Você está na página 1de 442

0

Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 1

Organizadoras
Marta Enokibara
Sandra Medina Benini
Geise Brizotti Pasquotto

paisagem
Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e
América Latina

1ª Edição

ANAP
Tupã/SP
2022
2

EDITORA ANAP
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
www.editoraanap.org.br
editora@amigosdanatureza.org.br

Revisão Ortográfica - Smirna Cavalheiro


Editoração da Capa - Lucas Tioda Antonini
Capa (imagem) – aquarela de Claudia Bigoto

Ficha Catalográfica

P284m Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina /


Marta Enokibara, Sandra Medina Benini e Geise Brizotti Pasquotto (orgs).
1. ed. – Tupã: ANAP, 2022.
440 p; il.; 14.8 x 21cm

Requisitos do Sistema: Adobe Acrobat Reader


ISBN 978-65-86753-60-8

1. Paisagem 2. Pesquisa história 3. Natureza


I. Título.

CDD: 710
CDU: 710/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Planejamento Urbano e Paisagismo
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 3

CONSELHO EDITORIAL

Diretoria Executiva da Editora

Profa. Dra. Sandra Medina Benini


Profa. Dra. Leonice Seolin Dias
Prof. Dr. Ricardo Miranda dos Santos
Prof. Ms. Allan Leon Casemiro da Silva

Comissão Científica - 2021 a 2024

Profa. Dra. Alba Regina Azevedo Arana – UNOESTE


Prof. Dr. Alessandro dos Santos Pin – Unicerrado
Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva – IFAC - AC
Prof. Dr. Alexandre Gonçalves – Centro Universitário IMEPAC
Prof. Dr. Alexandre Sylvio Vieira da Costa – UFVJM
Prof. Dr. Alfredo Zenen Dominguez Gonzalez – UNEMAT
Profa. Dra. Alzilene Ferreira da Silva – UFRN
Profa. Dra. Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão – UFPA
Profa. Dra. Ana Paula Branco do Nascimento – USJT
Profa. Dra. Ana Paula Novais Pires Koga – UFCAT
Profa. Dra. Andréa Aparecida Zacharias – UNESP - Câmpus de Ourinhos
Profa. Dra. Andréa Holz Pfützenreuter – UFSC
Prof. Dr. Antonio Carlos Pries Devide – APTA/SP
Prof. Dr. Antonio Cezar Leal – FCT/UNESP - Câmpus de Presidente Prudente
Prof. Dr. Antonio Fábio Sabbá Guimarães Vieira – UFAM
Prof. Dr. Antonio Pasqualetto – PUC - GO
Prof. Dr. Antonio Soukef Júnior – UNIVAG
Profa. Dra. Arlete Maria Francisco – FCT/UNESP - Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Bruna Angela Branchi – PUC Campinas
Prof. Dr. Carlos Andrés Hernández Arriagada – UPM - SP
Prof. Dr. Carlos Eduardo Fortes Gonzalez – UTFPR
Profa. Dra. Cássia Maria Bonifácio – UEM
Prof. Dr. Celso Maran de Oliveira – UFSCar
Prof. Dr. César Gustavo da Rocha Lima – UNESP - Câmpus de Ilha Solteira
Profa. Dra. Cibele Roberta Sugahara – PUC - Campinas
Prof. Dr. Claudiomir Silva Santos – IFSULDEMINAS
Prof. Dr. Daniel Richard Sant'Ana – UnB - Câmpus Darcy Ribeiro
Profa. Dra. Daniela Polizeli Traficante – FCA/UNESP/Botucatu
Profa. Dra. Danila Fernanda Rodrigues Frias – Universidade Brasil
Prof. Dr. Darllan Collins da Cunha e Silva – UNESP- Câmpus de Sorocaba
Profa. Dra. Dayse Marinho Martins - IEMA
Profa. Dra. Edilene Mayumi Murashita Takenaka – FATEC/PP
Prof. Dr. Edson Leite Ribeiro – Ministério do Desenvolvimento Regional - MDR
Prof. Dr. Eduardo Salinas Chávez – UFMS – Câmpus de Três Lagoas
Prof. Dr. Eduardo Vignoto Fernandes – UFJ - GO
Profa. Dra. Eleana Patta Flain – UFMS – Câmpus de Naviraí
Profa. Dra. Eliana Corrêa Aguirre de Mattos
Profa. Dra. Eloisa Carvalho de Araujo – PPGAU/ EAU/UFF
4

Prof. Dr. Erich Kellner – UFSCar


Profa. Dra. Eva Faustino da Fonseca de Moura Barbosa – UEMS – Câmpus de Campo Grande
Prof. Dr. Fernando Sergio Okimoto – FCT- Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Flavia Rebelo Mochel – UFMA
Prof. Dr. Frederico Braida – UFJF
Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai – UFSCar
Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora vidrih Ferreira – UEMS
Prof. Dr. Gilivã Antonio Fridrich – UNC
Prof. Dr. Joao Adalberto Campato Jr – Universidade Brasil
Prof. Dr. João Candido André da Silva Neto – UFAM
Prof. Dr. João Carlos Nucci – UFPR
Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra – UFFS
Prof. Dr. José Mariano Caccia Gouveia – FCT- Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Josinês Barbosa Rabelo - Centro Universitário Tabosa de Almeida (ASCES -UNITA)
Profa. Dra. Jovanka Baracuhy Cavalcanti – UFPB
Profa. Dra. Juliana de Oliveira Vicentini – USP – Câmpus de Piracicaba
Profa. Dra. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro -Universidade BRASIL
Profa. Dra. Karin Schwabe Meneguetti – UEM
Prof. Dr. Kleso Silva Franco Junior
Prof. Dra. Larissa Fernanda Vieira Martins
Prof. Dr. Leandro Gaffo – UFSB
Profa. Dra. Leda Correia Pedro Miyazaki – UFU
Profa. Dra. Leonice Domingos dos Santos Cintra Lima – Universidade Brasil
Profa. Dra. Ligiane Aparecida Florentino – UNIFENAS
Profa. Dra. Luciane Lobato Sobral – UEPA
Prof. Dr. Luiz Fernando Gouvea e Silva – UFJ - GO
Prof. Dr. Marcelo Campos – FCE/UNESP – Câmpus de Tupã
Prof. Dr. Marcelo Real Prado – UTFPR
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes
Prof. Dr. Marcos de Oliveira Valin Jr – IFMT – Câmpus de Cuiabá
Profa. Dra. Maria Angela Dias - FAU/UFRJ
Profa. Dra. Maria Augusta Justi Pisani – UPM - SP
Profa. Dra. Martha Priscila Bezerra Pereira – UFCG - PB
Profa. Dra. Nádia Vicência do Nascimento Martins – UEPA
Prof. Dr. Natalino Perovano Filho – UESB - BH
Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA
Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha – Professor – FCT/UNESP – Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Rachel Lopes Queiroz Chacur – UNIFESP
Profa. Dra. Renata Franceschet Goettems – UFFS
Profa. Dra. Renata Morandi Lóra
Profa. Dra. Renata Ribeiro de Araújo – FCT/UNESP – Câmpus de Presidente Prudente
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino – UFRGS
Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara – UFSCar
Profa. Dra. Rita Denize de Oliveira – UFPA
Prof. Dr. Rodrigo Barchi - Universidade Ibirapuera (UNIB)
Prof. Dr. Ronald Fernando Albuquerque Vasconcelos – UFPE
Profa. Dra. Roselene Maria Schneider – UFMT – Câmpus de Sinop
Profa. Dra. Rosío Fernández Baca Salcedo – UNESP – Câmpus de Bauru
Prof. Dr. Salvador Carpi Junior – UNICAMP
Profa. Dra. Sandra Mara Alves da Silva Neves – UNEMAT – Câmpus de Cáceres
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 5

Prof. Dr. Sérgio Luís de Carvalho – UNESP – Câmpus de Ilha Solteira


Profa. Dra. Thais Guarda Prado Avancini
Profa. Dra. Vera Lúcia Freitas Marinho – UEMS – Câmpus de Campo Grande
Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto – UNESP – Câmpus de Dracena
Prof. Dr. Wagner de Souza Rezende – UFG
Profa. Dra. Yanayne Benetti Barbosa
6
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 7

SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .............................................................................. 09

Capítulo 1 ......................................................................................... 15
NUEVAS INFRAESTRUCTURAS COM ENFOQUE INTEGRAL DESDE EL PAISAJE
Martha Cecilia Fajardo Pulido

Capítulo 2 ......................................................................................... 43
DESAFÍOS DE LA PLANIFICACIÓN DESDE UNA PERSPECTIVA DE PAISAJE - Región
Capital de La Plata, Argentina
Leandro Varela

Capítulo 3 ......................................................................................... 91
QUANDO O AMBIENTE VIRA PAISAGEM
Catharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima

Capítulo 4 ....................................................................................... 111


RIOS NA PAISAGEM URBANA
Norma Regina Truppel Constantino

Capítulo 5 ........................................................................................ 139


PAISAGEM CANCELADA E ASSÉDIO URBANÍSTICO: O CASO DO PORTO MARAVILHA
NO RIO DE JANEIRO
Cristovão Fernandes Duarte

Capítulo 6 ........................................................................................ 177


NOTAS SOBRE O PLANEJAMENTO E O PROJETO DA PAISAGEM URBANA
Fernanda Cláudia Lacerda Rocha

Capítulo 7 ......................................................................................... 189


INFRAESTRUTURA VERDE, SOLUÇÕES BASEADAS NA NATUREZA E PAISAGEM:
HISTÓRIA E ESTRATÉGIAS NA CONSTRUÇÃO DE CIDADES CONTEMPORÂNEAS
Luciana Bongiovanni Martins Schenk

Capítulo 8 ......................................................................................... 217


A CIDADE É INFRAESTRUTURA, É PAISAGEM, É VERDE
Camila Gomes Sant’ Anna

Capítulo 9 ......................................................................................... 233


INFRAESTRUTURA VERDE E RESERVATÓRIOS ANFÍBIOS
Adriana Afonso Sandre
8

Capítulo 10 ..................................................................................... .. . 253


SÍTIO ROBERTO BURLE MARX, PATRIMÔNIO DO MUNDO
Claudia M. Storino e José W. Tabacow

Capítulo 11 ..................................................................................... .. . 305


ESPACIO VERDE PÚBLICO CON PARTICIPACIÓN SOCIAL, BIODIVERSIDAD URBANA
Y PATRIMONIO ARQUITECTÓNICO EN LA CIUDAD DE BUENOS AIRES
Fabio Márquez

Capítulo 12 ..................................................................................... .. . 325


A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E PAISAGÍSTICO DA TERRA
INDÍGENA RAPOSA/SERRA DO SOL EM RORAIMA
Graciete Guerra da Costa

Capítulo 13 ..................................................................................... .. . 337


PLANEJAMENTO INTEGRADO DA PAISAGEM CULTURAL
Vanessa Gayego Bello Figueiredo

Capítulo 14 ..................................................................................... .. . 359


TEMPOS ENTREVISTOS NA CIDADE: CENTRALIDADE, FRAGMENTAÇÃO E
TEMPORALIDADES
Paulo Roberto Masseran

Capítulo 15 ..................................................................................... .. . 383


COMO NASCEU O JARDIM DE SEQUEIRO NA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Júlio Barêa Pastore

Capítulo 16 ..................................................................................... .. . 405


SISTEMAS DE ESPAÇOS LIVRES PARA A CIDADE SUSTENTÁVEL
Karin Schwabe Meneguetti

Capítulo 17 ..................................................................................... .. . 415


SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES DA ILHA DE UPAON AÇU-MARANHÃO
Barbara Irene Wasinski Prado

ÍNDICE REMISSIVEL ........................................................................ .. . 439


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 9

APRESENTAÇÃO

O que professores, pesquisadores e profissionais envolvidos com


a arquitetura da paisagem do Brasil e da América Latina estão
pesquisando, projetando e executando? O presente livro, organizado
pela Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista (ANAP) e pelo
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ) da
Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da UNESP
(campus de Bauru), traz respostas a essas questões ao reunir a
contribuição dos palestrantes do II Simpósio Cidade, Paisagem e a
Natureza.
Os artigos trazem o aprofundamento dos eixos temáticos
tratados no Simpósio: Infraestrutura Verde na Cidade Contemporânea,
Planejamento da Paisagem Urbana, Preservação do Patrimônio
Histórico e Paisagístico, Sistemas de Espaços Livres, Urbanismo
Ecológico e Resiliência Urbana. Congrega, portanto, uma pluralidade de
olhares, contribuindo para a análise crítica e atual dos temas tratados.
Os capítulos 1 a 6 abordam o planejamento da paisagem na
cidade contemporânea. O capítulo 1 intitulado “Nuevas
Infraestructuras com Enfoque Integral desde el Paisaje”, da arquiteta
paisagista e doutora Martha Cecilia Fajardo Pulido, destaca os projetos
desenvolvidos na Colômbia por meio da Iniciativa Latinoamericana del
Paisaje (LALI) e do Grupo Verde SAS, os quais foi uma das fundadoras.
O segundo capítulo, do professor doutor Leandro Varela da
Universidade de La Plata, aborda os “Desafíos de la planificación desde
una perspectiva de Paisaje - Región Capital de La Plata, Argentina”.
Leandro objetiva compreender como uma cidade construída ex-novo
entrou em um contexto de desmembramento e degradação ambiental
10

e urbanística e quais as possibilidades de abordagens para reverter a


situação. No capítulo 3, da professora doutora Catharina Pinheiro Lima,
da Universidade de São Paulo, investiga-se o tema título do capítulo
“Quando o Ambiente Vira Paisagem”, em prol da argumentação de
que, embora sejam diferentes instâncias, são ambas necessárias e
complementares para o enfrentamento das questões socioambientais
da sociedade contemporânea. No quarto capítulo intitulado “Rios na
Paisagem Urbana”, a professora doutora Norma Regina Truppel
Constantino, da Universidade Estadual Paulista (Bauru), investiga a
relação entre os rios e as cidades do Oeste Paulista a partir dos modos
de organização do espaço e dos meios naturais, culturais e históricos,
afirmando o caráter dinâmico relacional que caracteriza a paisagem. O
quinto capítulo do professor Dr. Cristovão Fernandes Duarte, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, intitulado “Paisagem Cancelada
e Assédio Urbanístico: o caso do Porto Maravilha no Rio de Janeiro”
analisa os impactos produzidos sobre a paisagem urbana da região
portuária do Rio de Janeiro a partir da implementação da Operação
Urbana Consorciada. O sexto capítulo “Notas sobre o Planejamento e
o Projeto da Paisagem Urbana” da professora mestre Fernanda Cláudia
Lacerda Rocha, da Universidade de Fortaleza, apresenta uma curadoria
sintética das experiências de eminentes paisagistas, investigando a
disseminação de ideias, o conhecimento das particularidades e o
pensamento de novas possibilidades, nas diferentes escalas e esferas
de abordagem da paisagem.
Os capítulos 7 a 9 abordam os conceitos e aplicações da
infraestrutura verde na cidade. O capítulo 7, intitulado “Infraestrutura
Verde, soluções baseadas na Natureza e Paisagem: história e
estratégias na construção de cidades contemporâneas”, elaborado
pela professora doutora Luciana B. M. Schenk, da Universidade de São
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 11

Paulo (São Carlos), busca refletir acerca das qualidades da paisagem e


propõe uma articulação entre a Infraestrutura Verde e a Arquitetura,
apresentando alternativas metodológicas em que insere a paisagem
como elemento inalienável do processo de planejamento. O capítulo 8,
de autoria da professora doutora Camila Gomes Sant´Anna, da
Universidade Federal de Goiás, denominado “A Cidade é
Infraestrutura, é Paisagem, é Verde”, investiga a renaturalização das
cidades, onde a paisagem surge como infraestrutura na promoção de
um desenvolvimento urbano sustentável, com uso de soluções
baseadas na natureza. O capítulo 9, da doutoranda Adriana Afonso
Sandre, nomeado “Infraestrutura Verde e Reservatórios Anfíbios”,
analisa os projetos de arquitetura da paisagem, especificamente de
soluções otimizadas para os reservatórios de águas pluviais, a partir da
objetivação de uma multifuncionalidade para o espaço livre,
investigando a relação entre Soluções Baseadas na Natureza e o
desenho urbano.
Os capítulos 10 a 14 abordam os conceitos e ações quanto a
preservação do patrimônio histórico e paisagístico. O capítulo 10,
intitulado “Sítio Roberto Burle Marx, Patrimônio do Mundo”, de
autoria dos arquitetos paisagistas José Tabacow e Claudia Storino,
relatam sobre o importante legado deixado por Burle Marx e todo o
trabalho de levantamento e pesquisa conduzido para que o sítio de sua
propriedade fosse tombado como Patrimônio da Humanidade pela
UNESCO. O capítulo 11, do arquiteto paisagista argentino e professor
da Universidade de Buenos Aires, Fabio Márquez, denominado “Espacio
verde publico con participación social, biodiversidad urbana y
patrimonio arquitetónico en la ciudad de Buenos Aires”, traz a
experiência ativa do autor junto à comunidade e a administração
pública, mostrando como é possível conciliar diferentes ações em prol
12

da biodiversidade urbana. O capítulo 12, de autoria da professora


doutora Graciete Guerra da Costa, da Universidade Federal de Roraima,
sobre “A preservação do patrimônio histórico e paisagístico da Terra
Indígena Raposa/Serra do Sol em Roraima”, traz um relato atual e
sensível sobre Roraima, mas cujo exemplo nos propicia refletir e pensar
em ações a serem conduzidas para a preservação das demais terras
indígenas do Brasil. O capítulo 13 é de autoria da doutora Vanessa
Gayego Bello Figueiredo, docente na Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. O texto intitulado “Planejamento integrado da paisagem
cultural” debate as necessárias interfaces entre as políticas de
planejamento territorial integrado, preservação cultural, ambiental e
participação social, a partir das experiências desenvolvidas em
Paranapiacaba, Santo André e Campinas (SP). O capítulo 14, do
professor doutor Paulo Roberto Masseran, da Universidade Estadual
Paulista (Bauru), discute os “Tempos entrevistos na cidade:
centralidade, fragmentação e temporalidades”, tomando como estudo
de caso a cidade de Sorocaba e as diferentes camadas históricas de
algumas ruas e espaços livres centrais.
Os capítulos 15 a 17 discutem o sistema de espaços livres na
cidade contemporânea. O capítulo 15, do professor doutor Júlio Barêa
Pastore, relata “Como nasceu o Jardim de Sequeiro na Universidade de
Brasília”, polo de experimentação que está se estendendo para outros
lugares da cidade e revelando as possibilidades paisagísticas das plantas
nativas do Cerrado e de outras flores tradicionais de ciclo curto, sem
irrigação! O capítulo 16, da professora doutora Karin Schwabe
Meneguetti, da Universidade Estadual de Maringá, intitulado “Sistema
de espaços livres para a cidade sustentável”, resgata a definição de
espaço livre, de sistema de espaços livres, e discute como trabalhar
esses conceitos para a sustentabilidade das cidades. Por fim, o capítulo
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 13

17, da professora doutora Barbara Irene Wasinski Prado, da


Universidade Estadual do Maranhão, intitulado “Sistema de espaços
livres da Ilha de Upaon Açu-Maranhão”, discute como o entendimento
de um sistema de espaços livres na escala do planejamento da paisagem
pode auxiliar na compreensão da vulnerabilidade do arquipélago de São
Luís, referendando a validade das bacias hidrográficas como unidades
de planejamento.
Temos aqui reunidos, portanto, 17 artigos de especialistas de
diferentes estados do Brasil e da América Latina, trazendo uma
pluralidade de olhares e experiências. Desejamos a todos uma ótima
leitura e esperamos que todos os textos possam colaborar e fomentar
mais discussões sobre as temáticas abordadas.

Marta Enokibara
Sandra Medina Benini
Geise Brizotti Pasquotto
14
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 15

Capítulo 1

NUEVAS INFRAESTRUCTURAS COM ENFOQUE INTEGRAL DESDE


EL PAISAJE1

Martha Cecilia Fajardo Pulido 2

INTRODUCCIÓN

Queridos colegas y amigos brasileiros, es para mí un honor


participar en ese simposio brasileiro “Ciudad, Paisaje y Naturaleza” un
tema fundamental en estos momentos de tanta complejidad.
Agradecimientos especiales a la Universidad Estatal Paulista y el
programa de posgrado en arquitectura y urbanismo, por esa invitación,
gracias a los estudiantes por estar aquí en esta charla, poder compartir,
sueños, visiones, estrategias, y decirles que, en medio de esta inmensa
crisis global, climática, social, sanitaria, es en manos de las nuevas
generaciones que hay esperanza de un mejor futuro, y aquí el paisaje se
convierte en esa respuesta restaurativa al territorio.
Para hacer frente a esta invitación, centrare la memoria de mi
ponencia en dos ámbitos; un activismo internacional, y la práctica

1 Este texto es una transcripción adaptada de la conferencia en “II Simpósio Brasileiro sobre Cidade,
Paisagem e a Natureza”.
2 Martha Fajardo es arquitecta colombiana con maestría en Arquitectura y Planificación del Paisaje

en Inglaterra. Receptor de un honoris causa Doctor of Letters (DLitt), Sheffield University.UK.


Gerente de Grupo Verde SAS. Cofundador y director de la Iniciativa Latinoamericana del Paisaje
(LALI). Expresidente y Miembro Honorario de la Federación Internacional de Arquitectos Paisajistas
(IFLA). Fundador, Expresidente y Miembro Honorario de la Sociedad Colombiana de Arquitectos
Paisajistas (SAP). Miembro de la junta directiva de Nature of Cities. Miembro de la Sociedad
Colombiana de Arquitectos (SCA). E-mail: mfajardo@grupoverdeltda.com
16

profesional, con una existencia de más de tres décadas, y una jornada


de vida emocionante, llena de oportunidades, desafíos y experiencias.
Por lo tanto, el título Nuevas Infraestructuras con Enfoque
Integral desde el Paisaje parte de dos miradas: un activismo con énfasis
en la construcción social del paisaje en Latinoamérica a través de la
Iniciativa Latinoamericana del Paisaje, y por otro lado la práctica
profesional a través de la firma Grupo Verde SAS, un colectivo de
arquitectura del paisaje, urbanismo ambiental y diseño urbano.
La fusión de activismo y praxis anhela inspirar un sentido de
responsabilidad compartida, de construcción social del paisaje, para el
bienestar de la comunidad de vida, y de las futuras generaciones, en
una visión de esperanza y en un llamado a la acción.

ACTIVISMO Y LA INICIATIVA LATINOAMERICANA DEL PAISAJE

¿Qué es la iniciativa Latinoamericana del Paisaje?

La Iniciativa Latinoamericana del Paisaje 3 (LALI) es una


declaración de principios éticos fundamentales para promover el
reconocimiento, la valoración, la protección, la gestión la planificación
y diseño sostenible del paisaje latinoamericano, mediante la adopción
de convenios (leyes-acuerdos-decretos-ordenanzas) que reconozcan la
diversidad y los valores locales, nacionales y regionales, tanto tangibles
como intangibles del paisaje, así como los principios y procesos
pertinentes para salvaguardarlo.
Surge como un movimiento de abajo hacia arriba, (bottom-up) de
la sociedad civil, la academia, las instituciones, el gremio de los
arquitectos paisajistas IFLA Americas, pero que en su trayectoria se le
han unido otros cómplices.
La declaración parte de unos principios ordenadores:

3Iniciativa LALI Portugués, http://www.lali-iniciativa.com/wp-


content/uploads/2019/03/lali_por_reducida.pdf
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 17

• Reconocer el paisaje como vital


• Considerar a todos los seres vivos
• Priorizar al paisaje cotidiano
• Inspirar las buenas prácticas
• Fomentar la biodiversidad
• Promover el reconocimiento jurídico
• Estimular el liderazgo

Nodos LALI4 una Red de redes ¿cómo trabajamos?

LALI es una red de redes para compartir ideas diversas y


transformadoras a través de sus nodos, proyectos, publicaciones,
simposios y foros (Figura 1). Que trabaja a través de alianzas, acuerdos,
complicidades y colaboraciones entre actores sensibilizando sobre la
importancia de la salvaguarda de nuestro paisaje, reforzando los lazos
de hermandad entre esta extraordinaria y diversa región
latinoamericana. Todo esto siempre de manera transversal,
transdisciplinaria y horizontal.

Figura 1 – Convocatoria Mapeando el Territorio Nodo Niños

Creditos: Iniciativa Latinoamericana del Paisaje /Fundación Cerros de Bogotá (2018).

4 http://www.lali-iniciativa.com/nodo-buenas-practicas/
18

Nodos conectados a través de una profunda interacción cada uno


con propia visión, trabajando solidariamente de forma orgánica e
innovadora. Los Nodos son coordinados por un grupo muy diverso de
orientaciones y profesionales:
• Buenas Prácticas, por Andres Plager, Lucas Bueno
• Catálogos, por Lucas Peries y Carlos Jankilevich
• Comunicación y participación, por Claudia Misteli
• Educación ciudadana, por Gonzalo De La Fuente, Gloria
Aponte
• Gestión Política del Paisaje, por Roberto Mulieri y Monica
Palma
• LALI Investiga, por Leandro Varela, Norma Piazza, Rosana
Sommaruga
• Niños, por Diana Wiesner , Beatriz Lopes
• Paisajes Ancestrales, por Margarita Reyes, Monica Morales y
Karla Hinojosa
• Relaciones Internacionales, Alejandro Bonadeo

La diversidad de enfoques y perspectivas enriquece la iniciativa y


multiplica todas las sinergias; incluye arquitectos paisajistas, biólogos,
ecologistas, geógrafos, ingenieros, abogados, economistas, periodistas,
académicos, activistas, ingenieros, abogados, economistas, arquitectos,
urbanistas, líderes de grupos comunales, gente común e influyente en
organizaciones locales, regionales e internacionales. El reconocimiento,
valoración, protección, gestión, planificación y diseño sostenible de los
paisajes latinoamericanos es fundamentalmente multidisciplinario, y la
diversidad en nuestro colectivo honra este hecho.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 19

Figura 2 – Premio a la LALI Urban Menus Smart City enero 2021

Creditos: LALI (2021).

Como lo expreso Laura Spinadel en el premio internacional que


recibimos de Urban Menus Smart City enero 2021 «Filantropía para el
medio ambiente» es como se podría describir el enfoque en el que se
basa la iniciativa LALI (Figura 2). Retomar el vínculo de los seres
humanos con la naturaleza es la esencia de la declaratoria LALI.
Herramienta crucial: un colectivo que es fuerte en sí mismo, que crea
un espacio común de discurso y acción para dar respuesta a una crisis
social y ambiental. La iniciativa LALI fomenta la solidaridad, la unión y la
convivencia para facilitar un cambio integral en beneficio del desarrollo
urbano y regional.

El Paisaje como bien jurídico y derecho colectivo

Latinoamérica tiene una deuda considerable en el paisaje como


un derecho colectivo; hoy las condiciones han cambiado, el concepto
20

paisaje esta alcanzado la categoría de bien jurídico, hasta el punto de


que está reconocido especialmente en el ámbito internacional, con la
existencia del “derecho al paisaje”. En esta línea de acción el Nodo LALI
Gestión Política del Paisaje (Figura 3), desde 2017, viene desarrollando
estrategias encaminadas en la construcción de un Convenio
Latinoamericano del Paisaje 5. En 2019 y en el marco del II Simposio LALI
Pensar y Sentir el paisaje (Viña del Mar, Chile) se realizó la convocatoria
a representantes de múltiples organizaciones, entre quienes firmaron
el compromiso de cooperación mutua.
En 2020 se convocó a un proceso de participación democrático
que permitió abrir el articulado borrador del convenio a la contribución
de todas aquellas personas de la sociedad civil, entidades, asociaciones,
representantes políticos, instituciones educativas, etc. que contribuyan
en su redacción. Todo ello en relación con el valor positivo que supone
la inteligencia colectiva y la importancia de la suma de conocimiento
transdisciplinar y pluricultural, el cruce de miradas diversas, en un
documento de alto impacto para la salvaguarda del paisaje en
Latinoamérica.

5 http://www.lali-iniciativa.com/hacia-un-convenio-latinoamericano-del-paisaje-2/
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 21

Figura 3 – Convocatoria Hacia un Convenio Latinoamericano del Paisaje Co-creación Nodo


Gestion Política

Creditos: LALI (2019 ).

El convenio en conjunto y de conformidad con la diversa


normativa ambiental y de patrimonio cultural vigente en los 17 países
de la región geográfica conocida como Latinoamérica, reconocen así
mismo que el Paisaje es un recurso primordial, frágil y perecedero; que
es a la vez un bien colectivo, cultural, social y ambiental, conformado
por un crisol de elementos tangibles e intangibles, estos últimos
provenientes del acervo cultural de las diversas comunidades
(Latinoamericanas) y su memoria ancestral y colectiva que emana del
vínculo entre naturaleza y cultura y una de cuyas características es
conformar el Derecho de todos.
Para este año 2022, luego de una pandemia que nos replantea
enfoques, instituciones, políticas, estrategias, y que nos demanda
trabajar en sinergias con todos aquellos profesionales, instituciones,
22

sociedad civil, del paisaje latinoamericano, estamos invitando a todos


aquellos que se nos quieran unir. El objetivo se concentra en la urgencia
de aunar esfuerzos multiorganizacionales y multisectoriales, en vías de
consolidar el camino para la construcción del proyecto de convenio del
paisaje, y poder discutirlo en la celebración de los 10 años de la LALI a
realizarse en Mexico en el marco del III Simposio LALI Pensar y Sentir el
Paisaje, noviembre 2022 (Figura 4).

Figura 4 – Pacto por la Salvaguarda del Paisaje cultural Cafetero Colombia. I Simposio Pensar
Y Sentir el Paisaje Quindio 2017

Creditos: LALI (2017).

LALI alianzas, memorandos

LALI encarna una nueva manera de acercarse, de entender, de


pensar, y de interactuar con el paisaje, y expone nuevos contenidos
para el paisaje y nuevas formas de cooperar entre actores de un mismo
territorio. Hoy más que nunca es imprescindible crear esos espacios de
diálogo y concertación entre actores para el paisaje y construir marcos
idóneos para establecer alianzas entre el sector público y el privado.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 23

La firma de nueve convenios/memorandos, pactos de


cooperación ratifica la importancia que le damos a crear sinergias, a
construir complicidades, a aprender de otros, y en este orden hemos
realizado convenios con; el Observatorio del Paisaje de Cataluña, la
Federación Internacional de Arquitectos Paisajistas Región Americas
(IFLA AR), la Red Argentina del Paisaje (RAP), la Asociación Española de
Paisajistas, los Licenciados del Paisaje Asociados de Argentina (LiPAA),
la Universidad de Reggio Calabria en Italia, la Federación Panamericana
de Asociaciones de Arquitectos (FPAA), la Regional de Arquitectos del
Grupo Andino (RAGA). También en 2020 con Mercociudades una de las
más importantes redes de gobiernos locales de América del Sur y un
referente en los procesos de integración regional (Figura 5).
En conclusión y en palabras de Patricia O'Donnell, presidente
ICOMOS IFLA ISCCL

[…] LALI ha estado construyendo esta plataforma de conocimiento,


aprendizaje conjunto y cooperación para abarcar los tres aspectos de la
sostenibilidad dentro de las comunidades latinoamericanas: un alcalde, un
líder universitario, un activista comunitario y un vecino a la vez. Este trabajo
fundacional construye impulso. Los resultados se encuentran en un mejor
tratamiento de los parques, barrios, mejores diseños de nuevos lugares
públicos, una mejor administración de los paisajes privados y más. Todos los
paisajes son locales y las personas de cada lugar están aprendiendo a
preocuparse más por ellos. LALI está liderando el caminho.6

6 Patricia O'Donnell, ICOMOS IFLA ISCCL. Introducción libro LALI 5 AÑOS. UN FRUCTIFERO
CAMINAR.
24

Figura 5 – Convocatoria internacional “El Paisaje través de mi Ventana”

Creditos: UCC Instituto Paisaje/ LALI (2021 ).

LA PRACTICA PROFESIONAL

“A través de muros y fronteras, desde los centros de las ciudades hasta el


último rincón inexplorado, el territorio común de la humanidad es el paisaje.
Los alimentos, el agua, el oxígeno -todo lo que nos sustenta procede del
paisaje y al paisaje regresa. Lo que hacemos a nuestros paisajes nos lo
hacemos a nosotros mismos. La profesión representante de diseñar este
territorio común es la arquitectura del paisaje”
El nuevo Manifiesto por el Paisaje LAF 7

7 https://www.lafoundation.org/resources/2017/11/new-landscape-declaration-book
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 25

La relación entre el Paisaje y la Infraestructura no es excluyente,


de hecho, estos dos aspectos en el desarrollo de proyectos urbanos son
complementarios porque apuntan hacia un mismo objetivo, mejorar la
calidad de vida de las personas. Ambos buscan crear espacios para el
aprovechamiento por parte de las personas. El problema entre ellos es
que hoy en día en los proyectos los gerentes priorizan la infraestructura
por encima del paisaje. En ese sentido el cambio de paradigma tiene
que venir dado por un nuevo enfoque en los proyectos, que mire
nuevamente hacia las montañas, los ríos, las quebradas, los parques;
una reformulación de la concepción de los espacios y la redefinición del
paisaje urbano.
La pandemia global de COVID-19 trajo ondas de choque en todo
el mundo, creando desafíos sin precedentes para nuestra sociedad y
destacando la interconexión entre todos nosotros y nuestro planeta.
Estos tiempos extraordinarios brindan una oportunidad para el cambio
y para reconsiderar cómo diseñamos nuestro entorno construido para
restaurar los sistemas naturales e integrar la biodiversidade (Figura 6).
26

Figura 6 – Imagen Retos y desafíos pos-COVID-19

Creditos: Grupo Verde SAS (2021 ).

El Coronavirus ha ahondado aún más este estado de disrupción,


pero al mismo tiempo ha demostrado el poder de la naturaleza, la
ciencia, la tecnología, la empatía y solidaridad...y nos está develando
otro camino hacia “una sanación planetaria y una renovación social”.
Esta nueva capacidad colectiva será crucial para abordar muchas otras
áreas de crisis en los próximos meses, años, desde la acción climática,
la biodiversidad, la salud, equidad y el bienestar para todos.
¿Cómo lograrlo? Estos espacios de diálogo con la academia, los
estudiantes, las instituciones exponen los elementos para crear las
ciudades que aspiramos habitables, resilientes, bellas, inclusivas y
sostenibles. A través de movimientos como la Iniciativa
Latinoamericana del Paisaje (LALI), la academia, los emprendimientos
desde la sociedad civil promovemos un pensamiento para ciudades
verdes colaborativas. La infraestructura paisaje un concepto
emergente, bajo el cual se desarrollan nuevos enfoques para la
conservación de la biodiversidad en un marco político y de
implementación más amplios (Figura 7).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 27

Figura 7 – La naturaleza, el diseño ecológico y la equidad, que están muy en el alma del
paisajista, son esenciales para las ciudades que queremos: habitables, sanas, felices, resilientes,
sostenibles, bellas y justas

Creditos: Grupo Verde SAS (2010 ).

¿Cómo se repensará la infraestructura de las ciudades para los


próximos años? Después de esta pandemia, es una de las pruebas más
urgentes de resiliencia urbana y de sanación planetaria. A medida que
las ciudades se “normalizan”, se hace evidente la importancia de
entender el paisaje como una forma de urbanismo. La pandemia ha
puesto el foco en la necesidad de ciudades en las que las personas y su
salud, aunado a la naturaleza, sean el centro del diseño. La
infraestructura verde persigue la conservación de la biodiversidad
mediante el fortalecimiento de la articulación y la resiliencia de los
ecosistemas, contribuyendo al mismo tiempo a la adaptación al cambio
climático y a reducir la vulnerabilidad ante desastres naturales.
El desafío por reconciliar ciudad y naturaleza no es una lucha
personal, es un reto de equipo, somos un colectivo que hemos
trabajado, por más de 35 años con mi socio, Noboru Kawashima un
japones que se trasladó de Tokio, a Bogotá, con quien formamos este
taller, hemos tenido la fortuna de trabajar con gente maravillosa y aquí
28

quiero reiterarles a los estudiantes, la gran responsabilidad que como


profesionales debemos tener, pues cada diseño, cada línea que
hacemos en el papel se traduce en un acto político y hay que decirlo, la
planeación y el diseño no han tenido en cuenta el tema del paisaje, por
eso la importancia de tenerlo en todas nuestras actuaciones (Figura 8).
Practicar la profesión del Diseño del paisaje ha sido la más
maravillosa experiencia profesional; con un aprendizaje de un trabajo
transdisciplinar -que vincula distintos ámbitos, profesionales y sectores
ciudadanos de una escala a otra-, comprendiendo la influencia que
ejercen en la experiencia urbana las distintas herramientas del
planeamiento, el diseño (ecología, economía, cultura, y la política).

Figura 8 – El poder del paisaje…como un agente de cambio: en la generación de nuevos espacios


públicos a través de la creación de infraestructura de vida regenerativa

Creditos: GV / Consorcio Tominejos (2018)

A través de casos estudio en nuestra oficina, de diferentes


escalas, y aproximaciones mostramos los temas que están impregnando
la profesión de la arquitectura del paisaje en este momento. Hoy el reto
es planificar nuestras ciudades potenciando las biorregiones a las que
pertenecen, haciéndolas capaces de adaptarse al cambio climático, la
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 29

urbanización y mitigando las causas. Hay un movimiento imparable para


el reconocimiento de la Arquitectura del Paisaje con iniciativas,
declaraciones, nuevos paradigmas. Estamos ante un reto sin
precedentes en la forma como ordenamos, diseñamos y gestionamos
nuestro territorio. Debemos repensar la vivienda, las escuelas, los
colegios, el lugar de trabajo, repensar el espacio público, los parques, la
movilidad y aquí el aporte desde el paisaje, es único.
En nuestro colectivo la visión "Paisajes de vida, el valor sagrado
de la naturaleza" es un proceso transversal en nuestros proyectos de
recuperación del paisaje, curación y renovación a gran escala,
recuperando no solo la salud y la biodiversidad de los ecosistemas en
las ciudades, pero también el espíritu y la imaginación de las personas
que usarán los lugares. También se trata del proceso a través de un
enfoque de diseño multifuncional y bajo los principios rectores de
Paisajes de Vida; el cultivo dinámico de nuevas ecologías: ecologías del
suelo, el aire y el agua; de vegetación y vida silvestre; de patrimonio y
valores; de recreación y actividad humana; de financiación y gestión; de
energía renovable y educación; y de nuevas formas de interacción entre
las personas, la naturaleza, los valores, el patrimonio a través del
tiempo.
Retomando el tema de esta charla Nuevas Infraestructuras con
Enfoque Integral desde el Paisaje y como síntesis, presentamos a través
de los proyectos los enfoques, temas, escalas que están retando la
profesión de la arquitectura del paisaje y se convierten en grandes
desafíos y oportunidades:

Urbanismo Paisaje

En las últimas décadas, el paisaje ha sido reclamado como


modelo y medio para la ciudad contemporánea; estas prácticas
exploran las implicaciones ecológicas y territoriales del proyecto
urbano. Su aparición esta precedida de transformaciones sociales y
30

políticas en los contextos sociales, culturales, económicos y ecológicos


específicos de las ciudades (Figura 9).

Figura 9 – Si la ciudad “normal”, desigual e insostenible, no funcionaba, aprovechemos este


punto de inflexión para transformarla; el escenario pos-COVID-19 presenta una gran oportunidad
para reconstruir ciudades y territorios más resilientes, responsables, y humanos

Creditos: Grupo Verde SAS (2019 -2020 ).

Con base a armonía con la naturaleza, y en el marco de la agenda


2030 los proyectos que estamos realizando están incorporando la
aproximación del urbanismo desde el paisaje con un conocimiento local
de la problemática de la ciudad. La visión parte a favor de la identidad
territorial y social del entorno; de un desarrollo más respetuoso con la
tierra y la biodiversidad, de un entendimiento de los proyectos como
punto de encuentro que resultan de una lectura, morfológica,
ambiental e histórica.
Con la promoción y las tácticas alternativas demostradas, los
arquitectos paisajistas estamos contribuyendo a la reconstrucción de la
infraestructura de la comunidad con oportunidades únicas para mejorar
la forma en que funcionan nuestras ciudades, trascendiendo el
paradigma de la planeación, con soluciones de movilidad, espacio
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 31

público, medio ambiente, salud, desarrollo económico, y participación


e inclusión social.

Diseño sensible al clima: Ciudades resilientes

En los últimos años los desastres naturales relacionados con el


clima han sido devastadores. Sea o no el calentamiento global, si es un
resultado de la actividad humana, las respuestas de diseño ante esos
desastres deben cambiar. Las amenazas planteadas por el cambio
climático son inmensas, y no existe una estrategia única que resuelva la
crisis climática por sí sola. En su lugar, la mitigación requiere un enfoque
de "trabajando en sinergia" mientras buscamos reducir las emisiones
siempre que sea posible (Figura 10).

Figura 10 – El IPCC revela una crisis climática intensificada, el enfoque paisaje ha demostrado el
poder de resiliencia, mitigación, adaptación a inundaciones, el aumento del nivel del mar

Creditos: Grupo Verde SAS (2017).

Los arquitectos paisajistas estamos ayudando a cambiar hacia un


futuro bajo en emisiones de carbono, pero no tenemos la visibilidad.
Estamos planificando y diseñando comunidades “verdes” y caminables
que reduzcan la expansión y emisiones. Generando entornos
32

construidos más eficientes con estrategias como renaturalización,


recuperación de ríos y quebradas, techos y muros verdes, gestión
eficiente del agua y el uso de materiales y prácticas de construcción
reciclables y amigables. Como integrantes de las profesiones del hábitat
vamos hacia un cambio significativo y reparador. Salvaguardando y
ampliando los paisajes que secuestran carbono, como bosques,
humedales, corredores biológicos, a barrios vitales, etc. esfuerzos
permiten a las comunidades adaptarse mejor al cambio climático y
mejorar su capacidad de recuperación.

Soluciones basadas en la naturaleza (SbN): salud y bienestar

Un nuevo concepto que abarca todas las acciones que se apoyan


en los ecosistemas y los servicios que estos proveen, entendiendo que
la población no es solo un beneficiario pasivo de los productos y
servicios de la naturaleza, sino que también puede proteger, gestionar
y restaurar proactivamente y de forma estratégica los ecosistemas, y
responder a diversos desafíos de la sociedad como el cambio climático,
urbanización, seguridad alimentaria os desastres. consolidando un
cambio de perspectiva.
A diferencia de los edificios, los paisajes construidos y la
infraestructura verde tienen la capacidad de proteger e, incluso,
regenerar sistemas naturales, lo que aumenta los servicios
ecosistémicos que ofrecen. Estos servicios son las funciones
beneficiosas de los ecosistemas saludables, como la captura de
carbono, la filtración de aire y agua, y la regulación del clima. Su valor
económico es altamente significativo, aunque el costo de reemplazar
estas funciones se refleja poco en la toma de decisiones convencional.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 33

Figura 11 – Proyecto Ciénaga abordo el diseño de adaptación al cambio climático bajo tres
pilares: Biodiverciudad (la política transversal), soluciones basadas en la naturaleza (SbN las
herramientas) y paisajes de vida (las actuaciones en los tres escenarios)

Creditos: GV /Consorcio Ciénaga Mallorquín (2022)

En nuestros últimos proyectos hay un mandato de optimizar los


espacios públicos, aumentando la biodiversidad (con la incorporación
de las soluciones basadas en la naturaleza). Estas soluciones hacen uso
de las funciones de los ecosistemas, que han demostrado ser exitosas
para mantener el estado de conservación y resiliencia los sistemas
naturales. Se diseñan para satisfacer una necesidad específica, como
regular excedentes de aguas lluvia o purificación del agua (sistemas
urbanos de drenaje sostenible – SUDS), pero también para generar
beneficios importantes al mejorar los hábitats para la vida silvestre y
aportar a la integridad ecológica de los ecossistemas (Figura 11).

Lo local y lo próximo

Durante la pandemia, y en los proyectos de desarrollo


inmobiliario y de recuperación de barrios vivos, nuevas apuestas
emergieron en el desarrollo urbano: ej. la “ciudad de los 15 minutos”
movernos menos para vivir mejor (del urbanista colombiano Carlos
Moreno en Paris) y el potencial de los servicios a cortas distancias,
34

movilidad a pie o en bici, potenciando los recursos de proximidad,


gestionando, rediseñando el ámbito público más y mejor, a cada lugar
darle la opción de múltiples usos y de reapropiarse del espacio público
para hacer de él, lugares de encuentro, de vida. Encontrando nuevas
formas de introducir la actividad comercial en más espacios públicos;
haciéndoles animados y autosuficientes (Figura 12).
Esta idea para los que nacimos en ciudades intermedias puede
ser una realidad, una ciudad viva en la que la vida es más humana. Para
que esto funcione, desde nuestro colectivo hemos insistido en un
Urbanismo de aproximación: humano, adaptable y flexible, y que sea
ambiental y económicamente sostenible.

Figura 12 – Adopción de calles abiertas, caminables y humanas aumentará en 2022 a medida que
las ciudades intentan atraer a las personas a los distritos centrales de actividad / negocios de las
ciudades y pueblos

Creditos: Proyecto Grupo Verde SAS (2019-2020).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 35

Recuperar, ordenar el Paisaje cotidiano, primero la vida y luego los


espacios

El urbanista Jan Gehl8 plantea que para conseguir entornos


propicios para la vida y el goce de las personas hay que poner “Primero
la vida, luego los espacios, y por último los edificios, de otra forma nunca
funcionará”. Con el fin de crear territorios para la vida, estamos
exigiéndole a los promotores inmobiliarios encaminar en cómo diseñar,
planear, gestionar y organizar los proyectos desde un enfoque centrado
en las personas y su relación con la naturaleza.
Los costos del urbanismo, de la infraestructura, del manejo y
gestión, nos están enseñando que los proyectos para espacios públicos
sean más adaptables, más flexibles, más económicos, más verdes, con
enfoques de desarrollo centrados en el ser humano y naturaleza y en
procesos comunes basados en la resolución de problemas, más
participativos y receptivos para los usuarios finales.
En la práctica a través del Urbanismo Táctico, estamos
recuperando el valor de lugares públicos dando soluciones económicas,
sostenibles y creativas y diseñando en sintonía con la naturaleza y la
cultura. A través de la cohesión colectiva y coparticipación se articulan
espacios de disfrute e inclusión, generando personas más solidarias. En
términos de sustentabilidad social, el espacio público promoverá una
mayor diversidad de sectores y enfoques de la población, edades,
géneros y tradiciones, en la gestión inteligente de lo común.
Aquí, el rol de la arquitectura del paisaje continúa adaptándose y
evolucionando, y queda claro el creciente valor de la colaboración
interdisciplinaria, la comprensión de las habilidades transferibles de la
profesión y el desarrollo de nuevos métodos para la práctica (Figura 13).

8 http://gehlarchitects.com/approach/
36

Figura 13 – Retorno a la naturaleza: El urbanismo / diseño tendrán el gran reto de convertir


nuestras ciudades en ciudades saludables. Y esto, es una cuestión multifactorial que requiere de
miradas integrales

Creditos: Proyectos Grupo Verde SAS (2018 ).

Potenciar la consulta y el deseo con la comunidad, reuniones y


sesiones de codiseño y charretes en plataformas digitales, involucrando
a una franja más amplia de comunidades en el proceso de diseño y
planificación.
Esta es una filosofía acerca de cómo crear territorios incluyentes,
humanos y para la vida porque, cuando las personas salen de su
vivienda, pasan la calle, van al trabajo, toman el bus, van a la
universidad, o desarrollan cualquier otra actividad requieren espacios
dignos, en donde se equilibren las necesidades de la vida privada y la
pública, las inversiones en infraestructura y la rentabilidad social de
esas inversiones.

La Cosmovisión de nuestros pueblos ancestrales

Ordenando el territorio: entre el camino de los ancestros y la


perspectiva contemporánea, los valores y las tendencias que tiene la
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 37

cosmovisión indígena no coinciden con los instrumentos actuales de


ordenamiento territorial, los objetivos de desarrollo no tienen la misma
visión y, además, no se ha propiciado el encuentro adecuado entre las
dos perspectivas.
En los últimos años hemos tenido una experiencia maravillosa al
cruzarnos con el enfoque desde la cosmovisión de los pueblos indígenas
de Colombia. Proyectos donde a través de equipos interdisciplinarios
buscamos alimentarnos de esa profunda y respetuosa visión con la
tierra, con la Pachamama (Figura 14).

Figura 14 – El parque Tominé será una referencia para el cuidado de la biodiversidad, la


protección del agua y la conexión funcional de todos con este ecosistema, porque es en esta
conexión donde vemos el futuro

Creditos: Consorcio Tominejos 2018-2019

Por ejemplo, en el proyecto del Parque Tomine los Muiscas tenían


un enfoque de su mundo natural, basada en los elementos que
conformaban su entorno ambiental y ecológico. Esta visión
sociocultural está marcada por la idea de lo sagrado donde la naturaleza
fue el móvil de inspiración de ritos, mitos, simbolismos y celebraciones
que pasaron a ser parte de su memoria cultural. Esta compenetración
38

hombre y naturaleza, es un enfoque privilegiado entre las culturas


precolombinas de esta zona. En la conciencia mítica del muisca hay
elementos de una cultura que construyó un pensamiento ecológico
primitivo en particular hacia el agua, los bosques y los ríos. Un
pensamiento que queremos rescatar a través de nuestra propuesta.
Basados en la simbología muisca, los nombres de las Unidades de
Actuación Paisajista hacen referencia al sentido ancestral del paisaje
como eje conector de la vida en el parque para crear así, un lugar para
el encuentro con la naturaleza, con la familia, los vecinos y los extraños,
generando una enorme red de conexiones.

Un diseño desde la Perspectiva de Genero

Históricamente, las ciudades han sido planificadas y diseñadas


por los hombres y para los hombres. Frente a un urbanismo, un diseño
urbano androcéntrico que ha dado prioridad a un sistema basado en
capital, rentabilidad, privilegiado lo masculino, creemos que el nuevo
enfoque con perspectiva de género ha puesto la vida de las personas en
el centro de las decisiones urbanas al tener en cuenta la diversidad, y
entender como los valores, roles de género influyen y tienen efectos
directos en el uso y disfrute de nuestras ciudades y en el derecho de las
mujeres a la ciudad.
El espacio público, las calles, las viviendas, los transportes y el
resto de los espacios que utilizamos regularmente son los lugares donde
se desarrollan nuestras vidas, por lo que deben ajustarse a los distintos
requerimientos que tenemos las personas (Figura 15).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 39

Figura 15 – La planificación y el diseño urbano-paisajista modelan el entorno que nos rodea, y ese
entorno, a su vez, conforma el modo en que vivimos, trabajamos, jugamos, nos movemos y
descansamos

Créditos: Proyecto Grupo Verde SAS (2012 ).

Nuestros proyectos de Planes Parciales, Planes Maestros urbano-


paisajísticos proponen una base sólida para entender y diseñar con una
visión amplia de las personas al plantear que las mujeres, niños y los
hombres viven y experimentan el espacio de maneras diferentes:
• Detectando desigualdades estructurales y carencias en
nuestros espacios públicos (y privados) y sienta las bases para
una transformación integral.
• Colocando a las mujeres, viejitos, niños en el centro.
• Favoreciendo la vida cotidiana y la felicidad
• Diseñando la movilidad, desde los modos y tiempos
necesarios para desplazarse (niños, minusválidos, mujeres,
ancianos, discapacitados)
• Trabajando con procesos de la co-creación en la regeneración
urbana.
40

Hay un movimiento global sobre este tema, y como la planeación


y el diseño del territorio debe cambiar. Los estudios de casos y
proyectos en los que venimos trabajando en esta última década ponen
de manifiesto que: los procesos de co-creación y participación dan
visibilidad a los grupos desfavorecidos y puede promover la seguridad y
el acceso a la esfera pública; una mejor representación puede dar lugar
a diseños innovadores que sirvan mejor a todas las personas, no solo a
las mujeres, y al diseñar a la escala de los niños (Figura 16).

Figura 16 – Los desarrollos inmobiliarios pensados para los menores son una tarea pendiente,
hay que generar propuestas que tomen en cuenta la voz de los niños para avanzar en un área en
la creación de territorios inclusivos, a escala de ellos, y pensado en sus valores

Creditos: Grupo Verde SAS (2010-2020).

En la mayoría de nuestras ciudades, no sabemos dónde y cómo


viven, se mueven los bebés, los niños y sus familias. Mediante el manejo
de información e indicadores, los planificadores y diseñadores podemos
hacer frente a este gran reto; con un enfoque de trabajo para beneficiar
el desarrollo integral de los niños pequeños y el bienestar de sus
cuidadores. Nuestro reto principal es lograr que, desde la mirada de un
niño de 95 cm de alto, nuestros proyectos garanticen espacios se guros,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 41

saludables y estimulantes, con oportunidades para que los niños


aprendan, creen, imaginen y jueguen.

SINTESIS

La ciudad, los pueblos contemporáneos están en constante


cambio, hay que considerar lo urbano, lo periurbano y lo suburbano, lo
rural, con una mayor presencia del paisaje…y lograr asociar el paisaje y
la urbanidad en una investigación constante. Es desde el paisaje y su
comprensión que podemos desarrollar nuevas formas de planificar y
diseñar: el campo de experimentación es amplio hoy, favorecido por el
deseo ampliamente compartido, y el deber de tener en cuenta desde el
inicio aspectos, como la gestión de la movilidad, de aguas superficiales,
racionalización de los espacios públicos, diseños de la proximidad,
barrios vivos, integración de nuevos materiales y tecnologías.
Actuales Investigaciones presentan una clara evidencia de como
el paisaje –sistema de parques, espacios abiertos, árboles urbanos,
bosques y cursos de agua_ cumplen " servicios ecosistémicos "
esenciales; los cuales no sólo ofrecen beneficios ambientales, sino
también una amplia gama de beneficios de carácter social, económico
y de generación de paz. Las oportunidades que proveen el paisaje como
infraestructura (verde /azul/café) llegan acompañadas de grandes
cambios:
1. La extensión del concepto de paisaje involucrando los
paisajes cotidianos: Los paisajes y espacios urbanos bien
diseñados tienen que estar presentes en todos los espacios
de las ciudades, desde los más pequeños hasta grandes
intervenciones urbanas.
2. La importancia de lograr que el entorno natural se convierta
en una preocupación primordial dentro del desarrollo urbano
y que sea contemplado desde las etapas iniciales de
planificación.
42

3. La formulación expresa del reconocimiento jurídico del


paisaje: En las ciudades, el paisaje y los espacios urbanos
tienen que ser reconocidos como un derecho de los
ciudadanos a gozar y como componente de su bienestar,
salud y su felicidad.
4. La decisión de pasar de una actitud pasiva a una dinámica de
encausar las transformaciones paisajísticas, que a menudo
parecen producirse de forma insostenible, museográfica o
irrealizable: Tiene que ver con tomar una postura respecto a
la creación de las ciudades y orientar las acciones en ese
sentido.
Concluyendo, lo que resulta más evidente en la presentación de
estas intervenciones es que el paisaje desde la perspectiva del
Landscape Infraestructure implica superar la etiqueta de “ser verde”,
requiere más bien ser asumido, planeado, diseñado y configurado como
un catalizador que genera identidad, felicidad y singularidad, es una
herramienta, que diseñada estratégicamente se abre tanto física como
metafóricamente para generar y entregarles calidad de vida a las
comunidades.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 43

Capítulo 2

DESAFÍOS DE LA PLANIFICACIÓN DESDE UNA PERSPECTIVA DE


PAISAJE: REGIÓN CAPITAL DE LA PLATA, ARGENTINA

Leandro Varela 9

La primera parte del siglo XXI nos ha encontrado con la herencia


de la panificación urbana/ territorial, explicitada y planteada durante
todo el siglo anterior; signada por vaivenes propios de la disciplina pero
también de las discusiones teóricas metodológicas atravesadas por las
ideologías y contextos políticos diversos. Asimismo, en América Latina
encontramos que la mayoría de las ciudades se han conformado en el
siglo XIX, bajo principios más vinculados a preceptos urbanísticos
propios de los procesos de colonización imperantes, más que a las ideas
urbanísticas más relevantes de ese momento en occidente. Las diversas
características regionales del continente fueron planteando desafíos
para la conformación y crecimiento de las ciudades, signadas por climas,
topografías e hidrografías disímiles que signaron la diferenciación, a
pesar de los modelos.
Si bien el proceso de urbanización en los diferentes países de Sud
América se dio en las ciudades Capitales, generando aglomeraciones
que crecieron a ritmos acelerados, la mayoría de los asentamientos
urbanos se fueron desarrollando en un proceso mucho más lento
aunque sostenido, conformando diferentes categorías.
En Argentina la Ciudad de Buenos Aires, ha sido el centro de la
escena social, cultural, política y económica desde su segunda
fundación en 1580, desplazando así a un segundo plano Tucumán,

9 Magister, Arquitecto. Maestría Paisaje, Medioambiente y Ciudad, Facultad de Arquitectura y


Urbanismo. Universidad Nacional de La Plata, Argentina. E-mail: Leandrovarela68@gmail.com /
lvarela@fau.unlp.edu.ar
44

Córdoba y Santa Fe creadas previamente. Su consolidación como puerto


de salida hacia el Atlántico y su declaración como capital del Virreinato
del Rio de La Plata en 1776 la terminan de constituir en la más
importante de la Región.

Figura 1 – Imagen de satélite del Estuario del Rio de La Plata. Figura 2 – Imagen de Satélite de
la región Metropolitana de Buenos Aires

Fuente: Imágenes NASA (2020 y 2003).

Hoy la Región Metropolitana de Buenos Aires (AMBA)10 es una de


las aglomeraciones urbanas más grandes de América, conformada por
la Ciudad Autónoma del mismo nombre y 40 municipios que se

10 La Región Metropolitana de Buenos Aires es la totalidad de los asentamientos urbanos, y sus


respectivas áreas de influencia, integrados funcionalmente con el área urbana principal.
Comprende una regionalización operativa y funcional que abarca a la Ciudad de Buenos Aires + 40
partidos de la Provincia de Buenos Aires. abarca el área que a partir del año 2003 el INDEC define
en sus estadísticas como el Gran Buenos Aires (GBA) que está compuesto por la Ciudad de Buenos
Aires y los partidos del Gran Buenos Aires (24 municipios), y otros 16 partidos de la tercera corona
que incluyen el denominado Gran La Plata (La Plata, Berisso y Ensenada).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 45

organizan espacialmente como un contiguo y configuran un sistema


complejo difícil de manejar.
Pero el abordaje de este trabajo tiene otra protagonista, La
Ciudad de La Plata, que nace hacia fines del periodo decimonónico y
que viene a resolver problemas políticos institucionales que se
acumulaban desde los tiempos de los procesos independentistas.
Podríamos organizar este texto en tres momentos diferentes,
signados por el grado de avance en la creación y desarrollo de la
Ciudad/Región y la consolidación material y organizacional del modelo
fundacional. Una segunda instancia que da cuenta del estado actual de
las condiciones concretas de las ciudades que conforman un
desmembrado conjunto; y por último, en función de esas condiciones
vislumbrar algunas consideraciones y prospectivas que permitan
resolver las problemáticas de una forma sistémica y pensar nuevamente
una región integrada.
El objetivo de este trabajo es comprender como una ciudad que
fue concebida, diseñada y planificada desde su inicio y construida “ex
Novo”, tuvo un breve proceso de consolidación respecto de sus
principios inspiradores pero posteriormente entro en un contexto de
desmembramiento y desorganización que signaron a la Región en
proceso de degradación social, ambiental y urbanística. Dicho en otras
palabras dar cuenta de un proceso de evolución/involución, para en
consecuencia pensar nuevos enfoques conceptuales, metodologías y
abordajes actuales se constituyen en un desafío a la hora de pensar
como revertir esta situación.

MOMENTO 1: INTRODUCCIÓN HISTÓRICA A LA


CONFORMACIÓN URBANA REGIONAL

La consolidación del Estado Nación y la consolidación de la Capital


Federal
46

La ciudad de Buenos Aires tiene dos momentos iniciales, una


primera fundación fallida en 1536 y una segunda definitiva por Juan de
Garay en 1580, siempre ubicada cerca de la costa del Rio de La Plata,
unos cuantos kilómetros más al sur de la desembocadura de los Ríos
Paraná y Uruguay.
Todo el sector costero sur del estuario del Plata, es de
conformación sedimentaria y posee una zona de bañados que hace de
transición hasta la terraza que da comienzo a la llanura pampeana.
Como se dijo en la introducción sobre la fundación de la Ciudad,
Buenos Aires adquirió rápidamente un rol hegemónico,
constituyéndose en un puerto de actividades económicas e intercambio
de materias primas de la región y diversas ciudades del territorio.
Hacia inicios del siglo XIX sucesivos hechos políticos fueron
sentando las bases para los movimientos emancipatorios de la Corona
Española y produciendo movimientos revolucionarios que culminarían
en 1810 con el primer gobierno criollo y posteriormente en 1816 con la
declaración de la independencia.
Los años posteriores no fueron años sencillos para conformación
institucional de la nueva república, pasando por diferentes modelos de
organización de gobierno, en un contexto de luchas entre sectores
divididos entre unitarios y federales. Unos defendiendo la hegemonía
de la Provincia y Ciudad de Buenos Aires y otros pretendiendo una
representación más amplia de las diferentes provincias que
conformaban el territorio.
Entre 1852-1862 se da un periodo complejo, donde recién en
1853 en la Convención Constituyente se redacta la primera Constitución
Nacional y proclama la Republica, aunque el Estado de Buenos Aires
queda excluido y es desde aquí comienzan a perfilarse conflictos
importantes, donde la Ciudad de Paraná en la provincia de Entre Ríos se
constituye en Capital de la confederación Argentina entre 1854 y 1861.
Estas disputas culminan con la reincorporación de Buenos aires a la
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 47

Confederación y modificaciones constitucionales en 1860 donde


quedan conformados los tres poderes del Estado y se constituye la
provincia y ciudad de Buenos Aires como Capital.
Aunque los años venideros continuaron con luchas fratricidas, y
la Guerra de la Triple Alianza de por medio, es recién en 1880 donde
terminan de dirimirse los conflictos acerca de las jurisdicciones
provinciales y federales a partir de la sanción de la Ley “Capital” 1029
de federalización de Buenos Aires como Capital de la Republica y se la
ponía bajo control federal directo.
Hasta aquí, este rápido raconto de la conformación institucional
de la historia argentina no tendría sentido sin considerar que desde ese
momento, Las autoridades provinciales pasaban a ser “huéspedes”
hasta que decidieran la locación de la nueva capital provincial ya que el
territorio nacional de la Capital no podía pertenecer a la provincia del
mismo nombre.

La creación de la ciudad de La Plata como capital de la Provincia de


Buenos Aires

La Federalización de la Ciudad de Buenos Aires como Capital


Federal de la Republica puso en circunstancias complicadas a la
Provincia de Buenos Aires que se había quedado sin Capital. Las
autoridades provinciales se encontraban “de Prestado” hasta tanto no
se resolviera el nuevo asentamiento de las instituciones provinciales.
Se analizaron diferentes escenarios, considerando diversas
posibilidades de localización y grado de consolidación así como
variables económicas y políticas. Una primera hipótesis era la
declaración como capital de localidades existentes, un ejemplo de ello
fue la Ciudad de Azul situada en una región muy rica y productiva con
un gran poderío económico en pleno periodo de la “Argentina
Agroexportadora” o bien la fundación de una nueva ciudad desde cero.
En 1881 el electo Gobernador Dardo Rocha, opta por la segunda opción
48

y mediante una ley provincial declara la creación de la Ciudad de La


Plata como Capital de la Provincia, en “Las Lomas de Ensenada”.
El primero de Mayo de 1882 la Legislatura de la Provincia de
Buenos Aires promulga la Ley 1463, de fundación de su nueva Capital
donde establece la ubicación en los terrenos altos del puerto natural de
la Ensenada, y los procedimientos a través de mecanismos de
expropiación para la obtención de las tierras para su construcción.
Esta región ubicada unos 60 km al sur de la Ciudad de Buenos aires,
contigua al Rio de La Plata, conectada con Buenos Aires a través del
ferrocarril, un área poblada por montes, lomas y bañados
eran propiedad de la Familia Iraola y se encontraban en las cercanías
del pequeño pueblo de Tolosa de 7000 habitantes, que había
sido fundado en 1871.
El 19 de noviembre de 1882 se realiza el acto fundacional y se
coloca la Piedra Fundamental en el centro geográfico de la Ciudad, en
un acto que convoco a diversas autoridades gubernamentales gente
vinculada a la sociedad de la época y a la construcción de la futura
capital.

Figuras 3 y 4 – Pintura y Daguerrotipo del Acto fundacional de la ciudad

Fuente: Museo Dardo Rocha, La Plata (1882).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 49

Desarrollo de un modelo planificado

Después de la mitad del siglo XIX en la Ciudad de Buenos Aires se


dieron dos hechos vinculados a la salud de la población que fueron muy
significativos y decisivos en la consolidación de la ciudad. Las epidemias
de Cólera en 1854 y rebrote de 1866/67 y de Fiebre Amarilla desde
enero 1871 signaron la movilidad de vecinos del sur al norte dando un
giro en la configuración de los barrios porteños.
La mayoría de los casos de contagio se producían en la zona sur,
donde el Riachuelo era depósito de desechos de las saladeras,
curtiembres y mataderos de las costas. Además, al no haber un sistema
de cloacas, los denominados pozos negros llegaban a contaminar las
napas de agua, y en consecuencia, complicaban una de las principales
fuentes de agua de la población.

Figuras 5 y 6 – Pinturas sobre las epidemias sufridas en la Ciudad de Buenos Aires.


Juan Manuel Blanes, Fiebre Amarilla 1871

Fuente: J. M. Blanes, Boceto para un Fuente: Los Caballeros de la noche,


episodio de Fiebre Amarilla (1871). Museo Nacional de Arte, Montevideo (1871).

