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Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 1

Organizadoras
Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro
Sandra Medina Benini

1ª Edição

ANAP
Tupã/SP
2022
2

EDITORA ANAP
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
www.editoraanap.org.br
editora@amigosdanatureza.org.br

Revisão Ortográfica - Smirna Cavalheiro

Ficha Catalográfica

AM512s Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar / Juliana


Heloisa Pinê Américo-Pinheiro, Sandra Medina Benini, (orgs). 1 ed. –
Tupã: ANAP, 2022.
118 p; il.; 14.8 x 21cm

Requisitos do Sistema: Adobe Acrobat Reader


ISBN 978-65-86753-68-4

1. Sociedade 2. Meio Ambiente 3. Gestão


I. Título.

CDD: 504
CDU: 504.03/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Ciência ambiental. Ambientologia
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 3

CONSELHO EDITORIAL

Diretoria Executiva da Editora

Profa. Dra. Sandra Medina Benini


Profa. Dra. Leonice Seolin Dias
Prof. Dr. Ricardo Miranda dos Santos
Prof. Ms. Allan Leon Casemiro da Silva

Comissão Científica - 2021 a 2024

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Prof. Dr. Alessandro dos Santos Pin – Unicerrado
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Prof. Dr. Alexandre Gonçalves – Centro Universitário IMEPAC
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Profa. Dra. Ana Paula Novais Pires Koga – UFCAT
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Profa. Dra. Eloisa Carvalho de Araujo – PPGAU/ EAU/UFF
4

Prof. Dr. Erich Kellner – UFSCar


Profa. Dra. Eva Faustino da Fonseca de Moura Barbosa – UEMS – Câmpus de Campo Grande
Prof. Dr. Fernando Sergio Okimoto – FCT- Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Flavia Rebelo Mochel – UFMA
Prof. Dr. Frederico Braida – UFJF
Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai – UFSCar
Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora vidrih Ferreira – UEMS
Prof. Dr. Gilivã Antonio Fridrich – UNC
Prof. Dr. Joao Adalberto Campato Jr – Universidade Brasil
Prof. Dr. João Candido André da Silva Neto – UFAM
Prof. Dr. João Carlos Nucci – UFPR
Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra – UFFS
Prof. Dr. José Mariano Caccia Gouveia – FCT- Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Josinês Barbosa Rabelo - Centro Universitário Tabosa de Almeida (ASCES -UNITA)
Profa. Dra. Jovanka Baracuhy Cavalcanti – UFPB
Profa. Dra. Juliana de Oliveira Vicentini – USP – Câmpus de Piracicaba
Profa. Dra. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro – UNESP e Universidade BRASIL
Profa. Dra. Karin Schwabe Meneguetti – UEM
Prof. Dr. Kleso Silva Franco Junior
Prof. Dra. Larissa Fernanda Vieira Martins
Prof. Dr. Leandro Gaffo – UFSB
Profa. Dra. Leda Correia Pedro Miyazaki – UFU
Profa. Dra. Leonice Domingos dos Santos Cintra Lima – Universidade Brasil
Profa. Dra. Ligiane Aparecida Florentino – UNIFENAS
Profa. Dra. Luciane Lobato Sobral – UEPA
Prof. Dr. Luiz Fernando Gouvea e Silva – UFJ - GO
Prof. Dr. Marcelo Campos – FCE/UNESP – Câmpus de Tupã
Prof. Dr. Marcelo Real Prado – UTFPR
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes
Prof. Dr. Marcos de Oliveira Valin Jr – IFMT – Câmpus de Cuiabá
Profa. Dra. Maria Angela Dias - FAU/UFRJ
Profa. Dra. Maria Augusta Justi Pisani – UPM - SP
Profa. Dra. Martha Priscila Bezerra Pereira – UFCG - PB
Profa. Dra. Nádia Vicência do Nascimento Martins – UEPA
Prof. Dr. Natalino Perovano Filho – UESB - BH
Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA
Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha – Professor – FCT/UNESP – Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Rachel Lopes Queiroz Chacur – UNIFESP
Profa. Dra. Renata Franceschet Goettems – UFFS
Profa. Dra. Renata Morandi Lóra
Profa. Dra. Renata Ribeiro de Araújo – FCT/UNESP – Câmpus de Presidente Prudente
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino – UFRGS
Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara – UFSCar
Profa. Dra. Rita Denize de Oliveira – UFPA
Prof. Dr. Rodrigo Barchi - Universidade Ibirapuera (UNIB)
Prof. Dr. Ronald Fernando Albuquerque Vasconcelos – UFPE
Profa. Dra. Roselene Maria Schneider – UFMT – Câmpus de Sinop
Profa. Dra. Rosío Fernández Baca Salcedo – UNESP – Câmpus de Bauru
Prof. Dr. Salvador Carpi Junior – UNICAMP
Profa. Dra. Sandra Mara Alves da Silva Neves – UNEMAT – Câmpus de Cáceres
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 5

Prof. Dr. Sérgio Luís de Carvalho – UNESP – Câmpus de Ilha Solteira


Profa. Dra. Thais Guarda Prado Avancini
Profa. Dra. Vera Lúcia Freitas Marinho – UEMS – Câmpus de Campo Grande
Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto – UNESP – Câmpus de Dracena
Prof. Dr. Wagner de Souza Rezende – UFG
Profa. Dra. Yanayne Benetti Barbosa
6

ORGANIZADORAS DA OBRA

Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro


Possui Graduação em Ciências Biológicas pela Faculdade de Engenharia (FEIS/UNESP) - Câmpus de
Ilha Solteira (2007), Mestrado em Engenharia Civil com ênfase em Recursos Hídricos e Tecnologias
Ambientais pela FEIS/UNESP (2010), Especialização em Gerenciament o Ambiental pela Escola
Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ/USP) – Câmpus de Piracicaba (2012), Doutorado
em Biologia Aquática pelo Centro de Aquicultura da UNESP – Câmpus de Jaboticabal (2015) e Pós-
doutorado pela FEIS/UNESP (2017). É Professora Assistente Doutora no Departamento de Ciência
Florestal, Solos e Ambiente da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA/UNESP) - Câmpus de
Botucatu, Pesquisadora e Professora Permanente do Mestrado Profissional em Ciências Ambientais
da Universidade Brasil. Atua também como Docente Permanente no Programa de Pós-Graduação
em Engenharia Civil da FEIS/UNESP. Pesquisadora na International Society of Engineering Science
and Technology (Inglaterra) e Consultora Internacional na Society for Green Environment (Índia).
Tem experiência na área de gestão de recursos hídricos, manejo de bacias hidrográficas, qualidade
de água e ecotoxicologia. Líder do grupo de pesquisa “Recursos Hídricos, Ecotoxicologia e
Tecnologias Ambientais” do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq).

Sandra Medina Benini


Possui Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UNIMAR (1995), Graduação em Direito pela
FADAP (2005), Graduação em Geografia pelo Claretiano (2014), Graduação em Pedagogia pelo
Claretiano (2021), Especialização em Administração Ambiental pela FACCAT (2005), Especialização
em Engenharia de Segurança do Trabalho pela UNILINS (2008), Especialização em Direito Público
com ênfase em Gestão Pública pela Faculdade IBMEC-SP (2019), Especialização em Prática de
Direito Administrativo Avançada pela Faculdade IBMEC-SP (2020), Especialização em Arquitetura
e Patrimônio pela Facuminas (2021), Mestrado em Geografia pela FCT/UNESP, Bolsista CNPq
(2009), Doutorado em Geografia pela FCT/UNESP (2015), Doutorado em Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, bolsista CAPES/Prosup (2016) e Pós-doutorado
Arquitetura e Urbanismo pela FAAC/UNESP, bolsista PNPD/Capes (2017). Tem experiência na área
de Arquitetura e Planejamento Urbano, Planejamento Ambiental e Direito Urbanístico, atuando
principalmente nos seguintes temas: planejamento e gestão urbana, áreas verdes públicas e
infraestrutura verde.
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 7

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................ 09
Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro

Capítulo 1 ......................................................................................... 13
GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL
Luiz Sergio Vanzela

Capítulo 2 ......................................................................................... 37
GESTÃO E PLANEJAMENTO DAS ÁGUAS URBANAS:
UMA VISÃO SISTÊMICA
Izes Regina de Oliveira

Capítulo 3 ......................................................................................... 63
O CONCEITO DE PATRIMÔNIO HÍDRICO APLICADO A
PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Salvador Carpi Junior

Capítulo 4 ....................................................................................... 85
VIDAS SECAS E RIOS SEM DISCURSO: UMA ABORDAGEM
SOCIOAMBIENTAL
João Adalberto Campato Jr.

Capítulo 5 ........................................................................................ 99
PATRIMÔNIO, TURISMO E CULTURA: O PAPEL DOS
CENTROS HISTÓRICOS NAS CIDADES
Alzilene Ferreira Da Silva

Capítulo 6 ........................................................................................ 107


O CAMPO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA PERSPECTIVA
CAMPESINISTA DO PARADIGMA DA QUESTÃO AGRÁRIA
Rodrigo Simão Camacho
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Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 9

APRESENTAÇÃO

Um dos grandes desafios da atualidade é a construção de uma


sociedade sustentável que seja capaz de manter o equilíbrio entre o
crescimento econômico e a conservação do meio ambiente. No entanto, é
possível perceber que as interfaces que permeiam as sociedades humanas e o
ambiente em que se encontram nem sempre são equilibradas e podem alterar
negativamente o meio natural. Assim, faz-se necessário discutir e propor ações
práticas de gestão e conscientização ambiental com viés interdisciplinar
inseridas no âmbito da sustentabilidade e minimização dos impactos no meio
ambiente.
O livro “Sociedade e Ambiente: Uma Abordagem Interdisciplinar” é
constituído por seis capítulos com olhares interdisciplinares de pesquisadores
de renomadas instituições brasileiras sobre as relações entre a sociedade e o
ambiente que incluem temáticas sobre gestão e planejamento, educação
ambiental, patrimônio, turismo e cultura.
No primeiro capítulo, intitulado “Gestão ambiental municipal”, o autor
Luiz Sergio Vanzela aborda a gestão ambiental com enfoque no
desenvolvimento socioeconômico dos munícipios atendendo o princípio da
sustentabilidade, geração de renda e qualidade de vida humana. Ao longo do
texto são discutidos exemplos de ações e/ou políticas ambie ntais de sucesso
que foram realizadas no município de Fernandópolis – SP, localizado no
Noroeste Paulista.
A autora do segundo capítulo “Gestão e planejamento das águas
urbanas: uma visão sistêmica”, Izes Regina de Oliveira, apresenta uma reflexão
sobre a gestão da água interconectada ao planejamento urbano, que se refere,
mais especificamente, a tratar a cidade com base ecossistêmica. Nesse
10

capítulo, destaca-se a necessidade de aumentar a biodiversidade, para mitigar


os impactos e enfrentar a mudança climática, na busca pela sustentabilidade.
O conceito de patrimônio hídrico aplicado a práticas de educação
ambiental é discutido e aprofundado, pelo autor Salvador Carpi Junior, no
terceiro capítulo que salienta o valor intrínseco da água como elemento da
natureza e indispensável à vida. Nesse capítulo, é apresentada a noção de
patrimônio hídrico trazendo implicações indispensáveis para a proteção da
água e para a valorização das manifestações culturais relacionadas a ela.
O quarto capítulo denominado “Vidas secas e rios sem discurso: uma
abordagem socioambiental” traz uma reflexão sobre dois textos literários que
ilustram diversas dimensões do meio ambiente e da educação ambiental. O
autor do capítulo, João Adalberto Campato Jr., oferece exemplos que
evidenciam que a literatura pode contribuir para a formação e para o
desenvolvimento de cidadãos conscientes, aptos a decidirem e atuarem na
realidade socioambiental, de modo emancipado, comprometido com a vida,
com o respeito à alteridade e com o bem-estar de cada um.
A importância do centro histórico e sua imbricação como temas
relevantes e atuais como o patrimônio e a cultura como meios de promoção
do desenvolvimento turístico e econômico das cidades é apresentada pela
autora Alzilene Ferreira Da Silva no quinto capítulo “Patrimônio, turismo e
cultura: o papel dos centros históricos nas cidades”.
Uma reflexão teórica sobre a importância de se entender o que é o
campo para a Educação do Campo com enfoque no debate sobre
territórios/territorialidades camponesas é explicitada no sexto capítulo “O
campo da educação do campo na perspectiva campesinista do paradigma da
questão agrária”. O autor do texto Rodrigo Simão Camacho enfatiza que não é
possível pensar a Educação do Campo sem o campo, com suas contradições,
conflitos, disputas territoriais, violência, expropriação e desigualdades.
Portanto, a proposta desse livro produzido pela Editora ANAP foi
oferecer uma discussão sobre as questões associadas à sociedade e o meio
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 11

ambiente com um olhar interdisciplinar permitindo socializar conhecimentos e


descobertas de diferentes áreas dos saberes.

Boa leitura!

Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro1

1
Graduação em Ciências Biológicas (2007) e Mestrado em Engenharia Civil na área de Recursos
Hídricos e Tecnologias Ambientais (2010) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho - UNESP, Especialização em Gerenciamento Ambiental (2012) pela Escola Superior de
Agricultura "Luiz de Queiroz" - USP, Doutorado em Biologia Aquática (2015) pelo Centro de
Aquicultura da UNESP e Pós-doutorado (2017) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho - UNESP. É Professora Assistente Doutora no Departamento de Ciência Florestal,
Solos e Ambiente da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA/UNESP) - Câmpus de Botucatu,
Pesquisadora e Professora Permanente do Mestrado Profissional em Ciências Ambientais da
Universidade Brasil.
12
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 13

Capítulo 1

GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL

Luiz Sergio Vanzela 2

INTRODUÇÃO

O Brasil possui uma área territorial de 8.510.345,538 km² que abrange


seis biomas (Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado, Pantanal e Pampa),
distribuídos em 26 Estados e de 5.568 Municípios (IBGE, 2021; MMA, 2021), o
que o torna um país de dimensões continentais e com uma abundância em
recursos naturais única.Se de um lado essa característica é favorável ao
desenvolvimento socioeconômico do país, também é fator de preocupação, já
que o uso desordenado dos recursos naturais e seus impactos podem
ocasionar o colapso ambiental e, por consequência, o socioeconômico. Assim,
é primordial que o uso dos recursos naturais seja ordenado e gerido de forma
sustentável, com alta eficiência e mínimos impactos ambientais e a sua
compensação, quando necessários.
Dentre as divisões territoriais oficiais da organização geopolítica
brasileira, as dos municípios são as que se conectam com mais proximidade
com o uso dos recursos naturais porque são nessas unidades territoriais que as
atividades humanas efetivamente ocorrem e impactam o ambiente. E por esse
motivo, embora a Federação e os Estados devam realizar um ordenamento
geral das atividades humanas e do consumo de recursos naturais, se torna cada
vez mais evidente que esse protagonismo deve ser assumido pelos municípios.
Considerando o exposto, neste capítulo aborda-se o tema da gestão
ambiental municipal, uma organização pela qual os municípios buscam seu

2
Doutor em Agronomia, Professor titular da Universidade Brasil/Campus de Fernandópolis – SP.
E-mail: luiz.vanzela@universidadebrasil.edu.br
14

desenvolvimento socioeconômico, gerando renda e qualidade de vida humana,


em harmonia com o ambiente, atendendo ao princípio da sustentabilidade.
Cabe ressaltar ainda que a forma de gestão ambiental municipal
apresentada foi formulada considerando as experiências do trabalho da
Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Fernandópolis-SP, localizada no
noroeste paulista. Ao longo do texto serão apresentados e discutidos exemplos
de ações e/ou políticas ambientais implementadas em Fernandópolis, bem
como uma forma de sistema organizacional, que obtiveram sucesso ao longo
de cinco anos.
Obviamente, a diversidade territorial, socioeconômica, ambiental e
cultural existente entre os municípios interfere na gestão ambiental municipal
e, por isso, algumas ações e/ou políticas ambientais aplicadas em
Fernandópolis podem não ser efetivas de uma forma geral.

AMBIENTE MUNICIPAL

O meio ambiente, ou simplesmente ambiente, é composto de um


complexo inter-relacionamento entre o espaço físico, com seus diversos
componentes, e os seres vivos, incluindo os seus comportamentos,
organizações, culturas e suas relações “intra” e “inter” espécies.
Um município é constituído de um espaço físico com delimitação
topográfica que só existe devido ao sistema organizacional dos seres humanos,
portanto, o uso do termo “ambiente municipal” tem como finalidade definir
um limite físico no ambiente, cujas relações entre os humanos e o ambiente é
de responsabilidade de uma gestão pública municipal. Para fora desse limite
físico, a responsabilidade é de outra gestão pública municipal, o que não
significa que esses ambientes estejam separados.
Dentro desses limites físicos, com exceção das grandes metrópoles
urbanas, pode-se distinguir dois ambientes, o urbano, constituído de um
adensamento de humanos, construções e pavimentos, e o rural, com grandes
extensões de áreas ocupadas por fauna e flora, exótica e nativa. No município
de Fernandópolis-SP, por exemplo, os limites municipais compreendem uma
área total de 549,797 km2 ou 54.979,70 ha (IBGE, 2021), das quais 4,77%
correspondem ao ambiente urbano (Figura 1).
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 15

Figura 1 – Município de Fernandópolis-SP e exemplos de ambientes urbanos e rurais

Fonte: Do Autor (2021).

No ambiente municipal há uma disponibilidade diversa de recursos


naturais, tais como solos, água, ar, minério, energia e biodiversidade. Por outro
lado, nesse ambiente os seres vivos utilizam esses recursos para o seu
desenvolvimento e, especialmente os seres humanos, são os que mais
impactam o uso desses recursos.
Os processos envolvidos no consumo dos recursos naturais para o
desenvolvimento humano resultam em impactos ambientais (Figura 2), dentre
os mais comuns para a maioria dos municípios, a geração de resíduos (sólidos,
líquidos e gasosos), alteração do ciclo hidrossedimentológico (escoamento
superficial e transporte de sedimentos), mudança no clima urbano (ilhas de
calor e inversão térmica) e aumento da intensidade e frequência de desastres
naturais.
16

Figura 2 – Consumo dos recursos naturais nas zonas urbanas e rurais e respectivos impactos
ambientais

Fonte: Elaborado pelo Autor (2021)3

É importante ressaltar que não há desenvolvimento municipal sem o


consumo de recursos naturais, mas é necessária a regulação da intensidade do
consumo para que não haja colapso em sua disponibilidade em quantidade e
qualidade e, neste contexto, a gestão pública municipal deve protagonizar sua
regulação pela gestão ambiental municipal.

GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL

A gestão ambiental foi originalmente desenvolvida como forma


sustentável de gerir as empresas, conforme definido por Tinoco e Kraemer
(2004), que é o sistema que inclui atividades de planejamento,
responsabilidades, processos e recursos para desenvolver, implementar,
atingir, analisar criticamente e manter a política ambiental. É o que a empresa

3 A partir de imagens próprias e de fotos obtidas de https://fernandopolis.sp.gov.br/,


http://www.alcoeste.com.br/, https://www.okumacitrus.com.br/ e de https://g1.globo.com/.
Acesso em: 01 out. 2021.
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 17

faz para minimizar ou eliminar os efeitos negativos provocados no ambiente


por suas atividades.
O mesmo conceito pode e deve ser aplicado à gestão municipal, porque
a estabilidade do desenvolvimento socioeconômico está diretamente
relacionada com o uso sustentável dos recursos naturais. Portanto, a gestão
ambiental municipal pode ser definida como um sistema de gestão que
planeja, elabora, executa e atualiza as políticas públicas com foco no uso
sustentável dos recursos naturais dentro de seus limites municipais, visando à
minimização dos impactos ambientais (Figura 3).
O objetivo principal das políticas públicas originadas de uma gestão
ambiental municipal é promover o desenvolvimento socioeconômico
municipal, mantendo o equilíbrio entre o consumo dos recursos naturais e seus
impactos resultantes.
Como a sustentabilidade envolve o tripé econômico, social e ambiental,
a efetividade das políticas de uma gestão ambiental municipal depende da
participação e envolvimento de todas as secretarias municipais e do chefe do
Poder Executivo, bem como do Poder Legislativo. Mas o protagonismo deve
ser da secretaria municipal de Meio Ambiente, departamento que tem a
competência técnica de identificar as necessidades e coordenar a elaboração
das políticas ambientais.

Figura 3 – Esquema explicativo da gestão ambiental municipal

Fonte: Do Autor (2021).

É evidente que os municípios podem ter diferenças em ecossistemas,


na cultura, economia e sociedade, o que resulta em demandas distintas de
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políticas públicas e do aporte financeiro para investimento em infraestrutura


física e humana para a gestão ambiental municipal. Entretanto, com base nas
experiências do município de Fernandópolis-SP, a gestão ambiental municipal
pode ser organizada e executada em quatro etapas: Planejamento, Execução,
Manutenção e Resultados. Cabe ressaltar, porém, que a conversão das
políticas ambientais em ações reais, que impactarão positivamente no
desenvolvimento sustentável, por vezes, transcendem anos ou décadas da sua
implementação.

ETAPAS DA GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL

Planejamento

Na gestão ambiental municipal é necessário elaborar planos de gestão


ambiental que são documentos técnicos que pe rmitem propor ações para
ordenar soluções para as questões ambientais diversas. Para isso, em uma
primeira fase, executa-se um diagnóstico ambiental do recurso natural
envolvido e/ou dos impactos ambientais resultantes (fase de diagnóstico),
permitindo identificar fragilidades e potencialidades. E, a partir do diagnóstico,
propõe-se ações de curto, médio e longo prazo para minimizar ou resolver as
fragilidades e favorecer as potencialidades diagnosticadas.
O importante na fase de diagnóstico é levantar os problemas reais e
atuais do município em relação a determinada temática de gerenciamento
ambiental, a partir de corpo técnico de profissionais da própria prefeitura
(Quadro 1).
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 19

Quadro 1 – Processos indispensáveis na fase do diagnóstico


Processo Descrição
São fundamentais para um diagnóstico preciso da situação
i. Levantamento e
atual dos recursos naturais e/ou impactos ambientais que se
monitoramento de dados
pretende gerenciar.
Os dados levantados, seja em uma primeira vez ou no
monitoramento, devem ser consolidados em banco de dados.
ii. Consolidar banco de dados
Isso permitirá avaliar os resultados de ações implementadas,
e manter atualizado
bem como avaliar a necessidade de introduzir novas ações ou
modificar as já em andamento.
Trata-se da forma de converter os dados levantados e
iii. Análise e interpretação de monitorados em problemas a serem solucionados
dados (diagnóstico), fundamentando as ações dos planos de gestão
ambiental.

