Você está na página 1de 133

Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 1

Organizadoras
Geise Brizotti Pasquotto
Jeane Aparecida Rombi de Godoy
Sandra Medina Benini

1ª Edição

ANAP
Tupã/SP
2021
2

EDITORA ANAP
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
www.editoraanap.org.br
editora@amigosdanatureza.org.br

Revisão Ortográfica - Smirna Cavalheiro

Ficha Catalográfica

P284m Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea / Geise Brizotti


Pasquotto, Jeane Aparecida Rombi de Godoy e Sandra Medina Benini
(orgs). 1. ed. – Tupã: ANAP, 2021.
131 p; il.; 14.8 x 21cm

Requisitos do Sistema: Adobe Acrobat Reader


ISBN 978-65-86753-46-2

1. Cidade Contemporânea 2. Planejamento 3. Gestão


I. Título.

CDD: 710
CDU: 710/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Planejamento Urbano
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 3

Conselho Editorial

Diretoria Executiva da Editora

Profa. Dra. Sandra Medina Benini


Profa. Dra. Leonice Seolin Dias
Prof. Dr. Ricardo Miranda dos Santos
Prof. Ms. Allan Leon Casemiro da Silva

Comissão Científica - 2021 a 2024

Profa. Dra. Alba Regina Azevedo Arana – UNOESTE


Prof. Dr. Alessandro dos Santos Pin – Unicerrado
Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva – IFAC - AC
Prof. Dr. Alexandre Gonçalves – Centro Universitário IMEPAC
Prof. Dr. Alexandre Sylvio Vieira da Costa – UFVJM
Prof. Dr. Alfredo Zenen Dominguez Gonzalez – UNEMAT
Profa. Dra. Alzilene Ferreira da Silva – UFRN
Profa. Dra. Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão – UFPA
Profa. Dra. Ana Paula Branco do Nascimento – USJT
Profa. Dra. Ana Paula Novais Pires Koga – UFCAT
Profa. Dra. Andréa Aparecida Zacharias – UNESP - Câmpus de Ourinhos
Profa. Dra. Andréa Holz Pfützenreuter – UFSC
Prof. Dr. Antonio Carlos Pries Devide – APTA/SP
Prof. Dr. Antonio Cezar Leal – FCT/UNESP - Câmpus de Presidente Prudente
Prof. Dr. Antonio Fábio Sabbá Guimarães Vieira – UFAM
Prof. Dr. Antonio Pasqualetto – PUC - GO
Prof. Dr. Antonio Soukef Júnior – UNIVAG
Profa. Dra. Arlete Maria Francisco – FCT/UNESP - Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Bruna Angela Branchi – PUC Campinas
Prof. Dr. Carlos Andrés Hernández Arriagada – UPM - SP
Prof. Dr. Carlos Eduardo Fortes Gonzalez – UTFPR
Profa. Dra. Cássia Maria Bonifácio – UEM
Prof. Dr. Celso Maran de Oliveira – UFSCar
Prof. Dr. César Gustavo da Rocha Lima – UNESP - Câmpus de Ilha Solteira
Profa. Dra. Cibele Roberta Sugahara – PUC - Campinas
Prof. Dr. Claudiomir Silva Santos – IFSULDEMINAS
Prof. Dr. Daniel Richard Sant'Ana – UnB - Câmpus Darcy Ribeiro
Profa. Dra. Daniela Polizeli Traficante – FCA/UNESP/Botucatu
Profa. Dra. Danila Fernanda Rodrigues Frias – Universidade Brasil
Prof. Dr. Darllan Collins da Cunha e Silva – UNESP- Câmpus de Sorocaba
Profa. Dra. Dayse Marinho Martins - IEMA
Profa. Dra. Edilene Mayumi Murashita Takenaka – FATEC/PP
Prof. Dr. Edson Leite Ribeiro – Ministério do Desenvolvimento Regional - MDR
Prof. Dr. Eduardo Salinas Chávez – UFMS – Câmpus de Três Lagoas
Prof. Dr. Eduardo Vignoto Fernandes – UFJ - GO
Profa. Dra. Eleana Patta Flain – UFMS – Câmpus de Naviraí
Profa. Dra. Eliana Corrêa Aguirre de Mattos
Profa. Dra. Eloisa Carvalho de Araujo – PPGAU/ EAU/UFF
4

Prof. Dr. Erich Kellner – UFSCar


Profa. Dra. Eva Faustino da Fonseca de Moura Barbosa – UEMS – Câmpus de Campo Grande
Prof. Dr. Fernando Sergio Okimoto – FCT- Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Flavia Rebelo Mochel – UFMA
Prof. Dr. Frederico Braida – UFJF
Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai – UFSCar
Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora vidrih Ferreira – UEMS
Prof. Dr. Gilivã Antonio Fridrich – UNC
Prof. Dr. Joao Adalberto Campato Jr – Universidade Brasil
Prof. Dr. João Candido André da Silva Neto – UFAM
Prof. Dr. João Carlos Nucci – UFPR
Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra – UFFS
Prof. Dr. José Mariano Caccia Gouveia – FCT- Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Josinês Barbosa Rabelo - Centro Universitário Tabosa de Almeida (ASCES -UNITA)
Profa. Dra. Jovanka Baracuhy Cavalcanti – UFPB
Profa. Dra. Juliana de Oliveira Vicentini – USP – Câmpus de Piracicaba
Profa. Dra. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro -Universidade BRASIL
Profa. Dra. Karin Schwabe Meneguetti – UEM
Prof. Dr. Kleso Silva Franco Junior
Prof. Dra. Larissa Fernanda Vieira Martins
Prof. Dr. Leandro Gaffo – UFSB
Profa. Dra. Leda Correia Pedro Miyazaki – UFU
Profa. Dra. Leonice Domingos dos Santos Cintra Lima – Universidade Brasil
Profa. Dra. Ligiane Aparecida Florentino – UNIFENAS
Profa. Dra. Luciane Lobato Sobral – UEPA
Prof. Dr. Luiz Fernando Gouvea e Silva – UFJ - GO
Prof. Dr. Marcelo Campos – FCE/UNESP – Câmpus de Tupã
Prof. Dr. Marcelo Real Prado – UTFPR
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes
Prof. Dr. Marcos de Oliveira Valin Jr – IFMT – Câmpus de Cuiabá
Profa. Dra. Maria Angela Dias - FAU/UFRJ
Profa. Dra. Maria Augusta Justi Pisani – UPM - SP
Profa. Dra. Martha Priscila Bezerra Pereira – UFCG - PB
Profa. Dra. Nádia Vicência do Nascimento Martins – UEPA
Prof. Dr. Natalino Perovano Filho – UESB - BH
Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA
Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha – Professor – FCT/UNESP – Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Rachel Lopes Queiroz Chacur – UNIFESP
Profa. Dra. Renata Franceschet Goettems – UFFS
Profa. Dra. Renata Morandi Lóra
Profa. Dra. Renata Ribeiro de Araújo – FCT/UNESP – Câmpus de Presidente Prudente
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino – UFRGS
Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara – UFSCar
Profa. Dra. Rita Denize de Oliveira – UFPA
Prof. Dr. Rodrigo Barchi - Universidade Ibirapuera (UNIB)
Prof. Dr. Ronald Fernando Albuquerque Vasconcelos – UFPE
Profa. Dra. Roselene Maria Schneider – UFMT – Câmpus de Sinop
Profa. Dra. Rosío Fernández Baca Salcedo – UNESP – Câmpus de Bauru
Prof. Dr. Salvador Carpi Junior – UNICAMP
Profa. Dra. Sandra Mara Alves da Silva Neves – UNEMAT – Câmpus de Cáceres
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 5

Prof. Dr. Sérgio Luís de Carvalho – UNESP – Câmpus de Ilha Solteira


Profa. Dra. Thais Guarda Prado Avancini
Profa. Dra. Vera Lúcia Freitas Marinho – UEMS – Câmpus de Campo Grande
Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto – UNESP – Câmpus de Dracena
Prof. Dr. Wagner de Souza Rezende – UFG
Profa. Dra. Yanayne Benetti Barbosa
6
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 7

SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .............................................................................. 09
Geise Brizotti Pasquotto

Capítulo 1 ......................................................................................... 11
O CONCEITO DE INTELIGÊNCIA APLICADO ÀS CIDADES
Luciane Cleonice Durante
Raquel Naves Blumenschein
Ivan Julio Apolonio Callejas
Carol Cardoso de Moura Cordeiro

Capítulo 2 ......................................................................................... 35
CIDADE RESILIENTE, POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA E A
MOBILIDADE URBANA NO ESTADO DE SÃO PAULO
Geise Brizotti Pasquotto

Capítulo 3 ......................................................................................... 47
ESPAÇOS RESIDUAIS E O SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES:
CONTRIBUIÇÕES AO PLANEJAMENTO URBANO
Eloisa Carvalho de Araujo
Karina Martins de Souza
Jefferson Tomaz de Araújo

Capítulo 4 ....................................................................................... 67
FORMA URBANA E O DESTINO DA CIDADE: ESTUDO
COMPARATIVO ENTRE PRESIDENTE PRUDENTE E
PRESIDENTE VENCESLAU, SÃO PAULO, BRASIL
Arlete Maria Francisco

Capítulo 5 ........................................................................................ 87
8

CARACTERIZAÇÃO DA MOBILIDADE DE ESTUDANTES DA


ETEC DE PALMITAL/SP
Fabio Albert Basso
Renata Cardoso Magagnin

Capítulo 6 ........................................................................................ 113


INSTRUMENTOS DE LEGISLAÇÃO COMO ELEMENTOS
FUNDAMENTAIS PARA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO DE CÁCERES/MT
Luciana Palaes Mascaro
Gisele Carignani
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 9

APRESENTAÇÃO

O livro Múltiplos olhares sobre a Cidade Contemporânea busca refletir


sobre questões atuais urbanas e sobre o futuro dos municípios brasileiros. O
livro estrutura-se em duas partes: a primeira possui uma análise em escala
estadual e nacional, procurando avaliar questões relacionadas à gestão e
governança das cidades, ao clima e formas de mobilidade contemporânea e
aos espaços residuais frutos do planejamento ou da falta dele nas cidades
brasileiras. Na segunda parte, em um rebaixamento de escala, é possível
verificar as análises urbanas em cidades específicas, como Palmital, Presidente
Prudente, Presidente Venceslau e Cáceres.
O primeiro capítulo buscou identificar eixos temáticos adotados em
publicações científicas para quantificar, analisar e discutir sobre as “Cidades
Inteligentes”. Desta maneira, foram abordadas questões relacionadas à
tecnologia na governança das cidades e no sistema de transporte. Foi possível
identificar também que os desafios para a cidade do futuro passam não só pelo
domínio tecnológico e obtenção de recursos a ele destinados, mas exigem,
antecipadamente, mudanças estruturantes no modelo de gestão dos serviços
públicos municipais.
Complementando a discussão sobre governança e mobilidade na cidade
contemporânea, o segundo capítulo aborda a questão da cidade resiliente,
mais especificamente em relação à poluição e aos modais de transporte. No
ensaio, é possível refletir sobre o ciclo do sistema e como alguns modelos para
o futuro das cidades podem gerar fragilidades em outros setores.
O terceiro capítulo, que finaliza a primeira parte do livro, objetiva
explorar de maneira crítica os processos que resultam em espaços residuais,
bem como as dinâmicas urbanas brasileiras que os apresentam como espaços
dotados de novas possibilidades nas cidades. A pesquisa apoia-se numa
metodologia qualitativa de revisão bibliográfica a partir de dados secundários
e propõe uma discussão teórico-conceitual da realidade urbana brasileira.
A segunda parte do livro aborda estudos de caso nas cidades brasileiras.
Desta forma, o quarto capítulo concentra-se nos estudos das áreas centrais de
duas cidades do oeste paulista: Presidente Prudente e Presidente Venceslau. O
artigo apresenta uma análise da forma urbana a partir de alguns critérios de
10

urbanidade, tais como: acessibilidade, densidade, continuidade e diversidade.


Independente dos processos das duas cidades, o artigo relata a importância da
diversidade de usos na cidade contemporânea, da necessidade de pensar o
planejamento da habitação de interesse social nas áreas centrais e da
mobilidade urbana. Outro ponto a ser destacado é o potencial das áreas
ferroviárias para o incremento do sistema de espaços livres (SEL) públicos.
No quinto capítulo a pesquisa busca identificar uma lacuna de estudos
que envolvem a caracterização dos deslocamentos de estudantes de cursos
técnicos no Brasil, especificamente na Escola Técnica Estadual (ETEC) Mário
Antônio Verza, localizada na cidade de Palmital (SP/Brasil). São analisados
dados sobre os deslocamentos e modos de transportes utilizados pelos
estudantes dos cursos do ensino médio ETIM e Curso Técnico. Os resultados
podem auxiliar os gestores públicos na tomada de decisão para melhorar a
mobilidade urbana no entorno desta ETEC, assim como propor políticas
públicas de incentivo à utilização de modos de transporte ativos e mais
sustentáveis.
Por fim, o sexto capítulo apresenta uma análise sobre os instrumentos
de legislação na cidade de Cáceres, no Estado de Mato Grosso. O artigo busca
expor a importância de tais ferramentais e a ineficiência e desarticulação de
algumas ações que dificultam a preservação do patrimônio arquitetônico.
Esses trabalhos tornam o livro material de consulta obrigatória para
todos aqueles que se dedicam ao estudo do urbanismo. Em um momento
crítico para a pesquisa e para as políticas urbanas, tais publicações se mostram
consoantes com a intenção de fomentar o conhecimento científico e cooperar
com o diálogo acadêmico na direção da promoção de políticas urbanas cada
vez mais justas e inclusivas.

Geise Brizotti Pasquotto1

1Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UNESP, mestra em Arquitetura e Construção pela


UNICAMP e doutora em Planejamento Urbano e Regional pela USP. E-mail: geisebp@gmail.com
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 11

Capítulo 1

O CONCEITO DE INTELIGÊNCIA APLICADO ÀS CIDADES

Luciane Cleonice Durante2


Raquel Naves Blumenschein3
Ivan Julio Apolonio Callejas 4
Carol Cardoso de Moura Cordeiro5

INTRODUÇÃO

Atualmente, 55% da população mundial vive em áreas urbanas e


projeções sugerem que, com o deslocamento gradual de pessoas da zona rural
para as cidades, esse percentual alcance 68%, em 2050 (ONU, 2018). O
fenômeno também é observado no Brasil, onde, conforme dados de PNAD
(2015), 84,72% da população é urbana.
Esse processo de urbanização está diretamente relacionado à elevação
da densidade populacional, concentração de atividades e produção
econômica. À medida que esta ocorre sem planejamento adequado, torna-se
um desafio atender às demandas de emprego, educação e assistência à saúde,
habitação, transporte e outras infraestruturas, remetendo a consequências
como crescimento desordenado, congestionamentos, poluição e desigualdade
social, que tendem a comprometer o funcionamento dos grandes polos e a
qualidade de vida da população (NEIROTTI et al., 2014; ROSAS et al., 2019). Em
contrapartida, esses polos são beneficiados por economia de larga escala e
diversidades na prestação de serviços (LI; BATTY; GOODCHILD, 2020).
Nesse contexto, o avanço das telecomunicações e compartilhamento de
informações podem contribuir significativamente para garantir gerenciamento
e operações bem-sucedidas da vida urbana (TOH et al., 2020). Nascimento,
Souza e Serralvo (2019) pontuam a transformação do modo de viver após as

2 Doutora, Docente da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail:


luciane.durante@hotmail.com
3 Doutora, Docente da Universidade de Brasília. E-mail: raquelblum@terra.com.br
4
Doutor, Docente da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: ivancallejas1973@gmail.com
5 Mestre, pesquisadora associada na Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail:

carolcardoso.eng@gmail.com
12

tecnologias digitais como nuvem de dados, internet das coisas, robótica


avançada, big data e inteligência artificial, dentre outras, que estão
influenciando as relações e a economia da sociedade urbana.
Sob essa ótica, passou-se a utilizar tecnologias da informação e
comunicação (TIC) como ferramenta de gestão nos centros urbanos, apoiando
o progresso socioeconômico não apenas do ponto de vista de tecnologia de
ponta, vinculando pessoas, dados e componentes, mas aliada aos pilares da
sustentabilidade (BATTY et al., 2012; SANTOS, 2016; WEISS, 2018).
As TICs devem, então, fornecer serviços interoperáveis, conectados às
diferentes organizações, que concatenem os processos do poder público,
cidadãos e empresas (WEISS; BERNARDES; CONSONI, 2017), os quais são
possíveis na atualidade pela proliferação em larga escala de dispositivos
computacionais com acesso à internet e softwares. A existência de rede WiFi,
por exemplo, é uma tecnologia que permite acesso remoto para uso de
internet que, por não depender de fios, oferece flexibilidade e mobilidade para
usuários e é usada como fonte valiosa para coleta de dados de consumidores
em tempo real, mapeamento da população, análise de movimento humano e
controle de dispositivos (LI; BATTY; GOODCHILD, 2020).
A depender da realidade onde as TICs se inseriram, as cidades passaram
a receber denominações não muito claras na literatura científica e técnica,
como cidades resilientes, sustentáveis, inteligentes e criativas. Apesar de
assumirem definições semelhantes, e muitas vezes utilizadas de forma
intercambiável, podem ser observadas algumas características em destaque:
as Cidades Resilientes utilizam tecnologias de monitoramento para antecipar e
mitigar desastres naturais e eventos catastróficos, com rápidas estratégias
para reconstrução e reestabelecimento após eventos adversos; as Cidades
Sustentáveis, por sua vez, realizam políticas públicas e práticas eficientes com
ênfase no desenvolvimento sustentável, utilizando o retrofit como ferramenta
para a modernização e adaptações tecnológicas; as Cidades Criativas se
apropriam do fator criatividade aliado à tecnologia para o desenvolvimento
urbano sustentável (SEBRAE, 2019); já as Cidades Inteligentes possibilitam a
automação de sistemas citadinos, monitorando e analisando dados para
promover melhoria de gestão em tempo real (BATTY et al., 2012; INGWERSEN;
SERRANO-LÓPEZ, 2018), associadas a cidadãos altamente qualificados e
informados (SANTOS, 2016, p. 403).
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 13

Cidades são sistemas complexos, retratos da simbiose entre cidadãos


interconectados, modos de transporte, redes de comunicação, serviços e
utilidades (NEIROTTI, 2014). Isto posto, Weiss (2017, p. 792) afirma que a
concetividade “[...] deve estar fortemente associada às suas habilidades de
transformar necessidades e obrigações em sistemas de informação robustos,
integrados, escaláveis e resilientes, utilizando, para tanto, os constantes
avanços promovidos pela indústria de TICs”.
Mundialmente, cidades começaram a buscar soluções que permitissem
incluir tais recursos tecnológicos e operacionais, suscitando efeitos positivos
no longo prazo em suas economias, postos como elementos-chave para o
crescimento estruturado. Harrison e Donnelly (2011) remontam o movimento
Smart Growth, final da década de 1990, como possível origem para o termo
Smart Cities (Cidades Inteligentes), que passou, em 2005, a ser utilizado por
diversas empresas de tecnologia para aplicar sistemas de informação na
operação de infraestrutura e serviços urbanos. Desde então, o termo Cidades
Inteligentes tem evoluído, bem como a realização de pesquisas na área que,
segundo Ingwersen e Serrano-López (2018), teve crescimento exponencial a
partir de 2008.
No entanto, o conceito de Cidades Inteligentes é difuso, com diversas
abordagens (RUHLANDT, 2018). No início do século XXI, Hall (2000) definiu
como um centro urbano do futuro, onde existe monitoramento e integração
entre as infraestruturas críticas, otimizando e planejando a maximização de
serviços aos cidadãos. Dez anos após, Harrison e Donnelly (2011) definiram
Cidades Inteligentes como um conjunto de instrumentos interconectados e
inteligentes, unindo infraestrutura física, de tecnologia de informação, social e
comercial para aumentar a eficiência operacional e qualidade de vida da
população.
Em publicações mais recentes, Lacinák e Ristvej (2017) ampliam o
conceito, afirmando que as Cidades Inteligentes integram a tecnologia e o
ambiente urbano, visando ao desenvolvimento sustentável, segurança,
qualidade de vida e saúde das comunidades, com base na implementação de
inteligência em diversos setores. Volkov (2018) traduz Cidades Inteligentes
como Convergent Socio-Cyber-Physical Complex, que se trata de um conjunto
finito de sistemas de convergência abertos, que torna uma cidade otimamente
flexível para o ser humano e sociedade.
14

Já Weiss (2017, p. 792) define cidade inteligente como um ambiente


onde as TICs atuam na transformação da “[...] organização, aprendizagem,
gerenciamento da infraestrutura e prestação de serviços públicos,
promovendo práticas de gestão urbana mais eficientes em benefício dos atores
sociais, resguardadas suas vocações históricas e características culturais”. Esses
últimos dois conceitos são importantes, pois assim respeita-se a vocação de
cada cidade.
Apesar da diversidade de conceitos e atributos descritivos, há a
concordância sobre o fato de Cidades Inteligentes se caracterizarem pelo uso
generalizado das TICs para contribuir com as relações que nela se estabelecem.
Não obstante, o conceito de Cidade Inteligente não é limitado à tecnologia, que
por si só não é suficiente para solucionar o viés da sociedade (CARAGLIU; BO;
NIJKAMP, 2011; WEISS, 2017). Nesse sentido, Neirotti et al. (2014) alertam que
as TICs se constituem em recursos para potencializar melhorias
sustentabilidade econômica, social e ambiental. Porém, a implantação de TICs
por si só não garante melhores condições para se viver. Conforme Zheng et al.
(2020, p. 40), “deve-se enfatizar que a inovação orientada para as TICs é apenas
a ferramenta para fornecer melhores serviços e garantir um futuro mais
sustentável para os cidadãos, não um fim” (tradução nossa).
Pode-se concluir, assim como Batty et al. (2012), que as cidades então
só podem ser inteligentes se as suas funções de inteligência integrarem e
sintetizarem dados que permitam monitorar, entender, analisar e planejar a
cidade para melhorar a eficiência, a equidade e a qualidade de vida de seus
cidadãos em tempo real. Seu objetivo comum pode ser estimular o
crescimento econômico e o desenvolvimento social, facilitado pelo diálogo
colaborativo e inovações em tecnologia (SARMA; SUNNY, 2017).
Diante desse cenário, adota-se neste texto, o conceito de Cidade
Inteligente como sendo aquela que utiliza a TIC para governança dos espaços
e serviços no meio urbano, abrangendo transporte urbano e interurbano
automatizado, de fluxo inteligente e conforme demanda, energia limpa,
planejamento urbano (estradas, construção civil, infraestrutura, parques),
edifícios residenciais e comerciais e sociedade instruída (INGWERSEN;
SERRANO-LÓPEZ, 2018).
A partir da constatação de que existe atualmente elevada produção
científica sobre o tema Cidades Inteligentes, este artigo tem o objetivo de
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 15

elaborar um estudo sistemático para identificar os eixos temáticos que estão


sendo adotados para mensurar, analisar e discutir Cidades Inteligentes,
considerando como subsídios estudos cienciométricos, sistemáticos e
bibliométricos nos cenários nacional e internacional, do ano de 2017 até março
de 2020.

METODOLOGIA

O método de pesquisa utilizado é de revisão sistemática da literatura,


que se traduz em investigações científicas secundárias que seguem um
protótipo explícito de pesquisa, consolidando e agregando resultados de
estudos primários para gerar um novo conhecimento (MORANDI; CAMARGO,
2015).
Pretende-se responder às seguintes questões: Quais são os principais
eixos temáticos adotados para quantificar, analisar e discutir Cidades
Inteligentes e quais os principais exemplos adotados nessas cidades?
A base de busca utilizada foi o portal de Periódicos da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). As buscas iniciais
envolveram apenas periódicos, com os mesmos descritores utilizados por
Ingwersen e Serrano-López (2018), porém fixando o primeiro termo em títulos
que contenham “smart cit*” e variando o segundo termo, no título, palavras-
chave ou corpo do texto em “digital cit*” OR “inteligente cit*” OR “smart
communit*” OR “knowledge cit*” OR “sustainable cit* OR “green cit*”.
As publicações decorrentes das pesquisas que se enquadraram como
conteúdo de interesse foram pré-selecionadas por meio da leitura de seus
títulos e resumos, com o intuito de selecionar apenas os que apresentavam
pesquisas caracterizadas por utilizar dados secundários, como os estudos
cienciométricos, sistemáticos e bibliométricos. Em sequência, procedeu-se à
leitura integral das publicações selecionadas como tal, admitindo um método
para pré-avaliar a qualidade destes, conforme Dresch, Lacerda e Antunes
Júnior (2014), em três dimensões, a saber: qualidade da execução do trabalho,
adequação à problemática e ao foco da revisão.
Após a ponderação individual dos trabalhos pré-selecionados para
compor a revisão sistemática, as avaliações foram consolidadas a fim de
16

fornecer um conceito final que qualificasse a aderência dos respectivos


trabalhos às problemáticas em questão.
Como subsídio para a elaboração da revisão sistemática, utilizou-se o
software NVivo (versão 12 Plus) para indexar todos os arquivos dos textos
selecionados. Por meio deste foi possível elaborar uma nuvem de palavras
representativas, nos idiomas inglês e português.

RESULTADOS

Dos 177 artigos que atenderam aos critérios de busca (Quadro 1),
selecionaram-se 27 que consistiam de estudos cienciométricos, sistemáticos e
bibliométricos (Quadro 2).

Quadro 1. Resultados de buscas realizadas no Portal da CAPES


Palavras-chave Número de artigos

Smart cit* And Digital cit* 14

Smart cit* And Intelligent cit* 29

Smart cit* And Smart communit 75

Smart cit* And Knowledge cit* 2

Smart cit* And Sustainable cit* 54

Smart cit* And Green cit* 3


Fonte: Elaboração própria (2021).

A maioria das pesquisas relaciona as cidades inteligentes com smart


community e sustainable cities. D’auria, Tregua e Vallejo-Martos (2018),
Kobayashi et al. (2017) e Trindade et al. (2017), por exemplo, determinaram
similaridades entre as concepções de cidade inteligente e sustentável. A
primeira é tida como evolução da cidade digital, voltada para a inovação,
enquanto a segunda é posta como uma nova abordagem, alinhada a princípios
filosóficos acerca do desenvolvimento sustentável e resiliência, ambas, porém,
compartilhando muitos pontos em comum, principalmente quanto ao foco em
questões sociais, ambientais e econômicas. Complementando as anteriores,
Kobayashi et al. (2017, p. 93) observaram que “[...] uma cidade pode ter
desenvolvimento urbano sustentável sem uso das TIC e uma cidade pode ser
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 17

inteligente sem ser sustentável” e adotaram o termo Cidades Inteligentes e


Sustentáveis (Smart Sustainable Cities) para agregar o desenvolvimento
sustentável, TIC e qualidade de vida. Por outro lado, os termos knowledge cities
e green cities são pouco mencionados.
Os 27 artigos selecionados indicam a localização espacial dos estudos
sobre cidades inteligentes, sendo estes concentrados na Europa (Portugal,
Reino Unido, Croácia, Espanha, Itália, Grécia, Holanda e Hungria), Ásia (China,
Arábia Saudita, Singapura e Índia) e Brasil.

Quadro 2. Estudos cienciométricos, sistemáticos e bibliométricos selecionados


Título Autores País
The governance of smart cities: A systematic
Ruhlandt (2018) Estados Unidos
literature review
Smart city services driven by IOT: a Mijac, Androcec, Picek
Croácia
systematic review (2017)
From digital to sustainable: A scientometric
Zheng, Yuan, Zhu, Zhang,
review of smart city literature between 1990 China
Shao (2020)
and 2019
Modern conceptions of cities as smart and D’auria, Tregua, Vallejo-
Itália e Espanha
sustainable and their commonalities Martos (2018)
Smart cities: Advances in research - an Ismagilova, Hughes,
Reino Unido
information systems perspective Dwivedi, Raman (2019)
Smart city and information technology: A
Camero, Alba (2019) Espanha
review
A systematic review for smart city data Moustaka, Vakali,
Grécia
analytics Anthopoulos (2019)
Smart city governance in developing
Tan, Taeihagh (2020) Singapura
countries: A systematic literature review
SMART CITY: UM CONCEITO EM Rizzon , Bertelli, Matte,
Brasil
CONSTRUÇÃO Graebin, Macke (2017)
Smart cities: A review and analysis of
Marrone, Hammerle (2018) Austrália
stakeholders’ literature
Classification of smart city research - a
Gupta, Chauhan, Jaiswal
descriptive literature review and future Índia
(2019)
research agenda
Visualizing the studies on smart cities in the
past two decades: a two-dimensional Li et al. (2020) Hungria
perspective
Cidades inteligentes e sustentáveis: estudo Kobayashi, Kniess, Serra,
Brasil
bibliométrico e de informações patentárias Ferraz, Ruiz (2017)
Smart governance for sustainable cities: Tomor, Meijer, Michels,
Holanda
findings from a systematic literature review Geertman (2019)
BIG DATA IN SMART CITIES: A SYSTEMATIC
Brohi, Bamiah, Brohi (2018) Arábia Saudita
MAPPING REVIEW
18

Título Autores País


Yigitcanlar, Kamruzzaman,
Understanding ‘smart cities’: Intertwining
Buys, Ioppolo, Sabatini- Austrália, Itália,
development drivers with desired outcomes
Marques, Da Costa, Yun, Brasil e Coreia
in a multidimensional framework
Jinhyo (2018)
Trindade, Hinnig, Da Costa,
Sustainable development of smart cities: a
Marques, Bastos, Yigitcanlar Brasil e México
systematic review of the literature
(2017)
Smart cities e o desenvolvimento
Genari, Da Costa, Savaris,
sustentável: revisão de literatura e Brasil
Macke (2018)
perspectivas de pesquisas futuras
Challenges in governing the digital
transportation ecosystem in Jakarta: A Mukti, Prambudia (2018) Indonésia
research direction in smart city frameworks
Rocha, Dias, Santinha,
Smart cities and healthcare: a systematic
Rodrigues, Queirós, Portugal
review
Rodrigues (2019)
Dynamic pricing techniques for Intelligent
Saharan, Bawa, Kumar
transportation system in Índia
(2019)
smart cities: A systematic review
Identifying the results of smart city
Lim, Edelenbos, Gianoli
development: Findings from systematic Holanda
(2019)
literature review
Success factors of smart cities: a systematic
Aldegheishem (2019) Arábia Saudita
review of literature from 2000-2018
Smart and sustainable? Five tensions in the
Martin, Evans, Karvonen Reino Unido e
visions and practices of the smart-sustainable
(2019) Suécia
city in Europe and North America
Acessibilidade e tecnologia na construção da Alperstedt Neto, Rolt,
Brasil
cidade inteligente Alperstedt (2019)
Dinamarca e
Smart city research 1990-2016 Ingversen (2019)
Espanha
Os desafios à gestão das cidades: uma
chamada para a ação em tempos
Weiss (2019) Brasil
de emergência das cidades inteligentes no
Brasil.
Fonte: Elaboração própria (2021).