Las epidemias dejaron en claro que Buenos Aires era una ciudad
con muy malas condiciones de higiene y sanidad haciéndose evidente
50

que el Riachuelo, contaminado por los saladeros y los desechos que


tiraba la gente a diario, no podía seguir así, y que era necesario hacer
reformas estructurales. A partir de 1873 y 74, se inició la construcción
la construcción de la red de aguas corrientes y del tendido de obras
cloacales dirigidas por el ingeniero John Bateman.
Hay quienes aseguran que gran parte de la población disminuyó
a partir de entonces, ya que la mayoría de ellos vivía en condiciones
deplorables cerca de las zonas bajas de los arroyos y el Riachuelo. Los
sectores más pudientes y adinerados abandonaron sus casonas de los
barrios del Sur como Constitución y San Telmo y se trasladaron a la zona
norte de la ciudad, donde se comenzaron obras urbanísticas con el
propósito de propiciar la circulación de aire.
Estas epidemias dejaron bien claro que los inconvenientes de
infraestructura que tenía la ciudad la asemejaba a las grande urbes de
otros continentes o latitudes consolidadas donde las necesidades de
transformación y adaptación eran absolutamente necesarias en función
de la salud de la población. Estos planteamientos higienistas ya
planteados como lineamientos de un nuevo urbanismo comienzan a
constituirse como fundamentales en la planificación y desarrollo de la
ciudad.
La necesidad de saneamiento de aguas, el agua potable, la
circulación de aire y una mayor superficie destinada a espacio público y
áreas verdes se constituyen como tópicos insoslayables en cualquier
nueva intervención; y desde este punto de vista toda la problemática
planteada influye sustancialmente en la visión de la nueva Capital que
se concibe en función de esos requerimientos.
Si bien la tradición urbanística fue evolucionando a lo largo de los
siglos para pensar el nuevo trazado se combinaron conceptos más
recientes como los del Barroco, los contemporáneos planteados para
las ciudades Jardín y los provenientes de la tradición colonial
concretados a lo largo de la américa española.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 51

Los antecedentes urbanísticos directos y más recientes fueron los


trazados de Washington, la Capital de los EEUU propuesta por el
ingeniero francés Pierre Charles L'Enfant y realizada en 1791 con sus
avenidas y diagonales sobre el damero ortoganal y los edificios del
poder político nacional. Por otro lado el Proyecto de Paris, del Prefecto
Baron Haussman y la transformación radical de la ciudad en cuanto a
estructura urbana y arquitectura. Cubrió todos los dominios
del urbanismo, tanto en el corazón de la ciudad , como en los barrios
periféricos: calles y bulevares, reglamentación de las fachadas, espacios
verdes, mobiliario urbano, redes de alcantarillado y abastecimiento de
agua, equipamientos y monumentos públicos. También podríamos
mencionar el Ensanche de Cerda propuesto para Barcelona por
Idelfonso Cerda y por último influencias del movimiento de la ciudad
Jardín contemporáneas a estas últimas intervenciones y al proceso de
elaboración de ideas para la ciudad de La Plata.

Figuras 7 y 8 – Antecedentes Urbanísticos vinculados a la historia de las ciudades Europeas y


Leyes de Indias establecidas por la Corona Española para la fundación de ciudades

Fuentes: Libros diversos de Urbanismo, selección 2009


52

Los principios urbanísticos del siglo estaban claramente


impregnados por las ideas del Neo Clasicismo y Eclecticismo en
Arquitectura y rápidamente fueron adoptados por los profesionales del
Departamento de Ingenieros del Ministerio de Obras Publicas de la
Provincia a cargo de Pedro Benoit, y combinados con la tradición
heredada de la colonia en relación a las cuadriculas planteadas por las
Leyes de Indias.
Es así como el trazado urbano de La Plata adoptó los preceptos
clásicos academicistas, caracterizados por una equilibrada y rigurosa
composición y también los principios higienistas imperantes y
necesarios para las ciudades contemporáneas, tal cual se describe a
continuación.

El Planteo Regional y el trazado fundacional

La ciudad se planteó geométricamente como un cuadrado


perfecto, rodeado por un anillo perimetral con un par de diagonales
principales y un sistema de diagonales secundarias conformando un
rombo. Asimismo planteaba un cruce de avenidas de forma
perpendicular cada seis cuadras en ambos sentidos. El amanzanamiento
es regular, conformado por un módulo cuadrado de 120 x 120 metros.
A partir de las avenidas 44 y 60 las manzanas reducen progresivamente
su ancho a medida que se aproximan al eje cívico, hasta los 60 metros,
a efectos de absorber el mayor caudal circulatorio que se produciría en
sentido axial.
La evolución del trazado se fue dando gracias a que los primeros
asentamientos se fueron dando en el área central vinculada a la llegada
del ferrocarril y los principales edificios públicos ubicados a no más de
15 cuadras a la redonda.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 53

Figuras 9 y 10 – Evolución del trazado entre 1882 y 1885

Fuente: CIUDAD DE LA PLATA, Tres décadas de reflexiones acerca de un singular espacio


urbano. Julio A. Morosi (1999).

El cuadrado tiene un giro donde las diagonales se encuentran


con orientación Norte-Sur y Este Oeste, y en el centro se desarrolla un
eje cívico sobre el que se implantan los edificios públicos principales,
que se prolonga pasando por la zona de humedales del Bañado
Maldonado, hasta el Rio a través de un gran canal que termina en el
Puerto de La Plata. Asimismo se organizaba un sistema de canales
navegables que podían ser circulados desde el Parque Urbano de la
ciudad en el Barrio del Dique hasta el Rio. En esa zona se producían
frutas y verduras y se realizaba pesca menor.
En el sentido contrario el eje se prolonga hacia un área
productiva, dadas las características excelentes de los suelos que
permiten el cultivo de todo tipo de verduras y hortalizas además de
animales de granja.
54

Figuras 11 y 12 – El eje cívico y su prolongación en el territorio


Una vinculación entre el campo y el rio…

Fuente: Archivo general de la Provincia y croquis de elaboracion propia (2009).

La Prolongación del eje, imaginariamente desarrollaba una


organización espacial donde las funciones estaban bien establecidas y
donde las jerarquías en la división de la tierra se distribuían en función
de las actividades y estas se adaptaban a la topografía y el tipo de suelo.
La estructura urbana general diseñada del casco fundacional se
organizó de acuerdo a los preceptos higienistas y con características
paisajísticas planificadas en la caracterización de diferentes zonas de la
ciudad.
Las principales avenidas son anchas permitiendo la ventilación y
circulación del aire y poseen arbolados específicamente designados
según criterios estéticos bien definidos. Cada cruce de avenidas posee
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 55

una plaza de diferentes formatos que incorpora espacios arbolados y


ajardinados.
Se incorporaron Tilos, Tipas, Jacaranda, naranjos. Todas con
anchos bulevares donde también existen especies arbustivas y florales.
La organización de la ciudad contempló un espacio verde publico
principal, inicialmente denominado Parque “Buenos Aires” pero que
actualmente se lo conoce como el “Bosque de La Plata”, que posee
también un trazado con diagonales y alberga el Museo de Ciencias
Naturales y un Jardín zoológico y botánico (actual Bioparque) como
espacio de educación de la población.

Figura 13 Diseño del paseo del Bosque como principal espacio verde de uso público.
Plano fundacional. Figuras 14 y 15 Imágenes actuales del Parque

Fuente: Libro Morosi (1999) Lemit CIC.

El mismo se constituye en una gran porción del casco


fundacional, como el principal espacio público de la Ciudad con un
sector recreativo que contiene un diseño pintoresco en el cual se
encuentran un lago artificial y una gruta. Además en el mismo sector se
56

encuentra el Teatro del Lago, un gran anfiteatro con arquitectura


Neoclásica que básicamente se utiliza en los meses de verano.
El sistema de espacios públicos se complementa al parque a
través de un sistema de Plazas que adquieren diversas formas de
acuerdo a su ubicación en el trazado. Algunas de ellas poseen una gran
forestación y equipamiento para diferentes usos recreativos y de
descanso. Asimismo se encuentran otros parques pequeños, dentro del
mismo sistema que incorporan diseños pintoresquistas y otros
equipamientos como lo es el Parque Saavedra con su “Arboretum” y
lago artificial.
El arbolado público urbano se diseña en función de distinguir las
diferentes zonas y barrios de la ciudad siendo característico el perfume
de los Tilos a fines del mes de noviembre. Asimismo los colores de los
ejemplares de Jacaranda y Tipas caracterizan algunas avenidas y
diagonales principales de la ciudad con una alfombra de flores violetas
y amarillos para la misma época de primavera.
Este entramado de avenidas y calles regularizadas en su
dimensión varía dependiendo el espacio dedicado al tránsito vehicular,
la incorporación de vegetación arbustiva y a la zona en que se
encuentren de la ciudad.
Esta matriz albergo una serie de edificios públicos que fueron
llamados a concurso internacional para poder tener la Arquitectura en
contexto con la nueva joya del urbanismo. Es así que cada edificio fue
seleccionado por sus diferentes estilos pertenecientes a todos lo “Neo”
disponibles en ese momento. En la Plaza Moreno, la principal de la
ciudad, aparecen la Catedral, en estilo Neogótico, y la Municipalidad en
estilo Neo renacentista, y así otras construcciones en el eje cívico dignas
de un trazado majestuoso.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 57

Figuras 16 y 17 – Edificios públicos. Casa de Gobierno en construcción. Estación de trenes

Fuente: Archivo Fotográfico Ministerio de Infraestructura de la Provincia de Buenos Aires


(1912).

En 1886 se convirtió en la primera cuidad con alumbrado eléctrico de


toda América del Sur, y por consecuencia la primera en disponer de un
servicio de tranvía eléctrico en el continente, en 1889 convirtiéndose
en pionera en el equipamiento urbano y de movilidad pública.
A su vez esta joya del urbanismo decimonónico incorporó criterios
paisajísticos de diseño en consonancia con las ideas de la época y los
planteos de grandes parque urbanos como infraestructura social y
recreativa que ya se habían concretado en las grandes capitales
europeas.
Cabe destacar que en ese mismo año, en el contexto de la Exposición
Universal de Paris, el Pabellón Argentino expuso en una de sus salas
dos planos del trazado previsto y el de la ocupación hasta el momento,
los que fueron distinguidos con una medalla de oro por su diseño de
avanzada.
58

Figuras 18, 19 y 20 – Avenida 7, diagonal 80 y Plaza Italia

Fuente: Sitio web. La Plata Ciudad Mágica (1930).

Para cerrar este momento inicial, podemos afirmar que el trazado


de la nueva capital se basó en los requerimientos que los problemas
sociales y ambientales ponían de manifiesto en las crecientes ciudades,
se inspiró en los lineamientos del urbanismo neoclásico que se
superpusieron a la regularidad de la matriz de las leyes de indias
generando un artefacto perfecto que se implanto sobre las pampas.

MOMENTO 2: PROBLEMÁTICAS CONTEMPORÁNEAS

La consolidación y el desmembramiento

El siglo xx se presenta con un inicio muy importante para la ciudad


en cuanto a la consolidación material, institucional, cultural y social de
la nueva Capital. Es así como la población aumenta cada día, nutrida por
la cantidad de inmigrantes que van poblando la traza y a su vez
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 59

colaborando con la construcción de la ciudad y la arquitectura pública y


privada.
Hacia 1905 la nacionalización de la Universidad presenta un
panorama muy alentador donde muchos intelectuales y profesores se
acercan a la ciudad para pasar a ser parte de sus claustros. Este impulso
cultural dota a la ciudad de un halo de intelectualidad que rápidamente
le da trascendencia nacional. Esta institución atrae no solo a profesores
sino a cientos de estudiantes universitarios no solo de la ciudad sino de
pueblos y localidades de toda la provincia, el país y posteriormente de
América Latina, constituyendo a la ciudad no solo en una ciudad signada
por la administración provincial sino también por la juventud
universitaria.
La ciudad siguió creciendo y consolidándose en muchos de sus
aspectos en la zona centro y consolidando la construcción de las
infraestructuras que complementaran el ejido urbano como la obra del
puerto y las instalaciones que lo acompañaban. Aparecen diversos
establecimientos industriales y se asientan industrias de carácter
diverso.
El Puerto comenzó a tener mayor movimiento gracias a la
instalación de los frigoríficos Armour (1904) y Swift (1915) que
dinamizaron no solo la población de las localidades de Berisso y
Ensenada, sino que generaban un flujo de trabajadores entre estas y el
centro platense. El epicentro de esta dinámica se daba en el escenario
de la Calle Nueva York con una cantidad de albergues y conventillos que
permitían el recambio de trabajadores. Y por otro lado las islas del Rio
Santiago eran en espacio de recreo y producción de frutas y hortalizas
que se proveían a las localidades cercanas sino también al resto de la
Región.
60

Figuras 23 y 24- Construcción del puerto de la Plata 1890. Figuras 21 y 22 y Los frigoríficos
instalados en el Puerto de La Plata en Berisso hacia 1930

Fuente: Archivo Fotográfico Puerto de La Plata y A. F. Ministerio de Infraestructura de la


Provincia de Buenos Aires.

En 1920 el Estado Nacional crea la Empresa YPF, Yacimientos


Petrolíferos Fiscales, primera empresa estatal del mundo en la
explotación de hidrocarburos. Es así que el gobierno decide instalar en
el corazón de la Región, una planta de producción y distribución de
combustibles, la Petroquímica hoy llamada “General Mosconi” que
transforma las infraestructuras instaladas en un “Puerto Inflamable”
que limita notablemente su capacidad de acción y actividades.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 61

Figuras 25 y 26 – Petroquímica General Mosconi en dos momentos de su historia

Fuente: Ministerio de Infraestructura de la Provincia de Bs. As. (1922 y 2010).

Hacia fines de la década del 50 la decisión de dividir en tres


municipios diferentes al distrito Capital, si bien cumplía con el anhelo
de las clases políticas dirigentes de ese entonces y de los vecinos en
general, visto a la distancia constituyo un factor de debilidad para los
años posteriores en tanto Región.
El Decreto-Ley 12366/57 y el Texto Actualizado con las
modificaciones introducidas por Ley 5899, fijan límites provisionales de
los Partidos de Berisso y Ensenada. Esta circunstancia dividió las
decisiones político administrativas pero también impidió tener un
abordaje integral en la región respecto a la planificación general y a las
decisiones de interés común. Quedaron establecidas tres
administraciones municipales diferentes sin ningún tipo de obligación
de generar políticas comunes aunque haya problemáticas como las
ambientales que no consideran límites políticos o administrativos.
A mediados de los 60 se dio un cambio drástico en la movilidad
colectiva de la Región. Se toma la decisión de reemplazar el sistema de
Tranvías que organizaba toda la región por el de locomoción a través de
un sistema de Transporte automotor. Este proceso de reemplazo trajo
aparejado también una modificación en el sistema energético de la
ciudad que opto por los combustibles fósiles en detrimento de la
energía eléctrica.
62

Es asi que las calles adoquinadas de la ciudad quedaron


impregnadas de rieles de acero en desuso dando paso a un sistema que
al día de hoy no termina de organizarse y transformarse en eficiente.

Figuras 27 y 28 – Transición de los Tranvías al Sistema de Transporte colectivo

Fuente: Archivo General de la Nación. (1930 y 1970).

El centenario de la fundación de la ciudad en 1982 nos encontró


en el contexto de la más cruda dictadura vivida por la Argentina, lo que
no evito que los que detentaban el poder usufructuaran la fecha para
su propia publicidad. Es así que los festejos se desarrollaron en el centro
de la ciudad a través de exposiciones, actividades culturales y ferias con
la aceptación de la población, incluyendo actos conmemorativos en
diferentes instituciones sociales y culturales. El descubrimiento de los
elementos enterrados en el centro de la ciudad bajo la piedra
fundamental, estuvo teñido de controversias y misterios por lo
encontrado y el destino final del material que se había destinado para
ser exhibido al cumplirse los 100 años de la fundación. Es el día de hoy
que mucho de lo que se dice que estaba allí enterrado no se sabe cuál
es el destino final que tuvieron ni donde se encuentra guardado.
Pero los mencionados acontecimientos no fueron impulsores, ni
generaron que acontecieran grandes acciones transformadoras sobre el
proceso de consolidación y crecimiento de la ciudad. Que recién una
década después terminara de constituir materialmente la avenida de
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 63

circunvalación culminando la tarea de concretar el cuadrado perfecto


planificado por Benoit en la década de los 90.

Figura 29 – Consolidación del Casco fundacional

Fuente: Imagen Satelital – Google Earth (2009).

De ese tiempo a la actualidad lamentablemente no se han


desarrollado acciones significativas que pueden ser consideradas
transformadoras o que hayan aportado a la calidad de la consolidación
de la ciudad. Por el contrario acciones aisladas en cuanto el urbanismo,
poca incidencia de construcción de edificios públicos significativos,
obras de infraestructura aisladas son de las pocas cosas que se pueden
mencionar como acciones recientes.

Diagnóstico regional o lo que está pasando en la actualidad

La Plata se constituyó históricamente con características propias,


desde las más elementales ocupaciones productivas en la época
colonial, hasta las más recientes, actuales y complejas actividades
industriales, agropecuarias, de servicios y administrativas. Una red de
64

comunicación y transporte apropiada a cada etapa complementa la


producción y circulación de bienes y productos elaborados en la región.
Es importante observar la transformación del territorio en el tiempo a
medida que se incorporaron infraestructuras, las cuales fueron
caracterizando y consolidando los distintos paisajes de la zona.
La fragmentación del paisaje se debe en términos generales a la
continua aplicación de políticas parciales. En cuanto a las problemáticas
antes mencionadas construir una mirada desde el concepto de Paisaje
puede contribuir de manera sustancial para comenzar a comprender la
región de modo integral y formular criterios que posibiliten la
integración espacial de la región.
La situación económica y social generada en tiempos de
dictadura por la implementación del modelo des industrializador y
especulativo, comenzó a generar crecimiento de la población en villas y
asentamientos informales en paralelo al crecimiento de la periferia de
manera desestructurada y desordenada. El crecimiento urbano por
fuera del casco fundacional se da de manera descontrolada y anárquica
y la zona norte se constituye en el epicentro del asentamiento de los
sectores más acomodados de la sociedad por la cercanía con la Capital
Federal. Por otro lado hacia el sur las poblaciones van creciendo y los
asentamientos formales e informales conviven en una extensión sin
orden aparente hacia los terrenos productivos.
La consolidación del casco urbano y la extensión por fuera de él
se materializan sin tener en cuenta la topografía y la hidrografía que es
ocultada bajo el pavimento y la consolidación de un amanzanamiento
especulativo. De esta manera los arroyos de la cuenca perteneciente al
Rio de La Plata se ven amenazados en sus desarrollos, canalizados y
entubados en sectores urbanos y más recientemente ocupados por
asentamientos informales.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 65

Figura 30 – Expansión urbana por fuera del casco fundacional

Fuente: Imagen Satelital Google Earth (2009).

La expansión de la mancha urbana de forma desordenada


coexiste con los accidentes geográficos y los pasivos ambientales que
van quedando de las actividades extractivas de suelo y materiales para
la construcción que durante años han generado enormes superficies de
canteras, cavas y superficies de características peligrosas para la
coexistencia con la vida urbana. Estas áreas de riesgo social y ambiental
en general han quedado incluidas en el tejido urbano y hoy se
constituyen en zonas a tratar pero de difícil resolución por los costos
económicos que implican y que pareciera nadie quiere afrontar.

Figuras 31 y 32 – Ocupación de márgenes de arroyos en el periurbano platense

Fuente: Arroyo Maldonado y Arroyo Del Gato Propia (2018 y 2013).


66

A su vez,

En el periurbano de la ciudad de La Plata se dan situaciones y problemáticas


que ocurren a escala regional y que, como tales, influyen y condicionan el
desarrollo de los sujetos que habitan y trabajan en él. A nivel ambiental se
presenta la situación de las nacientes de principales cuencas hídricas que
atraviesan el periurbano y las zonas de actividad hortícola intensiva, la
contaminación y las problemáticas generadas por el uso intensivo de
agroquímicos y la disposición final de sus envases, y por último el efecto que
producen las dinámicas territoriales en la biodiversidad. A su vez también
debemos considerar la problemática ya mencionada del crecimiento urbano
y cómo el avance de la ciudad sobre las zonas rurales impactan y modifican
la forma de producción de los productores y productoras de la zona, como
se pierde suelo altamente productivo y lo qué sucede con el desarrollo de las
infraestructuras en el territorio actual, tan lleno de complejidades. 11

Este territorio tiene características propias que se destacan y


hacen que su análisis no pueda escindirse de los procesos
organizacionales, ni tampoco del estudio de las políticas públicas que
han delineado y afectado el camino de desarrollo que ha seguido. Las
problemáticas no se limitan solo a cuestiones técnicas productivas,
aunque tampoco se pueden soslayar, y debe considerarse también, el
acceso a la tierra, modelo tecnológico/productivo, condiciones de
trabajo y comercialización y las condiciones de vida de los trabajadores,
temáticas aún más invisibilizadas, como la salud, educación, vivienda y
problemática de género.

11 Convocatoria al Primer Encuentro Regional del Periurbano, y 4to Reunión de la Red Peiurban.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 67

Figuras 33, 34 y 35 – Aspectos generales del periurbano productivo

Fuente: Tesis de la Dra. Carolina Baldini Facultad de Cs Agrarias y Forestales 12 (2020).

Es importante mencionar que en este periurbano de desarrolla la


producción hortícola más grande del país, por ello debemos resaltar los
aspectos vinculados a la provisión de alimentos en la región y el AMBA,
desde el modo de producción hasta su posterior comercialización;
temas atravesados por variables tales como políticas públicas,
organizaciones sociales, ambiente (plagas, enfermedades,
inundaciones, tormentas), contexto social y económico, entre otros,
que indudablemente repercuten de diversos modo sobre esta escala
territorial.
Por otro lado, si miramos hacia el Rio de la Plata, después de la
terraza alta vienen los humedales del bañado Maldonado, amenazados
por la ocupación por parte del crecimiento de asentamientos informales
de los municipios de Berisso y Ensenada, así como de proyectos de

12BALDINI, C. (2020). Territorio en movimiento: las transformaciones territoriales del Cinturón


Hortícola Platense en los últimos 30 años. Tesis doctoral. Facultad de Ciencias Agrarias y Forestales,
Universidad Nacional de La Plata. Disponible en: http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/90102.
Acceso en: Febrero 2022.
68

infraestructura, el nuevo cementerio de Ensenada y otras obras que


consolidan una tendencia sin control.
Continuando con las situaciones problemas, el monte ribereño de
las Islas Santiago y Paulino, se encuentra amenazado constantemente
por la realización de obras como la ampliación del puerto, talas
indiscriminadas desmonte de flora nativa, volcado de refulados de
draga sobre las islas y canales. Asimismo sumado a ello, las políticas de
supuesto “Desarrollo” indefectiblemente omiten sospechosamente las
problemáticas socio ambientales establecidas en normas y leyes
municipales y provinciales.
En el área industrial predominan las problemáticas de
contaminación de arroyos, canales y afluentes que constantemente
reciben descargas de los establecimientos cercanos. Pero la
contaminación del aire también es protagonista a través del
tratamiento del carbón de Coque por las empresas asentadas en el
puerto local.
Lamentablemente la evolución de la economía y las
problemáticas sociales han ido dejando rastros materiales que hoy
podemos encontrar en los vestigios de infraestructuras en desuso y
abandonadas. El patrimonio industrial hoy pareciera que no tiene valor
alguno y esto trae aparejado problemáticas sociales como usurpaciones
y ocupaciones ilegales que degradan aceleradamente edificios e
instalaciones que han caracterizado y dado identidad a esta zona de la
Región.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 69

Figura 36 – Usina Eléctrica de Berisso Figura 37 – Puente giratorio Ensenada

Fuente: Elaboración Propia (2012).

Volviendo al centro de la ciudad planificada podemos mencionar


que los sucesivos códigos de ordenamiento urbano han generado una
morfología anárquica en base al desarrollo de la arquitectura de la
especulación inmobiliaria. En este sentido la proliferación de
edificaciones de vivienda multifamiliar de dudosa valía tipológica y
estética han reemplazado las casas bajas de carácter fundacional que
respondían a estilos neoclásicos desarrollados por los maestros
constructores italianos que dieron forma a la ciudad inicial. En relación
a la morfología urbana y el espacio de la movilidad, la
impermeabilización de calles a través del asfalto en reemplazo de los
pavimentos de adoquines de piedra va dejando la ciudad sin la
identidad que le otorgaba esta característica en el paisaje urbano. Así
también podemos mencionar la pérdida de espacio de infiltración por
la pérdida de superficie absorbente verde en desmedro de
infraestructura vial de diversas características.
70

Figura 38 – Asfalto sobre calle adoquines. Figura 39 – Bici senda sobre rambla

Fuente: Elaboración propia (2021 y 2022).

Como ya se ha mencionado al inicio, La Plata es una ciudad


planificada ex novo que responde a criterios de orden, organización y
equilibrio entre el espacio construido y el espacio público en pos de una
distribución equitativa de actividades y circulación. En ese sentido,
respecto de los espacios públicos y la caracterización de la red vial,
existe un desequilibrio entre la regularidad que presentan los espacios
públicos dentro del casco fundacional y en el resto de la ciudad. En su
configuración general, el sistema de espacios públicos desprende
situaciones variadas, pero todas en línea con esta primera afirmación.
Esto se debe entre otras cosas, al marcado contraste que existe entre
las zonas diseñadas de la ciudad y las de crecimiento espontáneo. En
función de ello resulta de interés estudiar las relaciones entre el casco
fundacional y la periferia, donde se pueden encontrar las diferencias
que hay entre el diseño original y en el desarrollo exterior a lo largo del
tiempo respecto del desarrollo del arbolado urbano y el equipamiento
del espacio de uso público.
Para ir cerrando este recorrido por las problemáticas de la Región
podemos sostener que la degradación urbano territorial y La
fragmentación del paisaje se debe en términos generales a la continua
aplicación de políticas parciales y sectoriales. En cuanto a las
problemáticas antes mencionadas construir una mirada desde el
concepto de Paisaje puede contribuir de manera sustancial para
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 71

comenzar a comprender la región de modo integral y formular criterios


que posibiliten la integración espacial de la región.
En la misma se identifican múltiples problemáticas socio
ambientales derivadas de distinto origen, pero donde todas influyen de
manera significativa, como así también atentan contra unidades de
paisaje que deberían ser preservadas por su calidad ambiental, belleza
escénica y diversidad paisajística. En ese sentido la necesidad de su
catalogación y diferenciación sería muy importante para gestionarlas de
forma integrada a otras políticas de ordenamiento y planificación
vigentes.
Entre estas problemáticas, la amenaza del Cambio Climático se
ha presentado con fuerza en la Región presentándose episodios de
inundaciones por lluvias torrenciales en diversos episodios desde el
inicio del siglo a esta parte generando desastres con pérdidas
materiales y vidas humanas. El colofón de este momento es el triste
episodio del 2 de Abril de 2013 donde una inundación inesperada se
llevó la vida de cerca de 100 personas (en datos oficiales), y puso de
manifiesto la fragilidad que posee la sociedad platense habitando una
ciudad que de perfecta ya solo tiene su concepción e ideas fundadoras.
Sin embargo, el paisaje no se corresponde con las divisiones
político-administrativas, hoy en día en la región hay una ausencia de
políticas públicas a nivel regional de largo plazo que ordenen el
territorio en el marco de una perspectiva de desarrollo sustentable.
Entender la región como un todo va a permitir contribuir a mitigar la
degradación socio-ambiental como así también preservarla de la
consecuente ocupación y crecimiento demográfico sobre áreas de alto
nivel de riesgo ecológico como la ribera, humedales y zonas de
inundación como de la futura expansión de las actividades productivas
contaminantes.
72

MOMENTO 3: ALGUNAS IDEAS QUE PROPONEN UN FUTURO


MEJOR

La gestación de los ámbitos de estudio

Desde hace años venimos trabajando desde los ámbitos


académicos de Investigación y posgrado sobre temáticas vinculadas a lo
urbanístico en función de su relación con los problemas socio
ambientales y paisajísticos complementarios a la planificación territorial
de la Región.
Con el retorno a la democracia en 1985 se constituye el IDEHAB,
Instituto de Estudios del Hábitat, ámbito donde se comienzan a
desarrollar y gestar las ramas de la investigación que se implementarían
en las próximas tres décadas y la creación o consolidación de grupos
que abordaran las problemáticas del Hábitat de manera integral.
En 1995 el Dr. Arq. Elías Rosenfeld, director del Instituto de
Investigación de Estudios del Hábitat y la Profesora Arq. Olga Ravella,
conjuntamente con profesores de universidades de Europa y Chile
crean la “Red Pehuén” en el Marco del Programa Alfa de Cooperación
Académica entre Europa y América Latina, en la cual las problemáticas
Urbanos ambientales están en el centro del debate. Sus miembros
impulsan una formación de Posgrado con el grado de Magister llamada
“Paisaje, Medioambiente y Ciudad” para su implementación en el año
1999. Es así como la crisis ambiental en ciernes , el crecimiento
desmesurado de las ciudades, la crisis energética ,los territorios
transformados brutalmente por el extractivismo extremo, la
globalización y la perdida de identidades regionales, entre otros temas
se plantearon como el objeto de estudio a ser abordado.
Tras esa exitosa experiencia la Red Pehuén en el marco del
Programa Alfa II la formación de posgrado continua en la facultad de
Arquitectura de la Universidad Nacional de La Plata poniendo en
marcha la Maestría “Paisaje, Medioambiente y Ciudad” desde 2005 y
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 73

que continua funcionando hasta la actualidad, con un gran número de


egresados y algunos prolongando su formación en el Doctorado de
Arquitectura y Urbanismo.
En 2009 se crea el “Instituto de Investigaciones y Políticas del
Ambiente construido” IIPAC-UNLP/CONICET desde donde seguimos
trabajando y hemos creado la Línea Paisaje, Ambiente y Ciudad”13. En
este espacio se viene trabajando en el marco de los Proyectos de
Investigación acreditado por la UNLP como “El paisaje como factor de
mitigación de la degradación socio-ambiental en la región de La Plata.
Etapas 1 y 2 con vigencia hasta 2023. Investigadores formados y jóvenes
becarios elaboran tesis de Maestría y Doctorado, Documentos de
investigación relacionados a los temas diversos y a su vez interactúan
con los diferentes grupos que abordan problemáticas complementarias
de manera interdisciplinarias.

El concepto de paisaje y la resiliencia urbana como oportunidad para


el desarrollo de áreas degradadas

El crecimiento poblacional acelerado, conjuntamente con el de la


mancha urbana ha configurado un modelo de crecimiento urbano
difuso, fenómeno impulsado (entre otras cosas) por los mecanismos del
mercado. La expansión a la periferia, sin ninguna forma de regulación,
conlleva a distintos sectores de la población a vivir en zonas sin los
servicios o infraestructuras adecuadas y generalmente en zonas de
riesgo. También se encuentran grandes piezas urbanas como
emprendimientos comerciales, barrios cerrados, entre otros,
conformando zonas urbanas fragmentadas donde la residencia
constituye el único fin y tienden a configurar grandes zonas
homogéneas, de baja calidad urbana y paisajística.

13 https://iipac.unlp.edu.ar/
74

En este contexto, la noción de paisaje se constituye como una


categoría relacional recomponiendo el vínculo entre cultura y
naturaleza, entre sujeto y objeto, entre la razón y sentimiento. La
conceptualización de paisaje en la actualidad desde una visión sistémica
y relacional se distancia de las visiones esteticistas o naturalistas. Desde
esta visión, se entiende al paisaje como la representación o el efecto de
la relación entre medio natural y cultura, y en el caso de las ciudades
entre medio urbano y cultura, a través un proceso histórico y dinámico
por el cual el hombre reconoce el medio y genera las formas para
adaptarlo y adaptarse.
El concepto de Paisaje cobra importancia en este debate a fines
de las décadas de 1970/80 como mediador de la relación Cultura /
Naturaleza. Un concepto que incorpora una nueva forma de ver las
problemáticas mencionadas, mediadas a través de una óptica más
amplia integradora e inclusiva. Un concepto amplio, proveniente del
campo de la cultura y que durante los últimos años ha desarrollado y
ampliado su corpus teórico para abordar las problemáticas
integralmente. Podríamos afirmar también que dicho concepto ha
cambiado profundamente, ya que no se concibe solo como género
pictórico, o el tradicional arte de hacer jardines, ni se operativiza en
acciones solo a través del paisajismo.
Particularmente en Argentina, la mirada del territorio desde el
concepto de paisaje no constituye una disciplina muy trabajada.
Tampoco existe una definición de paisaje en lo que respecta al
ordenamiento jurídico y sus apariciones en normativas o legislación, por
lo general resulta ambigua. Es por esto que se postula al paisaje como
un factor central para coadyuvar al futuro desarrollo urbano y regional
y contribuir complementariamente a las herramientas de planificación
existentes.
Intervenir el territorio desde una mirada paisajística implica ser
consciente de las transformaciones que en él se han dado y la
importancia de pensar en las generaciones futuras. Esfuerzos para
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 75

incrementar la resiliencia y la adaptación al cambio climático han de


complementar esfuerzos de mitigación, que hasta ahora no habían
recibido mayor atención, y que continúan siendo urgentes. Implica
también, reconocer la estrecha relación entre cultura y naturaleza,
donde lo más importante es construir nuevos vínculos entre el hombre
y el medio que lo rodea, en pos de establecer una relación armónica con
el ambiente natural y reducir la vulnerabilidad frente a los fenómenos
críticos que afectan la región, como es el caso de las inundaciones.
En este sentido, el concepto resiliencia coadyuva al concepto de
paisaje como se entiende en este trabajo dado que describe la habilidad
de cualquier sistema urbano de mantener continuidad después de
impactos o de catástrofes mientras contribuye positivamente a la
adaptación y la transformación hacia la resiliencia. El concepto
interdisciplinario de resiliencia, fue desarrollado desde inicios de siglo14
y consiste principalmente en la capacidad de una ciudad para
prepararse, resistir y recuperarse frente a una crisis. En este sentido,
pensar la ciudad desde el paisaje permitiría lograr una visión que integre
la mirada social, la ambiental, la económica y también la estética con el
objetivo de brindar herramientas que contribuyan a una rápida
recuperación frente a eventos críticos. Siguiendo esta línea, a nivel
mundial se pueden encontrar numerosos proyectos 15 que abordan la
resiliencia urbana a través de la combinación de conceptos como
desarrollo urbano y paisaje encaminados a sistemas naturales que
previenen o minimizan riesgos.

14 El concepto de ciudad resiliente fue propuesto y definido en 2003 por David Godschalk, profesor
de la Universidad de Carolina del Norte (GODSCHALK, 2003; BEATLEY y NEWMAN, 2013).
15 Iniciativas como Ciudades Resilientes al Clima en América Latina, City Resiliencia Profiling

Programme (CRPP), el portal de “100 Ciudades Resilientes” (http://www.100resilientcities.org),


Making Cities Resilient Campaign, Medellin Collaboration for Urban Resilience, Global Alliance for
Urban Crises, RESCCUE, Inter-Agency Standing Committee for Humanitarian Responses, Ciudades
Resilientes del Centro de Implementación de Políticas Públicas para la Equidad y el Crecimiento
(Argentina) o Proyectos para ciudades particulares como “Rebuild by Design” en Nueva York;
ResilienTO en Toronto, Santa Fe Resiliente; entre otros.
76

Mitigar la degradación socio ambiental desde el concepto de


paisaje e incorporar también el concepto de resiliencia urbana propone
devolverle al ambiente el equilibrio que tenía antes de ser antropizado,
mejorar el paisaje y la calidad del entorno o bien compensar aquellos
efectos negativos residuales. Por lo tanto, pensar nuevas estrategias
desde la mirada del paisaje es pensar en una manera integral de ver y
actuar en el territorio, teniendo en cuenta no sólo la dimensión física
ambiental, sino también la dimensión social, cultural y estética con el
fin de mejorar la calidad de vida de la población.

Algunos principios, Lineamientos y propuestas

Como expresamos anteriormente se viene trabajando en el


marco de los Proyectos de Investigación “El paisaje como factor de
mitigación de la degradación socio-ambiental en la región de La Plata”
, donde se expresa que El paisaje es un factor central al pensar en el
futuro desarrollo urbano y regional.
Este proyecto propone el análisis, lineamientos y criterios para
incorporar a propuestas tendientes al Desarrollo Urbano
Sustentable/Razonable. A su vez se interesa por abordar la
problemática de la expansión urbana y las transformaciones
territoriales resultantes que tienen lugar en las periferias de nuestras
ciudades; reconociendo la estrecha relación entre esos procesos, la
problemática de la tierra vacante y la ausencia de políticas de suelo que
orienten el crecimiento urbano. Los procesos de urbanización
constituyen son dinámicos y complejos, en particular en las periferias
urbanas caracterizándose por la diversidad de actividades sobre un
medio de fragilidad ambiental y desequilibrios en la relación sociedad-
naturaleza. Por lo expresado se plantea como objetivo general,
contribuir al conocimiento sobre la relación sociedad, ambiente y
paisaje que coadyuven al avance en la formulación de herramientas
teórico-metodológicas, criterios de Planificación y diseño tendientes a
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 77

mitigar la degradación en las transformaciones urbano-territoriales de


la Región.
A través de la investigación se busca realizar aportes desde el
concepto de paisaje respecto de la recuperación de áreas degradadas.
Para esto, se realiza en primera instancia un diagnóstico de la Región
del Gran La Plata que detecte áreas críticas en cuanta degradación de
recursos paisajísticos, del espacio público y de áreas patrimoniales. En
una segunda instancia, se elaboran estrategias paisajísticas para
intervenir estas áreas. El resultado de este trabajo verifica la existencia
de grandes superficies comprometidas en términos de degradación
correspondientes tanto a áreas urbanas como rurales y especialmente
en las áreas periurbanas configurando una amenaza a la conservación
de recursos paisajísticos tales como los humedales y los principales
cursos de agua de la región.
El proyecto de paisaje hoy en día se ha transformado en un
conjunto de acciones e instrumentos que abordan la complejidad y
consideran las problemáticas desde múltiples variables. Acciones e
instrumentos que ya no provienen de un solo campo disciplinar, sino
que reclaman y necesitan un trabajo conjunto de múltiples miradas y
actores que confluyan en las respuestas a las problemáticas complejas.
En este contexto de problematización se vienen desarrollando
diferentes aproximaciones desde los espacios de formación de
posgrado e investigación, planteando diferentes aproximaciones
conceptuales y metodológicas tendientes a dar respuestas a las
problemáticas planteadas.
Desde la maestría se ha trabajado en diferentes temáticas ligadas
al sector costero ribereño y el Delta del rio Santiago, planteando
diagnósticos y propuestas a las diferentes temáticas que se presentan
en el sector. Es así que se han planteado propuestas en relación a los
cursos de agua, la producción agroecológica del sector, la preservación
y díselo de áreas de reserva y humedales, la provisión de equipamientos
adecuados para actividades respetuosas de los ecosistemas. Todas
78

estas aproximaciones siempre originadas en una concepción


interdisciplinaria y abarcativas de diversas variables que conforman la
mirada compleja.

Figuras 40 y 41 – Paneles Paisajes inundables. Lineamientos para el espacio público en el


Arroyo del Gato

Fuente: Trabajo del Taller de Proyectos Maestría (2013/2014).

Algunos ejemplos relacionados a problemáticas concretas se han


dado a través de temas como El Proyecto de Paisaje y las cuencas
hidrográficas después de la tragedia socio ambiental de las
inundaciones de 2003. Se realizó un trabajo de mapeo y diagnóstico de
todas las cuencas del área y se plantearon lineamientos generales de
acuerdo a sus características y a su vez se plantearon propuestas para
la cuenca más compleja como lo es la del Arroyo del Gato. Des estos
trabajos surgieron temas de Tesis de Maestría y de doctorado.
Asimismo, algunos trabajos han abordado en el área costera y del
Delta del Rio Santiago la problemática de la identidad, la degradación
ambiental y la contaminación abordando el espacio de uso público y la
producción en huertas de agricultura urbana.
Desde los ámbitos de investigación, la continuidad del marco que
brinda el proyecto de investigación ha dado lugar a numerosas becas de
jóvenes profesionales que han desarrollado sus tesis de doctorado,
posdoctorado y están en vías de seguir sus propias líneas a través de la
investigación formalizada en ámbitos nacionales.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 79

Figuras 42 y 43 – Proyecto de Paisaje para el desarrollo local de la Ribera parque


Agroproductivo

Fuente: Trabajo del Taller de Proyectos Maestría (2015/2016).

Hay trabajos que abordan la problemática del espacio público y


se centra en la clara diferencia que existe entre centro y periferia donde
los principios del diseño del casco fundacional, de acuerdo a las
características expresadas al inicio no se verifican en los barrios linderos
y en el periurbano más extendido. Se comprueba la falta de
planificación y organización del espacio en los sectores de los
asentamientos informales y la coexistencia con espacios de riesgo
socioambental.
Con el propósito de establecer lineamientos para conformar un
sistema de espacios verdes, la tesis doctoral de la Dra. Karina Jensen
aborda el estudio mencionado del proceso de expansión urbana, desde
el concepto de paisaje. Indaga sobre el rol de las tierras vacantes y los
espacios verdes como elementos clave en estos procesos de expansión
ya que le brindan calidad y cualidad a la ciudad con incidencia sobre la
vida colectiva. La hipótesis de la investigación plantea que la integración
de las tierras vacantes a un sistema de espacios verdes, permite mejorar
la calidad del paisaje urbano colaborando con la mitigación de los
efectos del cambio climático. La metodología desarrolla un abordaje
sistémico donde se concibe a la ciudad como un sistema complejo con
el fin de incorporar las tierras vacantes potenciales a un sistema de
80

espacios verdes que mejore la calidad del paisaje urbano como así
también a incrementar su superficie y contribuyan que a mitigar los
efectos del cambio climático. Para esto se elaboran categorías de
recuperación e intervención en base a la calidad de paisaje 16 .

Figura 44 – Cartografía de Tierras vacantes y cuencas hidrográficas

Fuente: Tesis Dra. Karina Jensen (2018).

El Código del Espacio Público aprobado en 2004 a través de la


ordenanza municipal 9880 establece en su artículo 128: “Se entiende
al arbolado urbano el constituido por las especies arbóreas emplazadas
en el espacio público de carácter ornamental y paisajístico, cuyo destino
es la mejora de la calidad de vida de los habitantes y sustento del
equilibrio ambiental.” De esta forma, se entiende al arbolado urbano
como principal elemento conformador de lo que se denomina
infraestructura verde vial o corredores verdes urbanos, los cuales

16 El paisaje y los espacios verdes en la periferia platense. Jensen, Karina Cecilia 2018.
http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/72319
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 81

aportan significativamente a la calidad del paisaje urbano, a la calidad


de vida de la población y sirven de elementos mitigadores de la
contaminación urbana.
En este marco la tesis denominada “El sistema de espacios
públicos como factor estructurador de la calidad del paisaje y el
ambiente urbano. El caso de la ciudad de La Plata” que elabora la Dra.
Mariana Birche, propone indagar sobre el espacio público platense
desde la mirada del paisaje con el fin de analizar las distintas tipologías
que componen el sistema de espacios públicos de la ciudad. A sí,
analizando las categorías de espacios verdes, espacios viales y
centralidades, se construyen nuevas estrategias de gestión y de diseño
orientadas hacia la mejora de la calidad del espacio público y el paisaje
de la ciudad. Para esto, la metodología propone un abordaje sistémico
que concibe a la ciudad como un sistema complejo e integran métodos
cuantitativos, cualitativos y espaciales. De esta manera, la tesis se
estructura para responder al interrogante ¿Cómo pueden elaborarse
estrategias que tiendan a la mejora del sistema de espacio público de
La Plata a partir de comprender sus tipologías y su relación con el
paisaje?17

17El sistema de espacios públicos como factor estructurador de la calidad del paisaje y el ambiente
urbano. El caso de la ciudad de La Plata Birche, Mariana Evelyn, 2020. Disponible en:
http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/105803. Acceso en: Febrero 2022.
82

Figura 45 – Relevamiento de arbolado público en la estructura urbana

Fuente: Tesis de Doctorado Arq. Mariana Birche (2020).

Pero como se había dicho en el apartado de las problemáticas del


periurbano, los pasivos ambientales se han diseminado por todo el
territorio, sobre todo los ligados a las actividades extractivas de suelo y
materiales áridos donde las excavaciones han quedado incluidas en el
tejido urbano. En este marco la Arq. María Eliza Cremaschi investiga en
su tesis de Maestría y Doctorado “Paisajes de oportunidad. Análisis y
lineamientos para la recuperación paisajística de cavas en zona urbana
del Partido de La Plata”18 el abordaje de la problemática desde la
perspectiva del Proyecto de Paisaje.

18Estrategias de intervención y criterios paisajísticos para la recuperación de cavas resultantes de


actividades extractivas y capturadas por la expansión urbana de La Plata” Cremaschi, María Elisa.
2020. Disponible en: http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/113985. Acceso en: Febrero de 2022.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 83

Figura. 46 – Relevamiento de cavas en el Partido de La Plata Figura 47 – Zona de canteras en


La Plata

Fuente: Tesis de Doctorado en elaboración. Arq. Maria Elisa Cremaschi (2020).

La hipótesis que guía la investigación plantea que en las áreas


urbanizadas, las cavas abandonadas y capturadas por la expansión de la
ciudad, se traducen en una alteración significativa de la calidad del
paisaje, constituyendo un obstáculo para el desarrollo urbano y un
peligro para la salud y la seguridad pública. En este sentido, se considera
que la elaboración de estrategias de intervención para la recuperación
paisajística de cavas colabora con la recomposición de la trama urbana
y usos compatibles con las necesidades actuales y futuras del Partido de
La Plata. Entendiendo que la dimensión paisaje permite abordar la
recuperación de pasivos ambientales de manera integrada, ya que
proporciona un análisis multidisciplinario para lograr propuestas de
modelos y/o intervenciones territoriales. La catalogación y tipificación
permite delinear estrategias de abordaje integral del problema
estableciendo criterios de diseño y manejo de las particularidades
tratando de minimizar el riesgo y buscando la integración a los entornos
inmediatos.
Por último no podemos olvidar el área del delta del Rio Santiago
y la zona portuaria donde gran parte de las marcas territoriales que dan
84

identidad al paisaje están ligadas al Patrimonio Industrial tan presente


en el área.

Figura 48 – Caracterización y Catalogación y espacialización de bienes tangibles Patrimoniales

Fuente: Tesis de Maestría PMC en elaboración Arq. Rosario Román (2020).

La investigación realizada tesis de maestría denominada “Paisajes


patrimoniales: Estrategias desde el proyecto de paisaje para la
recuperación de los bienes patrimoniales de la región costera del Gran
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 85

La Plata”19 elaborada por la Arq. Rosario Román da cuenta de la


importancia de abordar el tema patrimonial en función del resguardo
de la memoria histórica y la identidad de Berisso y Ensenada. Esta
investigación plantea la relación conceptual entre paisaje, patrimonio y
proyecto. Entendiendo que estos tres conceptos abarcan un campo de
conocimiento interdisciplinario, de múltiples escalas, donde se
entrelazan temas vinculados a la identidad, la cultura, la imagen, la
composición y el diseño urbano. Posicionada desde esta mirada, se
identifican los paisajes patrimoniales de la región costera del Gran La
Plata, entendidos a partir de la importancia del sustrato natural,
caracterizado por la influencia creadora del Río de La Plata, y los
procesos histórico-sociales que fueron delineando un modo peculiar de
apropiación del lugar. La hipótesis que guía esta investigación propone
que, la identificación de los bienes con valores patrimoniales y la
reintegración de los mismos a la ciudad y a su entorno, a partir de
diversas estrategias y recursos proyectuales, contribuye a la puesta en
valor y apropiación de los paisajes patrimoniales de la región. Para dar
respuesta se propone una metodología que permita en primer lugar, la
identificación de los bienes tangibles con valor patrimonial del área de
estudio, luego la clasificación y caracterización de los paisajes
patrimoniales de la región. Por último, se proponen categorías de
recursos y estrategias proyectuales según la escala de la intervención
(territorial o local) y según el momento de transformación (manejo
integral, recuperación, mitigación o mantenimiento).
Estos trabajos que aquí hemos presentado brevemente se
desarrollan en sus justificaciones de carácter teórico conceptual
abonadas por las nuevas temáticas ligadas a Infraestructuras Verde y
Azul, a las soluciones basadas en la naturaleza, y a los principios de la
Re naturalización de ciudades que se vienen impulsando hace unas

19 Paisajes patrimoniales: Estrategias desde el proyecto de paisaje para la recuperación de los


bienes patrimoniales de la región costera del Gran La Plata. Autor: ROMÁN, Rosario Aylén. 2020.
Disponible en: http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/114178. Acceso en: Febrero de 2022.
86

décadas. Por otro lado los principios metodológicos plantean


herramientas y métodos que se vienen probando en diversas zonas de
Europa y América Latina en relación a la catalogación de áreas
homogéneas y unidades de paisaje, los catálogos de paisaje y de bienes
materiales patrimoniales y demás instrumentos desarrollados en
diversos trabajos como los del Observatorio del Paisaje de Cataluña y
algunas ciudades y regiones de Francia e Italia.

Algunas reflexiones finales

No hace mucho tiempo atrás los habitantes de la ciudad podían


acceder en pocos minutos al campo abierto y al contacto directo con la
naturaleza. Por el contrario, hoy se requiere más tiempo para poder
encontrarse finalmente con el ambiente periurbano y rural. Este ya no
es más el espacio idílico de la producción sino un espacio degradado, de
ecosistemas deteriorados por las actividades extractivas o el mal uso de
insumos químicos produciéndose el consumo de bosques nativos, ríos
contaminados, erosión, basurales...y muchos conflictos socio-
ambientales más. Una realidad bastante distante del modelo que
inspiro la fundación de la ciudad hace ya 140 años como hemos podido
comprender en el momento 1 de este trabajo.
La escasa preparación para comprender y trabajar con los
sistemas naturales por parte de profesionales de la Arquitectura y
Planificación, Ingenierías, y demás disciplinas vinculadas al diseño de los
territorios generalmente conduce a su deterioro y destrucción. De esta
manera, resulta ineludible asumir que los procesos de expansión
urbana conllevan también cambios en el paisaje. En este sentido, Joan
Nogué (2007) señala que “nunca habíamos transformado el territorio a
la velocidad en la que lo hemos hecho en los últimos decenios”. A partir
de esta realidad consideramos que la formación de recursos humanos
preparados en la visión holística e integradora es indispensable en el
abordaje de la planificación urbana territorial y en la concientización de
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 87

los tomadores de decisiones más preocupados en cortar cintas que en


hacer las cosas bien y de manera sostenible.
Sostenemos que una ciudad resiliente es aquella que evalúa,
planea y actúa para preparar y responder a todo tipo de obstáculos, ya
sean repentinos o lentos de origen, esperados o inesperados. De esta
forma, las ciudades están mejor preparadas para proteger y mejorar la
vida de sus habitantes, para asegurar avances en el desarrollo, para
fomentar un entorno en el cual se pueda invertir, y promover el cambio
positivo.
La implementación de relevamientos y diagnósticos amplios y no
estandarizados se torna imprescindible para comprender mejor las
problemáticas sistémicas. Es necesario incorporar variables sociales y
culturales, testimonios y relatos de vecinos, representaciones artísticas
y expresiones culturales que den cuenta de la apreciación ético/estética
de la población.
La realidad que hemos descrito en el apartado 2 de este trabajo
a manera de diagnóstico, nos indica que los territorios se degradadan
por factores múltiples y complejos y que las soluciones a esos
problemas deben provenir desde los marcos teórico conceptuales de
abordaje integral e interdisciplinarios. Las diferencias en la gestión y
gobernanza de los territorios deben volver a una integralidad que
implica ser educada. Se necesitan leyes y marcos regulatorios
innovadores y creativos que sean abarcativas, figuras inter
jurisdiccionales que permitan gestionar la realidad de maneras más
asertivas y que ´permitan una gobernanza más eficiente y concreta.
Por otra parte la necesidad de involucramiento de los vecinos y
las organizaciones formales como Ong y Fundaciones, tanto como las
asambleas barriales o colectivos temáticos es fundamental en todo
proceso de planificación y acuerdos para una región. La valoración
social y cultural de los bienes tangibles e intangibles, de los bienes
naturales y culturales debe ser prioridad al momento de la toma de
decisiones. La aplicación de teorías y métodos definidos en una oficina
88

de gobierno y sin participación ciudadana nos ha puesto en el lugar en


el que estamos.
El recorrido realizado a lo largo de estos tres momentos del
trabajo, da cuenta de las incongruencias a las que podemos asistir en
un breve lapso de tiempo en donde ideas de avanzada y vanguardia en
temas de planificación, pueden ser rápidamente arrasadas por
realidades complejas, que no siempre respetan las teorías y que van
construyendo territorios de manera más anárquica y desordenada.
Quizás sea momento de revertir estos procesos “no sensibles” a
otros más reales. En palabras de Eduardo Galeano más
“sentipensantes” que superen el pensamiento del paradigma
cartesiano moderno donde la racionalidad técnica ya no da respuesta a
los problemas. Las realidades de los territorios y ciudades de América
Latina hoy demuestran que los métodos tradicionales han fracasado, y
que nos urge pensar nuevas formas de pensar y de hacer las cosas más
comprometidas con la salud del planeta y sensibles con las poblaciones
muy postergadas y mayoritarias.
Quizás, como en los juegos de naipes sea tiempo de mezclar y
volver a dar de nuevo, para que una nueva partida, con actores y reglas
diferentes comience y la esperanza en un futuro mejor vuelva a renacer.

Bibliografía

AÓN, L.; VARELA, L. et al. Paisaje, reflexiones. [s/l]: Ediciones Al Margen La Plata, 2002.
BALDINI, C. Territorio en movimiento: las transformaciones territoriales del Cinturón Hortícola
Platense en los últimos 30 años. 2020. Tesis doctoral – Facultad de Cs. Agrarias y Forestales,
Universidad Nacional de La Plata, 2020. Disponible en:
http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/90102. Acceso en: febrero de 2022.
BIRCHE, M. E. El sistema de espacios públicos como factor estructurador de la calidad del
paisaje y el ambiente urbano. El caso de la ciudad de La Plata. 2020. Tesis de doctorado –
UNLP. Disponible en: http://dx.doi.org/10.35537/10915/105803. Acceso en: febrero de
2022.
BIRCHE, M.; RAVELLA, O.; VARELA, L. Confrontaciones y aportes sobre el diseño del espacio
público plantense. Investigación Joven, v. 6, n. Especial, p. 1, marzo 2019.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 89

CONVENIO EUROPEO DEL PAISAJE. Universidad Politécnica de Valencia, 2020. Disponible en:
http://www.upv.es/contenidos/CAMUNISO/info/U0670786.pdf.Acceso en: marzo 2009.
CREMASCHI, M. E.; VARELA, L.; HURTADO, M. Paisaje, expansión urbana y actividad extractiva.
Análisis y construcción de un catálogo de cavas en la periferia de la ciudad de La Plata.
Investigación Joven, v. 6, número especial, 2019.
HONORABLE CONCEJO DELIBERANTE DE LA CIUDAD DE LA PLATA. Código del Espacio Público -
Ord. 9880. La Plata, 2004.
HURTADO, M. et al. Análisis ambiental del partido de La Plata. Aportes al ordenamiento
territorial. La Plata: Instituto de Morfología y Suelos CISAUA-UNLP, 2006. Disponible en:
http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/27046.
JENSEN, K. Paisajes vacantes. El paisaje y los espacios verdes en la periferia platense. 2018. Tesis
de doctorado -UNLP, 2018. Disponible en: http://dx.doi.org/10.35537/10915/72319 Acceso
en: Febrero 2022.
JENSEN, K.; BIRCHE, M.; VARELA, L. Estrategias y criterios paisajísticos para el ordenamiento
urbano-territorial de la Región del Gran La Plata. [s/l]: Observatorio FAU ciudad y territorio,
2021.
MOROSI, J. Ciudad de La Plata. Tres décadas de reflexiones acerca de un singular espacio urbano.
Provincia de Buenos Aires, La Plata: CIC Comisión de Investigaciones Científicas, 1999.
NOGUÉ, J. La construcción social del paisaje. Madrid: Nueva, 2007.
NOGUÉ, J.; SALA, P. Prototipo de catálogo de paisaje. Barcelona: Observatorio del paisaje de
Cataluña, 2006.
RAVELLA, O.; VARELA, L. Diseñando el paisaje. Buenos Aires: Editorial Prometeo, 2008. Maestría
Paisaje, Medio Ambiente y Ciudad. Programa ALFA II. FAU-UNLP
RAVELLA, O. La planificación urbana regional. Orígenes, presente y futuro. Buenos Aires:
Nobuko, 2009.
ROMÁN, R. Paisajes patrimoniales: estrategias desde el proyecto de paisaje para la recuperación
de los bienes patrimoniales de la región costera del Gran La Plata. 2020. Disponible en:
http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/114178. Acceso en: febrero de 2022.
SILVESTRI, G.; ALIATA, F. El paisaje como cifra de armonía. Buenos Aires: Nueva Visión, 2001.
VALLEJO, G. Utopías cisplatinas. Francisco Piria, Cultura urbana e integración rioplatense. Buenos
Aires: Las Cuarenta, 2009.
90
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 91

Capítulo 3

QUANDO O AMBIENTE VIRA PAISAGEM

Catharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima20

CONCEITOS FUNDANTES PARA A REFLEXÃO

A consciência crítica acerca das questões ambientais que afligem


o espaço urbano têm, progressivamente, adentrado várias áreas do
Conhecimento, conforme as ciências humanas e da natureza avançam
em pesquisas que evidenciam, cada vez mais, que o “ambiente não é
apenas a ecologia, mas a complexidade do mundo” como escreveu
Enrique Leff (LEFF, 2001, p. 17).
Assim é que, também para a população “leiga”, todo um glossário
relativo a questões ambientais, como natureza, ecologia, ecossistema,
bioma, florestas, biodiversidade, emergência climática e
sustentabilidade, entre outros, já se tornaram familiares e, não raro,
fazem parte de conversas e debates cotidianos. A chamada Educação
Ambiental (seja progressista e informada ou conservadora e
estereotipada) já é terminologia conhecida e disciplina obrigatória no
currículo do Ensino Básico, segundo estabelece a LEI de DIRETRIZES
BÁSICAS (LDB), Lei n. 9.795/1999.
O ativismo ambientalista adquire marcos importantes no século
XIX, a partir de países que velozmente depredaram suas florestas para
atender a interesses comerciais, vendo surgir no século XXI
protagonistas muito jovens como Greta Thunberg, mas também
milhões de crianças e adolescentes, no mundo inteiro preocupadoscom
o que “restará’’ do planeta para eles e para as futuras gerações.

20 Doutora, professora USP, São Paulo. E-mail: cathlima@usp.br


92

Dada a importância das florestas, das águas doces e salgadas, do


ar mais limpo, do solo íntegro e dos alimentos sem agrotóxicos para a
saúde dos seres humanos, falar de ambiente é falar de sobrevivência da
vida, o que mais facilmente mobiliza energias para a luta por um mundo
mais sustentável.
Dessa forma, ambiente, meio ambiente e ecologia são vocábulos
conhecidos, e razoavelmente introjetados no imaginário de populações
urbanas. Existe o Direito Ambiental, a “Economia Verde”, entre outros.
E o que dizer da Paisagem? Será que possui o mesmo “status” de
algo tão necessário? Ou parece uma dimensão acessória da vida? No
que paisagem se diferencia de ambiente? É apenas “o que a vista
alcança” ou denota uma experiência mais envolvida com o mundo?
Este artigo tece considerações sobre as relações entre ambiente
e paisagem, em prol da argumentação de que, embora sejam diferentes
instâncias, são ambas necessárias e complementares para o
enfrentamento das questões socioambientais da sociedade
contemporânea.
Para fundamentar a discussão sobre essa temática, propomos
aqui uma visita a conceitos e raízes etimológicas desses e outros
vocábulos correlatos, na perspectiva de uma formulação que,
evidentemente, não é a única, mas que pode ajudar o debate.
Entendendo que conceitos são formulações culturais que se
formam e se transformam de acordo com inúmeras variáveis, o que
aqui propomos é o que faz sentido em relação às nossas pesquisas,
vivências e práticas projetuais no campo da Arquitetura da Paisagem.
Primeiramente, tomemos um conceito essencial para clarificar o
cenário proposto: o de Natureza (talvez um dos conceitos mais difíceis
e com grande diversidade de sentidos na língua portuguesa). Se
perguntarmos: “O que é Natureza?” a um grupo de pessoas diversas
quanto à sua formação, etnia, classe social e grau de instrução,
provavelmente ouviremos acepções diferentes, podendo algumas até
serem convergentes. O mesmo, aliás, vale para “ambiente”, “ecologia”,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 93

“paisagem” etc. Isso acontece porque as palavras serão os sentidos que


lhes emprestarmos. Portanto, os termos são, frequentemente,
polissêmicos, tendo tantos significados quanto a diversidade social e
cultural do mundo.
“Natureza” tem muitos e diversos significados – em um leque que
vai desde uma imagem naturalística, verdejante, com cenários
bucólicos, pastoris a uma concepção mais contemporânea de que é o
mundo como conhecemos em gradientes diferentes de processamento
e fisionomias diversas.
Etimologicamente falando, a palavra “Natureza” vem do latim
natura, raiz do particípio passado de nasci, que significa nascer.
“Natureza”, portanto, evoca “gênese”, “nascimento”, “criação”. Já
“Cultura” vem, do latim colere, compreendendo vários significados,
entre os quais habitar, cultivar. Portanto, em sua origem sugere,
diferentemente de natura, níveis de apropriação e transformação,
sendo também evidência da oposição que se criou historicamente em
torno dessas ideias. Essas considerações encontram-se no livro do
historiador inglês Raymond Williams – Palavras-chave (WILLIAMS,
2009), um trabalho essencial para os pesquisadores que desejarem
entender a origem e desenvolvimento semântico das palavras – uma
seleção de vocábulos importantes para a compreensão do mundo em
que vivemos.
Um ponto de inflexão na História do sentido de “natureza” numa
perspectiva abrangente, includente e progressivamente complexa é
formulada por Alexander Von Humboldt em meados do século XVIII,
como veremos adiante.
Por outro lado, encontramos em pensadores como Georg
Simmel, uma concepção filosófica e de maior profundidade que
transcende essa ideia de “natureza” como uma determinada natureza,
sob um ponto de vista (campestre, ou florestal, por exemplo. Para
Simmel, “por Natureza, entendemos a infinita conexão das coisas, a
ininterrupta procriação e aniquilação de formas, a unidade fluente do
94

acontencer, que se expressa na continuidade da existência temporal e


espacial” (SIMMEL, 2011, p. 42). Dizer um pedaço de natureza está
errado. A natureza não tem pedaços.
Por sua vez, em seu livro O Jardim de Granito a arquiteta-
paisagista Anne Whiston Spirn elabora uma formulação que, em alguma
medida, tem consonância com o exposto acima, trazendo a discussão
para a cidade, no tempo contemporâneo. Argumenta Spirn:

Para o olhar desatento, árvores e parques são os únicos remanescentes da


natureza na cidade. Mas a natureza na cidade é muito mais do que árvores
e jardins e ervas nas frestas das calçadas e nos terrenos baldios. É também o
ar que respiramos, o solo que pisamos, a água que bebemos e expelimos e
os organismos com os quais dividimos o nosso habitat. Ela é uma força
poderosa que sacode a terra, fazendo-a deslizar, se deslocar, desmoronar.
Um grande clarão no substrato rochoso, os afloramentos rochosos de uma
pedreira abandonada... a natureza na cidade são cães e gatos, ratos no
porão, pombos nas calçadas, ratazanas nos bueiros, falcões encastelados nos
arranha-céus, sendo a consequência de uma complexa interação entre os
múltiplos propósitos e atividades dos seres humanos e de outras criaturas
vivas e dos processos naturais que governam a transferência de energia, o
movimento do ar, a erosão da terra e o ciclo hidrológico. (SPIRN, 1995, p.
30).

Dessa forma, argumenta Spirn, de forma provocativa: “a cidade é


parte da natureza”. Ainda no Jardim de Granito, Spirn fala que

a natureza é um continuum, com a floresta num dos polos e a cidade no


outro. Os mesmos processos naturais operam nas florestas e nas cidades. O
ar, mesmo contaminado, é sempre uma mistura de gases e partículas em
suspensão. A cidade não é totalmente natural, nem totalment e artificial.
(SPIRN, 1995, p. 30).

A autora traz, portanto, uma concepção do que seja “natureza e


cidade”, muito diferente, digamos, do senso comum. Natureza e cidade
teriam, assim, uma correlação profunda com graus diferentes de
processamento. A cidade é natureza transformada, mas ainda natureza.
O pensamento de Spirn põe em nossas mãos a tarefa de decidir, então,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 95

que natureza queremos, em que grau de processamento, colocando em


nossas mãos essa imensa responsabilidade.
Seguindo a busca por conceitos fundantes dessa nossa relação
com a natureza (sem esquecer de que natureza também somos),
chegamos à palavra “Ambiente”.

AMBIENTE E PAISAGEM

Originário do latim ambientis, a palavra, como substantivo,


significa “lugar, espaço, recinto”. Como adjetivo “ambiente” significa
“envolvente”; o que confere à expressão “meio ambiente” (embora
bastante utilizada e consagrada formal e institucionalmente) um caráter
redundante.
“Ambiente” vai, paulatinamente, adquirindo conotações
ecológicas, sobretudo a partir das contribuições de Ernst Haeckel em
1866, para a então emergente Ciência da Ecologia, fundada pelo
mesmo. E cresce em complexidade, saindo de uma esfera de relações
entre animais e o seu meio para, definitivamente, incorporar a
participação humana na apropriação do mundo.
Miranda Martinelli Magnoli, professora e pesquisadora que
contribuiu para fundar e consolidar o ensino e a pesquisa na área de
Paisagismo da FAUUSP, em sua tese de Livre Docência escreveu que o
ambiente seria o resultado das interações entre os processos
socioculturais e os sistemas naturais (a base biofísica, o suporte
ecológico). E indo mais além: “às suas com FORMAções e com
FIGURAções” (MAGNOLI, 1982, p. 38), damos o nome de Paisagem.
Dessa forma, para Magnoli, a paisagem é a “fisionomia” do
ambiente, acentuando, nesse último a importância da participação
humana, na transformação do meio.
Por sua vez, a palavra Paisagem foi introduzida na língua
portuguesa, no século XVI, a partir do francês paysage, sendo usado
“tanto no sentido imediato de uma imagem pintada, como
96

metaforicamente como perspectiva de mundo” (SERRÃO, 2011, p. 14).