A necessidade de detalhamento e complexidade dos dados a serem


levantados ou monitorados dependerá do nível de confiabilidade a ser
alcançada no diagnóstico e, por sua vez, na capacidade de recursos que o
município tem para investir no corpo técnico (qualidade e quantidade) e na
infraestrutura física (equipamentos e softwares) do departamento municipal
de meio ambiente. Cabe ressaltar que nem sempre é necessário um
diagnóstico complexo, que necessite de altos investimentos em infraestrutura
humana e física. Muitas vezes, um simples diagnóstico já poderá trazer
informações suficientes para definir problemas ambientais (exemplo: pode-se
estimar a geração de resíduos sólidos domiciliares em função da população em
vez de monitorar o peso dos resíduos gerados).
No Plano Municipal de Mata Atlântica de Fernandópolis- SP/PMMA
(FERNANDÓPOLIS, 2017a) foi realizado o levantamento da situação da
vegetação nativa por sensoriamento remoto em 2017 (Figura 4),
demonstrando a necessidade de restaurar um total de 6.539,84 ha, para
adequar ao Código Florestal Brasileiro (BRASIL, 2012).
20

Figura 4 – Áreas totais, preservadas e degradadas de vegetação nativa, localizadas nas áreas de
preservação permanente (APPs), em reserva legal e seu total no município de Fernandópolis em
1985 (a), em 2008 (b) e 2017 (c)

Obs.: A área de 20% do total municipal corresponde a 10.986,04 ha.


Fonte: Do Autor (2021).

O levantamento do número de árvores e da área de cobertura de copas


de árvores na zona urbana de Fernandópolis-SP foi realizado por
sensoriamento remoto e permitiu determinar uma quantidade total de 47.216
árvores e 166,53 ha de área de projeção de copa, além de outros dados que
fundamentaram as ações no Plano Municipal de Arborização Urbana/PMAU
(FERNANDÓPOLIS, 2017b) (Figura 5).
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 21

Figura 5 – Processo de digitalização de área de projeção de copas de árvores


e dos indivíduos arbóreos por sensoriamento remoto (a)
e todas as árvores digitalizadas (b)

Em 2018, foi atualizado o Plano Municipal de Gestão Integrada de


Resíduos Sólidos/PMGIRS (FERNANDÓPOLIS, 2019), sendo necessário, para
isso, o levantamento dos dados de todos os tipos de resíduos sólidos gerados
no município (Figura 6). Alguns dados foram levantados a partir de pesagem
compreendendo a sua totalidade, enquanto outros foram determinados por
pesagem compreendendo somente o que era depositado no ponto de entrega
voluntário. Outros, por sua vez, não se dispunha de dados da geração,
demostrando a necessidade de implementação de sistema de monitoramento.
22

Figura 6 – Levantamento da geração de resíduos sólidos no município de Fernandópolis-SP

Fonte: SMA Fernandópolis (2018).

Ainda com relação aos resíduos sólidos, foram levantados nove pontos
de descarte irregular (Figura 7) nos 42 km de perímetro urbano do município,
a partir dos quais foi monitorada a quantidade média descartada de 20
toneladas por mês e propostas ações no PMGIRS.

Figura 7 – Pontos de descartes irregulares (PDI) detectados no perímetro urbano de


Fernandópolis-SP

Fonte: SMA Fernandópolis (2018).


Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 23

Estes foram alguns exemplos de levantamentos de dados, desde


estimativas até os mais detalhados, que permitem realizar os diagnósticos,
sendo que o mais importante é que seja realizado por técnicos da prefeitura
do próprio município.
Após realizados os diagnósticos, elaboram-se as propostas de ações nos
planos de gestão ambiental. Nessa fase os técnicos envolvidos devem propor
ações de curto, médio e longo prazo para a solução de problemas
diagnosticados, que podem ser implementadas de diversas formas, dentre as
quais destacam-se: legislação ambiental, programas ambientais, projetos
ambientais, planejamento de recursos, entre outros.
Mas para que as propostas de ações sejam efetivas é importante que
exista compatibilidade entre os reais impactos dessas açõe s na solução dos
problemas ambientais com a capacidade técnica (infraestrutura e mão de obra)
e financeira do município em executá-las. Para isso é importante que esse
plano de ações seja elaborado por pessoal do município (técnicos que
conhecem a realidade local), com definição de prioridades, prazos e soluções
reais, compatíveis com recursos municipais disponíveis. Um exemplo foi a
forma de planejar a restauração da vegetação nativa do município de
Fernandópolis-SP, que consta no Plano Municipal de Mata Atlântica (Figura 8).

Figura 8 – Metodologia adotada para a restauração da vegetação nativa do Plano Municipal de


Mata Atlântica de Fernandópolis-SP, sendo CAR – Cadastro Ambiental Rural, APP – Áreas de
preservação permanente e RL – Reserva Legal

Como pode ser observado na Figura 8, as prioridades foram definidas


em função de quatro variáveis (vegetação/bioma, localização da vegetação,
situação da vegetação e se está em imóvel que já possui Cadastro Ambiental
Rural/CAR). Note que as prioridades 1 e 2 seriam as vegetações preservadas
24

em APP ou RL em imóveis sem o CAR, pois considera-se que quando o imóvel


não possui o cadastro, a vegetação está mais vulnerável à degradação. Por esse
motivo, a proposta seria identificar essas áreas e realizar o CAR em prazo de 24
meses a fim de evitar a possibilidade de sua degradação.
Já as menores prioridades (5 e 6) são justamente as APPs e RLs
degradadas em imóveis que possuem o CAR, pois sabe -se que terão, em algum
momento, que aderir ao PRA (Programa de Recuperação Ambiental), que
prevê a restauração dessas áreas (Figura 8). Note que nesse caso o prazo para
a ação é de 1.200 meses (100 anos), o que pode parecer um prazo muito longo.
Mas em relatório elaborado por Vanzela (2020), ao cotar o serviço de
restauração ambiental com 3 empresas da região, autor obteve um
investimento médio de cerca de R$ 45.000,00/ha, o que inviabilizaria
economicamente uma restauração a curto ou médio prazo, dentro das
capacidades financeiras do município.
Por outro lado, qualquer ação em que o custo do investimento em
prevenção seja inferior ao da remediação do problema ambiental deve ser
adotada. A Secretaria de Meio Ambiente de Fernandópolis elaborou em 2019
um projeto denominado “Fernandópolis Limpa” (VANZELA; RAMOS, 2019),
cujas três ações propostas foram: i) implantação do PEV (Ponto de Entrega
Voluntário) em curto prazo; ii) implantação do sistema ECOESPIÃO (Sistema
Eletrônico de Vigilância, Fiscalização e Autuação de Crimes Ambientais) a
médio prazo, e iii) implantação do PARE (Pontos de Reservatórios Subterrâneos
para Resíduos Sólidos) a longo prazo. Os investimentos no PEV (que já está
implantado) e ECOESPIÃO (em implantação) equivalem a somente 25% do
custo mensal para a limpeza (mão de obra, hora-máquina e destinação) de
resíduos sólidos descartados irregularmente em estradas rurais e outras áreas,
o que as tornam ações viáveis de implantação.
Exemplos de planos municipais de gestão ambiental são plano diretor,
plano de gestão integrada de resíduos sólidos, plano de saneamento, plano d e
Mata Atlântica/Cerrado, plano de arborização urbana, plano de controle de
erosão, plano de resiliência climática, entre outros. Alguns são obrigatórios por
lei e outros não, mas o importante é que devem ser elaborados e coordenados
pelas gestões municipais.
Ainda com relação à etapa de planejamento, é importante ressaltar que
se trata de um processo contínuo, ou seja, o plano de ações deve ser atualizado
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 25

periodicamente, o que também demanda uma atualização constante dos


diagnósticos ambientais, pois a interação das atividades socioeconômicas com
o ambiente é um processo dinâmico.
Dentre os fatores que determinam a efetividade dos planos de gestão
ambiental destacam-se a qualidade e quantidade do corpo técnico municipal,
decisões colegiadas (Conselho Municipal de Meio Ambiente), consulta pública
(participação população em geral) e aprovações por Lei Municipal (permite que
as metas e ações dos planos transcendam as gestões municipais).

Execução

A gestão ambiental municipal, dependendo das atribuições legais da


secretaria municipal de Meio Ambiente, envolve uma série de tarefas e
trabalhos, dentre as quais, destacam-se: licenciamento de atividades e
empreendimentos municipais, licenciamento ambiental municipalizado,
projetos ambientais, conservação e manejo da biodiversidade, manejo da
arborização urbana, paisagismo urbano, limpeza urbana, gerenciamento de
resíduos sólidos, comunicação ambiental, processos jurídicos ambientais,
certificação ambiental, banco de dados ambientais, atendimento ao público,
fiscalização ambiental, assessoria ao gabinete e outras secretarias etc. A
eficiência e qualidade na execução de todas essas atribuições dependerão da
organização e infraestrutura. A organização adequada em gestão ambiental
municipal envolve: o (i) gerenciamento das atividades; a (ii) identificação de
limitações, e a (iii) melhoria dos trabalhos.
O (i) gerenciamento das atividades deve iniciar com a adequada
atribuição das funções para uma equipe técnica capacitada e multidisciplinar
de profissionais compatível com a gama de tarefas e trabalhos demandados.
Essa formação e adequação da equipe é trabalho do Gestor de Meio Ambiente
(como o secretário municipal de Meio Ambiente ou o responsável pelo setor),
ou seja, avaliar as tarefas e trabalhos atribuídos a seu departamento pela
gestão municipal e solicitar corpo técnico compatível em quantidade e
qualidade. A construção de um organograma de atribuições/funções, de
acordo com as necessidades municipais, auxilia da definição da equipe (Figura
9).
26

Figura 9 – Exemplo de um organograma de funções dos profissionais de uma secretaria municipal


de meio ambiente

Fonte: Do Autor (2021).

Cabe ressaltar que esse organograma deve ser compatível com a


legislação de cargos municipais e deve permitir identificar facilmente as
responsabilidades por cada tarefa e trabalho e, com isso, a avaliação do
desempenho de cada membro da equipe ou setor.
No (i) gerenciamento das atividades também se realiza o controle das
atividades (entrada de novos trabalhos, trabalhos em andamento e trabalhos
finalizados) e monitoramento das atividades (se o tempo de execução de uma
tarefa ou trabalho está compatível de seu nível de dificuldade/exigência). Esse
controle deve ser realizado e registrado pela assessoria administrativa por
meio de planilhas de eletrônicas.
Dentro do processo de organização também é necessária a (ii)
identificação de limitações, que pode ser facilmente realizada a partir do
monitoramento das atividades. Se identificadas as limitações, devem
rapidamente ser sanadas, a fim de evitar ineficiência ou falhas nos trab alhos.
Considerando que a quantidade do corpo técnico é compatível com os serviços,
os principais motivos que podem resultar em limitações de membros da equipe
estão relacionados à incompatibilidade entre a atividade exercida pelo
profissional e a sua capacitação.
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 27

A (iii) melhoria dos trabalhos dentro do processo de organização


consiste em solucionar as limitações, em que as principais ações são mudanças
de atribuições dentro da equipe, solução de conflitos e, em último caso,
substituição de mão de obra.
A infraestrutura disponível é outro fator primordial para uma execução
eficiente dos trabalhos na gestão ambiental e deve ser compatível com as
demandas e atribuições do órgão gestor municipal de meio ambiente.
Depende dos recursos materiais e financeiros disponíveis para essa finalidade
(Figura 10).

Figura 10 – Itens da infraestrutura municipal para a Gestão Ambiental no município de


Fernandópolis-SP, dentre os quais, maquinários e equipamentos (a) e o viveiro de mudas (b)
a

Fonte: Elaborado a partir de fotos próprias e de Fernandópolis (2017a).

No caso de a infraestrutura estar incompatível com a demanda pelos


serviços, um planejamento de recursos financeiros próprios deve ser elaborado
para a aquisição/readequação dessa infraestrutura, o que pode ser realizado
legalmente nos PPA, LDO e LOA (Quadro 2).
28

Quadro 2 – Mecanismos legais para o planejamento políticas públicas e respectivos recursos na


administração pública
Mecanismo Descrição
Com vigência de 4 anos, estabelece as diretrizes,
PPA – Plano Plurianual
objetivos e metas de médio prazo
LDO – Lei de Diretrizes Cabe enunciar as políticas públicas e respectivas
Orçamentárias prioridades para o ano seguinte
Estima a receita e fixa a programação das despesas
LOA – Lei Orçamentária Anual
para o exercício financeiro
Fonte: Elaborado a partir de Gontijo (2014).

Além dos recursos próprios, os órgãos de gestão ambiental municipal


também podem buscá-los em outros fundos ou órgãos de fomento, tais como
Fundo Municipal de Meio Ambiente, Fundo de Interesses Difusos (FID), Fundo
Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO), Agência Nacional das Águas, entre
outros.

Manutenção

Muitos trabalhos em gestão ambiental municipal adotam cronogramas


que variam de curto, médio a longo prazo, ou seja, exigem um
acompanhamento e manutenção por um certo período para que sejam
finalizados, podendo, em alguns casos, ultrapassar de 2 a 5 anos ou até mais
(Quadro 3).
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 29

Quadro 3 – Alguns trabalhos em gestão ambiental municipal e prazos típicos de finalização


observados
Complexidade dos
Prazos típicos
Trabalho trabalhos e/ou Uso de recursos
de finalização
estudos ambientais
Licenças prévias (LP), de
instalação (LI) e de operação de 6 meses a
Baixa a alta Baixo a alto
(LO) de empreendimentos mais de 4 anos
municipais
Restaurações florestais de 2 a 4 anos Baixa Alto
Monitoramento de áreas
de 1 a 4 anos Média a alta Médio a alto
contaminadas
Limpeza de resíduos sólidos de 1 a 2
Baixo Médio
descartados incorretamente semanas
Regularização do
de 4 a mais de
gerenciamento de resíduos Alto Alto
10 anos
sólidos

O tempo necessário para a finalização de alguns trabalhos em gestão


ambiental municipal, como observado no Quadro 3, pode variar de algumas
semanas a mais de 10 anos. Isso dependerá do tipo da complexidade dos
trabalhos e/ou estudos ambientais envolvidos e dos recursos necessários para
a sua execução. Por exemplo, embora a limpeza de resíduos sólidos
descartados irregularmente envolva o mapeamento das áreas de descarte de
baixa complexidade, exige um considerável gasto com mão de obra e hora-
máquina para a execução da limpeza, ou seja, desde que haja recursos o tempo
de execução da limpeza é rápido. Já a regularização do gerenciamento
municipal de resíduos sólidos, além de requerer estudos ambientais
complexos, licenciamentos ambientais e aprovação de leis municipais (às vezes
até a elaboração do Plano Municipal de Gerenciamento Integrado de Resíduos
Sólidos), também envolve alta demanda de recursos para a implantação de
sistemas de coleta seletiva, centros de triagem e aterro de resíduos sólidos da
construção civil, centros trituração de resíduos de poda urbana, pontos de
entrega voluntária, entre outros, com significativas necessidades de
investimentos. Por isso, nesse caso, o tempo para finalizar essa regularização
pode transcender até décadas.
Portanto, o acompanhamento e monitoramento da execução dos
trabalhos em gestão ambiental municipal é fundamental para que não se
30

percam os prazos, principalmente aqueles originados de regularizações


ambientais, que podem resultar em punições administrativas e criminais. Além
disso, os atrasos podem resultar em danos ou impactos ambie ntais de difícil
reversão, como, por exemplo, um deficiente gerenciamento municipal de
resíduos sólidos que acarreta poluição do solo e da água.

Resultados

A avaliação dos resultados do trabalho da gestão ambiental municipal é


fundamental para verificar se as ações executadas estão sendo efetivas em
promover melhoria ou solucionar um problema ambiental.
No ano de 2020, a baixa precipitação anual (66% da média anual
histórica de 1.181 mm) provocou uma intensa estiagem no município de
Fernandópolis-SP, resultando em cerca de 2 mil ha incendiados (Figura 11).

Figura 11 – Levantamento por satélite das áreas incendiadas no município de Fernandópolis-SP,


nos anos de 2020 e 2021

Fonte: Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Fernandópoli s (2021).

Como de janeiro a abril de 2021 (meses de maior precipitação) o total


precipitado atingiu somente 46% da média histórica para esses mesmos meses,
a secretaria municipal de Meio Ambiente iniciou as campanhas de combate aos
incêndios de forma antecipada (início de maio), em comparação aos demais
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 31

anos, que se inicia em meados de julho. Uma das ações foram as emissões de
cerca de 800 notificações para a limpeza de lotes pouco ocupados, que são os
limítrofes com as áreas de pastagens, cana-de-açúcar e de reserva e de onde
se iniciam os incêndios que se propagam para a zona rural. Como resultado,
embora ainda tenham afetado uma área de pouco mais de 1.350 ha em 2021
(Figura 11), registrou-se uma redução global de 32,5% das áreas incendiadas,
evidenciando-se que o resultado da ação de prevenção foi efetiva.
A avaliação dos resultados, nesse caso, dependeu apenas da capacidade
técnica da equipe de gestão ambiental das áreas incendiadas (conhecimentos
em sensoriamento remoto e geoprocessamento), em que foi possível
identificar a efetividade da ação. Mas a forma de avaliação dos resultados
dependerá do tipo de ação realizada, sendo essa forma definida pela equipe
técnica de gestão ambiental.
Outra importante forma de avaliação dos resultados são as
independentes, realizadas por órgãos públicos ou entidades/instituições
independentes. Essas avaliações podem englobar a gestão ambiental
municipal de uma forma geral ou somente um tema específico (Quadro 4).

Quadro 4 – Exemplos de avaliações independentes da gestão ambiental municipal


Nome Responsável pela avaliação Foco da avaliação
Certificação Município Secretaria Estadual de
Verde Azul Infraestrutura e Meio Gestão ambiental municipal
Ambiente
Prêmio Destaque em
Associação Nacional de
Gestão Ambiental Gestão ambiental municipal
Municípios e Meio Ambiente
Municipal
Casos de Sucesso em
Instituto Trata Brasil Saneamento básico
Saneamento Básico
Fonte: Elaborado a partir de SIMA (2021), ANAMA (2021) e Instituto Trata Brasil (2021).

O município de Fernandópolis-SP possui atualmente a Certificação


Município Verde Azul, mantendo-se entre os 8 mais bem pontuados do Estado
de São Paulo, entre os anos de 2017 e 2020. Esse resultado proporcionou a
premiação de Destaque em Gestão Ambiental Municipal no ano de 2019. Além
disso, devido a um dos melhores índices de abastecimento de água e coleta e
tratamento de esgotos, em 2020, foi considerado destaque de município em
casos de sucesso de saneamento básico.
32

REDE INSTITUCIONAL DE RELACIONAMENTOS

Outro importante fator no sucesso e efetividade da gestão ambiental


municipal, além dos já abordados anteriormente, é o relacionamento com os
órgãos federais, estaduais e municipais que regulam/gerenciam as questões
ambientais (Figura 12). Como muitos dos trabalhos da gestão municipal são
fiscalizados ou licenciados por esses órgãos, é necessário manter o diálogo
constante, a troca de experiências e a parceria na solução de problemas
ambientais.

Figura 12 – Órgãos/instituições relacionadas com a gestão ambiental no município de


Fernandópolis-SP, em que CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), DAEE
(Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo), SABESP (Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e CMMA (Conselho Municipal de Meio Ambiente de
Fernandópolis-SP)

O bom relacionamento com os órgãos licenciadores é fundamental


(CETESB, DAEE e CDRS, por exemplo), pois permite obter orientações técnicas
sobre os estudos ambientais e documentos técnicos necessários para a
obtenção das licenças ambientais, bem como o acompanhamento dos
processos.
Outros órgãos (como a Defesa Agropecuária, Polícia Ambiental e MPSP)
podem auxiliar a gestão ambiental municipal nas fiscalizações e infrações
ambientais ou intermediar soluções por danos ambientais provocados por
pessoas físicas ou jurídicas.
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 33

Com as empresas prestadoras de serviços municipais de gerenciamento


ambiental, o bom relacionamento é fundamental para a convergência na
eficiência do serviço prestado. Como, por exemplo, a constante parceria e
compartilhamento de tarefas entre SABESP e a gestão municipal de
Fernandópolis-SP, permitiram atingir índices de excelência no saneamento
básico, sendo resultado de premiação em nível nacional.
No caso do CMMA, que tem poder decisório sobre questões municipais
relacionados ao ambiente, a transparência e diálogo com a gestão ambiental
municipal é primordial para a celeridade de suas decisões. Além disso, esse é o
órgão responsável pela aprovação do uso de recursos do Fund o Municipal de
Meio Ambiente para o desenvolvimento de projetos e aquisição de
infraestrutura pela gestão ambiental municipal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento socioeconômico municipal demanda recursos


naturais nos ambientes urbanos e rurais e, por isso, a sustentabilidade
depende fundamentalmente da eficiência da gestão ambiental municipal. Por
esse motivo os municípios devem protagonizar esse processo, com o objetivo
de minimizar os impactos ambientais e promover a segurança e qualidade
ambiental para as presente e futuras gerações.
Embora exista uma diversidade territorial, socioeconômica, ambiental e
cultural entre os municípios, bem como na própria gestão municipal, pode -se
considerar que não existe um padrão de ações e/ou políticas ambientais q ue
podem ser adotadas por todos os municípios. Mas o que se observa na prática,
com base na experiência no município de Fernandópolis-SP, é que uma boa
eficiência foi alcançada seguindo as etapas de planejamento, execução,
manutenção e resultados.

REFERÊNCIAS

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Gestão Ambiental Municipal. Rio de Janeiro: ANAMA, 2021. Disponível em:
https://www.anamma.org.br/. Acesso em: 15 dez. 2021.
34

BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa;
altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428,
de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14
de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras
providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 191, n. 8, p. 1, 28 maio 2012. PL
1876/1999.

BRASIL. Ministério de Meio Ambiente (MMA). Biomas. Brasília: MMA, 2021. Disponível em:
https://antigo.mma.gov.br/biomas.html#:~:text=O%20Brasil%20%C3%A9%20formado%20por,M
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FERNANDÓPOLIS. Plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos de Fernandópolis-SP


2019-2022. Fernandópolis: Prefeitura Municipal, 2019. 60p. Disponível em:
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FERNANDÓPOLIS. Plano municipal de Mata Atlântica de Fernandópolis-SP. Fernandópolis:


Prefeitura Municipal, 2017a. 26p. Disponível em:
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5024-2020?q=plano%20municipal%20de%20mata%20atl%E2ntica. Acesso em: 10 dez. 2021.