Por meio do software Nvivo v.12, foram elaboradas as nuvens de


palavras representativas da frequência de ocorrência dos termos em inglês
(Figura 1a), e em português (Figura 1b), nas quais se observa que, em sua
grande maioria, os termos apresentados são comuns em ambos os idiomas.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 19

Figura 1. Nuvem de palavras de maior frequência de ocorrência nas publicações a) internacionais


e b) nacionais nas 27 publicações selecionadas
a)

b)

Fonte: Elaboração própria (2021).

Pela análise de agrupamento das palavras, também obtida pelo


software, os principais termos de agrupamento foram: transporte ligado à
dinâmica precificação; meio ambiente ligado a conhecimento, tecnologia,
20

estrutura e planejamento; internet com futuro, redes, patentes e


comunicação; serviços com sistemas; informação com gerenciamento;
acessibilidade com mobilidade e informação; governança com cidadãos,
governo, política e desenvolvimento; e, sustentabilidade com meio digital,
social e inovação.
Sobre a distribuição espacial dos estudos de mesmo tema, destacam-se
Rizzon et al. (2017), que abordam o conceito de Cidades Inteligentes a partir
de trabalhos predominantemente desenvolvidos no continente europeu, no
período de 2012 a 2017. Já Ingwersen e Serrano-López (2018), que
consideraram o período de 2008 a 2016, afirmam que as publicações são em
maioria da China, Itália, EUA, Espanha, corroborando com Camero et al. (2019),
que avaliaram a literatura de 1997 a 2017 acerca de tecnologia de informação
e ciência da computação em cidades inteligentes. Genari et al. (2018), ao
buscarem estudos sem restrição de período que abordassem cidades
inteligentes atreladas ao desenvolvimento sustentável, detectaram a mesma
predominância, incluindo o Reino Unido e Grécia. Zheng et al. (2020), a partir
da janela temporal de 1990 a 2019, afirmam que as contribuições na literatura
são principalmente da América do Norte e Europa, apontando para a
necessidade de desenvolvê-la em estratégia local (especialmente na China e
Índia), porque cada cidade ou nação tem sua própria trajetória histórica de
desenvolvimento, características atuais e dinâmica futura.
Aldegheishem (2019) abrangeu publicação de artigos de 2000 a 2018
que tratassem sobre indicadores que distinguem cidades inteligentes, visando
a orientar o processo de construção dessas cidades. Exemplos desses
indicadores são: Governança, Ambiente Inteligente, Vida Inteligente,
Economia Inteligente, Educação Inteligente, Energia Inteligente, Segurança
Inteligente, Transporte e Mobilidade Inteligente, Tecnologia Inteligente e
Edifícios Inteligentes. Dentre esses, o mais citado nos resultados encontrados
diz respeito à Governança Inteligente.
Ruhlandt (2018) e Tomor et al. (2019) voltaram suas pesquisas para
Governança Inteligente, tendo em vista as variações substanciais existentes no
tema e que a falta de governança adequada é um obstáculo para o
desenvolvimento inteligente. Por si só, a governança é definida como meios
pelos quais um governo administra os recursos de um território, buscando o
crescimento contínuo e maximização de resultados. Mukti e Prambudia (2018)
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 21

definiram governança, no contexto de cidades inteligentes, como práticas


estruturadas que incluem direção, controle e coordenação de atividades das
partes envolvidas para alcançar o sucesso de iniciativas inteligentes. Nesse
sentido, a Governança Inteligente compreende a existência de uma
colaboração entre governo e cidadãos, usando a tecnologia como alicerce, em
particular as TICS, para promover o desenvolvimento sustentável, integrando
valores sociais, econômicos e ambientais (RUHLANDT, 2018). De acordo com
Brohi, Bamiah e Brohi (2018), a Governança Inteligente capacita os governos a
identificarem a pertinência de questões relacionadas à assistência social,
saúde, educação, moradia e policiamento pelo ponto de vista dos cidadãos.
Zheng et al. (2020) inferem a importância da Governança Inteligente,
que envolve tomada de decisão, políticas públicas e serviços sociais,
transparência na utilização de recursos públicos e estratégia política, bem
como sua aplicação nas extensões intracidades e entre cidades. Para o suporte
dessas ações, segundo Gupta et al. (2019), deve-se usar tecnologia recente,
identificadas por Tomor et al. (2019) como uma diversidade de dispositivos e
ferramentas tecnológicas para comunicação unidirecional, como portais da
web para criar suporte para políticas pretendidas, reduzindo barreiras do
campo político para o cidadão por meio de opiniões sobre propostas, e de
comunicação bidirecional, como fóruns participativos em sites
governamentais. Nesse sentido, Aldegheishem (2019) relacionou como
recursos de governança os serviços de governo eletrônico; centros de pesquisa
e desenvolvimento na cidade; administração inteligente; participação no
processo de tomada de decisão e transparência.
Outros exemplos são os dispositivos para coleta de dados geográficos,
controle de emissão de poluentes, controle de qualidade e uso eficiente da
água e controle de disposição de resíduos e consumo de energia, contribuindo
para um Ambiente Inteligente, os quais podem levantar dados para dar suporte
para sistemas de planejamento e tomadas de decisão baseados em consciência
ecológica e gerenciamento sustentável de recursos naturais. Por outro lado,
são também apresentadas limitações de uso, como a falta de infraestrutura
e/ou conhecimento de TIC pelos servidores públicos e cidadãos e que, muitas
vezes, preferem interações face a face para a resolução de problemas
(ALDEGHEISHEM, 2019; ROCHA et al., 2019; RUHLANDT, 2018; TOMOR et al.,
2019).
22

Weiss (2017) faz uma crítica as políticas urbanas que não são,
normalmente, elaboradas a partir dos principais aspectos motivadores, com
participação do público, conforme anseios e expectativas dos cidadãos e outras
partes interessadas. Desse modo, esses usuários somente podem validar
planos e projetos já estruturados, sem opinar na sua construção. Logo,
entende-se que a governança, para ser inteligente, precisa ter a participação
ativa dos cidadãos, atendendo às expectativas da população por meio de
serviços eficientes, de fácil utilização e que os sistemas correspondam com ao
real anseio e necessidade de atendimento da população. Muito dos
investimentos em tecnologia são realizados com intuitos comerciais ou de
benefício do próprio governo, tornando-se desinteressantes, morosos e até
mesmo inúteis para os cidadãos. Para Zheng et al. (2020), cidades inteligentes
devem ser promovidas por meio de governança global, garantindo um futuro
mais sustentável para todos os seres humanos e, consequentemente,
melhorias na qualidade de vida.
A qualidade de vida é sumarizada por Marrone e Hammerle (2018) e
Genari et al (2018), onde as vertentes como o acesso a moradia, saúde, coesão
social, cultura, segurança e educação são preponderantes para a satisfação da
sociedade e são critérios para a Vida Inteligente. Na saúde, são relevantes
exemplos como o monitoramento remoto de pacientes em casa, as conexões
entre hospitais e uso de sensores médicos (ALDEGHEISHEM, 2019). Rocha et
al. (2019) abordaram sobre prestação de cuidados de saúde em Cidades
Inteligentes e, dentre outros, citam a aplicação de uma plataforma para
rastreamento de localização em tempo real de serviços de emergência como
ambulâncias, polícia e corpo de bombeiros, para minimizar o tempo de
resposta àqueles em necessidade.
Na moradia, Gupta, Chauhane e Jaiswal (2019) apontam para a
necessidade de inclusão de Edifícios Inteligentes para desempenhar um papel
significativo na consecução dos objetivos ambientais, os quais devem ser
estendidos a todos os grupos sociais, sem qualquer discriminação. Essa
concepção também é válida para edifícios governamentais, de saúde e de
educação.
Para a Educação Inteligente, segundo Tan e Taeihagh (2019), é
importante uma alfabetização tecnológica para que os cidadãos possam
participar do desenvolvimento das cidades, bem como a construção de uma
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 23

cidade baseada no conhecimento. Para Aldegheishem (2019), são


características de sucesso nesse eixo a qualidade das instalações de ensino, ou
seja, existência de elevado percentual de financiamento de pesquisa pelo setor
privado e acesso remoto a programas de educação, com aplicativos que
melhorem o processo de aprendizagem e possam garantir aos estudantes
acesso a recursos educacionais on-line.
Martin, Evans e Karvonen (2018) concluíram que o potencial de
capacitar e incluir cidadãos é uma chave fundamental para desenvolver um
ambiente baseado na proteção do meio ambiente e equidade social. A
construção de conhecimento influencia diretamente na formação de Pessoas
Inteligentes, as quais podem contribuir com soluções inovadoras para
problemas urbanos, no desenvolvimento sustentável e em mão de obra mais
qualificada e bem-informada tecnologicamente. Esses profissionais favorecem
a Economia Inteligente, atrelando espírito inovador ao empreendedorismo,
aumentando a competitividade econômica nas cidades (ALDEGHEISHEM,
2019; ROCHA et al., 2019).
Para Zheng et al. (2020), as TIC e o planejamento urbano são os dois
eixos centrais na promoção do desenvolvimento de Cidades Inteligentes. A
proliferação maciça de TICs, como big data, IoT e fog computing, introduziram
novas práticas e serviços e são vistas pelos autores como campos progressivos
da inovação da Tecnologia Inteligente, a qual, segundo Aldegheishem (2019),
depende da infraestrutura de internet e acesso nas cidades, treinamento para
uso de alta tecnologia e existência de softwares de engenharia.
Brohi, Bamiah, Brohi (2018) realizaram um mapeamento para tratar de
big data, acreditando que a sua utilização e análise eficientes são fatores
cruciais para o sucesso das cidades inteligentes, já que se trata de um extenso
volume de dados gerados por fontes heterogêneas. Analisados em tempo real,
esses dados podem auxiliar na tomada de decisão e descobrir padrões ocultos,
o que já, inclusive, foi efetuado por diversas redes sociais.
Quando se trata de Internet of Things (IoT), Mijac, Androcec e Picek
(2017) relacionam esse termo à incorporação de bilhões de “coisas” cotidianas
a microprocessadores, software e sensores conectados à internet, gerando,
coletando e trocando informações, complementando o big data e o fog
computing. Com a IoT, serviços podem ser remodelados ou criados, para
atender sistemas de monitoramento e otimização de diversos serviços. Nesse
24

sentido, os autores enxergam a IoT como principal facilitador e impulsionador


dos serviços de cidades inteligentes, processando e analisando dados que
podem ser convertidos em interversões concretas. Nesse sentido, Li (2020)
acredita que a IoT deve desempenhar um papel crítico no futuro processo de
urbanização. Exemplos como sistemas de gerenciamento de faixas viárias e
sistemas de semáforo são citados, utilizados em Sistemas de Transporte
Inteligentes (ITS), um dos aspectos mais importantes das cidades modernas.
Os ITSs visam à segurança e à mobilidade dos transportes por meio da
integração das TICs nos veículos e infraestrutura na cidade, buscando, além de
melhorias no tráfego urbano, tornar o transporte sustentável e eficiente.
Gerenciar veículos é um desafio contínuo nos centros urbanos que enfrentam
problemas de congestionamento.
Nesse sentido, o termo Internet of Vehicles (IoV) foi identificado por
Ismagilova et al. (2019) e Moustaka, Vakali e Anthopoulos (2019) como
importante papel no ITS, fornecendo aplicações para melhorar a segurança
viária e a eficiência do tráfego. Exemplo disso é o controle de tráfego móvel,
que permite aos cidadãos evitar filas e engarrafamentos, propondo a caminho
mais rápido. O controle pode ser realizado pelo governo ou empresas de
controle de fluxo de tráfego para compreender o funcionamento do tráfego e
melhorar a infraestrutura urbana, além da possibilidade de rastreamento de
veículos em movimento.
Um aspecto relacionado ao uso dos dados obtidos no ITS é colocado por
Moustaka, Vakali e Anthopoulos (2019) com o aumento da eficiência
energética, contribuindo para a Energia Inteligente e Ambiente Inteligente,
que, dentre outros, é dependente da existência de energia renovável e da
eficiência de sistemas energia, com foco na redução do uso de energia e de
liberação de gases de efeito estufa (ALDEGHEISHEM, 2019; KOBAYASHI et al.,
2017). Desse modo, o uso de dados em tempo real, obtidos em redes sociais
para detectar congestionamentos e acidentes e novas tecnologias como carros
inteligentes e smartphones também contribuem para economia de tempo e
diminuição de acidentes (MOUSTAKA; VAKALI; ANTHOPOULOS, 2019).
Alperstedt Neto, Rolt e Alperstedt (2017) citam o uso do aplicativo
Waze, que dispõe de informações acerca das condições de navegação, trânsito
local, acidentes, perigos e obstáculos na pista, com contribuição dos usuários
também em tempo real. Essas informações servem de subsídio para a
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 25

Segurança Inteligente, uma vez que podem alertar pessoas de riscos


existentes. Os autores levantam outro aspecto, subsidiados pelas tecnologias
colaborativas que contribuem com a minimização de problemas sociais, como
a exclusão social de portadores de mobilidade reduzida. Outros aplicativos que
utilizam esta concepção são apresentados, como o Guide Dots – Audio Walking
Guide, que transmite áudio via smartphone para contribuir com a
independência dos deficientes visuais com informações do local ao seu
utilizador e proximidade física de amigos virtuais, bem como o Hand Talk -
Tradutor para Libras, ferramenta de tradução automática de texto e voz para
facilitar a comunicação de deficientes auditivos.
Outro olhar é apresentado por Mukti e Prambudia (2018) ao abordarem
a existência de um ecossistema que surge a partir de serviços inovadores de
transporte digital, como aplicativos de veiculação, emissão de bilhetes
eletrônicos e pagamento eletrônico por serviços de transporte. Esse sistema
tem garantido a eficiência no uso de transportes públicos, além de gerar dados
de controle acerca dos usuários, horários de pico e número de pagantes.
Saharan, Bawa e Kumar (2019) realizaram análise de técnicas de
precificação dinâmica usadas em ITS e abordaram sobre o seu papel para
controle de congestionamento, redução de horários de pico, gestão dos
transportes públicos e otimização das rotas de veículos. Esses preços são
determinados por meio de um algoritmo que considera a demanda e a oferta,
os preços dos concorrentes e outros fatores externos históricos ou atuais do
mercado. Ismagilova et al. (2019), entretanto, alertam para a limitação de que
muitos dos estudos que abordam sobre transporte e mobilidade são, muitas
vezes, dependentes de simulações, não utilizando dados reais de serviços de
mobilidade e infraestrutura das cidades.
Li (2020) alerta para os riscos e impactos ainda desconhecidos ou pouco
explorados de tecnologias emergentes no que tange ao meio ambiente, saúde
e sistemas socioeconômicos, como descarte de baterias de veículos elétricos,
radiação na produção de equipamentos e outros resíduos tóxicos e não
degradáveis. Lim, Edelenbos e Gianoli (2019) também concluíram que há,
relativamente, menos atenção aos resultados negativos causados pelo uso
excessivo de TIC, exemplificados como questões de violação de privacidade e
segurança de usuários.
26

Outra perspectiva das publicações abarcadas por este estudo é


apresentada, na forma de dendogramas, subsidiando análises de
agrupamento, uma técnica exploratória que permite a visualização de padrões
semânticos dos documentos, calculando a similaridade de palavras entre os
arquivos, usando uma abordagem não supervisionada. No dendograma,
termos semelhantes são agrupados na mesma ramificação e termos diferentes
estão mais distantes, ou seja, as palavras que aparecem juntas são mais
semelhantes que as que aparecem separadas. A análise do agrupamento dos
estudos internacionais e nacionais permitiu a definição de cinco grupos,
denominados de A a E na Figura 2.
O grupo A é definido por dois grupos de temas sustainable, e digital e
social/innovation. O grupo B é definido por um grupo que trata dos estudos
sobre governance, e outros dois que abordam citizens/government e
development/policy. O grupo C se estrutura em quatro grupos de temas:
estudos sobre internet/future; service/systems; information e
manegement/system. O grupo D contém estudos sobre quatro temas:
environment; knowledge; technology/planning e smart/framework. O grupo E
contém dois grupos que tratam de transportation e pricing/dynamic.
Já nos estudos nacionais, o grupo A se estrutura em um subgrupo de
estudos sobre o termo inteligentes, patentes, comunicação/redes e, outro,
sobre internet, sustentabilidade/cidadãos. O grupo B trata dos temas
tecnologias, governança, serviços e inovação/conhecimento. O grupo C se
estrutura em três subgrupos: os estudos que tratam de gestão/recursos e
global (no sentido de globalização) e direito/crescimento. O grupo D trata de
tecnologia e social/pessoas. O grupo E reúne estudos sobre acesso/tempo,
acessibilidade, informações/mobilidade.
Dos dendogramas e com base na apropriação do conhecimento
oferecido pelo corpus analisado, deriva-se que nos estudos internacionais e
nacionais, podem ser reconhecidas cinco abordagens, respectivamente,
relacionando temas conforme Figura 3.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 27

Figura 2. Agrupamento das publicações internacionais (coluna esquerda) e nacionais (coluna


direita)

Fonte: Elaboração própria (2021).


28

Figura 3. Temas categorias nas publicações internacionais (à esquerda) e nacionais (à direita)

Fonte: Elaboração própria (2021).


Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 29

Os temas consolidam-se em: Ferramentas digitais inovadoras para


promoção da sustentabilidade do ambiente urbano, Relações entre as políticas
públicas e a governança dos serviços prestados aos cidadãos sob a perspectiva
da inovação, mediante o uso de tecnologias e gestão do conhecimento dos
dados. A Internet das Coisas (IoT) para promoção da sustentabilidade e
qualidade de vida dos cidadãos. A necessária gestão dos recursos e estudos
que envolvem a geração de informação para melhoria e gestão da
acessibilidade em tempo real.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dinâmica estabelecida no meio urbano influencia o comportamento


das pessoas e suas relações sociais, econômicas, ambientais e culturais,
originando espaços de convivência com características próprias e singulares,
que coexistem em sistemas urbanos interdependentes e escaláveis.
Entretanto, percebeu-se nos artigos selecionados desta pesquisa maior foco
nos eixos de sistema inteligente de transporte e governança inteligente.
Esta pesquisa foi realizada com artigos publicados em periódicos nos
últimos dois anos, visando a obter resultados recentes. Mesmo assim, a
quantidade de publicações é extensa, adotando-se a estratégia de recorte de
selecionar para discussão somente artigos que utilizaram dados secundários,
obtendo-se 27 artigos. Além disso, cabe a ressalva de que as conclusões se
baseiam no universo dos artigos considerados.
Partiu-se da intenção de identificar os eixos temáticos adotados nas
publicações científicas para quantificar, analisar e discutir Cidades Inteligentes.
Evidencia-se que a inovação tecnológica é essencial para as cidades
inteligentes, que utilizam suas redes de informação e comunicação na adoção
de soluções que preveem melhorias para toda sociedade. Em razão disso,
observou-se que os eixos temáticos mais abordados nos artigos se referem à
governança inteligente e sistema inteligente de transporte.
A Governança das Cidades Inteligentes é entendida como um conjunto
de práticas estruturadas que incluem direção, controle e coordenação de
atividades colaborativas entre governo e cidadãos, usando a tecnologia como
alicerce para promover o desenvolvimento sustentável, integrando valores
sociais, econômicos e ambientais.
30

O sistema de Transporte Inteligente se volta para o gerenciamento dos


veículos e mobilidade urbana e para soluções que facilitem o seu uso pelo
usuário, ofertando serviços inovadores de transporte digital. Os serviços de
transporte público são considerados essenciais para a sociedade, cabendo ao
município organizá-lo e prestá-lo, de forma direta ou sob regime de concessão
ou permissão. As prefeituras, ao concederem o serviço, mantêm a
responsabilidade sobre os investimentos em infraestrutura, fiscalização e
planejamento da mobilidade urbana e pela regulação das tarifas. As
concessionárias são responsáveis pela administração geral do sistema,
conservação de frotas e recursos de pessoal, sendo o custo e o lucro cobertos
pelos recursos das tarifas, uma vez que, em geral, as prefeituras não destinam
suas verbas para subsídio do transporte público. Essas concessionárias
assumem os custos com pessoal, equipamentos e combustíveis, dentre outras.
Ao transferir a gestão, as prefeituras têm maiores condições de cobrar
a qualidade do serviço e isso afeta diretamente a possibilidade de atuar de
forma integrada. Destaca-se que esse mesmo modelo acontece para os
sistemas de coleta de lixo, água e esgoto, os quais são geridos por
concessionárias diferentes, uma em cada área de atuação, do que se admite
que, para que iniciativas de Governança Inteligente possam ser implementadas
de forma eficiente, os municípios devem assumir responsabilidades que,
atualmente, não estão atribuídas às prefeituras municipais. Isso se aplica não
só à região Centro-Oeste, mas em todo o território brasileiro.
Tem-se, então que, os desafios para a implantação de Cidades
Inteligentes passam não só pelo domínio tecnológico e a obtenção de recursos
a ele destinados, mas exigem, antecipadamente, mudanças estruturantes no
modelo de gestão dos serviços públicos municipais.
Observou-se que as publicações selecionadas não abordam temas
importantes para o contexto brasileiro, tal como o da segurança pública no
sentido de propiciar meios para denúncias de crimes, problemas de ordem
pública ou de violação de direitos individuais em tempo real, o que poderia ser
viabilizado por aplicativos de serviços aos cidadãos.
Outro aspecto não identificado nas publicações foi a questão da
privacidade de dados, no sentido de que uma vez conectados, os cidadãos
podem ser monitorados em seus deslocamentos, recurso amplamente
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 31

utilizado no contexto da pandemia de Covid-19, para identificar o grau de


isolamentos efetivado nas cidades.

REFERÊNCIAS

ABDALA, L. N.; Schreiner, T.; Costa, E. M.; Santos, N. Como as cidades inteligentes contribuem
para o desenvolvimento de cidades sustentáveis? Uma revisão sistemática de literature,
International Journal of Knowledge Engineering and Management, v. 3, n. 5, p. 98-120, 2014.
Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/309034437> Acesso em: 06 jan.
2021.

ALBINO, Vito; Berardi, Umberto; e Dangelico, Rosa Maria. Smart Cities: definitions, dimensions,
performance, and initiatives. Journal of Urban Technology, n. 22, v. 1, p. 3-21, 2015.

ALDEGHEISHEM, A. Success factors of smart cities: a systematic review of literature from 2000-
2018. TeMA - Journal of Land Use, Mobility and Environment, n. 12, v. 1, p. 53-64, 2019.

BATTY, M.; AXHAUSEN, K.; GIANNOTTI, F. et al. Smart cities of the future. The European Physical
Journal Special Topics, n. 214, p. 481-518, 2012.

BROHI, S. N.; BAMIAH, M. A.; BROHI, M. N. Big data in smart cities: a systematic mapping
review. Journal of Engineering Science and Technology, v. 13, n. 7, p. 2246-2270, 2018.
Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/326860866. Acesso em: 6 jan. 2021.

CARAGLIU, A.; DEL BO, C.; NIJKAMP, P. Smart cities in Europe. Journal of Urban Technology, n.
18, v. 2, p. 65-82, 2011.

D’AURIA, A.; TREGUA, M.; VALLEJO-MARTOS, M. Modern conceptions of cities as smart and
sustainable and their commonalities. Sustainability, n. 10, v. 8, p. 1-18, 2018.

DRESCH, A.; LACERDA, D. P.; ANTUNES JÚNIOR, J. A. V. Design science research: método de
pesquisa para avanço da ciência e tecnologia. Porto Alegre: Bookman, 2014.

GENARI, D.; COSTA, L. F.; SAVARIS, T. P. et al. Smart cities e o desenvolvimento sustentável:
revisão e perspectivas de pesquisas futuras. Revista de Ciências da Administração, n. 20, v. 51, p.
69-85, 2018.

GUPTA, P.; CHAUHAN, S.; JAISWAL, M. Classification of smart city research - a descriptive
literature review and future research agenda. Information Systems Frontiers, n. 21, v. 3, p. 661-
685, 2019.

HALL, R. The vision of a smart city. In: INTERNATIONAL LIFE EXTENSION TECHNOLOGY
WORKSHOP, 2., 2000, Paris. Anais [...]. France, 2000. Disponível em:
osti.gov/servlets/purl/773961. Acesso em: 6 jan. 2021.

HARRISON, C.; DONNELLY, I. A. A theory of smart cities. In: ANNUAL MEETING OF THE
INTERNATIONAL SOCIETY FOR THE SYSTEMS SCIENCES, 55., 2011, Hull, Anais [...]. Hull: The
University of Hull, 2011. Disponível em:
32

http://journals.isss.org/index.php/proceedings55th/article/view/1703/572. Acesso em: 6 jan.


2021.

INGWERSEN, P.; SERRANO-LÓPEZ, A. E. Smart city research 1990–2016. Scientometrics, n. 117, v.


2, p. 1205-1236, 2018.

ISMAGILOVA, E.; HUGHES, L.; DWIVEDI, Y. et al. Smart cities: advances in research - an
information systems perspective. International Journal of Information Management, n. 47, p.
88-100, 2019.

NASCIMENTO, J. B. do; SOUZA, C. L. de; SERRALVO, F. A. Revisão sistemática de cidades


inteligentes e internet das coisas como tópico de pesquisa. Cadernos Ebape.br, n. 17, v. 4, p.
1115-1130, 2019.

LACINÁK, M.; RISTVEJ, J. Smart city, safety and security. Procedia Engineering, n. 192, p. 522-
527, 2017.

LI, W.; BATTY, M.; GOODCHILD, M. F. Real-time GIS for smart cities. International Journal of
Geographic Information Science, n. 34, v. 2, p. 311-324, 2020.

LIM, Y.; EDELENBOS, J.; GIANOLI, A. Identifying the results of smart city development: Findings
from systematic literature review. Cities, v. 95, p. 1-13, 2019.

MARRONE, M.; HAMMERLE, M. Smart cities: a review and analysis of stakeholders’


literature. Business & Information Systems Engineering, v. 60, n. 3, p. 197-213, 2018.

MIJAC, M.; ANDROCEC, D.; PICEK, R. Smart city services driven by iot: a systematic
review. Journal of Economicand Social Development, n. 4, v. 2, p. 40-50, 2017. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/320868851. Acesso em: 6 jan. 2021.

MORANDI, M. I. W. M.; CAMARGO, L. F. R. Revisão sistemática da literatura. In: DRESCH, A.;


LACERDA, D. P.; ANTUNES JÚNIOR, J. A. V. (org.). Design science research: método de pesquisa
para avanço da ciência e tecnologia. Porto Alegre: Bookman, 2015. p. 141-171.

MOUSTAKA, V.; VAKALI, A.; ANTHOPOULOS, L. G. A systematic review for smart city data
analytics. Acm Computing Surveys, n. 51, v. 5, p. 1-41, 2019.

NEIROTTI, P.; DE MARCO, A.; CAGLIANO, A. C. et al. Current trends in smart city initiatives: some
stylised facts. Cities, v. 38, p. 25-36, 2014.

NUAIMI, Eiman Al; NEYADI, Hind Al; MOHAMED, Nader; AL-JAROODI, Jameela. Applications of big
data to smart cities. Journal of Internet Services and Applications, n. 6, v. 1, p. 1-15, 2015.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAAS (ONU). 68% of the world population projected to live in
urban areas by 2050, says UN. 2018. Disponível em:
https://www.un.org/development/desa/en/news/population/2018-revision-of-world-
urbanization-prospects.html. Acesso em: 27 mar. 2019.

PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS (PNAD). 2015. Disponível em:


https://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 2 maio 2021.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 33

ROSAS, S. V.; FLORES, D. F. O.; HERNÁNDEZ, A. V. et al. Smart cities of the future: an
interdisciplinary literature review. Dimensions and proposed characteristics. International
Journal of Advanced Engineering, Management and Science, n. 5, v. 11, p. 587-593, 2019.

RUHLANDT, R. W. S. The governance of smart cities: a systematic literature review. Cities, v. 81,
p. 1-23, 2018.

SANTOS, M. J. P. L. Smart cities and urban areas - aquaponics as innovative urban


agriculture. Urban Forestry & Urban Greening, n. 20, p. 402-406, 2016.

SARMA, S.; SUNNY, S. A. Civic entrepreneurial ecosystems: smart city emergence in Kansas city.
Business Horizons, n. 60, v. 6, p. 843-853, 2017.

SAHARAN, S.; BAWA, S.; KUMAR, N. Dynamic pricing techniques for intelligent transportation
system in smart cities: a systematic review. Computer Communications, n. 150, v. 603-625, 2019.

SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO A PEQEUNA E MÉDIA EMPRESA (SEBRAE). Cidades resilientes e


sustentáveis. 2019. Disponível em:
http://sustentabilidade.sebrae.com.br/Sustentabilidade/Para%20sua%20empresa/Publica%C3%
A7%C3%B5es/CAR_Cidades_port_digital.pdf. Acesso em: 2 maio 2021.

