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Cidade e o Planejamento da Paisagem - 1

Organizadoras

Renata Cardoso Magagnin


Norma Regina Truppel Constantino
Sandra Medina Benini

CIDADE E O PLANEJAMENTO
DA PAISAGEM

1ª Edição

ANAP
Tupã/SP
2019
2

EDITORA ANAP
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
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Editoração e Diagramação da Obra - Sandra Medina Benini


Revisão Ortográfica - Joselilian Miralha e Smirna Cavalheiro

Ficha Catalográfica

M188c Cidade e o planejamento da paisagem / Renata Cardoso Magagnin,


Norma Regina Truppel Constantino e Sandra Medina Benini (orgs). 1
ed. – Tupã: ANAP, 2019.
144 p; il.; 14.8 x 21cm

Requisitos do Sistema: Adobe Acrobat Reader


ISBN 978-65-81469-02-3

1. Cidade 2. Planejamento 3. Paisagem


I. Título.

CDD: 710
CDU: 710/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Planejamento Urbano e Paisagismo
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 3

CONSELHO DE EDITORIAL

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Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva
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Profa. Dra. Aline Werneck Barbosa de Carvalho - UFV
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Profa. Dra. Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão - UFPA
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Profa. Dra. Ana Lúcia Reis Melo Fernandes da Costa - IFAC
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Profa. Dra. Ana Paula Fracalanza – USP
Profa. Dra. Ana Paula Novais Pires
Profa. Dra. Ana Paula Santos de Melo Fiori - IFAL
Prof. Dr. André de Souza Silva - UNISINOS
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Profa. Dra. Beatriz Ribeiro Soares - UFU
Profa. Dra. Carla Rodrigues Santos - Faculdade FASIPE
Prof. Dr. Carlos Andrés Hernández Arriagada
Profa. Dra. Carmem Silvia Maluf - Uniube
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Prof. Dr. Cesar Fabiano Fioriti - FCT/UNESP
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Prof. Dr. Darllan Collins da Cunha e Silva - UNESP
Profa. Dra. Denise Antonucci - UPM
Profa. Dra. Diana da Cruz Fagundes Bueno - UNITAU
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Prof. Dr. Eduardo Salinas Chávez - Universidade de La Habana, PPGG, UFGD-MS
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Profa. Dra. Eneida de Almeida - USJT
Prof. Dr. Erich Kellner - UFSCar
Prof. Dr. Eros Salinas Chàvez - UFMS /Aquidauana Post doctorado
Profa. Dra. Fátima Aparecida da SIlva Iocca - UNEMAT
Prof. Dr. Felippe Pessoa de Melo - Centro Universitário AGES
Prof. Dr. Fernanda Silva Graciani - UFGD
Prof. Dr. Fernando Sérgio Okimoto – UNESP
Profa. Dra. Flávia Akemi Ikuta - UFMS
4

Profa. Dra. Flávia Maria de Moura Santos - UFMT


Profa. Dra. Flávia Rebelo Mochel - UFMA
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Prof. Dr. Francisco Marques Cardozo Júnior - UESPI
Prof. Dr. Frederico Braida Rodrigues de Paula - UFJF
Prof. Dr. Frederico Canuto - UFMG
Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai - UFSCar
Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira - UEMS
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Prof. Dr. Generoso De Angelis Neto - UEM
Prof. Dr. Geraldino Carneiro de Araújo - UFMS
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Profa. Dra. Isabel Crisitna Moroz Caccia Gouveia - FCT/UNESP
Profa. Dra. Jakeline Aparecida Semechechem - UENP
Prof. Dr. João Cândido André da Silva Neto - UEA
Prof. Dr. João Carlos Nucci - UFPR
Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra - UFFS
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Prof. Dr. José Aparecido dos Santos - FAI
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Prof. Dr. José Seguinot - Universidad de Puerto Rico
Prof. Dr. Josep Muntañola Thornberg - UPC -Barcelona, Espanha
Prof. Dr. Josinês Barbosa Rabelo - UFPE
Profa. Dra. Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia - UFPB
Profa. Dra. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro - FEA
Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia - UFPR
Profa. Dra. Karin Schwabe Meneguetti – UEM
Profa. Dra. Katia Sakihama Ventura - UFSCar
Prof. Dr. Leandro Gaffo - UFSB
Profa. Dra. Leda Correia Pedro Miyazaki - UFU
Profa. Dra. Leonice Seolin Dias - ANAP
Profa. Dra. Lidia Maria de Almeida Plicas - IBILCE/UNESP
Profa. Dra. Lisiane Ilha Librelotto - UFS
Profa. Dra. Luciana Ferreira Leal - FACCAT
Profa. Dra. Luciana Márcia Gonçalves – UFSCar
Prof. Dr. Luiz Fernando Gouvêa e Silva - UFG
Prof. Dr. Marcelo Campos - FCE/UNESP
Prof. Dr. Marcelo Real Prado - UTFPR
Profa. Dra. Marcia Eliane Silva Carvalho - UFS
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes - EQUOIA Engenharia Ambiental LTDA
Profa. Dra. Margareth de Castro Afeche Pimenta - UFSC
Profa. Dra. Maria Ângela Dias - UFRJ
Profa. Dra. Maria Ângela Pereira de Castro e Silva Bortolucci - IAU
Profa. Dra. Maria Augusta Justi Pisani - UPM
Profa. Dra. María Gloria Fabregat Rodríguez - UNESP
Profa. Dra. Maria Helena Pereira Mirante – UNOESTE
Profa. Dra. Maria José Neto - UFMS
Profa. Dra. Maristela Gonçalves Giassi - UNESC
Profa. Dra. Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira - UFMT
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 5

Profa. Dra. Martha Priscila Bezerra Pereira - UFCG


Prof. Dr. Maurício Lamano Ferreira - UNINOVE
Prof. Dr. Miguel Ernesto González Castañeda - Universidad de Guadalajara - México
Profa. Dra. Natacha Cíntia Regina Aleixo - UEA
Profa. Dra. Natália Cristina Alves
Prof. Dr. Natalino Perovano Filho - UESB
Prof. Dr. Nilton Ricoy Torres - FAU/USP
Profa. Dra. Olivia de Campos Maia Pereira - EESC - USP
Profa. Dra. Onilda Gomes Bezerra - UFPE
Prof. Dr. Oscar Buitrago - Universidad Del Valle - Cali, Colombia
Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA
Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha - FCT/UNESP
Prof. Dr. Paulo Cesar Vieira Archanjo
Profa. Dra. Priscila Varges da Silva - UFMS
Profa. Dra. Regina Célia de Castro Fereira - UEMA
Prof. Dr. Renan Antônio da Silva - UNESP - IBRC
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino - UNICAMP
Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara - UFSCar
Profa. Dra. Risete Maria Queiroz Leao Braga - UFPA
Prof. Dr. Rodrigo Barchi - UNISO
Prof. Dr. Rodrigo Cezar Criado - TOLEDO Prudente Centro Universitário
Prof. Dr. Rodrigo Gonçalves dos Santos - UFSC
Prof. Dr. Rodrigo José Pisani - UNIFAL-MG
Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho - UFGD
Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araujo - UFMA
Profa. Dra. Roselene Maria Schneider - UFMT
Prof. Dr. Salvador Carpi Junior - UNICAMP
Profa. Dra. Sandra Mara Alves da Silva Neves - UNEMAT
Prof. Dr. Sérgio Augusto Mello da Silva - FEIS/UNESP
Prof. Dr. Sergio Luis de Carvalho - FEIS/UNES
Profa. Dra. Sílvia Carla da Silva André - UFSCar
Profa. Dra. Silvia Mikami G. Pina - Unicamp
Profa. Dra. Simone Valaski - UFPR
Profa. Dra. Sueli Angelo Furlan - USP
Profa. Dra. Tânia Paula da Silva – UNEMAT
Profa. Dra. Tatiane Bonametti Veiga - UNICENTRO
Profa. Dra. Vera Lucia Freitas Marinho – UEMS
Prof. Dr. Vilmar Alves Pereira - FURG
Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto - FCAE/UNESP
Prof. Dr. Xisto Serafim de Santana de Souza Júnior - UFCG
Prof. Dr. Wagner de Souza Rezende - UFG
Profa. Dra. Yanayne Benetti Barbosa
6

ORGANIZADORAS DA OBRA

Norma Regina Truppel Constantino


Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná (1979),
mestrado em Planejamento Urbano e Regional Assentamentos Humanos pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (1994) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade de São Paulo (2005). Professor assistente doutor da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho no Curso de Arquitetura e Urbanismo e no Mestrado Acadêmico
em Arquitetura e Urbanismo. Aposentada (2019) mantém atuação como professor voluntário
na mesma instituição. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em
Projetos de Espaços Livres Urbanos, atuando principalmente nos seguintes temas: paisagem
urbana, paisagismo, espaços livres urbanos e história da cidade e do território.

Renata Cardoso Magagnin


Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (1993), Mestrado em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São
Carlos (1999) e Doutorado em Engenharia de Transportes pela Universidade de São Paulo
(2008). Atualmente é professora assistente doutora (ms3) do Curso de Graduação em de
Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho. Atualmente é Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da UNESP. Foi Coordenadora do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo
no período de dez/2011-dez/2015 e Chefe do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e
Paisagismo no período de dez/2009-dez/2011. Tem experiência na área de Planejamento
Urbano, com ênfase em Planejamento da Mobilidade Urbana, atuando principalmente nos
seguintes temas: planejamento urbano, mobilidade urbana, planejamento de transporte,
acessibilidade espacial, modos motorizados e não motorizados e métodos e técnicas de
avaliação da acessibilidade no espaço urbano e no edifício.

Sandra Medina Benini


Possui Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UNIMAR (1995), Graduação em Direito
pela FADAP (2005), Graduação em Geografia pelo Claretiano (2014), Especialização em
Administração Ambiental pela FACCAT (2005), Especialização em Engenharia de Segurança do
Trabalho pela UNILINS (2008), Especialização em Direito Público com ênfase em Gestão Pública
pela Faculdade IBMEC-SP (2019). Mestrado em Geografia pela FCT/UNESP (2009), Doutorado
em Geografia pela FCT/CUNESP (2015), Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie, bolsista CAPES/Prosup (2016) e Pós-doutorado
Arquitetura e Urbanismo pela FAAC/UNESP, bolsista PNPD/Capes (2017). Atualmente é
professora da Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UNIVAG e do Mestrado Acadêmico
em Arquitetura e Urbanismo Centro Universitário de Várzea Grande - UNIVAG em associação
com a Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC-Campinas. Tem experiência na área
de Planejamento Urbano e Regional, Planejamento Ambiental e Direito Urbanístico, atuando
principalmente nos seguintes temas: políticas públicas, política urbana, gerenciamento de
cidades e gestão ambiental.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 7

SUMÁRIO

PREFÁCIO 09
PAISAGEM: POR UMA NOVA AGENDA
Adalberto da Silva Retto Júnior

Capítulo 1
REFLEXÕES SOBRE PLANEJAMENTO AMBIENTAL EM UMA NOVA 11
CIDADE PORTUÁRIA: O CASO DE ITAPOÁ
Karin Schwabe Meneguetti; Rafael Rossetto Ribeiro; Carla Martins
Olivo; Nadyeska Bruna Copat da Silva

Capítulo 2
PAISAGEM E ATRATIVIDADE NA RUA: O CASO DA AVENIDA 27
NAÇÕES UNIDAS
Maria Clara Ortega Pichinin Hoppe; Norma Regina Truppel
Constantino

Capítulo 3
PLANEJAR COM A PAISAGEM: A REGIÃO DE ORTIGUEIRA - 45
PARANÁ
Evandro Retamero Rodrigues; Karin Schwabe Meneguetti

Capítulo 4
VERTICALIZAÇÃO E EQUIPAMENTOS URBANOS COMO 71
POTENCIALIZADORES DE NOVAS CENTRALIDADES EM CIDADES
MÉDIAS BRASILEIRAS
Gislaine Elizete Beloto; Mayara Henriques Coimbra
8

Capítulo 5
LUCAS DO RIO VERDE: UM CASO DE SUCESSO NO 89
PLANEJAMENTO URBANO
Rosana Lia Ravache

Capítulo 6
CIDADE NA CONTEMPORANEIDADE: RELAÇÕES ENTRE O ESTADO 109
DE BEM-ESTAR SOCIAL, SAÚDE MENTAL E SEGREGAÇÃO
SOCIOESPACIAL
Luiz Augusto Maia Costa; Caio Barbato Maroso; Adriana Teixeira
Bahia

Capítulo 7
HABITAÇÃO SOCIAL E MUTIRÃO NA EXPERIÊNCIA DA COPROMO 125
Jefferson O. Goulart; Julia Mello S. V. Franco

ÍNDICE REMISSIVO 141


Cidade e o Planejamento da Paisagem - 9

PREFÁCIO

PAISAGEM: POR UMA NOVA AGENDA

Em um mundo cada vez mais urbanizado, o território passa por


profundas mudanças que comprometem o meio ambiente e se expressam
nas transformações da paisagem. Devido à escala desses fenômenos, o
planejamento territorial e paisagístico coloca-se como ferramenta essencial
para a busca de novos modelos de desenvolvimento sustentável e resiliência
territorial.
Mas o que a paisagem acrescenta à compreensão da vida
contemporânea? Qual a sua contribuição para as reflexões sobre a relação
espaço-sociedade?
Na tentativa de responder a alguns desses questionamentos,
Magnani, Constantino e Benini organizaram o presente volume seguindo
uma reflexão crítica a partir de dois movimentos: no primeiro, o da
investigação, a paisagem transforma-se em ferramenta para lidar com a
complexidade da cidade contemporânea; no segundo, retoma-se a
continuidade entre análise e proposição, apontando novas categorias,
aparentemente obsoletas, que podem gerar outras formas de legitimação e
de ação. Assim, ilustra perspectivas futuras para a paisagem, ou caminhos a
serem seguidos, com indicadores que se referem ora ao projeto ora a um
campo de experiência pioneira.
Três aspectos cruciais desse debate vêm à tona no livro, os quais
permitem demonstrar que a força da paisagem reside na capacidade de
gerenciar a heterogeneidade: paisagem e planejamento ambiental (rios,
áreas portuárias e novas centralidades); paisagem e habitação: entre o
Estado de bem-estar social, saúde mental e segregação socioespacial,
habitação social e mutirão; e paisagem e atratividade.
A proposta aqui apresentada para lidar com a situação da cidade
contemporânea é o planejamento da paisagem, entendido como
10

instrumento operacional a ser explorado para desenvolver soluções


alternativas. Nos estudos, fica claro o propósito de explicitar uma possível
abordagem para o problema, de modo que a paisagem possa emergir não
como resultado de uma troca aleatória, mas como protagonista, identidade
e espelho de uma sociedade consciente.
O planejamento paisagístico e o desenvolvimento territorial
constituem, dessa forma, uma disciplina destinada a criar e manter
paisagens que atendam às necessidades humanas e naturais, além dos
requisitos técnicos, levando em consideração a necessidade do ambiente
natural e do patrimônio cultural.
Embora até difícil de descrever, já que escapa a uma definição
unívoca, a paisagem é um elemento de força extraordinária, capaz de, nos
últimos vinte anos, redefinir campos de ação, perfis profissionais, linhas de
pesquisa, geralmente produzindo híbridos transdisciplinares bastante
complexos.
Pode parecer paradoxal que a capacidade de redefinir imagens
sociais seja atribuída a um conceito tão ambíguo. Mas talvez seja
exatamente esse caráter opaco que empresta à paisagem a capacidade de
reescrever uma nova relação entre espaço e sociedade, distanciando-se da
posição do projeto moderno.
A paisagem alude a um conceito espacial envolvente, pois o
sentimento de pertencer ao lugar torna-se necessidade quase obsessiva no
reconhecimento da identidade. É justamente esse sentimento que alude às
várias formas de vida comunitária, capazes de estabelecer vínculos culturais
com o território, que responde a uma visão orgânica da sociedade
contemporânea, multiculturalista e heterogênea.

1
Adalberto da Silva Retto Júnior

1
Atua como Professor na Universidade Estadual Paulista - Unesp. Coordenador do Curso
Internacional de Especialização Lato Sensu em Planejamento Urbano e Políticas Públicas:
Urbanismo, Paisagem, Território. Possui Pós-doutorado no Instituto Universitário de
Arquitetura de Veneza Itália (2007); Doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo e pelo Departamento de História da Arquitetura e Urbanismo do
Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza (2003).
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 11

Capítulo 1

REFLEXÕES SOBRE PLANEJAMENTO AMBIENTAL EM UMA NOVA


CIDADE PORTUÁRIA: O CASO DE ITAPOÁ

2
Karin Schwabe Meneguetti
3
Rafael Rossetto Ribeiro
4
Carla Martins Olivo
5
Nadyeska Bruna Copat da Silva

1 INTRODUÇÃO

“O mar e a sobrevivência” é o título de um dos textos de Ian McHarg


em “Projetar com a natureza” publicado em 1969. Ao explicar mecanismo
natural de produção da orla, através da ação do vento e da vegetação como
elemento fundamental de estabilização da paisagem, o autor menciona que
“se trata de um conhecimento do qual depende a sobrevivência” (1969,
p.07), tanto do ecossistema quanto do próprio homem. “O mar e a
sobrevivência” configura a primeira lição de como pode-se projetar com a
natureza, defendendo o entendimento e o respeito ao processo ambiental
como chave para boas práticas de uso da terra. Ambos, autor e publicação
colaboram com a fundamentação do pensamento de caráter sustentável
para a arquitetura da paisagem: propondo equilíbrio entre a natureza, o
homem e a urbanização. É justo dizer que, apesar de não ser novo, notando-

2
Doutora em Arquitetura e Urbanismo, professora na Universidade Estadual de Maringá. Email:
ksmeneguetti@uem.br
3
Arquiteto e Urbanista, mestrando na Universidade Estadual de Maringá. Email:
rafaelrossetto.arq.urb@gmail.com
4
Mestre em Arquitetura e Urbanismo, professora e doutoranda na Universidade Estadual de
Maringá. Email: olivo.carla@gmail.com
5
Mestre em Engenharia Urbana. E-mail: nbcopat@gmail.com
12

se o caráter moderno do pensamento ecológico, o tema da sustentabilidade


é proeminente para a pesquisa e prática da disciplina num cenário
contemporâneo. Somaram-se a McHarg diversos outros autores (como
Spirn, Forman, Lyle, Hough) a fim de apontar como o conhecimento sobre
ecologia e processos naturais poderiam ser utilizados pelo design, tanto na
escala regional quanto na escala local (STEINER, 2016). As cidades podem
não apenas consumir, mas também realçar e produzir os sistemas e serviços
ecológicos, para isso o design ecológico (convergindo planejamento e
projeto) pode valer-se da infraestrutura verde como estratégia para a
produção de paisagens melhores para o futuro: com equilíbrio ecológico,
cultural e econômico, além de atrativas (STEINER, 2014).
Nessas bases se situa a discussão de um cenário alternativo futuro
para a cidade de Itapoá (SC). Partindo da compreensão das relações entre
urbanização e espaços livres para cidades litorâneas de pequeno porte
numa perspectiva ambiental, tendo Itapoá (SC) como objeto de estudo, o
trabalho aponta uma estratégia ambiental e urbana embasando-se no
entendimento do processo de transformação da paisagem urbana de uma
nova cidade portuária.
O fenômeno em estudo, o processo de transformação da paisagem
urbana versus planejamento ambiental, certamente delineia a possibilidade
de proposição de paisagem reconhecível e participativa, mediante um
planejamento que não seja apenas operativo (PELLEGRINO, 2000). Aliado a
essa impressão, Tardin (2008) defende a não polarização entre proteção
(isolamento) e desenvolvimento (consumo) da paisagem, e que os espaços
livres podem ser como protagonistas na construção do território, dado a sua
complexidade (por sua variedade de atributos: biofísicos, perceptivos ou
urbanos) e característica sistêmica. Nesse sentido, oportunizar o projeto
pensando em recursos ecológicos e morfológicos pode formar relações
complementares ou catalisadoras entre regiões (PRADO, 2016). Para tanto,
Tardin (2008) propõe uma metodologia de projeto que não dista das
análises de adequação propostas por McHarg e nem do reconhecimento da
ideia de padrão e processo notados pela ecologia da paisagem, pautado em:
reconhecer e analisar, avaliar e ordenar.
Isso posto, o presente texto se vale dessa estrutura para entender as
estruturas ambientais e urbanas de Itapoá através do tempo, a fim de
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 13

formar a estratégia de projeto apresentada. Nesse sentido os verbos


apresentados por Tardin (2008) são apropriados como estratégias:
acrescentar, demarcar, conectar, adequar, articular e enlaçar.

2 DO ÉDEN AO URBANO: O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DA


PAISAGEM NO LITORAL BRASILEIRO

Apesar do processo de ocupação do litoral brasileiro remontar ao


início da colonização do país, foi somente a partir do início do século XX que
novas urbanizações foram formadas, de modo espontâneo ou intencional,
visando o aproveitamento turístico da orla marítima. Nesta época, o mar
como valor cênico e a praia como espaço de lazer foram incorporados ao
imaginário urbano brasileiro. Assim, em termos gerais, ocorreu a difusão de
dois modelos de ocupação do litoral: o primeiro através dos bairros de
veraneio atrelados aos grandes centros urbanos costeiros; e o segundo, e
mais recorrente, por meio da expansão dos pequenos núcleos urbanos que,
situados em meio a um ambiente ainda rústico e de difícil acesso, são
aparelhados para receber contingentes de veranistas “ávidos do contato
com a natureza” (MACEDO, 1998).
Macedo (1998) afirma que praticamente toda a ocupação da costa
por urbanizações voltadas a balneabilidade litorânea seguem um mesmo
padrão, seja qual for a localização geográfica em que é implementada: (1)
possui caráter extensivo, definindo manchas urbanas contínuas, que se
estendem linearmente pela linha costeira sempre estruturadas por uma via
de acesso que mais ou menos corre paralela ao mar; (2) a forma de
loteamento em xadrez é a mais comum, onde as edificações são geralmente
implantadas em lotes relativamente amplos, com recuos entre si, e espaços
livres intralotes que reproduzem os padrões de ajardinamento em voga.
Esse processo de rápida urbanização da costa litorânea brasileira,
aliado à industrialização e à exploração turística são as principais formas de
atuação antrópica sobre o território que rapidamente transformam sua
configuração morfológico-ambiental. Na maioria dos casos, estas atividades
geram em suas implementações a destruição de parcelas significativas dos
ecossistemas litorâneos. Paralelamente a estas perdas, uma nova paisagem
está sendo constantemente construída, abrigando novos contingentes
14

populacionais que muitas vezes não avaliam claramente a importância dos


recursos ambientais e paisagísticos que estão eliminando (MACEDO, 1999).

2.1 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO EM ITAPOÁ, SANTA CATARINA

O processo de ocupação do litoral norte catarinense encontra-se


dentro do panorama de exploração da orla marítima brasileira para o uso
recreativo. Apesar de alguns focos de ocupação humana acontecerem desde
o final do século XIX, somente com a idealização de um novo balneário de
veraneio pela Sociedade Imobiliária, Agrícola e Pastoril (SIAP), é que se inicia
um processo de efetiva ocupação urbana nesta porção do território. Até
então, a ocupação urbana estava relacionada à prática da pesca artesanal e
de subsistência, em um território de mata fechada, preservada e com
poucos e difíceis acessos terrestres.
Assim, desde o final de década de 1950, a mata Atlântica que ali se
encontrava cedeu espaço para: (1) a construção de grandes bairros de
segunda residência, destinados a serem utilizados basicamente no período
de férias de verão ou nas épocas de grandes feriados; (2) por novas vias que
recortam o território urbano-regional na tentativa de facilitar o acesso dos
“novos moradores” ao balneário.
O processo de ocupação do território em Itapoá segue a lógica da
exploração máxima dos valores paisagísticos ligados à praia e ao mar (figura
1). Assim, por estes serem os focos de atração, a expansão urbana se
estrutura linearmente ao longo da linha costeira. As áreas planas junto às
praias, por apresentarem maior facilidade de acesso ao mar e por serem
mais atrativas ao mercado imobiliário, são as primeiras porções a serem
loteadas e ocupadas. Somente quando esgotados tais espaços é que se
percebe um processo de ocupação de áreas mais internas à costa marítima.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 15

Figura 1 - Série histórica da expansão urbana de Itapoá (SC) pelo território

Fonte: RIBEIRO, BELOTO (2019). Adaptação e interpretação dos autores.

O movimento de interiorização da mancha urbana é potencializado


pela implantação de um terminal portuário na porção sul da cidade, a partir
da década de 1990. Pois concomitante ao seu estabelecimento forma-se
uma área retroportuária no município, com a instalação de áreas industriais
e logísticas. Este processo resultou, enquanto forma urbana, no
aparecimento de pequenos e médios fragmentos no território e um novo
dinamismo econômico que não está diretamente vinculado ao lazer. A
formação dessa área de retroporto acontece devido ao fato de que no
panorama contemporâneo, os portos e suas estruturas complementares se
inserem numa cadeia produtiva, formando uma rede logística de
abrangência regional, nacional e internacional. Assim, o funcionamento da
atividade portuária não está somente vinculado ao terminal, mas a outros
equipamentos espalhados pela sua hinterlândia (RIBEIRO, BELOTO, 2019).
Este processo de transformação da paisagem que ocorre em Itapoá é
verificado em casos semelhantes de urbanizações voltadas à balneabilidade
do litoral brasileiro, conforme descreve Macedo (1998). Contudo, no caso de
Itapoá, este processo é potencializado e alcança outras proporções devido
ao estabelecimento da atividade portuária em seu território. A figura 2
estabelece em uma linha temporal este processo, através de imagens aéreas
de 1939 até 2019. Nesta sequência de fotografias verifica-se que a dinâmica
de ocupação do território acontece em um movimento que a matriz
ambiental é gradativamente suprimida pelo avanço da mancha urbana.
16

Figura 2 - Processo de transformação da paisagem em Itapoá (SC)

Fonte: Elaborado pelos autores com base nas imagens do Google Earth e aerofotografias da
Secretaria de Estado do Planejamento – Diretoria de Estatística e Cartografia do Estado de Santa
Catarina.

2.2 PRAIA DE BAMBU: UM NOVO MODELO DE OCUPAÇÃO URBANA EM


ITAPOÁ

Dentro desse cenário de transformação da paisagem urbana e


principalmente pelo novo dinamismo econômico gerado pela inserção da
atividade portuária no território, surgiu a necessidade de o mercado
imobiliário repensar o modelo de ocupação urbana vigente em Itapoá.
Assim, o escritório comandado pelo arquiteto curitibano Jaime Lerner
propôs um loteamento para uma área central da cidade, que atualmente se
constituiu como um grande vazio urbano (figura 3).
Conhecida como Riviera Santa Maria, a proposta do arquiteto busca
uma melhor coexistência do homem com o ambiente natural, repensando o
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 17

tecido urbano recorrente na cidade, a quadrícula xadrez e a ocupação


antrópica predatória que elimina gradativamente os elementos
constituintes do ecossistema local. Para tanto, o arquiteto propõe uma
ocupação urbana mais concentrada, verticalizada e com maiores espaços
livres, além da manutenção de boa parte da mata Atlântica preservada
existente, qualificando-a como grandes parques urbanos. Nesse terreno em
específico, destinado ao projeto, fica clara a proposição de uma costura
entre os potenciais naturais – orla e remanescente vegetativo - através de
uma “rambla” e de um eixo urbano de caráter comercial. Eixos desse
caráter servem também para conectar o tecido urbano de leste a oeste.
Assim, foram permitidas tanto as conexões humanas como garantidos os
fluxos ambientais pela área do projeto.

Figura 3 - Proposta de novo loteamento urbano para Itapoá (SC)

Fonte: Riviera Santa Maria (2019).


18

Ainda, a intervenção utiliza-se de modelo de quadra de ocupação


periférica (com porosidade central) e de verticalização a fim de uma maior
densidade urbana – destoando do modelo de ocupação de baixa densidade
e gabarito, isolado e tradicional visto na cidade. Nesse sentido, a proposta
parece propor uma perspectiva menos individual e particular para a
produção do espaço urbano da cidade (como se pode entender na figura 3),
mas não menos turística.

3 UMA ESTRATÉGIA AMBIENTAL E URBANA

As transformações urbanas de Itapoá certamente ressoam de dois


grandes interesses: a praia e o porto. O apelo turístico tem influência
notável na configuração do espaço urbano da cidade permitindo construir
uma narrativa de ocupação que ainda é dual. Ao mesmo tempo que se
valoriza uma ideia de cenário natural – a paisagem da orla – explora-se o
ativo natural ao máximo e despreocupadamente. O fenômeno de
urbanização recreativa da orla, explicado por Macedo (1998), junto a um
planejamento operativo, ao mesmo tempo que expande a cidade favorece
uma dinâmica e qualidade espacial urbanas bastante precárias, nesse caso.
Adiante, pode-se considerar que a instalação de uma grande e nova
estrutura, o porto, tem o potencial de animar relações de caráter sócio
econômicos locais e regionais, podendo isso carregar a configuração de
novas espacialidades.
Questionar o caráter desse futuro certamente se configura uma
questão de pesquisa importante e torna-se evidente que, em se seguindo a
perspectiva histórica, certamente continuará a urbanização predatória
vigente. Nesse sentido, entender a forma da cidade, seus valores e
transformações, e ao mesmo tempo perceber as formas ambientais
existentes pode contribuir para o planejamento de relações futuras que
visem uma maior adaptação e resiliência entre homem e natureza.
Neste sentido, a proposta apresentada por este trabalho partiu dos
dados disponíveis, tratando-os, porém, com o olhar do planejamento
ambiental. Respondendo aos verbos citados por Tardin (2008), o reconhecer
e analisar partiu da base de dados e dos mapas temáticos apresentados pelo
Plano Diretor de Itapoá (2016). Em seguida, o avaliar, esteve condicionado a
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 19

uma noção sistêmica entendendo a ecologia da paisagem como fonte de


uma análise de padrão (matriz, mancha e corredor) e processo. A figura 4
apresenta a síntese da problemática e a estratégia ambiental-urbano desta
abordagem.

