co-
de uma das fotografias de seu artigo “Planejamento, nexões que se pode aprofundar com esses autores que
27 Sarah Feldman havia localizado a caricatura no capitulo de Francesco Dal Co e al., in: Giorgio Ciucci, se cruzam nos ideários de Anhaia Mello, e que mos-
La Ciudad Americana, Barcelona, Gustavo Gilli, 1975, conforme assinala em seu livro, Planejamento e Zone-
amento, São Paulo: 1947-1972. São Paulo, Edusp/Fapesp, 2005, p. 115. Dal Co a remete à campanha do
planejamento em Evansville, Indiana (que tinha à frente a firma de Harland Bartholomew e Associados).
tram que uma bibliografia urbana tem também a sua
Encontrei em 2018, em pesquisa nos Estados Unidos, em Harvard, o folheto original, mas também vi que
a imagem saiu em outras referências anteriores, uma delas inclusive, citada pelo próprio Anhaia Mello, ao 28 Thierry Paquot escreve sobre Lewis Mumford em coleção nessa linha na França, em livro de 2015.
tratar de questões do urbanismo à época.

88 89
história29. (Aqui uma imagem de contrastes da habi- as migrações, os estudos das minorias e a presença de
tação em seus livros: mais uma vez a verticalização estrangeiros na cidade que, porém, vinham de sécu-
se contrapõe à cidade jardim, e ele escreve na mar- los anteriores na história.
gem da página “barulho”, criticando os incômodos
das megalópoles na busca de uma vida comunitária,
mais amena, uma utópica cidade em escala humana).
Bom, eu espero que por esse traveling de ima-
gens vocês tenham percebido uma metodologia de
pesquisa cujos fios vão se conectando, nessas trajetó-
rias de atores, e nas representações que eles partilham
no espaço urbano.
Para finalizar, apenas mais dois parágrafos em
que comento algumas tendências do cenário episte-
mológico e historiográfico da História Urbana euro-
A gestão de equipamentos coletivos no espa-
peia de que me inteirei recentemente, quando eu fui
ço urbano e territorial se renova, pois a urbanização
escrever o prefácio da reedição do livro de Bernard
generalizada e a explosão das noções de espaço e tem-
Lepetit. Então, nas leituras que fiz para escrever esse
po instauraram um novo sentido da territorialidade,
prefácio, entre títulos publicados de 2001 para cá e
mas essa questão, embora em menores proporções, já
até os tomos recentes da Histoire de l’Europe urbaine
era percebida nos anos 30, quando se escrevia sobre a
(História da Europa urbana) e, também, do livro de
evolução e o crescimento das metrópoles. Resumin-
Marcel Roncayolo, Lectures des Villes (Leituras da Ci-
do, algumas tendências gerais: os estudos continu-
dade), entre tantos, vê-se que ainda persistem alguns
am se interessando pela história das representações
temas: a importância do estudo das lógicas indivi-
urbanas, a história cultural, as tensões entre histó-
duais de atores sociais, especialmente dos enfoques
ria e memória (questões patrimoniais), a cartografia
transnacionais da circulação dos mesmos, o estudo
evolutiva da cidade, a documentação transformada
de seus ideais, bem como do interesse pelas interven-
em imagens digitais - mais importantes na atuali-
ções nas cidades e as mudanças urbanas; a ecologia
dade dos estudos do que as questões econômicas e
ou a história ambiental se impõem, hoje, como ques-
sociais dos decênios anteriores. Interconexões de ní-
tões incontornáveis, bem como o multiculturalismo,
veis de análise do local ao internacional, que já esta-
vam presentes nos colóquios há mais de 20 anos, só
29 A cidade em pleno crescimento é tema de autores que são contemporâneos a Anhaia Mello, como
Pierre Monbeig, em La croissance de la ville de São Paulo; livro da biblioteca da FAU-USP, que tem a
assinatura de Anhaia Mello no frontispício - na época que eu trabalhei Monbeig não podia atentar para a
confirmam a evidência que não podemos nos fechar
importância desse detalhe. Hoje, são histórias de pesquisas que se cruzam... na escala local e nacional, nem ignorar as relações
90 91
passado/presente.
Termino citando uma frase de Marc Bloch:
“A incompreensão do presente nasce fatalmente da
ignorância do passado, mas não será menos útil de
mergulhar na compreensão do passado se nada sa-
bemos do presente”, para pensar a diversidade das
temporalidades e suas condições singulares a serem
cruzadas, bem como as histórias e situações urbanas
em que elas se dão. Mostro essa imagem da capa da
reedição de Bernard Lepetit, Por uma nova história ur-
bana, em que se pode perceber momentos diferentes
da cidade de Paris: no fundo os edifícios de La Défen-
se, em seguida os edifícios mais ou menos da época
haussmanniana, na escala do século 19 – fiz a foto do
prédio de Frank Gehry, a Fundação Louis Vuitton,
no Jardin de l’Acclimatation, em Paris.
Todo trabalho, embora se encerre em um
dado momento num ponto de chegada é também
um ponto de partida para outras “aventuras inte-
lectuais”. E as surpresas que experimentamos com
documentos de toda ordem que escolhemos e penei-
ramos para responderem a hipóteses que adquirem
sentido segundo questões do nosso próprio tempo,
iluminam nossos objetos de pesquisa, e nos trazem
sempre um grande prazer, especialmente se podemos
compartilhá-los com alunos e colegas.
Obrigada...