TAN, S. Y.; TAEIHAGH, A. Smart city governance in developing countries: a systematic literature
review. Sustainability, n. 12, v. 3, p. 1-29, 2020.

TOH, C. K.; SANGUESA, J. A.; CANO, J. C. et al. Advances in smart roads for future smart cities.
Proceedings of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, n. 476, v.
2233, p. 1-24, 2020.

TOMOR, Z.; MEIJER, A.; MICHELS, A. et al. Smart governance for sustainable cities: findings from a
systematic literature review. Journal of Urban Technology, n. 26, v. 4, p. 3-27, 2019.

TRINDADE, E. P.; HINNIG, M. P. F.; DA COSTA, E. M. et al. Sustainable development of smart


cities: a systematic review of the literature: a systematic review of the literature. Journal of Open
Innovation: Technology, Market, and Complexity, n. 3, v. 1, p. 1-14, 2017.

VOLKOV, A. Smart city: convergent socio-cyber-physical complex. Matec Web of Conferences, n.


251, v. 3065, p. 1-7, 2018.

WEISS, M. C.; BERNARDES, R. C.; CONSONI, F. L. Cidades inteligentes: casos e perspectivas para as
cidades brasileiras. Revista Tecnológica da Fatec Americana, n. 5, v. 1. 2017. Disponível em:
https://fatecbr.websiteseguro.com/revista/index.php/RTecFatecAM/article/view/137. Acesso
em: 6 jan. 2021.

WEISS, M. C. Cidades inteligentes: uma visão sobre a agenda de pesquisas em tecnologia da


informação. Revista Brasileira de Gestão e Inovação, n. 6, v. 3, p. 162-187, 2018.

WEISS, M. C. Os desafios à gestão das cidades: uma chamada para a ação em tempos de
emergência das cidades inteligentes no brasil. Revista de Direito da Cidade, n. 9, v. 2, p. 788-824,
2017.
34

ZHENG, C.; YUAN, J.; ZHU, L. et al. From digital to sustainable: a scientometric review of smart city
literature between 1990 and 2019. Journal of Cleaner Production, n. 258, p. 1-55, 2020.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 35

Capítulo 2

CIDADE RESILIENTE, POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA E A MOBILIDADE


URBANA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Geise Brizotti Pasquotto6

As cidades resilientes possuem a capacidade de se adaptar,


reconhecendo suas fragilidades, absorvendo conhecimento do seu passado e
criando planos de ação que possam ser usados no futuro para melhorar os
riscos e trazer uma melhor qualidade de vida para os habitantes. Neste caso,
os governos locais preocupam-se com o desenvolvimento sustentável na
região, investindo em tecnologias que buscam antecipar e amenizar os danos
causados por desastres naturais ou riscos causados pelo próprio ser humano.
Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu um
relatório que mostrava dados alarmantes. No mundo, anualmente, sete
milhões de pessoas morrem devido à poluição do ar. Nove em cada dez pessoas
respiram ar contendo altos níveis de poluentes (OMS, 2018). Segundo o
diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, "se não tomarmos
medidas urgentes sobre a poluição do ar, nunca chegaremos perto de alcançar
o desenvolvimento sustentável" (OMS, 2018, on-line). Segundo a Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 2012), os poluentes
atmosféricos devem se tornar a principal causa ambiental de mortalidade no
mundo em 2050.
Pensar uma cidade resiliente com desenvolvimento sustentável,
portanto, é entender como a qualidade do ar afeta a população e quais são os
meios necessários para a melhoria desta situação. Este ensaio objetiva refletir
nas alternativas aplicadas na sustentabilidade, sobretudo a de mobilidade
urbana, e como estas questões podem ser controversas se analisadas com foco
na amplidão sistêmica do processo.

6Professora conferencista Unesp Bauru. Doutora em Planejamento Urbano e Regional pela USP-
São Paulo. E-mail: geisebp@gmail.com
36

POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

A poluição atmosférica, definida pela OMS e pelo Ministério do Meio


Ambiente (MMA), é

a contaminação do ambiente interno ou externo por qualquer agente


químico, físico ou biológico que modifica as características naturais da
atmosfera. (OMS, 2021, on-line, tradução nossa)7.

Qualquer forma de matéria ou energia com intensidade, concentração,


tempo ou características que possam tornar o ar impróprio, nocivo ou
ofensivo à saúde, inconveniente ao bem-estar público, danoso aos materiais,
à fauna e à flora ou prejudicial à segurança, ao uso e gozo da propriedade e
à qualidade de vida da comunidade. (BRASIL, 2021, on-line).

Só a poluição do ar ambiente causou cerca de 4,2 milhões de mortes em


2016, enquanto a poluição do ar por cozimento com combustíveis poluentes e
tecnologias causou uma estimativa de 3,8 milhões de mortes no mesmo
período. Mais de 90% das mortes relacionadas à poluição do ar ocorrem em
países de baixa e média renda, principalmente na Ásia e na África, seguidos
pelos países de renda baixa e média da região do Mediterrâneo Oriental,
Europa e Américas (OMS, 2018).
É importante lembrar que a OMS é responsável por garantir o
cumprimento do indicador Meta de Desenvolvimento Sustentável que consiste
em reduzir até 2030 o número de mortes e doenças causadas pela poluição do
ar. No entanto, segundo reportagem da OMS (2020), apesar do progresso
acelerado na última década, o mundo não será capaz de garantir acesso
universal à energia acessível, segura, sustentável e moderna antes de 2030, a
menos que os esforços sejam significativamente aumentados, de acordo com
a última edição do Monitoramento Global ODS 7.
No Estado de São Paulo, de 2007-2017, segundo Araújo e Rosário
(2020), a estrutura dominante de poluição atmosférica apresenta-se nos eixos
de desenvolvimento urbano-industrial indicados pelo prof. Jeferson Tavares

7No original: Air pollution is contamination of the indoor or outdoor environment by any chemical,
physical or biological agent that modifies the natural characteristics of the atmosphere.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 37

(2018), com um resultado alarmante em 2015, onde um dos fatores


relacionados foi a crise hídrica que ocorreu neste ano (Figura 1).

Figura 1. Mapas de média anual da AOD550nm obtidos por meio de medições do sensor MODIS a
bordo do satélite Terra no Estado de São Paulo, excluindo os dias em que houve transporte de
fumaça da Região Centro-Oeste e do sul da Amazônia, durante a estação de queimada (entre
agosto e novembro). A barra de cores representa a variação da abundância de aerossóis na
atmosfera, cores frias (azul) e quentes (vermelho) indicam, respectivamente, baixos e altos níveis
de material particulado na atmosfera

Fonte: Araújo e Rosário (2020).

Embora essas duas leituras, poluição atmosférica e eixo de


desenvolvimento industrial se sobreponham, Rosário relata que o principal
motivador da poluição atmosférica atualmente são as queimadas, e não as
indústrias (ROSÁRIO, 2021).
Segundo Araújo e Rosário (2020), entre 2007 e 2017 pode-se identificar
uma tendência de diminuição na poluição atmosférica nas áreas estabelecidas
de cultivo de cana (Bacia Piracicaba/Capivari/Jundiaí). No entanto, nota-se um
aumento na área de expansão de cultivos na Bacia Turvo Grande e São José dos
Dourados (Figura 2).

Entretanto, vale destacar que, apesar dos focos de queimada serem


usualmente associados à cana, se verificou grande quantidade de focos fora
das áreas canavieiras do estado. Um exemplo é a região da UGRHI de Ribeira
do Iguapé/Litoral Sul, área de vocação de conservação, em que foi observada
38

quantidade importante de focos de queimadas e também de poluição.


(ARAÚJO; ROSÁRIO, 2020).

Figura 2. Taxa de variação da AOD550 nm por ano entre 2007 e 2017 nas UGRHI do Estado de São
Paulo. UGRHIs destacadas (cor vermelha) apresentaram tendência estatisticamente válida por
meio do Teste de Mann-Kendall para nível de significância 10%

Fonte: Araújo e Rosário (2020).

MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL

Segundo o professor Renato Anelli (2021), como trabalhar a questão da


sustentabilidade na mobilidade urbana sem afetar outros sistemas? Esta
indagação pareceu-me muito interessante e procurei neste ensaio me
aprofundar sobre esta questão.
Segundo a OMS (2018, on-line), algumas cidades estão trabalhando
para melhorar os dados de poluição atmosférica. A Cidade do México, por
exemplo, se comprometeu com padrões de veículos mais limpos, incluindo a
mudança para ônibus sem fuligem e a proibição de carros a diesel privados até
2025.
No Brasil, duas alternativas tornaram-se proeminentes nas ações
sustentáveis em território nacional: a utilização do álcool como combustível
limpo e a mudança da frota de ônibus para elétrico nas grandes cidades.
A seguir trarei algumas reflexões sobre essas questões.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 39

A utilização do álcool como combustível limpo e sustentável


A primeira indagação é se a utilização do álcool como combustível
principal seria uma alternativa para um transporte menos poluente. Neste
quesito é necessário levar em consideração que, quanto maior a utilização de
álcool, será necessário produzir mais cana-de-açúcar e, desta maneira,
potencial prejuízo da qualidade do ar como visto anteriormente.
No entanto, vale ressaltar que em 2007 foi assinado um protocolo
agroambiental entre o setor sucroalcooleiro paulista e a Secretaria de Estado
do Meio Ambiente, que determinou a antecipação dos prazos legais para o fim
da colheita da cana por meio do uso de fogo para todas as unidades industriais
signatárias (2014 nas áreas mecanizáveis e 2017 nas áreas não mecanizáveis).
O setor sucroalcooleiro, ao assinar o Protocolo, buscou também fortalecer a
imagem do etanol como combustível limpo e sustentável, o que é
estrategicamente favorável para o setor (DUARTE et al., 2013).
No entanto, segundo Araújo e Rosário (2020), uma análise aprofundada
dos resultados do protocolo dependeria da aferição das tendências nos níveis
dos poluentes observados no estado, mas a cobertura de monitoramento in
situ da poluição atmosférica é reduzida. Embora o Estado de São Paulo possua
a maior e mais regular rede de monitoramento do país 8, operada pela
Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), o Estado não tem
monitoramento da poluição atmosférica na maioria dos seus municípios, como
é possível verificar na imagem abaixo (Figura 3).

8Menos de 5% dos municípios apresentam monitoramento, dos quais 78% se situam na Região
Sudeste do país (ISS, 2014).
40

Figura 3. Mapa da qualidade de ar disponível no site da CETESB. Pontos de monitoramento

Fonte: https://servicos.cetesb.sp.gov.br/qa/ (2021).

A alteração de transporte coletivo à diesel ou biodiesel para elétrico

A cidade de Shenzhen, na China, foi a primeira cidade do mundo com a


frota de ônibus 100% elétrica. A transição foi iniciada em 2009 e diminuiu as
emissões de CO2 anuais dos ônibus em 48%. No entanto, a matriz energética
do país é baseada majoritariamente no carvão, que é poluidor, pois apresenta
substâncias chamadas de sulfetos que podem reagir quimicamente com o ar
ou água resultando em substâncias como o ácido sulfúrico e sulfato ferroso que
vão para o subsolo e para o lençol freático, contaminando solos, rios e lagos. A
queima do carvão também libera substâncias que provocam poluição
atmosférica, como fuligem, chuvas ácidas, e ainda contribuem para o efeito
estufa. Portanto, é preciso analisar se, em relação a cadeia como um todo, essa
alteração será benéfica.
No Brasil, nossa energia é gerada por hidroelétricas, diferente do caso
da China que tem uma matriz energética que possui um resultado negativo
direto com a qualidade do ar. No entanto, é importante avaliarmos se a troca
ampliada para todo o território nacional para o transporte elétrico seria
benéfico e se o dano ambiental compensaria essa troca.
Os impactos ambientais provocados pela construção de uma usina
hidrelétrica são irreversíveis. Apesar de utilizarem um recurso natural
renovável e não poluírem o ar, para a construção de uma usina são necessários
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 41

desmatamentos, inundação de grandes áreas e deslocamento de habitantes da


região.
Uma usina hidrelétrica leva em média 10 anos para ser construída e tem
vida útil em média de 50 anos. Um aumento súbito na demanda por veículos
elétricos, e consequentemente na eletricidade, obrigaria os gestores a deixar
as termoelétricas em operação permanente e adquirir a energia excedente dos
vizinhos, aumentando a poluição atmosférica e o custo da energia, que já é
elevada no país.
Portanto, analisar a potencialidade de uma frota elétrica não é apenas
a redução de poluentes no ar emitido pelo veículo e, sim, qual a matriz
energética e qual o custo-benefício de uma maneira geral.
Outra questão é a produção e o descarte da bateria, que é um dos
componentes importantes do transporte elétrico. Ela pode ser muito
prejudicial para o meio ambiente e precisa de ações especiais para este
componente.

OS ÔNIBUS ELÉTRICOS NO BRASIL: O ESTADO DE SÃO PAULO

Segundo a E-Bus radar, na América Latina, 234,71 Kt de emissões de


CO2 foram evitadas por ano (dados de março de 2021). No Brasil, 43,31 Kt de
emissões de CO2 foram evitadas por 350 ônibus elétricos (que correspondem a
1,84% do total da frota nacional), dos quais 302 são trólebus e 45
convencionais a bateria (E-BUS RADAR, 2021) (Figura 4).
42

Figura 4. Diagrama da quantidade de ônibus elétricos e emissões de CO2 evitadas

Fonte: Plataforma E-Bus Radar (2021).

Levando em consideração os municípios brasileiros inseridos na


plataforma, São Paulo possui o melhor índice em relação ao número de
habitantes/ônibus elétrico, seguido por Santos e Campinas. Em última posição
encontra-se a capital, Brasília (Tabela 1 e Figura 5).

Tabela 1. Tabela da relação entre a quantidade de ônibus elétrico e a população em sete municípios
brasileiros
Número de ônibus elétrico – População estimada –
Plataforma E-bus (2021) IBGE (2020)
Brasília 6 3055149
Volta Redonda 3 273988
Maringá 3 430157
Bauru 2 379297
Campinas 15 1213792
São Paulo 218 12325232
Santos 7 433656

Fonte: Elaborado pela autora com dados da plataforma E-Bus Radar (2021).
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 43

Figura 5. Gráfico da relação entre a quantidade de ônibus elétrico e a população em sete


municípios brasileiros

Fonte: Elaborado pela autora com dados da plataforma E-Bus Radar (2021).

Em Campinas, segundo a plataforma, 15 ônibus elétricos estão em


funcionamento (1,33% de um total de 1.129 ônibus).
Segundo o Caderno de Avanços dos Ônibus Elétricos na América Latina
(MOBILITAS, 2021), em entrevista com o atual presidente da Empresa
Municipal de Desenvolvimento de Campinas (EMDEC), Ayrton Camargo e Silva,
os ônibus estão atuando em duas importantes áreas de Campinas: a região de
Campo Grande-Centro e região de Sousas-Centro.
Com base na licitação atual, o município de Campinas poderia inserir
785 carros, mas o presidente da EMDEC assinalou que o edital está em
reavaliação e ainda não foi definida a nova configuração de ônibus com fontes
alternativas de combustível para a nova licitação.
O presidente declara que “os veículos elétricos vieram para ficar e
certamente farão parte, a cada dia de forma mais representativa, da frota de
veículos no Brasil e no mundo” (MOBILITAS, 2021). No entanto, ele adverte que
é “preciso evoluir nesta eletrificação, principalmente quanto à infraestrutura
de abastecimento” (MOBILITAS, 2021).
Em entrevista com o funcionário da EMDEC, André Aranha Ribeiro
(2021), o edital da concessão dos transportes que criava uma “área branca”9

9 Era uma proposta em que um raio a partir do centro seria delimitado como “área branca”. Nesta
circunferência, só poderia trafegar ônibus elétrico.
44

na cidade foi suspenso em 2019. Foi contratada a Fundação Instituto de


Pesquisas Econômicas (FIPE) “para rever toda a modelagem da concessão, que
pretendemos concluir até o fim de 2021” (RIBEIRO, 2021).
Conceitualmente, Ribeiro (2021) relata que a proposta anterior foi
considerada equivocada e que será realizada uma análise de eletrificação dos
BRTs. E continua relatando que “os estudos da FIPE indicarão um caminho
sustentável tanto do ponto de vista ambiental, quanto econômico e social”
(RIBEIRO, 2021).
Um município que possui uma proposta interessante no Estado de São
Paulo é São José dos Campos. Paulo Guimarães, secretário de Mobilidade
Urbana do município de São José dos Campos e presidente do Fórum Nacional
de Secretários e Dirigentes Públicos de Mobilidade Urbana, comentou o
projeto de implantação em sua cidade de um corredor de transporte público a
ser operado exclusivamente com ônibus elétricos para o Caderno de Avanços
dos Ônibus Elétricos na América Latina (MOBILITAS, 2021).
O secretário relatou que há três anos já haviam realizado uma
experiência com a Guarda Municipal, em que o resultado é uma frota 100%
composta por veículos elétricos. Atualmente, a proposta é a inserção de um
corredor de dez quilômetros que interligará o extremo sul da cidade à região
central. E ele será operado única e exclusivamente com os veículos elétricos. O
projeto prevê ciclovia e calçadas, mas não será permitido o trânsito de
automóveis e nem de outro modo de transporte público a combustão interna.
A obra do corredor está sendo integralmente custeada pela
administração municipal. Sobre a infraestrutura de carregamento dos veículos
do corredor, Paulo Guimarães relata que o governo municipal decidiu assumir
também esse custo e já inaugurou um processo de licitação para esse fim. “A
ideia é que tanto os ônibus como a estrutura de carregamento sejam entregues
aos novos operadores como um comodato, um bem reversível na concessão.”
(MOBILITAS, 2021).
O secretário complementa que em relação ao custo da energia, o
governo municipal está empregando uma estratégia diferenciada. “Para que
não venhamos a perder o controle sobre o valor da energia, visando manter o
controle da tarifa ao longo do contrato de concessão, estamos realizando duas
outras licitações para a compra de energia, um referente à geração distribuída
e outra ao mercado livre.” (MOBILITAS, 2021). Há requisitos quanto à geração
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 45

de energia em cada um desses dois processos. “No caso da geração distribuída,


a produção necessariamente deve ser feita por usina fotovoltaica, e no
mercado livre, só iremos comprar daquelas empresas que fizerem a produção
de energia de forma limpa, como a eólica, a solar e a hidrelétrica” (MOBILITAS,
2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todas as tentativas de melhorar a qualidade de vida da população são


importantes, no entanto, este ensaio visa expor a complexa rede em uma
avaliação das questões ditas “sustentáveis”. Não é apenas o fim, ou seja,
quanto o veículo não está poluindo o ar, e sim, ao analisar o sistema como um
todo, é importante verificar se ainda assim, o resultado final é benéfico.
É importante entender se a produção do combustível ou da energia
utilizada no transporte e suas fragilidades, compensam. Se o descarte da
bateria não afetaria de maneira negativa o meio ambiente retirando o
benefício da troca para um transporte elétrico. É importante avaliar os prós e
contras para verificar se realmente estas mudanças estão sendo efetivas, ou se
apenas está sendo transferido o problema para outro local ou setor.
Portanto, é preciso identificar se tais opções estariam auxiliando na
redução da poluição ou estariam reduzindo os riscos nas cidades grandes e
transferindo o ônus para as áreas periféricas, onde as plantações de cana e a
instalação das hidroelétricas estariam.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, J. M. de; ROSÁRIO, N. M. É. do. Poluição atmosférica associada ao material particulado


no estado de São Paulo: análise baseada em dados de satélite. RBCIAMB, v. 55, n. 1, p. 32-47,
2020.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente (MMA). Qualidade do ar. Disponível em:
https://antigo.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/qualidade-do-
ar.html#:~:text=A%20polui%C3%A7%C3%A3o%20atmosf%C3%A9rica%20pode%20ser,seguran%C
3%A7a%2C%20ao%20uso%20e%20gozo. Acesso em: 21 maio 2021.
DUARTE, C. G.; GOMES, F.; SORIANO, E. et al. Ensaio sobre a evolução da proteção ambiental no
setor sucroenergético. Revista Brasileira de Ciências Ambientais, n. 29, p. 1-16, 2013. Disponível
46

em: http://rbciamb.com.br/index.php/Publicacoes_RBCIAMB/article/view/552. Acesso em: 29


abr. 2021.
E-BUS RADAR. Plataforma de monitoramento de frotas de ônibus elétricos no Transporte
Público das cidades Latino-Americanas. Disponível em: https://www.ebusradar.org/. Acesso em:
22 jun. 2021.
INSTITUTO DE SAÚDE E SUSTENTABILIDADE (ISS). Monitoramento da qualidade do ar no Brasil.
São Paulo: ISS, 2014.
MOBILITAS. Avanços dos ônibus elétricos na América Latina. 2021. p. 17. Disponível em:
https://mobilitas.lat/wp-content/uploads/2021/06/210615-CADERNO-ONIBUS-ELETRICO-
COMPLETO.pdf. Acesso em: 22 jun. 2021.
ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Environmental
Outlook to 2050: the consequences of inaction. [s.l.]: OECD, 2012.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). La covid-19 aumenta la urgencia de ampliar las
soluciones de energía sostenible en todo el mundo. 2020. Disponível em:
https://www.who.int/es/news/item/28-05-2020-covid-19-intensifies-the-urgency-to-expand-
sustainable-energy-solutions-worldwide. Acesso em: 21 maio 2021
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Nueve de cada diez personas de todo el mundo
respiran aire contaminado, 2018. Disponível em: https://www.who.int/es/news/item/02-05-
2018-9-out-of-10-people-worldwide-breathe-polluted-air-but-more-countries-are-taking-action
Acesso em: 11 mai. 2021.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Public health, environmental and social
determinants of health. Disponível em:
https://www.who.int/phe/health_topics/outdoorair/em
/#:~:text=Air%20pollution%20can%20occur%20anywhere,common%20sources%20of%20air%2
0pollution. Acesso em: 21 maio 2021.
RIBEIRO, A. A. Entrevista realizada em 22/06/2021.
ROSÁRIO, N. M. É. do. Poluição atmosférica e a sua relação com os eixos de desenvolvimento
urbano-industrial. Palestra realizada para a Disciplina Tópicos Especiais: Infraestrutura, Cidades e
Mudanças Climáticas do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto
de Arquitetura e Urbanismo – USP – São Carlos, 2021.

AGRADECIMENTOS

Ensaio elaborado para a Disciplina Tópicos Especiais: Infraestrutura, Cidades e Mudanças


Climáticas do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Arquitetura
e Urbanismo – USP – São Carlos. Docentes: Dr. Renato Luiz Sobral Anelli e Dr. Jeferson Cristiano
Tavares.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 47

Capítulo 3

ESPAÇOS RESIDUAIS E O SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES:


CONTRIBUIÇÕES AO PLANEJAMENTO URBANO10

Eloisa Carvalho de Araujo11


Karina Martins de Souza12
Jefferson Tomaz de Araújo13

INTRODUÇÃO

O debate sobre o tema dos espaços livres e dos espaços residuais ganha,
a cada dia, maior relevância quando associado às práticas para as cidades.
Reflexões teóricas avançam quando confrontadas com processos de
urbanização e nos instigam a revisitar o tema e destacar aspectos que possam
contribuir para o planejamento urbano.
Os espaços livres se manifestam de maneira intrínseca aos conflitos e
contradições presentes nas paisagens brasileiras em suas mais variadas formas
de expressão nas cidades. Os aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos
dos espaços urbanos contribuem na conformação dos espaços livres e na
interação entre estes e os espaços edificados das cidades (SCHLEE et al., 2009).
Diante dos constantes processos de urbanização, diversos resíduos
espaciais sem características formais e funcionais aparentemente muito bem

10
Trata-se de trabalho anteriormente apresentado pelos autores, em formato preliminar, na 8ª
Conferência da Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM, 2019), realizada em agosto de 2019
na cidade de Maringá, Paraná, Brasil. O artigo, ampliado e adaptado para este novo momento, é
fruto de pesquisa em curso, vinculada ao Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq “Cidade,
Processos de Urbanização e Ambiente”, desenvolvida no âmbito do Laboratório do Lugar e da
Paisagem (LABLupa) da Universidade Federal Fluminense.
11 Doutora em Urbanismo. Professora associada LAbLupa/PPGAU/EAU/UFF. E-mail:
eloisacarvalhoaraujo@id.uff.br
12 Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. Pesquisadora do LAbLupa/PPGAU/EAU/UFF. E-mail:

kamartins@id.uff.br
13 Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. Pesquisador do LAbLupa/PPGAU/EAU/UFF. E-mail:

jeffersontomaz@id.uff.br
48

definidas emergem no tecido urbano. Esses espaços residuais podem ser


encarados como reflexo das dinâmicas que envolvem a composição da cidade
capitalista em diversas realidades distintas. Na discussão referente aos
sistemas de espaços livres, a compreensão da manifestação dos conflitos
impressos na paisagem é peça fundamental ao planejamento dos espaços
urbanos da cidade contemporânea.
No âmbito da urbanização brasileira, a fragmentação dos sistemas de
espaços livres de diversas cidades pode ser encarada como um dos
desdobramentos de um planejamento urbano excludente, regido sob a
perspectiva capitalista e interesses de determinados grupos sociais na
produção do espaço. Nesse contexto, os espaços residuais se apresentam
como produto da sobreposição das camadas da cidade ao longo do tempo,
formados pela renúncia de um planejamento integrado da paisagem urbana.
Muitos estudos têm abordado a dispersão urbana e seus
desdobramentos na paisagem (REIS FILHO, 2006; SECCHI, 2009), a ausência do
planejamento sistêmico dos espaços livres (MACEDO et al., 2018; QUEIROGA,
2011; TÂNGARI et al., 2009) e a gênese e intervenções sugestivas dos/nos
resíduos espaciais da urbe (ARVANITIDIS; PAPAGIANNITSIS, 2020; BALBI, 2017;
BORDE, 2006; FOO et al., 2014; FOSTER, 2013; GALDINI, 2020; KOOLHAAS,
2010; SAMPAIO, 2013; SOLÀ-MORALES, 2003) por meio de diferentes linhas de
investigação. Entretanto, os referidos temas ainda são predominantemente
tratados de maneira isolada entre si. Pouco se tem estudado a respeito dos
espaços residuais e suas potencialidades na composição de um sistema de
espaços livres qualificado às necessidades da vida urbana na cidade
contemporânea (NÉMETH; LANGHORST, 2014; NEWMAN; SMITH; BRODY,
2017). Portanto, quais são as potencialidades dos espaços residuais e seu papel
democrático na qualificação do sistema de espaços livres urbanos?
Este trabalho tem como objetivo explorar criticamente os processos de
urbanização produtores dos espaços residuais e as dinâmicas urbanas que os
apresentam como espaços dotados de novas possibilidades nas cidades
brasileiras. O trabalho apoia-se numa metodologia qualitativa de revisão
bibliográfica a partir de dados secundários e propõe uma discussão teórico-
conceitual com base na realidade empírica da urbanização brasileira.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 49

INQUIETAÇÕES TEÓRICAS

Primeiramente, necessitamos compreender o que são os espaços


residuais e como eles são abordados na literatura até o momento atual. Esses
espaços, correlatos a muitos outros conceitos como de vazio urbano (BORDE,
2006), junkspace (KOOLHAAS, 2010) e terrain vague (SOLÀ-MORALES, 2003),
alimentam-se das definições de muitos deles, mas certamente vão além disso.
Em uma diferenciação sucinta, nota-se que o vazio urbano se refere,
majoritariamente, a edificações e terrenos que não estão cumprindo
plenamente sua função social na cidade (BORDE, 2006), enquanto o espaço
residual não se restringe a um terreno ou edificação. O espaço residual emerge,
como seu próprio nome já anuncia, como resíduo de algo: “sobra” ou resquício
de variados processos de urbanização, espaço remanescente da transformação
urbana. Ele é um produto da justaposição das diversas camadas históricas e
ideológicas da urbe, resultante da abdicação do planejamento sistêmico da
paisagem urbana (SOUZA, 2020).
Apesar de originários de dinâmicas passadas, os espaços residuais
diferenciam-se nesse ponto do terrain vague (SOLÀ-MORALES, 2003), que
engloba espaços aparentemente estranhos e esquecidos, nos quais a memória
do passado se sobrepõe à memória do presente: eles são pertencentes ao
momento atual e ao senso comum, por mais que passem despercebidos em
inúmeros momentos. Os espaços residuais apresentam-se como elementos
não completamente inseridos na vivência urbana e que, de algum modo,
aguardam um novo uso, função e/ou apropriação na cidade (ARAÚJO; SOUZA;
ARAÚJO, 2019).
Os espaços residuais também podem ser considerados como um reflexo
das dinâmicas intrínsecas à cidade capitalista (BALBI, 2017). Ademais, eles não
se detêm ao conceito de junkspace, espaço lixo em tradução literal, no sentido
de ser o resíduo deixado pela modernização e pela humanidade no planeta
(KOOLHAAS, 2010). Embora eles se apropriem do conceito de junkspace, a
relação de sua existência com o processo contínuo de construção e
reconstrução urbana se caracteriza como um elemento típico da dinâmica
urbana capitalista (SOUZA, 2020) (Figura 1).
50

Figura 1. Articulação dos conceitos

Fonte: Elaboração de Karina M. Souza (2020).