Terra e território parecem pautar a origem da palavra paisagem, em
línguas germânicas e latinas. Senão, vejamos:

A transformação do francês pays em paysage e do italiano paese em


paesaggio ilustra o deslocamento das noções primitivas de “terra” ou
“região” para a representação pictórica de regiões e espaços naturais. Se nas
línguas neolatinas a raiz pays ou paese, indica a aldeia natal, o lugar de
origem familiar e próximo, os termos germânicos landschaft (alemão) e
landschap (holandês) e o inglês landscape reenviam para Land, com o
sentido de região, parcela de terreno ou circunscrição territorial. Em
contraste com a formação recente dos derivados de pays, estes são termos
antigos que coexistem com a raiz Land e significam a forma de uma região
ou a parte do território ocupado e trabalhado pelas populações. (SERRÃO,
2011, p. 13).

Entretanto, a ideia do que seja Paisagem é anterior à introdução


do vocábulo, seja nas líguas germânicas ou latinas. Ao poeta e escritor
Petrarca é atribuída a inauguração da ideia, em 26 de abril de 1335,
quando, acompanhado pelo irmão, subiu o Monte Ventoux só para
apreciar a vista, fazendo parte dos italianos que “se aproximaram pela
primeira vez da natureza com um ‘sentido próprio’ diferente do que
impele ‘a investigação e o saber’” (RITTER, 2011, p. 95).
O relato deslumbrado e atordoado de Petrarca ao atingir o
cume da montanha ficou consagrado com uma espécie, digamos, de
marco inaugural da Paisagem, na perspectiva de uma experiência
estético sensorial. É claro que deve ter sido uma situação já
experimentada por tantos homens e mulheres que o antecederam,mas
Petrarca teria sido um dos primeiros a registrar um relato do
arrebatamento de suas forças, na fruição livre e desinteressada da
natureza como paisagem, “movido unicamente pelo desejo de ver…
deixando para trás todos os fins práticos para, na livre contemplação e
teoria, participar no todo da Natureza e em Deus”. Petrarca “sobe a
montanha livre, por si mesmo e para fruir a vista do seu cume” (RITTER,
2011, p. 100).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 97

Nesse sentido, os filósofos estabelecem as diferenças entre


ambiente e paisagem. Para Serrão, “o ambiente, ou a bio-ecosfera, com
todas as suas componentes, é global, ignora fronteiras, afecta
igualmente todos os lugares. Uma paisagem, em contrapartida, é
sempre local e irrepetível.” (SERRÃO, 2011, p. 31).
Fernando Pessoa/Bernardo Soares, em O Livro do
Desassossego, escreveu que “um estado de alma é uma paisagem”
(SERRÃO, 2011, p. 35), colocando (mais uma vez na literatura),
Paisagem na esfera do intangível, da aesthesis, das sensações e também
dos sentimentos, o campo dos afetos, da dimensão simbólica da vida,
da memória, retirando assim pragmatismos reificantes.
Assim, finalmente, Paisagem pode ser considerada a totalidade
(da interação dos sistemas naturais com os processos socioculturais)
que se expressa, a partir do instante em que é sentida, vivenciada.
Novamente, devemos deixar claro que essas são formulações
do campo da Filosofia da Paisagem e que fazem sentido para nós e
impulsionam nossos debates e pesquisas. Outras disciplinas terão
outras formulações, mas essa ideia aqui compartilhada é o que nos
ajuda a clarear o campo conceitual, firmando diferenças e acreditando
nas complementariedades. Nesse sentido, mais uma vez recorremos a
Adriana Serrão, no que argumenta:

Sabemos, como as questões de defesa do ambiente se encontram na ordem


do dia, muito menos porém as da protecção da paisagem, com o perigo de
subsumir a paisagem no ambiente, desvalorizando os aspectos estéticos,
singulares e únicos, em favor das características físicas. A conservação do
ambiente não salvaguarda a protecção das paisagens. (SERRÃO, 2011, p. 31).

Nesses termos, ao considerarmos aqui, para os propósitos deste


texto, a ideia de Paisagem, ligada à esfera da percepção, da experiência
estético-sensorial, inferimos que isto pressupõe a presença do humano
para que aconteça. Tomemos os recônditos biodiversos e densos da
floresta amazônica e o sem-número de sensações que afetam os
98

sentidos: se não houver um ser humano, um indígena para ver a beleza


extraordinária da floresta tropical (no todo e nos detalhes), sentir o
farfalhar úmido das folhas caídas na terra macia, ou no tato, o ar
igualmente úmido e morno (não raro, quente), ou o vento circulando às
margens dos rios, o cheiro típico da mata ombrófila, o sabor das
inúmeras espécies de frutos e folhas, o canto dos pássaros ou o sibilar
das serpentes ou, ainda, os indícios dos passos de um mamífero de
grande porte, então podemos nominar o local de ambiente, habitat,
ecossistema, hileia, bioma. Para ser paisagem há que se experimentar
sensações (e também sentimentos) em relação à experiência vivida.

ARTE E CIÊNCIA – CONTRIBUIÇÕES DO SÉCULO XIX

Seguindo na esteira das aproximações da ideia de paisagem com


a dimensão sensível da vida, chegamos a autores que trazem a Arte
como elemento importante na mediação dessas relações dos seres
humanos com o mundo.
Em seu livro Ensaio sobre o Homem, o filósofo Ernst Cassirer
(2005) sintetiza esse pensamento com uma passagem em que configura
essas mediações do humano com o mundo, pelo campo da arte,
destacando o seu papel e aprofundando a experiência e stética.

Há muitas belezas naturais, sem qualquer caráter específico. A beleza


orgânica de uma paisagem não é a mesma coisa que a beleza estética que
sentimos nas obras dos grandes pintores de paisagens. Mesmo nós, os
espectadores, temos plena consciência dessa diferença. Posso andar em
meio a uma paisagem e sentir seus encantos. Posso apreciar a leveza do ar,
o frescor dos prados, a variedade e a alegria do colorido e o aroma das flores.
Mas posso experimentar uma súbita mudança no meu estado de espírito.
Passo então a ver a paisagem com olhos de artista – começo a formar um
quadro nela. Acabo de ingressar em um novo território – não o domínio das
coisas vivas, mas das “formas vivas”. Saindo da realidade imediata das coisas,
estou agora vivendo no ritmo das formas espaciais, na harmonia e no
contraste das cores, no equilíbrio entre a luz e a sombra. É nesta absorção
pelo aspecto dinâmico das formas que consiste a experiência estética.
(CASSIER, 2005, p. 248-249).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 99

Cassirer filosofa sobre diferenças e articulações entre “a beleza


orgânica” (numa relação do humano com as “coisas vivas”) e a beleza
estética (na experiência do humano com as “formas vivas”)
aprofundando o debate, o que nos faz lembrar da importância imensa
da História da Arte – pintura, poesia, literatura e da História do Jardins
e do Paisagismo, como um todo influenciando o olhar leigo na
apreciação da paisagem.
Aqui também, cabe refletir sobre o debate das relações entre
Paisagem e Ambiente. Fato é que a visão, muitas vezes estreita, de que
pesquisadores das Ciências Naturais são duros, objetivistas e não
afeitos ao campo do sensível da Arte já caiu por terra, mostrando-nos
que essa visão dicotômica do mundo não compreende sutilezas e
diversidade.
Senão vejamos: Na biografia do naturalista Alexander von
Humboldt (1769-1859) A invenção da Natureza, a autora Andrea Wulf
descreve muitos momentos em que o cientista preciso, rigoroso,
intercala sentimentos e sensações de encantamento, deslumbramento
e entrega à beleza do mundo natural. É importante acrescentar que
além da sua crucial importância para as Ciências da Natureza, adubando
o solo em que ia ser, posteriormente, a Ciência da Ecologia, Humboldt
era um exímio e sensível pintor de paisagens e elementos do mundo
natural. Com o escritor e poeta Johann Wolfgang von Goethe, seu
grande amigo, brincava de “trocar os papéis” de poeta e cientista,
conhecidamente atribuídos a cada um. O jornal Quartely Review chegou
a louvar “o excepcional e incomparável talento de Humboldt de
combinar pesquisa científica com fervor de sentimento e força da
imaginação”. Ele “escrevia como um poeta”, admitiu o resenhista
(WULF, 2016, p. 249).
Escreve Wulf:
100

Se outros insistiam que a natureza acabava sendo desprovida de sua magia


à medida que a humanidade penetrava seus segredos mais profundos,
Humboldt acreditava exatamente no contrário. Como poderia ser assim,
perguntava Humboldt, em um mundo no qual os raios coloridos da aurora
“unem-se em um trêmulo mar flamejante”, criando uma visão tão
sobrenatural “cujo esplendor nenhuma descrição é capaz de aprender?” O
conhecimento, dizia ele, jamais poderia “matar a força criativa da
imaginação” – em vez disso, propiciava empolgação, assombro e
maravilhamento. (WULF, 2016, p. 28).

Como cientista da natureza, Humboldt, a partir das observações


coletadas em inúmeras e fascinantes expedições, escreveu uma obra
seminal que, pela primeira vez na História, consegue relacionar
elementos e fenômenos que eram apresentados de forma parcelar,
para dar lugar a uma visão integradora dos fenômenos naturais, como
sistemas. Humboldt reunia espécimes botânicas e animais a condições
climáticas, pedologia, geologia, latitude, altitude etc. “Nessa grande
cadeia de causas e efeitos, nenhum fato pode ser considerado de forma
isolada” (WULF, 2016, p. 108). Com essa arguta constatação, prossegue
Wulf, “inventou a Rede da Vida, o conceito de natureza como
conhecemos hoje” (WULF, 2016, p. 429). A sua contribuição para o
estudo das temáticas ambientais foi inestimável, portanto. Mas isso
nunca se deu em detrimento da sua paixão pelas paisagens naturais,um
de seus mais queridos interesses.
Muitos outros cientistas extraordinários, como Ernst Haeckel e
Charles Darwin, consideram que seus trabalhos só foram possíveis pela
influência de Humboldt. Sem falar que o movimento ambientalista do
século XIX, nos Estados Unidos, foi fortemente influenciado pelas ideias
de Humboldt, como relata o próprio Henry David Thoreau,
conservacionista pioneiro na América do Norte.
Ernst Haeckel (1834-1919), embora mais conhecido como
biólogo e naturalista e pela criação da Ciência da Ecologia, era também
filósofo, médico, professor e artista. O impacto de Humboldt em sua
obra foi gigante, no que estabeleceu correlações entre elementos e
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 101

processos que eram estudados separadamente. À sua teoria deu o


nome de Oecologie, como “ciência das relações de um organismo com
seu ambiente” (WULF, 2016, p. 346). Haeckel, como zoólogo, estudou
um grupo de protozoários marinhos denominados radiolários. Seres
minúsculos, unicelulares e invisíveis a olho nu, apresentavam formas e
estruturas belíssimas de volutas, sinuosas curvas e, muitas vezes,
extraodinária simetria. Haeckel teria descoberto mais de cem novas
espécies desses microrganismos.
Em sua paixão, em igual medida pela ciência e pela arte, dizia que
observava as lâminas com água que seus assistentes traziam do mar
com um olho no microscópio e o outro na prancheta de desenho (WULF,
2016, p. 428). considerando os pequenos invertebrados como “delicada
obra de arte” (Figuras 1-4).

Figuras 1 e 2 – “Tabela 49 (Actinea)” (esquerda) e Capa do livro de Haeckel (direita)

Fonte: Hartmann (2014, s.p., esquerda) e Hartmann (2014, p. 31, direita).


102

Figuras 3 e 4 – “Tabela 62 (Nepenthacea) (esquerda)” e “Tabela 40 (Asteridea)” (direita).

Fonte: Hartmann (2014, s.p.).

Publicado entre o final do século XIX e começo do século XXI, o


trabalho Kunstformen der Nature (Art forms in Nature) que reunia cerca
de cem deslumbrantes ilustrações a partir das observações científicas
com os radiolários, influenciou artistas, como o viralista francês Émile
Gallé e arquitetos como o catalão Antonio Gaudi e o francês René Binet;
este último projetou uma estrutura monumental (Porte Monumentale)
como portal de entrada para Exposição mundial de Paris, em 1900.
Binet ainda escreveu a Haeckel, afirmando que todos os aspectos do
design, desde o projeto geral até os detalhes teriam sido inspirados em
seu trabalho científico. Graças à Feira, escreve Wulf, a Art Nouveau
ganhou fama mundial, e quase 50 milhões de visitantes atravessaram a
versão ampliada do radiolário de Haeckel” (WULF, 2016, p. 439).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 103

CONTRIBUIÇÕES CONTEMPORÂNEAS DO CAMPO DO PAISAGISMO

Traremos, agora, essa modesta reflexão sobre arte e ciência,


experiência estética e rigor científico para o século XX, no campo do
projeto de paisagismo.
Na História do Paisagismo, no Brasil, é a partir do final do século
XIX, especialmente com Auguste François Marie Glaziou, que vemos a
produção de espaços públicos e privados, gradativamente, distanciar-
se da influência europeia, centro de difusão da cultura paisagísitca do
Ocidente até então. A rigor, o estudo da flora brasileira teria tido início
já no século XVII, após a chegada da Família Real ao Brasil. Mas Glaziou
deu uma grande contribuição a esse caminho, unindo observação
científica e parâmetros artísticos (ao gosto romântico inglês) no
desenho de alamedas, canteiros etc., em projetos seminais para a
cidade do Rio de Janeiro como o Campo de Santana, hoje Praça da
República. Pode-se considerar isso, em certa medida, o prenúncio do
que traria o Movimento Moderno – a pesquisa e adoção de plantas
nativas brasileiras nos projetos de Paisagismo. De certa forma, já
teríamos os primórdios da união da investigação científica (o que nos
remete à noção de ambiente veiculada nesse texto) com o
(re)conhecimento da beleza e diversidade botânica nos biomas
brasileiros (e aqui temos matizes da esfera da paisagem, também
consonante ao que foi aqui apresentado).
Mas, é no século XX, no Brasil, que vemos o florescimento de uma
arte de jardins e espaços livres públicos ainda mais comprometida com
o conhecimento da flora brasileira, em um momento no qual várias
manifestações artísticas (na música, na literatura e na pintura, entre
tantas outras) buscavam nesses diversos campos uma “identidade
nacional”. Do ponto de vista paisagístico, a motivação identitária e
estética se associava, assim, seja de maneira direta ou indireta, a
expedições para o conhecimento e registro taxonômico da flora. Nesse
contexto, o botânico, artista plástico, e paisagista Roberto Burle Marx
104

(1909-1994) surge como uma força motriz numa seara ainda pouco
contemplada no âmbito do Modernismo – o projeto paisagístico.
Em 1935, à frente do Setor de Parques e Jardins, da Diretoria de
Arquitetura e Urbanismo do Governo do Estado de Pernambuco,
elabora o projeto paisagístico da Praça Euclides da Cunha, inspirado
pela obra Os Sertões, de autoria do escritor que dá nome à praça, e
também pelas oportunidades pedagógicas que se descortinavam ao
imaginar uma praça pública, com elementos vegetais e minerais da
Caatinga nordestina, em um momento no qual as plantas xerófitas do
semiárido do Nordeste não gozavam de valorização plástica pela
população, de uma maneira geral, o que suscitou polêmicas e críticas
desfavoráveis ao seu trabalho transgressor, revolucionário. Aqui,
seguramente, já temos uma tríade extremamente promissora para o
tempo presente: ecologia-arte-pedagogia.
Mais adiante, Fernando Chacel (1931-2011), que conviveu com
RBM, ainda jovem, como seu estagiário “guachista”, o que relatava com
carinho e reverência, aprofunda aquela tríade, ressignificando o termo
Ecogênese. Sobre a origem do termo e do seu sentido, há ainda algumas
controvérsias. Panzini (2011, p. 639-660) considera que desde o começo
do século XX a ideia de Ecogênese já estava posta, na Europa, como
abordagem científica para a recuperação de áreas degradadas pela
urbanização e/ou industrialização. Há, por outro lado, uma hipótese de
que o termo teria vindo do campo da zoologia ou, ainda, que esse
vocábulo teria sido usado, pela primeira vez, pelo botânico Luiz Emygdio
de Mello Filho, que trabalhou em vários projetos com Chacel. Fato é que
Chacel incorpora fortemente o termo para caracterizar uma vertente do
seu trabalho, trazendo uma perspectiva original e com acento
brasileiro, para a regeneração de áreas ambientalmente degradadas.
Nesse espectro Chacel dá uma contribuição esteticamente
original, abraçando a ideia de Ecogênese, sempre de forma aberta,
interdisciplinar e elegante para a História do Paisagismo no Brasil.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 105

Tomemos o caso do projeto da chamada Gleba E, um terreno


localizado na Península lagunar da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
Tratava-se de um desafio de regeneração e requalificação de uma área
fortemente impactada, do ponto de vista ecológico. A Gleba reunia
ecossistemas de grande sensibilidade ambiental como mangue e
restinga, onde a alteração resultou num ambiente fortemente
fragmentado e poluído.
Para esse desafio convidou uma equipe plural composta de
profissionais profundamente afinados e sintonizados com um ideal
comum (por isso achamos justo configurá-los como equipe
transdisciplinar, pois os especialistas não só estavam interessados em
contribuir para um trabalho com seus expertises, mas em ter um
horizonte ético e técnico único, a embasar o processo de trabalho, a
resolução de problemas e a proposição de projetos). No grupo,
botânicos extraordinários, como o Prof. Luiz Emygdio, e outros
renomados biólogos, pedólogos, zoólogos, engenheiros florestais, entre
outros.
O projeto abraçou a remediação e recuperação da área, numa
parceria público-privada onde torres residenciais foram erguidas e à
população foi dado um generoso espaço livre público – o Parque Mello
Barreto.
No que nos diz respeito, neste texto, gostaríamos de destacar, no
projeto de paisagismo, a provocação estética extraordinária que traz o
projeto, como um todo. Chacel criou três modelos: o Modelo Mangue,
o Modelo Restinga e o Modelo Parque; observemos, em primeiro lugar,
a ousadia de deixar nos arredores dos edifícios de alto padrão, um
ecossistema que, embora já reconhecido pela sua importância
ambiental, como berçário de vida, apresenta odor forte e, usualmente,
não é apropriado pela sociedade como local para passeios e lazer.
Chacel não apenas recuperou o Mangue, mas criou acessos e passadiços
para que as pessoas pudessem se aproximar e admirar a sua beleza. Nos
chamados Jardins de Restinga permanece a provocação no que restinga
106

é um ambiente natural e um jardim é uma construção humana, para


não falar que, a exemplo do mangue, não é um ecossistema usualmente
admirado dada a sua linguagem naturalmente silvestre, agreste, com
plantas profusão de plantas xerófitas. Ambos, portanto, são ambientes,
não raro, proscritos e discriminados pela cultura.
Mas na organização do plantio realizada por um Chacel sempre
atento às lições de Burle Marx, exemplares da mesma espécie são
plantados juntos para maior impacto e apreciação, como se convidasse
o vivenciador do jardim a uma experiência estético-sensorial singular
(Figura 5).
Figuras 5 – Modelo Mangue de Chacel

Fonte: Chacel (2001, p. 55).

O Parque, por sua vez, traz outras características um pouco mais,


digamos, antrópicas, como programa de uso e linguagens mais
facilmente reconhecíveis. Mas tudo feito de forma intencional, de
forma cuidadosa e magistral. O ambiente vira paisagem com Chacel e
Burle Marx, quando ao rigor da ciência, une-se o convite para o usufruto
da experiência estética.
Na atualidade, vemos o avanço do conhecimento científico e
engajamento político em relação à pauta ambiental adentrar o projeto
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 107

de paisagismo. Conceitos como Sustentabilidade, Emergência Climática,


Serviços Ecossistêmicos, Compensação Ambiental, Créditos de
Carbono, Infraestrutura verde-azul, Ecologia de Paisagens e Soluções
baseadas em Natureza (SbN) já fazem parte do glossário de Escolas de
Arquitetura e Urbanismo fundamentando projetos profissionais e
pesquisa acadêmica.
Como já foi dito, é evidente que são contribuições muito
importantes (às vezes vitais) para a crise ambiental que nos desafia no
século XXI – a redução da biodiversidade (fauna e flora), o
enfrentamento de ondas de calor, das chuvas torrenciais, da
desertificação dos ecossistemas, da extinção de biomas, da
contaminação dos solos, das águas doces e salgadas e do ar, entre
tantos eventos dramáticos que são vivenciadas do cotidiano de cidades,
áreas rurais e florestais.
Entretanto, resolver problemas ambientais, stricto senso, com
uma visão pragmática e utilitária de natureza pode levar apenas a
soluções eminentemente técnicas eficazes, com seus números e cifras,
inclusive, monetizáveis. Ambientes se configurariam tão somente como
objetos quantificáveis, ponderáveis, tangíveis, mensuráveis em uma
visão reificadora da vida.
Podemos pensar em uma árvore de grande porte, como o
Jequitibá rosa (em tupi guarani “o gigante da floresta”– Cariniana
legalis) apenas para uma finalidade técnica, útil para o sequestro de
carbono. Se, porventura, em seu clímax, o balanço da compensação for
0 (zero), ela teria comprometida a sua “utilidade”. Se esse parâmetro
utilitário for o único a balizar a nossa relação com a árvore, no limite,
poderíamos cortá-la, uma vez que não mais “serviria para alguma
coisa”. Mas se, ao contrário, nos relacionarmos com ela, como parte da
rede da vida da qual também somos parte, em um sentido não apenas
racional e prático, mas sendo capazes de reconhecer a altivez do seu
porte, a beleza esplendorosa da sua floração, a textura do seu tronco, a
delicadeza de sua folhagem, o desenho curioso do seu fruto ou a ela
108

atribuirmos significados que remetam à nossa memória de infância, por


exemplo, ou ainda conotaçãoes do campo simbólico, e possamos sentar
à sua sombra, de forma desinteressada, por puro deleite, estaremos no
campo da fruição da paisagem, da fruição estética, da poiesis.
Em A Utilidade do Inútil o filósofo contemporâneo Nuccio Ordine
cita Theophile Gautier, escritor e poeta, jornalista e crítico literário
francês, que viveu no século XIX, tendo sido um ardoroso defensor do
Romantismo, ilustrando esse debate. Diz o poeta “nada do que é belo,
é indispensável à vida. Se as flores fossem eliminadas, o mundo não
seria materialmente afetado; mas quem gostaria que não houvesse
mais flores?” (ORDINI, 2016, p. 76). E em outro momento: “Para que
serve isso? Serve para ser belo. Não basta? Como as flores, como os
perfumes, como os pássaros, como tudo aquilo que o homem não pôde
desviar e perverter para que pudesse tirar proveito” (ORDINI, 2016, p.
78).
Sem dúvida alguma, precisamos da ciência para nos guiar em
tempos desafiadores, por vezes sombrios, onde problemas ambientais
e de saúde pública (gravíssimos) comprometem nossa própria
sobrevivência. Mas sem o exercício de uma dimensão mais sensível da
vida, onde caibam a arte, a cultura, a poesia, nós podemos até
sobreviver, mas certamente nos desumanizamos. Precisamos de
episteme, mas também de poiesis. De um ambiente saudável, mas
também de paisagens com alma e significado. De cientistas da natureza
que possam fazer frente ao passivo ambiental que nos legou a
modernidade capitalista onde é prevalente a visão da apropriação
mercantil do mundo, mas também precisamos de escritores, artistas,
poetas e paisagistas que revelem ao mundo, de forma sensível e
criativa, a beleza da natureza, a base vital de tudo o que aqui foi falado.
Concluo com Adriana Serrão, que faz uma sensível síntese do que
foi aqui veiculado:
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 109

O belo natural... é também promessa de um futuro ainda possível no


imaginário humano: geradora de espaços de liberdade que resistem a toda
imitação, só a paisagem oferece a abertura do horizonte a perder de vista, o
silêncio pleno e a noite estrelada. Um lugar existencial mas também de
utopia. (SERRÃO, 2012, p. 70).

REFERÊNCIAS

CASSIRER, E. Ensaio sobre o homem. Introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
LEFF, E. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2001.
MAGNOLI, M. M. E. M. Espaços livres e urbanização: uma introdução a aspectos da paisagem
metropolitana. 1982. Tese (Livre Docência) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 1982.
ORDINI, N. A utilidade do inútil – um manifesto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2016.
PANZINI, F. Projetar a natureza – arquitetura da paisagem e dos jardins desde as origens até a
época contemporânea. São Paulo: SENAC, 2011.
RITTER, J. Paisagem – sobre a função do estético na sociedade moderna. In: SERRÃO, A. V.
(coord.). Filosofia da paisagem, uma antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade
de Lisboa, 2011.
SERRÃO, A. V. Pensar a natureza e trazer a paisagem à cidade. In: VICHIETTI, S.P. (org.). Psicologia
social e imaginário. São Paulo: Zagodoni, 2012.
SERRÃO, A. V. A paisagem como problema da filosofia. In: SERRÃO, A.V. (coord.). Filosofia da
paisagem, uma antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011.
SIMMEL, G. Filosofia da paisagem. In: SERRÃO, A. V. (coord.). Filosofia da paisagem, uma
antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011.
SPIRN, A. W. O jardim de granito. São Paulo: EDUSP, 1995.
WILLIAMS, R. Palavras-chave, um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo,
2009.
WULF, A. A invenção da natureza – a vida e as descobertas de Alexander von Humboldt. São
Paulo: Planeta, 2016.
110
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 111

Capítulo 4

RIOS NA PAISAGEM URBANA

Norma Regina Truppel Constantino 21

INTRODUÇÃO

Ao considerarmos que a paisagem “designa uma parte do


território, tal como é percebida pelas populações e cujo caráter resulta
da ação de fatores naturais e/ou humanos e das suas inter-relações”
(COUNCIL OF EUROPE, 2000) também podemos afirmar que toda
paisagem é cultural, “não essencialmente porque é vista por uma
cultura”, mas “por ter sido produzida dentro de um conjunto de práticas
(econômicas, políticas, sociais), e segundo valores que, de certa forma,
ela simboliza” (BESSE, 2014, p. 30).
Ao mesmo tempo em que a paisagem urbana é determinada
pelos condicionantes naturais e sociais, a cidade é capaz de alterar o
meio natural. Considerando essas questões, o objetivo principal do
presente capítulo é apresentar como se processa nos dias atuais a
relação de interferência entre as duas variáveis: rio e cidade.
“Reconhecer o rio como paisagem, é habitar o rio”, segundo
Costa (2006, p. 11). Para a autora, é quando a intervenção humana, no
seu processo de construção, e, portanto, de transformação do mundo,
revela e valoriza ainda mais os significados e os atributos da paisagem,
tornando-se visíveis. Por este enfoque, muitos de nossos rios ainda
estão por ser habitados.

21
Professora doutora, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo FAAC-UNESP. E-
mail: norma.rt.constantino@unesp.br
112

Nesse sentido, Besse (2019, p. 259) considera que habitar implica


em comprometimento com o lugar, com sua bagagem e história. Para o
autor, a experiência de habitar é caracterizada por múltiplos e
dinâmicos comprometimentos, uma relação muito diferente daquela
de apenas ocupar. Nesse sentido, habitar é construir, é coexistir com a
paisagem e com os atributos do lugar. Sabemos que na paisagem não
há observadores, mas sim participantes. Segundo Jackson (1984, p. 54),
o que dá um valor de habitabilidade a um lugar não são seus objetivos
ou qualidades naturais ou históricas, mas as experiências e sentimentos
que se tem ao frequentá-lo, o espírito do lugar.
A história da interação rio-cidade sempre mostrou que as cidades
eram frequentemente construídas em torno das águas fluviais. Os rios
atuavam como elemento de fixação, uma vez que forneciam água
potável, alimento, terras férteis para agricultura em suas várzeas
inundáveis, argila para produção de utensílios e materiais de
construção. A maior parte das civilizações antigas se estabeleceu em
torno de rios e apresentava uma relação de muito respeito e zelo com
essas águas. O mesmo ocorreu no Brasil: muitas das cidades brasileiras
foram fundadas próximas a corpos d’água. Em alguns casos, duas
cidades, uma em cada margem do rio.
O historiador Febvre (2000) defendeu uma ideia revolucionária
em 1935 quando o nazismo estava em plena ascensão, dizendo que o
Reno era um rio europeu, um traço de união, ligando civilizações e
línguas, atacando todas as interpretações até então dominantes do
“Reno alemão” ou a da “fronteira natural”.

O papel de um rio que, ao mesmo tempo, divide – porque largo,


profundo, rápido, ele é um fosso – e reúne – porque, livre de obstáculos,
animado por uma velocidade própria para a descida, ele é uma estrada.
Mas ele não reúne fatalmente, cabe aos homens buscar ou rejeitar a
união. Ele não divide necessariamente: os baixios, os bancos de areia, a
prancha natural dos gelos, a prancha humana das pontes. Toda uma
gama de possibilidades, nenhuma fatalidade: é o que ele oferece, como
dote, às sociedades humanas que dele se aproximam e o enquadram.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 113

Por terem percebido algumas e delas se apropriado, as cidades renanas


do fim da Idade Média merecem que saudemos nelas o sucesso do gênio
humano. (FEBVRE, 2000, p. 175, grifo nosso).

Elemento da paisagem natural e da paisagem urbana, o rio foi


intensamente transformado, muitas vezes por falta de conhecimento,
por não ser visualizado ou pela incapacidade de compreendê-lo. No
entanto, muitos lugares vêm perdendo sua própria identidade. Os
conflitos entre os processos fluviais e os processos de urbanização têm
sido, de um modo geral, enfrentados através de drásticas alterações na
estrutura ambiental do rio.
Complementando a ideia, Besse (2019, p. 264-5) considera em
nossa relação com a natureza, três diferentes sistemas ou formas de
atividade humana: a produção, a manutenção e a criatividade. Trazendo
para a questão dos rios, em um primeiro momento – produção – o rio
era útil, pois proporcionava água, alimentos e o estabelecimento de
núcleos urbanos em suas margens. Em um segundo momento –
manutenção – muitos rios foram encobertos, “ocupados”. O
desenvolvimento acelerado e sem planejamento fez com que os rios se
tornassem esgotos a céu aberto. Ou, ainda, segundo o discurso
higienista que buscava melhorar a salubridade das cidades, os rios
foram canalizados e suas várzeas alagáveis foram aterradas. No terceiro
momento – iniciativa ou criatividade – é onde encontram-se as
iniciativas contemporâneas de planejamento da paisagem, envolvendo
as dimensões ambiental, social e o uso de infraestruturas verdes,
possibilitando o desenvolvimento sustentável.
A ação transformadora do homem gera uma segunda natureza
humanizada. Santos (1988, p. 27) comenta que “quando o homem tem
força para modificar os aspectos do quadro natural”, faz deste uma
“segunda natureza mais adaptada aos seus fins”. Afinal, se tem algum
sentido a paisagem e, sobretudo, se pode tê-lo o projeto da paisagem,
é porque o que está em jogo é fazer o mundo habitável para o homem.
114

O eixo central dessa reflexão é que a paisagem é a expressão de um


esforço humano, sempre frágil e inacabado, para habitar o mundo.
Portanto, atualmente, o desafio é elaborar uma ideia de
“paisagem como um novo paradigma, como o elemento que conecta”
(SERRÃO; REKER, 2019, p. 13), reunindo o homem e a natureza em um
amplo processo de renaturalização. Essa nova modalidade de
experiência da realidade permite repensar nossa vida cotidiana e
possibilita novas formas de planejamento urbano, considerando a
“paisagem com dimensão horizontal e vertical, como parte da reflexão
que integra não apenas conhecimento das ciências empíricas e campos
afins, mas também daqueles campos que têm uma intervenção mais
direta (física) ou impacto sobre a terra” (SERRÃO; REKER, 2019, p. 14).

INTERAÇÃO RIOS E CIDADES NO OESTE PAULISTA

A conquista desse universo desconhecido – o oeste paulista –


visando a novas terras para o plantio do café no início do século XX,
atendeu às condições naturais do relevo. Dispostas paralelamente umas
às outras, as ferrovias, e consequentemente os núcleos de povoamento
e áreas plantadas, foram se assentando nos espigões das bacias fluviais.
A Araraquarense foi implantada no espigão entre os rios Grande e São
José dos Dourados; a Noroeste, no espigão entre os rios Tietê e Aguapeí;
a Paulista, no espigão entre os rios Aguapeí e do Peixe e a Sorocabana,
no espigão entre os rios do Peixe e Paranapanema. Os principais rios
paulistas não se integraram ao sistema de viação, que se resumiu às
ferrovias, o que pode ser explicado pela dificuldade financeira de
adequá-los à navegação.
Foram pesquisadas em torno de 30 cidades ao longo das quatro
linhas férreas no oeste paulista durante a vigência do Projeto Temático
FAPESP “Saberes eruditos e técnicos na configuração e reconfiguração
do espaço urbano, Estado de São Paulo, séculos XIX e XX”, sob a
coordenação da historiadora Maria Stella Bresciani. Inserido no
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 115

Subtema 3 – Saberes técnicos e teóricos na configuração e


reconfiguração das cidades formadas com a abertura de zonas pioneiras
no oeste do Estado de São Paulo – foi analisada a permanência da
estrutura agrária na formação do tecido urbano das cidades do oeste
paulista, com a colaboração de bolsistas de Iniciação Científica FAPESP,
graduandos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da FAAC-UNESP.
A pesquisa realizada (2005-2010) possibilitou vislumbrar a
configuração das fazendas, a sua subdivisão em glebas e o posterior
parcelamento que deu origem ao tecido urbano atual. Ao longo da
pesquisa nos chamou a atenção a questão do abandono das áreas ao
longo dos córregos e rios nas áreas urbanas – os fundos de vale. Em
algumas cidades estudadas, as linhas férreas acompanhavam os rios. As
estações e as linhas férreas que antes eram consideradas as portas da
cidade, hoje encontram-se degradadas, espaços escondidos e não
percebidos (CONSTANTINO, 2010).
Como as cidades habitam os rios? Ou apenas ocupam suas
várzeas e suas águas? Esse questionamento nos levou a realizar uma
série de pesquisas. Na pesquisa desenvolvida observou-se que os
fundos de vale dos rios e córregos foram importantes referenciais
históricos, consistindo permanências na paisagem (CONSTANTINO,
2014). Podemos considerar que a paisagem não é só um conjunto de
espaços organizados coletivamente pelos homens. É também uma
sucessão de rastros, de traços que se superpõem no solo (BESSE, 2014).
Esses traços da história do lugar devem ser levados em conta ao se
buscar alternativas projetuais para os fundos de vale que cortam as
cidades.
Santos (1988, p. 25) considera que “a paisagem é um
palimpsesto, um mosaico”, assim como Besse (2014, p. 58). Também
para Bonesio (2011, p. 472) os lugares “são palimpsestos, uma delicada
e complexa estratificação de rastos, de sinais, de subversões, de
remodelações e de destruições, humanas e naturais: nunca são aqueles
territórios anódinos que imaginam os projetistas e os especuladores”.
116

A autora completa dizendo que “os lugares são os rostos do nosso


habitar sobre a terra: o do passado, aí onde possa ter sobrevivido ou se
mantenha vivo; da ausência ou do retirar-se humano; ou marca
presente do estilo cultural” (BONESIO, 2011, p.472).
Como aquele que “pretende estudar as paisagens tem como
tarefa primeira e essencial ler e interpretar as formas e as dinâmicas
paisagísticas para aprender nelas algo sobre o projeto da sociedade que
produziu estas paisagens” (BESSE, 2014, p. 32), buscou-se, nas
pesquisas realizadas, verificar o estado atual, a forma de ocupação e as
relações existentes entre os habitantes das cidades e os seus rios e
córregos urbanos (Figura 1).

Figura 1 – Rio Lençóis em Lençóis Paulista

Fonte: Acervo Julia Marcilio Torres (2013).

A preservação, sempre que possível, das margens e sinuosidades


naturais dos cursos d´água, dos ambientes alagadiços, da cobertura
florestal da bacia e da vegetação nas orlas de rios e lagos constituem as
medidas mais racionais para evitar o agravamento das enchentes
urbanas e a degradação dos corpos d´água. Essas áreas podem ser
aproveitadas como reservas e parques ecológicos, combinando a
preservação com o lazer, esportes e educação ambiental, além de
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 117

restabelecer o sentido de lugar, reconectando os fundos de vale com o


tecido urbano, não mais como “um vazio entre lugares” (HOUGH, 1998,
p. 58).
Na sequência foi realizada a pesquisa “A Construção da Paisagem
de Fundos de Vale em Cidades do Oeste Paulista” (Projeto FAPESP
2012/50098-4), com a colaboração de bolsistas de Iniciação Científica
FAPESP, graduandos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da FAAC-
UNESP, quando elencamos algumas das cidades já pesquisadas
historicamente e que tiveram os rios como importante fator de fixação,
pois os núcleos iniciais (patrimônios) eram delimitados pelos cursos
d´água.

Quadro 1 – Rios e cidades no oeste paulista


CIDADE RIO
Araraquara Rio do Ouro

São José do Rio Preto Córregos Borá e Canela


Jales Córregos Tamboril e Marimbondinho
Santa Fé do Sul Córrego Mangará
Agudos Córrego Bom Sucesso

Lençóis Paulista Córrego da Prata e Rio Lençóis


Tupã Ribeirão Afonso XIII
Panorama Rio Paraná e Córrego das Marrecas
Botucatu Ribeirão Lavapés

Lins Córrego Campestre


Penápolis Córrego Maria Chica e Ribeirão Lajeado
Araçatuba Ribeirão Baguassú e Córrego Machadinho
Avaré Ribeirão Lajeado

Ourinhos Córrego Monjolinho


Presidente Prudente Córregos do Veado, Saltinho e Colônia
Mineira
Presidente Epitácio Rio Paraná
Fonte: Constantino (2014).
118

Durante a pesquisa (2012-2015) foram estudadas 16 cidades


implantadas ao longo das quatro linhas férreas no oeste paulista,
analisando sua relação com os rios urbanos, onde foi analisada a
permanência das áreas livres ao longo dos cursos d´água – antes
importantes marcos divisores das fazendas que deram origem ao tecido
urbano, estudadas em Constantino (2010) – podendo ser considerados
referenciais históricos, mas apresentando-se como lugares degradados
e sem identidade, como pode ser verificado no Quadro 1.
Entre 2016-2017 foi realizada a pesquisa “Cidades e rios no oeste
paulista – Rio Tietê” com a colaboração de bolsistas IC-FAPESP nas
cidades de Pereira Barreto, Sales, Sabino, Barra Bonita, Igaraçu do Tietê,
Ibitinga, Pederneiras e Arealva. A hipótese analisada foi a de que as
cidades implantadas ao longo do rio Tietê apresentavam um diferencial
nesta relação, pois nas cidades pesquisadas anteriormente, todas à
beira de pequenos córregos, os corpos d´água não se encontravam
inseridos na paisagem urbana. O recorte geográfico escolhido para o
desenvolvimento da pesquisa foi o estudo de oito cidades paulistas,
situadas ao longo do rio Tietê, com diferentes relações: praia, represa
ou área urbana. Os procedimentos metodológicos adotados
compreenderam o levantamento bibliográfico e fotográfico, percursos
de observação ao longo do Rio Tietê e entorno próximo; pesquisa
documental nos arquivos municipais, incluindo legislação, planos e
projetos, seguido pela sistematização dos dados coletados
(CONSTANTINO et al., 2019).
Na sequência foram analisadas mais duas cidades paulistas,
situadas ao longo do rio Tietê, com diferentes relações na sua formação
urbana: Itapura foi alagada com a construção de uma barragem e Ilha
Solteira surgiu a partir do acampamento dos operários responsáveis
pela construção da barragem. A região conhecida como “Pontal” é o
ponto de encontro entre os rios Tietê e Paraná, distante
aproximadamente 4 quilômetros da cidade de Itapura. As pessoas
também aproveitam a beleza do local para contemplar a paisagem e
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 119

nadar nas águas dos rios Tietê e Paraná, sendo que o acesso ocorre pelas
próprias pedras presentes nas margens (Figura 2).

Figura 2 – Região do Pontal, próximo a Itapura

Fonte: Acervo Rafael Neves de Oliveira (2019).

Ainda com o objetivo de analisar a interação rio e cidade, foi


realizado o estudo de duas cidades paulistas – com diferentes relações
na sua formação urbana: Porto Feliz e Sorocaba. Porto Feliz foi o ponto
de partida das monções de povoado e de comércio ao longo do século
XVIII, utilizando o Rio Tietê. Sorocaba, favorecida pelo Caminho do Sul,
era o principal entreposto no comércio de animais. No final do século
XVIII, a maior parte dos tributos cobrados pelo governo da capitania de
São Paulo provinha do comércio realizado nas feiras de Sorocaba,
cobrados quando a tropa atravessava a ponte sobre o rio Sorocaba, o
principal afluente da margem esquerda do rio Tietê.
O rio Tietê, apesar da degradação da paisagem, é visto como
potencial turístico e econômico, mas poucas ações vêm sendo
realizadas visando a um planejamento sustentável. A intervenção sobre
a paisagem é entendida como uma combinação entre proteção, gestão
e ordenamento sobre o território. No entanto, existe uma inadequação
120

dos modelos de gestão urbana acarretando uma falta de integração


entre os dispositivos da legislação ambiental e urbanística
(CONSTANTINO et al., 2019).

LEITURA E ANÁLISE DA PAISAGEM DOS RIOS URBANOS

Para compreender e analisar a dinâmica da paisagem partimos da


pesquisa bibliográfica e documental, consultando a legislação
pertinente, mapas, planos e projetos e arquivos de jornais. A pesquisa
de campo foi fundamental para identificar as estruturas espaciais e
ambientais, possibilitando a observação de uso e o comportamento e
atividades realizadas pelos usuários, além da aplicação de questionários
e entrevistas com técnicos da Administração municipal. O
levantamento fotográfico complementou a leitura da paisagem, como
verificado na Figura 3. Esse conjunto de informações possibilitou a
criação de mapas de leitura da paisagem, demarcando os potenciais e
as problemáticas levantadas.
No decorrer das pesquisas foi possível elencar algumas palavras-
chave relacionadas aos rios urbanos como: visibilidade, acessibilidade,
conectividade, legibilidade, sustentabilidade, memória e identidade.

Figura 3 – Rio Tietê em Igaraçu do Tietê

Fonte: Acervo de Luana Ripke da Costa (2017).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 121

O rio, as pontes e as suas margens revitalizadas formam uma


paisagem urbana específica e podem dar uma identidade inconfundível
a uma cidade. A visibilidade é um importante fator para a percepção do
rio e a sua valorização na paisagem urbana. Segundo Serrão (2013, p.
105), perceber uma paisagem é decerto apreender certa porção da
natureza, impregnada porém de uma mobilidade intrínseca, onde nela
é atuante a força do tempo, que a modela, deixando marcas superficiais
ou profundas dessa atuação.
Ao dar visibilidade e acesso público aos rios, obrigatoriamente
despoluídos e livres do esgoto, possibilita um outro tipo de experiência
aos habitantes da cidade: o contato com suas águas. Visíveis e com
acesso público, as águas ampliam seu papel social e cultural, ganham
uso coletivo e reforçam a relação de identidade da sociedade com o
bem natural (COSTA, 2006b).
Os rios possibilitam experiências complexas e de diferentes níveis
em suas margens, oferecendo cenários diversificados. O desenho da
paisagem fluvial nos centros urbanos e na escala do pedestre favorece
essa fruição, possibilitando o caminhar ao longo do rio e o acesso físico
à água. Manning (1997) considera que para o uso e bom
aproveitamento do espaço, o acesso é essencial: para o rio, ao longo de
suas margens e através dele. Utilizando as pontes para atravessar para
a outra margem, imprime-se um outro ritmo ao percurso, pois permite
observar a cidade por um outro ângulo.
No entanto, em alguns casos o processo de urbanização não só
isola os rios do convívio humano como muitas vezes obstrui o acesso
visual ou mesmo físico a eles. Nesse sentido, “como é possível o cidadão
comum valorizar a água ou mesmo um rio se os modelos vigentes de
urbanização tendem a escondê-los cada vez mais?” (FRANCO, 2002, p.
264). Portanto, situações como essa evidenciam o valor das pontes que
cruzam os rios, sendo essenciais para a acessibilidade e para o
crescimento da malha urbana.
122

É importante reconhecer e valorizar o traçado da água existente,


verificando quais os sinais que permaneceram na paisagem. Em muitos
casos, não é possível agir através da mera ação de salvaguarda do
existente; é necessário também indagar sobre “as novas condições
históricas, formais e sociais para que a presença da água volte a ter
novamente atributos funcionais e razão de ser” (FERRARI, 2004, p. 221).
Dentro desta lógica, os espaços residuais ao longo das margens dos rios
são áreas propícias para agregar identidade, funções e possíveis
transformações.
A conectividade também se apresenta como um atributo físico
importante e consiste nas conexões entre as águas, e destas com os
demais componentes urbanos, em todas as escalas, promovendo um
movimento contínuo e interligado. A visualização dos rios pela
população permite que sejam valorizados como parte integrante da
história do lugar, oferecendo qualidade de vida no âmbito social,
cultural e ambiental.
Garantir a visibilidade poderia ser também uma estratégia para
promover a consciência e a responsabilidade ambiental. A paisagem
urbana precisa ser pensada e reprojetada para direcionar o olhar do
cidadão para os rios e córregos (COSTA; MONTEIRO, 2002). O alto grau
de impermeabilização dos solos, bem como a elaboração de projetos de
drenagem inadequados presentes no histórico de urbanização
brasileira, tem acarretado inundações frequentes em época de alta
pluviosidade. Nesse sentido, Anelli (2015, p. 71) considera que “a
ocupação das áreas dos rios, não foi apenas fruto da ocupação
desordenada, mas também causada pela ação das técnicas disponíveis
para a restrição das áreas dos rios, visando disponibilizar áreas para
urbanização”.
Se a identidade dos espaços é uma questão de projeto e uso
(LEITE, 1998), e se são a legibilidade e a visibilidade dos lugares que os
tornam seguros e possibilitadores de uma profunda experiência
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 123

humana de pertencimento, muitas das intervenções recentes mostram


justamente o contrário.
O Ribeirão Lavapés (Figura 4), em Botucatu-SP, é uma
permanência na paisagem, pois conformava o patrimônio original,
condicionando sua estruturação.

Figura 4 – Botucatu e o ribeirão Lavapés

Fonte: Acervo Norma Constantino (2013).

No entanto, intervenções esconderam e cancelaram sua


identidade e atualmente é pouco visualizado pela população. Lendo a
paisagem do ribeirão, observa-se no primeiro trecho a presença de
chácaras e fundo de quintais residenciais, com alguma vegetação
significativa e pontes possibilitando a ligação entre os bairros. No
segundo trecho, o rio apresenta assoreamento e degradação das
margens. Algumas construções não respeitam a faixa de proteção. E no
terceiro trecho levantado, onde não há integração entre as margens,
chama a atenção a proximidade da ferrovia e grandes vazios urbanosou
galpões desativados.
124

Nesse sentido, o espaço urbano pode ser enfocado como variável


dependente, sendo determinado pelos condicionantes naturais e
sociais do meio em que se realiza. E também pode ser enfocado como
variável independente, pois é capaz de determinar o modo de vida e
alterar o meio natural (HOLANDA, 2007).
A canalização tem sido extensamente utilizada para transferir a
enchente de um ponto a outro da bacia. Essa visão exclusivamente
mecanicista da circulação das águas e esgotos no espaço urbano não é
mais admissível no mundo atual. Isto conduziu a um estudo mais
profundo sobre as consequências das ações antrópicas sobre o meio
ambiente, particularmente sobre os recursos hídricos (BRAGA et al.,
1998, p. 8).
No Brasil ainda prevalece a visão tradicional. Para a redução dos
riscos de inundações urbanas na maioria das vezes, são implantadas
grandes obras de canalização e, para desafogar o trânsito, avenidas
marginais. Como resultado, as cidades se afastam de seus rios que
acabam se transformando em escoadouros de águas poluídas. Segundo
Spirn (1995), a gestão bem-sucedida da água na cidade “exige projetos
abrangentes, muitas ações individuais e a percepção de que a drenagem
das águas pluviais, o controle das enchentes, o abastecimento de água,
a conservação, a disposição do lixo e o tratamento de esgotos são todos
facetas de um sistema muito maior”. Portanto, o ideal é preservar,
tanto quanto possível, as matas ciliares e as sinuosidades naturais dos
cursos d´água e dos ambientes alagadiços.
Em algumas das cidades pesquisadas, o rio foi perdendo seu
papel, oprimido pela infraestrutura viária. O antigo traçado da água e o
seu significado torna-se memória de um passado esquecido. Para
Meinig (1979), a paisagem faz parte de um conjunto de ideias e
memórias que unem as pessoas. A memória, antes de ser uma fonte de
modelos a serem reproduzidos no presente, é uma possibilidade de
retomar a relação dialética com o mundo dentro do processo histórico,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 125

a partir das permanências, pois, para o autor, as permanências são um


passado que ainda experimentamos.
A pesquisa desenvolvida por Castello (1996) discutiu a evolução
e a diversidade das relações do centro de Porto Alegre-RS e sua
população com o rio Guaíba, sua importância na formação da imagem
da cidade e as expectativas da população. A pesquisa revelou o “sentido
de lugar” do rio Guaíba, pois, segundo o autor, “é neste sentido que se
torna estimulante a convergência do enfoque morfológico-funcional
com o perceptivo e o experiencial: comportamento e espaço se
aproximam para apontar valores comuns e explicitar o sentido de um
lugar” (CASTELLO, 1996, p. 37).

Figura 5 – Rio Guaíba em Porto Alegre

Fonte: Acervo Norma Constantino (2018).

No final de junho de 2018 foi inaugurada a primeira fase do


parque Orla do Guaíba que Jaime Lerner projetou, juntamente
com sua equipe, em Porto Alegre. As curvas de grande raio são
distintivas do projeto, propiciando o caminhar do visitante sobre
o rio Guaíba por meio de passarelas metálicas suspensas. Muitos
126

usuários são atraídos para apreciar o pôr de sol na orla do Guaíba,


conforme Figura 5, uma identidade da paisagem de Porto Alegre.

As portas para a leitura da paisagem

A partir das cinco portas ou “possíveis entradas” para a leitura da


paisagem apontadas por Besse (2014, p. 12) podemos considerar a
paisagem como uma representação cultural e social; como um território
produzido pelas sociedades ao longo da história – fabricado e habitado;
como um complexo sistêmico que articula os elementos naturais e
culturais em uma totalidade dinâmica e evolutiva, atravessada por
fluxos; como um espaço de experiência fenomenológica, podendo ser
definida como o acontecimento ou a experiência do encontro concreto
entre o homem e o mundo que o cerca; ou, ainda, como um sítio ou um
contexto de projeto. É possível adotar diferentes enfoques: podem ser
escolhidas apenas algumas destas chaves de leitura ou podem dar-se
simultaneamente, articulando-se umas às outras.
Em sua dissertação de mestrado, Azevedo (2021) analisou o
Ribeirão Tatu, na cidade de Limeira-SP, um elemento urbano central,
que rasga de norte a sul a paisagem da cidade e que se modifica ao
longo de toda sua extensão. Para a análise da paisagem a autora
considerou quatro trechos, para melhor observação de suas
características, a partir de algumas portas, ou “problemáticas
paisagísticas que coexistem no pensamento contemporâneo” conforme
Besse (2014, p. 12).
A primeira porta considera a Paisagem como Território Fabricado
e Habitado, e possibilitou que autora verificasse a produção do espaço
urbano de Limeira pelo poder público e pelos planejadores, através dos
Planos Diretores e documentos levantados na Prefeitura Municipal,
Câmara Municipal e Centro de Memória, uma vez que “os sistemas
técnicos contribuem para definir tanto objetos paisagísticos quanto
afetos de um tipo peculiar” (BESSE, 2014, p. 25).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 127

Figura 6 – Ribeirão Tatu na cidade de Limeira

Fonte: Azevedo (2021, p. 63).

A segunda porta aborda a Paisagem como Representação


Cultural e Social, onde Azevedo (2021) buscou identificar a percepção
subjetiva dos usuários, a partir de sua visão marcada por questões
sociais, culturais, individuais e coletivas mediante informações obtidas
através dos requerimentos e indicações, notícias sobre o Ribeirão Tatu
e questionários aplicados. As visitas de campo foram essenciais para a
confecção de um mapa de percepção, demarcando o uso do espaço, a
abertura das fachadas para o fundo de vale, a presença de fachadas
inativas e de usuários no espaço, além da vegetação existente e a
caminhabilidade, conforme Figura 6. Nesse sentido, a paisagem “não
existe em si, mas em relação com um sujeito individual ou coletivo que
a faz existir como uma dimensão da apropriação cultural do mundo”
(BESSE, 2014, p. 12).
Considerando a Paisagem como Meio Ambiente material e vivo
das sociedades humanas, foram levantados, a partir da terceira porta,
os dados de vegetação, hidrografia e vazios urbanos encontrados nos
vários trechos analisados ao longo do fundo de vale do Ribeirão Tatu,
utilizando como base os mapas do Plano Diretor e imagens do Google
128

Maps e verificando a possibilidade de integrar um sistema de espaços


livres.
O conceito de sistema utilizado pelos ecólogos da paisagem
proporciona um dos suportes lógicos que permite propor explicações
quanto ao funcionamento específico das realidades paisagísticas, pois
todos os sistemas interagem constantemente entre si, o que significa
que uma paisagem é, antes de tudo, “uma totalidade dinâmica,
evolutiva, atravessada por fluxos de natureza, intensidade e direção
bastante variáveis” (BESSE, 2014, p. 43), conformando a história da
paisagem. Besse (2014, p. 41) considera que a paisagem constitui um
complexo sistêmico que articula os elementos naturais e culturais em
uma totalidade objetiva. Nesse sentido, “a complexidade da paisagem
é, ao mesmo tempo morfológica (forma), constitucional (estrutura) e
funcional, e não devemos tentar reduzi-la pela divisão. A paisagem é um
sistema que cobre tanto o natural quanto o social” (BERTRAND, 1978,
p. 249).
Conforme Schlee et al. (2009, p. 243), os espaços livres urbanos
constituem um “sistema complexo inter-relacionado com outros
sistemas urbanos que podem se justapor ao sistema de espaços livres”
ou “se sobrepor, total ou parcialmente, enquanto sistema de ações” (p.
243). Os autores completam dizendo que entre os múltiplos papéis de
sistema de espaços livres, estão “a circulação e a drenagem urbana,
atividades de lazer, conforto, preservação, conservação, requalificação
ambiental e convívio social” (p. 243).
Segundo a quarta perspectiva da Paisagem como contexto de
Projeto, Azevedo (2021) buscou analisar a qualidade do espaço e os
projetos públicos para os parques, jardins e outras formas de paisagem
natural, verificando como são pensados, planejados e implantados pelo
poder público na cidade.
Ao projetar a paisagem, o arquiteto coloca as duas dimensões
contidas no ato: testemunhar, representando a paisagem, e modificar,
imaginando o que poderia ser. O projeto da paisagem seria então a
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 129

criação de “algo que já estava ali”, pois o projeto “inventa um território


ao representá-lo e ao descrevê-lo” (BESSE, 2014, p. 61). E o autor
completa dizendo que “a invenção revela o que já estava ali”, mas ao
fazê-lo desvela um novo plano da realidade, uma realidade que não
poderia ser vista se não tivesse sido desenhada e pensada, pois se “a
invenção é descritiva, simetricamente, a descrição é inventiva” (BESSE,
2014, p. 62).
Foram elaborados mapas adicionais, com a sobreposição de
todas as camadas (layers) analisadas em cada trecho, resultando em
mapas onde são demarcadas as confluências e potencialidades e mapas
contendo as problemáticas. Entre as problemáticas levantadas,
Azevedo (2021) salientou a drenagem inadequada, a presença de vazios
urbanos, o abandono e descuido do centro histórico causando sensação
de insegurança aos usuários, a falta do sentimento de pertencimento e
problemas de conectividade entre as duas margens do ribeirão,
fragmentando o tecido urbano.
O ponto de vista fenomenológico (BESSE, 2014) permitiu abrir
novos campos de pesquisa sobre a paisagem, destacando o interesse
pelas percepções, representações, atitudes diante do espaço, o que
tornou possível a utilização de novos procedimentos metodológicos e
outros tipos de informações portadoras de saberes e significados.
Rosa (2021), ao analisar a ressignificação do rio Tietê nas cidades
de Barra Bonita e Pederneiras, levou em conta a abordagem
fenomenológica, atrelada à percepção do indivíduo, a partir da
experiência do indivíduo que olha, sente e reconhece o espaço como
expressivo e simbólico. E, abrindo a quarta porta (BESSE, 2014), a autora
desvendou “o ato de ver a paisagem como uma experiência sensível
entre o interno e o externo, uma abertura às qualidades sensíveis do
mundo, um encontro entre o homem e o mundo que o cerca (ROSA,
2021, p. 62).
A paisagem também pode ser uma experiência sensível entre o
interno e o externo, dos nossos sentidos com o mundo que nos cerca
130

(BESSE, 2014). Restringindo-nos à paisagem fluvial, essa experiência


multissensorial nas cidades tem um potencial maior ainda, pois os rios
nos estimulam em vários sentidos e, se incluídos no planejamento
urbano de forma adequada, são capazes de enriquecer os estímulos
sensoriais que as cidades têm a nos oferecer (ROSA, 2021, p. 52).
Para perceber como o rio Tietê está presente no imaginário das
pessoas Rosa (2021) aplicou 270 questionários em Barra Bonita e 276
em Pederneiras. Tanto em Barra Bonita como em Pederneiras, mais de
99% das pessoas consideram o rio Tietê como um elemento importante
na paisagem urbana e mais de 81% o consideram como uma opção
interessante de lazer. Em relação ao vínculo afetivo, a porcentagem foi
muito semelhante para ambas as cidades: 59,3% (em Barra Bonita) e
53% (em Pederneiras) declararam ter algum carinho ou memória em
relação ao rio. Entre os vínculos, o mais citado foi a memória da infância.
Mesmo com cidades se desenvolvendo de formas distintas, o Tietê foi
cenário de muitos acontecimentos especiais durante a infância e está
presente no imaginário de muitas pessoas.
Em relação aos usos, em Barra Bonita, o passeio na orla do rio e
nos espaços públicos foi assinalada como a primeira opção de lazer
(71,6%), enquanto em Pederneiras esse tópico foi a opção menos
assinalada (12,8%), devido ao fato do rio não estar facilmente acessível
ao público, no dia a dia. Como se encontra fora da área urbana, o acesso
é difícil, pois não há transporte público disponível, restando apenas a
opção de acesso por carro particular; por esse motivo, o rio Tietê é uma
opção de lazer geralmente em feriados, finais de semana e férias. Já em
Barra Bonita, por sua vez, o rio está localizado no centro da cidade e por
isso está presente no cotidiano das pessoas, sendo a opção mais
assinalada pela população como forma de lazer (71,6%) (ROSA, 2021).
O questionário também apresentou 17 palavras, no qual foi
solicitado para que cada entrevistado escolhesse as palavras, dentre as
disponíveis, que considerasse como influência do rio na cidade e/ou em
suas vidas pessoais. O resultado demonstrou que em ambas as cidades,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 131

as pessoas associam o Tietê a fatores positivos mais que a negativos e


que o fato de o núcleo urbano de Pederneiras estar afastado do rio, não
diminuiu a importância do mesmo para as pessoas. Segundo a
percepção das pessoas, enquanto o turismo tem um papel de destaque
na relação com o Tietê em Barra Bonita, em Pederneiras, a protagonista
é a hidrovia. Enquanto em Barra Bonita as pessoas estão diariamente
interagindo com o rio e o Tietê é o cartão postal e a principal atração da
cidade, em Pederneiras sua importância está mais vinculada aos
benefícios gerados pela presença do Terminal Intermodal de Cargas da
Hidrovia (ROSA, 2021). Finalmente, a última pergunta do questionário,
solicitava ao entrevistado que assinalasse no mapa um ponto da área
marginal que ele apreciava mais e outro que menos apreciava, como
pode ser observado na Figura 7.

Figura 7 – Barra Bonita e rio Tietê: pontos de preferência e de rejeição

Fonte: Rosa (2021, p. 210).

Para Rosa (2021), a partir do resultado dessas entrevistas foi


possível perceber que a população de Barra Bonita possui uma relação
132

muito forte com o rio no contexto da paisagem urbana. Porém, embora


a população considere o rio como parte essencial da cidade e tenha um
vínculo afetivo muito forte, há muito ainda a ser aperfeiçoado e
explorado, principalmente considerando o contexto socioambiental. A
expansão do tratamento de esgoto de 25% para 100% é uma medida
que foi concretizada em 2019 e que com certeza vai permitir que outros
aspectos apontados pela população sejam aperfeiçoados como o uso
do rio para nadar, além dos esportes aquáticos.
Considerando o potencial turístico da cidade, com a inclusão
desses novos usos será possível explorar novas formas de turismo e,
consequentemente, impulsionar a economia da cidade. Do mesmo
modo, é necessária a criação de infraestrutura compatível ao turismo,
como a implantação de hotéis, campings, bares e restaurantes que
atraiam novos visitantes (ROSA, 2021).

PAISAGEM COMO PROJETO: OS PARQUES LINEARES

Projetar com a paisagem seria a descrição e invenção, proposição


e revelação de uma forma que já existe, potencialmente esboçada, no
espaço, segundo Besse (2018, p. 72). O autor menciona quatro tópicos
necessários para agir com a paisagem: situação, conhecimento,
referências e ideia. O primeiro tópico aborda a importância de
entendermos o contexto da área para projeto: história, política, leis,
mas também o relevo, o clima, os aspectos topográficos e geológicos; o
segundo convida o profissional que está projetando a ter um
conhecimento técnico da área, seja por meio da fotografia, cartografia,
escrita, mas principalmente do ponto de vista experiencial, por meio de
uma visita ao local para sentir o terreno; o terceiro refere -se não
somente a buscar exemplos de projetos, mas também obter referências
científicas ou políticas, entre outras; por último temos a ideia que trata
principalmente de inventar, encontrando o que já estava ali (BESSE,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 133

2018, p. 73-81). O projeto de paisagem seria, portanto, criar algo que já


estava ali.

Projetar a paisagem seria, ao mesmo tempo, pô-la em imagem ou


representá-la (projeção) e imaginar o que poderia ser ou vir a ser
(projetação). Essa ambiguidade, ou essa circularidade, é constitutiva da
própria noção de projeto no pensamento da paisagem. Ela dá ênfase às
duas dimensões contidas no ato do projeto: testemunhar, de um lado, e
modificar, do outro. (BESSE, 2014, p. 60).

As intervenções na paisagem se desenvolvem principalmente


seguindo três direções, que não se excluem: o solo, o território e o
entorno natural. “O solo é o efeito de uma construção histórica, que
traz toda uma superposição de passados e que é, ao mesmo tempo,
uma reserva para energias futuras.” (BESSE, 2014, p. 58).
A partir desta compreensão, ao valorizar as características
próprias e as suas potencialidades, é que as intervenções nos rios
urbanos poderão superar a dicotomia entre o natural e o construído,
pois o projeto não justifica a natureza, mas a interpreta; não explica a
paisagem, mas a constrói; não delimita o lugar, mas o qualifica (LEITE,
1998). Para a mesma autora, o uso decodifica o projeto, conferindo
identidade ao lugar. Portanto, os lugares são portadores de marcas
deixadas por projetos individuais ou coletivos que contribuem para sua
identificação. Nesse sentido, o espaço transforma-se em lugar através
do uso.
A cidade de Curitiba foi precursora na questão dos rios urbanos,
pois instituiu o Decreto 400 em 1976, regulamentando os Setores
Especiais de Preservação de Fundos de Vale. Durante a década de 1990,
na formulação dos novos planos diretores solicitados pela Constituição
de 1988, é introduzida a ideia da criação de parques lineares ao longo
de rios urbanos, que “acaba sendo adotada em diversas oportunidades,
induzindo a criação em muitos centros urbanos de parques lineares e
estoques de terras destinados a conservação de águas e vegetação
ribeirinha” (MACEDO, 2012). O mesmo autor comenta que a
134

conservação dos recursos hídricos urbanos passa, necessariamente,


pela apropriação cotidiana do recurso e pela sua qualificação
paisagística, sendo que somente a partir do século XXI que se
configuraram algumas ações que de fato buscaram uma convivência do
cidadão, incentivando seu uso social ao mesmo tempo da conservação
da água e da mata ciliar. As ações não irão recuperar o córrego como
era originalmente, mas ao menos irão “vivificar sua memória, ao
integrar seus rastros à rede de espaços livres, verdes ou não... como
convém a tudo o que é público” (BARTALINI, 2009, n.p).
Observou-se que, nos casos das cidades do oeste paulista que
criaram parques junto a seus cursos d’água, houve uma diminuição de
episódios de enchentes e inundações. A implantação de parques,
equipamentos sociais e de lazer em áreas de fundos de vale apresenta
bons resultados no uso pela população, além de evitar que estas áreas
sejam invadidas ou degradadas.
Trazer a natureza para a cidade é essencial para conscientizar
sobre a importância da preservação ambiental. Os rios são importantes
corredores biológicos que permitem a presença e a circulação da flora
e da fauna no interior das cidades. As bacias hidrográficas são
elementos estruturadores dos espaços livres públicos possibilitando a
conexão com as áreas de expansão das cidades, segundo Costa (2006b).
A autora completa dizendo que “a importância da visibilidade, do
acesso público e da conectividade das estruturas ambientais”
contribuem para a “construção da identidade dos lugares, a partir das
quais eles se tornam legíveis e passíveis de apropriação em termos
culturais e simbólicos” (COSTA, 2006b, p.154-155).
Nesse sentido concordamos com Serrão (2013), que considera
um desafio para a arquitetura da paisagem que busca “renaturalizar,
para devolver às paisagens empobrecidas e degradadas a capacidade
de se desenvolverem novamente por si, retomando os processos de
crescimento e de autorregeneração imanentes de que foram privadas”
(SERRÃO, 2013, p. 24).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 135

No momento atual em que a água representa um fator essencial para a


sobrevivência dos sistemas sociais e ecológicos, em que sua escassez e
os conflitos pelo seu uso constituem um dos maiores problemas da
atualidade, ameaçando as condições de equilíbrio geoestratégico do
planeta, torna-se urgente uma reflexão profunda e abrangente sobre
questões como a sua proteção e conservação, a limitação nos usos e a
sua poupança e eficiência. Neste quadro a Arquitetura deve
desempenhar um papel relevante, enquanto expressão física, simbólica
e poética de realizações humanas baseadas na percepção do espaço e
do lugar, na procura de uma relação harmoniosa com a natureza e seus
respectivos elementos. (SARAIVA, 2005, p.21).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Lendo a paisagem dos rios urbanos a partir dos modos de


organização do espaço e da história do lugar, constatamos que para que
os rios – uma permanência na paisagem – possam ser valorizados pela
população é necessário um trabalho de conscientização e elaboração
de projetos participativos que qualifiquem o lugar, mais do que a
simples aprovação de leis e regulamentos. Quando são criados parques
lineares – uma intervenção de baixo impacto ambiental – e recuperada
a mata ciliar, há uma diminuição de episódios de enchentes e
inundações, contribuindo para a drenagem urbana, o que não acontece
quando os cursos d´água são canalizados. Portanto, para manter estes
ecossistemas para o futuro, “estas estruturas ambientais da paisagem
(as águas) devem estar visíveis no desenho e na nossa experiência
cotidiana da cidade” (COSTA, 2006b, p. 154). Nesse sentido, as
interações potencializam-se à medida que os cursos d’água adquirem
maior visibilidade e acessibilidade.
De acordo com a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas
(ONU, 2015), em relação aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
(ODS), é fundamental “tornar as cidades e os assentamentos humanos
inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis” (ODS 11) e “assegurar a
disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos”
136

(ODS 6), visando a proteger e restaurar ecossistemas relacionados com


a água, incluindo os rios, aquíferos e lagos. Nesse sentido é fundamental
a articulação entre as políticas urbanas e a ambiental em nossas
cidades.
Assim sendo, analisar a interação rio-cidade a partir do ponto de
vista da paisagem possibilita agregar os meios naturais, culturais e
históricos, pois o caráter essencial da paisagem é a sua dinâmica
relacional, concordando com Besse (2018), para o qual a paisagem é
acima de tudo constituída de relações. O autor considera que a
“paisagem é o espaço das metamorfoses: na paisagem, a natureza, o
território e o olhar se congregam e, nesta associação, se transformam”
(BESSE, 2018, p. 11). Nas intervenções projetuais, portanto, é
necessário agir com a paisagem levando em conta a adaptação às
situações que se transformam continuamente e o diálogo com o que já
existe no lugar.
Compreender esta relação, porém, não é apenas observar seus
aspectos físicos, mas analisar como os rios se inserem no contexto do
lugar e como essa noção foi alterada ao longo da história, considerando
a memória do local e das pessoas que nele se inserem, uma vez que,
conforme Serrão (2014, p. 26), a “paisagem não é a natureza (em si)
nem o humano (para si), mas o ponto de encontro de homem e
natureza”.

