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A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 1

Organizadoras

Sandra Medina Benini


Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin

A questão ambiental em debate


pesquisas e práticas

1ª Edição

ANAP
Tupã/SP
2018
2

EDITORA ANAP
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
Rua Bolívia, nº 88, Jardim América, Cidade de Tupã, São Paulo. CEP 17.605-310.
Contato: (14) 99808-5947
www.editoraanap.org.br
www.amigosdanatureza.org.br
editora@amigosdanatureza.org.br

Editoração e Diagramação da Obra - Sandra Medina Benini; Jeane Aparecida Rombi de


Godoy Rosin
Revisão Ortográfica - Smirna Cavalheiro

Ficha Catalográfica

B467a A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas / Sandra Medina


Benini; Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin (orgs). 1 ed. – Tupã:
ANAP, 2018.

240 p; il.; 14.8 x 21cm

ISBN 978-85-68242-67-4

1. Meio Ambiente 2. Desenvolvimento Sustentável 3. Gestão


Ambiental
I. Título.

CDD: 300
CDU: 300/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Ciências Sociais
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 3

CONSELHO DE EDITORIAL

Prof. Dr. Adeir Archanjo da Mota - UFGD


Profª Drª Adriana de Schueler - UFRRJ
Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva
Profª Drª Ana Paula Marques Ramos - UNOESTE
Profª Drª Ana Paula Santos de Melo Fiori - IFAL
Prof. Dr. Cledimar Rogério Lourenzi - UFSC
Profª Drª Daniela de Souza Onça - FAED/UESC
Profª Drª Eliana Corrêa Aguirre de Mattos - UNICAMP
Profª Drª Encarnita Salas Martin - FCT/UNESP
Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai - UFSCar
Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira - UEMS
Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia - UFPR
Prof. Dr. Leandro Gaffo - UFSB
Profª Drª Márcia Eliane Silva Carvalho - UFS
Prof. Dr. Natalino Perovano Filho - UESB
Prof. Dr. Paulo Cesar Vieira Archanjo
Prof. Dr. Rodrigo Barchi - UNISO
Prof. Dr. Rodrigo José Pisani - UNIFAL-MG
Profª Drª Roselene Maria Schneider - UFMT
Profª Drª Tânia Paula da Silva - UNEMAT
4

ORGANIZADORAS DA OBRA

Sandra Medina Benini


Professora e Pesquisadora do UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande-MT. Possui
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Marília (1995), Bacharelado em
Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista (2005), Licenciatura em Geografia pelo Centro
Universitário Claretiano de Batatais (2014), Especialização em Administração Ambiental pela
Faculdade de Ciências Contábeis e Administração de Tupã (2005), Especialização em Engenharia
de Segurança do Trabalho (2008), Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (2009), Doutorado em Geografia na Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (2015), Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pelo PPGAU/FAU Mackenzie (2016)
e Pós-doutorado em Arquitetura e Urbanismo (PNPD/Capes) pela FAAC/UNESP - Campus de Bauru-
SP. Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, Planejamento Ambiental e
Direito Urbanístico, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas públicas, política
urbana, gerenciamento de cidades e gestão ambiental.

Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin


Professora e Pesquisadora do UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande-MT. Possui
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Tupã
(1986), Especialização em Planejamento e Gestão Municipal pela FCT/UNESP (2004), Mestrado em
Direito do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (2011) e Doutorado em Arquitetura
e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP (2016). Atualmente está cursando o
pós-doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela FAAC/UNESP – Campus de Bauru-SP. Tem
experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase no Planejamento Urbano e Regional,
atuando principalmente nos seguintes temas: gestão pública, sustentabilidade urbana, projetos de
intervenção urbanística/requalificação de espaços públicos e políticas públicas atreladas ao direito
à cidade.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 5

SUMÁRIO

PREFÁCIO .......................................................................................... 09
Salvador Carpi Junior

Capítulo 1 ......................................................................................... 11

CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: DESAFIOS PARA CIDADES QUE


QUEREM SE CONVERTER EM SUSTENTÁVEIS
Eloisa Carvalho de Araujo

Capítulo 2 ......................................................................................... 23

ÁGUAS URBANAS: DINÂMICA FLUVIAL EM CIDADES


Sandra Medina Benini; Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin

Capítulo 3 ......................................................................................... 39

GESTÃO E GERENCIAMENTO DOS RESÍDUOS


Fabio Ytoshi Shibao; Mario Roberto dos Santos

Capítulo 4 ....................................................................................... 63

GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS EM SERVIÇOS PÚBLICOS DE


SAÚDE EM MUNICÍPIOS DO OESTE CATARINENSE:
POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES
Maria Assunta Busato; Estela Fátima Lunkes; Enrique Jorge
Deschutter

Capítulo 5 ........................................................................................ 81

EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE AOS


RESÍDUOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE EM SERVIÇO DE
ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR MÓVEL
Adriana Aparecida Mendes; Tatiane Bonametti Veiga; Juice Ishie
Macedo; Silvia Carla da Silva André; Angela Maria Magosso
Takayanagui
6

Capítulo 6 ......................................................................................... 99

A PESQUISA QUALITATIVA EM DIREITO AMBIENTAL: UMA


APLICAÇÃO METODOLÓGICA
Luciana Helena Crnkovic; José Wamberto Zanquim Junior; Celso
Maran de Oliveira

Capítulo 7 ....................................................................................... 117

PERFORMANCE DE ABRIGOS TERMO-HIGROMÉTRICOS


ALTERNATIVOS UTILIZADOS EM ESTUDOS DE CLIMA URBANO
Flávia Maria de Moura Santos; Marcos de Oliveira Valin Jr.; Ângela
Santana de Oliveira; Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira;
José de Souza Nogueira

Capítulo 8 ......................................................................................... 133

APLICAÇÃO DO MODELO DE FRAGILIDADE AMBIENTAL NA ÁREA


DE INFLUÊNCIA DO RESERVATÓRIO DA UHE BARRA DOS
COQUEIROS (GO)
Susy Ferreira Oliveira; João Batista Pereira Cabral; Celso Carvalho
Braga; Pollyanna Faria Nogueira

Capítulo 9 ......................................................................................... 153

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA DO RIBEIRÃO


TAQUARUSSU DURANTE O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO
PROGRAMA PRODUTOR DE ÁGUAS
César Ricardo Palomino Condo; Rafael Montanhini Soares de
Oliveira; José Roberto Lins da Silva

Capítulo 10 ...................................................................................... 165

AVALIAÇÃO DA TRANSPARÊNCIA DA ÁGUA EM CORPOS LÊNTICOS


A PARTIR DE DADOS ESPECTRAIS
João Batista Pereira Cabral; Waterloo Pereira Filho
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 7

Capítulo 11 ....................................................................................... 179

A EVOLUÇÃO DO HOMEM NO CAMPO E SUAS PRÁTICAS


SUSTENTÁVEIS
Heidy Rodriguez Ramos; Evelyn Gomes Bernardo; Ana Paula do
Nascimento Lamano-Ferreira; Maurício Lamano Ferreira

Capítulo 12 ....................................................................................... 191

MICRORGANISMOS DO SOLO E ALTERNATIVAS


BIOTECNOLÓGICAS PARA A SUSTENTABILIDADE DOS SISTEMAS
PRODUTIVOS AGRÍCOLAS
Ligiane Aparecida Florentino; Tiago Teruel Rezende; Ana Beatriz
Carvalho Terra; Mário Viana Paredes Filho; Kleso Silva Franco Júnior

Capítulo 13 ....................................................................................... 211

SUSTENTABILIDADE NOS SISTEMAS DE CULTIVO DO CAFÉ NO


ESTADO DE MINAS GERAIS/MG
Wanessa Tavares Campos Corsini; Marina Ariente Angelocci; Fábio
dos Santos Corsini; Fernando Ferrari Putti

Capítulo 14 ...................................................................................... 225

CONDIÇÕES AMBIENTAIS DO MANANCIAL DO RIBEIRÃO CAFEZAL:


OCUPAÇÃO DO SOLO E ASPECTOS MICROBIOLÓGICOS
Kátia Valéria Marques Cardoso Prates; Isabela Bruna Tavares de
Machado Bolonhesi; Luciana Furlaneto Maia; Lígia Flávia Antunes
Batista; Edson Fontes de Oliveira
8
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 9

PREFÁCIO

A temática ambiental apresenta um enorme potencial na permanente


recriação e atualização frente aos desafios da sociedade moderna. De fato, a
pesquisa ambiental tem confirmada a tendência em ampliar e fortalecer
progressivamente seus inúmeros métodos, técnicas e campos de atuação.
Paralelamente, o potencial integrativo entre as diversas áreas de
conhecimento relacionadas à questão ambiental tem se efetivado de forma
convincente por meio de tais pesquisas e na aplicação prática que atende às
necessidades humanas.
Nesse contexto, a ANAP mais uma vez demonstra sua atenção a essa
pluralidade de saberes sobre a questão ambiental ao empreender mais uma
obra de divulgação de resultados de pesquisas e de aplicações práticas de
melhoria da qualidade ambiental, acolhendo a iniciativa das organizadoras do
livro: Sandra Medina Benini e Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin.
Com a presente obra “A questão ambiental em debate: pesquisas e
práticas”, o leitor terá a oportunidade de transitar pela extensa gama de
aspectos que permeiam a temática ambiental: ambiente urbano, ambiente
rural, resíduos sólidos urbanos, resíduos sólidos de saúde, direito ambiental,
fragilidade ambiental, sustentabilidade, qualidade ambiental das águas, saúde
ocupacional, clima urbano, conflitos socioambientais, entre outros... E também
estabelecer contato com as múltiplas possibilidades metodológicas: pesquisa
qualitativa, quantitativa, pesquisa e análise bibliográfica, pesquisa empírica,
trabalhos de campo, utilização de sensores orbitais, e assim por diante.
A obra consolida uma noção mais abrangente e atual sobre o ambiente,
que integra ou pode integrar todo nosso “envoltório”, no qual o homem
desenvolve suas atividades de sobrevivência e busca do bem-estar: os
elementos naturais com seus distintos níveis de transformação; o ambiente
cultural e social, com as edificações e obras para moradia, trabalho, lazer,
atividades econômicas... Até mesmo o ambiente para a pesquisa científica
deve ser considerado, pois são necessários laboratórios, bibliotecas, ambientes
virtuais, instalações para coleta de dados em campo, e uma extensa variedade
de estruturas adaptativas. Isso sem contar a intervenção direta ou indireta do
10

homem sobre a natureza ao realizar coleta de dados bióticos e abióticos em


trabalhos e experimentos de campo.
A pluralidade e a interdisciplinaridade que deve direcionar a pesquisa
ambiental estão contempladas na extensa variedade de áreas de
conhecimento a qual os autores apresentam dedicação, podendo ser
encontrados pesquisadores das Ciências Exatas, Humanas, Biológicas, Saúde,
Engenharias, etc.
Trabalhar com as questões ambientais significa também assumir o
potencial e a limitação de cada área de conhecimento, pois não há uma única
ciência que consiga abarcar toda a complexidade do ambiente. Complexidade
essa que aumenta a cada dia em função da crescente interação entre a
sociedade e a natureza e do avanço da ciência ao detalhar e aprofundar os
estudos sobre essa interação.

Prof. Dr. Salvador Carpi Junior1

1
Possui graduação em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (1989), mestrado em
Geografia pela Universidade Estadual Paulista (1996), doutorado em Geociências e Meio Ambiente
pela Universidade Estadual Paulista (2001), todos pelo campus de Rio Claro, e pós-doutorado pela
Universidade Estadual Paulista-campus de Presidente Prudente (2011). Atualmente é profissional
de apoio a pesquisa e ensino no Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas.
Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geomorfologia, Análise Ambiental,
Recursos Hídricos, Cartografia, Educação Ambiental, Riscos Ambientais, entre outras.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 11

Capítulo 1

CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS:
DESAFIOS PARA CIDADES QUE QUEREM SE
CONVERTER EM SUSTENTÁVEIS

Eloisa Carvalho de Araujo2

1 INTRODUÇÃO

O século XXI mergulha nossas cidades em contextos preocupantes


quando a temática em referência é a questão ambiental. Autores como
Bourdieu (2002) e Galeano (2010)3 nos ajudam a compreender melhor as
representações do mundo social frente à apropriação do meio ambiente. Para
o primeiro autor, as relações expostas no debate sobre a dimensão ambiental
nas cidades evidenciam práticas e estratégias promovidas por agentes sociais
comprometidos em modelar uma estrutura de poder, onde disputas são
orientadas a partir de visões de mundo diferenciadas. Já para o segundo autor
é frequente a narrativa “somos todos responsáveis” presente em documentos
políticos/institucionais que apregoam o zelo pelo meio ambiente e ainda a
enfática disposição dos governos em considerar a convergência de ações no
sentido de ressaltar o “sacrifício de todos” nos acordos internacionais
celebrados que acabam por não serem cumpridos.
Conferências, tratados e acordos internacionais que se repetem sem
grandes avanços na melhoria da qualidade de vida da população do planeta.
Estocolmo, Rio-92, Johannesburgo, Copenhague, Rio+20, e tantos outros, com
muitas promessas. Recentemente, o Acordo de Paris4 vem por se revelar

2
Arquiteta urbanista, doutora em Urbanismo. Docente do Departamento de Urbanismo e do
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura e Urbanismo.
Universidade Federal Fluminense. Coordenadora da Pesquisa. E-mail: eloisa.araujo@gmail.com
3 Quatro frases que fazem crescer o nariz do Pinóquio por Eduardo Galeano. Disponível em:

<https://resistir.info/galeano/quatro_frases.html>. Acesso em: 24 jun. 2017.


4 Trata-se, na realidade, de Conferência denominada 21ª Conferência das Partes (COP21) das

Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), realizada em Paris, em 2015. Este acordo
12

vulnerável. O Governo dos Estados Unidos da América, liderado por Donald


Trump, decide não aderir aos compromissos firmados no referido acordo,
exibindo uma fratura ao se reportar a um modelo de desenvolvimento injusto,
desigual e insustentável ao não considerar a dimensão ambiental e social do
problema. É como se não houvesse o amanhã! Uma trajetória de políticas e
compromissos internacionais, a despeito das lutas e simbolismos atrelados,
deveria ser capaz de sensibilizar a todas as nações quanto à questão ambiental.
Mas não, reforça relações de força e dominação, instituindo confrontos na
forma como o meio ambiente vem sendo apropriado.
No Brasil, a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), de 1981, no
seu art. 3º, inciso I, apresenta o meio ambiente, como “conjunto de condições,
leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Por outro, a Constituição Federal
de 19885, define o meio ambiente como “bem de uso comum” do povo,
essencial à sadia qualidade de vida. A questão ambiental passa então a ser
tratada nos Planos Diretores, sobretudo a partir da Lei Federal que institui o
Estatuto da Cidade6, na perspectiva de definir como será o crescimento da
cidade, de determinar usos e formas de ocupação e de indicar onde promover
intervenções sobre o território, também corroborar para um estreito vínculo
com o meio ambiente. Cidades democraticamente planejadas, sob o viés da
sustentabilidade, passam a lidar com um desenvolvimento urbano visando a
apregoar maior respeito ao meio ambiente natural e construído. Passam
também a estudar e delimitar instrumentos jurídico-urbanísticos, definições de
uso do solo, com o objetivo de solucionar conflitos, entre usos urbanos, em sua
maioria incompatíveis com a proteção ambiental.
A partir de um quadro legal/institucional a reboque do Estatuto da
Cidade, planos setoriais passam a ganhar expressão, amparados em políticas
públicas mais abrangentes que afetam o desenvolvimento urbano e ambiental.
Concebidos para escalas diversas, reforçam a preocupação em conciliar o

buscou fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do clima, além de reforçar a capacidade
dos países para lidar com os impactos decorrentes dessas mudanças. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas/acordo-de-paris>. Acesso em: 22
jun. 2017.
5 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:
<https://www.senado.gov.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_225_.asp>.
Acesso em: 2 jun. 2017.
6 BRASIL. Lei Federal 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 5 jun. 2017.


A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 13

desenvolvimento urbano com os efeitos perversos sobre os recursos naturais.


Tais abordagens tratam meio ambiente como direito difuso 7, evidenciando a
cidade enquanto meio ambiente artificial, ou melhor, como bem ambiental.
Como conciliar interesses sobre a questão ambiental em uma sociedade que
se revela pela diversidade cultural, mas que mantém nítidas desigualdades
sociais, econômicas e políticas?
Muitos autores vêm abordando o tema a partir da discussão ambiental
e sua correlação com os processos sociais como Fleury, Zhouri, Laschefski,
Acselrad, Barbanti Jr., entre outros tantos. Nesse viés, Fleury (2010) ao analisar
o campo teórico dos conflitos ambientais, chama a atenção para uma
interpretação contemporânea que evidencia a relevância da questão
ambiental nas dinâmicas sociais, na perspectiva de salientar um processo no
qual os conflitos sociais vem sendo objeto de um processo de ambientalização.
Por outro olhar, Barbanti Jr. (2002) situa a problemática no modo de
produção capitalista, de forma que para manter suas condições de reprodução
e funcionamento alimenta-se o discurso sobre o meio ambiente, na
perspectiva de manter a concentração e a apropriação privada das riquezas.

A necessidade de se cuidar dos problemas ambientais foi incorporada pelo


discurso do establishment político e empresarial capitalista em menos de uma
década porque, em síntese, a destruição ambiental compromete a reprodução
do capital. (BARBANTI JR., 2002, p. 2).

Nesse sentido, Zhouri e Laschefski (2010) indicam que investigar o


campo dos conflitos ambientais pode ser considerado, na atualidade, como um
grande desafio para a academia no sentido de fomentar a produção do
conhecimento. Trata-se, ainda, segundo os autores, de valorizar na
investigação em referência, a correlação entre os conceitos de
desenvolvimento, de preservação/conservação com as estratégias adotadas
pelos grupos sociais no sentido de se manterem resistentes ao modelo de
sociedade moderna, explicitando disputas contra as narrativas dominantes.
Diante das reflexões aqui expostas e com objetivo de contribuir para a
temática dos conflitos socioambientais, pesquisa bibliográfica associada a
estudos de caso que comprovem a existência de conflitos nas práticas recentes

7Adota-se aqui a definição de José Afonso da Silva (1995) para o conceito de direito coletivo difuso
como aquele de interesse social, coletivo e que amplia o alcance da própria tutela do direito.
14

instituídas em cidades brasileiras vem sendo realizada8, em especial nas


cidades localizadas na região leste da metrópole do Rio de Janeiro. No presente
artigo, a partir de um aprofundamento da base teórica associada e da análise
da relação entre conflitos sociais e sua interface com a questão ambiental, o
recorte espacial adotado foi o caso da região da Área de Preservação Ambiental
(APA) de Maricá, na cidade de Maricá. Este vem por revelar uma riqueza de
aspectos a se considerar, seja, pelo viés das lutas simbólicas associadas, do
crescimento desordenado, do uso intensivo dos recursos naturais, das disputas
por terras, além de carências sociais diversas.
O presente trabalho se define como um esforço investigativo sobre a
temática dos conflitos socioambientais ponderando os desafios postos para o
enfrentamento da insustentabilidade urbana investigada, cujo intuito final
consiste na reflexão e problematização, acompanhada da análise sintética do
caso evidenciado.
O capítulo foi estruturalmente concebido a partir de uma introdução
sobre o tema com motivações teórico-conceituais, seguido de reflexões
enfatizando o diálogo entre os campos do desenvolvimento de cidades e da
sustentabilidade e, ainda, sobre inquietações nas diferentes abordagens no
campo dos conflitos socioambientais. Por fim, reflexão, que busca apontar para
um aprofundamento maior do tema e convergências na produção científica.

2 A BUSCA POR CIDADES SUSTENTÁVEIS

A partir de esforços internacionais o conceito de desenvolvimento


sustentável começa a se impor da década de 1980 à atualidade como um novo
paradigma, privilegiando a dimensão ambiental do desenvolvimento (VIEIRA,
2010).
A definição de cidades sustentáveis encontrada no Estatuto da Cidade e
que aparece em seu art. 2º ressalta que a política urbana tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade urbana, em consonância com diretrizes gerais, que se passa a

8 A pesquisa em referência vem sendo realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa do CNPq


“Cidades, Processos de Urbanização e Ambiente”, dentro do Programa de Pós-graduação em
Arquitetura e Urbanismo da EAU/UFF. Está estruturado em três linhas de pesquisa: Instrumentos
de Intervenção Urbana, Processos de urbanização e ambiente, Urbanização Dispersa.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 15

explicitar. A primeira diretriz diz respeito à garantia do direito às cidades


sustentáveis, em conformidade com a política urbana e com o direito das
pessoas ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a tentativa de buscar
melhor ordenamento do ambiente urbano e de primar pela qualidade de vida
da população orienta-se por um viés sustentável. Ações voltadas à melhoria da
mobilidade urbana, diminuição da poluição sonora e atmosférica, que levem
em conta o descarte correto de resíduos sólidos, que privilegiem a eficiência
energética, a economia de água e demais aspectos contribuem para tornar
uma cidade sustentável9.
O aprofundamento da base teórica consultada, associada aos desafios
para as cidades que querem se converter em sustentáveis e sua interface com
a questão ambiental, vem por revelar preocupações distintas. Por outro, a
persistência em um modelo insustentável, desregrado, tem suscitado na
humanidade a consciência e o desejo pela adesão às práticas que evidenciem
a necessidade de um planejamento para que as cidades se desenvolvam sem
prejuízo às pessoas e ao meio ambiente.
Temas como desenvolvimento de cidades e sustentabilidade encontram
solo fértil nas reflexões de Acselrad (2009; 2004; 1999) ao alinhá-los à
competição global. Para o autor, as práticas sustentáveis são moldadas em
atributos de qualidade direcionados à cidade do futuro. Práticas essas
decorrentes de estratégias de atores responsáveis pela produção do espaço
urbano. Ainda segundo o autor, as alternativas técnicas, determinantes de
estruturas de poder vigente, propiciam disputas entre as mais econômicas e as
que causam menos danos ou riscos aos ecossistemas, reforçando o caráter de
atratividade por investimentos e novos sentidos quanto à percepção ambiental
da cidade.

Ao mesmo tempo em que verificamos uma “ambientalização” do debate sobre


políticas urbanas, observamos, também, um movimento em sentido oposto, com
a entrada crescente do discurso ambiental no tratamento das questões urbanas,
seja por iniciativa de atores sociais da cidade que incorporam a temática do meio
ambiente, sob o argumento da substancial concentração populacional nas
metrópoles, seja pela própria trajetória de urbanização crescente da carteira
ambiental dos projetos do Banco Mundial. (ACSELRAD, 1999, p. 81).

9 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cidades sustentáveis. Disponível em:


<http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis>. Acesso em: 20 jun. 2017.
16

O desafio colocado por Henri Acselrad (1999), para a cidade sustentável,


à luz dos organismos internacionais, é a repercussão da dimensão ambiental
para a escala local. É, segundo o autor, na escala local que práticas
sustentáveis, compatíveis com um futuro desejado, poderão prosperar como
um conjunto de práticas portadoras de novos sentidos, comprometidas com
uma sustentabilidade futura.
Tais avanços exigem da sociedade conscientização e percepção de
problemas comuns. A compreensão da sociedade, a sua inserção no debate,
assim como sua participação, são fundamentais para lidar com os impactos
ambientais negativos, em sua maioria decorrentes de padrões do
desenvolvimento moderno (EMER et al., 2013).

Mesmo com o avanço dos conhecimentos científicos e das tecnologias, o


adequado desenvolvimento urbano passa pela conscientização e pela percepção
dos seus habitantes de sua importância frente às questões ambientais urbanas,
sendo mais importante que qualquer técnica que se pretenda aplicar. (EMER et
al., 2013, p. 110).

Esforços devem ser conduzidos para o enfrentamento da


insustentabilidade. Criar mais espaços verdes e tratá-los com respeito.
Capacitar técnicos, sensibilizar agentes públicos e políticos sobre prioridades
quanto à sustentabilidade ecológica como base para assegurar sua correlação
com as demais dimensões da sustentabilidade. Tratar o esgoto, investir no
reflorestamento de áreas degradadas e estimular o uso do transporte público,
como práticas urgentes em sintonia com o crescimento populacional e a
expansão das cidades. Lidar com a escassez e combater a poluição hídrica, do
ar e do solo. Potencializar consórcios municipais para lidar com as funções
públicas de interesse comum10, sobretudo para lidar com o correto tratamento
e aproveitamento dos resíduos sólidos. Tratar as questões sanitárias de modo
mais amplo, oportunizando o diálogo entre políticas e ações de saúde e

10
A definição de Funções Públicas de Interesse Comum (FPIC), pode ser encontrada na Lei Federal
nº 13.089, de 12/01/2015, que institui o Estatuto da Metrópole, e altera a Lei no 10.257, de 10 de
julho de 2001, e dá outras providências. A matéria é tratada no art. 2º, inciso II, que define função
pública de interesse comum como política pública ou ação nela inserida cuja realização por parte
de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em Municípios limítrofes.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13089.htm>.
Acesso em: 22 jun. 2017.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 17

saneamento. Revitalizar e reorganizar espaços públicos, incluindo o cidadão


como parte integrante da ação. Por último, valorizar as práticas e os
conhecimentos que implementem a gestão ambiental urbana a nível local.

3 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: INQUIETAÇÕES SOBRE ABORDAGENS

No sentido de orientar nossas análises adotamos o conceito de conflitos


ambientais, definido por Acselrad (2004):

[...] que envolve grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e
significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem
a continuidade das formas sociais do meio que se desenvolvem, ameaçada por
impactos indesejáveis, transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos,
decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. (ACSELRAD, 2004, p. 26).

Para o autor, o conflito ambiental geralmente deriva de disputas sociais


e, portanto, deve ser analisado nos espaços de apropriação material e
simbólica dos recursos territoriais associados. Em outras palavras, o território
deve ser visto como objeto de disputa, a partir de oportunidades e de aspectos
relacionados às percepções e visões de mundo.
Em territórios fluminenses, localizados na região leste da metrópole do
Rio de Janeiro, no contexto dos conflitos em torno da questão ambiental, em
especial na APA Maricá, a definição do autor acima citado ganha expressão. As
noções de meio ambiente, da relação sociedade/natureza, sustentabilidade,
território, revelam-se através de representações simbólicas atreladas às
distintas visões de mundo. Evidencia-se nesta região um processo de
urbanização dispersa que ressalta distintas formas de apropriação de
ambientes.
Muitos estudos11 apontam no sentido de conceituar a urbanização
dispersa, buscando conferir uma definição única e padronizada, o que nos
parece ainda se apresentar de forma inconclusa. Ao contrário do processo de
suburbanização, a urbanização dispersa tende, a partir do movimento de
espraiamento, a separar-se do tecido urbano já consolidado, o centro, com

11 Estudos que demonstram atuação direta ou indireta no esforço de conceituar urbanização


dispersa podem ser visitados em OJIMA, 2007; FRANÇA; REZENDE, 2012; DOS REIS, 2013.
18

oferta de serviços e infraestrutura, com vida social, podendo se tornar,


efetivamente, uma nova cidade (DOS REIS, 2013).
Essa forma de ocupação não aparece mais obedecer aos limites do
ambiente construído da cidade, tampouco às fronteiras municipais. A absorção
de áreas descontínuas, situadas preferencialmente ao longo de eixos viários,
tende a, segundo Ojima (2007), perpetuar a existência de vazios urbanos. Para
o autor, essa espacialidade acaba por configurar um complexo tecido urbano,
com base em uma multiplicidade de usos (indústria, habitação social,
condomínios fechados, shoppings, etc.), integrados ou não, exercendo, em
muitas vezes, tensões em áreas de acervo ambiental.
Esse movimento dispersivo é marcado por uma estreita relação entre
práticas de extensão do território, onde se percebe um novo patamar em
termos de fragmentação espacial. Mas vale ressaltar que este movimento de
urbanização, embora siga formando pontos de exclusão, com acessos restritos
à infraestrutura, a serviços urbanos básicos, etc., ele necessariamente não está
restrito à classe mais pobre da população (OJIMA, 2007; DOS REIS, 2013).
Essa característica da urbanização dispersa salienta seu caráter
multidimensional com repercussões nas relações socioambientais. E é sobre
este viés que a pesquisa, com base na região leste da metrópole do Rio de
Janeiro, na qual se apoia o presente capítulo, avança.
Para Araújo e Holzer (2015) compreender padrões de mudanças, de
suas causas e consequências socioambientais, com organização de temas que
tratam a ocupação desordenada, proteção ambiental e conservação dos solos
e águas, águas urbanas, agricultura urbana, serviços públicos, mobilidade entre
outros, institui o reconhecimento de práticas sociais e do meio ambiente como
categoria em disputa.
A cidade de Maricá, localizada na face leste da região metropolitana do
Rio de Janeiro, vem passando por muitas transformações nestas últimas
décadas. Do empreendimento Fazenda São Bento da Lagoa, com
características de um complexo turístico-residencial, ocupando área de 800
hectares na Área de Proteção Ambiental de Maricá (APA-Maricá), à convivência
com a comunidade de pescadores tradicional – Comunidade Zacarias, também
dentro dos limites da referida APA, há inúmeros condomínios fechados, com
formato excludente e seletivo, várias práticas de empreendedorismo urbano e
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 19

de segregação do espaço urbano são reveladas nas pesquisas empíricas em


curso, muitas delas conduzidas pela presente autora.
Especificamente na APA Maricá, a disputa territorial aí instituída assume
características de conflito socioambiental e o meio ambiente como território
de luta, com nuances de conflito de escalas e competências (GUIMARÃES,
2017).
Esse cenário, com essas especificidades, não difere em muito do
restante dos municípios que integram a metrópole do Rio de Janeiro, em sua
face leste12, onde a relação entre espaço e meio ambiente revela-se por lutas
intensas em torno dos modos de apropriação do espaço, propiciando
processos de fragmentação exacerbados. O tema da mobilidade urbana e do
transporte público para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, por
exemplo, traz contornos conflituosos por ainda não conseguir romper com a
visão fragmentada sobre os sistemas existentes e favorecer as práticas de
sustentabilidade urbana.
Ainda sobre a mesma região, o desenvolvimento urbano como projeção
do próprio desenvolvimento da região, com características, em relação ao seu
núcleo (cidades do Rio de Janeiro e de Niterói) e sua periferia imediata,
manifesta-se completamente diferente, nas suas diversas porções territoriais.
A confrontação de intervenções governamentais anunciadas, do aparato
normativo existente, dos discursos políticos e sentidos de projeto, são o
bastante para configurar o conflito. O que requer examinar, de forma
permanente, escolhas feitas em função de atores, práticas e estratégias
envolvidas, sobrepostas a um mesmo recorte espacial.
O contexto acima chama a atenção para o enfoque interdisciplinar dos
conflitos, seja pelo viés da apropriação de distintos ambientes, seja pelas
representações simbólicas a eles atreladas, sobretudo aqueles que têm relação
com a sustentabilidade e suas dimensões.

12 Reflexão como pesquisadora colaboradora no Grupo de Pesquisa do CNPq – Direito e Urbanismo,

no âmbito do LADU – Laboratório de Direito e Urbanismo do PROURB-FAU-UFRJ. Texto publicado


no Blog Direito e Urbanismo. Novas apostas para o convívio entre espaço urbano e espaço regional.
Publicado em 05/02/2013. Disponível em:
<https://direitoeurbanismo.wordpress.com/2013/02/05/novas-apostas-para-o-convivio-entre-
espaco-urbano-e-espaco-regional/>. Acesso em: 20 jun. 2017.
20

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente reflexão aponta para dar sequência às abordagens


trabalhadas e para análises empíricas capazes de permitir maior
aprofundamento do tema.
Dos estudos realizados até o presente momento, uma questão continua
a nos mover: Qual o desenvolvimento proposto para se almejar cidades
sustentáveis? Certamente, tal pergunta possui pelo menos dois distintos
aspectos.
O primeiro deles refere-se à proposta dos atores hegemônicos,
detentores do poder econômico e político, capazes de intervir amplamente no
território. E, quanto a este aspecto, a resposta baseia-se na maximização dos
lucros em detrimento dos meios social e ambiental, convergindo para a
degradação do território. Por meio desta visão unidimensional, que regula um
modelo de padronização da urbanização, resta pouca, ou é quase nula, a
esperança da construção de uma cidade justa e ambientalmente saudável.
O segundo aspecto, por outro lado, confere ao cidadão comum a “virada
de mesa”, pois é ele que possui laços afetivos com o lugar em franca
transformação, independentemente de seu posto de trabalho. A visão destes
moradores confere a motivação necessária e portadora de futuro à
transformação do território, despertando a esperança.
Esperança baseada em visões de mundo que almejem a mudança.
Mudança em seus rios, córregos, praias, lagoas, serras, ruas, vizinhos e
familiares, serviços urbanos, entre outros aspectos.
No entanto, ainda persistem barreiras nos processos de urbanização
instituídos, como cidade-dormitório, as lutas sociais que têm o ambiente como
disputa, a cidade dispersa e sua expressão na metrópole do Rio de Janeiro,
insubordinação versus democracia representativa, entre outras. Como dar
significado às diferenças observadas na apropriação dos territórios? Como lidar
com suas especificidades? Resistentes aos ditames organizacionais do social e
do território, os conflitos mantêm-se como elementos pulsantes,
alimentadores da engrenagem que revela desequilíbrios social, econômico e
ambiental e o entrelaçamento dos planos simbólico e material.
O presente capítulo, desenvolvido enquanto fruto de um esforço
investigativo sobre a temática dos conflitos socioambientais à luz da
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 21

sustentabilidade urbana, com uma revisão bibliográfica densa e variações


entre os campos teórico e empírico, tem na complexidade do tema e no recorte
espacial adotado, um dinâmico processo alimentado por um caminho de lutas
e de significados distintos.

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A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 23

Capítulo 2

ÁGUAS URBANAS: DINÂMICA FLUVIAL EM CIDADES

Sandra Medina Benini 13


Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin 14

1 INTRODUÇÃO

Este capítulo aborda a temática das águas urbanas propondo algumas


reflexões quanto à dinâmica fluvial em cidades, com enfoque no dilema das
inundações urbanas, que vem colocando em xeque os atuais modelos de
políticas urbanas, principalmente as habitacionais e ambientais.
Ao se discutir a questão das águas urbanas, é imprescindível considerar
não apenas o uso e ocupação do solo urbano, mas essencialmente a evolução
da dinâmica fluvial dos cursos d’água, tanto para as variáveis como no
estabelecimento de parâmetros de restrições. Deste modo, o conhecimento da
dinâmica fluvial deve ser considerado como pré-requisito para tomada de
decisões políticas, administrativas e técnicas, quando objetivem o
planejamento urbano de assentamentos ao longo dos cursos d’água, visto que
as populações residentes nesses locais estão sujeitas a inúmeros riscos
ambientais, dentre os quais destacam-se as inundações.
Como procedimento metodológico adotou-se uma pesquisa qualitativa
sobre a temática proposta, que consistiu no exame da literatura pertinente de
trabalhos científicos (livros, teses, dissertações, artigos, etc.) e da legislação
urbanística e ambiental em vigor.

13
Pós-doutorado pelo PPGARQ-UNESP, doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela UPM e
doutorado em Geografia pela FCT-UNESP. Docente do UNIVAG – MT, e-mail:
arquiteta.benini@gmail.com
14 Pós-doutoranda pelo PPGARQ-UNESP e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela UPM.

Docente do UNIVAG – MT, e-mail: jeanerosin@terra.com.br


24

2 CIDADE E O RIO

As cidades são “palcos de problemas sociais, econômicos e ambientais,


principalmente nos países em desenvolvimento”, como o Brasil, onde as
“disparidades sociais e carências de recursos financeiros e técnicos para
equacionar as questões de infraestrutura urbana e gestão ambiental são mais
acentuadas” (GORSKI, 2010, p. 23). Um dos maiores desafios dos gestores
públicos é conciliar os impactos ambientais oriundos do processo de
urbanização com a preservação ambiental. Swyngedouw (2001, p. 84)
considera que a cidade, a sociedade e a natureza são representações
“inseparáveis, mutuamente integradas, infinitamente ligadas e simultâneas,
responsáveis pelas contradições, tensões e conflitos”.
Braga (2003) esclarece que essa conjuntura apresentada por
Swyngedouw (2001) faz parte da dinâmica das cidades, como, por exemplo, os
conflitos socioambientais oriundos do parcelamento do solo urbano.

[...] o avanço da urbanização sobre o meio natural, de maneira desordenada, tem


causado a degradação progressiva das áreas de mananciais remanescentes, com
a implantação de loteamentos irregulares e a instalação de usos e índices de
ocupação incompatíveis com a capacidade de suporte do meio. O parcelamento
indiscriminado do solo nas periferias urbanas é uma das principais fontes de
problemas ambientais das cidades. (BRAGA, 2003, p. 113).

Nesse sentido, as ocupações em áreas de mananciais são apenas parte


do problema, pois as “alterações decorrentes do uso do solo, como a retirada
da vegetação [...] e a impermeabilização do solo [...], causam um dos impactos
humanos mais significativos no ciclo hidrológico”, como, por exemplo, os
problemas de drenagem urbana – inundação (BRAGA, 2003, p. 114-115).
A ocupação e o uso do solo urbano de forma desordenada criaram
espaços com os mais diversos problemas ambientais e, entre tais situações, a
drenagem da água pluvial está presente em quase todas as cidades brasileiras.
Segundo Coelho (2005, p. 28), as “cidades historicamente localizaram-
se às margens de rios”, onde, em regra, as “inundações continuam e vitimam
as classes pobres”. Selles et al. (2001) esclarecem que muitos córregos e rios
ao longo das décadas de 1980 e 1990 sofreram modificações para se
adequarem às novas configurações urbanas das cidades e que o sistema de
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 25

drenagem urbana foi transformado com a finalidade de acelerar o transporte


das águas pluviais, pois muitas baixadas úmidas foram drenadas para o uso
agrícola ou assentamento humano e muitos rios e córregos foram retificados
para a construção de estradas e vias férreas.
Para Selles et al. (2001, p. 9), na “maior parte das intervenções só foram
considerados os aspectos setoriais e negligenciados, os aspectos culturais,
sanitários, ecológicos, urbanísticos e paisagísticos”.
Nesse contexto, dentre as possíveis soluções encontradas por muitos
gestores públicos, “a canalização dos córregos e rios urbanos” tem sido a mais
recorrente, pois facilita e acelera o “escoamento superficial das águas,
transformando-os em meros transportadores de efluentes municipais”
(SANTOS et al., 2008, p. 1.514).
Pitton (2003, p. 38) salienta que o ambiente natural, ora presente nos
aglomerados urbanos, tende ao desaparecimento, “sobrepujado pelas formas
concretas de ocupação do território (rios canalizados, vegetação derrubada,
solo impermeabilizado, entre outras)”. Para Ferreira e Francisco (2003), esse
fenômeno é decorrente da carência de institutos legais incapazes de responder
à demanda socioambiental presente nas cidades brasileiras.

3 INUNDAÇÃO

Cada vez mais, uma parcela significativa da população urbana,


principalmente aquela residente em fundos de vales, tem vivenciado o terror
de ter suas casas e pertences destruídos por fortes inundações. Devido à
frequência dos eventos desta natureza, muitos estudos referentes à questão
afirmam que os mesmos, além de estarem fortemente vinculados às condições
geomorfológicas da área de incidência, estão intrinsecamente relacionados à
vulnerabilidade social dos segmentos de menor poder aquisitivo,
principalmente aqueles residentes em assentamentos precários, via de regra,
localizados em áreas de risco.

No caso dos municípios com problemas de inundação, aproximadamente 25%


atribuíram o fato à degradação de áreas protegidas e à ocupação irregular de
áreas frágeis e 30% ao desmatamento. Em síntese, os processos como
deslizamento de encostas, inundações e erosão estão fortemente associados à
26

degradação de áreas frágeis, potencializada pelo desmatamento e ocupação


irregular. (MAFFRA; MAZZOLA, 2007, p. 10).

A cidade apresenta uma dinâmica geomorfológica própria, e à medida


que o espaço urbano é modificado há um impacto direto no contexto espacial,
criando uma nova dinâmica para as inter-relações urbanas, como, por
exemplo, o surgimento de áreas de alagamentos e inundação.
Para melhor compreensão das implicações desses eventos, são
necessárias algumas considerações sobre a dinâmica fluvial em cidades. Assim,
devem ser observadas as séries históricas de dados de chuva, vazão e variação
de níveis de água, analisando-se as estatísticas para a caracterização de
eventos extremos em termos de magnitude e frequência de ocorrência.
Nesse sentido, os dados hidrológicos são imprescindíveis para o
planejamento e gestão urbana, uma vez que permitem a caracterização e
análise do meio físico. Esse conjunto de informações deve subsidiar a
elaboração de planos diretores, de projetos de gestão ambiental, assim como
a identificação de áreas de risco e vulnerabilidade físico-ambiental.
Para tanto, numa primeira análise sobre a dinâmica fluvial, há de ser
observada a geomorfologia fluvial, como, por exemplo, a configuração dos
leitos de um determinado corpo d’água, onde o leito menor do rio tem a função
escoar a água na maioria do tempo e o leito maior, por sua vez, determina a
área de inundação. Segundo Tucci (2005, p. 29), as “cotas do leito maior
identificam a magnitude da inundação e seu risco”, sejam estas urbanizadas ou
não (Figura 1).

Figura 1: Risco da população ribeirinha

Fonte: Tucci (2005, p. 29), adaptada por Rosin (2016).

Tucci (2005, p. 29) ao estudar a dinâmica fluvial em cidades, considera


que a inundação do “leito maior dos rios é um processo natural, como
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 27

decorrência do ciclo hidrológico das águas”, deste modo, quando a “população


ocupa o leito maior, que são áreas de risco, os impactos são frequentes”. A
ocupação das áreas de risco, no caso áreas de preservação permanente, é
decorrente das seguintes ações:

 No Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano das cidades geralmente não


existe nenhuma restrição quanto à ocupação das áreas de risco de
inundação, a sequência de anos sem enchentes é razão suficiente para que
empresários desmembrem estas áreas para ocupação urbana;
 Invasão de áreas ribeirinhas, que pertencem ao poder público, pela
população de baixa renda;
 Ocupação de áreas de médio risco, que são atingidas com frequência menor,
mas que quando o são, sofrem prejuízos significativos (TUCCI, 2005, p. 30).

A intensa impermeabilização do solo urbano aumenta


significativamente a frequência e magnitude das enchentes,
consequentemente aumentando a área passível de inundação (Figura 2). A
área de inundação (leito maior do rio) pode ser estimada com base nos
“históricos ocorridos e consideram as séries históricas de vazões” (TUCCI, 2005,
p. 55).

Figura 2: Impacto devido à urbanização

Fonte: Schueler (1987 apud TUCCI, 2005, p. 92), adaptado por Rosin (2016).
28

Diante da complexidade da questão, os estudos realizados por Tucci


(2005, p. 57) evidenciam a necessidade do controle da inundação, por meio de
uma “combinação de medidas estruturais e não-estruturais que permita à
população ribeirinha minimizar suas perdas e manter uma convivência
harmônica com o rio”. Nesse sentido, as medidas estruturais podem
compreender obras de engenharia urbana para intervenções diretas e indiretas
no canal, como:
 execução de obras de contenção de cheias, através da construção
de reservatórios de detenção, reservatórios laterais e diques de
contenção;
 intervenção direta no canal, em pontos críticos, através da
implantação de uma tubulação tipo ARMCO e ovoide;
 contenção das margens do canal com as construções de muros de
arrimo em solo-cimento com terra armada, gabiões e concreto
armado;
 ampliar o sistema de microdrenagem através da adequação dos
números de bocas de lobos, bueiros e galerias pluviais;
 Implantação de parques horizontais ao longo das áreas de
preservação permanente urbana, como suporte a sustentabilidade
do ambiente urbano.
Complementando a questão, Tucci (2005) salienta que as medidas
estruturais deverão estar amparadas pelas medidas não estruturais,
entendidas estas como as de caráter preventivo, seja do âmbito das Políticas
Públicas e Projetos, como na elaboração de instrumentos jurídicos, como:
 implantar a Política Municipal de Gestão de Água;
 regulamentação do uso do solo;
 compra ou desapropriação de áreas inundáveis;
 Programa de Pedagogia Urbana visando à informação, educação e
conscientização da população;
 promover o zoneamento, proteção e manejo das áreas de
preservação permanente urbanas;
 implantar um Plano de Arborização Urbana;
 ampliar os espaços verdes públicos;
 deslocamento dos moradores que residem em áreas de risco;
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 29

 criação do tributo sobre a permeabilidade do solo urbano (conforme


a Lei Federal do Saneamento Básico de 11.445/2007);
 incentivar com benefícios tributários a adoção de sistemas de
capitação de águas pluviais e de reuso da água, nas residências,
comércios e indústrias na área urbana.
Dentre as medidas não estruturais, há de ser observada a proteção às
áreas de preservação permanente urbanas, as quais têm sido ocupadas
predatoriamente, como alternativa fundiária aos extratos sociais de menor
renda.

4 ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE URBANAS

No contexto da ordem jurídica, que tem por finalidade tutelar as


questões relativas à ordem urbana e ambiental, tem-se a Lei Federal
6.766/1979, conhecida também como Lei Lehman, a qual dispõe sobre o
parcelamento do solo urbano, entre outras providências. Este dispositivo legal
(Lei Lehman ou Lei de Parcelamento do Solo Urbano) foi o primeiro de âmbito
federal a abordar as restrições à ocupação em áreas de várzea, ao especificar
no artigo 4º do segundo capítulo que, “ao longo das águas correntes e
dormentes [...], será obrigatória a reserva de uma faixa non edificant de 15 m
(quinze metros) de cada lado, salvo maiores exigências da legislação
específica”.
Posteriormente, o Código Florestal (Lei 4.771/1965) por força da Lei
7.803/1989, determinou em parágrafo único, do artigo segundo, que “no caso
de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos
definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas, em todo território abrangido”, para tanto deverá ser observado “o
disposto nos respectivos planos e leis de uso do solo, respeitados os princípios
e limites a que se refere este artigo”.
Neste sentido, o dispositivo Legal (Código Florestal) evidencia as
tensões normativas, determinando qual a dimensão da área a ser preservada
ao longo dos corpos d’água em áreas urbanas. Ferreira e Francisco (2003)
esclarecem que
30

Parece importante sublinhar desde logo, que, em decorrência do emaranhado


normativo, os intérpretes do Direito sempre tiveram dúvidas quanto ao fato da
delimitação da metragem da faixa ao longo dos cursos d’água, do local exato das
áreas de preservação permanente e de sua real viabilidade. Estas questões
acabaram gerando enormes conflitos para a aplicação das leis e,
consequentemente, a ocupação desordenada dessas áreas. (FERREIRA;
FRANCISCO, 2003, p. 98).

No Brasil, relativo aos espaços urbanizados, as faixas mínimas das áreas


de preservação permanente não têm sido respeitadas. O crescimento
populacional e a expansão urbana acabam pressionando a população mais
carente a ocupar áreas ilegais para a edificação. Além da retirada da cobertura
vegetal, que amplia o problema de drenagem, outra preocupação é a
ampliação das áreas impermeabilizadas, que reduzem a capacidade do solo de
infiltrar a água das chuvas, aumentando o volume de águas pluviais
comprometendo o sistema de drenagem, favorecendo a ocorrência de
inundações em diversos pontos da malha urbana.
A falta de uma política de uso e ocupação do solo urbano tem provocado
sérios problemas de ordem social, econômica, política e ambiental. De acordo
com Chernicharo e Costa (1995), entende-se por política de uso e ocupação do
solo a lei que regulariza a utilização do solo em todo o território municipal,
sendo matéria de ordenamento exclusiva do município. Os autores comentam
ainda que “é o instrumento obrigatório de controle do uso do solo, da
densidade populacional, da localização, finalidade, dimensão e volume das
construções, com o objetivo de atender a função social da propriedade e da
cidade” (CHERNICHARO; COSTA, 1995, p. 164).
Chernicharo e Costa (1995) enfatizam que a lei de uso e ocupação do
solo ordena a forma como o território urbano deve ser utilizado, com intuito
de evitar a degradação do meio ambiente e os possíveis conflitos na
implementação das atividades urbanas.
Entretanto, em 28 de março de 2006 foi aprovada a Resolução Conama
369, a qual permite a intervenção ou supressão de vegetação em área de
preservação permanente, bem como, dentre seus dispostos, cria a figura
jurídica da regularização fundiária sustentável, abrindo precedente para a
legalização de assentamentos informais em áreas sujeitas a alagamento.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 31

Atualmente, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 6.424, de 2005,


o qual pretende alterar significativamente a delimitação das áreas de
preservação permanente no espaço rural. Entretanto, no que se refere às áreas
urbanas, este projeto de lei não apresenta novidades, mantendo mesmas as
determinações previstas nos planos diretores e leis de uso do solo.