No cenário internacional, alguns autores abordam em seus estudos


recentes formas de exploração do potencial de espaços residuais urbanos —
denominando-os como vacant lands — através de diferentes meios de análise.
Arvanitidis e Papagiannitsis (2020), por exemplo, citam que os métodos
tradicionais de gestão do espaço urbano, utilizados pelas autoridades
governamentais, e o sistema que estimula a privatização dos espaços urbanos
falharam ao tentar reativar alguns espaços públicos e, consequentemente,
deram origem a espaços residuais no tecido urbano. Uma possível solução
dada pelos autores é tratar esses espaços como bens comuns, onde os
cidadãos possam coletiva e democraticamente assumir a sua gestão. Os
autores embasaram-se em uma iniciativa bem-sucedida no Navarinou Park em
Atenas, que supre as necessidades e interesses da população local, melhora a
qualidade de vida urbana, potencializa o capital social e a solidariedade, e deixa
como legado algumas recomendações políticas para o sucesso de ações
semelhantes futuras.
O caso do Navarinou Park, apresentado por Arvanitidis e Papagiannitsis
(2020) como um “bem comum”, suscita reflexões capazes de influenciar o
campo temático dos espaços residuais, considerando para tal a convergência
de interesses a partir de possíveis arranjos institucionais apoiados nas
dimensões social, cultural e econômica. Esse caso bem-sucedido revela a
importância da articulação da sociedade através de uma mistura híbrida e sutil
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 51

sobre o quanto tolerar e o quanto cooptar para o sucesso da gestão coletiva


do espaço.
Torna-se importante observar que a abordagem dada pelos autores se
desvia do discurso neoliberal em que somente instituições privadas e formais
com estrutura top-down geram resultados positivos. Essa abordagem abre
perspectiva para outras formas de gestão dos espaços urbanos —
principalmente os residuais —, através de uma ótica de que não é tanto o tipo
de regime de gestão que importa para o sucesso do espaço, mas sim como os
bens comuns funcionam enquanto instituição que supra as necessidades dos
atores sociais e a sua credibilidade perante os usuários do local. Nesse caso, o
que verdadeiramente importa é considerar as especificidades locais, a
realidade socioeconômica, as condições políticas, o panorama cultural e as
convicções dos envolvidos para deixar o espaço mais formal ou menos formal
(ARVANITIDIS; PAPAGIANNITSIS, 2020).
Abraçando essa linha de pensamento de gestão colaborativa e
coletiva dos espaços, Foo et al. (2014) discorrem sobre o processo de gestão e
atuação colaborativo nos resíduos da cidade, com base no conceito de
placemaking. Para os autores, a presença constante desse tipo de espaço
sinaliza a desigualdade do valor da terra urbana, pois, em geral, a maioria dos
espaços residuais é localizada em áreas de reprodução da população de baixa
renda com menor valor do solo. Assim, os espaços residuais também
expressam relações de poder e identidade no espaço. A produção dos espaços
residuais possui relação com o aumento da privatização, polarização
econômica e crescimento sociopolítico, que, de diversas maneiras,
fragmentam a paisagem da cidade.
O placemaking se insere nesse contexto, sugerindo uma análise
multiescalar — necessária no contexto de desenvolvimento urbano
heterogêneo —, que verifique as mudanças de função dos espaços e como eles
se relacionam com as dimensões físicas, socioeconômicas e as dinâmicas locais,
urbanas e regionais. A partir desse entendimento, é importante notar que os
espaços residuais podem ser analisados segundo dois vieses. O primeiro
suporta que ele é baseado na circulação desigual de capital em áreas distintas
do espaço urbano. Já o segundo analisa que o senso individual ou coletivo dos
espaços, que pode originar o seu desuso, também permite que esses espaços
possuam potencial para intervenções e apropriações que possam transformar
52

o olhar das pessoas perante o entorno urbano, revelando-os como espaços


com poder de transformação (FOO et al., 2014).
Dessa forma, Foster (2013) também vislumbra esses espaços
“esquecidos” na cidade — utilizando o conceito de terrain vague — como áreas
ricas para investigação de usos, experiências, evolução estética e biofísica. Por
se tratar de áreas residuais, mas não inóspitas, elas possibilitam perspectivas
sociológicas e ecológicas, muitas vezes, pouco prováveis em outras áreas da
cidade. Em sua obra, a autora explora predominantemente a perspectiva
ecológica do potencial dos espaços residuais, mas também sonda as
oportunidades socioculturais que eles proporcionam no contexto de tecidos
urbanos consolidados.
Por outro lado, Galdini (2020) disserta sob uma perspectiva do uso
temporário desses espaços. De acordo com o autor, essas intervenções podem
representar inovação e soluções experimentais que melhoram espaços em
desuso e conservam a identidade e o valor histórico e ambiental deles.
Ademais, essas práticas podem ser estratégicas para promover um processo de
requalificação urbana e uma melhora no sistema de planejamento e políticas
públicas. Desse modo, elas são capazes de estabelecer uma nova forma de
gestão e impulsionar transformações mais amplas, de modo a integrar
passado, presente e futuro.
E, por esta perspectiva, o potencial para o uso temporário nos espaços
residuais reflete a noção contemporânea do tempo, da fragmentação da
sociedade e a necessidade de experimentação e inovação. Essa temporalidade
faz ainda com que o cidadão seja mais que um receptor passivo dos serviços
urbanos ofertados pelo Estado, torna-o sujeito ativo de ações coletivas. Os
espaços residuais são espaços “entre” espaços, que permitem conectar tempo
e espaço com as experiências das pessoas, favorecendo encontros e interações
(GALDINI, 2020).
Por sua vez, o estudo de Németh e Langhorst (2014) aponta os diversos
benefícios nos âmbitos político, econômico, social e ecológico que as
intervenções temporárias nos espaços residuais urbanos propiciam à cidade
contemporânea. Nesse caso, os benefícios sociais e ecológicos são mais
facilmente compreensíveis a priori pela sociedade e, em geral, são atingidos
em menor prazo temporal. Os benefícios econômicos exigem uma atuação
político-administrativa mais intensa e articulada para um retorno satisfatório.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 53

Já os benefícios políticos são os mais complexos, pois essas práticas caminham


do lado oposto dos interesses do mercado imobiliário e de determinados
agentes produtores do espaço. Desse modo, os autores defendem os espaços
residuais como instrumento crítico de planejamento que pode oferecer justiça
social e ambiental às cidades no contexto do capitalismo contemporâneo. E é
nessa perspectiva que a pesquisa segue, atribuindo valor à dimensão pública e
política dos espaços residuais.

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: ESPAÇOS LIVRES NA PAISAGEM


BRASILEIRA

A composição morfológica das cidades pressupõe a dialética entre


espaços livres e espaços edificados. Por muito tempo delegou-se aos espaços
livres um papel coadjuvante nas dinâmicas que envolvem a produção da
paisagem urbana. No entanto, no cenário contemporâneo, a emergência do
planejamento urbano integrado das cidades tem ressaltado a relevância do
tratamento dos espaços livres em consonância aos espaços edificados como
componente essencial ao equilíbrio da forma urbana (ARAÚJO, 2020).
Pela conceituação elaborada por Miranda Magnoli (2006), o espaço livre
é todo espaço não ocupado por um volume edificado e/ou não urbanizado.
Nesse sentido, os espaços livres são todos os espaços livres de edificação — na
escala urbana — ou de urbanização — na escala regional –, sejam eles públicos
ou privados, vegetados ou não. E assim, apresentam-se no espaço urbano na
forma de ruas, praças, largos, parques, áreas de proteção ambiental, quintais,
praias, pátios internos, corpos hídricos, entre outros (MAGNOLI, 2006).
Os espaços livres bem equipados e diversificados são responsáveis por
atender a diversas demandas sociais, culturais e ambientais das cidades, além
de serem lócus fundamentais à construção de uma sociedade democrática
(MACEDO et al., 2018). Do mesmo modo, os espaços livres são fundamentais
para a criação de possibilidades à vivência coletiva, onde as mais diversas
relações e apropriações sociais ocorrem sob a forma de manifestações,
comemorações, protestos e contemplação (TÂNGARI et al., 2009), entre outros
exemplos mencionáveis. De acordo com Sílvio Macedo (2010), a relação
simbiótica entre espaços livres públicos e privados é complementar, funcional
e interdependente, pois esses espaços estão morfológica, funcional e
54

ambientalmente interagindo de maneira contínua. Essa relação permite a


complementariedade dos atributos uns dos outros, a qual compensa as
limitações e vantagens mútuas existentes.
No processo de evolução urbana das cidades brasileiras, a produção do
espaço tem sido historicamente capitaneada pelos processos de
industrialização, pelo consumo e pelos desejos das elites (SANTOS, 1993). As
transformações de valor econômico junto às novas funcionalidades dos
espaços na transição do rural ao urbano são impressas na cidade
contemporânea dos serviços interconectados, do comércio globalizado e dos
grandes empreendimentos imobiliários. Nesse sentido, a produção da
paisagem é diretamente vinculada à técnica, um produto das ações sociais
mediante os interesses econômicos impressos no espaço (SANTOS, 1996).
Levando-se em conta as considerações teórico-conceituais da dialética
espacial de Milton Santos (1996) e de sistema de Edgard Morin (1990), é
possível inferir que a complexidade da trama urbana pressupõe a existência de
uma rede de elementos urbanos interconectados e interdependentes. Nesse
sentido, Magnoli (2006) já havia apontado que qualquer cidade abriga
intrinsecamente algum tipo de sistema de espaços livres em seu espaço
urbano. Apesar disso, a existência de tal sistema não permite dizer se ele é
adequado ou não a uma determinada realidade urbana.
Nessa perspectiva, entende-se que a existência de um sistema de
espaços livres não acarreta, necessariamente, no seu prévio planejamento e
monitoramento. O sistema de espaços livres pode ser resultado do somatório
de diferentes intervenções, como pode ser totalmente projetado, ou, ainda,
parcialmente projetado. Assim, o sistema de espaços livres é a composição
gerada por todos os espaços livres de edificação na cidade, seja de propriedade
pública ou privada. Dessa maneira, o conceito compreende todos os espaços
que envolvem os volumes edificados e que estão conectados pela atmosfera e
possuem uma inter-relação de dependência e hierarquia (MACEDO, 2010).
A relação complementar do sistema de espaços livres aos demais
sistemas — físicos e abstratos — que compõe a cidade propicia uma trama
complexa e multifuncional. Os mais diversos papéis dos espaços livres se
entrelaçam diante da interação entre o sistema de objetos e o sistema de ações
que compõem o dinamismo da paisagem urbana (SCHLEE et al., 2009).
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 55

Dessa maneira, a multifuncionalidade pode ser destacada como uma


característica fundamental dos sistemas de espaços livres urbanos diante da
diversidade de tipologias, funções, usos e apropriações dos espaços livres que,
por algumas vezes, acabam se sobrepondo e se complementando nas relações
dinâmicas da cidade. A localização geográfica, a distribuição no espaço urbano
e a acessibilidade dos espaços livres formam um sistema complexo de
conexões com múltiplos papéis na cidade (MACEDO et al., 2009).
No que se refere à dimensão pública e política do espaço, os espaços
livres públicos se configuram como um subsistema essencial às práticas de
cidadania e interação social na vida urbana. Dessa maneira, o sistema de
espaços livres públicos se apresenta como o principal “subsistema” de espaços
livres dedicados às atividades da esfera pública. As dimensões política e
sociológica desses espaços são, portanto, essenciais à construção de uma
sociedade democrática sustentada a partir da devida relação sistêmica entre
as diversas camadas da cidade (QUEIROGA, 2011).
Nesse sentido, a devida qualificação dos sistemas de espaços livres
contribui significativamente com a qualidade da vida urbana em suas
dimensões social, cultural, política, econômica e ambiental. Portanto, a
composição de um sistema de espaços livres qualificado é um modo de
contribuir com a qualidade de diversas demandas de serviços urbanos nas
cidades e metrópoles contemporâneas e com o combate às desigualdades
presentes no espaço urbano brasileiro (QUEIROGA, 2011).

OS RESÍDUOS NOS PROCESSOS DA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA

A urbanização brasileira com seu caráter corporativo foi — e ainda tem


sido — regida principalmente pelos interesses das grandes corporações e
empresários vinculados, especialmente, à expansão do mercado imobiliário.
Nesse âmbito, essa característica engendrou a produção de cidades pautadas
na expressiva produção econômica em detrimento do desenvolvimento social,
fato que é refletido em seu tecido urbano disperso e fragmentado (MARICATO,
2001; SANTOS, 1993).
Os processos de urbanização no Brasil foram guiados por um
planejamento urbano voltado aos interesses econômicos de determinados
agentes sociais produtores do espaço, entre eles os interesses de consumo das
56

camadas de renda mais altas. A disputa de classes pela apropriação das


melhores condições do espaço urbano e a segregação socioespacial resultantes
deste fato tendem a ser o fator mais poderoso na estruturação do espaço
urbano das cidades e metrópoles brasileiras. Em suma, apesar dos elementos
das estruturas territoriais se relacionarem entre si, eles se mostram
completamente conectados às estruturas sociais da urbe: o espaço urbano é
produzido pelas relações e pelos interesses sociais (VILLAÇA, 1998).
As cidades brasileiras, durante o seu período de crescimento, tendem a
passar por processos de dispersão urbana, que possuem a infraestrutura de
mobilidade urbana como um importante vetor indutor da estruturação do
espaço e da valorização da terra. As vias de transporte coletivo são
consideradas o eixo de atração de crescimento urbano mais poderoso nesse
sentido. A implantação do sistema de ferrovias, entre os séculos XIX e XX, se
mostra determinante ainda hoje na organização espacial das grandes
metrópoles brasileiras. Seus perímetros ocupados, predominantemente, por
população de baixa renda sofrem do descaso por parte do poder público
(VILLAÇA, 1998). Resultado disso são espaços livres fragmentados, sem uso
bem definido, subutilizados e/ou em más condições de conservação; em suma,
resíduos de um sistema de transporte historicamente precarizado.
Esse tipo de espaço se mostra presente também em áreas urbanas
desenvolvidas nos parâmetros do automóvel. Nesse âmbito, destaca-se o
urbanismo modernista, no século XX, como o momento no qual as cidades
brasileiras sofreram grandes modificações em função da idealização da
produção do espaço voltado ao automóvel e ao espraiamento urbano. A
ascensão dessa ideologia fez com que o cotidiano fosse reorganizado
majoritariamente para uma escala metropolitana e intermetropolitana,
baseado no conceito da urbanização dispersa. Nesse modelo de
desenvolvimento, o diálogo com o diverso é minimizado e a excessiva
padronização urbanística privilegia os centros de consumo, os centros de
negócio e os condomínios fechados (REIS FILHO, 2006).
Naquele período, a produção de espaços livres públicos “formais” não
acompanhou o expressivo crescimento populacional pelo qual as cidades
brasileiras estavam vivenciando, ao passo que muitos foram suprimidos ou
diminuídos por conta de obras viárias monumentais na conjuntura do
urbanismo modernista (MACEDO, 2010). O esgarçamento do tecido urbano,
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 57

fruto dos grandes projetos viários modernistas, contribuiu para a formação de


vários resíduos espaciais, espaços livres desconexos e um tecido urbano mais
fragmentado (Figura 2).

Figura 2. Fragmentação do sistema de espaços livres públicos na zona portuária do Rio de


Janeiro em função da construção do antigo elevado da Perimetral no século XX

Fonte: Ignácio Ferreira/Acervo Agência O Globo (1978).

No que se refere à dispersão urbana, áreas metropolitanas tornam-se


cada vez mais dispersas nos seus núcleos, entremeadas por espaços com
menor densidade de ocupação e diversos espaços residuais. A própria
expansão dos núcleos urbanos que originou conurbações também engendrou
espaços livres que se apresentam como resquícios dessa urbanização sem
limites. Em contrapartida, do ponto de visto político-administrativo, a
paisagem continua tendo seu planejamento integrado abdicado (REIS FILHO,
2006).
Além disso, novas tipologias arquitetônicas de ocupação do solo urbano
adotados nas últimas décadas, como os condomínios fechados, reforçam ainda
mais a subjugação de determinados espaços livres públicos na urbe. Eles
tendem a desconsiderar a estrutura morfológica do tecido urbano no qual são
inseridos e a renegar inúmeras relações com o seu entorno imediato,
propiciando rupturas no espaço urbano com espaços livres públicos
fragmentados e subutilizados no seu entorno, que, na maioria das vezes, trata-
se de espaços residuais oriundos daqueles processos de urbanização.
58

É principalmente nesse modelo de expansão das cidades brasileiras


mencionado que os espaços residuais surgem em larga escala. Isto é, os
espaços residuais são consequência de uma cidade compreendida como
mercadoria e sua presença é intensificada pelo processo de dispersão e má
gestão do solo urbano, que desconsidera a relação sistêmica do planejamento
da paisagem urbana. Há uma remodelação na estrutura das cidades buscando
uma melhor circulação de produtos causada pela sociedade de consumo.
Assim, a escala da urbe passa da humana para a da mercadoria, pois o próprio
espaço urbano torna-se submetido à troca e à especulação financeira
(FABREGAT, 2013).
Nesse contexto, insere-se o urbanismo de fragmentação como
instrumento discriminador socioespacial no cenário urbano contemporâneo,
através de ações de infraestrutura que tendem a gerar um modelo territorial
fragmentado e desigual. O urbanismo de fragmentação serve como alavanca
para o surgimento de espaços residuais inseridos em um sistema de espaços
livres pouco qualificado, o qual é alimentado majoritariamente pelo
investimento de capital privado e por políticas públicas em serviços urbanos
em determinadas áreas “privilegiadas” da urbe em detrimento de outras. Isto
é, esse investimento origina áreas com melhor qualidade de infraestrutura e
serviços urbanos e desvaloriza outras que não os possuem e, além disso,
tornam estas últimas mais propensas a originarem novos espaços residuais na
cidade (SOUZA, 2020).
Essa atitude representa uma conivência por parte do poder público para
a construção desse espaço urbano muitas vezes intencionalmente segregado.
Para a administração pública, os espaços residuais são espaços
convenientemente invisíveis. Ela lida com os espaços residuais como reserva
de terra — ou para extração da renda da terra — a ser utilizada quando lhe for
mais conveniente (ZANOTELLI; FERREIRA, 2014).
Nesse âmbito, em se tratando do seu valor econômico, os espaços
podem assumir um caráter luminoso ou opaco frente às dinâmicas neoliberais
da cidade contemporânea. Seu potencial de atratividade à reprodução do
capital se revela como um fator determinante à produção de uma imagética de
cidade pautada no embelezamento urbano nos espaços luminosos, enquanto
a deficiência da infraestrutura e a obsolescência espacial predominam na
conformação dos espaços opacos aos interesses do capital (SANTOS, 1996).
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 59

A condição opaca ou luminosa desses espaços tende a ser uma


característica preponderante à sua reinserção na dinâmica da cidade,
especialmente quando há a presença significativa de investimento do capital
privado nas intervenções urbanas. A atratividade à reprodução do capital de
determinados espaços residuais os elege como mais adequados que os demais
perante a conjuntura da cidade neoliberal (SAMPAIO, 2013).
Uma alteração de usos e funções pode ressignificar por completo seu
papel na cidade, seja de forma urbanisticamente positiva ou negativa a
depender dos interesses dos distintos grupos sociais. E é o que podemos
observar, na perspectiva corporativista, em grande parte das Operações
Urbanas Consorciadas, as quais oportunizam o aproveitamento de extensos
espaços residuais, como terrenos baldios e estacionamentos, e os
reincorporam à cidade.

POTENTES CONEXÕES PARA O PLANEJAMENTO DA PAISAGEM URBANA

Ao abordar o conceito de espaço residual e associá-lo à paisagem


urbana, deparamo-nos com pelo menos dois cenários possíveis de análise: um
que evidencia sua renúncia frente ao processo de produção da paisagem
urbana, como se os espaços residuais não agregassem valor às transformações
ocorridas, dentro de uma relação espaço-tempo; e outro que incorpora a
potência dos espaços residuais ao sistema de espaços livres da cidade, através
de uma conexão que privilegia a complexidade da vida urbana contemporânea.
Com expectativas diversas, essa interpretação nos propicia uma discussão com
peso maior no que ela apresenta como potencial a ser incorporado à temática
dos espaços livres urbanos nas cidades brasileiras.
Na qualidade de “sobras” ou “resquícios” da urbanização,
caracterizando-se como áreas remanescentes de transformações urbanas, os
espaços residuais tendem a sucumbir no campo da perda de identidade, como
interstícios sem urbanização, terras ociosas, arregimentadas por um
urbanismo de fragmentação, com repercussão no âmbito do território e do
espaço público, com limitações de apropriação de uso e de caminhabilidade.
Na maioria das vezes, tal desenho impõe ações no intuito de cerzir o território,
no entanto, sem descartar a possibilidade de incorporação através de
estratégias sistêmicas, que conectem a paisagem urbana à metropolitana.
60

Estudos diversos buscam aprofundar inquietações nessa perspectiva,


entre outros, podemos situar Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1988) que
ressalta as relações de interdependência entre os elementos que estruturam a
forma urbana — como o lote, a rua, a quadra — e as práticas socioespaciais.
Para o autor, a articulação dos elementos entre si, e com o bairro e a cidade,
ocorre mediante variações e estímulos de ordem econômica, social e cultural.
Já segundo Nestor Goulart Reis Filho (2006), nos processos de
urbanização mais intensos, não se percebe mais a separação entre as zonas
urbanas, suburbanas e rurais. Ficam, ainda segundo o autor, evidenciados
movimentos de dispersão e fragmentação das manchas e tecidos urbanos.
Nesse caso, há um processo simultâneo de fusão e integração entre as áreas
urbanizadas das cidades e de uma região, enfatizando um processo de
dispersão e de esgarçamento do tecido urbano.
Novas paisagens contemporâneas constituídas pela dispersão urbana,
pela expansão e alargamento das cidades, em escala metropolitana, acabam
por revelar um tecido urbano descontínuo e fragmentado, permeado de
espaços residuais — que na escala metropolitana podem se caracterizar como
espaços livres de urbanização de diferentes tipologias, exacerbando uma
relação entre fronteiras em que circulamos e vivemos.
Na perspectiva de aproximação de formas urbanas compactas e
fragmentadas, surgem espaços oriundos de aglutinações, de mesclas que
potencialmente projetam desejos, conflitos e incertezas, nos quais sugerem
camadas de apropriação de fragmentos resilientes. Nesse sentido, espaços
livres e espaços residuais estão por toda parte e apresentam-se com
capacidade de qualificar ambientes, articular escalas e exercer funções sociais,
culturais, ambientais, políticas e econômicas de natureza heterogênea.
Por vezes, muitos espaços residuais também podem ser caracterizados
como espaços livres de edificação na escala urbana. Esses são espaços do
possível, segundo Pierre Bourdieu (2008), que podem ser palco de conflitos
específicos e onde é possível revelar as vozes dos atores sociais mais
desfavorecidos.
Diante da disponibilidade temporária desses espaços como locais
“esquecidos” pelo poder público, surgem práticas de microrresistência capazes
de potencializar a formação da cidadania. Dessa maneira, um olhar mais atento
do planejamento urbano tem a capacidade de qualificá-los, reinseri-los na
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 61

dinâmica da cidade, oferecer novos usos, fomentar apropriações, instigar


vínculos sociais e, portanto, em um movimento contínuo, capaz de
potencializar a dinamicidade de paisagens mais diversas e inclusivas (Figura 3).

Figura 3. Antigo espaço residual reurbanizado para abrigar o atual Parque Madureira
no Rio de Janeiro

Fonte: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (2016).

Seja pela atuação do capital público, seja do privado — de forma isolada


ou em parceria —, podem ser mencionadas variadas ações que, de algum
modo, rescendem a potencialidade de resíduos espaciais reintegrados ao
tecido urbano consolidado da cidade. A contribuição dos antigos resíduos à
qualificação do sistema de espaços livres é significativa na melhoria da
qualidade da vida urbana em diversas dimensões. A reativação das suas
funções social, cultural, ambiental, política e econômica pode ser explorada na
construção de uma cidade menos fragmentada e de uma sociedade mais
inclusiva.
Apesar de não mencionarem explicitamente os conceitos de espaços
residuais e sistemas de espaços livres, os trabalhos de Németh e Langhorst
(2014) e Newman, Smith e Brody (2017) também oferecem contribuições
62

importantes à articulação desses conceitos e ao avanço da discussão proposta


neste trabalho. Quanto ao âmbito ecológico, Németh e Langhorst (2014)
revelam o potencial de equilíbrio ecossistêmico que os espaços residuais
urbanos assumem quando planejados como um sistema de espaços livres que
conecte resíduos espaciais de diferentes escalas e desempenhos semelhantes,
desde a escala municipal até a regional.
A adoção de tal medida, segundo Németh e Langhorst (2014), pode
proporcionar resultados positivos tanto por um lote subutilizado encontrado
em um espaço urbano convencional, quanto por extensos espaços livres na
escala regional, tais como resíduos fronteiriços entre usos do solo de áreas
urbanizadas. Para os autores, essa articulação deve ser planejada de maneira
conjunta pelas diferentes esferas de poder da gestão pública, desde a escala
do bairro à escala da região, no intuito de ser alcançada uma agenda de
planejamento efetiva.
Nessa perspectiva, segundo os estudos de Newman, Smith e Brody
(2017), esses espaços também se revelam com grande potencial ambiental
visando à prestação de serviços ecológicos, podendo ser transformados e
apropriados como elos para a conectividade estrutural da paisagem. Uma
solução de base ecológica oferece a possibilidade de transformação de espaços
livres residuais em um verdadeiro “sistema de fragmentos” de áreas urbanas
consolidadas que, conectadas a um sistema de espaços livres, oferece aumento
da provisão de serviços ambientais à cidade.
Essa dimensão de transformação de resíduos urbanos em uma espécie
de corredores ecológicos deve ser planejada de forma eficaz e estratégica,
podendo alcançar múltiplas escalas, com o reaproveitamento de espaços
residuais para potencializar o sistema de espaços livres existente na cidade. Por
outro lado, na realidade brasileira, a histórica deficiência de um planejamento
sistêmico de espaços livres como diretriz ao ordenamento urbano tende a
prejudicar os processos de produção do espaço urbano contemporâneo
(MACEDO et al., 2018).
A reativação de espaços residuais no sistema de espaços livres pode
representar uma possibilidade de potencialização de um sistema mais
adequado ao uso e apropriação da população e, ainda, um estímulo à produção
de uma sociedade mais democrática. Embora abandonados ou subutilizados,
os espaços residuais têm seu valor na cidade contemporânea, pois podem ser
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 63

potencializados ao melhor desempenho do bem-estar urbano e à


conectividade da paisagem (ARVANITIDIS; PAPAGIANNITSIS, 2020; NEWMAN;
SMITH; BRODY, 2017).
Nessa perspectiva, abordar o fenômeno a partir de uma dinâmica
institucional passa a ser requisito fundamental para o processo de
planejamento e gestão das cidades contemporâneas. De tal forma, gestão
estatal, investimentos privados, direitos de propriedade e espírito coletivo de
governança dos recursos devem ser aliados de modo que exista uma
intencionalidade que enxergue esses espaços como bens comuns. É
importante que tais ações se revelem como oportunidades no incremento do
capital social, da resiliência da comunidade, da capacidade de aprendizagem,
da inclusão social e da ação coletiva (ARVANITIDIS; PAPAGIANNITSIS, 2020).

CONCLUSÕES

Diante da necessidade de uma investigação científica articulada entre


espaços residuais, seus significados e potencialidades na composição de um
sistema de espaços livres qualificado na cidade contemporânea, a trajetória
desta pesquisa buscou investigar as possíveis relações presentes nessa lacuna
de pesquisa na realidade brasileira.
A articulação dos resíduos espaciais aos sistemas de espaços livres que
compõem os tecidos urbanos das cidades brasileiras exige esforços complexos
a fim de reativar funções outrora adormecidas nos resíduos dos processos de
urbanização das cidades. No contexto contemporâneo, em que espaços em
trânsito são intensificados, essa é uma estratégia cabível no processo de
planejamento e gestão urbana de cidades multifuncionais e deve ser pautada
por uma agenda de reapropriação e reativação dos espaços antes esquecidos
pelo poder público.
As reflexões proporcionadas por esta pesquisa auxiliam na
compreensão do papel dos espaços residuais na potencialização do sistema de
espaços livres da cidade brasileira contemporânea. Os distintos modos de se
apropriar dos espaços residuais nas cidades e suas fronteiras demandam uma
intensa capacidade de readequação do sistema de espaços livres, tendo em
vista a presença de um urbanismo de fragmentação nos processos históricos
da urbanização brasileira. Essa tarefa demanda exigências legais e profissionais
64

de projeto e planejamento para lidar com um sistema constituído por


elementos mutáveis, os quais sugerem possibilidades distintas de apropriação.
Os espaços residuais permitem articulações passíveis de serem
implantadas nos sistemas de espaços de livres fragmentados que permeiam as
cidades brasileiras. Inseridos no contexto de uma urbanização dispersa e
fragmentada, eles se apresentam, muitas vezes, como as descontinuidades
presentes entre os núcleos de urbanização contínua e como os interstícios das
diversas camadas de urbanização de tecidos urbanos consolidados.
Geralmente, eles são os espaços disponíveis em estruturas urbanas
consolidadas e potenciais à transformação de uma realidade urbana
“engessada”.
A discussão tratada neste trabalho, no âmbito da literatura nacional e
internacional pesquisada, ressalta potencialidades no tratamento dos espaços
residuais e sua consolidação funcional nos sistemas de espaços livres, tanto na
escala local quanto na regional. Ela tece possíveis conexões e propicia um vasto
campo de sugestões para estudos futuros, que instiguem um novo olhar
perante a conformação dos sistemas de espaços livres na cidade
contemporânea. A contribuição permite avançar, refletir e prosseguir no
campo da formulação de uma agenda futura de pesquisa e planejamento
urbano.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, J. T. Espaços livres públicos no espaço urbano periférico: práticas políticas, apropriação
social e subjetividades em São Gonçalo/RJ. 2020. 256 f. Dissertação (mestrado em Arquitetura e
Urbanismo) – Escola de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal Fluminense, Niterói,
2020.

ARAÚJO, J. T.; SOUZA, K. M.; ARAUJO, E. C. Paisagens urbanas comuns: sob constante pressão de
interesses corporativos. Espaço e Economıa, Rio de Janeiro, ano VII, n. 14, p. 1-17, 2019.