92 93
DEBATE
Pessoa 1:
Professora Heliana, eu queria muito agrade-
cer a sua presença aqui em Bauru. Os nossos estu-
dantes não têm essa oportunidade, ela é uma rara
oportunidade, assistir a uma exposição desse nível,
vamos dizer assim.

Heliana Salgueiro:
Ah, imagina, vocês tem ótimos professores
aqui.

Pessoa 1:
Não, não chegamos a tanto.

Heliana Salgueiro:
Não penso que seja isso, é que quando a gen-
te vem fazer uma palestra a gente articula muitas
questões - mas isso com esforço e dedicação, todo

94 95
pesquisador pode fazer. Pessoa 1:
Eu já ia falar o contrário: que eu, como faz
Pessoa 1: tempo que eu não frequento uma aula, sendo pro-
fessor, eu me senti agora, por um momento, assim,
Eu vou dizer que, pra quem não sabe, eu tive lembrando das aulas da PUC da professora e de vá-
aula com a Professora Heliana em um curso de pós- rios colegas que eu tive a sorte de frequentar... e que,
-graduação da PUC de Campinas nos anos 1995, realmente, eu espero que para os nossos estudantes
e eu fiquei até com “nostalgia” (que é uma palavra aqui, tenha sido uma oportunidade de abertura men-
muito italiana) das aulas que eu tive com a professora tal, porque eu acho que o estudo da História é pou-
ali. co valorizado aqui no Brasil. A gente não tem esse
enfoque muito forte, mas espero que vocês tenham
apreciado, porque o trabalho do historiador é impor-
tante em todos os campos, inclusive pra quem faz,
do ponto de vista prático, arquitetura, para quem faz
planejamento urbano, para quem estuda paisagismo,
enfim todos os campos. Eu agradeço em nome da
organização e quero abrir para as perguntas dos estu-
dantes e dos professores que estão aqui.
Porém, eu vou fazer uma “perguntinha” cap-
ciosa, em primeiro lugar: - Professora, a senhora acha
que é possível, realmente, sem uma experiência no
Heliana Salgueiro: exterior, como a senhora teve a oportunidade de
Muito obrigada. Aliás, eu gosto muito de dar ter, como eu e o Professor Adalberto, se é possível
aulas, embora eu tenha tido poucas oportunidades somente aqui em âmbito brasileiro, a gente ter um
de estar sempre dando aulas, e talvez seja por isso nível de pesquisa, uma escola de pesquisa tão estru-
que esse contato com o público hoje é tão impor- turada sem ter uma experiência fora do Brasil?
tante para mim, porque a gente passa a vida como
pesquisadora, enfurnada e, de repente..., vem um Heliana Salgueiro:
convite amável como este, que eu acho extremamen-
te estimulante... Esse contato que a gente tem com Eu acho que mudou um pouco o cenário
jovens, com estudantes, com colegas, me faz muita com essa facilidade, hoje, da internet, para quem
falta realmente. sabe procurar... o acesso a trabalhos, que, muitas ve-