5 DESACERTOS LEGAIS EM MATÉRIA DE INTERESSE SOCIAL

A regularização fundiária sustentável contemplada pelo artigo 9º da


Resolução Conama 369/2006 é, antes de tudo, um mecanismo legal por meio
do qual torna-se possível a legalização de parcelas da cidade informal, bem
como abre precedente jurídico para inocentar administradores públicos da
omissão, ora de descaso e irresponsabilidade diante da necessidade do
ordenamento do solo urbano.
Entretanto, um dos maiores equívocos da regularização fundiária
sustentável é que esta determina sua efetividade em áreas localizadas
“exclusivamente nas faixas de APP” (inciso IV, artigo 9º, Resolução Conama
369/2006) e ainda retrocede a previsão legal do inciso III, do artigo 4º da Lei
6.766/7915, ao determinar que devem “ser respeitadas faixas mínimas de 15
metros para cursos de água de até 50 metros de largura” (alínea “a”, inciso IV,
artigo 9º, Resolução Conama 369/2006 – negrito nosso).
Com a preocupação de explicitar a importância do mecanismo jurídico
citado anteriormente, torna-se necessário ressaltar que todo curso de água
(rio, ribeirões, córregos, entre outros) apresenta normalmente um ou mais
leitos (Figura 3). O leito menor é responsável pelo escoamento durante o
regime de estiagem, entretanto, o “leito maior pode ter diferentes níveis de
risco, de acordo com a seção transversal considerada e a topografia da várzea
inundável. Esse leito, o rio costuma ocupar durante as enchentes” (TUCCI,
2005, p. 76).

15
“III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e
ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de 15 (quinze) metros de cada
lado, salvo maiores exigências da legislação específica”. (Artigo 4º da Lei 6.766/1979).
32

Figura 3: Áreas de inundação

Fonte: TUCCI (2005).

De modo geral, é a população de menor poder aquisitivo que ocupa as


áreas de inundação (leito maior), ou seja, as áreas de preservação permanente,
o que retrata o descaso dos administradores públicos diante das grandes
possibilidades de riscos oferecidas nessas localidades, daí a importância da
revisão da atual legislação, com intuito de criar mecanismos legais que possam
assegurar não apenas qualidade de vida, mas, sobretudo, a preservação da
vida, assim como na preservação de áreas de mananciais, tão importantes para
manutenção do ecossistema urbano.
Segundo o Seade (2008), o município de São Paulo apresenta 5,95% de
assentamentos precários (tipo favela, núcleo e loteamentos irregulares)
localizados em 650 mananciais, o que significa que 645.057 moradores estão
sujeitos ao risco de inundação16.
Em 13 de agosto de 2007, o governador José Serra instituiu o Programa
Estadual de Regularização de Núcleos Habitacionais – Cidade Legal, no âmbito
da Secretaria da Habitação, através do Decreto Estadual 52.052.
Posteriormente, foi aprovada a Resolução Conjunta SH/SMA 3/2009, a qual

16 Fundação Seade – Atualização de dados censitários de população moradora em favelas e


loteamentos irregulares no Município de São Paulo – relatório final – maio de 2008, São Paulo.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 33

dispõe sobre as regras para as ações de regularização de parcelamento do solo


e de núcleos habitacionais de que trata o Decreto Estadual 52.052/2007 17.

Artigo 3º [...]
Parágrafo 2° - Deverão constar dos pedidos de regularização a identificação do
grau desconsolidação dos parcelamentos do solo ou núcleos habitacionais,
atestados pela municipalidade, e as possíveis interferências em áreas cobertas
com vegetação nativa, Áreas de Preservação Permanente, Áreas de Proteção
Ambiental, Áreas de Proteção aos Mananciais da Região Metropolitana de São
Paulo, Áreas Tombadas e a outras Unidades de Conservação ou áreas
especialmente protegidas, bem como as possíveis ações compensatórias e
mitigadoras, conforme o estabelecido na Resolução SMA 54, de 19/12/2007.
[...]
Artigo 5º - Fica instituída, no âmbito do Programa de Regularização de Núcleos
Habitacionais - Cidade Legal, criado pelo Decreto nº 52.052, de 13 de Agosto de
2007, a “Declaração de Conformidade Urbanística e Ambiental”, que será
outorgada aos projetos de regularização de Núcleos Habitacionais de Municípios
conveniados. (negrito nosso)

Nesta conjuntura, vale destacar o disposto no parágrafo 2º do artigo 4º


e o artigo 5º da Resolução Conjunta SH/SMA 3/2009, as quais imputam ao
município responsabilidade pela implementação de programas de
regularização fundiária em áreas de preservação permanente, ao emitir uma
Declaração de Conformidade Urbanística e Ambiental.
Contudo, é notório que os desacertos presentes no ordenamento do
solo urbano identificados nas cidades brasileiras podem, em diversas situações,
ser atribuídos à ausência de profissionais habilitados e capacitados junto aos
órgãos públicos, assim como a permissividade de intervenções políticas nos
trâmites dos respectivos processos. Sendo assim, qual a veracidade das
Declarações de Conformidade Urbanística e Ambiental expedida pelo Ente
Municipal?
Em 2009, a Medida Provisória 459, que regulamentou o Programa
Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), e por meio do qual a regularização fundiária
de assentamentos localizados em áreas urbanas veio reafirmar em seu

17Regularização de Núcleos Habitacionais – Cidade Legal, criado pelo Decreto 52.052, de 13 de


agosto de 2007, tem por finalidade apoiar a regularização de parcelamentos do solo e de núcleos
habitacionais, públicos ou privados, para fins residenciais, localizados em áreas urbanas ou de
expansão urbanas, assim definidas por legislação municipal.
34

parágrafo 1º do artigo 58 a autonomia municipal para deliberar sobre a


regularização fundiária em áreas de preservação permanente.

Art. 58. O projeto de regularização fundiária de interesse social deverá


considerar as características da ocupação e da área ocupada para definir
parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as
vias de circulação e as áreas destinadas a uso público.
§ 1o O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização
fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas
até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde
que o estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das
condições ambientais em relação à situação de ocupação.
[...] (negrito nosso)

Este dispositivo (parágrafo 1º do artigo 58, da Medida Provisória


459/2009) não apresenta nenhuma inovação, ao contrário, são mecanismos
para referendar a inócua situação que torna turvo o processo de produção das
cidades no Brasil. Deste contexto não se afasta o compromisso com a
sustentabilidade urbana defendida por alguns administradores públicos,
entretanto, é fato que a questão ambiental passa longe dos gabinetes públicos,
pois, ainda em muitos casos, é relegada a segundo plano, quando não é tida
como utopia.
Não obstante, há de se ressaltar que em função da reincidência de
ocorrências de desastres ambientais fica evidenciada a negligência de muitos
administradores a respeito da matéria. Fato que só vem reafirmar a ineficácia
dos atuais mecanismos legais, onde o uso discricionário de tais instrumentos
faculta a muitos agentes políticos barganhar com seus munícipes a titularidade
da área a ser regularizada em troca de votos em processos eleitorais,
mantendo a comunidade alheia de seus direitos socioambientais.
Em razão da crescente gravidade da questão abordada, com o objetivo
de ilustrar melhor as dimensões dos problemas existentes nesses
assentamentos, os quais evidenciam a vulnerabilidade da população residente
em áreas de preservação permanente, uma vez que as mesmas estão
constantemente sujeitas aos riscos de inundação. Diante deste cenário
deprimente, questiona-se: Qual o real objetivo do Estado ao implementar esta
política pública por meio do atual programa de regularização fundiária
sustentável?
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 35

Recentemente, o Governo Federal aprovou a Lei 11.977/2009,


anteriormente citada, a qual regulamenta o Programa Minha Casa, Minha Vida
(PMCMV) e a Regularização Fundiária de assentamentos localizados em áreas
urbanas; alterando o Decreto-Lei 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis 4.380,
de 21 de agosto de 1964, Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, Lei 8.036, de
11 de maio de 1990, e Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória
2.197-43, de 24 de agosto de 2001.
Esta Lei 11.977/2009 vem consolidar as intenções governamentais para
viabilizar a Regularização Fundiária, inovando no parágrafo 3º do artigo 54.

Art. 54. [...]


§ 3o A regularização fundiária de interesse social em áreas de preservação
permanente poderá ser admitida pelos Estados, na forma estabelecida nos §§
1o e 2o deste artigo, na hipótese de o Município não ser competente para o
licenciamento ambiental correspondente. (negrito nosso)

A observância do parágrafo 3º do artigo 54 da Lei 11.977/2009 vem


resguardar o interesse do Estado, abrindo possibilidades jurídicas a fim de
viabilizar a aprovação dos processos de regularização fundiária.
Diante do complexo panorama apresentado neste capítulo, deve-se
ressaltar que tramita no Congresso o Projeto de Lei 3.057, de 2000 (e aos
apensos: PL 5.894/2001, PL 2.454/2003, PL 20/2007, PL 31/2007, PL 846/2007
e PL 1.092/2007), os quais dispõem sobre o parcelamento do solo para fins
urbanos e sobre a regularização fundiária sustentável em áreas urbanizadas.
Todavia, é sabido que tal projeto de lei poderá receber outra redação durante
seu processo de aprovação. Entretanto, o conteúdo abarcado, a título de
exemplo, revela a fragilidade dos mecanismos propostos para o enfrentamento
da complexa questão da informalidade urbana.
Assim, a partir da análise dos institutos jurídicos que regulamentam a
matéria, fica explícita a presença deletéria do modelo neoliberal, onde se
constata que o mercado imobiliário detém o domínio de uma hegemonia
financeira, na qual o Estado exerce o papel de viabilizar a expansão do capital
em detrimento do interesse comum, relegando as questões ambientais a um
segundo plano.
36

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A regularização fundiária sustentável contemplada pelo artigo 9º da


Resolução Conama 369/2006 é, antes de tudo, um mecanismo legal, por meio
do qual se torna possível a legalização de parcelas da cidade informal, bem
como abre precedente jurídico para inocentar administradores públicos da
omissão, ora de descaso e irresponsabilidade diante da necessidade do
ordenamento do solo urbano.
O atual dispositivo se apresenta dissociado com o contexto
socioambiental das cidades, o qual desponta de modo alarmante, seja na
precariedade das unidades habitacionais desses espaços, na ausência de
saneamento básico e, principalmente, em razão do comprometimento dos
ecossistemas urbanos, etc.
Desse modo, há de se ter cautela e muita prudência ao se implementar
a regularização fundiária, principalmente em áreas de preservação
permanente, considerando a vulnerabilidade ambiental desses espaços, e,
ainda, pela iminente necessidade de se preservar a vida desta população que
se encontra instalada muitas vezes em áreas de risco, vulneráveis à ocorrência
de inundações, dentre outros eventos que podem levar a situações de
catástrofes ambientais, visto que qualquer posicionamento a ser adotado,
estará intrinsicamente relacionado à dignidade da pessoa humana.
Diversos estudos e pesquisas acadêmicas têm apontado que essas
áreas, consideradas de inundação, quando inseridas no tecido urbano, ainda
como uma das diferentes tipologias de áreas de preservação permanente, via
de regra são invadidas e ocupadas por população de menor poder aquisitivo.
Sem desconsiderar a relevância de implementação dessas políticas públicas,
não se pode também deixar de considerar entre suas diversas facetas, a
omissão e o descaso dos administradores públicos diante não apenas dos
impactos ambientais dos diversos sistemas que são de vital importância para o
equilíbrio do meio urbano, e, ainda, das grandes possibilidades de risco
oferecidas nessas localidades, relacionadas à ocorrência de acidentes
ambientais.
Assim, a partir desse contexto, torna-se de extrema importância a
revisão da atual legislação com intuito de criar mecanismos legais mais
eficientes de punição e responsabilização imediata dos gestores e agentes
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 37

públicos, bem como a proposição de instrumentos mais rígidos que possam


assegurar não apenas qualidade de vida, mas sobretudo a preservação dessas
áreas de mananciais, tão importantes para manutenção do ecossistema
urbano.

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pesquisa. In: GUERRA, A.J.T.; CUNHA, S.B. (org.). 3. ed. Impactos ambientais urbanos no
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(Doutorado), Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo,
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38

<http://4ccr.pgr.mpf.gov.br/institucional/grupos-de-trabalho/residuos/docs_resid_solidos>
Acesso em: 4 jan. 2011.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 39

Capítulo 3

GESTÃO E GERENCIAMENTO DOS RESÍDUOS18

Fabio Ytoshi Shibao19


Mario Roberto dos Santos20

1 INTRODUÇÃO

As discussões sobre a degradação do meio ambiente que vêm sendo


realizadas nos fóruns internacionais e a cobrança por responsabilidade
socioambiental pela sociedade, associadas a uma legislação mais rigorosa, vêm
estimulando ações e apontando os caminhos para uma abordagem mais
eficiente quando se trata de gestão de resíduos, tanto de processos industriais
quanto de pós-consumo.
A não geração e a redução da produção de resíduos, bem como as
melhores práticas de gestão de resíduos, ainda são os grandes desafios da
sociedade contemporânea, entre outros, uma vez que os processos industriais
entregam para a sociedade produtos com uma alta carga ambiental na forma
de emissões de poluentes e resíduos.
A sociedade e os processos produtivos industriais geram cada vez mais
resíduos, os quais, muitas vezes, são descartados sem controle e ocasionam
impactos ambientais de consequências e graus variáveis (ALLWOOD et al.,
2011; FLEISCHMANN et al., 1997). Diante disso, muitas barreiras precisam ser
superadas no campo político, social, econômico e técnico para equacionar

18 Texto parcial da tese de Mario Roberto dos Santos. Universidade Nove de Julho – UNINOVE
(http://bibliotecatede.uninove.br/handle/tede/1456).
19 Doutor em Administração de Empresas, Universidade Nove de Julho – UNINOVE, e-mail:

fabio.shibao@gmail.com
20 Doutor em Administração, Universidade Nove de Julho – UNINOVE, e-mail:
mario.rsantos@terra.com.br
40

esses problemas de geração, coleta, transporte e tratamento de resíduos


(LIAMSANGUAN; GHEEWALA, 2008).
Novas abordagens e métodos surgiram com o objetivo de introduzir a
variável ambiental quando do desenvolvimento de novos produtos,
independentemente dos aspectos técnicos e econômicos desses produtos 3.
Durante décadas, a abordagem das questões ambientais limitava-se a
proteger e tentar restaurar o dano ao meio ambiente depois de ocasionado
(BLENGINI, 2008).
No entanto, desde meados dos anos 1990, a abordagem da gestão de
resíduos, aos poucos, deixou de se limitar ao final dos processos industriais
(“fim de tubo”) para considerar os produtos com valor econômico negativo e
que, consequentemente, precisam ser evitados (GIANNETTI; ALMEIDA, 2006).
Essa nova abordagem, pautada no conceito de ecologia industrial, no
qual o sistema industrial não é visto isoladamente dos sistemas vizinhos, mas
em conjunto com eles (JELINSKI et al., 1992), considera a necessidade de
gerenciar e controlar ao longo do ciclo de vida, vislumbra a não geração de
resíduos, a qualidade ambiental dos processos, bem como a oferta de
“produtos sustentáveis” (MANZINI; VEZZOLI, 2008).
No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela
Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010 e regulamentada pelo Decreto 7.404, de 23
de dezembro de 2010 (PNRS, 2010), vale-se dos princípios da ecologia
industrial e coloca entre seus principais objetivos a não geração, redução,
reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como a
disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos (PNRS, 2010).
A crescente demanda de sistemas seguros de disposição final tem
estimulado o estudo de alternativas tecnológicas e econômicas para que
resíduos possam ser introduzidos como matéria-prima, carga e agregados em
outros ciclos de produção.
Dessa maneira, é possível diminuir os custos de tratamento e disposição
final, além de oferecer matéria-prima secundária ao mercado (LEIDEL, 1993;
TEIXEIRA, 2001; TONINI; ASTRUP, 2012), de acordo com os princípios da
ecologia industrial (GIANNETTI; ALMEIDA, 2006), produção mais limpa,
segundo a United Nations Environment Program (UNEP, 1990) e da
ecoeficiência, conforme a norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT) NBR ISO 14045 (ABNT, 2014).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 41

Um dos objetivos das estratégias voltadas para que o processo


produtivo contribua para a diminuição dos impactos ambientais seria que, em
vez da disposição final dos resíduos em aterros, esses voltassem ao processo
produtivo como uma matéria-prima alternativa. Esse processo é conhecido
como do berço ao berço [cradle to cradle] (McDONOUGH; BRAUNGART, 2002).
Nesse contexto, este texto está delineado da seguinte forma: após esta
introdução, serão apresentados os temas resíduos, definição de resíduos
sólidos segundo a ABNT; geração de resíduos, fontes; gestão de resíduos,
pesquisas sobre utilização; abordagens para redução; PNRS; e as discussões
finais.

2 RESÍDUOS

A maximização da exploração dos recursos naturais, a perturbação e a


consequente alteração dos ciclos ecológicos e a eliminação de resíduos em
ecossistemas requerem soluções que se baseiam em uma compreensão
transdisciplinar das cadeias de produção (BOONS et al., 2012).
As organizações atuam em ambientes cada vez mais competitivos, o que
as obrigam a encontrar novas formas de melhorar a rentabilidade e prover
serviços para os clientes, que, por sua vez, demonstram estar mais
preocupados com o meio ambiente (SHIBAO et al., 2017).
Segundo Barbieri (2007), os problemas ambientais provocados pela
humanidade são as consequências pelo uso do meio ambiente na obtenção das
matérias-primas a serem utilizadas na produção de bens e serviços que
satisfaçam as suas necessidades e dos descartes de materiais e energia não
utilizados no meio ambiente.
As políticas ambientais estão cada vez mais focadas nos produtos finais
e, por esse motivo, a atenção da gestão ambiental corporativa foi mudando
dos processos produtivos para os produtos. O papel-chave de produtos verdes
é mover-se em direção a um novo paradigma de crescimento e maior
qualidade de vida por meio da criação de riqueza e competitividade. Políticas
ambientais orientadas para produtos podem oferecer, pelo menos, duas
vantagens (BLENGINI et al., 2012):
a) Gerar a consciência de que a produção não é a única fonte de
poluição ambiental, mas também a produção, o consumo e o pós-
42

consumo que desempenham papéis igualmente importantes e


interdependentes; e
b) Promover a partilha de responsabilidades e papéis entre
produtores e seus clientes.
O ideal seria a produção sem a geração de resíduos, no entanto, a
sistematização de conceitos, métodos e ferramentas para alcançar a meta de
zero de resíduos está se desenvolvendo lentamente ao longo do tempo. Nesse
contexto, vale salientar que, recentemente, foram empregados consideráveis
esforços com o objetivo de reduzir a geração de resíduos (BAUTISTA-LAZO;
SHORT, 2013).
O crescente desenvolvimento industrial induzido por uma procura
constante de novos produtos resultou em um crescimento exponencial dos
resíduos gerados nos processos produtivos, bem como na eliminação desses
produtos como resíduos no pós-consumo (SANTA et al., 2013).
Dentre os vários resíduos, a norma da Associação Brasileira de Normas
Técnica (ABNT) NBR 10004 definiu resíduos sólidos como “[...] resíduos nos
estados sólido e semissólido, que resultam de atividades de origem industrial,
doméstica, hospitalar, comercial agrícola, de serviços e de varrição” (ABNT,
2004, p. 1).
A norma (ABNT, 2004) classifica os resíduos sólidos quanto aos seus
riscos potenciais ao meio ambiente e à saúde pública em dois grupos: resíduos
classe I – Perigosos e resíduos classe II – Não perigosos; subdivididos: em
resíduos classe II A – Não-inertes e resíduos classe II B – Inertes. A classificação
é baseada na caracterização do resíduo, em razão das matérias-primas, dos
insumos e do processo que lhes deram origem.

2.1 GERAÇÃO DE RESÍDUOS

A geração de resíduos sólidos é um dos graves problemas na atualidade,


em decorrência do crescimento populacional gradativo e desordenado, com
consequente aceleração do processo de ocupação do solo (VALÉRIO et al.,
2008) e do crescimento acentuado na descartabilidade dos bens de consumo.
A geração de resíduos está relacionada diretamente com o
desenvolvimento econômico, quanto mais próspero é o pais, mais resíduos ele
gera (GONÇALVES-DIAS, 2012).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 43

De acordo com Barbieri (2007, p. 7)

[...] grande parte dos problemas ambientais produzidos por agências bancarias,
escritórios, consultórios, lojas, escolas, repartições públicas, hotéis, hospitais,
aeroportos e outros estabelecimentos de serviço se deve aos materiais
industrializados que dão suporte às suas atividades.

O Quadro 1 apresenta um panorama sobre as atividades e os


respectivos resíduos gerados, resultado da pesquisa de Jacobi e Besen (2011).
Quadro 1: Fontes geradoras e resíduos
Classificação Fontes geradoras Resíduos produzidos
Residências, Sobras de alimentos, produtos deteriorados, lixo de
edifícios, empresas, banheiro, embalagens de papel, vidro, metal, plástico,
Domiciliar escolas, etc. isopor, longa vida, pilhas, eletrônicos, baterias,
fraldas, etc.
Comércio, bares, Embalagens de papel e plástico, sobras de alimentos,
Comercial restaurantes, etc.
empresas
Público Varrição e poda Folhas, galhos de árvores, papéis, etc.
Grupo A - biológicos: sangue, tecidos, vísceras,
resíduos de análises clínicas, etc. Grupo B - químicos:
Hospitais, clínicas,
medicamentos vencidos e interditados, termômetros,
Serviços de consultórios,
objetos cortantes, etc. Grupo C - radioativos. Grupo D
saúde laboratórios, etc.
- comuns; não contaminados; papeis, plásticos,
vidros, embalagens, etc.
Cinzas, lodos, efluentes líquidos, adsorventes,
catalizadores, poeiras, óleos, resíduos alcalinos ou
Industrial Indústrias
ácidos, escórias, plásticos, papel, madeira, fibras, etc.
Portos, Portos, aeroportos, Resíduos sépticos, sobras de alimentos, material de
aeroportos, terminais higiene e asseio pessoal, etc.
terminais
Embalagens de agrotóxicos, pneus e óleos usados,
Agrícola Agricultura embalagens de medicamentos veterinários,
recipientes, plásticos, etc.
Obras e reformas Madeira em geral, cimento, blocos, pregos, gesso,
Construção residenciais e tinta, latas, cerâmicas, pedra, areia, terra, etc.
civil comerciais

Fonte: Adaptado de Jacobi e Besen (2011).

A abordagem dos autores Jacobi e Besen (2011) sobre a origem dos


resíduos é compatível com a PNRS, mas ressalte-se que, além da classificação
quanto à origem, a PNRS (2010) os classificou também quanto à periculosidade
em perigosos (aqueles que, em razão de suas características de
inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade,
44

carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, apresentam


significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental); e não perigosos,
os resíduos que não se enquadram na classe anterior.
Outra forma de abordar a geração de resíduos é a adotada por Leite
(2009), em razão do fluxo de retorno, isto é, dos canais reversos de distribuição
dos produtos após o seu uso ou devolução:
a) Pós-consumo: bens que são descartados após o seu ciclo de vida
útil, de diferentes formas, são produtos de pós-consumo ou pós-
uso e que poderão ser reutilizados; e
b) Pós-venda: são os bens industriais de pós-venda, com pouco ou
nenhum uso e que, por diversos motivos, retornam à cadeia de
produção: retornos de produtos em consignação, embalagens,
ajuste ou excesso de estoques, por devoluções de vendas diretas
ao consumidor, atendimentos de reclamações sobre qualidade ou
defeito ou erros de expedição; substituição de componentes;
garantia ou qualidade por defeitos de fabricação ou de
funcionamento, por avarias no produto ou na embalagem e outros
aspectos de qualidade intrínseca aos produtos vendidos.
O crescimento do pós-consumo é verificado pelo aumento de
lançamentos de novos produtos, como também pelo uso de outras fontes de
materiais constituintes, em que os metais são substituídos por plásticos, que,
segundo Leite (2009), pode ser observado mais intensamente na indústria
automobilística e de tecnologia da informação, pois é percebido um
crescimento demasiado na produção de acessórios e periféricos.
Esses resíduos ou produtos impróprios podem ter três opções de
destinação: um local de disposição seguro, tais como aterros sanitários e
depósitos específicos; um destino não seguro, isto é, lançado na natureza,
poluindo o ambiente, ou voltar para a cadeia de produção.
Portanto, a destinação de produtos descartados poderá ser a
reciclagem e, consequentemente, o seu reprocessamento e devolução ao
mercado ou, caso não haja mais nenhuma possibilidade de ser reaproveitado,
o descarte pela disposição em depósitos definitivos na forma de lixo (SHIBAO
et al., 2010).
Alguns setores se destacam como geradores de resíduos e causadores
de impactos sanitários e ambientais como, por exemplo: (I) pneus inservíveis,
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 45

devido ao volume acumulado (ALBUQUERQUE NETO et al., 2005; REDA TAHA


et al., 2008); (II) construção civil, que consome grandes quantidades de
recursos naturais, materiais e energia e gera níveis inaceitáveis de resíduos
sólidos (YUAN et al., 2012); (III) equipamentos elétricos e eletrônicos, porque
são um dos maiores utilizadores de metais e, por esse motivo, tornaram-se
uma fonte de geração de resíduos (OGUCHI et al., 2012), sendo assim uma das
principais causas do esgotamento de recursos naturais (WONG; LEE; YUNG,
2010).
Nesse item, a United Nations Environment Program (UNEP, 2009)
estimou que o e-lixo, resultante dos 27 membros da União Europeia (UE),
chega a cerca de nove milhões de toneladas por ano e, globalmente, são
estimados em cerca de 40 milhões de toneladas por ano.
Outro resíduo produzido em grandes quantidades é do carvão mineral,
pois, segundo Babbitt e Lindner (2008), são geradas cerca de 110 milhões de
toneladas anualmente, por empresas de energia elétrica nos Estados Unidos
da América (EUA), de produtos de combustão de carvão classificados como
cinzas leves ou volantes, cinzas pesadas, escórias de caldeira e material de
dessulfurização de gases de combustão e tem sido o terceiro mineral mais
abundante naquele país.
No Brasil, no período 2009-2013, uma única empresa geradora de
energia elétrica, por meio de combustão de carvão mineral, produziu
anualmente, aproximadamente, 1,14 milhão de toneladas de resíduos desse
mineral (SANTOS, 2015).
Os processos produtivos industriais, em geral, ocupam destaque na
geração de resíduos, e, segundo Castro-Gomes et al. (2012), na maioria dos
países da UE, é o principal setor econômico responsável por geração de
resíduos. Os resíduos industriais estão se tornando um dos principais
problemas tanto para o meio ambiente quanto para a saúde pública porque
eles continuam sendo gerados e acumulados (ARENAS et al., 2013).
Outro fato que também contribui para o crescimento da geração
resíduos é a obsolescência planejada, isto é, a produção de bens com vida útil
economicamente curta que obriga os consumidores a repetir as compras
diversas vezes (BULOW, 1986). Uma nova geração de bens duráveis faz uma
velha geração se tornar economicamente obsoleta mesmo que fisicamente
ainda não seja (LEE; LEE, 1998).
46

A ênfase atual é no desenvolvimento contínuo de produtos que


promovem a substituição e disposição desses produtos em prazos cada vez
mais curtos e que resultam, dessa forma, em impactos ambientais indesejáveis
(GUILTINAN, 2009).
Trata-se de uma estratégia de negócios em que a obsolescência de um
produto é planejada e construída desde a sua concepção, isso é feito para que,
no futuro, o consumidor sinta a necessidade de comprar novos produtos e
serviços que o fabricante traz como substitutos para os antigos (HINDLE, 2009).
Outro fator que deve ser considerado, são os diferentes destinos dos
resíduos gerados que podem retornar por meio de uma cadeia de distribuição
reversa, ser descartados em aterros sanitários ou serem lançados na natureza
poluindo o meio ambiente.
Portanto, somente quando não há condições de serem reutilizados ou
reciclados é que se deve enviá-los aos aterros sanitários, no entanto, são
diversos os resíduos encaminhados indevidamente a esses locais (SHIBAO et
al., 2010).
A visão tradicional de se considerar os resíduos como poluição vem
progressivamente mudando para uma nova perspectiva na qual os resíduos
são considerados como um recurso que poderá ajudar a sociedade a se tornar
mais sustentável (LAURENT et al., 2014).
Nesse contexto, a gestão de resíduos é uma atividade que vem
ganhando importância na atualidade, por se tornar uma fonte geradora de
matérias-primas alternativas, além de contribuir para a redução do uso dos
recursos naturais, tema esse explorado a seguir.

2.2 GESTÃO DE RESÍDUOS

O objetivo de reduzir o impacto ambiental da atividade industrial é


amplamente aceito como uma meta a ser alcançada. Muitas empresas se
orgulham de seus produtos "verdes" e práticas de negócios "sustentáveis".
Na fabricação, essas práticas de negócios podem variar, desde a
substituição de materiais não biodegradáveis por biodegradáveis, reciclagem
de produtos, até a redução dentro das cadeias de suprimentos, do consumo de
energia e das emissões atmosféricas.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 47

A implementação dessas práticas empresariais é feita com maior


profundidade quando a redução dos impactos ambientais está associada com
o aumento dos lucros para o negócio como um todo (HODGE et al., 2010).
Benefícios ambientais expressivos podem ser alcançados por meio de
diversos processos de gestão de resíduos, conforme preconizavam Ekvall et al.
(2007):
a) incineração de resíduos com recuperação de energia reduz a
necessidade de outras fontes de energia;
b) materiais originários de processos de reciclagem substituem a
necessidade de produção de material virgem;
c) tratamento biológico pode reduzir a necessidade de produção de
fertilizantes artificiais e combustíveis para veículos; e
d) resíduos provenientes da incineração de resíduos podem substituir
a brita na construção de estradas.
A gestão de resíduos de pós-consumo ou pós-uso vem sendo estudada
nos mais diversos campos e alguns exemplos de pesquisas realizadas foram
citadas por Santos (2015): plásticos, garrafas (PET); resíduos residenciais
provenientes da coleta nos municípios; asfalto de pavimentação; filtro de óleo
de veículos automotivos; veículos automotores; resíduos de demolições;
equipamentos elétricos e eletrônicos; papel; baterias de veículos e de
aparelhos em geral; vidros e pneus; roupas e artigos têxteis; cabos de fibras
óticas; serviços de saúde, odontológicos e resíduos químicos em instituições de
ensino e pesquisa.
Várias sugestões inovadoras sobre a utilização dos resíduos industriais
que podem ser reaproveitados em novos produtos têm sido apresentadas na
literatura (ROZENSTRAUHA et al., 2013).
Nesse sentido, Fiksel et al. (2011) afirmaram que é crescente a
preocupação com a sustentabilidade das cadeias de suprimentos industriais, e,
por esse motivo, os organismos governamentais e o setor privado elevam os
esforços para melhorar a gestão dos resíduos sólidos.
A disposição em aterros sanitários é um dos principais métodos de
gestão de resíduos domiciliares e industriais nas últimas décadas em muitos
países, o que tem gerado grandes problemas ambientais (Di BELLA et al., 2012;
LANER et al., 2012).
48

Os aterros são considerados uma forma econômica e de baixo custo de


armazenamento de resíduos (MASI et al., 2014). Mesmo alguns países
altamente industrializados, tais como EUA, Austrália, Reino Unido e Finlândia,
têm uma dependência muito grande do uso de aterros (LANER et al., 2012).
O estudo de Krook et al. (2012) mostrou que um aterro típico tem uma
composição média (em massa) de 50-60% de material tipo solo (cobertura de
solo e resíduos degradados); 20-30% de materiais combustíveis (plásticos,
papel e madeira); 10% de materiais inorgânicos (concreto, pedra e vidro) e uma
quantidade muito pequena de metais, principalmente metais ferrosos. A
mesma pesquisa também mostrou que, no âmbito mundial, mesmo
considerando que pequenas quantidades, são encontradas nos aterros
individualmente, a quantidade total estimada de cobre existente em aterros
(393 milhões de toneladas) é comparável a quantidade em uso (330 milhões
de toneladas).
Essas descobertas desafiam a visão atual sobre os aterros como locais
de armazenamento definitivo de resíduos e indicam o surgimento de uma nova
perspectiva sobre a mineração de aterros, principalmente como estratégia
para a extração de materiais e de recursos energéticos.
Com o objetivo de minimizar o descarte de substâncias na natureza e
também reduzir o consumo de recursos naturais, são gerados esforços no
sentido de reintegrar os resíduos nos processos produtivos originais, seja por
reciclagem, reuso, recuperação etc. e, assim, possibilitar uma redução dos
passivos ambientais.
Os termos reciclar, reutilizar, reparar e recuperar foram definidos por
Glavic e Lukman (2007), tais como:
a) reciclar: um método de recuperação de recursos que envolve o
recolhimento e o tratamento de produtos residuais para utilização
como matéria-prima para sua fabricação ou de um produto
semelhante;
b) reutilizar: utilização de resíduos como matéria-prima em um
processo diferente, sem quaisquer alterações estruturais;
c) reparar: uma melhoria do complemento ou de um produto, a fim
de aumentar a qualidade e utilidade antes de sua reutilização,
implica uma diminuição de consumo de novos produtos, porque a
vida útil do produto é estendida; e
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 49

d) recuperar: é uma atividade aplicável a materiais, energia e


resíduos. É um processo de restauração de materiais encontrados
no fluxo de geração de resíduos para um uso que pode ser benéfico
para outros fins, diferentes do uso original do produto/processo
gerador.
A preocupação ambiental conduziu a reciclagem de materiais, que
aumentou rapidamente ao longo dos últimos anos. No entanto, o público em
geral, bem como os tomadores de decisão, muitas vezes questiona se a
reciclagem é realmente a melhor opção, e os pesquisadores se esforçam para
dar uma resposta. Essa questão tem muitas dimensões – econômica, técnica,
social e ambiental – e tem como consequência grandes dificuldades para
desencadear uma resposta simples (BJÖRKLUND; FINNVEDEN, 2005).

2.3 ABORDAGENS PARA REDUÇÃO E MINIMIZAÇÃO DE RESÍDUOS

Os resíduos gerados nos processos produtivos podem ser enquadrados


em três categorias: resíduos inevitáveis, resíduos produzidos pela ineficiência
do processo produtivo e resíduos causados por erro. Os resíduos provenientes
pela ineficiência do processo ou que tenham como causa o erro deverão ser
eliminados (BAUTISTA-LAZO; SHORT, 2013).
Os resíduos inevitáveis, como, por exemplo, dado o nível da tecnologia
existente ou utilizada pelas empresas, às vezes, podem se revelarem inviáveis
de serem eliminados por completo. Esses resíduos poderão ser transformados
em coprodutos com agregação de valor para as empresas (BAUTISTA-LAZO;
SHORT, 2013). Nesse aspecto, utilizá-los como matéria-prima alternativa em
outros processos produtivos pode ser uma fonte de inovação para as empresas
geradoras de tais resíduos ou para as empresas que irão usá-los como fonte de
matéria-prima alternativa.
A minimização de resíduos é uma medida ou uma técnica que diminui a
quantidade de resíduos gerados durante os processos de produção industrial,
que inclui a redução de matérias-primas ou a reciclagem realizada pelo gerador
de resíduos. Resulta em uma queda no volume total de resíduos, ou na
toxicidade dos resíduos, ou de ambos, desde que a redução seja consistente
com o objetivo de minimizar futuras ameaças à saúde humana e ao meio
ambiente.
50

O termo minimização de resíduos é orientado ao meio ambiente e ao


desempenho industrial, mas também se refere indiretamente à saúde humana
e à segurança. Tanto a redução de toxicidade quanto a minimização de
resíduos também estão ligados à redução de riscos e custos (GLAVIC; LUKMAN,
2007). O objetivo da minimização dos resíduos, geralmente, não é por razões
ambientais, mas econômicas, pois gerar resíduos significa maior perda
econômica (SARKIS et al., 2011).
Uma das técnicas para redução de resíduos é a chamada “Final de tubo”.
Trata-se de uma prática de tratar substâncias poluentes no final do processo
de produção, quando todos os produtos e os resíduos foram
fabricados/gerados, sendo que o tratamento e o controle dos poluentes são
feitos após a sua geração (GIANNETTI; ALMEIDA, 2006).
Essa abordagem é projetada para reduzir a liberação direta de
poluentes, de modo a ter conformidade com as leis ambientais, mas, às vezes,
o processo resulta na transmissão de poluentes de um meio para o outro com
um atraso temporário nos possíveis impactos ambientais (GLAVIC; LUKMAN,
2007).
Outra fase de controle de emissões e resíduos foi o programa de
prevenção à poluição da US Environmental Production Agency (US EPA) dos
EUA, que visou a reduzir a poluição por meio de esforços cooperativos entre
indústrias e agências governamentais (GIANNETTI; ALMEIDA, 2006).
De acordo com essa abordagem, para a redução de resíduos e emissões
tem-se a produção mais limpa (P+L), definida pela UNEP, em 1990, como a
aplicação contínua de uma estratégia ambiental integrada aos processos,
produtos e serviços, para aumentar a eficiência de produção e reduzir os riscos
para os seres humanos e ao meio ambiente (UNEP, 1990).
Essa abordagem levou a uma mudança de paradigma. Nessa nova
realidade, o resíduo, avaliado como um problema, passou a ser visto como uma
oportunidade de melhoria porque não era inerente ao processo, mas era um
claro indicativo da sua ineficiência.
A identificação e análise dos resíduos gerados é que darão início à
atividade de avaliação de Produção mais Limpa [P+L] (Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial [SENAI-RS], 2003). A compreensão clara sobre a
geração dos resíduos nos processos industriais, e os custos que a envolvem, é
o caminho para a P+L (BAUTISTA-LAZO; SHORT, 2013).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 51

P+L visa a melhorar a eficiência, a lucratividade e a competitividade das


empresas, protege o ambiente, o consumidor e o trabalhador (GIANNETTI;
ALMEIDA, 2006). São ações implementadas dentro da empresa com o objetivo
de tornar o processo produtivo mais eficiente no emprego de seus insumos,
gerando mais produtos e menos resíduos (SENAI-RS, 2003).
Essa é uma forma de melhoria contínua, que faz com que o processo
seja menos agressivo ao homem e ao meio ambiente, além de aumentar a
produtividade e gerar benefícios econômicos para a empresa (GIANNETTI;
ALMEIDA, 2006).
A P+L é uma filosofia proativa que permite antecipar e prever possíveis
impactos, provoca a substituição de materiais, mudanças de processos e a
redução das emissões (GIANNETTI; ALMEIDA, 2006), além de possibilitar à
empresa uma melhor gestão do seu processo industrial, que passa a ser
monitorado constantemente com o intuito de manter e desenvolver um
sistema ecoeficiente de produção por meio de indicadores ambientais e de
processo (SENAI-RS, 2003).
Podem ser identificados três níveis de opções de atuação para
modificações e aplicações de estratégias, visando ações de P+L pelas empresas
em seus processos produtivos (SENAI-RS, 2003)3:
a) nível 1 (prioritário): redução de resíduos e emissões na fonte por
meio de modificação no produto ou no processo;
b) nível 2: redução de resíduos e emissões na fonte por meio da
reciclagem interna; e
c) nível 3: reuso de resíduos, efluentes e emissões por meio de
reciclagem externa ou pelos ciclos biogênicos.
Uma outra forma de apresentar essa estratégia é a hierarquia para
redução de resíduos, sugerida por Finnveden et al. (2005): reduzir a quantidade
de resíduos; reutilizar; reciclagem de materiais; incineração com recuperação
de energia; e disposição em aterros.
A redução das quantidades de resíduos, em geral, é bem aceita, mas a
ordem sequencial sugerida é motivo de contestação e discussões sobre as
políticas de gestão de resíduos em muitos países (FINNVEDEN et al., 2005).
Outra questão é onde colocar os tratamentos biológicos, como a compostagem
na hierarquia sugerida.
52

A estratégia para eliminação de resíduos durante o processo de


fabricação inclui as fases de redução, controle, eliminação e prevenção e os
custos de implementação da iniciativa verde de fabricação que serão
suportados pela diminuição dos custos acarretados por uma produção mais
eficiente (DEIF, 2011).
Portanto, quando não há possibilidade de completa eliminação da
geração de resíduos em um processo industrial, uma alternativa é a valorização
desses resíduos como matéria-prima alternativa para outros setores e o custo
desta operação devem ser previstos no projeto inicial do produto 3. Caso não
se enquadre em nenhuma das formas precedentes, deverão ser descartados
corretamente sem prejuízo ao meio ambiente, que também deve ser antevisto
no design do produto (SHIBAO, 2011).
Outra estratégia de redução dos resíduos é por meio da legislação,
como se pode notar, a seguir, no caso brasileiro com a Política Nacional de
Resíduos Sólidos.

2.4 POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PNRS)

A PNRS, instituída pela Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010 e


regulamentada pelo Decreto 7.404, de 23 de dezembro de 2010 (PNRS, 2010),
dispõe sobre princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as
diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos
e instituiu a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos
(PNRS, 2010).
A PNRS incluiu definições, tais como ciclo de vida do produto;
destinação final ambientalmente adequada; disposição final ambientalmente
adequada; geradores de resíduos sólidos; gerenciamento de resíduos sólidos;
gestão integrada de resíduos sólidos; padrões sustentáveis de produção e
consumo; reciclagem; rejeitos; resíduos sólidos; responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e reutilização.
Os principais princípios são: prevenção e precaução; visão sistêmica, na
gestão dos resíduos sólidos; desenvolvimento sustentável; ecoeficiência;
cooperação entre o poder público, o setor empresarial e demais segmentos da
sociedade; responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 53

resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor


social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania.
Quanto aos objetivos da PNRS, podem ser citados: proteção da saúde
pública e da qualidade ambiental; não geração, redução, reutilização,
reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final
ambientalmente adequada dos rejeitos. A PNRS estimula a adoção de padrões
sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços; o desenvolvimento e
aprimoramento de tecnologias limpas; a redução do volume e da
periculosidade dos resíduos perigosos; a implementação da avaliação do ciclo
de vida do produto; a rotulagem ambiental e o consumo sustentável. Incentiva
a indústria da reciclagem; a gestão integrada de resíduos sólidos; a articulação
entre o poder público com o setor empresarial, com vistas à cooperação
técnica e financeira; a capacitação técnica; o desenvolvimento de sistemas de
gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos
produtivos e o reaproveitamento dos resíduos sólidos.
A PNRS estabelece que as esferas governamentais deverão elaborar
planos nacional, estadual e municipal, com horizonte de 20 anos, atualizáveis
a cada quatro anos com metas para redução, reutilização e reciclagem, com o
objetivo de reduzir a quantidade de resíduos e rejeitos; promover o
aproveitamento energético dos gases gerados nas unidades de disposição final
de resíduos sólidos; eliminação e recuperação de lixões.
Os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de
agrotóxicos, se responsabilizam por seus resíduos e embalagens; pilhas e
baterias; pneus; óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; lâmpadas
fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; produtos
eletroeletrônicos e seus componentes; além disso, são obrigados a estruturar
e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos
após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de
limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos.
Proíbe a destinação ou disposição final de resíduos sólidos ou rejeitos
em praias, no mar ou em quaisquer corpos hídricos; in natura a céu aberto,
excetuados os resíduos de mineração; queima a céu aberto ou em recipientes,
instalações e equipamentos não licenciados para essa finalidade.
Em suma, a PNRS também instituiu a responsabilidade compartilhada
pelo ciclo de vida dos produtos entre fabricantes, importadores, distribuidores,
54

comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos, com o objetivo


de minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados e também reduzir
os impactos causados à saúde humana e à qualidade do meio ambiente.
Essa abordagem representa um grande desafio, pois gera uma
expectativa de que poderão ocorrer avanços significativos na gestão de
resíduos no país, visto que torna as empresas cada vez mais responsáveis por
todo o ciclo de vida de seus produtos, isto é, o fabricante é responsável pelo
destino de seus produtos, mesmo após entregá-los aos clientes e também pelo
impacto ambiental que estes venham causar.
Segundo Polzer (2017, p. 213):

[...] a Política Nacional de Resíduos Sólidos é considerada um marco


regulatório no setor e trouxe à tona uma série de questões a serem
discutidas em todas as instâncias [...]. [...] ainda há muitas barreiras a
serem vencidas para que cada um possa cumprir o papel que lhe cabe.
Dentre essas barreiras, as principais são: a universalização das coletas
seletivas por tipo de material; a inclusão dos catadores de material
reciclável; os instrumentos econômicos para promover a redução na
produção de resíduos e o reaproveitamento do que foi gerado; a
infraestrutura adequada para permitir a correta separação dos seus
resíduos o seu tratamento; o encerramento dos lixões e outros.

Um dos instrumentos da PNRS é o Sistema Nacional de Informações


sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR), regulamentado no mesmo
Decreto 7.404/2010 da PNRS (PNRS, 2010).
O SINIR deverá coletar e sistematizar dados relativos aos serviços
públicos e privados de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos,
possibilitando: o monitoramento, a fiscalização e a avaliação da eficiência da
gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos, inclusive dos sistemas de
logística reversa; a avaliação dos resultados, impactos e acompanhamento das
metas definidas nos planos e a informação à sociedade sobre as atividades da
Política Nacional (PNRS, 2010).
Dentre os vários conceitos introduzidos pela PNRS, está a
responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a logística
reversa e o acordo setorial, que foram assim definidos:
a) responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: “[...]
conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 55

dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para
minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para
reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental
decorrentes do ciclo de vida dos produtos” (PNRS, 2010, p. 2);
b) logística reversa: "[...] instrumento de desenvolvimento econômico e social
caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a
viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para
reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra
destinação final ambientalmente adequada" (PNRS, 2010, p. 2).
c) acordo setorial: "[...] ato de natureza contratual firmado entre o poder
público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em
vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos
produtos" (PNRS, 2010, p. 1).
Conforme o SINIR [2015?], têm-se alguns sistemas de logística reversa
em implantação no país:
a) embalagens plásticas de óleos lubrificantes: acordo setorial
assinado em 19/12/2012;
b) lâmpadas fluorescentes de vapor de sódio e mercúrio e de luz
mista: acordo setorial assinado em 27/11/2014;
c) embalagens em geral: acordo setorial assinado em 25/11/2015;
d) produtos eletroeletrônicos e seus componentes: em negociação e
a próxima etapa é consulta pública;
e) medicamentos: em negociação e a próxima etapa é consulta
pública.
Outras iniciativas anteriores à PNRS que já possuem sistemas de
logística reversa implantados, por meio de outras tratativas legais [SINIR,
2015?]:
a) pneus inservíveis: Resolução Conama 416/2009, de 30/11/2009;
b) embalagens de agrotóxicos: Lei 7.802, de 11/07/1989;
c) óleo lubrificante usado ou contaminado (Oluc): Resolução Conama
362/2005, de 23/06/2005;
d) pilhas e baterias: Resolução Conama 401, de 04/11/2008.
56

3 DISCUSSÕES FINAIS

O uso inadequado de recursos, as perdas econômicas e a poluição


ambiental têm sido reconhecidos como consequências da geração de resíduos
cuja extensão e impactos de tais consequências estão apenas começando a ser
compreendidos no contexto da sustentabilidade (BAUTISTA-LAZO; SHORT,
2013).
A preocupação ambiental conduziu a reciclagem de materiais, atividade
essa que aumentou rapidamente ao longo dos últimos anos. No entanto, o
público em geral bem como os tomadores de decisão muitas vezes questionam
se a reciclagem é realmente a melhor opção e os pesquisadores se esforçam
para dar uma resposta. Essa questão tem muitas dimensões – econômica,
técnica, social e ambiental – e como consequência grandes dificuldades para
desencadear uma resposta simples (BJÖRKLUND; FINNVEDEN, 2005).
A sustentabilidade é uma questão existencial do ser humano, pois busca
garantir a vida e não apenas a conservação da natureza, ou seja, a relação
harmoniosa entre indivíduo e o meio ambiente, mas Barbieri (2007, p. 7)
advertiu que “[...] a crença de que a natureza existe para servir ao ser humano
contribuiu para o estado de degradação ambiental que hoje se observa”.
No setor industrial, uma das sugestões para a minimização dos
problemas ambientais é a utilização dos resíduos gerados nos processos de
produção, tais como matérias-primas em outros processos ou segmentos, pois,
durante muito tempo, a gestão ambiental resumiu-se ao controle da poluição
para atender as políticas públicas e corrigir as características ambientais
afetadas por esses resíduos (SANTOS et al., 2016).
Na área acadêmica, diversos temas são abordados e alguns exemplos
recentes de contribuição, presentes na base Scientific Periodicals Eletronic
Library (SPELL) são mostrados no Quadro 2.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 57

Quadro 2: Algumas contribuições acadêmicas para a gestão de resíduos


Nº Objetivo Autores
Análise dos elementos constitutivos da governança pública e da SILVA;
1 esfera pública em torno da gestão da Política Nacional de Resíduos ALCÂNTARA;
Sólidos (PNRS) no município de Lavras, Minas Gerais. PEREIRA, 2016
Avaliação do sistema de gestão de resíduos sólidos da CETRIC –
MELLO; SEHNEM,
2 Central de Tratamento de Resíduos Sólidos Industriais no Estado de
2016
Santa Catarina.
MARANHÃO;
Construção e aplicação de uma avaliação dos sistemas de gestão de
3 PEREIRA;
resíduos de serviços de saúde (GRSS).
TEIXEIRA, 2016
Identificação das potencialidades e das fragilidades do processo de
FREITAS et al.,
4 reciclagem de resíduos de construção e demolição (RCDs) na usina
2016
de beneficiamento de entulho (UBE) de Petrolina/Pernambuco.
Identificação dos investimentos necessários a implantação de uma
PASCHOALIN
5 usina de reciclagem de entulho (URE) na zona leste da cidade de
FILHO et al., 2016
São Paulo/SP.
Implantação de um sistema de gestão integrada de resíduos sólidos BERNARDO;
6
urbanos em Cidade Ocidental/Goiás. RAMOS, 2016
DACROCE;
Implantação do plano de gerenciamento dos resíduos sólidos
7 FUJIHARA;
(PGRS) em uma oficina mecânica em Cascavel/Paraná.
BERTOLINI, 2016
Mapear e validar os subprocessos do manejo de resíduos de
NOGUEIRA;
8 serviços de saúde no Centro Cirúrgico do Hospital Universitário da
CASTILHO, 2016
Universidade São Paulo e calcular o custo dos materiais.
Método para avaliar alternativas de valorização de resíduos usando
SANTOS et al.,
9 de modo combinado a avaliação de ciclo de vida (ACV) e medidas
2016
de ecoeficiência em uma usina termelétrica.
Segregação adequada dos resíduos de serviços de saúde, reduzir a
contaminação dos resíduos comuns, os riscos à saúde ocupacional
10 ZAJAC et al., 2016
e recuperar materiais recicláveis no setor administrativo do
Hospital Cândido Fontoura em São Paulo/SP.