FERNANDÓPOLIS. Plano municipal de arborização urbana de Fernandópolis-SP. Fernandópolis:


Prefeitura Municipal, 2017b. 64p. Disponível em:
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GONTIJO, V. Instrumentos de planejamento e orçamento. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014.


8p. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Cidades@. Brasília: IBGE, 2021.


Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/. Acesso em: 20 dez. 2021.

INSTITUTO TRATA BRASIL. Casos de sucesso em saneamento básico. São Paulo: Trata Brasil,
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Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 35

SIMA – SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA E MEIO AMBIENTE. Programa Município VerdeAzul


PMVA. São Paulo: Governo de São Paulo, 2021. Disponível em:
https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/verdeazuldigital/. Acesso em: 15 dez. 2021.

TINOCO, J. E. P.; KRAEMER, M. E. P. Contabilidade e gestão ambiental. São Paulo: Atlas, 2004.

VANZELA, L. S. Relatório de dano econômico por incêndio em áreas de proteção ambiental na


Universidade Brasil/Campus de Fernandópolis-SP. Fernandópolis: Universidade Brasil, 2020.
10p.

VANZELA, L. S.; RAMOS, E. B. Projeto Fernandópolis limpa. Fernandópolis: Prefeitura Municipal


de Fernandópolis, 2019. 10p.
36
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 37

Capítulo 2

GESTÃO E PLANEJAMENTO DAS ÁGUAS URBANAS:


UMA VISÃO SISTÊMICA

Izes Regina de Oliveira 4

CONEXÕES E DESCONEXÕES ENTRE O SER HUMANO, A CIDADE E OS


ECOSSISTEMAS

Apresenta-se, neste capítulo, uma reflexão sobre a gestão da água


interconectada ao planejamento urbano (PU), que se refere, mais
especificamente, a tratar a cidade com base ecossistêmica. A necessidade está
nas ocorrências frente ao processo do crescente populacional, da urbanização
e da expansão urbana, que incorrem como desafios para o PU.
Considera-se, consequentemente, a cidade como um ecossistema
urbano. Além disso, como esclarecem Tucci (2005) e Capra (2006a), considera-
se que a forma que o sistema atual a trata traz mais problemas que soluções.
Argumenta-se, outrossim, que a teoria sistêmica, atestada por Morin (2004) e
Capra (2006a), faz jus aos problemas urbanos complexos e sistêmicos. A ciência
sistêmica induz às conexões que o ser humano e a cidade têm com a natureza
e a dependência que ambos têm dos serviços ecossistêmicos (SES), por isso
ajudará a gestão e o Planejamento Urbano (PU) a serem mais eficientes. O
argumento de interdependência é reconhecido por Odum (2004) e Morin
(2004), o que concebe o ser humano e o ambiente urbano como ecossistema.
Reconhecem-se os problemas urbanos como sistêmicos complexos,
pela diversidade e interconexão entre eles. Admite-se que os mesmos se
originam devido ao crescente populacional e ao impacto da urbanização no
ecossistema natural, pela forma como é conduzido o crescimento da cidade. A

4 Arquiteta pela UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo RS e mestre e
doutora pela UNESC Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma SC. E-mail:
izesdeoliveira@hotmail.com
38

expansão urbana inadequada contribui para aumentar os problemas


ambientais de erradicar a vegetação, diminuir a biodiversidade,
impermeabilizar o solo e transformar o ciclo urbano da água (UWC),
impactando os ecossistemas e desequilibrando os SES. Além dos impactos
ambientais de poluir ar, águas e solos também fragmenta a sociedade.
Por outro lado, a demanda por água amplia, proporcionalmente, ao
crescimento populacional. Verifica-se, no entanto, que o cuidado dado a ela é
o oposto dessa necessidade. As (in)consequências dos impactos
socioambientais atingem questões vitais como o desrespeito atribuído à água.
Os fluxos mal geridos revertem sua função, contaminando-a, provocando
doenças, enchentes e alagamentos, diminuindo sua quantidade e qualidade.
Esses problemas aumentarão frente à alteração climática.
Para explicar o funcionamento do ecossistema urbano, Odum (2004)
mostra que seus fluxos trabalham com metabolismo linear intenso, pois
exigem a entrada de muitos insumos energéticos e grande quantidade de
materiais, alimentos e informações, desperdiçando muita energia para fazer
funcionar seu fluxo. A saída, do sistema cidade, de lixo orgânico e inorgânico e
poluições, é muito maior que a entrada, o que impacta os ecossistemas. Isso
acontece porque a dinâmica do espaço urbano construído, na forma linear
como funciona e cresce a cidade, é diferente da dinâmica dos ecossistemas
naturais que trabalham com metabolismo de fluxo circular. Esta diferença
oferece muitos problemas interconectados, pois o tratamento da cidade é
racional e linear, e os problemas urbanos são sistêmicos complexos. Isto causa
impactos no ecossistema natural, estendidos à cidade e às pessoas.
A proposta de um metabolismo circular para o ecossistema urbano é de
Girardet (2014), que se estabelece ao produzir energia e alimento locais,
reduzir consumo, reutilizar produtos e reciclar resíduos – os três “Rs” da
sustentabilidade. Surge o quarto “R” que é a necessidade de repensar a cidade,
os costumes e os usos.
O Sol é a energia renovável local da maioria dos ciclos ecológicos e tem
formas eficientes e boas para a natureza: aquecimento solar, eletricidade
fotovoltaica, vento, energia hidráulica e biomassa. Estes imitam os processos
cíclicos da natureza e alcançam padrões sustentáveis de produção e consumo
e mantêm as comunidades humanas sustentáveis.
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 39

Nesta ótica, diversos autores que trabalham com a teoria sistêmica,


afirmam que poderia ser diferente, ou seja, poderia crescer e funcionar sem
impactar. A permacultura, de Molisson e Slay (1997), e Odum (2004),
pressupõe a noção de equilíbrio ecológico com uma ação para duas ou mais
funções. Ou seja, o compromisso contínuo de produzir um espaço urbano com
qualidade, na organização da paisagem urbana, de modo a multiplicar os usos.
Desta forma, o PU com base ecossistêmica e a sustentabilidade poderão
proteger a biodiversidade.
A multiplicidade de usos agrega elementos dos recursos naturais com a
capacidade de utilizar-se do sistema natural com o máximo rendimento
sustentável (BRESSAN, 1996; MOLISSON; SLAY, 1997).
O uso múltiplo pode ser referenciado pelo valor intrínseco da
biodiversidade e dos SES. Por exemplo, podem incluir a educação ambiental, o
lazer, a saúde física, mental e cultural, o alimento, os empregos “verdes”, a
estética da paisagem, o aumento da subjetividade e o pertencimento à cidade
e à natureza, entre outros benefícios, a mobilidade leve (peatonal e ciclística),
a valorização material e econômica do espaço. Ao mesmo tempo, os elementos
naturais, no caso da gestão da água, poderão fazer os serviços de filtrar,
infiltrar e evaporar, amenizar o clima, “criar” água, além de, aumentar a
biodiversidade, criar habitats aos pássaros, borboletas etc.
Não há mais lugar para construir uma infraestrutura urbana que
impacta algum SES, seja de provisão e purificação da água, controle de erosão
e enchentes ou qualquer outro serviço. Nas ações associadas a um SES devem
permanecer a quantidade e a qualidade de cada serviço, como já fazem os
países mais civilizados, há décadas.
Como a saúde humana está interconectada à saúde dos ecossistemas,
a degradação do ambiente urbano é um dos principais problemas que atinge o
conjunto da população e tem influência direta na água (UNESDOC, 2019).
Uma breve retrospectiva da literatura e dos relatórios ambientais
mostram a necessidade de aumentar a biodiversidade para mitigar os impactos
e enfrentar a mudança climática na busca pela sustentabilidade.
40

A literatura e a comunidade científica antevendo comprometimentos com a


natureza

Desde 1862, há manifesta preocupação de George Perkins Marsh à


espoliação da natureza, em Man and Nature (FRANCO, 2000; GORSKI, 2010).
Após um século, em 1962, Raquel Carson marca o início do movimento
ambientalista, com Primavera Silenciosa (CARSON, 2010), quando alerta sobre
os limites do progresso tecnológico.
O programa MaB – Homem e Biosfera, em 1971, de cooperação
científica internacional sobre as interações entre o ser humano e seu meio, faz
surgir estudos sobre Ecologia Urbana (MAB, 2010). Esta mostra a existência de
outro caminho original e natural para a cidade e ajuda na regeneração de
espaços urbanos e no aumento da biodiversidade.
Esses assuntos manifestam-se no Clube de Roma, que discute sobre a
ação humana no ambiente e publica, em 1972, o histórico Os Limites do
Crescimento, de Meadows e Meadows (1973).
Com isso, a comunidade científica considera o comprometimento dos
recursos hídricos, a poluição da água, o assoreamento de rios, a desertificação
e a erosão, e faz a primeira reunião internacional, na Conferência de
Estocolmo, em 1972. Em 1987, o Relatório Brundtland, com o "Nosso Futuro
Comum" (DIAS, 2002; RIBEIRO, 2005), culmina com o paradigma ecológico, que
inicia no final da década de 1960, qualificando e se expressando sobre a
sustentabilidade, colocando-a na agenda política global.
A Rio 92 reconhece o valor intrínseco da diversidade biológica e a
Avaliação Ecossistêmica do Milênio reconhece a necessidade de proteger os
ecossistemas (MEA, 2005). A Rio+10 produz os Dez Princípios para a Cidade
Sustentável, cujo 3º princípio é proteger e restaurar a biodiversidade e os
ecossistemas naturais (PNUMA, 2002).
Mesmo assim, o sentido desenvolvimentista continua a distanciar a
natureza, o que contradiz o pressuposto de preservação dos recursos
ambientais e da justiça social propalada há décadas pela comunidade científica,
como visto acima. Está aí o centro da crise civilizatória (VEIGA, 2010). Não
obstante, a trajetória do paradigma ecológico, junto às agendas nacionais e
internacionais e à ciência, vem problematizando o desenvolvimento
econômico e a conscientização ao meio ambiente.
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 41

Com a poluição generalizada dos rios da América Latina, África e Ásia,


aparece o conceito de pegada ecológica e hidrológica no final do século XX, e
no início do século XXI surge a ideia de Antropoceno (PHARAND-DESCHÊNES,
2012; PNUD, 2019), a qual representa as expressivas e globalizantes perdas
sociais e econômicas em termos de impactos ambientais que afetam bens,
sociedade e serviços vitais. A partir de 2009 são apresentados os limites desses
impactos em Fronteiras Planetárias.
Este é um conjunto de nove limites do planeta (Figura 1) em mudança,
e um dos intentos científicos mais significativos na orientação ao
desenvolvimento humano. Avaliam e dimensionam os riscos abruptos ou
irreversíveis na esfera global, quão afetada é a capacidade de carga e resiliência
dos diversos subsistemas e seu limite extremo (STEFFEN et al., 2015).

Figura 1 – Fronteiras Planetárias

Fonte: Steffen et al. (2015).5

5 Disponível em: https://science.sciencemag.org/content/347/6223/1259855.full


42

As avaliações quantificaram a necessidade de restaurar os ecossistemas


globais para aumentar a biodiversidade. Para a próxima década, de 2021-2030,
o empenho das Nações Unidas é restaurar os ecossistemas em uma área
equivalente ao território da China (ONU, 2020). Maior que o Brasil!
As consequências das alterações climáticas sobre os ecossistemas
desprotegerão as pessoas (PNUD, 2019). O paradigma ecológico mostra que
uma nova epistemologia deve direcionar para outras técnicas, outros métodos
e uma governança eficaz, direcionados a restaurar os ecossistemas para
equilibrar os SES, reduzir a vulnerabilidade e construir uma capacidade de
adaptação.
A redução da biodiversidade representa a perda e a diminuição de
espécies vegetais e animais, que homogeneíza o conjunto das regiões, e pela
disseminação de espécies exóticas invasoras que perturbam os habitats
(PNUD, 2019). Além disso, a crise da biodiversidade está, também, no
crescimento da população humana e seu alto nível de recursos exigidos pelo
estilo de vida contemporâneo. Nessa interconexão as perdas influenciam na
degradação ambiental, que desequilibra os ecossistemas de água e outros,
altera os SES e segrega a sociedade pela carência de recursos.

A INTERDEPENDÊNCIA DOS ELEMENTOS DA NATUREZA EVIDENCIA TRATAR A


CIDADE COM ABORDAGEM ECOSSISTÊMICA

O ecossistema urbano depende diretamente da inter-relação sistêmica


da multiplicidade de sistemas (MORIN, 1984), por isso a ciência sistêmica
possibilita entender a multiplicidade e interdependência dos problemas
urbanos, pois a vida é um sistema de sistemas, evidente em tudo (CAPRA,
2006a). Na estrutura sistêmica, os sistemas menores estão aninhados dentro
de sistemas maiores, o que possibilita atuar-se na escala mais adequada, seja
urbana, rural, regional ou global (DE OLIVEIRA; MILIOLI, 2014).
Nessa conexão, os seres humanos estão integrados aos ecossistemas
(ODUM, 2004; RUEDA, 2000), muito embora verifica-se que no sistema vigente
a gestão racional de “herança cartesiana” (BRESSAN, 1996, p. 57) desconecta
as pessoas da natureza (MORIN, 1984). O mundo e o saber estão mudando,
pois, a crise humanitária e ecossistêmica exige outras necessidades para o ser
humano permanecer sobre a Terra. Mesmo assim, segundo Lovelock (2006a),
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 43

criador da Teoria de Gaia, o mundo está longe de compreender a ciência


sistêmica, pois compreende a Terra tanto quanto um médico compreendia seu
paciente no século XIX.
O caráter do aglomerado urbano é fornecido pela multiplicidade de
sistemas que engloba diversos subsistemas de indivíduos, grupos, empresas ou
instituições políticas, sociais e culturais, assim como os artefatos, máquinas e
produtos numa relação aberta e ecossistêmica, aninhados a elementos da
natureza e sistemas vivos como o clima, a atmosfera, o subsolo, os
microrganismos e os animais (MORIN, 1984).
Neste contexto de interconexões, a gestão das águas pluviais urbanas
continua sendo um campo complexo e desafiador na contemporaneidade,
pois, proporcionalmente, mais terras são impactadas que o aumento de
população. A necessidade do extremo cuidado com o ecossistema aquático se
dá, precisamente, em consequência desta perspectiva do crescimento da
expansão urbana.
Segundo a organização não governamental internacional que promove
o desenvolvimento sustentável, o ICLEI, na tradução para o inglês – Governos
Locais pela Sustentabilidade, a expansão urbana deverá ser três vezes maior
que a taxa de aumento da população urbana, entre 2000 e 2030 . Este é o
aspecto mais transformador do ecossistema natural e age sobre a
biodiversidade, diminuindo-a e alterando os SES com forte influência no ciclo
hidrológico (CDB, 2012).
As transfigurações que a cidade sofre com aumento da urbanização,
expansões horizontais, descarte de águas usadas e alteração de fluxos das
águas urbanas transformam-se em problemas complexos causados pelas
impermeabilizações e ausência de vegetação urbana.
As mudanças antrópicas do ciclo hidrológico, como retificações e
canalizações de rios urbanos e impermeabilizações, têm consequências
catastróficas, pois marcam a vulnerabilidade da cidade, segundo o Programa
Internacional Hidrológico. Do ponto de vista ecológico, o rio é uma entidade
“viva” e precisa ser considerado em todas as suas dimensões temporais e
espaciais e sua formação, cujo equilíbrio depende de muitas conexões tais
como: continuidade na dimensão longitudinal, de montante e à jusante;
diversidade de habitat (natureza das margens, largura do leito, velocidade de
fluxo, profundidade do rio etc.); conexões entre o leito do rio principal e corpos
44

d’água hidraulicamente conectados (dimensão lateral); e troca de fluxos entre


rios e aquíferos (dimensão vertical) (UNESCO, 2008).
As circunstâncias mostram que se trata mal a pouca água doce
disponível. Não há mais espaço para desperdício e poluição no cenário urbano,
de rio maltratado e impactado, recoberto e escondido, poluído e engolido pela
urbanização, vedado da paisagem urbana (ANA, 2019). Os problemas urbanos
são gerados por fatores distinguidos por Tucci (2005, p. 21) e representam
pontos muito importantes na conexão entre ações e decisões da gestão
urbana, no contexto da água, que resultam em altos custos econômicos e
ecológicos. Dentre os fatores citados pelo autor, anotamos:
a) falta de conhecimento da população e dos profissionais de
diferentes áreas com informações inadequadas sobre a fonte dos
problemas e suas causas;
b) concepção inadequada dos profissionais das engenharias sobre
planejamento e controle dos sistemas;
c) visão setorizada do PU e uma visão setorial limitada por parte dos
profissionais que atuam na área;
d) falta de capacidade gerencial da água no meio urbano.
Para resolver os problemas complexos, o PU e gestão tradicionais do
sistema racional mostram-se deficientes (JACOBS, 2001; CAPRA 2006a) pelo
péssimo desempenho ecológico, pois geram impactos que, segundo Tucci
(2005), são maiores que os preexistentes. Exemplificados através das ações de
canalizar rios urbanos, que além de aumentar a velocidade de escoamento da
água e a energia de arraste das enxurradas, ampliam o leque de obras de
infraestrutura com altos custos ecológicos e financeiros, técnica abandonada
pelos países desenvolvidos, segundo o autor, no início da década de 1970.
Essas soluções desabastecem as águas subterrâneas e, segundo Nobre (2015),
acabam com a “usina” de SES!
Se acabarem com as árvores a chuva irá embora com elas (LOVELOCK,
2006b; NOBRE, 2015). Esta interdependência está entre todos os elementos
vivos e não vivos (ODUM, 2004), explicada pela Teoria de Gaia, que trata a
Terra como um sistema único (LOVELOCK, 2006a), e pela ciência sistêmica
(CAPRA, 2006a; MORIN, 2004). Por isso a composição árvores e solo é tão
importante para o ciclo da água. Infelizmente, o que está acontecendo nas
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 45

cidades e respectivas expansões urbanas é desmatamento, erosão e escassez


de água, como um círculo vicioso, além da alteração do UWC.
Este fica sujeito à poluição difusa, a qual carrega consigo toda sorte de
dejetos que escorrem pelas sarjetas das ruas, entram nas bocas de lobo e vão
para os rios e daí ao mar. Segundo Herzog (2013), a poluição difusa é a mais
problemática por não ser considerada pelos planejadores urbanos e não
fazerem parte de políticas públicas.
A vegetação contribui para reter e filtrar a poluição difusa, além de
acionar a evapotranspiração (Figura 2), composta pelos dois processos de
evaporação e transpiração, cuja função primordial na área urbana é amenizar
a temperatura.
O sombreamento do solo dado pela vegetação possibilita os processos
de transpiração e evaporação (COELHO FILHO, 2011; MORAIS et al., 2015). Ou
seja, a restrição de áreas verdes, nas cidades, reduz as taxas de evaporação e
de transpiração, alterando o microclima, para mais quente, provocando “ilhas
de calor” (UNESCO, 2008), pelas impermeabilizações e densidade de
construções que elevam a temperatura do ar. A radiação solar, processo de
elevação de calor, que não é utilizada na evapotranspiração é transferida para
o aquecimento da cidade. Os materiais artificiais de edificações e
impermeabilizações, além de serem responsáveis para o aumento da
temperatura, reduzem a infiltração da água no solo e aumentam o escoamento
da poluição difusa.
46

Figura 2 – Mudança no uso do solo transforma o ciclo urbano da água (UWC)

Fonte: NASA6

• O ponto de conexão e de interdependência dos recursos hídricos


urbanos com as atividades humanas está na mudança ocorrida no UWC, pela
urbanização e a impermeabilização (UNESCO, 2008).
A conexão entre a água e o solo urbano, alterado e impermeabilizado
pelas atividades humanas, é o impacto na biodiversidade que altera os SES
(Figura 2). Ou seja, o UWC e os serviços de água da bacia hidrográfica ficam
alterados, diminuindo a quantidade de água de subsolo. Esses fatores
transformam paisagens naturais e alteram padrões de circulação do ar
provocando efeito no microclima, mudam o regime de energia, poluem o ar e
liberam GEE – gases de efeito estufa (UNESCO, 2008; RIBEIRO, 2009). Por isso,
pode-se dizer que os processos ecológicos em uma paisagem ou no meio
urbano influenciam na qualidade da água, na qualidade de vida humana, na
flora e na fauna e na maneira como os fluxos urbanos da água se movimentam.
A relação de interdependência dos elementos da natureza lembra a
Teoria de Gaia (LOVELOCK, 2006a) que, conectada ao modelo do sistema

6 https://flexbooks.ck12.org/
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 47

desenvolvimentista antropocêntrico, fica claro no exemplo que Nobre (2015)


apresenta do “quadrilátero afortunado” e da evapotranspiração da floresta
Amazônica.
A evapotranspiração produzida pela floresta Amazônica, segundo o
autor, forma 20 bilhões de toneladas de vapor de água por dia, que ascende
como um rio, intitulado “rio voador", maior que o Amazonas.

Figura 3 – “Rios voadores”; Figura 4 – Quadrilátero afortunado

Fonte: Disponível em: https://amazoniaacontece.blogspot.com/2019/01/o-quadrilatero-


afortunado-prestes-virar.html. Acesso em: 6 nov. 2019.

A floresta forma nuvens de água e fabrica sua própria chuva através das
próprias árvores (Figura 3). A produção desta umidade faz contrariar uma
tendência bem evidente. Na mesma latitude terrestre, encontram-se o deserto
do Atacama – no norte do Chile, o deserto Calaare – na Namíbia, e o deserto
australiano de Outback. O chamado “quadrilátero da sorte” (Figura 3), também
localizado nesta mesma latitude, é a exceção. A área abrange de Cuiabá a
Buenos Aires, de São Paulo aos Andes. É afortunado, porque a Amazônia é
“usina” de SES, um super-irrigador natural desse quadrilátero, que equilibra a
biosfera e ajuda a conter a mudança climática (NOBRE, 2015, p. 12).
O paradigma da água urbana e seus fluxos é o impacto. As evidências
fazem refletir sobre a relação do cidadão e da cidade com a natureza. Nesta
48

interdependência a teoria sistêmica desperta a convergência às conexões que


ambos têm dos ecossistemas, o que requer usá-la no tratamento da cidade,
pois é um sistema que respeita a natureza. A Ecologia Urbana é um
instrumento que pode auxiliar na regeneração dos espaços urbanos e os
processos da água.