Figura 4 - Síntese da problemática e estratégia ambiental-urbana para Itapoá (SC)

Fonte: Elaborada pelos autores.


20

Se apreende que o tecido urbano de Itapoá (SC) está condicionado à


duas fronteiras naturais: a da orla marítima e a da vegetação. Fatos
históricos e econômicos já mencionados, ressonantes do turismo e da
instalação da área portuária, conduzem a uma ocupação linear no sentido
norte e sul prioritária, mesmo que fragmentada. Mesmo assim, a tendência
à urbanização de oeste para leste parece bastante importante. Na fronteira
leste – a da orla – percebe-se que com as atividades portuárias há o
potencial avanço do nível do mar, o que somado a uma ocupação de orla
desordenada, desconexa em tecido e acesso, e desrespeitosa à faixa de
restinga faz com que o grande atrativo cênico-ambiental da praia se
enfraqueça. Na fronteira oeste, nota-se o avanço dos loteamentos sobre a
matriz vegetada com irregularidade: nesse caso a urbanização vai
conquistando os espaços naturais. Assim há a gradual substituição de
porções remanescentes da mata atlântica por malha urbana ou ainda a
conversão de área vegetada em área de caráter rural. A instalação do porto
tanto conduz a cidade para o sul como prevê a instalação da área
retroportuária numa porção territorial de diversidade e coesão entre
vegetação, topografia e recursos hídricos.
Nesse contexto, o tecido urbano se expande por acréscimos de
partes de traçado xadrez, mais graduais ou fragmentadas, mais ou menos
consolidadas. A trama rentável propicia uma paisagem urbana que é
homogênea e pouco legível e que admite uma infraestrutura urbana que é
ainda preliminar. É interessante notar que nas quadras urbanas
consolidadas os espaços livres e a vegetação intralotes são pouco relevantes
e mesmo a arborização urbana é intermitente. Quadras menos consolidadas
apresentam lotes vacantes com remanescentes de vegetação nativa, que
pela lógica local será eliminada. Esse tecido poroso parece bastante
interessante espacialmente e na síntese foi denominado como corredor
verde fragilizado. Nesse sentido, pode-se considerar que o protagonismo
está no homem e nesse caso o de perfil turístico. Para além da área de
projeto original da cidade são poucos os espaços livres de uso público, os
equipamentos coletivos e urbanos. Ainda, é de se considerar que o sistema
viário condiz com a lógica da expansão, favorecendo uma via urbana norte-
sul, paralela à orla, para onde convergem as dinâmicas de comércio e
serviço locais, além do tráfego urbano.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 21

Com base neste cenário atual e tendencial, partindo do diagnóstico,


elabora-se uma estratégia ambiental e urbana que possa atuar como um
cenário alternativo ao processo tendencial de transformação da paisagem
(figura 5). Identifica-se primeiramente as características e valores naturais
do município em questão, elencando suas restrições e potencialidades, em
referência ao método de McHarg (1969). Observando os elementos naturais
e reconhecendo-os como elementos estruturantes da paisagem, estes foram
estabelecidos ora como limites, ora como conexões e enlaces da ocupação
urbana.
Com isso, propõe-se um novo limite urbano aproveitando-se do rio
Saí-mirim e sua microbacia enquanto unidade de planejamento (Pellegrino,
2006). A utilização de um elemento físico, no caso o conjunto corpo hídrico
mais floresta remanescente, para o controle da expansão urbana, funciona
como um claro elemento de definição geográfica, portanto menos passível
de alterações políticas para atender aos interesses imobiliários em
aumentos da “linha imaginária” que se constitui muitas vezes o perímetro
urbano.
Se por um lado o remanescente de mata Atlântica constitui um
importante elemento estruturador da nova paisagem proposta, a
recuperação da orla marítima e a requalificação ambiental da praia também
se configuram como peças-chave para a nova estrutura ambiental da cidade.
As ações de recomposição da linha costeira vão além da definição de linhas
de preservação da restinga, mas também políticas de educação ambiental
para a conscientização dos usuários do balneário.
Para além da proteção ambiental na área de borda da cidade e a
recomposição da linha costeira, propõe-se que os remanescentes florestais
que atualmente se constituem como corredores verdes fragilizados tornem-
se as áreas de centralidades urbano-ecológicas da cidade. Ou seja, porções
com maior potencial construtivo, que ao mesmo tempo permitam a
manutenção de grandes áreas livres, e consequentemente permitam a
conectividade dos fluxos ecológicos entre as partes: área verde, área urbana
e orla marítima. É interessante notar que o conceito de conectividade está
presente na proposta de Lerner para a Praia do Bambu, mas também outros
projetos contemporâneos se utilizam dele. Um bom exemplo estaria na
proposta ganhadora do concurso para a cidade Chinesa de Qianhai, do
22

escritório Field Operations (2010). A proposta de uma cidade de orla para


dois milhões de habitantes se estrutura em “fingers” verdes que reúnem
serviços ecossistêmicos, espaço livre de parque e dotam os setores da
cidade de identidade, aproximando-os das pessoas (Steiner et. al, 2016). Em
uma escala muito diversa, a proposição de identidade urbana serviria a
proposta para Itapoá. O diagrama abaixo (Figura 5) exemplifica essa
proposição.

Figura 5 - Hipótese ambiental-urbana para a escala da cidade

Fonte: Elaborado pelos autores.

Neste sentido, a proposta dessas novas centralidades urbano-


ecológicas se materializa na paisagem urbana de Itapoá como um cenário
alternativo para uma transformação tendencial de supressão dos
remanescentes florestados e de expansão do tecido urbano convencional.
Conforme ilustra a figura 6, o cenário proposto, assim como o projeto de
Lerner, utiliza-se do modelo de ocupação com maior verticalização e maior
porosidade, criando uma paisagem mais coesa e sustentável. Assim, a
manutenção do corredor verde, além de permitir a conectividade dos fluxos
ecológicos, cria um espaço de apropriação coletiva que não está
diretamente vinculado à praia.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 23

Figura 6 - Centralidade urbano-ecológica

Fonte: Elaborado pelos autores.

Para além da escala urbana, em um enfoque regional, a estratégia


proposta elenca o porto como um equipamento logístico, mas também com
potencial de utilização para atividade turística da cidade. Assim, o terminal
portuário pode atuar como a nova porta de entrada e saída dos visitantes e
até mesmo para a realização de passeios navegáveis pela orla marítima. De
tal forma, garante-se uma maior aproximação e compreensão por parte dos
moradores e turistas da importância que a nova atividade, no caso
portuária, possui ao município, e abre novas possibilidades de uma
24

exploração mais equilibrada do turismo e das características cênicas da


paisagem marítima.
De mesma maneira, para dar continuidade à formação da área
retroportuária, mas de modo mais compatível com as características
ecológicas da área territorial em que se inserem, propõe-se que sua
implantação ocorra através de porções pré-estabelecidas do território, com
limites pré-definidos e, portanto, com uma ocupação controlada. Essas
medidas visam a manutenção da diversidade ambiental e a coesão entre
atividades urbano-portuárias e fluxos ecológicos. Um esquema dessa
hipótese para a escala da região está na figura 7.

Figura 7 - Hipótese ambiental-urbana para a escala da região

Fonte: Elaborado pelos autores.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reconhecer as diversas camadas de uma paisagem e utilizar-se delas


para um planejamento de caráter sustentável certamente foi uma das lições
aprendidas a partir de “Projetar com a Natureza” (McHarg, 1969). Neste
trabalho, “responder aos desafios impostos pela urbanização predatória”
(MENEGUETTI, 2009, p.17) foi tecer um contraponto aos cenários atuais e
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 25

tendenciais, mesmo que no campo das ideias. Um dos reconhecimentos


pertinentes foi o de que a nova cidade portuária de Itapoá (SC) possui uma
paisagem em trânsito, notando seu potencial de transformação pela
expansão urbana em virtude da instalação do porto. Mesmo a cidade
estruturando-se por uma paisagem cênica natural - a orla, Itapoá parece se
esquecer de seu potencial natural ao implantar seu tecido urbano, em que
se percebe uma crescente degradação do território ocasionado por uma
urbanização desordenada e precária.
Propor um cenário alternativo futuro, nesse contexto, compreende
pensar na proposição e na articulação de uma estrutura ecológica que seja
flexível e adaptável ao longo do tempo. Em termos contemporâneos isso se
associa ao conceito de infraestrutura ecológica ou estrutura verde: em que
as estruturas naturais até então inertes ao processo de urbanização tornam-
se elementos estruturadores da paisagem urbana, de forma sistêmica. Onde
obtêm-se benefícios múltiplos para o homem e a natureza, garantindo-se
tanto a preservação e manutenção das funções naturais, quanto uma
paisagem coesa, com identidade local e sustentável.

REFERENCIAL

ITAPOÁ, P. M. Plano Diretor do Município de Itapoá 2016. Disponível em:<


https://www.itapoa.sc.gov.br/>. Acesso em: 05/06/19.
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MACEDO, S.S. Paisagem, Modelos Urbanísticos e as Áreas Habitacionais de Primeira e Segunda
Residência. Paisagem Ambiente Ensaios. São Paulo, 11, dezembro 1998, pp. [131-202] NY:
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MENEGUETTI, K. S. De cidade-jardim a cidade sustentável: potencialidades para uma estrutura
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PELLEGRINO P. M. Pode-se planejar a paisagem? Paisagem e Ambiente. Ensaios. São Paulo,.13,
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PRADO, B.I.W. Paisagem Urbana de São Luís: transformação das formas e arranjos naturais na
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26

RIBEIRO, R. R.; BELOTO, G. E. (2019). A configuração da forma urbana em novas cidades


portuárias brasileiras. XXIII Congresso Arquisur: a produção da cidade contemporânea no
Cone Sul: desafios e perspectivas da Arquitetura e do Urbanismo. Anais [...]. Belo
Horizonte: UFMG.
RIVIERA SANTA MARIA. Uma proposta de desenvolvimento urbano que valoriza o homem e o
meio ambiente. Disponível em: http://rivierasantamaria.com.br/riviera-santa-maria/.
Acesso em: 27/10/2019.
STEINER F. R., THOMPSON G. F., CARBONELL A. Nature and Cities: The Ecological Imperative in
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STEINER, F. Frontiers in urban ecological design and planning research. Landscape and Urban
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STEINER, F. The application of ecological knowledge requires a pursuit of wisdom. Landscape
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TARDIN, R. Espaços livres: sistema e projeto territorial. Rio de Janeiro: 7 letras, 2008.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 27

Capítulo 2

PAISAGEM E ATRATIVIDADE NA RUA:


O CASO DA AVENIDA NAÇÕES UNIDAS

6
Maria Clara Ortega Pichinin Hoppe
7
Norma Regina Truppel Constantino

1 INTRODUÇÃO

A função da rua, desde as primeiras formações urbanas, é ser um


espaço público de reuniões e trocas. Teran (1996, p. 8), ao falar sobre o
sistema viário de uma cidade, ressalta que a função das vias nunca foi
apenas circulação, pois nesse espaço coexistem também aspectos sociais e
ambientais que a tornam um elemento fundamental na cidade. A rua não é
apenas para comunicar lugares, ela própria é um lugar (CARERI, 2018, p. 19).
Nesse sentido, Gehl, Kaefer e Reigstad (2015) revelam que uma das funções
das ruas era ser lugar de troca no surgimento das cidades, o que gerava
movimento em seus espaços públicos. No entanto, isso foi sendo
modificado com a evolução das tecnologias, da forma de se viver e da
morfologia urbana. Uma das características que empobrece a qualidade do
espaço da rua é a supremacia de um único uso.
O estudo da paisagem é utilizado neste capítulo como guia para a
percepção da cidade através dos espaços das ruas, tendo como estudo de
caso o espaço da Avenida Nações Unidas, em Bauru-SP.
8
O objetivo desse capítulo é perceber os elementos e as relações de
atratividade na paisagem contemporânea da Avenida Nações Unidas.

6
Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela PPGARQ-UNESP. E-mail:
mariaclara_ortega@hotmail.com
7
Doutora, PPGARQ-UNESP. E-mail:norma.rt.constantino@unesp.br.
8
O presente capítulo é parte da dissertação de mestrado “A Rua: percepção na paisagem
urbana”, de Maria Clara Ortega Pichinin Hoppe, sob orientação da Profa.Dra. Norma Regina
Truppel Constantino, PPGARQ-UNESP.
28

Relacionando os conceitos de paisagem e atratividade para fazer uma leitura


mais humana do espaço urbano em questão, compreendendo suas
necessidades e potencialidades para aumentar a qualidade de vida nesta
cidade.
A fim de explicar o espaço da Avenida Nações Unidas este estudo
toma como base dois autores, Jean-Marc Besse e Jan Gehl. O primeiro deles
trabalha o conceito da paisagem e como ela pode ser lida, enquanto o
segundo analisa a atratividade das paisagens urbanas atuais para as pessoas.
A metodologia propõe, além do aprofundamento teórico, o estudo
de caso da Avenida Nações Unidas em Bauru, utilizando análises físicas e
perceptivas, para entender e definir sua atratividade. Gerando assim base
para futuros projetos que se preocupem em construir paisagens urbanas
atrativas, estabelecendo diretrizes para esse fim. Definindo uma boa
paisagem para as ruas, é possível, portanto, contribuir para a qualidade de
vida nas cidades.

9
2 A PAISAGEM COMO PERCEPÇÃO DA ATRATIVIDADE NO ESPAÇO
URBANO

"A cidade não é somente um entorno funcional, mas também um


entorno de experiência”, segundo Karssenberg e Laven (2015, p. 14), que
acreditam que, no mundo atual (pelo menos ocidentalmente), busca-se
viver a cidade e não mais construí-la, como foi o objetivo do planejamento
do pós-guerra e da era industrial. Para os autores, a experiência se torna
algo cada vez mais importante no meio urbano e é dessa forma que os
espaços devem ser pensados, trazendo melhorias na qualidade de vida e até
mesmo na economia urbana. Buscando cidades mais humanizadas, o
desafio do século XXI é conquistar um urbanismo voltado para as pessoas,

9
É necessário ressaltar que o termo paisagem não possui um conceito único que o determine,
pois as diversas abordagens de interpretação do espaço da paisagem se baseiam em discursos e
pontos de vistas distintos, como os propostos por Besse (2014), que foram utilizados como base
para este capítulo.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 29

tendo quatro objetivos principais para as cidades, de serem mais vivas,


seguras, sustentáveis e saudáveis (GEHL, 2015, p. 06).
Se conseguiremos pensar o território de forma mais abrangente,
considerando os aspectos históricos e culturais existentes, e não mais criar
planos e projetos alheios à cidade, teremos espaços mais humanos.
Estudando as formas da paisagem, estamos entendendo o comportamento
do homem no território; é por meio da paisagem que o homem transforma
a natureza e deixa nela suas marcas, por isso é considerada uma das
relações mais profundas que o ser humano tem com o território.
O planejamento urbano baseado na análise segundo a paisagem não
trata o território como uma tela em branco, sem história ou características
anteriores. Na paisagem, encontramos as marcas da sociedade e da
natureza, além da forma de relação entre ambas. Bartalini (2013, p. 40) fala
que os projetos na paisagem devem ser guiados pela ciência da mesma,
considerando-a uma "evidência sensível", pois “é a resultante de uma série
de relações e combinações de várias ordens e naturezas impressas sobre a
Terra". Corajoud (2011, p.213) também concorda que, na paisagem, estão
os indícios que podem transformá-la; de fato, se observarmos a paisagem,
podemos ver três tempos: passado, presente e futuro.

[...] A paisagem é inesgotável no sentido em que oferece uma


multidão de indícios que nos indicam o que ela é, o que ela era e o
que ela se pode tornar. Com efeito, na própria carne da paisagem
imprime-se e perduram todos os estigmas do passado. A paisagem é
uma memória e eu posso interrogá-la. (CORAJOUD, 2011, p. 217).

O questionamento da paisagem possibilitou que Besse (2014)


10
apresentasse cinco possíveis “entradas”, que englobam esses conceitos
que definem a paisagem sendo chaves de leitura para interpretar um espaço
de forma completa. O autor faz a seguinte divisão, ao considerar a paisagem
como: uma representação cultural, um território produzido pelas sociedades
em sua história, um complexo sistêmico (articulando elementos naturais e
culturais), um espaço de experiências sensíveis ou um contexto de projeto

10
Neste capítulo a Av. Nações Unidas é analisada segundo três destas chaves de leitura
propostas por Besse (2014).
30

(BESSE, 2014, p.12). De acordo com esse autor, podemos fazer diferentes
leituras da paisagem, e cada área de estudo se aprofunda de uma forma
distinta, relacionando e aplicando suas técnicas e conceitos a esse termo.
A primeira abordagem de Besse (2014) considera a paisagem como
uma realidade mental, relativa ao que o homem pensa, percebe e diz sobre
ela. Por isso a sua interpretação deve ser semelhante à que acontece com as
obras de arte, indo além da obra para investigar seus valores, entendendo
que ela é uma representação cultural e social.
Contudo a paisagem não é considerada por Besse (2014) apenas
como uma vista, já que, como ressaltado até então, o homem faz parte dela,
pois ela é um mundo vivido pelo ser humano, seu ecúmeno. Assim o autor
trata a relação dos rastros que o homem deixa na paisagem. Além do mais,
em outra porta é vista a relação que os elementos naturais têm na
paisagem, considerando sua complexidade na articulação entre o real e o
natural, sendo outra responsável por observar a experiência do homem
nesse espaço, como o corpo é tocado fisicamente pelo mundo. A última
porta vai analisar o projeto, ajudando a questionar como são pensadas as
diretrizes de planejamento que irão intervir no espaço e consequentemente
na qualidade de vida humana.
A rua, sendo um espaço público em que todos podem se socializar,
será essencial para a qualidade das experiências realizadas no espaço
urbano. Besse considera necessária a experiência do corpo, o qual será
afetado pelo que está ao seu redor, ao entender a morfologia do espaço
como forma do encontro concreto do homem com a realidade paisagística,
e, desse modo, a qualifica como "uma abertura às qualidades sensíveis do
mundo" (BESSE, 2014, p. 45). Por isso o espaço da rua não deve ser pensado
apenas como local de circulação, como diz Knuijt (2015), mas deve oferecer
oportunidades para experiências de permanência no espaço

"Espaço" deve se tornar "lugar" pela criação de locais acolhedores


para se ficar. As pessoas querem lugares para sentar, contemplar,
debater, se exibir. Para contribuir com uma paisagem de rua, é
importante que haja esses lugares para se ficar e desfrutar do espaço
público. (KNUIJT, 2015, p. 87).

Se uma via tem características que atraem o usuário, torna-se mais


um lugar público de socialização e de encontro, onde as pessoas se sentem
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 31

confortáveis e escolhem utilizar. As condições de segurança, conforto e


prazer no espaço são determinantes para o uso. Esses são três grupos
descritos por Gehl (2015, p. 239) ao criar uma lista de palavras-chave com os
critérios de qualidade com respeito à paisagem do pedestre.
Como proteção, o autor considera os aspectos referentes aos
acidentes de trânsito, a violência e contra as possíveis experiências
sensoriais desconfortáveis (vento, chuva/neve, poluição e outros). A
respeito do conforto, são levantadas todas as possibilidades que o usuário
encontra no espaço, considerando os elementos físicos do espaço, assim
como suas condições naturais e climáticas que irão tornar o uso mais ou
menos agradável. As oportunidades também são observadas para analisar o
prazer que o espaço pode oferecer. Nesse tópico, a escala do edifício é
considerada, abrangendo as dimensões humanas que o autor descreve
como parâmetro em projetos que consideram os espaços como parte do
uso das pessoas.
Os doze critérios confirmam que a fisionomia da paisagem de uma
via determinará, então, os usuários e o seu comportamento no espaço
urbano, se a sua presença no local será por obrigação ou interesse. E por
isso os critérios foram adotados para orientar a forma de análise da avenida
aqui estudada junto com as formas de interpretar a paisagem determinadas
por Besse. Esses conceitos foram observados da seguinte maneira (quadro
1):
32

Quadro 1 - Relação entre os conceitos de paisagem e atratividade para análise de


espaço urbano.
Portas de Leitura da Critérios de qualidade para as A atratividade da
Paisagem pessoas no espaço urbano paisagem
(Jean-Marc Besse) (Jan Gehl)
Proteção Os ideais de uma
Contra o tráfego e acidentes – sociedade marcam a
Território produzido pela sensação de segurança paisagem que será
sociedade (BESSE, 2014, p. Conforto vivenciada por outros
26-37) Oportunidades para caminhar grupos sociais (por
outros ideais).
Proteção
Proteção contra experiências
sensoriais desconfortáveis
Como o uso pode ser
Articulação de elementos Conforto
influenciado pela
naturais e culturais (BESSE, Oportunidades para brincar e
transformação das
2014, p. 37- 45) praticar atividade física
condições naturais.
Prazer
Oportunidades de aproveitar
os aspectos positivos do clima
Conforto
Paisagem como
Oportunidades para ver
representação cultural e Apreciação de vistas
Prazer
social (BESSE, 2014, p. 13 - sociais.
Experiências sensoriais
26)
positivas
Fonte: Elaborado pela autora, com base nos dados presentes em Besse (2014) e Gehl (2015).

3 AVENIDA NAÇÃO UNIDAS – BAURU

Bauru é uma cidade de porte médio, localizada no interior do Estado


de São Paulo, a aproximadamente 330 Km da capital. De acordo com o
censo demográfico de 2010 (IBGE), a população estimada para o ano de
2019 em Bauru é de 376.818 habitantes.
A cidade se tornou município em 1896 e tem grande influência na
região em que se localiza, por conta dos serviços oferecidos e por ser um
ponto comum entre diferentes rodovias (o mesmo acontecia com as
ferrovias, já que a cidade sediava três companhias de estradas de ferro).
A cidade é conhecida como a "Cidade Sem Limites”. Esse slogan
surgiu na segunda metade do século XX e é recorrente ainda atualmente. É
nesta época que começa a ser implantada a Avenida Nações Unidas. Essa
obra, assim como o slogan, era uma representação do progresso buscado
pela sociedade local, e foi responsável por uma grande transformação na
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 33

paisagem, pois essa via foi implantada sobre um córrego canalizado,


anteriormente utilizado como limite da área urbana.
A Avenida Nações Unidas, localizada no mapa da figura 1, é uma via
rápida da cidade pela qual se tem acesso à Rodovia Estadual Marechal
Rondon, fazendo a ligação desta com o terminal rodoviário da cidade, sendo
utilizada por muitos visitantes e, é evidente, pelos habitantes de Bauru, pois
também é responsável pela conexão entre diversos bairros, ligando as zonas
norte e sul.

Figura 1 - Localização da Avenida Nações Unidas na cidade de Bauru.

Fonte: Mapa da PMB, editado pela autora.

Além da conexão com a Rodovia Marechal Rondon e a presença da


rodoviária, há na via outros elementos que oferecem serviços à população
bauruense e aos municípios vizinhos fazendo com que a avenida tenha uma
importância muito grande na região. Alguns pontos chaves são: o
Poupatempo, o Teatro Municipal, o Edifício Brasil-Portugal (um monumento
tombado representante da arquitetura moderna) e o Parque Vitória Régia,
que é considerado o cartão postal de Bauru. Além disso, por esta avenida
podem ser acessados os dois shoppings de Bauru e outras três avenidas
principais na cidade (Nuno de Assis, Rodrigues Alves e Duque de Caxias). Ou
34

seja, a qualidade urbana presente nesse espaço terá influência para uma
grande quantidade de pessoas.

3.1 A ATRATIVIDADE DA PAISAGEM DE UMA VIA RÁPIDA

Para a análise da paisagem da Avenida Nações Unidas, observando a


atratividade desse espaço para as pessoas, foram utilizados os conceitos
estabelecidos por Besse (2014) para a compreensão da paisagem em
conjunto com os parâmetros de atratividade defendidos por Gehl (2015). As
portas para leitura de Besse e os critérios de Gehl não são excludentes, mas
sim complementares e recorrentes. Com base nesses conceitos, foi realizada
uma análise da Avenida Nações Unidas mesclando os dois parâmetros
utilizando três portas para interpretar a paisagem e os critérios de
atratividade que se relacionavam com essas formas de leitura do espaço.
Ao abrirmos a primeira porta proposta por Besse (2014) – a paisagem
como território produzido pela sociedade ao longo da história – verificamos
que a avenida foi implantada no período em que se prezava a modernização
e projetada para o trânsito rápido, sem pensar na escala humana. "Ler a
paisagem é perceber modos de organização do espaço" (BESSE, 2014, p. 31).
Uma das marcas mais significativas que a construção da Avenida
Nações Unidas deixou na paisagem de Bauru foi a canalização do Córrego
das Flores. Com a formação da avenida, as águas do córrego foram ocultas
na paisagem.
O córrego era um limitador dá área urbana no começo de sua
formação. A necessidade de passagem aumentou gradativamente com a
ocupação da margem oposta ao núcleo urbano inicial e, assim, a canalização
foi feita de forma gradual, sendo a construção da via realizada por trechos
em diferentes períodos. No entanto, é fundamental ser destacado que o
traçado da avenida segue a linha do percurso do córrego. O curso d’água é o
elemento estruturador da forma da avenida e do tecido urbano (figura 2).
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 35

Figura 2 - A transformação da paisagem da Avenida Nações Unidas: Córrego das Flores (altura
da R. Inconfidência), construção da Avenida Nações Unidas e a via atualmente, sempre no
sentido norte-sul.

Fonte: Museu da Imagem e do Som; Museu Histórico Municipal de Bauru; Acervo da autora
2018.
36

Os primeiros habitantes de Bauru conviveram com uma paisagem


diferente da atual, quando o Córrego das Flores ainda estava visível. Em
alguns relatos saudosistas sobre essa outra paisagem é possível notar que as
mudanças que aconteceram são vistas de forma positiva. Como é o caso da
descrição que Alba Ramos Barbosa Condi faz do local no Bauru Ilustrado,
considerando a implantação da via algo necessário.

[...] O progresso tem um preço: alguma coisa tem que ser sacrificada
para que outras mais necessárias apareçam. A beleza simples do
pequeno riacho com seus encantos naturais deu lugar à beleza
arquitetônica de uma grande Avenida. Mas é preciso saber admirar
todas as coisas que têm, cada qual sua beleza diferente. (BAURU
ILUSTRADO, 1997, p. 3)11.

A canalização começou na década de 50, próxima à área da primeira


formação urbana, sendo que o primeiro trecho tinha 500m e era
denominado de Avenida Marginal. Com o crescimento urbano e o
surgimento de novas construções, como o caso do Edifício Brasil-Portugal
(1964) e a realização do primeiro Plano Diretor de Bauru em 1967, foram
completadas as obras entre a Av. R. Alves e a Av. Duque de Caxias. Na
metade da década seguinte foi inaugurado o viaduto sob a Duque de Caxias
e também dois espaços públicos que marcaram a via: a Praça República do
Líbano e o Parque Vitória Régia. Na década de 1980 as obras da avenida se
encontraram com a Rodovia Marechal Rondon, além disso foi inaugurado o
Terminal Rodoviário.
Nesse sentido, a canalização e consequentemente a presença da
avenida possibilitou a ocupação de novas áreas na cidade. Losnak (2004, p.
173) afirma que a implantação da avenida conduziu a uma rápida ocupação
das áreas ao seu entorno. Os lotes ao longo da avenida, que durante as
obras se encontravam vazios, foram ocupados nesse período de
implantação.

11
Rio das Flores. Bauru Ilustrado, p.3, mai. 1997. Museu Histórico de Bauru (grifo da autora).
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 37

O primeiro Plano Diretor de Bauru foi realizado em 1967 e reafirmou


o pensamento que já direcionava as obras da avenida, visto também como
um instrumento de modernização urbana.
O plano apresenta uma análise sobre os espaços existentes, e em
relação ao sistema viário faz uma crítica por este ser "ineficiente na área
central e excessivo nas áreas habitacionais" e pela falta de hierarquia das
vias, o que seria uma das propostas dessa lei. Oposto ao que os urbanistas
contemporâneos defendem sobre cidades com mais espaços para pessoas e
meios de transportes sustentáveis esse plano trata o automóvel como um
dos elementos principais a ocupar o espaço urbano.
Portanto o sistema viário seria dividido entre vias principais, as quais
seriam responsáveis pelo tráfego maior de veículos, sendo perigosas aos
pedestres, mas seriam as responsáveis por fazer a ligação entre diferentes
pontos urbanos. As outras vias seriam secundárias, com um fluxo menor de
veículos. O planejamento das ruas deveria considerar a insolação,
iluminação e ventilação para as construções. Losnak (2004, p. 168) diz que
"[...] as propostas modernas tiraram os homens das ruas em nome da lógica
da máquina."
Com esses ideais modernistas priorizando o automóvel, a
implantação da Avenida Nações Unidas organizou sua paisagem. A figura 3
mostra que os espaços na Avenida Nações Unidas valorizam a circulação dos
veículos e não priorizam a atratividade para outros tipos de usuários, como
os pedestres ou ciclistas.
38

Figura 3 - Relações existentes na configuração urbana da Avenida Nações Unidas.