Fonte: Elaborado pelos autores.

O que se pode verificar é que as pesquisas mostradas no Quadro 2


envolvem diversos tipos de resíduos além de estarem presentes também em
vários Estados brasileiros, enfatizando a preocupação e a procura de soluções
para minimizar os impactos ambientais decorrentes das atividades avaliadas.
Uma das possíveis soluções para os resíduos urbanos é a coleta seletiva
que representa um instrumento de promoção da sustentabilidade, à medida
que proporciona, quando possível, o reaproveitamento ou a reciclagem dos
resíduos e a correta disposição do restante, atenuando o impacto ambiental,
sendo um meio da sustentabilidade urbana ao procurar garantir a saúde
ambiental e humana.
58

Segundo Polzer (2017, p. 219):

[...] há muitos desafios a serem vencidos pelas cidades brasileiras na área de


gerenciamento de resíduos, mas também há muitas oportunidades. A partir do
momento que o resíduo seja visto como um recurso que irá produzir novos
produtos, gerando renda e emprego e poupando a extração de matéria-prima, e
o uso de água e energia.

Frente a esse contexto, pode-se sugerir que continua necessária a


conscientização da sociedade e a mobilização das autoridades competentes,
no sentido de implementar a coleta seletiva nas cidades como forma de
garantir uma eficiente gestão e gerenciamento de resíduos para o alcance da
sustentabilidade.

REFERÊNCIAS

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A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 63

Capítulo 4

GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS EM SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE


EM MUNICÍPIOS DO OESTE CATARINENSE:
POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES

Maria Assunta Busato21


Estela Fátima Lunkes22
Enrique Jorge Deschutter23

O gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS) constitui-se


de um conjunto de procedimentos de gestão, planejados e implementados a
partir de bases científicas, técnicas, normativas e legais, com o objetivo de
minimizar a produção e proporcionar um encaminhamento seguro e eficaz aos
resíduos gerados. Visa à proteção dos trabalhadores, à preservação da saúde
pública, dos recursos naturais e do meio ambiente. Nos serviços de saúde,
abrange as seguintes etapas: segregação, acondicionamento, identificação,
transporte interno, armazenamento temporário, tratamento, armazenamento
externo, coleta e transporte externos e disposição final. Estas devem ser
atendidas com base no planejamento dos recursos físicos e materiais, bem
como da capacitação dos recursos humanos envolvidos no manejo (BRASIL,
2006).
Em termos de composição e de volume, esses resíduos variam em
função das práticas de consumo e dos métodos de produção (CAMARGO et al.,
2009). Seu gerenciamento adequado pode evitar a ocorrência de infecções nos
locais onde são produzidos, minimizando agressões ao meio ambiente

21 Dra. em Biologia, Universidad de Barcelona, Espanha. Docente do Programa de Pós–Graduação


Stricto Sensu em Ciências da Saúde da Universidade Comunitária da Região de Chapecó. E-mail:
assunta@unochapeco.edu.br
22 Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó. E-mail:

estelafarmaceutica@hotmail.com
23
Dr. em Salud Pública pela Facultad de Medicina Miguel Hernández, Espanha. Docente do
Departamento de Microbiología, Facultad de Ciencias Exactas, Químicas y Naturales, Universidad
Nacional de Misiones (UNaM), Posadas, Argentina. E-mail: jorgedeschu@hotmail.com
64

(ALMEIDA et al., 2009). Os riscos potenciais envolvidos no manejo dos RSS


estendem-se também às unidades básicas de saúde (GIL et al., 2007), que
constituem importantes geradores de resíduos, confirmando a necessidade da
implantação de programas de gerenciamento eficazes. A realidade de alguns
serviços de saúde é configurada pela escassez de recursos humanos
capacitados para manejar problemas decorrentes de programas inadequados
ou inexistentes de gerenciamento de RSS (NAIME; SARTOR; GARCIA, 2004). O
alto custo dos processos de tratamento pode inibir as iniciativas de
implantação de um plano de gerenciamento de resíduos, muito embora os
benefícios a longo prazo possam compensar os custos de investimentos
(FALQUETO; KLIGERMAN; ASSUMPÇÃO, 2010), já que apenas uma pequena
parte desses resíduos necessita de tratamento especial (CAETANO; GOMES,
2006).
Nesse sentido, a articulação entre os órgãos reguladores e os
estabelecimentos tem o objetivo de encontrar a melhor solução para os
problemas envolvidos no gerenciamento dos resíduos. A falta dessa articulação
e a realidade sanitária do país com infraestrutura insuficiente dificultam os
processos de tratamento adequados aos RSS. O gerenciamento dos RSS não se
constitui apenas em responsabilidade dos estabelecimentos geradores, mas de
toda a sociedade, no que diz respeito à cobrança e sensibilização (CAMARGO
et al., 2009). Nesse contexto, o envolvimento dos profissionais e da sociedade
na gestão dos RSS é relevante para proporcionar uma visão ampliada das
questões de saúde e ambiente.
Possibilidade de encontrar soluções pertinentes a esses processos são
as práticas realizadas com abordagem ecossistêmica que contextualizam,
interconectam e buscam a compreensão da complexidade dos fenômenos que
se apresentam no gerenciamento dos RSS (SVALDI et al., 2013). Ao serem
incorporadas e aplicadas no contexto dos resíduos, podem gerar soluções
emergentes e sustentáveis, superando a forma prescritiva e determinística de
pensar, uma vez que estes problemas são interligados e interdependentes
(PASSOS; CUTOLO, 2012), ainda que sejam em estabelecimentos de saúde
geradores de pequeno volume de resíduos. Esses merecem atenção, pois têm
como característica peculiar o fato de suas estruturas físicas serem reduzidas e
adaptadas à prestação de suas atividades. Muitas vezes, esses
estabelecimentos não possuem espaços adequados para as atividades
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 65

inerentes ao manejo dos RSS e a equipe de trabalho geralmente é pequena.


Dessa forma, faz-se necessário levantar as dificuldades desses
estabelecimentos se adequarem às normas sanitárias vigentes, visto que estes
compõem grande parte da rede de serviços do país (LIPPEL, 2003).
Nesta perspectiva, este estudo teve o objetivo de analisar o
gerenciamento de resíduos em serviços públicos de saúde, considerando as
potencialidades e limitações em municípios da região oeste de Santa Catarina.
O estudo caracteriza-se como descritivo e exploratório, com abordagem
qualitativa de pesquisa. O campo do estudo foram os serviços públicos de
saúde de seis municípios pertencentes à Agência de Desenvolvimento Regional
(ADR) de Quilombo, localizados no oeste catarinense. Administrativamente, o
Estado de Santa Catarina é subdividido em 35 regiões, gerenciadas pelas
Agências de Desenvolvimento Regional (ADR).
Os municípios que fizeram parte do estudo são apresentados na Figura
1: Formosa do Sul (26°39’7” S e 52°47’52” O); Irati (26°39’27” S e 52°53’46” O);
Jardinópolis (26°43’16” S e 52°51’36” O); Quilombo (26°43’45” S e 52°43’9” O);
Santiago do Sul (26°37’56” S e 52°40’25” O); União do Oeste (26°45’48” S e
52°51’8” O).
66

Figura 1: Estado de Santa Catarina e municípios que fazem parte da Agência de Desenvolvimento
Regional de Quilombo, região de desenvolvimento deste estudo

Fonte: Santa Catarina (2014)

Os municípios têm população estimada entre 1.465 e 10.248


habitantes, e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) varia entre 0,705 a
0,730 (IBGE, 2014). A Tabela 1 demonstra informações referentes a esses
municípios, segundo projeções do IBGE (2014). Para o entendimento
metodológico e de acordo com os princípios éticos, os municípios foram
enumerados de 1 a 6.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 67

Tabela 1: Informações demográficas e socioeconômicas dos municípios da Agência de


Desenvolvimento Regional de Quilombo, região de desenvolvimento deste estudo

Município População População População PIB* per IDH*


(hab.) rural urbana capita (R$)
Formosa do 2.601 1.517 1.084 17.121,02 0,715
Sul
Irati 2.096 1.647 449 21.837,68 0,707
Jardinópolis 1.766 967 799 22.595,39 0,709
Quilombo 10.248 4.502 5.746 44.081,61 0,730
Santiago do 1.465 815 650 28.807,91 0,728
Sul
União do 2.910 1.803 1.107 37.971,05 0,705
Oeste
* PIB – Produto Interno Bruto; IDH – Índice de Desenvolvimento Humano.
Fonte: Elaboração dos autores (2017), a partir de IBGE (2014).

Segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES),


cinco municípios possuem uma Unidade Básica de Saúde (UBS) cada, e um
município possui 2 UBS, 2 postos de saúde e uma policlínica (CNES, 2015).
Foram realizadas entrevistas com o coordenador da atenção básica e
um profissional de serviços gerais, indicado pelo coordenador de atenção
básica de saúde de cada município. Foram utilizados roteiros
semiestruturados, para cada categoria de sujeitos, que contemplam aspectos
referentes ao gerenciamento de RSS. As entrevistas foram gravadas para
garantir a fidedignidade, e posteriormente foi feita a transcrição literal
(MINAYO, 2010; GÜNTER, 2006), e a validação do conteúdo das transcrições
pelos participantes. Os profissionais foram identificados pelas siglas Enf., para
os coordenadores de atenção básica, uma vez que todos são enfermeiros, e
ASG, para auxiliares de serviços gerais, cuja numeração 1 a 6 refere-se ao
município a que pertencem.
Foi realizada a observação in loco do modus operandi do gerenciamento
dos resíduos de cada unidade em agosto e setembro de 2015. Para isso, foi
utilizado um roteiro que serviu de guia para a observação, o qual foi elaborado
com base na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 306/2004. Abrange
aspectos relativos à geração, segregação, acondicionamento, armazenamento
e transporte dos resíduos.
Para a análise de dados oriundos das entrevistas com coordenadores da
atenção básica e auxiliares de serviços gerais, utilizou-se a técnica de análise
de conteúdo temática, seguindo as três etapas, quais sejam: pré-análise,
68

exploração do material, tratamento e interpretação dos resultados (MINAYO,


2010). A análise dos resultados da observação deu-se de forma descritiva que,
segundo Minayo (2010), realiza-se de forma livre, embora o investigador de
campo deva estar sempre focalizado no que constitui seu objeto de estudo,
neste caso, o manejo dos RSS.
A Tabela 2 apresenta como resultados o cenário observado nos
municípios deste estudo referente ao gerenciamento de resíduos dos serviços
de saúde, indicando que parte das etapas do manejo são adequadamente
realizadas. Contudo, destaca-se que o gerenciamento inadequado dos RSS
implica na inadequada utilização dos materiais reaproveitáveis e destinação
final. Isso aumenta os riscos de acidentes de trabalho, principalmente por
perfurocortantes, acarretando transmissões de microrganismos (GRESSNER et
al., 2013). Falhas ocorridas nas etapas do gerenciamento, como segregação,
acondicionamento, identificação, transporte interno, armazenamento
temporário, tratamento, armazenamento externo, coleta, transporte externo
e disposição final, ocasionam problemas ambientais, que colocam em risco a
saúde humana e ambiental (ALMEIDA et al., 2009).

Tabela 2: Etapas do gerenciamento de Resíduos dos Serviços de Saúde nos municípios da Agência
de Desenvolvimento Regional de Quilombo, Santa Catarina
Etapa Atende Não atende Atende parcialmente Não se aplica
% % % %
Segregação 100
Acondicionamento 100
Identificação 100
Transporte interno 33,3 66,6
Armazenamento 100
temporário
Tratamento 100
Armazenamento externo 50 50
Coleta e transporte 100
externos
Disposição final 100
Fonte: Elaboração dos autores (2017).

Nessa perspectiva, descreve-se a seguir cada etapa do gerenciamento


dos RSS dos municípios estudados, a partir das potencialidades e limitações
indicadas pelos envolvidos no processo.
A segregação é uma das etapas fundamentais para a eficiência do
manejo dos RSS, pois os seleciona de acordo com a classificação adotada, em
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 69

função dos riscos potenciais ao meio ambiente e saúde, como em função de


sua natureza e origem (OPAS, 1997; BRASIL, 2006). Os relatos dos
trabalhadores demonstram que todos os municípios atentam para os cuidados
exigidos nessa etapa, conforme se observa nas falas:

A gente realiza a separação, infectantes, perfurocortantes e comum. (Enf. 2; Enf.


6); O lixo contaminado é separado nas lixeiras. (Enf. 3); Tem também as caixinhas
que a gente retira, com seringas e agulhas. (ASG 1); Os medicamentos vencidos
são embalados, pesados e levados pra casinha [local de armazenamento
externo]. (ASG 1).

As manifestações evidenciam a preocupação na segregação/separação


correta dos resíduos, especialmente os infectantes e perfurocortantes. Para
tal, as UBS possuem lixeiras com pedais, identificadas, separadas para resíduos
contaminados e comuns, bem como as caixas em papel, próprias para
perfurocortantes.
A partir dessas práticas, numa visão ecossistêmica de saúde, a discussão
da problemática dos resíduos se configura como tarefa primordial das equipes
de saúde (JUNGES; BARBIANI, 2013), pois a segregação correta pode reduzir as
despesas com o tratamento necessário (ALVARENGA; NICOLETTI, 2010), uma
vez que, quando ocorre a mistura de materiais contaminados e não
contaminados, todos devem ser considerados potencialmente infectantes
(NAIME; SARTOR; GARCIA, 2004). Sendo assim, a segregação adequada dos
resíduos tem como consequência a diminuição expressiva do volume de
resíduos infectantes (VIRIATO; MOURA, 2011).
O acondicionamento dos resíduos diminui os riscos à saúde dos
trabalhadores, facilitando a coleta, armazenamento externo e transporte, sem
prejudicar as atividades dos estabelecimentos de saúde (OPAS, 1997). Os
relatos dos trabalhadores evidenciam o cumprimento à etapa do manejo de
RSS:

O resíduo contaminado sempre vai pro saco branco. (Enf. 5; Enf. 6; ASG 1; ASG
2); Daí tem ainda os descartex [recipiente para perfurocortantes] que são as
caixinhas que as enfermeiras lacram quanto estão cheias. (ASG 4; ASG 6).

As práticas observadas no gerenciamento indicam uma aproximação


com o adequado acondicionamento dos RSS, o que contribui para minimizar os
riscos de infecção dos trabalhadores e contaminação do meio ambiente. Nesta
70

etapa está evidenciada uma potencialidade dos municípios, uma vez que
atende a todas as normativas. Dessa forma evita que o acondicionamento
inadequado comprometa a segurança do processo e o encareça, pois
recipientes inadequados ou improvisados, pouco resistentes, mal fechados ou
muito pesados, construídos com materiais sem a devida proteção, aumentam
o risco de acidentes de trabalho (BRASIL, 2006). Problemas de
acondicionamento ocorrem pela utilização de recipientes que não resistem ao
vazamento e rompimento, obrigando, muitas vezes, os coletores a recolherem
os resíduos do chão (BARROS et al., 2010), tornando os trabalhadores
vulneráveis às contaminações.
Compreender o gerenciamento dos resíduos como um problema global
e atuar localmente incorporando os atores responsáveis pelas questões dos
RSS, como sugerem Gómez e Minayo (2006), promove o desenvolvimento das
ações conjuntas dentro de uma perspectiva holística e ecológica de promoção
da saúde.
No que se refere à etapa de identificação de RSS, observou-se que todos
os estabelecimentos utilizam etiquetas fornecidas por uma empresa
terceirizada que realiza coleta e disposição final dos resíduos em todos os
municípios. Porém, essa etapa do gerenciamento revelou que alguns
estabelecimentos dispõem de lixeiras não identificadas, e nenhum dos
estabelecimentos possui identificação nos locais de armazenamento externo,
o que dificulta o reconhecimento dos resíduos contidos nos recipientes e
ambientes (ABNT, 2003; BRASIL, 2004), elevando os riscos de contaminação
pelo manejo inadequado, ou seja, 100% dos estabelecimentos atendem
parcialmente à etapa de identificação de resíduos.
Referente ao transporte interno, que trata do deslocamento dos
resíduos do local de geração até o ambiente de armazenamento, identificou-
se que os resíduos comuns e contaminados são transportados juntos e sem
identificação. Foi evidenciado que em 66,6% dos municípios o transporte é
feito manualmente, nos próprios sacos, sem horário e roteiro definidos,
normalmente circulando pela unidade de saúde. Essa prática foi relatada por
alguns trabalhadores:

Os sacos pequenos são recolhidos das várias salas e transportados na mão


mesmo. (ASG 1); Eu carrego com as mãos, com luvas, mas eu levo tudo com as
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 71

mãos. Não levo com carrinho, não são tão pesados. (ASG 4; ASG 6); Se tem que
fazer duas viagens, eu faço. (ASG 6).

Destaca-se o grau de periculosidade a partir da exposição dos


profissionais envolvidos no manejo. Nesse particular, a RDC 306/2004 refere
que o transporte interno deve ser realizado atendendo roteiro previamente
definido, em horários não coincidentes com maior fluxo de pessoas ou
atividades. Deve ser feito separadamente, de acordo com o grupo de resíduos
e recipientes específicos a cada grupo de resíduos (BRASIL, 2004, 2006).
A inexistência ou inadequação dos carros coletores para transporte
interno dos RSS não garante as condições de acondicionamento e a integridade
dos trabalhadores. Já a falta de horários preestabelecidos para a coleta amplia
o risco para além dos profissionais envolvidos no manejo (CAMARGO et al.,
2009; CASTOR et al., 2014), estendendo-se ao público presente nos
estabelecimentos.
O armazenamento temporário, que se refere à guarda dos recipientes
contendo os resíduos já acondicionados em local próximo aos pontos de
geração, é dispensado nos municípios estudados por se tratar de serviços
básicos de saúde, com estrutura física reduzida, cuja quantidade de resíduos
produzidos é considerada baixa em relação a serviços hospitalares, de média e
alta complexidade. Esse armazenamento visa a agilizar a coleta dentro do
estabelecimento e otimizar o deslocamento entre os locais geradores e o lugar
destinado à coleta externa (BRASIL, 2004).
O tratamento consiste na aplicação de métodos, técnicas ou processos
que reduzam ou eliminam o risco de contaminação, de acidentes ocupacionais
ou danos ao meio ambiente (BRASIL, 2004). Os municípios estudados utilizam
vapor em altas temperaturas ou autoclavagem para a minimização ou
eliminação de microrganismos vivos atenuados presentes nas vacinas, quando
os frascos estão vazios ou com validade expirada. Além disso, um dos
municípios possui equipamento para desinfecção de materiais, pisos e
paredes. Os produtos utilizados nesse sistema atuam na eliminação
microbiana, com desinfecção diária de utensílios e semanal de pisos e paredes.
Nenhum dos municípios estudados realiza o tratamento dos resíduos
líquidos antes do descarte. Por não possuírem rede de esgoto, todos os
resíduos líquidos são desprezados em fossas sépticas, conforme os relatos:
72

Não há tratamento de efluentes. Todos os resíduos de ralos e pias vão para fossas
comuns. (Enf. 1; Enf. 3; Enf. 6); Em relação à fossa séptica, temos na unidade,
porém não há tratamento de esgoto. (Enf. 2); O descarte das pias vai pra fossa
normal. (Enf. 4; Enf. 5); O esgoto de todas as salas vai pro mesmo destino,
lavanderia, tudo. (ASG 1); Pelo que sei, as fossas são normais, não tem
tratamento. (ASG 2; ASG 3; ASG 6); Alguma fossa especial pra jogar remédio ou
outra coisa não tem. (ASG 5).

O descarte dos efluentes líquidos em fossas sem tratamento prévio,


evidenciado nos relatos, caracteriza uma das principais limitações no
gerenciamento de RSS nos municípios estudados. Os efluentes líquidos
provenientes dos estabelecimentos de saúde precisam atender às diretrizes
estabelecidas pelos órgãos ambientais, antes de serem lançados na rede
pública de esgoto, pois podem conter substâncias químicas nocivas à saúde
pública e ao meio ambiente (BRASIL, 2004, 2005), como medicamentos,
resíduos de saneantes, desinfetantes, efluentes de processadores de imagem
(reveladores e fixadores), entre outros (CASTOR et al., 2014; BRASIL, 2005).
A maioria dos trabalhadores rejeita os resíduos líquidos na rede de
esgoto, sem tratamento prévio (CASTOR et al., 2014; BOHNER et al., 2011),
geralmente pela falta de informação quanto aos procedimentos corretos de
descarte (ALVARENGA; NICOLETTI, 2010). Essa prática pode colocar em risco
todo o sistema público de tratamento, pela sobrecarga orgânica e presença de
substâncias potencialmente tóxicas (CANTELLI, 2003).
Quando desprezados em fossas sépticas, os efluentes de serviços de
saúde podem contaminar o solo e/ou atingir lençóis freáticos (BORBA;
WERLANG, 2008). Além dos antibióticos, fármacos de diversas classes
terapêuticas têm sido detectados em esgotos urbanos, águas superficiais e
subterrâneas (ALVARENGA; NICOLETTI, 2010) de países como Estados Unidos,
Canadá, Japão, Inglaterra e Brasil, sendo considerados contaminantes
ambientais emergentes. A principal porta de entrada desses produtos no meio
aquático é através dos efluentes oriundos das estações de tratamento de
esgoto (CARVALHO et al., 2009), visto que as tecnologias convencionais não
são suficientes para a inativação destas substâncias (CARVALHO et al., 2009;
ALVARENGA; NICOLETTI, 2010).
Outras substâncias que também se enquadram na categoria de resíduos
químicos são as soluções utilizadas durante o processamento radiográfico
odontológico. Todos os municípios estudados ofertam serviços odontológicos
em suas unidades de saúde, inclusive com exames de raio-X. Para seu descarte
adequado, a solução e a água devem passar por um processo de tratamento e
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 73

recuperação da prata, enquanto o revelador deve ser submetido a um processo


de neutralização de pH entre 7 e 9, podendo então ser lançado na rede de
esgoto (BOHNER et al., 2011).
Os relatos dos profissionais evidenciam o descarte sem tratamento dos
rejeitos líquidos das unidades em fossas sépticas. Em se tratando de resíduos
odontológicos, a presença de metais pesados pode representar fator de risco
para organismos aquáticos e terrestres, pois sua toxicidade gera danos ao
sistema nervoso central, hepático, hematopoiético, renal e esquelético
(BOHNER et al., 2011).
Os municípios avaliados possuem locais para o armazenamento externo
de seus RSS, conforme os relatos:

A auxiliar de serviços gerais leva direto pro armazenamento fora da unidade. (Enf.
1; Enf. 3); A gente tem um depósito lá atrás, num ambiente separado, fechado
com chave. (Enf. 5); Deixa lá até que o pessoal venha recolher. (Enf. 6); O lixo é
levado numa casinha que é apropriada pra isso, no lado de fora da unidade. (ASG
1; ASG 6); Nós temos um tonel lá atrás, no final do posto, que a gente guarda o
plástico. (ASG 2; ASG 3; ASG 4); As caixinhas descarpac [recipiente para
perfurocortantes] são colocadas no mesmo depósito do lixo contaminado, lá
fora. (ASG 5).

Percebe-se que existe preocupação nos municípios com o


armazenamento dos RSS em local apropriado. O armazenamento externo ou
abrigo de resíduos precisa ser construído em ambiente exclusivo, com acesso
facilitado à coleta, possuindo minimamente um ambiente separado para o
armazenamento de resíduos infectantes e perfurocortantes, e um ambiente
para os resíduos comuns. Já os resíduos químicos devem ser armazenados em
local exclusivo, compatível com as características quantitativas e qualitativas
dos resíduos gerados (BRASIL, 2004). Sob essa ótica, observou-se que os
municípios 1, 2 e 5 apresentam locais de armazenamento externo acessíveis à
coleta externa, exclusivos para resíduos infectantes e perfurocortantes, com
segurança, impedindo acesso público ou de animais, mas sem as identificações
na estrutura preconizadas na RDC 306/2004.
Algumas inconformidades no armazenamento dos resíduos ficam
evidenciadas nas expressões:

As caixinhas [recipiente para perfurocortantes] ficam na sala de esterilização, não


junto com os sacos de lixo contaminado que vai no galão. (ASG 3); O tonel tem
uma casinha, um coberto, mas como não foi bem-feita, entra chuva, entra água,
daí as descartex [recipiente para perfurocortantes] a gente guarda numa salinha.
74

(ASG 4); O local pra deixar os resíduos fora da unidade, depois de embalados não
é adequado. (Enf. 4).

Os relatos trazem à tona situações de risco à saúde, pois os resíduos


perfurocortantes, potencialmente infectantes, são armazenados dentro das
unidades, em locais como salas de esterilização, espaço esse destinado
exatamente para a eliminação de microrganismos de materiais usados no
cuidado à saúde. Esse panorama contraditório é uma alternativa encontrada,
uma vez que o recipiente de armazenamento externo sofre intempéries e as
caixas de acondicionamento dos perfurocortantes se desfazem quando em
contato com água da chuva.
Outra situação de risco foi encontrada no município 6, que, apesar de
possuir uma estrutura em alvenaria, de fácil acesso à coleta externa, protegido
das intempéries e trancado à chave para o armazenamento externo dos RSS,
também utiliza o ambiente como depósito de materiais (pneus, botijão de gás,
materiais de construção, peças para lavatórios), que estão dispostos
juntamente com resíduos infectantes.
O cenário observado nos municípios revela que o desconhecimento dos
riscos associados aos RSS permite práticas que tornam profissionais,
comunidade e ambiente vulneráveis a contaminações. Considerando que tudo
o que estiver disposto junto com os resíduos infectantes e perfurocortantes
deve ser tido como potencialmente infectante, a prática adotada pelo
município 6 eleva o risco de contaminação.
Segundo relatos dos profissionais dos municípios do estudo, coleta,
transporte externo e disposição final são efetuados por uma empresa
terceirizada, que semanal ou quinzenalmente recolhe os RSS. Ainda que no
entendimento dos trabalhadores seja dado o “destino final” aos resíduos,
compreende-se que não há destino final, pois, mesmo não estando mais sob a
responsabilidade do município, os riscos inerentes aos resíduos continuam
existindo. As áreas de despejo de RSS não podem ser consideradas como ponto
final para algumas substâncias ali contidas, já que a água da chuva percola
através dos resíduos dispostos, carreando o chorume com substâncias
orgânicas e inorgânicas (CELERE et al., 2007), que podem contaminar a água, o
ar e o solo. Nesse sentido, é importante que os estabelecimentos de saúde
solicitem às empresas terceirizadas a apresentação das licenças ambientais
para o tratamento e disposição final dos resíduos (FALQUETO et al., 2010).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 75

Cabe ressaltar a importância da fiscalização por parte de gestores e


profissionais para com o destino final de seus resíduos, pois ao sair do
município continuarão sendo um problema de saúde pública e meio ambiente.
Os profissionais dos municípios estudados apontam potencialidades no
gerenciamento de seus RSS, especialmente relacionadas à ausência de casos
de acidentes de trabalho e à coleta e disposição final dos resíduos:

Não temos acidentes de trabalho, com perfurocortantes. (Enf. 4); As colegas que
trabalham com enfermagem separam, deixam bem organizadinho. (ASG 3);
Quem usa as salas separa do jeito correto. (ASG 4); A gente não se contamina,
tem as luvas. (ASG 5); Essa empresa que faz a coleta adequada e dá um destino
final. (Enf. 2; Enf. 5); Eu acho que a gente consegue dar um destino legal,
consegue definir pra onde vai [resíduos]. (Enf. 6). Não está contaminando,
porque uma vez esse lixo ia junto com o comum e agora não, está indo pro
destino certo. (ASG 1); É uma coisa boa porque assim, ele recolhe [empresa
terceirizada], tu não espalha isso [resíduos] na natureza, né? (ASG 6).

A expectativa sobre a destinação final dos resíduos é justificada pelo


fato de que quaisquer sistemas de gerenciamento de resíduos de saúde devam
possuir projetos específicos de coleta, transporte, tratamento, processamento
e destinação final, licenciados pelos órgãos ambientais (CAMARGO et al., 2009;
BORBA; WERLANG, 2008). Sendo assim, espera-se que os resíduos coletados
nos municípios recebam o tratamento e disposição final como preconizam as
normatizações, já que os problemas ambientais gerados pelo indevido
gerenciamento interferem na saúde dos seres humanos (CEZAR-VAZ et al.,
2005).
Cabe ressaltar a importância da fiscalização por parte de gestores e
profissionais para com o destino final de seus resíduos, pois ao sair do
município continuarão sendo um problema de saúde pública e meio ambiente.
As principais limitações elencadas pelos trabalhadores dizem respeito
às unidades de saúde, cujas estruturas não permitem adequações, em especial,
a ausência de locais específicos para o armazenamento externo dos resíduos e
de tratamento de efluentes, receio de contaminação pelo grau de infectividade
e periculosidade dos resíduos, e deficiência na educação permanente e
continuada dos trabalhadores. Essas dificuldades foram manifestadas pelos
profissionais:
A unidade é antiga, foram feitas algumas reformas, mas há dificuldades em
algumas adequações. (Enf. 4); O mais preocupante são os resíduos líquidos
contaminados. (Enf. 4); A fossa talvez seja uma dificuldade que não dependa da
76

gente fazê-la, porque esbarra na questão de recursos. (Enf. 6); Tem uns sacos de
lixo muito finos, abre dos dois lados. (ASG 4); A contaminação. (ASG 1; ASG 6); A
gente tem medo de um dia ajuntar o lixo contaminado e uma agulha perfurar.
(ASG 3); Acredito que falta mais informação e educação permanente para a
própria separação e manuseio de lixo contaminado. (Enf. 5).

As expressões destacam preocupação com a contaminação, já que


estas, assim como os acidentes, originam-se do contato direto com os RSS,
especialmente durante o acondicionamento e transporte (BARROS et al.,
2010). Porém, a preocupação dos profissionais estende-se à população, pois
nos estabelecimentos em que os locais de armazenamento externo não são
adequados qualquer indivíduo pode ter contato e contaminar-se com os RSS.
Não obstante, o descarte dos resíduos líquidos em fossas sépticas sem
tratamento prévio assinala os estabelecimentos de saúde como
potencialmente poluidores.
Para a solução ou minimização do problema dos resíduos líquidos, é
necessária a construção de uma rede de tratamento de efluentes nos
estabelecimentos de saúde, ainda que essa alternativa tenha sua
exequibilidade parcialmente comprometida, haja vista as unidades de saúde
serem antigas, com dificuldade de adequações.
O que também fica evidenciada é a deficiência ou inexistência de
capacitações, educação permanente e continuada dos trabalhadores de saúde
e gestores das unidades. Como o manejo dos resíduos é feita de forma
assistemática, parte das etapas acaba sendo negligenciada, elevando os riscos
inerentes aos RSS.
Como a percepção dos problemas não difere muito entre os segmentos
profissionais, é interessante que a capacitação seja realizada a partir de um
olhar ecossistêmico, pois, mesmo que os atores envolvidos possuam diferentes
bases de conhecimento, o aprendizado é valorizado, o que torna o processo de
gestão mais democrático, equitativo e potencialmente mais efetivo (LAWINSKI,
2011). Essa compreensão sistêmica das problemáticas possibilita a
manifestação de ideias coletivas e inovadoras, ponderando comportamentos,
ações e promovendo a emergência de respostas (SVALDI; ZAMBERLAN;
SIQUEIRA, 2013).
Além da periculosidade e riscos de infectividade, os profissionais
revelaram preocupação com suas ações e com a ausência de treinamentos
sobre o manejo de RSS:
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 77

Eu que sou coordenadora da Atenção Básica há 15 anos não fui capacitada, fiquei
sabendo por outras pessoas o que está sendo feito. (Enf. 1); Eu só tive na
faculdade, só estudei, capacitação não. (Enf. 2; Enf. 6); Cada um sabe pela própria
formação. Treinamento da equipe não houve. (Enf. 3; Enf. 4); Atualmente nem é
discutido isso, a equipe não está sendo capacitada. (Enf. 5); Quem orientou como
tinha que fazer, foi o pessoal da empresa que coleta o lixo. (ASG 1); Uns dias antes
de eu começar, já tinha uma faxineira aqui, daí ela me ensinou assim. Mas um
curso não, nunca. (ASG 2; ASG 4; ASG 5; ASG 6).

Destaca-se o fato de nenhum profissional ter recebido treinamento


voltado para o adequado manejo dos resíduos. Os coordenadores das unidades
de saúde têm papel decisivo no gerenciamento dos RSS. A falta de
conhecimentos específicos talvez seja o elemento explicativo para algumas
falhas encontradas nas unidades de saúde (ALMEIDA et al., 2009). Na maioria
das vezes, a situação de risco relacionada ao manuseio de RSS decorre do
descumprimento ou desconhecimento da forma correta de realizar as
atividades (BORBA; WERLANG, 2008).
A deficiência em treinamentos específicos sobre o gerenciamento de
resíduos caracteriza-se como importante barreira para a implementação das
normas vigentes (ALMEIDA et al., 2009), refletindo na ineficácia da destinação
final dos RSS (MACEDO et al., 2007). Isso demonstra a importância do
investimento em educação continuada, que englobe todas as etapas do
gerenciamento de RSS, formando profissionais aptos ao manejo, uma vez que
as organizações de saúde se configuram como instituições complexas, com
projetos políticos diferenciados entre si, influenciando a gestão e a organização
do trabalho (GRESSNER et al., 2013; HADDAD, 2006).
Os programas de educação permanente buscam reduzir os riscos
relacionados aos RSS, que, quando mal gerenciados, originam problemas
ambientais e de saúde. Tais problemas precisam ser considerados
simultaneamente como sociais, políticos, econômicos, éticos e culturais, pois
de outra maneira a capacidade de compreensão e resolução seria diminuída
(FREITAS, 2005). Ainda que os trabalhadores de saúde dos municípios não
tenham tido a oportunidade de receber capacitação e formação para o
gerenciamento do RSS, algumas de suas práticas estão próximas às
preconizadas pelas normatizações.
O estudo revelou que todos os municípios atendem algumas das etapas
do gerenciamento de RSS, especialmente a segregação e o acondicionamento,
78

conforme preconizado pelas normatizações. Sob a ótica dos profissionais,


apesar dos potenciais riscos inerentes ao manejo dos RSS, os acidentes
ocupacionais com perfurocortantes são praticamente inexistentes. Entretanto,
o cenário encontrado sinaliza para limitações enfrentadas pelos municípios,
principalmente referente a adequações das estruturas físicas dos
estabelecimentos.
Desconhecer ou ignorar os efeitos do mau gerenciamento de RSS pode
acarretar contaminações ambientais e, consequentemente, problemas de
saúde pública. Esses aspectos são revelados pela ausência de capacitação
profissional acerca do manejo de RSS em todos os municípios. As práticas
adotadas são assistemáticas, seguindo orientações repassadas por prestadores
de serviços que realizam a coleta e disposição final dos resíduos.
Uma limitação apontada nos municípios é a inexistência de tratamento
de efluentes. Nenhum dos estabelecimentos estudados realiza qualquer forma
de tratamento para seus resíduos líquidos antes que sejam desprezados em
fossas comuns, o que aumenta os riscos de contaminação do solo e água.
Cabe ressaltar que, apesar das limitações, os municípios possuem
potencialidades relacionadas ao manejo dos RSS, evidenciadas nas
preocupações e no comprometimento dos trabalhadores de saúde.
Por fim, o cenário encontrado nos municípios sugere a necessidade de
um olhar sistêmico sobre as questões relacionadas aos RSS, através do
planejamento coletivo, com compreensão dos problemas locais, visão
interdisciplinar e participação dos trabalhadores de saúde, gestores e
comunidade.

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A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 81

Capítulo 5

EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE AOS


RESÍDUOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE EM SERVIÇO DE
ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR MÓVEL

Adriana Aparecida Mendes24


Tatiane Bonametti Veiga25
Juice Ishie Macedo26
Silvia Carla da Silva André27
Angela Maria Magosso Takayanagui28

1 INTRODUÇÃO

Em todas as atividades desempenhadas no trabalho humano, pode haver


riscos de exposição ligados a diferentes situações, sejam aquelas relacionadas ao
ambiente físico ou social.
Na história da humanidade, o ambiente de trabalho sempre esteve ligado à
possibilidade de ocorrências responsáveis por mortes, doenças e incapacidades para
o trabalhador, como resultado das características do próprio ambiente laboral em
que está inserido e também pelo tipo de atividade exercida (TAKEDA, 2002).
Na área da saúde, vários profissionais desenvolvem diferentes atividades que
os expõem constantemente a riscos ocupacionais. Essa exposição pode ser

24 Doutora em Ciências, Programa de Pós-graduação em Enfermagem em Saúde Pública,


Universidade de São Paulo – USP. Professora Assistente I da Universidade de Araraquara (UNIARA).
E-mail: adrianaapmendes@yahoo.com.br
25 Doutora em Ciências, Programa de Pós-graduação em Enfermagem em Saúde Pública,

Universidade de São Paulo – USP. Professora Associada da Universidade Estadual do Centro-Oeste


(UNICENTRO). E-mail: tati.veiga@yahoo.com.br
26
Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora Adjunta da
Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO). E-mail: juicemacedo@gmail.com
27 Doutora em Ciências, Programa de Pós-graduação em Enfermagem em Saúde Pública,

Universidade de São Paulo – USP. Professora Adjunta II da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCAR). E-mail: silviacarlabjp@gmail.com
28 Doutora em Enfermagem, Universidade de São Paulo – USP. Professora Associada da Escola de

Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP/USP). E-mail: ammtakay@eerp.usp.br


82

responsável pelo adoecimento dos profissionais ou até mesmo a sérios acidentes de


trabalho. Na maioria das vezes, o risco ocupacional está relacionado com as
atividades desenvolvidas pelos profissionais (TAKEDA, 2002; ZAPPAROLI, 2005;
SOERENSEN et al., 2008; MARZIALE et al., 2013).
Riscos ocupacionais são entendidos como a ruptura de um elo entre o
profissional e os métodos de trabalho e resultados, envolvendo situações que podem
gerar danos à saúde do trabalhador em seu ambiente laboral e à comunidade, com
prejuízos na produtividade e qualidade da atividade exercida (TAKEDA, 2002; ROCHA
et al., 2004; SOERENSEN et al., 2008).
Ainda, de acordo com Takeda (2002) e Soerensen (2008), riscos de acidentes
ocupacionais no cotidiano laboral podem ser caracterizados de acordo com o tipo de
ambiente de trabalho, podendo ser classificados como ocultos quando relacionados
à falta de informações ou ausência de conhecimento, condição em que o trabalhador
não considera sua existência. Também pode haver risco latente, descrito como
aquele que ocorre em situações de estresse e emergência; nessa situação, o
trabalhador possui conhecimento sobre o risco a que está exposto pelas condições
do trabalho. Risco real é outro tipo de exposição conhecido pelo trabalhador, mas
com reduzida possibilidade de solução e controle do problema em função de altos
custos e de falta de ações políticas para solucioná-los.
Os profissionais da área da saúde atuam em diferentes setores e
frequentemente são expostos a riscos ocupacionais. Ressalta-se que o setor da saúde
é responsável por gerar um grande número de empregos, segundo dados do
Instituto Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional (NIOSH), nos Estados Unidos o
setor saúde é considerado aquele que emprega o maior número de trabalhadores
(NATIONAL INSTITUTE FOR OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH - NIOSH, 2013).
Destacam-se nessa área os riscos biológicos, caracterizados pelo contato com
possíveis microrganismos presentes nos fluidos corpóreos; riscos físicos,
relacionados à exposição às radiações, ruídos, luminosidades e temperaturas
incompatíveis; e riscos químicos, que ocorrem em situações de manipulação de
medicamentos, além de exposição a outros produtos químicos presentes no
ambiente. Pode haver, ainda, riscos psicossociais, que são associados a situações de
estresse e pelas condições do paciente no momento da assistência. Riscos
relacionados à ergonomia representam a consequência de posturas corporais
inadequadas e transporte de peso excessivo (BRASIL, 1978; 1994; TAKEDA, 2002;
ZAPPAROLI, 2005; SOERENSEN et al., 2008).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 83

Aponta-se, ainda, que há exposição dos trabalhadores da saúde a outros


diferentes tipos de riscos, entre eles alergias a alguns produtos e substâncias
químicas e acidentes com materiais perfurocortantes ou contaminados. Pode haver,
também, um número expressivo de exposição a diferentes tipos de lesões e outras
doenças ocupacionais que vem ocorrendo na última década, sendo possível, na
maioria das vezes, minimizar esse tipo de ocorrência à qual o trabalhador está
exposto em seu cotidiano laboral (NIOSH, 2013).
Na área da saúde é relevante a identificação dos riscos ocupacionais para o
controle das causas de acidentes, sejam eles ligados a agentes de origem física,
química ou biológica, ou ainda de natureza física, psicossocial ou ergonômica. Frente
a essa realidade, a entidade empregadora e os trabalhadores devem estar envolvidos
em estratégias de mudanças de comportamento para a promoção da saúde no
ambiente de trabalho.
De acordo com Zapparoli (2005), a saúde do trabalhador está inserida em um
campo na área da Saúde Coletiva, com foco no processo saúde-doença dos
trabalhadores e na relação que estabelece com o trabalho, procurando definir causas
de agravos à saúde, reconhecimento de seus determinantes, avaliação dos riscos,
conhecimento e possibilidades de prevenção e promoção da saúde.
No Brasil, a Norma Regulamentadora NR 17, publicada em 1978, alterada
pela Portaria da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) 13, de 21 de junho de 2007,
determina referências que possibilitam a reestruturação do ambiente de trabalho ao
perfil dos profissionais, considerando suas características psicológicas e fisiológicas,
favorecendo um ambiente seguro e o cumprimento efetivo das atividades a serem
desenvolvidas (BRASIL, 1978; 2007).
Em 2005, foi aprovada a Norma Regulamentadora NR 32, pela Portaria do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) 485/2005, que dispõe sobre a redução ou
a abolição dos prejuízos à saúde do profissional, estando diretamente relacionada à
condição de entendimento sobre a relevância dos cuidados e formas de proteção
que precisam ser aplicadas no ambiente de trabalho. Em seu objetivo, contempla a
prevenção dos acidentes e do adoecimento como resultado do trabalho dos
profissionais da saúde, eliminando e monitorando as condições de risco biológico,
químico, físico e ergonômico presentes nos ambientes dos serviços de saúde (BRASIL,
2005). No entanto, riscos ocupacionais podem ser reduzidos se práticas seguras
relacionadas à higiene e segurança do trabalho forem adotadas (VIEIRA; PADILHA,
2008).
84

Entre os diversos tipos de exposição ocupacional no setor da saúde, os


Resíduos de Serviços de Saúde (RSS) podem representar um risco para os
trabalhadores (TAKAYANAGUI, 2005). Prado et al. (2004) destacam o risco de
infecção relacionado a microrganismos veiculados por sangue e demais fluidos
corpóreos, atribuindo maior possibilidade de contaminação durante as atividades
cotidianas ao vírus da hepatite B (HBV) quando comparado ao vírus da
imunodeficiência humana adquirida (HIV).
Assim, a possibilidade de adquirir algum tipo de infecção em diferentes
situações no ambiente de trabalho está relacionada ao possível contato com sangue
ou outros fluidos corpóreos contaminados por esses microrganismos e muitos
profissionais da área da saúde podem contaminar-se ao manejar incorretamente os
RSS gerados no tratamento desses pacientes, ou, ainda, com materiais
perfurocortantes também contaminados.
Para Canini (2011), os profissionais da saúde, em seu cotidiano laboral, estão
expostos a diferentes tipos de riscos, sendo os riscos biológicos apontados como
responsáveis pela insalubridade entre esses profissionais. Novos estudos na área
podem auxiliar na tomada de decisão, além de subsidiar a implementação de
alternativas para a prevenção e a elaboração de programas de capacitação
continuada (NEGRINHO et al., 2017).
Os resíduos perfurocortantes e culturas de microrganismos oferecem risco de
contaminação que pode ocorrer durante o manuseio desses materiais desde a
geração até a disposição final. Os riscos, nesse caso, estão relacionados às
características físicas dos materiais e à presença de microrganismos, sendo
necessária a adoção de normas de segurança para o manuseio e acondicionamento
desses resíduos (NASCIMENTO et al., 2009).
A possibilidade de exposição a microrganismos presente no sangue, entre
eles o HBV, HCV e HIV está relacionada à periodicidade de contato com sangue,
secreções entre outros fluidos corporais, e também com materiais perfurocortantes
(CANINI, 2011). Nesse contexto, a equipe de enfermagem está continuamente
exposta, pois além de compor o maior número de profissionais da saúde nas
atividades assistenciais, mantém também maior contato com fluidos corpóreos e
materiais com características perfurocortantes (MALAGUTI-TOFFANO et al., 2015).
Essas situações de exposição a diferentes tipos de agentes contaminantes
presentes em estabelecimentos de saúde devem ser consideradas e discutidas com
os membros representantes de cada categoria profissional, ou seja, da equipe de
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 85

saúde, do setor administrativo, da farmácia, e do setor de higiene e limpeza, entre


outros, com a finalidade de elaboração de propostas de ações que minimizem
possíveis agravos.
Entre os estabelecimentos de assistência à saúde nos diferentes níveis de
atenção, incluem-se os serviços de atendimento às urgências e emergências, com
destaque para os serviços de Atendimento Pré-Hospitalar Móvel (APHM). As equipes
de trabalhadores que atuam em serviços de APHM, em suas atividades cotidianas
realizadas em ambientes externos ou internos das Unidades de Suporte Básico (USB)
e Unidades de Suporte Avançado (USA), estão expostas a diferentes tipos de riscos
ocupacionais, o que é agravado pelos fatores igualmente ligados ao contexto do
atendimento, como estresse, posturas inadequadas, e revezamento de escala,
alternando período diurno e noturno, entre outros (ZAPPAROLI; MARZIALE, 2006).
Nesse tipo de serviço, os trabalhadores também podem ser expostos a riscos
químicos presentes durante a manipulação de medicamentos e materiais, de higiene
e limpeza e em substâncias químicas utilizadas em alguns procedimentos no local de
atendimento; riscos físicos, como luminosidade excessiva ou insuficiente, ou ruídos
excessivos no ambiente onde ocorre o atendimento e da própria ambulância; assim
como possíveis acidentes de trânsito durante o deslocamento da ambulância para
atendimento. Ainda, nesse grupo de risco, além do contato cotidiano com oxigênio,
pode haver contato com outros tipos de gases e substâncias inflamáveis, corrosivas,
tóxicas, reativas e patogênicas presentes nos RSS.
Oliveira e Paiva (2013) descrevem que os profissionais da saúde atuantes no
serviço de APHM, constituem uma categoria que está mais exposta a contaminações
por materiais que entraram em contato com sangue, secreções e excreções
produzidas durante atividades nesse tipo de assistência à saúde, pois consideram que
os procedimentos realizados cotidianamente são mais complexos, entre eles
aspiração de conteúdos originários do sistema respiratório e drenagem de tórax,
entre outros.
Porém, apesar desses relatos na literatura, ainda são reduzidos os estudos
que tratam sobre esse tipo de exposição especificamente em serviço de APHM,
sendo necessários estudos nesse cenário, com a finalidade de investigação dessa
situação problema, na intenção de promover a segurança dos profissionais da saúde
atuantes em serviços de APHM.
Nesse sentido, ressalta-se a necessidade de avaliação de risco aos
trabalhadores em serviços de APHM, que é considerado como um procedimento
86

utilizado para reunir informações sobre determinada exposição e estimativa dos


riscos associados.
Concomitantemente, deve haver um sistema de gerenciamento, abrangendo
estratégias para o controle e prevenção dos riscos identificados, visando à melhor
qualificação das condições de saúde das pessoas e das condições do meio ambiente,
utilizando como instrumento de controle a regulação, tecnologias de controle de
remediação ambiental, investigação do custo benefício, aceitabilidade do risco e
repercussões nas políticas públicas (BRASIL, 2002).
Alguns autores relatam que a exposição ocupacional a patógenos pode
comprometer os trabalhadores da saúde, física e psicologicamente, refletindo no
próprio indivíduo e em suas relações sociais e familiares (MARZIALE; NISHIMURA;
FERREIRA, 2004; RIBEIRO; AHIMIZU, 2007; SECCO et al., 2008).
Nessa direção, Takayanagui (2005) e Soerensen et al. (2008) reforçam a
necessidade de que a prevenção ou a minimização dos riscos ocupacionais
relacionados aos diversos fatores, como a exposição aos RSS, sejam obtidas por meio
de práticas seguras na realização das atividades cotidianas e de outras medidas que
tenham como objetivo preservar o ambiente e a saúde, principalmente dos
profissionais.
Assim como nos estabelecimentos de atenção à saúde, tanto no âmbito
hospitalar quanto ambulatorial, os RSS devem ocupar espaço na agenda de cuidados
ou de ações de monitoramento e controle, incluindo-se os serviços de APHM, sendo
necessário que haja um manejo seguro e adequado dos resíduos gerados a partir
desse tipo de atendimento, a fim de contribuir para a minimização de riscos à saúde
ocupacional, considerando a segurança do paciente e da comunidade, e também a
proteção do ambiente.
Sabe-se que os RSS gerados durante o atendimento ao paciente nos
diferentes tipos de atendimento são de responsabilidade da equipe de profissionais
da saúde, sendo necessário um manejo seguro e adequado desde o momento da
geração até o armazenamento temporário (BRASIL, 2004; TAKAYANAGUI, 2005).
Igual cuidado deve ser tomado no caso de APHM, com a finalidade de reduzir ou
eliminar possibilidades de contato, de acidentes e de possível contaminação da
equipe de saúde, do paciente, da comunidade e do ambiente.
Enfatiza-se o reduzido número de trabalhos científicos que abordam a
questão do gerenciamento e riscos relacionados aos RSS em serviços de APHM, bem
como a relevância desse tema no cotidiano da equipe de profissionais da saúde.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 87

Desse modo, estudos em serviços de APHM são necessários com a finalidade


de compreender o conjunto de ações envolvidas em todas as etapas de manejo
desses resíduos nesse tipo de serviço, a começar pelo conhecimento sobre os tipos
de RSS gerados nesse ambiente laboral.
Este estudo teve por objetivo verificar a situação de risco ocupacional
relacionado ao manejo de RSS entre os trabalhadores da saúde de um serviço de
atendimento pré-hospitalar móvel.