REFERÊNCIAS

ANELLI, R.L.S. Uma nova cidade para as águas urbanas. Estudos Avançados, n.29, p.69-84, 2017
AZEVEDO, P. C. de. As paisagens do ribeirão Tatu: as idiossincrasias, as confluências e as
possibilidades em Limeira-SP, 2021. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) –
Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Universidade Estadual Paulista,
2021.
BARTALINI, V. Os córregos ocultos e a rede de espaços públicos urbanos. Arquitextos, São Paulo,
n. 106.01, Vitruvius, mar. 2009. Disponível em:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.106/64. Acesso em: 01 maio
2020.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 137

BERTRAND, G. Le paysage entre la nature et la société. Revue Géographique des Pyrénées et du


Sud-Ouest, n. 49, f. 2 , p. 239-258, 1978. DOI : https://doi.org/10.3406/rgpso.1978.3552
BESSE, J. M. Cohabiting with the Landscape. In: SERRÃO, A.V.; REKER, M. Philosophy of
landscape: think, walk, act. Lisboa: CEUL, 2019. p. 257-267.
BESSE, J.M. La nécessité du paysage. Marseille: Parentheses, 2018.
BESSE, J. M. O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2014.
BONESIO, L. Elogio da conservação. In: SERRÃO, A.V. Filosofia da paisagem. Lisboa: CFUL, 2011.
p. 443-473.
BRAGA, B.; TUCCI, C.; TOZZI, M. Drenagem urbana. Gerenciamento, simulação, controle. Porto
Alegre: UFRGS/ ABRH, 1998.
CASTELLO, L. A percepção em análises ambientais – o projeto MAB/UNESCO em Porto Alegre. In:
DEL RIO, V.; OLIVEIRA, L. de (orgs). Percepção ambiental – experiência brasileira. São Paulo:
Studio Nobel, 1996.
CONSTANTINO, N.R.T. A estrutura agrária na formação do tecido urbano das cidades do oeste
paulista. In: SALGADO, I.; BERTONI, A. (org.). Da construção do território ao planejamento
das cidades: competências técnicas e saberes profissionais na Europa e nas Américas (1850-
1930). São Carlos: Rima, 2010. p. 35-49.
CONSTANTINO, N.R.T. A construção da Paisagem de fundos de vale em cidades do oeste paulista.
Relatório de Pesquisa. Processo FAPESP n. 2012/50098-4. Bauru: Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo, 2014.
CONSTANTINO, N.R.T.; NISHIMURA, K. Y.; COSTA, L. R. Rios e cidades: transformações e
intervenções. In: BENINCASA, V.; SALCEDO, R.F.B.; GOMES, S.H.T. (org.). Arquitetura,
urbanismo e paisagismo: novos contextos e desafios. v. 5. São Paulo: Cultura Acadêmica,
2019. p. 1-16.
COSTA, L. M.; MONTEIRO, P. M. Rios urbanos e valores ambientais. In: DEL RIO, V.; DUARTE, C. R.;
RHEINGANTZ, P. A. Projeto do lugar: colaboração entre psicologia, arquitetura e urbanismo.
Rio de Janeiro: ContraCapa/PROARQ, 2002. p. 291-298.
COSTA, L.M.S.A. (org.) Rios e paisagens urbanas. Rio de Janeiro: PROURB/UFRJ, 2006.
COSTA, L.M.S. A paisagem em movimento. In: MACHADO, D. B. P. (org.). Sobre urbanismo. Rio de
Janeiro: Viana & Mosley / PROURB, 2006b. p. 154-163.
COUNCIL OF EUROPE. 2000, Florença. European Landscape Convention, Florença, 2000.
Disponível em:
https://rm.coe.int/CoERMPublicCommonSearchServices/DisplayDCTMContent?
documentId=09000016802f3fb7. Acesso em: 27 agosto 2021.
FEBVRE, L. O Reno: história, mitos e realidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
FERRARI, L. L`Acqua nel paesaggio urbano – letture, esplorazioni, ricerche, scenari. 2004. Tese
(Dottorato in Projettazione Paesistica) – Facoltà di Architettura da Università Degli Studi di
Firenze, 2004.
FRANCO, M.A.R. Planejamento ambiental para a cidade sustentável. São Paulo:
AnnaBlume/FAPESP, 2002.
HOLANDA, F. Arquitetura sociológica. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 9, n.
1, p. 115-129, 2007.
JACKSON, J. B. Discovering the vernacular landscape. New Haven: Yale University, 1984.
138

HOUGH, M. Naturaleza y Ciudad: planificación urbana y procesos ecológicos. Barcelona: Gustavo


Gilli, 1998.
LEITE, M. A. F. P. Projeto e uso dos espaços públicos, o código e a i nterpretação. In: OLIVEIRA,
A.C.; FETRINE, Y. Visualidades, urbanidade, intertextualidade. São Paulo: Hacker, 1998. p.
65-75.
MACEDO, S. S. Paisagismo brasileiro na virada do século 1990-2000. São Paulo: Edusp, 2012.
MANNING, O. Design imperatives for river landscapes. Landscape Research, n. 22, p. 67-94,
1997.
MEINIG, D.W. The beholding eye: ten versions of the same scene. In: MEINIG, D.W. The
interpretation of ordinary landscapes. Oxford-GB: Oxford University Press, 1979.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ONU. Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável,
2015. Traduzido pelo Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil. Disponível em:
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 07 julho 2020
ROSA, G. Por uma ressignificação do rio Tietê no oeste paulista: Barra Bonita e Pederneiras-SP,
2020. Dissertação (mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura,
Artes, Comunicação e Design da Universidade Estadual Paulista, 2020.
SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.
SARAIVA, M.G.A.N. Da paisagem à arquitectura – um percurso através da água. Cadernos da
Faculdade de Arquitectura da Universidade Tecnica de Lisboa – Arquitectura, Paisagem e
Água, Lisboa, n. 4, p. 20-33, 2005.
SCHLEE, M. B.; NUNES, M. J.; REGO, A. Q. et al. Sistema de espaços livres nas cidades brasileiras.
Paisagem e Ambiente, São Paulo, n. 26, p. 225-247, 2009.
SERRÃO, A. V.; REKER, M. Philosophy of landscape: think, walk, act. Lisboa: CEUL, 2019.
SERRÃO, A.V. (coord.). Filosofia e arquitetura da paisagem: intervenções. Lisboa: Centro de
Filosofia da Universidade de Lisboa, 2013.
SERRÃO, A.V. Paisagem e ambiente: uma distinção conceptual. Enrahonar Quaderns de Filosofia,
n. 53, p. 15-28, 2014. Disponível em: http://dx.doi.org/105565/rev/enrahonar.200. Acesso
em: 12 março 2020.
SPIRN, A. O jardim de granito. São Paulo: Edusp, 1995.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 139

Capítulo 5

PAISAGEM CANCELADA E ASSÉDIO URBANÍSTICO:


O CASO DO PORTO MARAVILHA NO RIO DE JANEIRO

Cristovão Fernandes Duarte22

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende analisar os impactos produzidos


sobre a paisagem urbana da região portuária do Rio de Janeiro a partir
da implementação da Operação Urbana Consorciada, conhecida como
“Porto Maravilha”, aprovada pela Lei Complementar nº 101, de 23 de
novembro de 2009. Estendendo-se por cerca de 5 milhões de metros
quadrados e abrangendo a totalidade dos bairros da Saúde, Gamboa e
Santo Cristo, que compõem a Região Portuária, o Porto Maravilha foi
apresentado aos cariocas como a maior Operação Urbana Consorciada
do Brasil. Sua implementação ficou a cargo do consórcio “Porto Novo”
formado pelas empresas Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia, sob a
coordenadoria da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região
do Porto do Rio de Janeiro (CDURP).
A cidade vivia um período de grande excepcionalidade, tendo
sido recém-eleita para sediar os Jogos Olímpicos de 201623, em meio
aos preparativos para a realização da Copa do Mundo de Futebol de
2014. O montante dos recursos disponível para investimentos na cidade
não encontrava precedentes históricos, sobretudo se levarmos em

22 Doutor em Planejamento Urbano e Regional IPPUR-UFRJ. Mestre em Urbanismo pelo


PROURB/FAU-UFRJ. Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-UFRJ. Professor Associado
do PROURB/ FAU-UFRJ. E-mail: cristovaoduarte@fau.ufrj.br
23 A escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 foi anunciada

pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em Copenhague, no dia 02/10/2009.


140

conta o curto espaço de tempo em que deveriam ser implementados.


Se tomarmos em conta apenas os valores oficialmente declarados,
relativos ao custo das Olimpíadas de 2016, chega-se à casa dos 40
bilhões de reais. Tais investimentos representavam, no ano de 2010,
duas vezes e meia o total anual da arrecadação da cidade ou, ainda, 25%
do PIB carioca24 .
Além da construção de instalações esportivas para os jogos, o
elenco de obras prioritárias compreendia: a construção, implantação e
operação de quatro linhas de BRT – Transoeste, Transcarioca,
Transolímpica e Transbrasil, a duplicação do Elevado do Joá, o Porto
Olímpico, o Parque Olímpico, a construção do Museu do Amanhã e
Museu de Arte do Rio (MAR), entre outras. Vale destacar entre as obras
posteriormente adicionadas ao “pacote olímpico”, a construção de um
campo de golfe na Área de Proteção Ambiental de Marapendi (APA
Marapendi), às margens da Lagoa de mesmo nome.
A estratégia adotada pela Prefeitura da Cidade para justificar o
caráter prioritário da Operação Urbana Consorciada do Porto Maravilha
e, assim, legitimá-la junto à opinião pública, foi associá-la ao conjunto
de obras previstas para a realização dos Jogos Olímpicos. O vínculo
inicialmente estabelecido entre as Olimpíadas e as obras de reabilitação
urbana da região portuária consistiu na alegação por parte da Prefeitura
de que a Vila de Mídia e dos Árbitros seria construída como parte das
intervenções do Porto Maravilha, no bairro de Santo Cristo. Tal fato,
como se verificou posteriormente, não se concretizou como o
prometido, tendo a Vila dos Árbitros sido construída na zona oeste da
cidade, mais próximo, portanto, do Parque Olímpico, onde se realizaria
grande parte dos jogos.
Para a abordagem aqui pretendida, o trabalho foi estruturado em
três grandes blocos. O primeiro consiste numa breve notícia histórica

24De acordo com dados do Portal Rio Transparente (http://riotransparente.rio.rj.gov.br/) para o


ano de 2010, o PIB carioca foi da ordem de 150 bilhões de reais, enquanto o total da arrecadação
municipal atingiu a marca de 15 bilhões de reais.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 141

da formação da área em estudo, balizando, através de plantas históricas


e do acervo edificado, o processo de consolidação urbana do
patrimônio cultural e industrial da Região Portuária do Rio de Janeiro.
O segundo bloco pretende apresentar, ainda que de forma sucinta, o
elenco de propostas desenvolvidas pela OUC Porto Maravilha. Na
sequência veremos como se deu a implementação daquelas propostas,
bem como os impactos produzidos. O terceiro e último bloco, apresenta
imagens do Google Street View, contrastando imagens anteriores e
posteriores às intervenções implementadas, visando a documentar o
processo de “cancelamento” da paisagem que dá título ao presente
trabalho.
As expressões “cancelamento da paisagem” e “assédio
urbanístico” são aqui utilizadas para enfatizar a forma pela qual
determinados projetos de intervenção urbana, como a OUC do Porto
Maravilha, promovem a destruição do patrimônio cultural e o
apagamento da memória coletiva, ao desconsiderar e desvalorizar a
cidade preexistente. Trata-se, em geral, de projetos voltados para o
atendimento de interesses particulares de grupos privados, assumindo,
inevitavelmente, um caráter autoritário, avesso ao debate democrático
e sem a participação de especialistas, moradores e outros atores sociais.
Dessa forma, esses projetos afirmam-se como, supostamente, capazes
de resolver todos os problemas da cidade, preconizando, para tanto, a
substituição da cidade existente por uma cidade idealizada, construída
ex nihilo, onde tudo funcionaria perfeitamente. Contudo, as soluções
impostas de cima para baixo acabam por criar novos problemas, além
de agravar aqueles já existentes. Tal processo gera graves e continuados
danos econômicos, sociais e culturais para as cidades, justificando-se,
dessa forma as metáforas do assédio urbanístico e do cancelamento da
paisagem.
142

FORMAÇÃO HISTÓRICA DA ZONA PORTUÁRIA

Após a fundação da cidade em 1565, seus primeiros habitantes


passaram a ocupar as encostas do Morro do Castelo. Nos anos que se
seguiram a cidade se espraia, descendo para a planície. Assim, a partir
do século XVII, o núcleo urbano pioneiro da cidade passa a ocupar uma
área confinada a sul pelos morros do Castelo e Santo Antônio e a norte,
pelos morros de São Bento e Conceição, desenvolvendo-se,
progressivamente, das margens da Baía de Guanabara até o Mangal de
São Diogo, que representou até o início do século XIX um obstáculo à
expansão da cidade na direção oeste.
Entre o Morro de São Bento e o Morro do Castelo é aberta a Rua
Direita (atual Primeiro de Março), a principal via da cidade até finais do
século XIX. A meio da Rua Direita, numa área aterrada às margens da
Baía, surge o Largo do Carmo (atual Pça. XV de Novembro). O nome
original decorreu de sua localização em frente à Igreja e ao Convento
de Nossa Senhora do Carmo. Aí se construiu o principal cais da cidade,
onde chegavam mercadorias, visitantes ilustres e pessoas escravizadas.
A localização estratégica dessa grande praça aberta para o mar e
principal ponto de embarque e desembarque, faria dela o centro de
decisão política da cidade. Nela se construiria a Casa da Moeda e o Real
Armazém, transformado depois no Palácio dos Governadores (1743),
depois em Palácio dos Vice-Reis (1763) e, quando da chegada da Corte
portuguesa em 1808, no Paço Real.
A transformação do Rio de Janeiro em capital da Colônia a partir
de 1763, revela e confirma o protagonismo da cidade como entreposto
do comércio de pessoas escravizadas e escoadouro do ouro de Minas
Gerais para a Metrópole.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 143

Figura 1 – Panorama da cidade do Rio de Janeiro, Emil Bauch, 1873

Fonte: Fundação Biblioteca Nacional – BNDigital. Disponível em:


http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon255675/icon255675.jpg.
Acesso em: 12 jan. 2022.

Em meados da década de 1770, com a construção do Cais do


Valongo, o embarque e desembarque de pessoas escravizadas e
mercadorias seria transferido para a estreita faixa litorânea entre a Baía
e o enfileiramento dos morros situados a norte do núcleo pioneiro da
cidade, onde no correr do século XVII já haviam surgido as primeiras
ruas e edificações dos futuros bairros da Saúde e Gamboa.
O marco histórico mais antigo e ainda presente na paisagem da
zona portuária é a Igreja de São Francisco da Prainha, construída em
1696 no bairro da Saúde, sobre um promontório nas encostas do Morro
da Conceição. A fachada atual data, fundamentalmente, da
reconstrução da Igreja, ocorrida em 1740.
144

Figura 2 – Igreja de São Francisco da Prainha

Fonte: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Disponível em:


http://www.rio.rj.gov.br/web/portaldoservidor. Acesso em: 14 fev. 2022.

Geograficamente isolados do resto da cidade pelo paredão


formado, sobretudo, pelos Morros da Conceição e Livramento, os
bairros da Saúde e Gamboa se consolidam como zona portuária da
cidade (SEGRE; ORTIZ, 2010, p. 120). Convenientemente abrigadas das
vistas da elite da cidade, puderam aí se desenvolver atividades
consideradas menos nobres, como o trabalho braçal dos estivadores do
cais do porto, a presença dos tripulantes das embarcações, a
prostituição e, sobretudo, a chegada de pessoas escravizadas trazidas
pelos navios negreiros. O sepultamento dos que adoeciam e morriam
passou a ser feito no cemitério dos Pretos Novos, instalado na zona
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 145

portuária, numa área afastada e pouco habitada junto ao Saco da


Gamboa25 .
De acordo com Honorato, não existia uma construção que
centralizasse de forma exclusiva o mercado de pessoas escravizadas. A
compra e venda dos recém-chegados era desenvolvida em uma série de
lojas comerciais situadas nos dois lados de algumas ruas próximas ao
Cais do Valongo. Os escravizados ficavam em exposição no térreo (que
podia se estender até o quintal), deixando-se o pavimento superior
reservado para a habitação do proprietário e sua família (2008, p. 74).
A transferência do mercado de pessoas escravizadas para a
região do Valongo contribuiu de forma significativa para a consolidação
das atividades comerciais e portuárias da região (2008, p. 142). Como
consequência imediata dos condicionantes acima descritos, a zona
portuária se tornaria uma região destinada à moradia da classe
trabalhadora e com uma população formada majoritariamente por
afrodescendentes. À população local juntaram-se negros libertos que
chegavam do recôncavo baiano à procura de trabalho e moradia.
“Pequena África” foi, como o sambista e compositor Heitor dos Prazeres
denominou, os arredores da Pedra do Sal no bairro da Saúde. Marco
simbólico e reduto de resistência da cultura afro-brasileira no Rio de
Janeiro, aí a comunidade se reunia em festas populares, rodas de samba
e de capoeira.
As grandes transformações sofridas pela cidade com a chegada
da família real no início do século XIX refletiram-se também sobre a
zona portuária. Entre as primeiras decisões reais destaca-se a Abertura
dos Portos às Nações Amigas decretada em 1808, ano da chegada de D.
João. Tal medida produziu um incremento às atividades portuárias e,
consequentemente, a ampliação do processo de urbanização e
desenvolvimento da Saúde, da Gamboa, do Saco do Alferes (local onde

25Desativado, o cemitério foi encoberto pela malha urbana. Somente em 1996, o Cemitério dos
Pretos Novos foi redescoberto, revelando sua localização. No local está instalado o Instituto dos
Pretos Novos (IPN). Disponível em: http://www.pretosnovos.com.br. Acesso em: 3 jan. 2022.
146

posteriormente surgiria o bairro de Santo Cristo) e da praia Formosa


(atual Av. Francisco Bicalho).
Com a proibição do tráfico negreiro em 1831, o Cais do Valongo
continuou funcionando normalmente voltado para o embarque e
desembarque de passageiros e mercadorias. Embora proibido, o tráfico
escravista manteve-se como atividade clandestina em declínio até sua
extinção em meados do século XIX.
No ano de 1843, em face do progressivo assoreamento da orla, o
Cais do Valongo foi aterrado, sendo construído um novo cais.
Denominado Cais da Imperatriz, foi construído para receber a princesa
napolitana Teresa Cristina Maria de Bourbon, que viria a se tornar a
Imperatriz do Brasil (IPHAN, 2016, p. 34).
Mais tarde, em 1871, é construído à beira mar as Docas de D.
Pedro II, um armazém de grande porte, projetado e construído pelo
engenheiro André Rebouças. Negro e abolicionista, Rebouças fez
constar no contrato da construção do edifício uma cláusula proibindo a
utilização de negros cativos. Um incêndio destruiu grande parte do
edifício em 1919. Reconstruído em 1920, o edifício encontra-se
tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) em razão de seus significados históricos, como símbolo da luta
pelo fim da escravidão. Em 2003, o Armazém Docas de D. Pedro II foi
cedido pelo governo federal para abrigar as atividades da ONG Ação
pela Cidadania. Desde então, o prédio passou a ser conhecido como
Galpão da Cidadania.
Ainda no final do século XIX é fundado o Moinho Fluminense, a
primeira fábrica de moagem de trigo do Brasil. Sua importância para a
atividade econômica do porto pode ser avaliada pelo fato de que seu
alvará foi concedido pela Princesa Isabel (CHIAVARI, 2021). A
inauguração do prédio ocorre em 1887 com a construção de um edifício
monumental para época, como um exemplar da arquitetura fabril
inglesa. O edifício principal e o silo ocupam a quadra lindeira à Praça da
Harmonia, estendendo-se da rua Sacadura Cabral (antiga rua da
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 147

Prainha) até às margens da baía. Com os sucessivos aterros da zona


portuária no início do século XX, o complexo industrial do Moinho
Fluminense foi sendo acrescido de novas edificações, interligadas por
passadiços sobre as novas ruas até a Av. Rodrigues Alves, junto aos
novos armazéns do cais do Porto.
Com a Proclamação da República (1889), a cidade, agora elevada
à condição de Distrito Federal, viveria um período de grandes
transformações. No início do século XX, concomitantemente com a
Reforma da área central levada a cabo pela administração do
Intendente Pereira Passos (1902-1906), a Zona Portuária foi
radicalmente transformada por vultuosos investimentos do governo
federal. Uma grande faixa de aterro preencheu o espaço entre a antiga
orla sinuosa e o cais retificado do novo porto da cidade. Sobre a área de
aterro foi implantada uma nova malha viária de amplas ruas e avenidas
retilíneas, circunscrevendo quadras estreitas e compridas
preponderantemente subordinadas às atividades portuárias e à
circulação de veículos de carga e descarga. Nessas quadras construíram-
se galpões industriais e armazéns destinados ao processamento e
estocagem de mercadorias. O gigantismo assumido pelo novo traçado
viário mantém-se ainda hoje perfeitamente legível na planta cadastral
urbana, contrastando fortemente com o tecido urbano preexistente.
148

Figura 3 – Planta Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 1923 (DET)

Fonte: Fundação Biblioteca Nacional – BNDigital. Disponível em:


http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart522721/cart522721.jpg.
Acesso em: 14 fev 2022.

A segunda metade do novecentos é inaugurada com as obras do


Elevado da Perimetral, construído em várias etapas entre o final dos
anos 1950 e início dos 1970. Trata-se de uma ligação expressa entre a
Avenida Brasil, a Ponte Rio Niterói, o Aeroporto Santos Dumont e as
pistas do Parque do Flamengo. Excetuando-se as alças de subida e
descida no bairro da Saúde, próximo à Av. Barão de Tefé, o elevado não
estabelecia nenhuma outra ligação com os bairros portuários da
Gamboa e Santo Cristo. Junto ao largo da igrejinha de Santo Cristo,
deságua também o fluxo motorizado carreado da zona sul da cidade
pelo viaduto São Sebastião, ligado ao túnel Santa Bárbara, construído
na década de 1960.
A decadência das atividades portuárias e a obsolescência das
infraestruturas existentes começam a se fazer notar a partir dos anos
1970, sobretudo, em razão dos efeitos produzidos pela
“conteinerização” do transporte internacional de mercadorias. Calados
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 149

mais profundos para receber navios cada vez maiores, bem como a
construção de áreas retro portuárias para empilhamento e transporte
de contêineres foram exigências que alteraram de forma radical a
operação das atividades portuárias, bem como a relação
tradicionalmente estabelecida entre porto e cidade (VASCONCELLOS;
SILVA, 2009). Ressalte-se ainda a crescente subutilização dos armazéns
e galpões existentes na Zona Portuária.
Sobre a fase de estagnação e obsolescência vivida pela Zona
Portuária, Carlos (2010) afirma que:

A falta de investimentos públicos em infraestrutura urbana, combinada com


uma legislação de uso e ocupação do solo urbano permissiva aos usos
incompatíveis com o residencial, foram fatores decisivos para a deliberada
degradação da qualidade de vida nos bairros da Saúde, Gamboa e Santo
Cristo. (p. 39).

A criação em 1984 da Área de Proteção dos bairros da Saúde,


Santo Cristo, Gamboa e Centro (regulamentada em 1988), representou
uma vitória do movimento comunitário liderado pela associação de
Moradores da Saúde (AMAS) que conseguiu barrar o projeto de
“revitalização” elaborado pela Associação Comercial do Rio de Janeiro
no início dos anos 1980. A “revitalização” proposta consistia na
completa renovação urbana dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo
Cristo, por intermédio da liberação dos gabaritos permitidos para novas
edificações. Ainda segundo Carlos, “a iniciativa desconsiderava
completamente o conjunto arquitetônico existente, bem como o
contexto social e econômico da região” (Ibid.).
Se nos anos 1980 a zona portuária pode, por meio da mobilização
popular, impedir aquela primeira tentativa de cancelamento da
paisagem e apagamento da memória urbana, o mesmo não se passaria
com o Projeto Porto Maravilha, na segunda década do ano 2000.
150

PORTO MARAVILHA, UM MEGAEMPREENDIMEN TO IMOBILIÁRIO BASEADO


NA VERTICALIZAÇÃO E NO RODOVIARISMO

A Lei Complementar nº 101, de 23 de novembro de 2009, não


apenas autorizava o Poder Executivo a instituir a Operação Urbana
Consorciada da Região do Porto do Rio, como também introduzia
modificações no Plano Diretor da Cidade. A despeito da magnitude das
implicações de uma lei destinada a modificar o Plano Diretor, que
constitui a “carta magna” do município e principal instrumento da
política urbana, a Lei Complementar 101 de 2009 não passou pelo crivo
de um debate amplo, democrático e transparente. Redigida pelo
Executivo Municipal, foi aprovada em regime de urgência por
esmagadora maioria de vereadores na Câmara Municipal.
Como referido anteriormente, a Prefeitura apresentou a OUC do
Porto Maravilha como parte do conjunto de obras necessária à
preparação da cidade para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016.
Tal estratégia revelou-se extremamente eficaz, permitindo legitimar a
“revitalização” da zona portuária como uma prioridade de
investimentos públicos. De fato, apenas para a fase inicial da OUC,
relativa às obras de infraestrutura do porto, foram destinados 8 bilhões
de reais a serem pagos com recursos municipais.
Para Vainer (2011), o Rio de Janeiro estava submetido a um novo
tipo de regime urbano, por ele denominado “cidade de exceção”, no
qual torna-se regra a invisibilização dos processos decisórios, liberando-
os dos entraves decorrentes dos controles políticos e burocráticos.
Ainda segundo Vainer:

A cidade de exceção transforma o poder em instrumento para colocar a


cidade, de maneira direta e sem mediações na esfera da política, a serviço
do interesse privado de diferentes grupos de interesses. (2011, p. 11).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 151

Mesmo sem pretender pormenorizar aqui o texto da lei, vale um


breve comentário sobre as alterações relativas aos novos gabaritos
aprovados para a zona portuária.
O Anexo IV delimita a Área de Especial Interesse Urbanístico,
sobre a qual incidirá a OUC, em 14 setores que, no Anexo V, aparecem
subdivididos em 30 Subsetores. Em seguida, o Anexo V-B, apresenta o
QUADRO DE PARÂMETROS URBANÍSTICOS POR SUBSETOR, no qual são
indicados o gabarito máximo permitido, taxa de ocupação, Coeficiente
de Aproveitamento Básico (CAB) e Coeficiente de Aproveitamento
Máximo (CAM) para cada subsetor.
Cabe ressaltar que os subsetores com gabaritos máximos de até
18 metros de altura correspondem ao que estabeleceu a Área de
Proteção Ambiental (APA) em parte dos bairros da Saúde, Santo Cristo,
Gamboa e Centro, instituída pelo Decreto nº 7.351/1988. Deste modo,
de acordo com o Quadro do Anexo V-B, acima referido, dois subsetores
permitem gabaritos máximos de 7,5 m e 9,0 metros de altura, que
correspondem a uma edificação de até 2 pavimentos; na sequência,
existem 11 subsetores com gabaritos de 11 metros ou três pavimentos;
dois subsetores com gabaritos de 15 metros ou quatro pavimentos; 1
subsetor com gabarito de 18 metros ou cinco pavimentos; a partir daí
verifica-se um significativo aumento dos gabaritos máximos permitidos,
chegando a 60 metros de altura ou 20 pavimentos em parte de Santo
Cristo (subsetores B5, C4 e D3); 90 metros de altura ou 30 pavimentos
nas áreas da Saúde, Gamboa e lado par da Av. Presidente Vargas
(subsetores A3, B4 e E1); 120 metros de altura ou 40 pavimentos junto
à Av. Rodrigues Alves em Santo Cristo e numa área localizada no terreno
da Companhia Estadual de Gás – CEG (subsetores C2, D2, E2 e M3); e,
finalmente, 150 metros de altura ou 50 pavimentos ao longo da Av.
Francisco Bicalho (subsetores C3, D1, M1, M2).
A inédita elevação de gabaritos para os padrões usuais da cidade,
tinha por objetivo alavancar a venda dos certificados de potencial
adicional de construção (CEPACs), emitidos pelo município. De acordo
152

com Werneck (2017), trata-se de um novo tipo de especulação


imobiliária, “financeirizada”.
Como se depreende do Anexo V da referida lei que apresenta a
delimitação dos subsetores, os gabaritos mais elevados localizam-se
numa faixa praticamente contínua, junto à Av. Rodrigues Alves, que se
estende da Praça Mauá até a Av. Francisco Bicalho, atravessando todos
os bairros da zona portuária.

Figura 4 – Mapa de Subsetores com os gabaritos máximos permitidos

Fonte: CDURP (1988).

A venda das CEPACs como se verificaria mais tarde, estagnou em


torno de 10%, não possibilitando de imediato a plena concretização do
sonho da “Dubai Carioca”, como passou a ser popularmente chamado
o Porto Maravilha. Não obstante o fiasco do modelo de negócios
adotado, o impacto provocado pelas torres que chegaram a ser,
efetivamente, construídas nos permite atestar o equívoco do projeto,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 153

bem como sua incompatibilidade com a paisagem cultural existente na


região.
A estratégia de marketing urbano utilizada para atrair os
investimentos necessários para o sucesso daquele
megaempreendimento imobiliário (travestido de um projeto de
“revitalização urbana”) consistiu na criação de um evento
extraordinário que atraísse as atenções e o interesse do mercado. A
demolição do elevado da Perimetral foi o mote encontrado para
alavancar uma massiva propaganda através da grande mídia e da
internet sobre a OUC do Porto Maravilha. Tratava-se de uma
intervenção de grande envergadura, destinada a sinalizar a
irreversibilidade do processo de remodelação da área, assegurando
credibilidade e segurança necessárias para a adesão do mercado, o que,
por sua vez, confirmaria a expectativa de valorização imobiliária dos
seus promotores.
A ideia de demolir um viaduto de concreto e aço destinada ao
tráfego automotivo, símbolo anacrônico do rodoviarismo e fonte de
poluição sonora e atmosférica, conquistou não apenas o mercado, mas
também a opinião pública de uma maneira geral. Construiu-se a
narrativa de que a perimetral era o grande empecilho à modernização
e ao desenvolvimento da zona portuária, representando uma barreira
entre a cidade e a Baía de Guanabara. Desta forma, sua demolição
passou a ser vista como condição indispensável para o processo de
“revitalização urbana” pretendido.
154

Figura 5 – Implosão elevado da Perimetral

Fonte: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Disponível em:


http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?id=4474034 . Acesso em: 20
fev. 2022.

A implosão, em etapas, transformou-se num grande espetáculo


midiático, filmado e televisionado por vários ângulos diferentes. Ao
todo foram demolidos cerca de 5 quilômetros de viaduto, constituído
por toneladas de concreto e mais de mil vigas de aço, transformados
em poucos segundos em material de demolição, ao custo estimado de
1,5 bilhão de reais26 . Tratava-se, sem dúvida, de uma bem-sucedida
estratégia de marketing urbano.
Poucas vozes se levantaram, na época, em defesa de propostas
alternativas à demolição da estrutura do elevado. Destaque-se, entre
essas, um estudo preliminar desenvolvido em 2010 por professores e

26A estimativa de custo da demolição da Perimetral foi tirada do Relatório do Tribunal de Contas
da União (TCU: 007672/2012-8) acerca da demolição do Elevado da Perimetral. Disponível em:
https://tcu.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/315879484/767220128/inteiro-teor-
315879604?ref=topic_feed. Acesso em: 12 jan. 2022
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 155

alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, propondo a


utilização do elevado para a implantação de um sistema sobre trilhos,
mais econômico e sustentável, que aproveitava o trajeto do próprio
elevado para interligar o Aeroporto Tom Jobim, na Ilha do Governador,
ao Aeroporto Santos Dumont, no centro do Rio de Janeiro 27 . A proposta
foi apresentada à Companhia de Desenvolvimento da Região do Porto
(CDURP), que não demonstrou interesse em alterar os planos iniciais da
OUC do Porto Maravilha, sendo o primeiro trecho da Perimetral
implodido em novembro de 2013.
No lugar do Elevado da Perimetral foi implantada uma via
expressa com 6 faixas de rolamento que, conectada a um túnel
subterrâneo de cerca de 3,4 km de extensão, interliga a Rodoviária
Novo Rio às pistas do Parque do Flamengo, junto ao Aeroporto Santos
Dumont. O túnel Prefeito Marcello Alencar, como foi denominado,
constitui uma obra de engenharia monumental, tendo sua construção
iniciada antes mesmo da conclusão da demolição do viaduto. O túnel
possui duas galerias subterrâneas com três pistas cada uma: a galeria
que segue no sentido da rodoviária tem capacidade para 110 mil
veículos/dia, enquanto a galeria no sentido Parque do Flamengo, tem
capacidade para receber até 55 mil veículos/dia. Considerado o maior
túnel subterrâneo no país, foi construído às margens da Baía de
Guanabara, na área de aterro que ampliou as instalações portuárias no
início do século XX. O túnel atinge no ponto de maior profundidade a
cota de 40 metros abaixo do nível do mar, tendo sido dotado de um
sistema de drenagem composto por cisterna com capacidade útil para
armazenar 390 mil litros de água e quatro bombas, cada uma com

27De acordo com a equipe da UFRJ, o custo estimado para a implantação do monotrilho equivaleria
ao custo da demolição do elevado. O estudo preliminar previa a construção de estações de
passageiros ao longo do percurso, além da criação de parques lineares suspensos em pontos
específicos. Disponível em: http://novaperimetralrio.blogspot.com/. Acesso em: 2 jan. 2022.
156

capacidade de retirar 100 metros cúbicos de água por hora, com


elevados custos de operação e manutenção 28 .

Figura 6 – Via Expressa e Via Binário do Porto

Fonte: Desenho do autor sobre imagem Google Earth (2022).

Paralelamente à Via Expressa e estendendo-se por 3,5 km, foi


implantada a Via Binário do Porto. Como o nome indica, trata-se de uma
via dupla, possuindo três faixas no sentido Centro e outras três em
direção à Avenida Brasil e Ponte Rio-Niterói, destinadas ao tráfego que
cruza a zona portuária. Além de complementar o escoamento do fluxo
motorizado realizado pela Via Expressa, a Via Binário permite a
distribuição interna do trânsito na Zona Portuária do Rio de Janeiro já
que, ao contrário da Via Expressa, ela se encontra conectada com a
malha viária existente. Por esta razão, foi também possível utilizar
alguns trechos da via para implantar a linha 1 do VLT Carioca que liga a
Rodoviária Novo Rio ao Aeroporto Santos Dumont.
Para acessar a Via Binário a partir do Centro foi necessária a
construção de um segundo túnel subterrâneo, denominado Túnel Rio
450 anos. Estendendo-se por 1.480 m, o túnel atravessa o subsolo do
bairro da Saúde, desde a Rua Visconde de Inhaúma até a Rua Antônio
Lage, junto ao conjunto arquitetônico do Moinho Fluminense.

28Disponível em: http://www.portomaravilha.com.br/conteudo/imprensa/COLETIVA_FINAL.pdf


Acesso em: 12 jan. 2022.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 157

Ao atravessar o bairro da Gamboa as duas pistas da Via Binário


cruzam um terceiro túnel, o túnel Arquiteta Nina Rabha, escavado sob
o Morro da Saúde. Com 80 metros de extensão, o túnel possui duas
galerias destinadas ao tráfego de automóveis. Uma das galerias tem
como sentido o bairro da Saúde, enquanto a outra tem como sentido o
bairro do Santo Cristo. O túnel possui ainda uma terceira galeria central,
destinada exclusivamente à circulação do VLT.

Figura 7 – Via Binário e túnel Arquiteta Nina Rabha

Fonte – Google Street View (2022).

As obras acima apresentadas constituem, por assim dizer, o


conjunto de intervenções principais que estruturaram a OUC do Porto
Maravilha. Eles ocorreram sob o pano de fundo de um conjunto de
outras intervenções menos destacadas quais sejam a reurbanização de
vias existentes, pavimentação, drenagem, sinalização viária, iluminação
pública e paisagismo.
A mera apresentação das principais intervenções propostas pela
OUC permite constatar um constrangedor descompasso entre o
discurso preservacionista usado na propaganda do Porto Maravilha e os
reais objetivos perseguidos por seus promotores. Em nome do combate
158

à “cidade do automóvel”, simbolizada pelo Elevado da Perimetral, foi


implementado um programa ultrarrodoviarista com a implantação de
uma Via Expressa que atravessa indiferente uma área histórica
importante da cidade, a construção da Via Binário com duas novas
pistas para automóveis, além de dois túneis subterrâneos de grande
porte e um túnel escavado no Morro da Saúde, que abriga em seu cume
a igreja setecentista dedicada à Nossa Senhora da Saúde.
A ampliação do sistema viário da cidade preexistente implicou no
alargamento e redesenho de várias ruas da malha urbana existente para
absorver o volume de tráfego gerado pela demolição da Perimetral,
acarretando a eliminação parcial do traçado urbano original e o
desaparecimento de galpões industriais, armazéns portuários e outras
edificações que compõem, como registros documentais que são, a
memória urbana da zona portuária.
O desventramento do tecido urbano promovido pela OUC do
Porto Maravilha cumpriu a função de possibilitar/permitir o surgimento
de torres envidraçadas de até 50 andares, formando enclaves
corporativos, apartados da cidade envolvente. No entanto, o
gigantismo dos empreendimentos não obteve a resposta esperada por
parte do mercado. De acordo com pesquisa realizada pela consultoria
especializada Cushman & Wakefield, citada pelo jornal OGLOBO de
06/02/2018:

a região portuária registrou taxa de vacância de 83,5% no último trimestre


de 2017, mais que o dobro da taxa da cidade do Rio como um todo, que foi
de 40,7%. Com muitos escritórios vagos, os preços no Porto estão caindo. De
acordo com a consultoria, o preço médio na região caiu 11% em um ano,
para R$ 87,7 o metro quadrado 29 .

Vale, por fim, destacar que o Condomínio Residencial Porto Vida,


único empreendimento habitacional lançado durante as obras da OUC

29Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/predio-na-zona-portuaria-do-rio-vendido-


apos-tres-anos-vazio-22368638. Acesso em: 12 jan. 2022.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 159

do Porto Maravilha e cuja construção foi iniciada em 2017, permanece


até a presente data como um esqueleto de concreto armado, com as
obras paralisadas.

CANCELAMENTO DA PAISAGEM E ASSÉDIO URBANÍSTICO

Visando ilustrar, segundo a abordagem conceitual aqui proposta,


o processo de cancelamento da paisagem urbana e assédio urbanístico
na zona portuária do Rio de Janeiro, utilizaremos imagens retiradas do
Google Street View, anteriores e posteriores às intervenções
implementadas pela OUC do Porto Maravilha, além de outras imagens
publicadas na internet.
O primeiro conjunto de imagens mostra a av. Rodrigues Alves
antes e depois da derrubada do Elevado da Perimetral. A figura 8-a
corresponde a uma foto do Google Street View de novembro de 2011,
mostrando o Armazém 10, na Avenida Rodrigues Alves, ainda sob o
viaduto. Este armazém integra o conjunto de 18 armazéns portuários
que compõem o Cais da Gamboa, inaugurado em 1910, após a
conclusão das obras de expansão da zona portuária. Embora
construídos na mesma época com a mesma configuração arquitetônica,
apenas os armazéns 01, 02, 03, 04, 05, 06 e 07 encontram-se tombados
pela municipalidade.
Em acurado estudo sobre a tipologia arquitetônica dos armazéns
do Cais da Gamboa, no Porto do Rio, Lima e Mesentier (2020, p. 5)
demonstram a importância estratégica da preservação do patrimônio
industrial portuário, através do reuso de suas instalações.
160

Figuras 8-a e 8-b

Fonte – Google Street View (2011; 2017).

Destaca-se na fachada dos armazéns o beiral suportado por mãos


francesas em ferro trabalhado, que além de proteger a área de carga e
descarga onde estacionavam os caminhões, constituíam também
elementos compositivos de ornamentação da fachada.
Com a implantação da via expressa junto à fachada dos armazéns,
como mostra a figura 8-b do Google Street View em maio de 2017, além
de esses elementos terem sido suprimidos, o próprio acesso aos
armazéns pelo lado da cidade foi eliminado. Os portões originais dos
armazéns que se abriam para a Av. Rodrigues Alves, encontram-se
inacessíveis. Uma mureta de concreto construída entre a via expressa e
os armazéns, se encarrega impedir qualquer possibilidade de acesso. O
espaço de cerca de 50 cm entre a mureta e a fachada dos armazéns foi
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 161

aterrado com entulho de obra e pó de pedra, emparedando


permanentemente os portões originais.
À direita na imagem aparece uma das duas torres de 22
pavimentos de escritórios do empreendimento Aqwa Corporate,
projetada pelo escritório Norman Foster + Partners.
O segundo conjunto de imagens apresenta uma visada a partir de
uma rua perpendicular à av. Rodrigues Alves. Neste caso, utilizou-se
como exemplo a Rua de Santo Cristo, numa foto do Google Street View
tomada em janeiro de 2010, que mostra o Elevado da Perimetral e ao
fundo um dos armazéns do Cais do Porto. A imagem evidencia que,
apesar do gigantismo da estrutura de concreto e aço do viaduto e, não
obstante, a poluição gerada pelo tráfego de veículos, sua altura permite
que se veja o armazém e que se possa mesmo acessá-lo, cruzando por
debaixo do Elevado. Quando se observa a cena a partir do mesmo
ponto, através da figura 9-b, tomada pelo Google Street View em junho
de 2017, já não há o viaduto, mas no seu lugar surge a Via Expressa
interditando completamente o acesso aos armazéns. Cai por terra,
portanto, a estratégia discursiva que afirmava ser a demolição do
Elevado da Perimetral a supressão de uma barreira entre a cidade e a
Baía de Guanabara. Ressalte-se ainda que a própria via de onde foram
tomadas as fotos se transformou num cul-de-sac, já que não seria
possível sua conexão à Via Expressa.
162

Figuras 9-a e 9-b

Fonte – Google Street View (2010; 2017)

A Figura 10 demonstra claramente como a Via Expressa


representa uma barreira física intransponível entre a cidade e a Baía de
Guanabara. Além das seis faixas de rolamento da via, construídas junto
aos armazéns do Cais do Porto, uma via de serviço foi implantada entre
a via expressa e o tecido urbano dos bairros da zona portuária. A figura
não deixa margem para dúvidas com relação ao caráter rodoviarista da
OUC do Porto Maravilha.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 163

Figura 10

Fonte: Agência O Globo / foto Márcia Foletto. Disponível em:


https://oglobo.globo.com/rio/novo-trecho-da-avenida-rodrigues-alves-sera-inaugurado-em-abril-
19054337. Acesso em: 20 fev. 2022.

Junto ao Armazém 8, a partir da “submersão” da via expressa no


túnel subterrâneo, inicia-se o Boulevard Olímpico ou Orla Luiz Paulo
Conde, estendendo-se pelo trajeto que antes ficava sob a perimetral,
até o Largo da Misericórdia, junto ao Museu Histórico Nacional. Durante
as Olimpíadas, no primeiro trecho que vai até a Praça Mauá, onde estão
localizados o Museu de Arte do Rio e o Museu do Amanhã, o boulevard
foi palco de festas e shows de música com livre acesso ao público,
atraindo multidões de espectadores.
A Figura 11 documenta o tratamento paisagístico recebido pelo
Boulevard Olímpico, com vegetação, iluminação e mobiliário urbano,
tendo de um lado os Armazéns do Cais do Porto, tombados pelo
município e do lado da cidade as fachadas das edificações originalmente
voltadas para a Av. Rodrigues Alves. Os armazéns, embora restaurados,
não estão abertos ao público, sendo utilizados para eventos privados.
As edificações lindeiras ao Boulevard, receberam um tratamento de
fachada que consistiu em painéis pintados por artistas convidados.
164

Destaca-se o Painel “Etnias” do artista Kobra, considerado pelo Guiness


como o maior mural de grafite do mundo. O reconhecimento da beleza
dos murais não elude o fato de que se trata de um expediente utilizado
de forma generalizada para uma pseudo reabilitação urbana, já que, em
sua maioria, os edifícios assim “maquiados” permanecem internamente
em avançado estado de degradação.

Figura 11: Boulevard Olímpico

Fonte: Dronestagram. Disponível em: http://www.dronestagr.am/boulevard -olimpico-rio-de-


janeiro-brazil/. Acesso em: 03 fev. 2022.

As imagens 12-a e 12-b, tomadas pelo Street View,


respectivamente, em dezembro de 2016 e novembro de 2021,
documentam o desaparecimento de um conjunto de sobrados
localizados na Av. Venezuela, próximo ao Moinho Fluminense. Além do
evidente valor histórico e arquitetônico, os sobrados abrigavam há mais
de três décadas, o Armazém Cultural das Artes, onde artistas,
cenógrafos, carpinteiros, entre outros profissionais, produziram os
cenários para mais de três mil produções teatrais. Em paralelo, eram
oferecidas oficinas de formação técnica especializada, cumprindo a
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 165

importante missão de transmitir a tradição do ofício para as novas


gerações.
O imóvel, pertencente à Cia. Docas do Rio de Janeiro, estava
abandonado quando aí se instalou o Armazém Cultural das Artes. Com
o início dos trabalhos da OUC Porto Maravilha, o prédio foi cedido à
Companhia de Desenvolvimento Urbano (CDURP) que solicitou a
desocupação do imóvel. Na época, segundo informação da própria
CDURP, o terreno já estaria destinado à construção de um complexo
residencial com 1.440 unidades. Por três anos, a classe artística tentou,
em vão, resistir ao assédio e impedir o cancelamento da história do
Armazém Cultural das Artes. Durante as negociações foi apresentado,
inclusive, um projeto para a transformação da área na “Cidade do
Teatro” num polo cultural idealizado pelo diretor e ator Amir Haddad,
destinado a abrigar e desenvolver diversas atividades relacionadas com
a produção teatral30.

30 Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/teatro/ha-35-anos-na-zona-portuaria-


armazem-cultural-das-artes-tenta-reverter-pedido-de-desocupacao-16772957. Acesso em: 3 fev.
2022.
166

Figuras 12-a e 12-b

Fonte – Google Street View (2016;2021).

A Figura 12-b mostra a demolição integral do conjunto, que se


estendeu entre meados de 2017 e início de 2020 e que permanece
ainda hoje como um terreno baldio. Aquilo que poderia (e deveria) ter
sido tomado como um exemplo bem-sucedido de reabilitação do
patrimônio cultural urbano, a ser valorizado e estendido por toda a zona
portuária, foi implacavelmente cancelado pela lógica da especulação
imobiliária, financeirizada pela negociação das CEPACs, que presidiu a
concepção da OUC do Porto Maravilha.
Os exemplos dos equívocos cometidos se sucedem por toda a
área, não sendo possível aqui documentá-los de forma exaustiva.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 167

Passemos ao processo de hiperverticalização apenas iniciado no Porto


do Rio.

Figuras 13-a e 13-b

Fonte – Google Street View (2014;2021).

A Figura 13-a, tomada em agosto de 2014 mostra a Av. Barão de


Tefé no bairro da Saúde, tendo à direita a fachada do Galpão da
Cidadania, antigo Armazém das Docas de D. Pedro II, e à esquerda a
Praça Jornal do Comércio, onde, durante as obras de infraestrutura da
OUC do Porto Maravilha, foram encontrados os vestígios arqueológicos
do antigo Cais do Valongo. O Galpão da Cidadania pode ser considerado
168

outro bom exemplo de reabilitação do patrimônio industrial presente


na zona portuária. Cedido em 2003 pelo governo Federal para abrigar a
ONG Ação pela Cidadania, o edifício recebeu um projeto do arquiteto
Hélio Pellegrino, conservando suas características arquitetônicas, ao
mesmo tempo que possibilitava o aproveitamento dos espaços internos
para as atividades da ONG.
A Figura 13-b, tomada em junho de 2021, mostra, à esquerda, as
escadarias de acesso ao Sítio Arqueológico do Cais do Valongo e, ao
fundo, o surgimento de duas torres corporativas, totalmente
envidraçadas, ambas com 22 pavimentos e 90 metros de altura.
A torre da direita é o edifício sede da empresa multinacional de
cosméticos L’Oreal, inaugurado em 2017. A torre da esquerda é o
edifício de escritórios Vista Guanabara, um dos mais modernos e
arrojados edifícios do Porto Maravilha. Inaugurado em junho de 2016,
seus primeiros inquilinos foram a financeira italiana Assicurazioni
Generali e a Casa Granado. A partir de então, amargou uma elevada
taxa de vacância até finais de 2018 quando, em razão da queda
generalizada nos preços, foram alugadas duas lajes corporativas para a
instituição financeira sino-brasileira Bocom/BBM e seis para a AMIL.

Figura 14 - Torres corporativas da L’Oreal e Vista Guanabara

Fonte: Agência O Globo / foto Márcia Foletto. Disponível em:


https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/sao-paulo-do-financeiro-rio-do-petroleo-e-
gas.html. Acesso em: 12 jan. 2022.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 169

A Figura 14 mostra outra visada das torres corporativas da L’Oreal


e Vista Guanabara, com os armazéns do Cais do Porto em primeiro
plano. Dispensando maiores comentários, a fotografia registra de forma
eloquente os impactos negativos produzidos pela OUC do Porto
Maravilha na paisagem urbana da zona portuária.
As imagens que se seguem correspondem a dois complexos
corporativos que enfrentaram dificuldades em função da baixa
ocupação que se abateu sobre a região portuária. A Figura 15 mostra as
três torres do Porto Atlântico com 16 andares e 60 m de altura cada
uma. Um dos prédios abriga o Novotel Porto Maravilha, os outros dois
são blocos empresariais de escritórios para locação. Segundo o
administrador do Porto Atlântico Marco Cardoso 31 , em agosto de 2019,
os blocos de escritórios registraram apenas 7% de ocupação. No início
de 2020, antes da pandemia de COVID-19, uma pequena recuperação
elevou essa taxa para 12%.

Figura 15 – Empreendimento Porto Atlântico

Fonte: Agência O Globo / foto Brenno Carvalho / Disponível em:


https://oglobo.globo.com/rio/zona-portuaria-uma-regiao-de-contrastes-24210821. Acesso em:
12 jan. 2022.

31 Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/zona-portuaria-uma-regiao-de-contrastes-


24210821. Acesso em: 12 jan. 2022.
170

A Figura 16 mostra um ambicioso empreendimento desenvolvido


pela Tishman Speyer no Porto Maravilha. Trata-se do Aqwa Corporate,
projetado pelo renomado escritório Norman Foster+Partners, como já
referido anteriormente. O complexo previa, originalmente, a
construção de duas torres envidraçadas de 22 andares e 90 metros de
altura. No entanto, somente uma das torres foi construída, sendo
inaugurada em 2017 com muitos andares ainda desocupados. Para
tentar atrair a atenção do mercado, o CASACOR 2017 foi instalado na
cobertura, enquanto uma exposição sobre a “revitalização da zona
portuária” ocupava o nono andar do edifício. Os sinais de recuperação
só viriam a partir de 2021 com o anúncio da chegada da o Icatu Seguros
e a Enel Brasil, além da diretoria da Caixa Econômica Federal, que
alugou três andares do edifício.

Figura 16: Empreendimento Aqwa Corporate

Fonte: CDURP. Disponível em: http://portomaravilha.com.br/portoatlantico.


Acesso em: 3 fev. 2022.

Por fim, as imagens seguintes contemplam o mais recente


lançamento imobiliário na zona portuária do Rio de Janeiro, ocorrido
em junho de 2021. Trata-se do primeiro empreendimento residencial
da zona portuária, efetivamente construído, desde o início dos
trabalhos da OUC do Porto Maravilha. Chamado de Rio Wonder
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 171

Residences (numa alusão caricatural ao Porto Maravilha), o


empreendimento marca o retorno de investimentos do mercado
imobiliário na região portuária através da compra de Certificados de
Potencial Adicional de Construção (CEPACS). A primeira fase do
empreendimento comercializou 470 unidades habitacionais,
denominadas de studios, de 1 e 2 quartos. Na sequência, serão
oferecidas mais duas fases totalizando três torres de vinte andares e
1.224 apartamentos.

Figuras 17-a / 17-b – Empreendimento Rio Wonder Residences

Fonte: Cury Construtora. Disponível em: https://cury.net/imovel/RJ/centro/cury-rio-


wonder-residences-maua. Acesso em: 3 fev. 2022.

Com uma arquitetura de qualidade duvidosa, implantado sem


contato com o tecido urbano envolvente, isolado em si mesmo, o
empreendimento reproduz a lógica condominial privatista e
antiurbana, como se um condomínio fechado de classe média da Barra
da Tijuca tivesse sido, inapropriadamente, transladado para o bairro de
Santo Cristo, numa completa indiferença aos padrões tipológicos
historicamente presentes na zona portuária.
172

Figuras 18-a / 18-b: Lançamento Rio Wonder Residences

Fonte: CDURP. Disponível em: http://portomaravilha.com.br/noticiasdetalhe/5180 -


prefeito-lanca-primeiro-residencial-do-porto-maravilha. Acesso em: 3 fev. 2022.

Nas Figuras 18-a e 18-b, o prefeito que esteve à frente da OUC do


Porto Maravilha entre os anos de 2009 e 2016, retorna ao executivo
municipal, reeleito em 2021, e comparece ao stand de vendas do Rio
Wonder, celebrando de viva voz mais um grave equívoco urbanístico
cometido contra a cidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escolha da cidade do Rio de Janeiro, em 2009, como sede dos


Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 inaugura um período de
grandiosos investimentos de infraestrutura urbana para a
modernização da cidade. De acordo com a Matriz de Responsabilidade
Olímpica, divulgada pelo Ministério dos Esportes, em conjunto com o
Governo do Estado e a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, o
montante investido alcançou, como já referido, a casa dos 40 bilhões de
reais. Diante da perspectiva de abocanhar tão volumosos recursos em
tão curto espaço de tempo, um reduzidíssimo grupo formado pelas
maiores empreiteiras do país passou a disputá-los com furiosa avidez.
Organizadas em consórcios privados, as grandes empreiteiras se
apressaram na partilha dos recursos previstos e na imposição à
administração pública de um bilionário elenco de obras a serem
implementadas. Tais empreendimentos possuíam, como era de se
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 173

esperar, um caráter eminentemente arbitrário, atendendo, sobretudo,


aos interesses da especulação imobiliária e financeira (que desde há
muito, andam juntas e irmanadas).
Como reação à investida dos interesses do poder econômico,
caberia à Prefeitura assumir a tarefa de definir, através dos canais de
participação democrática da sociedade, as reais prioridades para os
investimentos, exercendo o seu papel de mediação entre os vários
interesses em jogo. Seria esta uma oportunidade excepcionalmente
favorável para que, à luz das diretrizes de planejamento urbano
apontadas pelo Plano Diretor, a cidade do Rio de Janeiro pudesse
enfrentar os problemas historicamente acumulados e promover o
desenvolvimento urbano, com vistas à construção de uma cidade
socialmente mais justa e ambientalmente mais responsável.
Infelizmente, no caso da OUC Porto Maravilha, como visto ao
longo deste trabalho, prevaleceu a lógica da “cidade de exceção” de que
nos fala Vainer:

As formas institucionais de democracia representativa burguesa


permanecem, formalmente, operantes. O governo eleito governa, o
legislativo municipal legisla... Mas a forma como governam e legislam produz
e reproduz situações e práticas de exceção, em que poderes são transferidos
a grupos de interesse empresarial. (2011, p. 11).

A Operação Urbana Consorciada do Porto Maravilha significou,


na prática, a “terceirização” da própria gestão do espaço urbano da
zona portuária da cidade. Com base na lei que criou a OUC do Porto
Maravilha, o “projeto”, supostamente destinado à “revitalização
urbana” da zona portuária, foi apresentado pelo consórcio empresarial
concessionário e imposto de cima para baixo, sem passar pelo crivo de
um debate democrático e, portanto, sem qualquer possibilidade de
contestação por parte dos moradores e trabalhadores da região.
Revirada por tratores, bulldozers e retroescavadeiras e, ainda,
devastada por toneladas de explosivos utilizados para implosão do
174

Elevado da Perimetral, a “nova” zona portuária que surge dos


escombros, deliberadamente produzidos pelas obras do Porto
Maravilha, é uma cidade fantasma, sem moradores e sem vitalidade
urbana. Escavada por quilométricos túneis subterrâneos, a zona
portuária foi rasgada por três grandes vias de alta velocidade,
impiedosamente pavimentadas com asfalto, que descaracterizaram de
forma irreversível a fisionomia urbana e o tecido urbano preexistente.
Tais resultados permitem à cidade do Rio de Janeiro ostentar hoje o
título, tão patético quanto nefasto, de ser, talvez, a última das grandes
metrópoles do planeta e investir maciçamente num programa
ultrarrodoviarista em pleno século XXI.
Induzidas e estimuladas pelos novos parâmetros urbanísticos
aprovados pela legislação da OUC do Porto Maravilha, altíssimas torres
de vidro passam a povoar ruidosamente a paisagem urbana da zona
portuária. Construídas isoladas e apartadas do tecido urbano,
constituem verdadeiros enclaves condominiais corporativos ou
residenciais, afirmando um modo de vida antiurbano que privilegia a
propriedade privada individual em detrimento da apropriação coletiva
dos espaços públicos.
Tal é, como se pretendeu demonstrar neste trabalho, a lógica
empresarial que presidiu a concepção do Projeto “Porto Maravilha” e
que perpetrou um verdadeiro desastre urbanístico e ambiental,
repetindo modelos já testados no passado e cujos resultados não se
mostraram acertados ou minimamente sustentáveis.
Trata-se, sem meias-palavras, de um caso de assédio urbanístico
exercido pelo poder econômico sobre a cidade e seus moradores,
caracterizado pela imposição autoritária de interesses privados sobre o
bem comum. Suas consequências se traduzem em graves e continuados
prejuízos econômicos, sociais e culturais, entre os quais destacamos o
cancelamento da paisagem urbana e o apagamento da memória
histórica da zona portuária do Rio de Janeiro, escrita coletivamente por
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 175

gerações de moradores/trabalhadores e testemunhada pelo seu acervo


arquitetônico e industrial.
Por fim, relembramos David Harvey, quando afirma:

[...] o neoliberalismo transformou as regras do jogo político. A governança


substituiu o governo; os direitos e as liberdades têm prioridade sobre a
democracia; a lei e as parcerias público-privadas, feitas sem transparência,
substituíram as instituições democráticas; a anarquia do mercado e do
empreendedorismo competitivo substituíram as capacidades deliberativas
baseadas em solidariedades sociais [...] A criação de novos espaços urbanos
comuns [commons], de uma esfera pública de participação democrática,
exige desfazer a enorme onda privatizante que tem servido de mantra ao
neoliberalismo destrutivo dos últimos anos [...] O direito à cidade não é um
presente. Ele tem de ser tomado pelo movimento político. (2013, p. 76-81).

AGRADECIMENTOS

O autor agradece à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal


de Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento da pesquisa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARLOS, C. A. S. L. Um olhar crítico sobre a zona portuária da cidade do Rio de Janeiro. Bitacora,
v. 17, n. 2, p. 23-54, 2010. Universidad Nacional de Colombia, Bogotá. Disponível em:
https://revistas.unal.edu.co/index.php/bitacora/article/download/18892/19783/61540.
Acesso em: 2 jan. 2022.
CHIAVARI, M. P. Genealogia de uma empresa: de Gianelli & Cia a S.A. Moinho Fluminense. In:
Moinho Fluminense Memoria. Autonomy Investimentos. Rio de Janeiro: Automática
Edições, 2021. Disponível em: https://moinho.cargo.site/Genealogia-de-uma-empresa-de-
Gianelli-Cia-a-S-A-Moinho-Fluminense. Acesso em: 3 fev. 2022.
DUARTE, C. F. Jogos Olímpicos Rio-2016: a democratização da gestão pública do espaço urbano
como um legado (possível/impossível) a ser conquistado pela população da cidade. Biblio
3W – Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Barcelona, v. XV, n. 895.
HARVEY, D. A liberdade da cidade. In: MARICATO, E. et al. Cidades rebeldes: passe livre e as
manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2013.
HONORATO, C. de P. Valongo: o mercado de escravos do Rio de Janeiro, 1758 a 1831. 2008.
Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Instituto de Ciências
Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008. Disponível em:
176

https://www.historia.uff.br/stricto/teses/Dissert-2008_HONORATO_Claudio_de_Paula-S.pdf
Acesso em: 10 jan. 2022.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Sítio arqueológico Cais
do Valongo: proposta de inscrição na lista do Patrimônio Mundial. Rio de Janeiro, 2016.
Disponível em: ANhttp://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_
Cais_do_Valongo_versao_Portugues.pdf Acesso em: 3 fev. 2022.
LIMA, E. F. W.; MESENTIER, L. M. de. O patrimônio industrial na área portuária do Rio de Janeiro:
uma proposta de conservação e reuso. In: IV ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO, 2021, Brasília. Anais [...].
Brasília: FAU-UnB, 2021. v. 4. p. 654-672.
SEGRE, R.; ORTIZ, D. Praça Mauá: um portal dinâmico da Cidade Maravilhosa. In: VAZ, L. Os
espaços públicos nas políticas urbanas: leituras sobre o Rio de Janeiro e Berlim. Rio de
Janeiro: 7Letras, 2010.
VAINER, C. B. Cidade de exceção: reflexões a partir do Rio de Janeiro. In: XIV ENCONTRO
NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PLANEJAMENTO URBANO, 2011, Rio de Janeiro.
Anais [...]. Rio de Janeiro: ANPUR, 2011. v. 14, 2011. Disponível em:
http://anais.anpur.org.br/index.php/anaisenanpur/article/view/635. Acesso em: 2 jan. 2022.
VASCONCELLOS, L.M.; SILVA, D.S.C.P. A caixa que faz cidade, a conteinerização de áreas
portuárias. In: XIII ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PLANEJAMENTO
URBANO, 2009, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: UFSC, 2009.
WERNECK, M. da G. e S. Os infames termos aditivos e o mico do Porto Maravilha. In: Artigos
Semanais. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles, 30 mar. 2017. Disponível em:
https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/falacia-do-porto-maravilha-ppps-cepacs-e-
o-onus-para-o-poder-publico/. Acesso em: 12 jan. 2022.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 177

Capítulo 6

NOTAS SOBRE O PLANEJAMENTO E O PROJETO DA PAISAGEM


URBANA

Fernanda Cláudia Lacerda Rocha 32

INTRODUÇÃO

No Brasil, a intervenção sobre a paisagem urbana tem um


importante legado de práticas profissionais basilares que precisamos
manter vivo na memória: de Auguste François Marie-Glaziou, no século
XIX, à Rosa Grena Kliass, no século XXI, passando por Roberto Burle
Marx e Fernando Magalhães Chacel. Elencam-se, aqui, quatro nomes de
grande destaque e apenas uma obra de cada um deles, não enfocada
como referencial, tarefa praticamente impossível, diante da
importância e abrangência de tais legados, mas que cumprem a
finalidade precípua de exemplificar produções e atuações, em
diferentes escalas e frentes de trabalho, e são capazes de nos fornecer
indicativos a respeito de algumas estratégias e práticas de grande
coerência e efetividade a serem continuamente buscadas e exercitadas.
Diante da crescente complexidade que envolve a paisagem
urbana e a atuação do paisagista, que, em consonância com a fala de
Burle Marx (1962), “é impossível executá-la isoladamente”, fazem-se,
portanto, cada vez mais necessários, não exatamente solicitados nesta
ordem: a formação continuada para o aprofundamento do
conhecimento na área; a divulgação das produções teóricas e técnicas;

32Arquiteta e urbanista, mestre em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Geografia. Especialista


em Paisagismo. Especialista em ensino de Arquitetura Paisagística. Professora e pesquisadora da
Universidade de Fortaleza. Diretora do Portas Abertas Experiências e aprendizagem cultural. E-
mail: fernandarocha@unifor.br
178

o conhecimento das condicionantes geoambientais no contexto de cada


intervenção e de como utilizá-las e valorizá-las; a atuação ética,
responsável e comprometida com parâmetros ambientais e legais; o
trabalho multi e interdisciplinar exigido, frente a tal complexidade e
vastidão de nossas paisagens e o desenvolvimento de ferramentas que
forneçam suporte ao processo de planejamento e projeto. Realça-se,
ainda, o papel destacado que desempenham na realização de eventos,
de publicações e da pesquisa de campo, capazes de fornecer subsídios
essenciais à formação e à prática profissional na arquitetura da
paisagem. E para apoiar a disseminação de ideias, toma-se o estudo de
caso da diversa paisagem do Estado do Ceará, situações conflitantes e
recorrentes na cidade de Fortaleza e a produção de uma ferramenta
capaz de subsidiar o conhecimento do particular nessas paisagens.
Esses são, portanto, os pontos norteadores de uma
apresentação33 elaborada para o II Simpósio Brasileiro sobre Cidade,
Paisagem e Natureza, realizado em dezembro de 2021 e
cuidadosamente organizado pela Associação Amigos da Natureza da
Alta Paulista (ANAP) e pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura
e Urbanismo (PPGARQ), da Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação (FAAC), da UNESP campus Bauru. Aqui, sintetizada em
texto sumário, mantendo-se o formato de notas, constituído a partir de
pensamentos que permeiam a atuação em arquitetura e urbanismo da
autora, somada a uma prática de vinte anos no ensino e pesquisa, na
graduação e na pós-graduação lato sensu, na Universidade de Fortaleza,
onde se inicia esse percurso, e em instituições de outros Estados
brasileiros. As imagens estão disponíveis na referida apresentação,
disponibilizada online e destacada no link indicado.

33Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=YvQn0YV5cB4&list=PL3GFEyzOYLkQJCWofTdYPmrDFeSRdm
B-w&index=12&t=16s.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 179

MANTER A MEMÓRIA VIVA

Como exercício de curadoria para as notas propostas, muitos


outros nomes importantes ficaram de fora desta seleção. Não se tratou
aqui da elaboração de um quadro completo dos profissionais de
destaque do paisagismo no Brasil, mas de elencar, a partir de alguns
exemplos significativos, atuações referenciais na área, por intermédio
de um exemplo de projeto elaborado e diferentes instâncias das
práticas profissionais de cada um desses nomes, de modo a
reiterar a fala de Ailton Krenak, quando nos diz que o “futuro é
ancestral”.

Auguste François Marie-Glaziou

Nascido na França, esteve no Brasil entre 1858 e 1897, onde


desenvolveu, para o antigo Palácio de São Cristóvão, residência de Dom
João e, posteriormente, dos imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II,
o projeto dos jardins, no período do Segundo Império. Atualmente, é
um parque, que denominamos Quinta da Boa Vista, com um
espetacular boulevard, cuja estrutura é reforçada por sapucaias, a
Lecythis pisonis Cambess, planta nativa e endêmica do Brasil. Trata-se
de um dos seus grandes legados, um espaço livre tornado público, na
cidade do Rio de Janeiro, com a valorização de espécies de nossas
paisagens.
Outro ponto importante em sua trajetória é a atuação como
Diretor Geral de Matas e Jardins da Casa Imperial e Inspetor dos Jardins
Municipais e suas pesquisas em excursões científicas para
conhecimento sobre a flora brasileira, realizando coletas e
classificações, produção de listagens e enviando material para
instituições científicas internacionais (TERRA, 1993).
180

Roberto Burle Marx

Nascido em 1909, em São Paulo, muda-se para o Rio de Janeiro,


onde vai atuar profissionalmente a maior parte de sua vida. Em 1934,
no Estado de Pernambuco, foi Diretor de Parques e Jardins do
Departamento de Arquitetura e Construção do Governo do Estado,
ainda bastante jovem. Propõe diversos espaços livres, entre eles a praça
Euclides da Cunha, cuja concepção valorizava a flora local, com espécies
da Caatinga, entre elas as cactáceas. Trabalha a expressão cultural e
artística por meio da implantação de escultura, como ponto focal
(CARNEIRO, 2014).
Retornando ao Rio de Janeiro, vai desenvolver o que hoje
conhecemos com o jardim modernista, com identidade própria,
também utilizando e valorizando espécies até então desconhecidas no
paisagismo.
Tais contribuições partem de expedições por diferentes
paisagens brasileiras, para identificação e coleta de plantas, que serão
testadas no paisagismo em contextos e escalas diversas, contando com
apoio de experientes biólogos, botânicos e profissionais de distintas
áreas, sempre com atenção às associações e às condicionantes
ambientais específicas (TABACOW, 2004), e irão compor suas coleções,
doadas ao IPHAN, que atualmente integram o Patrimônio Mundial, na
categoria paisagem cultural, pela Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Fernando Magalhães Chacel

Nascido em 1931, no Rio de Janeiro, trabalhou com Burle Marx e


manteve sociedade profícua com o também arquiteto Sidney Linhares,
no escritório CAP paisagismo. Exerceu o cargo de Diretor de Parques e
Jardins do Estado da Guanabara, em 1963 (CHACEL, 2017).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 181

Atuou nas mais diversas escalas, entre as quais destaca-se o


Parque da Gleba E, atualmente conhecido como condomínio Península,
na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, para o qual desenvolve um método
de trabalho, no qual define zonas a serem trabalhadas segundo
modelos específicos: mangue, restinga e parque, respeitando contextos
paisagísticos anteriores à sua intervenção que haviam sido seriamente
impactados, e propondo novas funcionalidades. E lança mão de
espécies oriundas desses dois biomas, não utilizadas anteriormente em
todo seu potencial paisagístico (CHACEL, 2001).
Chacel, tanto quanto Burle Marx, deixa claro em suas falas e
trabalhos a importância de relacionamentos próximos com
profissionais de vários campos do saber, que vão enriquecer suas
atuações. Aliado à curiosidade constante, outro pensamento por ele
defendido é o conhecimento das realidades paisagísticas locais pelos
profissionais, que, considerando o Brasil um país continental, implicaria
na regionalização destes, em face da dimensão do desafio imposto por
uma tarefa de tal abrangência (CHACEL, 2000).

Rosa Grena Kliass

Importa o destaque de uma mulher, Rosa Grena Kliass, nascida


no interior de São Paulo, em 1932, que iniciou a carreira com escritório
próprio de longa atuação, diferentes configurações e muitas parcerias
por todo o país, indo do planejamento ao projeto, nas esferas pública e
privada, sempre buscando novas possibilidades e aportando diferentes
perspectivas de abordagem das questões em estudo.
Incansável na defesa do exercício profissional e das paisagens,
funda, em 1976, juntamente com Chacel, a Associação Brasileira de
Arquitetos Paisagistas (ABAP), responsável pela oferta de diversos
programas de formação e importantes eventos na área.
Em 1980, foi Diretora do Departamento de Planejamento da
Secretaria Municipal de Planejamento (SEMPLA), na qual desenvolvia
182

trabalhos interdisciplinares com geógrafos e outros importantes


consultores, o que resultou em publicação sobre a arborização de São
Paulo. Esse cuidado com as espécies vegetais também norteou alguns
de seus projetos, os quais, sempre que possível, incorporava locais de
produção de mudas para implantação e manutenção desses espaços
livres (KLIASS; COSTA; GORSKI, 2019).
Entre suas diversas parcerias, em uma com o também arquiteto
Luciano Fiaschi, desenvolve o projeto para a Lagoa do Parque do
Abaeté, em 1992. Valorizando referenciais culturais, na contramão do
que lhes foi solicitado, mantêm as lavadeiras no lugar onde
desenvolviam suas atividades, e elevam a atividade a um outro
patamar, com a implantação da casa das lavadeiras, ao tempo em que
igualmente preservam a lagoa e seu ecossistema (KLIASS, 2006).

A DISSEMINAR IDEIAS

Retomando a fala do Chacel sobre a necessidade do


conhecimento de cada um dos “Brasis” que compõem nosso imenso e
variado território, sobrevém a necessidade de que arquitetos e
urbanistas, trabalhando sobre a paisagem, reconheçam todo seu
potencial e se debrucem sobre o aprofundamento de seu
conhecimento; que ponham em relevo valores ambientais, culturais e
socioeconômicos, salvaguardando a identidade paisagística e resistindo
à importação de modelos, sem qualquer questionamento. Importa
discutir metodologias e partilhar conceitos, e especialmente valorizar a
fauna e a flora locais e suas interações. Sobre métodos de projeto,
Chacel evidencia em sua prática o tripé “inventário, análise e
diagnóstico”, e mantém uma atitude humilde frente à paisagem,
deixando que esta oriente suas propostas, enquanto o desenho surge
com ela comprometido (CHACEL, 2000).
Igualmente fundamental para a disseminação de ideias, além das
práticas profissionais anteriormente destacadas, são os encontros,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 183

congressos e seminários, como os promovidos pela ABAP e o Encontro


Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e
Urbanismo no Brasil (ENEPEA), sediado em diferentes instituições de
ensino do país, que vêm ampliando a divulgação das discussões com o
uso de tecnologias, mais fortemente após a ocorrência da pandemia da
COVID-19, utilizando-se de plataformas on-line, tornando-as ainda mais
acessíveis. Tomem-se os exemplos deste seminário e dos relatos sobre
o paisagismo contemporâneo, uma produção do XIV ENEPEA, da
Universidade Federal de Santa Maria, em 2018, com depoimentos de
profissionais disponibilizado on-line 34 .
Somam-se a estes, as referências bibliográficas nacionais no
ensino de projeto: “Criando Paisagens”, de Benedito Abbud 35 e
“Paisagismo, projetando espaços livres”, de Marcos Malamut 36 , que
consolidam o conhecimento sobre a estruturação do espaço livre, e nela
o papel construtivo e compositivo da vegetação. Os autores, arquitetos
e urbanistas amplificam e detalham essas discussões em seus canais
virtuais, indicados nas notas. Além desses, tem-se todo um grande
conjunto de materiais produzidos pela Rede QUAPA, Quadro do
Paisagismo no Brasil, uma grande equipe, por muito tempo conduzida
pelo professor Silvio Macedo, que infelizmente nos deixou durante a
pandemia, somado à produção dos Colóquios QUAPA-SEL, que trata do
Sistema de Espaços Livres, e tradicionalmente ocorrem em conjunto
com os ENEPEAs.
No aprofundamento do conhecimento da vegetação, de suas
características e dinâmicas, destaca-se o trabalho de Harri Lorenzi, que
publicou, com outros autores, mais de uma dezena de livros
relacionados ao tema. Além dele, o engenheiro agrônomo Paulo Ernani
Carvalho tem uma produção fundamental, em cinco volumes, apenas
sobre espécies arbóreas brasileiras, inicialmente impressos pela

34 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0PWMOHpPq_k


35 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UC6uVxjWXlAGJFElRQG-7iuw
36 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UC1_gG8goOmP3dPJsK9JBzeg
184

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), e hoje


disponibilizados para download gratuito 37 .

CONHECER O PARTICULAR

A partir do que Marcos Malamut (2011) denominou de


contaminação da paisagem, reforça-se a defesa de Fernando Chacel na
manutenção das nossas identidades paisagísticas que se rebate na
importância da troca de conhecimento entre diferentes áreas do saber,
que se debruçam sobre a paisagem e nos faz avançar em várias frentes.
Nesta perspectiva, estudos transformados em artigo científico 38
por pesquisadores do Ceará questionam a abordagem generalizante,
disseminada por intermédio da classificação do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), dos seis biomas brasileiros que, inserindo
todo o Estado cearense na caatinga, faz perder de vista as distinções
existentes de suas unidades fitoecológicas, configuradas a partir da
identificação geológica de dois substratos, que, por sua vez, definem
sete unidades de relevo, nos quais se identificam 16 tipos de vegetação,
confirmando essa grande diversidade paisagística (MORO et al., 2015).
As imagens ali apresentadas ilustram suas dinâmicas, associações e
outros indicativos importantes referentes a características climáticas e
de regimes pluviométricos impressos sobre tais paisagens, exemplo de
um carnaubal, no qual espécimes de Copernicia prunifera (Mill.)
H.E.Moore, distribuídas em meio à caatinga do cristalino, indicam a
passagem de um rio, ainda que tal rio não esteja presente visualmente
naquele lugar em um período seco, dado que muitos desses rios não
são perenes.
Essa observação cuidadosa das paisagens, o conhecimento de
seus componentes e a experimentação de seus elementos no meio
urbano, em jardins, está presente nas práticas dos paisagistas

37 Disponível em: https://www.embrapa.br/florestas/publicacoes/especies-arboreas-brasileiras


38 Disponível em: http://rodriguesia-seer.jbrj.gov.br/index.php/rodriguesia/article/view/1014
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 185

destacados no início do texto. Entretanto, o que ocorre em nossas


cidades Brasil afora? Em Fortaleza, são exemplos de espécies
alienígenas39 : a chamada sete copas, Terminalia mantaly H. Perrier,
usada em calçadas exíguas, com espaçamento inadequado ao seu
porte, em canteiros mínimos, que não comportarão o desenvolvimento
adequado de seu sistema radicular; e a Casuarina equisetifolia L., árvore
de grande porte, usada equivocadamente como arbusto tapa muro, em
canteiros minúsculos, plantada com distanciamento de 40 cm,
demandando constantes podas de controle.
Para compor um quadro ainda mais espantoso, a Turnera
subulata Sm., popularmente conhecida como chanana, espécie nativa,
de brotação espontânea, extremamente resistente, medicinal, atrativa
de borboletas, é equivocadamente tratada como planta daninha e
vítima de capina constante, seja por iniciativa pública ou privada. E na
contramão disso, Roberto Burle Marx, quando esteve em Fortaleza, no
final da década de 1960, se sensibilizou com sua preponderância e a
especificou anos mais tarde para os jardins que desenvolveu no Teatro
José de Alencar (BEZERRA et al., 2012).

PENSAR NOVAS POSSIBILIDADES

Partindo-se das referências anteriormente mencionadas: Lorenzi


e Paulo Ernani, e outras pesquisas sobre vegetação nativa do Ceará,
estudantes da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), que integram o
Laboratório da Paisagem Unifor, iniciaram a catalogação de espécies
nativas da flora local, produzindo um vasto material, posteriormente
utilizado nas pesquisas das arquitetas e urbanistas Maria Gabriela
Cunha Appleyard (APPLEYARD, 2020) e Ivone Beatriz Romeiro Brandão
(BRANDÃO, 2021). Ambas cursaram a pós-graduação lato sensu em
Paisagismo T2 e T4, respectivamente, e trabalharam na concepção e

39 Disponível em: https://www.scielo.br/j/abb/a/cBhXmyfPG33XPdfRxkFWnyh/abstract/?lang=pt


186

desenvolvimento de aplicação web para catalogação de espécies


nativas da flora cearense, a ferramenta digital Florapédia. Tendo sido
orientadas pela autora deste texto, contaram também com o apoio para
o desenvolvimento da infraestrutura da Unifor e de equipe
multidisciplinar (Paisagismo, Ciência da Computação e Comunicação), e
realizaram a divulgação do processo de desenvolvimento em encontros
científicos40 nas diferentes áreas envolvidas.
À fase 1, iniciada em 2018, incorporaram-se melhorias de
funcionalidade e de desenvolvimento do design de interação. E na fase
2, iniciada em 2019, foi testada como protótipo, por diferentes públicos
e profissionais. Atualmente aguardam-se novos encaminhamentos para
seu lançamento ao público, disponibilizando-se o conhecimento de
biólogos, botânicos, engenheiros agrônomos etc., de modo acessível
para pessoas que trabalham sobre a paisagem, como ferramenta de
apoio ao projeto, que sistematiza informações sobre as espécies nativas
do Ceará.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Considerando-se como notas de uma curadoria sintética as


experiências de eminentes paisagistas, aqui destacadas desde tempos
pretéritos, que orientam percursos a serem seguidos e reafirmam os
pontos apresentados em sequência, tem-se que a disseminação de
ideias, o conhecimento das particularidades e o pensamento de novas
possibilidades, nas diferentes escalas e esferas de abordagem da
paisagem, trazem desafios e muitas oportunidades a serem superados
por todos que sobre ela atuam.
Assim é que do planejamento ao projeto da paisagem, a atuação
profissional necessita trabalho de equipe inter e multidisciplinar, seja

40Disponíveis em: https://uol.unifor.br/oul/conteudosite/?cdConteudo=8835658;


https://uol.unifor.br/oul/conteudosite/?cdConteudo=8818234 e
https://uol.unifor.br/oul/conteudosite/?cdConteudo=9694574
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 187

no âmbito público ou privado, na qual seus integrantes estejam


dispostos a aprender entre si e com as paisagens nas quais estiverem
intervindo, para que essa compreensão possibilite a compatibilização
dos diversos elementos componentes, capazes de suportar, manter e
reforçar as identidades paisagísticas em cada situação. E ainda que se
busque discutir e compartilhar métodos de projeto, dar continuidade à
produção de conhecimentos práticos e teóricos (mesmo em órgãos de
gestão pública, como mostraram os exemplos profissionais aqui
destacados), cada vez mais comprometidos com a preservação e
conservação de nossas paisagens, o que inclui, também, o
conhecimento e a produção de espécies vegetais adequadas a cada
contexto.

REFERÊNCIAS

ABBUD, B. Criando paisagens: guia de trabalho em arquitetura paisagística. São Paulo: Editora
SENAC, 2006.
APPLEYARD, M. G. C.; VASCONCELOS, D. de M.; ROCHA, F. C. L. et al. Processos metodológicos do
desenvolvimento de uma aplicação web de catalogação das espécies nativas da flora
cearense. In: XVIII ENCONTRO DE PÓSGRADUAÇÃO E PESQUISA 18., 2018, Fortaleza. Anais
[...]. Fortaleza: Unifor, 2018. p. 1-6. Disponível em:
https://uol.unifor.br/oul/conteudosite/?cdConteudo=8818234. Acesso em: 20 nov. 2020.
APPLEYARD, M. G. C.; VASCONCELOS, D. de M. et al. Florapédia: aplicação web de catalogação
das espécies vegetais da flora nativa do Ceará. In: XIX ENCONTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E
PESQUISA, 19., 2019, Fortaleza. Anais [...]. Fortaleza: Unifor, 2019. p. 1-6. Disponível em:
https://uol.unifor.br/oul/conteudosite/?cdConteudo=9694574. Acesso em: 20 nov. 2020.
APPLEYARD, M. G. C.. Florapédia: aplicação web de catalogação das espécies vegetais da flora
nativa do Ceará. Artigo (pós-graduação lato sensu em Paisagismo Unifor - T2) – Universidade
de Fortaleza, Fortaleza, CE, 2020.
188

BRANDÃO, I. B. R. Florapédia. Desenvolvimento de uma ferramenta digital de catalogação da


flora cearense Artigo (Pós-graduação lato sensu em Paisagismo Unifor - T3) – Universidade
de Fortaleza, Fortaleza, CE, 2021.
BEZERRA, R.; ROCHA, F.; CARNEIRO, A. R. et al. Roberto Burle Marx e o Theatro José de Alencar:
um projeto em dois tempos. Fortaleza: TJA, 2012.
CARNEIRO, A. R. de S. Burle Marx e os jardins do Recife. Revista Espaço Acadêmico, n. 156, maio
2014. Disponível em:
https://www.academia.edu/28361765/Burle_Marx_e_os_jardins_do_Recife. Acesso em: 20
nov. 2020.
CHACEL, F. M. Paisagismo e ecogênese: landscaping and ecogenesis. Rio de Janeiro: Fraiha, 2001.
CHACEL, F. M. Paisagismo: depoimentos e projetos. In: 1ª EXPOSIÇÃO VIRTUAL DE PAISAGISMO.
Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil,
V, 2000, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: V ENEPEA 2000. CD-ROM.
CHACEL, F. M. Fernando Chacel: paisagista ecologista - tributo. Rio de Janeiro: TX Editora, 2017.
KLIASS, R. Desenhando paisagens, moldando uma profissão. São Paulo: SENAC, 2006.
KLIASS, R.; COSTA, L.; GORSKI, M. C. B. (orgs). O livro da Rosa: vivência e paisagens. São Paulo:
Romano Guerra, 2019.
MALAMUT, M. Paisagismo - projetando espaços livres. Lauro de Freitas: Livro.com, 2011.
MARX, B. Projetos de paisagismo de grandes áreas, 1962. In: TABACOW, J. Roberto Burle Marx:
arte e paisagem. São Paulo: Studio Nobel, 2004.
MORO, M. F.; MACEDO, M. B.; MOURA-FÉ, M. M. de et al. Vegetação, unidades fitoecológicas e
diversidade paisagística do estado do Ceará. Disponível em: http://rodriguesia-
seer.jbrj.gov.br/index.php/rodriguesia/article/view/1014. Acesso em: 20 nov. 2020.
MORO, M. F.; SOUZA, V. C.; OLIVEIRA-FILHO, A. T. de et al. Alienígenas na sala: o que fazer com
espécies exóticas em trabalhos de taxonomia, florística e fitossociologia? Disponível em:
https://www.scielo.br/j/abb/a/cBhXmyfPG33XPdfRxkFWnyh/abstract/?lang=pt. Acesso em:
20 nov. 2020.
TABACOW, J. Roberto Burle Marx: arte e paisagem. São Paulo: Studio Nobel, 2004.
TERRA, C. G. Os jardins no Brasil do século XIX: Glaziou revisitado. 1993. Dissertação (mestrado
em História da Arte) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 1993.
VASCONCELOS, D. de M.; VASCONCELOS FILHO, J. E. de; BASTOS, A. P. F. et al. Florapédia:
ferramenta tecnológica de apoio à tomada de decisão na área de paisagismo. In: XXIV
ENCONTRO DE INICIAÇÃO À PESQUISA, 24., 2018, Fortaleza. Anais [...]. Fortaleza: Unifor,
2018. p. 1-6. Disponível em: https://uol.unifor.br/oul/conteudosite/?cdConteudo=8835658.
Acesso em: 20 nov. 2020.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 189

Capítulo 7
INFRAESTRUTURA VERDE, SOLUÇÕES BASEADAS NA
NATUREZA E PAISAGEM: HISTÓRIA E ESTRATÉGIAS NA
CONSTRUÇÃO DE CIDADES CONTEMPORÂNEAS

Luciana Bongiovanni Martins Schenk 41

INTRODUÇÃO

Este escrito nasce da percepção de que nossos processos de


desenvolvimento devam ser repensados. Ele manifesta a constatação,
corroborada por diversos autores (MCHARG, 1969; HOUGH, 1995;
SPIRN, 1995) de que nossas escolhas têm gerado grandes conflitos e
comprometem nosso futuro comum, a vida de modo abrangente e o
próprio planeta.
Os modos de ocupação do território, com especial ênfase às
infraestruturas lançadas, que atestam nossa capacidade técnica e
tecnológica; os modelos de extração e transformação de matérias-
primas que se relacionam às lógicas de consumo; todas essas ações
terminam por impactar profundamente a Natureza e seus ciclos.
Muitas podem ser as contribuições para minimizar esses
impactos, os esforços relacionadas à infraestrutura verde e às soluções
baseadas na natureza (SbN), associam diferentes campos disciplinares
que compartilham essa perspectiva de mitigação de conflitos e
construção de congruência entre planos e projetos. É necessário pensar
como realizar esses processos sobre bases contemporâneas, que
incluam dimensões ética e cultural associadas às sociais, pois as
questões da vida não são apenas técnicas ou econômicas.

41Professora doutora IAU-USP Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.


E-mail lucianas@sc.usp.br
190

Parece fundamental ainda promover um lugar em que os


campos de conhecimento e campos disciplinares possam se encontrar
realizar interações profícuas: o lugar aqui proposto é a Paisagem,
compreendida como relação entre Humanidade e Natureza, construção
cultural e mote em diversas formações e profissões.
A complexidade e riqueza da paisagem, ainda pouco explorada
em processos de planejamento brasileiros, justificam a proposta aqui
apresentada e que exploramos a seguir.

NATUREZA E PAISAGEM

O significado da palavra Natureza não foi sempre o mesmo ao


longo dos tempos. A natureza para os gregos e romanos em muito se
distinguiu do significado que teve no medievo e, se pensarmos em
períodos históricos, o significado de natureza se altera no chamado
Moderno e uma vez mais no Contemporâneo, seguindo em plena
construção no que diz respeito ao seu significado na atualidade.
Para a civilização clássica, a separação e potencial conflito entre
Humanidade e Natureza não se apresentavam como nos séculos
seguintes (LENOBLE, 1969). A historiografia conjuga dois movimentos
de construção dessa separação entre Homem e Natureza 42.
Em primeiro lugar tem-se a difusão do cristianismo e a doutrina
já presente no Antigo Testamento de criação do mundo e
estabelecimento do protagonismo humano em toda a obra divina. No
medievo cristão duas percepções de natureza coexistirão: uma ligada
ao Éden, que nutrirá o ideário dos jardins que se estabelecem como
simulacros de um lugar de descanso e encantamento, e a experiência
da natureza ligada à realidade e ao medo, a natureza apartada das

42A historiografia sobre a qual trabalhamos se refere ao par deste modo, HOMEM e NATUREZA,
até o período contemporâneo, quando passa a repercutir e criticar discussões envolvendo as
questões de gênero, passando então a denominar esse par, seus conflitos e congruências, como
HUMANIDADE e NATUREZA.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 191

cidades e vilas pelas fortificações. Para além dos muros existiam animais
selvagens e saqueadores, as altas e desafiadoras montanhas que
poderiam abrigar toda sorte de perigos, ou, ainda, o imenso mar e o
medo renovado da natureza nas tempestades, ou na falta de ventos.
A ideia da natureza como obra divina e admirável ficaria restrita
a alguns autores e seus escritos, como Dante Alighieri (1265-1321), ou
Francesco Petrarca (1304-1374); também se manifestará nos jardins
mencionados, edílicos e fechados entre muros, e a historiografia
demarca estes lugares como relacionados ao privilégio de poucos.
Plantados nos mosteiros, palácios ou castelos, eram jardins de
contemplação, hortas e pomares que pertenciam a abastados e
poderosos senhores (JELLICOE, 1995).
O segundo movimento que se associa à ideia de separação entre
Humanidade e Natureza liga-se ao nascimento da filosofia moderna, em
especial através da filosofia de Renée Descartes. Com a instalação do
Sujeito, motor de todo o conhecimento nesta filosofia, as coisas do
mundo se tornam Objeto de sua investigação.
O nascimento do par Sujeito-Objeto, fruto da filosofia chamada
cartesiana, também demarca um momento importante para a ciência e
seu desenvolvimento. Através dos séculos, a investigação do mundo e
suas questões irá se libertar das explicações ligadas à religião para
edificar seu próprio percurso, no qual a razão e as lógicas de pesquisa
transformarão a natureza em objeto de trabalho.
Se num primeiro momento essa libertação é bastante bem-vinda,
pois se relaciona ao desenvolvimento do conhecimento científico, um
olhar atento perceberá que os desdobramentos não são lineares e essa
mesma liberdade permitirá o desenvolvimento do ideário utilitarista e
de domínio, até a completa transformação da natureza em recurso e
mercadoria.
O que cabe ressaltar nesse processo é uma substantiva perda que
se coloca frente ao ganho do desenvolvimento técnico e tecnológico e
que tem um registro cultural de grande significado: a perda dessa
192

cumplicidade e reconhecimento de que a natureza perpassa todas as


coisas, de que somos organicamente ligados a ela. O ato de isolar,
tornando-a objeto, é ação que implica em grande ônus.
A percepção de que algo se perdia nesse processo de objetivação
da natureza gerou, ainda no século XVIII, um movimento de reação. O
movimento que ficou conhecido como Romantismo guarda contornos
de recuperação dessa cumplicidade original; seus participantes,
teóricos e pensadores, Schiller, Goethe, Schelling, Humboldt, entre
outros, defendiam a organicidade de todas as coisas. A separação entre
Homem e Natureza para esse grupo era um grande prejuízo e,
reencontrar essa disposição de continuidade entre todas as coisas,
reconhecer-se como parte da natureza, exigia um especial esforço. A
chave do reencontro estava na arte, ela seria a grande aliada na
compreensão e recuperação dessa continuidade entre natureza e
humanidade (SCHENK, 2008).
O nascimento da ideia de paisagem se liga a esse momento no
qual a natureza encontrará a cultura. A paisagem certamente existira
enquanto questão em diversas civilizações, tanto como representação,
quanto como ação (BERQUE, 2016). Por exemplo, nas civilizações
clássicas, a paisagem participou de narrativas e representações: como
descrição verbal foi prosa e poema, foi pintura de afrescos e existira
também concretamente, como testemunham os relatos de Cícero
(10643 a.C.) ou Plinio (61-114 d.C.) sobre seus jardins.
Contudo, há algo de grande importância em relação à palavra
paisagem e seu significado; estudiosos revelam um fato precioso: a
palavra país, em várias línguas, é a raiz da palavra paisagem. A paisagem
nasce dessa constatação de que aquela natureza que participa da vida,
do cotidiano, é culturalmente construída e conforma a relação entre a
população e seu território (ROGER, 2000).
A paisagem que somos capazes de abarcar em uma mirada, ou
que somos capazes de reter na memória, significa, e esse significado
está para além da visão: montanhas e vales, vegetação, córregos,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 193

veredas e pântanos, vilas e cidades, em seus muitos registros, são


lugares que reconhecemos, mas também conformam um imaginário. O
território físico do país e sua natureza são fecundados pela cultura, e
esse reconhecimento das paisagens é coletivamente construído.
Essa ideia remete a outra, de igual força: se a ideia de natureza
não é a mesma através dos tempos, qual seria a ideia de natureza do
presente? E ainda, qual o impacto que essa compreensão gera sobre o
mundo? Que paisagens terminam por gerar essa compreensão, o que
elas significam?
A autonomia científica que se conquista através dos séculos a
partir do Renascimento, e que se consolida no século XIX não só separou
a natureza da humanidade, mas a objetivou radicalmente; no limite, a
natureza se tornou recurso: a montanha se tornou minério de ferro,
mercadoria. Sua compreensão atual parece distinguir dois lados: aquele
que transforma a natureza em commodity e aqueles que a reconhecem
como patrimônio e defendem sua conservação e/ou preservação. Toda
essa discussão pode e deve ser avaliada de modo transparente e por
meio de muita informação.
Uma vez mais a paisagem se oferece como um lugar privilegiado
para estabelecer esse debate, pois é a partir dela, enquanto construção
culturalmente elaborada, que os cidadãos serão mais capazes de
exercer a dimensão participativa da governança sem a qual planos,
programas e políticas não se sustentam contemporaneamente.
A paisagem é a materialização de nossas decisões e, ao mesmo
tempo, ela pode ser algo que nos guia e que podemos desejar alcançar,
uma meta. Inspirada em nossa subjetividade, a paisagem que se planeja
e projeta funciona, graças às suas qualidades intrínsecas, como um
catalizador que une decisões de desenvolvimento à preservação e
conservação.
194

INFRAESTRUTURA VERDE

A despeito da definição ainda estar em elaboração (MELL, 2010),


consolida-se entre autores a perspectiva de que a infraestrutura verde
possa operar como uma estratégia de planejamento que acomoda
múltiplas abordagens e dimensões, ambientais e humanas. Segundo
seus autores, essa perspectiva guarda um horizonte de diminuição do
conflito entre meio ambiente e desenvolvimento, causados pelos
processos de ocupação (BENEDICT; MACMAHON, 2006; MELL, 2010;
SANT’ANNA, 2020).
O surgimento da chamada infraestrutura verde 43 apresentou
perspectivas de planejamento e intervenção em rede, através de
dispositivos técnicos e tipologias que buscam associar a hidrografia e
drenagem à presença de vegetação, consolidando não apenas um
ambiente urbano mais saudável, mas, principalmente, recuperando
ciclos naturais fundamentais para a manutenção da vida. Nesse sentido,
as Soluções baseadas na Natureza (SbN), acompanham esse movimento
contemporâneo, materializando as tipologias mencionadas em
propostas para lugares e territórios.
Um dos pressupostos da infraestrutura verde diz respeito à
alteração da cultura de drenagem realizada sob o ideário da engenharia
cinza, na qual sarjetas, bocas de lobo, dutos e galerias compõem o
sistema relacionado às águas pluviais. A recuperação dos cursos de água
em registro mais naturalizado e ampliação da permeabilidade do solo
com o plantio de vegetação, com especial atenção à arbórea, são
igualmente princípios que movem suas ações de planejamento.
O objetivo do planejamento com a infraestrutura verde é
conformar uma rede de espaços qualificados que estabelecem ligações
entre lugares, que são como nós desta rede, quanto mais próximos das

43O termo é de origem anglo-saxônica e foi utilizado pela primeira vez pela Comissão de Corredores
Verdes da Flórida em 1994 (SANT’ANNA, 2020).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 195

lógicas da natureza, mais testemunham o compromisso em ter a


natureza como modelo. Mas nem sempre isso é possível, a composição
com a infraestrutura cinza é, às vezes, a alternativa, e isso não nos
impede de confrontar os aspectos positivos e negativos das alternativas
lado a lado, por vezes utilizando indicadores para revelar esses
benefícios.

O planejamento de infraestrutura verde é baseado na identificação de


áreas que fornecem serviços ecossistêmicos relevantes e, então busca
vincular essas áreas valiosas em uma rede para acumular esses serviços.
[…]. As áreas são selecionadas por causa de sua utilidade e sua posição
em relação a outras áreas. (HAUCK; CZECHOWSKI, 2014, p. 20-21,
tradução nossa).

Entre suas práticas está a preocupação em avaliar os impactos e


melhorias a partir de indicadores. A introdução da ideia relacionada aos
chamados serviços ecossistêmicos como possibilidade de valorar
projetos e lugares testemunha um esforço no desenvolvimento de uma
abordagem ambiental mais pragmática que torna visível as melhorias
alcançadas.
O que se argumenta neste escrito é que essas ações necessitam
se desdobrar, desde que elaboradas as devidas mediações, também na
direção de dimensões subjetivas.

[...] o conceito de infraestrutura verde e planejamento de infraestrutura


verde fornece um método de trabalho pragmático para preservar e
desenvolver espaços verdes bem fundamentados em suas funções para
o bem-estar humano. A estética, no entanto, é o ponto fraco do método.
(HAUCK; CZECHOWSKI, 2014, p. 20-21, tradução nossa).

Esse escrito procura refletir acerca dessas qualidades e propõe


uma necessária articulação entre a Infraestrutura Verde e a Arquitetura
da Paisagem ensaiando, a partir de uma cidade brasileira, alternativas
metodológicas de modo que a paisagem em sua complexidade seja
retomada como parte inalienável do processo de planejamento: a
196

paisagem como lugar capaz de fazer confluir abordagens físicas e


metafísicas, objetivas e subjetivas, quantitativas e qualitativas; o lugar
da vida em suas muitas dimensões. A seguir, apresentamos um exemplo
que procura unir campos e “planejar com a paisagem”.

SÃO CARLOS, SP

São Carlos está no interior do Estado de São Paulo e conta com


aproximadamente 250 mil habitantes (Figura 1). A cidade se desenvolve
a partir da chegada da estrada de ferro e da cultura cafeeira do último
quartel do século XIX, o que coincide com o fluxo imigratório de mão de
obra europeia para trabalhar nas lavouras de café

Figura 1 – Município de São Carlos

Fonte: Diego Trevisan (2015).

A cidade ganhou população e, a partir de meados do século XX,


incrementando indústria, serviços e comércio, caracterizou-se como
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 197

centro de região. O território do município, espaço geográfico de


transição entre domínios morfoclimáticos do Cerrado e Mata de
Araucária (AB’SABER, 2003), apresenta rica rede hídrica, porém
atualmente com poucos remanescentes da vegetação original. A maior
parte da terra, com exceção das protegidas por leis ambientais, é
utilizada no plantio de eucalipto, cana de açúcar e pastos.
O histórico de desenvolvimento urbano de São Carlos, até a
década de 1940, tem ocupação contínua de ruas ortogonais, a despeito
do relevo acidentado; sua morfologia em grade é interrompida pela
passagem dos trilhos do trem e dos córregos existentes em sua
paisagem natural.
Com o passar do tempo, em pontos estratégicos, esses córregos
são canalizados e algumas vezes, tamponados. O crescimento toma
fôlego a partir de 1970, o que resulta num espraiamento de seus limites,
com grande ampliação do perímetro urbano e incorporação de terras
rurais, existindo, porém, a presença de descontinuidades na ocupação,
com glebas a parcelar e terrenos vazios.
O que interessa reter nesse processo é o modo como esse
desenvolvimento altera o território original: a ocupação das várzeas, a
supressão da vegetação e a canalização dos córregos impactam os ciclos
naturais dos sítios conquistados pela urbanização.
O centro da cidade de São Carlos tem sérios problemas de
drenagem. Os problemas se agravaram graças ao processo de
desenvolvimento e impermeabilização crescente do território urbano.
As soluções apresentadas pelas gestões historicamente sempre
foram aquelas que reiteram o modelo clássico de drenagem urbana
brasileiro, apoiado sobre pressupostos da chamada engenharia cinza, o
objetivo é canalizar, tamponar e levar a água rapidamente para fora da
cidade através de seus rios e córregos (SCHENK; PERES; FANTIN, 2018)
(Figuras 2 e 3).
198

Figura 2 – Cartografia de São Carlos, primeiro registro da implantação da cidade, s.d. (esquerda) e
imagem fotográfica realizada em sobrevoo em 1956 (direita)

Fonte: Fundação Pró Memória São Carlos (s.d.).

Figura 3 – Centro da cidade de São Carlos em imagens históricas do século XX

Fonte: Fundação Pró Memória São Carlos (s.d.).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 199

A periodicidade das enchentes se ampliou no quadro atual das


mudanças climáticas. A ocorrência de chuvas de grande intensidade e
volume tem provocado cheias mais dramáticas; um exemplo foi a chuva
ocorrida em novembro de 2020 que causou perdas materiais
expressivas, gerou notícias nacional e internacionalmente, bem como
debates entre a população e seus governantes. O contexto envolveu
ainda ações do Ministério Público exigindo alternativas, planos e
projetos para evitar esses eventos no centro da cidade (Figuras 4 e 5).

Figura 4 – Área central de São Carlos após as chuvas de novembro de 2020. Sob a rua
destruída passa canalizado e tamponado o córrego do Simeão, que tributa suas águas no córrego
do Gregório, principal curso de água da bacia hidrográfica dessa região

Fonte: Imagem de autoria de Paulo Vaz (2020).

Figura 5 – Avenida São Carlos, eixo estruturador da cidade. No ponto mais baixo da
imagem passa canalizado e tamponado o córrego do Gregório

Fonte: Imagem de autoria de Luciana Schenk (2014).


200

GTPU e USP Municípios

O Grupo de Trabalho de Planejamento dos Parques Urbanos de


São Carlos (GTPU), foi criado pelo Conselho Municipal de
Desenvolvimento e Meio Ambiente e conta com a participação
voluntária de diferentes profissionais, servidores públicos, professores
e alunos de graduação e pós-graduação da Universidade de São Paulo
(USP), e Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). O objetivo do
grupo é, através de pesquisa teórica e prática, propor alternativas para
o processo de desenvolvimento da cidade e seu município.
A criação do GTPU coincide com um decreto municipal de 2017
que destacou sete áreas para que se tornassem futuros parques, a ideia
era compor um grupo que pudesse articular essas áre as à cidade
existente. A reunião de diferentes profissionais criou um espaço
interdisciplinar de debate e o grupo visualizou na demanda a
oportunidade de elaborar programas e desenvolver projetos,
inscrevendo esse processo de planejamento em uma agenda
contemporânea ligada à conformação de um sistema de espaços livres,
SEL, que pudesse operar como infraestrutura verde e como lugar de
encontro, descanso, saúde, educação e cultura.
O desafio maior sempre pareceu não ser técnico, ou mesmo
econômico, pois o custo de perdas e reparações das enchentes em São
Carlos se acumula por décadas, mas sim social, cultural e político:
contornar o preconceito estabelecido frente às soluções ainda
chamadas alternativas não é tarefa fácil, seja na gestão, seja em relação
à população. Por isso a instalação de processos participativos, de
educação ambiental e informação para o desenvolvimento de
governança são vitais no desenvolvimento dos planos e projetos.
Uma das estratégias metodológicas desenvolvidas pelo GTPU
atualiza, através de geoprocessamento, os estudos elaborados por Ian
McHarg, (McHARG, 1969). Essa ação permite o cruzamento de dados e
geração de informações, aprofundando processos de compreensão do
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 201

território urbano e podendo subsidiar a formulação de planos, políticas


públicas, programas e projetos.
A imagem denominada cartografia síntese (Figura 6-4), reúne
informações de diversas naturezas, geográficas e legais. As camadas de
informação se acumulam numa síntese que participa do processo de
leitura do território.

Figura 6 – Cartografia síntese (4) e algumas de suas camadas: Hidrografia (1); Áreas de Especial
Interesse Ambiental: Praças e Parques, Áreas de Proteção Permanente, APPs e Áreas de Proteção
e Recuperação dos Mananciais do Município, APREM (2); Parques do decreto (3)

Fonte: Grupo de Planejamento de Parques Urbanos de São Carlos (2020)


202

Outra das ações desenvolvidas pelo GTPU a partir dessa


investigação que gera a cartografia síntese e trabalha o cruzamento de
dados, foi o desenvolvimento da proposta de um Sistema de Parques
Municipais de São Carlos (SIPAM). Para tanto, foi elaborada uma nova
cartografia que buscou construir uma representação que reunisse
espaços livres significativos para o estabelecimento de um sistema que
pudesse configurar uma rede de infraestrutura verde na cidade. Essa
ação torna visível potenciais áreas que podem ser incluídas em
processos de planejamento e projeto. A chamada carta-chave, que
funcionou de base para a elaboração do Projeto de Lei do SIPAM em
2021, pode auxiliar na realização de futura política pública. Ela é fruto
de um desenho atento à realidade, suas fragilidades e potencialidades,
permitindo um pensamento sistêmico a partir dos espaços livres. Seu
processo de construção procura articular dimensões da Infraestrutura
Verde, Soluções Baseadas na Natureza e Paisagem.
O trabalho de articulação pretende contribuir no planejamento e
construção de uma cidade capaz de enfrentar os desafios das mudanças
climáticas; procura ainda ser capaz de propiciar a oportunidade de
desenho de lugares memoráveis para o lazer, educação e encontro à
sua população.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 203

Figura 7 – Carta-chave de um potencial Sistema de Parques de São Carlos: em amarelo os


Parques de Conservação, incluindo os lineares ao longo dos cursos de água; em verde os Parques
de Preservação, em verde claro, os Parques Urbanos

Fonte: GTPU / USP Municípios (2020).

No ano de 2020, membros do GTPU foram contemplados no


edital USP Municípios. Na formulação de seus objetivos o plano de
pesquisa buscava elaborar propostas de Sistemas de Parques e Espaços
Livres no município de São Carlos, considerando a formação de uma
rede de espaços livres verdes, associada a outros sistemas urbanos,
como mobilidade, equipamentos e instituições públicas, drenagem,
arborização e segurança hídrica e alimentar. A ideia era trabalhar o
trânsito entre as escalas do plano ao projeto, a chamada
multiescalaridade, própria da abordagem do campo disciplinar da
Arquitetura da Paisagem, e desenvolver desenhos para específicos
lugares.
O plano de pesquisa teve como recorte metodológico as bacias
hidrográficas e buscava conhecer a realidade desses espaços na cidade,
204

cujo tratamento e qualificação podem ampliar a resiliência urbana às


mudanças climáticas, prevenindo os desastres ambientais. Ao mesmo
tempo, e atualizando questões fundamentais, procurou gerar a partir
desse processo de leitura e experiência, desenhos de espaços
significativos na bacia que contemplassem preservação, educação e
cultura, lazer e saúde, convívio e descanso. Com a situação de
afastamento social em virtude da COVID-19 o plano de pesquisa sofreu
ajustes e, entre outras ações, um workshop foi realizado de forma
remota para a maior parte dos participantes tendo como objeto a bacia
hidrográfica do córrego do Simeão. O córrego e as intensas chuvas
foram apontados pela imprensa e entrevistados como os causadores
dos desastres de novembro de 2020 (Figuras 8 e 9).

Figura 8 – Bacia do córrego do Gregório, em amarelo a bacia do córrego do Simeão, no ponto


onde as águas se encontram está o centro da cidade de São Carlos

Fonte: USP Municípios / GTPU (2021).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 205

Figura 9 – Leitura e estabelecimento de plano e projeto de um sistema de espaços livres para a


bacia hidrográfica do Simeão. 1. Delimitação da bacia; 2. Demarcação dos espaços livres públicos;
3. Relevo; 4. Cheios e vazios, permeabilidade da bacia; 5 e 6. Sistema de Espaços Livres

Fonte: USP Municípios / GTPU (2021).

O processo de aproximação e leitura do território da bacia do


córrego do Simeão reuniu tanto aportes objetivos como coleta de dados
censitários e realização de geoprocessamento para caracterização da
206

área, como subjetivos, visitas a campo, fotografias, desenhos,


entrevistas e descrições. A bacia tem predomínio de uso comercial à
jusante, onde está o centro da cidade; usos residenciais e mistos em sua
porção média e residências e industriais a montante. Há marcadores de
vulnerabilidade social e ambiental por toda a bacia, com a presença de
um perfil de baixa escolaridade e renda.
A experiência de lugar vivenciada pelos participantes que
estavam na cidade e compartilhada com os colegas remotamente foi a
ausência de espaços livres qualificados; escassa e mal distribuída
arborização; presença da linha férrea como linearidade estruturante. O
relevo da bacia hidrográfica desce na direção do córrego do Gregório,
na área central de São Carlos, em terreno fortemente
impermeabilizado, onde ocorrem as históricas enchentes.
O sistema de espaços livres (SEL) (MAGNOLI, 1982) contempla
todos os espaços livres de edificações, públicos ou privados. Não apenas
os córregos, ruas, avenidas, praças e parques, mas também os espaços
livres sem arborização, justamente porque eles podem vir a ser
permeáveis e arborizados. O SEL pode funcionar como poderoso meio
para se pensar acerca das formulações necessárias para a construção
de cidades resilientes; assim, a infraestrutura verde se inscreve sobre o
SEL.
A bacia do Simeão guarda ainda grandes porções de terra,
públicas e privadas sem qualificação e parcelamento. A proposta cuidou
de observar a inscrição de seu sistema de espaços livres
predominantemente nas áreas públicas de modo que sua
implementação pudesse estar mais próxima de ações futuras e efetivas
para seu desenvolvimento.
Foi proposto um sistema de espaços livres que reúne ruas
arborizadas, praças e parques para o território da bacia. A elaboração
desse sistema se faz a partir das prerrogativas da infraestrutura verde e
mantém contato com a realidade da cidade de São Carlos. Vários
sistemas de retenção são pensados como peças técnicas que diminuem
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 207

a velocidade e aumentam a possibilidade de infiltração da água pluvial.


Ao mesmo tempo, ruas arborizadas articulam espaços livres,
permeáveis e verdes para o lazer, encontro e fruição da população. As
imagens a seguir foram produzidas pelos participantes do workshop
realizado no IAU-USP (2021), coordenação profa. Luciana Schenk
(Figura 10).

Figura 10 – Implantação geral da proposta de sistema de espaços livres, infraestrutura


verde e paisagem para a bacia do córrego do Simeão, São Carlos, SP (imagem superior); a maior
retenção realizada no Parque do Cerrado proposto (imagem central), e um dos grandes nós da
rede verde proposta (imagem inferior).

Fonte: USP Municípios / GTPU (2021).


208

A realização de workshops é parte de uma estratégia de produção


de cenários para realização de difusão de novas ideias em relação aos
córregos, infraestrutura verde e drenagem, bem como um incentivo à
construção e manutenção de espaços livres públicos verdes como
questão fundamental de criação de uma cidade saudável e resiliente,
capaz de se adaptar ao fenômeno das mudanças climáticas. Ela nasce
da sociedade civil organizada, corpo técnico interessado e
universidades e busca envolver a gestão em particular e a população em
geral nesse processo de alteração de cultura.
Os desenhos engendram debates, ilustram palestras, promovem
encontros e diálogos, informam; procuram servir de base para a
elaboração de políticas públicas, planos e programas.
Outra forma de contribuir na alteração de cultura é o exemplo a
seguir que trata da realização de projetos-piloto em um programa. Eles
passam a servir de referência, operando de igual modo como exemplo,
inspirando gestões, fomentando uma nova postura por parte da
população e engendrando uma participação mais ativa nas questões de
governo.

PROGRAMA GENTILEZA URBANA

O Programa Gentileza Urbana da Subprefeitura Sé, cidade de São


Paulo, SP, criou espaços permeáveis, trabalhou em diferentes escalas
com usos e funções diversificados. Entre as tipologias construídas
encontram-se jardins de chuva, biovaletas, vagas verdes, escadarias
verdes, rotatórias verdes e bosques urbanos. São pequenos espaçosnas
ruas e avenidas do Centro, ou grandes espaços como ilhas, rotatórias e
baixios de viadutos que operam de forma infraestrutural, drenando a
água e fazendo com que ela retorne ao seu ciclo natural com menor
interrupção.
Nesse processo de quebrar o concreto e o asfalto da área central
da maior metrópole da América Latina, o programa realizou o plantio
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 209

de extensas áreas, contribuindo para a diminuição da temperatura,


ampliação da biodiversidade, captura de carbono e a renovação do ar,
não deixando de lado as questões estéticas relacionadas à qualidade
das experiências pretendidas com cada intervenção.
Idealizado pelo então subprefeito da Sé, Roberto Arantes, o
Programa Gentileza Urbana foi coordenado pelo arquiteto da paisagem
André Graziano (CAU A100317-8), pelo biólogo Rodrigo Soares da Silva
(CRBio 120232/01-D) e pelo engenheiro civil Remy Benedito Silva (CREA
060017992-D). Entre 2019 e 2021 a equipe da Sub-Sé iniciou uma
transformação da paisagem urbana na região central executada com
equipes próprias, desde o projeto, planejamento, execução, obras,
plantio e manutenção. Destaca-se a informação de que todas as árvores
e plantas são oriundas dos viveiros municipais da Cidade: Harry
Blossfeld e Manequinho Lopes.
Uma especial perspectiva do programa foi relacionada à
comunicação, pois se visualizava que esse programa, para conquistar
efetividade, precisaria do apoio da população: esta era uma premissa
fundamental. O resultado dessa preocupação com a informação e a
educação, ambiental e patrimonial, uma vez que seus idealizadores
corroboram da perspectiva de que a paisagem e a natureza são
patrimônio de uma sociedade, foi a grande aderência e construção de
governança. A população se engajou e passou a oferecer vagas em
frente aos seus estabelecimentos e moradias para que fossem objeto
de projeto.
As expectativas da coordenação eram:

[...] transformar as iniciativas do Programa em modelos ambientais em


microescala, cujas funções urbano-paisagísticas possam ser multiplicadas
como política pública, alcançando escalas regionais em seu conjunto. Tais
ações podem representar grandes avanços ambientais na cidade e permitir
que funções socioculturais tenham espaço físico para se manterem ativas.
Espaços saudáveis, gentis, educativos, ambientalmente reconhecidos e
valorizados pela população (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2020).
210

A seguir alguns exemplos são apresentados, com destaque para


as imagens de “antes e depois” das intervenções realizadas no território
da Subprefeitura da Sé, cidade de São Paulo (Figuras 11, 12, 13 e 14).

Figura 11 – Sistema de espaços livres, jardins drenantes dispostos na rua Major Natanael, com
mais de 2.900 m 2 de área que liga a colina da Avenida Doutor Arnaldo à várzea do córrego do
Pacaembu, que remanesce canalizado e tamponado na cidade de São Paulo

Fonte: Gentileza Urbana. Fotos autoria Comandante Arantes e Daniel Frias (2021).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 211

Figura 12 – Vaga verde, São Paulo, SP

Fonte: Gentileza Urbana. Fotos autoria Carol Prado (2021).

Figura 13 – Biovaleta Avenida 23 de Maio, São Paulo, SP

Fonte: Gentileza Urbana. Fotos autoria Carol Prado (2021).


212

Figura 14 – Praça Capitão Gino Struffaldi

Fonte: Gentileza Urbana. Fotos autoria Carol Prado (2021).

CONCLUSÃO

A natureza é termo que atravessa a história humana recebendo


diferentes interpretações e significados. Ela já aparece como questão e
materialidade na história ocidental desde os Clássicos, mas sofre
profundas alterações a partir de sua percepção como objeto de estudo
e intervenção. A radicalização de sua compreensão como objeto, no
final do século XIX, leva-nos a algo de dimensão metafísica: a natureza,
que já foi divina e associada à maternidade, separa-se da humanidade;
objetivada, torna-se recurso e mercadoria, e esse movimento implica
em perda.
Esse afastamento se manifesta na paisagem. A paisagem é a
expressão de nossa relação com a natureza, em muitos registros,
verbais e não verbais: ela aparece em descrições e narrativas, usos e
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 213

apropriações; ela acumula história, patrimônio e memória; é


representação estética e experiência.
A riqueza e complexidade da paisagem, em termos de significado,
nasce do entrelaçamento de diferentes perspectivas, que põe em
diálogo dimensões objetivas e subjetivas, campos artísticos e culturais,
particulares e coletivos.
A perspectiva que articula técnica e estética está presente desde
o início do campo disciplinar da Arquitetura da Paisagem. Para essa
profissão, que desenvolve planos e projetos, desde o início está
também presente o comprometimento social, em sua dimensão ética
de promoção da civilidade e profunda atenção à natureza e seus ciclos.
A formação desse profissional mantém a ligação entre Natureza e
Humanidade, pois a experiência do real é parte constitutiva dos
processos de plano e projeto de paisagens.
A metodologia que alicerçou o workshop realizado para a bacia
hidrográfica do córrego do Simeão na cidade de São Carlos-SP, procurou
elaborar um sistema de espaços livres, atualizando o campo disciplinar
através de seu contato com a realidade brasileira e, valendo-se das
estratégias da infraestrutura verde e da arquitetura da paisagem, chega
a uma proposta que articula os lugares a imaginários, história e cultura
local, fazendo nascer em terrenos ociosos, novas paisagens. O
desenvolvimento foi realizado através de dados objetivos e subjetivos,
os projetos propostos, por sua vez, miram questões contemporâneas
como mitigação das enchentes e manutenção da qualidade da água,
ampliação da vegetação urbana com diminuição da temperatura e
melhoria da qualidade do ar. Contudo, o que cabe ressaltar neste
processo é a dimensão cultural e estética, o engajamento dos desenhos
com imagens de um repertório cultural ligado à vida presente no
imaginário das pessoas que habitam a cidade.
A expectativa de workshops como o realizado é participar de um
movimento de alteração de cultura e visualização de que é possível
pensar as questões de drenagem e os sistemas de infraestrutura de
214

forma complexa e criativa. O desafio maior, em especial para realidades


como a brasileira, diz respeito não apenas às cidades consolidadas,
metrópoles como São Paulo, com 20 milhões de habitantes, mas
também para cidades muito menores, cujo processo de
desenvolvimento da mesma forma seguiu o modelo das metrópoles,
que canalizou seus córregos e impermeabilizou suas várzeas, ocupou o
território negligenciando os espaços livres verdejados e a arborização
urbana. Essas cidades sofrem com problemas de enchentes e falta de
lugares de lazer, saúde, encontro e educação.
Toda ação de planejamento e projeto é uma oportunidade de
criação desse vínculo fundamental, materializado através da paisagem.
No caso do exemplo da cidade de São Paulo, o Programa Gentileza
Urbana instala dispositivos de drenagem verde em lugares já
consolidados, e esta ação só foi possível porque a gestão se mostrou
sensível à oportunidade de “fazer ver pelo exemplo”. A conquista da
cidade e sua população são milhares de metros quadrados agora
permeáveis e verdes, algo que altera a vida e sua percepção provando
que não basta a tipologia de infraestrutura verde em rede, interessa
como ela está disposta, qual a qualidade de experiência essa rede e seus
lugares podem causar.
Os exemplos apresentados procuram argumentar acerca da
necessária articulação entre ações ligadas à infraestrutura verde e
soluções baseadas na natureza à arquitetura da paisagem. Daí a
necessidade de se promover estratégias de planejamento e trabalho
multidisciplinares que contemplem diferentes aportes, inclusive os
artísticos, que não devem ser colocados como questão menor, ou ainda
estreitados dentro de uma perspectiva funcionalista (SILVESTRE;
ALIATA, 2001).
Quando a paisagem passa a articular campos disciplinares e
profissionais amplia-se o espectro de perfis tratados. A paisagem
pretendida significa, ela expressa uma interação entre natureza e
humanidade: a ideia de natureza, bem como os princípios que nutrem
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 215

sua alteração, preservação ou conservação, posta em contato com a


qualidade do desenvolvimento pretendida, é capaz de revelar
interesses e razões. Cumpre construir governança e participar
ativamente de nossas escolhas acerca do desenvolvimento, para tanto,
a paisagem se apresenta como poderoso meio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AB’SABER, A. N. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo:


Ateliê Editorial, 2003.
BENEDICT, M. A.; MCMAHON, E. T. Green infrastructure: linking landscapes and communities.
Washington: Island Press, 2006.
BERQUE, A. La pensée paysagère. Paris: Éoliennes, 2016.
BESSE, J.-M. O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro: Eduerj, 2014.
HAUCK, T., CZECHOWSKI, D. (eds.) Revising Green Infrastructure. [s/l]: CRC Press, 2014. ProQuest
Ebook Central.
HOUGH, M. Cities and natural process. London: Routledge, 1995.
JELLICOE, G.; JELLICOE, S. El paisaje del hombre. Barcelona: Gustavo Gili, 1995.
LENOBLE, R. História da Idéia de Natureza. Lisboa: Edições 70, 1969.
MAGNOLI, M. M. E. M. Espaços livres e urbanização: uma introdução a aspectos da paisagem
metropolitana. 1982. 116 p. Tese (livre-docência em Estruturas Ambientais Urbanas) −
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982.
MCHARG, I. Design with nature. Philadelphia: Falcon Press, 1969.
MELL, I. Green infrastructure: concepts, perceptions and its use in spatial planning. Thesis
submitted for the Degree of Doctor of Philosophy, School of Architecture, Planning and
Landscape, Newcastle University, 2010.
PREFEITURA DE SÃO PAULO. Conheça as ações do Programa Gentileza Urbana. 2021. Disponível
em:
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=109553.
Acesso em: 27 fev. 2022.
ROGER, A. La naissance du paysage en occident. In: SALGUEIRO, H. (org.). Paisagem e arte: a
invenção da natureza, a evolução do olhar. São Paulo: H. Angotti Salgueiro, 2000. p 33-39.
SANT’ANNA, C. G. A infraestrutura verde e sua contribuição para o desenho da paisagem da
cidade. Tese (doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2020. Disponível em:
https://repositorio.unb.br/handle/10482/39399. Acesso em: 26 fev. 2022.
SCHENK, L. B. M.; LIMA, M. C. P. B. O método cartográfico no projeto de Arquitetura da
Paisagem. Revista Risco, São Carlos, n. 17-2, p. 26-40, 2019. Disponível em:
https://doi.org/10.11606/issn.1984-4506.v17i2p26-40. Acesso em: 26 fev. 2022.
SCHENK, L. B. M. Arquitetura da paisagem: entre o pinturesco, Olmsted e o Moderno. 2008. Tese
(doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade
216

de São Paulo, São Carlos, 2008. Disponível em:


https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/18/18142/tde -08102008-170940/pt-br.php.
Acesso em: 26 fev. 2022.
SCHENK, L. B. M.; PERES, R. B.; FANTIN, M. A. Sistema de espaços livres e sua relação com os
agentes públicos e privados na produção da forma urbana de São Carlos, SP. In: MACEDO, S.
S.; QUEIROGA, E. F.; CAMPOS, A. C. M. de A. C.; CUSTODIO, V. (org.). Quadro geral da forma
e do sistema de espaços livres das cidades brasileiras. Livro 2. São Paulo: FAUUSP, 2018. p.
297-339.
SILVESTRI, G.; ALIATA, F. El Paisaje como Cifra de Armonía – relaciones entre cultura y
naturaleza través de la mirada paisajística. Buenos Aires: Nueva Vision, 2001.
SPIRN, A. W. O jardim de granito. São Paulo: Edusp, 1995.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 217

Capítulo 8

A CIDADE É INFRAESTRUTURA, É PAISAGEM, É VERDE

Camila Gomes Sant’ Anna 44

O desenvolvimento urbano tradicional norteado por propostas


de grandes infraestruturas cinzas de engenharia desconsiderou a
natureza do território. Segundo Anne Spirn, professora Emérita da
Universidade da Pensilvânia, em seu renomado livro Jardim de Granito
– A natureza no desenho das cidades, o uso e a ocupação do solo que
orquestram o desenho da paisagem das cidades não se fundamentam
nos processos naturais: vegetação, solo, corpos d’água, morfologia, que
caracterizam o local no qual este se insere, muito menos em seus
valores culturais (SPIRN, 1994).
Como consequência disso vemos as paisagens com grandes áreas
desmatadas, desmoronamentos, enchentes, dentre outros impactos
socioambientais. Com o aumento da expansão urbana sem
planejamento, esses impactos têm se asseverado, exigindo para a nossa
sobrevivência maior resiliência social e ecológica. Dessa forma, todas
essas questões colocadas por Spirn persistem até os dias de hoje e se
intensificam com o advento acelerado dos efeitos das mudanças
climáticas e, contemporaneamente, com a pandemia.
Spirn (1994), no epílogo do seu livro, faz uma reflexão sobre este
modelo de cidade, nomeando-a como “Cidade Infernal” e cita Ítalo
Calvino no Livro Cidades Invisíveis:

O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui,
o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos.

44Dra. Arquitetura e Urbanismo, Profa. de Arquitetura da Paisagem do Curso de Arquitetura e


Urbanismo da Universidade Federal de Goiás. E-mail: cgomessantanna@gmail.com
218

Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das
pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de
percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem
contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é
inferno, e preservá-lo, e abrir espaço. (CALVINO, 2015 apud SPIRN, 1995, p.
289).

Para construirmos a “segunda maneira de não sofrer” e


“abrirmos espaço” precisamos reconhecer inicialmente que a cidade é
artificializada e requer infraestrutura para o desempenho das suas
funções urbanas. Dentro deste cenário, a paisagem surge como
infraestrutura base para uma cidade engajada em sua natureza e
cultura, definida por Spirn (1994) como Cidade Celestial. Nesta cidade
procura-se o uso sustentável do solo em consonância com a
conservação das áreas de interesse ambiental.

A CIDADE E A PAISAGEM COMO INFRAESTRUTURA

A cidade é um conjunto de sistemas (mobilidade, drenagem,


ambiental, dentre outros), que orquestram a paisagem do território.
Para mim, entender a complexidade do que é a paisagem de um
território

[…] envolve não apenas compreender e valorizar o lugar em que habitamos


e seu patrimônio material e imaterial, seu registro concreto, de uso, artístico
e cultural, como também revelar e potencializar as qualidades bióticas e
abióticas do seu meio ambiente. (SANT’ANNA, 2020, p. 29).

Repensar o paradigma do planejamento que vem sendo feito


até então, muito baseado em infraestruturas cinzas monofuncionais,
tendo a paisagem como infraestrutura, ou melhor, paisagens
infraestruturais (BONZI, 2017), requer o engajamento de diferentes
profissionais para a construção de uma estratégia integrada para ver,
planejar, projetar e gerir as cidades (Figura 1).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 219

Figura 1 – Exemplo esquemático de como pensamos a paisagem como infraestrutura

Fonte: Autora (2022).

As paisagens infraestruturais, como elementos ordenadores do


território,

apresentam vantagens em relação às infraestruturas convencionais:


realizam mais do que uma função em um mesmo espaço e, quase sempre,
por um valor inferior ao custo da infraestrutura convencional; não são
rejeitadas pela população, e ao contrário da ʺinfraestrutura cinzaʺ,
aumentam seu desempenho e seu valor com o passar do tempo. (BONZI
apud PELLEGRINO; MOURA, 2017, p. 7).

Não se trata de querer recuperar a natureza nas cidades como


antes da ocupação, mas sim compreender o que é esta natureza e sua
relação com a cultura em tempos contemporâneos, como ela pode
colaborar para um desenho de cidade mais verde e humano.
Dentro desta perspectiva, os diferentes sistemas que compõem
a paisagem (naturais, tecnológicos e humanos) e a relação entre eles,
nas diferentes escalas de atuação no território (desde a global 45 à local)

45Richard T. T. Forman é professor emérito da Universidade de Havard e é tido como uma das
principais referências no estudo da vertente da Ecologia da Paisagem na Disciplina de Arquitetura
da Paisagem. O autor defende que para se falar sobre Biodiversidade é necessário pensar os
hotspots de biodiversidade, ou seja, as maiores concentrações de biodiversidade na escala global.
220

são pensados de forma conjunta, promovendo as funçõe s ecológicas e


socioculturais na busca da renaturalização das cidades, garantindo a
resiliência das cidades verdes.

2 A CIDADE É VERDE, RESSIGNIFICANDO ESSE VERDE NA PAISAGEM


DAS CIDADES

O processo de renaturalização das cidades requer a


ressignificação da natureza e da cultura nas cidades, compreender
como utilizá-las como estratégia para planejar e projetar em tempos do
Antropoceno. O entendimento de natureza e sua relação com a cultura
de um lugar, muitas vezes, é traduzido pelo verde. Baseia-se no
desempenho ecológico da vegetação e na sua articulação não só com
os sistemas azuis, como também com o marrom (solo) e o amarelo
(iluminação).
As estratégias de verdejamento das cidades, todavia, não se
limitam somente em restaurar os ecossistemas e minimizar a perda da
sua biodiversidade, como também promover os valores estéticos,
culturais e sociais (SANTANNA, 2020). Elas são compostas por soluções
baseadas na natureza46 – nature based solutions, que procuram
promover os processos da natureza em estratégias multifuncionais
tecnológicas com alta performance ecológica, econômica e social,
dialogando com as infraestruturas cinzas tradicionais. Essas soluções
baseadas na natureza comporiam propostas de infraestruturas verde,
que com relação às cinzas, são mais monofuncionais, flexíveis e
proporcionam cenários paisagísticos que potencializem a qualidade de
vida da população.
Para Benedict e McMahon (2006, p. 2), que cunharam o conceito
infraestrutura verde – green infrastructure – nos Estados Unidos, ela

46 Termo cunhado pela União Internacional para conservação da Natureza (IUCN). O objetivo é
pensar soluções inspiradas nos processos naturais capazes de garantir resiliência, devido aos seus
benefícios socioculturais, ecológicos, políticos e econômicos, dentre outros.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 221

difere das abordagens convencionais das disciplinas ligadas à


conservação da natureza por defender que a urbanização não precisa
ser antagônica à natureza. Não se trata apenas de conservar as áreas de
interesse ambiental ou urbanizar. Este conceito surge nos anos 1990,
com o intuito de pensar o desenvolvimento urbano em consonância
com a conservação das áreas de interesse ambiental e ainda se
encontra em construção.
Há um grande debate entre acadêmicos, profissionais e
instituições governamentais sobre as contribuições da infraestrutura
verde, no entanto, não existe um consenso sobre o termo e a sua
aplicabilidade, assim como sua relação com as soluções baseadas na
natureza. Dentre os autores temos: Ahern (2007, 2010); Austin (2014);
Dover (2015); Herzog (2013); Mell (2010); Pellegrino e Moura (2017);
Pons (2016); Rouse e Bunster-Ossa (2013); Vasconcellos (2015) (Figura
2). No contexto americano, onde surgiu o tema, o conceito é muito
explorado a partir da sua relação com o planejamento e o projeto da
paisagem. A autores como Ahern (2007) e Rouse e Bunster-Ossa (2013)
escrevem uma série de textos com o intuito de estabelecer, nas
diferentes escalas, estratégias de implementação da infraestrutura
verde. Firehock (2018, 2012 e 2010) apresenta uma estratégia
metodológica que é desenvolvida no Green Infrastructure Center
(Green Infrastructure Center, 2022) na Virgínia.
222

Figura 2 – Algumas das principais bibliografias nacionais e internacionais

Fonte: Colagem elaborada pela autora (2022).