Fonte: Elaborado pela autora.

Nas vistas da figura 3 é possível perceber, além da predominância de


áreas destinadas aos veículos, que o pedestre, para atravessar a Avenida
Nações Unidas, anda por um percurso longo que não o prioriza. Quem
circula pela via caminhando deve passar por mais de uma faixa destinada
aos veículos e, entre as pistas, os canteiros centrais, na maior parte das
vezes, não possibilitam uma circulação confortável e sem obstáculos.
As calçadas também não apresentam qualidade para a circulação das
pessoas. Em uma caminhada pela avenida, é facil encontrar objetos que
atrapalham a circulação, podendo ser temporários, como no caso de
tapumes de construção e lixo, ou elementos permanentes, como um poste
de energia, que reduz a largura da área de passagem para 70cm. Em média a
largura das calçadas é de 2,5m, sendo que o espaço mais largo é na frente
do Teatro Municipal, em que o pedestre tem livres 4,00m de pavimento
regular. Há também um ponto, próximo a Rodovia Marechal Rondon, onde a
calçada acaba, rompendo a ligação do trajeto. Mesmo assim o espaço
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 39

continua sendo utilizado pelas pessoas pois há marcas de passagens no


gramado.
Aguns elementos podem trazer mais segurança para a travessia dos
pedestres. Na via foram localizadas cinco lombadas e dois radares para
monitorar a velocidade dos veículos. Na Avenida Nações Unidas a
velocidade máxima permitida varia entre 50 e 60 quilômetros por hora,
controlada por esses radares, sendo que o fluxo de veículos é interrompido
pelos semáforos localizados nos principais cruzamentos entre as vias. E, para
o acesso de pessoas com dificuldade de locomoção, foram encontradas 27
quadras com pelo menos uma rampa, o que não chega a 50% de todas as
quadras do trecho estudado.
Uma das comprovações de que esses elementos que possibilitam a
passagem do pedestre nas faixas destinadas aos veículos não se mostram
tão eficazes é que, no começo de 2017, a avenida foi apontada em uma
reportagem de um jornal local como a via de Bauru com mais acidentes
(TONELLI, 2017). Esses dados foram obtidos por órgãos municipais e
mostram que o cruzamento com a Avenida Nuno de Assis é o local de maior
índice de colisões.
De acordo com os critérios de qualidade do espaço que Gehl (2015,
p. 239) estabelece para a paisagem, é vital que haja: I) proteção contra o
tráfego e acidente; II) oportunidades para caminhar. Ao analisar a paisagem
dessa via, é possível entender que essas não foram as preocupações durante
a organização de seu território ao longo dos anos. Para manter a
atratividade do espaço para o pedestre, é importante ter meios que
possibilitem uma caminhada agradável, sem obstáculos e sem perigos
contra a segurança das pessoas.
Além da segurança é importante garantir o conforto de quem
frequenta ou circula pelos espaços públicos. Os elementos que fazem parte
do meio ambiente e afetam o homem também são responsáveis por
tornarem a paisagem atrativa, pois os espaços urbanos podem aproveitar
essas condições como formas de convite ao uso. A paisagem é uma
articulação entre a natureza e o social, sendo que nela o humano se torna
mais natural e o natural mais humano, questão essa que Besse trata com o
conceito de mediança. Podemos observar como a organização do território
40

em Bauru influenciou nos fatores ambientais ao abrirmos a segunda porta


proposta por Besse (2014) – articulação de elementos naturais e culturais.
Ao tratar da estética da natureza, Seel (2011, p 398) diz que mesmo
os "rios soterrados" continuam a ser "natureza", pois, ao contrário de algo
feito pelo homem, os elementos da natureza continuam a se "mover"
mesmo sem o homem agir. O Córrego das Flores, mesmo canalizado pelo
homem, volta a aparecer nos dias de chuva, afinal "os objectos dela (a
natureza) não são artefactos que apenas encontram a sua forma através do
homem [...]" (SEEL, 2011, p. 239).
“Chuva rápida alaga Avenida Nações Unidas em Bauru mais uma
12
vez." , e "Avenida em Bauru vira 'rio' em apenas sete minutos durante
13
chuva" , são as manchetes do começo do ano em 2017, quando o prefeito
da cidade decretou estado de emergência por conta dos estragos causados
pela chuva na cidade. Foloni (2018, p.86) e Constantino (2005, p. 54)
explicam que, além da ausência de áreas permeáveis, as galerias por onde o
Córrego das Flores passa estão subdimensionadas. Associados ao fato de o
espaço da avenida ser um fundo de vale e receptor da drenagem dessa
bacia, esses elementos contribuem para os alagamentos.
As enchentes periódicas são um tipo de exemplo de que os
elementos naturais não foram aproveitados de forma a organizar um
território atrativo, com relação harmônica entre o desenho urbano e a
natureza existente. O oposto disso acontece no parque Vitória Régia (figura
4), onde o projeto se utilizou da natureza para criar um espaço de lazer
mantendo um contato com o verde no meio da área urbana; mesmo assim,
esse espaço também já sofreu com os alagamentos.

12
Disponível em: http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2017/01/chuva-rapida-alaga-
avenida-nacoes-unidas-em-bauru-mais-uma-vez.html. Acesso em 10 dez. 2019.
13
Disponível em: http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2017/01/avenida-em-bauru-
vira-rio-em-apenas-sete-minutos-durante-chuva-video.html. Acesso em 10 dez. 2019.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 41

Figura 4 - Parque Vitória Régia.

Fonte: Acervo da autora, 2018.

No total há oito praças ao longo da avenida, sendo: Praça da Paz,


Praça Figueira Branca, Praça Antônio José Miziaria, Praça Dr. Daniel de
Souza, Praça Rotary, Praça República do Líbano, Praça África e Praça João
Paulo II (junto às instalações do terminal rodoviário). Muitas dessas praças
são áreas verdes sem nenhum tipo de equipamento, por isso o uso desses
locais é quase nulo para atividades de permanência, contudo a Praça da Paz,
com o estabelecimento de food trucks, e a Praça República do Líbano, onde
diversos ônibus fazem paradas, merecem destaque por conta desses usos,
que se apresentam como suporte para atividades que geram permanência.
Todas estas praças e o parque têm como atrativo em comum para as
pessoas a presença de elementos naturais, que, mesmo em escalas
diferentes, podem ser apreciados e aproveitados quando há oportunidades.
Em Bauru, o clima apresenta características tropicais, com verões
chuvosos (quando acontecem os episódios de enchentes) e invernos secos,
tornando espaços sombreados muito apreciados por quem usa os
14
ambientes abertos. Segundo os dados do IPMet-UNESP , as temperaturas
médias mensais da cidade atingem acima de 20ºC, a maior parte do ano.
Assim o conforto nas calçadas também é importante para que as pessoas
possam caminhar de forma agradável pela cidade, sendo os pontos de
sombra determinantes para a realização de atividades de permanência.

14
IPMet - UNESP Instituto de Pesquisas Meteorológicas. Site: Disponível em:
https://www.ipmetradar.com.br/ Acesso 10 dez 2019.
42

Dessa maneira é essencial considerar os aspectos naturais na


construção do espaço urbano, mesmo em locais que foram feitos para
circulação, como o caso das calçadas, pois é através das oportunidades de
aproveitar o clima de forma agradável, sem correr riscos de eventos como o
caso das enchentes, que as pessoas serão convidadas a usar as ruas e
avenidas. Comparando os tipos de usuários, são os pedestres e ciclistas que
irão sentir maior influência do conforto térmico no ambiente, pois os
motoristas têm opções, como o ar condicionado. Nesse sentido, uma via
mais arborizada representa uma cidade voltada às pessoas.
Ao abrirmos a terceira porta de Besse (2014) – a paisagem como
representação cultural e social –, observa-se que “a paisagem fala-nos dos
homens, dos seus olhares e dos seus valores, e não propriamente do mundo
exterior.” (BESSE, 2014, p. 13).
A interpretação de Besse (2014) sobre a paisagem se inicia com o
entendimento de que ela faz parte de uma dimensão da vida mental, pois,
na realidade, a paisagem é o que os homens (individual ou coletivamente)
percebem e dizem dela. “Ela (a paisagem) é um tipo de grade (retícula)
mental, um véu mental que o ser humano coloca entre ele mesmo e o
mundo, produzido, com essa operação, a paisagem propriamente dita”
(BESSE, 2014, p.13).
Todas as obras desenvolvidas ao longo da avenida formam hoje a
paisagem que é observada pelos usuários da via. As vistas também são uma
forma de trazer conforto e prazer ao usuário e por isso fazem parte da
atratividade do lugar. Segundo Gehl (2015, p. 181), “a qualidade visual é um
conceito guarda-chuva que deve incluir todos os elementos da paisagem
urbana.”
O maior destaque dentre as vistas da avenida é o parque Vitória
Régia, que representa uma grande área verde em meio a uma obra que
priorizava a transformação da natureza em cidade. São vistas assim que
iriam atrair as pessoas para ter uma experiência mais permanente no
espaço, pois geram conforto e prazer aos usuários.
Besse (2014, p. 45) compreende que a paisagem é mais do que as
representações históricas e culturais. Essas interpretações tratam a
paisagem como uma realidade mental, porém o autor afirma que a
paisagem também existe como um objeto externo ao homem, como um
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 43

objeto de investigação científica. É através do sentido que o homem pode


entender e referir-se à essa paisagem, pois o encontro do homem com a
natureza é, antes de tudo, uma experiência.

4 CONCLUSÕES

Olhar para uma avenida através dos conceitos da paisagem


possibilita a interpretação do caráter desse lugar, considerando o potencial
existente para os pedestres, como eles são convidados a usar esse espaço.
Ao interpretar a paisagem da via, buscou-se possibilidades para melhorar a
qualidade de vida, visando o bem-estar de toda a população urbana.
Ao observar a história da formação de Bauru e da Avenida Nações Unidas,
podemos perceber a importante influência que os veículos tinham inclusive
na legislação urbana, sendo uma preocupação essencial no século XX, época
da implantação dessa via. Hoje, a população dessa cidade convive
diariamente com as paisagens resultantes desse pensamento, oposto à
consciência contemporânea de bons espaços para as pessoas. E, mesmo
com esses novos conceitos sobre os espaços urbanos, foi possível perceber,
com os dados levantados, que a via ainda continua tendo seu uso prioritário
voltado para os automóveis individuais, sendo que os elementos de trânsito
que poderiam ajudar e atrair os pedestres são escassos ou nulos. Até
mesmo nas calçadas, o espaço que deveria ser destinado às pessoas, os
problemas encontrados foram recorrentes.

Por se tratar de uma via importante, sempre vai existir nesse espaço
um movimento constante de veículos. Afinal, essa é uma via principal, que
deve resolver o problema de trânsito na cidade, e dificilmente oferecerá as
mesmas oportunidades aos pedestres se comparada a vias menores que
podem ter desenhos mais convidativos. Contudo o movimento existente
nessa rota principal também pode ser uma forma de convite ao uso, pois
esse trecho faz parte do caminho de muitas pessoas, e é uma paisagem vista
por muitos. Assim sendo, a qualidade do seu espaço é mais democrática do
que nas vias locais, e, com uma infraestrutura correta, será possível criar
oportunidades para que as pessoas também usufruam do espaço.
44

Os conceitos sobre atratividade foram investigados na paisagem da


Avenida Nações Unidas, pensando, assim, o espaço de uma forma mais
completa, pois, com o estudo da paisagem, são considerados nos
levantamentos os rastros da história no local e a inserção do humano no
espaço, como parte da paisagem. Considerando que “as paisagens foram
formadas, sempre, não apenas por decisão topográfica ou política, mas pela
organização das pessoas no local e pelo desenvolvimento de espaços a
serviço da comunidade” (BESSE, 2014, p. 36), é através da análise da
paisagem que é possível entender o espaço urbano e os indícios para
aumentar a qualidade e a atratividade do local.

REFERÊNCIAS

BARTALINI, V. Natureza, paisagem e cidade. Pós. Revista do Programa de Pós-Graduação em


Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP,2013. v. 20, n. 33, p. 36-48.
BESSE, J. M. O gosto do mundo – exercícios de paisagem. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2014.
CARERI, F. Walkscapes: o caminhar como prática estética. 1ª Edição. São Paulo: Editora Gustavo
Gili, 2018
CONSTANTINO, N. R. T.; A construção da paisagem de fundos de vale: o caso de Bauru. São
Paulo, 2005. tese de Doutorado - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de
São Paulo, 2005.
CORAJOUD, M. A paisagem é o lugar onde o céu e a terra se tocam. In: SERRÃO, A. V. S.
(Coord.). Filosofia da paisagem: Uma Antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade
de Lisboa, 2011. p.215-225.
FOLONI, F. M.; Rios sobre o asfalto: conhecendo a paisagem para entender as enchentes.
Dissertação de Mestrado - Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes
e Comunicação, Bauru, 2018.
GEHL, J. Cidades para pessoas. 3. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2015.
GEHL, J.; KAEFER, L.; REIGSTAD, S. Encontros imediatos com prédios. In: KARSSENBERG, H. et al.
(Ed.). A cidade ao nível dos olhos: Lições para os plinths. 2. ed. Porto Alegre: Pontifícia
Universidade Católica do RS, 2015. v. 2. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs>.
Acesso em: 28 set. 2016. p. 29 - 35.
KARSSENBERG, H.; LAVEN, J. A cidade ao nível dos olhos: estratégias do plinth. In:
KARSSENBERG, H. et al. (Ed.). A cidade ao nível dos olhos: Lições para os plinths. 2. ed.
Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do RS, 2015. v. 2. Disponível em:
<http://www.pucrs.br/edipucrs>. Acessoem: 28 set. 2016.p. 15 - 25.
KNUIJT, M. Os altos e baixos do espaço público. In: KARSSENBERG, H. et al. (Ed.). A cidade ao
nível dos olhos: Lições para os plinths. 2. ed. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 45

do RS, 2015. v. 2. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs>. Acesso em: 28 set.


2015.p. 86 - 89.
LOSNAK, C. J. Polifonia Urbana - imagens e representações. Bauru: EDUSC, 2004.
SEEL, M. Uma estética da natureza. Trad. Ana Nolasco in: Filosofia da Paisagem, uma Antologia.
Organização de Adriana Serrão, 2011. p. 396-418.
TERAN, F. Calles y algo más que calles. Urbanismo Madrid, n. 29, p. 6-21, 1996.
TONELLI, M.; Avenida Nações Unidas em Bauru lidera ranking de acidentes. JCNET.com.br, 10
de mar. de 2017. Disponível em: https://www.jcnet.com.br/Geral/2017/03/avenida-
nacoes-unidas-em-bauru-lidera-ranking-de-acidentes.html Acesso 10 dez. 2019.
46
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 47

Capítulo 3

PLANEJAR COM A PAISAGEM:


A REGIÃO DE ORTIGUEIRA - PARANÁ

15
Evandro Retamero Rodrigues
16
Karin Schwabe Meneguetti

1 INTRODUÇÃO

A expansão das cidades para atender ao aumento populacional é um


fenômeno recorrente nas cidades brasileiras, porém, tem acontecido, em
sua maior parte, desassociada das condições naturais do território. Esta
prática tem contribuído para o desenvolvimento de elevados índices de
degradação ambiental, baixos indicadores de cobertura vegetal e
influenciando diretamente na qualidade de vida em diferentes escalas.
A partir da segunda metade do século XX, o processo de urbanização
e de desenvolvimento urbano brasileiro se acelerou com a concentração de
pessoas em cidades e em áreas limítrofes com áreas rurais (SANTOS, 1994),
impulsionando a disputa pelos recursos naturais e influenciando
diretamente na biodiversidade, tanto pela supressão de áreas com
vegetação natural quanto pela perturbação exercida sobre estas. Áreas
naturais acabam sendo utilizadas como fontes clandestinas de
abastecimento hídrico, locais de descarte de resíduos, descarte de águas
domésticas contaminadas, fonte de extração clandestina de matéria prima e
criação inapropriada de animais que afetam as condições do solo e das
águas urbanas, prejudicando a qualidade de vida dos habitantes.

15
Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa Associado de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo UEM/UEL. E-mail: evandro.arquitetura@gmail.com.
16
Professora Doutora, Programa Associado de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
UEM/UEL. E-mail: ksmeneguetti@uem.br.
48

A gestão urbana, desprovida de uma visão holística do território,


possui grande responsabilidade pelas consequências danosas ao meio
ambiente urbano e rural. As decisões que beneficiam apenas as áreas
ocupadas por população de rendas média e alta induz a população de baixa
renda a ocupar áreas com risco de inundação em fundos de vale e planícies
de várzea dotadas de alto potencial paisagístico e ambiental.
Apesar do contínuo aumento das discussões aliadas à questão
ambiental a partir da década de 1980 - com melhorias significativas no
número de áreas protegidas, na legislação ambiental e na cessão de
atividades potencialmente degradantes - o modelo de planejamento e
desenvolvimento destrutivo ainda continua a contribuir para a degradação
ambiental (LYLE, 1994). Neste contexto, este capítulo visa evidenciar a
importância do planejamento ambiental com vistas ao desenvolvimento
sustentável, orientado pela abordagem da ecologia da paisagem a fim de
subsidiar as decisões a partir de um panorama da dinâmica territorial e dos
processos naturais que ali se manifestam. Adota-se o conceito de paisagem
a partir da visão holística direcionada aos princípios ecológicos que regem
um conjunto de relações, onde “sobre um substrato físico, actuam de modo
complexo os seres vivos, animais e plantas, e o homem, detentor de
determinada cultura, dando origem a determinada imagem” (MAGALHÃES,
2001, pag. 53).
Para tanto, adotou-se como área de estudo a região de Ortigueira e
dos municípios vizinhos, Telêmaco Borba e Imbaú, no Estado do Paraná.
Este território não possui ferramentas recentes de planejamento urbano
orientadas para a preservação do meio ambiente, e está sofrendo um
processo de acelerado desenvolvimento econômico e social com a
implantação de uma planta industrial multinacional que está alterando a
vocação municipal e regional e acelerando o desenvolvimento urbano em
curto prazo.
Os municípios supracitados pertencem à região geográfica do Centro
Oriental do Paraná, região administrativa de Ponta Grossa, e microrregião
de Telêmaco Borba (Figura 1). A microrregião é composta por 158.999
habitantes, o que representa 1,52% do contingente habitacional do estado
do Paraná (IPARDES, 2017). Essa população está distribuída em uma área de
9.548,508 km², sendo que desta, 4.147,93 km² formam o conjunto dos três
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 49

municípios de análise, ocupando 43,44% do total desta microrregião


(IPARDES, 2017).

Figura 1 – Microrregião de Telêmaco Borba

Fonte: IPARDES (2008)

Para a elaboração deste trabalho foi percorrida uma lógica que


consistiu na confrontação de metodologias de análise da paisagem
existentes capazes de subsidiar planos e a formulação de diretrizes
projetuais, percorrendo um referencial teórico da ecologia da paisagem com
foco na estrutura ecológica urbana. A partir da interpretação de dados e
mapeamento da situação real da região, e tendo como ponto de partida a
análise da adequação proposta por McHarg (1971), e a compartimentação
do relevo proposta por Schutzer (2012; 2014), em uma abordagem
multiescalar, com foco na conectividade das paisagens (AHERN, 2007),
levantou-se as potencialidades e consequentemente propostas de diretrizes
com vistas ao desenvolvimento sustentável da região.
A caracterização de um determinado território a partir da
observância de ações sobre os recursos naturais, como remanejamento do
solo, desmatamento, impermeabilização e poluição dos cursos hídricos, visa
a construção de uma metodologia de planejamento ambiental voltada à
concepção de um sistema natural de conexão, orientado proposições que
restabeleçam as relações harmônicas entre urbanização e base natural, e
que mantenham a integridade ecológica dos sistemas naturais (CORMIER e
PELLEGRINO, 2008).
50

2 O PLANEJAMENTO AMBIENTAL E A ECOLOGIA DA PAISAGEM

O conceito de planejamento ambiental possui em sua essência o


trabalho ou mesmo a abordagem que integra diversas disciplinas e campos
do conhecimento em prol do desenvolvimento sustentável: "consiste na
adequação de ações à potencialidade, vocação local e à sua capacidade de
suporte, buscando o desenvolvimento harmônico da região e a manutenção
da qualidade do ambiente físico, biológico e social" (SANTOS, 2004, pag. 28).
Baseia-se em duas teorias, uma denominada "substantiva" e outra
"processual". Na teoria substantiva o enfoque principal está condicionado a
uma análise descritiva e prescritiva dos elementos de análise focado na
minimização de impactos ambientais a partir do reconhecimento de fatores
que alavancam alterações ambientais e seus possíveis tratamentos na
manutenção da relação harmônica do binômio homem/natureza. Na teoria
processual, na qual se fundamenta este estudo, os tratamentos descritivos e
prescritivos previstos na teoria substantiva servem de base à formulação de
recomendações práticas (NDUBISI, 2002).
Torna-se indispensável que o planejamento seja elaborado de forma
holística, para que a integridade dos ecossistemas seja mantida na relação
entre cidade e campo (PELLEGRINO, 2000). Como uma maneira de
compreender a dinâmica das interações entre os vários elementos da
paisagem, a ecologia da paisagem vai ao encontro da compreensão de
interações que podem ser observadas a partir de um arranjo de mosaicos
com estrutura, função e organização, caracterizadas de acordo com
diferentes processos de formação. Desse modo, o planejamento ambiental
preenche uma lacuna na interface entre o homem e o uso da paisagem,
como previsões de como as transformações ocorrem, sejam por ações
humanas ou mesmo através de processos naturais (NDUBISI, 2002).
A ecologia da paisagem, como ferramenta de análise no
planejamento, é definida por Forman e Godron (1986) como o campo do
conhecimento que compreende o entendimento da estrutura, função e
mudança de áreas distintas interligadas por diferentes ecossistemas
interativos. A estrutura de uma determinada área se caracteriza pelas
relações espaciais entre ecossistemas e seus componentes, de acordo com
sua distribuição, fluxo de energia, tipo, tamanho, quantidade e padrão de
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 51

ocorrência. A função se concentra nas interações entre os elementos


espaciais através do fluxo de energia, tendo no aspecto da mudança, a
transformação na estrutura que ocorre nos mosaicos ao longo do tempo
(FORMAN & GODRON, 1986, pag. 11).
Estrutura e função são observadas em diferentes escalas. O
planejamento de uma determinada região a partir da ecologia da paisagem
em diferentes escalas é mais promissor na adoção de medidas propositivas,
pois combina efeitos visíveis de diversos estágios de transformação com
uma chance razoável de ganhos ambientais. Uma região é maior e
inerentemente mais estável do que uma paisagem dentro dela (FORMAN,
2008). Por isso o planejamento de uma região como um ambiente
sustentável oferece uma maior probabilidade de alcançar o sucesso.
Entender a escala de análise é importante no planejamento
ambiental. Parte-se de uma região para paisagem e assim para uma unidade
local. Ou seja, por regiões, agregam-se várias escalas. Isso é importante, pois
os espaços menores se repetem onde soluções genéricas podem ter efeito
significativo na escala regional; as diferentes escalas agregam elementos de
escalas menores, os quais correspondem à escala humana; e na pequena
escala é onde ocorre a percepção humana e as atividades políticas de
planejamento urbano (FORMAN, 2008).
Dos três elementos de análise em ecologia da paisagem (matriz,
manchas e corredores), importa compreender as relações que estes
apresentam entre si e como se conectam. Em paisagens urbanas e rurais
modificadas por ação antrópica, a conectividade é interrompida, muitas
vezes propensa à fragmentação (separação e isolamento) de elementos
paisagísticos com impactos significativos nos processos ecológicos. Estes
processos, na sua origem, pautam-se na manutenção de fluxos, os quais
exigem conectividade para a garantia de seus processos naturais (AHERN,
2007).
A abordagem da ecologia da paisagem parte do funcionamento da
paisagem devido ao caráter interdisciplinar, com especial foco nas
transformações espaciais em decorrência da interação entre o homem e
processos naturais (NDUBISI, 2002). Mesmo que possuindo abordagens
distintas, a ecologia da paisagem levanta a análise holística de espaços
heterogêneos a partir do olhar em escalas diferenciadas (METZGER, 1999).
52

Neste contexto, a ecologia da paisagem, utilizada como abordagem no


planejamento ambiental, fornece fundamentação científica para criar
previsões, corroborando com a teoria processual citada anteriormente,
podendo contribuir positivamente na promoção da sustentabilidade a partir
da regeneração de sistemas ambientais.
Revelar a estrutura ecológica de um determinado território ou
mesmo construir um sistema de infraestrutura verde a partir das
potencialidades locais são atuações práticas que ocorrem no campo da
ecologia da paisagem aplicada. A infraestrutura verde é o conceito que traz
consigo a multifuncionalidade, termo que congrega tanto o uso social e
cultural da paisagem quanto à associação destes processos ecológicos,
garantindo a integridade física e biológica da paisagem.
Neste sentido, a infraestrutura verde, considerada como “uma rede
de condução e distribuição, capaz de mover pessoas, animais, plantas,
materiais e processos ecológicos” (PELLEGRINO & MOURA, 2017, p.xiii)
torna-se uma ferramenta do planejamento ambiental capaz de ampliar a
qualidade e a capacidade de sustentação dos ambientes construídos, com
foco na proteção dos recursos e na regeneração dos ecossistemas locais.

3 A REGIÃO DE ORTIGUEIRA-PR

O problema central abordado na aplicação prática deste trabalho


permeia a influência de grandes empreendimentos que acarretam
transformações ágeis na dinâmica da paisagem em pequenos municípios,
com atenção no equilíbrio do ecossistema urbano. Buscou-se soluções
pautadas no desenvolvimento sustentável das cidades com foco especial no
resgate da integridade dos processos ecológicos da paisagem a partir da
estrutura ecológica existente, para a proposição de uma infraestrutura
ecológica em duas escalas: regional e local.
Apresenta-se um panorama sobre a ocupação urbana e sua interface
com o ambiente natural presente na base biofísica da região urbana
compreendida pelas cidades de Ortigueira, Telêmaco Borba e Imbaú, no
Estado do Paraná.
A partir do levantamento dos elementos da paisagem, o estudo
conduziu à separação entre três unidades de paisagens distintas na região.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 53

Esta compartimentação permite o levantamento de um elenco de


características que tipificam cada unidade, as potencialidades que
conduzem ao planejamento ambiental, alguns entraves que interferem na
dinâmica ambiental da região e por fim um conjunto de diretrizes para cada
unidade de paisagem, conduzindo às diretrizes em escala regional.

3.1 OS ELEMENTOS DA PAISAGEM

Nesta região, a qual pode ser considerada heterogênea com relação


presença de manchas e corredores das mais variadas formas (FORMAN &
GODRON, 1986), a predominância, a dominância e a continuidade se dão
pela extensa área de agricultura e pastagem em meio a fragmentos
florestais (Figura 2). Estes dois usos distribuem-se em meio a um mosaico
formado por grandes latifúndios e pequenas propriedades.

Figura 2 – A paisagem na escala da região

Fonte: RODRIGUES, 2017.

A vocação regional de silvicultura permite a observação de extensas


áreas de floresta plantada na região. A maior predominância deste tipo de
54

cultura ocorre nos limites do município de Telêmaco Borba, sendo que nos
outros dois municípios este uso se encontra de forma mais isolada, muitas
vezes associado às manchas de vegetação nativa ao longo de corredores
hídricos. O cultivo de gramíneas para pastagem e de grãos é mais
predominante nos municípios de Ortigueira e Imbaú.
Este mosaico heterogêneo está associado ao relevo acidentado no
início dos limites entre o segundo e terceiro planalto paranaense, bem como
nas divisas de bacias, com a presença de afloramentos rochosos. Desta
forma, pode-se inferir que, nesta porção, o relevo exerce dominância na
matriz e na paisagem observada. Assim, o conjunto agrícola ocupa extensas
áreas nesta matriz e exerce um controle sobre o funcionamento da
paisagem.
Na região, as manchas são encontradas de duas formas distintas,
tendo na vegetação e nos aglomerados urbanos suas origens principais. Os
fragmentos florestais remanescentes de mata atlântica e a vegetação mista
entre silvicultura e nativa compreendem o primeiro tipo.
As áreas urbanas compreendem o segundo tipo de manchas,
formadas pelas sedes dos municípios e os distritos, assentamentos
indígenas e os loteamentos clandestinos em áreas próximas ao reservatório
Mauá.
Tanto a forma, o tipo e a disposição das manchas fornecem bases
para a tomada de decisões projetivas (FORMAN & GODRON, 1986), sejam
em áreas rurais ou mesmo dentro da malha urbana, devido à possibilidade
de conexão entre as mesmas e aos corredores próximos, o que pode
restabelecer a continuidade natural na paisagem e consequentemente a
retomada do equilíbrio ecológico. A forma dendrítica predominante nas
duas bacias hidrográficas tem sua gênese em decorrência do relevo e do
tipo de solo que conformam a quantidade elevada de corredores naturais,
muitas vezes já em conexão com manchas naturais remanescentes ou
mesmo com aquelas porções de florestas mistas naturais e plantadas.
Na região, as manchas compostas por fragmentos florestais naturais
estão dispostas em topos de morro e em fragmentos peninsulares, quando
de origem natural; em encostas, quando remanescentes de supressão
vegetal; e em forma de fragmentos isolados devido a perturbações
ambientais e à própria aglomeração urbana nas sedes municipais e distritos.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 55

Embora possa ser observado um conjunto de manchas conectadas a


corredores hídricos na região, algumas estão isoladas em forma de
fragmentos, o que acaba influenciando negativamente na manutenção da
biodiversidade (METZGER, 1999) e no funcionamento ecológico da
paisagem.
Os corredores são responsáveis por manter os fluxos dentro de um
ecossistema, principalmente aqueles presentes ao longo de cursos d'água.
Desta forma, respondem pela circulação gênica e consequentemente a
manutenção da biodiversidade, o transporte de nutrientes e minerais bem
como a própria circulação de pessoas dependendo da escala e uso ao qual
estão presentes (FORMAN & GODRON,1986). Nesta escala regional,
podemos dividi-los em dois grupos: os corredores naturais e os antrópicos.
Os corredores naturais, ripários em sua maior parte, estão
acondicionados ao longo dos corpos hídricos e encontram-se envoltos por
vegetação nas áreas de preservação permanente, mantidos principalmente
em consequência da legislação ambiental que orienta o uso do solo rural e a
preservação de matas ciliares.
Os corredores antrópicos acontecem ao longo das faixas de domínio
das rodovias federais e estaduais, vias intermunicipais e vicinais, acessos
sem pavimentação na zona rural e faixas de linhas de transmissão. Possuem
alguma vegetação em seus trechos. Quando a vegetação está presente,
encontra-se em forma de remanescentes florestais de mata atlântica ou na
forma de silvicultura. Estes corredores antrópicos, mesmo com função
específica no transporte de pessoas e no fluxo de bens e serviços (FORMAN
&GODRON,1986), podem ser dotados de vegetação contínua ao longo de
seu percurso o que facilitaria, em determinados trechos, a conexão de
bordas, da biodiversidade e com demais corredores na rede existente. Além
do que, nestes trechos, é possível associar a preservação ao uso recreativo
na forma de parques de vizinhança.