Ecologia Urbana

A Ecologia Urbana estuda a inter-relação entre os espaços construídos,


os espaços naturais e as pessoas, com objetivo de aumentar a capacidade de
os ecossistemas oferecerem bens e serviços necessários para a vida humana,
animal e à própria natureza, muitas vezes reduzidos pelos impactos à
biodiversidade. O requisito principal é um pensamento de incluir,
abundantemente, os elementos da natureza em planos de desenvolvimento,
para tratar a cidade e os fluxos da água. Colabora no design ecológico para
regenerar sistemas naturais e criar sistemas urbanos altamente naturais com
objetivo de conectar pessoas e natureza.
O estudo da Ecologia Urbana tem diversas fases que inicia em 1971, com
o programa Homem e Biosfera da UNESCO (MAB, 2010) quando a cidade é
considerada um ecossistema. Desde que a poluição de ar e rios ultrapassa
fronteiras administrativas a Ecologia Urbana passa a se distinguir em dois
ramos: a ecologia “da” cidade, mais ampla e que complementa a ecologia “na”
cidade (HERZOG, 2013).
A terceira fase da Ecologia Urbana, a ecologia “da” cidade, pretende
superar a dicotomia natureza-urbanismo proposta pelo paradigma ecológico,
e considera como acontecem as relações entre os sistemas sociais e ecológicos,
focado no sistema como um todo, de modo que mantenham as funções vitais
sociais e ecológicas (HERZOG, 2013). Trata de escalas mais amplas da cidade
como bacia hidrográfica, parcelamentos, subúrbios e espaços periurbanos e
aborda o mosaico completo de usos da terra e gestão de sistemas, da região
urbana (HERZOG, 2013; ANDRADE, 2014).
São muitas as disciplinas que envolvem a ecologia “da” cidade, por isso
exigem uma equipe de alto desempenho para tratar do crescimento urbano
com desenvolvimento sustentável (CHELLERI, 2012; DI PACE, 2012; ROMEO;
VAZQUEZ, 2019).
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 49

No atual cenário de impactos e preocupações com as mudanças


climáticas, o PU ecossistêmico proporciona uma estrutura de paisagem urbana
sustentável e resiliente denominada infraestrutura verde/azul, e integra
ambas, a ecologia “da” cidade e ecologia “na” cidade . A ecologia da paisagem
contribui com a paisagem urbana, em situação de não equilíbrio, pois é
composta pelo padrão de estrutura que depende das conexões entre os
elementos abióticos, bióticos e humanos. A ecologia da paisagem tem uma
visão sistêmica sobre os fragmentos/elementos urbanos, vegetados e
florestados e sobre os rios e as ruas, nos fluxos e processos naturais,
determinando o funcionamento do ecossistema urbano (HERZOG, 2013).
Lembrando que problemas complexos devem ser tratados com
complexidade (CAPRA 2006b), a ecologia da paisagem é uma ferramenta capaz
de acentuar a solução dos problemas complexos urbanos com impactos
positivos dos SES.
A ideia de trabalhar os fluxos das águas com o aumento da
biodiversidade, inter-relacionados aos SES e à ecologia, instrumentaliza-se na
Ecologia Urbana, nas conexões entre as ciências urbanas e as ciências
ecológicas. Isto desafia o PU a conciliar os elementos de sobrevivência humana
ao crescimento urbano, frente às mudanças climáticas.
Assim, a gestão e o PU poderão ajudar a mitigar desastres e reduzir
riscos, desencorajando assentamentos e construção de instalações
importantes em áreas sujeitas a riscos, no que concerne à instalação de
infraestrutura de água e outras instalações críticas. O conhecimento que a
ecologia urbana domina serve de alicerce para o planejamento com base
ecossistêmica e a concepção da paisagem urbana.
A Ecologia Urbana poderá auxiliar na regeneração dos espaços
construídos e naturais e identificar a importância da biodiversidade nos
processos da água. Por isso é considerada interdisciplinar.
Pickett, Cadenasso e Grove (2004) sugerem conectar ecologia urbana e
PU, incrementando conhecimentos sobre a dinâmica ecológica e as
complexidades dos ecossistemas urbanos. A ideia é integrar o conceito de SES
na vida das pessoas e na gestão urbana, no contexto de resiliência da cidade.
Esta conexão baseada na teoria sistêmica complexa, na multiplicidade e na
interconexão, torna-se mais eficiente, pois abrange processos ecológicos
bioclimáticos, sociais, da subjetividade, estéticos, culturais e físicos.
50

O PU, a legislação urbana e as finanças municipais são três pilares


responsáveis para estruturar a compreensão da resiliência, no contexto da
cidade. Os elementos sociais, culturais e naturais locais, incorporados ao
processo de PU, diminuem o impacto do crescimento da cidade melhorando a
saúde dos SES, possibilitando a sustentabilidade e a resiliência (H-III, 2015).
Para o estudo da cidade ser mais eficiente e resolutivo o PU deve
integrar a água como elemento vital e a ecologia urbana ajuda a conectar a
ecologia ao PU com base ecossistêmica, de modo a auxiliar na requalificação
dos espaços urbanos e a conexão do habitante à natureza, entre outros
benefícios.

O PROCESSO DE PLANEJAMENTO URBANO CORRELACIONA PLANO DIRETOR,


DESENHO URBANO E GESTÃO

Para alcançar seus objetivos, o processo do PU tem diversas etapas que


inicia com o projeto, as propostas, que se transformam nas leis do Plano
Diretor, e, por fim, a Gestão. Um projeto urbano estuda a cidade, identifica
riscos, imagina um futuro e propõe soluções para os problemas existentes, o
que resulta em leis que formam o Plano Diretor, obrigatório pelo Estatuto da
Cidade (2001) para cidades com mais de 20 mil habitantes. As leis do Plano
Diretor são as ferramentas para identificar riscos e criar o futuro que os
habitantes da cidade desejam, através do PU.
O PU é um processo cíclico e prático de ações, determinadas pelo
plano, para garantir sua continuidade, e usa metodologias e instrumentos para
fazer de um futuro proposto, um futuro desejado (DUARTE, 2011; SOUZA,
2002).
O PU, a gestão e o desenho urbano têm como objeto de estudo a cidade,
por isso não podem ter o rigor de uma disciplina específica, pois abrangem
vários aspectos da vida humana e natural e da cidade, exprime metodologias e
conhecimentos técnicos integrados, de distintas áreas. Desta forma, está
entrelaçado na multi, inter e transdisciplinaridade. Esta hipótese alcança o
conceito de PU baseado em ecossistemas, que beneficia o ambiente natural e
construído e as pessoas, e requer ações sistêmicas.
No pensamento de Nicolescu (2005) é impossível eliminar as tensões
que ameaçam a vida no planeta sem outro tipo de educação. Da mesma forma
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 51

o PU com base ecossistêmica e o desenho urbano sensível à água, para tratar


a cidade que busca o caminho da sustentabilidade e a resiliência, necessitam
outra visão, outra linguagem para levar em conta todas as dimensões do ser
humano e o estabelecimento de uma relação recíproca entre a ciência social e
a gestão ambiental.
A Gestão é a estratégia da ação determinada pelo plano, que zela pela
execução eficaz, como previsto, dirigindo recursos para o PU. No PU com base
ecossistêmica os humanos estão incorporados às estruturas ecológicas.
Como a vida é um sistema de sistemas, evidente em tudo (CAPRA,
2006), para entender a cidade como entidade ecológica complexa, há que se
entender essas interações, não simplesmente pelo estudo das propriedades de
suas partes individuais, mas pelas suas relações, conexões e interconexões.
Este é um modo diferente de produzir conhecimento, é o próprio
conhecimento da vida, vista pelo paradigma ecológico.

CONCLUSÃO

O capítulo mostrou que há necessidade de inovar na forma de pensar a


cidade, e assinala a um modelo de abordagem que se identifica com a visão
sistêmica complexa, cujo objetivo é proteger os processos e elementos
naturais, como os fluxos da água e a biodiversidade , interconectados com as
pessoas. Esta é uma forma não linear, tampouco racionalista, com padrão de
solução alternativo e sistêmico que busca a racionalidade ambiental, com a
qual Leff (2007) ensina a repensar a relação ética e estética do ser humano com
a natureza e o planeta.
As concepções de espaço são criadas de acordo com as “práticas e
processos que servem à reprodução da vida social”. Estas práticas podem
variar de acordo com o momento histórico e com a necessidade (HARVEY,
2004, p. 189). Por isso, pode-se dizer que o espaço urbano abriga o conjunto
das relações sociais e é capaz de reproduzir a realidade social. Desta forma, a
gestão e o PU, com base ecossistêmica, podem emergir com novas formas nos
espaços urbanos e múltiplos usos, compatíveis a realizar o sentimento de
pertencimento, o bem-estar, saúde mental e física do ser humano e a saúde
dos ecossistemas naturais, necessários para o momento de enfrentamento da
crise da biodiversidade, frente à mudança climática.
52

A preocupação com as mudanças climáticas fez muitos países elevarem


os índices de vegetação no território, como o Butão e a Costa Rica. Estas
dotações tornaram-se importantes após a Avaliação Ecossistêmica do Milênio
(MEA, 2005) reconhecer a necessidade de proteção dos ecossistemas; as 20
metas AICHI (CDB, 2010) pedirem aumento da biodiversidade; e, atualmente,
a Agenda 2030, propor superar ou estagnar as Fronteiras Planetárias, através
dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Mais recentemente (junho de
2021), a ONU firma a necessidade de o planeta recuperar, na Década da
Restauração de Ecossistemas, entre 2021-2030, uma área equivalente à
10.000.000 km² (NU-BR, 2021), maior que o território brasileiro, para enfrentar
a crise da biodiversidade e a mudança climática.
Vários países buscaram inovadoras metodologias e avançadas
ecotécnicas para levarem as cidades a um caminho sustentável e resiliente que
unem a questão social, ambiental e estética, principalmente relacionado à
gestão da água interconectada ao PU. Os exemplos mais brilhantes são o
desenvolvimento de baixo impacto, dos EUA, o desenho urbano sensível à
água, da Austrália, e as recentes Soluções baseadas na Natureza, da Unesco
(2018), assunto longo para ser desenvolvido em outra oportunidade. Estes, não
apenas, requalificam o espaço, como contribuem para a paisagem sociourbana
e podem ao mesmo tempo produzir alimento, manter a qualidade e
quantidade de água, promover lazer, recreação e educação ambiental e a
interação natureza e habitante, além de equilibrar os SES, aumentar a
biodiversidade e restabelecer os ecossistemas. Outros exemplos, apresentados
a seguir, avançaram em técnicas e metodologias de gestão e PU.

Avanços na gestão e planejamento com visão sistêmica e abordagem


ecossistêmica

Várias metodologias e técnicas alcançaram respostas, para a sociedade


e para a cidade, conectadas ao contexto ecológico do espaço construído e do
espaço natural.

Cheonggyecheon, em Seul – Coreia do Sul

A Coreia do Sul entra no terceiro milênio com um plano de harmonizar


seu desenvolvimento social com a natureza, com relação aos rios, à paisagem
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 53

e à cidade. A estratégia é regenerar as principais bacias hidrográficas,


mantendo o conceito de ecocidade para se preparar frente à transição às
mudanças climáticas. Nas questões ecológicas urbanas houve imensas
transformações como o aumento da biodiversidade, em saneamento e
despoluição de águas. Mas o que fez a diferença foi o investimento que o país
fez na educação ambiental (HERSOG, 2013).
A renaturalização do rio e a requalificação do espaço no contexto do
córrego Cheonggyecheon, em Seul, é um exemplo de abordagem
ecossistêmica, mostrada pela literatura mundial por transformar,
radicalmente, um espaço urbano usado, específica e intensamente, por
automóveis, com melhoria da paisagem urbana e funções de múltiplos usos.
Com pressuposto rendimento urbano sustentável e regeneração
ecossistêmica, o espaço urbano renaturalizado foi vital aos habitantes, flora e
fauna e para o fluxo das águas do rio. Além de aumentar o sentimento de
pertencimento ao lugar e melhorar a mobilidade urbana, requalificou o espaço
e a paisagem urbana.

Planejamento Urbano Integrado (PUI) de Medellin – Colômbia

No exemplo do planejamento urbano integrado (PUI) de Medellin –


Colômbia, percebe-se o rompimento de paradigmas cartesianos para repensar
a cidade com crescimento sustentável. Esta metodologia transformou a área
urbana e comunidades de tal modo que fez Medellin saltar de uma das
comunidades mais violentas do mundo, no final do século passado, para uma
das referências de boas práticas mundiais, com diversos prêmios em nível
mundial.
O PUI de Medellin significa, na prática, uma transformação
socioecológica que integra diversos planos e projetos, e avança na recuperação
de bacias, rios e margens, áreas de sensibilidade ecológica, e ao mesmo tempo
cria espaços públicos, habitação de interesse social e políticas de uso do solo .
Num mesmo projeto espacial, conecta o habitante, suas necessidades e
o ambiente, interconectados à administração, mobilidade e redução da
pobreza e da violência (BARATTO, 2013; MAZO, 2017; ECHEVERRI, s/d).
Este planejamento é baseado no pensamento sistêmico complexo,
através da ciência ecológica e das ciências da terra e estuda a cidade com uma
54

visão integral do ser humano no mundo e seu vínculo com a natureza, com o
título “cidade para a vida” (CM, 2014). O desenho urbano inovador, em
Medellin, reflete um planejamento que trata as águas urbanas, com proteção
das margens do rio, que corta a cidade com fluxos de água e vida, através do
Sistema Urbano de Drenagem Sustentável (SUDS).
A metodologia do PUI, baseada na participação popular, une-se ao
conceito de “vitalidade” de Jacobs (2001) com a diversidade estética e
funcional necessária para a qualidade de vida humana da “Cidades para
pessoas”, de Gehl (2013), pois trabalha um urbanismo social pedagógico
direcionado a um design urbano concebido a partir das necessidades do
cidadão e das relações com o outro. Esta transformação define um rumo de
mudança permanente, na metamorfose tão sonhada por Morin (2011) e por
isso faz de Medellin uma “cidade para a vida”.
A visão integral do ser humano no mundo e sua inter-relação com a
natureza (CAPRA, 2006b; SANTOS, 1989), são fundamentais para a construção
de novos cenários humanizados e fazem parte da filosofia do PUI, onde é
inaceitável separar unidade e diversidade humanas. Seria como separar
inteligência da afetividade. Como no pensamento de Capra (2006a) a divisão
entre mente e corpo sentidos no sistema tradicional faz as pessoas
esquecerem de comungar e cooperar e assim, na mesma medida, se
desligarem do meio natural.
Além do avanço metodológico do PUI de Medellin apresenta-se outra
contribuição teórica com base ecossistêmica para a área urbana que é a cidade
biofílica.

Cidade Biofílica

O termo é utilizado por Newman e Batlley (2013); Browning et al. (2014)


e Sanguinetto (2015). Os autores conceituam como biofílico os estudos, design,
gestão e PU, que incluem os habitantes, a natureza e os elementos naturais,
no tratamento de uma cidade resiliente e sustentável onde os residentes estão,
direta e ativamente, envolvidos em aprender, desfrutar e cuidar da natureza e
com ela, desenvolvem conexões emocionais importantes.
Um PU biofílico tem base ecossistêmica, pois permite equilibrar vários
SES, ao mesmo tempo que fornece vários serviços aos habitantes. Não
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 55

constrói, apenas, uma cidade “verde”. Difere, também, do PU sustentável, que


comporta a parte bio, com características do mundo natural – vegetação, água
e outros elementos naturais ao espaço urbano e à comunidade.
A condição de cidade verde é necessária, mas não suficiente para o PU
biofílico. O philos que inclui o cuidado com a natureza, a reaproximação entre
as pessoas e a interconexão com a maior quantidade de elementos da natureza
é tão importante quanto o bio – uso intensivo dos elementos naturais
(NEWMAN, 2014).
Literalmente, biofilia significa – amor pelos sistemas vivos.
Etimologicamente, bio é vida, ou presença da natureza e philos – filia – filosofia.
Segundo Newman e Batlley (2013), a filosofia é os moradores envolverem-se
em aprender, apreciar e cuidar da natureza ao seu redor , na restauração e no
cuidado e desenvolverem importantes inter-relações emocionais, no contexto
da natureza. Contemplar flores e sentir seu perfume, observar os pássaros e
outros animais, apreciar a paisagem, descansar sob as árvores e se engajar
coletivamente, pode reduzir o estresse, diminuir os batimentos cardíacos e
acalmar os ânimos.
O design urbano biofílico serve para alcançar a resiliência urbana
ecológica, econômica e socialmente. No longo prazo, qualifica experiências
com a natureza e reforça a conexão com um papel importante na educação,
compreensão, restauração e conservação da natureza com objetivo de
melhorar a saúde e o bem-estar dos habitantes, e nutrir o amor pelo lugar
(BROWNING et al., 2014).
Como exemplo de intervenção em design urbano biofílico, Medellin,
também é exemplo com o Parque de los Pies Descalzos onde as
multissensações afetam os sentidos, ao pisar na areia, na água e em pisos com
diversas texturas e níveis, com trilha irregular, entre densa folhagem de
bambuzal, disposta como passarelas de pedestres. Projetado pelos arquitetos
Bedout e Vélez (2013), o espaço urbano central é de uso público, recreativo e
cultural, localizado em área movimentada, com atividades sensoriais para o
usuário perceber texturas, temperaturas, cheiro e cores que estimulam todos
os sentidos.
Newman e Batlley (2013) elencam uma lista de indicadores, para uma
cidade ser considerada biofílica, desde os referentes às infraestruturas,
comportamentos, atitudes e conhecimentos. Dentre estes os autores
56

quantificam a presença e a valorização de elementos da natureza e


preocupação dos moradores com esses elementos, de maneira a viverem mais
tempo fora de casa, pela forte conexão e experiência em caminhada, ciclismo,
observação de pássaros, do céu, dos jardins, e o estímulo ao vínculo social e a
resiliência da comunidade.
Outro indicador é a construção de infraestrutura verde/azul (vegetação
e água). Esta pode restaurar áreas úmidas, vegetar espaços para equilibrar a
temperatura e a criação de parques para recuperar e produzir água, amortecer
as cheias e reduzir inundações. São vias indiretas que estimulam ou aumentam
benefícios e comportamentos indutores de saúde, diminuição de estresse e
aumentam a resiliência do indivíduo e da cidade. Outras tipologias de design
urbano sensível à água são indicadores de cidade biofílica como as instalações
de paredes verdes, jardins verticais e telhados jardins (NEWMAN; BATLLEY,
2013).
A metodologia biofílica ainda é recente nas cidades do mundo, muito
embora diversas cidades norte-americanas incentivem intensamente, com
subsídios, e em outras, é obrigatória (NEWMAN; BATLLEY, 2013).
A cidade planetária de urbanismo biofílico é Singapura. Esta ilustra a
possibilidade de cidades densas serem capazes de regenerar sistemas naturais
ou criar ecossistemas urbanos nunca considerados possíveis, usando as
estruturas existentes como conectores de parque e os terraços dos edifícios,
demonstrando como o desenvolvimento dessas áreas verdes e edifícios verdes
estão sendo regeneradores dos sistemas naturais da cidade (NEWMAN, 2014).
Lá, segundo o autor, criam um ecossistema urbano semelhante à estrutura
original, mas com melhores resultados de biodiversidade. A rapidez com que
Singapura aumentou a biodiversidade é uma homenagem ao seu compromisso
com a inovação na gestão e no PU.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A natureza sempre foi um bem para a ciência e para a vida. Isto é motivo
suficiente para reconhecer e perceber o funcionamento do planeta que é a
base do desenvolvimento humano e entender que a cidade, como um sistema,
é formada pelo conjunto de seres vivos e não vivos, conforme o conceito de
Odum (2004). Assim, a gestão e o PU precisam considerar todos os seres e o
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 57

outro, pois não há mais lugar para descontinuidades entre a natureza e a


sociedade, não há mais lugar para o maltrato aos ecossistemas, não há mais
lugar para fragmentações, seja da biodiversidade ou da sociedade. Já
esculpimos no planeta terra uma pegada ecológica tão enorme, que denunci a
uma nova era, o Antropoceno, razão pela qual Krenak (2020) exclama que
deveria soar como um alarme. Os políticos precisam se conscientizar que a
opinião pública exige soluções para a manutenção da biodiversidade e dos SES.
Superar a crise da biodiversidade e dos impactos aos ecossistemas
transpassa a área da ciência e deve contar com técnicas e metodologias
diferenciadas, integrados a políticas para encampar essas metas.
Supõe-se que um PU e gestão, com visão sistêmica, necessitem ser
integrados à governança urbana com legislação adequada.
Além disso, para compreender a complexidade dos problemas, requer
a integração de saberes, interconectando as dimensões que compõe a cidade -
sociedade, meio ambiente e instituições, protegendo a diversidade cultural e
econômica e os recursos, por isso há necessidade de equipe de trabalhos de
alta capacidade técnica inter e transdisciplinar.

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62
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 63

Capítulo 3

O CONCEITO DE PATRIMÔNIO HÍDRICO APLICADO A PRÁTICAS


DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Salvador Carpi Junior7

INTRODUÇÃO

O patrimônio hídrico, também denominado de patrimônio hidrológico


ou patrimônio da água é um conceito que apresenta um grande potencial de
aplicação na educação ambiental e patrimonial. Neste trabalho serão
respeitadas essas distintas denominações conforme a fonte de informação,
bem como será elucidada a integração entre Educação Patrimonial e Educação
Ambiental.
A literatura brasileira traz poucas citações sobre o Patrimônio Hídrico e
na maior parte vinculadas às ações promovidas por grupos sociais de atuação
local, ou então às leis de proteção natural comumente implementadas por
prefeituras municipais.
Em virtude de consistir num conceito pouco trabalhado no Brasil, há no
mínimo dois aspectos a serem destacados sobre o patrimônio hídrico. Um
deles é a escassez de referências bibliográficas que possam elucidar ou debater
o tema com distintos pontos de vista. Por outro lado, uma ideia inovadora abre
amplas perspectivas para a construção coletiva ou individual do conceito.
Algo que pode ser debatido nessa construção conceitual se o
patrimônio hídrico deve ser considerado como integrante do patrimônio
natural, do patrimônio cultural, ou de ambos, ou, ainda, como uma categoria
própria ou independente. A água em si é um elemento natural, mas apresenta

7
Doutor em Geociências e Meio Ambiente, Geógrafo, Instituto de Geociências - Universidade
Estadual de Campinas-SP. E-mail: scarpi@gmail.com
64

um significado econômico e cultural resultante das relações da sociedade com


a natureza. E esse significado é incorporado na noção de patrimônio, pois a
apropriação econômica e cultural da água traz implicações importantes na
atribuição de seu valor para a humanidade.