96 97
zes, a gente era obrigada a atravessar fronteiras para vai procurar...), e muito esforço pessoal de leitura,
ir atrás deles. Eu acho que isso é tão magnífico! Eu chegar a algum lugar... É normal isso, eu também
mesma sinto tanta alegria, de encontrar aquele arti- não tinha... A gente não nasce sabendo. A gente pre-
go assim, na revista tal, do ano tal, entrando no site cisa ver muito, assistir, ouvir, olhar, viver as cidades, e
Gallica, aquele da Bibliothèque Nationale de France, repetidas vezes. Por isso que eu ressaltei essa questão
e em tantos outros, como o da biblioteca do Getty da observação da cidade. Porque, claro, é como você
Research Institute, na Paul Getty, em Los Angeles, Adalberto - que esteve em Veneza, desculpe-me, mas
onde eu estive há algum tempo... Eu “entro” na re- eu não me lembro, qual foi o objeto da sua tese?
vista que me interessa, em artigos do século 19, dos
primeiros anos do 20, e ali dentro da minha casa,
eu imprimo, eu vou rabiscar, eu vou ler. Quando eu Pessoa 1:
era estudante não tinha nada disso! Quer dizer, era É em história da Arquitetura, período Bar-
fundamental, imprescindível, obrigatório, você atra- roco.
vessar o Atlântico. Porém, eu acho que a experiência
de viagem de pesquisa, ela é sempre fundamental.
Passar pelas livrarias, ouvir algum seminário estimu- Heliana Salgueiro:
lante, mergulhar nas estantes de bibliotecas extraor- É, pois é. Se você não visse a escala de um
dinárias. Até há pouco tempo atrás, quando eu tinha monumento Barroco, ia ser um pouco difícil par-
oportunidade eu ia à Ecole des Hautes Etudes, para tir só dá imagem, não é? Então, às vezes, é essencial
assistir um seminário – mas hoje, acho que não é quando você já chegou a um determinado nível de
mais como naquela época, pois nós não temos mais, leitura, de saber por quê você vai olhar aquele mo-
por incrível que pareça, grandes seminários como na- numento e não outro... por que aquele responde às
quela época - o nível de lá também mudou... Aque- questões que o seu trabalho está colocando, por que
la plêiade de pessoas extremamente brilhantes, que essa experiência da visualidade real... sim, ela se im-
a gente teve oportunidade de conviver, não existe põe! Ela é realmente fundamental, mas até chegar lá,
mais. Eu acho que talvez estejamos passando por hoje, com tanta facilidade de leituras pela internet,
uma época de transição, também, não sei... Alguma de acesso a tudo isso, acesso até às referências para-
coisa está acontecendo, está mudando, vai mudar. lelas ao nosso objeto, e rapidamente - por exemplo,
Agora, voltando ao que você perguntou se é possível você viu um livro, e precisa situá-lo... Na minha épo-
sem essa experiência no exterior fazer uma obra de ca de estudante a gente precisava ter o livro na mão
peso? Pelo fato da mudança referida eu acho que o para olhar a data... Hoje, a gente escreve no Google:
pesquisador dedicado, com boa orientação (porque Can our cities survive? Refiro-me ao livro do Sert,
claro que um jovem não tem noção, nem do que ele do CIAM: então, que ano é? 1942. Pronto! Abre-se

98 99
logo um universo de leituras, uma série de outras re- longe, se não tivéssemos saído do país... a não ser que
ferências que circundam aquela obra, e que vão te o objeto de pesquisa não pedisse, por exemplo, essa
levar a formular todo um pensamento, um entendi- vivência em centros externos. Depende portanto do
mento, uma produção de conhecimento sobre aque- objeto de pesquisa.... Porém, confesso, que até hoje...
le momento, não é? Então, eu acho que nesse sentido nunca atravessei o Atlântico em vão...
é um pouco relativo o afastamento, talvez não seja
como na nossa época, a gente ia fazer doutorado por
vezes tão ingênuamente, não é? Pessoa 1:
Sim, obrigada, Professora.