3.2 AS UNIDADES DE PAISAGEM

A observação da paisagem nesta escala tornou possível distinguir um


conjunto de três unidades de paisagem (UPs) separadas de acordo com o
agrupamento de manchas vegetadas, tipos de uso do solo, predominância
56

do relevo e a concentração de corredores hídricos, como pode ser


observado na Figura 3.
A Unidade de paisagem 1 está localizada na porção noroeste da área
de estudo, é a unidade que mantém a estrutura natural do território menos
alterada por causa da topografia mais acidentada, e, consequentemente,
tem maior potencial de preservação ambiental. A maior aglomeração
urbana nesta área é a sede do município de Ortigueira, além de outros nove
distritos.

Figura 3 – Potencialidades regionais

Fonte: RODRIGUES, 2017.

A ocupação não tão recente fez com que parte do patrimônio


arquitetônico cedesse lugar a novas construções, ficando seus
remanescentes condicionados a tipologias de templos religiosos, algumas
unidades habitacionais isoladas e comércios. Neste ponto, preservá-los é
uma forma de manter presentes as evidências da ocupação além de
possibilitar o desenvolvimento turístico e de recreação levando em conta
aspectos naturais e históricos.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 57

Os grandes campos destinados a pastagem dominam a paisagem,


seguidos por porções extensas de áreas agrícolas com predominância da
soja e silvicultura. A agricultura familiar é bem representativa nestes
assentamentos e estabelece uma relação mais direta entre o produtor com
local de vivência. O planalto na UP1 mantém apenas pequenos
remanescentes vegetais em meio a porções de agricultura e de campos de
pastagem.
A dificuldade de ocupação e utilização de terrenos com alta
declividade, associada à presença de escarpas com processos erosivos
naturais, propiciou a permanência nestes locais de pontos de interesse
paisagístico, como grutas e quedas d'água, servindo de base à sugestão de
criação de uma unidade de conservação nesta área.
Devido à implantação, no ano de 2009, da Usina Hidrelétrica Mauá, e
a formação de um lago em decorrência do reservatório artificial, a área no
entorno tem sido parcelada em forma de sítios e loteamentos de lazer,
ainda sem um ordenamento, abrangendo as três unidades de paisagens.
A UP2 localiza-se na porção sudoeste da região. Nela encontra-se a
cidade de Imbaú e três outros distritos - o de Monjolinho e Lageado Bonito
pertencentes a Ortigueira e o de Charqueada nos domínios do município de
Imbaú.
Embora a UP2 esteja localizada sobre as mesmas condições
geomorfológicas que a UP1, o terreno apresenta-se menos acidentado com
porções mais extensas de patamares planos com grande possibilidade de
recarga hídrica por infiltração e percolação no solo. Isto favoreceu a
agricultura e a silvicultura, consequentemente com alto grau de
mecanização.
Os domínios de Imbaú possuem ocupação mais recente a partir do
final do século XX, em contraponto à ocupação ocorrida em Lageado Bonito
e Monjolinho. Juntas, estas duas últimas possuem infraestrutura básica e
também apresentam remanescentes arquitetônicos do resultado da
ocupação do início do século XX. Algumas áreas naturais e outras
anteriormente ocupadas pela agricultura e pastagem vêm cedendo lugar a
ocupações humanas, principalmente às margens do lago artificial.
O destaque para a UP2 consiste na presença da unidade
beneficiadora de celulose pertencente ao Grupo Klabin denominada Projeto
58

Puma. Este, nos domínios de Ortigueira, possui uma localização estratégica


junto com o município de Telêmaco Borba em meio a campos mecanizados
já com vocação à silvicultura, abastecidos pelo reservatório artificial da
Usina Mauá. Além de funcionar como uma alavanca na alteração da
dinâmica da paisagem agrícola, a presença da unidade fabril vem
contribuindo com o incremento populacional das cidades ao seu redor e no
surgimento de loteamentos para fins de lazer nas localidades próximas.
Estas aglomerações transformam a paisagem e também carregam
consigo impactos ambientais advindos do processo de desenvolvimento
urbano desordenado. Apesar do conhecimento destas expansões isoladas, o
poder público ainda não efetua a fiscalização e o controle nesta área do
município.
Na UP3 podem ser encontradas extensas áreas vegetadas pela
produção agrícola de silvicultura que, em determinadas porções, conecta-se
com remanescentes de vegetação natural. A intensa silvicultura nesta
porção noroeste da região é resultado direto da vocação industrial existente
nesta área devido ao próprio processo de formação da cidade de Telêmaco
Borba, associado diretamente com o beneficiamento de celulose.
Os principais assentamentos urbanos na UP3 são caracterizados pela
cidade de Telêmaco Borba, a Vila Harmonia e o Núcleo Lagoa. Telêmaco
Borba vem sofrendo um processo de verticalização desde a última década
devido ao incremento populacional ocasionado pela oferta de postos de
trabalho e principalmente pela ausência de áreas de expansão urbana. Os
demais assentamentos urbanos na região remetem ao processo de
ocupação na região a partir dos anos de 1940, resultando na atualidade um
conjunto de sítios urbanísticos e unidades arquitetônicas de grande
potencial de patrimônio arquitetônico, urbanístico e paisagístico.
Na UP3 são encontrados dois tipos distintos de unidades de
conservação: o Parque Ecológico Samuel Klabin e a RPPN Estadual Fazenda
Monte Alegre. O Parque funciona como local de lazer e preservação de
remanescentes florestais além de produção de mudas para reflorestamento
de fragmentos florestais e áreas de preservação permanente ao longo de
escarpas e fundos de vale. A RPPN, além de cumprir sua função de
preservação do sistema biológico na fazenda Monte Alegre, contribui para o
estabelecimento de um sistema de corredores importante na região.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 59

4 DIRETRIZES REGIONAIS PARA O PLANEJAMENTO AMBIENTAL

O conjunto de diretrizes específicas para cada unidade apresentada


conduz a uma diversidade de ações para orientar o planejamento ambiental.
As ações que foram propostas visam contribuir com o desenvolvimento
sustentável da região, pois apesar de estarem propostas em unidades
distintas, seus resultados tendem a beneficiar a região como um todo (ver
Figura 4 e Quadro 1).

Quadro 1 - Diretrizes para Unidades de Paisagem.


Unidade de Paisagem 1
Formar um sistema de produção cooperativa de agricultura familiar nos distritos de
Ortigueira com vistas ao desenvolvimento sustentável das comunidades envolvidas;
Criar unidades de conservação garantindo a preservação ambiental na região de Ortigueira;
Conectar fragmentos de vegetação com corredores hídricos;
Preservar a vegetação nos patamares elevados visando contribuir para infiltração e
percolação hídrica no terreno;
Associar a expansão urbana com a preservação dos corredores hídricos e as manchas de
vegetação natural;
Elaborar um plano de uso e ocupação do solo rural orientado à preservação ambiental e a
recreação;
Ampliar o percentual de áreas verdes em novos loteamentos favorecendo a conexão com
manchas verdes naturais existentes;
Manter o curso natural dos córregos urbanos permitindo a realização de serviços
ecológicos;
Proporcionar a conexão de manchas verdes e corredores hídricos na área urbana em
direção àqueles existentes na zona rural visando a formação de uma continuidade natural;
Levantar o patrimônio arquitetônico existente a fim de proporcionar o tombamento;
Promover o desenvolvimento de áreas de recreação e lazer próximas ao reservatório
artificial em associação à estrutura ecológica existente;
Criar mecanismos eficientes de aplicabilidade da legislação ambiental.
Unidade de Paisagem 2
Aplicar a legislação ambiental em prol da preservação de recursos hídricos e remanescentes
em áreas urbanas e rurais;
Elaborar um plano de uso e ocupação do solo rural no entorno da fábrica da Klabin e do
reservatório artificial da Usina Mauá;
Permitir a ocupação industrial e de serviços ocupando um raio de 3km a partir da Klabin;
Criar uma zona de amortecimento verde associando silvicultura e lazer;
Ampliar o sistema de fiscalização de uso e ocupação do solo;
Elaborar e implementar um plano de arborização urbana;
Promover o desenvolvimento longitudinal ao longo do eixo industrial entre Imbaú e
60

Telêmaco Borba;
Conter a expansão transversal ao eixo rodoviário da faixa de ocupação industrial ao longo
da rodovia;
Criar um parque de vizinhança associando preservação e lazer entre as cidade de Telêmaco
Borba e Imbaú em associação ao desenvolvimento de indústrias.
Unidade de Paisagem 3
Ampliar a oferta de recreação na unidade de conservação existente;
Manter a ocupação em chácaras em direção ao Rio Tibagi na cidade de Telêmaco Borba;
Ampliar a taxa de permeabilidade em lotes urbanos através da reelaboração do plano de
uso e ocupação do solo;
Renaturalizar vias urbanas ampliando locais de permeabilidade;
Elaborar e implementar um plano de arborização urbana;
Renaturalizar e reintegrar rios urbanos afetados pela retificação, desmatamento e ocupação
clandestina;
Desocupação e preservação as áreas de borda do Rio Tibagi nos limites da cidade de
Telêmaco Borba.
Ampliar a conexão entre a RPPN Monte Alegre em direção ao Rio Tibagi.
Fonte: Rodrigues, 2017.

Figura 4 – Diretrizes paisagísticas em escala regional

Fonte: RODRIGUES, 2017.


Cidade e o Planejamento da Paisagem - 61

Foi possível então, destacar dois grupos de diretrizes específicas de


forma a conceber uma conexão ambiental na região (Quadro 2). O primeiro
conjunto é direcionado a orientar o planejamento do território além dos
limites políticos administrativos das cidades aqui descritas e o segundo tem
o sentido de restabelecer os serviços ecológicos para toda a região, de
forma que ambos sejam complementares se aplicados de forma conjunta.

Quadro 2 - Diretrizes específicas.


Para o planejamento do território
Reconhecer a região como uma unidade de planejamento única;
Instituir a cultura do planejamento a longo prazo de forma a permitir a reavaliação e a
correção das ações e projetos de acordo com eventuais necessidades que possam surgir ao
longo do tempo;
Articular os planos de desenvolvimento urbano municipais de forma mais holística e
integrada de acordo com a vocação da região e não apenas de um determinado município;
Catalogar e tombar o patrimônio arquitetônico, urbanístico e paisagístico para fortalecer a
identidade regional advinda do reconhecimento dos testemunhos históricos que
condicionaram ao desenvolvimento do território até a atualidade;
Reorientar o desenvolvimento dos sítios urbanos em consonância coma estrutura ecológica
presente no território dentro e fora dos limites dos perímetros urbanos;
Permitir o desenvolvimento de um processo de fiscalização e controle sobre o uso e
ocupação do solo em escala regional de modo a compreender que tais atividades carregam
impactos em escala regional e não apenas na escala local.
Diretrizes em amplitude regional
Levantar e reconhecer o estado de conservação e estrutural das manchas e corredores
como subsídio à conexão dos mesmos;
Aplicar corretamente a legislação ambiental pertinente às áreas de fundos de vale;
Garantir a preservação de remanescentes vegetais naturais em propriedades particulares;
Criar estratégias que permitam a criação de novas RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio
Natural) de forma a incentivar o uso sustentável de cenários paisagísticos em propriedades
privadas, como o caso de quedas d'água e grutas;
Incentivar a formação de uma rede de agricultura familiar para a produção de alimentos em
forma de sistemas agroflorestais;
Renaturalizar e preservar corredores hídricos ao longo de toda a matriz considerando
diferentes escalas de atuação.
Fonte: Rodrigues, 2017.

O planejamento ambiental deve ser elaborado além dos limites


políticos e administrativos de um território, e neste caso, partindo da
estrutura ecológica predominante na região, o conjunto de diretrizes em
62

diferentes escalas conduz ao desenvolvimento sustentável do conjunto de


municípios.

5 A ESTRUTURA ECOLÓGICA NA CIDADE DE ORTIGUEIRA – A ESCALA LOCAL

Para o planejamento da paisagem em escala local foi escolhida a


cidade de Ortigueira-PR, uma das três presentes na região estudada. A
aplicação da metodologia em escala local tem como objetivo a construção
de medidas propositivas para o planejamento da paisagem a partir da
estrutura ecológica presente no território.
A proposição de uma infraestrutura verde como produto final será
dada a partir do levantamento dos elementos da ecologia da paisagem em
associação aos compartimentos de relevo no território (como já realizado na
escala regional), porém com o foco nas conexões no nível urbano, de modo
a restabelecer os processos ecológicos e conduzir o desenvolvimento
sustentável da cidade.

5.1 POTENCIALIDADES LOCAIS

Na Figura 5 está apresentado um conjunto de potencialidades para


revelar a estrutura ecológica urbana nesta escala local de análise. As
potencialidades foram elencadas a partir da demarcação de manchas e
corredores dentro da matriz urbana, aliados à compartimentação do relevo.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 63

Figura 5 – Potencialidades locais – Ortigueira

Fonte: RODRIGUES, 2017.

A compartimentação do relevo teve como base a proposta de


Schutzer (2012; 2014), o que permitiu compartimentar o relevo em quatro
classes distintas com relação à declividade. Este reconhecimento permite-
nos inferir sobre os fenômenos de escoamento e infiltração de águas
pluviais e consequentemente construir um ponto de partida às medidas
paisagísticas propositivas mais adiante.
Dois compartimentos configuram uma declividade baixa, em
patamares de 0% a 10% na maior parte da matriz, sendo estes aqueles
existentes em faixas de fundos de vales junto aos corredores do sistema
hídrico e aqueles em planos mais elevados, neste último caso caracterizado
pela maior parte das ocupações urbanas. Nestas áreas, a baixa declividade
permite a infiltração de águas pluviais e a maior retenção destas no solo,
contribuindo positivamente para a recarga hídrica no território.
O compartimento que apresenta a declividade entre 11% a 20%
exerce uma forte dominância na matriz, embora menor que àquela dos
patamares planos. Neste caso, na maior parte na faixa intermediária entre
fundos de vale e patamares planos, tanto a infiltração quanto o escoamento
hídrico superficial estão presentes, embora a primeira ainda exerça uma
dominância sobre o segundo.
64

Distribuído em toda a matriz, mas com maior presença na porção


sudoeste da área urbana, o compartimento de relevo com declividade
superior a 21% favorece a predominância do escoamento superficial na área
urbana, sugerindo também um olhar crítico sobre áreas povoadas
impermeabilizadas e sua relação com a dinâmica do sistema hídrico.
De modo a correlacionar fenômenos de infiltração e escoamento
superficial com a radiação solar absorvida no território, buscou-se
espacializar três classes de ocupação nas quadras, que representam taxas de
ocupação de 0% a 20%, 20,1% a 40% e de 40,1% a 50%. O plano elevado
onde se encontra o centro da cidade possui a maior taxa de ocupação,
porém com grandes espaços livres no interior das quadras, os quais
favorecem a infiltração de águas pluviais. À medida que se afasta da área
central, as taxas de ocupação diminuem e com isso o nível de radiação solar
também. Observa-se um potencial a ser mantido como limite deste padrão
de ocupação e permeabilidade em prol do conforto ambiental.
O Córrego Monjolo apresenta-se em grande parte preservado com
remanescentes florestais além das áreas de APP mínimas, com presença de
alagados naturais em função da baixa declividade de sua várzea. Estas áreas
devem ser preservadas para permitir a conexão das manchas e corredores
conduzindo ao restabelecimento da integridade ecológica deste ecossistema
urbano.
Dez manchas caracterizadas como espaços livres públicos
consolidados no município apresentam-se dispersos na matriz urbana,
porém com potencial de conexão às manchas naturais e aos corredores
existentes.
O corpo hídrico sem denominação, afluente do Córrego Monjolo,
forma um corredor com grande potencial de conexão ecológica entre
algumas manchas de vegetação. Com isso, poderia ocorrer uma diminuição
da contribuição hídrica direta no fundo de vale de forma a mitigar possíveis
cenários de alagamento elevando a qualidade do corpo hídrico.
A região de fundo de vale, devido a fatores de chuvas constantes e a
declividade em torno de 0% a 20%, possui áreas de alagados naturais, o que
não seria um problema se não houvesse construções nessas áreas. A
vegetação remanescente se configura como um potencial de conexão como
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 65

corredor formado pela parte mais baixa da microbacia, embora se apresente


atualmente bastante fragmentada.

5.2 A INFRAESTRUTURA VERDE PROPOSTA

Após compreender o processo de ocupação em diferentes escalas


visando entender o comportamento da paisagem, planejar uma
infraestrutura verde urbana, neste caso a partir da abordagem da ecologia
da paisagem em associação aos compartimentos de relevo, permite que o
planejamento considere o processo de formação do território, de forma a
conduzir o desenvolvimento em prol da sustentabilidade urbana.
As propostas para a criação de uma infraestrutura verde urbana para
Ortigueira estão apresentadas na Figura 6, e são descritas a seguir.
Os corredores naturais na matriz urbana possuem um grande
potencial para a criação de parques lineares que visem agregar preservação
ecológica em associação ao lazer e recreação. As áreas lindeiras aos
corredores do sistema hídrico devem ser conectadas aos fragmentos
adjacentes visando a formação de um parque linear para atrair o uso da
população, com a inserção de trilhas ecológicas, anfiteatros vegetados
ampliando as áreas permeáveis e áreas alagáveis. Estes espaços são muito
sensíveis, o que faz com que seu uso deva ser controlado e acompanhado
com um processo de contínua informação e educação ambiental,
fortalecendo a função educativa desse elemento e possibilitando a
manutenção da integridade ecológica do sistema.
66

Figura 6 – Diretrizes para a infraestrutura verde – Ortigueira

Fonte: RODRIGUES, 2017.

As ocupações irregulares existentes nos fundos de vale deverão ser


removidas e realocadas, como previsto em legislação federal.
Como maneira de contribuir para a função ecológica das microbacias
urbanas, além do grande corredor proposto ao longo do recurso hídrico em
forma de anel, tem-se como proposta a naturalização de vias urbanas, com
a inserção de arborização de acompanhamento viário e pavimentação com
pisos drenantes, ampliando a permeabilidade nos corredores viários e
reduzindo o escoamento superficial. Os espaços livres públicos existentes na
área urbana (praças), serão o ponto chave de conexão entre estas vias.
Os loteamentos nas adjacências dos córregos urbanos (existentes ou
futuros) deverão manter áreas permeáveis de pelo menos 40%, taxas de
ocupação de no máximo 60% e coeficiente de aproveitamento de no
máximo 2, em função das características dos compartimentos de relevo
observados nas figuras 5 e 6.
Em áreas já consolidadas, é importante salientar a proposição de
medidas de recuperação ambiental dos loteamentos, também conhecida
como retrofit. Neste processo, a contenção de novas ocupações e a
ampliação de áreas permeáveis deve atingir níveis próximos a 40%.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 67

Outras ações pontuais podem se somar para a melhoria das áreas


urbanizadas, como: arborização urbana, calçadas permeáveis acessíveis e a
implantação de biovaletas e jardins de chuva, a exemplo do projeto pioneiro
executado pelo autor, apresentado na Figura 7.

Figura 7- Jardim de Chuva em Ortigueira. Projeto do autor, executado em 2017.

Foto do autor, 2018.

Estes espaços visam favorecer a infiltração das águas pluviais bem


como diminuir o escoamento superficial, contribuindo na preservação dos
fundos de vale e a manutenção dos processos ecológicos em um sistema
contínuo e conectado em diferentes escalas.

6 CONCLUSÃO

Construir uma ferramenta de planejamento ambiental com foco na


ecologia da paisagem mostrou-se viável, pois a análise do comportamento
da paisagem pode conduzir à reintegração dos processos ecológicos na
paisagem e principalmente à conservação da biodiversidade,
restabelecendo os fluxos ecossistêmicos das áreas naturais na cidade e no
campo. Destaca-se, portanto, a contribuição positiva que os estudos de
68

Forman & Godron (1986), Forman (2006; 2008), Meneguetti (2009) e


Schutzer (2012; 2014) tiveram na proposição apresentada.
O planejamento ambiental com foco na ecologia da paisagem conduz
a uma revelação com maior propriedade da estrutura ecológica presente no
território e por consequência favorece seu planejamento em diferentes
escalas, de forma a restabelecer a integridade ecológica.
A divisão da região em três unidades de paisagem distintas, baseadas
no agrupamento das manchas vegetadas, na distribuição das manchas
urbanas, na predominância exercida pelo relevo e na concentração de
corpos hídricos, permitiu a criação de um conjunto de diretrizes paisagísticas
para o planejamento integrado do território e o restabelecimento dos
serviços ecológicos, reforçando a tese de que os processos ecológicos
ocorrem muito além dos limites políticos de um município ou região. Estas
diretrizes visam atenuar os impactos que o crescimento urbano tem gerado
em todo o território, oriundos pela falta de aplicação de legislação existente
e a falta de uma gestão urbana mais articulada com a realidade do
desenvolvimento local e regional.
O projeto da infraestrutura verde urbana para a cidade de Ortigueira
mostra-se uma ferramenta positiva para a promoção do desenvolvimento
sustentável do município principalmente com relação à preservação de
fundos de vale e a conexão destas áreas com os demais espaços livres
consolidados na malha urbana. Assim, as conexões propostas permitem que
os processos ecológicos sejam restabelecidos fazendo com que a paisagem
possua uma maior capacidade de regeneração.
As potencialidades levantadas e as estratégias sugeridas na escala
local podem ser estendidas aos demais municípios da região, uma vez que
estes experimentam um processo atual de desenvolvimento acelerado
comum em detrimento do alavanco da nova vocação industrial da região.
Essa extensão deverá contribuir para a formação de uma rede ecológica de
cidades formando um conjunto coeso de preservação de corredores de
biodiversidade em consonância com a ampliação e criação de um sistema de
áreas de lazer sem interferir nos processos ecológicos de maneira negativa.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 69

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70

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Cidade e o Planejamento da Paisagem - 71

Capítulo 4

VERTICALIZAÇÃO E EQUIPAMENTOS URBANOS COMO


POTENCIALIZADORES DE NOVAS CENTRALIDADES EM CIDADES
MÉDIAS BRASILEIRAS17

18
Gislaine Elizete Beloto
19
Mayara Henriques Coimbra

1 INTRODUÇÃO

As novas centralidades, dentro de um contexto mundial, se inserem


como estruturas urbanas decorrentes das transformações das cidades
contemporâneas. Dentro deste processo de transformação, impulsionado
pela globalização e pelo surgimento de territórios metropolitanos, os
centros urbanos sofreram mudanças significativas em seu contexto social,
econômico e principalmente territorial. A nova ordem urbana vigente se
baseia em um crescimento disperso e fragmentado em conjunto com a
sobreposição funcional de centros urbanos, alterando significativamente
aquilo que chamávamos de cidade.
Dinâmica semelhante, porém com origem mais recente, acontece nas
cidades médias brasileiras, sendo o que este capítulo se propõe mostrar.
Como as novas centralidades impactam no modelo de crescimento das
cidades médias? Em busca de uma resposta, apresentamos o estudo de caso
da mancha urbana de Maringá - Brasil, a qual é composta pela cidade
homônima e por outras duas, Sarandi e Paiçandu.

17
Texto baseado no trabalho originalmente apresentado na 7ᵃ Conferência da Rede Lusófona
de Morfologia Urbana – PNUM 2018.
18
Professora Doutora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual
de Maringá. E-mail: gebeloto@uem.br
19
Mestranda do Programa Associado UEM/UEL de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: mayaracoimbra.arq@hotmail.com
72

A pesquisa parte da hipótese de que a conjugação dos grandes


equipamentos urbanos, como shoppings centers, universidades, áreas de
interesse paisagístico - i.e. parques públicos -, aliados à verticalização de
alguns setores da cidade, conformam uma nova dinâmica urbana cuja
abrangência atinge a escala regional. Entendemos que, juntos,
equipamentos e verticalização, podem definir os vetores extensivos e
intensivos de crescimento da mancha urbana.

2 CENTRO E SUAS DERIVAÇÕES FUNCIONAIS

A cidade contemporânea pode ser dividida entre a área tradicional


contínua e com seus limites definidos e as áreas de fragmentação e
dispersão de seu tecido pelo território (REIS, 2006). A fragmentação e
dispersão aliadas à descentralização dos centros tradicionais são os
movimentos-chave para formação de novos territórios urbanos.
Uma das características fundamentais das cidades metropolitanas é
justamente a rápida e crescente multiplicação de seus centros. Diante do
surgimento de centros, a centralidade como adjetivo, deixa de ser um
atributo exclusivo do centro tradicional e passa a ser um conceito urbano
um pouco mais complexo. Como um substantivo, a centralidade passa a ter
um conceito próprio após os anos de 1990, onde torna-se o outro lugar
referencial da centralidade (TOURINHO, 2004).
O centro tradicional não se localiza necessariamente no centro
geográfico da mancha urbana e nem, necessariamente, na porção mais
antiga de uma cidade. O centro é o ponto de convergência e, em contra
partida, é também o ponto de divergência, uma vez que é o lugar para onde
as pessoas se dirigem e de onde a pessoas se deslocam. Seu principal papel
é a concentricidade ou centralidade exercida em diferentes setores da
cidade e em diferentes escalas territoriais (SPOSITO, 1991a, 1991b; SANTOS,
1981).
Obviamente que o centro molda uma estrutura territorial
centralizada. Seu oposto, a descentralização funcional, é característica de
uma estrutura urbana com centros de bairros constituídos por atividades
terciárias de atendimento imediato à população e que complementam o
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 73

comércio e serviços presentes no centro. A expansão do centro tradicional


pode vir a incorporar os centros de bairro (SPOSITO, 1991a).
A descentralização comumente conforma uma estrutura funcional
hierarquizada, onde, neste caso, além dos centros estão os subcentros.
Neles se alocam as mesmas atividades e diversidades do centro tradicional,
porém com uma menor escala de abrangência e menor incidência de
serviços especializados (SPOSITO, 1991a, 1991b).
Tanto o centro quanto os centros de bairro e os subcentros fazem
parte de uma mesma estrutura de crescimento contínuo e interligado da
mancha urbana como um todo (TOURINHO, 2004). Contudo, a organização
das grandes e médias manchas urbanas atingiram um padrão de
complexidade que tal estratificação da estrutura urbana não consegue
englobar as dinâmicas territoriais contemporâneas.
As centralidades ou as novas centralidades, preferência de
denominação adotada pelas autoras deste capítulo, constituem a
redefinição da centralidade original, como o próprio nome sugere.
Caracteriza-se como um processo de desdobramento do centro tradicional e
é lugar onde se localizam atividades tipicamente centrais, porém somente
algumas selecionadas (SPOSITO, 1991a, 1991b). Demandam rearranjos na
estrutura organizacional urbana e vêm acopladas às mudanças na paisagem
urbana onde se inserem, sendo correlacionadas às manchas urbanas
dispersas (LIMONAD; COSTA, 2015).
As novas centralidades detêm duas escalas simultâneas de
abrangência territorial: a escala urbana e a escala regional. Por isso, e
devido a isso, a escolha das atividades comerciais e de localização são
estratégicas. O shopping center é o mais conhecido e estudado dentre os
equipamentos urbanos capazes de gerar e manter uma nova centralidade.
As localizações de equipamentos de grande porte, a resignificância
cultural das áreas de lazer e de importância paisagística, e o próprio impacto
da extensão das manchas urbanas refletem a busca pela criação, recriação e
valorização econômica e cultural do território urbano. A nova centralidade
origina-se desse processo, tendo como aliado o capital imobiliário.
Para Meyer et al (2013, p.182), a nova centralidade é “precisamente
alternativa de localização do investimento imobiliário que até então tinha
no centro a sua localização preferencial”, o que leva a autora a considerar
74

que “o deslocamento das funções centrais não corresponde a um processo


de desenvolvimento urbano propriamente dito, mas apenas a um
movimento baseado em interesses especulativos”. Assim, o capital
imobiliário se diversifica e se multiplica por meio da reinvenção da cidade
com suas novas localizações, novas funções e novo arranjo territorial.
O mais recente mote da valorização imobiliária e que, por vezes,
resulta na criação de novas centralidades são os equipamentos urbanos de
abrangência acima da escala local. São pontos de convergência de pessoas e
de apropriação coletiva, nem sempre pública, os quais denominamos de
equipamentos potencializadores de centralidade (Figura 1).
Concomitante à implantação desses equipamentos estão as
melhorias infraestruturais, dentre as quais as primordiais são os acessos
facilitados ao centro tradicional, no caso das cidades médias. E,
posteriormente, a flexibilização da legislação urbanística e a atuação direta
das grandes construtoras locais ou regionais na formação de uma paisagem
verticalizada concluem o ciclo de estabelecimento de uma nova
centralidade.