2 MATERIAIS E MÉTODO

O estudo foi realizado em um município localizado no interior do Estado de


São Paulo, com os profissionais da área da saúde atuantes em UBS e USA, de um
serviço de APHM. A coleta de dados foi realizada no período de janeiro a abril de
2012. Trata-se de uma pesquisa de campo, de caráter exploratório e descritivo, de
abordagem quantitativa.
Para a coleta de dados foi elaborado um instrumento para entrevista com
questões semiestruturadas, sendo utilizada como referência para essa construção a
Resolução da Diretoria Colegiada 306/2004 da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (RDC Anvisa 306/2004). Esse instrumento foi submetido à apreciação e
avaliação de três juízes com a finalidade de verificar o nível de compreensão e
adequação das questões, segundo o objetivo proposto no estudo, assim como o grau
de dificuldade. As sugestões dos juízes foram avaliadas, procedendo-se à
reestruturação.
A coleta dos dados foi realizada em duas etapas, sendo a primeira constituída
por uma entrevista registrada em gravador de voz digital no próprio local do estudo
com cada um de todos os 94 profissionais da saúde atuantes no serviço de APHM
selecionado, após esclarecimentos necessários sobre o objetivo do estudo e
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A segunda etapa, denominada observação de campo, foi realizada somente
após o término das entrevistas, pela necessidade de obtenção de autorização dos
sujeitos para serem acompanhados durante as ocorrências. Essas observações foram
feitas junto à equipe de profissionais da saúde, durante atendimento às ocorrências
nas USB e USA, utilizando um roteiro elaborado com questões semiestruturadas
seguindo as orientações técnicas contidas na RDC Anvisa 306/2004 (BRASIL, 2004).
88

Nessa etapa, foram realizadas 19 observações no período diurno e 20 no


período noturno, em 8 dias, distribuídas em 4 semanas, sendo 2 dias em cada
semana, em períodos alternados em diurno e noturno, permeando dias úteis e final
de semana, conforme planejamento e agendamento prévio com o gestor do serviço.
Os dados obtidos nas duas etapas foram registrados em uma planilha
previamente elaborada utilizando-se como referência na RDC Anvisa 306/2004 e
instrumento aplicado por Takayanagui (2004). Os dados foram analisados utilizando-
se a estatística descritiva (POLIT; BECK, 2006).
Este estudo foi realizado somente após análise e aprovação do Comitê de
Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo, estando de acordo com as normas da Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa, segundo a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 196/1996 (BRASIL,
1996).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os 94 participantes do estudo encontram-se distribuídos nas seguintes


categorias profissionais: 36,17% agentes de enfermagem (categoria que engloba
auxiliares e técnicos de enfermagem) no município onde foi realizada esta
investigação, 30,85% motoristas socorristas, 22,34% médicos e 10,64% enfermeiros.
Quanto à geração de RSS nas atividades diárias, 97,87% dos participantes
apontaram que em suas atividades faziam o manuseio de algum tipo de resíduo
perigoso e 2,13% não souberam informar. Como resíduos perigosos, foram citados
pelos sujeitos: resíduos perfurocortantes (pertencentes ao Grupo E, segundo a RDC
Anvisa 306/2004) em 36,36% das respostas; biológicos (resíduos pertencentes ao
Grupo A) em 24,25%; seguidos pelos resíduos químicos (do Grupo B) em 22,72%;
9,85% dos sujeitos ainda informaram que manuseavam todos os tipos de resíduos;
5,30% não souberam informar; e 0,76% indicaram ter contato com os colchões, e
0,76% outros tipos de Equipamentos de Proteção Individual (EPI).
Em relação à etapa da observação de campo, entre as 39 observações
registradas, foi possível verificar uma realidade diferente de resultados, constatando-
se riscos de exposição a resíduos químicos em 41,03% das situações de atendimento,
seguidos por 38,46% de risco biológico e 25,64% de risco relacionado a resíduo
perfurocortante. Em algumas situações foram observados mais de um tipo de risco
relacionado aos resíduos gerados.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 89

No que se refere aos riscos, os participantes deste estudo foram


questionados sobre a possibilidade de riscos relacionados aos resíduos gerados no
cotidiano, e 94,68% afirmaram a existência de risco, seguidos por 4,26% que
consideraram inexistente esse tipo de risco e 1,06% que não souberam informar.
Ainda sobre essa questão, 21,31% dos sujeitos relacionaram o risco de cortes e
perfurações com materiais utilizados na rotina do serviço e 9,83% não souberam
informar sobre a possibilidade de risco relacionado aos resíduos gerados (Tabela 1).

Tabela 1: Riscos relacionados aos RSS em serviço de APHM de um município do interior de SP, segundo
informações dos sujeitos da pesquisa, 2012
Categorias F %
Descarte inadequado de RSS 26 21,31
Acidente com perfurocortante 24 19,67
Contaminação com líquidos resultantes da higienização 15 12,30
Risco de doenças 15 12,30
Não soube informar 12 9,83
Prejuízo ao meio ambiente 8 6,55
Problemas respiratórios 6 4,92
Risco de acidente de trabalho 5 4,10
Contaminação do ambiente de trabalho 3 2,46
Não há risco quando manuseados adequadamente 3 2,46
Risco após o descarte – EPIs inadequados 2 1,64
Explosão (oxigênio) 2 1,64
Problemas dermatológicos 1 0,82
122 100,00
* O ‘n’ = ‘n’ variável para cada categoria de resposta

Outros riscos que não fazem parte da classificação da RDC 306/2004, mas que
estão presentes no serviço de APHM, de acordo com as observações de campo
realizadas foram identificados e denominados neste estudo como outros tipos de
riscos. Assim, durante as observações de campo, no momento das ocorrências foram
registrados 90,91% (em 30 casos observados) de riscos ergonômicos, pois em algum
momento do atendimento foi necessário transporte do paciente em maca, cadeira
de rodas ou prancha longa, exigindo preparo físico e esforço do profissional para
realizar os movimentos com segurança. Riscos psicológicos também foram
observados em 9,09% das ocorrências, revelando o fato das condições do paciente
no momento do atendimento. Riscos físicos não foram identificados nessa etapa do
estudo.
Quando perguntado aos sujeitos em relação ao risco de exposição aos
resíduos gerados, 14,29% dos sujeitos mesmo afirmando a ocorrência de acidentes,
90

disseram não se recordar ou não souberam informar qual a categoria profissional que
foi exposta, assim como o tipo de exposição ocorrida.
Outra informação coletada foi referente ao tipo de conduta frente à
exposição ocupacional do profissional. Para as informações coletadas dos 35
acidentes relatados foram apontadas 39 condutas, pois em alguns relatos uma
mesma ocorrência recebeu mais de um tipo de conduta, segundo afirmação dos
sujeitos. Assim, 30,77% dos participantes informaram que foi aberta uma
Comunicação de Acidente de Trabalho referente à ocorrência no próprio ambiente
de trabalho e igualmente 30,77% não souberam informar qual a conduta realizada
(Tabela 2).

Tabela 2: Exposição a acidentes com resíduos em serviço de APHM de um município do interior de SP,
segundo informações dos sujeitos, 2012

Caracterização das respostas F %


Profissionais Envolvidos em Acidentes
Agente de enfermagem 16 45,71
Funcionário não especificado 5 14,29
Não soube informar 5 14,29
Motorista 4 11,43
Enfermeiro 2 5,71
Médico 1 2,86
Funcionário do serviço de higiene e limpeza 1 2,86
Funcionária administrativa 1 2,86
35 100,00
Condições do Acidente Ocorrido
Perfurocortante (manuseio) 22 62,86
Material biológico (contato com mucosa) 6 17,14
Não soube informar 5 14,29
Produto químico (inalação/contato) 2 5,71
35 100,00
Condutas Após o Acidente
CAT 12 30,77
Não soube informar 12 30,77
Sorologias 6 15,39
Tratamento com medicamentos específicos 5 12,82
Encaminhamento ao serviço de saúde 3 7,69
Teste rápido 1 2,56
39 100,00
* O ‘n’ = ‘n’ variável para cada categoria de resposta.

Os achados revelaram que há possibilidade de o profissional entrevistado, em


algum momento da realização de suas atribuições no ambiente de trabalho, ter
sofrido possíveis exposições aos resíduos gerados, porém, no momento da
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 91

entrevista, pode não ter se lembrado para informar ao não relacionar o tipo de
resíduo ao qual foi exposto, ou, ainda, pode ter omitido algum tipo de intercorrência
relacionada aos resíduos gerados durante suas atividades laborais.
Neste estudo foram abordadas questões referentes à saúde ocupacional da
equipe dos trabalhadores da saúde, relacionadas ao possível contato com os resíduos
gerados em diferentes situações de atendimento.
Quando perguntado aos sujeitos sobre o conhecimento referente à
ocorrência de acidentes no serviço, profissional acidentado, condições da ocorrência
e condutas tomadas, 32,98% dos sujeitos informaram ter conhecimento sobre
acidente ocorrido com resíduo em seu cotidiano de trabalho, 51,06% referiram
nunca ter ouvido sobre esse tipo de ocorrência e 15,96% não souberam informar.
Em relação às respostas dos sujeitos, observou-se que os profissionais que
compõem a categoria de agente de enfermagem foram apontados como a categoria
mais exposta a acidentes em seu cotidiano. Essa afirmação pode estar relacionada ao
maior número de atendimentos a ocorrências, realizados por essa categoria
profissional, que integra as equipes de USB diariamente.
Ainda em relação à Tabela 2, destaca-se que foi observado que entre as 35
exposições citadas sobre acidentes, 62,86% foram relacionadas ao manuseio de
materiais perfurocortantes em diferentes situações durante a assistência ou no
momento do descarte do resíduo.
Outra observação constatada foi em relação às condições climáticas como
frio, calor, sol, chuva e vento, em elevadas proporções. Esses fatores podem oferecer
risco aos profissionais em serviço de APHM, à comunidade e ao ambiente durante
atendimento, principalmente quando realizado em rodovias, vias públicas e outros
locais desprotegidos. As condições climáticas podem, ainda, comprometer a
qualidade da assistência prestada ao paciente.
Ressalta-se que, nesse contexto, a categoria dos profissionais da área de
enfermagem está representada pelo maior número de trabalhadores, destacando-
se a importância dessa categoria na equipe multiprofissional, em todos os níveis de
assistência à saúde, o que ocorre de modo similar em outros tipos de serviços de
saúde (PEREIRA et al., 2013).
Frente a esses resultados, pode-se afirmar que no serviço de APHM, há
exposição a resíduos diferentes, como do tipo biológico e químico e também a
perfurocortantes e essa exposição é constante, sendo relevante destacar o contato
direto com sangue, secreções e excreções em diferentes situações de atendimento,
92

com ênfase nas ocorrências com número elevado de vítimas, como em catástrofes e
em situações de encarceramento em veículo, com perda de grandes volumes de
sangue e outros tecidos corpóreos.
Nessa direção, reforça-se a importância do uso de Equipamentos de Proteção
Individual adequados como forma de barreira para reduzir possibilidades de
exposição e contato com resíduos de origem biológica, entre outros tipos, que
podem ser gerados durante atendimento, sendo responsáveis por afastamento das
atividades laborais, por período determinado ou indeterminado, e também em
algumas situações de invalidez (PAIVA; OLIVEIRA, 2011; OLIVEIRA et al., 2013).
Riscos de outras naturezas também estão presentes em atividades cotidianas
manuais ou intelectuais no ambiente de trabalho, podendo ocorrer exposição a
riscos responsáveis por causar agravos à saúde dos trabalhadores, como resposta ao
tipo e organização da atividade realizada, como os riscos de natureza psicossociais e
ergonômicas (GALON; ROBAZZI; MARZIALE, 2008).
No ambiente de trabalho na área da saúde, as atividades laborais são
realizadas em diferentes ambientes, sendo os trabalhadores expostos a diversos
tipos de riscos que comprometem a saúde. Esses mesmos autores apontam ainda
que entre os possíveis prejuízos aos trabalhadores do setor saúde, os acidentes de
trabalho são considerados como aqueles que ocorrem de maneira inesperada como
consequência às exposições exaustivas por atividades de trabalho presentes nos
estabelecimentos de saúde.
Estudo realizado em quatro serviços de APHM, em municípios de Minas
Gerais, com a finalidade de conhecer os índices de exposição dos profissionais da
saúde aos materiais biológicos, características e procedimentos após a exposição,
revelaram que entre 228 profissionais que participaram do estudo, 67 foram
expostos a algum tipo de acidente no ambiente de trabalho, destacando-se os tipos
de exposições percutâneas 49,2%; mucosas 10,4%; contato com pele não íntegra
6,0% e com pele íntegra 34,3%. Os trabalhadores envolvidos nas exposições, segundo
a categoria profissional, foram 41,9% técnicos de enfermagem, 28,3% condutores,
20,9% médicos, e, 8,9% enfermeiros. Os resultados encontrados chamam a atenção,
pois a categoria de profissionais mais exposta também foi a de enfermagem, o que
vem reforçar que essa categoria é a mais exposta aos acidentes em serviço de APHM,
que representa o maior percentual de profissionais na assistência direta ao paciente
(OLIVEIRA; PAIVA, 2013).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 93

Tais estudos reforçam a necessidade de adesão às precauções padrão como


uma das alternativas consideradas fundamentais para que o profissional realize suas
atividades com segurança, reduzindo as possibilidades de exposição a riscos no
decorrer das atividades assistenciais em estabelecimentos de saúde e também em
serviço de APHM.
No serviço de APHM do presente estudo foi observado que os profissionais
da saúde têm disponíveis EPIs como: luvas de procedimento, óculos de proteção,
máscara e avental de tecido não tecido, máscara do tipo N 95 para uso em situações
quando existe o risco de exposição ao bacilo da tuberculose, bota de couro de cano
longo, macacão, conforme modelo padronizado pelo Ministério da Saúde e boné. O
uso adequado desses EPIs pode reduzir possíveis riscos de exposição ocupacional a
agentes contaminantes, como os RSS.
Porém, estudo realizado por Lopes et al. (2008) em um serviço de APHM no
município de Belo Horizonte, ao avaliar a adesão a materiais voltados para as
precauções padrão pelos profissionais que atuam na assistência direta ao paciente,
detectou que a adesão ao uso de luvas, óculos e uniforme, entre outros EPIs, nem
sempre ocorre, expondo desta forma o profissional ao risco de acidente ocasionado
pelo contato com substâncias biológicas. Os autores apontam que o uso de forma
adequada do EPI não impede que o acidente ocorra, mas minimiza a exposição ao
risco. Outro dado levantado refere-se ao uso incorreto dos EPI que, agregado ao
descarte incorreto dos resíduos perfurocortantes, aumenta as possibilidades de
contato e contaminação.
Em estudo realizado por Galon, Robazzi e Marziale (2008), em um hospital
universitário, no Estado de São Paulo, que teve como objetivo levantar as ocorrências
de acidentes com material biológico no ambiente de trabalho, apontou que entre os
94 acidentes notificados, relacionados ao contato com material biológico, foi
encontrado percentual de 78,7%, referente a acidentes com materiais
perfurocortantes, como agulhas, lâminas de bisturi, scalps e outros não definidos.
Outro fator que merece destaque refere-se às ocorrências em locais abertos
com chuva, pois a probabilidade de escoar sangue e secreções no ambiente,
aumenta o risco de exposição dos profissionais, das pessoas presentes e do local. Em
situações de frio, quando o paciente é exposto, acentua-se o risco de desenvolver
quadro de hipotermia; em ocasiões de vento forte, os materiais contaminados com
fluidos corpóreos utilizados durante atendimento podem ser deslocados para outros
94

lugares sem condições de recolhimento pelos profissionais, considerando que o foco


permanece é direcionado para a assistência ao paciente.
Frente as possibilidades de exposição do meio ambiente aos RSS gerados, há
necessidade de atenção redobrada dos profissionais ao final do atendimento para o
recolhimento dos materiais que foram dispostos no momento dos cuidados
prestados ao paciente minimizando impactos ambientais negativos aos
ecossistemas.
Essas afirmações corroboram com Takayanagui (2005), Philippi Junior e
Malheiros (2005) sobre os fatores negativos de impactos dos RSS, poluição
atmosférica, impermeabilização do solo, substâncias tóxicas e químicas, entre outros,
quando dispostos no ambiente favorecendo alterações nos ecossistemas.
Nos serviços de APHM há também outras possibilidades de risco para os
profissionais que durante a coleta de dados para este estudo não foram observados,
tais como: exposição a fogo em cenas de incêndio, choque elétrico em decorrência
de fios soltos no local, vazamento de gás em ambientes fechados, quedas em
decorrência da topografia no local do atendimento e exposição a situações de
agressão física durante a ocorrência.

4 CONCLUSÕES

A realização deste estudo possibilitou a ampliação do conhecimento


referente aos RSS no contexto analisado, ainda pouco explorado na literatura
nacional e internacional, disponibilizando subsídios para a construção de um
protocolo a fim de orientar o gerenciamento desses resíduos, com vistas a minimizar
os possíveis riscos aos quais estão expostos não apenas a equipe de profissionais da
saúde de APHM em seu cotidiano laboral, mas também o paciente, a comunidade e
o ambiente.
É importante afirmar que em serviços de APHM a exposição dos profissionais
em possíveis ocorrências de acidentes com diferentes tipos de resíduos é constante,
não podendo ser desconsiderado contato com fluidos corpóreos, materiais
perfurocortantes e substâncias químicas, entre outros produtos perigosos.
De acordo os dados levantados no serviço de APHM selecionado é
importante destacar que, considerando a realidade de exposição ocupacional dos
profissionais da saúde a riscos de contaminação pelos RSS gerados, é necessária a
implantação de ações educativas permanentes nesse tipo de serviço, que promovam
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 95

a compreensão sobre a importância de que se adotem medidas de segurança


permanentes para a prática profissional, nas atividades laborais, que minimizem
exposições e possíveis contatos com os resíduos gerados.
Dessa forma, deve haver um treinamento periódico que forneça informações
importantes aos profissionais que atuam nesse tipo de serviço. As informações
devem ser claras e de fácil acesso.
Treinamento específico dos funcionários que atuam nesse setor,
fornecimento e controle periódico da utilização de EPI, além da utilização de técnicas
de segurança no manejo dos RSS, especialmente em sua segregação, correspondem
a algumas atividades que devem ser adotadas para minimizar a possibilidade de
exposição a possíveis riscos que esses profissionais enfrentam em seu cotidiano,
voltadas para maior segurança ocupacional de toda a equipe de trabalho.

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98
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 99

Capítulo 6

A PESQUISA QUALITATIVA EM DIREITO AMBIENTAL:


UMA APLICAÇÃO METODOLÓGICA

Luciana Helena Crnkovic29


José Wamberto Zanquim Junior30
Celso Maran de Oliveira31

1 INTRODUÇÃO

As questões ambientais nas últimas décadas vêm desencadeando


debates e análises diversas no sentido de equalizar o desenvolvimento social e
econômico e a preservação do meio ambiente 32, ensejando a realização de
pesquisas com o uso de métodos e técnicas analíticas capazes de incrementar
o conhecimento científico.
Em uma sociedade cada vez mais aglomerante e consumista tem-se a
utilização dos recursos e serviços naturais de forma acelerada e desmedida,
capaz de influenciar diretamente no equilíbrio ambiental. Nessa perspectiva e
devido à imprescindibilidade dos bens ambientais para a manutenção e
viabilização da vida, as pesquisas em Direito Ambiental se justificam diante da
necessidade de encontrar alternativas e técnicas capazes de compatibilizar as
questões socioeconômicas e ambientais, com respeito aos princípios de Direito
Ambiental.

29 Doutora em Administração pela Universidade Nove de Julho. Pesquisadora no grupo de Pesquisa


Novos Direitos na UFSCar, e-mail: crnkovic20@yahoo.com.br
30
Doutorando em Ciência Ambientais na Universidade Federal de São Carlos. Pesquisador no grupo
de pesquisa Novos Direitos na UFSCar, e-mail: jwzanquim@yahoo.com.br
31
Doutor em Ciências da Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo. Professor no
Departamento de Ciências Ambientais na Universidade Federal de São Carlos, e-mail:
celmaran@gmail.com
32 Compreende-se por meio ambiente, nos moldes como descritos no art. 3º da Política Nacional

do Meio Ambiente, todo o conjunto de leis, relações e interações de ordem física, química e
biológica capaz de abrigar, reger e permitir a vida em todas as suas formas nas interfaces natural,
construído, cultural e do trabalho, resguardadas suas particularidades.
100

A Constituição Federal de 1988 consagrou princípios ambientais


explícitos e implícitos, ora gerais ou especiais, ora substantivos ou
procedimentais, referindo-se aos princípios da primariedade do meio
ambiente, da explorabilidade limitada da propriedade e dos recursos naturais,
do uso sustentável dos recursos naturais, da prevenção, do poluidor-pagador,
da função ecológica da propriedade, da prevenção e defesa do meio ambiente
(BENJAMIN, 2011), embora não de forma taxativa ou mesmo limitante a estes
apontados por Benjamin (2011).
Isso se deve ao fato de que os princípios de Direito Ambiental estão
presentes em tratados internacionais, no capítulo constitucional sobre meio
ambiente (art. 225) e em outros dispositivos da Constituição Federal, bem
como em normas infraconstitucionais. Importante frisar que os princípios de
Direito Ambiental são fontes formais do Direito e balizadoras de todas as
relações com o meio ambiente em geral.
Sendo assim, as questões ambientais são impregnadas de valores e
elementos de interação, que em uma pesquisa científica devem ser observados
e compreendidos.
Igualmente, faz-se imperativo e decorrente de toda a sistemática
constitucional e infraconstitucional a preocupação com o meio ambiente e seu
equilíbrio, seja para a viabilização de melhores condições econômicas e sociais,
seja para a manutenção e proteção das espécies da fauna e da flora.
Da mesma forma que os valores fazem parte da vida humana, nos
estudos sobre as questões ambientais, especialmente num viés dado pelo
Direito Ambiental, deve-se considerar os elementos de dinâmica biológica,
ecológica ou socioambiental, assim como os critérios de participação dos
grupos sociais envolvidos.
Ademais, diante da relevância das questões ambientais e do almejado
ponto de equilíbrio socioeconômico e ambiental, torna-se imperativa a
realização de pesquisas e o uso de uma metodologia capaz de determinar o
alcance dos objetivos e resultados propostos, partindo do objeto de questão
relacionado às questões ambientais e seus elementos.
Neste sentido, não somente o objeto da pesquisa deve ser o foco de
preocupação do pesquisador, mas também o caminho a ser percorrido e os
instrumentos e ferramentas que servirão para encontrar as informações
objetivadas.
Assim, vislumbra-se na Ciência uma alternativa para que, por meio das
pesquisas e experimentações, possam se ajustar os elementos sociais,
econômicos e ambientais, viabilizadores do equilíbrio do sistema e das formas
de vida.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 101

Da mesma forma, quando se parte de um processo de avaliação e


análise por meio de um método delineado e objetivo, capaz de conduzir ao
encontro dos resultados esperados, permite-se a replicação da proposta
conferindo credibilidade à pesquisa científica. Neste contexto, considera-se
como questão de pesquisa: Quais as vantagens da utilização da pesquisa
qualitativa em pesquisas voltadas ao Direito Ambiental?
Nesta senda, visando a explicitar os caminhos percorridos nas pesquisas
ambientais, o estudo tem o objetivo de demonstrar a aplicação de uma
pesquisa de campo referente ao procedimento administrativo no Estado de
São Paulo, criado pelo Decreto Estadual 60.342/2014, o qual instituiu o
Atendimento Ambiental e o Programa de Conciliação Ambiental. Versa sobre
dados empíricos obtidos junto às atas finais e questionários de entrevistas
aplicados pelo pesquisador diretamente aos infratores e caracterizar algumas
técnicas e métodos de pesquisa aplicáveis às pesquisas ambientais numa
vertente do Direito Ambiental.

2 DA PESQUISA OBJETO DE ANÁLISE

No escopo da temática apresentada, quanto aos métodos e técnicas


utilizadas nas pesquisas, tem-se por objetivo apresentar uma pesquisa
qualitativa voltada ao Direito Ambiental. O estudo versa sobre um caso
aplicado ao procedimento administrativo ambiental no Estado de São Paulo
instituído pelo Decreto paulista 60.342/2014, que foi regulamentado pelas
Resoluções 48 e 53 da Secretaria do Meio Ambiente (SMA) e Portaria 18 da
Coordenadoria de Fiscalização Ambiental (CFA), para a apuração das infrações
ambientais sob responsabilidade do Centro Técnico Regional de Fiscalização de
Bauru (CTRF6).
Para isso, e como forma de aplicação prática do método utilizado na
pesquisa, que se destinou à identificação da natureza jurídica da “Conciliação
Ambiental” no escopo do procedimento administrativo do Atendimento
Ambiental, fez-se o uso das análises dos dados extraídos das atas finais dos
atendimentos ambientais e dos questionários aplicados pelos pesquisadores
aos autuados, no ponto de atendimento pertencente ao CTRF6 de Bauru,
situado na cidade de Araraquara, com abrangência regional.
Nessas “audiências” foram produzidas as atas finais dos atendimentos
em conformidade com o disposto na Portaria CFA 18/2014. Ao todo, foram
analisadas no período de 12 meses, compreendidos entre setembro de 2014 e
setembro de 2015, 417 atas finais e 53 questionários de entrevistas coletados
entre os meses de julho e setembro de 2015.
Tais elementos permitiram caracterizar a pesquisa por qualitativa e
102

quantitativa quanto à abordagem e quantificação do problema, e descritiva


quanto ao tipo de pesquisa. Qualitativa, pois visou a analisar em profundidade
o instituto da Conciliação Ambiental e a compreensão do procedimento
administrativo do Atendimento Ambiental destinado à apuração das infrações
ambientais no Estado de São Paulo. Quantitativa porque emprega
quantificação tanto na coleta de dados quanto no tratamento por meio de
técnicas estatísticas.
Eisenhardt (1989) analisa que a combinação de evidência qualitativa e
quantitativa pode ser altamente sinérgica; os dados qualitativos são úteis para
entender a lógica ou a relação da teoria subjacente revelada nos dados
quantitativos, ou podem sugerir diretamente a teoria que pode ser reforçada
pelo apoio quantitativo.
Quanto ao tipo de pesquisa, foi considerada como descritiva, porque,
de acordo com Acevedo e Nohara (2007), descreve as características da
população e do ambiente no que se refere à descrição dos tipos de infrações
cometidas; estima a proporção dos elementos desta população que apresenta
as características de interesse deste trabalho, como escolaridade e renda e
auxilia na compreensão das relações entre os constructos envolvidos e o fato
de terem ou não aderido à conciliação como forma de solução do conflito.
No tocante aos procedimentos técnicos, foi considerada como
levantamento, porque foram conhecidas as características da população e não
da amostra.
E por questões de pesquisa norteadoras do estudo, tem-se que
versaram sobre a natureza jurídica do instituto da “Conciliação Ambiental” no
seio do procedimento administrativo do Atendimento Ambiental no Estado de
São Paulo para a apuração das infrações ambientais; o alcance dos objetivos
de celeridade na reparação dos danos ambientais, de promoção de educação
ambiental aos infratores e de redução dos passivos ambientais; a satisfação
dos interesses das partes na celebração da Conciliação Ambiental dentro dos
Atendimentos Ambientais e o perfil socioeconômico do infrator que
comparece ao Atendimento Ambiental; as vantagens do procedimento de
Atendimento Ambiental e da Conciliação Ambiental para o meio ambiente e
para os órgãos ambientais e a compreensão da terminologia Conciliação pelos
autuados.
Os dados foram coletados por meio da aplicação de questionários
estruturados com questões fechadas, abordando sobre o conhecimento e
motivação do comparecimento do infrator à “audiência” no atendimento
ambiental, ciência do ato infracional, oportunização de discussão e
esclarecimentos sobre os fatos apurados, informações e consequências sobre
a formalização do Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental (TCRA),
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 103

concordância ou não com a penalidade aplicada, possibilidade de reparação


dos danos originados ao meio ambiente, disponibilização de informações sobre
a importância dos recursos naturais e responsabilidades, percepção sobre a
gravidade dos danos, satisfação com o Atendimento Ambiental e
conhecimento e verificação da terminologia “Conciliação Ambiental”.
Procedeu-se, também, à análise das atas finais dos Atendimentos
Ambientais, no tocante à tipologia da infração, município de ocorrência,
escolaridade e situação econômica dos infratores, formalização ou não do
TCRA e celebração da “Conciliação Ambiental”.
Por fim, os dados foram tabulados em gráficos e figuras para facilitar
sua compreensão e visualização e tratados de acordo com as questões
pesquisadas.
Portanto, vê-se que no estudo de caso realizado e ora em análise foram
vários os métodos e técnicas capazes de permitir o alcance dos objetivos
propostos, visando a delinear o objeto da pesquisa. Contudo, neste estudo,
somente as características qualitativas serão evidenciadas na perspectiva do
Direito Ambiental. Vale lembrar que outras formas de pesquisa, métodos e
instrumentos são possíveis nas pesquisas sobre as questões ambientais.
Dessa forma, apresentado o escopo do presente estudo e o recorte
metodológico a ser explorado, tem-se por imperativo discorrer sobre as
características da pesquisa qualitativa, as estratégias para a coleta e análise dos
dados e os critérios de qualidade da pesquisa.

3 CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA QUALITATIVA

Ao se iniciar uma pesquisa científica diversas etapas deverão ser


cumpridas, podendo surgir dificuldades em sua realização. Essas dificuldades,
costumeiramente, são associadas à falta de familiaridade com os métodos ou
técnicas empregados.
O pesquisador normalmente tem amplo conhecimento de sua área de
pesquisa, especialmente do tema abordado, mas pode ter dificuldades quando
o trabalho chega à fase da escolha do método de pesquisa.
A fase de coleta de dados, geralmente exaustiva, quando não realizada
de forma acertada pode comprometer toda a pesquisa, podendo impor a falsa
impressão de que o trabalho está finalizado, quando, na verdade, está
incompleto e com lacunas. Outro período crítico é o de análise de dados. A
execução de uma pesquisa científica é um dos momentos mais decisivos e,
dessa forma, a escolha do método ou da técnica para a sua realização exige do
pesquisador muita atenção e cuidado. A escolha adequada proporcionará a
exploração dos dados em toda a sua riqueza e possibilidades.
104

No campo das pesquisas qualitativas, a escolha de método e técnicas


para a análise de dados deve, obrigatoriamente, proporcionar um olhar
multifacetado sobre a totalidade dos dados recolhidos no período de coleta.
Tal fato se deve, invariavelmente, à pluralidade de significados atribuídos ao
produtor dos dados (CAMPOS, 2004).
Neste caso, observa-se que a pesquisa qualitativa analisou em
profundidade o instituto da Conciliação Ambiental e a compreensão do
procedimento administrativo ambiental no Estado de São Paulo. Portanto, a
natureza da pesquisa qualitativa, no caso apresentado, segue o roteiro
apresentado por Flick, von Kardorff e Steinke (2000), em suas quatro bases
teóricas: a) a realidade social é vista como construção e atribuição social de
significados; b) a ênfase no caráter processual e na reflexão; c) as condições
“objetivas” de vida tornam-se relevantes por meio de significados subjetivos;
e d) o caráter comunicativo da realidade social permite que o refazer do
processo de construção das realidades sociais torne-se ponto de partida da
pesquisa.
Flick et al. (2000) apresentam 12 características da pesquisa
qualitativa, enquanto Mayring (2002), por outro lado, apresenta 13 alicerces
da pesquisa qualitativa. Ao resumir esses conjuntos de características, chega-
se a um consenso de cinco grupos de atributos da pesquisa qualitativa que
podem ser aplicados ao Direito Ambiental: a) características gerais; b) coleta
de dados, c) objeto de estudo; d) interpretação dos resultados; e e)
generalização dos resultados, sendo:
a) Características gerais: Flick et al. (2000) apontam a preferência da
compreensão como princípio do conhecimento que prefere estudar
relações complexas, em vez de explicá-las por meio do isolamento de
variáveis.
Uma das formas de lidar com os valores e o envolvimento emocional
do pesquisador com o seu objeto é por meio do controle das variáveis
do estudo (GUNTHER, 2006). A pesquisa qualitativa aparenta, algumas
vezes, em relativa falta de controle de variáveis estranhas, ou, ainda,
a constatação de que não existem variáveis interferentes e
irrelevantes. Todas as variáveis do contexto são consideradas como
importantes.
Entre as variáveis irrelevantes e potencialmente interferentes
incluem-se tanto atributos do pesquisador, como, por exemplo, seus
valores; quanto variáveis contextuais ou atributos do objeto de
estudo que “não interessam” naquele momento da pesquisa. Antes
de tudo, considera-se essa classificação de variáveis em relevantes e
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 105

interferentes, uma questão estratégica no processo de pesquisa


(GUNTHER, 2006).
Em relação à perspectiva socioambiental, Thiollent e Silva (2007)
consideram uma abordagem sistêmica, não limitada à análise de
variáveis isoladas, mas de um modo capaz de apreender o todo e as
partes nas suas relações com o todo, enxergando a complexidade que
resulta da interação entre as partes. No Direito Ambiental isso se
demonstra ao pesquisar e analisar as normas jurídicas de referência
para a pesquisa científica, e a percepção das pessoas sob sua
aplicação, visto se constituírem em regras abertas portadoras de
termos técnicos e elementos axiológicos com substancial potencial
hermenêutico (NAVARRO, 2015). E na pesquisa estudada, por meio da
análise das leis e decretos pertinentes, buscou-se identificar os
sentidos e alcances das expressões ali contidas, aliando-as ao
contexto vivenciado.
Uma segunda característica geral é a construção da realidade. A
pesquisa é percebida como um ato subjetivo de construção. Os
autores afirmam que a descoberta e a construção de teorias são
objetos de estudo desta abordagem. Outro aspecto geral da pesquisa
qualitativa é que, apesar da crescente importância de material visual,
a pesquisa qualitativa é uma ciência baseada em textos, ou seja, a
coleta de dados produz textos que nas diferentes técnicas analíticas
são interpretados hermeneuticamente (GUNTHER, 2006).
No caso analisado, essa fase se deu na compreensão do uso da
conciliação como um método de solução de conflito, ora judicial ora
extrajudicial, considerando-se o momento em que é exercida, se no
decorrer do processo ou anterior à sua propositura.
b) Coleta de dados: Mayring (2002) e Flick (2000) destacam a coleta de
dados como o elemento essencial da pesquisa qualitativa. Ambos os
autores enfatizam o princípio da abertura. Tal postura vai além da
formulação de perguntas abertas. Ressaltam, assim, que o método
deve se adequar ao objeto de estudo. Pode-se argumentar que não
somente o controle metodológico, mas também as demais
características mencionadas se aplicam a qualquer tipo de pesquisa.
A questão subjacente que se coloca é a seguinte: A partir de que
momento do processo de pesquisa vai-se de um caso específico,
deixando-se portas abertas para agregar dados não esperados, não se
restringindo a um único método padronizado?
Ao conceber o processo de pesquisa como um mosaico que descreve
um fenômeno complexo a ser compreendido é fácil entender que as
106

peças individuais representem um prisma de métodos e técnicas, que


precisam estar abertas a novas ideias, perguntas e dados (GUNTHER,
2006). Ao mesmo tempo, a diversidade nas peças deste mosaico inclui
perguntas fechadas e abertas, implica em passos predeterminados e
abertos, utiliza procedimentos qualitativos e quantitativos (GUNTHER,
2006).
Assim, o CTRF6 de Bauru, escolhido para a realização da pesquisa em
análise, forneceu os dados necessários para identificar a natureza
jurídica e as vantagens do procedimento de Atendimento Ambiental e
da Conciliação Ambiental para o meio ambiente e para os órgãos
ambientais. Isso se deu por observação do pesquisador durante as
sessões de atendimento ambiental, procedeu-se à análise das atas
finais provenientes das sessões dos Atendimentos Ambientais e à
aplicação dos questionários de entrevista, contendo questionamentos
sobre a capacidade econômica dos infratores, grau de instrução e
percepções sobre a prática infracional e os esclarecimentos sobre o
procedimento, assim como a liberdade de discussão sobre os motivos
e consequências da infração e o conhecimento sobre o alcance da
terminologia “conciliação” para o desfecho da fase administrativa de
apuração ambiental.
Os dados obtidos foram planilhados e diferenciados quanto à natureza
da infração, capacidade econômica do infrator, escolaridade,
celebração de TCRA e realização da conciliação ambiental. Depois, os
dados foram comparados com os provenientes da Secretaria do Meio
Ambiente, ofertados no balanço oficial realizado em todo o Estado de
São Paulo no ano de 2015.
Para o contexto da pesquisa qualitativa, as três maneiras de coleta de
dados apontadas por Kish (1987) – observação, experimento e survey
– podem ser reagrupadas como coleta de dados visuais e verbais.
Independente dos delineamentos descritos acima, diferentes técnicas
de coleta de dados visuais e verbais podem ser utilizadas. Diante dos
objetivos deste item do texto, observa-se um grande número de
procedimentos descritos na literatura da área.
Flick (1995) diferencia entre quatro tipos de entrevistas: a) focalizada,
b) semiestandardizada, c) centrada num problema, e d) centrada no
contexto (e.g., com especialistas ou etnógrafos). Além do mais, aponta
três tipos de relatos: a) entrevista narrativa, b) entrevista episódica, e
c) contos. Descreve, ainda, três tipos de procedimentos grupais: a)
entrevista em grupo, b) discussão em grupo, e c) narrativa em grupo.
No que diz respeito aos procedimentos visuais, Flick (1995) menciona:
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 107

a) observação, b) observação participante, c) etnografia, d) fotografia,


e e) análise de filmes.
Mayring (2002) descreve quatro maneiras de levantar dados no
contexto da pesquisa qualitativa: i) dados verbais por meio de
entrevista centrada num problema, ii) entrevista narrativa, iii) grupo
de discussão, e iv) dados visuais por meio da observação participante.
No caso eleito para estudo, foram utilizados os dados visuais por meio
da observação, entrevista centrada no problema e no que se refere ao
tipo de relato, fez-se a entrevista episódica.
Este item aplica-se a pesquisas na área do Direito Ambiental, pois visa
a entender as aproximações metodológicas com a pesquisa qualitativa
por meio de análise das normas jurídicas e procedimentos que são
criados no âmbito real, análise da conduta para essas situações e
pesquisa da conduta das pessoas sobre o seu comportamento diante
das normas, procedimentos e situações.
O passo entre a coleta de dados e a sua análise parece ser o mais
ignorado na literatura. Especialmente na pesquisa qualitativa, este
passo é de suma importância diante da grande variabilidade nas
maneiras de coletar dados e da sua não estandardização (GUNTHER,
2006).
Mayring (2002) diferencia entre: a) meios de representação de dados,
b) transcrição de dados propriamente dita, e c) construção de
sistemas descritivos.
Os meios de representação de dados de qualquer pesquisa são
intimamente ligados às técnicas de coleta dos mesmos. Isto é mais
evidente no caso de escolher meios visuais: o próprio ato de
fotografar ou filmar um determinado evento já inclui a “transcrição”
de uma ideia em uma representação, no caso visual. As imagens já se
encontram concatenadas.
A transcrição de material verbal pode tomar as mais variadas formas.
A maneira mais detalhada é a transcrição literal de uma entrevista
gravada com a inclusão de sinais indicando entonações, sotaques,
regionalismo e “erros” de fala. É a transcrição mais completa, mais
informativa e, também, a mais onerosa em termos de tempo e de
dinheiro (GUNTHER, 2006).
Existe a transcrição comentada, não necessariamente mutuamente
excludente da anterior, na qual se registra explicitamente hesitações
na fala além das expressões faciais e corporais que acompanham as
verbalizações da pessoa, que pode ser utilizada em audiências, por
108

exemplo. Registros filmados ajudam, consideravelmente, na


preparação deste tipo de transcrição.
Embora a pesquisa qualitativa seja mais indutiva que dedutiva, não há
como afirmar que a construção de um sistema descritivo seja
totalmente livre de perspectivas, valores e emoções de quem prepara
um sistema de categorização de eventos.
Na pesquisa em comento, não foram utilizadas técnicas de transcrição
de registros, devido ao fato dos dados estarem contidos nas atas finais
e nos questionários de entrevistas na forma escrita.
c) Objeto de estudo: de acordo com Mayring (2002), a ênfase na
totalidade do tema a ser pesquisado como objeto de estudo, no caso
do Direito Ambiental, é essencial para a pesquisa qualitativa. Tanto
Mayring quanto Flick (2000) sublinham que o ponto de partida de um
estudo seja centrado num problema, pois a diferenciação entre
pesquisa básica e aplicada não é frutífera.
A pesquisa objetivou o estudo e análise da natureza jurídica do
instituto da “Conciliação Ambiental” no seio do procedimento
administrativo do Atendimento Ambiental no Estado de São Paulo
para a apuração das infrações ambientais
d) Interpretação dos resultados: Mayring (2002) e Flick (2000) destacam
os acontecimentos e conhecimentos cotidianos como elementos da
interpretação de dados. Os acontecimentos no contexto do processo
de pesquisa não são desvinculados da vida fora do mesmo. No Direito
Ambiental isso permitiria que a contextualidade do tema analisado
fosse o fio condutor em contraste com uma abstração nos resultados
para que sejam facilmente generalizáveis.
Portanto, no escopo da pesquisa sobre a Conciliação Ambiental,
permitiu-se analisar e constatar a natureza jurídica do acordo
celebrado no interior do procedimento administrativo no Estado de
São Paulo, restando por concessões mútuas limitadas, as quais não
desqualificaram a natureza conciliatória do procedimento, mas
respeitam as restrições impostas pela natureza difusa dos bens ali
versados. Dessa forma, possuindo por objeto de análise um direito
difuso, o qual pertencente a todos, mas ao mesmo tempo não possui
titularidade determinada, somente restou possível “transacionar”
sobre os aspectos secundários das infrações ambientais, quais sejam,
os valores das multas, os prazos e medidas a serem adotadas para
recuperação e minimização dos danos causados, porém, não
alcançando jamais a primordial necessidade de reparação do meio
ambiente degradado, por ser indisponível (ZANQUIM JUNIOR, 2016).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 109

e) Generalização de resultados: em relação à generalização de


resultados da pesquisa qualitativa, Mayring (2002) insere o conceito
da generalização argumentativa. À medida que os achados na
pesquisa qualitativa se apoiem em estudo de caso, estes dependem
de uma argumentação explícita apontando quais generalizações
seriam factíveis para circunstâncias específicas. Entretanto, este
processo deve seguir regras que não são uniformes, mas específicas a
cada circunstância. Desta maneira, é de suma importância que as
regras sejam explicitadas para permitir uma eventual generalização.
Nesta, generalizam-se os resultados ao observar o procedimento
administrativo do Atendimento Ambiental e o Programa de
Conciliação Ambiental no Estado de São Paulo quanto à sua
importância. Tem-se, também, por viável na disseminação do
conhecimento sobre a educação ambiental, podendo num futuro
próximo contribuir na redução dos passivos ambientais e na
recuperação dos danos ambientais, inclusive em outras regiões.
Finalmente, Mayring (2002) não exclui a quantificação, a qual no caso
em análise contribuiu para o encontro das soluções e pesquisa,
porém, no escopo do presente estudo não será pormenorizada, mas
enfatiza que a função importante da abordagem qualitativa é a de
permitir uma quantificação com propósito.

4 DELINEAMENTOS DA PESQUISA QUALITATIVA

Mayring (2002) descreve seis delineamentos da pesquisa qualitativa:


estudo de caso, análise de documentos, pesquisa-ação, pesquisa de campo,
experimento qualitativo e avaliação qualitativa. Neste trabalho enfatizam-se os
quatro primeiros, que melhor se aplicam ao Direito Ambiental e à pesquisa
observada. Para pesquisadores acostumados a trabalhar quantitativamente,
fica evidente que nenhum desses delineamentos é necessariamente
qualitativo.
a) Estudo de caso. Caracteriza-se como o estudo profundo de um objeto,
de maneira a permitir amplo e detalhado conhecimento sobre o
mesmo, o que seria praticamente impossível por meio de outros
métodos de investigação (GOODE; HATT, 1973).
De acordo com Triviños (1987, p. 133), o “Estudo de Caso”: “é uma
categoria de pesquisa, cujo objeto é uma unidade que se analisa
aprofundadamente". Esta unidade deve ser parte de um todo e ser
significativa e por isso permitir fundamentar um julgamento ou propor
uma intervenção. O autor considera ainda que o “Estudo de Caso”
110

orienta a reflexão sobre uma cena, evento ou situação, produzindo


uma análise crítica que leva o pesquisador à tomada de decisões e/ou
à proposição de ações transformadoras.
Conforme o autor, o “Estudo de Caso” diferencia-se por sua natureza,
uma vez que pode ter por objeto determinada comunidade, ou a
história de vida de uma pessoa ou um processo terapêutico.
Distingue-se também por sua abrangência, dado que a complexidade
do estudo está determinada pelo referencial teórico que orienta o
pesquisador. Destaca, ainda, que a situação a ser estudada não pode
ser isolada do seu contexto, pois o “Estudo de Caso” deve ser realizado
com vistas a promover uma análise do contexto e dos processos
envolvidos no fenômeno em estudo, considerando-se que o interesse
do pesquisador deve ser com respeito à relação fenômeno-contexto.
Nas pesquisas científicas em Direito Ambiental, torna-se relevante
aplicar a norma jurídica a diferentes casos e situações. Igualmente, na
pesquisa em apreço, foi eleito o CTRF6 de Bauru por compreender os
municípios no entorno do ponto de atendimento sito na cidade de
Araraquara, caracterizado por conter grande área de vegetação
protegida por lei, em especial do bioma Cerrado e, também, por existir
rios, dentre eles o Tietê, Mogi Guaçu e Jacaré-Pepira. Assim, os casos
estudados e as soluções verificadas podem servir para replicação em
outros CTRFs distribuídos pelo Estado de São Paulo.
b) Análise de documento. A coleta de documentos apresenta-se como
importante fase da pesquisa documental, exigindo do pesquisador
alguns cuidados e procedimentos técnicos acerca da aproximação do
local onde se pretende realizar a coleta das fontes que lhes pareçam
relevantes à sua investigação. Formalizar esta aproximação com
intuito de esclarecer os objetivos de pesquisa, e a importância desta,
constitui-se um dos artifícios necessários nos primeiros contatos e,
principalmente, para que o acesso aos acervos e fontes seja
autorizado (SILVA et al., 2009).
De acordo com Callado e Ferreira (2004), os espaços de pesquisa são
orientados pela própria natureza do estudo, portanto, a localização
dos documentos pode ser muito diversificada. Essa variedade exige
que o pesquisador tenha conhecimento do tipo de registro e
informações que abrigam as instituições visitadas e a seleção de
fontes adequadas (SILVA et al., 2009). Todos esses conhecimentos são
necessários a quem se propõe realizar a pesquisa documental, bem
como o gerenciamento equilibrado do tempo que se tem disponível
para realizar a pesquisa. Ao recolher documentos de forma criteriosa
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 111

o pesquisador passa a gerenciar melhor o tempo e a relevância do


material recolhido, o que constitui a pré-análise. A atividade de coleta
e pré-análise do documento são duas tarefas que se completam e que
se condicionam mutuamente (CALADO, FERREIRA, 2004).
Assim, a tarefa de pré-análise passa a orientar novas coletas de dados,
considerando que o processo é realizado de forma mais prudente e
cautelosa com a intenção de alcançar melhores resultados na análise
crítica do material recolhido (SILVA et al., 2009). Esta, por sua vez, tem
como objetivo central averiguar a veracidade e credibilidade dos
documentos adquiridos e a adequação destes às finalidades do
projeto (CALADO; FERREIRA, 2004). Todavia, faz-se necessário
ressaltar que esta fase não dá conta de interpretar de forma mais
elaborada o teor que se encontra implícito nos documentos, ficando
para a próxima fase a tarefa de interpretar o conteúdo do material
recolhido (SILVA et al., 2009).
A “análise de documentos” é a variante mais antiga para realizar
pesquisa, especialmente no que diz respeito à revisão de literatura.
Além de procedimentos tradicionais de leitura e resumo de ideias, é
possível extrair e sumarizar resultados por meio de meta-análise
(ROSENTHAL, 1984).
Os documentos analisados na pesquisa em estudo foram Leis e os
Decretos, além de Resoluções e Portarias, destinadas a entender o
procedimento administrativo ambiental do Atendimento Ambiental e
Programa de Conciliação Ambiental. Ainda, as atas finais e os
questionários de entrevistas aplicados aos participantes.
c) Pesquisa-ação. Não somente no Brasil a “pesquisa-ação” foi
incorporada ao campo da pesquisa qualitativa (THIOLLENT, 1985).
Conforme apontado por Sommer (1977) e Sommer e Amick
(1984/2003), a pesquisa-ação independe da técnica, podendo ser
utilizada com experimento, observação ou survey. Observa-se, ainda,
uma junção entre a pesquisa-ação e a pesquisa participante
(BRANDÃO, 1987).
Entre os métodos participativos, a pesquisa-ação ocupa um lugar de
destaque. Seu início ocorreu na década de 1940, e está em constante
renovação (MORIN, 2004). Sua fundamentação encontra apoio em
várias concepções psicossociológicas, comunicacionais, educacionais,
críticas, etc. (EL ANDALOUSSI, 2004).
De acordo com Liu (1997), a pesquisa-ação não se limita à resolução
dos problemas práticos dos usuários, não deve ser confundida com
uma simples técnica de consultoria, uma vez que a ambição que lhe é
112

associada consiste também em fazer progredir os conhecimentos


fundamentais. Para Liu (1997, p. 88) todo esse processo ocorre em
um:

Trabalho conjunto que é aprendizagem mútua entre pesquisadores e usuários (a


função educativa é muito desenvolvida em certos projetos ambientais) e dentro
de um quadro ético negociado e aceito por todos.