Heliana Salgueiro:
E eu acho que as nossas instituições de pes-
quisa são até bem generosas, não é Adalberto? Porque
não é todo país que dá bolsas como o Brasil (ou dava,
pelo menos, agora cortaram muitas), mas davam
bastante oportunidade para as pessoas se aperfeiço-
arem, estudarem, se dedicarem. Não é todo mundo
que também ia para o exterior e fazia o que tem que
Hoje eu acho que no pós-doutorado é mais fazer... Eu me lembro de um brasileiro que passava
importante ir para o exterior, pois a pessoa já deve es- perto de mim na biblioteca da MSH e falava assim:
tar bem mais armada de leituras do que no doutora- “Ê, Angotti, você não levanta dessa cadeira, não é?” E
do. Assim, dependendo do tema, a viagem não é tão um dia eu respondi para ele assim “E você, não pára
essencial como foi para nós, mas depende do caso, sentado”! (risos)
do tema a estudar. Mas, com essa facilidade de acesso
às fontes, e com professores que, por sua vez, trazem Pessoa 1:
para vocês as informações e pistas, que na nossa épo-
ca eles não podiam trazer, a coisa mudou... Porque É, o “Ciência sem Fronteiras” é um pouco
na época, não tínhamos nem como reproduzir um o exemplo. Nem sempre o estudante aproveita 100
documento. Não sei se eu respondi sua pergunta, por cento do que ele poderia aproveitar... na minha
mas eu acho que, nesse sentido, é um pouco relativa época não existia o Ciência sem Fronteiras. Existia
aquela obrigatoriedade fundamental que foi o afasta- a gente pagar e ir. Então, hoje se eles já têm uma
mento para nós - não teríamos caminhado nunca tão oportunidade a mais, eu acho que compensa apro-

100 101
veitar e ir. prio Jean-Louis Cohen, que vai pra Veneza e começa
a trabalhar com Donatella Calabi, em algumas das
grandes pesquisas. Acho que alguns dos nossos pro-
Heliana Salgueiro: fessores em Veneza, como Donatella Calabi, vão pra
Há tanta coisa da História do Urbanismo França e estimulam esse intercâmbio. Você como se
e da Arquitetura brasileira a ser pesquisado, não é, coloca nisso? Porque você já é uma leitora de ima-
Adalberto? Tantos arquivos ai... gens. Sendo da quarta geração dos Annales. Como
se deu essa transição vista por alguém que estava lá
dentro?
Adalberto:
Eu tinha um débito com alunos e ex-alunos: Heliana Salgueiro:
que era trazê-la para falar sobre Belo Horizonte, e eu
insisti muito para que a profa. Heliana falasse sobre Muito bem, obrigada por você ter colocado
Belo Horizonte. Fiquei contente. essa questão... Eu acho que os Annales... nunca li-
garam muito para imagem, não. Até um certo mo-
mento, com raras exceções na Hautes Etudes, havia
Heliana Salgueiro: professores que mostravam imagens (dá muito tra-
Pois é, voltando a “antigos amores”, tão lon- balho...). Então acho que, nesse ponto, é uma coisa
gínquos, não é? quase que pessoal, sabe Adalberto? Porque quando
eu fiz o meu Mestrado, que eu nem mencionei aqui
(sobre um santeiro de Goiás, do século 19, Veiga Val-
Adalberto: le, que era o “Aleijadinho de Goiás”), eu já tinha essa
Agora uma questão quase muito pessoal. Em paixão pela imagem. Eu sempre gostei de trabalhar
uma entrevista do Jean-Louis Cohen ao Le Goff, ele com as imagens. Eu lembro que papai era médico
diz que a nova historiografia teria que se debater com e naquela época, os médicos recebiam dos laborató-
a leitura de imagens, o que você faz muito bem. Mas rios, imagens de propaganda de remédios com qua-
essa leitura de imagens que você coloca muito bem dros de grandes museus, fotos, etc.. Eu me lembro,
como fruto da transformação, num certo momento, colecionando aquelas coisas, porque naquela época
houve uma contaminação entre a Escola de Veneza não havia essa profusão de imagens que a gente tem
e os Annales, não é? Justamente que Veneza estava hoje, não é? Era difícil você ter tantas imagens à mão.
mostrando um conhecimento de leitura de imagens Eu acho que você ressaltou muito bem, que talvez a
que, até aquele momento, até aquela geração os An- Itália tenha trazido com seus pesquisadores o hábito
nales não tinham. E começaram a ter graças ao pró- do uso da imagem lá na França. Eu acho que, incons-