Figura 1- Diagrama teórico sobre criação de novas centralidades

Fonte: Elaborado pelas autoras

Três são os principais equipamentos que instigam novas áreas de


verticalização ou fomentam as existentes: shopping center, universidade e
parque/lazer e esporte. Há uma quarta categoria de equipamentos
potencializadores de centralidade que são as estações intermodais ou
mesmo aquelas de um único modal como estações de metrô e terminais de
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 75

transporte coletivo. Nesta categoria também devemos incluir os aeroportos.


Da relação entre equipamento e verticalização somado o incremento do
setor terciário especializado, tem-se uma nova centralidade. No entanto, há
de se considerar que o shopping center é um equipamento gerador de
centralidade por si só.
Os equipamentos potencializadores de centralidades são também
potencializadores de crescimento urbano. Eles ampliam a possibilidade de
verticalização ou de transformação funcional de áreas consolidadas ou áreas
cristalizadas no tempo - como as áreas residenciais unifamiliares e os polos
industriais e de armazéns - dando origem a um crescimento intensivo.
Quando se localizam nas bordas da mancha urbana, acabam por condicionar
o crescimento horizontal e extensivo da cidade.
De maneira geral, a nova centralidade modifica e estabelece um
outro arranjo organizacional dos centros nas cidades de porte médio. O
resultado é uma estrutura urbana diferente da descentralização devido à
transferência de categorias específicas do comércio e serviços alocados no
centro tradicional ou a constituição de novas relações funcionais ausentes
no centro. Também inviabiliza a classificação por meio de uma estrutura
hierárquico-funcional dos centros urbanos pois as novas centralidades
agregarem atividades na mesma escala de abrangência territorial. A única
certeza é que este outro arranjo territorial se correlaciona diretamente com
a dispersão da cidade por um território cada vez mais amplo.

3 EQUIPAMENTOS POTENCIALIZADORES DE CENTRALIDADES E EXPANSÃO


URBANA

3.1 FORMA DA MANCHA URBANA DE MARINGÁ

As cidades de Maringá, Sarandi e Paiçandu resultam de um plano


regional sistêmico de implantação de cidades e ocupação do território
norte-paranaense (REGO, 2009) proposto e executado entre as décadas de
1930 e 1950 pela Companhia de Terras Norte do Paraná e pela sucessora
Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. Dentre as dezenas de
patrimônios implantados ao longo dos divisores de água da região, alguns
faziam parte da espinha dorsal do plano, conjuntamente com algumas
76

cidades. Essa estrutura principal era constituída por um eixo rodoferroviário


e por cidades principais e patrimônios ou vilas destinados única e
exclusivamente ao escoamento da produção agrícola e atendimento
imediato à população rural. Neste sentido, temos a cidade de Maringá
projetada para ser um centro regional enquanto Sarandi e Paiçandu foram
propostas como patrimônios urbanos de relevância local.
Com a expansão, Maringá, Sarandi e Paiçandu formaram uma única
mancha urbana. Compacta desde sua origem, essa mancha urbana passou
por períodos de fragmentação de sua borda até a configuração atual, cuja
compacidade predomina (COIMBRA; BELOTO, 2020). O modelo compacto de
crescimento diverge do que estudos vêm mostrando sobre a expansão
territorial de algumas cidades médias brasileiras (CHATEL; SPOSITO, 2015;
WASSA; SCHICCHI, 2011; SOUZA, 2009; SPOSITO, 2003).
A forma dispersa de crescimento urbano há tempos vem sendo
retratada por diferentes autores, a começar pelo biólogo Patrick Geddes em
1915, quando chamou atenção para o continuum urbano formado pelas
cidades industriais e a formação de uma cidade-região tanto em Londres
quanto na costa leste dos Estados Unidos. O espalhamento das cidades
ganhou outros contornos ao longo do século XX, chegando aos conceitos de
leapfrog development escrito pelo geógrafo Jean Gottman (1961), cidade
difusa nos trabalhos publicados pelo italiano Francesco Indovina (2009) a
partir de 1999, cidade dispersa apresentada sobretudo pelos escritos dos
arquitetos Javier Monclús (1998), Antonio Font (2007) e Nuno Portas (2004).
O que ocorre na cidade de Maringá é um histórico controle sobre a
extensão territorial. Primeiro devido a própria constituição de seu projeto.
Sua forma inicial cerrada, característica de um projeto com dimensões
definidas como deveria ser uma cidade-jardim (cf. Rego (2009) demonstra as
aproximações formais entre o projeto para Maringá e os preceitos de
cidade-jardim de Ebenezer Howard). Posteriormente, as sucessivas leis de
controle urbanístico e a periodicidade na elaboração de planos diretores
aliados a crença na ideia de uma cidade planejada por parte do setor
imobiliário e político local contribuíram para o modelo de crescimento da
cidade (BELOTO, 2004). Ou seja, mesmo levando em consideração as ações
do mercado imobiliário, Maringá manteve um nível de compacidade em sua
forma urbana se comparada com outras cidades brasileiras de mesmo porte.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 77

Certamente houve momentos de fragmentação da mancha urbana


de Maringá. Dentre os três períodos de expansão urbana classificados por
Coimbra e Beloto (2020), o segundo período (1971 a 2010) foi aquele que se
viu pequenos fragmentos na borda da mancha urbana até a mesma voltar a
se compactar. Durante o primeiro período (1945 a 1970) o crescimento da
mancha urbana de Maringá manteve a tendência à compacidade, mesmo
que nestas décadas tenha havido a primeira grande expansão extensiva da
cidade, a qual ocorreu de forma contínua ao projeto inicial.
Paradoxalmente a uma mancha compacta, o terceiro período (2011
aos dias atuais) vem desenhando o início do processo de dispersão urbana e
a constituição de um território urbanizado (Figura 2). O esgotamento das
áreas não loteadas no interior da mancha urbana após uma expansão
centrípeta ocorrida nos últimos anos, a potencialidade de formação de
novas centralidades e os fragmentos de grandes dimensões no entorno da
mancha conduzem ao entendimento de um novo modelo de expansão
urbana em formação (COIMBRA; BELOTO, 2020).

Figura 2 - Mancha urbana compacta de Maringá, 2016

Fonte: Coimbra e Beloto, 2020.


78

O estabelecimento de novas centralidades a partir de grandes


equipamentos urbanos ratifica a possibilidade de que um novo modelo de
expansão urbana esteja se implantando. Tais equipamentos fomentam o
crescimento urbano tanto extensivo quanto intensivo. O que mostraremos a
seguir é que, esses referidos equipamentos juntamente com a
verticalização, muitas vezes por eles incrementada, possibilitam a criação de
novas centralidades e definem vetores de expansão urbana.

3.2 PARA ALÉM DA DESCENTRALIZAÇÃO FUNCIONAL

O projeto original da cidade de Maringá elaborado pelo engenheiro-


urbanista Jorge de Macedo Vieira previa uma estruturação urbano-funcional
baseada em centro principal e centros de bairros. O quadrilátero central,
denominado de zona comercial, acumulava a função de centro tradicional
da cidade e centro comercial da região. Os centros de bairros ou núcleos
comerciais reuniam o comércio e serviço vicinal, de atendimento imediato e
cotidiano aos moradores do bairro.
A proposta de descentralização funcional era parte da organização do
território urbano assim como da organização do território regional (BELOTO,
2015). Com a implantação da cidade Maringá, a principal estrutura
territorial do plano regional para o norte do estado do Paraná ganhou outra
importante cidade, uma vez que Londrina já vigorava como o centro da
região. O plano, no entanto, previa a implantação de mais duas cidades
principais ao longo do eixo rodoferroviário, todas distantes 100 km entre si,
e patrimônios entre elas que distariam um do outro 15 km
aproximadamente.
Conforme mencionado, os patrimônios tinham a função de atender
as necessidades cotidianas da população rural. Por sua vez, o comércio e
serviços ofertados pelas cidades principais possuíam um raio de abrangência
maior, englobando parte da região ou mesmo a região toda, dependendo do
grau de especialização do setor terciário. Este era o caso de Londrina e,
gradativamente, passou também a ser o de Maringá. O conjunto urbano
assim implantado e constituído se traduzia em um “modelo hierárquico-
funcional” de organização do território regional (BELOTO, 2015).
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 79

Durante os anos de 1980, a conurbação entre as cidades de Maringá,


Sarandi e Paiçandu e o estabelecimento de uma única mancha urbana
resultado da interação econômica e social entre todas as cidades fez com
que os centros tradicionais do então patrimônio de Sarandi e patrimônio de
Paiçandu se fundissem à estrutura urbana de Maringá. Deste modo, a
estrutura como um todo passou a contar com dois subcentros derivados dos
centros de cada cidade.
A partir de então, a mancha urbana de Maringá apresenta três níveis
de centros, mantendo uma hierarquia funcional entre eles: centro
tradicional, centros de bairros e subcentros. Alguns centros de bairros foram
incorporados à expansão do centro principal, passando a ofertarem uma
diversidade maior de bens e serviços (Figura 3).

Figura 3- Centro, centros de bairros e subcentros da mancha urbana de Maringá, 2017

Legenda: vermelho: centro tradicional e centros de bairro; laranja: subcentros.


Fonte: Elaborado pelas autoras

Na última década, as novas centralidades em formação delinearam a


possibilidade de outro arranjo territorial na mancha urbana de Maringá. Elas
derivam de duas categorias de equipamentos potencializadores de
80

centralidade: varejista e educacional. Especificamente falamos em shopping


centers e campi universitários.
Com relação aos shoppings centers, Maringá conta atualmente com
cinco, sendo dois situados no quadrilátero central, um ao norte do eixo
rodoferroviário e outros dois nos extremos leste e oeste desse mesmo eixo.
Os dois empreendimentos centrais datam de 1989 e 1996, enquanto os
outros foram inaugurados em 2008, 1999 e 2010 respectivamente. Aqueles
situados no centro tradicional de Maringá ampliam ainda mais a
centralidade proveniente da diversidade comercial e de serviço ali disposta.
Contudo, os três outros estão fora da dinâmica central existente, o que nos
faz percebê-los, a priori, como potencializadores de novas centralidades.
Entre as faculdades e universidades com campi na mancha urbana de
Maringá, focaremos naquelas que tem uma maior convergência de pessoas
ou que se localizam em conjunto a outro equipamento urbano de interesse
desse estudo. Estamos falando da UniCesumar, fundada em 1990; Uningá,
fundada em 1999, mas somente locada em seu campus definitivo em 2009;
PUC, Feitep e SMG que somente na década atual começaram a atuar em
seus campi definitivos. A única universidade pública, UEM, criada em 1969,
fez parte de um outro momento de estruturação urbana, cuja influência
colaborou com a primeira grande verticalização da cidade para além do
centro tradicional ainda nos anos de 1980.
No que diz respeito aos parques ou equipamentos afins, os mais
expressivos e com maior afluxo de pessoas são o Parque do Ingá, o Parque
dos Pioneiros e o Horto Florestal, todos implantados conjuntamente com a
cidade. Posteriormente foi recuperada uma área degradada na porção norte
da cidade, sendo implantado em 1988 o Parque Alfredo Nyffeler. Mais
recentemente, em 2013, foi inaugurado no setor sudoeste o Parque do
Japão (Figura 4).
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 81

Figura 4 - Localização da verticalização e dos equipamentos potencializadores de centralidade

Legenda: vermelho: verticalização do centro tradicional; laranja: 1ª expansão da verticalização;


ocre: 2ª expansão da verticalização; amarelo: potencializadores de centralidade; setas: vetores
de expansão. Fonte: Elaborado pelas autoras

A área com potencialidade de se estabelecer como uma nova


centralidade é o entorno no Shopping Catuaí - Maringá, localizado no
extremo oeste do eixo rodoferroviário. Além de agregar parcialmente as
funções do centro tradicional através do shopping center e, mais
recentemente, serviços como hotel, a presença de dois campi universitários
reforçam a abrangência territorial regional que esta área atinge. Sob o
aspecto paisagístico, a verticalização é ainda bastante pontual,
compreendendo um único edifício comercial ao lado do shopping center e
outros residenciais e de menor gabarito nas proximidades. [Fig. 05a]
Entretanto, a grande dimensão e a situação de abandono dos lotes e
edificações de armazéns cerealistas do entorno dão condições para ação
futura do mercado imobiliário na construção de edifícios residenciais
verticais.
Ao considerarmos as novas centralidades como a criação de novas
localizações para o mercado imobiliário, outras duas áreas são relevantes.
Uma delas é o entorno do campus universitário Uningá, cuja presença
82

impulsiona o vetor de expansão norte da mancha urbana. Outra área


corresponde às proximidades do campus universitário UniCesumar. Sua
relevância está na presença de uma das principais construtoras da região
norte do estado atuando diretamente na construção de edifícios
residenciais verticais situados em antigos lotes de chácaras urbanas.
A verticalização é um importante componente na formação e na
paisagem das novas centralidades, seja porque concretiza a ação intensiva
do mercado imobiliário, seja pela identificação centro-verticalidade.
Portanto, vejamos quais as características desse tecido urbano que compõe
possíveis novas centralidades na mancha urbana de Maringá.

3.3 VERTICALIDADE: EXPRESSÃO MORFOLÓGICA DA NOVA CENTRALIDADE

O processo de verticalização da mancha urbana de Maringá teve


início na década de 1960. Ainda de forma incipiente, foram aprovados pela
Prefeitura do Município de Maringá 10 edifícios, todos eles situados no
quadrilátero central ou centro da cidade. Na década seguinte, 39 outros
edifícios foram aprovados. Destes, 13 estavam contidos no centro. Os
demais foram implantados em áreas contiguas ao centro, dando início a sua
expansão. De fato, foi na década de 1980 que a verticalização tomou força.
Foram 711 edifícios aprovados, dos quais mais de 50% foram implantados
no centro e nas proximidades do campus universitário UEM. Foi nessa
mesma década que se viu erigir um novo núcleo de verticalização na porção
sul da mancha urbana (MENDES, 1992).
O segundo momento de crescimento intensivo da mancha urbana de
Maringá veio apoiado no aumento do gabarito das edificações. A amplitude
da altura dos edifícios implantados após 2005 variou de 4 a 35 pisos. Isto faz
com que este segundo momento também altere a paisagem urbana, uma
vez que as torres no centro da mancha urbana não ultrapassavam, em sua
maioria, 15 pavimentos.
Para esses edifícios de gabaritos mais elevados, a ocupação do lote é
outro diferencial do segundo momento de verticalização da mancha urbana
de Maringá e que está presente naquelas áreas potencialmente
constituintes de novas centralidades. Os edifícios residências verticais
deixaram de incorporar o embasamento comercial em seus projetos,
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 83

tornando-se exclusivamente residenciais, por vezes com mais de uma torre


no mesmo lote. Com isso, pode-se ganhar em espaço livre privativo, mas
perde-se em fruição pública.
Entretanto, o projeto da área urbana contigua ao centro tradicional,
chamada de Novo Centro, traz vivamente a proposta de uma fruição urbana.
Esta área, a de maior concentração de edifícios verticais da mancha urbana,
também foi implantada no segundo momento da verticalização. A grande
concentração dos edifícios e a alta taxa de ocupação dos lotes contrasta
com as torres isoladas dispersas na paisagem urbana.
A verticalidade como um importante componente para a formação
de uma nova centralidade se evidencia sobremaneira no entorno do campus
da UniCesumar. Aproximadamente 25 empreendimentos com mais de 25
pavimentos foram aprovados desde que se flexibilizou a implantação de
edifícios verticais em grande parte da área urbanizada de Maringá. Destes
empreendimentos, 10 são compostos por duas ou três torres (Figuras 5a e
5b).

Figura 5 - Edifícios residenciais próximos ao Shopping Catuaí e ao campus UniCesumar

Fig. 5a Fig. 5b

Fonte: Grupo de pesquisa LURe.

Não somente pelo número de empreendimentos que destacamos a


verticalidade próxima à UniCesumar. Diferentemente do que ocorreu em
outras porções da cidade ou mesmo nas proximidades do Shopping Catuaí-
Maringá, as características morfológicas encontradas nessa potencial área
de nova centralidade podem ser resumidas: a própria verticalidade que se
desponta na paisagem; a ocupação do lote sem embasamento comercial
84

com uma ou mais torres isoladas no lote; e a presença de maior percentual


de área intralote destinada a apropriação coletiva.

4 CONCLUSÃO: CENTRALIDADE E COMPACIDADE

À guisa do que foi apresentado, chegamos a dois níveis de


apontamentos: um de caráter genérico e outro de caráter específico. Neste
sentido, esclarecemos que o viés genérico foca no fenômeno da pesquisa e
em sua repercussão sobre as demais cidades brasileiras de porte médio,
enquanto os apontamentos de caráter específico referem-se exclusivamente
à relação entre o fenômeno (formação de nova centralidade) e o objeto de
estudo (mancha urbana de Maringá).
A generalização nos permite identificar dois movimentos de
formação de novas centralidades em cidades médias. O primeiro deles diz
respeito ao deslocamento das funções centrais em conjunto com a atuação
do capital imobiliário e capital varejista. O principal objetivo é fomentar ou
até mesmo manter ativa as negociações imobiliárias através da criação e
recriação de localidades, valorizando e revalorizando porções do território
urbano. O segundo movimento é complementar ao primeiro. Refere-se à
presença da verticalização predominantemente residencial junto aos
equipamentos potencializadores de centralidade. A expansão urbana
vertical é mais expressiva do que a expansão horizontal nas áreas potenciais
de novas centralidades, razão pela qual a “recriação” de localidades também
é mais forte dentro desse processo do que a “criação” de novas áreas
urbanas.
Sob um caráter específico, podemos afirmar que a estrutura
hierárquico-funcional de organização das atividades terciárias sofre dois
tipos de mudanças. Uma delas é a expansão contínua do centro tradicional,
que engloba alguns centros de bairro e segue em direção à localização de
eixos de comércio setorial, gerando pressão para mudanças funcionais. Fato
relevante é que, a expansão contínua do centro é o efeito, mas também a
causa, de uma forma de crescimento urbano contínuo. A outra mudança
corresponde à emergência de novas dinâmicas territoriais que estão
conduzindo à formatação de uma diferente estrutura urbano-funcional com
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 85

indícios de formação de novas centralidades no território urbano de


Maringá (Figura 6).

Figura 6 - Deslocamento das centralidades em Maringá

Fonte: Elaborado pelas autoras

Dentre os equipamentos potencializadores de centralidade elencados


na mancha urbana de Maringá, nem todos indicam a possibilidade de
constituição de novas centralidades. Ficou entendido que, em cidades de
porte médio, onde as novas centralidades dependem sobremaneira da ação
dos agentes imobiliários e construtores, deve haver, ao menos, duas
relações significativas para dar indícios da formação de novas centralidades:
a presença de um equipamento potencializador aliado um processo de
verticalização recente e/ou a um vetor de expansão urbana extensiva; ou a
presença de dois ou mais equipamentos potencializadores de centralidade.
Das cinco áreas indicadas como possíveis novas centralidades, apenas
uma está inserida na borda da mancha urbana. Em resumo, a posição das
novas centralidades reforça a compacidade da forma da mancha urbana de
Maringá, contradizendo ao que vem sendo visto nas grandes metrópoles e
cidades médias que estão envolvidas, de alguma forma, na dinâmica
econômica e territorial de uma metrópole. O estabelecimento dessas
86

centralidades instiga a revalorização de áreas abandonadas ou em processo


de transformação nos dois extremos da cidade de Maringá. Enquanto na
parte sul da cidade, as duas outras centralidades tiram vantagens das
dimensões dos lotes favoráveis à implantação de condomínios verticais,
uma vez que essas eram áreas de antigas chácaras.
Ao observarmos a concentração dos equipamentos potencializadores
de centralidade na cidade Maringá, verificamos que a inserção das cidades
de Sarandi e Paiçandu na dinâmica regional passa obrigatoriamente por
Maringá. Enquanto não houver uma participação ativa, dificilmente se verá
despontar novas centralidades em ambas cidades.
Por fim, o estudo de caso apresentado neste capítulo reforça a
necessidade de ampliarmos a pesquisa para outras cidades médias
brasileiras, a fim de solidificarmos a compreensão de que as novas
centralidades nessas cidades são o resultado da união total ou parcial entre
capital imobiliário, capital varejista e conglomerados educacionais, e são
viabilizadas pelas ações do poder público e pela localização estratégica para
sua implantação.

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88
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 89

Capítulo 5

LUCAS DO RIO VERDE:


UM CASO DE SUCESSO NO PLANEJAMENTO URBANO

20
Rosana Lia Ravache

O papel da tecnologia de ponta no processo de desenvolvimento


territorial e local de Lucas do Rio Verde, uma cidade de médio porte na
região do médio norte mato-grossense. A agrovila que nasceu de uma
política de assentamento implantada pelo INCRA (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária), em 1974, hoje reconhecida como capital da
agroindústria de Mato Grosso.

1 A TERRITORIALIZAÇÃO DO MÉDIO NORTE DE MATO GROSSO

1.1 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO PELO CAPITAL

Para falar do desenvolvimento territorial e local de Lucas do Rio


Verde e da sua metamorfose no decorrer dos últimos 45 anos, é importante
voltar no tempo e entender as etapas de superação enfrentadas pelos
imigrantes pioneiros, bem como a tônica de resiliência que orienta o poder
público e os munícipes até hoje.
Com esta proposta em mente, adotou-se como base uma pesquisa
anterior que deu origem à tese Migração e Modernização em Cidades
Médias da Amazônia Legal: Área de Abrangência da BR 163, defendida em
2013 na Universidade de São Paulo, Faculdades de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Departamento de Geografia Programa de Pós-Graduação
em Geografia Humana.

20
Professora do Univag Centro Universitário, Várzea Grande, MT
90

Ficou claramente demonstrado nestas pesquisas, que apesar do


coronelismo ter atuado ostensivamente no médio norte mato-grossense,
21
com a distribuição de terras devolutas doadas ou vendidas a baixo custo a
pessoas físicas e jurídicas por meio de manobras capitaneadas por burlas em
detrimento das populações autóctones e imigrantes, o desenvolvimento da
região e especialmente de Lucas do Rio Verde se deu à custa de muito
trabalho e ampla visão de futuro daqueles que acreditaram no sonho de
vencer.
Note-se que o processo de ocupação do estado de Mato Grosso,
iniciado nos anos 1960, está imbricado numa política nacional de ocupação
da Região Amazônica, onde cidades como Lucas do Rio Verde se
desenvolveram e acompanharam a expansão do agronegócio implantado
desde as primeiras propostas de reterritorialização para as regiões norte e
nordeste do estado.
Harvey (2005), ao analisar a produção do espaço pelo capital, coloca
em evidência as condições que permitem entender a ocupação do território
do médio norte mato-grossense quando afirma que:

A racionalização geográfica do processo produtivo depende, em


parte, da estrutura mutável dos recursos de transporte, das matérias-
primas e das demandas do mercado em relação à indústria, e da
tendência inerente à aglomeração e à concentração da parte do
próprio capital. No entanto, essa tendência exige, para sustentá-la, a
inovação tecnológica. (HARVEY, 2005, p. 52).

Ao afirmar que racionalização geográfica do processo produtivo


depende das demandas do mercado em relação à produção e que a
tendência inerente à concentração do capital exige inovação tecnológica
para sustentá-la, Harvey (2005) deu margem à análise deste município como
espaço que não só foi ocupado e consolidou sua capacidade técnica de
transformação do solo e das sementes, como procurou diminuir, na década

21
Terras devolutas são terrenos públicos, ou em outras palavras, propriedades públicas que
nunca pertenceram a um particular mesmo estando ocupadas. O termo ‘devolutas’ relaciona-se
com a decisão de devolução desta terra para o domínio público ou não, dependendo de ações
ditas discriminatórias. Historicamente, envolvia a devolução de terras que foram da coroa
portuguesa, no período do Brasil Império e que, por serem públicas, nos termos da Constituição
da República, não poderiam ser usucapidas. (Fonte: Disponível em:
http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/ Acesso em 3 dez 2019).
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 91

de 1970, a pressão exercida pela necessidade de terras no sul do país, onde


o Governo Federal encontrava dificuldades para atender à demanda por
terras agricultáveis.
Como estas pessoas se reinventaram? O que estão fazendo para que
as portas desta nova classe social que poderia ser reconhecida como nova
22
burguesia se abram, mesmo sem depender, necessariamente, de suas
antigas profissões de agricultores?
Castells (2007) dá uma dimensão bastante aproximada do que se
pretende discutir neste capítulo

O que deve ser guardado para o entendimento da relação entre


tecnologia e sociedade é que o papel do Estado, seja interrompendo,
seja promovendo, seja liderando a inovação tecnológica, é um fator
decisivo no processo geral, à medida que expressa e organiza as
forças sociais dominantes em um espaço e numa época
determinados. Em grande parte, a tecnologia expressa a habilidade
de uma sociedade para impulsionar seu domínio tecnológico por
intermédio das instituições sociais, inclusive o Estado. O processo
histórico em que esse desenvolvimento de forças produtivas ocorre
assinala as características da tecnologia e seus entrelaçamentos com
as relações sociais. (CASTELLS, 2007, 49-50).

“O que deve ser guardado para o entendimento da relação entre


tecnologia e sociedade” no médio norte mato-grossense, dimensiona não só
a relação entre o agronegócio e o Estado, como expõe uma série de
contraposições às regras de sustentabilidade propostas para a Amazônia
23
Legal .
Isto se torna perceptível em praticamente todo o território
amazônico, onde o agronegócio tem organizado as forças sociais

22
Entenda-se o termo burguesia no sentido sociológico que define grupos ou indivíduos cujos
interesses se vinculam aos dos possuidores dos meios de produção. (Fonte: MICHAELIS.
Moderno dicionário da língua portuguesa, 1998).
23
Em termos administrativos, a Amazônia Legal abrange nove Estados: Acre, Amapá,
Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão. Foi criada
pela necessidade do governo de planejar e promover o desenvolvimento da região. Sua
superfície de aproximadamente 5.217.423 km², corresponde a cerca de 61% do território
brasileiro. Fonte: Unidades de Conservação no Brasil. (Fonte: Disponível em:
http://uc.socioambiental.org.br . Acesso 3 dez 2012)
92

dominantes e dominadas como meio de influenciar, através do poder


econômico.
Paralelo à dinâmica histórica, surgiram cidades que se desenvolveram
acima da média nacional, sendo que, inicialmente, o progresso, aqui
subentendido como desenvolvimento, foi impulsionado apenas pela rede de
serviços articulada pelo agronegócio; depois, pela expansão desta rede para
as mais diversas áreas do comércio e da indústria de transformação.
O grande crescimento demográfico e econômico da região tem um
débito com as pessoas que resolveram ficar e mudar o rumo de suas vidas.
Portanto, foi importante ouvir de imigrantes pioneiros como encontraram
as soluções para transformar o solo árido do Cerrado em terra agricultável.
A dificuldade de conseguir o alimento, por exemplo, motivou alguns
pioneiros imigrantes a alugar um ranchinho, conseguir um veículo para
enfrentar as péssimas condições de tráfego da estrada que mais tarde viria a
ser a BR-163 e, a partir daí, abastecer sua vendinha com o necessário para
atender a clientela durante um mês; em pouco tempo adquiriu um imóvel,
um veículo e se transformou em supermercadista de sucesso. O mesmo
aconteceu com o fornecedor de peças, de equipamentos etc.
Autores como Huber (2010), Joanoni Neto (2007), Zart (1988) e
principalmente Gislaene Moreno, com seu livro “Terra e poder em Mato
Grosso: política e mecanismos de burla 1892-1992” (2007), deram
consistência às informações a respeito da imigração na região norte de
Mato Grosso e identificação das histórias disponíveis entre os
24
remanescentes da migração do “Nortão” .
Couto e Silva (1981), Becker (1990, 2004), e Ianni (2004)
estabeleceram as bases para aprofundar os conhecimentos sobre as
políticas aplicadas na Amazônia Legal e Reforma Agrária, enquanto Castells
(2007, 2008), Chesnais (1996), Giddens (1991, 2003, 2007), Harvey (2006),
Lefebvre (1974) e Moore Junior (1983) abriram o campo da política social e
sua aplicação nas cidades mais ou menos desenvolvidas. Corrêa (1987),
Haesbaert (2011) e Santos (1988, 1994, 1997, 2005, 2006, 2009) foram de
essencial importância para o direcionamento calibrado da escolha de
conteúdos para o relacionamento espaço-tempo nos estudos geográficos.
24
É como a região norte de Mato Grosso é popularmente conhecida.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 93

Com o propósito de identificar melhor a metamorfose que ocorreu


nesta região, utilizou-se um assente teórico multidisciplinar visando dar à
pesquisa um formato que fosse respaldado na geografia, na geopolítica, nas
políticas públicas, na sociologia e no agronegócio porque, tanto quanto se
sabia, até então, o sucesso destes municípios não estava preso apenas ao
negócio das commodities. O ineditismo subentendeu um aporte geopolítico
ao objeto de estudo, uma vez que “a coerência interna da construção
teórica depende do grau de representatividade dos elementos analíticos
ante o objeto estudado” (SANTOS, 2009:23).