Em âmbito europeu, Ian Mell, professor na University of


Manchester, é uma das principais referências no estudo da
Infraestrutura verde na Inglaterra. Sua tese “Green infrastructure:
concepts, perceptions and its use in spatial planning” consolida o
conceito no contexto do Reino Unido e suas demais publicações criam
uma série de diretrizes para sua implementação. Outros autores, como
Maria Beatrice Andrecci, da Università degli Studi di Roma "La
Sapienza", em seus livros e outros que participou da organização,
também colabora para a análise das estratégias de infraestrutura verde,
a partir de diferentes estudos de casos.
No contexto brasileiro, o conceito é incorporado em muitas
discussões sobre estratégias de renaturalização das cidades. Os livros,
Infraestrutura Verde Aplicada ao Planejamento da Ocupação Urbana,
de Andrea Vasconcelhos, e Cidades para TODOS: (re)aprendendo a
conviver com a NATUREZA, de Cecilia Polacow Herzog, são referências
na conceituação do termo e na definição de estratégias. Mais
recentemente, o livro Estratégias de infraestrutura verde, de Newton
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 223

Becker e Paulo Pellegrino avançam ao tentar definir, a partir da


contribuição de diferentes autores, quais são os elementos que
compõem a rede ecológica da infraestrutura verde nas suas diferentes
escalas.
Para mim, como defino na minha tese “A contribuição da
Infraestrutura verde para o desenho da paisagem das cidades”, a
infraestrutura verde é

uma ferramenta multifacetada para se pensar o planejamento e projeto da


paisagem, propondo a criação de uma rede composta por sistemas verdes e
azuis no território que possibilite a expressão da estrutura da paisagem, no
seu sentido mais amplo, envolvendo: (i) ação humana em harmonia com os
processos naturais (ciclo do ar, hidrológico, de materiais, de plantas,
produção) e suas características (vegetação, corpos d’ água, características
do solo, fauna e flora) e, (ii) significado e percepção, de uso estético, cultural
e patrimonial. (SANT’ANNA, 2020, p. 101).

Após uma análise sobre os princípios que norteariam as estratégias


de infraestrutura verde segundo os principais autores sobre o tema, seis
surgem como os principais: conectividade física e ecológica,
participação social, integração, multifuncionalidade,
interdisciplinaridade e multiescalaridade que influencia todos os
demais princípios (Figura 3):

a) conectividade física e ecológica: baseia-se nos princípios da


Ecologia da Paisagem (EP) e objetiva estabelecer uma rede
ecológica em que as conexões são otimizadas entre seus hubs
(grandes áreas de concentração ecossistêmicas) e seus lugares
(áreas de interesse ambiental, mas com funções recreacionais
e de lazer);
b) interdisciplinaridade: busca reunir diferentes disciplinas;
c) multifuncionalidade: procura um desempenho multifuncional
ecológico;
224

d) integração: propõe infraestrutura verde que dialoga e


potencializa as demais infraestruturas existentes no território;
e) participação social: fomenta a inclusão dos agentes
transformadores do território desde sua idealização até seu
monitoramento da sua implantação;
f) multiescalaridade: reflete na atuação da infraestrutura verde
nas diferentes escalas do território. Este princípio promove o
diálogo entre os demais por atuar nas diferentes escalas.

Figura 3 – Os seis princípios que norteiam as estratégias de infraestrutura verde

Fonte: Autora (2022)

As abordagens de infraestrutura verde, orientadas por estes


princípios, procuram transformar a “cidade infernal” da Spirn em
“cidade celestial”, criando uma cidade infraestrutura verde adaptada às
mudanças climáticas. Esta cidade também tem que ser capaz de
responder aos anseios da natureza, principalmente aqueles que
surgiram neste período pandêmico. E, ainda, ser capaz de promover o
patrimônio material e imaterial. Para tanto, planejar e projetar
contemporaneamente as cidades passa pela renaturalização como um
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 225

meio para se construir outras paisagens, mais humanas e ecológicas,


tendo a infraestrutura verde como ferramenta.
A renaturalização é incorporada nas ações de valorização do meio
ambiente e promoção de propostas de desenvolvimento sustentável
das capitais europeias. Para incentivá-las foi criado o prêmio anual
Capital Verde em 2010, com o objetivo de promover as cidades que
investem na agenda verde. Este é o caso de Vitória Gastiez, que em 2012
foi premiada pelas suas estratégias de infraestrutura verde, que dentre
suas ações procurava ampliar em um terço seus espaços públicos e
garantir 45 m2 por habitante, que abordaremos a seguir.

A CONSTRUÇÃO DE OUTRAS PAISAGENS: O CASO DE VITORIA GASTIEZ

Com um pouco mais de 250 mil habitantes, Vitoria-Gasteiz é a


maior cidade da comunidade basca, tendo um protagonismo também
em relação à região norte da Península Ibérica e na Rede Ecológica Pan
Europeia.
A cidade possui grandes reservas de biodiversidade do corredor
ecológico da Cordillera Cantábrica – Pirineos – Macizo Central –
Alpes Occidentales. Em um primeiro momento, tratou de compreender
a inserção da cidade na biorregião de Álava Central e seus aspectos
ecológicos.
Sobrepõem-se cartografias com as diferentes singularidades das
redes ecológicas que integram esta biorregião, procurando integrar: a
rede de espaços de interesse ambiental protegidos, parques naturais,
biótopos protegidos, tipo arbóreos de importância patrimonial, rede
ecológica Europea Natura 200047, a rede de zonas de preservação das
áreas úmidas do Convênio de Ramsar48, a rede de unidades de paisagem

47 Natura 2000 é a maior rede de proteção de áreas de interesse ambiental no mundo, sendo 8%
de território marinho (EUROPE COMMISION, 2022).
48 Esta convenção sobre zonas úmidas de importância internacional foi estabelecida em 1971,

trata-se de um tratado internacional que visava incialmente a conservar os habitats aquáticos


226

singulares presentes no Catálogo del Paisaje del Área Funcional de Alava


Central49 (DEPARTAMENTO DE PLANIFICACION TERRITORIAL, VIVENDA
Y TRANSPORTES, 2022) e as áreas de Proteção Ambiental Territorial.
Foi desenvolvida uma leitura multiescalar em camadas do
território que, muito próxima da metodologia mcharguiana 50 , onde se
identifica a relação da rede de infraestrutura verde existente e o
território, sua conexão física, ecológica e sociocultural, com a definição
da rede de infraestrutura verde que articula elementos hubs, ou cores,
lugares-sites e conexões-links:

Hubs/Cores: espaços com alto grau de naturalidade e bom estado de


conservação adjacente à cidade"; lugares-sites: espaços verdes localizados
dentro da cidade que, por tamanho e/ou localização, incluem estruturação
de peças básicas do sistema verde urbano; conexões-links: Um elemento
linear cuja função primária é facilitar a conexão entre elementos centrais e
nós. (AYUNTAMENT DE VITORIA-GASTIEZ, 2014, p. 17, tradução nossa).

Na escala da cidade, procura-se compreender o papel dos hubs-


nós na planície, composta por um cinturão verde e agrícola
implementado em 1995 de “967 hectares, dos quais 907 hectares
correspondem a parques periurbanos e 61 hectares a áreas agrícolas”
(AYUNTAMENT DE VITORIA-GASTIEZ, 2014, p. 47, tradução nossa)
(Figura 4).

fundamentais para as aves migratórias, mas posteriormente ocorreu uma ampliação do seu escopo
para a promoção do uso sustentável dessas áreas e a garantia do bem-estar de sua população.
49 Em resposta as orientações da Convenção Europeia da Paisagem (CEP) de 2000, os Estados

Europeus iniciaram, dentre outras ações, a elaboração de catálogos da paisagem com o intuito de
identificar, conservar e planejar as unidades da paisagem espanholas, a partir de suas
características objetivas e subjetivas.
50 Ian Mc Harg, professor da University of Pensylvania, inovou o campo disciplinar da Arquitetura

da Paisagem, por trazer a perspectiva ecológica. O livro Design with Nature (1964) é a principal
referência no estudo da sua teoria, traz uma proposta metodológica de leitura, planejamento e
projeto do território, a partir de diferentes camadas.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 227

Figura 4 – O cinturão verde e o agrícola

Fonte: Autora (2022).

Observa-se o protagonismo dos parques de interesse ambiental,


dentre eles Zabalgana, Salburua, Zadorra, Olarizu, Armentia e Las
Neveras (Figura 5), com alta concentração de biodiversidade (Figura. 5).
228

Figura 5 – Os parques e o cinturão verde e agrícola

Fonte: Carolina Fernandes adaptado do site: https://www.vitoria-gasteiz.org/j34-


01w/catalogo/portada?idioma=es. Acesso em: 20 fevereiro 2022.

A maior parte dos lugares-sites são espaços definidos e


delimitados, organizados em principais ou secundários, dependendo da
sua importância. As conexões são elementos lineares que articulam
lugares e hubs, que incorporam os tradicionais corredores arbóreos e
cursos d’água. São mapeadas a atuação dos deslocamentos físicos e
ecológicos, traduzidos espacialmente itinerários verdes, caminhos
urbanos e rotas verdes, na promoção da conectividade do território: e
caminhos de pastoreio.
Definida a rede de hubs, conexões e lugares (Figura 6) que
compõe o território, seus problemas, suas fragilidades, e suas
potencialidades, o próximo passo foi compreender o desempenho das
infraestruturas urbanas construídas de baixo desempenho, ou não, e
sua relação com a rede ecológica (os parques de interesse ambiental do
cinturão verde, parques de lazer e recreação, praças, jardins etc.) e azul
(aquífero, rios, córregos, diques, áreas úmidas e rede de saneamento).
Ao mesmo tempo, foram identificadas as áreas fragmentadas
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 229

caracterizadas por terrenos desocupados, obsoletos e/ou brownfields,


com potencial de ser integrado a rede verde existente.

Figura 6 – A rede de hubs, conexões e lugares

Fonte: Carolina Fernandes adaptado do site: https://www.vitoria-gasteiz.org/j34-


01w/catalogo/portada?idioma=es. Acesso em: 20 fevereiro 2022 ano.

Como resultado temos a rede ecológica verde e azul cartografada


e o seu potencial de expansão definido. Para tanto, estrutura-se uma
proposta de infraestrutura verde, que parte da rede hídrica, com o
objetivo de

promover o uso público combinado de espaços verdes, aumentar as


oportunidades de lazer e recreação, aumentar a acessibilidade e as conexões
campo-cidade, preservar o patrimônio cultural e as paisagens tradicionais e
ampliar o senso de identidade e pertencimento. (AYUNTAMENT DE VITORIA-
GASTIEZ, 2014, p. 15, tradução nossa).

No desenvolvimento das propostas a participação social sempre


esteve presente na definição da estratégia, do início ao final do projeto.
230

A incorporação da população se deu por meio de oficinas, workshops,


palestras e exposições.

CONCLUSÃO

Devido ao cenário de degradação sociambiental e o alarmante


aumento do impacto das mudanças climáticas, torna-se fundamental
rever o paradigma tradicional de planejamento e projeto de cidades,
que por ser baseado em soluções de infraestrutura de engenharia cinza,
não se fundamenta nos processos naturais para pensar o seu
desempenho e com isso acaba por, muitas vezes, colocar em risco a
qualidade de vida dos habitantes das cidades.
Esta mudança de paradigma requer uma renaturalização das
cidades, onde a paisagem surge como infraestrutura na promoção de
um desenvolvimento urbano sustentável que incorpore e conecte, de
forma interdisciplinar e integrada, sua rede ecológica e seus valores
materiais e imateriais, com o uso de soluções baseadas na natureza,
orquestradas pelas estratégias de infraestrutura verde.
Dessa forma, constroem-se outras paisagens, que tomam forma
com as cidades verdes, como as da capital de Vitoria Gastiez, por meio
de uma metodologia que parte das diferentes camadas do território, e
visa a estruturar os sistemas verdes e azuis. A análise deste estudo de
caso demonstrou a importância dos seis princípios, conectividade física
e ecológica, participação social, integração, multifuncionalidade,
interdisciplinaridade e multiescalaridade, para o planejamento e o
projeto da paisagem com a infraestrutura verde.

AGRADECIMENTOS

O desenvolvimento do estudo sobre Vitória Gastiez só foi possível


graça a uma visita técnica de pesquisa ao Politécnico di Madri, sob
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 231

supervisão do Professor Emérito José Fariña, financiada pela Fundação


de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal no ano de 2018.

REFERÊNCIAS

AHERN, J. Green infrastructure for cities. The spatial dimension. In: NOVOTNY, V. Cities of the
future. Towards integrated sustainable water and landscape management. London: IWA
Publications, 2007. p. 267-283.
AHERN, J. Planning and design for sustainable and resilient cities: theories, strategies and best
practice for green infrastructure. In: NOVOTNY, V.; AHERN, J.; BROWN, P. (eds). Water-centric
sustainable communities. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2010. p. 135-176.
ANDREUCCI, M. Progettare l’involucro urbano. Casi studio di progettazione tecnologica
ambientale. Milano: Wolters Kluwer, 2019.
ANDREUCCI, M. Progettare green infrastructure. Tecnologie, valori e strumenti per la resilienza
urbana. Milano: Wolters Kluwer, 2017.
AUSTIN, G. Green infrastructure for landscape planning. Integrating human and natural systems.
New York: Routledge, 2014.
AYUNTAMIENTO DE VITORIA-GASTEIZ. La infrastructure verde urbana de Vitória-Gasteiz. Vitoria-
Gasteiz: CEA, febrero, 2014. Disponível em: https://www.vitoria-
gasteiz.org/wb021/http/contenidosEstaticos/adjuntos/eu/32/95/53295.pdf. Acesso em: 10
abr. 2020.
BENEDICT, M. Green infrastructure: linking landscapes and communities. Washington D.C.: Island
Press, 2006.
BONZI, R. Paisagem como infraestrutura. In: PELLEGRINO, P.; MOURA, N. B. (org.). Estratégias para
uma infraestrutura verde. Barueri: Manole, 2017, p. 1-24.
DEPARTAMENTO DE PLANIFICACION TERRITORIAL, VIVENDA Y TRANSPORTES. Catálogo del paisaje
de área funcional de alava central. Disponível em: https://www.euskadi.eus/catalogo-del-
paisaje-del-area-funcional-de-alava-central/web01-a2lurral/es/. Acesso em: 20 fev. 2022.
EUROPEAN COMMISSION. Natura 2000. Disponível:
https://ec.europa.eu/environment/nature/natura2000/index_en.htm. Acesso em: 20 fev.
2022.
FIREHOCK, K. Strategic green infrastructure planning. The transformational speaker series. 2018
(49m 43s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FXagh– D_F-tk. Acesso em: 10
jul. 2019.
FIREHOCK, K. Strategic green infrastructure planning: a multi-scale approach. Washington: Island
Press, 2012.
FIREHOCK, K. A short history of the term green infrastructure and selected literature. 2010.
Disponível em: http://www.gicin.org/pdfs/GI%20history.pdf. Acesso em: 10 jul. 2019.
GREEN INFRASTRUCTURE CENTER. Centro de estudos sobre infraestutura. Disponível em:
http://gicinc.org/. Acesso em: 20 fev. 2022.
SPIRN, A. O jardim de granito. São Paulo: Edusp, 1995.
PELLEGRINO, P.; MOURA, N. Estratégias para uma infraestrutura verde. Barueri: Manole, 2017.
232

ROUSE, D.; BUNSTER-OSSA, I. Green infrastructure: a landscape approach. Chicago: APA Planners
Press, 2013.
ROUSE, D.; BUNSTER-OSSA, I. Landscape planning, design and green infrastructure. In: INFIELD, E.;
ABUNNASR, Y.; RYAN, R. Planning for climate change. A reader in green infrastructure and
sustainable design for resilient cities. New York: Routledge, 2019.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 233

Capítulo 9
INFRAESTRUTURA VERDE E RESERVATÓRIOS ANFÍBIOS

Adriana Afonso Sandre51

Este capítulo traz uma consideração sobre projetos de


arquitetura da paisagem, especificamente de soluções otimizadas para
os reservatórios de águas pluviais, a partir da objetivação de uma
multifuncionalidade para o espaço livre. Trata-se de uma investigação
de como incorporar as Soluções baseadas na Natureza (SbN) ao
desenho urbano, de forma a considerar o universo de questões relativas
à paisagem de maneira não fragmentada. O projeto da paisagem
urbana, a partir dessa perspectiva, é visto de forma multifuncional e
transdisciplinar nas diversas escalas a que é submetido ao primar por
uma concepção sistêmica, abarcando as questões de infraestruturas
urbanas, sociais, econômicas e ambientais. O texto foi estruturado em
três itens: o primeiro apresenta considerações acerca da
multifuncionalidade em projetos de paisagem urbana, adotando o
conceito de Infraestrutura Verde (IV) e SbN como subsídio a discussão;
o segundo aborda a necessidade de uma mudança de paradigma no
tratamento e reservação das águas urbanas; por fim, o terceiro
apresenta um estudo de caso de um Reservatório anfíbio.

A IMPORTÂNCIA DA MULTIFUNCIONALIDADE NOS PROJETOS DE


PAISAGEM URBANA

51Doutoranda em Paisagem e Ambiente, FAU USP, Guajava Arquitetura da Paisagem e Urbanismo.


E-mail: adriana.sandre@gmail.com
234

O planejamento ambiental, ao realizar uma análise diferencial


entre conservar a biodiversidade, prover serviços ecossistêmicos e
qualificar o espaço social, pode atender às exigências contemporâneas
de projetos de espaços livres multifuncionais.
Tais espaços podem exercer várias funções, conforme Pellegrino
et al. (2006) exemplificam: conectar fragmentos de vegetação; conduzir
as águas com segurança; oferecer melhorias microclimáticas; atender
aos usos relacionados à moradia, trabalho, educação e lazer, garantindo
maior segurança social; acomodar as funções das demais
infraestruturas urbanas como transporte e abastecimento, além de
atender aos objetivos de recreação, encontro e melhorias ambientais e
estéticas. É nesse sentido que advém o conceito da infraestrutura verde
que, segundo o autor, ao agregar corredores verdes urbanos, alagados
construídos (wetlands), reflorestamentos de encostas e ruas verdes,
entre outras intervenções de baixo impacto e incorporando melhores
práticas de manejo das águas, fornece contribuições importantes para
um desenho ecologicamente mais eficiente da cidade, reforçando o
papel crucial dos espaços livres vegetados. A partir desta perspectiva,
argumenta-se que a infraestrutura verde é considerada como uma rede
conectada de espaços livres vegetados em zonas urbanas e rurais, capaz
de promover serviços ambientais ao beneficiar as populações (não só
humanas) e aumentar a resiliência dos ecossistemas.
Cabe destacar que ao descrever a especificidade de espaço não
edificado, adjetivando-o enquanto “livre”, o conceito não carrega valor
qualitativo ambiental intrínseco. Todavia, a depender do contexto de
emprego deste termo e da função que o espaço livre exerce (que pode
ser variada), agregar-se-á a ele uma qualificação que pode ser social,
física e ambiental. Ademais, aos espaços vegetados, objeto elementar
dos projetos de infraestrutura verde com aplicação de diferentes SbN,
deve ser próprio uma multifuncionalidade socioambiental inerente à
sua concepção. É parte constituinte desta abordagem as questões
relativas à ecologia, como a proteção, restauração, reabilitação e
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 235

redestinação de áreas verdes de ecossistemas que sofreram algum


impacto antrópico ou estão degradadas.
Em outras palavras, ao aplicar o termo às situações concretas é
pressuposto todo o contexto e, portanto, toda a especificidade do
espaço enquanto totalidade que encerra em si todos os seus elementos
e história, que é o reflexo da “acumulação desigual dos tempos”
(SANTOS, 2004). Importante é destacar que a dimensão propositiva dos
arquitetos induz a uma fragmentação dessa totalidade em subespaços
e à sua consequente adjetivação e/ou especificação (espaço urbano,
espaço livre, espaço verde etc.) (HIJIOKA et al., 2007).
Para além do debate terminológico, estruturar o planejamento
urbano por meio de espaços livres vegetados reflete uma visão
sistêmica de estruturação da cidade a partir da questão socioambiental.
Os principais espaços livres públicos que estruturam o projeto de
infraestrutura verde da cidade são as áreas verdes urbanas (com
grandes maciços vegetais), como parques urbanos e lineares (ao longo
do sistema viário de modais de transporte não motorizado ou ao longo
de leitos d’agua) e praças que desempenham funções ecológicas e
sociais.
O aspecto diferencial desta abordagem é que as áreas livres
verdes devem ser entendidas como parte da infraestrutura urbana, e
não simplesmente consideradas em função de seus aspectos estéticos.
Na realidade, as áreas verdes propostas articulam o tecido deste trecho
da cidade com o sistema viário e as edificações, abrigando as funções já
referidas e as tradicionalmente empregadas como lazer, recreação e
contemplação (PELLEGRINO et al., 2006).
Por exemplo, o projeto de infraestrutura verde e SbN, mesmo
que tenha foco em gestão dos recursos hídricos, pode influenciar sobre
as decisões de projeto de mobilidade, por exemplo, ao tratar as águas
em jardins de chuva que sejam instalados no mesmo caminho por onde
os modais de transporte não motorizados passam. Como já
mencionado, a infraestrutura verde deve ser vista enquanto um recurso
236

básico e imprescindível em projetos de espaços vegetados, concebidos


enquanto um sistema de base, da mesma forma que os espaços
destinados a infraestrutura obrigatória para a rede de esgoto, para a
pavimentação das ruas, para telefonia entre outros.
Esta abordagem em cenários tem aplicações importantes para a
avaliação da multifuncionalidade da paisagem, dado que permite uma
ponderação entre seu potencial desempenho na manutenção de
processos ecológicos e/ou das funções sociais, culturais e econômicas,
e a possibilidade de usos simultâneos do espaço livre, como será
discutido no próximo item.

DIFERENTES PARADIGMAS DE TRATAMENTO E RESERVAÇÃO DAS


ÁGUAS PLUVIAIS

Em um breve levantamento histórico, no Brasil, apesar de


conquistar progressivamente credibilidade entre planejadores e
projetistas, o mainstream das práticas de IV ainda segue uma
abordagem corretiva para as infraestruturas “engenheirizadas” do
século passado. Trata-se de um conceito valioso, mas não original, em
vista de práticas anteriores, algumas seculares, de tratamento das áreas
verdes urbanas (MOURA et al., 2018). Independente da consciência de
sua importância, ou de ser utilizada enquanto parte de um dispositivo
projetado, a paisagem sempre foi e funcionou como uma
infraestrutura52.
Entretanto, o papel dos elementos naturais enquanto parte do
sistema tecnológico ainda não era visto, principalmente durante o
século XX, diante da operação da engenharia monofuncional. Pelo
contrário, os esforços para a eficiência no controle da natureza urbana
muitas vezes significaram redução do desempenho dos serviços

52Este item baseia-se nos estudos da autora a partir de um capítulo do seu doutorado, intitulado:
“Landscape Information Modeling: um conceito para projetos de paisagens multifuncionais”,
orientado pelo Prof. Dr. Paulo Pellegrino.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 237

ecossistêmicos e cidades insalubres a seres humanos e demais animais


– reforço e sinônimo de desperdício, aumento de escassez e resíduos
no processo projetual.
Assim, a maneira pela qual olhamos e praticamos o planejamento
urbano é fruto de uma época e de um paradigma vigente, incluindo aí
questões sobre como produzir e consumir e, portanto, necessariamente
o que está em jogo é uma construção social sobre como fazer a gestão
da escassez (e o uso do excedente) mais amplamente.
A história das águas pluviais não foge desse modelo de
pensamento.
No enfoque monofuncionalista, que ainda caracteriza alguns dos
projetos de infraestrutura da urbanização, a água tornou-se alvo de
uma das transformações mais impactantes. No século passado, cada
paradigma de águas pluviais resolvia o problema imediato do
paradigma anterior e criava um problema ainda mais insidioso (REESE,
2001) 53 .
É somente na crise 54, marcada por problemas de difícil solução,
que as bases epistemológicas desse paradigma são afetadas e novas
soluções surgem. De forma ilustrativa, o corpo técnico e os gestores
defendiam (e, talvez, acreditassem) na efetividade da tubulação
massiva das águas pluviais afastadas rapidamente aos rios (retificados
e canalizados), independente do seu tratamento na fonte. A
consequência mais nefasta desse processo, associado a grandes
porções de território impermeabilizadas, foi a transferência das
inundações à jusante e o aumento da poluição das águas, por fontes
difusas, que geram impactos ecológicos, como a morte de comunidades

53 Andy Reese, em 2001, no artigo chamado “Stormwater Paradigms”, relatou as diversas maneiras
pelas quais olhamos e praticamos o gerenciamento de águas pluviais e porque assim foi feito.
54 Crise, aqui, se aproxima como uma forma que se diferencia da estabilização ambiental, relaciona-

se também com a ideia de evolução, pois pressupõe variação e estruturas que possibilitam
transformação. No entanto, crise não é algo latente, é presente e dependente de uma sucessão de
acontecimentos ambientais que contribuem para uma mudança.
238

de macroinvertebrados bentônicos 55, alimento para peixes e


crustáceos.
Como solução foram – e ainda são – projetadas bacias de
detenção do volume do escoamento no próprio local. Nenhuma delas
funciona muito bem, haja vista as recorrentes falhas nas bombas dos
piscinões paulistanos 56 . Lagoas de detenção são uma promessa com
condições – dado que o volume e pico, avaliação à jusante, análise dos
hidrogramas, certificação após a construção, contratos de manutenção
de longo prazo – raramente são atendidos adequadamente (REESE,
2001). Como explica Pellegrino (2019) sobre o impacto das bacias de
detenção estadunidenses, várias bacias em um mesmo canal tinham de
ser esvaziadas ao mesmo tempo, e apesar do controle da enchente
ocorrer no ponto logo abaixo de cada uma delas, a somatória do volume
em um ponto mais abaixo da bacia resulta como se não tivesse sido feita
a detenção a montante. Em São Paulo, essa é umas das problemáticas
que reforça soluções de construção de piscinões cada vez maiores,
alguns chegando a mais de 25 m de profundidade, associados à massiva
impermeabilização do solo e a eventos de chuva extremos cada vez
mais frequentes.
Com o paradigma de detenção do escoamento local posto em
cheque e as novas tecnologias de modelagem computadorizadas, que
permitiram a execução de modelos hidrológicos para regiões inteiras, o
novo mantra passou a ser o de tratamento integral de bacias
(PELLEGRINO, 2019). Com o entendimento de que tudo o que acontece
na bacia afeta as suas águas, desde o manejo das nascentes, passando
pelos corredores ripários até as planícies de inundação. Sob esse
paradigma, há várias tentativas de mudar a maneira como as coisas
acontecem nas bacias hidrográficas: padrões de desenvolvimento;

55 Utilizados como bioindicadores da qualidade das águas dos rios, córregos e lagoas em vista da
sua sensibilidade a poluentes no meio.
56 Alguns exemplos noticiados. “Piscinão transbordou por falha em bomba, diz subprefeitura”

(disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2412200813.htm).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 239

transporte; lavagem de carros; jardinagem; troca de óleo; coleta de lixo;


paisagismo; uso de terras particulares; acesso a espaços abertos; uso de
planícies de inundação; potencial de zoneamento; ordenamentos de
subdivisão; currículos escolares e assim por diante (REESE, 2001). Dado
que as consequências do tratamento das águas afetam diretamente as
demais estruturas urbanas, além de trazerem riscos à segurança
pública, além, é claro, à saúde pública.
Nessa escala, níveis mais exigentes de manejo e regulação das
águas urbanas passaram a ser empregados para se evitar as causas das
inundações, que se não foram resolvidos na escala de toda uma bacia,
ao menos o passam a ser na escala de uma vizinhança (PELLEGRINO,
2019). Por exemplo, iniciam-se as propostas de soluções que variam
desde os reservatórios de detenção já utilizados a estratégias
descentralizadas, até as tipologias de IV (jardins de chuva, biovaletas)
baseadas na natureza que diminuem o escoamento para a jusante e
aumenta a retenção, tratamento e infiltração de águas pluviais.
Todavia, é preciso muito esforço político e econômico para que
um modelo sofisticado de um Plano de Macrodrenagem de Bacias
Hidrográficas, pautado em projetos multifuncionais, seja implantado do
Brasil. Nesse ciclo, as gestões passam das inundações ao pânico, do
planejamento à procrastinação até a próxima inundação. É um processo
de esquecimento anual das consequências da má gestão das águas,
disfarçada pelas “fortes chuvas inéditas”. 57 Muito embora, possamos
citar exemplos excelentes de planejamento urbano das águas, como os

57 As enchentes são um fenômeno hidrológico natural, mas assumem o status de desastre pela
ocupação indevida de áreas suscetíveis a cheias e/ou por falhas nos sistemas construídos de
condução dos escoamentos (WATSON; ADAMS, 2011). Quando elas assumem esse status, se
vinculadas aos corpos hídricos, são chamadas de inundação, se por problemas de infraestrutura
de alagamentos. Durante o verão, a cidade de São Paulo vive este problema, considerando o
grande volume de chuvas que acomete a área urbana e resulta em destruição de moradias,
interdição de vias e diversos pontos de inundação e alagamento que impossibilitam qualquer tipo
de circulação e coloca em risco a vida humana. Basta tomar como exemplo a recente chuva de 114
mm, do dia 10 de fevereiro de 2020, que, a princípio, foi a oitava maior precipitação no município
medida pelo Inmet.
240

Cadernos de Bacias Hidrográficas da Prefeitura de São Paulo elaborados


pela Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica (FCTH).
Como Reese (2001) acertadamente pontua, muitas coisas
conspiram para causar inundações crônicas, mas apenas cinco delas são
físicas: mais água do que antes, um sistema entupido ou quebrado, um
sistema inicialmente projetado aquém da demanda e muito pequeno,
casas localizadas no lugar errado e um ato de Deus – ou alguém mais
diabólico. Todas as demais razões são de natureza institucional.
Sustenta-se uma possibilidade de transição para a compreensão
da imprescindibilidade da implantação de infraestruturas verdes (IV),
não somente aprisionada a linhas teórico-conceituais, ou na mão de
poucos entusiastas do assunto. Ainda, a IV não pode ser reduzida a um
acessório secundário, e não parte primeira da solução, em projetos de
infraestrutura de drenagem tradicional. Veja, em um sistema
redundante e multifuncional, a IV deve ser associada à atualização da
infraestrutura urbana.
Acredita-se que a ruptura desse paradigma vigente não se dá de
forma imediata, em especial considerando o diálogo entre os modelos
antigos e ao novo conhecimento de infraestrutura verde produzido. A
forma “antiga” de tratar as águas pluviais não desapareceu, algumas
estão vivas e “bem” em várias partes secas do país.
Vale lembrar que o próprio processo de desenvolvimento é algo
extremamente questionado do ponto de vista social. O fortalecimento
de muitas instituições resultou em um processo desigual de distribuição
de recursos e gerou inúmeros desequilíbrios ambientais 58. A questão
exige compreender que defender formas alternativas de projetar –
como discutido por essa pesquisa – implica também em modelos

58 O embate se refere, aqui, na fixação de valores e orientação para o avanço das sociedades
capitalistas, que, no caso da ordem econômica brasileira, por opção do Constituinte, deve se
atentar para defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (artigo
170, VI, da Constituição Federal de 1988). O que isso representa para a discussão do planejamento
da paisagem?
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 241

alternativos de se relacionar com a natureza, além é claro de conduzir


a vida social.
Trata-se de compreender uma discussão de fundo para esta
pesquisa sobre como pensar sociedade, economia e meio ambiente.
Para alguns autores, como Giorgos Kallis ou David Harvey, o desafio é
perceber e implementar um modo de vida em uma economia sem
crescimento (com decrescimento estável) e, ao mesmo tempo, capaz de
reduzir desigualdades 59. Criar um desenvolvimento próspero, que não
pense em soluções apenas por meio do crescimento, mas em modelos
que lidem com a diminuição do excedente e de novas formas de
valorização da atividade humana como o caso do compartilhamento do
trabalho, o deslocamento do consumo de bens de alta pegada de
carbono para bens de baixa, aprimoramento do espaço público rural e
urbano, subsídios de transporte público e desenvolvimento de projetos
de energia renovável descentralizados e de pequena escala. Tais
exemplos implicam para este projeto repensar como projetar a
paisagem – o que, de alguma forma, reflete a orientação da pesquisa ao
considerar a complexidade como elemento central no debate.
A insatisfação “coletiva” (ou talvez restrita só a poucos de nós
mesmo) reside no saber da existência de um conhecimento em
infraestruturas verdes e SbN e a sua não aplicação. Ainda assim, não se
pode julgar projetos e planos realizados desconsiderando as questões
sociais, o conhecimento e a tecnologia à época existentes. Os processos
ambientais urbanos não são frutos exclusivos de técnicas de projeto.
Deve-se, aqui, ponderar a importância da tecnologia e sua aplicação,
que possibilita a todo o momento o indivíduo a reconsiderar sua prática
de produção e consumo, tanto para reforçar o crescimento como

59Diz Kallis: “Na realidade, a economia está mais amiúde em desequilíbrio. O ajuste de preços que
se segue a uma crise é repleto de sofrimento e abundante em conflitos distributivos. As
contratações estão longe da estabilidade. São a dinâmica e as consequências distributivas de um
“ajuste” contracionário que devemos compreender a partir de uma perspectiva de decrescimento.
No modelo tradicional, ao contrário, a distribuição é tratada como uma questão separada da
questão da riqueza e como adendo da eficiência” (2019, p. 48).
242

também para pensar em modos alternativos de utilização dos recursos


naturais.
Sob o risco de incorrer ao anacronismo, não podemos criticar sem
considerar o processo histórico os planejadores e técnicos sobre o que
fora aplicado no tratamento das águas. A criatividade e a inovação são
processos de produção de algo novo, mas isto é sempre relativo já que
se compara com o estado da arte existente em determinada sociedade.
À exceção daqueles cuja resistência em manter suas crenças (refutadas)
impediam (e impedem) mudanças já conhecidas e científica e
socialmente comprovadas. Essa hipocrisia, justificada pela falta de
interesse político ou econômico, serve apenas como ponto de fundo
para as questões levantadas. Não é nosso foco discutir questões
políticas e econômicas que impedem a aplicação de tecnologias do
tratamento das águas.
Na tomada de decisões para escolher entre as tecnologias
disponíveis, contudo, o respaldo alcançado pelas soluções
convencionais tem justificado a inércia na transição para soluções
embasadas na paisagem e de baixo impacto ou ainda na
complementaridade entre técnicas de manejo (MOURA et al., 2018).
Essa transição lenta é justificada pelos autores quando assumem haver
lacunas quanto aos aspectos funcionais das infraestruturas verdes de
drenagem, tais como eficiência, operacionalização e manutenção,
custos de implementação, métodos de cálculo e implantação, além da
sua própria aceitação pela cidade e seus gestores, projetistas de áreas
diversas, construtores e habitantes.
Assim, gerar conhecimento e tecnologia auxilia diretamente na
compreensão das efetivas necessidades sociais e produz novas formas
de conhecimento. A pesquisa é ciente que este consenso em relação à
ampliação tecnológica no conhecimento nem sempre é fácil mas, se
existe embasamento científico para a discussão, aumenta-se a
celeridade da solução fomenta novas formas de observar, coletar,
sistematizar os dados ainda não conhecidos. Novos e maiores níveis de
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 243

exigência no gerenciamento e regulamentação de águas pluviais


decorrem deste processo. Mesmo que o aumento de complexidade 60
possa decorrer em mais e mais camadas de governo e partes
interessadas a convencer, mais e mais regulamentos a atender, o
conhecimento obriga que o sujeito saiba “conscientemente” dos
resultados de sua escolha. E o LIM atua nesse sentido.
Obviamente que o convencimento dos gestores para a
implantação de infraestruturas verdes não perpassa apenas por provar
sua eficiência. Há ainda outros problemas de gestão, sociais e
econômicos que influenciam nessa escolha. A provisão de espaços livres
verdes muitas vezes é conflitante/incompatível com os interesses das
pessoas envolvidas no desenvolvimento urbano. Por exemplo, muitas
áreas verdes são perdidas por causa de interesses privados na
construção, combinados com baixa fiscalização de sua proteção legal e
abuso de inúmeras brechas legais. Dados os diversos interesses
econômicos e ambientais divergentes, é importante otimizar sua
provisão e melhorar sua compatibilidade com os outros interesses de
múltiplos agentes no desenvolvimento urbano, deles temos o governo,
ambientalistas, proprietários de terras, incorporadores de
empreendimentos imobiliários (GUPTA, 2012).
Entretanto, reflexões no âmbito da pesquisa, experimentação e
dados divulgados reforçam o direcionamento no sentido de alavancar
oportunidades de implementação e gerar incentivos para os agentes

60 A equipe necessária para conduzir esse processo também se complexifica, para além dos
arquitetos e urbanistas e engenheiros, agora incluem-se os biólogos, ecologistas, geógrafos,
administradores, antropólogos, cientistas da computação. Segundo Sandre (no prelo), um ponto
importante é problematizar a comunicação. Isto porque a interlocução entre sujeitos, muitas
vezes, apresenta impeditivos linguísticos de constituição epistemológicas dos campos disciplinares
e também da multidimensionalidade dos objetos. Essa língua técnica, em que somos educados e
alfabetizados, é comumente referida como o “arquitetês, engenheirês, sociologês ou advoguês,
...”. Destaca-se aqui que este esforço de articulação em uma equipe não se sustenta apenas da
vontade do sujeito ou de uma coordenação dedicada, mas exige uma construção co letiva que
transcenda a conduta individual de cada membro – trata-se de observar um parâmetro comum, às
vezes vinculado à construção de um domínio linguístico próprio de determinado projeto ou
empreitada. Um profissional que não entende a linguagem do outro não consegue plenamente
estabelecer um diálogo legível.
244

envolvidos. A população questiona o que é de seu conhecimento. Não


sejamos pretensiosos, mas este é mais um argumento a favor de uma
conscientização progressiva de que o aprendizado e tratamento das
águas – sejam elas superficiais, em rios e córregos, sejam geradas pelas
chuvas – afeta não só o regime de cheias, mas também a saúde dos
corpos hídricos e a nossa qualidade de vida.

RESERVATÓRIO ANFÍBIO ABEGOÁRIA

Sustenta-se neste capítulo o projeto de Arquitetura da paisagem


e drenagem urbana, a saber: Reservatório de Retenção Abegoária.
Elaborado no âmbito dos Cadernos de Bacia hidrográfica da Prefeitura
de São Paulo (sob coordenação de Pedro Algodoal), pela equipe da
Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica (FCTH) (sob presidência do
Prof. Dr. Mario Thadeu Leme de Barros, engs. Érika Tominaga e Filipe
Gonçalves), em parceria com a Guajava Arquitetura da Paisagem e
Urbanismo (arq. Adriana A. Sandre e Riciane Pombo).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 245

Figura 1 – Localização do reservatório de retenção Abegoária na bacia hidrográfica do córrego


Verde I Pinheiros
246

O Reservatório de Retenção Abegoária, localizado na zona oeste


de São Paulo, opera com a complexidade no projeto da paisagem ao
propor um espaço anfíbio que contempla a abertura de um trecho do
córrego Verde I e melhoria da qualidade de suas águas, associada à
reservação, à montante do escoamento superficial (Figura 1). Desta
forma, o nome anfíbio advém de sua funcionalidade tanto em períodos
de cheia quanto de seca, tal qual algumas de nossas rãs e sapos.
Destaca-se a funcionalidade múltipla deste reservatório híbrido
ou anfíbio que contempla a abertura de um trecho do córrego Verde
Pinheiros (braço I), e melhoria da qualidade de suas águas, associada à
reservação a montante de parte do escoamento superficial dessa bacia
(Figuras 2 a 4). Compreendendo um reservatório in-line capaz de
armazenar um volume significativo de água – 25 mil m³ – de uma forma
inovadora e integrada, o projeto contribui para a redução das
inundações à jusante. O reservatório abrange cerca de 6.540 m² e foi
dimensionado para vazões afluentes de período de retorno de 25 anos
(FCTH, 2021).
Ao reter volumes significativos, em eventos de chuva extremos,
o reservatório contribui para minimizar inundações à jusante, mais
especificamente nas imediações da Rua Medeiros de Albuquerque e
Beco do Batman, região conhecida pela arte de rua. Sua proposição é
necessária, ainda que somados os ganhos de permeabilidade de
dispositivos de drenagem (ex. jardins de chuva) distribuídos ao longo da
bacia.
Nesse sentido, em vez da solução convencional de reservatórios
de detenção em volumes geométricos conformados por superfícies
planas – os conhecidos piscinões – pode-se propor um partido de
projeto que aproveita as formas que são naturalmente dadas. As
diferentes formas de canais anastomosados que essas seções do
córrego dentro do reservatório podem assumir, com as sucessivas
ramificações ou múltiplos canais que se separam e se reencontram,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 247

podem ser dadas por esta entrada de parâmetros de modelagem, como


da restrição de vazão à jusante. Já em vazão de seca e no início do
evento chuvoso, quando ocorre o pico de concentração de possíveis
poluentes, as águas do córrego Verde I se encaminham por diferentes
trechos de tratamento com variação da seção do canal.
Inicialmente, são retidos possíveis resíduos sólidos em um
sistema de grelhas que facilitam a manutenção e limpeza junto a uma
bacia de sedimentação no inlet do reservatório. No trecho seguinte, o
aumento da rugosidade das margens do córrego e mudança da sua
seção, com o plantio de espécies tolerantes a alagamentos, permite a
diminuição da velocidade do escoamento e possibilita o processo de
fitorremediação e deposição de sedimentos finos nas pequenas ilhas
formadas pela ramificação das águas. Para além das possibilidades
estéticas, as sucessivas ramificações e recombinações desses canais
propiciam uma redução da velocidade e maior percurso para as águas
nos períodos de maior seca (quando a concentração de poluentes se
torna mais alta), dando mais tempo para os processos de
fitorremediação e biorretenção (MOURA et al., 2018). Este local, se
atingir um nível aceitável de qualidade das águas ao reduzir a carga de
poluentes, pode atuar também enquanto habitat e fonte de nutrientes
para possíveis invertebrados bentônicos. Assim, as espécies arbóreas e
arbustivas desempenham um papel importante como refúgio de
animais, promovem conforto ambiental e também estabilizam o solo do
reservatório. Já ao centro do reservatório dá-se a diminuição da seção
do córrego com o objetivo de oxigenar suas águas. E ao final, suas águas,
em uma seção única, são direcionadas à galeria de águas pluviais.
Para além do reservatório deve-se prever na bacia a montante
dispositivos para impedir que a poluição difusa atinja o córrego.
248

Figura 2. Diagrama do Reservatório híbrido. As águas percolam o sistema por vários dispositivos.
Inicialmente, são tratadas por um controle de poluição difusa, em uma bacia de sedimentação e
retenção de sólidos grosseiros. Após, são retidas em canais anastomosados e ilhas de
fitorremediação com seção variável para, após, serem oxigenadas. Ao final, voltam para a galeria
de águas pluviais sob a Rua Abegoária.

Fonte: FCTH (2021).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 249

Figura 3. Perspectiva do Reservatório Abegoária em período de cheia, destaca-se a sua atuação


como reservatório, prevenindo inundações à jusante

Fonte: FCTH (2021).

Figura 4. Perspectiva do Reservatório Abegoária em período de seca, destaca-se a sua atuação


como área de lazer, associada à fitorremediação das águas do córrego Verde.

Fonte: FCTH (2021).

Além da questão funcional, pode-se investigar como integrar


estas estruturas à paisagem urbana, já que atualmente elas são
sinônimos de degradação paisagística devido ao seu uso restrito ao
controle da vazão de pico e do atual cenário de degradação das águas.
250

A proposta atua como uma forma didática e um modelo urbano


de tratamento de reservatório, reforçando a viabilidade de reter e
tratar as águas, associada ao lazer e permanência da população.
A laje do reservatório é rasgada junto aos pontos onde foram
implantados bancos e, de forma lúdica e funcional, essas aberturas
passam a iluminar os espaços abaixo das ruas que se sobrepõem ao
reservatório, possibilitando também a visualização do espaço por
aqueles que transitam nas calçadas. O pedestre é convidado a descer, a
partir da Praça General Oliveira Álvares, por meio de rampas
universalmente acessíveis engastadas nas paredes do reservatório que
também recebem grafites, jardins verticais e espaços preparados para
projeções de imagens e vídeos, como incentivo à vida cultural local
(FCTH, 2021). Uma das paredes é transformada em mural artístico em
homenagem ao peixe Surubim-do-Paraíba (Steindachneridion
parahybae), um bagre endêmico de águas doces da bacia do Rio Paraíba
do Sul, atualmente extinto em São Paulo.
Os caminhos junto à base do reservatório acompanham a
abertura do córrego Verde I onde são colocadas diversas esculturas
metálicas que simulam os contornos das bacias hidrográficas
paulistanas. Ainda, em um trecho destinado à prática de esportes,
convida-se o usuário a realizar rapel e subidas em escaladas para vencer
sua profundidade enquanto pratica modalidades esportivas. Por fim,
para manutenções e limpeza após eventos de chuva, as rampas de
acesso também comportam a passagem de equipamentos para a
retirada de detritos.

CONCLUSÃO

Em síntese, este capítulo trouxe como consideração a


necessidade de entender os espaços livres a partir de sua
multifuncionalidade. Um exemplo foi o reservatório Abegoária que, de
forma a aumentar os serviços ecossistêmicos prestados, objetivou a:
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 251

a) atenuação das inundações com sistemas de drenagem que


possibilitem o armazenamento e a infiltração no solo;
b) fitorremediação das águas e solo;
c) plantio de árvores que trazem benefícios ambientais e a
apropriação da população pelo espécime;
d) prevenção de processos erosivos e posterior assoreamento
dos leitos d’água com sistemas de drenagem não
convencionais que promovam retenção do escoamento
superficial;
e) aumento da evapotranspiração com o plantio de árvores,
proporcionando melhoria do microclima e sequestro de
carbono (em diferentes escalas dependendo da espécie e
local de plantio);
f) promoção do bem-estar e coesão social, por meio da
apropriação dos espaços para o domínio público;
g) promoção de espaços de contemplação, de preservação
cultural e histórica e, também estética (variável conforme
localização e período), além do turismo e investimentos
econômicos locais.

REFERÊNCIAS

FUNDAÇÃO CENTRO TECNOLÓGICO DE HIDRÁULICA. Prefeitura do Município de São Paulo.


Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras. Caderno de bacia hidrográfica: bacia
do córrego Verde. São Paulo: FCTH/SIURB, 2021. 238 p.
GUPTA, K.; KUMAR, P.; PATHAN, S.K. et al. Urban neighborhood green index–a measure of green
spaces in urban areas. Landscape and urban planning, v. 105, n. 3, p. 325-335, 2012.
HIJIOKA, A. et al. Espaços livres e espacialidades da esfera de vida pública: uma proposição
conceitual para o estudo de sistemas de espaços livres urbanos no país. Paisagem e
Ambiente, n. 23, p. 116-123, 2007.
KALLIS, G. Limits: why Malthus was wrong and why environmentalists should care. Stanford:
Stanford University Press, 2019.
MOURA, N.C.B.; PELLEGRINO, P.R.M; DAVIS, B.R. et al. Intelligent landscapes: application of
parametric modeling for a new generation of flood risk management reservoirs in São Paulo
City, Brazil. Disegnarecon, v. 11, n. 20, p. 11-1-11.15, 2018.
252

PELLEGRINO, P.R.M; GUEDES, P.P.; PIRILLO, F.C. et al. Paisagem da borda: uma estratégia para a
condução das águas, da biodiversidade e das pessoas. In: COSTA, L.M.S.A. (org.). Rios e
paisagem urbana em cidades brasileiras. Rio de Janeiro: Viana & Mosley, PROURB, 2006, p.
57-76.
PELLEGRINO, P. R. M. Paisagens híbridas: projeto de sistemas adaptativos da natureza às nossas
cidades. In: FRANCO, M. de A. R. (org.). São Paulo nas mudanças climáticas: cenários
ambientais para a resiliência urbana. São Paulo: Annablume, 2019. v. 1, p. 145-170.
REESE, A. Stormwater paradigms. Forester Dailynews, 2001.
SANTOS, M. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Edusp, 2004.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 253

Capítulo 10

SÍTIO ROBERTO BURLE MARX,


PATRIMÔNIO DO MUNDO

Claudia M. Storino 61
José W. Tabacow 62

INTRODUÇÃO

Em 27 de julho de 2021, a United Nations Educational, Scientific


and Cultural Organization (UNESCO) inscreveu na lista do Patrimônio
Mundial o Sítio Roberto Burle Marx, situado no Rio de Janeiro/RJ,
unidade especial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN), autarquia vinculada ao Ministério do Turismo
(Governo Federal). O fato foi amplamente noticiado pela imprensa no
país e no exterior e a repercussão se fez sentir imediatamente; a farta
produção de notícias na mídia escrita, sonora, audiovisual e digital e o
aumento expressivo de solicitações para visitação do Sítio, por si, já
atestam tal afirmativa.
Entretanto, todo o longo processo, desde a inscrição como
candidato, incluído na relação de sugestões do Governo Federal àquela
agência internacional, até sua aceitação, é desconhecido pelo público e,
pela riqueza de revelações, de levantamentos, de reunião de

61 Servidora do Iphan, mestre em Memória Social, especialista em Preservação e Restauração de


Monumentos e Conjuntos Históricos, arquiteta e designer, diretora do Sítio Roberto Burle Marx a
partir de julho de 2012. E-mail: claudia.storino@iphan.gov.br
62 Consultor independente. Especialista em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal

do Espírito Santo (UFES), doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professor de Paisagismo (UNISUL, UNIVALI, CATÓLICA-SC, UNOCHAPECÓ, UNIFOR, UNOSSOCIESC
/ FGV), consultor ambiental em EIA-RIMA e RAD, consultor ad hoc do Portal Vitruvius e da
Universidade Mackenzie, sócio-Diretor de José Tabacow Arquitetura da Paisagem e Consultoria
Ambiental Ltda. E-mail: jtabacow@gmail.com)
254

conhecimentos dispersos e de documentos específicos elaborados para


a sua consecução, merece ser conhecido para entendimento maior de
um bem cultural único, singular em sua natureza e das circunstâncias
em que nasceu, cresceu e se tornou acervo cultural e científico de difícil
qualificação e quantificação pelos processos normais de avaliação
institucional.
A intenção do presente texto é preencher esta lacuna, divulgando
e tornando acessíveis a todos os conhecimentos que foram revelados,
sistematizados e concentrados de forma a tornar possível uma
avaliação isenta e compatível com os critérios estabelecidos para se
definir a concessão daquela prestigiosa chancela, com foco especial
sobre o processo de constituição da coleção botânica reunida no Sítio
por Burle Marx ao longo de uma vida, cuja existência constituiu um
aspecto decisivo da candidatura do Sítio Roberto Burle Marx a
Patrimônio Mundial.

PATRIMÔNIO MUNDIAL

A Unesco é uma agência especializada da ONU, sediada em Paris,


criada em 1945 com a missão de atuar em favor da paz, por meio da
cooperação internacional. Busca “oferecer um amplo espectro de
expertise nos campos da Educação, das Ciências e da Cultura” 63 .
Considerando que “o patrimônio é o nosso legado do passado,
aquilo com que convivemos hoje e passamos adiante para as gerações
futuras” e que o patrimônio cultural e o patrimônio natural “são,
ambos, fontes insubstituíveis de vida e inspiração”, a Unesco “procura
estimular, em todo o mundo, a identificação, a proteção e a preservação
do patrimônio cultural e natural considerado como de valor excepcional
para a humanidade”. Segundo a Unesco, o conceito de patrimônio

63 Fonte: https://www.unesco.org/en
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 255

mundial é excepcional devido à sua aplicação universal, e “os sítios do


patrimônio mundial pertencem a todos os povos do mundo,
independentemente do território onde estejam situados” 64 .
Esse campo de atuação é estruturado e regido pela Convenção
Para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, tratado
internacional adotado pela Unesco em 1972 e ratificado por 190
Estados-parte, a partir do qual se estabeleceu, na legislação
internacional, o conceito de patrimônio mundial como um conjunto de
bens importantes para toda a humanidade, e a noção de que a gestão
desses bens extrapolaria a esfera nacional65 . Entre outros assuntos,esse
documento define os tipos de sítios naturais ou culturais passíveis de
avaliação para a inscrição na Lista do Patrimônio Mundial e as
atribuições dos Estados-parte na identificação dos possíveis sítios e seu
papel na proteção e preservação desses sítios 66 .
A estrutura básica para o sistema do Patrimônio Mundial é,
portanto, estabelecida pela Convenção. A aplicação dos princípios
gerais nela contidos é orientada pelo documento intitulado “Diretrizes
Operacionais para a Implementação da Convenção do Patrimônio
Mundial”, que é periodicamente atualizado e constitui, além do texto
da Convenção, o principal instrumento de trabalho no âmbito do
Patrimônio Mundial. Esses dois documentos definem e especificam
todas as etapas do processo de candidatura dos bens à inscrição na Lista
do Patrimônio Mundial67 , relação oficial dos bens que compõem o
patrimônio do mundo, da qual constam sítios “tão singulares e diversos

64 Idem acima.
65 Fonte: Gestão do Patrimônio Mundial Cultural. Brasília: UNESCO Brasil, IPHAN, 2016. 163 p., il.
(Manual de referência do patrimônio mundial) Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/manual_referencia_gestao_do_patrimonio_mund
ial_cultural.pdf
66 Fonte: https://www.unesco.org/en
67 A Lista do Patrimônio Mundial pode ser acessada em: https://whc.unesco.org/en/list/
Paisagem - 256

como o Serengeti Africano, as Pirâmides do Egito, a Grande Barreira de


Corais da Austrália e as catedrais barrocas da América Latina”68.
Para serem inscritos na Lista do Patrimônio Mundial, os bens
precisam apresentar valor universal excepcional e atender ao menos
um dos dez critérios de seleção explicitados nas “Diretrizes
Operacionais”. Esses critérios são revisados regularmente pelo Comitê
do Patrimônio Mundial, de modo a refletir a evolução do próprio
conceito de Patrimônio Mundial69 .
A inscrição na Lista do Patrimônio Mundial é permanentemente
monitorada pela Unesco e seus órgãos assessores. Os sítios do
Patrimônio Mundial que, por algum motivo, tenham ameaçada a
integridade das características pelas quais foram reconhecidos como
Patrimônio Mundial, são inscritos na Lista do Patrimônio Mundial em
Perigo70 , que tem por objetivo informar à comunidade internacional e
estimular a adoção das providências necessárias para a garantia de sua
preservação.
Na Lista do Patrimônio Mundial há 23 bens inscritos pelo Brasil:
15 sítios culturais71 ; 7 sítios naturais72 e 1 sítio misto (cultural e
natural) 73.

68 Fonte: https://www.unesco.org/en
69 Idem.
70 World Heritage in Danger. Acessível em https://whc.unesco.org/en/158

71 Cidade Histórica de Ouro Preto (MG); Centros Históricos de Olinda (PE), Salvador (BA), São Luís
(MA), Diamantina (MG) e Goiás (GO); Missões Jesuítas dos Guaranis (Argentina e Brasil); Santuário
do Bom Jesus de Matosinhos (Congonhas do Campo, MG); Plano Piloto de Brasília (DF); Praça de
São Francisco (São Cristóvão, SE); Parque Nacional da Serra da Capivara (PI); Paisagens Cariocas
entre a Montanha e o Mar (Rio de Janeiro, RJ); Conjunto Moderno da Pampulha (Belo Horizonte,
MG); Sítio Arqueológico do Cais do Valongo (Rio de Janeiro/RJ) e Sítio Roberto Burle Marx (Rio de
Janeiro, RJ).
72 Parque Nacional do Iguaçu (PR); Reservas da Mata Atlântica do Sudeste (SP/PR) e da Costa do

Descobrimento (BA/ES); Complexo de Conservação da Amazônia Central (AM); Área de


Conservação do Pantanal (MT/MS); Ilhas Atlânticas Brasileiras – Reservas de Fernando de Noronha
e do Atol das Rocas (PE/RN); Reservas do Cerrado – Parques Nacionais da Chapada dos Veadeiros
e das Emas (GO). [Ver: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/29 e
https://whc.unesco.org/en/list].
73 Paraty e Ilha Grande (RJ).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 257

Nenhum dos bens brasileiros está inscrito na Lista do


Patrimônio Mundial em Perigo.
O bem cultural brasileiro mais recentemente acrescentado à
Lista do Patrimônio Mundial é o Sítio Roberto Burle Marx, inscrito na
categoria de Paisagem Cultural.

Fotografia 1 – Sítio Roberto Burle Marx – Pérgula,


Salão de festas e, ao fundo, Cozinha de Pedra

Foto: Oscar Liberal (OHL7446) / IPHAN (2016).

O SÍTIO ROBERTO BURLE MARX

O que é, e como é esse bem cultural inscrito como Patrimônio


Mundial pelo Brasil em 2021?

O Sítio Roberto Burle Marx é um testemunho excepcional do laboratório de


experimentos paisagísticos que ilustra o modo como um dos grandes
paisagistas do século 20, Roberto Burle Marx (1909-1994), desenvolveu seus
projetos que influenciaram a formação daquilo que veio a ser conhecido
como Jardim Tropical Moderno, uma importante expressão do Movimento
Moderno no campo do paisagismo, que influenciou fortemente a elaboração
de parques e jardins a partir de meados do século 20 no Brasil e ao redor do
mundo.
Paisagem - 258

Assim está descrito o Sítio Roberto Burle Marx no Relatório Final


de Avaliação emitido pelo Conselho Internacional de Monumentos e
Sítios (ICOMOS) em 12 de março de 2020.
A propriedade, com seus 405.000 m² de área, está situada 50 km
ao sul do centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ), numa área
montanhosa do bairro de Barra de Guaratiba, na zona oeste da cidade,
numa região repleta de manguezais e Mata Atlântica nativa. Estende-se
do nível da estrada Roberto Burle Marx (antiga Estrada da Barra de
Guaratiba) até a linha de cumeada do Morro de Santo Antônio, na Serra
Geral de Guaratiba, integrando, a partir da cota 100, o Parque Estadual
da Pedra Branca, unidade de conservação do Instituto Estadual do
Ambiente (INEA).

Fotografia 2 – Vista do Morro Santo Antônio da Bica. Em baixo,


à direita, parte das instalações para plantas de sub-bosque

Foto: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (DJI_126) (2016).

Nesse conjunto extraordinário de paisagens, jardins e edifícios,


Roberto Burle Marx viveu e atuou durante mais de quarenta anos,
desenvolvendo uma importantíssima coleção botânica e, a partir dela,
experimentando o cultivo, a multiplicação e a aplicação das numerosas
espécies em diferentes partes do terreno, fazendo do Sítio um
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 259

laboratório paisagístico onde mesclava ideias artísticas modernistas e


plantas tropicais na criação de jardins considerados como obras de arte
vivas.
Nos jardins do Sítio Roberto Burle Marx há camadas de
conhecimento científico que os precedem e os permeiam. Evidenciando
essa dimensão conceitual, Burle Marx referia-se ao Sítio como “o seu
cadinho”. Essa metáfora não é força de expressão ou referência
fortuita: a energia depositada na constituição de sua coleção botânica,
sua concentração na construção do conhecimento científico necessário
ao cultivo, à reprodução e à utilização das espécies, a dedicação intensa
e permanente à realização dos experimentos, juntando os diversos
elementos vegetais sob os determinantes naturais de terra, água e luz,
em busca dos resultados estéticos que o tempo se encarregaria de
amadurecer, tudo isso traça paralelos com o trabalho dos alquimistas
em sua busca da pedra filosofal, da transmutação da matéria. No caso
da produção do jardim tropical moderno, o Sítio Santo Antônio da Bica
foi de fato o cadinho, ou crisol, onde os elementos foram misturados,
em circunstâncias específicas, de modo a produzir uma obra nova, com
novos princípios e nova expressão plástica.

Fotografia 3 – Pérgula e Cozinha de Pedra – Cascatas escalonadas

Foto: Oscar Liberal (OHL 2239 1) / IPHAN (2017).


Paisagem - 260

Os jardins e as paisagens do Sítio, resultantes da experimentação


de Burle Marx e seus colaboradores, materializam as abordagens e
princípios do paisagista e permitem uma compreensão do
desenvolvimento de sua obra, fundamentada sobre anos de estudos,
observações, experimentações e aprendizados, que impactou
radicalmente a produção de jardins e paisagens no Brasil e no mundo. A
extensa coleção de plantas, os espaços internos e externos, as coleções
de objetos, os ambientes das edificações complementam essa
percepção, expressando o universo cultural do artista-paisagista. O Sítio
pode ser percebido em sua totalidade como uma obra de arte,
materialização da visão de mundo e da potência criativa de Burle Marx
que foram essenciais para a produção do conceito de jardim tropical
moderno.

Mapa 1 – Setores do Sítio

Fonte: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx – Dossiê de Candidatura a Patrimônio Mundial (2018).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 261

Mapa 2 – Área de visitação

Fonte: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx – Dossiê de Candidatura a Patrimônio Mundial (2018).

Abrigando um acervo botânico de cerca de 3.500 espécies


tropicais e subtropicais cultivadas em viveiros e jardins, o Sítio é
composto por espaços ajardinados com lagos, canteiros, afloramentos
rochosos, sombrais74 e arruamentos.

74Estruturas especiais para filtrar a luz do sol, criando ambientes semelhantes aos sub-bosques,
nas florestas tropicais.
Paisagem - 262

Fotografia 4 – Sombral Graziella Barroso

Foto: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (DJI_0130) (2017).

Possui uma extensa área de floresta nativa, nascente, cursos


d’água e sete edificações: a Capela de Santo Antônio da Bica, do século
XVIII; a Casa de Roberto, residência do paisagista; a “Loggia”, ateliê para
pinturas de grande formato; o salão de festas conhecido como “Cozinha
de Pedra”; o Ateliê, edifício moderno com fachada em cantaria
neoclássica; o edifício da Administração, onde ficam as salas de trabalho
da equipe; e a “Casa de Pedra”, originalmente pertencente a Guilherme
Siegfried Marx, irmão caçula e sócio do paisagista, que a construiu. A
propriedade inclui também um acervo museológico com mais de 3 mil
peças e uma biblioteca com cerca de 4 mil títulos.
Nesse lugar ímpar é possível identificar as composições artísticas
de Burle Marx nas diversas partes dos jardins, nos quais as plantas –
com ênfase nas espécies tropicais – foram organizadas como
composições vivas em termos de cor, formato, volume ou forma
escultórica. Nos espaços ajardinados veem-se formas sinuosas, massas
vegetais exuberantes, arranjos arquiteturais de plantas, contrastes
dramáticos de cores e incorporação de elementos da cultura popular
tradicional luso-brasileira. Os acervos de arte do Sítio respaldam e
complementam a percepção desses atributos. Entre esses, as obras de
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 263

arte especificamente relacionadas ao desenho dos jardins têm


importância crucial na compreensão do processo criativo.
A interação entre arte, arquitetura e paisagem, conceito do
Movimento Moderno, está presente na vasta e diversificada produção
artística de Roberto Burle Marx – pinturas, esculturas, desenhos,
gravuras, tapeçarias, objetos decorativos e painéis de azulejos, concreto
ou cerâmica integrados às edificações – bem como nas suas coleções de
objetos, preservadas enquanto conjuntos formados por ele e mantidos
em sua forma de exibição original.
O Sítio, então denominado Santo Antônio da Bica, foi adquirido
por Roberto Burle Marx e seu irmão, Guilherme Siegfried, em três
etapas, a partir de 1949, com a finalidade de abrigar a coleção botânica,
testar novas associações de plantas e cultivar mudas.

Figura 1 – Uma das fichas de registro da compra de um dos terrenos,


manuscrita por Guilherme Siegfried Marx

Fonte: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (s/d).


Paisagem - 264

Mapa 3 – Primeira compra – de 1949 até 1962

Fonte: Acervo Sítio Roberto Burle Marx – ilustração de Yanara Costa Haas (2015).

Mapa 4 – Segunda compra – de 1952 até 1963

Fonte: Acervo Sítio Roberto Burle Marx – ilustração de Yanara Costa Haas (2015).

Mapa 5 – Terceira compra – de 1960 até 1981

Fonte: Acervo Sítio Roberto Burle Marx – ilustração de Yanara Costa Haas (2015).
Mapa 6 – Soma de todos os terrenos cf. descrições das respectivas escrituras
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 265

FONTE: Acervo Sítio Roberto Burle Marx – ilustração de Yanara Costa Haas (2015).

Mapa 7 – A reintegração de posse – de 1975 até 1993

Fonte: Acervo Sítio Roberto Burle Marx – ilustração de Yanara Costa Haas (2015).