102 103
cientemente, eu estou muito mais próxima da Escola an-Louis no College de France ele começa abordan-
de Veneza. Foi bom você mencionar a questão, no do a questão de Veneza, da leitura dos arquivos. É
fundo sou uma historiadora da arte, não, claro, no outra coisa que eu queria colocar pegando um pouco
sentido formal, tradicional da formação, que sempre questão levantada pela Lilian, é sobre a descobertas
recusei. não previstas que a experiência do arquivo nos dá.
Que, às vezes, você pega coisas que a internet não dá
conta. Por exemplo, você mostrou que, pouco a pou-
Adalberto: co, a ida ao arquivo, ela te faz encontrar coisas que
E Donatella Calabi, como você a conheceu? até então você não imaginaria. Eu fui estudar o Vitor
Freire e encontrei 25 outros engenheiros do Brasil.
Então, isso talvez seja importante, e, queira ou não,
Heliana Salgueiro: a tua aula é uma aula de método... se tiver alguém da
Eu a conheci em Paris, nos seminários do Le- pós-graduação aqui, eu acho que é importante dizer
petit. Quando eu a trouxe ao Brasil a primeira vez, isso... O arquivo tem essa vantagem. Às vezes você se
em 1996, foi justamente porque nós tivemos uma esbarra em um livro que você não esperava encontrar.
afinidade eletiva imediata nessas questões. E a ma-
neira como ela dava aulas é mais ou menos como eu
dou, não é, Adalberto?

Adalberto:
Sim, por isso que eu estou perguntando, pois
na realidade esse momento já era um momento de
intercâmbio.

Heliana Salgueiro:
Heliana Salgueiro:
Eu acho que essa observação sua foi muito
válida. E nada como, por exemplo, nesse caso do
Anhaia Mello, que eu estou estudando agora, quan-
do eu pego esses livros que foram lidos, “rabiscados”,
Adalberto: anotados, grifados pelo Anhaia, e na mesma hora
Inclusive, há pouco tempo, numa aula de Je- eu pego o texto dele e percebo de onde ele tirou a

104 105
referência. Quer dizer, eu não tenho ali uma fonte Kelly:
primária. Não se pode dizer que o livro o seja. Mas
Olá, Professora Heliana, queria contar que
eu tenho um gesto dele estudando, não é? A leitura.
eu, assisti a uma fala sua em 2005 no Museu Paulis-
Estou fazendo um estudo que poderia ser chamado
ta, e ainda tenho algumas anotações daquele ano. Foi
de história da leitura em urbanismo. Não manuseio
muito bom voltar a essas anotações, inclusive. Além
um documento de fonte primária, porque ela não
da bibliografia toda mostrada, que a gente vai usar
existe, no caso dele, que não deixou um arquivo pes-
bastante. Bom, pra mim é sempre importante a gen-
soal. Mas ali, “aquele livro”, de repente, ele vai se tor-
te estar junto dos historiadores, sobretudo pela ques-
nar uma fonte primária para mim, porque eu estou
tão do rigor com o método, e eu tenho usado muito,
lendo o pensamento dele nos pensamentos desses
usei muito o Arquivo Público Mineiro, pois eles têm
autores que, afinal, são clássicos da História do Ur-
uma série de documentos digitalizados.
banismo ou da Arquitetura que nós já conhecíamos,
ou já sabíamos de antemão em qual escola eles se
inseriam, e fica muito mais claro, para nós, quando Heliana Salgueiro:
a gente se depara com aqueles livros todos e vai fa-
zendo essas ligações. Agora essa questão de arquivo, Pois é. Justamente.
arquivo é sempre fundamental.
Eu me lembro, no ano passado, quando eu Kelly:
fui a Belo Horizonte que vi os arquivos organizados, Muitos mapas do Estado de São Paulo, inclu-
eu disse: “Gente, mas que facilidade hoje para o pes- sive. Muito interessante. E muitas revistas francesas,
quisador”... na minha época, quando eu fazia a tese já consultei, baixei os arquivos. Acho que essa nova
sobre Belo Horizonte, vocês não podem nem imagi- era para o pesquisador em História tem sido mui-
nar o estado em que eu encontrei aqueles arquivos. to mais fácil, com certeza. Eu passei por uma fra-
Quer dizer, o pesquisador hoje, além dele ter con- se, uma citação, nos textos que eu baixei, então, do
sultado online que existem tais e tais documentos, Lucien Febvre. Ele diz assim: “O rio também tem a
muitos deles são reproduzidos, isso facilita muito a sua história”. E acho que um pouco nessa linha da
pesquisa. Agora, ele ir lá e ver a fotografia, em vez História ambiental, gostaria de saber se você tem al-
de ver essa fotografia na tela do computador, é outra guma sugestão, assim, nesse sentido, para localização
coisa! Eu acho que é incontornável o contato com o da bibliografia, sobre essa questão da historiografia
documento, mas o pesquisador tem que chegar in- diante das questões ligadas à História da Paisagem e
formado para saber olhar e ler o documento. à História Ambiental. Eu li o livro sobre o Reno, o
rio Reno...