ARVANİTİDİS, P.; PAPAGİANNİTSİS, G. Urban open spaces as a commons: the credibility thesis and
common property in a self-governed park of Athens, Greece. Cities, v. 97, p. 01-13, 2020.

BALBİ, T. A vida, a morte e aquilo que sobra: os espaços residuais como elementos de uma
ecologia comunicacional dos lugares da cidade. 2017. 147 f. Tese (doutorado em Comunicação e
Semiótica) – Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes, Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2017.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 65

BORDE, A. Vazios urbanos: perspectivas contemporâneas. 2006. 245 f. Tese (doutorado em


Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2006.

BOURDİEU, P. A miséria do mundo. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

FABREGAT, C. Geopolítica de la ciudad: poder y control de los espacios urbanos. In: FERREİRA, A.;
RUA, J.; MARATON, G. et al. (orgs.). Metropolização do espaço: gestão territorial e relações
urbano-rurais. Rio de Janeiro: Consequência, 2013. p. 283-312.

FOO, K.; MARTİN, D.; WOOL, C. et al. Reprint of “The production of urban vacant land: Relational
placemaking in Boston, MA neighborhoods”. Cities, v. 40, p. 175-182, 2014.

FOSTER, J. Hiding in plain view: vacancy and prospect in Paris’ Petite Ceinture. Cities, v. 40, p.
124-132, 2013.

GALDİNİ, R. Temporary uses in contemporary spaces: A European project in Rome. Cities, v. 96, p.
01-08, 2020.

KOOLHAAS, R. Rem Koolhaas: três textos sobre a cidade. Barcelona: Gustavo Gili, 2010.

MACEDO, S. Paisagismo brasileiro na virada do século: 1990-2010. São Paulo: EDUSP, 2010.

MACEDO, S.; QUEİROGA, E.; CAMPOS, A. C. et al. Considerações preliminares sobre o sistema de
espaços livres e a constituição da esfera pública no Brasil. In: TÂNGARİ, V.; ANDRADE, R.; SCHLEE,
M. (orgs.). Sistema de espaços livres: o cotidiano, apropriações e ausências. Rio de Janeiro:
EDUFRJ, 2009. p. 60-83.

MACEDO, S.; QUEİROGA, E.; CAMPOS, A. C. et al. (orgs.). Os sistemas de espaços livres e a
constituição da esfera pública contemporânea no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2018.

MAGNOLİ, M. Em busca de outros espaços livres de edificação. Paisagem e Ambiente, n. 21, p.


143-173, 2006.

MARİCATO, E. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis/RJ: Vozes, 2001.

MORİN, E. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1990.

NÉMETH, J.; LANGHORST, J. Rethinking urban transformation: temporary uses for vacant land.
Cities, v. 40b, p. 143-150, 2014.

NEWMAN, G.; SMİTH, A.; BRODY, S. Repurposing vacant land through landscape connectivity.
Landscape Journal, v. 36, n. 1, p. 37-57, 2017.

QUEİROGA, E. Sistemas de espaços livres e esfera pública em metrópoles brasileiras. Resgate:


Revista Interdisciplinar de Cultura, v. 19, n. 1, p. 25-35, 2011.

REİS FİLHO, N. G. Notas sobre urbanização dispersa e novas formas de tecido urbano. São Paulo:
Via das Artes, 2006.
66

SAMPAİO, S. Grandezas do ínfimo: espaços residuais em Salvador. 2013. 122 f. Dissertação


(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2013.

SANTOS, C. N. F. A cidade como um jogo de cartas. Niterói: EDUFF, 1988.

SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

SANTOS, M. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993.

SCHLEE, M.; NUNES, M. J.; REGO, A. et al. Sistema de espaços livres nas cidades brasileiras – um
debate conceitual. Paisagem e Ambiente, n. 26, p. 225-247, 2009.

SOLÀ-MORALES, I. Territorios. Barcelona: Gustavo Gili, 2003.

SOUZA, K. M. A dinâmica dos espaços residuais na área central da cidade do Rio de Janeiro: o
caso da Cidade Nova e arredores. 2020. 184 f. Dissertação (mestrado em Arquitetura e
Urbanismo) – Escola de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal Fluminense, Niterói,
2020.

TÂNGARİ, V.; SCHLEE, M.; WAJSENZON, M. et al. As formas e os usos dos sistemas de espaços
livres nas cidades brasileiras: elementos para leitura e análise das esferas pública e privada
rebatidos sobre a paisagem. In: TÂNGARİ, V.; ANDRADE, R.; SCHLEE, M. (orgs.). Sistema de
espaços livres: o cotidiano, apropriações e ausências. Rio de Janeiro: EDUFRJ, 2009. p. 16-27.

VİLLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 1998.

ZANOTELLİ, C.; FERREİRA, F. O espaço urbano e a renda da terra. GeoTextos, v. 10, n. 1, p. 35-58,
2014.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 67

Capítulo 4

FORMA URBANA E O DESTINO DA CIDADE: ESTUDO


COMPARATIVO ENTRE PRESIDENTE PRUDENTE E PRESIDENTE
VENCESLAU, SÃO PAULO, BRASIL14

Arlete Maria Francisco15

INTRODUÇÃO

A ocupação da extensa área denominada Alta Sorocabana, no sudoeste


do Estado de São Paulo, esteve ligada à busca de solos virgens para a produção
do café e à especulação com a venda de terras, favorecidas pela expansão da
ferrovia. No que tange a este trabalho, interessa-nos saber que essa adentrou
a região como linha de penetração, implantada no espigão entre dois rios: o
Peixe e o Paranapanema, que limitam as regiões norte e sul, respectivamente.
As fazendas primitivas tinham o espigão e os rios como linhas de demarcação
(FRANCISCO, 2015).
À medida que a ferrovia era implantada, surgiam cidades no entorno
das estações, sendo os loteamentos abertos defronte e posterior àquela de
diferentes proprietários. Esse é um dado importante a ser considerado na
formação e ocupação dos núcleos urbanos que se constituíram pela
bipolaridade, como é o caso de Presidente Prudente e de Presidente
Venceslau, pois levou os colonizadores a disputas políticas pelo poder e pela
ocupação dos seus loteamentos. Esses apresentavam a mesma estratégia:
desenhados como tabuleiros de xadrez dispostos paralelamente à linha férrea,
tendo a estação como marco edificatório (FRANCISCO, 2021).
Nascidas concomitantemente, essas cidades desempenham,
atualmente, papéis diferentes na rede urbana. A primeira, com cerca de 230

14Uma primeira versão do texto foi publicada em: Conferência da rede lusófona de morfologia
urbana – PNUM: Forma urbana e natureza, 8, 2019, Maringá. Anais […]. Maringá: Universidade
Estadual do Paraná, 2019, p.799-814.
15 Doutora em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual Paulista (UNESP). E-mail:

arlete.francisco@unesp.br
68

mil habitantes, é caracterizada como capital regional C (REGIÕES, 2018) e sede


da 10ª Região Administrativa do Estado de São Paulo, e a outra, com cerca de
40 mil habitantes, caracteriza-se como Centro de Zona A, exercendo influência
apenas nas áreas imediatas (REGIÕES, 2018).
Em visitas às cidades para a realização de trabalhos anteriores (ARAÚJO;
FRANCISCO, 2017; FRANCISCO; FIORIN, 2017) foi possível perceber que em
Presidente Venceslau o centro principal está inserido no núcleo original, com
grande movimento de pedestres entre os dois lados da linha férrea,
diferentemente de Presidente Prudente, cujo centro principal corresponde à
porção defronte à estação e há reduzido movimento entre os dois lados da
linha.
O objetivo deste trabalho foi investigar de que modo os elementos
relativos à forma contribuíram para a urbanidade percebida no centro dessas
cidades, desde a sua origem, considerando o desenho do traçado do núcleo
original e a sua relação com a esplanada ferroviária, bem como as
transformações ocorridas ao longo do tempo.

FORMA URBANA E URBANIDADE: TECENDO RELAÇÕES

O conceito de urbanidade estabelece valores e atributos para o bom


convívio das pessoas no espaço urbano, cuja interação pode se dar em maior
ou menor nível e isto definirá o grau de urbanidade. Assim, “podemos falar em
urbanidade social – quando os atributos estiverem relacionados a modos de
interação social – e urbanidade arquitetônica – quando os atributos estiverem
relacionados ao lugar” (HOLANDA, 2012, p. 165).
Entretanto, o espaço público – onde acontecem as interações sociais –
está atrelado a outros elementos, como os edifícios e as parcelas. Essa inter-
relação entre os diferentes tipos de espaços físicos determinará como o espaço
público será utilizado e como a interação entre as pessoas acontece. Isso pode
definir o grau de urbanidade da cidade: “Espaços com urbanidade são espaços
hospitaleiros. O oposto são os espaços inóspitos ou, se quisermos, de baixa
urbanidade” (AGUIAR, 2012, p. 119).
Os critérios de urbanidade tais como diversidade, densidade,
acessibilidade e continuidade espacial remontam a diversos autores que
buscam, desde a década de 1960, repensar a dimensão humana da cidade e
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 69

compreender a relação entre forma urbana e comportamento (JACOBS, 2011


[1961]; LYNCH, 1990 [1960]; HILLIER et al., 1983; HILLIER; HANSON, 1984; entre
outros).
A principal preocupação de Jacobs (2011) é com a vitalidade na cidade
e os princípios para viabilizá-la, considerando as questões sociais e econômicas.
O princípio “onipresente” para a autora é a diversidade, a qual depende de
quatro componentes associados: a mistura de usos para garantir que pessoas
utilizem o espaço em horários diferentes, com intensões diferentes e que
sejam capazes de utilizar boa parte da infraestrutura disponível; a outra, é a
necessidade de quadras curtas, a fim de gerar a oportunidade de variação de
percursos; diversidade tipológica, a fim de atrair pessoas de diferentes rendas;
e, por fim, mas não menos importante, a existência de certa densidade, a fim
de garantir o movimento e a manutenção de maior variedade de usos.
Além desses componentes, é necessário um bom desenho do espaço
público, garantindo a segurança e a legibilidade do lugar. Essa última diz
respeito “à facilidade com que as partes da cidade podem ser reconhecidas e
organizadas num modelo coerente” (LYNCH, 1990, p. 13). Para tanto, a
continuidade espacial é fundamental, tanto das vias quanto dos edifícios, pois
há uma relação intrínseca entre os dois elementos, à medida que os edifícios
exercem papel fundamental na forma de uso do espaço público.
Na mesma direção, Hillier et al. (1983) destacam a rede urbana como
um dos pilares da urbanidade, capaz de sustentar os padrões de movimento
das pessoas. Para os autores, os espaços mais integrados tendem a ser aqueles
com maior vitalidade. O segundo pilar seria a comunidade virtual, formada
pelos moradores e “estranhos”, pessoas que passam ou usufruem do lugar.
Para tanto, é fundamental a mistura de usos e atrativos no local, tal como
advertia Jane Jacobs. O terceiro pilar seria a arquitetura e o modo como o
espaço público é construído:

The convex organisation of space and the interface with buildings - wheter
there are blank walls or barriers which distance the buildings from public
space - may equally strongly affect the relation between inhabitants and
their neighbours, and between inhabitants and strangers. (HILLIER et al.,
1983, p. 52).
70

Essa interação deve se dar a partir das atividades diárias da população:


trabalhar, estudar, se exercitar, se divertir, fazer compras, enfim, quanto mais
movimento nos espaços públicos, maior é o grau de vitalidade e, portanto,
maior é o grau de urbanidade.

METODOLOGIA

Essa investigação pautou-se no método histórico-geográfico da


morfologia urbana (COSTA, 2015; WHITEHAND, 2013), analisando os planos e
o padrão de parcelamento do solo associado; os tecidos urbanos e o uso e
ocupação do solo. O recorte de análise foi justamente a área compreendida
pelos loteamentos que originaram as cidades e que correspondem ao centro.
O método histórico-geográfico se preocupa com as questões relativas à
conformação do espaço urbano e as razões de sua existência, isto é, busca
explicar o traçado e a composição espacial de estruturas urbanas, à luz das
forças que as criaram, expandiram, diversificaram e as transformaram (COSTA,
2015). Portanto, a história do lugar e das pessoas com seus níveis de
desenvolvimento cultural, econômico e tecnológico, num determinado tempo
e lugar, colaboram para as análises tanto quanto os elementos físicos
constituintes da forma, como as vias, as parcelas, as edificações e os espaços
livres que caracterizam a paisagem urbana.
As análises consideraram os conceitos de urbanidade que podem
explicar a vitalidade observado nessas cidades e os critérios que podem
mensurá-la: a acessibilidade; a densidade edilícia; a diversidade e a
continuidade espacial dos elementos – rua, parcelas e edifícios. A partir da
acessibilidade topológica do sistema de ruas é possível verificar o grau de
integração ou de fragmentação das partes da cidade. Já a densidade das
parcelas e das edificações podem ser a expressão do potencial de diversidade
de atores urbanos, enquanto a dimensão das quadras pode expressar o modo
potencial de interação urbana, pois possibilita uma malha mais fina. Por fim, a
função dos edifícios expressa a diversidade de usos (OLIVEIRA; SILVA, 2013).
Para a análise da acessibilidade foi utilizada a técnica do mapa axial
proposto pela teoria da Sintaxe Espacial para a qual a configuração espacial,
por si só, gera padrões de deslocamentos e esses influenciam onde as
atividades sociais e econômicas se realizam (HILLIER; HANSON, 1984). Foi
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 71

utilizada a medida de Integração Global (Rn) capaz de revelar graficamente as


áreas de maior integração da rede urbana. Essa medida foi calculada em três
momentos diferentes, a fim de perceber como a evolução do traçado original
contribuiu para definir o grau de integração entre os dois lados da linha férrea,
observado em trabalho de campo.
Para os demais critérios, a análise centrou-se no tecido urbano e nos
usos atuais. Para tanto, foram elaborados mapas de figura-fundo, com o auxílio
do software AutoCad, da densidade edilícia, a partir do Google Earth, das vias
e das parcelas, a partir da planta cadastral, e mapa de uso e ocupação do solo,
a partir de trabalho de campo.
O texto está dividido em três seções: a primeira e a segunda apresentam
os resultados das análises urbanas e das condições de urbanidade de
Presidente Prudente e de Presidente Venceslau, respectivamente, a partir dos
planos dos loteamentos que as originaram, do tecido urbano e do uso e
ocupação do solo; a terceira faz uma discussão sobre o papel da linha férrea e
da esplanada enquanto fundamentais elementos físicos responsáveis pelo
destino dessas cidades.

FORMA URBANA E URBANIDADE EM PRESIDENTE PRUDENTE

A formação de Presidente Prudente remonta à história de duas grandes


fazendas e seus proprietários: a Pirapó-Santo Anastácio, do Coronel16 Francisco
de Paula Goulart, e a Montalvão, do Coronel José Soares Marcondes. Tanto um
quanto o outro loteou as suas terras próximas à estação para amparar as
vendas de suas terras rurais: o primeiro defronte à estação e o outro do lado
posterior (ABREU, 1972).
Quando os trilhos chegaram a Presidente Prudente e a estação
ferroviária começou a ser construída, Francisco Goulart implantou um
loteamento composto por 28 quadras de 88 metros X 88 metros com oito lotes
de 22 metros X 44 metros cada. Assim, à época da inauguração da estação, em
15 de janeiro de 1919, de acordo com Abreu (1972), a Vila Goulart já possuía
uma pequena capela, um pequeno armazém de secos e molhados e algumas

16Eram chamados Coronéis os homens com grande poder político, econômico e social, sem
referência a qualquer patente militar.
72

residências próximos à estação. No ano seguinte, José Soares Marcondes


implanta o outro loteamento, a Vila Marcondes, com as mesmas características
(Figura 1). Em 1923, após a emancipação do município, Francisco Goulart
amplia seu loteamento, pelo rebatimento do primeiro quadrilátero – Vila Nova.
Duas vilas separadas pela linha férrea e pela esplanada ferroviária – uma
grande área retangular reservada à empresa para a instalação de edifícios e
equipamentos necessários ao seu funcionamento, tais como armazéns,
oficinas, pátio de manobras e residências de funcionários. Foi ao final da
esplanada que se deu, por algum tempo, a única ligação entre os dois
loteamentos – a rua Tenente Nicolau Maffei. Por conta disso, se tornou o
principal eixo da cidade, onde se desenvolveram o comércio e os principais
serviços urbanos. O mapa de Integração Global do ano de 1921 revela essa
como o eixo de maior integração do núcleo (Figura 2).

Figura 1. Loteamento das Vilas Goulart e Marcondes, em Presidente Prudente

Fonte: Planta da Cidade de 1921. Museu Municipal de Presidente Prudente.


Redesenhado por Michele Suizu (2019).

Uma segunda ligação foi realizada em 1933, através de um pontilhão na


continuidade da rua Barão do Rio Branco. Francisco e Fiorin (2017) inferem, a
partir do estudo do primeiro plano de calçamento da cidade, de 1933, que as
principais vias eram a rua Tenente Nicolau Maffei, a avenida Barão do Rio
Branco e a avenida Brasil – a da estação –, pois foram as primeiras a serem
pavimentadas. O mapa de Integração Global de 1939 revela um núcleo
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 73

integrador correspondente à Vila Goulart e essas vias como de forte integração


(Figura 2).
Neste mesmo ano, foram iniciadas as construções do Jardim Público
(atual Praça 9 de Julho) na quadra reservada à igreja na Vila Goulart e,
posteriormente, no seu entorno, importantes edifícios seriam construídos: o
Paço Municipal, o 1º Grupo Escolar “Adolfho Arruda Mello”, o primeiro Fórum
e a Paróquia de São Sebastião de Presidente Prudente (atual Catedral), esta
construída na quadra demarcada como praça.
Na ausência da reserva de espaços públicos nos loteamentos originais,
os edifícios públicos eram construídos em terrenos doados pelo Coronel
Goulart e, portanto, na sua vila. Ainda no final da década de 1930, a Companhia
Estrada de Ferro Sorocabana cedeu à Prefeitura Municipal parte da área da
esplanada da estação para transformá-la em jardim – atual Praça da Bandeira.
Com a instalação das indústrias Matarazzo no terreno reservado para a praça
da Vila Marcondes, em 1937, esta vila se consolida e nela emerge uma nova
rua comercial: a Quintino Bocaiúva (FRANCISCO; FIORIN, 2017) e, de acordo
com a Figura 2, a mais integrada desse loteamento.
Todos os equipamentos públicos, bem como as principais ruas
comerciais – Rua Tenente Nicolau Maffei e a Barão do Rio Branco –, além das
principais praças, enquanto espaços de sociabilização, encontravam-se na
porção defronte à estação ferroviária, consolidando a Vila Goulart como
principal área. Posteriormente, dado o processo de expansão urbana e o
deslocamento das residências para bairros exclusivos residenciais, os usos
foram se modificando e as edificações se renovando, sobretudo pelo processo
de verticalização consolidado na década de 1980.
Por outro lado, com a obsolescência do setor ferroviário e o fechamento
das indústrias ligadas ao complexo ferroviário, a rua Quintino Bocaiúva perde
importância e, consequentemente, o bairro onde se encontra (FRANCISCO;
FIORIN, 2017). Atualmente, o centro principal corresponde à Vila Goulart e
entorno e a Vila Marcondes parece ter parado no tempo, com a preservação
de boa parte dos edifícios, ainda que muitos em estado precário de
conservação. A Rua Quintino Bocaiúva teve alterado seu caráter de comércio
central para local.
74

Figura 2. Mapa de Integração Global (Rn) de Presidente Prudente, em 1921, 1939 e 2019,
respectivamente

Fonte: Autor (2021).

Observa-se que tanto uma vila quanto a outra apresenta uma rede
urbana homogênea, dada a formação em grelha, o que favorece a
acessibilidade intrabairro. As quadras curtas também favorecem a interação
urbana. Entretanto, há baixa integração entre as duas áreas, pois há poucas
conexões entre as vias (rever Figura 2).
A análise do tecido urbano dessa área revelou que o plano de vias
passou por algumas alterações, como a transformação da rua Tenente N.
Maffei em via pedonal (calçadão), a substituição da ligação em nível entre os
dois bairros por um viaduto, bem como a continuidade da rua Quintino
Bocaiúva, em função da não construção da praça na vila Marcondes. Os lotes
sofreram grandes alterações, na maioria pela subdivisão, o que levou também
ao maior adensamento edilício em ambos os lados da linha férrea (Figura 3).
Observou-se, em campo, que as ligações existentes são pouco legíveis,
como é o caso do viaduto que substituiu a ligação em nível das vilas, pela rua
Tenente N. Maffei, separando os automóveis dos pedestres, sendo o primeiro
pela via aérea e o outro pela subterrânea, pouco visível.
Quanto à densidade (Figura 3, parcelas), avaliada pelo desenho das
parcelas elaborado a partir da base digital disponibilizada pela prefeitura
municipal, não é possível perceber a existência de um padrão, mas há um
grande número de parcelas por quadra nos dois loteamentos, diferentemente
da proposta pretendida pelos loteadores. É possível perceber uma zona
formada por quadras menos densas situadas defronte à via férrea que, se
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 75

comparada ao desenho de uso, são não residenciais. A Vila Goulart apresenta


alta densidade edifícia (Figura 3, edificações), reflexo da concentração de
comércios e serviços.

Figura 3. Vias, parcelas, edificações e uso e ocupação do solo em Presidente Prudente

Fonte: Planta da cidade, Google Earth e trabalho de campo. Desenhos de Michele Suizu (2019).
76

Quanto à continuidade dos espaços, foi possível avaliar apenas a das


vias (Figura 3, vias). A descontinuidade dessas entre as duas áreas, dado o
amplo espaço da esplanada e da linha férrea, colabora com o baixo grau de
urbanidade nesta zona.
Quanto à diversidade de usos (Figura 3, usos), observou-se grande
diferença entre os dois lados da linha férrea, pois enquanto na Vila Goulart há
predominância de lotes não residenciais, na Vila Marcondes predominam os
residenciais. A diversidade de usos, tão necessária para a vitalidade e
consequente urbanidade, se dá apenas na vila Marcondes. A diversidade de
edificações foi avaliada a partir da observação direta em trabalho de campo,
revelando diferenças expressivas entre as duas vilas, tanto com relação ao
tamanho quanto ao acabamento das edificações.

FORMA URBANA E URBANIDADE EM PRESIDENTE VENCESLAU

As terras onde surgiu o núcleo urbano de P. Venceslau pertenciam, de


um lado, à Cia Antônio Mendes Campos Filho e, de outro, à Cúria Diocesana de
Assis, que recebera por doação de Militância Goulart, nora de Francisco de
Paula Goulart, uma porção da fazenda Pirapó-Santo Anastácio. Em 8 de março
de 1921, a ferrovia penetrou no território e, em 28 de dezembro, inaugurou a
estação, com o nome de Presidente Wenceslau.
Neste mesmo ano, defronte à estação, formou-se o patrimônio leigo de
Antônio Mendes Campos Filho e, do outro lado, o Patrimônio São Francisco de
Paula (ERBELLA, 2016), cuja ligação se dava a partir do limite da esplanada
ferroviária, tal qual em Presidente Prudente. Ambos os loteamentos
apresentam as mesmas características que P. Prudente: tabuleiro com quadras
de 88 metros por 88 metros, com oito lotes cada, divididos pela linha férrea e
estação (Figura 4).
De acordo com aquele autor, esta divisão da cidade em duas partes
desencadeou uma acirrada disputa entre os moradores do aquém e do além
linha que perdurou anos – o que pode ter sido favorável no que diz respeito à
construção da cidade. Se se construía uma praça, uma igreja ou se instalava
uma farmácia de um lado, logo se construía do outro lado.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 77

Figura 4. Loteamento dos patrimônios Antônio Mendes e Francisco de Paula, em Presidente


Venceslau

Fonte: Planta da cidade. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Redesenhado por Michele Suizu
(2019).

Em 1926, é construída a primeira capela e, neste mesmo período, a


primeira praça da cidade – a Praça Álvares Coelho –, ambas no patrimônio de
São Francisco de Paula. Ainda deste lado, é construída, pelos moradores, uma
Igreja Matriz, em represália à aprovação, pelo bispado, de uma Igreja Matriz
em terreno doado por Álvaro A. Coelho, defronte ao seu casarão, no
patrimônio Campos Filho – que somente foi inaugurada na década de 1960. Em
1935, é construída a Praça Nicolino Rondó, na esplanada ferroviária, do lado
do patrimônio de Campos Filho e a construção de guias e sarjetas para a Av. D.
Pedro II e Rua Campos Sales, localizadas neste patrimônio, embora a
pavimentação só tenha ocorrido em 1950 (ERBELLA, 2016).
A partir do trabalho de Francisco (2018), é possível inferir que a forma
de parcelamento da esplanada contribuiu, sobremaneira, para o
desenvolvimento atual do centro da cidade. A esplanada de P. Venceslau era
generosa, medindo cerca de 180 metros por 500 metros e duas faixas nos seus
extremos foram transferidas, por permuta, para a municipalidade. Essa
parcelou estas áreas, privatizando algumas partes e reservando outras para a
construção de vários edifícios públicos, à medida que o loteamento dos
78

patrimônios não havia reservado áreas públicas. Ao longo do tempo, na parte


frontal da esplanada, foram construídos o prédio do Fórum e uma agência da
antiga Caixa Econômica Estadual, um parquinho infantil e um shopping popular
e, na parte posterior, o mercado municipal – onde atualmente é o paço
municipal –, a estação rodoviária e a delegacia.
Quanto à acessibilidade, a Figura 5 mostra que a grelha favoreceu a
acessibilidade dos bairros desde o desenho original e o parcelamento da
esplanada permitiu maior conectividade entre um lado e o outro, bem como a
conformação de uma rede urbana mais integrada. Nesta cidade, também, as
quadras são curtas, promovendo maior interação urbana. Ainda que o
loteamento posterior à estação, a sul, apresente um núcleo mais integrador,
as ligações entre as duas vilas permitiram maior integração entre os dois lados,
sem zonas segregadas.

Figura 5. Mapa de Integração Global (Rn) de Presidente Venceslau em 1922, 1941 e


1975, respectivamente

Fonte: Autor (2021).


Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 79

Figura 6. Vias, parcelas, edificações e uso e ocupação do solo em Presidente Venceslau

Fonte: Planta da cidade, Google Earth e trabalho de campo. Desenho de Michele Suizu (2019).
80

A análise do tecido urbano, em P. Venceslau, revelou que não houve


alteração de vias, mas foi grande a alteração da dimensão dos lotes e da
esplanada da estação que passou por uma série de transformações, de uso e
ocupação do solo (Figura 6).
Quanto à densidade, avaliada a partir do desenho das parcelas (Figura
6, parcelas), verifica-se um número grande de parcelas por quadra, mas sem
um padrão, embora seja possível observar evidências do parcelamento original
dos loteamentos, diferentemente de P. Prudente. Há duas zonas com quadras
menos densas, no entorno da linha férrea e no entorno da praça do patrimônio
Antônio Mendes. A densidade edilícia, avaliada pela técnica de figura-fundo
das edificações (Figura 4, edificações), é homogênea entre os dois bairros, com
duas zonas menos densas, cada uma de lado da linha férrea.
Quanto à continuidade dos espaços, também foi avaliada apenas a das
vias (Figura 6, vias). Observa-se a continuidade de algumas das vias de uma
área a outra, como consequência do parcelamento da esplanada.
Quanto à diversidade de usos, avaliada a partir do desenho de uso e
ocupação do solo (Figura 6, usos), elaborado a partir de trabalho de campo,
observou-se que há grande mistura de usos nos dois patrimônios. Se a maior
parte do comércio foi implantada na Av. Dom Pedro II e Princesa Isabel, os
principais edifícios públicos se instalaram na área da esplanada posterior à
estação, incentivando outros comércios e serviços nesta porção. Com a
obsolescência do transporte ferroviário e a supremacia do rodoviário, o
principal acesso à cidade passou a ser a Av. Tiradentes, a partir da Rodovia
Raposo Tavares, o que potencializou o crescimento urbano do lado do
patrimônio Francisco de Paula.
A diversidade de edificações foi avaliada a partir da observação direta
em trabalho de campo. É possível atestar que há mistura de tipologias nos dois
lados da ferrovia, o que contribui para aumentar o grau de urbanidade, de
acordo com os conceitos ora enunciados, ainda que se verifique a
predominância de casas maiores e mais bem acabadas nos arredores da praça
Campos Mendes.

A LINHA FÉRREA COMO FRONTEIRA E O DESTINO DAS CIDADES

Outro ponto importante na discussão de Lynch (1990), que comparece


em Jacobs (2011), e diz respeito a esse trabalho, é o tratamento das chamadas
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 81

“zonas de fronteira” as quais exercem uma influência ativa na vizinhança


imediata, como é o exemplo das linhas férreas. Essas podem significar
fronteiras sociais, no sentido de estabelecer a zona do “além linha”, e
fronteiras físicas. Para o autor, essas fronteiras podem caracterizar o limite de
um bairro e reforçar a sua identidade e legibilidade, contribuindo para o maior
grau de urbanidade, mas podem também fragmentar a cidade, prejudicando a
urbanidade.
Assim, podem se constituir numa barreira, mais ou menos penetrável,
que isola duas áreas ou num limite tênue entre duas áreas que se relacionam:

[…] um limite pode tornar-se algo mais do que um simples obstáculo


dominante se permitirmos que dele façam parte algumas qualidades
motoras e visuais [...]. Torna-se então, mais uma “costura” do que uma
barreira, uma linha de intercâmbio ao longo da qual foram “alinhavadas”
duas áreas. (LYNCH, 1990, p. 113).