A partir de então, a casa foi sucessivamente reformada e


ampliada; foram construídos a Loggia, a Casa de Pedra, o Salão de
Festas, o Prédio da Administração e o Ateliê. A Capela de Santo Antônio
da Bica, remanescente do engenho setecentista homônimo, foi
restaurada – sob orientação dos arquitetos Lúcio Costa e Carlos Leão –
e mantida em uso pela comunidade.
Visando garantir a preservação desse legado, obra de toda uma
vida, Burle Marx doou a propriedade em 1985 à Fundação Nacional Pró-
Memória, autarquia vinculada então ao Ministério da Cultura
(posteriormente sucedida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional – IPHAN), cuja estrutura passou a integrar, na
qualidade de “unidade especial”. Atendendo ao disposto por Burle
Paisagem - 266

Marx na escritura de doação, a propriedade passou então a se chamar


“Sítio Roberto Burle Marx”.

Fotografia 5 – Casa de Roberto Burle Marx

Foto: Oscar Liberal - Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (2018).

Aí o paisagista residiu até sua morte, em 1994. No ano seguinte,


o Sítio foi aberto à visitação pública.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 267

Figura 2 – Linha do Tempo

Fonte: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx – ilustração de Yanara Costa Haas (2015): Em verde,
Processo de aquisição das terras, por Roberto Burle Marx e Guilherme Siegfried Marx. Em
vermelho, as diferentes designações do atual IPHAN ao longo do tempo.

Atualmente, o Iphan está ligado à Secretaria Especial de Cultura


do Ministério do Turismo, e o Sítio Roberto Burle Marx permanece em
sua estrutura como unidade especial. Visando levar adiante as ideias
fixadas por Burle Marx na escritura de doação, a unidade tem investido
na pesquisa, na produção e disseminação do conhecimento e na
disponibilização de seu patrimônio cultural à fruição pela sociedade.
Tem por missão “Preservar, pesquisar e divulgar a obra de Roberto Burle
Marx, com base no Patrimônio Cultural do SRBM, constituindo-se como
centro de memória e estudos construtor e difusor de conhecimentos nos
campos do paisagismo, do patrimônio cultural, da preservação
ambiental e das artes”75.
Muito antes de se tornar Patrimônio Mundial, o Sítio já havia sido
reconhecido como patrimônio, no Brasil, pelas instâncias estadual e
federal. O tombamento do Sítio Roberto Burle Marx teve por objetivo

75 Missão institucional do Sítio Roberto Burle Marx.


Paisagem - 268

garantir a preservação e a difusão à sociedade do legado de seu criador,


reconhecendo seu excepcional valor cultural e científico, que se
desdobra em aspectos múltiplos como: paisagístico, botânico,
arquitetônico, de conservação da natureza, de produção artística e do
colecionamento de objetos e obras de arte.

Fotografia 6 – Coleção de cerâmica popular,


com destaque para as do Vale do Jequitinhonha

Foto: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (2020).

A seguir está resumida a cronologia geral que veio pontuando a


história da Instituição:
• 1949 – O Sítio Roberto Burle Marx foi adquirido e
designado, à época, como Sítio Santo Antônio da Bica,
mesmo nome do morro de sua localização e do antigo
engenho ao qual as terras haviam pertencido
originalmente;
• 1983 – Foi tombado em nível estadual pelo Instituto
Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC);
• 1985 – Foi doado à União Federal do Brasil, tendo sido
enquadrado como unidade especial da Fundação Nacional
Pró-memória (proMemória) a qual, posteriormente, depois
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 269

de um breve tempo denominada Instituto Brasileiro do


Patrimônio Cultural (IBPC), retomou a designação antiga de
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN). O órgão pertencia, na época da doação, ao então
Ministério da Cultura. Hoje, vincula-se à Secretaria Especial
de Cultura, subordinada ao Ministério do Turismo;
• 1984 – Iniciou-se o processo de tombamento federal
(Processo de Tombamento nº 1131-T-84), que foi aprovado
na 113ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio
Cultural, em 22 de janeiro de 1985, mas não chegou e ser
homologado pelo Ministro da Cultura. Por esse motivo foi
reapresentado ao Conselho em agosto de 2000, sendo
finalizado em 04 de agosto de 2003. O Sítio foi então
inscrito no Livro do Tombo das Belas Artes (inscrição nº 623)
e no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico (inscrição nº 129), sob o título “Sítio Roberto
Burle Marx e sua coleção museológica e bibliográfica” 76;
• 2021 – Foi inscrito na Lista do Patrimônio Mundial pela
UNESCO.

PROCESSO DE CANDIDATURA E INSCRIÇÃO COMO PATRIMÔNIO


MUNDIAL

Como já mencionado, a inscrição do Sítio Roberto Burle Marx na


Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, registro dos bens considerados
como portadores de valor universal excepcional para a cultura da
humanidade, foi realizada no dia 26 de julho de 2021, durante a 44ª
Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a qual, devido
à situação global de pandemia, foi realizada de modo virtual e

76 Sobre os Livros do Tombo, ver: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/608.


Paisagem - 270

transmitida via internet para o mundo a partir da cidade de Fuzhou, na


China.
O SRBM foi inscrito na categoria de Paisagem Cultural, relativa
aos bens que referenciam a interação entre a atividade humana e o
ambiente natural, resultando numa paisagem natural modificada,
tornando-se o 23º bem cultural brasileiro reconhecido pela Unesco
como Patrimônio Mundial.
A trajetória da candidatura do Sítio Roberto Burle Marx à
inscrição na Lista do Patrimônio Mundial iniciou-se em 2015, com a
atualização da Lista Indicativa Brasileira para o Patrimônio Mundial77 ,
na qual o governo brasileiro, por intermédio do IPHAN, solicitou a
inclusão, pela Unesco, de seis bens culturais: Geoglifos do Acre (AC),
Teatros da Amazônia (AM, PA), Itacoatiaras do Rio Ingá (PB), Barragem
do Cedro nos Monólitos de Quixadá (CE), Sítio Roberto Burle Marx (RJ)
e Conjunto de Fortificações do Brasil (AP, AM, RO, MS, SP, SC, RJ, BA,
PE, RN).

77 A Lista Indicativa constitui um instrumento de preparação de candidaturas; é composta pela


indicação de bens culturais, naturais e mistos, pelos países signatários da Convenção do Patrimônio
Mundial da Unesco. A partir de sua inscrição na Lista Indicativa, os bens tornam-se candidatos,
podendo ser futuramente submetidos à avaliação do Comitê do Patrimônio Mundial, visando ao
seu reconhecimento como Patrimônio Mundial. (Ver:
http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/1656/seis-bens-brasileiros-sao-incluidos-na-lista-
indicativa-do-patrimonio-mundial-da-unesco).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 271

Fotografia 7 – O bem candidato (em vermelho) e


a zona de amortecimento (em branco)

Fonte: Ilustração sobre foto Google Earth. Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (2017).

Mapa 8 – O bem candidato (em vermelho) e


a zona de amortecimento (em verde escuro)

Fonte: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx – Dossiê de Candidatura a Patrimônio Mundial (2018).

A construção da candidatura foi orientada por especialistas da equipe


do IPHAN e norteada pelos critérios já anteriormente mencionados, tendo
por base os seguintes documentos de referência:
• Convenção para a Protecção do Património Mundial,
Cultural e Natural (1972) 78 ;

78 Disponível em: https://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf


Paisagem - 272

• Diretrizes Operacionais – The Operational Guidelines for the


Implementation of the World Heritage Convention 79 ;
• Manual de Referência do Patrimônio Mundial80.
• Como já indicado anteriormente, para serem incluídos na
Lista do Patrimônio Mundial os sítios devem ter um Valor
Universal Excepcional e atender a pelo menos um de dez
critérios de seleção descritos nas Diretrizes Operacionais.
Destes dez, quatro referem-se a bens naturais e seis,
listados a seguir, são aplicáveis a bens culturais:

(i) representar uma obra-prima do gênio criativo


humano;
(ii) mostrar um intercâmbio importante de valores
humanos, durante um determinado tempo ou em uma
área cultural do mundo, no desenvolvimento da
arquitetura ou tecnologia, das artes monumentais, do
planejamento urbano ou do desenho de paisagem;
(iii) mostrar um testemunho único, ou ao menos
excepcional, de uma tradição cultural ou de uma
civilização que está viva ou que tenha desaparecido;
(iv) ser um exemplo de um tipo de edifício ou conjunto
arquitetônico, tecnológico ou de paisagem, que ilustre
significativos estágios da história humana;
(v) ser um exemplo destacado de um estabelecimento
humano tradicional ou do uso da terra, que seja
representativo de uma cultura (ou várias),
especialmente quando se torna(am) vulnerável(veis)
sob o impacto de uma mudança irreversível;

79Disponível em: https://whc.unesco.org/en/guidelines/


80Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Prepara%C3%A7%C3%A3o%20de%20candi
daturas%20para%20o%20Patrim%C3%B4nio%20Mundial.pdf
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 273

(vi) estar diretamente ou tangivelmente associado a


eventos ou tradições vivas, com ideias ou crenças, com
trabalhos artísticos e literários de destacada
importância universal.

A candidatura seguiu uma série de etapas:


Em 24 e 25 agosto de 2016 realizou-se no Sítio uma ampla
oficina para estruturação da candidatura, com a presença de parceiros
institucionais, colaboradores e integrantes da equipe do SRBM e do
IPHAN-sede. Participaram além dos integrantes da equipe do Sítio
Roberto Burle Marx e profissionais e especialistas convidados, técnicos
e especialistas ligados a diversas instituições: Ministério da Cultura;
Ministério das Relações Exteriores / Itamaraty; Departamento de
Patrimônio Material e Fiscalização do IPHAN (DEPAM); Departamento
de Cooperação e Fomento do IPHAN (DECOF); Centro Lucio
Costa/IPHAN (CLC); Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de
Janeiro (JBRJ); Centro Nacional de Conservação da Flora, do Jardim
Botânico do Rio de Janeiro (CNCFlora); Instituto Estadual do Ambiente
(INEA); Parque Estadual da Pedra Branca/INEA (PEPB); Instituto
Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC); Secretaria Municipal de
Urbanismo, da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (PCRJ); Instituto
Rio Patrimônio da Humanidade, da Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro (IRPH) e o escritório de paisagismo Burle Marx & Cia.
Nessa oficina foram estabelecidos os parceiros para a
candidatura e estruturados os temas a serem desenvolvidos no Dossiê
de Candidatura.
Paisagem - 274

Fotografia 8 – Oficina preparatória

Fonte: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (2016).

Fotografia 9 – Reunião com a equipe do Sítio

Fonte: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (2016).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 275

Fotografia 10 – Grupo de participantes da oficina preparatória

Fonte: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (2016).

Em 2017 deu-se início ao preparo de versão preliminar do dossiê,


para avaliação do ICOMOS. No segundo semestre desse ano foi
encaminhada àquele órgão a versão preliminar, para avaliação pelo
processo upstream, e solicitada à Unesco a realização da “missão
consultiva”, destinada à orientação e ao “estudo de viabilidade” da
candidatura.
A missão consultiva foi realizada de 22 a 24 de janeiro de 2018,
contando com os participantes da oficina de 2016 e com duas
especialistas ligadas ao ICOMOS, órgão consultivo da Unesco para
assuntos relacionados ao patrimônio cultural: a historiadora e
paisagista espanhola Monica Luengo 81 e a arquiteta paisagista
portuguesa Maria Cristina Castel-Branco82. A missão representou uma
grande contribuição e foi de fundamental importância para o processo

81 Membro do Comitê Científico Internacional de Paisagens Culturais ICOMOS-IFLA, do Comitê


Científico do Instituto Europeu de Jardins e Paisagens, da Rede Europeia de Jardins Históricos e do
Instituto de Estudos Madrilenhos (CSIC) e vice-presidente do ICOMOS/Espanha.
82 Mestre em Arquitetura Paisagística pela Universidade de Massachusetts (USA), doutora pela

Universidade Técnica de Lisboa; membro do Icomos Internacional, fundadora e ex -presidente da


Associação Portuguesa dos Jardins e Sítios Históricos.
Paisagem - 276

de candidatura; as discussões realizadas foram extremamente ricas e


produtivas e as orientações das especialistas alteraram o rumo de tudo
o que havia sido pensado e escrito até então. As principais
recomendações, nesse sentido, foram:
• Em termos conceituais, assumir o desafio de “descolar” a
candidatura da figura de Roberto Burle Marx;
• Redefinir o perímetro proposto para o bem (até então
composto apenas pela parte agenciada da propriedade,
cerca de 1/3 do total), de modo a contemplar a totalidade
da propriedade, inclusive a parte acima da cota 100, que
integra o Parque Estadual da Pedra Branca, composta por
mata nativa, cuja presença, deixada intacta na propriedade,
foi considerada um elemento importante do bem
candidato.
Em seu relatório, as consultoras apontaram:

[...] a personalidade extraordinária e a figura de Burle Marx parcialmente


ofuscam o valor proposto do sítio em si. Recomenda-se uma mudança de
perspectiva para a candidatura proposta, tendo em conta que são lugares os
que são inscritos na Lista do Patrimônio Mundial, e não ideias. Assim, deve-
se demonstrar como a paisagem, na forma como foi moldada por Burle
Marx, é significativa para o mundo, mais do que a importância do lugar
como um repositório das obras do artista. 83

A partir de então o trabalho no dossiê foi redirecionado e, em


ampla medida, refeito, para o bem da candidatura. Seguiu-se um
período de intenso trabalho, com muitas discussões, pesquisas,
levantamentos, definições e com a produção de textos, desenhos,
ilustrações, fotografias etc.
A apresentação deveria seguir à risca as determinações contidas
nos documentos acima referidos, sendo cada uma das suas seções

83CASTEL-BRANCO, Maria Cristina; LUENGO, Monica. Relatório da Missão Consultiva do Processo


Upstream do ICOMOS ao sítio da Lista Indicativa: Sítio Roberto Burle Marx (Brasil). Icomos, 2018
(documento oficial).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 277

construída exatamente em conformidade com as orientações e


dispondo em seu conteúdo de todas as informações solicitadas, no formato
indicado. As seções do Dossiê são as seguintes:

Quadro 1 – Quesitos do Dossiê da UNESCO


CABEÇALHO INFORMATIVO 5. PROTEÇÃO E GESTÃO DO BEM
1. IDENTIFICAÇÃO DO BEM 5.a Posse
1.a. País (e Estado-parte, caso seja 5.b Designação de proteção
diferente) 5.c Meios de implementação de medidas
1.b. Estado, província ou Região de proteção
1.c. Nome do bem 5.d Planos existentes relacionados ao
1.d. Coordenadas geográficas ao município e à região em que o bem
segundo mais próximo (UTM) candidato se localiza (p. ex., plano local ou
1.e. Mapas e plantas mostrando a regional, plano de conservação, plano de
delimitação do bem candidato e a zona de desenvolvimento turístico)
amortecimento 5.e Plano de gestão do bem ou outro
1.f. Área do bem candidato (ha) e zona sistema de gestão
de amortecimento proposta (ha). 5.f Fontes e níveis de financiamento
2. DESCRIÇÃO 5.g Fontes de expertise e treinamento
2.a Descrição do bem em técnicas de conservação e gestão
2.b História e desenvolvimento 5.h Instalações para visitantes e
3. JUSTIFICATIVA PARA INSCRIÇÃO infraestrutura
3.1.a Breve síntese 5.i Políticas e programas relacionados à
3.1.b Critérios sob os quais a inscrição foi apresentação e à promoção do bem.
proposta (e justificativa para inscrição sob 5.j Nível e expertise da equipe
tais critérios) (profissional, técnica, de manutenção)
3.1.c Declaração de integridade 6. MONITORAMENTO
3.1.d Declaração de autenticidade (para 6.a Indicadores-chave para aferir o
candidaturas feitas sob os critérios (i) a (vi)) estado de conservação
3.1.e Requisitos de proteção e gestão 6.b Medidas administrativas para o
3.2. Análise comparativa monitoramento do bem
3.3. Declaração Proposta de Valor 6.c Resultados de exercícios de relatórios
Universal Excepcional anteriores.
4. ESTADO DE CONSERVAÇÃO E FATORES 7. DOCUMENTAÇÃO
QUE AFETAM O BEM 7.a. Inventário de fotografias e
4.a. Presente estado de conservação audiovisual e formulário de autorização
4.b. Fatores que afetam o bem 7.b. Textos relacionados à designação de
i) Pressões de desenvolvimento (ex.: proteção, cópias de planos de gestão do
invasões, adaptações, agricultura, bem ou sistemas de gestão documentados
mineração) e resumos de outros planos relevantes ao
(ii) Pressões ambientais (p. ex.: poluição, bem.
mudanças climáticas, desertificação)
Paisagem - 278

(iii) Desastres naturais e preparação para 7.c. Formulário e data dos registros mais
riscos (terremotos, enchentes, incêndios recentes ou inventário do bem.
etc.) 7.d. Endereço de onde se localizam o
(iv) Visita responsável dentro dos sítios inventário, os registros e arquivos.
do Patrimônio Mundial 7.e. Bibliografia
(v) Número de habitantes dentro do bem 8. INFORMAÇÃO DE CONTATO DAS
e em sua zona de amortecimento. AUTORIDADES RESPONSÁVEIS
9. ASSINATURA EM NOME DO ESTADO-
PARTE

Fonte: UNESCO Brasil, Iphan (2013).

Praticamente toda a equipe do Sítio, além de alguns técnicos do


Iphan-sede, em Brasília, e dos consultores – o arquiteto, urbanista,
paisagista e parceiro profissional de Burle Marx, José Waldemar
Tabacow84 e a historiadora Vera Beatriz Siqueira85 – se dedicaram
intensamente à candidatura durante todo o ano de 2018. Em janeiro de
2019, no prazo previsto, foi entregue à Unesco o Dossiê de Candidatura
do Sítio Roberto Burle Marx, com 590 páginas ilustradas, contendo
ainda mapas e um DVD com grande quantidade de informações.

84 Especialista em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),
doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor de Paisagismo
(UNISUL, UNIVALI, CATÓLICA-SC, UNOCHAPECÓ, UNIFOR, UNOSSOCIESC / FGV), consultor
ambiental em EIA-RIMA e RAD, consultor ad hoc do Portal Vitruvius e da Universidade Mackenzie,
sócio-Diretor de José Tabacow Arquitetura da Paisagem e Consultoria Ambiental Ltda.
85 Doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em

História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC -RJ),
professora associada e pró-cientista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), autora
dos livros Wanda Pimentel, Cálculo da Expressão: Goeldi, Segall, Iberê, Iberê Camargo, Burle Marx
e Milton Dacosta; pesquisadora do CNPq, pesquisadora visitante em nível de pós-doutoramento
no Getty Research Institute, em Los Angeles, EUA, coordenadora da área de Artes ju nto à
Capes/Ministério da Educação.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 279

Fotografia 11 – “Nomination Dossier” – dossiê de candidatura,


entregue à UNESCO (jan/2019)

Fonte: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx – Dossiê de Candidatura a Patrimônio Mundial (2018).

Seguindo o cronograma pré-fixado, entre 09 a 13 de setembro de


2019 foi realizada a Missão de Avaliação pela consultora do ICOMOS, a
arquiteta venezuelana Maria-Eugenia Bacci, que durante essa semana
repassou com a equipe do Sítio e do IPHAN, os consultores e os demais
parceiros presentes todas as questões apontadas pelo ICOMOS na
análise feita do Dossiê de Candidatura, tirou dúvidas, visitou toda a
propriedade e a Zona de Amortecimento, além de instituições e atores
locais considerados importantes para a candidatura.
Paisagem - 280

Fotografia 12 – Encerramento da Missão de Avaliação da Unesco (set/2019)

Fonte: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (2019).

Em 20 de dezembro do mesmo ano, foi enviado à Delegação


Permanente do Brasil na Unesco, pela Sra. Gwenaëlle Bourdin, Diretora
da Unidade de Avaliação do ICOMOS, com cópia ao IPHAN, ao SRBM e
ao Centro do Patrimônio Mundial da Unesco, um Relatório
Intermediário solicitando informações adicionais relativas à Lista do
Patrimônio Mundial 2020, em complementação ao Dossiê, visando
esclarecer pontos considerados insuficientemente desenvolvidos no
mesmo. Eram solicitadas informações adicionais referentes aos
seguintes assuntos:

1. Princípios paisagísticos desenvolvidos por Burle Marx;


2. Desenvolvimento de paisagens modernistas e do jardim tropical moderno;
3. Ampliação e complementação da Análise Comparativa;
4. Documentação sobre a paisagem e sua evolução e sobre o inventário da
coleção botânico-paisagística;
5. Evidência, no Sítio, da experimentação realizada por Burle Marx;
6. Proteção do bem: atualização das informações sobre a legislação
municipal;
7. Planejamento de gestão de riscos de desastres.

Além destas, outras informações também foram solicitadas:

- A atualização sobre o estado de conservação das edificações, dos


jardins, dos sombrais e das coleções;
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 281

- O desenho técnico detalhado de todos os jardins (as built paisagístico),


com as respectivas listas de plantas e demais informações;
- O registro das paisagens internas e externas, com visadas fotografadas e
registradas em planta;
- A relação do conteúdo de todos os sombrais;
- A apresentação dos projetos arquitetônicos que estavam em
desenvolvimento por ocasião da Missão de Avaliação, e os pareceres dos
órgãos de patrimônio, com avaliação dos impactos previstos;
- Outros documentos relativos à gestão do Sítio (Plano Estratégico 2020-
2025, Plano de Gestão do Acervo Botânico etc.).

Mais uma vez toda a equipe e os consultores se lançaram


intensamente à tarefa de atender ao solicitado, com o prazo exíguo
para enviar o documento de resposta até fevereiro de 2020.
Foi realizado o cadastramento dos jardins e registro das
paisagens, partindo-se da definição, muito discutida, de que partes no
Sítio Roberto Burle Marx devem ser consideradas jardins e quais as
ocupadas com coleções cultivadas ao ar livre.
Foram definidas três áreas de jardins: os lagos junto à entrada e
sua área de entorno imediato; os jardins do conjunto da Casa / Capela /
Loggia / Cozinha de Pedra; os jardins circundantes ao Ateliê. Dessas
áreas, foi realizado: o levantamento topográfico detalhado,
georreferenciado, seguido da retificação e do ajuste dos desenhos
topográficos; o levantamento detalhado das espécies botânicas de cada
jardim; a elaboração dos desenhos de apresentação de cada jardim.
Além disso, foi feito um texto explicativo de critérios, com a
descrição das áreas de coleção e de vegetação nativa. Foi também
realizado o registro das paisagens internas e externas mais
significativas, por fotografia, com visadas registradas em planta. Todas
as demais questões foram analisadas, discutidas e respondidas.
Em 21 de fevereiro de 2020, realizou-se a entrega do relatório
contendo as informações adicionais solicitadas pelo ICOMOS na Missão
de Avaliação e no Relatório de dezembro.
Paisagem - 282

Fotografia 13 – “Additional Information” –


relatório encaminhado à UNESCO (fev/2020)

Fonte: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (2020).

A candidatura do Sítio Roberto Burle Marx foi analisada pelo


Comitê do Patrimônio Mundial e aprovada na sua 44ª Sessão, em
Fuzhou, na China, sem nenhuma ressalva. Essa decisão foi formalizada
na carta enviada em 12 de agosto de 2021, pela Sra. Mechtild Rössler,
Diretora do Centro do Patrimônio Mundial, ao Delegado Permanente
do Brasil junto à Unesco, Embaixador Santiago Irazabal Mourão, que
encaminha como anexo o texto da decisão (Decisão: 44 COM 8B, 27) e
informa que “o Centro do Patrimônio Mundial produzirá certificados de
Patrimônio Mundial para cada um dos bens recém-inscritos, que serão
distribuídos aos Estados-parte em tempo hábil”.
O Sítio Roberto Burle Marx foi inscrito na Lista do Patrimônio
Mundial com base em dois critérios:

Critério (ii): O Sítio Roberto Burle Marx demonstra um importante


intercâmbio de ideias sobre paisagismo relacionado à
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 283

transferência de ideias do movimento artístico Modernista da


Europa, a sua elaboração e adaptação, através da
experimentação, a uma forma de paisagismo baseada na
utilização da flora tropical nativa, e sua aplicação em um grande
número de parques e jardins em todo o mundo, que juntos
produziram um profundo impacto no desenvolvimento do que é
agora conhecido como o jardim tropical moderno.
Critério (iv): O Sítio Roberto Burle Marx é um exemplo
excepcional de paisagem que demonstra o desenvolvimento de
um novo tipo de paisagismo, que fundiu ideias criativas do
Movimento de Arte Moderna com tipologias locais e plantas
tropicais, criando um estilo que ficou conhecido como o jardim
tropical moderno.

A Declaração de Valor Universal Excepcional definida na Decisão


44 COM 8B, 27 explicita em sua “Breve Síntese”:

O Sítio Roberto Burle Marx, localizado na zona oeste da Cidade do


Rio de Janeiro, compreende extensos jardins paisagísticos e
edifícios situados entre manguezais e floresta Atlântica nativa,
numa região montanhosa do bairro de Barra de Guaratiba.
A propriedade foi um “laboratório paisagístico” para o paisagista
e artista Roberto Burle Marx (1909-1994). Durante um período de
mais de 40 anos, ele experimentou com a fundição de ideias
artísticas modernistas e plantas tropicais nativas na criação de
projetos de jardim como obras de arte vivas.
Burle Marx introduziu a estética da pintura no paisagismo.
Inspirando-se nos principais fundadores do Movimento de Arte
Moderna, ele criou pinturas abstratas que incluíam imagens
modernistas baseadas em abstrações da cultura popular
portuguesa e brasileira, e as usou como fundamento de projetos
de jardins nos quais as plantas se tornaram componentes de
obras de arte vivas tridimensionais. Burle Marx popularizou o uso
de plantas tropicais nativas, muitas das quais ele colecionou e
cultivou.
O Sítio é, portanto, importante como manifestação fí sica das
abordagens de Burle Marx, seus princípios e suas plantas, bem
como pelo modo como permite uma compreensão das
características-chave de projeto que ele usou repetidamente em
seus projetos, tais como formas sinuosas, massas vegetais
exuberantes, arranjos arquiteturais de plantas, contrastes
dramáticos de cores, o foco nas plantas tropicais e a incorporação
Paisagem - 284

de elementos da cultura popular tradicional portuguesa-


brasileira.
O Sítio é um remanescente excepcional como laboratório que
ilumina o modo como um dos grandes paisagistas do século 20
desenvolveu seus projetos influentes. Isso levou ao
desenvolvimento do que ficou conhecido como Jardim Tropical
Moderno, uma importante expressão do Movimento Moderno no
campo do paisagismo que influenciou em grande medida a
elaboração de parques e jardins desde meados do século 20 no
Brasil e ao redor do mundo.

Na Decisão “44 COM 8B.27”, o Comitê faz uma série de


recomendações e requisita aos Estados-parte que “apresentem um
relatório sobre a implementação de suas recomendações ao Centro do
Patrimônio Mundial até 1º de dezembro de 2023, para exame pelo
Comitê do Patrimônio Mundial em sua 47ª sessão”, o qual deve ser
apresentado em inglês ou francês, e deve seguir o formato compulsório
padrão (Anexo 13 das Diretrizes Operacionais). As recomendações
referem-se a uma série de ações e providências a serem adotadas, em
especial: definir detalhadamente os atributos de Valor Universal
Excepcional do bem e seu grau de preservação; com base na definição
completa dos atributos, produzir um Plano de Conservação para as
paisagens projetadas do bem; fortalecer o Plano de Gestão de modo a
refletir os atributos definidos e garantir que os aspectos de concepção
cultural dos jardins sejam considerados na gestão da propriedade;
Fortalecer a proteção para a Zona de Amortecimento e o entorno
imediato do bem, de modo a controlar as pressões urbanísticas e
garantir a proteção das visadas tomadas a partir do bem em direção à
paisagem circundante; e garantir que sejam realizadas Avaliações de
Impacto ao Patrimônio Cultural para qualquer proposta que possa
potencialmente impactar o Valor Universal Excepcional do bem.
O título da Unesco cria um compromisso internacional de
preservação do Sítio. Em breve será constituído o Comitê Gestor do Sítio
Patrimônio Mundial, incluindo os diversos atores que participaram da
candidatura, e por meio dele formalizado o Plano de Gestão para o Sítio
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 285

e seu entorno, na perspectiva do patrimônio mundial, definindo a


matriz de responsabilidades de todos os parceiros. O plano mapeará
riscos e apontará ações para minimizar possíveis ameaças ao valor
universal excepcional do SRBM.
Ou seja: o trabalho relacionado ao Patrimônio Mundial não se
encerra com a inscrição na Lista; pelo contrário: ações permanentes de
monitoramento, conservação e relatoria periódica serão, daqui para
frente, acrescentadas às atividades cotidianas do Sítio Roberto Burle
Marx, agora respaldado por instituições internacionais em seu caráter
de bem cultural importante para toda a humanidade.

Fotografia 14 – Painel em cerâmica, de Roberto Burle Marx, no Salão de Festas

Foto: Oscar Liberal (OHL6410) / IPHAN (2017).


Paisagem - 286

Fotografia 15 – Casa de Roberto Burle Marx – Sala de música

Foto: Acervo do Sítio Roberto Burle Marx (2017).

IMPORTÂNCIA DA COLEÇÃO BOTÂNICA

Embora o Sítio Roberto Burle Marx seja um aglomerado de


terrenos, adquiridos circunstancialmente e ao longo do tempo é, antes,
um amálgama de acervos e coleções, muitas delas se superpondo, seu
conjunto espelhando de forma clara o espírito de seu criador.
É inadequada qualquer comparação ou estabelecimento de
hierarquias. Entretanto, vamos considerar, apenas para efeito prático,
que a coleção botânica se destaca das demais em diversos critérios que,
mais adiante, serão examinados em detalhe. Por ora, mencionamos
apenas que justifica este ponto de partida o fato de que o conjunto de
plantas reunidas no Sítio expressa um acervo diferenciado no tocante
ao porte, à qualidade e à quantidade dos espécimes que a constituem.
E, sem qualquer dúvida e sem desmerecer os demais acervos, foi a
existência desta coleção que tornou possível o enquadramento nos
exigentes padrões estabelecidos pela Unesco para as candidaturas.
Entre as diversas coleções que compõem o patrimônio cultural da
instituição, a coleção botânica do Sítio Roberto Burle Marx se destaca
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 287

pelas proporções enormes e de difícil delimitação. Não se trata de


comparações incabíveis. É lógico que cada uma tem sua importância
específica como acervo, como história, como expressão das
idiossincrasias de seu criador. Assim, o destaque que mencionamos
anteriormente refere-se às suas características únicas, sem similares do
mesmo porte, pelo menos no Brasil e, também digno de menção, o
gigantesco esforço necessário em mão de obra, insumos e recursos para
sua criação e manutenção.
A variedade de processos de aquisição de espécimes, aliada ao
constante empenho do paisagista no objetivo de expandir o acervo fez
com que este conjunto atingisse proporções incomuns, com qualidades
e quantidades que o tornam, sem qualquer dúvida, dos mais
importantes existentes. É referência mundial não apenas para
pesquisadores e público interessado em paisagismo, como também
com fortes conexões com atividades científicas, notadamente de
botânica aplicada, mas também de ecologia, geografia e outras ciências
da terra. E também cabe mencionar em suas relações com instituições
congêneres em todo o mundo.
A construção desta coleção não obedeceu a qualquer plano ou
proposta preconcebida. Burle Marx simplesmente decidiu iniciar uma
coleção de plantas, cujo objetivo foi aumentar o elenco de plantas com
potencial paisagístico à disposição para projetos de parques, jardins e
áreas verdes em geral86 . É importante mencionar que, quando desta
decisão, ainda não havia qualquer preocupação com a conservação
ambiental, que surgiu posterior e gradativamente 87 . Foram vários os
processos de aquisição das plantas: intercâmbio com produtores
comerciais, intercâmbio com outros colecionadores, intercâmbio com
instituições com acervos de plantas vivas.

86 TABACOW, José (org. e com.) Roberto Burle Marx: Arte & Paisagem – Conferências escolhidas.
2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Studio Nobel, 2004. p. 18.
87 Idem.
Paisagem - 288

Fotografia 16 – Plantas aclimatadas nos afloramentos rochosos do Sítio

Fonte: Oscar Liberal / IPHAN 7113 (2018).

Desta última merece menção o Kew Gardens de Londres onde,


segundo o próprio Burle Marx, chegou a ser implantado um roteiro de
visita às plantas vivas doadas por ele àquela Instituição.
Além dos mencionados, houve outros métodos não menos
importantes: visitas sistemáticas a hortos e viveiros nas localidades por
onde passava por razões de trabalhos em andamento ou viagens para
palestras e conferências a convite de centros de estudos os mais
diversos, no Brasil e no exterior. Também na realização de exposições
como pintor e artista multifacetado e, um capítulo que merece maior
atenção, excursões de coleta ao interior do Brasil. A respeito dessas
últimas, será aqui desenvolvido um histórico mais detalhado,
evidenciando a importância entre a coleção e esta atividade de coleta.

IMPORTÂNCIA DAS EXCURSÕES DE COLETA

Evidentemente a atividade de colecionamento de plantas teve,


no caso do paisagista, um início indefinido, uma vez que sua atração
pelo mundo vegetal se dá desde a mais tenra idade. É legítimo supor
que, eventualmente, ele tenha coletado plantas com a ideia de cultivá-
las por seu potencial uso em composições vegetais, tais como em
pequenos jardins ou mesmo em vasos e outros recipientes. O próprio
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 289

paisagista fazia menção aos longos passeios que realizava com sua mãe,
por vales e encostas do Rio de Janeiro. É provável que, então, tenha
percebido a possibilidade de coletar e cuidar de plantas. Entretanto, se
quisermos estabelecer um marco inicial nesta atividade, poderíamos
arbitrar que esta seria sua primeira excursão de coleta com objetivos
profissionais. Remontaremos então ao ano de 1935, em Recife,
Pernambuco, quando Burle Marx decide ir buscar, nas caatingas mais
próximas, vegetação de climas mais secos para o “Cactário da
Madalena”, atual Praça Euclides da Cunha, ou Praça do Internacional,
situada no bairro da Madalena88.
Desta forma, teve início a atividade de viagens de observação e
coleta. Se, nesta primeira, ele já busca a vegetação para um
determinado espaço, com o desenvolvimento de seus trabalhos e de
suas percepções, a partir daí, Burle Marx estabelece uma estratégia
sistemática e, de acordo com seus objetivos, complementar para a ideia
de uma grande coleção de plantas.
Neste momento, ele ainda não tem a menor ideia do tamanho
que tal empreitada iria atingir. Sua declaração de que “se soubesse a
que tamanho a coleção iria chegar, talvez não tivesse me animado a
começar”89 não deixa a menor dúvida sobre a ausência de um plano
inicial definido.
Também é interessante examinar a ordem em que diretrizes
iniciais foram se definindo e cristalizando: se, em 1935, ele inicia viagens
especiais para coletar plantas, já com objetivos profissionais, em 1949,
como vimos, ele prepara um espaço para, de forma sistemática, abrigá-
las no que viria a constituir, hoje, o Sítio Roberto Burle Marx. São apenas
14 anos, tempo relativamente pequeno – comparado com a longa vida

88 CARNEIRO, Ana Rita Sá; PESSOA, Cláudia. “Burle Marx nas praças do Recife”. Arquitextos, n.
042.03, ano 4, nov. 2003, acessível no site Vitruvius:
https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.042/638. Acesso em: março 2022.
89 TABACOW, José. “Em Busca de uma Expressão Genuína”, in Sítio Roberto Burle Marx. São Paulo:

Intermuseus; Rio de Janeiro: Sítio Roberto Burle Marx, 2020.


Paisagem - 290

profissional do paisagista – para uma empreitada tão grande, cujo


alcance, também vimos, não estava ainda claramente delineado!
Mas Burle Marx já havia percebido que era ali, na flora
brasileira, que ele encontraria seu maior manancial. Em uma
conferência, ele declara:

Quero dizer-lhes algo sobre a atração violenta que sinto pelas viagens em
busca de novas plantas. É como se a floresta estivesse a oferecer um tesouro,
que existe apenas para aquele que o busca. Cada dia que passa, mais sinto o
quanto é breve a minha vida para conhecer e explorar todos os tesouros da
flora brasileira. É uma situação que definirei como un embarras de richesse,
onde as cores se repetem em tons diferentes e as formas se organizam em
extensas séries, em que cada tema é submetido a uma multiplicidade de
soluções. 90

Outro aspecto muito interessante a examinar é como estas


viagens aconteciam. Como eram definidos os roteiros? Quem
participava? Como era determinada a duração de cada viagem? As
buscas eram específicas ou vasculhava-se toda uma região? As
respostas a todas estas questões são extremamente variáveis. Tanto
poderia haver uma viagem em busca de determinada espécie,
recomendada por algum botânico ou colecionador, como também
poderia ser explorada toda uma região promissora para as plantas de
interesse daquele momento. Houve um período em que Burle Marx
estava com a atenção voltada para os gêneros Philodendron e
Anthurium. Bastava alguém mencionar a existência de um dos dois com
alguma característica diferencial – folha muito grande, nervura central
reforçada, recorte da folha em formato especial ou grotesco etc. – e o
itinerário estava definido. Claro, não era uma viagem específica. Tudo
poderia ser interessante, qualquer espaço merecia uma varredura. Mas
a busca daquela planta tinha decidido a realização da viagem.

90 TABACOW, José. Op. Cit. (2004).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 291

A excursão à Ilha do Mel enquadra-se com precisão neste grupo.


A sugestão veio do botânico Gert Hatschbach, de Curitiba, quando,
numa conversa, ele se referiu a uma espécie de Anthurium com folhas
gigantescas, que ocorriam naquela ilha. Imediatamente foi organizada
uma viagem. O grupo partiu do Rio de Janeiro, aproveitando um feriado
mais longo, mas nunca chegou à Ilha do Mel, em virtude do mar bravio,
que não recomendava a travessia. Entretanto, a viagem não foi perdida.
A encosta atlântica do Paraná foi explorada, assim como as restingas
nas imediações da baía de Paranaguá, resultando em expressiva coleta
de plantas daquelas formações, notadamente de araceae e
orchidaceae.

Fotografia 17 – Veículos adaptados para a grande viagem à Amazônia em 1983

Foto: José Tabacow (1983).

Em outras circunstâncias, roteiros poderiam ser definidos por


recomendação de algum botânico, paisagista ou qualquer pessoa com
interesse convergente. Ou, simplesmente, porque o paisagista estava
recebendo um visitante e queria que este participasse de alguma
viagem. Assim foi, por exemplo, com o botânico venezuelano Leandro
Aristeguieta, com o agrônomo também venezuelano, Juan de Dios
Holmquist, com os botânicos americanos Robert Bunting Jr. e Paul
Hutchinson, entre muitos outros. Mas também para satisfazer seu
irmão mais velho, Walter Burle Marx, residente na Filadélfia (USA), para
Paisagem - 292

quem, dado ao seu gosto, planejava uma excursão anual obrigatória,


quando este vinha para o Brasil fugindo do rigoroso inverno do nordeste
americano.
Em suma, pode-se afirmar que a realização de excursões de
observação e coleta com a participação de sua equipe e de amigos e
colaboradores tornou-se, ao longo da vida profissional de Burle Marx,
uma prática consolidada e constante, constituindo a principal fonte de
obtenção de espécies para a coleção botânica, sem que houvesse, no
entanto, uma metodologia estabelecida ou um planejamento
estruturado para essa prática, nem para a constituição da coleção. As
viagens contavam geralmente com uma infraestrutura básica, que
incluía dois ou mais veículos – uma “Kombi” e um caminhão – para
transporte das pessoas e das plantas coletadas, equipamentos para
coleta e, eventualmente, para alimentação e abrigo. As coletas
incluíam, sempre que possível, um ou mais botânicos e alguns
funcionários do Sítio Santo Antônio da Bica, que desempenhavam as
funções de motorista e de coletores. Estes últimos subiam em árvores,
transportavam as plantas de seus locais até o caminhão, onde as
acomodavam, depois de algumas técnicas de preparo para a viagem e
para garantir sua sobrevivência até o plantio no Sítio. Os demais
participantes eram integrantes da equipe do escritório de projetos e
eventuais convidados de Burle Marx.

Participação de botânicos

Desde sempre, Burle Marx procurou o convívio com botânicos


que pudessem ajudar nas coletas, em especial para as observações
ecológicas e fitofisionômicas e também na determinação taxonômica.
Embora fosse um profundo conhecedor de sistemática vegetal,
rechaçava com veemência o título de botânico que, às vezes, queriam
lhe imputar. Não tinha qualquer formação na área e dizia que o que lhe
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 293

interessava particularmente era a botânica aplicada a paisagismo, não


como ciência pura.
Uma das exigências mais constantes no planejamento de
excursões de coleta era a presença de pelo menos um botânico no
grupo. Houve viagens sem tal participação, mas foram circunstanciais.
A ideia de Burle Marx era contar sempre com o auxílio da ciência, como
forma de organização dos dados e conhecimentos coletados.
Na época mais inicial de sua carreira profissional, o paisagista já
tinha contatos com Luiz Emygdio de Mello Filho (1913-2002), do Museu
Nacional, Dárdano de Andrade Lima (1919-1981), de Recife, um pouco
mais tarde, com Henrique Lahmeyer de Mello Barreto (1892-1962). E
assim, seguidamente, foi se cercando de alguns dos nomes mais
importantes desta ciência no Brasil e no exterior. Não se pode deixar de
mencionar Adolpho Ducke (1876-1959), Apparício Pereira Duarte
(1910-1984), Graziella Maciel Barroso (1912-2003), Leandro
Aristeguieta (1923-2012), Nanuza Luíza de Menezes (1934–), João Semir
(1937-2018), Ariane Luna Peixoto (1947–), Gustavo Martinelli (1953–)
entre outros menos frequentes.
Alguns desses participaram de inúmeras viagens e, pelas suas
especializações, acabaram por se encarregar da organização e
identificação de certos grupos de plantas. Assim, Graziella Barroso
ajudou, ativa e permanentemente, na organização da família Araceae,
em especial, os gêneros Philodendron e Anthurium. Anteriormente, Luiz
Emygdio de Mello Filho vinha fazendo o mesmo trabalho para
Heliconiaceae. Mas são as Velloziaceae que merecem relato mais
detalhado: Burle Marx tinha uma atração especial por este grupo.
Entretanto, por três ou quatro vezes tentou coletar espécimes desta
família, sem sucesso. As plantas morriam! Quando conheceu Nanuza
Luíza de Menezes, botânica da Universidade de São Paulo (USP),
especialista nesta família, falou-lhe de suas tentativas e de suas
decepções. Contou-lhe que achava as plantas lindas, com uma
arquitetura especial e um potencial enorme. E lamentou sua extrema
Paisagem - 294

sensibilidade e o fracasso de suas tentativas. Mas a botânica esclareceu


que as plantas não estavam mortas, apenas com aspecto de mortas.
Que insistindo nas regas, elas tendiam a reverdecer! Animado, o
paisagista experimentou seguir as recomendações e, para seu espanto,
viu as plantas coletadas “reviverem”! Descoberta a técnica de coleta,
ele focou sua atenção nas plantas desta família. A coleção cresceu
muito! Atualmente são dezenas de espécies, constituindo a maior
coleção existente de velloziaceae vivas. Muitas destas plantas ainda não
tinham sido classificadas pela ciência e levaram, na designação
específica, o nome de seu descobridor ou nomes por ele sugeridos.
Durante muitos anos, Burle Marx empreendeu numerosas viagens a
seus locais de ocorrência, em especial, a Serra do Cipó (MG), à região
de Diamantina (MG) e à Chapada Diamantina (BA); à serra do Grão-
Mogol (MG) e à Chapada dos Veadeiros (GO), Serra do Cabral (MG),
procurando entre os diversos afloramentos rochosos que lhes servem
de habitat.

Participação de funcionários

A equipe básica de uma viagem assim era, como dito acima,


constituída pelo próprio Burle Marx, algum botânico por ele convidado,
três ou quatro empregados do Sítio, além do motorista para o
caminhão. Os demais ou eram convidados pelo paisagista ou iam por
conta própria, isto é, pagando suas próprias despesas e em outros
veículos, quando necessário. Este último grupo era, em geral, de
arquitetos, desenhistas e estagiários do escritório. Os empregados
foram sendo escolhidos por um critério de interesse e participação, em
filtragens sucessivas. Em poucas viagens, já existia um grupo definido
para a função. Merecem citação, pela grande participação que sempre
tiveram, Ataíde Alves Correa, Francisco Batista, Pedro “Pedrinho” Alves
dos Santos e Sílvio (sobrenome não identificado), que não era
empregado, mas pescador na Pedra de Guaratiba e que acabou se
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 295

integrando à essa atividade específica. E, como motoristas, Delci Alves


Correa, Manoel da Rocha e Adélio da Rocha. Este último, após se
desligar da empresa, foi trabalhar na Amazônia, na construção da
Rodovia Perimetral Norte. Nesta obra, hoje abandonada, encontrou
uma helicônia que, pelo olhar treinado nas numerosas viagens,
pareceu-lhe diferente. Enviou-a para o Rio de Janeiro. Encaminhada ao
especialista, Prof. Luiz Emygdio, este verificou tratar-se de espécie nova
para a ciência e batizou-a, em homenagem ao descobridor, Heliconia
adeliana.

Roteiros

Foi dito acima que os roteiros eram estabelecidos em função de


recomendações ou referências circunstanciais. Dependiam,
obviamente, do tempo disponível para a viagem, pois havia participação
de grande parte de equipe do escritório de projetos do paisagista, o que
significava paralização quase total das atividades ali desenvolvidas.
Talvez por esta razão, aliada ao custo geral, do qual a maior parcela era
assumida pelo paisagista, as excursões tinham roteiros relativamente
curtos. Era dada preferência aos Estados do Rio de Janeiro, Espírito
Santo, Minas Gerais, Bahia e Goiás. Houve uma viagem atípica, já
mencionada, ao litoral do Paraná. Mas Burle Marx evitava as buscas
muito mais ao sul pelas diferenças do clima de transição para fora da
faixa tropical. Ele levava em consideração a maior dificuldade de
adaptação de algumas espécies ao clima mais quente na latitude do Rio.
Entretanto, considerava também que há alguns traços em comum entre
as floras da Mata Atlântica, restingas e manguezais, assim como campos
rupestres até o sul da ilha de Santa Catarina, nas latitudes onde termina
a tropicalidade.
Paisagem - 296

Fotografia 18 – Primeira viagem ao Pantanal – Guia Salmeirão e


Roberto Burle Marx em coleta de Bromeliaceae

Foto: José W. Tabacow (1978).

Em 1978 foram realizadas duas expedições com roteiros muito


maiores que os costumeiros, ambas ao Pantanal mato-grossense. Na
primeira, ainda era época de cheias e as estradas estavam
intransponíveis. Foram então exploradas as serras da região,
notadamente a serra da Bodoquena e a de Piraputanga, em
Aquidauana-MS. Na segunda tentativa, já em época seca, o grupo
cruzou o pantanal passando a cidade de Corumbá-MS e chegando
mesmo a penetrar um pouco em território boliviano, até Puerto Suarez.
Os mapas 9 e 10 ilustram os roteiros de ambas.

MAPA 9 – Primeira viagem ao Pantanal (1978)

FONTE: Google, modificado por José W. Tabacow (mar/2022).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 297

Mapa 10 – Segunda viagem ao Pantanal (1978)

Fonte: Google, modificado por José W. Tabacow (mar/2022).

Estas duas viagens inauguraram uma nova fase, em que, a cada ano,
uma viagem com roteiro mais extenso era realizada. Seguiu-se uma viagem
circular saindo do Rio de Janeiro (RJ) e passando por Brasília (DF), Chapada dos
Veadeiros (GO), Barreiras (BA), Ibotirama (BA), Chapada Diamantina (BA) e, na
volta ao Rio, uma passagem por Pancas (ES), num roteiro explicitado no mapa
nº 11.
Mapa 11 – Viagem circular à Bahia (1982)

FONTE: Google, modificado por José W. Tabacow (mar/2022).

O maior itinerário realizado por Burle Marx e equipe foi a viagem


à Amazônia, em 1983 (Mapa 12).
Paisagem - 298

Foram 11 mil quilômetros de rodovias, pavimentadas e de terra,


e mais a descida pelo rio Amazonas entre Manaus e Belém.

MAPA 12 – Viagem à Amazônia (1983)

FONTE: Google, modificado por José W. Tabacow (mar/2022).

Fotografia 19 – Viagem à Amazônia – José Tabacow, durante a viagem à Amazônia,


com arara-canindé (Ara ararauna)

Foto: Oscar Bressane (1983).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 299

A prática permanente dessas viagens assegurou ao Sítio Roberto


Burle Marx um enorme acervo de plantas vivas, com evidente destaque
para representantes da flora brasileira. Somente tal característica já
seria suficiente para justificar todo o esforço realizado. Entretanto, as
viagens propiciaram alguns efeitos não previstos inicialmente, mas que
do ponto de vista da conservação são tão importantes quanto o
formidável acervo reunido. Merecem menção:
A constatação, pelo paisagista, das profundas modificações pelas
quais passavam os ambientes brasileiros, que vinham paulatinamente
sendo destruídos por diversas e poderosas razões, como a ocupação
urbana, a expansão das fronteiras agrícolas, a implantação extensiva de
atividades agropecuárias como a criação de gado ou o plantio de soja,
as técnicas destrutivas de construção rodoviária e a consequente
abertura de novas frentes de devastação, para citar as principais. Esta
percepção faz com que ele passe a denunciar sistematicamente, como
testemunha considerável, as agressões às formações originais do país.

Fotografia 20 – Viagem à Bahia, da esquerda para a direita: Arlindo (motorista), Gabriel Bérriz,
Roberto Burle Marx, Haruyoshi Ono, Joëlle Moreau. Abaixado: Athaíde Alves

Foto: José Tabacow (1966).


Paisagem - 300

Mas as viagens foram também ricas fontes de observação direta


da flora e das formações brasileiras (biomas e ecossistemas). Nelas,
Burle Marx, sua equipe e seus convidados puderam observar:
1. O desenvolvimento de percepções e olhares para a
natureza como rica fonte de sugestões e exemplos que,
reinterpretados (nunca imitados!) passaram a compor
alguns dos espaços paisagísticos compostos por Burle Marx,
que mencionava sempre seu aprendizado a partir da
observação das formações naturais;
2. O desenvolvimento constante de uma capacidade de leitura
das paisagens, que o habilitava na busca de uma relação de
continuidade entre suas propostas artificiais, construídas e
as paisagens de entorno;
3. O aprendizado ecológico, as relações das plantas entre si,
com os animais e com os substratos e demais elementos
constituintes dos ambientes.

AMBIENTAÇÃO DAS PLANTAS COLETADAS

Retornando das expedições, o trabalho de distribuição das


plantas pelos terrenos do Sítio obedecia a uma série de exigências,
notadamente, a busca de condições do meio físico mais parecidas com
as do local original daquele espécime. Mas também, como não podia
deixar de ser, as plantas eram dispostas pelo seu valor potencial em
paisagismo.
A necessidade de destacar algumas características ou de garantir
a visibilidade de muitas das plantas coletadas foi determinando uma
separação virtual em dois tipos de tratamento. Numa simplificação
prática, estes dois tipos passaram a ser diferenciados pelas
denominações de “coleção” e de “jardins”. Entretanto, tal distinção é
apenas teórica. Não é possível, na realidade do Sítio, estabelecer
espaços, separações, fronteiras entre características que sequer têm
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 301

seus limites definidos. Há que mencionar também que uma área


qualquer, usada para um dos “tipos” poderia, depois de algum tempo,
ser destinada ao outro. E vice-versa. Assim, o conjunto de plantas do
Sítio passou sempre por um dinamismo ditado pelas necessidades de
momento, de acomodação de novas aquisições. Um exemplo ilustra
muito bem o fato: a área atrás da residência era, desde sempre, tratada
como jardim, com sua composição, seus substratos muito bem
definidos, com rochas escultóricas e tudo mais que configura uma
intenção paisagística. Entretanto, quando Burle Marx se informou da
técnica de transplante de plantas da família Velloziaceae, aquele foi o
local escolhido para plantar as espécies e gêneros desta família, por
falta de outros espaços adequados. A configuração passou a ser quase
sistemática. Desapareceu a ideia de jardim, dando lugar à coleção
destas plantas, que são conhecidas pelo nome popular de canela-de-
ema.
O processo descrito reforça principalmente a ideia de um campo
experimental, um laboratório onde o paisagista fazia suas experiências,
seus experimentos. É natural que, em algumas áreas, os arranjos
estabelecidos permanecem por longo tempo. Mas é importante
mencionar que, como no exemplo das Velloziaceae, Burle Marx não se
sentia comprometido com regras imutáveis. E era exatamente tal
atitude que permitiu que ele pudesse distribuir suas coletas por todo o
Sítio, sempre na busca de ambientação adequada para responder às
exigências vitais de cada espécie para lá levada.
Paisagem - 302

Fotografia 21 – Coleção de Begoniaceae em sombral

Foto: Oscar Liberal (OHL6570) / IPHAN (2016).

CONCLUSÃO

Os dois critérios invocados pela Unesco para inscrever o Sítio


Roberto Burle Marx na Lista de Patrimônio Mundial da Unesco não
deixam a menor dúvida sobre o papel que a coleção botânica
desempenhou nesta decisão. Embora os valores do Sítio não se
resumam à mencionada coleção, pois que reúne diversas outras,
relacionadas com arte, arte popular, ciências e tantas mais, é o conjunto
de plantas que, dispostas paisagisticamente ou agrupadas em forma de
coleções vegetais, ora com uso de critérios sistemáticos (orquidário,
coleção de Velloziaceae), ora distribuídos em associações ecológicas
(conjuntos dos lagos de baixo, crassuletum), que dota a Instituição de
um inegável caráter de “valor universal excepcional”.
Tal valor foi construído ao longo de toda uma vida. Quando
começou a adquirir a propriedade, em 1949, Burle Marx passou a se
dedicar quase integralmente ao mister de enriquecer sua coleção
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 303

botânica. E, embora tivesse adotado diversas estratégias para realizar


este objetivo, foi sua atividade de coletas em viagens organizadas pelo
interior do país a que mais contribuiu, a que deu uma relevância
extraordinária ao conjunto de plantas vivas que ele ali acumulou. O
paisagista, em seu Sítio, estabeleceu novos usos, novas introduções,
experimentou novos arranjos vegetais e, em sua incansável busca pela
maior possibilidade de expressão paisagística, realizou até mesmo
novas descobertas científicas.
Diante de tamanha realização, cabe aqui uma reflexão: Até que
ponto o Sítio Roberto Burle Marx foi realmente constituído sem
projeto? Talvez tenha sido um grande projeto, um projeto de vida, não
posto no papel, não formalizado em desenhos ou textos, mas vivido a
cada dia, norteando as ações realizadas – e os resultados tenham sido
visualizados mentalmente e previstos pelo paisagista, não apenas
enquanto produzia suas paisagens/jardins, mas principalmente
enquanto, paciente e com constância, edificava sua obra mestra,
considerando suas próprias assertivas que “o tempo completa uma
ideia” e que “o jardim é uma obra de arte em quatro dimensões”.
Paisagem - 304
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 305

Capítulo 11

ESPACIO VERDE PÚBLICO CON PARTICIPACIÓN SOCIAL,


BIODIVERSIDAD URBANA Y PATRIMONIO ARQUITECTÓNICO EN
LA CIUDAD DE BUENOS AIRES

Fabio Márquez91

En una gran ciudad, como la Ciudad de Buenos Aires, con sus


complejidades estructurales y requerimientos de soluciones
contemporáneas para sus espacios verdes públicos, desarrollar
proyectos de creación de nuevos parques debe estar basado en
premisas de sostenibilidad ambiental. Basadas en tres puntales
centrales de apoyo, como son la participación social activa, la
biodiversidad urbana y el patrimonio cultural y arquitectónico local que
se encuentra presente. Podemos considerar manifiestamente
anacrónicos los paradigmas del siglo XX en el diseño del paisaje, en los
que primaba el proyecto de autor, poca consideración genuina de la
potencial población usuaria y el uso de cualquier tipo de flora, sin
considerar la gestión posterior a la construcción del lugar, entre otras
cuestiones. Hoy, la necesidad de aplicar conceptos de sostenibilidad
ambiental atraviesa todo, para generar soluciones concretas con
nuevos debates y horizontes sobre objetivos a alcanzar de modo
satisfactorio, que permitan cumplir con espacios verdes que presten los
servicios a la población y mejorar la calidad ambiental urbana.
Considerando con tanta importancia construir nuevos espacios verdes
como gestionarlos cotidianamente después de su inauguración, donde
la participación social activa de la propia comunidad optimiza el
mantenimiento, las actividades sociales a desarrollar y la pertenencia

91 Licenciado en Diseño del Paisaje. E-mail: marquez.fabio@gmail.com


Paisagem - 306

colectiva de modo inclusivo, aportando a mejores vínculos


gobernantes/gobernados. En este artículo describo de modo
simplificado dos casos emblemáticos diferentes y a su vez conectados,
de producción de parques públicos en la Ciudad de Buenos Aires en los
que estuve involucrado, desarrollados centralmente sobre estos tres
ejes: participación, biodiversidad y patrimonio cultural, que son el
Parque de Flora Nativa Benito Quinquela Martín y el Parque de la
Estación.

Parque de Flora Nativa Benito Quinquela Martín

Este espacio verde público se inauguró en el año 2006 y tiene una


superficie de 4 hectáreas, ubicado en el barrio de La Boca. Se desarrolló
sobre terrenos que habían sido del ferrocarril y que se habían
reutilizado como playón de acopio de contenedores navieros, con
mucho movimiento de camiones en las calles circundantes.

Figura 1 – Ubicación del Parque de Flora Nativa Benito Quinquela Martín

Fuente: Marcación del autor sobre cartografía de mapa.buenosaires.gob.ar (2022)


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 307

Durante muchos años la gente del barrio demandó que en este


lugar se creara el primer parque de la zona, ya que La Boca no tenía
ninguno y sus plazas eran escasas. El movimiento vecinal nucleado en la
Asociación Vecinos de la Calle Irala y Adyacencias (la calle Irala es la que
recorre linealmente a lo largo el predio donde se propuso el parque),
realizó una campaña de juntada de miles de firmas y presentó en la
Legislatura de la Ciudad la iniciativa popular de proyecto de ley para la
creación de este espacio verde. Además, habían logrado que en el
proceso del presupuesto participativo, generara cada año la primera
prioridad presupuestaria.

Figura 2 – Marcación del lugar antes del parque

Fuente: Google Earth intervenida por el autor (2004).

Después de mucho batallar consiguieron que se sancionara la ley,


pero el jefe de gobierno de entonces la vetó, pero volvieron a presentar
el proyecto, que se volvió a sancionar por la Legislatura. Una misma ley
no puede vetarse dos veces, por lo que quedó efectiva en el año 2004.
En esta ley (N° 1464) se describe que el proyecto se tenía que hacer de
modo participativo y con flora nativa rioplatense, que es la flora de la
ecorregión local original. No solo este lugar constituía el primer parque
Paisagem - 308

público del barrio, sino que también el primero de la ciudad vegetado


con flora autóctona y en el que se pudo aplicar por primera vez una
metodología completa de diseño participativo. En ese entonces era el
coordinador del Programa Diagnóstico Participativo del Paisaje (que
luego pasaría a denominarse Diseño Participativo del Paisaje), del
Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires y me tocó implementar el
proceso participativo y conducir la materialización del parque. En los
años anteriores habíamos desarrollado varias experiencias
participativas de diseño de espacios verdes públicos, pero en este caso
y con la experiencia acumulada, implementamos una metodología
madura y respaldada por quienes tomaron la decisión política para que
la apliquemos.
En el mismo año 2004 se realizaron las jornadas de diagnóstico y
diseño participativo, en una escuela pública cercana, organizado con
actores sociales del barrio y áreas de gobierno de base. El método
utilizado fue primero consensuar el diagnóstico de la situación existente
con las personas participantes, para debatir sobre las distintas miradas
sobre el lugar y su entorno. Esta etapa es para interpretar diferentes
maneras de expresarse de los participantes, identificar intereses y
relaciones con este espacio. Esta metodología se centra en la
participación social activa, en que las personas participantes deben
tener algún grado de incidencia en la toma de decisiones sobre el
parque. Estimulando debates para que se pueda construir una
apreciación colectiva y definida por consenso. Lo que se debate es el
espacio público, el espacio para todas las personas y por lo tanto es muy
importante lograr el acuerdo consensuando, para fortalecer la
apropiación de ese lugar de modo colectivo, especialmente para la
gestión posterior de realizada la obra, que esa pertenencia haga la
diferencia sobre el modo de utilizarlos. Ese diagnóstico participativo se
logró en una jornada, en día sábado, y mientras las personas adultas
debatían ese diagnóstico, realizamos un taller infantil para conocer lo
que podían desear las infancias del barrio. El resultado de ese taller no
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 309

se construye consensuando, sino rescatando ideas que puedan no estar


contaminadas por el mandato familiar y la compartimos al resto de las
personas participantes del proceso participativo, para que fueran
tenidas en cuenta.
Luego, en otro sábado siguiente y desde esa base del diagnóstico,
se estableció el objetivo de construir el diseño colectivamente entre la
gente que voluntariamente participó y el equipo de proyecto. Fueron
unas 80 personas las que participaron.

Figura 3 – Jornadas de diseño participativo

Fuente: Programa Diagnóstico Participativo del Paisaje GCBA (2004).


Paisagem - 310

Para ese sábado de diseño, llevamos una maqueta de estudio


para que la gente pudiera tomar dimensión tridimensional de las cosas
que pudieran proponer, además de láminas para reconocer las plantas
nativas, ya que la mayoría no sabía nada de ellas, más allá de acordar
que era importante que este parque fuera vegetado así y por eso lo
habían propuesto en la ley. Sin describir en detalle el funcionamiento
tanto de las jornadas de diagnóstico como la de diseño, la cuestión es
que los dividimos en grupos de poca cantidad de gente, para optimizar
el tiempo y que todas las personas tengan la posibilidad de expresarse.
Trabajaron sobre planos, con hojas de calco encima, donde
garabateaban con crayones las diferentes ideas de distribución de sus
propuestas para el parque. Circulaciones, áreas de sol y de sombra,
cuerpo de agua, lugar de juegos infantiles, etc. Por supuesto aquí
también el producto final debe ser un gran consenso, a modo de plan
maestro o lo más cercano al anteproyecto, para que de allí pudiéramos
después llevarlo al proyecto ejecutivo, con las definiciones colectivas de
quienes participaron que son básicamente políticas.
En el año 2005 se inició la construcción del parque, finalizando en
septiembre del año 2006. Vivido por la gente del barrio como la
coronación de una gran gesta vecinal.
Un dato de color: en la 1ra Premiación Internacional de
Arquitectura Paisajista realizada en el año 2006 en Río de Janeiro,
organizada por la Asociación Brasileña de Arquitectos Paisajistas, el
parque recibió Mención de Honor.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 311

Figura 4 – Croquis de planta general del proyecto del parque

Fuente: Imagen del autor (2005).

Figura 5 – El parque al momento de inaugurarse en el año 2006

Fuente: Giovanni Sacchetto (2006).

En los años subsiguientes a la inauguración, lamentablemente no se


llevó adelante la gestión participativa que se proponía a través de la
creación de una mesa de trabajo, porque hubo cambio de gobierno con
Paisagem - 312

otra orientación política y este espacio fue durante varios años bastante
maltratado por la administración pública, desconsiderando el proceso
participativo que se había realizado.
En el año 2020 y a pesar de la pandemia, con cambio de color
político en la Comuna 4 (gobierno local descentralizado de la Ciudad) y
desde mi actual lugar en el que me desempeño como director de la
Comisión de Participación Social de la Autoridad de Cuenca Matanza
Riachuelo (ACUMAR), pudimos acordar crear la Mesa de Trabajo y
Consenso del parque, para restaurar malas acciones que se habían
hecho en este espacio público y desarrollar lo que no se pudo entonces,
que es la gestión participativa con la gente del barrio. En este nuevo
proceso participativo se vienen realizando actividades propuestas por
la propia gente vecina del parque y centralmente nuevas plantaciones
de plantas nativas, en parte para reponer especies perdidas y para
enriquecer la biodiversidad del lugar.
Respecto a cuestiones históricas patrimoniales, en el proyecto
inicial se contempló reciclar una pequeña construcción de la época
ferroviaria, con un cartel muy antiguo de la estación de cargas, para
refuncionalizarlo como centro de interpretación con baños públicos y
se acordó dejar una gran roca granítica trabajada en un sector del
parque, que fue hallada allí. Es de cuando este lugar era de descarga de
materiales constructivos que transportaba el ferrocarril y quedó como
memoria de esa antigua actividad. Hoy esa roca es un hito del parque,
ya que niñas y niños de edades menores pugnan por escalarla,
generando referencias personales cuando logran subirla.
Este parque estableció una referencia respecto a la flora nativa,
al diseño participativo y a las posibilidades de la organización ciudadana
incidiendo en la política pública del gobierno local. Además,
turísticamente es el mejor lugar para tomar fotos del estadio del Club
Boca Jrs, al tenerlo al lado.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 313

Figura 6 – Plantaciones participativas desde la Mesa de Trabajo año 2021

Fuente: Vecinos de Calle Irala y Adyacencias (2021).

Parque de la Estación

En el año 2000, un grupo de habitantes de los barrios de


Balvanera y Almagro inició el reclamo para que los terrenos
desafectados del uso ferroviario de la estación 11 de Septiembre del
Ferrocarril Domingo Faustino Sarmiento se reciclaran en espacios
verdes públicos. Estos predios están ubicados alrededor de las vías del
tren que va llegando a la estación, sobre ambos lados había diferentes
parcelas tanto sobre las calles Bartolomé Mitre como sobre Tte. Gral.
Juan Domingo Perón. Sin uso ferroviario, no solo podrían paliar el déficit
de verde público en los barrios que tienen el más bajo promedio de
metros cuadrados de espacios verdes por habitante de la ciudad, sino
que a su vez, podría evitarse que se reutilizaran para la especulación
inmobiliaria en probables nuevas construcciones, complicando más la
densidad urbana barrial. Actualmente, el predio reclamado está
ubicado en la Comuna 3 lindando con la Comuna 5, barrio de Balvanera
sobre el borde de barrio de Almagro, la calle Gallo es el límite
jurisdiccional entre ambas comunas en esta área de la ciudad. La
Comuna 3 tiene el promedio de 0,40 m² de espacio verde público por
habitante y la Comuna 5 tiene 0,20 m². Son las dos comunas con menor
promedio de espacios verdes públicos por habitante de la Ciudad
Paisagem - 314

Autónoma de Buenos Aires, cuyo promedio a escala de todda la ciudad


es de 6 m² de verde público por habitante.
Vale mencionar que este ferrocarril es el más antiguo del país y
el que hay construcciones ferroviarias del siglo XIX, en no muy buen
estado pero en condiciones de recuperarse. La edificación principal es
un galpon ladrillero de techo de tejas francesas de 207 metros de largo
por 17 de ancho, de planta libre y que permitía imaginar múltiples usos
de requerimientos sociales para el barrio. También arcos de entradas
de camiones, ya que era un lugar de transferencia de cargas y hasta el
plato de una balanza para camiones de principios del siglo XX, de origen
británico.
El objetivo no era solo generar espacio verde público sino
también conservar y refuncionalizar ese patrimonio ferroviario
abandonado, tan identitario del barrio, que no estaba catalogado como
arquitectura patrimonial por el Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires.