1.2 COMO TUDO COMEÇOU

Desde a década de 1940, havia a preocupação com o baixo índice


demográfico nas áreas do Brasil central e de fronteira. Pelos projetos do
Estado Novo, deveriam ser incentivadas políticas de centralização político-
administrativas e movimentação de pessoas de áreas mais populosas para a
região centro-oeste. Com esta ideia, o governo Vargas promoveu, por meio
25
do programa Marcha para o Oeste , a ocupação dos “vazios demográficos”
com a intenção de absorver os excedentes populacionais que faziam pressão
no centro-sul do país e encaminhá-los para áreas onde poderiam produzir
matérias-primas e gêneros alimentícios a baixo custo.
A política de produção e distribuição de alimentos de Getúlio Vargas
trabalhava com a hipótese de abastecer os centros urbanos com produtos a
preços mais baixos, promovendo o desenvolvimento industrial e a
diversificação da agricultura. Por isto, deu ao campo absoluta prioridade e,
ao mesmo tempo, criou uma política territorial de integração dos espaços
vazios, na qual Mato Grosso se enquadrou como área ideal para a aplicação
do novo estilo de produção agrícola.

25
Foi um projeto dirigido pelo governo Getúlio Vargas no período do Estado Novo, para ocupar
e desenvolver o interior do Brasil. Lançado na véspera de 1938, a Marcha, nas palavras de
Vargas, incorporou "o verdadeiro sentido de brasilidade", uma solução para os infortúnios da
nação. (Fonte: Emerson Santiago; Disponível em: http://www.infoescola.com/historia-do-
brasil/marcha-para-o-oeste. Acesso em 3 dez. 2019).
94

Entre as décadas de 1940 e 1960 foram implantados vários núcleos


oficiais de colonização que abrangiam aproximadamente 900 mil hectares
de terras públicas, negociadas com empresas particulares e pessoas físicas,
entre as quais se incluíram milhares de imigrantes.
Apesar dos esforços do governo federal, os resultados ficaram aquém
dos objetivos tanto de povoamento quanto de diversificação e expansão da
pequena produção ou ampliação do mercado interno.
Com base nos textos de Becker (1990), Joanoni Neto (2007), Moreno
(2007) e Silva (2008), é possível afirmar que o fracasso é compreensível,
uma vez que o poder público realizou muitos contratos com empresas
particulares, com base em interesses de grupos econômicos e político-
partidários a preços irrisórios ou mesmo como barganhas que serviam de
“moeda de troca” para favores políticos que dispensavam concorrências
públicas ou garantias de execução.
Como na década de 1960 o quadro das regiões norte e centro-oeste
não tinha mudado muito, revelou-se importante, para fins de planejamento
estratégico, transformar o território da antiga SUDAM (Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia) em Amazônia Legal, termo reinventado pela
Lei 5173/1966, para definir o espaço de 5 217 423 km² (61% do território
brasileiro).

Figura 1 - Estados que compõem a área da Amazônia Legal

Fonte: Geobrainstorms - Criação: Murilo Cardoso (2005)


Cidade e o Planejamento da Paisagem - 95

Com a chegada do General Ernesto Geisel à Presidência da República


em 1974, a ideia de Getúlio Vargas volta a criar força, desta vez resguardada
pelo seu ministro da Casa Civil, o geógrafo e geopolítico General Golbery do
Couto e Silva que, como membro da Escola de Estado Maior, na década de
1940 já havia traçado uma análise geopolítica da região depois identificada
como Amazônia Legal.
O pano de fundo desta estratégia, desenhava interesses nacionais
como:
 A falta de terras no sul do Brasil, cuja estrutura fundiária estava
esgotada e este era o principal impasse para solucionar os
problemas da reforma agrária;
 A necessidade de ocupar as áreas de fronteira, a título de
proteção territorial;
 A urgência de povoar aquelas grandes áreas do país, cujos
índices demográficos eram muito baixos.
Como afirma Becker (2004)

As políticas públicas para a Amazônia passaram a refletir o interesse


nacional em seus valores históricos atualizados pela incorporação das
demandas da cidadania, e é essa transição que se expressa em duas
políticas públicas paralelas desarticuladas e conflitantes. Ambas
visam o desenvolvimento numa estratégia territorial seletiva, mas o
desenvolvimento previsto por uma e pela outra, mais que diversos,
são opostos. Uma baseia-se no favorecimento de novos
investimentos para infraestrutura e outra está direcionada para as
populações locais e a proteção ambiental. (BECKER, 2004, p. 127).

Como seria de se esperar, na estratégia territorial seletiva,


prevaleceu o favorecimento de novos investimentos para infraestrutura,
porque o governo militar de 1970 tinha pressa e a ação visou impulsionar o
povoamento da Amazônia para alcançar os seus objetivos. Por isto, foram
convocados vários batalhões de engenharia de construção para realizar o
planejamento estratégico de ocupação e proteção de fronteiras.
Assim, a Amazônia, então cognominada pelo regime militar “terra
sem homens para homens sem terra”, passou a ser esquadrinhada por
rodovias projetadas sobre as ideias do mapeamento do projeto geopolítico
estratégico da ditadura militar.
96

Para dar sequência ao projeto original, num primeiro movimento foi


proposta a divisão do estado de Mato Grosso porque, se fosse incluído todo
o estado, a área da Amazônia Legal ocuparia uma área muito grande do
território nacional. Assim, em outubro de 1977, foi criado Mato Grosso do
Sul, um novo estado formado por 55 municípios distribuídos em
357.124,962 km². Mato Grosso ficou com 903.357,908 km² e com 38
municípios (mais território e bem menos municípios).

Figura 2 - Divisão do Estado de Mato Grosso (1977)

Fonte: Adaptado sobre base cartográfica de 2000;


in: Moreno, G. e Higa T.C.S (2005)

De 1979, após a consolidação da divisão do estado, até 2000, foram


emancipados mais 103 municípios, perfazendo o total de 141 que hoje
compõem esta unidade da federação.
Entretanto, o problema de mobilidade territorial tornou-se mais
grave entre as décadas de 1960/1980, e acabou priorizando a construção de
uma rede de rodovias longitudinais e transversais em toda a região norte e
centro oeste do país.
Para cumprir mais esta etapa do projeto, foi planejada, uma malha
viária, que funcionaria como manobra de integração do território nacional,
cuja meta era integrar a Amazônia Legal ao resto do país.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 97

Figura 3 - Principais rodovias que atravessam Mato Grosso

Fonte: Ministério dos Transportes (2012)

Como parte deste projeto de integração nacional, foi construída, pelo


9º Batalhão do Exército, na década de 1970, a BR-163, uma das rodovias
26
longitudinais que praticamente atravessa o país, com 3.467km .
Os militares visavam “vender” a baixo custo áreas mato-grossenses
consideradas anecúmenas, principalmente para os agricultores dos Estados
do sul do Brasil. Estas áreas incluiriam moradia, financiamentos com juros
módicos e prazos longos para plantio e colheita, além de infraestrutura
urbana, serviços de saúde, saneamento básico, escola e estradas para
escoar a produção. Não demorou muito para que a região se transformasse
numa espécie de Novo Eldorado mas, em pouco tempo, a maioria constatou
que a realidade não era bem aquela prometida.
Quando a ditadura militar usou o slogan “terra sem homens para
homens sem terra”, cometeu duas veleidades. Uma foi ignorar a população
autóctone porque, apesar da baixa densidade demográfica, ali vivia um
número expressivo de índios e caboclos que foram deslocados ou mortos
para dar lugar aos colonos ou empresas colonizadoras que “lotearam” boa
parte da região amazônica. A outra foi imaginar que a questão da reforma
agrária no Rio Grande do Sul, Paraná e em Santa Catarina se resolveria,
simplesmente deslocando aquelas pessoas para o meio da selva, em

26
A BR-163 inicia em Tenente Portela, RS, atravessa Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do
Sul, Mato Grosso e termina no porto de Santarém, PA.
98

condições precárias de sobrevivência, esperando que elas transformassem e


urbanizassem, sem qualquer apoio, as áreas para as quais foram destinadas.
O mesmo lema que deu asas aos projetos idealizados pelo governo
federal nas décadas de 1960 e 1970, transformou-se em mote para os
imigrantes pioneiros da região do médio norte de Mato Grosso. O que antes
significou uma ameaça à soberania brasileira na área depois conhecida
como Amazônia Legal, não demorou muito para representar uma ameaça à
cidadania dos que acreditaram no sonho prometido aos imigrantes. Mesmo
com os sacrifícios causados pela falta de infraestrutura, pretendiam persistir
e vencer. Para eles não havia caminho de volta. Era dar certo ou dar certo.
Como afirma Santos (2005),

O futuro é formado pelo conjunto de possibilidades e de vontades,


mas estes, no plano social, dependem do quadro geográfico que
facilita ou restringe, autoriza ou proíbe a ação humana. Alcançar
inelectualmente o futuro não é questão estatística, nem simples
arranjo de dados empíricos, mas questão de método. (SANTOS, 2005,
p. 130).

Este futuro formado pelo conjunto de possibilidades e de vontades


que amalgamou os imigrantes pioneiros à nova realidade, pode ser
claramente percebido no método de colonização da área de abrangência da
BR-163. Não só as etnias autóctones foram culturalmente dominadas, como
os próprios imigrantes, atraídos dos estados do sul do Brasil, foram
enquadrados nos moldes dos novos coronéis da política local.
Este enquadramento, provocado principalmente pelo isolamento e
pela frustração, deu aos imigrantes forças para superar as vicissitudes e
metamorfosear suas perspectivas, enquanto grupo social dominado pelas
políticas adotadas pelo Estado e pelas colonizadoras.
Nesta metamorfose estava inserido um novo slogan: “integrar para
não entregar” por meio do qual os imigrantes se transformaram em
construtores de sua própria ideologia (individual e coletiva) usando o slogan
como alavanca para superar o medo, a coação, a manipulação e a omissão
do poder público que deveria ter exercido sua função de agente protetor
dos direitos e do exercício da cidadania.
O futuro formado pelo conjunto de possibilidades e de vontades que
moveu os imigrantes pioneiros, dependia de um quadro geográfico que mais
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 99

restringia do que facilitava, mais proibia do que autorizava a ação humana


numa região à primeira vista inóspita, por seu clima quente e terras de
Cerrado.
Em pouco tempo a BR-163 rasgou a floresta amazônica e deu
passagem aos imigrantes que transformaram o caminho da ocupação em
um corredor de commodities produzidas para exportação.
Paralelo ao crescimeto do agronegócio, as povoações que nasceram
ao longo das rodovias continuaram recebendo imigrantes e se
transformaram em prósperos municípios como, por exemplo, Lucas do Rio
Verde.

2 O MUNICÍPIO DE LUCAS DO RIO VERDE

Situado à margem BR-163, a 334 km da capital do estado de Mato


Grosso, Cuiabá, na mesorregião do médio norte, com um relevo
caracterizado como predominantemente plano e vegetação constituída por
Cerrado, arbóreo denso (cerradão) e matas ciliares. Seu clima é tropical de
savana, com duas estações bem definidas: com umidade relativa do ar
acima de 86%, na estação chuvosa (de setembro a abril) e abaixo de 40%, na
estação seca (de maio a setembro). Sua área é de 3.645,23 km². Limita-se ao
Norte e a Leste com o município de Sorriso, ao Sul com Nova Mutum e a
Oeste com Tapurah. Seus habitantes são chamados de luverdenses.
O nome foi escolhido em homenagem a Lucas de Figueiredo de
Barros, um seringalista, afeito à rudeza da selva, que via na extração do
látex sua motivação de vida.
A cidade nasceu praticamente no local onde estavam acampados os
militares do 9º Batalhão de Engenharia, responsáveis pela execução da obra
da BR-163. Em 1981, o PEA (Projeto Especial de Assentamento), por meio do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), trouxe para a
agrovila 203 famílias de agricultores sem terra oriundas de Encruzilhada
Natalino, interior do município de Ronda Alta, RS para formar a comunidade
que deu origem ao município.
Na época, outros 85 posseiros que já habitavam o local e mais 50
colonos provenientes de Holambra, interior de São Paulo, também foram
assentados nos lotes que dividiram uma gleba de 197.991 hectares.
100

O assentamento foi executado e, inicialmente, as infraestruturas


física e social previstas não existiam. Cada colono recebeu seu lote de
Cerrado, sem nenhuma perspectiva de levantamento de capital em banco
para iniciar o plantio, nem qualquer tecnologia para ser empregada no lote.
Como já havia passado o período das chuvas, o resultado da
produção foi um fracasso. As famílias passaram a sobreviver com um vale
mensal fornecido pelo INCRA para comprar alimentos na COBAL (Companhia
Brasileira de Alimentos) e dos serviços prestados nos latifúndios vizinhos ao
Projeto.
Embora o INCRA tivesse avaliado o solo como “pobre em nutrientes
naturais”, o mais importante para os imigrantes, foi chegar à conclusão de
que naquele solo seria possível cultivar arroz, milho, mandioca e soja, em
condições econômicas viáveis, desde que convenientemente tratados com
corretivos e adubos.
Como afirma Huber, um imigrante pioneiro oriundo do grupo
Holambra (2010),
Através do Projeto Fundiário de Diamantino, está sendo aprovada a
regularização fundiária dos pioneiros, os primeiros moradores e
agricultores da área, que com seus próprios esforços demonstraram
a qualidade e a boa aptidão da terra e transformaram o Cerrado em
imensas áreas produtivas; e ainda, em atendimento ao decreto
presidencial, foi criada a Cooperativa Agropecuária Mista Lucas do
Rio Verde Ltda – COOPERLUCAS, sendo o primeiro presidente o Sr.
Anton Huber, cuja finalidade será agregar os colonos e os antigos
posseiros, dando-lhes apoio e assistência técnica. (HUBER, 2010, p.
117)

As várias etapas do processo de regularização, passaram a ser


comemoradas em diferentes datas, ou seja: 05 de agosto de 1982, data de
fundação da agrovila, ainda pertencente ao município de Diamantino; 17 de
março de 1986, data em que o núcleo urbano foi elevado à condição de
Distrito; e dia 04 de julho de 1988, data em que conquistou sua
emancipação político-administrativa, quando já contava com 5.500
habitantes.
Atualmente, poucas famílias dos assentados de Ronda Alta ainda
permanecem em suas terras. Pressionadas pelas inúmeras dificuldades
daquele período, muitas delas desistiram de seus sonhos e outras perderam
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 101

seus terrenos para a agricultura extensiva que começava a ocupar a vastidão


do cerrado.
Com alta tecnologia e elevados índices de produtividade, a
agricultura despontou, rapidamente, como uma das mais eficientes do
mundo. Este foi um dos fatos fundamentais para que o município
rapidamente se firmasse entre os mais importantes polos do agronegócio.
Responsável por 1% de toda produção brasileira de grãos, embora sua área
ocupe apenas 0,04% do território nacional, Lucas do Rio Verde agora
ingressa efetivamente no processo de verticalização de seu perfil econômico
que evoluiu acima da média nacional a partir de 2005.
Nasceu daí o interesse em aprofundar as pesquisas sobre estes
homens e instituições que contribuíram com este processo, para vislumbrar
suas transformações no tempo e no espaço pois, como afirma Santos
(1988),

Os elementos que se agrupam dando a configuração espacial de um


lugar têm que passar por um estudo aprofundado, desde o homem
até as instituições que vão dirigir, juntamente com as firmas, as
formas de materialização da sociedade. Destrinchar as relações
existentes entre estes elementos, tornando os conceitos em
realidades empíricas, permitirá que se vislumbre, no tempo e no
espaço, a transformação. (SANTOS, 1988, p. 11).

A partir da agricultura, foram surgindo outros investimentos nos


setores de serviço e industrial. A alta tecnologia que vinha sendo agregada
ao plantio permitiu que os produtores colhessem duas safras ao ano, com
elevados índices de produtividade. Com isto o município se firmou numa
posição confortável de importante polo do agronegócio brasileiro.
Independente dos grandes produtores soja, milho e algodão, houve
um grande crescimento da agricultura familiar, conhecida como “agricultura
dos chacareiros” que abastecem a cidade com hortaliças, frutas, mel, peixe
e outros produtos.
Recentemente, a economia de Lucas do Rio Verde tem se expandido
para o campo da agroindústria, fato que a transforma num polo de absorção
da mão de obra que, gradativamente, vai sendo preterida pelas máquinas e
pela mão de obra especializada necessária para manejá-las.
102

Mesmo assim, a partir de 2005, o número de empresas instaladas no


município aumentou exponencialmente, a ponto da administração pública
pensar em deslocar o núcleo urbano mais para oeste, alterando o modelo
original de implantação da maioria dos núcleos urbanos desenvolvidos à
partir dos anos 1970, que de um lado da rodovia acomodava proletários e
27
“paus rodados ” e do outro, agricultores e sociedade.

Figura 4 - Trecho da BR-163 que atravessa Lucas do Rio Verde

Fonte: Ascom Prefeitura de Lucas do Rio Verde

Entretanto, o desenvolvimento esbarrava no abastecimento escasso


de energia. Para solucionar este problema, foram investidos R$ 110 milhões
no projeto da Usina de Canoa Quebrada, que geraria 28 MW de energia e
geraria aproximadamente 500 empregos diretos.
A chegada da BRF/Sadia em abril de 2005, provocou uma profunda
transformação geopolítica não só no município como em toda a região.
Quando iniciaram as atividades em 2008, foram contratados 4000
empregados, criando o primeiro impacto demográfico que mobilizou o
poder público para a revisão de todos os projetos de infraestrutura a serem
implantados nos anos seguintes.

27
Alcunha dada aos que vêm de fora e procuram fixar residência (MICHAELIS, 1998).
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 103

Imediatamente após a chegada, as famílias dos profissionais


contratados necessitavam de uma casa para morar, escola para os filhos,
supermercado, lojas comerciais, atendimentos médicos, hospitalares e
dentários, além de farmácias, serviços de segurança e assim por diante. A
partir de então, a cidade praticamente teve de se reinventar a cada ano,
para atender a demanda.
O início das atividades da BRF/Sadia exigiu um aumento expressivo
no fornecimento de energia elétrica. Hoje, só a empresa possui duas
subestações com capacidade de gerar até 108 MVA (megavolt ampère).

Tabela 1: Evolução Demográfica de Lucas do Rio Verde

Fonte: Adaptação de pt.wikipedia.org/wiki/Lucas do Rio Verde#Demografia .


Acesso 10 nov. 2019.

A consequência imediata de um crescimento acima da média


nacional trouxe consigo alguns problemas que, a princípio, pareciam sem
solução. Num primeiro momento, estarreceu as autoridades locais; num
segundo momento, revestiu a municipalidade de perspicácia para solucionar
com agilidade os problemas diários, que não cessavam.
A dinâmica à qual o poder público teve de se adaptar, despertou nos
munícipes a premência de expandir alguns setores para assegurar o
28
desenvolvimento e aproveitar a mão de obra, antes rotativa que agora

28
Mão de obra que rodava por diferentes municípios, destocando raízes e plantando mudas em
diversas fazendas. Daí vem o nome de paus rodados.
104

permanecia em maior número na cidade obrigando-se, por sua vez, a


emparelhar-se à rápido expansão urbana.
A mesma dinâmica acabou colocando o município entre os que mais
se destacaram em 2009, conforme dados veiculados pela edição de 2011 do
IFDM – Índice FIRJAN - Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
de Desenvolvimento Municipal.
Hoje, 93,19% da população de Lucas do Rio Verde vive em áreas
urbanas e, 99,91% dos domicílios são abastecidos por energia elétrica,
sendo 99,01% fornecidos pela Energisa Mato Grosso - Distribuidora de
Energia S/A, 0,89% fornecidos por outras fontes e 0,09% não possuem luz
elétrica.
A saúde pública dispõe de 148 estabelecimentos para atender
95,78% dos habitantes.
De acordo com os dados do relatório de 2010, divulgado em 2013
pelo Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH-M) para o município foi registrado com
0,768, sendo o segundo maior de Mato Grosso (PNUD) e o 249 º do Brasil.
A taxa de escolarização da população entre de 6 a 14 anos é de
97,5%, concentrando-se nela o maior esforço do poder público para fazer
frente à demanda de escolas. Hoje são 28 escolas com 9.533 alunos
matriculados no ensino fundamental (2018) e 2.532 alunos matriculados no
ensino médio.
O serviço de abastecimento de água é feito pelo Serviço Autônomo
de Água e Esgoto de Lucas do Rio Verde (SAAE) e abastece, em média,
12 567 domicílios (91,27%). Atualmente atende com serviços de esgoto a
42,4% da população. O lixo é coletado em 93,78% dos domicílios, sendo que
92,71%, por meio de serviço de limpeza e 1,07% por meio de caçambas.
Lucas do Rio Verde é a primeira cidade de Mato Grosso e a terceira
do Brasil a possuir coleta 100% mecanizada, modelo adotado pelo município
que começou a ser instituído em 2013, com o Plano Municipal de Resíduos
Sólidos.
Este projeto, que acompanha as determinações da Política Nacional
de Resíduos Sólidos, previa destinar todo o lixo produzido no município ao
Ecoponto de Lucas do Rio Verde, para que tivesse separação e destinação
correta. Entretanto esbarrou na dificuldade de convencer a população sobre
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 105

as vantagens de separar o lixo para a coleta seletiva. Com novas campanhas


do SAAE- Serviço de Autônomo de Água e Esgoto junto a população, o
serviço tem melhorado e em outubro de 2019 o Ecoponto recebeu uma
nova esteira para a separação dos resíduos e também, uma trituradora de
vidros, compradas com recursos próprios da autarquia.
O Plano de Tecnologia de Informação, que também fez parte do
Plano Piloto elaborado em 2005, pretendia conectar todas as instituições
municipais, para atender melhor aos munícipes, principalmente aqueles que
vivem em comunidades mais afastadas. Embora o projeto seja um avanço
enorme para a interligação dos bairros com o Poder Público, até então teve
apenas 50% concluído.
Também era parte deste Plano, a montagem de uma infraestrutura
de monitoramento e gerenciamento de dados para atender todo o
município e comunidades do interior em conexão direta com as secretarias
na prefeitura, que também não foi concluído.
Como vetor da organização do espaço local, está o planejamento de
novos bairros, programados no Plano Piloto, já incorporando as áreas
incluídas no deslocamento e reterritorialização do núcleo urbano.
Esta demanda tanto pode ser atendida pelas imobiliárias locais,
obedecendo o planejamento urbano adotado pelo Plano Piloto, quanto
pode ser exercida pelo poder público como têm sido as adequações do
programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal ao planejamento
local, cujas verbas são utilizadas com alguns diferenciais como:
a) O município entra com a infraestrutura (energia elétrica, água,
esgoto coleta de lixo e mobilidade urbana;
b) Os sorteios são realizados antes do início da construção das
casas e a pessoa sorteada acompanha a construção, podendo
alterar ao seu gosto alguns itens, desde que não onerem o
orçamento básico. Despesas fora do orçamento básico, são
assumidas pelo proprietário;
c) Ao término da construção, que via de regra são agilizadas pelos
proprietários, a área já está com estrutura de um bairro, com
escola, UPA e serviços públicos proporcionais ao número de
habitantes daquele “novo bairro”.
106

3 PENSANDO NO FUTURO

As políticas públicas adotadas nos últimos anos visaram um espectro


amplo que poderia ser ocupado pela agroindústria e, a partir do início do
século XXI, deram ao município novas perspectivas de emprego e renda,
preparando a comunidade local para o futuro.
Passaram a ser preocupações centrais do poder público municipal, o
alto nível de ensino e a qualificação de mão de obra adequada à tecnologia,
cada vez mais sofisticada do agronegócio e da indústria de transformação.
Falhou, entretanto, a educação comunitária para acompanhar
projetos, tais como os do Plano de Tecnologia de Informação, para que as
comunidades acompanhassem e contribuíssem com a conclusão destes
sistemas tão importantes para a integração e empoderamento das classes
menos favorecidas, em sua maioria moradores de bairros distantes.
Paralelamente, não se viu, até agora, não só em Lucas do Rio Verde
como na maioria dos municípios da área de abrangência da BR-163, uma
proposta do Governo Federal que mudasse a forma de propor políticas
públicas para os estados e municípios da Amazônia Legal. Cada estado, cada
região e cada município tem suas próprias características e as normas têm
sido implementadas de forma homogênea, sem o cuidado com as
idiossincrasias individuais.
É sabido que a ausência de uma política pública regional ou local atrai
sérios problemas com comunidades urbanas e indígenas, pela falta de
consultas para o aceite das tomadas de decisão que, muitas vezes,
contrariam a opinião pública local.
Sem políticas regionais e locais específicas, dificilmente se alcançará
o equilíbrio social ou a execução de projetos/programas adequados a cada
comunidade.
No caso específico de Lucas do Rio Verde, aumentou a demanda por
serviços da Justiça do Trabalho, serviços básicos de saúde, educação,
moradia e segurança pública, possivelmente gerados, tanto pelo
crescimento demográfico quanto pelo contingente de ex-empregados,
muitos oriundos de outros estados, mas que permaneceram no município,
mesmo após serem dispensados de suas atividades.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 107

O que antes parecia correr conforme os planos do poder público,


agora esbarram em dificuldades, provavelmente por falta de diálogo entre o
poder público e a sociedade, visando trabalhar na construção de soluções,
sem abrir margens para conflitos urbanos.
O próprio avanço da especulação imobiliária nas áreas urbanas tem
desmantelado as propostas de urbanização, tanto para atender o excesso de
demanda, como por falta de controle do poder público.
Estes e outros fatores impactarão ainda mais, com o crescente
interesse na instalação de plantas industriais para a transformação de
commodities agrícolas que não só absorverão mais gente como demandarão
mais infraestrutura de apoio.
Paralelo a estas demandas, a mão de obra precisa ser muito mais
qualificada, pois os equipamentos estão cada vez mais sofisticados exigindo
mais da capacidade humana de produção.
Esta talvez seja uma nova etapa de desafios para os luverdenses nos
próximos anos.

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Cidade e o Planejamento da Paisagem - 109

Capítulo 6

CIDADE NA CONTEMPORANEIDADE: RELAÇÕES ENTRE O ESTADO DE


BEM-ESTAR SOCIAL, SAÚDE MENTAL E
SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL

29
Luiz Augusto Maia Costa
30
Caio Barbato Maroso
31
Adriana Teixeira Bahia

O objetivo deste artigo é apresentar algumas reflexões e análises


sobre a relação entre o Estado de bem-estar social e saúde mental na cidade
brasileira contemporânea. Essa inquietação nos ocorreu porque a regulação
estatal da saúde pode ser entendida como um aspecto do Estado de bem-
estar. Por outro lado, a saúde mental da população poderia ser um critério
para medir a eficácia do bem-estar. Entretanto, observamos que a falta de
seguridade social, sobretudo para os indivíduos pobres e periféricos, pode
ser um agravante dos problemas relacionados à saúde mental.
Essa falta de seguridade pode ser atribuída, também, ao modelo de
Estado de Bem-Estar Social adotado no Brasil, ou à ausência dele. O modelo
liberal, que atribui direitos baseados no mérito, é excludente e injusto. A
ascensão nos últimos anos, nos países latino-americanos, de governos da
extrema direita também contribuiu com a diminuição dos direitos e do
acesso aos serviços públicos. Essas questões contribuem ainda mais para a

29
Doutor em Arquitetura e Urbanismo, professor titular do Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. E-mail:
luiz.augusto@puc-campinas.edu.br
30
Arquiteto e urbanista, mestre em Urbanismo, doutorando do Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. E-mail:
caio.arqui@gmail.com
31
Arquiteta e urbanista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. E-mail:
abahia.arquitetura@gmail.com
110

exclusão da população pobre e periférica das cidades brasileiras


contemporâneas.
Uma vez que a proposta é a apresentação de relações teóricas entre
os conceitos apresentados, entendemos que a metodologia mais adequada
é a revisão bibliográfica. Por isso, foram selecionados textos de autores
relevantes para os temas, como Bobbio, Marshall e Espining-Andersen.
Foram consultados, também, documentos e legislações nacionais e
internacionais acerca dos temas abordados. Os textos foram cotejados por
publicações em sentido parecido, na tentativa de se encontrar o estado da
arte e, assim, ampliar nossa contribuição para a discussão que se propõe.
Iniciamos, então, com uma apresentação das características do
Estado de Bem-Estar e uma conceituação de Cidadão e Cidadania. A
intenção é situarmos o pensamento que levou às indagações feitas. Na
sequência, relacionamos a saúde mental e o espaço urbano para,
finalmente, tecer algumas relações entre a saúde mental, o bem-estar e a
cidade contemporânea. Concluímos que a maneira como acontece o bem-
estar e as falhas no acesso aos serviços públicos agrava as condições de
saúde mental da população, sobretudo daquele indivíduo pobre e periférico,
criando um ciclo retroalimentado.