Segundo Thiollet e Silva (2007, p. 95), os resultados da pesquisa-ação


se verificam nos “modos de resolução de problemas concretos
encontrados no decorrer da realização do projeto”. Os conhecimentos
produzidos são “validados pela experimentação”. Há “formação de
uma comunidade capacitada, com competências individuais e
coletivas”, e também, “novos questionamentos para pesquisas e
estudos posteriores”.
Para a pesquisa avaliada, não foi utilizada a técnica da pesquisa-ação,
no entanto, esta pode ser utilizada em outras pesquisas no campo do
Direito Ambiental, visando à interação entre pesquisadores e
população interessada, para gerar possíveis soluções aos problemas
detectados.
d) Pesquisa de campo. Esta abordagem engloba, desde a década de
1930, uma ampla variedade de delineamentos a partir da sua
introdução ao contexto acadêmico por Jahoda, Lazarsfeld e Zeisel
(1933). Este estudo é especialmente interessante do ponto de vista do
método da pesquisa qualitativa, ao mesmo tempo em que se constitui
como exemplo de triangulação, isto é, uma integração de diferentes
abordagens e técnicas – qualitativas e quantitativas – num mesmo
estudo.
De acordo com Minayo (1994, p. 53), a “pesquisa de campo” é: “o
recorte que o pesquisador faz em termos de espaço, representando
uma realidade empírica a ser estudada a partir das concepções
teóricas que fundamentam o objeto da investigação”. Isso significa
que a pesquisa de campo é a escolha de uma área para aplicar a teoria
da pesquisa. Suertegaray (2002) define o trabalho de campo como um
instrumento de análise geográfica que permite o reconhecimento do
objeto e, que, fazendo parte de um método de investigação, permite
a inserção do pesquisador no movimento da sociedade como um
todo.

São muitas as estratégias de coleta de dados na pesquisa de


campo em uma abordagem qualitativa, dentre elas a história oral ocupa
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 113

lugar de destaque33. A riqueza de uma pesquisa com esta metodologia,


está na ênfase e na importância atribuídas aos sujeitos da pesquisa,
construtores de seu destino, entre possibilidades e limites. Mas a
pesquisa qualitativa não se esgota aí, é preciso analisar os elementos do
processo de pesquisa – coleta, transcrição e análise de dados –
utilizados na pesquisa qualitativa.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos das questões ambientais constituem-se necessários e


imprescindíveis diante da indispensabilidade dos recursos naturais e artificiais
na manutenção e no desenvolvimento das variadas formas de vida, e respeito
aos princípios gerais de Direito Ambiental.
Apesar da existência de diversas técnicas e métodos de pesquisa
destinada à coleta de dados e posterior avaliação, para a obtenção dos
resultados desejados, importa destacar o uso do método qualitativo para as
questões em Direito Ambiental, pois atribuem credibilidade, confiança e
cientificidade aos trabalhos.
Partindo da análise de uma pesquisa realizada, verifica-se que a
metodologia qualitativa foi capaz de elucidar e auxiliar o encontro dos
objetivos apontados e os resultados propostos. Assim, foram essenciais o
deslinde do estudo, o uso dos dados contidos nas atas finais dos Atendimentos
Ambientais, assim como nos questionários de pesquisa aplicados pelo
pesquisador aos infratores ambientais.
Embora no caso apresentado nem todas as técnicas de pesquisa
qualitativa tenham sido utilizadas, evidencia-se a importância de se adequar
diferentes objetivos a essas técnicas aplicadas ao Direito Ambiental. Nesse
sentido, alicerçado no método qualitativo, apesar de também ter sido utilizado
na pesquisa citada a metodologia quantitativa, mas atento ao foco do estudo,
foi possível a verificação da natureza jurídica da decisão consensual no ventre
do procedimento administrativo ambiental e a obtenção de elementos
referentes à situação econômica e escolaridade dos infratores, assim como as
percepções sobre a prática infracional e suas consequências. Assim como no
sentido de compreensão, verificação e conhecimento da terminologia
“conciliação” na solução do impasse administrativo ambiental.

33
A importância da história oral está na subjetividade do sujeito, que fornece às fontes orais
elementos que nenhuma outra fonte seria capaz de dar, pode revelar sentimentos, significados,
simbolismos e até a imaginação das pessoas.
114

No campo das pesquisas em Direto Ambiental tem-se por imperativo o


uso da metodologia qualitativa, diante da presença de expressões e
terminologias pendentes de avaliação hermenêutica e de valoração social em
determinado período social. Dessa forma, não deixando de reconhecer os
créditos às pesquisas quantitativas, vê-se que, no campo das pesquisas
ambientais sob o enfoque do Direito Ambiental, torna-se muito importante o
uso da análise qualitativa sobre os dados e elementos obtidos pelo
pesquisador, ensejando adequá-los ao momento da coleta e ao contexto social
vivenciado.

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116
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 117

Capítulo 7

PERFORMANCE DE ABRIGOS TERMO-HIGROMÉTRICOS


ALTERNATIVOS UTILIZADOS EM ESTUDOS DE CLIMA URBANO

Flávia Maria de Moura Santos34


Marcos de Oliveira Valin Jr.35
Ângela Santana de Oliveira36
Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira37
José de Souza Nogueira38

1 INTRODUÇÃO

Pesquisas de clima urbano são efetivadas constantemente com a


finalidade de dar subsídio a estudos de ilhas de calor, projetos de edificações,
conforto ambiental e a definição de políticas públicas.
No Brasil, as pesquisas de sistemas urbanos são desenvolvidas
principalmente por universidades e centros de ensino, onde os recursos são
limitados e dependentes de editais ou mesmo de recursos próprios de
pesquisadores. Para superar essas dificuldades, muitos sensores, abrigos e
sistemas alternativos aos padrões são desenvolvidos, baseados na expertise e
inventividade dos pesquisadores.
Nos estudos da climatologia urbana, é quase que indispensável a
realização de atividades em campo, visando à aquisição de dados para serem
analisados, envolvendo muito mais que somente observação e análise.
Um dos desafios na área de pesquisa de clima urbano refere-se à
uniformização dos procedimentos de coleta e análise de dados (OKE, 2005). A
padronização dos instrumentos de coleta é imprescindível para a qualidade

34 Doutora em Física Ambiental, professora na UFMT, e-mail: flavia_mms@hotmail.com


35 Doutorando em Física Ambiental, professor no IFMT, e-mail: marcos.valin@cba.ifmt.edu.br
36
Doutora em Física Ambiental, professora no IFMT, e-mail: angela.oliveira@cba.ifmt.edu.br
37 Doutora em Engenharia Civil, professora na UFMT, e-mail: mcjanp@gmail.com
38 Doutor em Ciências, professor na UFMT, e-mail: nogueira@ufmt.br
118

desses estudos microclimáticos, bem como para garantir que sejam de fácil
acesso e baixo custo.
Os abrigos têm a função de permitir uma boa ventilação natural,
bloquear a entrada de chuva e de radiação solar direta, permitir a entrada de
radiação solar difusa. Diversos pesquisadores desenvolveram abrigos
alternativos para prática de pesquisas, porém observam-se diferenças em seus
formatos e posições de instalação.
Conhecer os tipos de abrigos possíveis e avaliá-los quanto a sua
utilização em situações diversas é de grande importância para validação e
precisão de estudos microclimáticos.
Conforme Costa et al. (2007), a padronização envolve nomenclaturas,
métodos de trabalho e análise, de forma que a transmissão da tecnologia
desenvolvida possa ser mais bem compreendida e aplicada para as diversas
realidades. Essa é uma preocupação também brasileira que detém diversos
grupos de estudo na área de clima urbano se consolidando, só que trabalhando
muitas vezes de forma isolada.
Como forma de fornecer subsídio aos estudos de clima urbano, o
objetivo geral deste trabalho é verificar as influências de diferentes tipos de
abrigos para termo-higrômetros em pontos fixos. Desta maneira, o trabalho
buscou subsidiar os pesquisadores do clima quanto a informações que possam
auxiliar na escolha dos abrigos para suas pesquisas.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 PRODUÇÃO DOS ABRIGOS

Os abrigos consistem na proteção contra a incidência de radiação e


proteção contra intempéries, sendo escolhidos com base no referencial de
literatura os seguintes tipos de abrigo: tubo de PVC horizontal (FRANCO, 2013);
tubo de PVC vertical (BARROS, 2012); pratos plásticos brancos (NEVES, 2013);
pote de sorvete branco (RIBEIRO et al., 2015); e de madeira (SERAFINI JÚNIOR
et al., 2014).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 119

2.1.1 Abrigo com tubo de PVC horizontal

O abrigo foi produzido com tubos de PVC rígidos, na cor branca, sendo
60 cm de comprimento no diâmetro de 100 mm e 50 cm de comprimento no
diâmetro de 75 mm (Figura 1, itens “a” e “b”). O tubo menor foi revestido na
sua face externa por papel aluminizado, para proteger de possíveis efeitos de
radiação térmica (Figura 1, item “c”). Para centralizar o tubo menor no interior
do tubo maior, foram utilizados parafusos (Figura 1, item “d”), permitindo
dessa maneira que o datalogger e sensor ficassem centralizados, com
ventilação e protegidos de intempéries.

Figura 1: Confecção do abrigo horizontal: (a) cortando os tubos; (b) tubos nas medidas; (c)
colando o papel aluminizado; (d) fixação e posicionamento com o auxílio de parafusos

(a) (b) (c) (d)


Fonte: Os autores.

2.1.2 Abrigo com tubo de PVC vertical

Para sua produção utilizou-se um tubo de PVC rígido, cor branca, de 75


mm de diâmetro e 25 cm de comprimento (Figura 2, item “a”). O tubo foi
perfurado, com broca de 4 mm para permitir a passagem de ar (Figura 2, item
“b”). Na parte superior do tubo foi colocada uma tampa para tubo de esgoto
para proteger o sensor da radiação solar direta e precipitações. Um suporte
também foi confeccionado com peças de PVC. Na parte inferior foi colocada
uma esponja para servir de suporte ao sensor (Figura 2, item “c”).
120

Figura 2: Confecção do abrigo vertical (a) marcando os pontos; (b) furando; (c) inserindo fundo

(a) (b) (c)


Fonte: Os autores.

2.1.3 Abrigo com pratos plásticos

Foi construído utilizando seis pratos plásticos redondos na cor branca


(Figura 3, item “a”).

Figura 3: Confecção do abrigo de pratos (a) cortando o centro dos pratos;


(b) espaçadores; (c) etapa de montagem

(a) (b) (c)


Fonte: Os autores.

As dimensões dos pratos são as seguintes: fundo do prato (aba menor)


de 12 cm; aba maior do prato de 21,5 cm; profundidade do prato de 3 cm. Nos
pratos intermediários foram realizadas aberturas, para o posterior
posicionamento do sensor. A distância entre os pratos foi de 2,5 cm, garantidos
por mangueira transparente cortada, sustentados por duas barras galvanizadas
roscadas de 0,4 cm diâmetro, de modo a fixar os pratos sobrepostos (Figura 3,
itens “b” e “c”). Os pratos foram travados com o auxílio de porcas e arruelas
junto com os espaçadores.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 121

2.1.4 Abrigo com pote de sorvete

Foi construído com um pote de sorvete branco, com furos realizados


com o auxílio de uma furadeira com broca de 4 mm (Figura 4).

Figura 4: Confecção do abrigo de pote de sorvete

Fonte: Os autores.

2.1.5 Abrigo de madeira com furos

Constitui-se de uma caixa nas dimensões de 54 cm de comprimento,


35 cm de largura e 65 cm de altura, com 20 furos de 2 cm de diâmetro em cada
uma das 2 portas e outros 20 furos de 3,5 cm nas laterais (Figura 5). Após a
montagem do abrigo foi preparado um suporte para deixá-lo na altura de 1,5
m. O abrigo foi pintado com tinta esmalte branca.
122

Figura 5: Confecção do abrigo de madeira

Fonte: Os autores.

2.2 ESTAÇÃO DE REFERÊNCIA

Como referência de comparação dos dados, optou-se por uma estação


automatizada, sendo o modelo Vantage Pro 2™ da marca Davis (Figura 8, item
“a”). A umidade relativa e a temperatura do ar foram medidas por um termo-
higrômetro operando em intervalo de temperatura do ar -40 °C a +65 °C, e com
acurácia de ±0,4 °C. O sensor de umidade relativa do ar opera em um intervalo
de 1 a 100% com acurácia de ±3%.
Anteriormente à instalação da estação, foi realizada limpeza e
manutenção preventiva dos sensores e posterior calibração dos mesmos.

2.3 SENSORES UTILIZADOS NOS ABRIGOS

Os sensores utilizados são do tipo datalogger, modelo U12-012 (Figura


6), de fabricação da Onset Computer Corporation, capaz de registrar medidas
de temperatura, umidade relativa do ar, intensidade de luz. Dados de precisão
apresentados na Tabela 1.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 123

Figura 6: U12-012 Datalogger

Fonte: Os autores.

Os sensores utilizados foram devidamente calibrados antes da


utilização.

Tabela 1: Dados de precisão do sensor


Sensor: Datalogger Hobo U12-012
Faixa de medição: Temperatura do ar: -20 °C a 70 °C
Umidade relativa do ar: 5 a 95%
Acurácia: Temperatura do ar: ± 0,35 °C
Umidade relativa do ar: ± 2,5%
Resolução: Temperatura do ar: 0,03 °C
Umidade relativa do ar: 0,03%
Fonte: Os autores.

2.4 INSTALAÇÃO DOS ABRIGOS

A pesquisa foi realizada na Fazenda Experimental da UFMT, no


município de Santo Antônio de Leverger (Figura 7).
A região possui duas estações do ano bem definidas: uma seca (outono-
inverno) e uma chuvosa (primavera-verão) (MAITELLI, 1994). O índice
pluviométrico anual varia de 1.250 a 1.500 mm (CAMPELO JUNIOR et al., 1991).
Apresenta ainda baixa frequência e velocidade média do ar e seu clima está
classificado como Aw, segundo a Classificação de Köppen.
124

Figura 7: Localização

Fonte: Os autores.

Os abrigos foram instalados de forma a manter a estrutura do solo e


vegetação para a não ocorrência de alteração nas variáveis de medidas. Um
cavalete foi construído para fixação dos abrigos com altura de 1,5 m, conforme
normas da OMM, sendo o abrigo de madeira e a estação de referências
posicionadas nas extremidades do cavalete (Figura 8).
A instalação ocorreu no sentido predominante da direção do vento, no
caso Norte-Noroeste (45°). Os abrigos foram instalados no mês de abril do ano
de 2015. Para a análise dos dados foram utilizados 40 dias para cada período,
com valores registrados a cada 10 minutos, sendo o úmido (abril e maio de
2015) e o seco (agosto e setembro de 2015).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 125

Figura 8: Equipamentos instalados

A B C

D E F
Fonte: Os autores.

2.5 ANÁLISE DOS DADOS

As informações coletadas foram organizadas em planilhas no Microsoft


Excel, e gerados gráficos com as médias horárias para a temperatura e umidade
relativa do ar, e também com as diferenças de temperatura e umidade
registradas no padrão com os abrigos alternativos.
126

A análise estatística procedeu-se com a análise de variância


multivariada (MANOVA) para verificação da significância dos dados, e também
testes dos efeitos entre grupos em cada variável (ANOVA). Para verificar se
entre os abrigos as diferenças na temperatura e umidade relativa são
significativas, realizaram-se os testes de comparações múltiplas Tukey HSD.
Ambos os testes foram realizados utilizando-se o software SPSS Statistics
versão 22.0.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para testar a existência de diferenças significativas entre os abrigos


quanto à temperatura do ar e umidade relativa do ar foi utilizada a análise de
variância multivariada. A temperatura e a umidade relativa foram consideradas
como variáveis dependentes, e o fator “Tipos de abrigos” como variável
independente. Foram detectadas diferenças significativas, conforme
apresentado na Tabela 2, indicando que ao menos um tipo de abrigo difere
para um nível de significância menor que 0,1% (altamente significativo) para as
variáveis temperatura e na umidade relativa.

Tabela 2: Teste multivariado


Efeito do abrigo Valor Z Significância (p)
Lambda de Wilks (quente-úmido) 0,804 617,902 < 0,001
Lambda de Wilks (quente-seco) 0,967 113,467 < 0,001
Fonte: Os autores.

Espera-se obter o Lambda de Wilks menor que 1 para que seja


significativo, e é tanto mais significativo quanto menor for seu valor; portanto,
0,804 na estação quente-úmido e 0,967 na estação quente-seco, foram
significativos.
A avaliação dos efeitos entre grupos em cada variável foi detalhada por
Análises de Variância Univariadas – ANOVA (F), detectando, em consonância,
que os abrigos têm um efeito estatisticamente significativo tanto para
temperatura como para umidade relativa (Tabela 3).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 127

Tabela 3: Teste ANOVA para avaliação dos efeitos entre grupos


Temperatura Umidade
Quente-úmido F = 957,238; p < 0.001 F = 1143,931; p < 0,001
Quente-seco F = 136,243; p < 0.001 F = 56,849; p < 0,001
Fonte: Os autores.

Quanto à temperatura na estação quente-úmido (Tabela 4), apenas não


existem diferenças estatisticamente significativas (p > 0.05) entre os abrigos de
“madeira” e “horizontal”. As diferenças são estatisticamente significativas (p <
0.05) nas comparações múltiplas entre todos os outros pares de abrigos.

Tabela 4: Caracterização da temperatura (°C) e comparações múltiplas entre os abrigos – quente


úmido
COMPARAÇÕES MÚLTIPLAS (1)
ABRIGO M (DP)
Padrão Horizontal Sorvete Vertical Prato Madeira
Padrão 26,26 (3,43) - -,1291* -1,1290* -,9634* -,2399* -,1730*
Horizontal 26,39 (4,08) ,1291* - -1,0000* -,8343* -,1108* -,0440
Sorvete 27,39 (5,89) 1,1290* 1,0000* - ,1656* ,8892* ,9560*
Vertical 27,22 (5,33) ,9634* ,8343* -,1656* - ,7235* ,7904*
Prato 26,50 (4,10) ,2399* ,1108* -,8892* -,7235* - ,0668*
Madeira 26,43 (4,12) ,1730* ,0440 -,9560* -,7904* -,0668* -
(1) Testes de comparações múltiplas Tukey HSD: *p < 0,05.
Fonte: Os autores.

Referente à temperatura na estação quente-seco (Tabela 5), não


existem diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05) entre o abrigo
“padrão” e “horizontal”; “padrão” e “madeira”; “horizontal” e “madeira”;
“vertical” e “sorvete”. As diferenças são estatisticamente significativas (p <
0,05) nas comparações múltiplas entre todos os outros pares de abrigos.
O Gráfico 1 apresenta as temperaturas médias dos dois períodos.
Observa-se que a temperatura média na estação quente-úmido o abrigo com
temperatura média mais elevada foi o “sorvete” (M = 27,39; DP = 5,89),
seguindo-se o “vertical”, o “prato”, o “madeira”, o “horizontal” e o “padrão”
(M = 26,26; DP = 3,43) com a temperatura média mais baixa.
128

Tabela 5: Caraterização da temperatura (°C) e comparações múltiplas entre os abrigos – quente-


seco
COMPARAÇÕES MÚLTIPLAS (1)
ABRIGO M (DP)
Padrão Horizontal Sorvete Vertical Prato Madeira
Padrão 26,89 (7,05) - ,09275 -,82239* -,74748* -,14554* ,01848
Horizontal 26,80 (7,87) -,09275 - -,91514* -,84023* -,23829* -,07427
Sorvete 27,72 (9,76) ,82239* ,91514* - ,07491 ,67685* ,84087*
Vertical 27,64 (9,00) ,74748* ,84023* -,07491 - ,60194* ,76596*
Prato 27,04 (7,68) ,14554* ,23829* -,67685* -,60194* - ,16401*
Madeira 26,88 (7,82) -,01848 ,07427 -,84087* -,76596* -,16401* -
(1) Testes de comparações múltiplas Tukey HSD: *p < 0,05.
Fonte: Os autores.

Já para a estação quente-seco a temperatura média mais baixa foi o


“horizontal”, diferente do quente-úmido onde foi o “padrão”.
As temperaturas médias no período quente-seco foram em ordem
decrescente o “sorvete” (M = 27,72; DP = 9,76), seguindo-se o “vertical”, o
“prato, o “padrão”, o “madeira” e o “horizontal” (M = 26,80; DP = 7,87).

Gráfico 1: Temperatura média (°C) por abrigo

Fonte: Os autores.

Quanto à umidade relativa na estação quente-úmido (Tabela 6), apenas


não existem diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05) entre
“madeira” e “prato”. As diferenças foram estatisticamente significativas (p <
0,05) nas comparações múltiplas entre todos os outros pares de abrigos.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 129

Tabela 6: Caraterização da umidade relativa (%) por abrigo e comparações múltiplas entre os
abrigos – quente-úmido
COMPARAÇÕES MÚLTIPLAS (1)
ABRIGO M (DP)
Padrão Horizontal Sorvete Vertical Prato Madeira
Padrão 82,72 (12,38) - ,9343* 3,8105* 3,5489* ,6452* ,7100*
Horizontal 81,78 (15,48) -,9343* - 2,8762* 2,6146* -,2891* -,2244*
Sorvete 78,90 (20,03) -3,8105* -2,8762* - -,2617* -3,1653* -3,1006*
Vertical 79,17 (19,40) -3,5489* -2,6146* ,2617* - -2,9036* -2,8389*
Prato 82,07 (16,42) -,6452* ,2891* 3,1653* 2,9036* - ,0647
Madeira 82,01 (15,84) -,7100* ,2244* 3,1006* 2,8389* -,0647 -
(1) Testes de comparações múltiplas Tukey HSD: *p < 0,05.
Fonte: Os autores.

Na estação quente-seco (Tabela 7), para os valores de umidade relativa


do ar, não existem diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05) entre
“horizontal” e “prato”; “horizontal” e “madeira”; “sorvete” e “prato”;
“sorvete” e “madeira” e “prato” e “madeira”. As diferenças foram
estatisticamente significativas (p < 0,05) nas comparações múltiplas entre
todos os outros pares de abrigos.

Tabela 7: Caraterização da umidade relativa (%) por abrigo e comparações múltiplas entre os
abrigos – quente-seco
COMPARAÇÕES MÚLTIPLAS (1)
ABRIGO M (DP)
Padrão Horizontal Sorvete Vertical Prato Madeira
Padrão 59,61 (21,88) - 1,61451* 2,15165* 2,7562* 2,0190* 1,66895*
Horizontal 58,00 (24,26) -1,61451* - ,53714* 1,1417* ,40457 ,05444
Sorvete 57,46 (27,14) -2,15165* -,53714* - ,60457* -,13257 -48270
Vertical 56,85 (26,47) -2,75622* -1,14171* -,60457* - -,73714* -1,0872*
Prato 57,59 (25,02) -2,01908* -,40457 ,13257 ,73714* - -,35013
Madeira 57,94 (24,62) -1,66895* -,05444 ,48270 1,0872* ,35013 -
(1) Testes de comparações múltiplas Tukey HSD: *p < 0,05.
Fonte: Os autores.

Na análise das umidades relativas do ar médias (Gráfico 2) observa-se


que o abrigo com umidade relativa média na estação quente-úmido mais
130

elevada foi o “padrão” (M = 82,07; DP = 12,38), seguindo-se o “prato”, o


“madeira”, o “horizontal”, o “vertical”, e o “sorvete” (M = 78,90; DP = 20,03)
com a umidade relativa média mais baixa.
Na estação quente-seco a umidade mais elevada também foi a do
“padrão” (M = 59,61; DP = 21,88), seguida pelo “horizontal”, o “madeira”, o
“prato”, o “sorvete” e a menor umidade no “vertical” (M = 56,85; DP = 26,47).

Gráfico 2: Umidade relativa média (%) por abrigo

Fonte: Os autores.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Comparando-se os abrigos verificou que quanto maior a intensidade de


radiação solar global e quanto menor for a velocidade externa do ar, maiores
são as diferenças da temperatura do ar obtidas.
Referente ao desempenho dos abrigos alternativos analisados, tem-se
que os abrigos do tipo vertical e o com pote de sorvete não se demonstram
eficientes para a coleta de dados em pontos fixos, principalmente se utilizados
durante o período diurno.
É possível também concluir que não apenas o material utilizado está
associado ao desempenho, mas também quanto à sua arquitetura, pois como
observado nos abrigos “vertical” e “horizontal”, ambos foram construídos com
PVC e apresentaram resultados diferentes.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 131

Quanto aos demais tipos (prato, horizontal e o de madeira) se


mostraram opções viáveis, cabendo analisar o local onde será utilizado para
definir qual deles melhor se adapta, pois o horizontal depende de já conhecer
o sentido da direção do vento; o de madeira, do espaço disponível devido ao
seu tamanho e peso; e quanto ao de prato, da disponibilidade de pratos
plásticos na cor branca.
Os resultados obtidos no presente trabalho motivam estudos
complementares, que possam contribuir para o avanço do conhecimento na
padronização de abrigos e procedimentos de medições de dados climáticos,
assim, recomenda-se: verificar o desempenho dos diferentes abrigos em
transecto móvel, verificando se terão o mesmo comportamento de quando
instalados fixos; avaliar a durabilidade dos abrigos, aumentando o período de
coleta dos dados.

REFERÊNCIAS

BARROS, M.P. Dimensão fractal e ilhas de calor urbanas: uma abordagem sistêmica sobre as
implicações entre a fragmentação das áreas verdes e o ambiente térmico do espaço urbano.
2012. Tese (doutorado), Física Ambiental, Instituto de Física, Universidade Federal de Mato
Grosso – Cuiabá, MT, 2012.
CAMPELO JUNIOR, J.H.; PRIANTE FILHO, N.; CASEIRO, F.T. Caracterização macroclimática de
Cuiabá. Encontro Nacional de Estudos sobre o Meio Ambiente. 1991.
COSTA, A.; LABAKI, L.C.; ARAÚJO, V.M.D. A methodology to study the urban distribution of air
temperature in fixed points. PROCEDINGS OF 2ND PALENC CONFERENCE AND 8TH AIVC
CONFERENCE, p. 227-230, 2007.
DAVIS INSTRUMENTS. Wireless Vantage Pro2™ with Standard Radiation Shield. DAVIS. Disponível
em: <http://www.davisnet.com/weather/products/weather_product.asp?pnum=06152>.
Acesso em: 1 maio 2015.
FRANCO, F.M. Análise do comportamento termo-higrométrico urbano sob a ótica do uso e
ocupação do solo em Cuiabá – MT. 2013. Tese (doutorado), Física Ambiental, Instituto de
Física, Universidade Federal de Mato Grosso – Cuiabá, MT, 2013.
MAITELLI, G.T. Uma abordagem tridimensional do clima urbano em área tropical continental: o
exemplo de Cuiabá/MT. 1994. Tese (doutorado), Climatologia, USP, 1994.
NEVES, G.A.R. Desenvolvimento de um sistema automatizado com sensores alternativos para
coleta e armazenamento de dados micrometeorológicos. 2013. Tese (doutorado), Física
Ambiental, Instituto de Física, Universidade Federal de Mato Grosso – Cuiabá, MT, 2013.
OKE, T.R. Towards better scientific communication in urban climate. Áustria: Theorical and
Applied Climatology, 2005.
ONSET COMPUTER CORPORATION. HOBO U12 Temperature/Relative Humidity/Light/External
Data Logger - U12-012. Disponível em: <http://www.onsetcomp.com/products/data-
loggers/u12-012>. Acesso em: 11 mar. 2015.
SERAFINI JÚNIOR, S.; ALVES, R.R. Miniabrigos meteorológicos: comparação e análise estatística
para avaliação de eficiência. GEOUSP - Espaço e Tempo (on-line), v. 18, p. 198-210, 2014.
132
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 133

Capítulo 8

APLICAÇÃO DO MODELO DE FRAGILIDADE AMBIENTAL


NA ÁREA DE INFLUÊNCIA DO RESERVATÓRIO DA
UHE BARRA DOS COQUEIROS (GO)

Susy Ferreira Oliveira39


João Batista Pereira Cabral40
Celso Carvalho Braga41
Pollyanna Faria Nogueira42

1 INTRODUÇÃO

As interferências nos ambientes naturais são uma das principais


preocupações das últimas décadas devido às constantes transformações
realizadas pelas ações humanas, que estão contribuindo para a geração de
ambientes mais vulneráveis a impactos ocasionados pelo tipo de solo,
declividade, clima e pela ação antrópica.
Com isso, o comportamento de uma área de influência hidrográfica em
relação aos sedimentos é muito variável, desde as partes altas até as planícies
(ZACHAR, 1982; CARVALHO, 1994; SANTOS, 2015).
Compreender a fragilidade ambiental de determinada área é
fundamental para se diagnosticar alterações, tanto nos aspectos naturais
quanto nos ocasionados pelas formas de uso da terra pelas sociedades.
A fragilidade ambiental proposta por Ross (1994; 2012), baseada nas
concepções de ecodinâmica de Tricart (1997), é obtida a partir da relação de

39 Ms. em Geografia, Universidade Federal de Goiás – UFG. E-mail: susyufg@yahoo.com.br


40 Doutor, Universidade Federal de Goiás – UFG. E-mail: jbcabral2000@yahoo.com.br
41 Doutor, Instituto Federal de Goiás– IFG. E-mail: ccarvalhobraga@gmail.com
42
Ms, Universidade Federal de Goiás – UFG. E-mail: pollypam@hotmail.com
134

componentes físicos e bióticos e demonstra espaços suscetíveis ou não a


efeitos danosos para o meio, sendo representado de forma hierárquica para os
diferentes níveis de fragilidade, de muito baixa a muito alta, indicando a
relação entre o uso da terra e os fatores físicos do ambiente.
Para melhor compreensão da fragilidade ambiental, é importante
destacar dois conceitos fundamentais, quais sejam: fragilidade potencial e
fragilidade emergente. De acordo com Ross (1994), a fragilidade potencial –
também conhecida como fragilidade natural – é encontrada em áreas em que
a interferência humana não alterou a situação de equilíbrio do meio,
predominando somente os agentes naturais de modificação, como o
intemperismo físico-químico. A fragilidade emergente encontra-se relacionada
com as formas de uso da terra, que geram situações de desequilíbrio dinâmico
da paisagem.
A visão de fragilidade emergente e fragilidade potencial proposta por
Ross (1994), baseada no conceito de ecodinâmica de Tricart (1977), permite
caracterizar de forma mais coerente o meio ambiente. Além disso, proporciona
a identificação de áreas de fragilidade do ambiente que são determinadas a
partir da análise de forma integrada em conhecimentos setorizados, ou seja,
análise de cada característica que influencia na determinação da fragilidade
ambiental. Para Tricart (1977), os ambientes naturais podem ser classificados
como unidades estáveis até o momento em que ações antrópicas passam a
interferir neles, tornando-os unidades instáveis.
Conforme Ross (1994; 2012) e Crepani et al. (1998), a fragilidade e a
vulnerabilidade ambiental fornecem importantes subsídios à elaboração do
Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). Nesse sentido, Kawakubo et al.
(2005), Spörl, Castro e Luchiari (2011), Batista e Sousa (2014), Cereda Júnior e
Röhm (2014), Schmidt e Barbosa (2016) reiteram que o estudo sobre a
fragilidade ambiental é uma das ferramentas mais importantes para a
elaboração de projetos de planejamento territorial ambiental, visto que
avaliam, de forma integrada, as potencialidades do meio.
Nesse contexto, este trabalho tem por objetivo mapear as áreas de
maior e menor grau de fragilidade ambiental da região de influência da UHE
Barra dos Coqueiros. Analisando, assim, de forma integrada, aspectos naturais
e os efeitos das ações antrópicas sobre esse meio ambiente em questão.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 135

2 LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O recorte espacial delimitado para realização deste estudo é a área de


influência hidrográfica da UHE Barra dos Coqueiros (GO) (Figura 1). O
empreendimento hidrelétrico possui um potencial de 90 MW (implantado pela
Empresa Gerdau Aços Longos S/A), e entrou em funcionamento no início do
ano de 2010, com espelho d’água que possui 25,48 km², tendo como seu
principal curso o rio Claro. A área de influência da UHE Barra dos Coqueiros
apresenta extensão de 518,2 km² e perímetro de 115,3 km².

Mapa 1: Localização da área de influência da UHE Barra dos Coqueiros (GO)

Fonte: Org. Queiroz Júnior (2017).


136

Para a análise empírica da fragilidade são necessários estudos básicos


de relevo, solos, erosividade, uso e cobertura da terra, nos quais cada classe
possui uma base ponderada por um valor (pesos) de forma hierárquica.
O diagnóstico da fragilidade ambiental dessa área foi realizado com
base na metodologia de Ross (1994), que classifica os ambientes em fragilidade
potencial e fragilidade emergente, em cinco níveis que variam de muito fraca
(ou muito baixa), fraca (ou baixa), média, forte (alta) a muito forte (muito alta).
O mapa pedológico foi confeccionado com auxílio do software de
Sistema de Informação Geográfica ArcGis 10.2, com base nos dados do Sistema
Estadual de Geoinformação (SIEG) (2015) com escada de 1:250.000. A
classificação qualitativa dos tipos de solo, de acordo com o grau de fragilidade
ambiental, foi realizada de acordo com o proposto por Ross (1994), conforme
destacado no Quadro 1.

Quadro 1: Classes de fragilidade ambiental dos tipos de solo


Classe de fragilidade ambiental Tipo de solo Embrapa (2013)
1 – Muito Baixa Latossolo vermelho distroférrico
2 – Baixa Latossolo vermelho distrófico
3 – Média Argissolos vermelho amarelo eutrófico
4 – Forte Argissolos vermelho-amarelo distrófico
Neossolos litólicos e neossolos
5 – Muito Forte quartzarênicos
Fonte: Adaptado de Ross (1994).

A declividade da área de influência da UHE Barra dos Coqueiros foi


elaborada de acordo com a proposta da Embrapa (2013) e Ross (1994),
conforme apresentado no Quadro 2.

Quadro 2: Níveis de fragilidade por classe de declividade


Declividade Classificação Classes de fragilidade
0a3 Plano 1 – Muito baixa
3a8 Suave ondulado 2 – Baixa
8 a 20 Ondulado 3 – Média
20 a 45 Forte ondulado 4 – Alta
< 45 Montanhoso/escarpado 5 – Muito alta
Fonte: Embrapa (2013).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 137

As estimativas de erosividade para a área de influência foram obtidas a


partir de dados pluviométricos de quatro postos pluviométricos da Agência
Nacional das Águas (ANA) (Mapa 2, Quadro 3), do ano de 1977 a 2015, e do
estudo desenvolvido por Lima (2013).

Mapa 2: Estações pluviométricas da ANA

Fonte: Org. Queiroz Júnior (2017).

Quadro 3: Estações pluviométricas da Agência Nacional das Águas


Estação Município Longitude Latitude Precipitação Altitude (m)
Quirinópolis Quirinópolis 7955527 550673 1498,60 443
Pombal Jataí 7999781 448153 1522,71 645
Itarumã Itarumã 7925686 464164 11478,75 424
Cachoeira Alta Cachoeira Alta 7909157 515743 1426,05 440
Fonte: Agência Nacional da Águas (2015).

Para o cálculo de erosividade, utilizou-se a metodologia proposta por


Wischmeier e Smith (1978), adaptada para as condições do Brasil por Lombardi
Neto e Moldenhauer (1977 apud BERTONI; LOMBARDI NETO, 2005), pela
Equação Universal de Perda de Solos (1).
138

EI30 = 67,355 (r² / P)0,85 (1)

Onde:
EI30 = média mensal do índice de erosividade, em MJ.mm/(ha.h);
r = médias mensais de pluviosidade em mm;
P = médias anuais de pluviosidade em mm.

Para a avaliação da erosividade, foram adotadas cinco classes (Quadro


4), porém os resultados de erosividade obtidos a partir da metodologia
utilizada são em MJ mm ha-1 h-1 ano-1, sistema métrico internacional, sendo
necessário convertê-los para o sistema métrico decimal (ton.m.mm/ha.h.ano),
dividindo-os por 9,81, conforme destacado por Carvalho (2008) e Cabral et al.
(2011).

Quadro 4: Classes de erosividade da chuva, média anual


Classes de Erosividade – Erosividade
Fragilidade (ton.m.mm/ha.h.ano) Código/Atributo
Muito baixa R < 250 1
Baixa 250 < R < 500 2
Média 500 < R < 750 3
Alta 750 < R < 1000 4
Muito alta R > 1000 5
Fonte: Adaptado de Carvalho (2008).

Para análise do uso da terra na área de influência da UHE Barra dos


Coqueiros, foi utilizada imagem do satélite Landsat 8 Sensor Operational Land
Imager (OLI), órbita 223, ponto 73, composição colorida 6R5G4B, data de 2 de
agosto de 2015. Esta imagem é adquirida gratuitamente pelo sistema Earth
Explorer do U.S. Geological Survey (USGS), gerido pela National Aeronautics
and Space Administration (NASA).
Após a reprojeção da imagem para o hemisfério Sul, foi realizada a
classificação não supervisionada no ArcGIS 10.2 pela ferramenta “Multivariate”
no classificador “Isoclauster”, que executa a agregação dos pixels semelhantes,
do formato Raster para transformar em classes de uso em um arquivo vetorial,
o qual foi convertido em formato vetorial para melhor tratamento.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 139

A correção dos polígonos que foram condizentes com as classes


correlacionadas foi executada através do FildCalculator para alteração dos
atributos e reclassificação respectiva à classe, de acordo com o manual de
classificação de uso da terra (IBGE, 2013), gerando, desta maneira, o mapa de
uso da terra.
Para a definição das classes temáticas de uso da terra (pastagem,
agricultura, silvicultura, solo descoberto, vegetação, água, área urbana), foram
utilizados os seguintes elementos para a interpretação da imagem de satélite,
segundo Florenzano (2001): cor, textura, forma, tamanho e padrão respectivo
à resposta espectral dos alvos.
O mapa de uso da terra na área de influência da UHE Barra dos
Coqueiros subsidiou a geração do mapa de fragilidade emergente, baseado nos
graus de proteção da proposta de Ross (1994), como é destacado no Quadro
5.

Quadro 5: Graus de proteção em relação ao uso da terra

Graus de proteção Tipos de cobertura vegetal


1 – Muito alta Florestas / Matas naturais, florestas cultivadas com biodiversidade.
2 – Alta Formações arbustivas naturais. Mata homogênea de Pinus densa.
Pastagens cultivadas com baixo pisoteio de gado, cultivo de ciclo longo
como cacau.
3 – Média Cultivo de ciclo longo em curvas de nível/terraceamento como café,
laranja, pastagem com baixo pisoteio, silvicultura.
4 – Baixa Culturas de ciclo longo de baixa densidade (café), culturas de ciclo curto.
5 – Muito baixa Áreas desmatadas e queimadas, solo descoberto, gradeação, culturas
de ciclo curto sem práticas conservacionistas.
Fonte: Ross (1994).

Segundo Ross (1994), as unidades de fragilidade dos ambientes naturais


resultam dos levantamentos básicos de geomorfologia (relevo), solos,
cobertura vegetal/uso da terra e clima (erosividade). Esses elementos tratados
de forma integrada possibilitam obter um diagnóstico das diferentes categorias
hierárquicas da fragilidade dos ambientes naturais.
Para a geração do mapa de fragilidade potencial ou natural foi realizada
a síntese de três mapas de fatores: tipos de solo, erosividade e declividade da
área de influência da UHE Barra dos Coqueiros.
140

O mapa de fragilidade emergente foi gerado a partir da combinação do


mapa de fragilidade potencial e do mapa de uso da terra e cobertura vegetal.
O fluxograma apresentado na Figura 1 sintetiza o procedimento metodológico
aplicado na confecção dos mapas de fragilidade ambiental emergente e
potencial.

Figura 1: Fluxograma dos dados utilizados para a elaboração dos mapas de fragilidades potencial
e emergencial

Fonte: Org. Autores.

3 RESULTADOS

Verificou-se (Mapa 3 e Tabela 1) que os solos predominantes na área de


influência são do tipo latossolo; predominantemente latossolo vermelho
distrófico, ocupando 60% da área, seguido do latossolo vermelho distroférrico,
com 16%, do argissolo vermelho amarelo distrófico, representando 12% e do
argissolo vermelho eutrófico, total de 5%.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 141

Mapa 3: Tipos de Solos da área de influência da UHE Barra dos Coqueiros

Fonte: Sistema Estadual de Geoinformação (SIEG), 2017. Mapa de Solos, escala 1:250.000 – Plano
Diretor da Bacia do Rio Paranaíba – UFV – Ruralminas – modelagem, alimentação do SIG e edição
das cartas: SGM/SIC – Org.: Queiroz Júnior (2017).

Tabela 1: Tipos de solos da área de influência do reservatório Barra dos Coqueiros (GO)
Porcentagem Classificação da
Tipo de solo Área (km²)
da área fragilidade
Latossolo Vermelho Distrófico 310,99 60 % Baixa
Latossolo Vermelho Distroférrico 81,58 16% Muito baixa
Argissolo Vermelho Amarelo 12%
59,86 Forte
Distrófico
Neossolo Litólico Eutrófico 27,83 5% Muito forte
Argissolo Vermelho Eutrófico 27,48 5% Média
Neossolo Quartzarênico 10,47 2% Muito forte
Fonte: Org. Autores.

De acordo com a Embrapa (s/d), os latossolos são solos que durante sua
formação passam por intensos processos de intemperismo. Além disso, são
solos profundos e com boa capacidade de drenagem. Os latossolos geralmente
142

ocorrem em relevos planos e suavemente ondulados, possuindo propriedades


físicas favoráveis à utilização agrícola, mas que, apesar de serem bem
estruturados, apresentam suscetibilidade à erosão quando descobertos
(EMBRAPA, 2013).
Leme (2007) afirma que os solos considerados jovens e pouco
desenvolvidos apresentam grau máximo de vulnerabilidade ambiental, muito
forte. Exemplos desses solos são os neossolos, os quais ocupam 7% da área de
influência do reservatório Barra dos Coqueiros. Esse grau de vulnerabilidade
atribuído pode ser explicado pelo baixo grau de desenvolvimento de processos
pedogenéticos identificados pela distribuição dos horizontes/camadas.
Analisando-se a declividade da área de influência (Mapa 4 e Tabela 2),
verifica-se que 62,11% da área pertence à classe de declividade de 3 a 8%,
conforme classificação da Embrapa (2013). Assim, pode-se afirmar que área de
influência da UHE Barra dos Coqueiros enquadra-se na classe de baixa
fragilidade, no que tange à declividade do terreno, em razão de sua topografia
ser pouco e apresentar declives suaves. Ainda com base nos dados do Mapa 4
e Tabela 2, nota-se que a segunda maior predominância em extensão de área,
com 22,46% da área de influência, foi a classe entre 0 a 3% de declividade. Esta
classe é classificada como de relevo plano, sendo uma área pouco suscetível à
erosão dentro do menor índice de fragilidade que, segundo Ross (1994), é
muito fraca (baixa). Com extensão inferior a 1% da área de influência,
encontra-se a classe de declividade maior que 45% de inclinação,
enquadrando-se na classe muito alta de fragilidade potencial. Áreas nessa
classe de declividade são caracterizadas por apresentar topos de morros nos
divisores de água (Mapa 4 e Tabela 2).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 143

Mapa 4: Declividade na área de influência da UHE Barra dos Coqueiros

Fonte: Mapa de Declividade em Percentual do Relevo Brasileiro, escala 1:250.000, Companhia de


Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM, 2017); Org.: Queiroz Júnior (2017).

Tabela 2: Declividade em km² e % na área de influência da UHE Barra dos Coqueiros


Classes km² Porcentagem Classificação
0 a 3% 116,40 22,46% Muito baixa
3 a 8% 321,89 62,11% Baixa
8 a 20% 56,16 10,84% Média
20 a 45% 20,82 4,02% Alta
> 45% 2,95 Muito alta
0,57%
Fonte: Org. Autores.

De acordo com Colaviti e Passos (2012), pesquisas que são realizadas


sobre análise do relevo a partir de mapas de declividade são de fundamental
importância, uma vez que constituem uma forma de representação temática
da distribuição espacial dos diferentes graus de inclinação existentes em um
terreno. Assim, ao representar um mapa de declividade, é possibilitada a
visualização das relações entre os diferentes graus de declividade e sua posição
144

na vertente, identificando, dessa forma, o padrão de áreas com maior


suscetibilidade à erosão e com maior fragilidade natural.
A erosão hídrica do solo constitui grande problema nas áreas
agropecuárias. Além da redução da fertilidade dos solos, das culturas, pode
causar sérios problemas ambientais como o assoreamento de rios e
reservatórios e a poluição dos recursos hídricos. Sabe-se que o processo de
erosão hídrica envolve a desagregação de partículas do solo da sua massa
original, o transporte e a eventual deposição dessas partículas e que esse
processo ocorre pela ação dos agentes erosivos, que são as gotas da chuva e o
escoamento superficial da água sobre o solo (RIBEIRO et al., 2016). Schmidt e
Barbosa (2016) relacionam as médias de precipitação com a erosividade do
solo. Os autores afirmam que a precipitação média para ocorrer uma
erosividade classificada como alta varia entre 1.480 a 1.535 mm. Fato este
observado na média das estações analisadas para área em estudo no presente
trabalho, a qual foi de 1.481,53 mm (Quadro 5), portanto, classificando a área
de estudo com o índice de fragilidade alta (Quadro 4).
Os resultados de erosividade na área de influência do reservatório da
UHE Barra dos Coqueiros, obtidos a partir da média dos dados pluviométricos
das estações da ANA, resultaram em erosividade média, em torno de 794,65 t
mm ha-1 ano-1, valores que enquadram a área de influência do reservatório na
classe de erosividade alta (4), representando entre 750 < R < 1000. Fato esse
também constatado nos estudos realizados por Silva (2008), Cabral et al.
(2011), Rocha e Cabral (2011) em outros pontos da área de influência do rio
Claro.
Os meses com maiores índices de precipitação e erosividade no período
considerado (1977 a 2015) foram os de novembro a março, sendo que o mês
de janeiro teve a média mais alta: precipitação de 285,22 mm, correspondendo
a uma erosividade de 207,02 t mm ha-1 ano-1, conforme mostra o Gráfico 1.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 145

Gráfico 1: Médias mensais de precipitação e erosividade no período de 1977-2015

Após o levantamento de todas as variáveis, como solo, declividade,


erosividade, usos da terra e cobertura natural, e relacionadas cada classe
hierárquica com suas devidas classificações numéricas que vão de 1 a 5, desta
associação tem-se um conjunto de algarismos arábicos de 3 dígitos para a
fragilidade potencial e de 4 dígitos para a fragilidade emergente.
Com base nas associações dos conjuntos numéricos foi gerado o mapa
de fragilidade potencial (Mapa 6). Em relação aos resultados obtidos para
fragilidade potencial (Tabela 3) depreende-se que, de acordo com a proposta
de Ross (1994), a classe predominante na área de influência da UHE Barra dos
Coqueiros é a de baixa fragilidade, ocupando 72,15% da área total, 21,80%
classificam-se média fragilidade, as fragilidades altas e muito alta
apresentaram se com 6,04 e 0,04%, consecutivamente.
146

Mapa 5: Fragilidade potencial

Fonte: Org. Queiroz Júnior (2017).

Tabela 3: Fragilidade potencial na área de influência da UHE Barra dos Coqueiros


Fragilidade Potencial Área km² Porcentagem
Baixa 373,87 72,15%
Média 112,95 21,80%
Alta 31,17 6,02%
Muito alta 0,18 0,04%
Fonte: Org. Autores.