PATRIMÔNIO HÍDRICO E PATRIMÔNIO NATURAL

O patrimônio hídrico é integrante do patrimônio natural, pois se refere


ao valor intrínseco da água como elemento da natureza e indispensável à vida.
Entretanto, assim como os bens patrimoniais relacionados à natureza também
são componentes do patrimônio cultural, assim também é em relação à água,
que é um bem cultural da humanidade com importância e significados
atrelados a cada contexto histórico e geográfico. Em outras palavras, a noção
de patrimônio hídrico traz implicações indispensáveis para a proteção da água
e para a valorização das manifestações culturais relacionadas a ela.
Ferrão e Freitas (2015) comentam sobre a importância da água como
bem público e patrimônio da humanidade, mas paradoxalmente omnipresente
e escasso:

Assim, a água é um bem precioso, paradoxalmente. Omnipresente


porque, do ponto de vista meramente natural, ela modela a Terra
existindo em seus três estados, um pouco por todo o lado, à superfície,
em profundidade e na atmosfera, sendo o principal constituinte dos
organismos vivos, incluindo o Homem. Escasso porque, do ponto de
vista da necessidade humana, a água doce necessária a diversos usos é
uma pequeníssima porcentagem da água total da Terra e com uma
distribuição global muito desigual. Escasso, ainda, porque o Homem, de
forma algo irresponsável, compromete a sua qualidade e altera
irresponsavelmente o equilíbrio da generalidade de seus reservatórios.
Devido a opções de organização da vida humana pouco equilibradas
com as lógicas ambientais da Terra, em especial uma urbanização
massiva, deficientemente planejada ou sem qualquer planejamento e
opções de desenvolvimento desadequadas, o Homem vem agravando
os riscos e os desastres relacionados seja como um “excesso”
(inundações e alagamentos) ou “falta” (secas) de água. (FERRÃO;
FREITAS, 2015, p. 3-4).

No Brasil, esse paradoxo é vivenciado pelas populaç ões espalhadas pelo


seu vasto território. Enquanto a região amazônica apresenta águas superficiais
abundantes, algumas regiões do país sofrem com escassez hídrica na maior
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 65

parte do ano, como no semiárido nordestino ou na estação seca representativa


da sazonalidade em grande parte do país. Mas quando se trata da água como
bem patrimonial, a escassez deve ser considerada também pela sua
disponibilidade para consumo humano, que é afetada negativamente pela
poluição e contaminação, o que é comum nas áreas mais impactadas pela
agropecuária, mineração e indústria, bem como pelos efeitos diretos e
indiretos da urbanização.
O estudo científico sobre o patrimônio hídrico deve ser eminentemente
holístico e sistêmico, pois ressalta as relações entre a sociedade e a natureza,
procurando incorporar os elementos da paisagem relacionados e ele.
Para Follmann et al.,

o patrimônio da água se configura quando o recurso hídrico apresenta


especial interesse, definido por meio dos valores a ele atribuídos. Dentre
os quais estão o valor científico, estético, ecológico, econômico e
cultural, incorporando-se a expressão das práticas sociais, em qual a
reivindicação à função ligada ao recurso, também define um patrimônio.
Assim, a valorização da paisagem, considerando o patrimônio hídrico,
implica na integração e conhecimento dos demais elementos que a
compõem. (FOLLMANN et al., 2018, p. 319).

Segundo Pereira, Cunha e Teodoro (2016), o patrimônio hidrológico


pertence à porção abiótica do patrimônio natural, sendo considerado

um conjunto de elementos pertencentes aos recursos hídricos, de


natureza superficial (exsurgências/ressurgências, rios, lagos, barragens,
mares e oceanos), que possuam um valor científico, pedagógico,
econômico, ecológico, de uso e/ou estético. (PEREIRA; CUNHA;
TEODORO, 2016, p. 295).

A noção de patrimônio natural é construída a partir de uma herança


recebida da natureza ao ser humano e demais seres vivos, conforme o contexto
cultural que vivenciamos. Do mesmo modo, herdamos de nossos
antepassados, temporal e geograficamente próximos ou distantes, os bens
culturais que promovem a ideia de patrimônio cultural. Como a história em seu
sentido social e a história natural do planeta Terra são intrinsecamente ligadas
entre si, igualmente não há como dissociar natureza e cultura, principalmente
nos tempos atuais.
66

Assim, a proximidade conceitual entre patrimônio e herança traz a


reflexão sobre a necessidade de não só usufruir dos bens naturais e culturais
recebidos, mas também de cuidar, preservar, recuperar o patrimônio
ameaçado ou em processo de destruição/extinção.
Ao se tratar do patrimônio natural, há de se considerar que esse
adjetivo “natural” deve ser relativizado, em função da intensa ação humana
sobre o Planeta Terra. O “natural” se refere a uma natureza transformada, isto
é, não original, com essa transformação ocorrendo de forma diferenciada em
cada porção da paisagem, mas não perdendo de vista que praticamente toda
a superfície da Terra apresenta alguma alteração antrópica direta ou indireta.
Portanto, o reconhecimento e tombamento de determinadas áreas
como se constituindo em bem de patrimônio natural, considera essas
alterações, admitindo, por exemplo, a presença dessas alterações de origem
antrópica, percebidas como elementos da paisagem.
Segundo Oliveira e Argolo Ferrão (2011), a Unesco nomeia áreas como
Sítios do Patrimônio Mundial Natural nos quais a proteção ao ambiente, o
respeito à diversidade cultural e às populações tradicionais são objeto de
atenção especial. Os sítios geram, além de benefícios à natureza, uma
importante fonte de renda oriunda do desenvolvimento do ecoturismo. Desse
modo fica fácil comprovar a intrínseca relação que há entre patrimônio natural
e desenvolvimento regional sustentável.
Para o caso de patrimônio natural, a área a ser reconhecida como de
valor universal (patrimônio mundial) deve corresponder a pelo menos um dos
seguintes critérios:
a) Estético: paisagens notáveis e de excepcional beleza ou numa
condição de paisagem de exceção. Exemplo: Jardim Botânico de
Pádua, na Itália;
b) Ecológico: sítios correspondendo ao habitat de espécies em risco
ou que contenham processos ecológicos e biológicos importantes.
Exemplo: remanescentes da Mata Atlântica;
c) Científico: áreas que contenham formações ou fenômenos naturais
relevantes para o conhecimento científico da história natural do
planeta. Exemplo: vulcão, geleira.
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 67

As medidas para mitigar a degradação ambiental dos sítios do


patrimônio natural que busquem a sustentabilidade do ambiente e de seus
recursos sociais e naturais devem ocorrer nas diferentes escalas, globais,
nacionais e locais. Na escala local, destacam-se as práticas que podem ou
devem ser adotadas por todos, o modo de vida das pessoas e ações individuais
e coletivas.
Santos (2004) afirma que o mundo existe como possibilidade, enquanto
o lugar existe como oportunidade para os eventos. O problema ambiental,
portanto, está presente no lugar, onde fica evidente a organização da
sociedade. Isso mostra como pode ser importante as ações do indivíduo em
prol da melhoria das condições de vida do ambiente, pois é no lugar que as
pessoas podem exercer maior influência nesse sentido. Assim, entra o papel da
Educação especialmente voltada à valorização do patrimônio local ou regional.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Todas as vezes que as pessoas se reúnem para construir e dividir


conhecimentos, investigar para conhecer melhor, entender e transformar a
realidade que as cerca estão realizando uma ação educativa. Quando tudo isso
é feito levando em conta algo relativo ao patrimônio cultural, então, trata-se
de Educação Patrimonial.
A Educação Patrimonial constitui-se de todos os processos educativos
formais e não formais que têm como foco o patrimônio cultural, apropriado
socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências
culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu
reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera-se, ainda, que os
processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do
conhecimento, por meio da participação efetiva das comunidades detentoras
e produtoras das referências culturais, onde convivem diver sas noções de
patrimônio cultural (IPHAN, 2020).
Partindo desse pressuposto, a Educação Patrimonial é um processo
educativo centrado no patrimônio cultural e que se volta à aquisição de valores
e comportamentos que permitam seu reconhecimento, valorização e
preservação.
68

Como a Educação Patrimonial é essencialmente interdisciplinar, o


Ministério da Educação e Cultura (MEC) preconiza que
a Educação Patrimonial na escola faz parte do currículo como tema
transversal, integrando-se ao conteúdo das diversas áreas de
conhecimento com o propósito de sensibilizar os jovens do ensino
básico e médio para conhecer, valorizar e proteger o patrimônio
cultural. (MEC, 2021, p. 5).

Pelo fato de que os elementos que compõem o patrimônio natural


também são constituintes do ambiente, devemos também tratar da
importância da Educação Ambiental para a preservação e valorização dos sítios
do patrimônio natural. Neste caso, verifica-se o papel fundamental da
Educação Ambiental no setor mais formalizado de educação, procurando -se
despertar um olhar crítico dos discentes para as problemáticas
socioambientais na expectativa de haver mudanças de percepção e valores de
como agir, pensar e sentir no e com o meio ambiente ao seu entorno com ética
e responsabilidade no proceder das ações.
Assim, os professores, no âmbito escolar, devem estar atentos para as
desenfreadas formas de degradação dos recursos in natura, e assim serem
capazes de criar ponderações em seus alunos, orientando-os de seus deveres
enquanto um ser cidadão e de sua responsabilidade de pensar o meio
ambiente começando pelo seu lugar. Nesse sentido, Amador (2016) realça que
as preocupações com o meio ambiente envolvem, diretamente o lócus em que
estamos inseridos cotidianamente. Por isso a Educação Ambiental é de
extrema importância, sobretudo quando aplicada levando em consideração a
realidade que o aluno está inserido, pois a educação é o fio con dutor que
possibilita o apoderamento de conhecimento.
Diante de tais considerações, nota-se que há bastante confluência entre
ambas: Educação Patrimonial e Educação Ambiental. Entre os pontos de
convergência, podem ser citados:
a) a relevância em trabalhar as relações entre a sociedade e a
natureza;
b) trabalhar os conceitos de lugar, paisagem e território, que são
importantes categorias de análise geográfica;
c) considerar a importância da conscientização ambiental, se
utilizando das noções de paisagem, percepção, topofilia, memória,
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 69

lugar, identidade, pertencimento, valoração, cidadania, entre


outros;
d) ambas podem ser aplicadas tanto no âmbito da Educação Formal
como não formal.
Assim, pode ser notada uma integração entre os conceitos e práticas já
consagradas no contexto da Educação Ambiental com as inovações propostas
na Educação Patrimonial. Com isso, os ganhos obtidos com essa integração
podem alavancar as aplicações do conceito de Patrimônio Hídrico, uma vez que
as práticas pedagógicas são muito importantes na construção e manutenção
de uma consciência voltada à valorização da água.

RIO TIETÊ: UM PATRIMÔNIO HÍDRICO MODIFICADO, POLUÍDO E AMEAÇADO

Há inúmeras experiências realizadas no Brasil relacionadas a práticas de


Educação Ambiental, muitas delas enfatizando a água, principalmente
vinculadas aos rios. Neste trabalho será enfocada uma série de atividades
pedagógicas tomando por base o rio Tietê, por consistir em um rio-patrimônio
que foi e tem sido descaracterizado, poluído e continuamente ameaçado pela
ação antrópica.
Documentos históricos, iconográficos e cartográficos atestam a
importância do rio Tietê como bem de patrimônio hídrico, somando-se a sua
grande importância na história da ocupação do interior paulista e do Brasil, no
nível econômico e cultural, apesar das intensas transformações sofridas a
partir de sua paisagem original.
O trecho do médio Tietê já havia sido objeto de estudo no trabalho de
Carpi Junior (2010), que exemplificou uma série de casos de vinculação da
pesquisa científica na defesa do patrimônio natural. A definição das unidades
geoambientais no Vale do Médio Tietê (SP) e de suas características
fundamentais possibilitou constatar que o conhecimento geográfico pode
agregar maior valor turístico e pedagógico para o patrimônio natural local, pois
a grande maioria da população local e dos turistas desconhece uma série de
particularidades acerca dos atrativos. Além disso, a correlação entre as
características das unidades identificadas e a localização dos elementos
patrimoniais permite uma ampliação quantitativa dos atrativos, incorporando
novas formas de percepção do território. A valorização do geopatrimônio
regional pode, assim, fazer frente ao avanço predatório das atividades
70

antrópicas que têm ameaçado a integridade física e cultural dos atrativos e de


suas condições ambientais.
O rio Tietê tem sua nascente no município de Salesópolis, a uma altitude
de 1.030 metros na Serra do Mar, distando apenas 22 km do Oceano Atlântico,
onde foi criado o Parque Estadual “Nascentes do rio Tietê” (SOUZA; CARPI
JUNIOR, 2016). Mesmo se posicionando muito próximo ao litoral, a barreira
orográfica da Serra do Mar faz com que inverta seu curso, percorrendo 1.136
km sentido interior do continente, até sua foz no Rio Paraná, na divisa com o
Estado do Mato Grosso do Sul (Figura 1).
Observa-se que quase todo o curso do rio Tietê é formado pelos lagos
de barragem e os remansos dos reservatórios chegam até a base das barragens
de montante. Se, por um lado, tornou-se praticamente um “ex-rio”, com sua
dinâmica fluvial alterada e a extinção de inúmeras cachoeiras e corredeiras, há
aqueles que veem o benefício econômico dessa nova condição como sendo
amplamente favorável para o transporte hidroviário, favorecendo o
escoamento de matérias-primas e da produção industrial e agropecuária.

Figura 1 – Localização do rio Tietê no Estado de São Paulo

Fonte: Adaptado de Zancopé e Carpi Junior (2009).


Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 71

O rio apresenta-se relativamente límpido e vivo numa extensão superior


a 90 km, desde as suas nascentes até alcançar os limites a leste da mancha
urbana de São Paulo. Entretanto, o crescimento industrial e populacional da
área metropolitana da São Paulo resultaria, a partir de meados do século XX,
no agravamento das condições sanitárias do rio, o que corrobora com Ferraz
(2000), que menciona que, a partir de 1930, passou a receber maior
quantidade de esgoto industrial e doméstico.
Seabra (2015) enfatiza que esses dois processos – urbanização e
industrialização – ocorreram concomitantes e se explicam entre si. No entanto,
para a autora, a mesma indústria, que foi símbolo da modernização na
organização da cidade de São Paulo usando do aproveitamento hidrológico do
Alto Tietê, seja para abastecimento ou para a produção energética, também
interferiu e transformou os ecossistemas locais, alterou o curso natural do rio
e o usou como condutor de seus dejetos.
O resultado desses processos tem afetado as cidades do Médio Tietê e
da própria Região Metropolitana de São Paulo, num trecho anteriormente
privilegiado em termos de paisagem natural, e que são diretamente atingidas
pelo impacto das medidas e obras localizadas a montante.
Dentre as cidades da Região Metropolitana que o rio Tietê margeia e
que sofreram diretamente as consequências decorrentes do processo de
poluição associado à urbanização e industrialização, estão Santana de Parnaíba
e Barueri. Ambos os municípios se localizam na Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP), e são banhados pelo rio Tietê, que nesse trecho localiza-se à
jusante da capital paulista (Figura 2). Logo, sofrem com a poluição gerada nas
demais áreas da RMSP, situadas a montante do rio, principalmente o esgoto
doméstico e industrial lançado sem o devido tratamento.
É nesse cenário de poluição do rio margeando essas cidades que se
inserem os trabalhos realizados na perspectiva do uso da memória em práticas
educativas, com o objetivo de despertar para um olhar crítico sobre a atual
situação degradante e provocar inquietações para refletir sobre ações práticas
locais que poderiam contribuir para diminuir o impacto ambiental no rio.
A contribuição desses relatos saudosos foram fundamentais para o
desenvolvimento de práticas pedagógicas que levassem os estudantes a
refletir sobre as mudanças na paisagem do rio Tietê. As atividades realizadas
72

na perspectiva do uso da memória em práticas educativas tiveram por objetivo


despertar nos alunos um olhar crítico sobre a poluição hídrica e provocar
inquietações que os levassem a pensar sobre ações práticas locais que podem
contribuir para diminuir o impacto ambiental no rio.

Figura 2 - Localização de Santana do Parnaíba e Barueri em relação ao rio Tietê e Região


Metropolitana de São Paulo

Fonte: Souza e Carpi Junior (2022).


Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 73

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO RESGATE DA MEMÓRIA DO RIO TIETÊ

No contexto dos estudos ambientais e em práticas pedagógicas, um


importante método de ampliação de conhecimento consiste na utilização da
memória das pessoas que têm acompanhado as modificações pelas quais
passam determinada paisagem ou lugar. A valorização da memória dessas
pessoas pode colaborar na mudança de atitudes daqueles que participam das
atividades educacionais, em âmbito escolar ou não, pois podem passar a
promover uma melhoria e ampliação da conscientização com vistas ao
ambiente em que convive.
Considerando-se que no território brasileiro é muito comum a
vinculação entre a vida urbana e os cursos d’água, há muita memória
acumulada nas pessoas que acompanham ou presenciaram essas
transformações, ao se lembraram das alterações no cheiro e cor da água, da
disponibilidade de peixes, de enchentes ou de redução drástica de vazão,
apenas para citar alguns exemplos.
A valorização e resgate da memória individual e coletiva propicia ao
sujeito situar-se no tempo e no espaço em que vive, conhecer aspectos do
passado como constituidor do presente. Ou seja, a memória constitui-se em
importante instrumento de resgate das transformações sofridas pela paisagem
de determinado lugar, inclusive possibilitando uma comparação entre sua
situação pretérita e atual.
Com o interesse em conhecer, na visão dos moradores, a função do rio
em meados do século XX, quando ele era limpo, bem como o que esses pensam
sobre a situação degradante do rio nas cidades de Santana de Parnaíba e
Barueri, foram levantados alguns questionamentos: O que representava o rio
para os moradores de Santana de Parnaíba e Barueri quando limpo? Seria
possível vislumbrar o rio limpo novamente?
A partir dessas premissas, o trabalho inicial realizado por Melo (2013)
em Santana de Parnaíba objetivou compreender como ocorreu a ocupação da
cidade nas margens do rio Tietê para então buscar nos relatos saudosos dos
antigos moradores a compreensão da mudança drástica da paisagem local do
rio. Trata-se de um passado em que a relação intimista com o rio decorria de
momentos marcados por atividades econômicas, esportivas ou por momentos
de lazer junto à família às margens ou no próprio rio.
74

O trabalho descrito por Souza e Carpi Junior (2016) agregou o município


de Barueri em atividades envolvendo alunos do Ensino Fundamental II, da
Escola Municipal de Ensino Fundamental (E.M.E.F.) “Prof. Alexandrino da
Silveira Bueno”, localizada no bairro do Jardim Silveira, aproximando-se de
práticas de educação ambiental formal, isto é, no contexto escolar. Nesse
ponto, o trabalho teve por objetivo envolver alunos na busca de relatos dos
moradores do bairro que viram o rio limpo, haja vista que o rio Tietê margeia
a cidade e partiu do pressuposto que os alunos desconheciam a importância
histórica, econômica e geográfica desse rio, fundamental no povoamento da
cidade de Barueri.
A partir do estudo já realizado em Santana de Parnaíba, foi possível aliar
o uso da memória – a partir dos relatos dos moradores de Barueri – com
práticas pedagógicas que levassem os alunos a refletir sobre como ocorreram
as transformações na paisagem do rio Tietê. Desse modo, no decorrer do ano
letivo de 2015, Souza e Carpi Junior (2016) se aproximaram de práticas de
educação ambiental formal, no contexto escolar, c om o intuito de envolver os
alunos no resgate e relatos saudosos dos moradores que viram o rio limpo,
analisando a aplicação de importantes conceitos no ensino de Geografia,
dentre os quais a noção de Dinâmica da Paisagem.
No ano letivo de 2018 os alunos da E.M.E.F. “Prof. Alexandrino da
Silveira Bueno” analisaram como ocorreram as transformações na paisagem a
partir do resgate de memórias do rio Tietê, o que resultou no trabalho de Souza
(2018). Os alunos realizaram o reconhecimento cartográfico do percur so do rio,
levantamento da história oral, aplicação de técnicas de entrevista
semiestruturada com utilização de formulários, elaboração de desenhos com
representação das transformações do rio, acompanhados do estudo do meio,
que consistiu numa conciliação entre estudo teórico e prática.

Localizando o rio Tietê

Por meio de questionamentos feitos a alunos em sala de aula, as


respostas revelaram que a grande maioria dos alunos desconhecia a localização
e identificação da bacia hidrográfica do rio Tietê no Estado de São Paulo. Para
iniciar as atividades, os alunos identificaram o rio Tietê na bacia hidrográfica do
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 75

Estado de São Paulo, e para tanto foi usado o mapa Rede Hidrográfica do
Estado de São Paulo, escala 1: 1.000.000 (Figura 3).

Levantamento da história oral e realização de entrevistas

Na associação entre paisagem e memória, Costa (2003, p. 5) analisa que


“a relação entre o indivíduo e a paisagem, é, portanto, mediatizada por uma
rede simbólica cuja materialidade traz também o imaterial, algo visível que
mostra o invisível, um gesto que significa valor”. Sob esse ponto de vista, as
memórias dos moradores que viram a paisagem de um rio limpo é o imaterial,
o invisível, o que está vivo nas lembranças dessas pessoas. Na atualidade, nem
de longe essas memórias refletem a atual situação do rio.

Figura 3 – Atividade de identificação do rio Tietê no Estado de São Paulo

Fonte: Souza e Carpi Junior(2022).

Para trazer à tona essas lembranças, considera-se que memória em seu


aspecto histórico-social é, por excelência, muito pertinente aos idosos que têm
uma forte ligação com o lugar onde estão inseridas e enraizadas suas
lembranças. Por esta razão, na realização do presente trabalho, buscou -se
conhecer pessoas que viram o rio limpo entre os anos 1940 e 1970 para analisar
76

as transformações na paisagem a partir das memórias e relatos de moradores,


professores e responsáveis dos alunos, com destaque para avós e avôs de
alunos.
Os relatos dos moradores (SOUZA, 2018) mostram quem viu o rio Tietê
limpo na década de 1960 e descrevem suas impressões sobre a paisagem do
rio antes e depois da poluição, notadamente o rio no passado como local de
lazer e a tristeza da situação atual. Os depoimentos foram importantes para as
análises das mudanças nas paisagens juntamente aos alunos, pois permitiu o
contato de alguém que testemunhou e vivenciou momentos no rio ainda
limpo. É a prova da importância do rio no passado. Foi interessante observar o
envolvimento emocional dos alunos e dos entrevistados quando traziam à tona
as lembranças saudosas do rio. Alguns entrevistados se emocionaram
detalhando os momentos no rio ainda limpo.
Por fim, para uma análise do conhecimento prévio dos alunos a respeito
das mudanças das paisagens do rio Tietê ao longo das décadas, se fez uso do
desenho. Para Iavelberg e Castellar (2007, p. 164), o desenho, para os alunos,
são “o ponto de partida para explorar o conhecimento que elas têm da
realidade e dos fenômenos que querem representar”, e indicam três
modalidades de desenho que podem ser usadas: desenho de memória,
imaginação e observação. No caso deste trabalho, se fez uso do desenho de
imaginação e observação.
Para iniciar o desenvolvimento das atividades, foi solicitado aos alunos
que realizassem três desenhos: no primeiro como imaginavam o rio no início
do século XX (Figura 4). No segundo, que representassem o rio como é
observado hoje (Figura 5); e, por fim, no terceiro desenho (Figura 6), como
imaginam ou esperam que o rio esteja até o final do século XXI, fazendo assim
um recorte de aproximadamente duzentos anos.
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 77

Figura 4 – Desenhos representando como os alunos imaginavam o rio Tietê no passado

Fonte: Souza e Carpi unior (2022).