O autor se refere muito mais às questões visuais, mas pode-se aplicar a


problemas funcionais ocasionados pela forma de relacionamento dessas
fronteiras com os espaços circundantes. Essas áreas podem se constituir em
vazios de uso, contribuindo para um baixo grau de vitalidade e,
consequentemente, de urbanidade. Para Jane Jacobs, o único modo de
combater esses vazios

[...] é dispor de forças contrárias extraordinariamente intensas nas


proximidades, isso quer dizer que a concentração populacional teria de ser
deliberadamente alta (e diversificada) perto das fronteiras, que as quadras
próximas deveriam ser particularmente curtas e o uso potencial da rua
extremamente fluente, e que as combinações de uso principais deveriam ser
abundantes assim como a combinação de prédios de várias épocas. (JACOBS,
2011, p. 184).

A partir da análise da permeabilidade das “zonas de fronteira” de ambas


as cidades, observou-se que a linha férrea em Presidente Prudente se constitui
como “barreira”, enquanto em Presidente Venceslau configura-se como uma
“costura”, deixando as cicatrizes daquilo que um dia representou não somente
a origem da cidade, mas também uma promissora época econômica do
transporte ferroviário (Figura 7).
A transposição da linha em Presidente Prudente é limitada e a
continuidade visual é inexistente, pois o viaduto, com os edifícios sob ele,
82

configura-se como uma barreira. Do lado da Vila Marcondes, há um extenso


muro que impede a passagem e, do lado da Vila Goulart, há uma série de
edifícios, tais como a estação ferroviária onde funciona o Poupatempo e os
armazéns onde funcionam um comércio e uma associação cultural, que
bloqueiam a passagem deste lado. Os pedestres somente podem passar pelo
túnel sob a ferrovia e ao final da esplanada – esta como uma linha de desejo –
ambas inseguras a partir do fechamento do comércio. A outra passagem é pelo
pontilhão, um pouco mais segura. Já a passagem de automóveis se dá por este
e pelo viaduto.

Figura 7. A linha férrea enquanto “costura” e enquanto “barreira” em Presidente Venceslau e


Presidente Prudente, respectivamente

Fonte: Autor (2019).

A linha férrea se constituiu, desde o início, barreira física com poucos


pontos de transposição de veículos e de pedestres, condenando a Vila
Marcondes ao “além linha”. Esta condição se acentuaria com a construção do
Viaduto Tannel Abbud. Paradoxalmente, é provável que esta condição tenha
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 83

levado à preservação do tecido urbano da vila Marcondes, com vários edifícios


da época de formação do bairro, onde foi possível identificar, em trabalho de
campo, uma tipologia particular de habitação – a qual não foi ainda
devidamente estudada. Outra observação foi feita acerca do estigma “além-
linha” presente nas entrevistas: o centro, para os moradores e trabalhadores
locais está do outro lado e parece estar distante.
Em Presidente Venceslau, a passagem tanto de pedestres quanto de
automóveis e motocicletas se dá por toda a área central, permitindo fruição do
espaço. A continuidade das vias e do tecido urbano em Presidente Venceslau é
um fator de maior relevância para a vitalidade percebida, visto que a densidade
populacional é semelhante em ambas as cidades. Por outro lado, a diversidade
de usos contribui sobremaneira para a ampliação do grau de urbanidade em P.
Venceslau, onde não se observa o estigma “além-linha”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após as análises da forma urbana das áreas centrais das cidades de


Presidente Prudente e Presidente Venceslau, a partir de alguns critérios de
urbanidade, tais como acessibilidade, densidade, continuidade e diversidade,
podemos inferir que a segunda apresenta um grau de urbanidade superior,
cuja vitalidade decorrente já havia sido percebida.
Entretanto, há que se levar em consideração o porte de ambas, à
medida que Presidente Prudente passou por processos de crescimento
horizontal e vertical mais intensos, cujos resultados foram o deslocamento da
população moradora para bairros exclusivamente residenciais e a
transformação do tecido urbano do quadrilátero central. Costa (2015) lembra
que M. Conzen reconhecera no trabalho de Alnwick que, quando um período
supre suas necessidades nos padrões de uso e ocupação do solo, lotes e
edificações, outro se sobrepõe. A área edificada e a sua organização funcional,
refletidos na paisagem urbana, tornam-se assim o registro do desenvolvimento
cultural da cidade. Esta condição fica clara em Presidente Prudente.
Esses processos não ocorreram em Presidente Venceslau, o que
resultou na permanência da população no centro e isso favoreceu outros usos
e maior vitalidade. Há diferentes tipologias de habitação, refletindo não apenas
a diversidade de tempo das edificações, mas também de renda dos moradores.
84

Colabora com isso o fato de as ruas serem mais integradas em ambos os lados
da ferrovia.
Independente dos processos, isto nos leva a refletir sobre a importância
da diversidade de usos na cidade contemporânea e na necessidade de pensar
o planejamento da habitação de interesse social nas áreas centrais, sobretudo
em cidades médias que passaram pelo processo de esvaziamento do centro, a
fim de melhor aproveitar a infraestrutura disponível e melhorar a mobilidade,
além de incrementar a densidade populacional e possibilitar maior vitalidade.
Outro ponto a ser destacado é o potencial das áreas ferroviárias para o
incremento do sistema de espaços livres (SEL) públicos, a serem planejadas
como parques lineares ao longo da linha férrea, cujos caminhos e passagens
poderiam cerzir os dois lados da fronteira, permitindo não apenas a
continuidade dos percursos, mas também a construção de um espaço que
ocuparia o vazio deixado pelo encerramento do transporte ferroviário.
Por fim, atentamos para a possibilidade que as cidades de porte
pequeno têm de preservar seu tecido urbano e social. Deve-se estar atento a
este fato para não perder a urbanidade que se apresenta pela sua própria
condição de cidade pequena, com um mercado imobiliário menos estruturado.

REFERÊNCIAS

ABREU, D. S. Formação histórica de uma cidade pioneira paulista. Presidente Prudente:


Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Presidente Prudente, 1972.

AGUIAR, D. Urbanidade e qualidade do lugar. In: RHEINGANTZ, P. A.; PEDRO, R. (orgs.). Qualidade
do lugar e cultura contemporânea: controvérsias e ressonâncias em ambientes urbanos. Rio de
Janeiro: UFRJ/PROARQ, 2012.

ARAÚJO, N. S.; FRANCISCO, A. M. Origem e transformação dos núcleos urbanos das cidades de
Piquerobi e Presidente Venceslau. Colloquium Socialis, Presidente Prudente, v. 1, n. 1, p. 260-
266, 2017.

COSTA, S. A. P. Fundamentos da morfologia urbana. Belo Horizonte: C/arte, 2015.

ERBELLA, I. Presidente Venceslau: nossa terra, nossa gente. 2. ed. Presidente Venceslau: Artes
Gráficas Pedriali, 2016.

FRANCISCO, A. M. A EFS como linha de penetração para a ocupação da Alta Sorocabana. In:
FIORIN, E.; HIRAO. H. (orgs.). Cidades do interior paulista: patrimônio urbano e arquitetônico.
Jundiaí: Paco Editorial/Cultura Acadêmica, 2015. p. 81-106.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 85

FRANCISCO, A. M. As esplanadas ferroviárias das cidades da Alta Sorocabana como


potencialidade para a constituição de espaços livres públicos e preservação da paisagem urbana.
In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DA REDE LUSÓFONA DE MORFOLOGIA URBANA, 7, 2018,
Porto. Anais […]. Porto, Universidade do Porto, 2018.

FRANCISCO, A. M. A quadrícula como estratégia de desenho urbano das cidades planejadas ao


longo da linha férrea na Alta Sorocabana. Óculum Ensaios, Campinas, v. 18, n. 1, p. 1-19, 2021.
Disponível em: https://doi.org/10.24220/2318-0919v18e2021a4781. Acesso em: 25 ago. 2021.

FRANCISCO, A. M.; FIORIN, E. Patrimônio e paisagem urbana de Presidente Prudente: formação


do núcleo original, urbanização e suas transformações. In: BARON, C. M. P.; FIORIN, E. (orgs.). 100
anos de Presidente Prudente: arquitetura e urbanismo. Bauru: Canal 6, 2017. p. 31-43.

HILLIER, B.; HANSON, J.; PEPONIS, J. et al. Space syntax: a different urban perspective. Architects’
Journal, Londres, v. 178, n. 48, p. 47-63, 1983.

HILLIER B.; HANSON, J. The social logic of space. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.

HOLANDA, F. Urbanidade: arquitetônica e social. In: AGUIAR, D.; NETTO, V. (orgs.). Urbanidades.
Rio de Janeiro: Folio Digital, Letra e Imagem, 2012. p. 163-188.

JACOBS, J. Morte e vida das grandes cidades. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

LYNCH, K. A imagem da cidade. Lisboa: Edições 70, 1990.

OLIVEIRA, V.; SILVA, M. Morpho: investigação morfológica e prática de planejamento. Revista de


Morfologia Urbana, Porto, v. 1, n. 1, p. 31-44, 2013.

REGIÕES DE INFLUÊNCIA DAS CIDADES. Rio de Janeiro: IBGE, 2018. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101728.pdf. Acesso em: 25 ago. 2021.

WHITEHAND, J. W. R. Morfologia urbana britânica: a tradição conzeniana. Revista de Morfologia


Urbana, Porto, v. 1, n. 1, p. 45-52, 2013.
86
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 87

Capítulo 5

CARACTERIZAÇÃO DA MOBILIDADE DE ESTUDANTES DA ETEC


DE PALMITAL/SP

Fabio Albert Basso17


Renata Cardoso Magagnin18

INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos cinquenta anos, as viagens dos estudantes às


Instituições de Ensino utilizando modos de transportes ativos (a pé ou bicicleta)
vêm diminuindo em decorrência da utilização dos modos individuais
motorizados, como os automóveis e as motocicletas (BERTAZZO, 2008;
EASTON; FERRARI, 2015; LARSEN et al., 2013). De acordo com Larsen et al.
(2013, p. 10), é importante [...] “compreender o porquê que desse crescimento
nos deslocamentos por automóveis, quando há condições, em muitos casos,
para a realização dessas viagens utilizando os transportes ativos”.
Essa mudança de comportamento é apontada em algumas pesquisas
como reflexo de vários fatores como aqueles relacionados à distância média
entre o local de residência e a escola, o tempo decorrente desse deslocamento,
a infraestrutura viária disponível e a segurança ofertada (EASTON; FERRARI,
2015; KAMARGIANNI; POLYDOROPOULOU, 2011, MARIQUE et al., 2013).
Kamargianni e Polydoropoulou afirmam que

[...] o tempo e o custo de viagem afetam significativamente o


comportamento da escolha do modo transporte utilizado por adolescentes”.
O tempo de caminhada de e para a estação de ônibus tem um efeito negativo
na decisão entre utilizar um ônibus (transporte público) para ir à escola. O
transporte ativo (caminhada e ciclismo) é o preferido quando há

17 Mestre, Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura,


Artes, Comunicação e Design – campus de Bauru, UNESP, Brasil. E-mail:
fabioalbertbasso@yahoo.com.br
18
Professora doutora, Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de
Arquitetura, Artes, Comunicação e Design – campus de Bauru, UNESP, Brasil. E-mail:
renata.magagnin@unesp.br
88

disponibilidade de infraestrutura adequada, como por exemplo, ciclovias,


estacionamentos para bicicletas e calçadas largas. (2011, p. 1896, tradução
nossa).

No Brasil, assim como tem ocorrido em outros países, há uma tendência


à diminuição da utilização de modos ativos (a pé e de bicicleta) para os
deslocamentos dos estudantes para a escola. Nesse contexto, Wendel e
Dannenberg (2009) trazem algumas explicações sobre essa alteração no
comportamento dos estudantes:

[...] As justificativas para essa mudança de comportamento estão associadas


à suburbanização, ao aumento do número de automóveis e as mudanças na
rotina familiar, pois a maioria dos pais trabalham e têm seu tempo disponível
diminuído. (WENDEL; DANNENBERG, 2009, p. 514).

A distância entre o trajeto casa-escola é outro motivo que tem


contribuído para o uso dos modos individuais motorizados (HAU; TODESCAT,
2018).
Além desses fatores, Magagnin e Silva (2008) apontam que, no Brasil,
políticas governamentais incentivaram a aquisição de veículos e contribuíram
para o uso mais frequente dos modos individuais motorizados.

O crescimento econômico do Brasil e os subsídios governamentais dados à


indústria automobilística possibilitou um aumento na aquisição de
automóveis e motocicletas no país, facilitando a sua utilização diária pelas
famílias. (MAGAGNIN; SILVA, 2008, p. 162).

Essa mudança de comportamento dos estudantes tem um impacto na


saúde e na circulação viária do entorno dessas Instituições de Ensino (HAU;
TODESCAT, 2018; SPAGNUOLO; MAGAGNIN, 2017). De acordo com Oliveira e
Silva (2015, p. 62), “nas Instituições de Ensino Médio (IEMs) brasileiras, grande
parte dos alunos que utilizam o automóvel para ir e/ou vir da escola o faz na
condição de carona”.
De acordo com Bertazzo et al.,

[...] A infraestrutura demandada para acomodar estes veículos, é


diferente daquela que ocorre em países como EUA e Canadá. Nesses
países a maioria dos deslocamentos à escola são realizados por
transporte coletivo e, no Brasil, por transporte individual motorizado.
(BERTAZZO et al., 2014, p. 67).
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 89

Pesquisas nacionais sobre polos geradores de viagem (PGVs) voltados


ao ensino vêm sendo realizadas nas últimas décadas e mostram que há uma
relação entre melhoria de infraestrutura urbana e as preferências por utilizar
determinado meio de transporte (BERTAZZO, 2008; SÁTYRO; SOARES, 2007).
Estudos sobre modos de deslocamento de crianças ou jovens à escola
realizados por Jones et al. (2012), DiMaggio e Li (2013), Edwards et al. (2013),
Bruun e Givoni (2015), Sá et al. (2015) e Becke Nguyen (2017) mostram que é
necessário que os gestores municipais adotem políticas públicas e programas
voltados à promoção e proteção da mobilidade e incentive os deslocamentos
ativos (a pé e por bicicleta) e mais sustentáveis (por transporte público) de
crianças e adolescentes.
As Escolas Técnicas Estaduais (ETECs), objeto de análise neste artigo,
são instituições que oferecem os ensinos técnico, médio e técnico integrado ao
médio (ETIM). Pertencem ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula
Souza (CEETEPS), uma autarquia da Secretaria de Desenvolvimento Econômico,
Ciência e Tecnologia (SDECTI) do Estado de São Paulo. As 223 ETECs do Estado
de São Paulo estão distribuídas em 12 núcleos regionais, e atuam em 156
municípios paulistas (CENTRO PAULA SOUZA, 2019).
A partir da identificação de uma lacuna de estudos que evolvem a
caracterização dos deslocamentos de estudantes de cursos técnicos no Brasil,
este artigo objetiva apresentar o resultado de uma pesquisa aplicada na Escola
Técnica Estadual (ETEC) Mário Antônio Verza, localizada na cidade de Palmital,
Estado de São Paulo, Brasil. São analisados dados sobre os deslocamentos e
modos de transportes utilizados pelos estudantes dos cursos do ensino médio
ETIM e Curso Técnico. Os resultados podem auxiliar os gestores públicos na
tomada de decisão para melhorar a mobilidade urbana no entorno desta ETEC,
assim como propor políticas públicas de incentivo à utilização de modos de
transporte ativos e mais sustentáveis.

OBJETIVO

Este artigo objetiva apresentar o resultado de uma pesquisa que


possibilitou identificar os deslocamentos de estudantes de cursos técnicos
90

denominados Ensino Técnico Integrado em Médio (ETIM) e Ensino Técnico da


Escola Técnica Estadual (ETEC) da cidade de Palmital (SP/Brasil).

METODOLOGIA

A metodologia adotada neste artigo é classificada como exploratória-


descritiva, de âmbito quantitativo-qualitativo. O instrumento é dividido em
duas etapas e incorpora a análise da caracterização do perfil dos estudantes
(Etapa 1) e caracterização dos deslocamentos (Etapa 2).
As questões permitem identificar se os estudantes do ETIM e do Ensino
Técnico regular utilizam modos de transporte diferentes e mais sustentáveis
para seus deslocamentos à escola ou se seguem o padrão de deslocamento
identificado em outras pesquisas nacionais e internacionais, pautadas no uso
do automóvel.
O questionário subdivide-se em três partes: a) Caracterização dos
entrevistados (faixa etária, cidade de residência do estudante, curso, período);
b) Análise do deslocamento para chegar e sair da escola, e c) Percepção do
aluno sobre o trajeto, perfazendo um total de 26 questões, das quais 22
correspondem a questões fechadas e de múltipla escolha, cujas respostas são
avaliadas por meio de técnicas estatísticas, 4 questões são abertas a respeito
das vantagens e desvantagens na utilização de um modo de transporte
utilizado pelos alunos. Os dados coletados nos questionários foram
armazenados em uma planilha Excel para posterior análise.

ETEC Mário Antônio Verza

A ETEC Mário Antônio Verza está localizada na cidade de Palmital,


cidade de pequeno porte demográfico localizada no interior do Estado de São
Paulo, cuja população está estimada em 22.272 habitantes (IBGE, 2020) (Figura
1).
A escola criada em 2006 oferece cursos técnicos de Enfermagem,
Contabilidade, Recursos Humanos, Desenvolvimento de Sistemas e Serviços
Jurídicos, e no ensino médio integrado ao técnico são oferecidos os cursos de
Administração e Informática. Em 2020, a ETEC possuía 484 alunos
matriculados.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 91

A ETEC está localizada em uma região próxima à Rodovia Nelson


Leopoldino, que dá acesso ao Estado do Paraná (Figura 1), e está mais afastada
da região central da cidade. As principais vias de acesso entre a região central
até a escola são a avenida Anchieta, avenida Reginalda Leão e avenida Rotary.
A ETEC atrai estudantes das cidades vizinhas de Ibirarema, Platina e Campos
Novos Paulista.

Figura 1. Localização da cidade no Estado de São Paulo e da ETEC no município de Palmital

Fonte: Wikipédia (2021) e Google Earth (2021).

A cidade de Palmital apresenta relevo plano, possui uma altitude média


de 508 metros. De acordo com a projeção mostrada no Google Maps, a área
urbana da cidade é de aproximadamente 10 km² de área, e sua extensão facilita
os deslocamentos por bicicleta ou a pé.
Para realizar a pesquisa na ETEC, foi adotado o número de alunos
matriculados em 2020, com um nível de confiança de 95%, e erro amostral de
5%, considerando uma distribuição heterogênea (50/50), conforme mostra a
Tabela 1.
92

Tabela 1. Número total de alunos por curso e definição da amostra, em valores absolutos

Aluno Amostra Amostra Alunos Amostra Amostra


ETEC
ETIM ETIM coletada Técnico Técnico coletada
Palmital 234 146 146 232 145 148
Fonte: Os autores (2021).

Os questionários foram aplicados no período de 9 a 16 de março de


2020, nas salas de informática da ETEC, durante os horários de aula dos alunos.
A aplicação do questionário aconteceu no período da manhã para os alunos do
ETIM e no período noturno para os alunos dos cursos técnicos.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O perfil dos estudantes do ETIM é majoritariamente do sexo masculino


54,1%. No entanto, no ensino técnico, a maioria são estudantes do sexo
feminino (60,1%), matriculados predominantemente nos cursos de
Enfermagem e Recursos Humanos.
A aplicação do questionário juntos aos alunos da ETEC de Palmital
revelou que no ETIM há predominância de estudantes na faixa etária de até 17
anos, correspondendo a 100% da amostra avaliada. Os dados do ensino
técnico, indicam a predominância da faixa etária de 18 a 25 anos (46,6%),
seguido de alunos com idade até 17 anos (31,7%) (Figura 2). Os alunos entre
18 e 25 anos já concluíram o ensino médio e estão em busca de capacitação
profissional para o mercado de trabalho.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 93

Figura 2. Identificação da faixa etária dos estudantes

160
140
120
100
80
60
40
20
0
ATÉ 17 ANOS ENTRE 18 e 25ENTRE 26 e 35ENTRE 36 e 45 MAIS QUE 46 NÃO
RESPODERAM

ETIM Técnico

Fonte: Os autores (2021).

Em relação aos modos de transporte utilizados pelos estudantes, a


Tabela 2 mostra que a maioria dos alunos dos cursos ETIM e técnico adotam os
modos ativos de transporte (a pé e bicicleta) para os deslocamentos à escola.
Não foram identificados valores discrepantes entre os gêneros feminino e
masculino (49,6% e 50,4%, respectivamente). Os modais que são
majoritariamente usados pelas alunas são: parte a pé, parte ônibus urbano
(100%), ônibus urbano (75,0%), automóvel como carona (63,3%) e motocicleta
(60,0%).
94

Tabela 2. Modos de transporte utilizados pelos estudantes para os trajetos de ida e volta à escola.
Valores absolutos
Ida Volta
ETEC PALMITAL
ETIM Técnico ETIM Técnico
Feminino 3 6 5 4
A pé Masculino 3 5 4 5
Total 6 11 9 9
Feminino 30 33 30 34
Bicicleta Masculino 44 21 44 21
Total 74 54 74 55
Feminino 0 10 1 9
Automóvel como
Masculino - 9 - 8
motorista
Total 0 19 1 17
Feminino 15 10 13 12
Automóvel como
Masculino 8 6 8 7
carona
Total 23 16 21 19
Feminino 1 8 0 9
Motocicleta Masculino - 6 - 6
Total 1 14 0 15
Feminino - 1 - 0
Ônibus urbano Masculino 2 - 2 -
Total 2 1 2 0
Feminino 17 18 17 19
Ônibus ou van
Masculino 21 12 20 12
(Fretado)
Total 38 30 37 31
Feminino 1 1 1 1
Ônibus interurbano Masculino 1 - 1 -
Total 2 1 2 1
Parte ônibus Feminino - - - -
interurbano, parte Masculino - - - -
ônibus urbano Total 0 0 0 0
Feminino - 2 - 1
Parte a pé, parte
Masculino - - - -
ônibus urbano
Total 0 2 0 1
TOTAL 146 148 146 148
Fonte: Os autores (2021).

A análise os dados dos modos de transporte mais utilizados pelos


estudantes da ETEC de Palmital mostram que no ETIM a bicicleta (50,7%) é o
modal predominante, seguido do modal ônibus ou van, responsável por 25,4%
das escolhas dos alunos, com pequena alteração nas escolhas modais entre os
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 95

trajetos de entrada e saída da escola. Em relação aos estudantes do ensino


técnico, o modo ativo representa 43,9% da opção modal dos estudantes,
seguidos por ônibus/van (23%) e automóvel (23,6%), respectivamente.
A relação entre o modo de transporte utilizado pelo estudante e a faixa
etária correspondente, permite identificar que na ETEC de Palmital a maioria
dos alunos utiliza o modo ativo, o que corresponde a 55,8% dos estudantes do
ETIM e 43,6% do curso técnico (Tabela 03).

Tabela 3 – Modos de transporte por faixa etária (ida e volta). Valores absolutos
Modo de Transportes / Faixa IDA VOLTA
Etária ETIM Técnico ETIM Técnico
Até 17 anos 80 27 83 25
18 a 25 anos - 30 - 31
26 a 35 anos - 3 - 3
Modo Ativo
36 a 45 anos - 4 - 4
Acima 46 anos - 1 - 1
Total 80 65 83 64
Até 17 anos 23 7 22 10
18 a 25 anos - 15 - 13
26 a 35 anos - 8 - 7
Automóvel
36 a 45 anos - 5 - 5
Acima 46 anos - 0 - -
Total 23 35 22 35
Até 17 anos 42 12 41 10
18 a 25 anos - 18 - 13
Ônibus ou 26 a 35 anos - 3 - 8
Van 36 a 45 anos - 1 - 5
Acima 46 anos - - - -
Total 42 34 41 36
Até 17 anos 1 - - -
18 a 25 anos - 7 - 8
26 a 35 anos - 4 - 4
Motocicleta
36 a 45 anos - 3 - 3
Acima 46 anos - - - -
Total 44 35 0 15
Fonte: Os autores (2021).

O transporte por ônibus ou van representa o segundo meio de


transporte mais utilizado pelos estudantes e o automóvel (na opção carona ou
condutor) é o terceiro meio de transporte mais utilizado pelos estudantes em
96

Palmital, representando 15,4% dos estudantes do ETIM e 23,6% do curso


Técnico (Tabela 3).
Os dados da Tabela 3 mostram que os estudantes da faixa etária até 17
anos (estudantes do ETIM e técnico), utilizam predominantemente os modos
ativos (56,1% dos respondentes), ônibus ou van (27,4%), automóvel (16,2%) e
motocicleta (0,3%).
A grande utilização dos modos de transporte mais sustentáveis (modos
ativos e transporte por ônibus e vans) contribui inicialmente para a fluidez do
trânsito ao redor da ETEC, pois há uma redução do fluxo de automóveis no
entorno da escola. Além disso, há ganhos de saúde e vantagens para o meio
ambiente, pois a utilização dos modos ativos nos trajetos ida e volta casa-
escola, proporcionam uma diminuição do consumo de combustíveis fósseis na
cidade, além da emissão gases poluentes para a atmosfera.
Dos 146 alunos do ETIM e 148 alunos do curso técnico, 50,7% e 36,8%,
respectivamente, utilizam a bicicleta como principal modo de deslocamento à
escola (Figura 3). Uma justificativa para essa grande utilização da bicicleta pode
estar associada ao relevo da cidade e o tamanho da malha urbana de Palmital
(Figura 1). A cidade não possui uma rede cicloviária (ciclovias ou ciclofaixas),
portanto, os usuários de bicicleta compartilham a via com os demais modos
motorizados.

Figura 3. Distribuição dos modos de transporte a pé e bicicleta por faixa etária na ETEC de
Palmital

Fonte: Os autores (2021).


Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 97

Muitos alunos por residirem em cidades vizinhas utilizam de ônibus ou


vans fretadas nos deslocamentos à ETEC. A análise das cidades de origem e
destino dos estudantes das ETECs de Palmital (Figura 4) mostram que a maioria
dos alunos do ETIM são da própria cidade (76% em Palmital). Observa-se
também que apenas 1,8% dos alunos do ETIM possuem destinos diferentes da
origem (tem origem em Palmital e destino em Ibirarema). Em relação aos
estudantes do ensino técnico da ETEC de Palmital, há apenas um aluno que
tem origem e destino diferentes, sendo a origem a cidade de Assis o destino a
cidade de Platina. Essas cidades se localizam no entorno das ETECs onde os
estudantes realizam seus estudos. As informações das cidades de
origem/destino irão influenciar diretamente no tempo de deslocamento dos
alunos.

Figura 4. Cidade de origem e destino dos alunos. Valores absolutos

140

120

100

80

60

40

20

0
PALMITAL IBIRAREMA PLATINA CAMPOS ASSIS CANDIDO
NOVOS MOTA

Origem ETIM Origem Técnico Destino ETIM Destino Técnico

Fonte: Os autores (2021).

A partir do cruzamento das informações sobre o tempo de viagem e o


modo de transporte utilizado nos percursos de ida e volta à escola é possível
identificar o perfil de mobilidade predominante dos alunos de cada curso (ETIM
e Técnico) (Tabela 4). Os dados mostram que os alunos do ETIM que utilizam o
modo ativo, 40% levam até 15 minutos ou menos no trajeto casa/escola e 14%
dos estudantes percorrem esse trajeto entre 15 e 30 minutos. No contexto
98

geral, 14% dos alunos que se deslocam por automóvel gastam até 15 minutos
em seu trajeto de entrada. E 1% dos alunos do ETIM que utilizam motocicleta
gastam até 15 minutos nos seus deslocamentos (Tabela 4).
Em relação aos estudantes do Ensino Técnico, o tempo de viagem é
próximo àqueles encontrados a partir dos dados do ETIM. Assim, 30% dos
alunos percorrem o trajeto casa-escola em 15 min, e aqueles que utilizam o
automóvel levam até 15 minutos nesse mesmo trajeto. Os estudantes que
utilizam motocicleta, 9% levam até 15 minutos até a escola.
Analisando os trajetos de volta (escola/casa), observa-se que dentre os
alunos do ETIM que utilizam o modo ativo, 39% levam até 15 minutos ou
menos para esse deslocamento e 14% demoram entre 15 e 30 minutos nesse
deslocamento. Em relação àqueles que utilizam o automóvel, 14% dos
estudantes gastam até 15 minutos nesse trajeto de volta da ETEC. E 1% dos
alunos do ETIM que utilizam motocicleta para retornar às suas residências
gastam até 15 minutos nos seus deslocamentos (Tabela 4).
Para os estudantes do ensino técnico, as condições de tempo de viagem
são parecidas com as dos alunos do ETIM, ou seja, 32% dos alunos que utilizam
os modos ativos demoram até 15 minutos nesse trajeto, enquanto 13% levam
entre 15 a 30 minutos. Em relação aos usuários de automóvel, observa-se 20%
gastam até 15 minutos nesse trajeto de retorno da ETEC, e 10% dos usuários
de moto gastam até 15 minutos para voltar as suas residências.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 99

Tabela 4. Tempo gasto pelos alunos nos deslocamentos casa/escola (ida e volta) por modo de
transporte. Valores absolutos
Modo de Total
< 15 15 a 30 31 a 45 46 a 60 > 60
Transporte (Alunos)
Modo Ativo 58 21 1 0 0 80
Automóvel 21 1 1 1 0 23
ETIM

Ônibus ou van 3 27 8 0 0 38
ENTRADA

Motocicleta 1 0 0 0 0 1
Modo ativo 45 19 1 0 0 65
Técnico

Automóvel 33 1 1 0 0 35
Ônibus ou van 1 24 9 0 0 34
Motocicleta 14 0 0 0 0 14
Modo ativo 57 20 1 0 0 80
20 1 1 1 0 23
ETIM

Automóvel
Ônibus ou van 3 27 8 0 0 38
SAÍDA

Motocicleta 1 0 0 0 0 1
Modo ativo 47 19 1 0 0 65
Técnico

Automóvel 30 1 1 0 0 35
Ônibus ou van 2 24 9 0 0 34
Motocicleta 14 0 0 0 0 14
Fonte: Os autores (2021).