1 ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL: CONCEITO E ANÁLISES

A expressão “Estado de Bem-Estar Social” tem sido utilizada pelos


teóricos brasileiros como uma tradução da expressão inglesa Welfare State.
Ainda que não consigamos precisar uma data, essa expressão é mais antiga
que “Estado-providência”, utilizada por volta de 1860, por Émile Ollivier,
deputado republicano francês, para criticar o aumento das atribuições do
Estado ao tentar equilibrar os interesses públicos e privados. Porém, em
meados do século XIX ainda não havia se estabelecido o conceito de Estado
de bem-estar social. Nessa retrospectiva histórica, algumas iniciativas
prévias merecem menção, como as Poor Laws inglesas e as Wohfahrstaat ou
Sozialstaat alemãs. Propostas dos partidos socialdemocratas garantiram que
até 1890, por exemplo, os trabalhadores alemães contassem com seguro-
doença e seguro velhice-invalidez (FIORI, 1997; MEAD, 1997; NOGUEIRA,
2001).
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 111

O conceito Welfare State foi apresentado em 1940 – início da Era de


Ouro de acumulação do capital. Em 1942, o Plano Beveridge instaura os
princípios do bem-estar. Esse relatório foi elaborado por William Beveridge,
tratava do Sistema Britânico de Segurança Social e teve repercussão em
diversos países. Talvez os conceitos mais importantes sejam justamente a
base da proteção social: seguridade e asseguramento. Na
contemporaneidade, os Estados de Bem-Estar Social se apoiam em quatro
pilares: (i) fatores materiais que, ligados aos paradigmas fordista e
keynesianista, buscam exorbitante crescimento do sistema capitalista; (ii)
ambiente econômico global, que atrela o bem-estar à estabilidade
econômica internacional; (iii) novo quadro geopolítico de solidariedade
supranacional; e (iv) avanço das democracias partidárias e de massas (FIORI,
1997; NOGUEIRA, 2001).
Observamos que a necessidade da criação de legislação que
amparasse a classe trabalhadora, assim como os não trabalhadores,
remonta ao século XIX e é resultado tanto da observação de condições
insustentáveis como da reivindicação popular, mas também do capital
excedente e que deveria ser reproduzido. Essa conjuntura permite que, não
por acaso nas décadas de 1940, 1950 e 1960 – a Era de Ouro capitalista –, o
bem-estar chegue ao seu ápice, assegurando diversos direitos ao cidadão.
Entretanto, a recessão econômica a partir da década de 1970 forçou,
politicamente, a regressão de alguns dos direitos conquistados.
Enquanto nos países europeus o avanço da democratização e das
conquistas dos direitos sociais esteve vinculado às reivindicações dos
trabalhadores, nos países latino-americanos, em que estamos inseridos,
esteve presente um matiz de políticas de bem-estar que combinam
assistencialismo e intervenções pontuais de tipo liberal com alguns sistemas
universais de prestação de serviço ou complementação de renda.
Especificamente no caso brasileiro, essa política era seletiva para os
beneficiários, heterogênea nos benefícios e fragmentada na organização
112

institucional e financeira, a exemplo dos Institutos de Aposentadoria e


32
Pensões (FIORI, 1997).
Após o término do regime militar, em meados da década de 1980, é
notada uma mudança nessas características, com organizações de sistemas
nacionais públicos ou estatalmente regulados, com tendências
universalizantes, baseados no mérito e que tendem a agravar as
desigualdades predominantes. O retrato do modelo meritocrático-
particularista, tanto clientelista como corporativista, presente também em
outros países latino-americanos. Assim, os pilares do bem-estar latino-
americano e contemporâneo seriam: (i) diferenças materiais e econômicas
entre as instituições e a política keynesiana; (ii) impactos de ordem política e
econômica mundial; e (iii) o papel da predominância de regimes
autoritários, controlados por coalizões de poder reacionárias, unidos
internamente para atrofiar o Estado de bem-estar social. Nesses países, o
desenvolvimento das políticas sociais aconteceu em etapas bem
demarcadas pelas condições do quadro político-econômico internacional e
políticas nacionais (FIORI, 1997).
Entendemos que quando a economia internacional está favorável e
se há cobranças dos países europeus e norte-americanos, as políticas sociais
avançam. Mesmo nos países em que o bem-estar alcançou patamares mais
avançados, como no caso da Argentina e do Uruguai, houve momentos de
retrocesso nas políticas sociais durante as crises, como nos anos de 1930, no
pós-guerra, nos anos de governos autoritários e, também, nos últimos anos,
com a retomada dos governos por partidos da direita ultraconservadora.
O Estado de bem-estar contemporâneo está passando por revisão,
dada a ascensão de propostas políticas mais conservadoras. A visão de T. H.
Marshall pode ajudar a definir problemas e caminhos para os direitos
sociais. Marshall categorizou os direitos em três naturezas: civis (século
XVIII), políticos (século XIX) e sociais (século XX). Os civis – como o ir e vir, a
propriedade e a profissão de uma fé – representam o direito à justiça, que
garantiria os demais direitos. Os direitos políticos – como o de votar, ser

32
Os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP) eram instituições privadas e fizeram, entre
1930 e 1960, o papel da previdência social. Foram responsáveis por uma produção expressiva
de conjuntos habitacionais e infraestrutura urbana nas cidades brasileiras.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 113

votado e escolher projeto e proposta de sociedade – deram surgimento a


diversos partidos em um momento em que houve o crescimento massivo da
urbanização. Os direitos sociais podem ser entendidos como bem-estar
econômico, segurança social e vida com padrões socialmente estabelecidos
(BOBBIO, 2011; MEAD, 1997).
Dessa forma, para a compreensão do Estado de bem-estar social é
necessário atentarmos à constituição do Estado-nação moderno. Ela está na
relação de proteção dos integrantes. Posteriormente, com a
industrialização, o surgimento da classe trabalhadora, e não proprietária,
apoiou a luta pela ampliação da cidadania democrática e, com ela, a
expansão dos direitos políticos e sociais, que resultaram na radicalização e
“correção” do Estado protetor. A solidariedade social fundamenta o bem-
estar, transferindo parte da responsabilidade individual para a esfera social.
Durante o século XX foram ampliados os níveis de garantia e segurança,
como educação pública, partidos de massa e a intensa urbanização
(NOGUEIRA, 2001).
É necessário frisarmos que, como exposto, após o século XIX os
direitos sociais surgiram, intensificaram-se, consolidaram-se e, agora, estão
sendo revistos. Entretanto, sempre se faz presente, nas questões de acesso
aos serviços prestados pelo Estado, assim como direitos e deveres, a figura
do cidadão. Ou seja, o alvo das políticas públicas que objetivam o bem-estar.
Por isso, acreditamos ser válida a discussão acerca dos conceitos de cidadão
e cidadania que apresentaremos no decorrer deste texto.
Na intenção de sistematizarmos o estudo, adotamos os três modelos
de Estados de bem-estar social propostos por Marshall e Espining-Andersen.
O modelo Liberal prevê ação limitada do Estado, com pouca intervenção,
sempre pontual e temporária. O Estado espera que os problemas sejam
resolvidos pelas instâncias tradicionais (como a família e a comunidade). Se
não há solução, então o Estado intervém. Nesse modelo, os riscos sociais
são atribuídos à incompetência e ao desleixo. Aparentemente, esse modelo
pode ser encontrado no Brasil e em outros países da América Latina (FIORI,
1997; NOGUEIRA, 2001).
O modelo Meritocrático prevê a intervenção estatal como uma forma
de organizar as proteções, mas não de subsidiá-las ou financiá-las. O direito
às proteções organizadas pelo Estado advém com o trabalho formal,
114

financiado em boa parte pelos empregadores, mas também pelos


empregados, de forma que o acesso à segurança social é por mérito, ou
seja, pela capacidade produtiva. Se tem emprego, tem direitos e segurança,
colocando a responsabilidade sobre o indivíduo e sobre a sua capacidade de
produção. O empregador oferece condições seguras ao trabalhador, que lhe
responde com lealdade e subordinação. Esse modelo parece ser aplicado em
países como os Estados Unidos da América (FIORI, 1997; NOGUEIRA, 2001).
Já no modelo Socialdemocrata a proteção é social e inclusiva, o bem-
estar é visto como elemento estruturador da nação. Os serviços e benefícios
são garantidos como direitos sociais, e representa a garantia de um patamar
de igualdade a todos. A intervenção estatal é prevista para garantir esses
direitos, inclusive com financiamentos e subsídios, independentemente da
produção individual. A adesão de todos ao Estado de bem-estar social
aumenta o comprometimento, como o pagamento de impostos, mesmo
altos. Esse modelo parece representar uma fusão entre o liberalismo e o
socialismo, podendo ser encontrado em países da Europa, sobretudo os
nórdicos (FIORI, 1997; NOGUEIRA, 2001).
As categorias propostas por Marshall e Espining-Andersen não são
estáticas, mas se relacionam e interagem entre si. Elas possuem princípios
estruturantes, por isso tendem a identificar agrupamentos distintos, e não
variações quantitativas de um denominador comum. Mas talvez o mais
importante seja a determinação de um modelo de formação política das
classes trabalhadoras e da formação de consensos políticos na fase de
transição de uma sociedade rural para uma sociedade de classe média. Ou
seja, o modelo de Estado de bem-estar social que se apresenta em
determinado país é um retrato da maneira como se deu a transição de sua
população dos campos para a cidade, para a produção industrial. Em outras
palavras, como se organizaram a burguesia e o proletariado (NOGUEIRA,
2001).
A formação da burguesia e do proletariado, assim como o conceito
de cidadão, são duas questões importantes para esta discussão. Nos países
da América Latina, sobretudo no Brasil, a preocupação com o pleno
emprego é uma questão recorrente, independentemente da posição política
em governo. Porém, existe um descompasso entre essa preocupação e a
debilidade dos pactos e arranjos que vão sendo formados (NOGUEIRA,
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 115

2001). A ideia da intervenção estatal para a geração de empregos formais


também pode ser entendida como parte de um Estado de bem-estar, pois o
acesso ao mercado de trabalho oferece certa garantia. Com mais ou menos
programas sociais, esse cenário se repete na América Latina.

2 CIDADÃO E CIDADANIA: CONCEITOS E INDAGAÇÕES

O Estado de bem-estar social pretende colocar e garantir padrões


mínimos à vida dos cidadãos. Dessa forma, é imprescindível adentrarmos na
discussão dos conceitos de cidadão e cidadania. Isto é, as características
necessárias para que um indivíduo seja entendido como cidadão e, assim,
ter direito ao acesso aos serviços públicos que, presumidamente, sejam
oferecidos em um Estado de bem-estar. Aqui, entendemos que nem todo
indivíduo é, necessariamente, um cidadão e, por isso, nem todas as pessoas
que habitam as cidades – sobretudo nas periferias – possuem o direito ao
acesso aos serviços públicos e ao bem-estar.
Utilizando-nos da conceituação marxista, afirmamos que os
indivíduos participam ativamente da construção da riqueza social e cultural,
incluindo as instituições sociais e políticas. Entretanto, ele não é capaz de
usufruir desses bens, dada a divisão antagônica de classes. A cidadania,
então, é a reapropriação desses bens pelo conjunto dos cidadãos. É
importante frisarmos o entendimento da cidadania como luta constante das
classes subalternas, “de baixo para cima” e não dada permanentemente
(COUTINHO, 2005).
Em uma visão rousseauniana, a cidadania não deve ser um direito de
todos, mas de quem a merece. Os merecedores da cidadania são aqueles
que possuem, em algum grau, a virtude cívica da disponibilidade ativa para
o serviço da coisa pública. Nessa visão, percebemos a distinção entre o
cidadão e o vassalo, que já comprometia o entendimento da igualdade –
uma das bases da Revolução Francesa – no início da modernidade, ainda no
século XVIII (BENEVIDES, 1994).
Nesse tocante, no Brasil, entendemos a existência de duas visões
sobre o conceito de cidadão, como defendido por Benevides (1994). A
primeira se refere às classes, como cidadão de primeira, segunda e terceira
classe, ou, ainda, sem classe alguma. Quanto mais alta a classe do cidadão,
116

maior seria seu direito de acesso aos serviços públicos. Portanto, o cidadão
de primeira classe teria mais direitos, se comparado ao de segunda ou de
terceira classe. Já a segunda visão é pautada em certa hierarquia de
manutenção da desigualdade entre os cidadãos, inerente ao sistema
capitalista. Nela existiriam apenas a elite e o proletariado, prevendo mais
direitos à primeira que ao segundo.
No constitucionalismo clássico, os direitos são exercidos frente ao
Estado, mas não dentro do aparelho do Estado. Assim, é considerado
cidadão aquele que possui vínculo jurídico com o Estado, tendo direitos e
deveres, em uma visão legal. Os cidadãos são iguais perante as leis, mas
súditos do Estado, ou seja, estão subjugados a ele. Os direitos e liberdades
acontecem fora do âmbito estatal, sem assumir função estatal (BENEVIDES,
1994). Portanto, indo ao encontro do que foi exposto anteriormente, na
cidade contemporânea brasileira, percebemos que os indivíduos residentes
nas áreas periféricas não são entendidos como cidadãos, ao menos no
tocante ao direito de acesso aos serviços públicos.
Incluem-se, na falta de acesso aos serviços públicos, a saúde e, de
forma frisada neste estudo, a saúde mental. Aqui, começamos a delinear a
problemática central desta pesquisa, ao relacionar as políticas públicas e a
saúde mental. Como já exposto, objetivamos apontar a falta de seguridade –
causada pela ausência do acesso aos serviços públicos, incluindo o de saúde
e de saúde mental – como justamente uma agravante das condições de
saúde mental da população. Para tanto, é necessário trazermos à luz
questões relacionadas à saúde mental, a relação dela com o espaço urbano
e o impacto causado nos indivíduos.

3 SAÚDE MENTAL: CONCEITOS E RELAÇÕES COM O ESPAÇO URBANO

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em sua Constituição datada


de 1946, conceitua saúde como “um estado de completo bem-estar físico,
mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de
enfermidade”, expandindo a noção de saúde que se torna mais intricada,
incluindo aspectos sociais, econômicos, culturais e ambientais. De maneira
semelhante, a Reforma Psiquiátrica no Brasil, iniciada na década de 1970
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 117

(BRASIL, 2005), consolida-se a partir de 1992, ao aprovar,


consecutivamente, em vários Estados brasileiros, leis que substituem o
hospital psiquiátrico em prol de uma rede integrada para o cuidado com a
saúde mental nos moldes da noção proposta pela ONU.
Por se tratar de uma questão interdisciplinar, a conceituação de
saúde mental perpassa pelas áreas da psicologia, da psicanálise, da filosofia
e pelas ciências sociais. Dentro desses, diversos esquemas e teorias foram
produzidos para conceituar e compreender o que é saúde mental e quais
seus determinantes principais. Dessa forma, saúde mental se entende como
um conceito polissêmico, multifacetado e interdisciplinar.
No entanto, o conceito adotado para este estudo é o da psiquiatria
existencial, fundada a partir da analítica heideggeriana, que percebe o
homem como um ser no mundo e a loucura como uma forma de projeção
do homem no mundo, e logo sempre tem algum sentido. Essa linha de
pensamento não exclui as bases biológicas da doença mental, mas entende
que sempre deve ser considerada a relação com o meio, e tem relação
direta com o ambiente que as pessoas vivem.

Concebendo a existência como projeção do corpo na relação de


sentido com o mundo [...]. Neste caso, a estrutura da relação corpo-
mundo pode se alterar em decorrência da lesão do próprio corpo,
que deve, então, refazer sua relação com o mundo a partir da
organização dos elementos de que dispõe. Não se fecha, assim, as
portas para uma compreensão futura das “bases orgânicas” da
doença, embora estas devam ser vistas sempre na relação do
organismo com o meio. (VIETTA et al., 2001, p. 102-103).

A esse respeito, a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio


da OMS, divulgou alguns documentos que ajudam a elucidar algumas
relações entre saúde mental e o espaço urbano. O primeiro deles, O Plano
de Ação para Saúde Mental (2010), tem como objetivo determinar diretrizes
para a promoção da saúde mental e a prevenção e reabilitação da doença,
de modo que possam servir como base para os planos nacionais. O mesmo
pontua o contexto local como condição capaz de aumentar a
vulnerabilidade para desenvolver doenças mentais, dentre eles os
agregados familiares vivendo em pobreza.
Para tratar a esse respeito, a OMS disponibiliza um documento
específico para o que irá chamar de grupos vulneráveis. De acordo com a
118

OMS, são vulneráveis aqueles com doenças mentais e os indivíduos em


situações com maiores propensões de desenvolver problemas e distúrbios
mentais. Dentro do segundo grupo, um dos critérios são a pobreza e a
vulnerabilidade social como fator de risco para desenvolver problemas em
saúde mental.

Pessoas vivendo na pobreza não apenas carecem de recursos


financeiros para manter os padrões básicos de vida, mas também
têm menos oportunidades educacionais e de emprego. Assim como
estão expostos a ambientes de moradia adversos, como áreas de
favelas ou habitações sem saneamento ou água, e têm menos
possibilidades de acessar serviços de saúde de boa qualidade. Essas
condições estressantes colocam essas pessoas em maior risco de
desenvolver uma condição de saúde mental. (WHO, 2013, p. 29,
tradução própria).

De modo a corroborar com essas primeiras relações estabelecidas


entre a saúde mental e o meio urbano, Santana (2014), aponta a saúde
mental como resultante de um conjunto de fatores biológicos, psicológicos,
sociais e de contexto. Sua ocorrência se relacionando com uma soma do
contexto social – características individuais, culturais, habitacionais, de
trabalho e de organização do território, muito semelhantes àquelas
categorias colocadas pela OMS – e com a perspectiva espacial e de
urbanização. A autora identifica as características relativas à comunidade
que podem causar variações na saúde, e as divide em quatro grupos: (i) as
condições físicas do lugar partilhado por todos; (ii) condições das
habitações, em especial a insalubridade; (iii) condições de trabalho/ensino;
e (iv) as diferenças tipológicas entre urbano e rural.

4 RELAÇÕES ENTRE ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL E SAÚDE MENTAL

De acordo com Elias (2004, p. 41), o conceito de saúde ainda


necessita de melhor definição, ou seja, para além da noção da doença ou da
“linearidade biologista e histórica” da OMS, que considera “o completo
bem-estar físico, psíquico e social”. Da mesma maneira, compreendemos a
saúde mental que carece de maior entendimento e participação nas
condições de vida dos indivíduos que habitam a cidade contemporânea.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 119

Nesse sentido, as políticas públicas de saúde, voltadas para o bem-estar,


também deveriam prever a saúde mental da população.
A regulação estatal da saúde, que tem as mesmas origens do Estado
de bem-estar social, nas já mencionadas Poor Laws e reformas de Bismark,
inicia-se com o seguro nacional da saúde e tem seu ápice na constituição do
Estado de bem-estar europeu, mais notadamente após a Segunda Guerra
Mundial. No Brasil, assim como em outros países da América Latina, essa
regulação é desigual, em função das especificidades presentes. Aqui, os
sistemas de saúde se desenvolvem vinculados ao mercado de trabalho
formal, de previdência solidária e repartição simples. A separação entre as
esferas pública e privada não é bem definida e o Estado assume papel de
sócio do capital privado (ELIAS, 2004).
Inicialmente, vimos a regulação da saúde no começo do século XIX,
com as intervenções sanitário-urbanísticas, em cidades como Rio de Janeiro,
com planos de alargamento das ruas e de dizimação dos cortiços. Na
sequência, a Lei Elói Chaves, que estabeleceu marcos regulatórios
importantes na aposentadoria, nas pensões e na assistência médica.
Posteriormente, em um período de maior regulação, surge a assistência
médica previdenciária, que era socialmente excludente, privilegiando a
população urbana trabalhadora, que possuía vínculo com os polos
acumuladores de capital. Nos anos de 1980, com o surgimento do Sistema
Único de Saúde (SUS), há uma intenção de acesso pleno,
independentemente da renda do cidadão (ELIAS, 2004). Entretanto,
notadamente, o acesso pleno não é tão igualitário, dependendo – até
mesmo – da localização dentro da cidade, e da cidade em relação ao país.
Mais uma vez, as políticas públicas – com maior ou menor
participação da população e do capital privado – voltam-se àqueles
indivíduos que conseguem acessar o mercado de trabalho formal, ou seja,
aquele que é considerado cidadão. Além disso, mesmo dentro da classe
trabalhadora, há desigualdades, de acordo com a “classe” do cidadão, sendo
que os de “classes mais altas” possuem mais acesso a serviços melhores.
Aquele que não é considerado cidadão, o economicamente inativo, que não
vende sua força de trabalho e, portanto, não coopera com a reprodução do
capital (ao menos de maneira formal), não há garantia de acesso, não há
seguridade.
120

Pensando no território, a partir da perspectiva centro-periferia, em


que os cidadãos de “classe” mais alta ocupam o centro, e os de “classe”
mais baixa ocupam as periferias, a dinâmica da cidade se repete. O indivíduo
periférico, para além da segregação socioespacial, não tem garantias. Não
tem garantia de posse, de moradia, de mobilidade, de emprego (formal ou
informal), de educação, de saúde. Muito menos o acesso ao atendimento de
saúde mental, prejudicada pela falta de todos os outros acessos, é
garantido.

5 ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL, SAÚDE MENTAL E PROBLEMÁTICAS DA


CIDADE CONTEMPORÂNEA

A intricada relação entre o Estado de bem-estar social e a Saúde


Mental na vida urbana pode ser evidenciada nas problemáticas das cidades
brasileiras. Desse modo, a territorialidade urbana contemporânea convive
diariamente com realidades díspares e multifacetadas, que apresentam
questões latentes, dentre elas: o déficit habitacional, a precariedade e
ilegalidade dos espaços, a segregação socioespacial, os problemas
ambientais, a insegurança de posse, dentre outros. Entendemos que, como
a saúde mental está relacionada às questões ambientais, e, logo, também
urbanas, essas problemáticas influenciam no estado mental dos indivíduos.
Tomemos como exemplo a questão da posse no Brasil, dado que o
Estado não é capaz de promover moradia para todos, inúmeras parcelas da
população que não possuem recurso para adquirir moradia via mercado
formal, fazem valer seu direito à terra por meio da informalidade. Em geral,
ocupam um espaço – dotando-o de função social – e é por meio da
autoconstrução e do esforço pessoal que acessam seu direito à habitação.
Esse contexto por si só já demonstra a ausência de acesso a direitos no
Brasil, os quais se apresentam como garantias do Estado de bem-estar
social.
No entanto, ainda que abrigados, em geral a precariedade desses
espaços, como já apresentado, colocam os indivíduos em situação de
vulnerabilidade para desenvolver problemas mentais, em especial de
ansiedade e depressão. Agravando a situação, mesmo que abrigados em
locais com condições de salubridade e urbanidade garantidas, em geral, não
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 121

há a garantia de posse, e, mesmo quando há, esta é constantemente


ameaçada. Este panorama aponta para indivíduos que vivem em constante
insegurança, indicando, desse modo, um aspecto do espaço urbano que
pode ter efeitos prejudiciais para a saúde mental.
A este ponto, percebemos que tantas dessas problemáticas se dão
devido à falta de garantias, que deveriam ser promovidas pelo Estado de
bem-estar social. A partir do conceito de saúde mental adotado para esta
análise, que considera o contexto, e portanto o ambiente como agravantes
ou capazes de influenciar o estado mental das pessoas, as problemáticas
apresentadas também são entendidas como capazes de influenciar os
indivíduos em nível mental.
Conforma-se, então, uma tendência ou ciclo, em que o indivíduo,
devido à falta de bem-estar social, não tem suas questões urbanas
resolvidas, e, como consequência de tal, testemunha o agravamento de seu
estado mental. Isto posto, salientamos que a falta de garantias, neste caso,
garantias da vida urbana, tem a capacidade de influenciar a saúde mental
individual e coletiva. E, à medida que essas pessoas não encontram meios
de ter suas problemáticas resolvidas ou suas necessidades de saúde
atendidas, seja porque o Estado de bem-estar social no Brasil não tem a
(vontade) competência para tal, ou seja, porque a saúde mental não se
enquadra como uma agenda do mesmo, estabelece-se um processo
constante.

6 CONCLUSÃO

Em vista do que foi discutido, atentamos estabelecer relações da


garantia do bem-estar social nas cidades brasileiras e os impactos
decorrentes desta no estado de saúde mental dos indivíduos. Para tanto,
perpassamos por diferentes noções de Estado de bem-estar social e seu
histórico, em especial no contexto brasileiro e latino-americano. Por meio
da revisão bibliográfica foi possível compreender que o modelo de Estado
de bem-estar social em cada país é um reflexo da organização social e capaz
de demonstrar como se dá a garantia de direitos no país e para quem.
Aqueles, então, que têm acesso a seus direitos e garantias são
entendidos como cidadãos, portanto, no contexto da sociedade brasileira
122

nem todos indivíduos podem ser considerados como tal. O que parece ser
consenso é que a garantia de direitos no Brasil está relacionada com a classe
social à qual o indivíduo se enquadra e, logo, com o espaço que habita na
cidade. Em contrapartida, temos a qualidade desse espaço urbano sendo
capaz de influenciar a saúde mental das pessoas, dado que o conceito
utilizado para este estudo aponta que as questões de contexto e ambiente
são capazes de tal.
Dado o contexto das cidades brasileiras, e as suas inúmeras
problemáticas identificadas na contemporaneidade, fica clara a falta de
acesso a inúmeros serviços e direitos para uma parcela significativa da
população, essa, em geral, uma população pobre de baixa renda, ocupando
áreas periféricas das cidades. Sem acesso às suas garantias sociais essa
parcela da população não é atendida pelo que entendemos por Estado de
bem-estar social. Essa carência tem a capacidade de dar origem a problemas
no espectro da saúde mental, muito influenciada pelas questões ambientais
e citadinas. Para além disso, agravando esse ciclo, a carência de acesso a
serviços dá poucas oportunidades para o indivíduo buscar tratamento para
suas questões.

REFERÊNCIAS

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http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Relatorio15_anos_Caracas.pdf. Acesso em: 30
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______. Mental health action plan 2013-2020. Geneva, 2010. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/89966/9789241506021_eng.pdf?seque
nce=1. Acesso em: 4 abr. 2019.
124
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 125

Capítulo 7

HABITAÇÃO SOCIAL E MUTIRÃO NA EXPERIÊNCIA DA COPROMO

33
Jefferson O. Goulart
34
Julia Mello S. V. Franco

1 INTRODUÇÃO

Este capítulo analisa o projeto de mutirão autogestionário da


Cooperativa Pró Moradia (COPROMO) desenvolvido na década de 1990 no
35
município de Osasco (SP). Trata-se de um experimento singular e
emblemático no campo da habitação social.
Metodologicamente, tratou-se de uma investigação de natureza
qualitativa, cujo escopo de análise compreendeu o modelo institucional e
sua correspondente estrutura, a dinâmica de funcionamento e a
implantação do projeto. Os procedimentos metodológicos adotados
incluíram: revisão da literatura multidisciplinar (principalmente da
Arquitetura, do Urbanismo, da Sociologia e da Ciência Política); pesquisa
documental de fontes; caracterização socioeconômica do objeto de estudo;
e trabalho de campo por meio de visitas técnicas e entrevistas de
personagens que participaram diretamente do empreendimento (lideranças
comunitárias, moradores beneficiários e profissionais da assessoria técnica).

33
Pós-doutorado em Sociologia Urbana pela Universidad Complutense de Madrid e doutorado
em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, é professor do Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. E-
mail: jefferson.goulart@unesp.br.
34
Arquiteta urbanista formada pela Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. E-mail: mellojuliavf@gmail.com.
35
Os resultados aqui apresentados derivam de pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo Fapesp nº 2018/09843-4), instituição à qual os
autores agradecem o apoio.
126

A confrontação da experiência empírica com a literatura e as


informações coletadas permitiram traçar um panorama crítico que
distanciou o experimento da COPROMO de sua idealização e mesmo do
caráter mitológico atribuído ao mutirão. Os depoimentos de personagens
que participaram diretamente da construção do conjunto foram
determinantes para caracterizar essa experiência e desmistificá-la.
A investigação permite inferir que o êxito dessa experiência foi
resultado de razões complementares, a saber: de uma elaborada trama
organizacional, mediante o engajamento da assessoria técnica; da sólida
estrutura interna da entidade; e do apoio de lideranças políticas fortes que
impulsionaram o movimento e a concretização do empreendimento.
Contudo, seu sucesso deve ser relativizado e entendido de forma localizada,
uma vez que transcorreu em um campo de contradições que envolveram as
instabilidades e fragilidades próprias dessa modalidade construtiva e seus
desfechos de longo prazo. Tais resultados os distanciam das expectativas
idealizadas do mutirão autogestionário.
O texto está estruturado de forma sintética em mais três seções: na
próxima se faz uma caracterização geral do objeto de estudo, da formação
da COPROMO e do debate sobre o mutirão compreendendo os postulados
do movimento “Arquitetura Nova” e de seus críticos; na seção subsequente
são abordados o processo de implantação do projeto, o canteiro de obras e
as características arquitetônicas originais do empreendimento; na seção
derradeira, as considerações conclusivas que enfatizam a dimensão
pedagógica do mutirão e seus êxitos práticos.