Figura 5 – Desenhos que representam o rio como o observam atualmente

Fonte: Souza e Carpi Junior (2022).

Figura 6 – Desenhos que representam o rio como os alunos o imaginam no futuro

Fonte: Souza e Carpi Junior (2022).


78

Quando foi solicitado um desenho que imaginassem como estaria o rio


Tietê ao final do século XXI, ficou evidente, na maioria dos desenhos, a
esperança de um dia voltar a ver o rio Tietê limpo, com práticas esportivas e de
lazer, e atividades econômicas.

Visita ao Memorial do Tietê, em Salto, e percurso entre Itu e Barueri

Lopes e Pontuschka (2009, p. 174) enfatizam que o estudo do meio


proporciona para alunos e professores um contato direto com a realidade
estudada. Os autores afirmam que o estudo do meio “pode tornar mais
significativo o processo ensino-aprendizagem e proporcionar aos seus atores o
desenvolvimento de um olhar crítico e investigativo sobre a aparente
naturalidade do viver social” (2009, p. 174).
Assim, articulando teoria e prática, no dia 15/06/2018 foi realizado o
estudo do meio que visava à observação direta da paisagem. Os alunos
visitaram o Memorial do Tietê, em Salto, onde, acompanhados de um guia
local, ouviram explicações e viram imagens que retratavam a importância
histórica, geográfica, econômica e cultural do rio (Figura 7).

Figura 7 – Alunos no Memorial do Tietê

Fonte: Souza e Carpi Junior (2022).

Em caminhada próxima ao Memorial do Tietê, localizado às margens


do rio, os alunos tiveram a oportunidade de observá-lo, com destaque para a
grande quantidade de espumas que flutuam sobre ele (Figura 8).
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 79

Figura 8 – Observação do rio Tietê, com destaque para suas espumas

Fonte: Souza e Carpi Junior (2022).

No percurso de retorno pela Rodovia dos Romeiros e Estrada Parque,


situadas às margens do Rio Tietê, os alunos observaram a sinuosidade da
estrada que acompanha o curso do rio, que contrasta com o percurso mais
retilíneo próprio das proximidades de Barueri. Em algumas paradas de
observação, os alunos se impressionaram com a quantidade de espumas, o
mau cheiro e as águas extremamente escuras (Figura 9).

Figura 9 – Alunos coletando amostras de água do rio Tietê

Fonte: Souza e Carpi Junior (2022).


80

O estudo do meio foi um significativo facilitador para os alunos


compreenderem e analisarem as mudanças nas paisagens do rio Tietê,
confrontando os relatos deste rio limpo no passado com a paisagem atual e
observada no percurso pela Estrada Parque e Estrada dos Romeiros, além
disso, possibilitou um conhecimento a mais sobre a importância do rio para o
Estado de São Paulo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presença de pesquisas, e também a ausência destas, sobre a


relevância histórica, cultural e ambiental de inúmeras áreas do território
brasileiro mostra a necessidade do desenvolvimento de trabalhos em
educação patrimonial, tendo como foco de análise a riqueza do patrimônio
histórico-cultural e natural dessas áreas, buscando ampliar o repertório de
conhecimentos sobre as especificidades desse patrimônio para professores,
estudantes e a comunidade em geral, visando a sua valorização e preservação
no presente e para as gerações futuras.
A ampliação da conscientização ambiental somente é possível com a
adoção de metodologias científicas interdisciplinares e práticas pedagógicas
transversais, desenvolvidas seja na Educação Formal, seja na educação não
formal. Na educação formal, a transversalidade do conhecimento a ser
abordado nas escolas é previsto em parâmetros curriculares estabelecidos
pelas instituições normatizadores do Estado. A educação não formal, por sua
vez, ocorre fora das instituições de ensino, com destaque para ações
promovidas em ONGs, fundações, entidades da sociedade civil, empresas etc.
Por último, deve ser destacado que para que ocorra a valorização e
defesa do patrimônio natural, e patrimônio cultural como um todo, é
imprescindível que as atividades de pesquisa e ensino sejam mais bem
implementadas em nosso país, com investimentos maciços por parte do poder
público em suas mais diversas instâncias.

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84
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 85

Capítulo 4

VIDAS SECAS E RIOS SEM DISCURSO: UMA ABORDAGEM


SOCIOAMBIENTAL

João Adalberto Campato Jr.8

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Tendo em vista a complexidade da realidade ambiental, procura-se


refletir sobre o meio ambiente e sobre a educação ambiental com base numa
perspectiva socioambiental, em que se abordam os aspectos mencionados
como uma intrincada rede de relações entre elementos naturais, biológicos,
sociais e culturais, que se influenciem mutuamente e de maneira continuada.
Para auxiliar na gestão desse processo reflexivo, vale -se aqui de dois
textos literários, que, por meio de particularidades do conteúdo (significado) e
da forma (significante), ilustram diversas dimensões do meio ambiente e da
educação ambiental, esclarecendo criticamente os dois conceitos. Os textos
em questão são Vidas Secas – romance regionalista da Geração de 1930, de
autoria do alagoano Graciliano Ramos (1892-1953) - e o poema “Rio sem
discurso”, de autoria do pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920 -1999).
O primeiro foi publicado em 1938; o segundo, em 1966.
Com isso, busca-se oferecer exemplos concretos, operatórios e
acessíveis com vistas a evidenciar que a literatura pode contribuir para a
formação e para o desenvolvimento de cidadãos conscientes, aptos a
decidirem e atuarem na realidade socioambiental, de modo emancipado,
comprometido com a vida, com o respeito à alteridade e com o bem-estar de
cada um.

8
Doutor. Professor Titular da Universidade Brasil. E-mail: campatojr@gmail.com
86

Para complemento de uma abordagem socioambiental, mostra-se de


extrema utilidade o exercício da Ecocrítica, estudo sistemático das figurações
do meio ambiente no discurso literário. Algumas das perguntas que os críticos
dessa tendência fazem são as seguintes: “Como a natureza está representada
na obra literária?”, “Qual o papel do cenário físico no enredo de um romance?”,
“Os valores expressos nessa obra são consistentes com a sabedoria
ecológica?”, “Os homens escrevem sobre a natureza diferentemente das
mulheres?”, “Como a crise ambiental vem se inserindo nos romances
modernos?”, entre muitas outras possíveis (COUTO, 2007, p. 438-439). Garrad
(2006, p.29) leva-nos a compreender a razão de tais perguntas, realçando o
aspecto que dá base à Ecocrítica:

Os problemas ambientais requerem uma análise em termos culturais e


científicos porque são o resultado da interação entre o conhecimento
ecológico da natureza e sua inflexão cultural. Isso implicará estudos
interdisciplinares que recorram às teorias literárias e culturais, à
filosofia, à sociologia, à psicologia e à história ambiental.

MEIO AMBIENTE E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Até certo tempo atrás, a concepção privilegiada de meio ambiente era


aquela rigidamente naturalista, adotando a postura simplific adora,
fragmentária e reducionista de que o meio ambiente era apenas o conjunto de
fatores naturais, físicos e biológicos da natureza.
Nesse contexto, se se questionasse às pessoas em geral sobre o que
compunha o meio ambiente, a resposta seria quase certe ira: florestas, rios,
montanhas, o ar. Havia, pois, um nítido hiato entre tais elementos e os seres
humanos, então considerados como observadores desligados e distantes da
natureza. Em outras palavras, minimizava-se o diálogo entre natureza e cultura
humana.
Eis algumas distorções e falsas dicotomias que tal visão difundia,
segundo Loureiro (2004, p. 34):

Ambiente como algo que nos rodeia, exterior, no qual não entra a vida
humana; (2) natureza como algo que está fora de tudo que se refere ao
humano; (3) oposição extrema entre ambiente natural (paraíso) e
ambiente construído (algo nefasto); 4) prática de campo entendida como
sinônimo de visita a ecossistemas naturais, como se o urbano não fosse
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 87

ambiente; e (5) noção de educação como meio para a salvação da


natureza, como se desta não fôssemos parte integrante e viva e como se
esta fosse fraca, ingênua e pura, precisando ser preservada das maldades
humanas.

É justamente sob a influência desse ideário naturalista – que estimula


uma visão dicotômica e polarizada entre natureza e sociedade – que a
Educação Ambiental é gestada (CARVALHO, 2012). Tal oposição, que teve
inúmeros propugnadores, precisou ser questionada para que se plasmasse
uma visão mais adequada do meio ambiente e, por conseguinte, da educação
ambiental.
Socioambiental era o nome dessa visão mais equilibrada e precisa,
dotada de mais capacidade de traduzir as articulações complexas que se
processavam no meio ambiente. O cerne dela era e é a relevância destinada às
relações de “interação permanente entre a vida humana social e a vida
biológica da natureza” (CARVALHO, 2012, p. 37).
Com efeito, torna-se empobrecedor não abordar o meio ambiente
como uma multifacetada e interdisciplinar rede tecida, a um só tempo, de
aspectos físicos e biológicos, como também culturais e sociais, num trato que
suscita alterações em todos os ingredientes de semelhante composto.
A figura humana passa a ser considerada de maneira mais sistemática e
atenta quanto à ação no meio ambiente, à luz de suas trocas com as dimensões
físicas e biológicas do meio. Passou a ser mais bem notado que o homem não
apenas modifica o seu entorno, como que é igualmente por ele modificado,
num processo mútuo e dinâmico, mas que nem sempre resulta em prejuízos,
podendo até ser um processo sustentável.
É preciso ressaltar que a visão socioambiental não desconsidera, nem
de longe, o pilar físico e natural da natureza (leis físicas e processos biológicos),
mas também não a considera um mundo autossuficiente, emancipado das
inegáveis influências das relações entre as dimensões sociais e culturais da
realidade (CARVALHO, 2012).
As práticas educativas cujos objetivos se concentram no trabalho com a
questão ambiental podem ser denominadas de educação ambiental, com a
importante ressalva que de que existem numerosas modalidades de educação
ambiental, desde as mais conservadoras até as mais críticas, tornando-se, por
88

tal motivo, absolutamente necessário que se especifique a identidade da


educação ambiental de que se fala quando a ela se reporta.
Considerando o escopo do presente texto e tendo em vista o conceito
de meio ambiente há pouco adotado, a educação ambiental a ser aqui
privilegiada será a de tendência ou tradição crítica, cujo fundamento principal,
no juízo de Guimarães (2004), consiste em figurar-se como um processo que
conduz à transformação da realidade socioambiental, com base numa visão
que não simplifica nem fragmenta a realidade, não fechando os olhos para suas
complexas relações.
Decorre daí um movimento que procura ser coletivo, local e global, não
comportamentalista, inter e transdisciplinar, pondo o foco da atenção na ação
política contextualizada transformadora e negando a biologização total do que
também é social. Vale destacar que duas das grandes referências teóricas dessa
linha de pensamento ambiental são os intelectuais brasileiros Paulo Freire
(1921-1997) e Milton Santos (1926-2001), respectivamente no cenário da
Pedagogia e no campo da Geografia.
A transformação postulada pelo bloco crítico ou emancipatório da
educação ambiental revela-se de considerável abrangência, superando aquilo
que o senso comum considera educação ambiental. Nesse quadro, a educação
ambiental crítica combate por mudanças que, no final das contas, buscam
redesenhar as relações de poder entre as classes soc iais e mesmo entre as
nações, sem falar na proposição de novos valores, padrões cognitivos,
cidadania renovada e formas menos alienadas e opressoras de vida (LOUREIRO,
2004).

VIDAS SECAS

Tão decididamente marcante é a presença de Vidas Secas na cultura


brasileira que terminou por integrar o rol das obras conhecidas até mesmo
pelos que não a leram. O romance do alagoano Graciliano Ramos (1892 -1953),
em sua estrutura desmontável de treze capítulos e se valendo de um fino estilo
conciso e cortante, relata a história de uma família de retirantes nordestinos.
Trata-se de um casal – Fabiano e Sinhá Vitória –, os filhos – dois meninos – e a
cachorra Baleia. Havia, também, o papagaio de estimação, que acabou
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 89

servindo de alimento no começo de um dos deslocamentos dos flagelados à


cata de ambiente salubre para viver minimamente bem.
A necessidade constante e sempre renovada de migrar já retrata o tom
lúgubre e angustiante de como a família vive às turras com o espaço, numa
relação dominante de topofobia, isto é, de certa aversão ao meio ambiente, e
que apenas, por vezes, dá lugar a uma incipiente topofilia, ou seja, uma
simpatia pelo local em que se está. Aponte-se, assim, que as personagens do
romance estão em explícita tensão com o espaço, em rígido conflito com o
ambiente. Começam a narrativa migrando em busca de um local mais
adequado para viver e finalizam o romance, igualmente, migrando. O espaço,
pois, desempenha destacada função de dificultar a ação, isto é, de
problematizar o anseio de Fabiano e Sinhá Vitória de se estabelecer num local
seguro, fértil e ameno com os filhos e bichos de estimação e aí levar uma vida
tranquila e sem sobressaltos.
O excerto que segue é o começo do romance, o capítulo I, intitulado
“Mudança”.

NA PLANÍCIE avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes.


Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e
famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam
repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três
léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos
juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo
escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio,
cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao
cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e
a cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais
velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
– Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Não obtendo resultado,
fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou
acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe
deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não
acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas
brancas que eram ossadas.
O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos
moribundos.
– Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração
grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca
aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança
90

irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas


dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.
Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que
pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.

A família guarda no corpo e na alma o selo da secura do semiárido


nordestino: são infelizes, têm fome e sede. Arrastam-se pela caatinga. Por
conta disso, o prenome da matriarca soa irônico, para não dizer sar cástico:
“Vitória”. A língua lhes é reduzida ao mínimo: trata-se de uma forma seca de
falar. É como se as palavras fossem retiradas à fórceps de pessoas que não têm
crença no poder de representação, de informação e de interação da
comunicação. O que predomina nas falas são maldições, xingamentos,
resmungos e interjeições. Não passe despercebido, ainda, que os dois meninos
nunca têm os nomes mencionados ao longo da história num visível processo
de coisificação.
Depois de muito caminhar, a família chega ao que parece ser uma
fazenda abandonada, lá se abrigando de passageira tempestade. Algum tempo
decorrido, o dono da propriedade se apresenta a Fabiano, convidando -o a ser
seu vaqueiro e meeiro na fazenda.
Fabiano aceita, dependendo inteiramente do proprietário, que passa a
lhe vender os alimentos, roupas e instrumentos de trabalho. Pior ainda:
durante os acertos de contas para efeito de seu pagamento, repetidamente o
patrão o engana, cobrando-lhe juros de empréstimos. Os cálculos que o patrão
lhe apresenta são diferentes daqueles previamente feitos por Sinhá Vitória.
Fabiano pouco reclama por medo e ignorância, já que não sabe ler. Acaba por
aceitar passivamente as justificativas do patrão.
Numa de suas idas à cidade para fazer compras na feira, Fabiano se
indispõe com um policial – o soldado amarelo – que lhe convidara para jogar
cartas, terminando por ser preso e espancado na cadeia. Como resultado,
sente-se extremamente humilhado e inútil. Tempos mais tarde, Fabiano se
encontrará novamente com o policial; o tal soldado amarelo andava perdido
pela caatinga. Podendo, desta feita, se vingar do agressor, não tem disposição
suficiente para a desforra, uma vez que se sentia obrigado a respeitar um
funcionário do governo.
A sensação de opressão, no entanto, se intensifica quando, na feira da
cidade, Fabiano, ao tentar vender um porco que ele mesmo engordara, é
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 91

multado e humilhado pelo fiscal da prefeitura, que lhe exigiu pagar impostos
para legalizar a comercialização de seu produto na feira.
Um dos episódios tingidos de profundo caráter dramático de Vidas
Secas é o da morte de Baleia, cachorra extremamente querida pela família. De
certo ângulo, constitui a personagem mais humana da narrativa, em virtude de
sua sensibilidade e de algumas reações e comportamentos apresentados. Por
contraste, a cachorra acaba sinalizando para a zoomorfização das personagens
humanas. Num lance de delicadeza e fidelidade, em pleno estertor depois do
tiro misericordioso recebido de Fabiano, consegue ainda se preocupar com o
destino e o bem-estar dos donos:

Abriu os olhos a custo. Agora havia uma grande escuridão, com certeza
o sol desaparecera.
Os chocalhos das cabras tilintaram para os lados do rio, o fartum do
chiqueiro espalhou-se pela vizinhança.
Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de noite? A
obrigação dela era levantar-se, conduzi-los ao bebedouro. Franziu as
ventas, procurando distinguir os meninos. Estranhou a ausência deles.
Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre, mas Baleia não
atribuía a esse desastre a impotência em que se achava nem percebia
que estava livre de responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o
pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de
suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas.
Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde
sinhá Vitória guardava o cachimbo. […]
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E
lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se
espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro
enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.

Corre o tempo e nada se altera substancialmente para a família de


Fabiano, que decide bater em retirada e ir à procura de outro sítio para morar.
Vidas Secas tem caráter cíclico, termina como começou, num deslocamento
espacial cujo resultado, igualmente, não é difícil de antecipar.
Muitos analistas e mesmo numerosos leitores não especializados
quiseram explicar o drama da família de retirantes exclusivamente como
consequência natural do espaço e do clima típicos da região. A vida no
semiárido – com um regime de poucas chuvas e vegetação quase inexistente –
não poderia ser outra senão uma existência de agruras e de toda sorte de
92

necessidades. Dessa ótica, o título da narrativa se reportaria a existências cuja


seca não quis que se desenvolvessem.
Se, todavia, se colocam no tabuleiro outras peças até agora deixadas de
lado e que mergulham mais fundo no aspecto socioambiental da questão, os
sentidos e os entendimentos da narrativa revelam-se bem outros. Se a
“secura” da vida de Fabiano, de Sinhá Vitória, dos filhos e da Baleia pudesse ser
explicada pela seca, por quais motivos, então, o atual patrão de Fabiano não
precisaria viver migrando dramaticamente?
A resposta pode apontar para a direção das relações de poder. Isso
porque o patrão da família, bem ou mal, é proprietário de terra, porque tem
alguma força política, porque tem certa competência linguística e
comunicativa. Por tudo isso, sua experiência e sua vivência do clima bem como
de todo o ambiente são completamente diversas daquela da família de
Fabiano.
Tal qual se observa, para entender as vidas secas da família de Fabiano
e a de tantas outras pessoas cuja existência o discurso literário traz à tona
mediante o romance em análise, cumpre articular intimamente as relações
complexas entre natureza, cultura e sociedade e o que delas resulta.
A suposta miséria de regiões mais áridas do Nordeste brasileiro não
pode simplesmente ser apreendida e abordada como se fosse um mundo
autônomo reduzido a determinadas características da dimensão física e
biológica do meio ambiente, condicionadas a um fatalismo imutável. Não se
nega que a natureza pode até se apresentar como um problema ou um
obstáculo à vida humana digna, mas deve ela ser compreendida como
integrante de uma rede de relações que, bem além de naturais, são sociais e
culturais.
Coutinho (1967, p. 173), por exemplo, explica o nomadismo de Fabiano
e família não apenas em decorrência de escassez de chuva ou por clima
inóspito. Para ele, tal necessidade de migrar é explicada: 1) pelo fato de não
ser Fabiano um proprietário de terras, o que o impede de vincular -se de forma
definitiva a um espaço; 2) pelo baixo nível tecnológico da exploração
agropecuária. A bem julgar, estes últimos são fatores relativos a questões
socioambientais, em que o binômio homem e meio estão inextricavelmente
ligados num consórcio, que, no caso de Vidas Secas, gera mais dissabores do
que prazeres. Veja-se a seguir a importante passagem de Coutinho:
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 93

Só aparentemente o nomadismo de Fabiano decorre de um fenômeno


natural, da seca: ele se liga, em primeira instância, ao fato de não ser
Fabiano um proprietário, o que o impede de vincular-se definitivamente
à terra; e, em seguida, ao baixo nível tecnológico da exploração
agropecuária, o que torna os homens impotentes na luta contra os
fatores naturais como a seca. Em suma, a problemática de Fabiano
decorre diretamente do caráter retrógrado e improdutivo da no ssa
estrutura agrária, inteiramente inadequada para proporcionar um nível
de vida mesmo medíocre aos camponeses brasileiros.

Declarar que, em Vidas Secas, o problema é ambiental, pois, no espaço


da narrativa, existe, há anos, um fenômeno natural, a seca, significa sustentar
uma compreensão parcial e mistificadora de meio ambiente e uma visão de
homem como entidade sem poder de transformar a realidade em que vive.
Pensar nesses moldes equivaleria a prender-se a um panorama naturalista,
mecanicista e determinista de meio ambiente. Visto assim, o romance não
proporcionaria aos leitores uma reflexão crítica e emancipatória porque a seca
apenas alcança essa proporção dramática e miserável já que Fabiano e família
são vítimas do mundo arcaico do latifúndio, em que poucos têm a posse da
terra e dos valores da cultura valorizada e prestigiada.
À existência alienada e passiva de Fabiano – àquela que será
provavelmente perpetuada pelos seus filhos –, não se impõe apenas o clima
hostil da caatinga, colocam-se, além da seca e acima dos demais fatores, os
latifundiários, o governo autoritário e insensível do país, os fiscais corruptos da
prefeitura.
A semelhante conclusão chega-se por meio de uma visão
socioambiental, em que se analisam as relações entre natureza e cultu ra
humana, aí incluídos os aspectos sociais e políticos. Nesse aspecto, mostra-se
lapidar e esclarecedora uma frase de Cândido (2006, p. 66) sobre Vidas Secas,
cujo drama é traduzido como o “entrosamento da dor humana na tortura da
paisagem”.