As classes de fragilidade potencial “alta” e “muito alta” ocupam


aproximadamente 6% da área de influência da UHE Barra dos Coqueiros. Pelo
Mapa 3 nota-se que tais áreas de fragilidade situam-se nas extremidades da
área de influência, sendo os principais fatores de influência dessas classes a
declividade e os solos do tipo neossolos. Outro aspecto de fundamental
importância para se compreender a fragilidade ambiental da área de influência
da UHE Barra dos Coqueiros refere-se à análise das formas de uso da terra da
região. Tal área é caracterizada pela crescente retirada de vegetações naturais,
como o cerrado, para a inserção de atividades voltadas à produção
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 147

agropecuária. A partir do mapa de uso da terra na área de influência da UHE


(Mapa 6), verifica-se seu potencial para o agronegócio, o que enseja
monitoramento minucioso, visto que um de seus principais usos é a pastagem,
pois ocupa 55,85% da área. Um total de 26,30% da área é ocupado por
vegetação nativa (Tabela 4). A imagem utilizada para o mapeamento do uso da
terra foi capturada durante o período seco (2 de agosto de 2015), mas se a
mesma imagem fosse de uma época chuvosa, provavelmente essa área seria
de pastagem ou agricultura.

Mapa 6: Uso da terra e cobertura vegetal na área de influência da UHE Barra dos Coqueiros no
período seco (2 de agosto 2015)

Fonte: Org. Queiroz Júnior (2017).


148

Tabela 4: Uso da terra e cobertura vegetal da área de influência da UHE Barra dos Coqueiros (GO)
CLASSES km² Porcentagem

Agricultura 44,13 8,52%


Água 24,07 4,64%
Área urbana 4,89 0,94%
Pastagem 289,43 55,85%
Silvicultura 1,27 0,24%
Solo descoberto 18,13 3,50%
Vegetação 136,31 26,30%
Fonte: Org. Autores (2017).

Apesar de 3,50% da área de influência da UHE Barra dos Coqueiros


apresentarem solos descobertos, não significa que esse solo seja impróprio
para o uso e ocupação.
A partir do cruzamento dos dados de uso da terra e fragilidade
potencial, foi gerado o mapa de fragilidade emergente (Mapa 7) da área de
influência da UHE Barra dos Coqueiros. Verificou-se que a classe
predominante, igualmente à obtida na análise da fragilidade potencial, é a de
baixa fragilidade. Uma análise quantitativa dessa classe mostra que a mesma
representa 69% da área total da área de influência.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 149

Mapa 7: Fragilidade emergente da área de influência da UHE Barra dos Coqueiros

Fonte: Org. Queiroz Júnior (2017).

As classes de média e alta fragilidade emergente somam 31% da área


total. Isso mostra a crescente ação antrópica sobre esse ambiente que está
sendo alterado especialmente pelo atual uso da terra, caracterizado pela
agropecuária.
As áreas de fragilidade emergente classificadas como de alta
sucetibilidade encontram-se nas mesmas áreas de neossolos, que, em função
da textura superficial mais arenosa, favorecem os processos erosivos e, ainda,
possuem declividade mais acentuada, ondulado a forte ondulado. Além disso,
possuem fragilidade química devido ao baixo teor de matéria orgânica e baixa
capacidade de troca catiônica (CTC), fato esse que revela que neossolos
apresentam maior fragilidade ambiental a processos como a erosão provocada
pela ação da chuva.
Medeiros (2013), numa análise em diferentes escalas (regional, local e
microclimática) da área de influência das UHEs de Barra dos Coqueiros e Caçu
(GO), constatou que mudanças no uso da terra proporcionaram mudanças no
microclima das áreas de influência. Importante destacar que, além do
150

microclima, a preservação da vegetação é imprescindível para a manutenção


também do clima em escalas regional e local.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização do presente estudo foi possível verificar, de forma


integrada, os aspectos dos tipos de solo, declividade, erosividade e de uso da
terra, permitindo, com base nessas variáveis, gerar os mapas de fragilidade
potencial e de fragilidade emergente da área de influência da UHE Barra dos
Coqueiros.
De acordo com a metodologia aplicada, os resultados obtidos para a
fragilidade potencial da área em estudo indicam que a mesma se encontra
predominantemente na classe de fragilidade baixa. Dentre as explicações para
esse fato estão os tipos de declividade, predominantemente de 0 a 3%, e de 3
a 8%, demonstrando que esses níveis de declividade são de baixa interferência
na fragilidade potencial. Além disso, devido ao fato de a declividade da área de
influência da UHE Barra dos Coqueiros encontrar-se entre plano a suave
ondulado, a área pode ser considerada como uma região favorável à
implantação de atividades agrícolas, como a produção de soja e de cana-de-
açúcar. Analisando a fragilidade potencial verifica-se, também, que os tipos de
solo em maior presença na extensão na área de influência são do tipo
Latossolo, classificados como de baixa fragilidade potencial.
Com relação aos resultados de fragilidade emergente, diagnosticou-se
que as classes de fragilidade de maior destaque em extensão na área de
influência são as classes baixa e média, em níveis menores, a classe alta. Tais
resultados foram influenciados devido à integração da predominância na área
de influência ser Latossolos com declividade inferior a 8%, com mais de 25%
com vegetação natural, e uma percentagem relativamente baixa de solo
descoberto, que é de 3,5%.
Apesar de predominar a classe baixa, tanto na fragilidade potencial
quanto na fragilidade emergente, o que classifica a área de influência em
equilíbrio dinâmico, é importante ressaltar que o atual uso da terra na área de
influência, caracterizado pelo avanço de atividades agrícolas sobre espaços
antes ocupados por vegetações como o cerrado, pode resultar em sérios
impactos, como alterações da qualidade hídrica e redução da biodiversidade
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 151

existente em ambientes como o da área de influência da UHE Barra dos


Coqueiros.
Os resultados dos mapas de fragilidade potencial e emergente podem
variar de acordo com a metodologia aplicada que estão relacionados à
subjetividade das variáveis condicionantes, como a precipitação e o uso da
terra e cobertura vegetal. Portanto, outros paradigmas da fragilidade
ambiental são sugeridos como parâmetros de avaliação desta área de
pesquisa.

REFERENCIAL

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A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 153

Capítulo 9

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA DO RIBEIRÃO TAQUARUSSU


DURANTE O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA
PRODUTOR DE ÁGUAS

César Ricardo Palomino Condo43


Rafael Montanhini Soares de Oliveira 44
José Roberto Lins da Silva45

1 INTRODUÇÃO

O sistema de abastecimento de água de Palmas/TO, vem há mais de


uma década sofrendo recorrente redução nas vazões de seus mananciais
durante o período de estiagem. A bacia do ribeirão Taquarussu é a principal
fonte de abastecimento da cidade, fornecendo cerca de 90% da água
consumida pela população. Todavia, a sua ocupação desordenada e a
degradação de seus recursos naturais proporcionam um declinante cenário na
qualidade e quantidade de suas águas (SILVA, 2014).
Para tentar revitalizar esta bacia, em setembro de 2011, a The Nature
Conservancy (TNC) e a empresa concessora Odebrecht Ambiental/Saneatins
assinaram um convênio de cooperação técnica com o objetivo de realizar
atividades de diagnóstico, priorização e monitoramento para conservação e
restauração ecológica da bacia do ribeirão Taquarussu. Em dezembro do
mesmo ano foi implantado o Programa Produtor de Águas (PPA) –
“Taquarussu: uma fonte de vida”, desenvolvido pela Agência Nacional de Águas

43
Engenheiro civil, mestre em Engenharia Ambiental (UFT) e pós-graduação e Saneamento e Meio
Ambiente (FTB-Faculdades da Terra de Brasília). E-mail: cesarp85@hotmail.com.
44 Engenheiro civil, mestre em Ciências Cartográficas (FCT/UNESP) e doutor em Engenharia

Química, professor da UTFPR. E-mail: rafaeloliveira@utfpr.edu.br


45
Doutor em Tecnologia Nuclear (Ipen/USP), mestre em Recursos Hídricos e Saneamento
Ambiental (IPH/UFRGS) e especialista em Desenvolvimento Operacional (Odebrecht
Ambiental/Saneatins).
154

(ANA), cujo princípio seria a recompensa financeira através de pagamentos por


serviços ambientais (PSA) e benefícios sociais aos que preservarem as áreas de
influência da bacia.
O PPA é composto por vários planos de ação, sendo que um desses está
voltado ao monitoramento hidrológico ao longo dos anos. As metas a serem
alcançadas para este plano consistem no registro das variações espaciais e
temporais da água da bacia do ribeirão Taquarussu por meio do
monitoramento dos níveis d’água e freático, vazão, chuva e qualidade da água.
Este último visa a acompanhar as variações sazonais e alterações da qualidade
da água, além de observar as correlações entre as variáveis durante os
períodos de cheia e estiagem.
Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo principal avaliar a
qualidade da água da bacia do ribeirão Taquarussu durante o ano de 2014,
trazendo os resultados de algumas variáveis limnológicas e as correlações
estabelecidas.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

Com o objetivo de avaliar a qualidade da água da bacia do ribeirão


Taquarussu, foram definidos cinco pontos estratégicos para a amostragem.
Dois pontos na sub-bacia do ribeirão Taquarussu Grande (ATG – Alto
Taquarussu Grande e BTG – Baixo Taquarussu Grande) e três pontos na sub-
bacia do ribeirão Taquarussu Pequeno (ATP – Alto Taquarussu Pequeno; MTP
– Médio Taquarussu Pequeno e BTG – Baixo Taquarussu Pequeno).
A Tabela 1 resume a descrição e a localização dos pontos amostrados.

Tabela 1: Estações de amostragem da qualidade da água na bacia do ribeirão Taquarussu


Estação amostral Curso d´Água Coordenadas
Chácara da Sra. Juliana Moteiro (ATG) ribeirão Taquarussu 10,239280º S 48,177230º W
Chácara do Sr. Ademar Costa (BTG) Grande 10,290610º S 48,279610º W
Chácara do Sr. Antonio Júnior (ATP) 10,320400º S 48,133870º W
ribeirão Taquarussu
Chácara do Sr. Rubens Kurt (MTP) 10,309370º S 48,206780º W
Pequeno
Chácara do Sr. José Maria (BTP) 10,295944º S 48,288167º W
Fonte: Org. Autores (2017).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 155

Uma visão espacial dos pontos monitorados durante a avaliação está


disponível na Figura 1.

Figura 1: Área da bacia do ribeirão Taquarussu, com destaque para as sub-bacias Taquarussu
Grande e Taquarussu Pequeno (Taquarussuzinho), bem como as estações de amostragem (ATG –
Alto Taquarussu Grande; BTG – Baixo Taquarussu Grande; ATP – Alto Taquarussu Pequeno; MTP
– Médio Taquarussu Pequeno; BTG – Baixo Taquarussu Pequeno)

Plano Diretor
da cidade de ATG
Palmas - TO

BTG

BTP
MTP

ATP

Fonte: Org. Autores (2017).

As três seções no ribeirão Taquarussu Pequeno foram estabelecidas em


razão de este ser mais extenso e ter, em seu alto curso, o distrito de Taquaruçu
do Porto (zona urbana), localizado entre os pontos ATP e MTP. No caso do
ribeirão Taquarussu Grande, as seções foram selecionadas no terço superior
(ATG) e a montante da junção com o Taquarussu Pequeno (BTG).
As coletas para a realização de análises físico-químicas e bacteriológicas
da água foram realizadas por meio de tomada direta a 0,2 m de profundidade.
Foram medidos in loco o oxigênio dissolvido, o pH e a temperatura da água.
Para as demais variáveis, as amostras foram refrigeradas e acondicionadas em
frascos específicos e encaminhadas imediatamente ao Laboratório de Controle
156

da Odebrecht Ambiental/Saneatins, em Palmas. Como referência, todas as


análises foram realizadas de acordo com APHA (2012).
Na Tabela 2 estão descritas as estações amostrais, data das
campanhas de coleta e suas respectivas sazonalidades.

Tabela 2: Cenário amostral e suas respectivas campanhas e sazonalidade


Estações
Data da Coleta Sazonalidade
Amostradas
27/01/2014
24/02/2014
Período chuvoso
24/03/2014
22/04/2014
ATG 21/05/2014
BTG 24/06/2014
ATP
MTP 21/07/2014
Período de estiagem
BTP 25/08/2014
29/09/2014
20/10/2014
17/11/2014
Período chuvoso
15/12/2014
Fonte: Org. Autores (2017).

Para melhor compreensão dos resultados, a análise de componentes


principais (PCA) foi aplicada com o objetivo de tentar explicar as possíveis
relações entre as variáveis ambientais no cenário espaço-temporal da
avaliação. A matriz de dados foi composta por 10 variáveis ambientais
analisadas durante o ano de 2014. Foram gerados autovalores e autovetores
com o objetivo de obter os escores. Os softwares utilizados nesta análise foram
o Microsoft Excel, 2010 e PC-ORD 5.0 (MCCUNE; MEFFORD, 1997).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 3 apresenta os valores das variáveis analisadas nas estações


amostrais (EA): cor verdadeira, demanda bioquímica de oxigênio (DBO),
Escherichia coli, fósforo total, nitrogênio total, oxigênio dissolvido (OD), pH,
sólidos suspensos totais, temperatura e turbidez, e suas respectivas unidades
de medida, durante as campanhas mensais realizadas no ano de 2014.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 157

Tabela 3: Resultados das variáveis limnológicas aplicadas ao estudo


Escher Oxigê-
Fósfo Sólidos
cor i-chia Nitrog nio Temp
Campa -ro suspen Turbi-
verda- DBO coli ê-nio dissolv e-
EA

-nhas total pH -sos dez


deira (mg/L ) (NMP total i-do ratura
(2014) (mg/L totais (NTU)
(PtCo) /100 (mg/L) (OD) (°C)
) (mg/L)
mL) (mg/L)
Jan 28 0,62 1733 0,24 4,1 6,66 6,79 28 23,7 16,1
Fev 16 0,40 308 0,26 < 0,2 7,24 6,70 8 23,6 12,5
Mar 23 < 0,01 2420 0,14 < 0,2 5,20 6,77 <1 23,1 14,8
Abr <1 < 0,01 2420 0,43 2,9 6,29 7,00 22 21,1 7,7
Maio 26 0,42 980 0,30 3,1 6,72 7,44 4 19,2 5,9
Jun <1 0,23 548 0,18 < 0,2 6,02 7,28 2 20,7 3,9
ATP

Jul 15 < 0,01 579 0,20 3,2 6,45 7,63 <1 24,1 3,8
Ago 15 0,42 1203 0,09 <0,4 5,90 7,22 1 25,1 2,8
Set 28 < 0,01 2420 0,49 < 0,2 5,65 7,13 5 28,2 2,7
Out 22 < 0,01 1553 0,15 1,2 5,41 6,87 14 26,2 3,1
Nov 9 3,50 1733 0,25 0,8 8,96 6,49 2 24,6 6,2
Dez 36 3,21 517 0,38 0,9 6,37 6,24 44 25,1 4,5
Jan 33 0,32 727 0,25 0,9 7,24 6,65 41 24,6 8,7
Fev 34 0,69 211 0,19 1,1 7,63 7,01 16 23,3 17,2
Mar 34 0,10 260 0,18 < 0,2 5,70 7,29 8 23,5 12,7
MTP

Abr <1 < 0,01 2420 0,22 1,0 6,38 7,41 16 20,5 15,8
Maio 35 0,40 770 0,29 2,4 7,04 7,36 9 21,5 8,7
Jun <1 0,5 1120 0,28 < 0,2 6,41 7,8 1 20,2 3,9
Jul 21 < 0,01 308 0,40 2,3 6,16 7,78 <1 23,3 2,9
Ago 19 1,20 225 0,15 0,2 6,57 7,65 1 24,6 2,6
Set 25 < 0,01 387 0,23 < 0,2 5,43 7,34 3 26,1 2,2
MTP

Out 54 < 0,01 236 0,11 1,4 5,73 7,10 <1 27,3 2,0
Nov 17 3,22 517 0,31 0,7 9,22 6,03 <1 25,2 7,2
Dez 68 2,66 308 0,32 0,4 6,87 6,71 45 25,0 6,8
Jan 45 0,26 1553 0,35 3,0 6,78 7,04 27 24,9 22,5
Fev 39 0,31 387 0,27 1,2 7,00 7,00 23 26,1 26,0
Mar 45 0,12 85 0,15 < 0,2 5,50 7,15 <1 22,9 15,4
Abr 6 0,02 1011 0,49 0,3 6,38 7,40 41 23,3 47,1
Maio 10 0,10 1414 0,22 1,7 6,74 7,56 10 23,6 12,0
Jun <1 1,15 687 0,35 < 0,2 6,78 7,75 2 20,6 4,4
BTP

Jul 28 < 0,01 1553 0,39 3,0 5,35 7,48 1 23,2 3,4
Ago 43 0,15 866 0,08 0,7 5,52 7,58 <1 25,5 3,3
Set 68 < 0,01 579 0,28 < 0,2 5,44 6,85 2 29,0 2,4
Out 35 0,14 1046 0,19 1,9 5,13 7,22 9 28,7 3,0
Nov 2 3,16 920 0,29 1,0 8,42 6,04 2 23,8 9,8
Dez 123 1,10 2420 0,36 2,7 6,10 6,56 120 25,0 36,8
158

Tabela 3: Resultados das variáveis limnológicas aplicadas ao estudo (continuação)


Oxigê- Sólidos
Cor Escheri- Fósfo-
Campa- DBO Nitrogê- nio suspen- Tempe Turbi-
verda- chia coli ro
EA

nhas (mg/L nio total dissolvi pH sos -ratura dez


deira (NMP/100 total
(2014) ) (mg/L) do (OD) totais (°C) (NTU)
(PtCo) mL) (mg/L)
(mg/L) (mg/L)
Jan 54 < 0,01 648 0,34 1,5 6,78 6,97 23 24,4 20,1
Fev 35 0,66 816 0,26 3,9 7,20 6,98 29 26,2 24,4
Mar 43 0,39 416 0,22 5,9 6,05 7,18 <1 22,7 22,7
Abr <1 < 0,01 2420 0,19 1,6 6,43 7,34 22 23,7 20,6
Maio 33 < 0,01 613 0,31 < 0,2 6,61 7,56 11 21,6 7,8
Jun <1 0,29 1300 0,30 < 0,2 5,88 7,73 1 20,1 5,2
BTG

Jul 19 < 0,01 980 0,30 4,9 5,18 7,83 <1 24,3 3,1
Ago 21 0,09 548 <0,07 <0,2 6,16 7,31 <1 24,6 3,4
Set 34 1,97 579 0,38 < 0,2 8,80 7,03 11 27,3 3,4
Out 36 0,38 686 0,17 1,5 5,82 6,95 10 28,5 4,4
Nov 13 3,65 1119 0,38 1,20 8,79 5,98 2 25,9 7,5
Dez 92 0,87 1553 0,46 2,4 6,42 6,31 119 25,0 13,5
Jan 26 0,03 248 0,25 1,8 7,03 7,85 30 23,9 7,4
Fev 18 0,49 461 0,24 0,3 7,07 6,92 9 23,6 12,9
Mar 25 < 0,01 317 0,16 5,2 5,40 7,03 4 22,9 8,1
Abr <1 0,04 1120 0,28 1,4 6,68 7,44 22 20,5 34,0
Maio 28 0,23 461 0,31 2,0 7,25 7,58 4 20,0 3,7
Jun <1 < 0,01 1733 0,22 < 0,2 6,07 7,65 2 20,0 4,8
ATG

Jul 22 < 0,01 488 0,22 2,0 5,58 7,38 <1 26,8 2,3
Ago 22 0,90 548 0,12 2,0 6,36 6,49 <1 25,5 2,7
Set 53 < 0,01 770 0,50 < 0,2 6,13 7,03 5 25,8 2,5
Out 29 < 0,01 613 0,15 1,2 5,94 6,87 13 26,0 4,3
Nov 10 3,24 325 0,42 1,2 9,28 5,72 1 24,5 3,5
Dez 25 0,90 2420 0,45 1,1 7,03 6,00 5 26,1 151,0
Fonte: Org. Autores (2017).

A análise de componentes principais (PCA) para os resultados das


variáveis limnológicas resumiu 46,56% da variabilidade total desses nos dois
primeiros eixos (1 = 28,35%; 2 = 18,21%).
No lado negativo do eixo 1 foi alocada a maioria das unidades amostrais
relativas ao período chuvoso (janeiro, fevereiro, março, abril, novembro e
dezembro), associadas aos maiores valores de demanda bioquímica de
oxigênio, oxigênio dissolvido, fósforo total, turbidez, sólidos suspensos totais e
cor. A maioria das unidades amostrais posicionou-se no lado positivo do eixo 1
e foi composta praticamente pelas campanhas realizadas no período de
estiagem e associada aos maiores níveis de pH (Tabela 4, Figura 2).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 159

Tabela 4: Coeficiente de correlação de Pearson entre as variáveis físicas e químicas da água


analisadas com os dois primeiros eixos da PCA (os valores em negrito correspondem às variáveis
que apresentaram maior correlação com os eixos, acima de 0,4)

Fonte: Org. Autores (2017).


160

Figura 2: Distribuição dos escores resultantes da análise dos componentes principais (PCA) para
os dados do monitoramento limnológico no programa Produtor de Águas (ribeirão Taquarussu),
no ano de 2014

Legenda: Os vetores correspondem às variáveis descritoras significativas. A descrição dos escores


foi composta pelos pontos amostrais: ATP = Alto Taquarussu Pequeno; MTP = Médio Taquarussu
Pequeno; BTP = Baixo Taquarussu Pequeno; ATG = Alto Taquarussu Grande; BTG = Baixo
Taquarussu Grande; e pelo mês respectivo: 1 = primeiro mês do período chuvoso (novembro) ou
seco (maio); 2 = segundo mês do período chuvoso (dezembro) ou seco (junho); 3 = terceiro mês do
período chuvoso (janeiro) ou seco (julho); 4 = quarto mês do período chuvoso (fevereiro) ou seco
(agosto); 5 = quinto mês do período chuvoso (março) ou seco (setembro); 6 = sexto mês do período
chuvoso (abril) ou seco (outubro).
Fonte: Org. Autores (2017).

Sobre a relação entre os resultados das variáveis DBO e OD, todos os


pontos apresentaram alta correlação durante o mês de março, período este
que é caracterizado por apresentar altos níveis de precipitação na bacia. Já para
o grupo que apresentou os resultados de Ptotal, TBZ, SST e COR similares,
foram registradas no início do período chuvoso (novembro) e no final (abril),
em praticamente todos os pontos, as mais elevadas concentrações. Isso mostra
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 161

quão sinérgica e suscetível é a bacia em relação às variações hidrológicas. Por


meio dessa análise foi possível verificar também que, durante os meses de
novembro, dezembro, fevereiro e abril, o ponto BTG apresentou as mais altas
concentrações dessas variáveis, em média. Deve ser considerado também que
o aumento das concentrações de sólidos, turbidez, fósforo e cor na coluna
d’água é diretamente proporcional ao consumo de oxigênio pela biota para a
degradação dos compostos orgânicos, aumentando, portanto, a DBO. A razão
para a formação deste cenário certamente esteve relacionada ao grande
número de chácaras e balneários presentes e pela maior vazão, quando
comparado ao ribeirão Taquarussu pequeno.
De acordo com Chaves (2013), quando realizou o monitoramento das
variáveis turbidez, temperatura, condutividade, pH, sólidos totais dissolvidos e
vazão, nos pontos BTG e BTP, houve significativa correlação entre os valores de
turbidez e vazão nas duas seções, particularmente nos meses chuvosos. O
autor afirma ainda que as séries temporais de qualidade de água superficial,
geradas pelas sondas multiparamétricas instaladas nas seções desses pontos,
são de grande valia para a compreensão do comportamento hidrológico da
bacia, não apenas por sua localização estratégica nos exutórios das duas sub-
bacias formadoras do ribeirão Taquarussu, mas também pela capacidade de
registrar a dinâmica das variações temporais dos parâmetros.
Segundo a Seplan (2007), foram mapeadas áreas com maior potencial
de sofrerem erosão próxima à região monitorada do BTG. A construção de
estradas sem o planejamento adequado e o parcelamento de propriedades
rurais gerando um grande número de chácaras utilizadas para lazer,
potencializam o avanço de áreas urbanas e, consequentemente, a carga de
sólidos e matéria orgânica naquela área, tornando-a mais disposta às
alterações e perda da qualidade de água. Para comprovar este cenário, os
autores mostraram que o percentual de cobertura do solo, presença de mata
nativa, mata de galeria e mata ciliar estiveram em menor proporção no ribeirão
Taquarussu Grande quando comparado ao Taquarussu Pequeno.
De acordo com Diagnóstico Socioambiental da bacia do ribeirão
Taquarussu – 1ª fase (TNC, 2012), cerca de 6.300 hectares da bacia do ribeirão
enquadraram-se dentro dos critérios de prioridade para atividades de
restauração da bacia, sendo que destes cerca de 1.200 hectares, ou 3% da
bacia, foram considerados como prioridade muito alta, atendendo
162

simultaneamente aos critérios de estar na área ativa do ribeirão e ter alto risco
à erosão. Uma boa parte dessas áreas degradadas encontra-se adjacente aos
pontos BTP e BTG.
De acordo com o TNC (2014), por meio do Relatório do Protocolo de
Avaliação Visual de Rios (SVAP), os processos erosivos da bacia do ribeirão
Taquarussu são em parte causados pela própria estrutura sedimentar da bacia,
que a tornam suscetível à degradação dos leitos. No entanto, ações antrópicas
ao longo do leito causam inúmeras alterações na bacia, que vão desde pontes
mal mantidas, balneários privados, estradas não pavimentadas sem a devida
manutenção, cultivos dentro das áreas de proteção ambiental (APP), até o
acesso irrestrito de gado. Tudo isto contribui com uma grande parte da
instabilidade observada e serve de promotores da degradação do leito.

4 CONCLUSÕES

Em linhas gerais, os resultados das variáveis limnológicas permitiram


concluir que a relação entre a carga de sólidos orgânicos e inorgânicos foi bem
acentuada, principalmente no início e final do período chuvoso. Foi visto
também que a qualidade da água da bacia apresentou-se sinérgica e suscetível
a variações hidrológicas, principalmente na região do Baixo Taquarussu
Grande. Da mesma forma, o cenário socioambiental da região foi determinante
para a perda da qualidade da água registrada durante o período chuvoso.
Este trabalho resume apenas o estudo de um ano do monitoramento da
qualidade da água da bacia do ribeirão Taquarussu, necessitando, portanto, da
continuidade para que se possa avaliar melhor a dinâmica deste ecossistema.

REFERÊNCIAS

AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION (APHA). Standard methods for the examination of
water and wastewater. 22th ed. Washington: APHA/WEF/AWWA, 2012.
CHAVES, H. M. L. Subprodutos A.1.b, B.3.a, C.2 e C.3: curvas-chave, modelagem de dados
hidrológicos e qualidade do monitoramento. Relatório de consultoria técnica. Projeto
Produtor de Água da bacia do ribeirão Taquarussu / TNC-FOZ/Saneatins, 2013.
McCUNE, B.; MEFFORD, M.J. PC-ORD for Windows: multivariate analysis of ecological data
(versão 3.12). Oregon: MJM Software Design, Gleneden Beach, 1997.
SECRETARIA DE PLANEJAMENTO DO ESTADO DO TOCANTINS (SEPLAN). Mapas de uso e cobertura
do solo do Estado do Tocantins. 2007.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 163

SILVA, J. R. L. Cianobactérias e cianotoxinas no reservatório da UHE Lajeado, Palmas - TO: fatores


condicionantes ao surgimento de floração e avaliação da remoção por meio de uma
instalação piloto de dupla filtração. 2014. Tese (doutorado), Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares (Ipen), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, 2014.
THE NATURE CONSERVANCY (TNC). Diagnóstico socioambiental da bacia do ribeirão Taquarussu.
Relatório 1ª fase. 2012.
______. Relatório do protocolo de avaliação visual de rios – SVAP. Bacia do ribeirão Taquarussu.
2014.
164
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 165

Capítulo 10

AVALIAÇÃO DA TRANSPARÊNCIA DA ÁGUA EM CORPOS LÊNTICOS A PARTIR


DE DADOS ESPECTRAIS

João Batista Pereira Cabral46


Waterloo Pereira Filho47

1 INTRODUÇÃO

Dados espectrais medidos com espectrorradiômetros ou registrados em


imagens tomadas por sensores instalados em plataformas aéreas ou orbitais
tornaram-se acessíveis à comunidade científica. Pesquisas com o uso de dados
espectrais em corpos de água continentais têm sido utilizadas para
correlacionar a resposta espectral com a ocorrência de componentes que
indicam as propriedades ópticas dos corpos de água. Portanto, o uso dados
espectrais consiste em um potencial para mapear a composição dos corpos
hídricos (GORDON; MCCLUNEY, 1975; NOVO et al., 1989; DELEGIDO et al.,
2014).
De acordo com Preisendorfer (1986) e Kirk (2010), a absorção e o
espalhamento causados pelos constituintes opticamente ativos presentes na
água determinam a atenuação da radiação eletromagnética (REM) em cada
corpo d’água e, consequentemente, sua profundidade máxima de penetração.
Smith e Baker (1981), Dekker (1993) e Jensen (2009) destacam que a água pura
apresenta maior transparência à radiação na faixa do visível (400-700 nm), o
que torna esta faixa espectral adequada ao estudo de corpos d’água em geral.
A inferência de variáveis relacionadas à qualidade da água, a partir de
medidas provenientes de equipamentos espectrorradiométricos, pode ser

46 Doutor, professor associado, docente e coordenador do Programa de Pós-Graduação em


Geografia da UFG/REJ, e-mail: jbcabral2000@yahoo.com.br
47 Doutor, professor titular, docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSM, e-

mail: waterloopf@gmail.com.br
166

feita a partir da análise das feições espectrais da radiação solar refletida pelo
volume de água, em subsuperfície (FERREIRA; PEREIRA FILHO, 2009; LOPES et
al., 2014; PEREIRA, 2015). A quantificação das medidas de transparência da
água e sua relação com o comprimento de onda é, portanto, uma das técnicas
a ser como suporte na prevenção e no controle dos problemas causados pelo
transporte e deposição de sólidos e nutrientes em reservatórios.
A relação entre as técnicas de sensoriamento remoto e limnologia, a
partir do estudo da concentração dos componentes opticamente ativos na
água com a reflectância espectral da água em reservatórios é um dos métodos
utilizados para se identificar os comprimentos de onda mais sensíveis em
relação à transparência da água. O comportamento espectral da água é
caracterizado por apresentar baixos valores de radiância e, apesar deste efeito,
conter informações sobre a água propriamente dita (NOVO et al., 1989b;
NEELAMSETTI et al., 2015; KAISER et al., 2015; PEIXOTO et al., 2015).
Desta forma, a transparência da água pode ser conceituada como a
medida visual da profundidade de penetração dos raios solares (ESTEVES,
1998; TUNDISI; TUNDISI, 2008). A alteração de penetração da luz devido à
presença de nutrientes e de materiais em suspensão e dissolvidos no corpo
d'água modificam o estado trófico de um reservatório que é influenciado pelos
fatores físicos e pelo modelo de uso da terra da bacia (DEKKER, 1993;
NOGUEIRA et al., 2015).
A escolha do reservatório da Usina Hidrelétrica (UHE) Foz do Rio Claro
como objeto de estudo justifica-se devido ao modelo de uso da terra em função
dos processos antrópicos que ocorrem na bacia do rio Claro desde a década de
1970, ocasionados pela expansão da malha urbana, da fronteira agrícola
(cultivo da cana-de-açúcar, milho e soja) e da pecuária (criação de gado),
proporcionando o aporte de efluentes domésticos e industriais para os cursos
d’água. A escolha da área ainda considerou a variação do regime
pluviométrico. Consequentemente, esses fatores provocam alterações da
dinâmica dos rios e reservatórios pelo aumento da poluição pontual e difusa,
de acordo com as pesquisas desenvolvidas por Cabral et al. (2013), Rocha et al.
(2014) e Nogueira et al. (2015).
Neste contexto, o presente trabalho tem por objetivo identificar os
comprimentos de ondas mais relacionados com a transparência da água no
reservatório da UHE Foz do Rio Claro.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 167

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 ÁREA DE ESTUDO

A UHE Foz do Rio Claro encontra-se em funcionamento desde janeiro de


2010. A área de seu reservatório é de 7,69 km², cujo potencial energético é de
64,8 MW. Sua bacia hidrográfica (Figura 1) está situada entre os municípios de
São Simão e Caçu no Estado de Goiás, com área de influência direta de
aproximadamente 151 km², ao sul da área do distrito de Itaguaçu (GO) na
microrregião de Quirinópolis (GO).

Figura 1: Localização da área de estudo

Fonte: Autores.

Na região, a média anual de pluviosidade varia entre 1.200 a 1.600 mm.


Ocorrem dois períodos distintos de distribuição das chuvas: um menos
chuvoso, considerado seco que contribui com 10 a 20% da precipitação anual,
com duração de 4 a 5 meses entre maio a setembro, sendo que em julho e
168

agosto o índice pluviométrico é praticamente zero mm. O outro período, que


é o chuvoso, vai de outubro a abril e contribui com 80 a 90% da precipitação
anual. A temperatura média anual oscila entre 22 e 23 °C (MARIANO et al.,
2003; LIMA; MARIANO, 2014).

2.2 DEFINIÇÃO DAS ESTAÇÕES DE AMOSTRAGENS E COLETA DE DADOS EM


CAMPO

Foram definidas 23 estações de amostragem no reservatório da UHE de


Foz do Rio Claro devido à sua extensão e de modo a abranger todos os
compartimentos aquáticos do reservatório como trecho de rio, transição e
lacustre, conforme a proposta de Kimmel et al. (1990). As amostras de água
foram coletadas nos primeiros 10 cm de profundidade, a qual corresponde ao
epilímnio em que tende a ocorrer as maiores temperaturas, o que, juntamente
com o aporte de nutrientes, aumenta a produtividade de organismos nas
camadas superficiais (ESTEVES, 1998; TUNDISI; TUNDISI, 2008).
A transparência da água foi determinada utilizando-se o disco de Secchi,
orientou-se na proposta de Preisendorfer (1986) e Esteves (1998). Para a
obtenção das medidas de transparência, adotou-se realizar as medições de
profundidade Secchi somente com céu claro e a observação sempre pela visão
do mesmo pesquisador.
Os espectros de refletância foram medidos in situ com o uso do
espectrômetro portátil de campo: FieldSpec®HandHeld, cujas leituras
encontram-se na faixa de 325 a 1.075 nm. Neste trabalho utilizaram-se os
comprimentos de onda entre 400 nm e 900 nm, devido ao alto nível de ruído
para comprimentos localizados fora desta faixa espectral. As reflectâncias
foram obtidas de acordo com a proposta de Milton (1993), portanto,
considerou-se o ângulo azimutal solar de 90°, com inclinação de 45° do
equipamento em relação à vertical, e a altura aproximadamente de 1 metro.
As coletas e medições em nível de campo foram realizadas nos dias 28
de julho de 2015, período seco com déficit hídrico na bacia e 6 de fevereiro de
2016, período com excedente hídrico. As coletas foram realizadas em
condições de céu claro em 2015 e de céu claro a nublado em 2016.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 169

2.3 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES DOS ESPECTROS DE REFLECTÂNCIAS

Para identificar os comprimentos de onda mais sensíveis em relação à


transparência da água, realizou-se a correlação em cada comprimento de onda.
Para remover os ruídos das curvas espectrais foram utilizados filtros de
suavização lineares de média móvel de três pontos por não alterar
significativamente a posição das feições λmax e λmin (BREUNING et al., 2007;
PEREIRA, 2015).

2.4 ANÁLISE ESTATÍSTICA

Para avaliar o grau de relacionamento entre duas variáveis e descobrir


com precisão quanto uma variável interferiu no resultado da outra foram
gerados diagramas de dispersão de Pearson, conforme descrito em Callegari-
Jacques (2008). Para avaliar a significância do coeficiente de correlação,
utilizou-se o teste de hipótese de Student (t). O valor crítico da distribuição do
t para as 23 estações amostrais adotados para o nível de significância de 95%
foi de 2,069.

3 RESULTADOS

3.1 TRANSPARÊNCIA DA ÁGUA

De acordo com os dados de chuva obtidos junto aos dois postos


pluviométricos instalados na bacia, a precipitação acumulada entre os dias
30/01/2016 e 06/02/2016 no posto 1 localizado na entrada do reservatório foi
de 181 mm. No posto 2, próximo ao barramento do reservatório, a precipitação
acumulada medida foi de 114 mm. No período seco não ocorreram
precipitações pluviométricas nos 7 dias antecedentes à data da coleta.
A partir da análise espacial e temporal das medidas de profundidade
Secchi (Figura 2) verifica-se que ocorre uma diminuição da transparência no
corpo d’água no período seco para o chuvoso. Na estação seca a transparência
da água oscilou de 2,5 m a 4 m, enquanto no período chuvoso entre 0,20 m a
0,45 m.
170

A baixa transparência da água no período chuvoso deve-se à influência


da precipitação que ocorreu na bacia, proporcionando o lixiviamento do solo
bem como o carreamento de sedimentos e nutrientes para o corpo d'água;
ainda, esse período corresponde à colheita da soja e o preparo do solo para o
plantio do milho. Tal fato é corroborado nas pesquisas desenvolvidas por Lolis
e Thomaz (2011), Geraldes e Georges (2012), Kaiser et al. (2015), que
estudaram reservatórios em Luís Eduardo Magalhães (BA – Brasil), Azibo
(Portugal) e Ernestina (RS – Brasil), em que a profundidade Secchi apresentou
menores valores no período chuvoso, sendo influenciada pela precipitação e
ação antrópica, principalmente no período de preparo do solo para plantio das
culturas.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 171

Figura 2: Variação espacial e temporal da transparência da água no reservatório –

As coordenadas UTM correspondem ao Fuso 22


Período Seco Período Chuvoso

Fonte: Autores.

3.2 DADOS DE REFLECTÂNCIA

De acordo com os dados de reflectância obtidos no período seco (Figura


3), a reflectância variou entre 0,02 a 0,21%, enquanto na estação chuvosa foi
de 0,04 a 0,32%.
172

Figura 3: Curvas de reflectâncias dos 23 pontos de amostragem no período seco (A) e chuvoso (B)
Período seco Período Chuvoso

Fonte: Autores.

Cotejando-se os dados da Figura 3 observa-se que a chuva interfere


diretamente no albedo, que se apresenta maior no período chuvoso;
diferentemente da estação seca (Figura 3A) que ocorre um aumento da
reflectância entre 400 e 590 nm, cujo pico máximo de reflectância ocorreu
entre 550 e 590 nm – faixa do verde – com um decréscimo entre 590 a 900. No
período chuvoso (Figura 3B) as maiores reflectâncias foram identificadas entre
580 a 690 nm – faixa do verde e vermelho, com um decréscimo entre 690 a 800
nm e um pico de reflectância entre 800 e 815 nm, que corresponde à região de
absorção mínima da água pura.
No período seco, o máximo de reflectância na região do verde ocorre,
principalmente, em função da absorção no azul e vermelho o que indica
possível presença de fitoplancton. Como a razão verde/azul e verde/vermelho
é pequena pode-se inferir que as concentrações de pigmento sejam pequenas
e bem distribuídas na coluna d´água, sugerindo maior profundidade da zona
eufótica. Por outro lado, o espectro do período chuvoso é típico de ambientes
dominados por alta concentração de partículas inorgânicas em suspensão.
A diferença de reflectância entre os períodos avaliados está associada
as maiores medidas de profundidade Secchi na água no período seco e
menores medidas no período chuvoso (Tabela 1). Na estação seca, a
transparência variou de 2,38 a 4,05 m em todo o reservatório, enquanto no
período chuvoso houve uma variação de 0,25 m a 0,46 m, demonstrando que
a maior quantidade de sólidos favorece o espalhamento da radiação
eletromagnética, aumentando a reflectância no vermelho, pois a resposta
espectral em função desse material oscila de acordo com sua granulometria,
cuja presença de silte e areia tendem a apresentar maiores reflectâncias do
que aquela constituída por argila (JENSEN, 2009; KIRK, 2010).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 173

Tabela 1: Estatística descritiva da transparência da água

Medidas Período seco Período chuvoso


Mínimo
2,38 0,25
Máximo 4,05 0,46
Média 2,97 0,40
Desvio-padrão 0,53 0,06
Coeficiente de Variação (CV%) 17,7 15
Fonte: Autores.

Há uma diferença entre os coeficientes de variação, mostrando que o


reservatório apresenta maior variação de dados no período seco,
diferentemente da estação chuvosa, cuja transparência é menor e mais
homogênea.

No período chuvoso (Figura 4) esta associação ficou entre 0,04 e 0,43,


sendo significativo em mais de 95% em comprimentos de ondas superiores a
570 nm. Qualitativamente, o grau de correlação entre as duas variáveis pode
ser considerado forte. No período seco a correlação foi inversamente
proporcional e significativa na faixa de 470 a 700 nm. Nesse período o
comprimento de onda de maior correlação foi em 596 nm e na fase chuvosa
em 485 nm. A Figura 4 mostra as correlações da transparência da água com os
comprimentos de onda.

Figura 4: Correlação entre transparência da água e reflectância: períodos seco e chuvoso


Período seco Período Chuvoso

Fonte: Autores.

Comparando-se os valores de reflectância correspondentes às faixas de


596 e de 485 nm (Figura 5), observa-se que as maiores concentrações de
reflectância ocorreram no período chuvoso, fato que pode ser associado à
174

menor profundidade Secchi, proporcionada pela maior concentração de


sólidos em suspensão, fato constatado nos estudos realizados por Nogueira et
al. (2015).
De modo geral, ao se relacionar os valores de profundidade Secchi (0,20
a 0,45 m no período chuvoso e 2,5 a 4,0 m no período seco), com os valores de
reflectância (0,04% a 0,19% no período seco e 0,10% a 19% no período
chuvoso), verificou-se que a reflectância apresentou relação inversa com a
profundidade Secchi para os períodos analisados; fato constatado por
Noernberg et al. (1996) para seis reservatórios em Cachoeira Paulista – SP e
por Peixoto et al. (2015) para o reservatório de Passo Real – RS.
Na literatura, o estudo da concentração de sólidos em suspensão,
profundidade Secchi e reflectância ganhou destaque em trabalhos
desenvolvidos por Curran e Novo (1988); Novo et al. (1989) e Rudorff et al.
(2007), os quais relataram que os maiores valores de reflectância podem ser
associados ao aumento da concentração de sólidos em suspensão e menor
profundidade Secchi em ambiente aquático.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 175

Figura 5: Variação espacial e temporal da reflectância no reservatório


Período seco Período chuvoso

Fonte: Autores.

4 CONCLUSÕES

a) A diminuição da transparência no corpo d’água do período seco para


o chuvoso é influenciado pela precipitação pluviométrica que ocorre
na bacia;
b) Ao relacionar as medidas de profundidade Secchi com os valores de
reflectância, observou-se que a reflectância apresentou relação
inversa com a profundidade Secchi para os períodos analisados;
c) De acordo com a resposta espectral das amostras obtidas para o
reservatório Foz do Rio Claro, o ciclo sazonal pode ser considerado
176

bem definido, com maiores valores de reflectância no período


chuvoso e menores valores de reflectância no período seco;
d) As melhores correlações entre reflectância e profundidade Secchi
para o reservatório ocorreram no comprimento de onda de 596 nm
no período seco e 485 nm no período chuvoso;
e) Os dados de reflectância podem ser utilizados como uma solução
alternativa para monitorar e compreender a transparência da água no
reservatório da UHE foz do Rio Claro, indicando que o dado
espectrorradiométrico consiste em um importante recurso para o
estudo da composição da água do reservatório.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), ao Conselho


Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro
à pesquisa e a concessão da bolsa de pós-doutoramento do primeiro autor
junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM)/Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Centro
Regional Sul (INPE-CRS).

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TUNDISI, J.G.; TUNDISI, T.M. Limnologia. São Paulo: Oficina de Textos, 2008.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 179

Capítulo 11

A EVOLUÇÃO DO HOMEM NO CAMPO


E SUAS PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS

Heidy Rodriguez Ramos48


Evelyn Gomes Bernardo49
Ana Paula do Nascimento Lamano-Ferreira50
Maurício Lamano Ferreira 51

1 INTRODUÇÃO

A agricultura global vem enfrentando vários desafios ao longo dos anos.


Um deles é a necessidade de aumentar a produção de alimentos, uma vez que
modelos demográficos predizem o aumento da população; a erradicação do
estado de miséria de parte da população humana; o desenvolvimento de
práticas sustentáveis no campo da agricultura, atenuando assim desequilíbrios
ecossistêmicos; além da manutenção e conservação da biodiversidade
(MACDONALD, 2014).

48 Doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo (FEA/USP). Mestrado no Programa


de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM/USP). Professora e pesquisadora do
Mestrado Profissional em Administração – Gestão Ambiental e Sustentabilidade (MPA-GeAS), do
Programa de Mestrado Acadêmico em Cidades Inteligentes e Sustentáveis (PPG-CIS) e do Programa
de Pós-graduação em Administração (PPGA) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). E-mail:
heidyrr@uni9.pro.br
49
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Administração (PPGA) da Universidade Nove de
Julho (UNINOVE). Mestrado Profissional em Administração – Gestão Ambiental e Sustentabilidade
da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Desenvolve pesquisas em Agricultura Familiar,
Organizações e Gestão Ambiental. E-mail: evelynbernardo21@gmail.com.br
50 Doutora em Ecologia Aplicada pela Universidade de São Paulo (ESALQ/USP). Mestre em Ecologia

de Agroecossistemas pela Universidade de São Paulo (ESALQ/USP). Professora e pesquisadora do


Mestrado Profissional em Administração – Gestão Ambiental e Sustentabilidade (MPA-GeAS). E-
mail: apbnasci@yahoo.com.br
51 Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (CENA/USP). Mestre em Biodiversidade

Vegetal e Meio Ambiente pelo Instituto de Botânica (IBT/SP). Professor e pesquisador do Programa
de Mestrado Acadêmico em Cidades Inteligentes e Sustentáveis (PPG-CIS) da Universidade Nove
de Julho (UNINOVE). E-mail: mauecologia@yahoo.com.br
180

Sob uma perspectiva sistêmica, os excessos nutricionais, principalmente


de fertilizantes nitrogenados, têm sido discutidos em diversas esferas devido
ao alto grau de eutrofização dos ambientes naturais. Logo, o uso
indiscriminado de agrotóxicos vem causando preocupação mundial à medida
que se comprovam os danos à saúde e ao meio ambiente como um todo
(LAMANO-FERREIRA et al., 2017).
Cabe destacar que parte da produção de alimentos decorre também de
pequenos agricultores e cooperativas regionais, as quais são fomentadas por
programas especiais de governos federais. No Brasil, no início dos anos 1990,
começou o desenvolvimento do apoio aos agricultores familiares. Nesse
período construíram-se duas coalizões de interesses, uma em apoio à
agricultura familiar, e outra em apoio à agricultura patronal. Ambas com
compreensões opostas ao modelo de agricultura e ao desenvolvimento do
homem no campo. Neste capítulo serão abordadas as práticas ambientais de
agricultores de origem familiar, que ao longo desse processo criaram suas
próprias identidades: o ruralismo típico dos anos 1980 vem se modernizado
como o agronegócio, e os trabalhadores rurais agora são também agricultores
familiares.
O saber do homem no campo, se manifesta em seu trato com a terra e
é pautado por sua harmonia com a natureza, existência de um saber tradicional
que também incorpora outros saberes, assim como uma ideologia de
exploração dos meios de produção (DE SOUZA; GONÇALVES; SOARES, 2011),
fato que potencializa a chance de promover meios sustentáveis ou menos
impactantes de usar a terra.

2 O HOMEM NO CAMPO

O saber do homem no campo, é fruto de um longo processo histórico.


Muito antes da apropriação de terras da nova colônia pelos portugueses já
existia uma população nativa que sobrevivia da caça e da prática agrícola. Os
indígenas produziam somente para seu sustento. Nessa época não existia a
comercialização, apenas trocas que tiveram início a partir do contato com os
colonizadores.
Após grandes transformações na agricultura, durante os anos 1960 e
1970, o processo que ficou conhecido como modernização conservadora se
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 181

deu por meio de práticas agroquímicas e mecânicas de produção, de modo que


o setor agrícola integrou-se cada vez mais ao setor industrial (GAVIOLI; COSTA,
2011). O saber do homem no campo continuou se manifestando como um
produtor simples, o produtor não capitalista, que cultiva sua propriedade
visando ao consumo familiar, e que vende somente o excedente de sua
produção (LOUREIRO, 1987).

2.1 AGRICULTURA FAMILIAR

A Organização das Nações Unidas (ONU) designou o ano de 2014 como


o "Ano Internacional da Agricultura Familiar", com destaque para a
importância da família e sua capacidade agrícola, que tem ajudado a erradicar
a fome e a preservar os recursos naturais.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO), a principal agência das Nações Unidas sobre o tema:

O Ano Internacional estabeleceu a elevação do perfil agrícola das famílias dos


pequenos produtores, que concentrou a atenção do mundo sobre seu papel
significativo no combate à fome e à pobreza, fornecendo alimentos, segurança e
nutrição, melhorando os meios de subsistência, a gestão dos recursos naturais,
proteção do meio ambiente, e alcançando o desenvolvimento sustentável, em
particular, nas zonas rurais. (MACDONALD, 2014, p. 1).