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Heliana Salgueiro: associações clássicas. O próprio Roncayolo tem um
artigo muito interessante da complementaridade
Certo, é uma referência clássica, não é?
entre a História e a Geografia e o peso da Escola
Posso dizer que uma de minhas colegas no Francesa de Geografia, no começo do século, para
curso do Lepetit, fez uma tese em história urbana esses historiadores como Febvre, Bloch, etc., e hoje
sobre o rio Sena – seu nome é Isabelle Backouche, vem a História Ambiental... mas ele já falava nisso,
hoje ela é directeur d’études na EHESS, seu livro se não é? “O rio também tem a sua história” - naquela
intitula: La Trace du fleuve. La Seine et Paris (1750- época, isso foi uma grande novidade. Você sabe dis-
1850), publicado em 2000, na mesma coleção do so. Assim como, também, quando Braudel elege o
meu, La Casaque d’Arlequim. mar Mediterrâneo, La Méditérranée como o centro
dos estudos dele, isso também foi uma novidade. A
paisagem, ela não se impunha dessa forma, ainda,
Kelly: enquanto objeto de estudo.
Então um pouco nessa sua linha, assim, essa Hoje em dia tem muita gente estudando esses
frase pra mim tem um peso, “o rio também tem a sua temas, além dessa retrospectiva dos geógrafos, que é
história”, acho que o Lucien Febvre vai um pouco na fundamental, inclusive, de geógrafos da atualidade,
questão econômica, geográfica. que nós, quando fizemos o Congresso da Paisagem,
em 1999, nós trouxemos dois grandes especialistas,
Heliana Salgueiro: um deles ainda ativo, Augustin Berque. E, outro dia,
escrevi para François Walter (ele foi da nossa época
É porque é a formação dele. Como é que é lá na Ecole, ele frequentava os seminários do Lepe-
seu nome, mesmo? tit) e ele me disse que estava estudando, justamente,
questões de História Ambiental e eu vou te mandar
Kelly: a referência... depois você me passa seu e-mail, aliás,
para quem quiser o meu e-mail é: angotti@usp.br.
Kelly. (Eu ainda guardei o email da usp desde a época do
Pierre Monbeig, eu nunca quis mudar por causa de
Heliana Salgueiro: tantos contatos que já tinha - e eu não apago e-mail
-, e o e-mail da USP comporta imagens, por isso que
Kelly, na formação de Lucien Febvre, de eu mantive, pedi licença pra eles e também porque
Marc Bloch e da própria linha da Ecole dos Annales, eu sou pesquisadora do Instituto de Estudos Avan-
a partir de 1929 e tudo mais... o historiador nunca çados, do Grupo Brasil-França, que foi fundado pela
foi separado do geógrafo. História e Geografia eram professora Leyla Perrone, nos bons tempos. (Explico
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isso, para não ficar parecendo que eu fico usando o Heliana Salgueiro:
e-mail da USP “sem ser da USP”. De toda forma,
Ah, hoje em dia há muito pesquisador nessa
sou também colaboradora dos Anais do Museu Pau-
área, não é? É sempre bom se lembrar dos grandes
lista..., da Edusp...).
geógrafos e historiadores que faziam tão bem essa
Mas, então, eu acho que, nesse sentido, Kelly, complementaridade História/ Geografia. E os que fa-
é muito importante você estudar essas questões e sa- zem hoje a ligação Ecologia/ Urbanismo/ Território.
ber fazer essa retrospectiva delas na História e a par-
tir desses grandes mestres da Geo-história, porque ai
Kelly:
você, não só dá mais estofo teórico ao seu trabalho,
mas também, claro, vai usar uma bibliografia da atu- Eu acho que uma questão que é muito in-
alidade. Eu acho que nesse volume que eu mostrei teressante, para nós, os arquitetos, é que os objetos
quando falei das representações (Les figures paysagères falam, não é? A gente olha para um objeto e para
de la Nation... do François Walter), ele já anuncia a cidade a todo tempo.... todas as outras disciplinas
alguma coisa dessa linha, que ele está trabalhando que estão ali, também, voltadas para a questão do
agora. Ele é da Université de Genève, na Suíça e ele espaço da cidade e... Normalmente, para o historia-
estava envolvido com História Ambiental em 2016, dor é o documento que fala né? Que você extrai do
depois eu te passo o contato. É uma pessoa extrema- documento....
mente aberta.
Heliana Salgueiro:
Ah é, eu também acho que esse contato com
o objeto materializado, ainda mais a gente que traba-
lha sobre cidade... é claro, fundamental.