RIOS SEM DISCURSO

Veja-se, a partir de agora, a transcrição na íntegra do poema “Rios Sem


Discurso”, do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) e
publicado em Educação pela pedra, de 1966.
94

Rios sem discurso

Quando um rio corta, corta-se de vez


O discurso-rio que ele fazia;
Cortado, a água se quebra em pedaços,
Em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
A uma palavra em situação dicionária:
Isolada, estanque no poço dela mesma,
E porque assim estanque, estancada;
E mais: porque assim estancada, muda,
E muda porque com nenhuma se comunica,
Porque cortou-se a sintaxe desse rio,
O fio de água por que ele discorria.

O curso de um rio, seu discurso-rio,


Chega raramente a se reatar de vez;
Um rio precisa de muito fio de água
Para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloquência de uma cheia
Lhe impondo interina outra linguagem,
Um rio precisa de muitas águas em fios
Para que todos os poços se enfrasem:
Se reatando, de um para outro poço,
Em frases curtas, então frase e frase,
Até a sentença-rio do discurso único
Em que se tem voz a seca ele combate.

Trata-se de uma composição poética estruturada em duas estrofes de


12 versos cada uma. A linguagem atende à proposta estética cabralina de um
estilo despojado, desprovido de vocabulário solene, pomposo ou cerimonioso,
tudo concorrendo para o estabelecimento de uma atmosfera de rigor formal e
construtivo, em que a expressão verbal cria o efeito de sentido de
racionalidade, exatidão, intelectualidade e objetividade. É por tal razão que
Cabral é chamado de poeta engenheiro ou poeta arquiteto.
O poema de João Cabral é reconhecido por proporcionar algumas
isotopias temáticas e figurativas, isto é, linhas de interpretação que conferem
coerência semântica ao texto. Se é possível sustentar que o texto fala, de um
lado, da seca no Nordeste, trata, de outro, do estabelecimento do processo de
comunicação. Essas duas colunas vertebrais semânticas – uma das quais
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 95

explicitamente metalinguística – terminam por se imbricar na ideia de que a


seca é combatida pelo discurso humano. Ou, em outros termos, “a construção
do percurso fluvial é também reflexão sobre o discurso da poesia” (SECCHIN,
2014, p. 254).
Resta clara, pois, no poema, a cerrada articulação estabelecida entre o
natural e o social, autorizando uma visada socioambiental do conteúdo do
texto. A falta de água para as pessoas se revela tão devastadora quanto a falta
do discurso. Ambos os processos são delineados pelos signos da ausência, da
miséria, da solidão, da falta de sentido, da incomunicabilidade, enfim, do
fracasso de um projeto civilizatório humano. São vazios, lacunas, hiatos
originários da natureza, mas também vindos da ação deliberada e sociocultural
do homem. Nesse quadro, atente-se para o comentário a seguir (SILVA, 2018,
p. 164):

O rio introduz uma imagem clara de inteireza, continuidade e fluência,


que vale também para o discurso. Mas o corte violenta esta corrente,
tanto do rio quanto do discurso. Cortar o rio forma poços estéreis,
estanques. Cortar o discurso, isolando suas palavras, como faz o
dicionário, provoca o mesmo efeito: elas ficam mudas, sem contexto,
sem força comunicativa. A sintaxe do rio precisa de livre curso para não
ser água paralítica, assim como a sintaxe do poema, que deve ser
analisado como uma obra completa, como uma unidade. A
fragmentação do discurso poético, a fria análise fragmentada, forma
não mais que poços semânticos mortos ou limitados em sua eficácia
comunicativa.

O retorno a um estado de cheias de água e de eloquência verbal passa


necessariamente por processo de interação dinâmica entre a dimensão natural
e a dimensão sociocultural do meio ambiente, mediante qual se processa uma
rede de conexões mútuas entre o homem e natureza, em que os dois
elementos modificam e são modificados, em que a voz combate a seca. Eis
sobre isso as significativas palavras de Barros (1988, p. 69):

Cada uma das isotopias figurativas liga-se a uma isotopia temática: a


água recobre o tema da produção da vida, num trabalho miúdo e sem
parada da natureza, a palavra investe o tema da criação operada pelo
homem, no mesmo fazer cuidadoso e continuado. É sempre o tema da
criação, pela natureza ou pelo homem, confundidos e combinados na
poesia.
96

Combater a seca física, oriunda da falta de água, significa, da mesma


forma, lutar contra a seca intelectual e moral, originária do descaso em relação
aos fatos do espírito humano. Quem mais sofre os males da seca física também
mais sofre os males da seca espiritual. Trata-se de um extenso caminho de mão
dupla.
A problemática humana e social para a qual o texto aponta intensifica
os desafios e os problemas da natureza, tornando dramáticas suas
consequências. O combate possível desse estado de coisas chama-se
educação, saneamento básico, oferta de trabalho, união coletiva, alimentação,
solidariedade humana, respeito à natureza, sem os quais vencer as mazelas da
existência como um todo pinta-se quase improvável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um trabalho crítico e produtivo com a educação ambiental deve, por


força, tratar das condições sociais, políticas, culturais e históricas que envolvem
o fato ambiental, iluminando-o por todos os flancos imagináveis. Nesse
sentido, Vidas Secas e Rios sem discurso – textos literários de escritores
nordestinos – oferecem-se como exemplos bem-acabados de como a visão
socioambiental e o ensino da educação ambiental emancipatória podem ser
mediados e favorecidos pelo discurso artístico e, de forma singular, pelo
discurso literário.
A literatura exerce inegável e duradoura influência no leitor, atuando
sobre ele tanto em termos racionais (logos) como no plano afetivo (pathos).
No primeiro caso, pela função cognitiva, aproxima as pessoas das mais variadas
modalidades de conhecimento, seja exterior ou interior a elas. O arranjo dos
signos linguísticos similarmente pode fazer da literatura uma tribuna, em que
impera a função social, ética ou militante da arte, ou um tabuleiro de jogos, em
que predomina a função lúdica.
Para além disso, torna-se possível que a organização estética da forma
literária chame a atenção para determinados conteúdos que, se não fosse o
prazer estético que deles emanasse, não seriam efetivamente lidos. Em muitas
oportunidades também, o verossímil típico da arte persuade bem mais que o
verdadeiro da realidade. Seja como for, o discurso literário pode ser
empregado com planejamento e método para potencializar a capacidade
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 97

transformadora social da educação ambiental e a capacidade formadora de


cidadãos que compreendam o meio em que vivem, passando a atuar neles.
Não se mostra descabido postular, em semelhante direção de
pensamento, a possibilidade de estabelecer um projeto educacional de
contornos mais amplos, que sugerisse a possibilidade de formar,
concomitantemente, alunos leitores e alunos preparados para intervir, tanto
quanto possível, na realidade ambiental do planeta. Nesse eventual projeto de
dupla formação, o ensino da literatura seria desenvolvido no paradigma social-
identitário – que alia estética e forma a, principalmente, ética e conteúdo –, e
no qual se conceitua a literatura como “uma produção cultural que representa
as relações sociais e expressa identidades” (COSSON, 2020, p. 99).
Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e Rios sem discurso, de João Cabral
de Melo Neto, listam-se como dois textos literários que pensam sobre os males
da seca. Mais do que isso, os dois falam da seca da natureza e da seca da cultura
ou da linguagem, mantidas separadas apenas para efeito didático, uma vez que
se iluminam reciprocamente. Para a devida compreensão desse fenômeno,
urge considerá-las como faces de uma mesma moeda, um todo
socioambiental, já que, em secas assim, morre-se tanto de sede quanto de
ignorância.
A experiência e a vivência da seca ou de qualquer outro fenômeno ou
impacto dito ambiental variam consideravelmente de pessoa para pessoa de
acordo com suas condições sociais, culturais, históricas, econômicas e políticas.
Nesse aspecto, o significado de uma seca pode figurar de um simples evento
curioso a uma tragédia de terríveis consequências humanitárias.
Nada possui valor ou significado em si próprio, desligado do contexto
histórico ou da sociedade no seio da qual ocorre. Por isso mesmo, o
entendimento da urgente problemática ambiental em sua dimensão holística,
complexa e não fragmentada apenas se verifica à luz da compreensão de que
a natureza está inserida numa totalidade, numa rede de relações e interações
que, para além de naturais, também são sociais e culturais. Por sinal, os textos
literários podem ajudar a ilustrar isso.

REFERÊNCIAS

BARROS, D. L. P. de. Retórica, pragmática e semiótica. Linha D’Água, n. 5, p. 63-71, 1988. Disponível
em: https://doi.org/10.11606/issn.2236-4242.v0i5p63-71. Acesso em: 19/ 09/ 2002.
98

CARVALHO, I. C. M. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 6. ed. São Paulo: Cortez,
2012.

COSSON, R. Paradigmas do ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 2020.

COUTINHO, C. N. Literatura e humanismo: ensaios de crítica marxista. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1967.

COUTO, H. H. Ecolinguística: estudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus,
2007.

GARRAD, G. Ecocrítica. Brasília: UNB, 2006.

GUIMARÃES, M. Educação ambiental crítica. In: LAYRARGUES, P. P. (coord). Identidades da


educação ambiental brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004. p. 25-34.

LOUREIRO, C. F. Trajetória e fundamentos da educação ambiental. São Paulo: Cortez, 2004.

SECCHIN, C. João Cabral de Melo Neto: uma fala só lâmina. São Paulo: Cosac Naif, 2014.

SILVA, M. B. da. O curso do Rio, o discurso das palavras. Revista Sapiência: Sociedade, Saberes e
Práticas Educacionais (UEG), v. 7, n. 3, p. 159-168, 2018. ISSN 2238-3565. Disponível em: www.
file:///C:/Users/Usuario/Downloads/8280-Texto%20do%20artigo-30269-1-10-20181013.pdf.
Acesso em: 26/07/2021
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 99

Capítulo 5

PATRIMÔNIO, TURISMO E CULTURA:


O PAPEL DOS CENTROS HISTÓRICOS NAS CIDADES

Alzilene Ferreira Da Silva9

INTRODUÇÃO

Nasce-se, mora-se, trabalha-se, vive-se nas cidades, sejam pequenas,


médias, grandes ou megalópoles, são lugares onde as práticas cotidianas se
desenrolam, e apresentam uma constelação de desafios a serem pesquisados,
pensados ou/e solucionados. Essas investigações almejam a compreensão
acerca de temas complexos e abrangentes como as organizações sociais,
dinâmicas populacionais, construção do espaço, significados simbólicos,
violência urbana, segregação espacial e social, modos de vida etc. – gizados
pelos habitantes que, por meio de ações cotidianas, vão engendrando a cultura
urbana.
A cidade, indubitavelmente, é marcada pela volatilidade, um incansável
fazer, construir e desconstruir que são instituídos ao longo dos tempos pelas
relações sociais. Cada sociedade em cada momento histórico desenha nas
urbes uma imagem singular. Nesse particular a paisagem urbana fitada
encontra-se impregnada de memória e de significados – que se delineiam e se
transformam a partir das vivências ulteriores, que deixam impressas distintas
temporalidades. Assim, a “cada instante existe mais do que a vista alcança,
mais do que o ouvido pode ouvir, uma composição ou um cenário à espera de
ser analisado” (LYNCH, 1996, p. 11).
Nesse sentido, o cenário a ser analisado neste capítulo é o papel que o
centro histórico vem desempenhando nas cidades e sua imbricação como
temas relevantes e extremamente atuais quais sejam: o patrimônio e a cultura

9 Doutora em Ciências Sociais (UFRN) e Doutora em Sociologia (Université De Tours), Vínculo


Acadêmico UFRN. E-mail aulene@hotmail.com
100

como meios de promoção do desenvolvimento turístico e econômico das


cidades.

CENTROS HISTÓRICOS: CULTURA, PATRIMÔNIO, TURISMO

Para entendimento dessas amplas e complexas temáticas – admite-se


que a noção de centro histórico e a ideia de cultura/patrimônio/turismo sejam
estudos que não são dissociáveis (PEIXOTO, 2006).
Seguindo os passos nessa mesma senda, os Centros Históricos tornam-
se palco privilegiado para observação do enredo citadino. Espaços ricos de
possibilidades de análise, esses núcleos apresentam uma diversidade de
grupos sociais e de manifestações culturais. Abrigam, também a dimensão
política e simbólica, as exibições artísticas, as práticas religiosas, um número
ainda significativo de comércios e serviços. São lugares, portanto, que
concentram uma gama de atividades. Ao andar pelas praças e ruas pode-se
observar o conjunto de características bastante peculiares que notadamente
marcam esse espaço.
O movimento de veículos e pessoas que caminham ou deságuam dos
transportes coletivos. No enredo brasileiro, é comum logo cedo esses espaços
serem ocupados por trabalhadores informais, que estrategicamente se
posicionam em locais de maior movimento – praças, pontos de ônibus. Outros
personagens muito conhecidos fazem parte desse cenário: crianças,
adolescentes e adultos em situação de risco, os idosos aposentados que se
encontram para conversar, jogar dama, xadrez... O vendedor de água, doces,
lanches... Cenas notáveis especialmente nos centros históricos mais
degradados. Uma pletora de ruídos – os gritos dos ambulantes, os barulhos dos
veículos, o burburinho... Mas sob esse invólucro, que, de modo geral,
emolduram comumente essa área das cidades, gestos denunciam uma teia de
tensões, que fazem com que esses locais sejam percebidos como ameaçadores.
São comuns ainda alguns enunciados de alerta: “cuidado ao andar pelas ruas
do Centro Histórico!” Nessa arena, os passos apressados dos transeuntes,
corpos por vezes sobressaltados, bolsas e pertences protegidos junto ao corpo,
denunciam a insegurança em se andar por essa parte da cidade. O medo,
portanto, viceja diante da possibilidade de algum ataque inesperado. A
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 101

imagem que vem à tona, de modo geral, remete ao contexto de violência,


prostituição, pobreza…
Convém lembrar que os fios que compõem essa trama revelam um
quadro reverso da realidade atual. Outrora, o que se transformou em centros
históricos das cidades eram os locais mais valorizados, residências dos mais
abastados, sua estrutura era composta por funções e usos diversos. De modo
geral, ainda na primeira metade do século XX, o centro era um “local de
consumo, comércio e negócio das elites” (FRÚGOLI, 1995, p. 21). Cenas estas,
delineadas em distintas regiões e Estados brasileiros, a exemplo de São Paulo,
Salvador, Rio de Janeiro, João Pessoa, Recife entre outras cidades.
A situação de abandono e decadência tornou-se aventada, sobretudo,
na aurora da década de 1950, perfazendo uma trajetória que é sobremaneira
ilustrativa de uma situação que ecoa nos centros das urbes na atualidade. A
saída da elite em direção a outras áreas, que passaram a ser valorizadas,
contribuiu profundamente para delinear essa situação de pauperização dos
núcleos tradicionais.
Carlos Fortuna (1995) explica que o crescimento urbano arrastou
consigo a separação espacial das funções da cidade. Desse modo, ao lado do
centro histórico floresce outro centro comercial urbano, diferente do primeiro,
e amiúde nas cercanias da cidade antiga. Nesse processo a “cidade cresceu
para fora de si própria, em todas as direcções *(FORTUNA, 1995, p. 2.).
Conversaram-se as funções administrativas e algum comércio, em especial, de
setores mais tradicionais ou em decadência. Fortuna (1995) explica que nesse
desenrolar assistiu-se igualmente ao deslocamento do centro para a periferia
urbana de importantes franjas da classe média e dos mais abastados em
emergência. Logo, a cidade e seu centro esmaeceram a plenitude da sua
plurifuncionalidade, ao mesmo tempo em que se foram especializando quanto
às suas funções e ao seu tecido social. Esse desbotar do dinamismo da cidade
traduziu-se, de modo gradual, no enfraquecimento do seu centro e na sua
transformação em área mais velha, mais empobrecida e mais decadente do
conjunto urbano.
Indo um pouco mais amiúde nos fios que emaranham essa urdidura,
convém assinalar que os subúrbios, bairros de classe média vicinais à região
central, ao seguirem o modelo norte-americano, passaram a “recriar uma
realidade urbana confinada e “a salvo” do intenso ritmo dos centros das
102

metrópoles, sendo que sua expansão pelo mundo trouxe sensíveis mudanças
à vida cultural das cidades” (FRÚGOLI, 1995, p. 17, grifo do autor).
As nuances da discussão ganham mais volume em 1951, período em que
a temática da renovação urbana ocupa a cena nos debates teóricos no campo
do urbanismo, sobretudo com a publicação do VIII Congresso Internacional de
Arquitetura Moderna (CIAM), denominada O coração da Cidade, a qual
resumiu “um conjunto de diretrizes para a remodelação dos centros urbanos
em conformidade com os postulados fundadores do Movimento Moderno,
sintetizados na Carta de Atenas” (COMPANS, 2004, p. 26).

O processo de recentralização, ou seja, do renascimento dos “corações”,


dependeria basicamente dos seguintes fatores: primeiro, privilegiar o
pedestre, em detrimento dos automóveis; segundo, criar espaços de
agradável fisionomia arquitetônica; terceiro, criar eventos promotores
de encontros humanos (cafés, eventos, espetáculos). […] O “coração”,
por ser um conceito, não coincidia obrigatoriamente com o centro
geográfico, histórico ou funcional das cidades. Então, propunha-se que
a cidade fosse regida por um zoneamento funcional do solo (industrial,
comercial, residencial), onde cada zona tivesse o seu coração. E haveria,
no centro propriamente dito da cidade, o “coração” principal. (MAYUMI,
2005, s.p).

A profusão de debates que resplandecem com os CIAM não deixou de


receber profundas críticas, tanto internas como externas ao Movimento
Modernista. No cerne dessas discussões descortina-se o limiar de “um
movimento intelectual de valorização da memória coletiva e da cultura urbana,
responsável pela ampliação do conceito de patrimônio histórico e
arquitetônico. Contra a ordem asséptica e desumana do funcionalismo que
abolida a rua.” Torna-se notável, nesse momento, a compreensão sobre a
importância da rua para a promoção da sociabilidade e saúde mental
(COMPANS, 2004, p. 27).
Compans (2004) adverte, todavia, para o fato de que na primeira
metade da década de 1960, tanto as reformas urbanas nas áreas centrais
quanto a construção de grandes conjuntos habitacionais localizados na
periferia, respondem igualmente às necessidades dos governos de equacionar
as tensões raciais que foram recorrentes, no caso dos Estados Unidos, e a
escassez de habitações promovidas pela migração que teve lugar em vários
países na Europa. A autora aponta que talvez por encontrar-se de acordo com
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 103

a conjuntura econômica e política da época, o modernismo racionalista tornou-


se hegemônico por décadas, não mais como modelo teórico. De toda maneira,
esclarece Compans, o padrão adotado não foi capaz de adensar o centro,
dilatar a superfície plantada e reduzir as distâncias. Ademais, a dispersão
suburbana ampliou-se devido ao aumento dos preços da moradia, do medo da
violência e “da persistência do velho american way of life da casa com jardim”
(COMPANS, 2004, p. 27-28).
Logo, as transformações urbanas engendradas com o desenvolvimento
industrial, que tiveram como um dos pilares o princípio da circulação de
pessoas e mercadorias, contribuíram significativamente para o processo de
esmaecimento das antigas funções dos centros de convivência, a exemplo das
praças. No entanto, esse caleidoscópio abriu caminhos que viabilizaram “novas
‘aventuras urbanas vitalizadas’”. (FRÚGOLI, 1995, p. 17,). No entanto, também
se tornaram igualmente ameaçados por causa das novas concepções
urbanísticas baseados nos subúrbios e nas autopistas que rasgaram o tecido
urbano e deslocaram os moradores para longe do “coração das cidades”, com
profunda deterioração da esfera pública no que se refere às possibilidades de
interação social marcadas pela diversidade (FRÚGOLI, 1995, p. 18).
Contudo, a crítica mais contundente, da época, ocorre em relação à
estratificação social presente nos modelos de cidades do modernismo
racionalista que promoveram reformas em áreas centrais, tendo como pilar a
expulsão dos moradores de menor poder aquisitivo e minorias étnicas e a
apropriação por segmentos sociais mais elitizados. Em contrapartida a esse
processo inaugura-se um novo movimento intelectual denominado
“contextualismo”, que teve como um dos principais teóricos o arquiteto Aldo
Rossi. O movimento tinha como enfoque primordial a reabilitação do centro
histórico a partir de sua destinação a novos usos e possibilidades produtivas,
na reconversão dos edifícios antigos e na manutenção dos antigos moradores
(COMPANS, 2004, p. 28).

Como se sabe, esse processo vem sendo marcado por um intenso


avanço tecnológico e por transformações radicais nos padrões de
produção, comercialização e consumo: por uma tendência à circulação
cada vez mais ampliada de capitais e mercadorias, assim como uma
desmaterialização crescente da riqueza; pela conformação de um
mercado mundial e pelo enfraquecimento das instâncias reguladoras
constituídas em escala nacional, com a expansão e incremento do poder
104

de interesses e grupos transnacionais que se superpõem às fronteiras


entre os países, pressionando pela redução dos “entraves” à sua livre
circulação e maior lucratividade, com a redução de barreiras
alfandegárias e a desregulamentação e flexibilização dos mercados; e
também, por uma utilização e uma reconfiguração dos territórios, que
alteram radicalmente o valor dos lugares e da sua gente. (CARVALHO,
2011, p. 90).