Os levantamentos históricos sobre a agricultura familiar apontam seu


início em 1990, quando surgiu a concepção de instituições de apoio a este
modelo de agricultura. Com o passar dos anos, em 1996, foi idealizada a
construção do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF), por meio do Decreto-Lei 1.946, com o objetivo de promover o
desenvolvimento rural em regiões de baixa renda, assim como promover o
desenvolvimento rural sustentável, capacitando o pequeno agricultor
(PRONAF, 1996).
Por meio desse programa, os agricultores familiares têm possibilidade
de obter linhas de crédito de acordo com a necessidade do projeto, seja ele
ligado à implantação, ampliação ou modernização. Os créditos também podem
ser utilizados para investimentos em máquinas, equipamentos, infraestrutura
ou custeio da safra e atividade agroindustrial. Para acessar ao crédito rural do
PRONAF, os agricultores familiares devem ter renda bruta anual de até R$ 360
mil.
182

O gráfico 1 representa o crescimento do programa e sua consolidação


como uma política de crédito presente em 4.963 municípios rurais brasileiros
de todas as suas regiões. Conforme dados do levantamento da trajetória do
programa, realizado em 2016 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrícola
(MDA), em vinte anos o crédito rural do PRONAF aplicou cerca de R$ 156
bilhões em 26,7 milhões de contratos, nas diferentes modalidades, para
diversos tipos de agricultores familiares (BRASIL, 2017).

Gráfico 1 – Evolução do PRONAF

Fonte: Brasil (2017).

O acesso ao crédito rural modificou a realidade de mais de 2,6 milhões


de unidades familiares de produção e incentivou a geração de renda e
utilização de tecnologias, o que proporcionou aumento da produção e da
eficiência produtiva dos agricultores de origem familiar (BRASIL, 2017).
Em 2006, com a criação da “Lei da Agricultura Familiar”, surge
oficialmente o modelo de agricultura como profissão no mundo do trabalho.
Seus principais conceitos foram destinados à formulação das políticas
direcionadas à Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. A Lei
11.326 reconhece o agricultor familiar e empreendedor familiar rural como o
indivíduo que pratica atividades no meio rural (BRASIL, 2006).
Com o conhecimento adquirido ao longo do tempo, o aumento da
legitimidade com o apoio da legislação e a facilidade de acesso a recursos para
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 183

agregar valor à sua produção, os agricultores conseguem investir também na


sustentabilidade dos seus negócios, surgindo novas formas de arranjos
produtivos, como cooperativas e associações que se organizam para a garantia
da reprodução social. Com isso, torna-se essa uma das estratégias dos
agricultores familiares para sua persistência no campo, como resposta aos
desafios propostos pela agricultura moderna ou como uma forma histórica de
sobrevivência que, de modo geral, amplia a capacidade de adaptação da
unidade familiar agrícola (SILVA, 1999; CAMPANHOLA; DA SILVA, 2000;
SCHNEIDER, 2003).

3 AGRONEGÓCIO

O agribusiness é uma definição que foi instituída pelo autor americano


J. H. Davis, em 1955. A partir da década de 1990, foi utilizado na academia
brasileira o termo agronegócio como resultado da tradução para a língua
portuguesa. Este conceito pode ser entendido como:

A soma de todas das operações envolvidas no processo e na distribuição dos


insumos agropecuários, as operações de produção na fazenda, o processamento
e a distribuição dos produtos agrícolas e seus derivados. (SILVA, 1999, p. 65).

O termo nasceu com o propósito de indicar a necessidade de


modernidade no setor agrícola, demonstrando uma crescente perda de
autonomia nesse setor. A produção agrícola depende do setor econômico que
lhe forneça bens de produção (implementos agrícolas, equipamentos e
insumos), ou seja, conjunto de negócios relacionados com a agricultura e
pecuária dentro de um ponto de vista econômico. A agroindústria é definida
como um conjunto de atividades relacionadas à transformação de matérias-
primas e é um setor que vem gerando postos de trabalho e que atua no
processamento industrial de produtos agrícolas, modernização tecnológica
introduzida a partir da Revolução Verde52 (MATOS; PESSOA, 2011).
Negócios agropecuários são representados por produtores rurais, de
pequeno, médio e grande porte, constituídos na forma de pessoas físicas
(fazendeiros ou camponeses) ou de pessoas jurídicas (empresas). Segundo o

52 A Revolução Verde proporcionou crescente utilização dos insumos (sementes geneticamente


alteradas, fertilizantes e agrotóxicos) para controlar pragas que acarretavam problemas no cultivo,
e o uso extensivo de tecnologia para plantio, irrigação e colheita. Ou seja, uso de meios artificiais
em detrimento dos naturais (MILLER JR., 2008; MATOS; PESSOA, 2011).
184

Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São


Paulo (CEPEA), no ano de 2011, o agronegócio com suas atividades de insumos,
agropecuária, indústria e distribuição, representou R$ 917,65 bilhões do
Produto Interno Bruto (PIB) do país, ou seja, 22% do PIB brasileiro (CEPEA,
2013).
Os dados anteriores apontam para uma evolução que promoveu o
desenvolvimento agrícola do país e para a necessidade de se pensar em modelos
de agricultura sustentável. Esses modelos devem visar à preocupação ambiental,
conservação dos recursos naturais, aspectos econômicos e promoção do
desenvolvimento de medidas que atendam à legislação vigente. Para tanto,
sugerem-se práticas que garantam a continuidade de suas atividades
produtivas e melhores estratégias de comunicação como empreendimentos
sustentáveis (KESSELER et al., 2013).

4 PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS

Com o crescimento da produção agrícola, cerca da metade da terra do


ambiente cultivável já está utilizada com agricultura pastoral ou intensiva, que
agrega quantidade significativa de nitrogênio e fósforo para os ecossistemas,
podendo ser prejudicial para o meio ambiente (GARDNER, 2013; GIBBS et al.,
1980; TILMAN, 2001). Tais avanços levantam questões sobre a sustentabilidade
das práticas agrícolas atuais, necessitando rever as ações dos produtores,
visando a modelos de produção cada vez mais sustentáveis, a partir da adoção
de práticas sustentáveis.
Práticas sustentáveis são aquelas que atendem às necessidades sociais,
atuais e futuras, de alimentos, de serviços ecossistêmicos e de vidas saudáveis,
sem comprometer as gerações futuras.. Além disso, o desenvolvimento de uma
agricultura sustentável deve acompanhar os avanços na sustentabilidade do
uso de energia, água, transporte e outros setores econômicos que também
têm impactos ambientais significativos (TILMAN, 2001).
Nos Estados Unidos, por exemplo, foram utilizadas aplicações intensivas
de fertilizantes e outros produtos químicos na agricultura, o que causou
impactos ambientais negativos aos corpos aquáticos. Após ampla
conscientização e monitoramento, os agricultores mudaram suas práticas
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 185

agrícolas e obtiveram aumento de lucro e diminuição do impacto gerado ao


meio ambiente (MCGUIRE; MORTON; CAST, 2013).
A Revista de Estudos Rurais, em uma edição especial sobre “motivações
mais do que econômicas para a cooperação dos agricultores”, analisou as
tensões e opiniões contundentes dos agricultores na Itália e identificou
avanços para os movimentos cooperativos para o desenvolvimento rural
(FONTE; CUCCO, 2017).
Conforme estudos dos autores Abramovay (1997) e Wanderley (1998),
esses avanços também estão presentes em países como Estados Unidos,
Canadá, Europa Ocidental, Japão e Tigres Asiáticos, de forma que a base social
do desenvolvimento agrícola também foi a unidade familiar.
No Brasil, os agricultores predominantes da agricultura familiar estão
cada vez mais pressionados a orientar suas atividades em benefício da
proteção do meio onde vivem, seja com o cultivo tradicional ou com o cultivo
do orgânico. Dois estudos realizados no interior de São Paulo revelam
mudanças no comportamento dos agricultores rumo à sustentabilidade de
suas propriedades rurais.
No primeiro estudo, dentre as práticas sustentáveis que apontaram o
cuidado dos agricultores com o meio ambiente, destacam-se: a irrigação, que
utiliza sistemas por gotejamento, gerando um impacto positivo no consumo da
água, e a gestão dos resíduos, tanto domésticos (das casas dos agricultores)
como dos resíduos da produção, por exemplo, de embalagens de defensivos
agrícolas. Dentre os agricultores pesquisados também foi possível observar a
realização de análise do solo, com o objetivo de identificar as deficiências do
solo e fazer a correção adequada ou adotar o rodízio de culturas. Outra prática
interessante realizada pelo grupo é a construção de terraços (degraus para
plantar), método antigo utilizado por diferentes culturas que aproveitam a
inclinação natural para o uso da água e também para evitar a erosão do solo.
Neste caso analisado, os autores relatam que os produtores pesquisados não
realizavam compostagem, porém, não foi observado se a não utilização era por
falta de conhecimento (DE LIMA CAIRES; DE OLIVEIRA, 2015).
No segundo estudo, foram analisadas 18 práticas ambientais realizadas
por agricultores de origem familiar da região de Ibiúna/SP, com resultados
significativos em quatro delas: a primeira, o conhecimento da legislação
ambiental, ou seja, indicador que revela que os agricultores estão cada vez
186

mais cientes de suas ações em benefício ou contra o meio ambiente. A


segunda, o reaproveitamento dos resíduos orgânicos, diferentemente do caso
anterior, os agricultores pesquisados estão mais orientados a realizar a
compostagem dos resíduos, provavelmente por realizarem a cultura dos
orgânicos. A terceira e a quarta prática mais realizada é a economia de energia
no processo produtivo e a análise do solo antes do plantio. Os autores
observaram que os agricultores possuíam conhecimento técnico e uma boa
relação com o meio onde vivem, resultando em maior proteção ao meio
ambiente (BERNARDO; RAMOS, 2016).
Dentre as práticas sustentáveis que mais beneficiam o meio ambiente
do setor agrícola, destacam-se as práticas voltadas para o uso adequado dos
recursos hídricos e o cuidado com o solo. Essas práticas englobam boas
técnicas de manejo, análise do solo, utilização de adubação orgânica e rotação
de culturas. Boas práticas que podem contribuir para a preservação e proteção
do solo, que beneficiam os nutrientes do solo e, consequentemente, garantem
a preservação do meio ambiente (BOWLES et al., 2014; DE LIMA CAIRES; DE
OLIVEIRA, 2015; LAMANO-FERREIRA et al., 2017).
Ao se concentrar na utilização de matéria orgânica do solo, em vez de
fertilizantes sintéticos, os sistemas de produção orgânica diferem muito dos
sistemas convencionais, conforme pesquisas de fertilidade do solo
(GATTINGER et al., 2012) e redução das perdas de nutrientes (DRINKWATER;
WAGONER; SARRANTONIO, 1998; SYSWERDA et al., 2012), contribuindo para
a redução do aquecimento global, ao mesmo tempo que aumenta o
rendimento (SEUFERT; RAMANKUTTY; FOLEY, 2012). Dessa forma, as práticas
sustentáveis na agricultura buscam estabelecer o equilíbrio ecológico, desde o
preparo do solo até a saúde e qualidade de vida da população.
Quanto ao uso dos recursos hídricos na agricultura, é possível observar
um aumento no consumo de água doce nos últimos anos em decorrência do
aumento na produção de alimentos, seja para produção nacional ou
internacional. A produção agrícola de produtos frescos fora de temporada,
como legumes, frutas e flores, para exportação, aumentam significativamente
o consumo de água (VOS; BOELENS, 2014).
Práticas simples podem ser incorporadas para evitar desperdícios de
água, como uma boa irrigação realizada por gotejamento, que otimiza o
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 187

consumo (DE LIMA CAIRES; DE OLIVEIRA, 2015) e até mesmo a implantação de


sistemas de captação de água, como cisternas.
Pesquisas revelam avanços nos estudos de sustentabilidade no uso e
conservação dos recursos hídricos, sinalizando a necessidade que movimentos
sociais, regionais, nacionais e internacionais iniciem negociações para o seu
uso “agua doce”, suas fontes e meios de subsistência (VOS; BOELENS, 2014).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização de práticas sustentáveis do homem no campo demonstram


benefícios aos agricultores de origem familiar e influenciam no
desenvolvimento e conservação ambiental do meio onde vivem. Assim, as
práticas utilizadas melhoram a qualidade de vida dos produtores, de suas
famílias e da população de modo geral, que recebe o produto comercializado
pelos agricultores.
Por sua vez, o desenvolvimento na agricultura é pautado por sua
interação com o meio ambiente e a forma como as diversas estratégias de
proteção desse meio são incorporadas. Dentre as práticas que podem ser
adotadas a partir do que foi identificado nos casos estudados e na literatura,
destacam-se as práticas que envolvem o cuidado com o solo, desde a análise e
uso de compostagem para suprir sua deficiência, ao rodízio de culturas que
também proporcionam benefícios. Os recursos hídricos, tema de pesquisa e
assunto tão discutido entre especialistas, também é uma preocupação no meio
rural, que começa a entender esse recurso como uma fonte escassa e que pode
ser melhor utilizado a partir de ações como o reuso da água e o uso de
tecnologias de irrigação que utiliza sistema de gotejamento, evitando
desperdícios. Por fim, destaca-se a compostagem, que já fez história entre os
produtores orgânicos e que também vem sendo implementada pelos
agricultores que buscam a redução dos custos, etc.
Práticas sustentáveis, quando bem direcionadas, como ações realizadas
por “cooperativas e associações”, podem se tornar estratégias para o
enfrentamento dos problemas agrícolas, e a disseminação de tais práticas
entre os agricultores também contribui para a redução dos impactos
ambientais e, consequentemente, tem um impacto na promoção do
desenvolvimento sustentável de comunidades e regiões.
188

Estudos como este promovem a evolução do homem no campo e


proporcionam a contribuição na busca de soluções para a conservação do meio
rural. Como sugestões de estudos futuros, podem ser conduzidas novas
pesquisas relacionadas ao desenvolvimento sustentável no meio rural e ao
empreendedorismo rural sustentável, que contribuam para o fortalecimento
da agricultura familiar, como prática predominante no Brasil.

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190
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 191

Capítulo 12

MICRORGANISMOS DO SOLO E ALTERNATIVAS BIOTECNOLÓGICAS


PARA A SUSTENTABILIDADE DOS SISTEMAS
PRODUTIVOS AGRÍCOLAS

Ligiane Aparecida Florentino53


Tiago Teruel Rezende54
Ana Beatriz Carvalho Terra55
Mário Viana Paredes Filho 56
Kleso Silva Franco Júnior57

1 INTRODUÇÃO

A atividade agropecuária constitui um dos setores que mais tem


expandido no Brasil, contribuindo com cerca de 23% com o produto interno
bruto (PIB) (CNA, 2017) e, devido ao crescimento populacional, a perspectiva é
que este setor continue se expandindo nos próximos anos. No entanto, o
desenvolvimento agropecuário está diretamente relacionado a impactos
negativos no meio ambiente, ocasionados principalmente pelo uso intensivo
de agrotóxicos e fertilizantes.
Dessa forma, estamos diante de uma situação que tem despertado a
atenção de pesquisadores e órgãos ambientais: “Produzir sem degradar o meio

53 Doutora, Professora Pesquisadora. Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS. E-mail:


ligiane.florentino@unifenas.br
54 Doutor, Professor Pesquisador. UNIFENAS, e-mail: tiago.rezende@unifenas.br
55 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciência Animal/UNIFENAS. E-mail:

anabeatriz.terra@hotmail.com
56
Mestre, Doutorando em Agricultura Sustentável/UNIFENAS. E-mail:
mariomecanica@outlook.com
57 Mestre, Doutorando em Agricultura Sustentável/UNIFENAS. E-mail: kleso.junior@yahoo.com.br
192

ambiente”. Ou seja, como aumentar a produção, cultivando na mesma área e


sem o uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes?
Também nos últimos anos tem-se observado o aumento da demanda
por alimentos produzidos de forma sustentável, sem o uso de insumos
industrializados, proporcionando benefícios ao meio ambiente e à saúde
(FERNANDES et al., 2016). Com isso, surge a necessidade de adoção de práticas
de manejo sustentável, visando a garantir o aumento da produção aliado à
preservação ambiental. Ao longo desse capítulo serão abordados tópicos sobre
o manejo sustentável e o papel dos microrganismos do solo para a manutenção
da sustentabilidade dos agroecossistemas.

2 O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

No Brasil, as atividades relacionadas à agricultura e pecuária, tanto as


de dentro quanto as de fora da porteira, contribuem significativamente para a
geração de renda, empregos e divisas. A contribuição do agronegócio na
economia brasileira data desde a época do Brasil colônia até os dias atuais
(LOURENÇO; LIMA, 2009).
A cana-de-açúcar foi a principal cultura agrícola que sustentou a
economia brasileira logo após o final do período de exploração do pau-brasil.
Incentivada principalmente pela doação de terras por meio do sistema de
sesmarias e o regime escravocrata, o monocultivo da cana-de-açúcar foi
responsável pela expansão do latifúndio nas áreas onde era possível o seu
cultivo, além de ser uma estratégia utilizada pela Coroa para a colonização e
interiorização do Brasil (LOURENÇO; LIMA, 2009; ALVEAL, 2015). Além do
cultivo da cana-de-açúcar, outras atividades garantiram o desenvolvimento de
várias regiões do Brasil, como a exploração do látex para a produção de
borracha na região Norte e o café no Sudeste, o qual foi o principal financiador
do processo de industrialização do Brasil (THOMAS et al. 2015).
Até o final do século XIX, o cultivo da cana-de-açúcar e do café
contribuíram para a ocupação do território brasileiro. No entanto, a
necessidade do fornecimento de produtos alimentícios básicos,
principalmente nos períodos de crise, contribuiu, no início do século XX, para o
surgimento de pequenos e médios agricultores, os quais tinham como
atividade básica a produção de alimentos. Além disso, com o início da
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 193

industrialização e consequentemente da urbanização, a partir da década de


1940, houve aumento da demanda de matérias-primas industriais, de produtos
hortifrutigranjeiros, carnes, leite e seus derivados (LOURENÇO, LIMA, 2009;
THOMAS et al., 2015; RENAI, 2017).
Com o advento da revolução verde, na segunda metade do século XX, a
pauta das exportações do setor agropecuário brasileiro se baseou no comércio
de grãos, principalmente do complexo soja. No ano de 2016, as exportações
desse complexo geraram cerca de U$$ 25,42 bilhões em receita, sendo a
principal na pauta de exportações, seguida pelo açúcar (U$$ 10,44 bilhões) e
carne de frango (U$$ 6,76 bilhões). O agronegócio obteve um superávit de U$$
71,31 bilhões, o que garantiu ao Brasil um superávit de U$$ 47,68 bilhões
(FIESP, 2017). Atualmente, o agronegócio se destaca como um setor que
contribui para o crescimento do país, além de garantir o superávit positivo para
a balança comercial e contribuir com o PIB, gera renda e empregos.
Após o início da revolução verde, que permitiu o avanço tecnológico no
campo com a adoção do uso de defensivos agrícolas, fertilizantes, mecanização
e melhoramento genético, a agricultura passou a ser mais eficiente na
produção de alimentos; entretanto, os cuidados com o meio ambiente não
acompanharam essa tendência. Foi a partir da década de 1980 que as
atividades agrícolas começaram a conciliar a produção, a conservação
ambiental e viabilidade econômica.
A associação da produção agrícola com a conservação ambiental pode
ser exemplificada na cultura da soja, na qual o fornecimento de nitrogênio é
feito por meio da associação simbiótica de bactérias fixadoras do nitrogênio
atmosférico, gerando redução dos gastos e da poluição ambiental, devido à
economia de fertilizantes nitrogenados. Na sojicultura brasileira o
fornecimento de nitrogênio via fertilizantes representa menos de 5% do total,
sendo o restante fixado a partir do nitrogênio atmosférico (PAZZIN et al., 2016).
Considerando a produção de 95,4 milhões de toneladas de soja na safra
2015/2016 (CONAB, 2017) e uma exigência de 80 kg ha-1 de nitrogênio para a
produção de uma tonelada de grãos (HUNGRIA et al., 2001), o processo de
fixação biológica de nitrogênio atmosférico gerou uma economia de 7,6
milhões de toneladas de nitrogênio, o equivalente a 16,9 milhões de toneladas
de ureia na cultura da soja na safra 2015/2016.
194

Na cultura da soja, o processo de fixação biológica do nitrogênio


atmosférico é um exemplo claro do papel importante que as novas tecnologias
têm para tornar o processo produtivo agrícola mais viável economicamente e
sustentável, pois na ausência da associação das bactérias fixadoras de
nitrogênio atmosférico com a soja, a produção de soja perderia a
competitividade que possui atualmente.
Nas atividades agropecuárias, o aumento da produtividade tem que
seguir junto com a conservação do meio ambiente, para que se tenham um
sistema sustentável. Para isso, novas estratégias, tecnologias devem ser
empregadas, tais como a adoção de sistemas conservacionistas, como o plantio
direto, a integração agrossilvipastoril e a associação de bactérias promotoras
de crescimento com as espécies cultivadas. Dessa forma, é possível minimizar
os impactos ambientais, ao mesmo tempo em que se eleva a produtividade.

3 OS SISTEMAS DE CULTIVO EXTENSIVOS

O cultivo baseado no sistema de monocultura contribuiu para a


organização da agricultura brasileira, sendo um marco para o sistema
econômico e para a cultura do país. No entanto, esse sistema contribui para a
redução da biodiversidade e degradação dos ecossistemas, quando não
associado a nenhuma estratégia de mitigação dos impactos ambientais
resultantes desse tipo de exploração.
A fim de propiciar altas produtividades e assim conseguir suprir as
demandas dos mercados urbanos, as técnicas de produção baseadas na
utilização de insumos agrícolas, sementes selecionadas, formas de plantio,
manejo de plantas daninhas, pragas e doenças permitiram aumentar a
produtividade e o rendimento das culturas, principalmente a partir dos anos
1950 (FAURO et al., 2016). Nesse período foram adotadas medidas de incentivo
para a exploração agrícola do cerrado, principalmente quando a capital do
Brasil foi transferida para Brasília, tendo como objetivo o desenvolvimento da
região. Por meio dos resultados das pesquisas realizadas na agricultura e
pecuária, financiadas pelo Estado, foi possível tornar os solos do cerrado em
grandes áreas altamente produtivas, através da correção de acidez e da
adubação química (FERNANDES; PESSÔA, 2011). No entanto, esse incentivo
gerou problemas ambientais nesse bioma.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 195

As características edafoclimáticas da região do cerrado, combinada com


a topografia plana, facilitou o emprego da mecanização agrícola e somando-se
a isso, uma distribuição adequada das chuvas, possibilitou a região do cerrado
tornar-se uma área agrícola com elevado potencial (FELIPPE; SOUZA, 2006). No
entanto, o emprego desse modelo agrícola, com o aumento acelerado da
exploração do solo e dos recursos hídricos, resultou numa preocupação com o
meio ambiente, tornando pauta de discussões nos vários setores da sociedade,
o que contribuiu para que o governo adotasse ações direcionadas à ampliação
da política ambiental no país, já em meados do século XX (FAURO et al., 2016).
A degradação do solo está relacionada, principalmente, com as práticas
de preparo do solo realizadas sem o acompanhamento de técnicos, a não
utilização de curvas de nível no cultivo das culturas, o que impacta diretamente
as propriedades físicas, químicas e biológicas do solo (SANTOS et al., 2016). As
grandes mudanças que ocorrem no ecossistema de um local são observadas
quando há a substituição da vegetação nativa por sistemas agrícolas em
monocultivo, afetando diretamente a qualidade do solo e sua biodiversidade
(PRAGANA et al., 2012). Além de contribuir para a degradação do solo e,
consequentemente, do ecossistema, o cultivo em sistemas agrícolas baseados
em monocultivo favorece o aumento de inóculo de agentes causais de doenças
e de insetos pragas.
Em várias culturas, as quais são cultivadas em uma mesma área e ano
agrícola, a incidência de doenças, causadas por fungos necrotróficos, pode ser
maior, como, por exemplo, quando se cultiva o milho no sistema plantio direto
sem a prática de rotação de culturas; nesse caso, a sobrevivência na palhada e,
consequentemente, a manutenção e a multiplicação do inóculo dos agentes
causais das podridões do colmo e da espiga são favorecidos, o que dificulta o
manejo dessas doenças nos próximos cultivos (ZAMBOLIM et al., 2000). Nesses
casos, a utilização de agroquímicos é maior e, muitas vezes, pode ser
ineficiente para o controle de pragas e doenças, o que pode favorecer a
contaminação do meio ambiente, intoxicação de animais, pássaros e do
próprio homem.
Um dos efeitos diretos da ocupação de áreas de vegetação nativa por
áreas agrícolas é a degradação do solo, principalmente pela erosão, pois, além
de propiciar a redução da fertilidade do solo, a de microrganismos e da matéria
orgânica pela perda da camada superficial, contribui para o assoreamento de
196

represas, lagos e rios, trazendo impactos para o todo ecossistema,


contribuindo assim para o esgotamento dos recursos naturais, que são
extremamente importantes para a sobrevivência das gerações futuras.
Em áreas intensivamente mecanizadas, a perda do solo pode chegar até
a 20 t ha-1 (PARANÁ, 1989). A erosão não causa somente a perda do solo, mas
também causa a perda da fertilidade e biodiversidade do solo. Estima-se que
no Estado de São Paulo, ocorre uma perda anual de terras férteis de
aproximadamente 194 milhões de toneladas (TAPIA-VARGAS et al., 2001).
Além da perda do solo, a erosão causa perdas financeiras, comprometendo a
sustentabilidade econômica e a preservação do ecossistema. Em um estudo
realizado por Bertol et al. (2007), foi observado que a perda de potássio (K) na
forma de cloreto de potássio, foi 2,6 vezes maior que o somatório das perdas
de P, na forma de superfosfato triplo, e de Ca e Mg na forma de calcário,
evidenciando a importância da adoção de manejos conservacionistas do solo,
tanto para a preservação no meio ambiente, quanto para sustentabilidade
financeira.

4 INDICADORES DA QUALIDADE DO SOLO

O solo pode ser considerado um dos mais complexos sistemas


biológicos do planeta, tratando-se de um recurso natural vivo e dinâmico
fundamental para o funcionamento do ecossistema terrestre. Práticas
agropecuárias intensivas vêm sendo responsáveis por alterações na sua
qualidade (DE ARAÚJO; MONTEIRO, 2007), tornando-se necessária a realização
de estudos que indiquem aspectos a serem considerados ao se realizar uma
avaliação da qualidade desse sistema.
Até o final da década de 1970 atribuía-se apenas à fertilidade como
indicativo da qualidade do solo. No entanto, segundo Moreira e Siqueira (2006)
e Cândido et al. (2015), a qualidade do solo está relacionada à capacidade de
sustentar a produção animal e vegetal.
Porém, ainda hoje, a dificuldade em avaliar a sustentabilidade do solo é
um obstáculo; diante disso vários métodos vêm sendo utilizados, sendo os
índices de qualidade do solo (IQS), os mais importantes por constituírem uma
avaliação simples e quantitativamente flexível. Dependendo da finalidade, uma
grande quantidade de atributos do solo pode ser necessária (CÂNDIDO et al.,
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 197

2015). Dessa forma, pode-se dizer que os IQS são atributos químicos, físicos ou
biológicos capazes de se alterarem rapidamente quando submetidos a
variações nas condições do solo, tornando possível a avaliação da condição de
sustentabilidade do ecossistema.
Arshad e Martin (2002) sugerem as etapas seguintes como forma de
avaliar a qualidade do solo: divisão da área de estudo em ecorregiões com
características de solo similares; definição do objetivo do estudo: produção,
proteção ou qualquer outro uso; eleição de indicadores para a área de estudo
utilizando, para cada indicador, um ponto de referência; especificação dos
limites críticos para cada indicador, variando em função do indicador.
Os microrganismos do solo constituem um dos principais grupos de
indicadores biológicos da qualidade do solo, uma vez que são responsáveis por
diversos serviços ambientais (JACOBSEN; HJELMSØ, 2014), tais como a
decomposição da matéria orgânica, ciclagem de nutrientes, fixação biológica
de nitrogênio, estabelecimento de simbioses micorrízicas, solubilização de
minerais, como o fósforo e potássio e degradação de compostos xenobióticos
(KENNEDY, DORAN, 2002; MOREIRA, SIQUEIRA, 2006; FLORENTINO et al.,
2017a).
Esses microrganismos apresentam respostas rápidas e quaisquer
modificações nas composições da microbiota do solo podem predizer
alterações nas suas propriedades químicas e físicas, indicando processos de
melhoria ou degradação da área (DE ARAÚJO; MONTEIRO, 2007). Existem no
solo locais específicos onde as atividades microbianas ocorrem em maior
escala, denominados hotspots58 (KUZYAKOV; BLAGODATSKAYA, 2015) e essas
áreas podem ser classificadas quanto à sua localização no espaço: rizosfera,
detritosfera, bioporos e superfícies agregadas. Nos hotspots, além da atividade
microbiana ser intensa, há maior taxa de decomposição de matéria orgânica,
formação de biomassa e diversidade de microrganismos (KUZYAKOV;
BLAGODATSKAYA, 2015).
Caracterizado por sua elevada diversidade de organismos, as interações
entre as espécies que ocupam o ecossistema solo ainda não são muito claras
(JACOBSEN; HJELMSØ, 2014), tornando difícil mensurar a significância da perda
de biodiversidade causada por atividades antrópicas, uma vez que diferentes

58
Regiões com grande diversidade biológica endêmica.
198

espécies podem realizar a mesma função em um processo conhecido como


redundância funcional (PHILIPPOT et al., 2013). No Quadro 1 são descritos os
indicadores biológicos, suas relações com a qualidade do solo e as
metodologias utilizadas para avaliação.

Quadro 1: Indicadores e suas relações com a qualidade do solo e metodologias aplicadas


Relação com a qualidade do
Indicadores biológicos Metodologias
solo
Fumigação-incubação;
Mudanças nas propriedades
Biomassa microbiana fumigação-extração; irradiação
orgânicas do solo
com micro-ondas
Avaliação da atividade da
Fixação biológica de Potencial de fornecimento de
enzima nitrogenase
nitrogênio N para as plantas
(capacidade de fixar N2)
Medição do fluxo de CO2
através de câmeras sobre o
Respiração do solo Atividade microbiana solo (campo) ou produção de
CO2 a partir de uma amostra
do solo (Laboratório)
Fonte: Adaptado de Araújo et al. (2012).

Segundo MEA (2005), o conceito de qualidade física do solo está


relacionado à capacidade do solo em manter os serviços ambientais,
englobando o conhecimento de propriedades e processos essenciais para a
manutenção do ecossistema. São considerados indicadores da qualidade física
do solo (IQFS), a porosidade, profundidade de enraizamento, densidade,
condutividade hidráulica e características de retenção da água no solo (SINGER,
EWING, 2000; SANTOS et al., 2011). Ao avaliar solos degradados, os IQFS
evidenciam a necessidade da utilização de sistemas com o intuito de favorecer
a estrutura do solo, como aqueles que aumentem a produção de matéria
orgânica (STEFANOSKI et al., 2013). No Quadro 2 são descritos alguns atributos
utilizados como indicadores primários da qualidade do solo e as metodologias
a eles associados.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 199

Quadro 2: Indicadores primários para o monitoramento da qualidade física do solo e


metodologias relacionadas

Indicadores Físicos Metodologia


Densidade do solo Método do anel volumétrico
Resistência à penetração Método do penetômetro
Agregação (< 2 mm) Separação por peneiramento
Textura Método da pipeta ou densimétrico
Porosidade total Umidade de saturação
Infiltração Método do infiltrômetro de anéis
Condutividade hidráulica Método do permeâmetro de carga constante
(Laboratório) ou permeâmetro de Ghelph (Campo)
Fonte: Arshad e Martin (2002), adaptados por Stefanoski et al. (2013).

Os indicadores químicos estão normalmente associados a variáveis


relacionadas com o teor de matéria orgânica, acidez do solo, conteúdo de
nutrientes, elementos fitotóxicos e determinadas relações como a saturação
de bases (V%) e de alumínio (ARAÚJO et al., 2012). A matéria orgânica é
referida como indicador de qualidade do solo por estar relacionada à
fertilidade, à estrutura e à estabilidade do solo, podendo sofrer alterações de
acordo com as práticas de manejo empregadas. Medidas que expressam a
disponibilidade de nutrientes, micronutrientes e suas relações são importantes
para avaliação da qualidade de solo nos diferentes sistemas de manejos
(ARAÚJO et al., 2012). No Quadro 3 são descritos os indicadores químicos de
qualidade do solo e suas relações com as suas características.

Quadro 3: Indicadores de qualidade de solo e suas relações com a qualidade do solo


Indicadores químicos Relação com a qualidade do solo
pH Atividade biológica e disponibilidade de nutrientes

Condutividade elétrica Crescimento da planta e atividade dos


microrganismos
Conteúdo de N, P e K Disponibilidade de nutrientes
Fonte: Araújo e Monteiro (2007), adaptado de Doran e Parkin (1994).

Para a realização de boas práticas de manejo agrícola, torna-se essencial


conhecer os processos químicos, físicos e biológicos que ocorrem no solo.
Nesse sentido, é extremamente importante os estudos relacionados às funções
e interações dos organismos que compõem esse ecossistema, para que seja
200

possível propor práticas agrícolas que permitam manter a capacidade


produtiva em um sistema de produção sustentável.

5 OS MICRORGANISMOS DO SOLO E A CONTRIBUIÇÃO PARA A PRODUÇÃO


SUSTENTÁVEL

O solo é considerado um dos substratos que possui maior densidade e


diversidade microbiana. De acordo com Torsvik et al. (1990), cerca de 10 10
células bacterianas podem ser encontradas por grama de solo. Estas bactérias
desempenham funções diversas que contribuem para o desenvolvimento
vegetal (PRASHAR et al., 2014) e, além destas, no solo são encontrados
também alta densidade e diversidade de fungos e leveduras (MOREIRA;
SIQUEIRA, 2006).
Na Figura 1 pode-se observar os diferentes grupos de microrganismos
rizosféricos e a participação destes em processos relacionados ao crescimento
vegetal.

Figura 1: Microrganismos rizosféricos

Fonte: Bhardwaj et al. (2014).

Os microrganismos são amplamente distribuídos no solo, sendo


fortemente influenciados pela vegetação, uma vez que esta, por meio das
raízes, exudam diferentes compostos (carboidratos, proteínas e ácidos
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 201

orgânicos) que favorecem a atividade microbiana. Essa região no solo, de maior


influência das raízes, é denominada de rizosfera, sendo considerada o “paraíso
dos microrganismos” (GUNINA; KUZYAKOV, 2015).
Dentre as diversas funções desempenhadas pelos microrganismos do
solo, pode-se destacar a decomposição da matéria orgânica, ciclagem de
nutrientes, estabelecimento de simbioses micorrízicas, fixação biológica de
nitrogênio atmosférico, produção de fitormônios, controle de patógenos,
degradação de compostos xenobióticos e solubilização de nutrientes, como o
fósforo e o potássio, presentes nos minerais das rochas ou no solo, conforme
detalhado no quadro 4.

Quadro 4: Grupos funcionais de microrganismos do solo e a contribuição para a produção


sustentável
Grupos de
Processo Funções
microrganismos
Transformação da maioria dos elementos químicos
Ciclagem de Fungos, actinobactérias, no solo, participando ativamente da mineralização
nutrientes bactérias dos nutrientes e de outros processos, como a
amonificação, nitrificação e desnitrificação.
Favorecem a maior absorção de água e nutrientes,
Fungos pertencentes ao especialmente o fósforo pelas plantas; conferem
Micorrizas
filo Glomeromycota maior tolerância aos vegetais em relação ao déficit
hídrico e metais pesados.
Procariotos que Podem interagir com as plantas, por meio de
Fixação
possuem a enzima simbiose ou associação, fornecendo nitrogênio para
biológica de N2
nitrogenase o desenvolvimento vegetal.
Síntese de
Diversos gêneros Promoção do desenvolvimento radicular,
ácido indol-3-
bacterianos favorecendo a absorção de água e nutrientes.
acético (AIA)
Controle de Diversos gêneros de Atuam no controle biológico, inibindo o crescimento
patógenos bactérias e fungos de microrganismos patogênicos.
Degradação de Diversos grupos de Promovem a degradação de compostos sintéticos,
xenobióticos microrganismos destoxificando o solo.
Solubilização Aumentam a liberação de nutrientes presentes em
Diversos grupos de
de fósforo e minerais de rochas e no solo, favorecendo o
microrganismos
potássio desenvolvimento vegetal.
Fonte: Adaptado de Moreira e Siqueira (2006).

Conforme exposto, verifica-se que os microrganismos do solo prestam


importantes serviços ambientais, os quais podem ser entendidos como os
benefícios obtidos pelos seres humanos a partir dos ecossistemas (MEA, 2005).
202

De acordo com Constanza et al. (2014), o valor dos serviços ecossistêmicos


globais em 2011 foi de US$ 125 trilhões, assumindo valores atualizados e
alterações nos biomas avaliados por (CONSTANZA et al., 1997). Em seus
estudos, Constanza et al. (1997) estimaram os valores de 17 serviços
ecossistêmicos para 16 biomas, entre os serviços ambientais avaliados estão:
regulação climática, controle de erosão, ciclagem de nutrientes, controle
biológico, produção de alimentos e atividades recreativas.
A densidade e diversidade dos microrganismos no solo estão
diretamente relacionadas às características edafoclimáticas (LAUBER et al.,
2008), comunidade vegetal (KOWALCHUK et al., 2002) e pelo sistema de uso
da terra (RANJARD et al., 2013). Por isso, a adoção de práticas de manejo
sustentáveis, como inoculação com bactérias fixadoras de N 2, utilização de
compostos orgânicos, sistema de plantio direto e integração lavoura-pecuária
favorecem a ocorrência dos microrganismos no solo e, consequentemente, a
garantia de que todos os processos microbianos estão ocorrendo.

6 ALTERNATIVAS BIOTECNOLÓGICAS E PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS

Conforme relatado, nos solos são encontrados microrganismos com alto


potencial de uso biotecnológico. O melhor exemplo de aplicação destes
microrganismos são as bactérias fixadoras de N2, as quais a Secretaria de
Defesa Agropecuária (SDA), juntamente com o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA), aprovam como inoculantes para diversas
culturas, com destaque para as leguminosas (Tabela 1), mas possuindo
também microrganismos inoculantes para culturas não leguminosas (Tabela 2)
(BRASIL, 2011).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 203

Tabela 1: Relação das estirpes bacterianas fixadoras de N2 autorizadas para produção de


inoculantes para leguminosas no Brasil
Gêneros e números de estirpes inoculantes
Leguminosas aprovadas pelo MAPA
A B C D E F
Grãos (ex.: soja, amendoim) 9 8 1 - - -
Forrageiras de clima temperado
1 12 2 3 - -
(Lotus spp., Trifolium spp.)
Forrageiras de clima tropical (Arachis
15 - - - 1 -
pintoi, Cajanus cajan)
Adubação verde (Crotalaria spp.) 10 - - - - -
Arbóreas (Leucena e gliricidia) 25 5 2 3 - 1
Total 60 25 5 6 1 1
ABradyrhizobium; BRhizobium; CMesorhizobium; DEnsifer (Sinorhizobium); EMethylobacterium;
FAzorhizobium.

Fonte: Adaptado de Brasil (2011).

Na Tabela 1 observa-se que existem aproximadamente 100 estirpes


inoculantes para diferentes leguminosas, embora a maior parte do mercado de
inoculantes comercializado no Brasil seja para a cultura da soja (HUNGRIA et
al., 2013). No caso das plantas não leguminosas, o número de estirpes
aprovadas pelo MAPA é bem menor quando comparado com as plantas
leguminosas (Tabela 2). As estirpes de Azospirillum brasilense merecem
destaque em relação ao número de pesquisas, uma vez que além de fixar N 2 e
contribuir para o crescimento vegetal (HUNGRIA, 2011), também são capazes
de produzir AIA (PEDRINHO et al., 2010; FLORENTINO et al., 2017a).
Em relação à inoculação com bactérias fixadoras de N 2, é importante
ressaltar que além da economia com o uso de fertilizantes nitrogenados, a FBN
contribui para a maior sustentabilidade do meio ambiente, sendo uma das
linhas de ações do Plano ABC (Agricultura de baixa emissão de Carbono)
(HUNGRIA et al., 2013).
204

Tabela 2: Relação dos microrganismos recomendados para produção de inoculantes no Brasil para
plantas não leguminosas
Azospirillum
Cultura Bacilus subtilis Franteria aurantia
brasilense
Eucaliptus sp. 3 1 -
Triticum spp. - - 4
Zea mays - - 4
Oriza sativa - - 2
Fonte: Adaptado de Brasil (2011).

No mercado estão disponíveis ainda diversos produtos, denominados


de “bioativadores”, os quais são constituídos basicamente por compostos
orgânicos, que aumentam a disponibilidade de nutrientes no solo e favorecem
a ocorrência de microrganismos desejáveis (ASSIS, 2014). Entretanto, existem
poucos estudos científicos mostrando a eficiência destes produtos.
A pesquisa vem estudando diversos grupos de microrganismos (fungos
filamentosos, leveduras e bactérias) quanto ao seu potencial em solubilizar
nutrientes, como o fósforo e o potássio, de minerais presentes nas rochas (pó
de rocha) ou no solo. O fósforo, devido ao processo de adsorção e também
pelo fato de as reservas serem finitas, vem sendo intensivamente estudado
(SOUCHIE et al., 2005; BARROSO, NAHAS, 2008; LIRA CADETE et al., 2012). No
entanto, a maioria dos estudos estão restritas às condições in vitro59,
dificultando estimar a real contribuição destes microrganismos no campo. Em
relação ao potássio, também é verificado que fungos e bactérias diazotróficas
(fixadoras de N2), possuem a capacidade de solubilizar K de rochas, como o
fonolito, em meio de cultura (BRANDÃO et al., 2014; FLORENTINO et al., 2017
b).
Os microrganismos do solo podem atuar indiretamente para o
crescimento vegetal, por meio da produção de fitormônios, como o ácido 3-
indol acético (AIA) (FLORENTINO et al., 2017b) e aumentar a tolerância das
plantas quando cultivadas em situação de estresse (FOLLI-PEREIRA et al., 2012).
No entanto, acredita-se que seja necessário um maior número de estudos para

59
Ensaio realizado em laboratório.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 205

que esses microrganismos sejam aprovados pelo MAPA para uso na


agricultura.
No entanto, apesar de os microrganismos disponíveis para uso na
agricultura estarem restritos a um pequeno grupo, principalmente nas
bactérias fixadoras de N2, os agricultores podem criar condições, por meio de
práticas sustentáveis ou conservacionistas, visando a aumentar a densidade e
diversidade dos grupos funcionais de microrganismos no solo. Dessa forma, é
possível sistematizar um sistema agrícola sustentável, tanto do ponto de vista
ambiental quanto do ponto de vista econômico e social.
O sistema plantio direto é um exemplo de estratégia conservacionista
que reduz as perdas do solo e da biodiversidade (PRAGANA et al., 2012). O
sistema plantio direto, devido às características de manter uma cobertura
vegetal morta permanente na superfície do solo, revolvimento mínimo do solo
(apenas na linha de plantio) e rotação de culturas, proporciona condições
favoráveis para maior densidade e diversidade de microrganismos, quando
comparado ao o preparo convencional do solo, podendo, portanto, ser
considerado como um sistema sustentável de produção agrícola, uma vez que
minimiza o impacto da atividade agrícola sobre a biodiversidade do ambiente
(SANTOS et al., 2016).
Dessa forma, são necessários estudos visando a identificar outros
sistemas de produção agrícola que sejam capazes de conciliar produção de
alimentos versus sustentabilidade dos agroecossistemas, dentre os quais
podemos destacar a técnica da integração lavoura/pecuária, que consiste na
produção de grãos, como o milho e soja, carne e leite, entre outros, na mesma
área, em plantio consorciado, sequencial ou rotacional (MACEDO, 2009). Esse
sistema reduz os impactos da monocultura, promovendo maior diversificação
de plantas na área, que, consequentemente traz benefícios às propriedades
físicas, químicas e biológicas do solo; além disso, devido à diversificação de
plantas, verifica-se a ocorrência de inimigos naturais, reduzindo assim a
incidência de pragas, doenças e plantas daninhas. Em função de todos esses
benefícios, a integração lavoura-pecuária é uma das linhas de ações do plano
ABC, sendo recomendada para a recuperação e na renovação de pastagens em
processo de degradação (VILELA et al., 2011). Mesmo apresentando várias
vantagens e reduzindo os efeitos prejudiciais no ambiente, o sistema de
206

integração lavoura‑pecuária ainda é pouco adotado no Brasil, que possui cerca


de 1,5 milhão de hectares nesse sistema (BALBINO et al., 2011).
Para a adoção de sistemas produtivos mais complexos, os quais
envolvem integração, consorciação, rotação de culturas, são necessários
profissionais capacitados e investimentos em infraestrutura (VILELA et al.
2011).
A utilização de compostos orgânicos constitui-se também numa das
alternativas sustentáveis, por meio da qual pode-se reduzir o uso de
fertilizantes químicos e aumentar o teor de matéria orgânica no solo. Além
disso, estudos demonstram que a adubação orgânica favorece o
estabelecimento simbiótico entre fungos micorrízicos e diferentes espécies
vegetais (OLIVEIRA et al., 2012; SCHIAVO et al., 2010; SOUSA et al., 2012; SILVA
JUNIOR et al., 2012), o que pode ser atribuído devido à melhoria nas condições
químicas do solo, favorecendo consequentemente o crescimento e
multiplicação do fungo, ou pela melhoria do estado nutricional e fitossanitário
das plantas hospedeiras.
A fim de incentivar todas essas práticas que reduzem os impactos
ambientais advindos dos sistemas de produção agrícola e que fomentem uma
agricultura sustentável, a qual pode ser definida por um conjunto de práticas
realizadas nas mais diversas atividades agrícolas que garantem equilíbrio
ecológico, viabilidade econômica, equidade social, bem como humana e
adaptativa (OLIVEIRA, 2008), foram criados sistemas de certificações de
produtos agrícolas produzidos de forma sustentável. A certificação de
processos, produtos e de serviços vem sendo adotada por várias organizações
nacionais e internacionais, tanto públicas como privadas, buscando a
implantação, na agricultura, de um modelo de certificação tendo como
princípios básicos: a conservação de ecossistemas, água, solo e vida selvagem
ou seja, objetivando a adoção de práticas que proporcionem a sustentabilidade
de todo o sistema (REIJNTNES et al., 1992; BORÉM, FREITAS, 2015).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o crescimento populacional e a necessidade de aumentar a oferta


de alimentos, a utilização de práticas de manejo sustentáveis são
imprescindíveis para o futuro dos sistemas de produção na agropecuária. Sem
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 207

a adoção de práticas sustentáveis o futuro do agronegócio está fadado ao


colapso, ao esgotamento dos recursos essenciais à sobrevivência da
humanidade.
Com o emprego das tecnologias e o aperfeiçoamento das existentes,
com o uso racional de defensivos agrícolas, o desafio da elevação da
produtividade sem a destruição do meio ambiente, pode ser superado. No
entanto, para que isso ocorra, é de extrema importância que os responsáveis
pelas cadeias produtivas tenham essa conscientização, que fiquem cientes do
risco de não adotarem as práticas conservadoras e sustentáveis. De outro lado,
os pesquisadores e extensionistas precisam de estabelecer estratégias não
apenas para o desenvolvimento de novas tecnologias, sistemas produtivos,
mas principalmente para disseminar os conhecimentos gerados e as
tecnologias desenvolvidas para uma agricultura sustentável.

AGRADECIMENTOS

À CAPES, pela bolsa de mestrado à aluna Ana Beatriz Carvalho Terra e à


Fapemig, pelo auxílio financeiro, no projeto intitulado: “Alternativas para a
auto suficiência na utilização de fertilizantes nitrogenados e rochas silicatadas
para o cultivo de Brachiaria brizantha no estado de Minas Gerais”, Processo:
APQ-01115-14.

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A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 211

Capítulo 13

SUSTENTABILIDADE NOS SISTEMAS DE CULTIVO DO CAFÉ NO ESTADO


DE MINAS GERAIS/MG

Wanessa Tavares Campos Corsini60


Marina Ariente Angelocci61
Fábio dos Santos Corsini62
Fernando Ferrari Putti63

O café é um produto muito apreciado e valorizado no mundo todo, e no


Brasil não é diferente. Grande apoio na manutenção da economia do país, esta
commodity tem estado sempre em foco em diversas linhas de estudo. Dentre
os assuntos mais tratados, desenvolver um processo de produção que seja
sustentável em todas as suas nuances é importante. Um processo sustentável,
atualmente, é vital para atender a um mercado que tem se tornado mais
exigente a cada ano. Nesse contexto, este estudo busca apresentar a
importância do café e os diversos pontos de cuidado identificados durante
todo o processo de produção para alcançar um produto de qualidade e
também os principais sistemas de produção do café.