Kelly:
Essa é uma questão que está anotada, então.
Eu acho que para o historiador, também...

Kelly: Heliana Salgueiro:


Eu acho que eu consegui fazer uma atualiza- Sim, pois penso que o historiador que não
ção do tema com vários autores. sabe olhar imagem está perdendo um campo imen-
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so. Imenso! E há muita gente que não sabe, ou que professores no final dos anos 1980, e essa trilogia ti-
não valoriza isso não. Por incrível que pareça. Até na nha como titulo, Faire de l’Histoire. Foi traduzida em
École, foram poucos os professores da nossa época 1976, pela Francisco Alves. Em 1978, saiu na Fran-
que usavam imagens e que sabiam articulá-las tão ça, La Nouvelle Histoire, sob a direção de Le Goff,
bem quanto Jean-Louis Cohen, aliás, eu acho que eu Roger Chartier e Jacques Revel. Nesta havia um ver-
apreendi isso dele. Outro que faz bem isso, é o cole- bete “Ville”, de Daniel Roche, que não foi retomado,
ga Antoine Picon, sabe? Aquilo me agradava, saber dez anos depois, em 1988, quando saiu uma nova
mostrar imagens articuladas, e saber falar aos olhos edição por Le Goff, com uma seleção de artigos sobre
pelas imagens. Bom, no fundo eu sou historiadora de os conceitos-chave da nova história (longa-duraçao,
arte, como disse. Mas eu nunca quis ser historiadora estruturas, antropologia histórica, mentalidades, cul-
de arte canônica, porque eu tenho horror a historia- tura material, história cultural, imaginário...). Eu
dor de arte canônica. Não me agrada nem um pouco. acho que até hoje há tanta coisa interessante na nova
história ... E ela mudou muito a maneira de fazer
história. Os enfoques mudaram completamente. A
Pessoa 2: partir dos anos 1970 foi a grande revolução histo-
Quais são as características da História nova? riográfica.

Heliana Salgueiro:
Ah ela nem é mais nova, não é? Ela foi dos
anos 1970.

Pessoa 2:
Mas permanece circunscrita nesse título?