2. A COPROMO E O MUTIRÃO AUTOGESTIONÁRIO

O município de Osasco está situado na Região Metropolitana de São


Paulo em processo de conurbação com a capital paulista. Segundo dados do
Censo IBGE de 1980, a taxa de crescimento anual de era de 5.25%, enquanto
no mesmo período a capital paulista tinha taxa de 3.67%. As altas taxas de
crescimento demográfico fizeram com que o município alcançasse a marca
de 586.846 habitantes em 1976, período em que se observa 101.702
famílias com renda média de até 5 salários mínimos e 71.886 famílias
moradoras em habitações precárias (EMPLASA, 1976).
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 127

Osasco passou a contar com regiões precariamente urbanizadas e


periféricas, reproduzindo o fenômeno de “suburbanização residencial”
(BONDUKI, ROLNIK, 1979). Ademais, registra a formação espacial resultante
do fenômeno de “proletarização do espaço” (MARICATO, 1976),
compreendendo vastas áreas residenciais por meio da autoconstrução, com
limitada oferta de serviços públicos.
Nesse cenário de escassez de investimentos públicos em habitação, a
autoconstrução de moradia se revelou a forma de “solucionar o grave déficit
habitacional pelos próprios usuários, ou seja, as camadas populares”
(MIAGUSKO, 2010, p.171). Assim, diante da pressão exercida sobre
diferentes níveis de governo para enfrentar o crescente déficit habitacional
em um cenário econômico adverso, tem-se pela primeira vez a
institucionalização da autoconstrução como política pública em território
nacional.
Nesse contexto, intelectuais da corrente “Arquitetura Nova”
apresentaram seus argumentos sobre o processo de autoconstrução e da
prática do mutirão. Entre eles, Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império
se destacaram como porta-vozes dessa corrente teórica que adotava como
ponto central a valorização da produção artística e arquitetônica
democrática. Assim, a nova arquitetura a ser formulada deveria conter um
“caráter programático e militante”, servindo também como uma arquitetura
de laboratório, ensaiando dessa forma “inúmeras possibilidades técnicas e
espaciais, numa atitude de espera e estímulo de transformações sociais
profundas” (FERRO, 2006, p. 39).
Para Lefèvre (1981), o mutirão seria praticável como modelo utópico
aplicável em uma fase transitória entre a dinâmica produtiva capitalista e
um momento posterior, reafirmando a noção de canteiro como escola e
espaço experimental. Assim, de uma perspectiva anticapitalista, a
“Arquitetura Nova” passaria a ilustrar a noção de esgotamento do modo de
produção arquitetônico predominante (FERRO, 2006).
Dentre as contradições relacionadas ao mutirão, tem-se, de um lado,
a dependência dos fundos públicos destinados à habitação e, de outro, a
recusa da intervenção estatal como agente implementador, negando dessa
forma uma dinâmica impositiva de cima para baixo (USINA, 2008). Dessa
128

maneira, a autogestão no cenário brasileiro das décadas de 1970/1980


emerge vinculada à noção de semi-autonomia.
De uma perspectiva crítica, o caráter paradoxal do mutirão vincula-se
ao que Oliveira (1972) observa como a capacidade de expansão do
capitalismo pela introdução de novas relações dentro de antigos moldes,
denominadas como “arcaicas” e, portanto, pela reprodução desse arcaísmo
sob novas conformações.
Sendo assim, pode-se tratar da prática do mutirão como um processo
no qual se evidencia uma “simbiose e uma organicidade, uma unidade de
contrários, em que o chamado ‘moderno’ cresce e se alimenta da existência
do ‘atrasado’” (OLIVEIRA, 1972, p. 9). Ademais, deve-se atentar para a noção
de “sobretrabalho” (trabalho não pago), ou seja, “um processo de expansão
capitalista que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa
exploração da força de trabalho” (OLIVEIRA, 1972, p. 28). Em outros termos,
o mutirão seria uma forma de explorar ainda mais o trabalhador exigindo-
lhe trabalho e produção de valor sem correspondente remuneração.
A imagem do mutirão passou a exaltar seu caráter mitológico:
“vinculando áreas diversas entre si, tais como a discussão da arquitetura, de
seu lugar social, de suas possibilidades de democratização e a compreensão
dos movimentos e lutas sociais urbanas” (RIZEK, BARROS, 2006, p.380).
Para além do debate teórico, Osasco sediou um marco original: a
experiência de mutirão autogestionário que surgiu em 1990 e recebeu o
nome de COPROMO (Cooperativa Pró Moradia de Osasco) serviu de objeto
de estudo no meio acadêmico e arquitetônico/urbanístico desde o
momento de elaboração de seu projeto. A partir daí se seguiram vários
estudos específicos ou que se reportaram comparativamente a essa
experiência.
Ressalte-se na trajetória da COPROMO uma interação institucional na
qual se encontram agentes do Estado, lideranças políticas, movimentos
sociais e representantes do setor privado, organizados em torno do conflito
de interesses relacionados a uma gleba localizada na Avenida Getúlio Vargas
no bairro Jardim Piratininga.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 129

Além disso, o conjunto COPROMO se inseriu no “Programa Mutirão


36
UMM ” – vinculado à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e
Urbano de São Paulo (CDHU) –, e passou a integrar a agenda habitacional do
governo estadual vinculada à prática do mutirão autogestionário.
A COPROMO também se destacou pela presença latente da
mobilização social. Como marco inicial desse fenômeno, tem-se a atuação
do movimento “Terra é Nossa”, formado em 1986 e caracterizado pela
adoção da prática da ocupação como estratégia de atuação e pressão
política. A partir da ocupação da referida gleba na Av. Getúlio Vargas, com a
participação de 520 famílias em 1987, o movimento “Terra é Nossa”
demonstrou sua força e capacidade de mobilização. É nesse momento que
se tem a construção de um barracão de madeira que serviria como uma
sede improvisada da Associação por Moradia de Osasco, que acabaria por
gerar conflitos entre o movimento e o setor privado, também interessado
naquele terreno (CERQUEIRA, 2016).
Somada à pressão exercida pelo movimento a partir das ocupações,
destaque-se a atuação de Reginaldo Oliveira de Almeida (Didi), vereador do
Partido dos Trabalhadores (PT) e reconhecida liderança na região, que
exerceu um papel de destaque no desenvolvimento da COPROMO
(CERQUEIRA, 2016).
O fortalecimento do movimento, por sua vez, se materializou a partir
da substituição do antigo barracão, para uma nova sede em alvenaria, em
agosto de 1991, ocupando as atividades da coordenação e da secretaria da
Associação. A construção foi uma demonstração de força do movimento,
“sinalizando para o poder público a determinação dos sem-teto na
conquista daquele terreno” (CERQUEIRA, 2016, p. 69). É também nesse
momento que tem o início da parceria estabelecida entre o movimento e a
USINA CTAH (Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado).
Simultaneamente à consolidação da Associação, seguiram as
negociações para aquisição do terreno. Tais tratativas com o poder público
foram exaustivas, pois o terreno, “embora fosse propriedade da COHAB,
estava hipotecado pela Caixa Econômica Federal” (CERQUEIRA, 2016, p.70).

36
A União dos Movimentos de Moradia foi o principal movimento de defesa da autogestão
naquele período.
130

A solução seria um acordo que possibilitasse o pagamento da hipoteca junto


à CEF. Para tanto, cada família cadastrada deveria depositar uma quantia em
dinheiro. Contudo, a partir do momento de arrecadação, muitos integrantes
deixaram a associação, permanecendo 3.714 famílias (OLIVEIRA JR.; ABIKO,
2004, p.4).
A partir desse momento, algumas famílias depositaram uma pequena
quantia para assegurarem suas vagas e outras fizeram aporte maior. Então,
“a Associação decidiu que as primeiras 1.800 famílias (número de moradias
que a área de 111.000m² comportava) depositassem Cr$ 30.000,00 [trinta
mil cruzeiros] concorreriam às moradias e as demais ficariam como
suplentes” (OLIVEIRA JR.; ABIKO, op.cit. p. 4).
Além dos entraves organizacionais, a Associação contava com um
ambiente marcado por “disputas intensas entre diferentes esferas dos
governos Federal e Municipal pelo terreno” (FELTRAN, 2005, p. 119). Nesse
cenário, um dos conflitos que marcam a disputa pelo terreno se evidencia
pelo decreto-lei (nº 6843) no dia 1º/08/1992, pelo então prefeito, Francisco
Rossi. O decreto de desapropriação foi direcionado para uma área de
111.000 m² pertencente à COHAB-SP, a qual seria destinada à ampliação do
Projeto Canaã, de moradias populares, contíguo ao terreno desapropriado
(OLIVEIRA JR.; ABIKO, 2004).
A partir desse decreto, o processo de negociação da Associação junto
à COHAB se tornou nulo, e as decisões sobre o terreno ficaram a cargo da
Prefeitura de Osasco. Como reação, a Associação decidiu agir por meio de
diversas mobilizações, materializadas na forma de manifestações e atos
frente à Prefeitura de Osasco para exigir que o terreno fosse destinado à
implantação do conjunto, já em andamento (CERQUEIRA, 2016).
Para superar conflitos, o prefeito estabeleceu um acordo com a
Associação, com o compromisso de doar metade da área (aproximadamente
54mil m²) à entidade. Devido à diminuição da área, o projeto inicial teve que
ser readequado, reduzindo para 1.000 o número de unidades habitacionais
a serem construídos. Face à redução, a Associação remanejou as famílias
que não poderiam ser contempladas pelo projeto. Dessa forma, aquelas que
estavam em dia com os depósitos e com a documentação em ordem junto à
Associação foram escolhidas para fazer parte do novo projeto, enquanto as
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 131

demais foram encaminhadas para um terreno comprado pela Associação no


Jardim Baronesa, também em Osasco.
O breve histórico dessa conquista do terreno enseja “resultados
incrementais” (TATAGIBA; TEIXEIRA, 2015, p. 89). Esse raciocínio ratifica o
entendimento de que as perdas e ganhos dos movimentos ao longo de suas
trajetórias constituem pequenas batalhas de uma guerra, de modo que
assim “a relação entre os que fazem a política e os que a recebem são
constantes e interativas, também aceitamos que os resultados de um round
prévio afetam as etapas subsequentes” (TATAGIBA; TEIXEIRA, 2015, p. 89).
Dessa forma, “é uma luta profundamente desigual e os resultados do
movimento não podem ser lidos na chave de ‘vitória’ ou ‘derrota’
definitivas” (Idem, p. 89).
Com relação ao financiamento junto à Companhia de
Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), a Associação teve que dar
como garantia o terreno comprado no Jardim Baronesa, além de acatar as
exigências estabelecidas pela CDHU para os que pleiteavam uma unidade do
conjunto. Dentre essas condições, merecem destaque: a impossibilidade de
se possuir outros imóveis; estar na faixa salarial de 1 a 10 salários mínimos;
ter residência estabelecida há mais de um ano no município ou trabalho fixo
há dois anos; e ter constituído família, ou seja, pessoas individualmente não
seriam atendidas pelo programa (OLIVEIRA JR.; ABIKO, 2004).
Face à demora das tratativas com a CDHU, na segunda metade de
1992 “a Associação resolveu dar início às obras de oito edifícios (160
unidades habitacionais) com recursos próprios, ainda que não houvesse
dinheiro suficiente para terminar essa primeira etapa da obra” (CERQUEIRA,
2016, p. 85).
A partir desse momento, a dinâmica em canteiro de obras funcionou
através de uma dinâmica na qual os trabalhadores deveriam dedicar no
mínimo 16 horas de trabalhos semanais ao mutirão, cumpridas nos finais de
semana. Caso não pudessem cumprir tal dedicação, poderiam optar pela
participação no canteiro durante a semana ou indicar algum familiar com
idade superior a 16 anos para substituí-lo: “esta intensa dedicação por parte
dos mutirantes teve papel fundamental nos primeiros meses de canteiro do
COPROMO – marcados por enormes restrições financeiras” (CERQUEIRA,
2016, p. 91).
132

Apenas em 1994, momento em que os primeiros edifícios


construídos por meio do mutirão já estavam quase concluídos, foi liberada a
primeira parcela do financiamento da CDHU, referente a outros 160
apartamentos. Segundo o grupo USINA CTAH, a segunda parcela do
financiamento (referente aos 540 apartamentos restantes) foi liberada
somente em 1996. Em razão da demora do processo e das divergências
entre a Associação e CDHU, 300 famílias optaram pelo autofinanciamento,
constituindo o grupo que seria conhecido como “dos por conta”,
completando o montante de 1000 unidades que seriam finalizadas em 1998
(USINA, 2015).

3. O MUTIRÃO TESTADO NA PRÁTICA: PROJETO, CANTEIRO E OBRA

O conjunto COPROMO totalizou 1.000 unidades habitacionais


construídas, divididas em 50 edifícios de 5 andares com 4 apartamentos por
andar (Figura 1), e seu projeto arquitetônico é de autoria (coletiva) da
Assessoria Técnica USINA CTAH.

Figura 1 - Conjunto habitacional da COPROMO finalizado

Fonte: Disponível em: <http://www.usina-ctah.org.br/copromo.html>. Acesso em 06 fev. 2019.

A participação de profissionais de diversos campos de atuação nas


equipes de assessoria técnica – arquitetos urbanistas, psicólogos,
assistentes sociais, engenheiros – não se limitou à incorporação de suas
contribuições profissionais: na prática, se dava pela compreensão do
problema habitacional e da complexidade de se lidar com pessoas em
situação de vulnerabilidade. A compreensão do caráter multidimensional do
chamado “problema da moradia” tornava-se imprescindível para a
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 133

superação das demandas habitacionais, sendo a interdisciplinaridade a


condição preliminar para a formulação de soluções para essa carência
(CARVALHO, 2016).
Nesse contexto, a atenção e o cuidado ao trabalho eram redobrados.
Prezava-se tanto o conhecimento técnico do profissional envolvido na obra
quanto sua consciência social resultante de sua militância prática-cotidiana
(USINA, 2008). Nesse aspecto, Lopes (2018) ressalta que, como arquiteto
participante do grupo USINA CTAH, ele e seus colegas não se identificavam
somente com a pauta reivindicatória dos movimentos, mas também
alimentavam essa relação de proximidade, um imaginário de possibilidades:
“potencialidades transformadoras das práticas autonomistas atreladas...
estendendo os pressupostos de uma ‘gestão autônoma da vida’ para outros
âmbitos” (LOPES, 2018, p. 241).
Dessa forma, a mobilização e a dedicação da assessoria técnica
USINA CTAH conferiu fôlego e musculatura à experiência. Soma-se a isso a
capacidade de organização interna da própria Associação, que, a partir de
uma estrutura organizacional interna bem definida, conseguiu formar
setores administrativos nas áreas de (i) Recursos Humanos e organização de
escalas, (ii) setor de compras e controle financeiro (iii) atividades de suporte
ao canteiro de obras.
Com base nessa engrenagem, os resultados da mobilização da
COPROMO podem ser comparados ao que Tatagiba e Teixeira (2015)
observam como “modelo dos efeitos combinados” ou joint-effect model. O
pressuposto desse modelo é a combinação da capacidade de mobilização do
movimento social, com fatores contextuais, no caso, a presença de aliados
políticos e/ou a opinião pública favorável. Na abordagem desse modelo
teórico, o resultado da ação dos movimentos depende de variáveis internas
e externas, sustentando, dessa forma, duas hipóteses de análise: a primeira
refere-se ao condicionamento do impacto do movimento pela presença de
aliados poderosos na arena institucional e/ou frente à opinião pública; e a
segunda se refere à variação dos resultados obtidos (conquistas) em relação
à natureza das reivindicações, isto é, “quanto mais conflitivas as
reivindicações e mais centrais as áreas de política em jogo, menor a
probabilidade do movimento obter sucesso” (TATAGIBA; TEIXEIRA, 2015, p.
88).
134

No caso da COPROMO, enquanto as variáveis internas ao movimento


estavam relacionadas à sua estrutura organizativa bem delimitada e
estruturada, as variáveis externas diziam respeito a uma relação nada
amigável com a administração municipal na gestão do prefeito Francisco
Rossi (1989-1992), vinculado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Nesse
contexto, constituía-se um campo de embates entre os interesses do
movimento e a postura da administração pública municipal, tendo origem
nas negociações iniciais de titularidade do terreno destinado à construção
futura do conjunto. Após a conquista do terreno e consequente partilha da
área com a Prefeitura de Osasco, a relação não se tornou menos conflituosa,
havendo até uso da força policial para reprimir o movimento em
determinados momentos.
Nesse cenário conflitivo, a mudança de gestão municipal se revelou
positivamente importante para o avanço do movimento. Com a gestão de
Celso Giglio (1993-1996), também vinculado ao PTB, houve novo
posicionamento: Giglio se mostrou mais aberto ao diálogo e foi
precisamente a partir de sua gestão, em 1994, que a Associação se tornou
proprietária do terreno do Jd. Piratininga.
Além de Giglio, a COPROMO contava com importantes aliados em
nível local, como o vereador “Didi”, que atuou como o catalizador da
mobilização da Associação Pró Moradia de Osasco, por meio de sua atuação
em duas frentes: como forte figura de liderança para o movimento e como
elo necessário para a obtenção do apoio de outras lideranças políticas no
plano institucional.
O resultado da articulação do movimento ganhou expressão já no
início da elaboração do projeto arquitetônico. Nesse momento,
apresentavam-se duas possibilidades para a Associação: (i) a adoção de
tipologias pré-concebidas pelo órgão financiador (CDHU), que concedia aos
movimentos a escolha da tipologia de interesse, caso em que não havia
possibilidade de alteração do projeto; ou (ii) a aquisição de projetos por
meio de Assessorias Técnicas especializadas (NAKASHIGUE, 2008) – opção
esta adotada pela COPROMO.
A liberdade na escolha de tipologia arquitetônica própria, por sua
vez, indicou afinidade com os preceitos autogestionários do “Programa de
Mutirão UMM”. Dessa forma, ficou a cargo da equipe USINA CTAH o
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 135

desenho arquitetônico do conjunto: pensado a partir da planta da unidade


habitacional, além de servir às demandas das próprias famílias envolvidas no
processo, foi influenciado pela escolha do sistema construtivo (alvenaria de
blocos estruturais cerâmicos) e pela lógica de produção que exigia a
simplificação e à padronização de elementos construtivos e soluções
adotadas (USINA, 2015).
37
Conforme Benincasa , foi apresentada e aceita a proposta da
38
“planta tipo” . Os demais aspectos arquitetônicos se desdobrariam a partir
dessa base, como a circulação e a cobertura. Evidencia-se sua dimensão
maior, e composição projetual que estabeleceu um módulo baseado em um
quadrado formado por um conjunto de 5 por 5 blocos cerâmicos, medindo
1,25m x 1,25m.: “a partir dele, definiram uma planta formada por quatro
grandes quadrados – compostos por nove módulos cada um – articulados
em torno de módulo central destinado à circulação” (USINA, 2015, p. 242).
O quadrado de medida 3,75m por 3,75m corresponde à sala; outros dois
corresponderiam aos dormitórios, e o último corresponderia à área
molhada, resultando em um apartamento com 54m² de área útil (USINA,
2015).
A planta da COPROMO (Figura 2) destacou-se das demais tipologias
de conjuntos habitacionais produzidos por mutirão, pois contava com uma
das maiores áreas úteis construídas, com espaços internos generosos e
cozinha ampla maior que o modelo convencional (NAKASHIGUE, 2008).
Enquanto a área construída do conjunto COPROMO é de 72,69m² e
cada unidade conta com uma área útil de 54m² (NAKASHIGUE, 2008, p. 53),
a média das áreas encontradas a partir da análise de 16 tipologias distintas
fornecidas pela CDHU no ano de 1999 era da ordem de 41m² de área útil.
Assim como as vantagens obtidas a partir do aumento de área útil de
cada uma das unidades habitacionais, os materiais empregados foram
superiores em qualidade em relação aos empregados nos modelos
convencionais da CDHU. Em síntese, as características mencionadas

37
Entrevista de Vladimir Benincasa (arquiteto urbanista vinculado à USINA CTAH), depoimento
em 12 mar. 2019.
38
Pavimento tipo (ou pavimento padrão) consiste em um ou mais pavimentos que se repetem
na planta de um edifício. Definição disponível em: <https://www.ecivilnet.com/dicionario/o-
que-e-pavimento-tipo.html>. Acesso em: 08 jul. 2019.
136

tornaram esse empreendimento urbanisticamente original e de qualidade


arquitetônica indiscutivelmente superior aos padrões convencionais de
habitação social.

Figura 2 - Croqui planta do conjunto COPROMO

Fonte: Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/767128/usina-25-anos-


copromo>. Acesso em: 19 ago. 2019.

Quanto à experiência do canteiro de obras, após decididos os


parâmetros principais do projeto, vieram à tona os desafios iniciais da
assessoria técnica USINA CTAH: apresentar as propostas projetuais aos
mutirantes e traçar uma dinâmica dentro do canteiro de obras que
respeitasse as limitações desses mesmos personagens.
Dessa forma, até 1994, a USINA CTAH participou diretamente do
canteiro de obras a partir da organização de “grupos de tarefas”, que
abordavam os setores de (i) alvenaria, (ii) ferragens, (iii) concretagem, (iv)
elétrica, (v) hidráulica, (vi) carpintaria e (vii) fundações. Dentre essas
categorias formavam-se várias equipes de trabalhadores que respeitavam o
esquema já adotado antes em se identificar as equipes pela diferenciação de
cores dos capacetes. Tais grupos eram comandados pelos que já estavam
familiarizados com o canteiro de obras por meio de experiência profissional.
Contudo, a troca de assessoria técnica e o crescimento gradativo dos
serviços de construção civil contratados pelo movimento acabaram por
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 137

alterar a dinâmica inicial em canteiro (CERQUEIRA, 2016). Nesse cenário,


Vladimir Benincasa sugere que a proporcionalidade entre as participações
dos profissionais da construção civil e dos mutirantes na obra se deu na
proporção de 60% e 40%, respectivamente, indicando que ainda dentro do
39
canteiro o mutirão foi suplantado pela construção civil convencional.
Ao analisar essa inflexão, já é possível observar que as ideias
preconizadas pelo mutirão autogestionário passaram a encontrar diversas
contradições e percalços na experiência concreta.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência COPROMO tem seu êxito associado a fatores que


incluem sua sólida estrutura organizativa, o engajamento da assessoria
técnica e o apoio de lideranças políticas fortes. A entidade também manteve
alto grau de independência no trabalho de sua diretoria com a assessoria
técnica e tornou possível a organização dos grupos de trabalho e das
atividades complementares ao canteiro de obras. Essa experimentação foi
participativa e acentuou o protagonismo dos mutirantes.
A conquista de melhorias qualitativas no processo de trabalho se deu
por meio de definições coletivas entre os participantes. Contudo, o poder de
decisão da assessoria técnica USINA CTAH ainda assim se manteve central, e
nela se concentraram as responsabilidades de elaboração do desenho
projetual e de gestão da obra.
Destaque-se também que o mutirão conferiu um padrão habitacional
bastante superior ao convencional, mas não se pode generalizar uma
observação empírica particular e inferir que exista uma relação de
determinação entre modelo e resultado, pois há que se considerar múltiplas
variáveis (capacidade gerencial, assessoria técnica, infraestrutura) que se
relacionam diretamente com um cenário complexo e repleto de imposições
político-institucionais.

39
Não se trata obviamente de um cálculo matemático pautado por critérios métricos rígidos,
mas de uma estimativa crível por ser o testemunho de um profissional que participou
diretamente do processo desde a fase projetual até seus desdobramentos no canteiro de obras.
138

Tais observações contrariam a tendência de estudos que são quase


induzidos a acatar um dos lados do debate: exaltar o mutirão como prática
ideal no canteiro de obras, invocando a emancipação popular por meio de
novas formas organizativas ou, diversamente, refutar categoricamente uma
prática que explora as camadas populares ao depositar nos mutirantes a
responsabilidade de produzir suas próprias moradias. Tal dicotomia precisa
ser repensada e as perspectivas de análise podem ser mais amplas do que a
rigidez teórica poderia indicar.
Essa disputa interpretativa pouco importa para os protagonistas:
mutirantes ou beneficiários. Para esses personagens, o objetivo final foi e
será a obtenção da casa própria e, em muitos casos, a adoção das
ferramentas mais simples para se atingir esse objetivo final se mostram mais
atraentes, sejam elas quais forem. Esse entendimento confirma-se na
medida em que muitos movimentos que anteriormente adotavam as
premissas do mutirão atualmente passaram a adotar modalidades
vinculadas ao processo construtivo convencional, uma vez que as
modalidades de “empreitada” ensejam períodos construtivos mais curtos.
Embora alguns movimentos ainda mantenham a bandeira do mutirão
autogestionário, essa prática deixou de ser reivindicada com tanta ênfase no
período contemporâneo. Tal mudança está obviamente associada aos
modelos institucionais adotados pelas agências e programas
governamentais; este é o caso da CDHU, que assumiu a produção em massa
de habitações, inseridas nas modalidades de “empreitada global” e
“chamamento empresarial” em detrimento do mutirão; ou ainda, mais
recentemente, da modalidade “Entidades” do Programa Minha Casa Minha
vida, que admite dois tipos: “Administração Direta” (mutirão) ou
“Empreitada Global”.
A experiência do mutirão autogestionário da COPROMO
proporcionou ao mutirante a possibilidade de organização autogerida. A
partir da atuação conjunta de parceiros políticos e de uma assessoria técnica
que respeitou a autonomia do movimento, foi possível reconhecer a voz
ativa da Associação na tomada de decisões. Contudo, como análise crítica da
mão-de-obra mutirante na construção civil, sua adoção implica grandes
sacrifícios pessoais, processos longos, árduos e desgastantes.
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 139

De todo modo, a dimensão pedagógica do mutirão (para além de sua


primazia no processo construtivo) e suas conquistas objetivas (a construção
de 1.000 unidades) se destacam como os principais méritos dessa
experiência, cujo alcance se revelou circunscrito.

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Cidade e o Planejamento da Paisagem - 141

ÍNDICE REMISSIVO

dimensões humanas, 33
A direitos sociais, 121, 122, 123, 124
diversidade ambiental, 26
agronegócio, 98, 99, 100, 101, 108,
110, 115
E
águas pluviais, 69, 70, 73
autogestão, 139, 140, 151 ecologia, 12, 13, 20, 52, 53, 54, 55,
56, 68, 71, 73, 74
B economia urbana, 31
ecossistemas interativos, 55
bem-estar social, 10, 119, 120, 122, equilíbrio ecológico, 12, 59
123, 124, 125, 129, 130, 131, 132, equipamentos urbanos, 78, 79, 80,
133 84
biodiversidade, 28, 51, 59, 60, 73, 75 escala urbana, 25, 79
espaço urbano, 6, 19, 30, 32, 33, 35,
C 41, 46, 48, 120, 127, 128, 131, 132
espaços naturais, 22
cenário conflitivo, 145 estratégia ambiental, 12, 20, 21, 22
centros urbanos, 13, 77, 82, 102 estrutura ecológica, 27, 28, 53, 56,
cidade contemporânea, 9, 10, 28, 78, 57, 64, 67, 68, 74, 75
120, 126, 129 estrutura urbana, 79, 81, 86
cidade-jardim, 28, 83 expansão centrípeta, 84
conectividade, 23, 24, 53, 56 expansão das cidades, 51
conexão ambiental, 66 expansão territorial, 82
conflitos urbanos, 116 expansão urbana, 15, 23, 27, 63, 64,
conurbação, 85, 137 83, 84, 91, 93, 94, 113
crescimento urbano, 40, 74, 81, 83, exploração turística, 14
84, 92

F
D
fluxos ecológicos, 23, 24, 26
déficit habitacional, 130, 138 formações urbanas, 29
desenvolvimento sustentável, 9, 52, fragmentos florestais, 58, 59, 63
53, 54, 57, 64, 67, 68, 74 fragmentos peninsulares, 59
desenvolvimento territorial, 10, 97
desigualdade, 126
142

I patrimônio cultural, 10
planejamento, 6, 9, 10, 12, 20, 23, 26,
infraestrutura ecológica, 27, 57 30, 31, 32, 41, 52, 53, 54, 55, 56,
infraestrutura verde, 12, 56, 68, 71, 57, 64, 66, 67, 71, 73, 74, 102,
72, 74, 76 104, 114
investimento imobiliário, 80 planejamento ambiental, 52, 54
planejamento da paisagem, 67
M planejamento urbano, 55
poder público, 63, 93, 97, 102, 107,
malha urbana, 22, 59, 74 112, 113, 114, 115, 116, 140
mancha urbana, 15, 16, 77, 78, 79, política nacional, 98, 117
81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 89, 90, potenciais naturais, 18
91, 92, 93 potencial construtivo, 23
manchas, 14, 55, 57, 58, 59, 60, 64, preservação, 23, 27, 52, 60, 61, 63,
67, 68, 70, 74, 79, 80 64, 65, 67, 71, 73, 74, 75
meio urbano, 31, 128 processo de ocupação, 13, 14, 15, 63,
mercado imobiliário, 15, 17, 83, 88, 71, 98
89 processos ecológicos da paisagem, 57
modelo Meritocrático, 124 Projetar com a Natureza, 27
morfologia urbana, 29

R
N
recursos ambientais, 14
natureza, 11, 13, 20, 27, 31, 43, 44, recursos ecológicos, 13
46, 47, 49, 54, 117, 136, 144 remanescentes florestais, 23, 60, 63,
novas centralidades, 9, 24, 77, 79, 80, 70
81, 82, 84, 86, 87, 88, 89, 90, 91,
92, 93, 94, 95
S
novas espacialidades, 20
núcleo urbano, 37, 109, 111, 114 serviços públicos, 115, 120, 125, 126,
138
P
T
paisagem, 6, 9, 10, 12, 14, 16, 17, 20,
22, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31, tecido urbano, 18, 21, 22, 24, 27, 37,
32, 33, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 43, 89, 94
46, 47, 48, 52, 53, 54, 55, 56, 57, território, 6, 9, 10, 13, 14, 15, 16, 17,
58, 59, 60, 61, 63, 67, 68, 71, 73, 26, 27, 31, 32, 37, 43, 44, 51, 52,
74, 76, 79, 80, 89, 90, 91, 94 53, 56, 61, 66, 67, 68, 69, 70, 71,
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 143

74, 78, 80, 82, 84, 85, 91, 92, 94, V


95, 98, 99, 100, 102, 104, 105,
110, 117, 128, 130, 133, 138 vida comunitária, 10
transformações urbanas, 19
transportes sustentáveis, 41
144
Cidade e o Planejamento da Paisagem - 145

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