Em relação à distância percorrida no trajeto até a escola, observa-se que


75% dos alunos dos cursos ETIM e 76% do curso técnico, em Palmital,
percorrem menos de 2,5 km em seus deslocamentos até a ETEC, tanto nos
trajetos de ida quanto de volta. Apenas 25% dos alunos residem a mais de 2,5
km da ETEC e aqueles que residem menos de 1 km correspondem a 18% dos
estudantes do ETIM e 20% do curso técnico. Como toda a cidade de Palmital
está inserida em um raio de 2,5 km, todos os alunos que assinalaram que
percorrem “acima de 5 km” são de municípios vizinhos como: Assis, Ibirarema,
Platina, Cândido Mota e Campos Novos Paulista.
100

Tabela 5. Distância dos trajetos casa/escola (ida e volta), por modal de transporte. Valores
absolutos
1
Modo de Até 5 Acima
1000 2000 2500 5000 Total
Transporte 500 0 5000
0
Modo ativo 5 13 27 27 8 0 0 80
ETIM

Automóvel 2 7 3 8 3 0 0 23
Ônibus ou van 0 0 3 3 0 36 0 42
ENTRADA

Motocicleta 0 0 1 0 0 0 0 1
Modo ativo 4 14 24 16 6 1 0 65
Técnico

Automóvel 1 8 16 5 3 2 0 35
Ônibus ou van 0 0 0 0 2 32 0 34
Motocicleta 0 2 7 4 1 0 0 14
Modo ativo 5 15 29 26 8 0 0 83
ETIM

Automóvel 2 5 3 8 3 1 0 22
Ônibus ou van 0 0 3 3 0 35 0 41
SAÍDA

Motocicleta 0 0 0 0 0 0 0 0
Modo ativo 3 11 24 15 8 2 0 63
Técnico

Automóvel 2 9 15 5 3 2 0 36
Ônibus ou van 0 0 0 0 2 31 0 33
Motocicleta 0 2 8 5 0 0 0 15
Fonte: Os autores (2021).

Os resultados apresentados nas Tabelas 4 e 5 indicam que 42% dos


alunos do ETIM e 51% do ensino técnico encontram-se dentro do raio de
abrangência de 1.600 m, estabelecido por Guimaraes (apud NEVES, 2015)
como desejável para os deslocamentos escolares e 75% dos alunos do ETIM e
76% do ensino técnico possuem suas residências localizadas em um raio de até
3.000 m estabelecido também por Guimaraes (apud NEVES, 2015) como
aceitável nos deslocamentos escolares.
As Figuras 5 a 8 complementam os dados apresentados nas Tabelas 4 e
5, pois apresentam o mapeamento dos trajetos de ida e volta à escola,
incluindo todos os modos de transporte realizados pelos estudantes dos cursos
ETIM e técnico da ETEC de Palmital.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 101

Figura 5. Trajeto casa/escola dos estudantes do ETIM da ETEC Palmital, considerando todos os
modais

Fonte: Os autores (2021).

Figura 6. Trajeto escola/casa dos estudantes do ETIM da ETEC Palmital, considerando todos os
modais

Fonte: Os autores (2021).


102

Figura 7. Trajeto casa/escola dos estudantes do técnico da ETEC Palmital,


considerando todos os modais

Fonte: Os autores (2021).

Figura 8. Trajeto escola/casa dos estudantes do técnico da ETEC Palmital, considerando todos os
modais

Fonte: Os autores (2021).


Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 103

Em função da localização da ETEC na malha urbana da cidade, distante


da região central, onde há maior fluxo de veículos, observa-se que a avenida
Anchieta é o principal eixo viário utilizado para os deslocamentos dos
estudantes pelos modos ativos (80 alunos), por automóvel (23 alunos) e
motocicleta (1 aluno). E a Rodovia Nelson Leopoldino é mais utilizada para os
deslocamentos por vans e ônibus fretados (42 alunos), nos trajetos de ida e
volta da escola (Figuras 7 e 8).
Em função do baixo número de estudantes que utilizam automóvel (23
alunos) pode-se afirmar que no entorno da ETEC pode ocorrer baixo impacto
no trânsito local nos horários de entrada dos estudantes.
O mapeamento dos deslocamentos dos estudantes do ETIM mostra que
não há uma concentração nas vias mais utilizadas pelos alunos nos trajetos de
ida e volta à ETEC. Esses resultados podem ser utilizados como parâmetros para
melhoria da infraestrutura dos modos ativos proporcionando maior segurança
e conforto nesses deslocamentos até a ETEC.
Ao analisar os dados dos alunos que estão matriculados nos cursos
técnicos noturnos, há uma clara tendência do aumento da utilização das vias
mais internas da cidade (vindo dos bairros) e uma pequena diminuição da
utilização da Rodovia Nelson Leopoldino. Isso ocorre porque 75% dos alunos
da ETEC Palmital têm origem e destino na própria cidade (Figuras 5 e 6).
Dos 148 alunos matriculados no curso técnico noturno de Palmital, 65
alunos utilizam os modos ativos (a pé e bicicleta), 35 alunos utilizam
automóveis ou motocicletas e 34 alunos utilizam transporte fretado (ônibus ou
van). A partir desses dados, e com a informação dos fluxos de deslocamento
na cidade observa-se que, no período noturno, o impacto da escola no trânsito
local abrange um raio de 2.000 m. Comparando com os horários de entrada (19
h) e saída (23 h) de estudantes no período noturno, pode-se inferir que o maior
impacto na cidade corresponde aos deslocamentos por modos individuais
motorizados utilizando as avenidas Reginalda Leão e Anchieta, assim como as
ruas Manoel Leão Rego e José de Campos Leite (Figuras 7 e 8).
Observa-se uma tendência de pontos de congestionamento ou lentidão
na Avenida Anchieta, no período de entrada de alunos na escola. E um
aumento no número de deslocamentos nas Avenidas Rotary e Reginaldo Leão,
no sentido sul da ETEC, e na Rua José de Campos Leite, no sentido norte da
cidade. Para os deslocamentos por ônibus e/ou van a Rodovia Nelson
104

Leopoldino é utilizada para acessar os municípios de Ibirarema, Platina ou


Campos Novos, local de residência de alguns estudantes do período noturno.
Como a matriz de transporte é bem diversificada, é importante que os
decisores locais proporcionem sinalização adequada na Avenida Anchieta para
motoristas, ciclistas e pedestres, para melhorar o tráfego local, diminuir pontos
de lentidão e evitar acidentes nos horários de pico escolar.
A análise das vantagens para a utilização do atual modo de transporte
utilizado pelos estudantes mostra que o item Economia foi considerado mais
relevante para 39% dos estudantes do curso ETIM e 41% do curso técnico da
ETEC de Palmital (Tabela 6). O tempo de deslocamento (Rapidez) aparece na
segunda posição (30% no ETIM e 33% no Técnico). E, o terceiro item mais
importante está relacionado à questão ambiental (Menor poluição ambiental),
sendo escolhido por 10% no ETIM e 8% no ensino técnico. Os temas podem
estar associados à utilização da bicicleta, que configura no modo de transporte
mais utilizado pela maioria dos alunos dos dois cursos.

Tabela 6. Vantagens da utilização do atual modo de transporte. Valores absolutos


ETIM Técnico
VANTAGENS
N % N %
Economia (menor custo) 57 39 59 41
Rapidez 44 30 48 33
Flexibilidade (horário) 10 7 7 5
Segurança 4 3 6 4
Menor poluição ambiental 15 10 12 8
Conforto 2 1 7 5
Facilidade de mobilidade (trânsito) 12 8 7 5
Presença de infraestrutura 2 1 2 1
Obs. N – número absoluto de respostas.
Fonte: Os autores (2021).

Temas relacionados à segurança, conforto ou infraestrutura, foram


considerados menos relevantes para os respondentes, talvez em função das
distâncias percorridas na cidade de Palmital e/ou da circulação viária na cidade
oferecer segurança, pelo baixo volume de trânsito, aos pedestres e ciclistas.
A Tabela 7 apresenta os resultados referente às desvantagens em se
utilizar o atual modo de transporte. Os dados mostram que os itens Menor
Rapidez, Economia, Falta de Segurança e Maior Poluição ambiental foram os
temas mais elencados pelos estudantes (células destacadas na cor cinza claro).
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 105

Tabela 7. Desvantagens da utilização do atual modo de transporte. Valores absolutos


ETIM Técnico
DESVANTAGENS
N % N %
Economia (maior custo) 19 13 29 20
Menor Rapidez 44 30 34 23
Rigidez de Horário 18 12 6 4
Falta de Segurança 17 12 26 18
Maior poluição ambiental 20 14 19 13
Desconfortável 9 6 13 9
Dificuldade de mobilidade (trânsito) 3 2 4 3
Ausência de infraestrutura 16 11 17 12
OBS: N – número absoluto de respostas.
Fonte: Os autores (2021).

A principal desvantagem para a maioria dos respondentes está


associada à falta de agilidade no transporte, resposta de 30% dos estudantes
do ETIM e 23% no ensino técnico. No geral, o alto custo do transporte foi
pontuado como segundo tópico dentre as desvantagens da utilização do atual
modal de transporte, 13% e 20% das respostas dos estudantes do ETIM e
técnico, respectivamente. A falta de segurança foi considerada uma
desvantagem para 12% e 18% dos estudantes do ETIM e técnico,
respectivamente. Os temas segurança (mais importante para o curso técnico –
3º lugar) e menor poluição (mais importante para o ETIM – 3º lugar) obtiveram
diferentes rankings para os dois cursos.
Embora os modos ativos de transportes sejam predominantes nesta
escola, foi realizada uma pergunta se haveria alguma intenção de mudança no
tipo de transporte utilizado atualmente pelos alunos. As respostas mostram
que há pouca intenção de alteração (Tabela 8).
No ETIM, 71% (32% que utilizam modos ativos e 25% ônibus ou vans)
dos estudantes responderam que não mudariam o modo de transporte para ir
à escola (Tabela 8). Em relação aos estudantes do curso técnico, embora o
percentual total seja menor que os encontrados no ETIM (61%), a
predominância é de não intenção de alteração do modal atual (Tabela 8). No
entanto, é importante destacar que grande parte dos alunos que utilizam
modos ativos gostaria de utilizar outro modo de transporte. Alguns indicativos
para esta decisão dos estudantes podem ser verificados nos dados
apresentados nas Figuras 9 e 10.
106

Tabela 8. Análise do desejo de mudança de modo de transporte, por tipo de modo de transporte
Modo de Sim Não
ETEC/Curso
Transporte N % N %
Modo Ativo 34 23 46 32
Automóvel 3 2 20 14
ETIM Ônibus ou Van 5 3 37 25
Motocicleta 1 1 0 0
PALMITAL

Total 43 29 103 71
Modo Ativo 37 26 28 19
Automóvel 13 9 22 15
Técnico Ônibus ou Van 7 5 26 18
Motocicleta 1 1 13 9
Total 58 39 89 61
Obs.: N – número absoluto de respostas.
Fonte: Os autores (2021).

No curso ETIM, os estudantes elencaram os seguintes temas como


justificativa para o desejo de mudança do tipo de transporte para ir à escola:
Conforto (34,9%), Rapidez (25,6%) e Facilidade (14%) (Figura 9). E, no curso
técnico, os temas foram: Rapidez (31,0%), Conforto (17,2%) e empatados na
terceira posição ficaram Saúde e Segurança (10,3%). Uma justificativa para
essas respostas pode estar associada no curso técnico ao horário de término
das aulas no período noturno, 23h, pois em função do tipo de transporte
utilizado no trajeto escola/residência, a rapidez é um fator preponderante.
Os motivos “Conforto” e “Rapidez” apareceram como os principais
desejos da mudança dos estudantes dos dois cursos, analisando essas
respostas com o modo atual de transporte utilizado para ir e voltar da escola,
observa-se que os alunos que utilizam ônibus escolar ou utilizam o modo a pé,
gostariam de utilizar o automóvel, por proporcionar menor tempo de
deslocamento e maior conforto ao usuário.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 107

Figura 9. Motivos do desejo de mudança de modos de transportes para ir e voltar da ETEC

INDEPENDÊNCIA
DESCONFORTO
CLIMA
FACILIDADE
ECONOMIZAR
RAPIDEZ
SEGURO
CONFORTO
SAÚDE

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Técnico ETIM

Fonte: Os autores (2021).

Os resultados referentes à mudança do tipo de transporte para ir e


voltar à ETEC mostram que para os estudantes do ETIM e do técnico, o
automóvel (na condição de motorista ou carona) é o desejo de mudança para
19% e 24% dos respondentes, respectivamente (Figura 10).

Figura 10. Tipo de transporte escolhido para mudança

A pé / Ônibus Urbano
Ônibus Interurbano/Urbano
Ônibus Interurbano
Ônibus Urbano
Ônibus / Van (fretado)
Motocicleta
Automóvel (carona)
Automóvel (motorista)
Bicicleta
A Pé

0 5 10 15 20 25 30 35 40

ETIM Técnico

Fonte: Os autores (2021).


108

Ao comparar os resultados obtidos nos questionários aplicados aos


estudantes dos cursos do ensino médio e técnico (ETIM e técnico), com os
dados obtidos na pesquisa de Bertazzo (2008), observa-se que em Palmital há
uma maior utilização dos modos ativos para deslocamento à escola, se
comparado aos resultados obtidos em Brasília, cujo modo de transporte mais
utilizado pelos estudantes era o ônibus urbano.
Na pesquisa de Paula (2013), os valores obtidos para a utilização dos
modos ativos foram muito mais baixos que aqueles encontrados em Palmital.
Contudo, os valores para automóvel e ônibus e van foram muito maiores, tanto
para viagens atraídas quanto para produzidas.
É importante destacar que as pesquisas de Bertazzo (2008) e Paula
(2013) foram realizadas em cidades de grande porte, diferentemente dos
dados de Palmital, espera-se que os modais individuais motorizados sejam
mais utilizados que os modos ativos, em função de sua rapidez e segurança no
deslocamento, além das distâncias percorridas pelos estudantes destas
pesquisas.

CONCLUSÃO

Pesquisas nacionais e internacionais têm comprovado uma diminuição


nas viagens escolares ativas (a pé ou bicicleta) em função de um aumento nos
deslocamentos por meios de transportes individuais motorizados. Alguns
fatores como a distância do trajeto casa-escola, a oferta de sistema de
transporte municipal/intermunicipal de qualidade, a oferta de ensino de
qualidade e a má qualidade da infraestrutura urbana destinada à caminhada e
à utilização da bicicleta têm contribuído para essa mudança de atitude dos
estudantes (MANO, 2011, ALVES et al., 2016; HAU; TODESCAT, 2018).
Este artigo apresenta a caracterização do padrão de deslocamento dos
estudantes da Escola Técnica Estadual (ETEC) Mário Antônio Verza, localizada
na cidade de Palmital, Estado de São Paulo, Brasil.
Os resultados mostraram que 50% dos estudantes utilizam o modo ativo
para ir e voltar à instituição de ensino. A maioria dos alunos são moradores da
cidade (68%) e 66% dos estudantes possuem menos de 18 anos. Dentre os
alunos do ETIM que utilizam o modo ativo, 40% gastam até 15 minutos ou
menos e 14% gastam entre 15 e 30 minutos em seus deslocamentos de
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 109

entrada. No contexto geral, 93,1% dos alunos que se deslocam por automóvel,
gastam até 15 minutos em seu trajeto de entrada. Para os alunos do ensino
técnico, as condições de tempo de viagem são parecidas com as dos alunos do
ETIM. E 94% dos alunos que se deslocam por automóvel, gastam até 15
minutos em seu trajeto de entrada, os que utilizam o modo ativo, 69% gastam
até 15 minutos e todos os 14 (9%) que utilizam motocicleta levam até 15
minutos. Apenas 24% dos alunos residem a mais de 2,5 km da ETEC e que 18%
estão a menos de 1 km.
Ainda em relação aos modos de transporte o artigo identificou que 34%
dos estudantes mudariam o modo de transporte utilizado para seus
deslocamentos à escola, sendo que deste total, 59% dos respondentes
utilizariam o automóvel. Os motivos associados a esta mudança são: rapidez,
conforto e facilidade. Fatores como saúde, clima da cidade e segurança não
foram influenciaram nessa decisão, pois juntos representaram 19% das
respostas.
Nesta amostra os resultados não confirmam a atual tendência para uma
diminuição na utilização dos modos ativos para os deslocamentos à escola,
como tem observado em cidades de maior porte demográfico.
Os resultados podem contribuir para o desenvolvimento de estudos
similares e para que planejadores urbanos e de transportes possam intervir
preventivamente em possíveis conflitos urbanos e propor ações de
conscientização juntos aos estudantes dos ensinos fundamental, médio e
técnico.

REFERÊNCIAS

ALVES, P.; BERNADELLI, C.; FÉLIX, W. et al. Polos geradores de viagem e educação para a
mobilidade urbana sustentável: a importância das unidades escolares. Revista Eletrônica de
Geografia, n. 20, p. 45-67, 2016. Disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/Observatorium/article/view/45881. Acesso em: 12 jan. 2021.

BASSO, F. A. Caracterização das viagens realizadas por estudantes de escolas técnicas estaduais
(ETECs) dos municípios de Assis, Palmital e Ourinhos. 2021. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, UNESP,
Bauru, 2021.

BECK, L. F.; NGUYEN, D. D. School transportation mode, by distance between home and school.
Journal of Safety Research, n. 62, p. 245-251, 2017. Disponível em:
110

https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0022437517302153?via%3Dihub.
Acesso em: 26 fev. 2021.

BERTAZZO, Â. B. S. Estimativa e avaliação do padrão de viagens geradas para instituições de


ensino médio. 2008. Dissertação (Mestrado em Transportes) – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Brasília, 2008.

BERTAZZO, Â. B. S.; JACQUES, M. A. P. Características de viagens geradas em instituições de


ensino médio em Brasília. In: PAN-AMERICAN CONFERENCE OF TRAFFIC AND TRANSPORTATION
ENGINEERING AND LOGISTICS, 16., 2010, Lisboa. Anais [...]. São Paulo: XVI PANAM, p. 16.

BERTAZZO, Â. B. S.; MIRANDA R. F.; MELLO, L. M. S. et al. Estudo das operações de embarque e
desembarque de estudantes em Instituições de Ensino Médio. Revista Transportes, n. 22, p. 65-
75, 2014.

BRUUN, E.; GIVONI, M. Sustainable mobility: six research routes to steer transport policy. Nature,
v. 523, n. 7558, p. 29-31, 2015. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/279730119_Sustainable_mobility_Six_research_rout
es_to_steer_transport_policy. Acesso em: 13 jan. 2021.

CENTRO PAULA SOUZA. São Paulo. 2019. Núcleos Regionais. Disponível em:
https://ppilotocps.com.br/site/landpage/Impressao.php . Acesso em: 8 jan. 2021.

DIMAGGIO, C.; LI, G. Effectiveness of safe routes to school program in preventing school-aged
pedestrian injury. Pediatrics, v. 131, n. 2, p. 290-296, 2013. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/234134453_Effectiveness_of_a_Safe_Routes_to_Sch
ool_Program_in_Preventing_School-Aged_Pedestrian_Injury. Acesso em: 7 jan. 2021.

EASTON, S.; FERRARI, E. Children's travel to school – the interaction of individual, neighborhood
and school factors. Transport Policy, n. 44, p. 9-18, 2015. Disponível em:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0967070X15300196. Acesso em: 21 fev.
2021.

EDWARDS, P.; STEINBACH, R.; GREEN, J. et al. Health impacts of free bus travel for young people:
evaluation of natural experiment in London. Journal of Epidemiol Community Health, v. 67, n. 8,
p. 641-647, 2013. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/43281591. Acesso em: 2 jan.
2021.

HAU, F.; TODESCAT, M. O teletrabalho na percepção dos teletrabalhadores e seus gestores:


Vantagens e desvantagens em um estudo de caso. NAVUS – Revista de Gestão e Tecnologia, v. 8,
n. 3, p. 37-52, 2018. Disponível em:
http://www.spell.org.br/documentos/ver/50036/o-teletrabalho-na-
percepcao-dos-teletrabalhadores-e-seus-gestores--vantagens-e-
desvantagens-em-um-estudo-de-caso-. Acesso em: 27 fev. 2021.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Resultado dos dados preliminares
do Censo – 2020. Brasília, DF. Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/22827-censo-2020-
censo4.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 20 jan. 2021.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 111

JONES, A.; STEINBACH, R.; ROBERTS, H. et al. Rethinking passive transport: bus fare exemptions
and young people’s wellbeing. Health Place, v. 18, n. 3, p. 605-612, 2012. Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22321902/. Acesso em: 12 jan. 2021.

KAMARGIANNI, M.; A. POLYDOROPOULOU. Exploring Teenagers’ Travel Behavior for School and
for After-School Activities. Anais [...]. ICTIS 2011: Multimodal approach to sustained
transportation system development – information, technology, implementation. v. 1. Highway
Transportation, 2011, p. 1896-1904. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/236850997_exploring_teenagers'
_travel_behavior_for_school_and_after-
school_activities_implications_on_safety. Acesso em: 15 jan. 2021.

LARSEN, K.; BULIUNG, R. N.; FAULKNER, G. E. J. Safety and school travel: How does the
environment along the route relate to safety and mode choice? Transportation Research Record
Journal of the Transportation Research Board, v. 2327, p. 9-18, 2013. Disponível em:
https://journals.sagepub.com/doi/10.3141/2327-02. Acesso em: 18 fev. 2021.

MAGAGNIN, R. C.; SILVA, A. N. R. da. Reflexos da dependência do transporte motorizado


individual em cidades brasileiras de médio porte: a questão da mobilidade no município de
Bauru. In: FONTES, M. S. G. de C.; GHIRARDELLO, N. Olhares sobre Bauru, n. 1, p. 159-170, 2008.

MANO, M. K. Mobilidade urbana – O automóvel ainda é prioridade. IPEA: Desafios do


desenvolvimento, 2011, edição 67, p. 1. Disponível em
<http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2578:catid=28&Itemid=2
3>. Acesso em: 18 jan. 2021.

MARIQUE, A. F.; DUJARDIN, S.; TELLER, J. et al. School commuting: the relationship between
energy consumption and urban form. Journal of Transport Geography, n. 26, p. 1-11, 2013.
Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jtrangeo.2012.07.009. Acesso em: 16 fev. 2021.

NEVES, F. H. Planejamento de equipamentos urbanos comunitários de educação: algumas


reflexões. Caderno Metrópole, São Paulo, v. 17, n. 34, p. 503-516, 2015. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2015-3410. Acesso em: 29 set. 2021.

OLIVEIRA, G. M. de; SILVA, A. N. R. Desafios e perspectivas para avaliação e melhoria da


mobilidade urbana sustentável: um estudo comparativo de municípios brasileiros. Revista
Transportes, v. 23, n. 1, p. 59-68, 2015. Disponível em:
https://www.revistatransportes.org.br/anpet/article/view/768>. Acesso em: 7 jan. 2021.

PAULA, A. F. F. de C. P. Taxas de geração de viagens para instituições privadas de ensino


superior de Uberlândia. 2013. Dissertação (mestrado em Engenharia Civil) – Faculdade de
Engenharia Civil, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2013.

SÁ, T. H.; GARCIA, L. M. T.; MIELKE, G. I. et al. Changes in travel to school patterns among children
and adolescents in the São Paulo Metropolitan Area, 1997-2007. Journal of Transportation
Health, n. 2, p. 143-50, 2015. Disponível em: https://espace.library.uq.edu.au/view/UQ:683493.
Acesso em: 10 mar. 2021.
112

SÁTYRO, N. G. D.; SOARES, D. S.O impacto da infraestrutura escolar na taxa de distorção idade-
série das escolas brasileiras de ensino fundamental – 1998 a 2005. Brasília: Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007, p. 22. Disponível em:
http://inep.gov.br/documents/186968/485287/O+impacto+da+infra-
estrutura+escolar+na+taxa+de+distor%C3%A7%C3%A3o+idade-
s%C3%A9rie+das+escolas+brasileiras+de+ensino+fundamental+%C2%BF+199
8+a+2005/0f491ce7-50f9-4e44-b437-c6fa625f06d9?version=1.2. Acesso em: 7
jan. 2021.

SOUZA, S. C. F. de S. Modelos para estimativa de viagens geradas por Instituições de Ensino


Superior. 2007. Dissertação (Mestrado em Transportes) – Faculdade de Tecnologia, Universidade
de Brasília, Brasília, 2007.

SPAGNUOLO, A. Y. N.; MAGAGNIN, R. C. Avaliação do padrão de viagem dos alunos de escola


técnica estadual. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE GESTÃO E ENGENHARIA URBANA, 1., 2017, São
Carlos. Anais [...]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos: SINGEURB.

WENDEL, A. M.; DANNENBERG, A. L. Reversing declines in walking and bicycling to school.


Preventine Medicine, v. 48, n. 6, p. 513-515, 2009. Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19500552/. Acesso em: 13 fev. 2021.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 113

Capítulo 6

INSTRUMENTOS DE LEGISLAÇÃO COMO ELEMENTOS


FUNDAMENTAIS PARA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO DE CÁCERES/MT

Luciana Palaes Mascaro19


Gisele Carignani20

INTRODUÇÃO

A cidade de Cáceres, no Estado de Mato Grosso, conta com cerca de 90


mil habitantes e sua fundação remonta ao ano de 1778. Sua localização
estratégica, próxima à fronteira com a Bolívia e às margens do rio Paraguai, se
deve às políticas de ocupação e defesa do território no século XVIII e, portanto,
sua história é relevante para o entendimento da formação país, bem como sua
conformação morfológica e paisagística.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tombou
o centro antigo de Cáceres em 2010 e em 26 de junho de 2012 o tombamento
foi homologado e publicado no DOU21. O registro encontra-se no Livro do
Tombo Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Significa que foram
reconhecidos, em nível nacional, valores históricos e culturais associados a esse
centro tais como os expressos através de seu traçado urbano – que exibe
característica do urbanismo pombalino – e de sua paisagem, composta pelo
terreno plano e a orla do Rio Paraguai. Existe um perímetro que define a área
tombada e outro, maior, que define a área de entorno, como mostra a Figura
1.

19 Professora doutora, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UFMT-Campus Cuiabá, Brasil.


E-mail: mascaro.luciana@gmail.com
20 Professora doutora, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UNEMAT-Campus Barra do

Bugres, Brasil. E-mail: gisele.carignani@unemat.br


21 Processo de Tombamento Federal 1542– – T-07 do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e

Paisagístico de Cáceres/MT, e Portaria Estadual nº 027/2002.


114

Figura 1. Cáceres/MT, poligonais de tombamento

Fonte: Mascaro, Orlandi, Iphan/MT (2017) – produto dos Projetos de Extensão e das práticas
supervisionadas do PEP.

Embora o tombamento tenha dez anos, ainda não existe uma Instrução
Normativa específica que regulamente as intervenções nos perímetros. Através
do Projetos de Extensão realizados em 2016 e 2017 22 em parceria com o
Iphan/MT e com a mestranda do PEP23, Verônica Orlandi, foram realizados
estudos técnicos, a população foi consultada e elaborada uma minuta de
Instrução Normativa. Esta encontra-se atualmente no Iphan e aguarda
sugestões de alteração e/ou homologação.
Os valores culturais do centro da cidade também são reconhecidos em
nível estadual e municipal: o Estado igualmente definiu um perímetro para a

22Projetos de Extensão registrados, sob coordenação da profa. Luciana Mascaro, no Sistema SIEx
da UFMT sob os números 100420161158591607 e 240220171741321291, respectivamente.
23 Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do Iphan (– PEP):

http://portal.iphan.gov.br/pep
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 115

preservação, que é parecido com o perímetro definido em nível Federal 24, e o


município reconheceu algumas edificações isoladas, de arquitetura mais
expressiva (CÁCERES/MT, 1992; LEITE, 2018, p. 38), mas não definiu perímetro.
Nem em nível estadual nem municipal foram definidas legislações que deem
suporte aos tombamentos. Dessa forma, nessas esferas não existem estratégias
bem estabelecidas de preservação do patrimônio construído, apenas o registro
deles (LEITE, 2018, p. 38).
Durante as pesquisas realizadas ficou evidente que um dos aspectos
mais importantes para manter a preservação do centro antigo, além da
preservação do traçado urbano, é a manutenção do gabarito das edificações e
as alturas predominantes das edificações em relação às calhas das ruas.
Alterações nessas relações podem gerar a descaracterização da paisagem local,
que também é protegida pelo tombamento. O Iphan/MT, com base em
legislações mais abrangentes, não tem aprovado a construção que destoam da
massa predominante nos perímetros de tombamento e de entorno. Essa
restrição é encarada como prejuízo por alguns proprietários que reivindicam o
direito de explorar economicamente suas propriedades através do incremento
do número de pavimentos, ou seja, reivindicam o seu direito de construir. E é
apontada como entrave ao desenvolvimento da cidade.
Na minuta de Instrução Normativa acima citada foram definidos setores
no perímetro de tombamento, cada qual com sua definição de gabarito máximo
a ser praticado (Figura 2), visando à preservação da largura das calhas das ruas
em relação às alturas das construções antigas e da paisagem da cidade.

24Divisão de Patrimônio Histórico da Secretaria de Estado de Cultura SEC-MT, por meio da Portaria
Estadual nº 027/2002.
116

Figura 2. Cáceres/MT, poligonais de tombamento e setores propostos com diferentes restrições


de gabaritos. Em amarelo o setor mais restritivo que do núcleo urbano mais antigo

Fonte: Mascaro, Orlandi, Iphan/MT (2017) – produto dos Projetos de Extensão e das práticas
supervisionadas do PEP.