1 INTRODUÇÃO

A produção de alimentos recebe uma quantidade considerável de


investimento anual. Tanto os alimentos industrializados quanto os naturais
possuem uma demanda constante. Com isto, um número importante de

60 Mestranda em Sistema de Produção na Agropecuária, Assistente em Administração


IFSULDEMINAS – Campus Machado. E-mail: wanessa.corsini@ifsuldeminas.edu.br
61 Titulação, Vínculo Acadêmico ou Profissional.
62 Doutorando em Agricultura Sustentável, Prof. IFSULDEMINAS – Campus Machado. E-mail:

fabio.corsini@ifsuldeminas.edu.br
63
Bacharel em Administração, Mestre e Doutor em Agronomia, Prof. Assistente Doutor, Faculdade
de Ciências e Engenharia, UNESP - Univ Estadual Paulista, Tupã – SP. E-mail
fernandoputti@tupa.unesp.br
212

produtores e empresários tem se empenhado para garantir o atendimento a


esta demanda (HIRAKURI et al., 2014).
A região do sul do Estado de Minas Gerais, como tantas outras no
Estado, preza pela produção de um café que atenda parâmetros internacionais
de qualidade. Os parâmetros adotados comumente na produção do café na
região favorecem a ampliação do grande mercado agrícola nacional,
responsável pela manutenção da economia no Brasil (BARRA; LADEIRA, 2016).
A utilização de tecnologias na lavoura de café tem sido um diferenciador
neste processo produtivo. Produtores de café fazem uso de tecnologias em
todas as fases de produção para potencializar seus resultados. Em
contrapartida, pequenos produtores, em sua grande maioria na região citada,
muitas vezes não conseguem utilizar essas tecnologias perdendo, desta forma,
oportunidades de aumentar o retorno financeiro com a produção de café
(SETTE et al., 2010).
O controle de pragas na lavoura cafeeira também tem se destacado
entre as variáveis de impacto no processo de produção de café no Brasil e,
muitas vezes, afetado a qualidade do grão produzido (ANDROCIOLI, 2010).
Alguns tipos de praga podem diminuir ou até mesmo destruir toda uma
produção. Em contrapartida, um controle executado de forma inadequada
pode reduzir a eficácia da aplicação de um defensivo. Em vários cenários,
trabalhando as variáveis corretas, seria possível executar este controle sem o
uso de defensivos químicos. Isto seria importante, mas a falta de conhecimento
de muitos produtores, os leva a um uso inadequado das metodologias
disponíveis, gerando riscos ao meio ambiente e à saúde dos usuários (BORGES
et al., 2004).
As origens deste descaso por parte dos produtores que manuseiam este
tipo de produto não estão no escopo deste documento, mas é considerável
propor que ações de conscientização, orientação e treinamento, podem ser de
grande importância na quebra deste paradigma (ROMAN, 2000). Sendo assim,
é necessário e urgente a preocupação com a gestão ambiental e social
(BOLTON; ARONOW, 2009).
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 213

2 PRODUÇÃO DE CAFÉ

O crescimento de uma planta de café é de dois anos, passando por seis


fases. A primeira é a de vegetação da planta que dura cerca de sete meses. A
segunda fase é definida pela indução do crescimento que dura em torno de
cinco meses. A terceira constitui a formação das flores e dos frutos que dura
perto de quatro meses para desenvolver. A quarta fase se caracteriza pela
granação dos frutos e dura próximo de três meses. Na quinta fase ocorre a
maturação dos frutos e gasta em torno de três meses; e, finalmente, ocorre a
sexta fase, que apresenta a senescência dos ramos que retrata a “autopoda”
da planta e possui a duração média de dois meses (PRADO; DORNELES JUNIOR,
2015)
O café já recebeu destaque como principal riqueza do país gerando
benefícios como novas ferrovias, solidificação da classe média, chegada de
imigrantes e até mesmo o surgimento de cidades (PRADO; DORNELES JÚNIOR,
2015). Ainda segundo os autores, o Brasil é o maior exportador mundial de café
arábica e o segundo maior de café robusta, sendo estas, as principais espécies
produzidas no país.
Buscando atender aos apreciadores de café, diversos estabelecimentos
comerciais vêm se especializando em ofertar um produto final mais requintado
(NAGAOKA et al., 2011).
Além da longa lista de preocupações tornarem o processo produtivo de
café extremamente complexo, Silveira et al. (2012) apresentaram uma
pesquisa realizada com produtores de café em que uma grande quantidade
deles possuía pouco conhecimento sobre instrumentos de gestão de riscos de
preço, apesar de os mesmos relatarem deter um alto grau de
acompanhamento do mercado (SILVEIRA et al., 2012). Em parte, isso se deve
ao fato de que a maior parcela dos produtores do Brasil é composta por micro
e pequenos produtores (HUSQVARNA, 2015).
Esse tipo de procedimento abre margem para diversos problemas, mas
o principal é se contar, basicamente, com a sorte para evitar os riscos
existentes. Objetivando evitar este tipo de dificuldade, diversos produtores
buscaram uma forma de desenvolver um diferencial em seu produto que o
torne atrativo ao mercado. A economia no processo produtivo e a busca na
214

produção de grãos de melhor qualidade tem se destacado entre essas ações


(PEREIRA et al., 2010).
Em meio a esses pontos surge uma demanda: a garantia da
confiabilidade no atendimento a certos requisitos de qualidade pelos
produtores. Nesse contexto tem-se a participação das certificadoras de
qualidade que, como o próprio nome diz, certificam a qualidade de um produto
e esta ação, na maioria das vezes, baseia-se na definição de padrões que devem
ser seguidos pelos produtores (PEREIRA et al., 2010). Em meio a tudo isto, o
produtor procura uma forma de alcançar melhores preços em seu produto e
apresentam que a certificação possibilita resultados financeiros mais
satisfatórios justificando o investimento neste tipo de ação (PERDONÁ et al.,
2012).
O mercado de café, apesar das intempéries que sofreu nos últimos anos,
continua se desenvolvendo. A Associação Brasileira da Indústria do café (ABIC)
divulgou dados em que demonstra que o brasileiro consumiu, em 2014, seis
quilos de café por habitante e a exportação ultrapassou 36 milhões de sacas. O
consumo interno nacional é passível de crescimento, podendo alcançar um
índice anual de 4,3% até 2019, pois o mesmo tem alcançado novos perfis de
consumidores (ZAFALON, 2015). O Brasil é responsável por uma quantia
considerável do café produzido em todo o mundo, contando com mais de 250
mil produtores distribuídos em vários municípios do país (HUSQVARNA, 2015).
Este cenário não se estagna, e baseado em levantamentos considera-se
que a safra de café do Brasil em 2017 deverá alcançar as 62 milhões de sacas,
mas mesmo com este aumento o mercado ainda estaria em déficit devido ao
aumento do consumo e a subvalorização dos preços do café (COHEN, 2015).
Considera-se, ainda, que, devido ao aumento do consumo do produto, seria
necessário aumentar a produção global em 40 milhões de sacas nos próximos
dez anos para regular esta situação.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 215

3 SISTEMAS DE PRODUÇÃO DE CAFÉ

3.1 SISTEMA CONVENCIONAL

Desde o século XIX o sistema de produção de café convencional é o


modelo de cafeicultura adotado no Brasil, formado por plantas geneticamente
similares ou idênticas com o objetivo de aumentar a produtividade o que causa
dependência de agrotóxicos, máquinas e combustíveis (LOPES et al., 2012).
Nas plantações de café convencional as espécies mais cultivadas no
Brasil são o Coffea arabica (arábica) (muito utilizado no estado de Minas
Gerais) e o Coffea canephora (robusta ou conillon). Para se avaliar a qualidade
do café produzido, a análise é feita nos grãos e considera características como
tipo (quantidade de defeitos), tamanho (dimensões do crivo da peneira) e
bebida (aroma e sabor). A classificação da bebida é reconhecida visualmente e
a qualidade é manifesta pelo olfato e paladar. Para a produção desta bebida, a
torra do grão pode ser realizada de três formas: a clara, que é ideal para
máquinas expresso; a média, que é o tradicional; e a escura, que é o extraforte
(MAPA, 2015).
Com respeito ao tempo para a colheita, este varia em todo de
aproximadamente 75 dias úteis ou três meses corridos, começa em abril ou
maio e estende-se até agosto ou setembro. O período chuvoso na fase de
maturação alonga a época da colheita. Após a colheita o café será processado
por via seca (com casca) ou úmida (despolpado), deste processamento
originará os seguintes tipos de café: o natural, o descascado, o desmucilado e
o despolpado. A qualidade do café está relacionada diretamente à pré e pós-
colheita, pois elas determinarão o tipo do café e essas fases são classificadas
em: espécies e variedades de café, local de cultivo, maturação dos grãos,
incidência de microrganismos, efeito de adubações na qualidade da bebida,
fermentação enzimática e microbiana, armazenamento do café beneficiado,
misturas de café e torração do café (RIBEIRO; MENDONÇA, 2009).
Além do processo citado, o qual é comum na maioria dos sistemas de
produção de café, novas estratégias são adotadas em busca de melhor
valoração do produto beneficiado. A certificação, estratégia em destaque no
cenário atual, é uma forma de garantir uma padronização de todo o processo
produtivo segundo parâmetros estabelecidos por órgãos conceituados e
216

garante ao consumidor um produto de qualidade e ao produtor mais


competitividade no mercado (BESSA; FERREIRA, 2015).
Outra metodologia de garantia de preço e qualidade é a rastreabilidade
que permite, sobre o gerenciamento de órgãos privados e do governo, uma
visão detalhada, por parte do interessado, de todo o processo produtivo
(MAPA, 2009).

3.2 SISTEMA ORGÂNICO

O sistema de produção do café orgânico é caracterizado por reproduzir


os processos biológicos constituídos na natureza, abstêm-se de procedimentos
drásticos no sistema de produção. Pode-se citar, como exemplo, o
desenvolvimento da cafeicultura baseada no giro de culturas utilizando
compostos orgânicos de origem vegetal (LOPES et al., 2012).
Buscando melhorar seu processo produtivo, produtores têm buscado
meios de diferenciar seus produtos através de construções de cooperativas e
associações que buscam fomentar e apoiar a implantação de metodologias
orgânicas. Através dessas instituições, na década de 1990, deu-se início à
produção orgânica no município de Machado, no sul de Minas Gerais
(OLIVEIRA; FREDERICO, 2010). A localização, a facilidade de obtenção de
matéria orgânica para a adubação e outras características de uma região que
favoreçam a qualidade do grão e isenção de pragas são essenciais para o
desenvolvimento de um produto de qualidade (MOREIRA, 2009).
Para o cafeicultor que queira produzir o café orgânico, o primeiro passo
é a filiação a uma instituição que seja reconhecida pelo Ministério da
Agricultura e do Abastecimento. O processo de filiação se dará segundo os
parâmetros definidos pela instituição de interesse e, geralmente, disponíveis
em suas estruturas de informação e comunicação. Em seguida, para iniciar o
processo de conversão para a agricultura orgânica, fazer a solicitação de uma
visita para a certificação. O tempo mínimo para a mudança de cultura é de 18
meses contados a partir da visita. Uma questão importante é averiguar o custo
desta produção. Em termos percentuais o sistema orgânico é o mais
econômico em sua implantação (TURCO; OLIVEIRA; BUENO, 2010).
Um estudo feito com os consumidores espanhóis e colombianos
constatou a preferência por cafés com atributos especiais tais como: comércio
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 217

justo, sustentável, orgânico e gourmet. Esses são consumidores éticos,


valorizam o café fair trade e preferem café orgânico (SEPÚLVEDA et al., 2016.
Também um estudo feito na Nicarágua constatou que a produção de
café orgânico de fair trade só aumenta a renda dos agricultores se os preços
do café convencional forem excessivamente baixos (VALKILA, 2009).
As mudanças na economia do mercado cafeeiro parecem trazer um
cenário mais próspero, uma oportunidade imprescindível para os pequenos
produtores. Para que os cafés especiais possuam um contínuo
desenvolvimento, é necessária a união dos produtores e governo para que
juntos promovam um marketing eficiente, uma sólida organização institucional
e o mais importante o respeito ao meio ambiente e a sociedade (SAES, 2006).

3.2 SISTEMA SUSTENTÁVEL

Seguindo uma tendência mundial, o conceito de sustentabilidade tem


ganhado força na produção de alimentos. As pessoas estão cada vez mais
preocupadas em fazer um consumo consciente e, com isto, aumenta-se a
demanda por alimentos produzidos de maneira sustentável. A sustentabilidade
visa a atender as necessidades das gerações atuais sem prejudicar as gerações
futuras, envolvendo aspectos ambientais, sociais e econômicos. Produzir cafés
sustentáveis pode permitir, ao produtor, o desenvolvimento de um produto de
qualidade, com maior valor agregado e que permita maior retorno financeiro
do processo produtivo (MAPA, 2009).
Na Índia, o café, popularmente referido como “Ouro Marrom”, é um dos
principais produtos cultivados no país. A partir de um modesto início durante
o século XVIII por empresários britânicos, o cultivo de café transformou-se,
gradualmente, em uma indústria de plantações sustentáveis.
Na Figura 1 observa-se que o café sustentável engloba uma série de
preocupações que vão além do meio ambiente, como, por exemplo, a parte
social e econômica.
218

Figura 1: Características do processo de produção de um café sustentável

Fonte: Café KAYNÃ (2017)

Segundo o MAPA (2009), a produção de cafés sustentáveis deve seguir


diversas premissas, dentre as quais citam-se:
a) uso de agrotóxicos: poderão ser utilizados desde que respeitem
normas predefinidas como padrão de receituário e estejam
adequadamente armazenados;
b) preservação do meio ambiente: proteção e preservação dos
mananciais segundo o Código Florestal brasileiro, proteção da
vegetação ao longo dos cursos de água e recuperação das mesmas,
conservação de plantas e animais ameaçados de extinção, uso de
árvores nativas no reflorestamento e manejo adequado do lixo;
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 219

c) rastreabilidade: identificação física dos talhões ou glebas na


propriedades, conservar amostras do café produzido e implantar
boas práticas na produção;
d) social: proibição de trabalho infantil, registro dos funcionários
segundo as normas vigentes, segurança do trabalhador através da
concessão de equipamento de proteção individual (EPI), local para
refeições, adequadas condições sanitárias, moradia, transporte e
preocupação com a educação dos funcionários e seus filhos;
Economicamente falando, o Brasil detém o título de maior produtor e
exportador de café e segundo maior consumidor do mundo. O processo
produtivo de café gera 8,4 milhões de empregos direta ou indiretamente
(MAPA, 2009). Ainda segundo MAPA (2009), seguindo as premissas
estabelecidas, com o aumento alcançado no valor do produto beneficiado, a
cafeicultura sustentável possui potencial retorno financeiro e ainda permite o
desenvolvimento de um produto que seja competitivo tanto no mercado
nacional quanto no internacional.
O café sustentável no mercado global tem aumentado
consideravelmente e o seu potencial é ainda mais promissor. O maior
consumidor mundial, os Estados Unidos, obteve um crescimento de 36% no
consumo dos cafés sustentáveis e existem cerca de 10 mil pontos de varejo
espalhados por todo o país (SAES, 2006).
Para garantir esta qualidade, existem diversos programas sustentáveis
de café no Brasil (Cafés Sustentáveis do Brasil – PCS, Certifica Minas Café,
Certificação do Café do Cerrado, Programa de Certificação Agrícola, do
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora e Certificação
pela Associação Brasileira de Cafés Especiais – BSCA) e no exterior (Rainforest
Alliance, Utz Kapeh (RAYNOLDS et al., 2007)). O café certificado torna-se mais
valorizado devido à garantia de procedência, qualidade superior e ainda com o
histórico de preservação do meio ambiente (MAPA, 2009).
Os procedimentos de certificação sustentável tiveram muitos benefícios
para os produtores latino-americanos que os ajudaram a encarar a crise no
setor com recebimento de valores melhores para seu café. Mas os agricultores
precisaram melhorar a sua produção para ampliar sua renda, pois, a
certificação sem alterações na qualidade não serão a solução de que a região
necessita (KILIAN et al., 2006).
220

No Brasil a certificação ambiental é um meio de impulsionar a


sustentabilidade dos sistemas de produção. Mas a certificação no setor
agrícola foi moldada por produtores com propriedades mais estruturadas
apontando para uma divisão desigual das partes sociais. Os pequenos
produtores que estão na certificação em grupo são apenas os que possuem
grande produtividade, já os com pouca produtividade têm dificuldades de
atingir as demandas necessárias para a certificação. Por isto, é indispensável
uma ação política para favorecer hábitos mais sustentáveis para todos os
cafeicultores no Brasil (PINTO et al., 2014).
Ainda sobre a certificação, realizou-se pesquisa com os cafeicultores no
México e Peru sobre a sustentabilidade do café certificado e constatou-se que
os rendimentos e não os prêmios de preço são fundamentais para aumentar o
retorno líquido de caixa. Os cafés certificados melhoram os rendimentos e o
bem-estar dos produtores. Verificou-se ainda que os consumidores prefiram
comprar produtos agrícolas certificados, pois, anseiam por um mundo mais
justo e sustentável (BARHAM; WEBER, 2012).
Um estudo conduzido no Vietnã, que se trata do segundo maior
produtor mundial de café, mostra a preocupação dos produtores com a
irrigação, que limita a produção sustentável de café entre os meses de janeiro
a abril, que é o momento crucial do crescimento da safra. O aumento da
irrigação e dos insumos tornaria a produção de café sustentável e
economicamente viável (AMARASINGHE et al., 2015).

3.3 SISTEMA AGROFLORESTAL

O sistema agroflorestal é comumente caracterizado pelo manejo das


ervas naturais com enxada e roçadeira, o nutrimento do cafeeiro é realizado
com subprodutos do café, como, por exemplo, palha, serapilheira, ervas
naturais e galhos originados do próprio sistema florestal (LOPES et al., 2012).
Os preços obtidos em mercados externos e a boa produção dos sistemas
agroecológicos têm favorecido aos agricultores familiares com um sentimento
de satisfação e uma renda que supre seus anseios e necessidades (LOPES et al.,
2012).
Busca-se criar uma convivência de equilíbrio entre a agricultura e o meio
ambiente. Neste contexto podemos citar a produtividade de biomassa
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 221

encontrada no sistema agroflorestal é maior que as encontradas em todos os


outros sistemas (LOPES et al., 2012). Esse sistema abrange os princípios que
possuem os ecossistemas naturais na criação de um sistema de produção
sustentável. Compreendemos o sistema agroflorestal quando compreendemos
como funciona o ecossistema natural onde se pretende intervir (PINHO et al.,
2008).
O plantio em sistema agroflorestal tem sido aplicado com resultados
válidos significativos em vários países:
a) Costa Rica: áreas dentro da paisagem cafeeira aumentam e
conservam a diversidade da vida selvagem (CAUDILL et al., 2015);
b) Nicarágua: plantio de café arábica na sombra de árvores foi
identificado como responsável pela conservação do solo, controle
da erosão e eficiente na preservação do meio ambiente (BLANCO
SEPÚLVEDA; AGUILAR CARRILLO, 2015);
c) México: oficinas dentro de comunidades de agricultura com foco na
manutenção da biodiversidade e conservação de mata nativa
(VALENCIA et al., 2014);
d) Uganda: apresentou maior potencial de sequestro de carbono
(CO2) em comparação a monocultura de café robusta e arábica
(TUMWEBAZE; BYAKAGABA, 2016).
Agricultura é um negócio muito dinâmico e diferenciado. Encontram-se
muitas formas de trabalhar na terra, em cada região do mundo com
circunstâncias ou tradições culturais. As motivações que incentivam o produtor
a mudar seu sistema de produção podem ser muitas e legítimas, começando
com considerações tecnoeconômicas e com o tempo modificam para
preocupações com o meio ambiente, segurança e com a vida (FEIDEN et al.,
2002).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo produtivo do café, apesar se sua ampla aplicação, ainda


demanda melhorias, principalmente, no que tange aos processos produtivos.
Nestes pontos surgem desafios que impactam o processo produtivo, mas,
também, impulsionam a ciência no desenvolvimento de novas tecnologias. O
mercado exigente abre caminho para diversos tipos de clientes com gostos e
222

necessidades variadas. Os produtores direcionam suas atenções para este


público complexo e exigente fomentando o desenvolvimento de novos tipos
de café.
Sustentabilidade em todo o processo de produção tem se tornado, a
cada dia, um fator de vital importância para a sobrevivência do produtor e o
atendimento do mercado consumidor. O termo é amplo e, em sua
complexidade, avalia detalhes do processo produtivo que vão desde o preparo
da terra até o produto beneficiado na prateleira. O produtor precisa se
atualizar e apresentar para o mercado que conhece e acompanha todo o
processo de produção de seu café para que, desta forma, consiga explorar cada
potencialidade de seu processo produtivo.

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A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 225

Capítulo 14

CONDIÇÕES AMBIENTAIS DO MANANCIAL DO RIBEIRÃO CAFEZAL:


OCUPAÇÃO DO SOLO E ASPECTOS MICROBIOLÓGICOS

Kátia Valéria Marques Cardoso Prates64


Isabela Bruna Tavares de Machado Bolonhesi65
Luciana Furlaneto Maia66
Lígia Flávia Antunes Batista67
Edson Fontes de Oliveira68

1 INTRODUÇÃO

As atividades antrópicas estão diretamente relacionadas com a


qualidade ambiental das bacias hidrográficas. Segundo Porto e Porto (2008),
todas as áreas urbanas, industriais, agrícolas ou de conservação fazem parte
de alguma bacia hidrográfica, e o que ocorre em seu exutório é consequência
das formas de ocupação do território e da utilização das águas dos trechos a
montante.
Nesse contexto, os focos de poluição em corpos d’água ao longo das
bacias devem ser previamente detectados devido às alterações prejudiciais
que podem ocasionar ao meio ambiente e, consequentemente, ao uso desse
estratégico recurso natural. A qualidade dos ecossistemas aquáticos tem sido
alterada de diferentes formas nas últimas décadas, principalmente em razão
da complexidade dos usos múltiplos da água pelo ser humano, gerando
poluição e degradação ambiental no corpo hídrico e em áreas adjacentes.
Dentre as causas da contaminação da água, destacam-se a falta de tratamento

64
Doutora em Ciência da Engenharia Ambiental, docente da UTFPR, e-mail: kprates@utfpr.edu.br
65 Mestre em Engenharia de Edificações e Saneamento, engenheira ambiental, e-mail:
ibtmachado@gmail.com
66 Doutora em Biologia Celular e Molecular, docente da UTFPR, e-mail: lucianamaia@utfpr.edu.br
67
Doutora em Ciências Cartográficas, docente da UTFPR, e-mail: ligia@utfpr.edu.br
68 Doutor em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais, docente da UTFPR, e-mail:

edsonoliveira@utfpr.edu.br
226

de esgotos domésticos e rurais, bem como despejo irregular de efluentes


industriais, agrotóxicos, fertilizantes, e, ainda, óleos derramados por veículos
automotores e dispersos ao longo das bacias.
Alguns grupos de microrganismos podem ser utilizados como
indicadores desses tipos de contaminação. As bactérias do grupo coliforme
(coliformes totais, coliformes termotolerantes e Escherichia coli), por exemplo,
são os organismos comumente utilizados como indicadores de contaminação
fecal oriunda de esgotos não tratados, pois estão presentes em grandes
quantidades nas fezes humanas e de animais de sangue quente (VON
SPERLING, 2005). O grupo coliforme apresenta resistência ao decaimento
bacteriano superior à maioria das bactérias patogênicas intestinais e, além
disso, as técnicas para identificação do grupo coliformes são relativamente
mais rápidas e econômicas.
Outros aspectos importantes relacionados à qualidade da água de
mananciais são a presença de vegetação remanescente, os tipos
preponderantes de cobertura do solo da bacia e dinâmica das atividades
econômicas desenvolvidas ao redor do corpo d’água. Segundo Mendonza et al.
(2011), o impacto decorrente da alteração do uso e ocupação do solo se reflete
em todos os componentes do ciclo hidrológico, como no escoamento
superficial, na recarga dos aquíferos e na qualidade química da água. Estudos
do meio físico têm sido realizados para analisar a abrangência de tais impactos,
tais como aqueles que utilizam de ferramentas do geoprocessamento e
sensoriamento remoto. Vaeza et al. (2008) evidenciam que os estudos em
bacias hidrográficas podem utilizar imagens orbitais para obtenção de classes
de cobertura do solo e que essas informações podem contribuir decisivamente
com as ações de monitoramento ambiental da área.
A Bacia do Manancial do Ribeirão Cafezal (BMRC) é um dos principais
mananciais de abastecimento das cidades de Londrina, Rolândia e Cambé
(região Norte do Estado do Paraná), fornecendo, por exemplo,
aproximadamente 37% da água consumida pela população (SILVA, 2002).
Baseado na interferência antrópica e suas consequências para a BMRC, este
capítulo tem por objetivo analisar a influência da ocupação do solo no entorno
da bacia em relação à qualidade da água, principalmente sobre a estrutura
microbiológica. Para tanto, a coleta de dados foi realizada por meio de um
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 227

checklist com informações sobre cobertura do solo e indicadores


microbiológicos (ocorrência de bactérias do grupo coliformes).

2 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

A BMRC é uma sub-bacia do ribeirão Três Bocas, afluente da margem


esquerda do rio Tibagi, e tem como principais afluentes os ribeirões Ciclone,
Alto e Médio Cafezal, Pedroso e São Domingos. Da sua nascente, localizada no
município de Rolândia, até a sua foz, no ribeirão Três Bocas, o ribeirão Cafezal
percorre 41,8 km, sendo 27,3 km até a captação, percorrendo uma paisagem
que intercala áreas agrícolas com urbanas (SILVA, 2002).
Foram analisados nove pontos ao longo da bacia nos municípios de
Rolândia, Cambé e Londrina (Figura 1). Quatro pontos estavam inseridos em
Rolândia (pontos p1, p2, p3 e p4), um na divisa entre Rolândia e Cambé (ponto
p5), dois em Cambé (pontos p6 e p7) e dois em Londrina (pontos p8 e p9). O
ponto de monitoramento p1 é o ponto mais próximo da nascente da BMRC,
completamente inserido na zona urbana de Rolândia, enquanto o último ponto
ao longo do gradiente longitudinal (p9) corresponde ao local da captação de
água para abastecimento público da cidade de Londrina e se encontra entre
área urbana e rural. O ponto p4 está localizado na confluência entre os
afluentes do ponto p1 e dos pontos p2 e p3, assim como o ponto p6 está
localizado exatamente ao lado do ponto 5, na confluência dos afluentes do
ponto p5 (que recebe água do p4) e do ribeirão Pedroso.
A amostragem e as análises foram realizadas durante oito meses, entre
agosto de 2011 e maio de 2012, quando foram implementadas as coletas de
amostras da água e o monitoramento do uso e ocupação do solo da BMRC.
Para a coleta de dados, os pontos foram determinados escolhendo-se os mais
próximos de áreas urbanas e rurais e com melhores condições de
acessibilidade. As datas destinadas às coletas foram planejadas no início de
cada mês, sendo alteradas eventualmente devido às condições climáticas.
228

Figura 1: Localização dos pontos de monitoramento na bacia de manancial do ribeirão Cafezal,


compreendendo os municípios de Cambé, Londrina e Rolândia, situadas na região norte do
Estado do Paraná

A região norte do Paraná apresenta clima subtropical úmido, com


verões quentes e chuvosos, de acordo com o Instituto Agronômico do Paraná
(IAPAR, 2012). Em relação aos dados de precipitação, dados de pluviosidade
foram obtidos pelo site do IAPAR para os meses de monitoramento
(agosto/2011 a maio/2012), conforme constam na Tabela 1.

Tabela 1: Dados de pluviosidade (mm) para os meses de monitoramento

Mês AGO SET NOV DEZ FEV MAR ABR MAIO


Precipitação 31,1 7,0 140,1 86,4 40,2 87,2 159,0 64,5
(mm)
Fonte: IAPAR (2012).

2.1 DESENVOLVIMENTO DO BANCO DE DADOS GEOGRÁFICOS DAS


CARACTERÍSTICAS DO MEIO FÍSICO DA BACIA DE MANANCIAL DO RIBEIRÃO
CAFEZAL

A elaboração de um banco de dados geográficos da BMRC foi necessária


para permitir o reconhecimento das características do entorno de cada ponto
e, com isso, analisar se os pontos com condições semelhantes tendem a
apresentar comportamentos também similares no que diz respeito à
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 229

ocorrência de coliformes. Com essa análise qualitativa foi possível identificar,


por meio de cartas, quais pontos de monitoramento se encontravam em locais
propícios a maior contaminação e verificar se havia relação com os dados
microbiológicos e checklist.
Foram utilizadas imagens de satélite Landsat, sensor Thematic Mapper
(TM) de 01/09/2011, obtidas a partir do site do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE). As imagens foram manipuladas em um Sistema de Informação
Geográfica (SIG), software Spring, versão 5.2.2. Para o processamento foi
necessária a interpretação e classificação das imagens de satélite. A
interpretação visual das imagens proporcionou identificar a cobertura do solo
e designar classes de ocupação do solo.
Elementos como rede viária, rede hidrográfica e limites municipais
foram obtidos a partir do site do Instituto de Terras Cartografia e Geociências
(ITCG, 2011) para a respectiva bacia estudada. Informações sobre a rede de
drenagem e os limites da bacia foram cedidos pela Secretaria de Meio
Ambiente da Prefeitura de Londrina (SEMA), correspondendo a dados vetoriais
compostos por segmentos de linha, os quais possuíam também descrição dos
nomes das bacias e dos principais trechos de drenagem.
Após a obtenção das informações supracitadas foi elaborado um
documento cartográfico contendo a classificação de cobertura do solo, a partir
da qual foi possível caracterizar o entorno dos pontos de monitoramento,
confrontar com os dados obtidos pela carta com os dados do checklist e
permitir avaliar a relação entre as características físicas da bacia com os
indicadores microbiológicos.

2.2 IDENTIFICAÇÃO DAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS NATURAIS E


ANTRÓPICAS

As características naturais e antrópicos da BMRC foram avaliadas


mensalmente durante o período de coletas, com o intuito de analisá-las
temporalmente. As visitas aos pontos objetivaram identificar:
a) ações antrópicas de impacto: pontos de despejo irregular de esgoto
doméstico, presença de fossas, cultivo de culturas agrícolas,
proximidade de áreas urbanas e de rodovias das margens dos rios e
córregos;
230

b) aspectos de vegetação: presença de área de preservação


permanente – APP ou região desflorestada, tipo de vegetação.
c) impactos sobre o solo: presença de erosão e assoreamento, assim
como qualquer outro fator biológico e antrópico que poderia
contribuir para a poluição da água e degradação ambiental do local.

2.3 ANÁLISE DOS INDICADORES MICROBIOLÓGICOS DE CONTAMINAÇÃO DA


ÁGUA

Para realizar a identificação de bactérias do grupo coliformes e E. coli


(indicadoras de contaminação fecal), foram coletados 400 mL de água na
superfície de cada um dos nove pontos da BMRC. As amostras foram
armazenadas em garrafas de polietileno tereftalato (PET) desinfetadas com
álcool 70% e lavadas com 3% de Tween 80. O procedimento de coleta e
armazenamento do efluente seguiu as NBRs 9.897/1987 e 9.898/1987.
Para enumeração de coliformes totais e termotolerantes, filtrou-se 100
mL de amostra de água em membranas de nitrocelulose com 047 mm de
diâmetro e 0,45 µm porosidade da marca Millipore®, utilizando uma bomba de
vácuo. Posteriormente, as membranas foram depositadas na superfície de
meio de cultura Agar M-Endo e Agar MFC, para determinação do número de
coliformes totais e termotolerantes, respectivamente, seguido de incubação
por um período de 24 horas, para contagem do número de unidades
formadoras de colônias (UFC) por 100 mL de água. Os resultados de UFC foram
comparados com o padrão estabelecido pela Portaria do Ministério da Saúde
2.914/2011 (BRASIL, 2011), que trata da qualidade da água para consumo
humano, e pela Resolução Conama 357/2005 (BRASIL, 2005), que propôs
classificação e enquadramento de corpos d’água. Com os resultados de
bactérias do grupo coliformes termotolerantes, realizaram-se testes
bioquímicos e morfotintoriais para confirmar presença de E. coli.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 231

3 ANÁLISE DO BANCO DE DADOS GEOGRÁFICO DAS CARACTERÍSTICAS DO


MEIO FÍSICO DA BACIA DE MANANCIAL DO RIBEIRÃO CAFEZAL

A elaboração do material cartográfico foi realizada de modo a


caracterizar o meio no qual a BMRC está inserida. Com a imagem obteve-se o
documento cartográfico 1 (Figura 2): a Carta Temática de Cobertura do Solo da
BMRC (Landsat/TM, composição B3G4R5).
O documento cartográfico 1 permitiu identificar os pontos de
monitoramento e as características do entorno no que se refere à cobertura
do solo da BMRC. Na Figura 2 é possível identificar a proximidade dos pontos
de monitoramento a áreas rurais e urbanizadas, bem como a APP do corpo
d’água, que em alguns locais está alterada, o que contribui para a alteração das
condições naturais da água ao longo do gradiente longitudinal da bacia do
ribeirão Cafezal.
Quanto à classificação de cobertura do solo, foram estabelecidas as
seguintes classes:
a) água: identificação de corpos d’água;
b) área urbana: região urbanizada e impermeabilizada, com indústrias
e edificações;
c) vegetação: representa estrato arbóreo de floresta estacional
semidecidual (áreas de preservação permanente, reservas legais e
fragmentos florestais isolados);
d) solo 1: ausência de plantações e pastagens perenes cobertas com
gramíneas;
e) solo 2: mosaico de diferentes fases de formação do solo (da rocha
exposta até solo maduro);
f) solo 3: regiões de agricultura com cultura recém colhida;
g) solo 469: regiões de agricultura com cultura recém plantada.

69Em termos de uso, os solos 3 e 4 são destinados à agricultura, mas, em termos de cobertura,
apresentam fases diferentes do ciclo de cultura. A separação em dois tipos foi realizada em função
da diferença de cor no documento cartográfico (Figura 2) de acordo com a identificação visual da
imagem Landsat.
232

As diferentes classes de solo supracitadas foram determinadas por


identificação visual e confirmadas por meio da visita in loco para
preenchimento do checklist.
A partir da Figura 2 verifica-se que o ponto 1 possui APP ao seu redor,
apesar de ser identificada apenas uma faixa estreita, com áreas rurais na região
sul do ponto de monitoramento destinadas à pecuária e áreas urbanas ao
norte. Além disso, pode-se destacar a proximidade da BR 369 com o ponto de
monitoramento. O ponto 2 apresenta-se em condições similares ao ponto 1,
com áreas urbanas e presença de agricultura na região oeste.
Os pontos 3, 4, 5, 6 e 7 estão em áreas tipicamente rurais, com presença
de vegetação ao seu redor, sendo o ponto de monitoramento 4 localizado na
confluência entre os pontos 1 e 3. Apenas pela análise cartográfica não foi
possível inferir a ocorrência de plantios ou criação de animais e moradias
próximos aos pontos de monitoramento. Dessa forma, ressalta-se a
importância de confrontar os dados obtidos com a análise do checklist
realizada in loco.
Os pontos 8 e 9 localizam-se em áreas mistas, com urbanização
(sobretudo no ponto 8) e áreas identificadas como regiões de agricultura e sem
plantações. Pela análise cartográfica, a vegetação no ponto 8 estaria suprimida.
Reforça-se que no ponto 9 encontra-se no local de captação de água da BMRC
para abastecimento.
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 233

Figura 2: Documento Cartográfico 1 – Carta temática de cobertura do solo da


bacia de manancial do ribeirão Cafezal

Fonte: Autores

3.1 DADOS DE IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS PRINCIPAIS ASPECTOS


NATURAIS E ANTRÓPICOS

Por meio da elaboração da carta temática, realizou-se uma avaliação


comparativa entre a distribuição das classes de ocupação de solo e as
características naturais e antrópicas ao longo do gradiente longitudinal da
bacia com as visitas in loco e análise do checklist. Observou-se uma variação
espacial nos efeitos de eventos naturais e antrópicos sobre a estrutura e
dinâmica da bacia desde a cabeceira (ponto 1), passando por trechos
essencialmente urbanizados (pontos 2 e 9) e rurais (pontos 5, 6 e 7).
Um dos pontos de monitoramento mais impactados é o ponto 1, por
estar inserido em uma região com áreas urbanas da cidade de Rolândia, com
indústrias e áreas residenciais, bem como com áreas rurais ocupadas com
agricultura. Nesse ponto, a bacia sofre um conjunto de interferências oriundo
234

de várias atividades econômicas praticadas no seu entorno, as quais podem se


constituir fatores agravantes da poluição no local.
De acordo com os dados coletados por meio das visitas e do checklist,
verificou-se que quatro dos nove pontos localizam-se em áreas urbanizadas
(pontos 2 e 9) com edificações e redes viárias muito próximas aos pontos de
monitoramento. O ponto 9 (local de captação da água da BMRC), apesar de
não estar representado no documento cartográfico como região urbanizada,
encontra-se próximo (distância aproximada de 1 km) de uma região de
condomínios da cidade de Londrina. Apesar da proximidade dos pontos 3 e 4
com áreas urbanizadas, devido à localização dos pontos de monitoramento
próximos a redes viárias na região de entorno (1 km), não foram identificados
loteamentos urbanos, seja no documento cartográfico ou no checklist, o que
os caracterizaram, portanto, como pontos inseridos em áreas rurais. Verificou-
se a proximidade dos pontos 1 e 2 da rodovia BR 369, o que pode contribuir
para agravar a poluição nesses trechos.
Cabe ressaltar que rodovias constituem também, juntamente com as
zonas urbanas, fontes de poluição não pontual. De acordo com a Companhia
de Saneamento do Paraná (2002, p. 9), pequenos derrames, vazamentos
imperceptíveis, e outros pequenos problemas oriundos das atividades
industriais, comerciais e domésticas, formam um conjunto que pode
comprometer a integridade biológica dos ecossistemas naturais, sem que seja
possível delimitar uma causa precisa.
Três pontos se localizam na área rural (pontos 5, 6 e 7), com predomínio
de cultivos como soja, milho e trigo, não sendo observadas atividades
pecuárias. Confirmou-se que os pontos 1 e 8 estão localizados em áreas
urbanas e rurais, concordando com as informações obtidas a partir da carta
temática, com práticas de cultivo e criação de gado, bem como residências e
indústrias próximas aos pontos de monitoramento. Nenhum ponto
apresentou, visivelmente, esgoto a céu aberto ou sendo lançado diretamente
no rio.
A maioria dos pontos possui APP alterada pela ação humana, o que
interfere diretamente na qualidade da água, pois a cobertura vegetal pode
diminuir ou evitar a erosão e assoreamento à medida que evitam o
carreamento de substâncias presentes no solo para o corpo d’água (COGO;
LEVIEN; SCHUARZ 2003). Nesse sentido, verificou-se que os pontos com
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 235

significativa erosão e assoreamento (pontos 1, 3, 4, 5, 6, 8 e 9) apresentaram


APPs com indicativos de alteração. Segundo os autores, as áreas rurais também
podem contribuir com uma significativa carga de poluição para o corpo hídrico,
principalmente pelo uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes.
Segundo Coelho et al. (2014), as ações antrópicas geram impactos nas
paisagens por meio da intensa substituição das áreas naturais por diversos
mecanismos de uso do solo, promovendo a fragmentação das áreas com
cobertura florestal. Múltiplos fatores diferentes estão relacionados a este
processo influenciam a disponibilidade e a qualidade dos recursos naturais e
afetam a biodiversidade em grandes áreas do planeta (MENDONZA et al.,
2011). Como exemplo, pode-se citar a exploração intensa de áreas com
agricultura e pecuária familiares, cuja atividade tem potencial de provocar
perda da biodiversidade, queda na fertilidade do solo, intensificação dos
processos erosivos e assoreamento de corpos hídricos (VANZELA et al., 2010),
quando não são aplicadas atividades de manejo sustentáveis (PRIMAVESI,
2012).

3.2 ANÁLISE DOS INDICADORES MICROBIOLÓGICOS DE CONTAMINAÇÃO DA


ÁGUA

Como forma de avaliar o impacto pela ação humana, trabalhou-se com


dados microbiológicos coletados a partir de análise de indicadores de
contaminação fecal. Os resultados estão descritos na Tabela 2.

Tabela 2: Banco de dados microbiológicos de indicadores de contaminação fecal da BMRC

Legendas: Concentração em UFC/100 mL, sendo CT: Coliformes Totais; CTE: Coliformes
Termotolerantes; e (*) para dados desconsiderados.
Fonte: Autores.
236

Alguns dados foram desconsiderados devido às falhas durante o


processamento. Verificou-se que as maiores concentrações de UFC/100 mL de
bactérias do grupo coliformes totais ocorreram nos pontos p1 e p8, mantendo-
se sempre acima de 450 UFC/100 mL. As concentrações para os pontos p5 e p9
mantiveram-se praticamente constantes ao longo das análises. A maior
concentração para todos os pontos ocorreu nos meses de novembro e
dezembro/2011, ressaltando-se que em climas subtropicais (clima típico da
região em que a bacia se encontra) os períodos chuvosos concentram-se no
verão, conforme verificado na Tabela 1. As chuvas estão relacionadas com
aumento de concentração de microrganismos e outros indicadores de
parâmetros de qualidade da água devido ao escoamento superficial,
corroborando para recarga superficial de corpos hídricos (COELHO et al., 2014).
Para bactérias do grupo coliformes termotolerantes, que são
indicadoras de contaminação fecal, as maiores concentrações ocorreram nos
pontos p1, p6, p8 e p9, os quais se mantiveram entre 100 e 200 UFC/ 100 mL
em todos os meses analisados. Por outro lado, a menor concentração dos
coliformes termotolerantes foi observada no ponto p7. As maiores
concentrações para todos os pontos foram observadas nos meses de
novembro de 2011 e abril de 2012. A partir de testes bioquímicos e
morfotintoriais confirmou-se a presença de bactérias da espécie E. coli em
todos os pontos de monitoramento.

3.3 RELAÇÃO ENTRE OS DADOS MICROBIOLÓGICOS E AQUELES OBSERVADOS


NA CARTA TEMÁTICA DA BMRC E DO CHECKLIST

De acordo com os dados microbiológicos, o p1 é um dos pontos com


maior concentração de bactérias do grupo coliformes. Em relação à
classificação de cobertura do solo ao seu redor e, relacionando com os
resultados obtidos pelo checklist, pode-se justificar essa alta concentração
devido à proximidade tanto de área rural (pode haver despejo de esgoto
irregular, uma vez que em ambientes rurais é comum a utilização de fossas
negras, além da criação de gado já constatada pelo checklist), bem como da
área urbana. O ponto p2 apresenta-se em condições parecidas com o ponto
p1, com área urbana e presença de agricultura na região oeste, confirmadas
pelo documento cartográfico e pelo checklist, o que pode explicar a alta
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 237

concentração de UFC/100 mL encontrada. De acordo com Nash et al. (2009),


indústrias e criações de gado próximas a rios e córregos contribuem para a
poluição desses por meio de despejos irregulares de esgoto, fezes de animais
e resíduos sólidos lançados irregularmente.
Por outro lado, os pontos p3 e p4 estão em áreas tipicamente rurais,
com presença de vegetação no entorno. Contudo, o p4 é a confluência de dois
pontos (p1 e p3), o que deveria influenciar na quantidade de UFC/100 mL,
porém não foi o observado. O p6, apesar de ter as mesmas características de
entorno do p5, é um ponto de confluência entre o Ribeirão Alto Cafezal (p5) e
o Ribeirão Pedroso. Segundo Apoitia et al. (2000), pode contribuir para que
apresente concentração de UFC/100 mL mais alta, com variações entre 200 e
600 UFC/100 mL de bactérias do grupo coliformes totais, e de 100 a 200
UFC/100 mL de bactérias do grupo termotolerantes.
O ponto p7 está localizado em área rural, com presença de agricultura
(solos 3 e 4). A concentração de UFC/100 mL de bactérias do grupo coliformes
é pequeno, o que pode ser justificado devido à ausência de área urbana e
criação de gado nas proximidades. O ponto p8 está localizado ao lado de uma
região com alta concentração de condomínios residenciais, e, conforme
observado no checklist, apresenta atividade pecuária em seu entorno, o que
contribui para alta concentração de UFC neste ponto.
O ponto p9 está inserido em uma região mais heterogênea, a
determinada distância da área urbanizada e da área rural. É o ponto da
captação de água para abastecimento e, apesar de receber água de todos os
outros demais pontos, a concentração de UFC/100 mL registrada não foi a mais
alta.
Os resultados analisados demonstraram que as alterações na qualidade
das águas podem ser provocadas pelas características de uso do solo e na
cobertura vegetal da bacia. As observações das características do entorno na
bacia de manancial possibilitaram identificar condições de poluição. As análises
dos pontos de coleta ressaltaram que locais assoreados e com elevados
potenciais de erodibilidade, além de próximos a áreas urbanas, zonas de
pastagens e de criação de gado e que, ao apresentarem a APP alterada,
contribuem ainda mais para a contaminação do corpo d’água.
A bacia de manancial de abastecimento do ribeirão Cafezal possui
características de degradação como assoreamento e erosão, APP alterada pela
238

ação humana e atividades de cobertura do solo próximo aos cursos d’água.


Para todos os meses analisados e em todos os pontos de monitoramento
constatou-se presença de bactérias do grupo coliformes totais,
termotolerantes e E. coli, indicando contaminação fecal persistente.
Foi possível identificar correspondências entre o observado no checklist
e as características geográficas reveladas pelas imagens. Observou-se que as
alterações na qualidade da água podem ser provocadas, sobretudo, pelas
mudanças no uso do solo e na cobertura vegetal da bacia de manancial. Dessa
forma, ressalta-se a importância de buscar meios para que os recursos hídricos
satisfaçam a necessidade humana, porém a sua exploração deve conservar a
cobertura natural do solo e suas características de entorno, proporcionando
qualidade da água e da bacia, considerando-se a gestão adequada desse
recurso.

4 A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO DE BACIAS DE MANANCIAIS NA PREVENÇÃO


DA POLUIÇÃO DOS CORPOS HÍDRICOS

A gestão sustentável de recursos hídricos necessita de um conjunto


mínimo de instrumentos relevantes: definição clara dos direitos de uso, uma
base de dados e de informações acessível, controle dos impactos sobre os
sistemas hídricos e o processo de tomada de decisão (PORTO; PORTO, 2008).
Dentre os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei
9.433/1997 (BRASIL, 1997), o de compensação aos munícipios está
diretamente relacionado à qualidade da água das bacias, pois, segundo Porto
e Porto (2008), os municípios devem ser incentivados a ter melhores planos
diretores de uso e ocupação do solo, de modo a preservar várzeas e outras
áreas sensíveis. Ainda segundo os autores, deve-se incentivar a incorporar em
seus códigos municipais de edificação práticas que induzam o uso racional da
água e o controle de impermeabilização nas construções e empreendimentos.
Outra possibilidade de integração dos instrumentos é a aplicação dos recursos
arrecadados pela cobrança da água a esses incentivos.
É relevante ressaltar o princípio do poluidor-pagador, que imprime a
noção de que os custos derivados da poluição devem ser internalizados por
aqueles agentes que o causaram. Para Porto e Porto (2008), não se trata de
simples compensação pelo dano. O princípio indica que o poluidor deve pagar
A questão ambiental em debate: pesquisas e práticas - 239

pelos custos de prevenção da poluição e, também, por programas que incluam


medidas de gestão da qualidade da água.
A gestão da BMRC é implementada pelo comitê da Bacia Hidrográfica
do Rio Tibagi, cuja última versão do Plano da Bacia do Rio Tibagi foi elaborada
em 2013. De acordo com o Plano, na análise dos impactos dos cenários sobre
os balanços de quantidades e qualidades devem ser traçadas diretrizes que
poderão levar à definição de uma estratégia para a gestão dos recursos hídricos
da bacia do rio Tibagi. Estas diretrizes devem considerar os seguintes pontos:
questões fundamentais de gestão; critérios de gestão e de análise técnica; e a
forma de aplicação dos diferentes instrumentos previstos na legislação de
recursos hídricos (Plano da Bacia do Rio Tibagi, 2013). Ressalta-se ainda que
todas essas diretrizes visam a definir alternativas de incremento da
disponibilidade hídrica da bacia, gestão das demandas e controle da poluição.
O plano estabelece algumas ações para minimização e controle dos
focos de poluição na bacia, sendo o principal instrumento de decisão do
sistema de gestão de recursos hídricos quanto à definição do nível de risco
aceitável para os “balanços hídricos” quantitativo e qualitativo. Por exemplo,
nas bacias rurais, foco da expansão da monocultura da cana e dos pivôs de
irrigação, os problemas com poluição difusa determinarão a qualidade das
águas e os riscos de eutrofização. Nessas bacias, portanto, será o caso da
implantação de extensas áreas protegidas, podendo ser articuladas com os
critérios de APP e de Reserva Legal, para as famílias de cenários com maior
integração interinstitucional.
Conforme observado pelo presente capítulo, tanto as áreas rurais
quanto as urbanas contribuíram para a deterioração da BMRC. Dessa forma,
ressalta-se a importância do monitoramento e do adequado controle de gestão
sobre a bacia, visto sua importância como manancial de abastecimento
público.

REFERÊNCIAS

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ambientais do Rio Cuiabá no trecho urbano das cidades de Cuiabá e Várzea Grande, Mato
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2000.
BRASIL. Lei 9.433, de 08 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria
o Sistema Nacional de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do artigo 21 da
240

Constituição Federal, e altera o art. 1o da lei no 8.001 de 13 de março de 1990, que modificou
a Lei no 7.990 de 28 de dezembro de1989. Brasília: DOU, 1997.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).
Resolução Conama 357, de 17 de março de 2005.
BRASIL. Portaria MS 2.914, de 12 de dezembro de 2011. Estabelece os procedimentos e
responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo
humano e seu padrão de potabilidade, e dá outras providências. Brasília: DOU, 2011.
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