Vale, no entanto, trazer a lume a compreensão de que os impactos


decorrentes da nova tendência contemporânea não se efetiva de modo único,
pois as peculiaridades de cada cidade, sua história, instituições etc.,
influenciam sobremodo no grau de abrangência, maior ou menor, dos
desdobramentos dessa dinâmica.
Percebe-se que a introdução de novos elementos, como a revitalização
da área, pode sustentar a mudança sobre a imagem do lugar – que se
encontram articulados às questões patrimoniais – uma vez que alterados são
os usos e funções que pintam a paisagem atual. Observando, ainda, que a
“assunção de que a paisagem urbana é crucial para gerar sentimentos de
identificação, norteia, em geral, os projectos de reabilitação e de requalificação
urbanas” (PEIXOTO, 2006, p. 274).
Desse modo, tais angulações permitem facultar que a espetacularização
das cidades é um processo que se encontra imbricado às estratégias de
marketing urbanas.
Com referência ao tema “culturalização”, Lilian Fessler Vaz (2004)
observa que o termo vem sendo difundido tanto em relação aos espaços
revitalizados quanto à prática do planejamento que os gera.
Em seu texto “Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões
urbanas”, a filósofa Otília Arantes (2000) lança um olhar com bastante acuidade
sobre essas reflexões. Apresenta como um dos pontos nodais de análise a
“mercadorização” da cidade por meio de políticas de image-making e
abordagem culturalista, e o deslinde desse processo com a transformação da
cidade em mercadoria. No tocante a esses aspectos, convém explicitar o
desenvolvimento de um fenômeno que ganhou ressonância na cena dos
estudos socioculturais, a saber: a gentrification.
O retorno de moradores abastados e a substituição dos usos delineam
o quadro de profunda remodelagem no que tange aos aspectos econômicos,
políticos e sociais do espaço urbano. Essa reconfiguração incorre em uma
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 105

mutação da paisagem incorporando ainda as práticas de lazer e consumo


cultural com o intuito de promoção turística. Convém salientar que essas
estratégias ganham cada vez mais força como modo de captar capital em meio
ao contexto de forte competição entre as cidades. Nesse particular, as políticas
inauguradas caminham no sentido de ressaltar o bairro antigo como lugar
guardião da memória, do patrimônio e de arquitetura singular. Assim, os passos
são dados em direção ao fortalecimento dos laços entre as atrações do centro,
então revalorizadas, e as atividades turísticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Turismo e patrimônio dão-se as mãos em uma imbricada articulação,


que vem influenciando sobremaneira as políticas locais de desenvolvimento
econômico e urbano. Basta lembrar que o turismo vem sendo despontado
como uma das indústrias que apresentam um dos maiores dividendos. Em uma
palavra, a indústria do turismo é apontada como uma das que mais cresce no
mundo, depois da indústria bélica (KARA-JOSE, 2007, p. 148). Não sendo
surpresa que o turismo e lazer sejam associados a políticas de preservação do
patrimônio, com o fito de alavancar a economia urbana. Nessa conjuntura na
qual a base se sustenta no “consumo do espaço e cultura”, as políticas urbanas
vendem a imagem do centro histórico como o bom local, belo, aprazível e
admirável.
Por ora cumpre evidenciar que a polissemia que envolve este tema tem
proporcionado um rico entrecruzamento de visões, consensos e discordância,
especialmente no que diz respeito à valorização do patrimônio cultural e à
necessidade de reabilitar os centros, que “na atualidade, constituem premissas
básicas dos debates sobre o desenvolvimento sustentável (FUNARI, 2006, p.
29).

REFERÊNCIAS

ARANTES, O. B. F. Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas. In: ARANTES, O.;
VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis:
Vozes, 2000.
106

CARVALHO, I. M. de; ALMEIDA, P. H. de; AZEVEDO, J. S. G. Dinâmica metropolitana e estrutura


social em Salvador. Tempo Social: Revista de Sociologia, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 89-144, nov.
2001.

COMPANS. Intervenções de recuperação de zonas urbanas centrais: experiências nacionais e


internacionais. In: COMIN, Á. A.; SOMEKH, N. (orgs.). Centro brasileiro de análise e
planejamento. Caminhos para o centro: estratégias de desenvolvimento para a região central de
São Paulo. São Paulo: EMURB, Prefeitura de São Paulo, CEBRAP, Centro de Estudos da Metrópole,
2004.

FORTUNA, C. Os centros das nossas cidades: entre a revitalização e a decadência. Oficina do CES –
Centro de Estudos Sociais, Coimbra, n. 62, p. 1-13, set. 1995. Disponível em:
http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/ficheiros/62.pdf. Acesso: out. 2021.

FRÚGOLI, H. Jr. São Paulo: espaços públicos e interação social. São Paulo: Marco Zero, 1995.

KARA-JOSÉ, B. Políticas culturais e negócios urbanos: a instrumentalização da cultura na


revitalização do Centro de São Paulo (1975 – 2000). São Paulo: FAPESP; Annablume, 2007.

LYNCH, K. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

PEIXOTO, P. O passado ainda não começou: funções e estatuto dos centros históricos no
contexto urbano português. 2004. Doutorado (tese) – Faculdade de Economia da Universidade
de Coimbra, Coimbra, PT, 2004.

VAZ, L. F. A “culturalização” do planejamento e da cidade: novos modelos? In: FERNANDES, A.;


BERENSTEIN, P. (orgs.). Cadernos PPG-AU/FAUFBA, Salvador, ano 2, número especial, 2004.
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 107

Capítulo 6

O CAMPO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA PERSPECTIVA


CAMPESINISTA DO PARADIGMA DA QUESTÃO AGRÁRIA

Rodrigo Simão Camacho 10

INTRODUÇÃO

Este texto tem o objetivo de fazer uma reflexão teórica acerca da


importância de se entender o que é o campo para a Educação do Campo, sendo
que para isto o debate sobre territórios/territorialidades camponesas é
primordial.
Na Educação do Campo, a discussão sobre o Campo envolve as
disputas/conflitos de territórios/territorialidades, a identidade territorial
camponesa, as ações dos movimentos socioterritoriais, a constituição da classe
socioterritorial camponesa, as relações socioterritoriais capitalistas e não
capitalistas, o movimento dialético de territorialização / desterritorialização /
reterritorialização camponesa, os impactos da territorialização do c apital:
violência, expropriação, desigualdade, subalternidade e, também, os processos
de resistência territorial. Todas as relações multidimensionais que perpassam
a materialidade das relações que formam o campo, precedem a discussão
pedagógica.
Partindo do princípio de que o campo está em disputa entre dois
modelos de desenvolvimento territoriais antagônicos: agricultura capitalista
(latifúndio-agronegócio) versus agricultura camponesa, sua origem se dá a
partir das disputas/conflitos territoriais no campo, ou seja, na materialidade
dos problemas socioeconômicos e educacionais enfrentados pelos
camponeses e, consequentemente, na busca de soluções por parte dos
movimentos socioterritoriais camponeses.

10
Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho, FAIND/UFGD. E-mail: rodrigocamacho@ufgd.edu.br
108

As relações socioterritoriais camponesas são partes integrantes do


projeto educativo dos camponeses. Por isso, a compreensão do território
camponês em sua multidimensionalidade é de suma importância para a
construção de uma concepção teórico-político-ideológica de Educação do
Campo adequada à lógica material e simbólica de reprodução do campesinato,
e que contribua em seu processo de resistência polític o-cultural-territorial.
Todavia, é necessário entender que as relaç ões socioterritoriais que
acontecem no campo não se dão de maneira isolada. A realidade local não
pode ser compreendida de maneira isolada/fragmentada, pois o espaço é uma
totalidade, logo, o local está submetido à influência das relações globais.
Principalmente no atual período histórico, quando a ciência, a técnica e a
informação tornaram as relações sociais interdependentes e mundializadas.
Neste processo de relações interdependentes envolvendo os pares
dialéticos local/global, verticalidades/horizontalidades e hegemonia/contra-
hegemonia findam-se os territórios/territorialidades camponesas.
As identidades territoriais fazem parte dessa diversidade que forma o
campo, mas que, necessariamente, articula-se a totalidade das relações sociais
que é a luta de classes no capitalismo globalizado urbano-rural. Na relação
parte/todo está contida a singularidade das partes, ou seja, os
territórios/territorialidades camponesas.
O território camponês está articulado com a cidade, com regional e com
o global. Esta relação se expressa por meio de uma (multi)
territorialidade/escalaridade.
À Educação do Campo, portanto, cabe construir uma pedagogia a partir
das especificidades da territorialidade do campesinato que está inserido no
interior da totalidade das relações sociais sob o modo de produção capitalista
globalizado.

A GÊNESE DA EDUCAÇÃO DO CAMPO E SUA PERSPECTIVA TEÓRICO-


POLÍTICO-IDEOLÓGICA

A criação de um projeto de Educação do Campo está relacionada com


as experiências educativas não formais e contra-hegemônicas que os
movimentos socioterritoriais camponeses (FERNANDES, 2005), principalmente
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), vinham
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 109

desenvolvendo em acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária. Elas


foram sistematizadas nos seminários, encontros nacionais e políticas públicas
a partir da segunda metade da década de 1990.
Todavia, essas experiências acumuladas pelos movimentos
socioterritoriais, a partir da década de 1980, também têm origem em outras
experiências formais e não formais anteriores que envolvem os legados da luta
pela terra historicamente constituída no Brasil; da Educação Popular, tendo
como marco principal a proposta elaborada por Paulo Freire; as Escolas
Famílias Agrícolas (EFAs) e outros Centros de Formação por Alternância qu e
iniciaram suas atividades no Brasil na década de 1960; e a Comissão Pastoral
da Terra, que fazia a assessoria dos movimentos sociais e sindicais camponeses,
desde 1975, antes da gestação do MST, que ocorreu no período de abertura
democrática do Brasil pós-ditadura militar.
Com os esforços conjuntos de movimentos socioterritoriais e
instituições ligadas à luta pela terra e pela Educação do Campo, formaram em
1998 a articulação nacional “Por uma Educação Básica do Campo”. Este
movimento foi criado para fazer frente à realidade de abandono por parte do
Estado quando começaram a exigir políticas públicas, bem como
financiamento para a pesquisa relacionada a questões educacionais no campo.
O silêncio, esquecimento, e até mesmo a falta de interesse em comunidades
rurais em pesquisas sociais e educacionais era um ponto preocupante
(ARROYO, 2004; ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004; CAMACHO, 2014, 2017,
2018, 2019).
A primeira conferência nacional chamada “Por uma Educação Básic a do
Campo" ocorreu em Luziânia-GO, em 1998. As entidades que promoveram este
evento foram: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF), Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), a Universidade de Brasília (UNB) e o Grupo de
Trabalho da Reforma Agrária (GTRA) (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004;
CAMACHO, 2014).
Uma das principais concepções defendidas nesta conferência foi a
necessidade de visualizarmos o campo como parte do mundo e não como
aquilo que sobra além das cidades. Era necessário, primordialmente,
110

estabelecer a importância que tem o campo para, a partir daí, refletirmos


acerca de uma Educação do Campo (FERNANDES, 2003, 2006).
As razões que estão por trás da luta pela Educação do Campo no Brasil
é a realidade existente de exclusão dos habitantes do campo. A falta de acesso
a uma educação que permita o desenvolvimento territorial das comunidades
no campo está relacionada com a história da estrutura agrária no Brasil
baseada no latifúndio e na desterritorialização (expropriação) das populações
camponesas de sua terra de trabalho (CAMACHO, 2019).
Desse modo, o contexto de luta pela Educação do Campo ocorreu,
primeiramente, pela marginalização social e educacional, no qual,
viviam/vivem os moradores do campo. E esta situação de miséria,
desigualdade social e avanço destrutivo do capital no campo se
complementava com a ausência de políticas públicas para a educação no
campo. E, de outro lado, a luta pela Educação do Campo se torna possível pelo
fato de os movimentos socioterritoriais camponeses estarem construindo sua
luta pela terra e por outro projeto de desenvolvimento para a sociedade ,
diferente do projeto hegemônico do latifúndio-agronegócio (CALDART, 2005,
2012; CAMACHO, 2014, 2017, 2018, 2019).
Para Caldart (2004, 2012), a Educação do Campo é pensada a partir de
uma perspectiva de classe e da experiência político-pedagógica dos
movimentos socioterritoriais camponeses porque tem origem nas
disputas/conflitos territoriais no campo.
Dessa forma, a luta pela Educação do Campo tem origem na
materialidade dos problemas socioeconômicos e educacionais enfrentados
pelos camponeses e, consequentemente, na busca de soluções por parte dos
movimentos socioterritoriais camponeses.
Na Educação do Campo, a discussão sobre o Campo envolve as
disputas/conflitos de territórios/territorialidades, a identidade territorial
camponesa, as ações dos movimentos socioterritoriais, a constituição da classe
socioterritorial camponesa, as relações socioterritoriais capitalistas e não
capitalistas, o movimento dialético de
territorialização/desterritorialização/reterritorialização camponesa, os
impactos da territorialização do capital: violência, expropriação, desigualdade,
subalternidade e, também, os processos de resistência territorial. Todas as
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 111

relações multidimensionais que perpassam a materialidade das relações que


formam o campo precedem a discussão pedagógica.
A necessidade de frear o capitalismo e o processo de
desterritorialização dos camponeses é outra marca do processo de construção
da Educação do Campo. É nesse contexto de contradições e lutas para a
superação dessas contradições vividas no campo que a educação surge como
um elemento de resistência para auxiliar na luta pela/na terra a fim de
possibilitar a reprodução do campesinato enquanto classe social (CAMACHO,
2014, 2017, 2018, 2019).

O TERRITÓRIO CAMPONÊS

O conceito de território é o que está na base da discussão do Paradigma


da Questão Agrária. A discussão de território é importantíssima para
entendermos os processos e movimentos no campo, por isso, é imprescindível
para entender a Educação do Campo.
Utilizamos o conceito de território a partir da discussão do conflito, da
luta de classes e das contradições, mas entendendo o território a partir de uma
totalidade que é multidimensional (CAMACHO, 2019, 2020, 2021).
Todas as relações humanas acontecem no território, portanto, a
dimensão espacial e a territorialidade fazem parte da própria condição
humana. Então, o território traz tanto a relação material quanto a
simbólico/cultural. Cumpre a função tanto de recurso natural, de substrato da
condição da reprodução humana, mas também tem o caráter simbólico de
apropriação que os sujeitos fazem do espaço na produção da sua cultura
(CAMACHO, 2019, 2020, 2021).
Corroborando com essa formulação, para Bernardo Mançano
Fernandes (2005), embora o espaço anteceda o território, espaço e território
se relacionam de maneira dialética. O espaço nunca é destruído, ao contrário
do território, que é construído/destruído/reconstruído pelo movimento de
reprodução da sociedade e suas disputas. Estes são, concomitantemente,
produtos das relações sociais, bem como condição para a realização dessas
relações sociais. Nesse sentido, a produção de espaços e de territórios se dá de
maneira histórica e dialética, ou seja, por meio do conflito, da contradição e da
solidariedade.
112

De acordo com Fernandes (2005, p. 16), são as relações sociais que


transformam o espaço em território. O espaço é um a priori e o território é um
a posteriori. O espaço é perene e o território é intermitente. Ambos são
condição e produto das relações sociais; estas são contraditórias, solidárias e
conflitivas.
Em síntese, o território é “a unidade dialética, portanto contraditória,
da espacialidade que a sociedade tem e desenvolve” (OLIVEIRA, 2004, p. 40).
Podemos dizer, ainda, que o território configura-se como produto e condição
da reprodução da sociedade que, sob o modo de produção capitalista, pode
significar não somente a reprodução ampliada do capital e da força de
trabalho, mas também a reprodução material e simbólica de classes
socioterritoriais subalternas no campo e na cidade. Visto que não existe
subjetividade separada da materialidade, o território é, pois, formado por essa
totalidade de relações sociais-econômicas-políticas-culturais-ambientais sob o
modo de produção capitalista (CAMACHO, 2008, 2010, 2020, 2021).
Dessa forma, o território camponês é o seu espaço de vida. É o sítio, o
lote, a propriedade familiar ou o assentamento. A unidade de produção e
consumo familiar e, concomitantemente, o local de residência da família, onde
ocorre a produção de alimentos consumidos pelas populações rurais e urbanas.
A relação social que constrói esse espaço é o trabalho familiar, associativo,
comunitário e cooperativo, que é primordial para sua reprodução (CAMACHO,
2019, 2020, 2021; FERNANDES, 2012).

O PARADIGMA DA QUESTÃO AGRÁRIA: A RECRIAÇÃO CAMPONESA

A partir das características apontadas, que são inerentes à gênese da


Educação do Campo, é possível entender a existência da relação intrínseca
entre a vertente campesinista do Paradigma da Questão Agrária (PQA) e a
gênese da Educação do Campo (CAMACHO, 2017, 2019).
Então, na perspectiva de pensar o campo a partir das disputas
territoriais, trazemos um trecho de uma letra do Gilvan dos Santos, que é um
poeta do movimento: “Eu quero mais escola do campo que tenha a ver com a
vida. Com a gente querida e organizada. E conduzida coletivamente. Ond e
esteja o ciclo da nossa semeia. Que seja como a nossa casa. Que não seja como
a casa alheia”.
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 113

Trata-se de uma questão territorial. O que o autor está dizendo aqui é


que a Educação do Campo deve estar atrelada a partir da realidade dos sujeitos
do campo e a partir dessa territorialidade produzida pelos sujeitos do campo.
Tem que ter a “cara” dos territórios camponeses. Ou seja, além de uma prática
que os movimentos socioterritoriais têm construído da Educação do Campo, é
importante se produzir também uma epistemologia crítica da Educação do
Campo.
Pensando que esse confronto de ideias é importante na reflexão
intelectual, temos que mergulhar nesse debate teórico, político e ideológico.
No sentido de fazer o quê? De colocar o conhecimento científico numa
perspectiva da transformação e da justiça social (OLIVEIRA, 2007). É nessa
perspectiva que pensamos a construção do conhecimento científico a partir da
Educação do Campo.
Dentro dessa proposta, interpretamos o campo a partir do denominado
“Paradigma da Questão Agrária” (CAMACHO, 2014, 2018, 2019, 2021;
FERNANDES, 2006, 2008, 2009). Qual é a tese central desse paradigma? É
entender que existe uma questão agrária estrutural e que ela só pode ser
discutida a partir da luta contra o capitalismo.
Quais são os elementos principais desta análise? O conflito, a
contradição, a luta de classes e a perspectiva da capacidade de superação do
sistema capitalista. Dentro desse paradigma temos uma vertente que discute
a questão camponesa dentro do capitalismo; que defende o processo da
recriação camponesa e entende o campesinato como uma classe social e
territorial.
É por isso que nós defendemos a tese da recriação camponesa e não do
fim do campesinato. Se defendêssemos o fim do campesinato não teria por
que estarmos defendendo a Educação do Campo. Estamos defendendo a
possibilidade de recriação camponesa dentro do sistema capitalista. Nessa
vertente da recriação camponesa temos o camponês como classe social que se
desenvolve nesse movimento desigual e contraditório do capital.
Entendemos o camponês como uma relação social não capitalista
(ALMEIDA; PAULINO, 2010; CAMACHO, 2019; FERNANDES, 2009; OLIVEIRA,
2007). E que existe essa contradição no processo do desenvolvimento do
capital no campo, mas que, apesar de ser uma relação não capitalista, acaba
114

sendo subordinado ao capital, tendo que assumir estratégias de resistência


para conseguir sobreviver.
A territorialização da luta dos movimentos significa a recriação
camponesa. É a territorialização camponesa por meio da luta dos movimentos
socioterritoriais. É quando os movimentos sociais conseguem construir seus
territórios, que são, sobretudo, os assentamentos da Reforma Agrária. É o que
temos denominado, geograficamente, do processo de reterritorialização.
Esta interpretação paradigmática sobre o campo permitiu a construção
teórico-político-ideológica de uma Educação do Campo “libertadora” (FREIRE,
1983, 1999), tendo como elementos centrais o debate da recriação e
resistência camponesa.
Esta concepção, ao entender o desenvolvimento do capitalismo no
campo, como produto do seu processo desigual e contraditório (OLIVEIRA,
2007), permite pensar a possibilidade de reprodução do campesinato.
Obviamente, esta é condição primordial para podermos construir a Educação
do Campo: sem camponeses não há Educação do Campo. É importante,
também, a afirmação da permanência camponesa no campo por meio da luta
e a resistência territorial (FERNANDES, 2005).
Pelo contrário, se pensarmos o campesinato como classe em vias de
extinção, não será possível de entender a necessidade de construção da
educação adequada às especificidades do campesinato enquanto modo de
vida e a classe social (CAMACHO, 2014, 2017).
A Educação do Campo deve ser entendida na contradição da luta de
classes, como estratégia de luta dos movimentos sociais, visando à
emancipação como formação humana, conflituosa, porque o campo está em
conflito (MICHELLOTI et al., 2010).
A conflitualidade, inerente à lógica de reprodução do capitalismo no
campo, que desemboca na disputa por territórios materiais/imateriais, entre o
latifúndio-agronegócio e os movimentos socioterritoriais camponeses, é um
dos elementos centrais que fundamenta a produção de nossa análise teórica a
respeito da Educação do Campo (CAMACHO, 2014, 2019).
Não é possível pensar a Educação do Campo sem o campo, sem as
contradições, os conflitos, as disputas territoriais, a violência, a expropriação,
a desigualdade, a resistência e os movimentos socioterritoriais camponeses,
precursores da Educação do Campo. Não é possível se fazer Educação do
Sociedade e ambiente: uma abordagem interdisciplinar - 115

Campo sem inserir a práxis dos sujeitos, as suas necessidades materiais e


simbólicas de reprodução e, mais especificamente, suas territorialidades
(CAMACHO, 2017, 2018, 2019).
Na Educação do Campo, os conflitos territoriais devem ser trabalhados
política, pedagógica e dialogicamente (FREIRE, 1983, 1999), pois é dessa forma
que podemos pensar a possibilidade de construção de superações, de
mudanças, de transformações (MOLINA, 2012).
Nesse contexto, a Educação do Campo, passa a ser produto e
instrumento de luta, pela/na terra, do campesinato contra a territorialização
do capital no campo (CAMACHO, 2014, 2017). Dessa maneira, o Movimento da
Educação do Campo tem a intencionalidade de afirmar a identidade territorial
dos povos/populações/trabalhadores do campo na perspectiva classista – da
classe socioterritorial camponesa – cuja afirmação se dá na contraposição ao
capital/latifúndio – agronegócio –, condenando sua lógica exploratória,
excludente e hegemônica que expropria ou subalte rniza o campesinato
(CAMACHO, 2014, 2017, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que a perspectiva de leitura da realidade sob o prisma


espacial/territorial traz muitas contribuições para o entendimento das
identidades das classes socioterritoriais que resistem sob o modo de produção
capitalista dentro de seus territórios.
A Educação do Campo é uma Educação Territorial (FERNANDES, 2006,
2008), por isso, a educação está diretamente relacionada com a perspectiva de
criação de territórios a partir de uma “lógica camponesa”, onde os mesmos
sejam os sujeitos da produção de suas territorialidades marcadas pelas suas
vontades, capacidades, emoções, necessidades etc.
Dessa forma, não é possível pensar a Educação do Campo sem o campo,
com suas contradições, conflitos, disputas territoriais, violência, expropriação
e desigualdades, mas, sobretudo, a resistência territorial dos movimentos
socioterritoriais camponeses, os precursores da Educação do Campo.
116

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Geise Brizotti Pasquotto 11

.org.br
Tel: (14) 99808-5947 e 99102-2522

11Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UNESP, mestra em Arquitetura e Construção pela


UNICAMP e doutora em Planejamento Urbano e Regional pela USP. E-mail: geisebp@gmail.com

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