Soma-se a esse quadro o fato de o município não aplicar os


instrumentos previstos no Estatuto da Cidade que deveriam ser a base das
políticas públicas para articular preservação do patrimônio e restrições
impostas aos proprietários pelo tombamento. Além disso, não possui Lei de
Uso e Ocupação do Solo nem definição de Coeficiente de Aproveitamento dos
terrenos. No início de 2019 foi elaborada a atualização do Plano Diretor que
incluiu a Lei de Uso e Ocupação do Solo e Zoneamento Territorial, que aguarda
aprovação pela Câmara Municipal.
O Plano Diretor, revisto e atualizado em 2019, em seu art. 29 estabelece
as Zonas de Especial Interesse Histórico e Cultural (ZEIHC) conceituando-as
como áreas cujo objetivo é a preservação do patrimônio arquitetônico
tombado. Estabelece para essa área: a requalificação urbanística e ambiental;
incentivo de atividades culturais e de lazer diurno e noturno; recuperação do
conjunto arquitetônico resguardando as principais características originais;
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 117

prioriza a segurança pública; sugere a garantia da acessibilidade e qualificação


das vias para privilegiar o pedestre, o ciclista, o transporte coletivo e os
portadores de necessidades especiais; sugere a fiscalização do atendimento
aos horários para tráfego pesado e para carga e descarga nas ZEIC; incentiva o
uso misto. Requer ainda que quando houver a revitalização proposta em área
do Centro Histórico, os projetos técnicos deverão ser previamente submetidos
à apreciação e aprovação do Iphan/MT e órgãos estadual e municipal
competentes.
No seu Capítulo III – Da Transferência do Direito de Construir, art. 118,
Lei específica de iniciativa do Poder Executivo municipal, esclarece que poderá
autorizar o proprietário de imóvel urbano, seja pessoa de direito público ou
privado, a exercer o direito de construir em outro local passível de receber o
potencial construtivo, ou aliená-lo, mediante escritura pública, parcial ou
totalmente, para fins de: implantação de equipamentos públicos urbanos e
comunitários; preservação, quando o imóvel for considerado de interesse
histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural. Especifica que utilizando-
se desse instrumento, os valores auferidos com a venda dos estoques da
outorga onerosa do direito de construir serão repassados integralmente ao
Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, devendo tal repasse estar
consignado no Orçamento do Município. Esses valores provenientes desse
instrumento serão aplicados para a consecução dentre outras finalidades: a
proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico.
Outro instrumento acolhido pelo Plano Diretor com ação direta sobre a
área de patrimônio é a Operação Urbana Consorciada, estabelecida com a
finalidade, entre outras, de valorização e criação de patrimônio ambiental,
histórico, arquitetônico, cultural e paisagístico.
Pertencente ao escopo do Plano Diretor, a Lei de Uso e Ocupação do
Solo estabelece em seu art. 10 que cabe ao Poder Executivo municipal a
aprovação de projetos e licenciamento das obras da área do polígono de
tombamento, observando as disposições previstas na legislação urbanística
municipal, na legislação ambiental, nessa lei e sua regulamentação, além da
legislação estadual e federal aplicável. Ressalta ainda no art. 22 que as obras a
serem realizadas em edificações e sítios urbanos integrantes do patrimônio
histórico e cultural municipal, estadual ou federal deverão atender às normas
próprias estabelecidas pelo órgão de proteção competente.
118

O art. 255 dessa mesma lei estabelece a criação do Programa Municipal


de Regularização Edilícia destinado à regularização das edificações irregulares,
oferecendo parâmetros e incentivos para ocupação da edificação com valor
histórico e arquitetônico. Em seu art. 403 restringe a utilização de qualquer
elemento de vedação de fachada no setor histórico, nas unidades de interesse
de preservação.
Assim, existe um arcabouço legal que permitiria a criação de um
ambiente favorável para a preservação do patrimônio construído. Porém,
foram apuradas falhas nas legislações e nas políticas públicas cacerenses, que
podem ser comuns entre municípios cujos centros antigos são tombados e
onde prevalece a prática da política local caseira.

OBJETIVOS E METODOLOGIA

Durante as pesquisas para o desenvolvimento de uma minuta de


Instrução Normativa para o perímetro tombado de Cáceres, foram observadas
diversas dificuldades para se efetivar ações de conservação e preservação do
patrimônio local. Em decorrência dessa experiência, o objetivo deste trabalho
foi analisar a legislação municipal e os instrumentos previstos, principalmente
no Estatuto da Cidade, para verificar de que forma eles podem auxiliar no
estabelecimento de uma política pública eficiente para a preservação do
patrimônio. E, por outro lado, como a inexistência ou a não aplicação de
algumas leis e instrumentos podem prejudicar a elaboração de uma política
pública para esse fim.
O procedimento metodológico de apoio para a discussão do tema foi
pautado na análise das leis municipais e outras leis que poderiam ter efeitos
sobre a região da cidade de Cáceres onde se encontra seu patrimônio histórico,
arquitetônico e paisagístico. Foram utilizados para análise, também, material
produzido durante a pesquisa citada e a atualização do Plano Diretor do
município, tais como iconografia, levantamento fotográfico, entrevistas
realizadas com moradores, revisão bibliográfica e levantamentos de dados
primários e secundários diversos.
Além da legislação e dos instrumentos no material levantado, foram
observadas questões relevantes para a compreensão das dificuldades e até de
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 119

conflitos observados em Cáceres, como, por exemplo, a verticalização das


edificações na região de interesse.

VERTICALIZAÇÃO EM CÁCERES?

Em Cáceres, preservar o gabarito predominante é fundamental,


especialmente no núcleo urbano antigo, pois verticalizações, mesmo que
pouco acentuadas, podem descaracterizar a morfologia e as relações
compositivas da paisagem tombada. A área central é constituída por um sítio
plano, pelo rio Paraguai e pela chamada Ilha Castriollon, situada frente a praça
Barão do Rio Branco. No extremo oposto da praça predomina a Catedral de São
Luíz de Cáceres, edificação mais imponente do perímetro tombado, com duas
torres laterais que se destacam na paisagem por sua altura. O vazio da praça
valoriza a igreja e o local é reconhecido como cartão-postal da cidade. Caso a
Catedral seja subjugada por edificações altas, perderá todo seu destaque, como
se vê na Foto 1.

Foto 1. Paisagem com Catedral de São Luiz de Cáceres/MT

Fonte: Acervo IBGE. Autores: Faludi, Stivan, Speridião et al. (1923).


120

Entretanto, o tombamento do centro antigo de Cáceres provocou


demanda de verticalização nessa região da cidade, entendendo-se por
verticalização, neste contexto, o acréscimo de alguns pavimentos às edificações
baixas existentes ou a construção de edificações de até quatro pavimentos, e
não arranha-céus de vários andares. Proprietários de imóveis ali situados se
sentiram prejudicados, pois constataram que, a partir do tombamento, a
construção de pavimentos está submetida a controle ou à interdição pelo
IPHAN/MT.
Segundo alegações ouvidas em visitas e em oficinas 25 realizadas na
cidade, esse impedimento causa prejuízos financeiros aos proprietários e é uma
das fontes de objeção ao tombamento. Anteriormente ao tombamento, apenas
algumas edificações de gabarito destoante foram construídas na região central;
raras possuem três pavimentos, como é o caso de alguns exemplares no
entorno da praça Barão do Rio Branco, Foto 2.

Foto 2. Edificações com mais de 1 pavimento no entorno da Catedral de São Luiz, praça Barão do
Rio Branco, Cáceres/MT

Fonte: Mascaro, Orlandi, Iphan/MT (2017).

25 Foram realizados três eventos abertos à população em geral, intitulados “Encontros do


Patrimônio Cultural de Cáceres”, cujo principal objetivo foi estabelecer uma via de comunicação
com os cidadãos cacerenses sobre o tema da preservação do patrimônio cultural da cidade. O “I
EPCC” foi realizado de 26 a 28/04/2016; o “II EPCC” de 30/11 a 01/12/2016 e o “III EPCC”, dia
02/05/2017, todos no Auditório do Centro Cultural de Cáceres. Foram ações dos Projetos de
Extensão acima citados.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 121

Além disso, a julgar pela análise de fotografias de vários períodos, sua


região central nunca foi densamente ocupada, pois os terrenos originais eram
generosos, com as casas na testada do lote e quintais profundos (Foto 3). A
dinâmica urbana levou ao desmembramento desses terrenos existentes no
centro, que passaram a abrigar outras construções de gabarito baixo, mas não
a verticalização acentuada. Em paralelo, novos bairros foram abertos. Trata-se
de uma cidade cuja expansão territorial urbana se acentuou entre 1960 e 1970
(ARRUDA, 2018), quando se estabeleceu sua ligação por via terrestre com
Cuiabá e quando sua população dobrou. Segundo informações do IBGE, em
1961 a cidade contava com 28.078 habitantes26, em 1973, com 85.699
habitantes27 e, em 2018, a estimativa foi de 93.882 habitantes28. Atualmente,
segundo consta no Plano Diretor vigente, de 2010, a cidade conta com um
perímetro urbano de 69.835.961 m², ou aproximadamente 69 km², com 40.876
imóveis e com 12.446 terrenos baldios, ou seja, cerca de 30% de vazios urbanos
(CÁCERES/MT, 2010). Cáceres seguiu o modelo de espraiamento do território
urbanizado, comum no Brasil. Não existem áreas na cidade onde a
verticalização seja acentuada, com presença de torres altas. Assim, o
adensamento nunca esteve entre as pautas do poder público municipal como
estratégia de planejamento urbano e de preservação de patrimônio.

26 IBGE. Anuário estatístico do IBGE. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-


catalogo?id=720&view=detalhes. Acesso em: 20 maio 2019.
27
Idem.
28 IBGE. IBGE cidades. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mt/caceres/panorama.

Acesso em: 20 maio 2019.


122

Foto 3. Área central de Cáceres/MT com lotes e Catedral de São Luiz

Fonte: Acervo IBGE. Autor: Faissol, Speridião, 1923-; Faludi, Susan. Data: 1953.

É necessário também considerar o impacto do tombamento sobre os


habitantes e sobre os proprietários atingidos por restrições. Lembrando que a
Constituição Federal de 1988 determina, em seu artigo 5º, XXIII, que “a
propriedade atenderá a sua função social” (BRASIL, 1988), o que significa que,
como nos explica Maricato (2014 “a propriedade privada não é absoluta” e é
limitada pelo interesse coletivo. Considerando que o patrimônio reconhecido e
tombado pelo Iphan em Cáceres/MT é de interesse coletivo, toda propriedade
privada que dele faz parte está limitada e deve cumprir sua função social. Tal
entendimento não é generalizado. Apenas através do tombamento é que
houve compreensão do significado do referido artigo da CF. O sentimento de
descobrir que o poder de decisão sobre o próprio imóvel é limitado causou
reações negativas ao tombamento, bem como questionamentos sobre a
impossibilidade de acrescentar pavimentos às edificações tombadas.
Não obstante, a área central é valorizada em relação às áreas periféricas
da cidade. Aí está a maior oferta de infraestrutura urbana 29, de comércios, de

29Ver dados sobre a “deficiência de infraestrutura básica” do Plano Diretor de Desenvolvimento


do Município de Cáceres, de 2010.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 123

serviços e de instituições públicas e privadas; nas periferias tais funções são


deficitárias. Na região central existem habitações, bancos, e atividades
comerciais e de lazer, funções da dinâmica favorável de apropriação e uso do
espaço ainda existente no centro, que evita a degradação, a desvalorização e o
abandono da região tombada.
Assim, a reivindicação pela construção de vários pavimentos na área de
tombamento de Cáceres pode ser atribuída a fatores como: a) centro
valorizado pela infraestrutura urbana já existente; b) associação entre o
progresso da cidade e os símbolos do progresso (edifícios altos, viadutos e
outros), ou seja, a cidade poderia estar desenvolvida se não fosse pelo
tombamento; c) sentimento de restrição ao direito de propriedade e de que o
tombamento causa prejuízo financeiro.
Observa-se que a demanda pelo direito de construir vários pavimentos
– ou demanda pela possibilidade de explorar ao máximo o valor do terreno – é
relativa às restrições do tombamento, às quais se atribuem prejuízos
financeiros.
Assim, a reivindicação pela construção de vários pavimentos na área de
tombamento de Cáceres pode ser atribuída a fatores como: a) centro
valorizado pela infraestrutura urbana já existente; b) associação entre o
progresso da cidade e os símbolos do progresso (edifícios altos, viadutos e
outros), ou seja, a cidade poderia estar desenvolvida se não fosse pelo
tombamento; c) sentimento de restrição ao direito de propriedade e de que o
tombamento causa prejuízo financeiro.

LEGISLAÇÕES INCIDENTES E (IN)EXISTENTES EM CÁCERES

Transferência do direito de construir

Por se tratar de área tombada, foi apurado se a aplicação do


instrumento previsto no Estatuto da Cidade para desenvolvimento de políticas
públicas voltadas à preservação do patrimônio construído – a Transferência do
Direito de Construir – seria de aplicação no local.
A definição e o entendimento da Transferência do Direito de Construir
data da década de 1970, em cidades europeias, e está ligada a estratégias de
124

“enfrentamento dos efeitos da dinâmica capitalista de produção do espaço


urbano” (BARBOSA, 2017), como explica Barbosa:

O “solo criado” surge como um novo instrumento de política urbana, com


efeitos de regulação pública do uso do solo [...]. As reflexões sobre este
conceito se iniciaram na França e na Itália que, com o uso dessa ferramenta,
desvincularam o direito de propriedade do direito de construir na lógica da
ocupação da terra urbana. (BARBOSA, 2017).

No Brasil, o conceito de “solo criado” também começou a ser discutido


na década de 1970 e foi incorporado em 2001 ao Estatuto da Cidade (BARBOSA,
2017). A lógica do “solo criado” está vinculada ao Coeficiente de
Aproveitamento único dos terrenos, que deve ser definido pelo poder público
municipal; construções que ultrapassem o coeficiente único definido são
consideradas como solo criado. Consequentemente, só pode haver solo criado
e transferência do potencial construtivo através do instrumento Transferência
do Direito de Construir, se o coeficiente único estiver definido.
Assim, a Transferência do Direito de Construir permite uma dinâmica
segundo a qual o proprietário pode, através do poder público, construir em
outro local, se não puder construir no próprio terreno. Ou pode vender seu
direito de construir. Dessa forma, o poder público consegue atuar, pois controla
a “cessão de potencial construtivo em troca de ações de interesse público”
(BARBOSA, 2017). Então, o poder público deve definir regiões da cidade que
podem ser adensadas e verticalizadas e quais devem manter gabaritos
reduzidos.
Esse instrumento possibilita mitigar o ônus que recai sobre o
proprietário de imóvel tombado, pois permite ao mesmo que exerça seu direito
de construir em outras regiões da cidade ou que venda esse direito e disponha
de recursos financeiros. Nas palavras de Barbosa (2017), “por natureza, a
Transferência do Potencial Construtivo é um dispositivo que visa equilibrar
interesses públicos e privados em função da proteção ao patrimônio cultural”
e, por isso mesmo, “deve ser visto como um incentivo à proteção ao patrimônio
cultural” (2017) e não apenas como compensatório ao proprietário.
Portanto, para que funcione, o instrumento deve estar implementado
por legislações municipais que determinem que o recurso obtido deva ser
revertido, no todo ou em parte, para manutenção dos bens culturais. Caso
contrário, não há garantias de que o imóvel tombado seja beneficiado. No
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 125

Brasil, principalmente nos grandes centros, como observa a autora, a


Transferência do Direito de Construir não tem conseguido atingir seus
objetivos, que é dar prevalência ao interesse público.
Aspecto positivo no caso de Cáceres é que o Plano Diretor de 2019, que
aguarda aprovação pela Câmara Municipal, procura dar prevalência ao
interesse público, pois define que recursos obtidos através do instrumento
devem ser revertidos ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano. Mas
mesmo com a aprovação do Plano Diretor de 2019, haveria dificuldades na
aplicação da Transferência do Direito de Construir, pois ainda seriam
necessárias outras leis municipais complementares.

Instrução normativa específica para Cáceres

A partir recém-elaborada minuta de Instrução Normativa, que aguarda


modificações e/ou homologação pelo Iphan, pode-se verificar onde e quais as
limitações de gabaritos se aplicariam. Seguem os trechos da minuta que dizem
respeito à preservação da paisagem e dos gabaritos (Figura 2):

– Art. 43. No setor A todas as edificações devem ter gabarito de um pavimento,


com a altura mínima de quatro metros e cinquenta centímetros e máxima de cinco
metros e cinquenta centímetros;
– Art. 44. No setor B todas as edificações devem ter gabarito de um pavimento,
com a altura mínima de quatro metros e cinquenta centímetros e máxima de seis metros
e cinquenta centímetros, seguindo regras abaixo: I – as edificações com altura acima de
cinco metros e trinta centímetros podem ter mezanino de no mínimo dois metros e
trinta centímetros de altura; II – os mezaninos não podem ser apoiados nas paredes das
fachadas. Parágrafo único. O mezanino, citado nos incisos I e II deste artigo é
caracterizado como um piso intermediário que não ocupa a totalidade da área de
implantação definida pelo perímetro das paredes exteriores, podendo ser colocadas
janelas desde que não estejam localizadas nas fachadas voltadas para a rua;
[...]
– Art. 48. As edificações localizadas no Setor 1 devem seguir os critérios: I – ter
no máximo 2 pavimentos;
– Art. 49. As edificações localizadas no Setor 2 poderão ter três pavimentos;
– Art. 50. A baía de São Luís de Cáceres e ilha Castrillon fazem parte do Setor 3,
onde devem ser preservados os eixos visuais a partir do rio e a partir dos logradouros,
praias e praças nas margens.
126

Como a Instrução Normativa não está em vigor e o Plano Diretor de 2019


não foi aprovado pela Câmara Municipal, o Iphan/MT vem tomando como
parâmetro para a análise de projetos de intervenção na região tombada de
Cáceres legislações abrangentes (como as Cartas Patrimoniais), os gabaritos
predominantes nos logradouros, os Códigos de Posturas Municipais antigos, a
Instrução Normativa de Cuiabá e, também, aspectos da minuta de Instrução
Normativa30 – já que foi elaborada em parceria com o próprio Iphan/MT e com
base em levantamentos de dados in loco e junto à população cacerense.
Infere-se, por isso, que não há clareza das restrições em verticalizar, pois
a Instrução Normativa não está em vigor e as decisões do Iphan/MT, quanto à
aprovação de projetos nos perímetros de tombamento e de entorno, vêm
sendo tomadas, também, com base em documentos que não são específicos
do município. Esta situação também dificulta a elaboração de estratégias de
preservação do patrimônio que vislumbrem a aplicação do Transferência do
Direito de Construir, pois as restrições de gabarito são indefinidas e não se sabe
quais imóveis poderiam ser contemplados por este instrumento.

Legislações municipais

No que tange à aplicação do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano)


como estratégia de incentivo à preservação do patrimônio, vigora tal confusão
que nem mesmo os proprietários sabem se têm direito a desconto ou isenção.
Costa (2020, p. 121) faz descrição detalhada sobre o assunto, mostrando que,
de início, “o tombamento individual do Município ocorreu em função do
interesse de isentar alguns imóveis do IPTU e da necessidade de justificar que
o município possuía monumentos históricos, para o pleito do tombamento
federal”.
A autora continua mostrando que, com o passar do tempo, a isenção do
IPTU passou a ser concedida apenas aos proprietários dos imóveis tombados
em nível municipal que dispusessem de “comprovação da averbação em
cartório e mediante comprovação da preservação do imóvel” (COSTA, 2020, p.
131), levando a população a pensar que, mesmo tendo imóvel dentro dos

30 Informações fornecidas pela Superintendente do Iphan/MT, Amélia Hirata, em 05/06/2018.


Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 127

perímetros de tombamento federal, vários imóveis não seriam tombados, pois


não desfrutam da isenção do IPTU. Apesar disso, em 26 de dezembro de 2019,
o novo Código Tributário do Município foi aprovado e “continuará a legislar em
benefício dos 48 imóveis tombados isoladamente” (COSTA, 2020, p. 320). Mas,
para total espanto, não existe lei ou decreto municipal que relacione quantas e
quais são as edificações tombadas em nível municipal, como relata a autora
(COSTA, 2020, p. 197).
Foi encontrada a Lei Complementar nº 90, de 29 de dezembro de 2010,
que institui o Plano Diretor de Desenvolvimento do Município de Cáceres,
revisado e atualizado, mas ainda não aprovado, como já citado. Portanto, a
cidade dispõe de um plano diretor, como determina a política federal através
do Estatuto da Cidade, mesmo que não atualizado. Foi encontrado na Seção VI
do Plano Diretor vigente o conteúdo que se dedica à Transferência do Direito
de Construir: o artigo 92 determina que cabe ao Poder Público municipal
“autorizar o proprietário de imóvel localizado na Zona de Adequação Ambiental
do distrito-sede de Cáceres a exercer em outro local, passível de receber o
potencial construtivo” (CÁCERES/MT, 2010), entre outros, nos casos de “I – de
interesse de preservação, quando o imóvel for considerado de interesse
histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural” (CÁCERES/MT, 2010). Além
disso, mais adiante, no § 1º do mesmo artigo 92, está definido que os
“Coeficientes de Aproveitamento de cada área ou zona” da cidade deve “ser
definida na Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano, observadas as
características infraestruturais, físicas, ambientais e socioeconômicas
compatíveis” (CÁCERES/MT, 2010).
Foi procurada, então, a Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano da cidade
para conhecer o Coeficiente de Aproveitamento especificado para a área
tombada, pois esse coeficiente permite a realização do cálculo das áreas
transferíveis. Infelizmente, não foi possível localizá-la. Em contato com um dos
vereadores da cidade, obteve-se a informação de que “nosso município não
tem um código de uso e ocupação do solo individualizado. Temos um código de
obras e postura, [...] estamos trabalhando para modernizar, separando o código
de obras”31. Nesse ponto, fica evidente que, se por um lado o município
cumpriu a exigência de elaborar um plano diretor para si, por outro, deixou de

31 Conversa com o vereador Cezare Pastorello, através de rede social, em 06/06/2018.


128

desenvolver uma das leis municipais mais importantes para o planejamento da


cidade que é a Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano. Esta legislação,
juntamente com o Zoneamento Urbano, está contemplada no escopo de
revisões do Plano Diretor de 2019.
Na ausência da referida lei, buscou-se o Código de Obras e Posturas
Municipais (CÁCERES/MT, 1995), conforme indicado pelo vereador, e foi
encontrado. Nele estão definidas as Taxas de Ocupação para os terrenos, mas
não os Coeficientes de Aproveitamento:
- Art. 7º Para as construções residenciais o coeficiente ou taxa de
ocupação não poderá exceder 75% (setenta e cinco por cento) (CÁCERES (MT),
1995);
- Art. 8º Para as construções comerciais e industriais, a taxa de ocupação
poderá atingir até 90% (noventa por cento), desde que outros dispositivos
deste Código sejam obedecidos (CÁCERES (MT), 1995);
- Art. 9º As edificações residenciais em lotes de esquina poderão ocupar
75% (setenta e cinco por cento) da área do lote, respeitados os recuos frontais
de cada logradouro definidos por este Código (CÁCERES (MT), 1995).

A Lei Orgânica Municipal (CÁCERES (MT), 2019) tampouco define os


Coeficientes de Aproveitamento dos terrenos urbanos da cidade, embora
reconheça, indiretamente, ser esta uma competência do município:
- Artigo 6º – Ao município compete prover a tudo quanto diga respeito
a seu peculiar interesse e ao bem-estar da população, cabendo-lhe,
privativamente, as seguintes atribuições:
[...]
- II – elaborar o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado;
- XII – planejar o uso e a ocupação do solo em seu território,
especialmente em sua Zona Urbana (CÁCERES/MT, 2019).

Assim, verifica-se na cidade que vigora o que Silva (1981, p. 256) dizia
há mais de 30 anos

no sistema vigente o coeficiente de aproveitamento dos terrenos edificáveis


é variável em função das determinações da legislação de uso e ocupação do
solo, dependendo da definição da densidade estabelecida para as diversas
zonas da cidade. Isso quando existe legislação de uso e ocupação, porque,
não raro, vige, nesse assunto, anarquia total, indisciplina completa.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 129

Dessa forma, como o Coeficiente de Aproveitamento não está definido


para o município de Cáceres, é inviável vislumbrar a Transferência do Direito de
Construir como instrumento de preservação do patrimônio cultural, para fazer
prevalecer o interesse público sobre o privado e, mesmo para mitigar alegados
prejuízos financeiros, decorrentes de tombamentos. Na prática, é impossível
calcular as áreas potencialmente transferíveis a que teriam direito esses
proprietários. Aguarda-se, portanto, a aprovação do novo Plano Diretor que,
apesar de contemplar tais informações e leis complementares em seu escopo,
na sua forma original, não se tem garantias de sua integralidade após análise e
votação.

CONCLUSÕES

Fica evidenciado, ao final, que o Poder Público municipal, embora


responsável pela política de desenvolvimento urbano, segundo define o
Estatuto da Cidade, no caso de Cáceres/MT, desenvolveu apenas parcialmente
a legislação municipal: aprovou o Plano Diretor de 2010, mas não as leis
complementares que poderiam dar respaldo e fundamentar uma estratégia
para a preservação do patrimônio local. E ainda não aprovou o Plano Diretor de
2019. A Transferência do Direito de Construir, existente no Plano Diretor da
cidade, não pode ser aplicado pois carece de leis complementares que o
viabilizem e implementem. Existe, assim, uma desarticulação entre
determinações dadas por um tombamento federal e a política de preservação
do patrimônio municipal. É possível que tal desarticulação, observada através
do estudo do caso de Cáceres, aconteça em outras cidades.
Pelo fato de nunca ter existido definição de Coeficientes de
Aproveitamentos nas legislações municipais de Cáceres, fica impraticável
estimar se proprietários atingidos pelo tombamento teriam direito a potencial
construtivo transferível. Como consequência, fica impossibilitada a aplicação
do instrumento de Transferência do Direito de Construir para atingir objetivos
de preservação do patrimônio cultural e do interesse coletivo e, também, de
equilíbrio com o interesse privado. Poderiam existir meios de mitigar eventuais
prejuízos alegados pelos proprietários de imóveis do centro tombado de
Cáceres, elaborando políticas públicas voltadas à preservação do patrimônio,
130

envolvendo mecanismos como descontos/isenção de IPTU e de Transferência


do Direito de Construir.
A inexistência das leis complementares ao Plano Diretor do Município
de Cáceres pode ser atribuída a vários fatores, tais como a vontade política – já
que prevalece a prática local sobre decisões técnicas –, o desconhecimento dos
instrumentos do Estatuto das Cidades e até da Constituição Federal, corpo
técnico e poder legislativo municipais alheios ao assunto, ausência de políticas
articuladas entre os diferentes níveis de tombamento (municipal, estadual e
federal). Um dos fatores que se deve citar também é o desconhecimento, por
parte do proprietário de imóvel tombado, de que legislações e políticas
públicas bem elaboradas poderiam favorecê-lo. Nesse quadro, cabem ações de
informação e formação direcionados aos quadros técnicos da prefeitura, aos
vereadores e aos cidadãos interessados. Além disso, é urgente que os entes que
reconhecem o patrimônio construído de Cáceres através de tombamento se
engajem no desenvolvimento de políticas públicas articuladas para a
preservação e conservação desse patrimônio.

REFERÊNCIAS

ARRUDA, T. L. P. de. Urbanização de Cáceres: a influência do rio Paraguai na sua origem e os


novos rumos da configuração do espaço. 2018. Monografia (graduação em Arquitetura e
Urbanismo) – UNEMAT-MT, 2018.

BARBOSA, B. L. Transferência do potencial construtivo no Brasil. Convergência das políticas


urbanas e de proteção ao patrimônio cultural. Arquitextos, São Paulo, ano 18, n. 206.05,
Vitruvius, jul. 2017. Disponível em:
https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.206/6634. Acesso em: 3 maio 2019.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da


República, [2016]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm. Acesso em: 10 maio 2019.

CÁCERES. Lei municipal nº 891, de 16 de novembro de 1982. Disponível em:


https://sic.tce.mt.gov.br. Acesso em: 22 maio 2019.

CÁCERES. Lei complementar nº 19, de 21 de dezembro de 1995. Código de Obras e Posturas


Municipais. Atualizado até a Lei Complementar n. 85, de 13/09/2010. Disponível em:
https://sic.tce.mt.gov.br/146/assunto/listaSubItem/id_assunto/1456. Acesso em: 31 maio 2018.
Múltiplos olhares sobre a cidade contemporânea - 131

CÁCERES. Plano diretor – LC nº 90, de 29 de dezembro de 2010. Institui a atualização do Plano


Diretor de Desenvolvimento do Município de Cáceres, p. 40-41. Disponível em:
http://www.caceres.mt.gov.br/downloads/01.Lei_Complementar_n_90.pdf. Acesso em: 31 maio
2018.

CÁCERES. Lei orgânica municipal. Atualizada até a Emenda à Lei Orgânica Municipal nº 37, de 11
de nov. de 2019. Disponível em:
https://sic.tce.mt.gov.br/146/assunto/listaSubItem/id_assunto/1456. Acesso em: 22 maio 2020.

COSTA, D. L. da. Patrimônio histórico e conflitos socioterritoriais: paradoxos da (i)legibilidade dos


tombamentos e das normas de preservação, a partir de Cáceres-MT. 2020. Tese (doutorado em
Sociologia) – UFSCar, São Carlos, SP, 2020.

LEITE, M. S. S. A cidade de Cáceres/MT e o seu patrimônio cultural: produção de um guia


didático-histórico. 2018. Dissertação (mestrado em História) – UNEMAT, Cáceres-MT, 2018.

MARICATO, E. Nossas cidades são um grande negócio na mão de poucos. [blog internet]. 2014.
Disponível em: https://erminiamaricato.net/2014/05/13/nossas-cidades-sao-um-grande-negocio-
na-mao-de-poucos/. Acesso em: 12 maio 2019.

SILVA, J. A. da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.
132

Você também pode gostar