Heliana Salgueiro:
Se você colocar na internet: “Nova História”,
A Nouvelle histoire, a Nova História..., foi você vai ter um elenco de boas leituras. Explicar ago-
traduzida no Brasil pouco depois. Primeiro são os ra seria toda uma outra aula que a gente iria dar; mas
três volumes: Novos objetos, novos enfoques, novos entre esses novos objetos, o caso de Michel de Certe-
problemas. A edição francesa de 1974, foi dirigida au que mencionava a importância da deambulação,
por Jacques Le Goff e Pierre Nora, que foram meus um exemplo que eu usei aqui, de andar na cidade e
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olhar a cidade, importa para a história urbana; não em todas as fases, a história das ideias, ou melhor,
era assim, antes da Nova História, considerar isso um depois, a dos sistemas de representações. Houve crí-
exercício de pesquisa. E destaco também como dire- ticas, momentos, temas que emergiram, linhas diver-
ção no exercício da pesquisa, em Faire l’histoire, seu sas, enfoques que se modificaram (Ver, por ex. a edi-
capitulo essencial “L’opération historique”. ção em 2010 de Historiographies. Concepts et Debats,
2 vols). Os Annales, a Revue de Synthèse, Gêneses, e
tantas outras são referências imprescindíveis ... um
mundo, a discernir as diferentes linhas, claro. E para
a História urbana e seus caminhos, permito-me re-
comendar minha Apresentação à segunda edição dos
textos de Bernard Lepetit, Por uma nova História ur-
bana, Edusp, 2016. Isso para ficar só no referencial
historiográfico francês, mas claro há outros...escolhi
falar dele, pois foi minha formação principal... hoje
com o estudo sobre o Anhaia Mello, faço outros ca-
minhos...
A questão da cultura material, de objetos de
história do cotidiano, de história das mentalidades, Pessoa 2:
que depois até caiu em desuso (também estavam
presentes). Porque as mentalidades, elas anulavam, Obrigada.
muitas vezes, a questão do indivíduo - aí já foi uma
outra revolução, a valorizaçao do ator, mais tarde.
A micro-história, ela vem depois da Nova história,
com os italianos, já nos anos 80. Quer dizer, então
você tem toda uma questão de uma revolução his-
toriográfica daquele momento, mas depois ela foi
se afinando, claro, tomando outras vias. Aí seriam,
assim, infindáveis objetos que se tornaram “objetos”
que mereciam serem estudados como objetos de
História e que antes uma história tradicional não se
voltava para eles. A própria biografia intelectual mu-
dou completamente, especialmente depois dos anos
80. A interdisciplinaridade sempre foi fundamental
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(coord.). Paisagem e arte: a invenção da natureza,

SÍNTESE
BIBLIOGRÁFICA
a evolução do olhar. São Paulo : CBHA/CNPq/
FAPESP, 2000.
ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana
(Org.) Cidades capitais do século XIX. São Paulo:
Edusp, 2001;
ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana.
Bernard Lepetit: por uma nova história urbana.
São Paulo: Edusp, 2001, 2ª ed. 2016;
ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana.
A Comédia Urbana. De Daumier a Porto-Alegre.
São Paulo: Faap, 2003;
ANGOTTI-SALGUEIRO, Helia-
na (Org.) Pierre Monbeig e a geografia humana
brasileira - a dinâmica da transformação. Edusc -
Fapesp: Bauru, 2006;
ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana
(Ed. e Coord.). Marcel Gautherot e seu tempo.
O olho fotográfico. Museu de Arte Brasileira. São
Paulo, 2007.
ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana.
A Casaca do Arlequim. BH, uma capital eclética
do século XIX. São Paulo/Edusp, Belo Horizonte/
UFMG, 2019.
PRINCIPAIS OBRAS
ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana.
A Singularidade da obra de Veiga Valle. Goiânia:
Universidade Católica de Goiás, 1983. 502 p., il.
(reeditado em 1994);
ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana.
La casaque d’Arlequin. Belo Horizonte, une ca-
pitale éclectique au XIXe siècle. Paris, Éditions de
l’EHESS, 1997, 471 p.;
ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana.
Engenheiro Aarão Reis, o progresso como missão.
Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; Centro
de Estudos Históricos e Culturais, 1997. 288 pp.
ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana

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O conteúdo da Primeira Aula - História Urbana: Repensar
Histórias Cruzadas - Experiências de Pesquisa em Arquitetura e Urba-
nismo, ministrada pela Profª. Drª. Heliana Angotti-Salgueiro en-
contra-se disponível no site da TV Unesp: <http://www.tv.unesp.
br/edicao/1829>. A revisão do texto é responsabilidade do pales-
trante.

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