Figura 7 – Ubicación del Parque de la Estación

Fuente: Marcación del autor sobre cartografía de mapa.buenosaires.gob.ar (2022).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 315

Este grupo vecinal no cejó a lo largo de los años en instalar la


demanda como “Vecinos X el Parque”, logrando pequeños avances en
el sostenimiento de la propuesta. Como cuando ocuparon en 2005 una
pequeña parcela de los predios en cuestión, para empezar a hacer una
plaza por ellos mismos. De modo austero, fueron vegetándola armando
canteros con plantas que bajaban de sus balcones y reutilizando
antiguos adoquines para senderos. Ante lo genuino del movimiento
vecinal y el tipo de demanda, ningún gobernante intentó echarlos de
ese predio que había estado abandonado. Como respuesta desde
distintas áreas de gobierno ante sus reclamos, les decían que estaban
de acuerdo pero que no era fácil resolver la situación, entonces y de
manera reiterada les pedían que “mientras tanto” juntaran adhesiones,
formalizaran presentaciones en diferentes despachos
gubernamentales, y entonces cuando empezaron a hacer ese espacio
verde por sus propias manos, la bautizaron como “La Plaza del Mientras
Tanto”.
Unos años después lograron que la Legislatura de la Ciudad la
reconozca formalmente como espacio verde público y a propuesta de
esta organización ciudadana, se la denomine Julio César Fumarola, que
había sido un reconocido fotógrafo del barrio asesinado en la década de
1970 por un grupo paramilitar.
Paisagem - 316

Figura 8 – Situación previa al parque

Fuente: Vecinos X el Parque (2005/2011).

Un punto de inflexión para el logro del parque fue cuando en el


año 2016 organizaron una gran asamblea en una escuela pública del
barrio, para presentar la propuesta más elaborada del tipo de parque
que se estaba pidiendo, especialmente invitando a legisladores de la
ciudad, asistiendo en su totalidad de la oposición política. En esa
situación tuve la función de explicar a la audiencia de más de 100
personas lo que habíamos acordado sobre las características del
parque, desde mi rol profesional y ser integrante de Vecinos X el Parque
desde el año 2011. En este evento la propuesta fue bien recibida e
iniciamos el camino de construir una ley desde el bloque opositor,
conducido por el legislador Carlos Tomada, con sus especialistas
técnicos y el grupo vecinal. La ley fue aprobada al final de ese año (Ley
N° 5734) de modo sorprendente e inesperado después de tantos de
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 317

lucha, pero gracias a la suma de voluntades que convergieron para que


suceda, a contramano de la política habitual del Gobierno de la Ciudad.
La ley abrevó de varias experiencias anteriores en la ciudad, incluyendo
la del parque Quinquela.
En la que se incluyó diseño participativo, flora nativa rioplatense,
restauración y refuncionalización de las construcciones patrimoniales
ferroviarias del siglo XIX, para que funcionen allí biblioteca, vivero de
plantas nativas de orientación educativa, polideportivo, baños públicos,
y la constitución de la Mesa de Trabajo y Consenso para el Plan de
Manejo del parque, entre otras cuestiones muy innovadoras. En mi rol
militante vecinal como vocero profesional de Vecinos X el Parque para
modalidad del proceso participativo y luego materialización del
proyecto, tuve la responsabilidad de llevar la voz cantante ante un
gobierno no muy sensible en estos temas, pero que de a poco fue
cediendo en lo que les proponíamos. Se acordó el diseñó
participativamente, aunque de un modo más acotado que el proceso
del parque Quinquela y en el año 2017 se inició la construcción.
Durante la obra se acordaron visitas mensuales de la gente del
barrio, para conocer los avances y seguir construyendo apropiación
colectiva. Se inauguró en dos etapas, una en 2018 y otra en 2019,
completando casi 2 hectáreas de superficie incluyendo la plaza
Fumarola. En ambas hubo inauguraciones oficiales muy formales e
inauguraciones populares organizadas por Vecinos X el Parque,
multitudinarias, festivas, con espectáculos de artistas barriales y
plantaciones participativas. La Mesa de Trabajo y Consenso empezó a
funcionar antes de las inauguraciones y fui su primer coordinador
durante casi dos años, hasta agosto del año 2020. Desde entonces y
hasta ahora, la relación del Gobierno de la Ciudad con este lugar y su
colectivo social ha sido conflictiva, con múltiples incumplimientos
gubernamentales.
Paisagem - 318

Figura 9 – Asamblea abierta de presentación de la propuesta año 2016

Fuente: Vecinos X el Parque (2016).

Figura 10 – Jornadas de diseño participativo

Fuente: Vecinos X el Parque (2016).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 319

Figura 11 – Comparativa de situación anterior y proyecto

Fuente: GCBA (2017).

Figura 12 – Reunión de la Mesa de Trabajo del parque en la biblioteca

Fuente: Mesa de Trajo y Consenso Parque de la Estación (2019).

El Parque de la Estación se transformó en un hito muy potente


sobre lo posible desde movimientos vecinales y además muy singular
respecto a los espacios verdes porteños por su tipología. La Mesa de
Paisagem - 320

Trabajo siguió sumando decenas de personas que participan


voluntariamente y se organiza en grupos de trabajo temáticos que son:
Ambiente y Ecología, Cultura y Deportes, Historia y Patrimonio, y
Comunicación. Es una escuela informal de democracia participativa y
ciudadanía. A pesar que el Gobierno de la Ciudad los maltrata y no es
muy de su agrado esta modalidad de gestión participativa.
Muchas partes de la ley aún no se cumplen y se mantiene la lucha
por otros terrenos que debieran ser parte del parque según la ley y que
todavía no se ha avanzado en ello. Es el segundo parque de flora nativa
de la ciudad y en dos años y poco que se inauguró, con la vegetación
aún joven se han identificado 29 especies diferentes de mariposas,
cuando antes del parque nadie del barrio había visto por allí. A dos
cuadras del Shopping Abasto y tres cuadras de la estación terminal
ferroviaria 11 de Septiembre, que como mencioné anteriormente, es la
zona de la ciudad con el menor promedio de metros cuadrados de verde
público por habitante.

Figura 13 – Vista con los principales espacios del parque

Fuente: Intervenido por el autor sobre imagen GCBA (2019).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 321

Figura 14 – Diferentes sectores del parque

Fuente: Imágenes del autor (2020).


Paisagem - 322

Figura 15 – Plantaciones participativas

Fuente: Imágenes del autor (2019).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 323

Conclusiones

¿Quiénes son los autores de estos parques? Mucha gente, que


especialmente trabajó a lo largo de años y otra que fue sumándose con
el correr del tiempo. Podríamos afirmar, sin temor a equivocarnos, que
no hay en esta ciudad parques en los que haya participado más gente
en su creación como estos dos: ciudadanía de los barrios, gobernantes,
profesionales, empresas constructoras. Esto es maravilloso, son
concreciones colectivas como pocas, producto de luchas contra todas
las adversidades que planteaban como imposibles y con los respectivos
gobiernos locales en contra. Sostuvieron con convicciones, organización
social, seduciendo y persuadiendo, dando enseñanzas sobre
democracia participativa desde sus propias estructuras organizativas,
horizontales, abiertas, inclusivas, solidarias, tolerantes y trabajando en
acuerdos colectivos internos.
La experiencia de creación de estos parques ha sido inspiradora y
motivante a otros colectivos sociales que, ante el déficit manifiesto de
espacio verde público que tiene la Ciudad de Buenos Aires, reclaman
con este tipo de valores agregados. En este sentido, ambos colectivos
vecinales han hecho escuela y hoy además se han vinculado entre ellos,
cuando antes no se conocían. Porque estos parques han terminado de
ser subproductos de un modelo de construcción de ciudadanía:
democrática, participativa, transparente, solidaria, inclusiva,
innovadora, sostenible e igualitaria. Está muy claro que si hubiera que
enunciar casos ejemplares de espacio público contemporáneo en la
Ciudad de Buenos Aires, el Parque de Flora Nativa Benito Quinquela
Martín y el Parque de la Estación deben ser citas ineludibles,
especialmente por los procesos sociales de cambio urbano, que se
materializó en estos nuevos parques que no estaban en la agenda de
gobierno y que hoy brillan, con esas cosas que no se ven en fotos , pero
se sienten con la gente que disfruta de estos lugares.
Paisagem - 324
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 325

Capítulo 12

A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E PAISAGÍSTICO


DA TERRA INDÍGENA RAPOSA/SERRA DO SOL EM RORAIMA

Graciete Guerra da Costa 92

INTRODUÇÃO

O Estado de Roraima está situado na porção mais setentrional do


Brasil, sua vegetação é predominantemente ao sul de floresta tropical
úmida e ao norte-nordeste de savana, popularmente conhecida como
lavrado. O objetivo da palestra foi apresentar “A preservação do
Patrimônio Histórico e Paisagístico da Terra Indígena Raposa/Serra do
Sol em Roraima”, levando em consideração a região, a cultura e o clima
local. Foram mostradas desde a localização estratégica do Estado de
Roraima, levando em conta seus aspectos ambientais, sombreamento
e harmonia, até a Região Terra Indígena Raposa/Serra do Sol.
Esperamos contribuir para o conhecimento da paisagem dessa
fascinante região.

A LOCALIZAÇÃO ESTRATÉGICA DO ESTADO DE RORAIMA

Roraima, cuja capital é Boa Vista, é o mais setentrional do Brasil:


está localizado no extremo norte do país, a 02° 49’ 12” N e 60° 40' 19",
à margem do rio Branco, é a única capital totalmente acima da Linha do
Equador. Roraima está em uma região de difícil acesso, no espaço
amazônico, em região fronteiriça – o que, no caso brasileiro, representa

92 professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR). E-mail: gracietegcosta@gmail.com


Paisagem - 326

certa dinâmica de isolamento, uma vez que se insere na periferia do


Estado nacional.
A etimologia do nome do Estado denuncia forte presença da
cultura indígena: Ro.rai.ma é formado pelos radicais Roro-imã, que na
língua Macuxi significa Monte Verde; para os índios Pemón/Taurepang,
quer dizer, também, Mãe dos Ventos.
Roraima tem apenas 15 municípios e um fuso horário diferente,
uma hora a menos de Brasília.

Figura 1 – Mapa de Roraima. Tem a localização do Forte de São Joaquim do Rio Branco e das
posições espanholas construídas no Uriracoera. A missão do Pirara 93 ficou em território inglês
após a delimitação da fronteira

Fonte: IPHAN. Forte São Joaquim do Rio Branco – Processo nº 1504-T-02.


Estudo Histórico, Rio de Janeiro (2011).

93LYRA JUNIOR, A. A. de. O Brasil na América: a história das relações internacionais brasileira
durante o período de transição entre o Império e a República. Curitiba: Juruá, 2014.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 327

Figura 2 – A localização estratégica do Estado de Roraima

Fonte: Graciete Costa (2020).

O Monte Roraima possui 2.734,06 metros de altitude, e, segundo


o IBGE em parceria com o Instituto Militar de Engenharia (IME), após
nova medição realizada em 2005, é considerado agora o sétimo ponto
mais alto do Brasil.
O Monte Roraima, como Marco Tríplice das três fronteiras entre
o Brasil, Venezuela e Guiana, foi implantado sobre o platô em 1931 pelo
militar brasileiro Marechal Rondon.
O Parque Nacional do Monte Roraima, foi criado pelo Decreto nº
97.887, de 28 de junho de 1989, com o objetivo de proteger amostras
dos ecossistemas da Serra Pacaraima, assegurando a preservação de
sua flora, fauna e demais recursos naturais, características geológicas,
geomorfológicas e cênicas, proporcionando oportunidades controladas
para visitação, educação e pesquisa científica.
O Forte de São Joaquim do Rio Branco foi construído, em 1775,
pelo alemão Felipe Frederico Sturm (COSTA, 2014), enviado para
destruir instalações estrangeiras e garantir a posse da terra; mas o
abastecimento do forte, muito isolado, era problema a ser enfrentado,
bem como as relações com os indígenas (COSTA, 2014).
Paisagem - 328

Figura 3 – Ruínas do Forte São Joaquim

Fonte: Graciete Costa (2013).

O Forte fica a 52 quilômetros de distância, ao norte de Boa Vista,


por via terrestre; chega-se lá pela BR 401, entrando à esquerda no km
40 dessa rodovia, onde ainda se percorre uma estrada de terra de 6 km,
até a Fazenda São João (BARROS, s.d.).
O Forte São Joaquim do Rio Branco está em ruínas, o tempo e a
quantidade de terra acumulada favoreceram para que a floresta se
encarregasse de encobrir e camuflar o forte. Árvores cresceram no
interior e fora dele. É necessário fazer limpezas no forte, para um
trabalho de Arqueologia que identifique a comunidade que existiu em
frente ao Forte. Por exemplo, a igreja, e outros elementos externos à
fortificação. Segundo Ribeiro Sampaio, haveria um cemitério, e nele
enterraram o Capitão Engenheiro alemão Felipe Sturm, no ano de 1778.

A VEGETAÇÃO DO ESTADO DE RORAIMA

O Estado de Roraima possui três tipos de vegetação: Norte –


Região de Serras; Centro – Campos Gerais, Savanas e Buritizais, e Sul –
Coberto por florestas equatoriais. São 43 mil km² de Lavrado.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 329

Figura 4 – Vegetação de Roraima

Fonte: Graciete Costa (2020).

POPULAÇÃO E DENSIDADE

Roraima tem a maior população indígena do país, e possui a


menor população do Brasil. Sua densidade é de apenas 2 hab./km².

Figura 5 – Vista Aérea de Boa Vista

Fonte: Graciete Costa (2020).

BURLE MARX EM RORAIMA – 1983

Em 1983, o paisagista Burle Marx e sua equipe, com o objetivo de


ampliar o vocabulário jardinístico, com a descoberta de novas plantas e
Paisagem - 330

fiéis ao princípio de valorizar a flora brasileira, realizou uma viagem à


Amazônia. Nessa viagem, ele pôde verificar que a flora regional
magnífica é desprezada como mato (MARX, 1983).
O relatório aponta que para a Amazônia vieram a nata dos
grandes cientistas (FERREIRA, 2007), navegadores e naturalistas
europeus como von Martius, Saint-Hilaire, Gardner, dentre outros.

Figuras 6 e 7 – Expedição Burle Marx à Amazônia – 1983 e Espada de São Jorge em Boa Vista

Fonte: (6) Biblioteca do Sítio Burle Marx e (7) Graciete Costa (2020).

REGIÃO DA TERRA INDÍGENA RAPOSA/SERRA DO SOL

A Região da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol é uma área de


difícil acesso, onde a distância entre Boa Vista-Uiramutã é de 315 km,
em 5h44.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 331

Figura 8 – Vista da região da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol

Fonte: Graciete Costa (2021).

Para se ter ideia da dificuldade de acesso, chegar ao município do


Uiramutã somente com camionetes do tipo HILUX 4X4 conseguem subir
e descer regiões de difícil acesso de sobe e desce montanhas e inúmeras
cachoeiras, igarapés e riachos existentes ao longo do percurso, sem
uma estrada definida. Apenas motoristas muito experientes conseguem
chegar a essas Terras Indígenas (Tis).

Figura 9 – Vista das montanhas e dos rios da região da TI Raposa/Serra do Sol

Fonte: Graciete Costa (2021).


Paisagem - 332

Figura 10 – Vista da região da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol

Fonte: Graciete Costa, (2021).

Figura 11 – Vegetação e hidrografia da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol

Fonte: Graciete Costa (2021).

Figura 12 – Montanhas e hidrografia da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol

Fonte: Graciete Costa (2021).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 333

Dentre as Terras Indígenas demarcadas no âmbito Projeto


Integrado de Proteção às populações Indígenas da Amazônia Legal
(PPTAL), da Cooperação Técnica Alemã (GTZ), o trabalho se desenvolveu
na Terra Indígena Raposa/Serra do Sol (TI RSS), que possui divisão
interna em quatro regiões político-administrativas: Baixo Cotingo,
Serras, Raposa e Surumu. Alguns órgãos federais como FUNAI, FUNASA
e Diocese de Roraima operam com bases nessas divisões regionais
(FUNAI/PPTAL/GTZ, 2008).
A Terra Indígena Raposa/Serra do Sol está situada no extremo
nordeste de Roraima, fazendo fronteira ao leste com a Guiana, e ao
norte com a Venezuela. Ela abarca desde a região baixa de campos, na
sua parte meridional, nas regiões da Raposa e do Baixo Cotingo, onde
existe uma planície, que representa aproximadamente um terço da
terra indígena, até as serras, que constituem o divisor de águas ao
norte, tendo o seu cume no Monte Roraima, com elevação de 2.875
metros (SCHAEFER, 1994).
Nessas terras vive uma população de aproximadamente 26.048
pessoas distribuídas em cinco comunidades: Ingarikó, Macuxi,
Patamona, Taurepang e Wapichana, sendo que a maioria é do grupo
étnico Macuxi.

Figura 13 – Região do lavrado da TI Raposa/Serra do Sol

Fonte: Graciete Costa (2021).


Paisagem - 334

Figura 14 – Região das serras da TI Raposa/Serra do Sol

Fonte: Graciete Costa (2021).

A Terra Indígena Raposa/Serra do Sol pode ser dividida em dois


domínios geomorfológicos (DNPM, 1975). O primeiro é a região do
lavrado (SCHAEFER, 1994), que ocupa aproximadamente um terço da
área e se caracteriza por um relevo plano ou pouco ondulado, com
presença de muitos lagos e de áreas externas que sofrem alagação na
época das chuvas. O segundo é a região das Serras, que ocupa uma área
de relevo mais acidentado, com serras que compõem o divisor de águas
e a tríplice fronteira com Brasil, Venezuela e Guiana.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 335

Figura 16 – Detalhe 1 da cobertura do Malocão Kamarakko, comunidade Macuxi

Fonte: Graciete Costa (2021).

Figura 17 – Detalhe 2 da cobertura do Malocão Kamarakko, comunidade Macuxi

Fonte: Graciete Costa (2021).

CONCLUSÕES

A paisagem de Roraima é considerada deslumbrante: a sua


localização setentrional privilegiada à margem do rio Branco; o Monte
Roraima; o Monte Caburaí, a Região da Raposa/Serra do Sol; a Serra
Grande; a Serra do Tepequém; as palmeiras das matas ciliares; e a flora
completam a paisagem do Lavrado roraimense.
As soluções para os problemas ambientais são complexas, sendo
que as iniciativas pensadas pela comunidade têm dificuldades de
organização. Nesse sentido, a preservação do Patrimônio Histórico e
Paisagístico da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol em Roraima poderá
Paisagem - 336

exigir novas estruturas e articulações, para realizar a costura dos vários


interesses em cada comunidade.

REFERÊNCIAS

BARROS, J. P. de. Plano do Forte de S. Joaquim do Rio Branco. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional,
[s/d].
BRASIL. Decreto nº 97.887, de 28 de junho de 1989. Com o objetivo de proteger amostras dos
ecossistemas da Serra Pacaraima, 28 de junho de 1989.
BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Levantamento de Recursos
Naturais. Folha NA-20 Boa Vista e parte das folhas NA-21 Tumucumaque, NB-21. V. 8. Rio de
Janeiro: DNPM, 1975. Projeto RADAMBRASIL.
BRASIL. Funai/PPTAL/GTZ (org.). Levantamento Etnoambiental das terras indígenas do Complexo
Macuxi Wapixana: Brasília: FUNAI/PPTAL/GTZ, 2008.
COSTA, G. G. da. Fortes portugueses na Amazônia brasileira. 2014. 148f. Tese (pós-doutorado em
Relações Internacionais) – Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, 2014.
COSTA, G. G. da. Fortificações da Amazônia. Navigator, Rio de Janeiro, n. 20, 2014.
FERREIRA, A. R. Viagem ao Brasil. A expedição philosóphica pelas capitanias do Pará, Rio Negro,
Mato Grosso e Cuyabá (3 v.). Rio de Janeiro: Kapa Editorial, 2007.
LYRA JUNIOR, A. A. de. O Brasil na América: a história das relações internacionais brasileira durante
o período de transição entre o Império e a República. Curitiba: Juruá, 2014.
MARX, R. B. Expedição Burle Marx à Amazônia – 1983. Biblioteca do Sítio Burle Marx. São Paulo:
CNPq, 1983.
SCHAEFER, C. E. R.; CRUZ, N. M. C.; SILVA, C. M. et al. Palynology of Paleosols from Roraima, north
Amazonia. Revista Brasileira de Ciências do Solo, v. 18, n. 2, p. 325-333, 1994.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 337

Capítulo 13

PLANEJAMENTO INTEGRADO DA PAISAGEM CULTURAL

Vanessa Gayego Bello Figueiredo 94

INTRODUÇÃO

A prática da preservação de sítios histórico-culturais vem


mostrando que o tombamento, embora cumprindo seu papel essencial
na outorga de valor, é um instrumento insuficiente diante das
necessidades de preservação sustentável do patrimônio compreendido
como paisagem cultural. Conceito adotado pelo Comitê do Patrimônio
Mundial da UNESCO desde 1992 e pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2007, 2009), as paisagens
culturais vislumbram uma abordagem integral e integrada dos
patrimônios culturais (naturais, materiais e imateriais) no território.
O progressivo alargamento daquilo que é considerado objeto de
interesse para a preservação, que passou do monumento, como
elemento isolado e destacado (natural ou construído), aos conjuntos
arquitetônicos e urbanos, centros e cidades históricas reconhecidos em
seus valores estéticos e históricos – e, mais recentemente, aos
patrimônios imateriais e à paisagem em diversas escalas territoriais
(unidades intraurbanas e sistemas regionais de paisagem), agregando
outros valores (antropológicos e de uso) rumo ao reconhecimento da
diversidade cultural – cria novas questões e, portanto, novos desafios
ao reconhecimento e à gestão.

94Profa. Dra. FAU PUC-Campinas, Coordenadora do Comitê Científico nacional de Paisagem


Cultural do Icomos Brasil. E-mail: vanessa.figueiredo@puc-campinas.edu.br
Paisagem - 338

O conceito de paisagem cultural propõe congregar esses vários


aspectos e abordagens correntes no campo da preservação cultural,
considerando sua interdisciplinaridade e a necessidade de superação da
fragmentação ainda praticada. Partindo-se de uma concepção mais
alargada e integradora entre a ação do homem e a natureza e entre os
patrimônios material e imaterial, adotar a paisagem como patrimônio
promove, ao passo que admite, o constante movimento e as relações
inseparáveis e complementares entre conceitos e abordagens de
diversos campos do conhecimento – da história, da arqueologia, da
arte, da arquitetura, do urbanismo, do planejamento territorial, da
sociologia, da antropologia, da cultura, da geografia (RIBEIRO, 2007), da
etnografia, da ecologia, da biologia, do turismo, da ciência política – e
suas correspondências no meio físico, seja nos objetos móveis, na
edificação ou no território – urbano, rural ou natural. Tal como coloca a
Recomendação R(95)9 do Conselho de Ministros de Cultura da Europa
(1995), deve pressupor a ação integrada do planejamento e gestão
territoriais com as políticas ambientais e sociais, sobretudo em suas
dimensões culturais e econômicas. Deve também conjugar a política de
preservação ao processo dinâmico de desenvolvimento das cidades, o
que implica necessariamente em não impedir as mudanças, mas em
direcioná-las a favor dos patrimônios e, portanto, trabalhar na
perspectiva do planejamento e desenvolvimento sustentáveis.
Partindo da visão sistêmica e simbiótica proposta por esta nova
abordagem, considera-se essencial metodologias interdisciplinares.
Nesse sentido, a estratégia mais adequada baseou-se na utilização de
instrumentos do planejamento urbano, como o zoneamento e os planos
diretores. Pretende-se, pois, debater essas necessárias interfaces entre
as políticas de planejamento territorial integrado, preservação cultural,
ambiental e participação social, a partir das experiências desenvolvidas
em Paranapiacaba, em Santo André-SP, entre 2005 e 2008, e durante a
revisão do Plano Diretor e Lei de Uso e Ocupação do Solo de Campinas-
SP, entre 2014 e 2016.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 339

PARANAPIACABA, DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL E A


ZEIPP

Paranapiacaba, “local de onde se vê o mar” na linguagem


indígena, conserva um significativo acervo tecnológico ligado à ferrovia
e testemunhos de um padrão arquitetônico e urbanístico bastante
avançados para a época de sua implantação, em meio às dificuldades
impostas pela linda paisagem da serra e da Mata Atlântica. Essa vila
ferroviária nasceu e se desenvolveu a partir de 1860 com a implantação
da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, construída pela companhia inglesa
São Paulo Railway. Em 1946, a ferrovia e todo seu patrimônio foram
incorporados ao Governo Federal e, em 1957, a Rede Ferroviária
Federal S.A. passou a administrá-los. A partir dos anos 1980
Paranapiacaba passou por um intenso período de abandono e
degradação, acompanhando o descaso dos governos para com o
transporte e o patrimônio ferroviário. Em 1987, teve seu patrimônio
reconhecido pelo CONDEPHAAT, em 2002 pelo IPHAN e em 2003 pelo
órgão municipal. Entre 2001 e 2008 foi criada uma Subprefeitura,
responsável pela implementação do Programa de Desenvolvimento
Local Sustentável, integrando territorialmente políticas públicas em
sete áreas: turismo, preservação do patrimônio cultural, planejamento
urbano, conservação ambiental, desenvolvimento social, participação
cidadã e gestão administrativo-financeira dos imóveis públicos 95.

95Informações mais completas sobre o programa ver Figueiredo (2014) e Figueiredo e Rodrigues
(2014), pois este artigo trata resumidamente apenas da experiência da Lei da ZEIPP.
Paisagem - 340

Figura 1 – Vila Ferroviária de Paranapiacaba: a Vila Nova (em primeiro plano); o pátio ferroviário
(ao lado); a Vila Velha (ao fundo)

Fonte: LUME FAU USP/PMSA (2006).

O caso de Paranapiacaba não se restringiu apenas ao


planejamento territorial. Em razão da existência de uma Subprefeitura,
logrou-se sucesso na articulação do planejamento com as atividades e
programas socioeconômicos, ambientais e culturais desenvolvidos.
Em 2004, foi instituído pelo Plano Diretor Participativo de Santo
André (Lei 8.696/2004) e regulamentado em 2007 pela Lei Específica
9.018/2007, a ZEIPP – Zona Especial de Interesse do Patrimônio de
Paranapiacaba, instrumento considerado inovador pelo Ministério das
Cidades e IPHAN. Trata-se da primeira legislação brasileira a incorporar
o conceito de paisagem cultural (antes mesmo do IPHAN, que instituiria
a Chancela da Paisagem Cultural apenas em 2009), estabelecendo
diretrizes de gestão e parâmetros urbanísticos, de preservação e
desenvolvimento. A lei resulta em uma simbiose entre um plano diretor
local com regramentos de uso e ocupação do solo, diretrizes de
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 341

preservação cultural, ambiental e turismo sustentável. Constitui-se no


principal instrumento de orientação da política urbana e gestão
territorial da paisagem cultural de Paranapiacaba, garantindo também
a permanência e qualidade de vida do morador.
Conforme exigência do Estatuto da Cidade (Lei federal
10.257/2001), o processo de elaboração do projeto de lei ocorreu de
forma participativa, por meio da Comissão da ZEIPP. Reunindo 34
membros, com 50% da representação para a comunidade local e as
outras vagas para representantes dos três órgãos de preservação do
patrimônio (nacional, estadual e municipal), do Conselho Municipal de
Política Urbana, de universidades e entidades de classe, a comissão
garantiu a participação ativa e qualificada dos moradores, que
receberam capacitação especial para o processo. Os técnicos da
prefeitura não tiveram assento nesta comissão, atuavam como
formuladores de estudos técnicos e mediadores dos debates. Os
técnicos dos órgãos de preservação participaram ativamente
desempenhando o papel de orientadores e debatedores das diretrizes
e parâmetros formulados.
Inicialmente, a lei pactua conceitos referentes à preservação,
conservação, restauração, reparação, manutenção, atualização
tecnológica (retrofit) e adaptação (art. 5º), diferenciando essas
terminologias e propondo uma hierarquização dos diversos tipos de
intervenção no patrimônio edificado, visando à desburocratização dos
processos de aprovação nos órgãos de preservação e o
compartilhamento de papéis entre as instituições gestoras,
institucionalizando uma prática já corrente entre a Subprefe itura e os
três órgãos de preservação do patrimônio.
Paisagem - 342

Figura 2 – Paranapiacaba: Zoneamento

Fonte: PMSA/Lei 9.018/2007. Edição da autora (2022).

A ZEIPP ratifica a divisão da Vila em quatro setores de


planejamento urbano (Parte Alta, Parte Baixa, Ferrovia e Rabique),
reconhecendo as especificidades históricas, urbanas, paisagísticas e
legais de cada uma de suas partes. Cria um zoneamento garantindo o
uso residencial e definindo áreas para as atividades comerciais e
turísticas, diminuindo assim os conflitos de vizinhança. Esse
zoneamento trabalha com o controle de estoques para a regulação das
predominâncias de uso, a exemplo da Área Predominantemente
Residencial (APR), onde o uso de comércio e serviços (apenas os de
baixa incomodidade, como pousadas e restaurantes com
funcionamento até às 22 h) é permitido até atingir 20% dos lotes.
Na Área Predominantemente Comercial (APC) são permitidos os
usos não residenciais até 60%. Fixa também o estoque habitacional em
50% dos imóveis públicos da Parte Baixa, ou seja, garante em lei a
permanência da moradia, evitando possíveis futuros desvios que
possam destinar os imóveis da Vila majoritariamente em usos turísticos
e de veraneio. Foram redefinidos também os parâmetros de ocupação
dos lotes, recuos e seus limites, as taxas de permeabilidade, os níveis de
incomodidade por emissão sonora permitindo a mistura de usos e as
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 343

diretrizes para a preservação das edificações, dos espaços livres


públicos e hierarquização do sistema viário, com o objetivo de
salvaguardar o conjunto edificado e as relações urbanas que
caracterizam a paisagem da Vila.
Já que Paranapiacaba conta com um conjunto de 334 casas
somente na Parte Baixa, foram selecionados em lei imóveis
representativos de cada tipologia arquitetônica, designados como
“Exemplares de Tipologias Residenciais”. O objetivo foi destacar o valor
documental e cognitivo do projeto ou construção original, sem que
fossem modificados, permitindo assim que nos demais imóveis fossem
realizadas intervenções de adaptação para uso residencial e comercial
contemporâneo. Vale destacar que o projeto original das casas dispõe
de sanitários externos à edificação. Na fase em que a Vila foi
administrada pela Rede Ferroviária Federal houve uma adaptação
generalizada e centralizada dos sanitários no interior dos imóveis em
madeira. Estes são atualmente utilizados pelos moradores e assim
foram mantidos na lei, apenas com correções técnicas estabelecidas
nos manuais de arquitetura. Desta forma, superou-se a adoção dos
tradicionais níveis de tombamento, compreendidos como uma
gradação hierárquica incoerente à concepção de paisagem cultural e às
necessidades de uso atuais.
Esses exemplares foram destinados à visitação pública e, por isso,
passaram a abrigar os espaços expositivos que compõem o roteiro do
Circuito Museológico, apresentando o diversificado patrimônio de
Paranapiacaba. Baseado na concepção de “museu a céu aberto” ou
ecomuseu, a casa de tipologia C, conhecida como “Castelinho” ou “Casa
do Engenheiro-Chefe”, abriga uma exposição sobre a história da Vila. O
patrimônio natural era exposto no Centro de Visitantes do Parque, um
exemplar de Casa de Engenheiro. O patrimônio humano estava na Casa
da Memória, um exemplar da casa Tipo A (para famílias pequenas de
operários). Um conjunto de casas Tipo E (para operários menos
graduados) trata do patrimônio arquitetônico e urbanístico, cujo espaço
Paisagem - 344

denomina-se Centro de Documentação de Arquitetura e Urbanismo


(CDARQ). As Casas Tipo D integram o conjunto do Antigo Lyra da Serra,
local onde funcionou o segundo cinema do Brasil (LIMA, 2008). Esses
estavam em processo de restauro para abrigar novamente o cineteatro
e um espaço para educação patrimonial, com brinquedoteca e
desenvolvimento do turismo pedagógico, mas a obra foi paralisada pelo
governo subsequente em 2011. Este projeto museológico, que articula
espaços expositivos diversos ao percurso que envolve a paisagem
cultural local, foi premiado em maio de 2007 pelo IPHAN no “Concurso
de Modernização de Museus”.

Figura 3 – Paranapiacaba: Tipologias residenciais

Fonte: Lima (2008). Mapa: elaboração da autora (2022).

Para os demais imóveis, as ampliações funcionais são permitidas,


entretanto devem respeitar as relações entre espaços livres e
edificados, configurados pelo padrão urbanístico da Vila, desde que esta
não una o corpo principal do imóvel ao sanitário ao fundo e não ocupe
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 345

os recuos frontais e laterais. Ademais, foram criados e consolidados


instrumentos de incentivo à preservação e um novo e mais rigoroso
sistema de fiscalização e penalidades. Visando a incentivar a
conservação dos imóveis e ter controle sobre a ação dos usuários, eram
concedidos descontos na contraprestação aos permissionários que
investissem na manutenção ou reforma dos imóveis, desde que estas
fossem realizadas com autorização e supervisão da Prefeitura,
conjuntamente com os órgãos de preservação. Este procedimento de
aprovação conjunta, que já funcionava desde 2005, foi
institucionalizado pela lei.
A ZEIPP garantiu aos empreendedores um instrumento de posse
menos precário que a permissão de uso, criando, para os imóveis
comerciais, a concessão de uso por 20 anos, renováveis por igual
período.
A lei é, em sua maior parte, autoaplicável. Apenas alguns artigos
e instrumentos necessitaram de regulamentação posterior, como o
Fórum (regulamentado por decreto municipal em 2008), ou instruções
normativas e planos específicos, detalhando informações técnicas que
não cabem ao disciplinamento de uma lei urbanística, como foi o caso
dos manuais de arquitetura e planos de saneamento, energia e
iluminação pública, todos finalizados em 2008.
Por outro lado, a Subprefeitura promoveu diversos projetos e
ações visando à conservação do patrimônio de Paranapiacaba,
articulando pesquisa científica, sistemas de informação e
documentação, educação e formação profissional, fiscalização e
intervenções de manutenção, recuperação e restauro.
No período de 2004 a 2008, pesquisadores do Centro
Universitário Fundação Santo André, com financiamento da FAPESP –
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e apoio da
Prefeitura, desenvolveram uma pesquisa intitulada “Diretrizes e
Procedimentos para a Recuperação do Patrimônio Habitacional em
Madeira na Vila de Paranapiacaba”. Esta pesquisa articulou-se às
Paisagem - 346

necessidades das políticas públicas municipais e rendeu vários frutos,


como a criação de metodologia própria para a inventariação do
patrimônio industrial em madeira, a reativação da cooperativa de
restauradores, a criação do banco de materiais e a elaboração do
“Manual de Conservação e Restauração das Edificações em Madeira de
Paranapiacaba”.
Todos esses produtos foram incorporados à lei da ZEIPP como
diretrizes permanentes e através dos manuais. O objetivo principal foi
constituir documentos-padrão que orientassem permanentemente os
técnicos municipais e dos órgãos de preservação a respeito dos
procedimentos adequados para intervenções no patrimônio em
madeira. Vale ressaltar que este é um dos mais graves problemas
enfrentados pelos órgãos de preservação. A ausência de diretrizes e
parâmetros preestabelecidos capazes de orientar intervenções em bens
tombados levam a decisões particularizadas, demasiadamente
discricionárias e, muitas vezes, antitéticas entre os diferentes órgãos do
patrimônio.
O inventário arquitetônico dos imóveis da Parte Baixa foi
sistematizado em base digital no “Banco de Dados de Gestão do
Patrimônio de Paranapiacaba”, articulando as informações
arquitetônicas aos dados socioeconômicos e administrativos dos
moradores. Este inventário contém informações fotográficas, dados
sobre a conservação dos imóveis e levantamento planimétrico, com
identificação das tipologias, de anexos existentes e paredes ou
materiais originais já retirados ou alterados dos imóveis.
A cooperativa de restauradores formou-se com moradores da
Vila capacitados para trabalhar especificamente com restauro e
conservação em madeira. Até 2008 a cooperativa já havia restaurado
um conjunto de quatro casas Tipo E, que abrigam o CDARQ; uma casa
de engenheiro incendiada que foi recomposta com o programa de
biblioteca pública; os cercamentos de um conjunto de quadras e a
Antiga Padaria, finalizada em 2010. Em 2011 foram recontratados pela
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 347

empresa que ganhou a licitação para a restauração do Antigo Lyra da


Serra, executada com financiamento do Ministério do Turismo em
2008. Além disso, a cooperativa produzia elementos construtivos das
casas, como portas, janelas, mãos francesas, beirais e cercas, visando à
constituição de um banco de materiais centralizado para reposição
adequada de elementos arquitetônicos degradados, já cumprindo uma
das diretrizes específicas de preservação constante na lei da ZEIPP.

Figuras 4 e 5 – Cooperativa de Marcenaria: Restauro das Casas Tipo E-CDARQ e Oficina do Banco
de Materiais

Fonte: Lima (2008). Fotos: Gilson Lameira de Lima (2007).

Entre 2006 e 2008 a Subprefeitura promoveu um curso para


formação em educação patrimonial, cujo módulo básico era oferecido
a todos os moradores e os demais (intermediário e avançado) visavam
a formar monitores culturais. Buscando reverter o processo de
degradação sofrido no período administrado pela Rede Ferroviária
Federal, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990, a Subprefeitura
retirava os anexos precários e irregulares dos imóveis. Num primeiro
momento procedia-se a retirada quando os imóveis eram devolvidosou
por meio de acordo com os moradores. Até 2008 foram retirados
anexos irregulares de 49 casas, 50% da demanda.
Por fim, no período de 2001 a 2008, foram investidos cerca de 4,5
milhões de dólares em 27 obras de restauração do patrimônio edificado
Paisagem - 348

e espaços livres, além do investimento anual de 82 mil dólares na


conservação e manutenção contínua de Paranapiacaba.

O SISTEMA DE PAISAGENS CULTURAIS E AS ZEPPAC EM CAMPINAS

Esta experiência foi realizada quando da revisão da legislação


urbanística de Campinas, especialmente o Plano Diretor e a Lei de Uso
e Ocupação, por equipe de consultores da Fundação para a Pesquisa em
Arquitetura e Ambiente (FUPAM FAU USP) junto à Prefeitura de
Campinas, entre 2014 e 2015.
O trabalho contou com a análise da configuração territorial da
cidade envolvendo a elaboração de cerca de 200 cartografias
georreferenciadas inéditas, a partir dos seguintes conjuntos de
condicionantes: a inserção regional de Campinas na Macrometrópole
Paulista; os problemas urbano-ambientais e socioeconômicos e suas
ocorrências territoriais; as estruturas de mobilidade; os usos e
centralidades; a legislação urbanística vigente e as formas de ocupação
do solo; os recursos urbanísticos e vocações; o sistema de espaços livres
e as paisagens culturais 96. O que destacaremos aqui será a inserção
inovadora da cultura e dos patrimônios como integrantes dos sistemas
estruturadores do desenvolvimento territorial por meio do
reconhecimento das paisagens culturais, orientando a tomada de
decisão sobre onde e como preservar e transformar na cidade.
Campinas ganhou um estudo, com metodologia especificamente
desenvolvida para este trabalho, que identificou um sistema de 16
paisagens culturais, a partir de leituras de conjunto que compreendem
e valorizam de forma articulada os bens naturais, culturais materiais e
imateriais, oficialmente reconhecidos ou não. Áreas que expressam as
diversas fases da urbanização, o território usado, o caráter multicultural
da cidade, a cultura das comunidades, significados, celebrações,

96 Para informações sobre a revisão da legislação de Campinas ver (JORGE et al., 2018).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 349

apropriações e práticas culturais, seja nas áreas urbanas, rurais ou de


preservação ambiental. Constituem um sistema que revela e ressalta a
diversidade e singularidades da cultura campineira, suas conexões com
a cultura regional e nacional, seus processos e distintos períodos
históricos.
Dada a diversidade de paisagens, diversos métodos de
identificação seriam aplicáveis. Entretanto, é imprescindível que os
estudos resultem em leituras de conjunto a partir de uma perspectiva
pluridimensional, histórica e evolutiva. Para a identificação do conjunto
e sistema de paisagens culturais foram utilizadas diversas fontes de
pesquisa e desenvolvido um método constituindo um banco de dados
georreferenciados e cartografias temáticas com mapeamento e análise:
1. do Substrato Ambiental, com o Sistema de Espaços Livres,
hipsometria, bacias hidrográficas, cursos d’água, fragmentos de mata e
patrimônios naturais; 2. do processo de urbanização (lido por períodos
desde o colonial, passando pelas 1ª e 2ª industrialização e a
reestruturação produtiva); 3. dos bens culturais e naturais tombados,
em processo de tombamento e bens imateriais reconhecidos; 4. dos
bens materiais e imateriais de interesse cultural ainda não
reconhecidos, inclusive aqueles identificados pela população e gestores
em processos participativos (consultas remotas, audiências públicas,
reuniões e conselhos); 5. da legislação urbanística, ambiental e de
preservação cultural vigentes; 6. da sobreposição cartográfica destas
informações em sistema SIG, conforme ilustram algumas cartografias e
imagens a seguir.
Paisagem - 350

Figuras 6, 7, 8 e 9 – Cartografias para a identificação das paisagens culturais: (6) bacias


hidrográficas; (7) hipsometria; (8) Sistema de Espaços Livres e Patrimônios Naturais; (9) Processo
de urbanização

Fonte: FUPAM FAU USP/PMC (2015).

Figura 10 – Patrimônio Imaterial: Folia de Reis; Figura 11 – Festa da Comunidade Alemã e Suíça
do Friburgo e Fogueteiro

Fonte: FUPAM FAU USP/PMC (2015).

A partir dessas informações foi possível a sistematização e análise


temporal e territorial dos patrimônios e paisagens, compreendendo
suas interações no contexto histórico da transformação do território, da
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 351

urbanização da cidade e da apropriação, uso e significação para a


população. Campinas ainda mantém paisagens que remontam o rural
colonial do período cafeeiro (Sousas e Joaquim Egídio), paisagens
agrícolas ligadas às imigrações (sobretudo alemã, suíça, japonesa e
italiana), paisagens urbanas e ferroviárias ligadas à primeira
industrialização, aquelas com atividade extrativista ou ceramista que
transformaram paisagens naturais, aqueles bairros com o desenho das
cidades-jardins (Guanabara e Taquaral), aquela paisagem palimpséstica
onde o casario eclético convive com altos edifícios modernos e pós-
modernos (Centro e Cambuí), aquelas marcadas pela presença dos
militares da escola de cadets (Chapadão), aquelas onde as celebrações
e as diversidades culturais, étnicas e religiosas convivem
harmoniosamente, dentre outras.

Figura 12 – Sistema de paisagens culturais em Campinas

Fonte: FUPAM FAU USP/PMC (2015).


Paisagem - 352

São elas: 1. Paisagem Cultural Rural Colonial Cafeeria do Atibaia-


Jaguari; 2. Paisagem Cultural Urbana de Sousas e Joaquim Egídio; 3.
Centro e Gênese Urbana; 4. Paisagem Cultural da 1ª Industrialização; 5.
Paisagem Cultural da Ferrovia Mogiana-Anhumas; 6. Saudade-Proença-
Derbi; 7. Paisagem Cultural do Cambuí; 8. Cidade-Jardim Castelo e
Guanabara; 9. Paisagem Cultural do Chapadão-Expecex-Santa Elisa; 10.
Paisagem Cultural da Mineração – Pedreiras; 11. Paisagem Cultural do
Taquaral; 12. Barão Geraldo; 13. Rio Capivari-Cerâmicas; 14. Paisagem
Cultural Rural da Imigração Alemã e Suíça – Friburgo e Fogueteiro; 15.
Paisagem Cultural Agrícola da Imigração Japonesa e Italiana – Pedra
Branca; 16. Paisagem da Cultura Afro da Fazenda Roseira e Urucungos
(identificada posteriormente à finalização do estudo de 2015).

Figuras 13, 14 – Paisagens Culturais: Saudade-Proença-Derbi (Cemitério e Estádios da Ponte Preta


e Guarani da década de 1950); Escola de Cadetes do Exército (Foto: Eric Ferraz).

Fonte: FUPAM FAU USP/PMC (2015).

Não será possível, no curto espaço deste artigo, caracterizar cada


uma destas paisagens, tampouco as diretrizes de preservação e gestão
desenhadas para cada uma delas. No entanto, destacaremos algumas
diretrizes gerais propostas.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 353

Figuras 15 e 16 – Paisagens culturais: Pátio Ferroviário da Fepasa

Fonte: FUPAM FAU USP/PMC (2015). Imagem aérea de Campinas em 1975. Fonte: MIS/PMC.
Foto: Leonel Albuquerque.

A identificação destas paisagens previamente à elaboração da


revisão do plano diretor e do zoneamento foi importante para orientar
a tomada de decisão sobre as áreas a preservar e a transformar, assim
como para orientar os vetores de crescimento e a aplicação dos novos
parâmetros de desenho urbano. Em especial, a organização do
macrozoneamento, dos Setores de Preservação e Transformação e do
Zoneamento Urbano se deram também em função da identificação
dessas paisagens culturais. Posteriormente, essas áreas foram
propostas ao zoneamento extraordinário como ZEPPACs – Zonas
Especiais de Preservação da Paisagem Cultural, para as quais se definem
objetivos e diretrizes gerais e específicas, visando à preservação e
valorização com desenvolvimento compatível, articulados às demais
políticas urbanas e às políticas de preservação cultural, ambiental,
economia criativa e turismo.
Paisagem - 354

Figuras 17 e 18. Paisagens culturais: Maria-fumaça da ferrovia Mogiana na estação Anhumas,


2000. (Foto: Sergio Barral); Parque e Bairro cidade-jardim Taquaral

Fonte: FUPAM FAU USP/PMC (2015). (Foto: Arthur Saraiva, 2007).

Nas ZEPPACs poderão ser demarcados “Conjuntos Urbanos de


Interesse Arquitetônico e Histórico da Paisagem Cultural”, identificados
pela relevância da preservação de seus atributos e significados
arquitetônicos, técnicos, paisagísticos e/ou históricos. Para esses
conjuntos urbanos, o proprietário poderá utilizar a Transferência de
Potencial Construtivo (TPC), calculada pela diferença entre o CA
utilizado e o CA máximo permitido da zona de uso em que se inserem.
Dentro das ZEPPAC seria permitida a demarcação de ZEIS, assim como
a provisão de HIS – Habitação de Interesse Social e HMP – Habitação de
Mercado Popular. O EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança seria exigido
nas ZEPPACs para construções acima de 2.500 m², enquanto nas demais
áreas da cidade apenas acima de 5.000 m².
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 355

Figura 19 – Zoneamento ordinário e a sobreposição do zoneamento cultural das ZEPPACs

Fonte: FUPAM FAU USP/PMC (2015).

Distintamente de Paranapiacaba, a prefeitura de Campinas ainda


não estava preparada para a gestão mais complexa que exige a
abordagem da paisagem cultural. Apesar disto, este estudo logrou a
demarcação de cinco das áreas identificadas nos estudos técnicos que
foram demarcadas como ZEPEC – Zonas Especiais de Preservação
Cultural no Plano Diretor aprovado em 2018 (Lei Complementar nº
189/2018).
Estas ZEPEC inspiram-se mais no modelo paulistano, no qual
podem ser demarcados bens isolados e lugares do patrimônio imaterial.
Funcionam “como instrumento urbanístico que visa a identificar e
fortalecer tanto as porções do território destinadas à preservação,
valorização e salvaguarda dos bens e atividades culturais, quanto os
espaços e estruturas que dão suporte a esses bens e ao patrimônio
imaterial” (Art. 106, LC 189/2018). Foram reconhecidos em ZEPEC:
Barão Geraldo, o Centro, a Vila Industrial, a APA – Área de Proteção
Paisagem - 356

Ambiental de Campinas (onde estão as paisagens culturais das fazendas


cafeeiras, parte da ferrovia Mogiana, Sousas e Joaquim Egídio) e a
denominada John Boyd Dunlop, onde está a Comunidade
Afrodescendente da Fazenda Roseira, identificada nos estudos do
patrimônio imaterial.
Em que pesem os percalços das disputas políticas, das trocas de
governo e das carências e limitações da gestão pública no Brasil, as
experiências aqui apresentadas contribuíram para o debate e para a
área de conhecimento da preservação cultural, do planejamento
territorial e da administração pública, na medida em que avançaram
conceitualmente, metodologicamente e no planejamento e gestão
integrada e participativa. O que se espera, como possibilidade de
futuro, é que elas sejam capazes de inspirar outras ações que busquem
trilhar o caminho da sustentabilidade onde a cultura seja um dos pilares
fundamentais das políticas socioeconômicas e territoriais urbanas,
rurais e ambientais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONSELHO DE MINISTROS DE CULTURA DA EUROPA. Recomendação R(95)9, sobre a


Conservação Íntegra das Áreas de Paisagem Cultural como integrantes das Políticas
Paisagísticas, 1995.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Carta de Bagé – sobre
Paisagem Cultural. Bagé: IPHAN, 2007.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Portaria 127 – Chancela
da Paisagem Cultural Brasileira. Brasília: IPHAN, 2009.
FIGUEIREDO, V. G. B. Gestão sustentável da paisagem cultural: legados e lições da experiência de
Paranapiacaba. Revista CPC, n. 18, p. 29-55, 2014. Disponível em:
https://doi.org/10.11606/issn.1980-4466.v0i18p29-55. Acesso em: 00 mês ano.
FIGUEIREDO, V.; RODRIGUES, R. (orgs.). Paranapiacaba, um patrimônio para a humanidade.
Marquise, São Paulo: Marquise, 2014.
FUPAM FAUUSP/PMC (FUNDAÇÃO PARA PESQUISA EM ARQUITETURA E AMBIENTE E
PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS). Anexo 3. Preservação Cultural: estudo preliminar
das paisagens culturais de Campinas – Produto 3A. Análise e Diagnóstico Técnico da
Atualização e Adequação da Legislação Urbanística de Campinas. Campinas: s.n., 2015.
JORGE, L.; QUEIROGA, E.; FIGUEIREDO, V. A legislação urbanística em debate. Parte 1: bases
conceituais e estratégias metodológicas para subsidiar a revisão do Plano Diretor de
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 357

Campinas SP. Arquitextos, São Paulo, ano 18, n. 215.02, Vitruvius, abr. 2018. Disponível em:
https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.215/6959. Acesso em: 00 mês
ano.
LIMA, G.; AZEVEDO, M.; PASSARELLI, S. Diretrizes e procedimentos para a recuperação do
Patrimônio Habitacional em Madeira na Vila Histórica de Paranapiacaba. Relatórios de
Pesquisa FAPESP/ PMSA/ Fundação Santo André. Santo Andre: s.n., 2008.
RIBEIRO, R. W. Paisagem cultural e patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN/COPEDOC, 2007.
Paisagem - 358
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 359

Capítulo 14

TEMPOS ENTREVISTOS NA CIDADE: CENTRALIDADE,


FRAGMENTAÇÃO E TEMPORALIDADES

Paulo Roberto Masseran 97

O texto busca o entendimento mais aprofundado sobre a


constituição geral da cidade brasileira, principalmente naqueles lugares
que acabam por se tornar pontos referenciais na constituição urbana
das nossas cidades que são os centros urbanos, chamados centros
comerciais e prestadores de serviços, ou seja, aquele espaço urbano
que se notabiliza pela concentração de um maior número de atividades
comerciais e institucionais dentro do contexto urbano. Então, vamos
falar sobre esse processo formativo das áreas centrais das cidades e de
suas transformações e significados.
Iniciaremos uma apresentação que vai passar por várias mídias,
várias fontes de pesquisa, desde aquelas disponíveis on-line, para que
possamos ter uma noção de como é possível se apropriar dessa
tecnologia disponível para se instrumentalizar em termos de produção
do conhecimento, até as fontes bibliográficas e documentais. Assim, o
tema de hoje intitula-se “Tempos entrevistos na cidade: centralidade,
fragmentação e temporalidades”, e basicamente o que se condensa
neste título é o entendimento que parte da contraposição entre os
vários elementos que acabam confluindo na formação dos espaços
centrais nas cidades brasileiras. Então, a centralidade é definida pelo
conjunto e contexto referencial que, geralmente, são os espaços mais
antigos, os espaços que foram ocupados originalmente desde o início

97 Doutor em História, professor da UNESP-FAAC. E-mail: paulo.masseran@unesp.br


Paisagem - 360

do processo formativo das cidades, e se, eventualmente não foram


esses espaços, são lugares próximos a eles e que, inevitavelmente,
acabaram sofrendo uma série de transformações ao longo do tempo,
com a expansão da malha urbana, do tecido urbano. E essa expansão
que ocorre temporalmente também deixa suas marcas registradas na
composição dos espaços centrais das cidades. Então este é um primeiro
elemento de construção do entendimento sobre o problema formativo
dos centros urbanos quanto ao seu conjunto de elementos.
O segundo é o caráter fragmentário dessa formação, por serem
múltiplos tempos – quanto mais antiga for a cidade, quanto mais
distante for da atualidade o período formativo originário da cidade,
tanto maior será o conteúdo fragmentário presente na formação desses
centros urbanos, no dizeres de Sandra Pesavento (2008). E o terceiro é
a temporalidade que se constitui em elemento-chave para o
entendimento das transformações urbanas. A temporalidade
representa aqui a sobreposição de camadas que vão se estabelecendo
na composição dos espaços centrais das cidades conforme os caracteres
de uma conjuntura específica de uma época. Então, este contexto de
época, que é uma construção cultural no transcurso da vida das cidades,
deixa suas marcas. Assim, os espaços centrais acabam sendo os espaços
privilegiados dessa sobreposição de camadas diversificadas, de
diferentes épocas, durante seus períodos formativos. Basicamente, este
é o elemento que será trabalhado neste texto.
Para que possamos construir um conhecimento asseverado sobre
esse processo formativo das cidades é preciso considerar alguns
pontos-chave para que possamos fazer uma construção de
entendimento do resultado desse processo, que é o aspecto atual da
cidade e a sua quase ilegibilidade. Ou seja, a dificuldade que esse
aspecto da cidade contemporânea acaba apresentando de um
entendimento claro de seu processo de formação, para uma aparência
de caos nessa constituição visual das cidades e suas zonas centrais.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 361

Então, o primeiro elemento que é possível entender no percurso


da busca de uma compreensão segura é que a cidade é fruto, mas é
também elemento da cultura, ou seja, a cidade é uma construção
cultural, fundamentalmente, e uma construção cultural de diferentes
contextos sociais. Porém, sendo fruto desses contextos diferenciados,
ela é também elemento gerador, pois a cidade sendo o habitat humano
que foi se construindo ao longo do tempo, ao longo da história, como o
meio preferido de radicação humana, ela é também este elemento
gerador, pois ela se constitui em imagens. E quando a cidade também
se constitui como imagem, também se torna um elemento de
constituição cultural – essa é uma primeira base para que possamos
entender esse processo formativo. Assim, o primeiro entendimento
possível é – que a cidade, sendo produto desse meio cultural, dessa
conjuntura de elementos e fatores – é também um elemento desse
contexto e dessa conjuntura social, econômica e política, que se torna
o meio responsável pela formação das diversas camadas que as cidades
acumulam ao longo de sua vida.
O segundo elemento é que a cidade é formada por esses
fragmentos temporais, ou seja, cada época ou cada contexto e
conjuntura de época deixam suas marcas impregnadas na cidade, e
quando a olhamos enquanto um tecido construído temporalmente, as
zonas centrais são aquelas onde esses fragmentos, ou melhor, as
camadas se sobrepõem de uma forma muito mais visível, muito mais
nítida, muito mais clara. Só que a cada momento em que uma camada
se sobrepõe a uma camada anterior, remove-se parte dessa camada e
das camadas anteriores restam seus fragmentos, sendo desse processo
de remoção, apagamento, sobreposição e reconstrução que se formam
as nossas cidades, de um modo diferenciado e com características
muito mais arraigadas a uma dinâmica de transitoriedade própria das
cidades de terceiro mundo, nas quais a construção, o apagamento e a
desconstrução ocorrem num mesmo nível, diferentemente dos países
de primeiro mundo em que a construção das cidades pelas camadas
Paisagem - 362

temporais não implica necessariamente no apagamento das camadas


anteriores. Contudo, esta dinâmica de apagamento e impregnação se
verifica de uma forma muito mais intensa e mais nítida nas cidades de
países do terceiro mundo.
E o terceiro elemento é que cada época gera uma camada sobre
a cidade, ou seja, cada época que constitui uma conjuntura específica,
e dependendo de sua formação histórica, dessa época ou dessa
conjuntura de época, tanto mais forte será essa camada de
impregnação sobre a cidade. Então este também se torna um ponto-
chave para o entendimento sobre a construção da diversidade e da
fragmentação que verificamos hoje nas zonas históricas ou nas zonas
centrais das cidades.
Assim, vou apresentar, para que possamos entender de uma
forma nítida, como estudo de caso, a área central da cidade de
Sorocaba, por meio da leitura das transformações de uma rua,
considerando sempre que cada nova camada reconfigura os fragmentos
das camadas anteriores. Sorocaba, hoje com 600 mil habitantes,
originou-se no século XVII, consolidou-se urbanisticamente no século
XVIII e expandiu-se no século XIX, quando já era possível identificar esse
acúmulo de temporalidades, reconhecíveis pelo conjunto de seus
fragmentos.
Para começar essa busca dos fragmentos temporais que
designam diversas temporalidades, vamos nos utilizar de ferramentas
disponíveis e acessíveis on-line: o Google Earth e o Google Street View.
Por meio delas nos aproximaremos do nosso recorte da zona central da
cidade, ruas São Bento, Dr. Braguinha e Praça Coronel Fernando Prestes
(Figura 1), para proceder ao levantamento das camadas temporais
visualmente reconhecíveis, presentes na arquitetura, no tecido urbano,
na infraestrutura aparente, e nos elementos transitórios (propaganda,
mobiliário etc.), e na verificação de sua transformação histórica nos
utilizando de fotografias de épocas passadas.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 363

Figura 01 – Área central de Sorocaba/SP

Fonte: Google Earth (2021)

Nesta imagem recente da Rua Dr. Braguinha (Figura 2),


personalidade histórica da cidade, vemos a rua transformada em via
comercial exclusiva para pedestres, desde os anos 1980, em período
natalino, com enfeites luminosos e grande movimentação de
consumidores. Vemos, assim, um via urbana originada no traçado viário
do século XVII e plenamente transformada como via comercial, na
última década do século XX, numa época em que a sociedade, ou
melhor, a cultura social se mostra cada vez mais consumista,
fundamentada e constituída pela dinâmica das relações comerciais, na
qual os aspectos característicos de época e períodos históricos
anteriores, formadores desse espaço urbano, se esvanecem e se
descontroem numa nova configuração, representativa de uma
sociedade baseada no intenso consumo. Aqui vemos, basicamente,
uma área que é dominada pelo pedestre, enquanto consumidor, e por
uma arquitetura efêmera que se impregna naquilo que se pode
denominar por arquitetura perene, que compõe este espaço urbano, e
Paisagem - 364

ao qual confere caráter a ele, ou seja, o torna nitidamente um corredor


comercial – extremamente efêmero, mutável e volátil, altamente
transformado conforme as necessidades de cada momento definido
pelos padrões de consumo.

Figura 02 – Rua Dr. Braguinha, Sorocaba/SP

Fonte: Disponível em: https://www.brasilbook.com.br/imagensx/7249.jpg

Agora vemos outra imagem da mesma via urbana no momento


da inauguração da obra de sua transformação em via exclusiva de
pedestres e corredor comercial, na década de 1980. Apresentava o
aspecto característico de uma via comercial, sem o trânsito de veículos
e equipado com mobiliários urbanos de apoio ao intenso fluxo de
consumidores como: iluminação noturna, lixeiras, floreiras, assentos e
pisos regulares (Figura 3).
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 365

Figura 3 – Boulevard comercial da Rua Dr. Braguinha, Sorocaba/SP

Fonte: Disponível em: https://www.brasilbook.com.br/imagensx/9668.jpg

Na sequência vemos a mesma rua, nos anos 1970, já com as


características plenas de um corredor comercial, com fluxo intenso de
veículos e pedestres, mas com o caráter sobreposto de uma estreita via
pública originada morfologicamente no século XVII, derivada de um
desenho urbano e parcelamento do solo típicos das cidades
portuguesas dessa época (Figura 4). A constituição de um corredor
comercial, com todos os espaços ao rés do chão ocupados pela
atividade comercial, e com o predomínio visual da publicidade e de
elementos construtivos efêmeros como suporte dessa propaganda,
com a formação de uma camada de elementos transitórios a impregnar
as antigas camadas de arquitetura perene das temporalidades
anteriores, e a denotar o alvorecer de uma sociedade de consumo em
gestação.
Paisagem - 366

Figura 4 – Rua Dr. Braguinha na década de 1970, Sorocaba/SP

Fonte: Disponível em: https://www.brasilbook.com.br/imagensx/10793.jpg

Até o início da década de 1970, a rua Dr. Braguinha ainda


apresentava seus aspectos arquiteturais enquanto referências urbanas
marcadas por edificações icônicas das diversas temporalidades, legíveis
e formativas do espaço urbano. Ao transformar-se em corredor
comercial, a partir de então os traços arquiteturais legíveis passam a ser
gradativamente impregnados, sobrepostos ou removidos e substituídos
por elementos construtivos de caráter efêmero, compondo
visualmente um espaço fragmentário, confuso e fugaz, típico da
contemporaneidade de uma sociedade de consumo.
Cada época que marca e define as temporalidades urbanas
impregna o espaço visual das cidades com seus elementos
característicos, sejam edificados ou transitórios, fixos ou móveis. Na
Figura 5 vemos a mesma Rua Dr. Braguinha em outra configuração –
visual e morfológica – composta com os paramentos de outro contexto
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 367

de época, os anos de 1940. Aqui já vemos outra conjuntura temporal


que gerou os elementos reconhecíveis nesta imagem. Assim, há uma
arquitetura impregnada neste espaço urbano que expressava os
desejos e os ideais estéticos de sua época, mas que ao mesmo tempo
dividia o espaço com arquiteturas oriundas de outas temporalidades,
ressignificadas, ainda de modo pacífico, se é que podemos dizer dessa
forma, onde era possível a existência de um diálogo entre os diferentes
tempos de origem, ou entre os fragmentos das camadas derivadas de
épocas anteriores, seja pela linguagem estética, pela forma, pela
construtibilidade, ou pela homogeneidade do conjunto edificado da
cidade.

Figura 5 – Rua Dr. Braguinha na década de 1940, Sorocaba/SP

Fonte: Disponível em: https://www.brasilbook.com.br/imagensx/9549.jpg

Em outra imagem (Figura 6), datada em 1929, momento pouco


anterior, observamos a mesma rua apresentando as características de
uma via comercial já consolidada, pela presença de toldos para
Paisagem - 368

proteção solar das lojas, placas de indicação nominal dos


estabelecimentos comerciais e de prestadores de serviços, faixas com
informações transitórias, enfim, inúmeros elementos agregados às
arquiteturas remanescentes de diferentes épocas, contudo, numa
escala apta a manter a legibilidade visual de todos os elementos
impregnados ao espaço urbano – as arquiteturas são identificáveis,
assim como as propagandas e o mobiliário urbano. E as pessoas
presentes são os indivíduos que utilizam a própria via: comerciantes,
consumidores, vendedores e crianças.

Figura 6 – Rua Dr. Braguinha em 1929, Sorocaba/SP

Fonte: Disponível em: https://www.brasilbook.com.br/imagensx/5101.jpg


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 369

Na Figura 7 vemos novamente a rua Dr. Braguinha, na década de


1920, quando é possível reconhecer uma camada contemporânea que
recobre as arquiteturas de outras temporalidades. O sobrado da
esquina ainda com alguns traços da originalidade de finais do século
XVIII ou princípio do século XIX, mas modernizado ao sabor dos finais
do século XIX. Em consonância, os demais edifícios térreos vizinhos,
edificados entre os séculos XVII e XVIII, todos modificados e reajustados
aos padrões das décadas iniciais do século XX. Do mesmo modo, a
cidade moderna já ostenta a iluminação elétrica as calçadas para
pedestres e a rua pavimentada com paralelepípedos para o trânsito de
veículos. Os elementos contemporâneos incorporados a uma estrutura
urbana e arquitetural já existente ainda respondem a uma demanda
estética que preconiza e prioriza a harmonia de conjunto, a geração de
uma ambiência urbana onde a produção de sua imagem denuncia ao
lustro e aos ideais de modernidade da sociedade local, quando a
imagem da cidade se tornou cartão postal de propaganda de civilidade.

Figura 7 – Rua Dr. Braguinha na década de 1920, Sorocaba/SP

Fonte: Disponível em: https://www.brasilbook.com.br/imagensx/9254.jpg


Paisagem - 370

Nesta tomada do alto da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ponte


(Figura 8), observamos o Largo da Matriz e a Rua Dr. Braguinha (outrora
Rua Direita) na década de 1900. É uma cidade em transição, conforme
diria o Prof. Benedito (TOLEDO, 1983) entre a cidade de taipa e a de
alvenaria de tijolos. Durante uma procissão dos rituais da Semana Santa
há uma multidão aglomerada diante da igreja, preparando-se para
ingressar no recinto do templo, junto aos santos em andores adornados
e há pessoas nas ruas por onde seguiu-se o cortejo. Esta é uma cidade
a ser percorrida a pé, ou em animais e carroças. É a cidade em outra
temporalidade, outra dinâmica, outro contexto cultural, social e
político. Não é a cidade do consumo. É a cidade da produção industrial
incipiente, da agropecuária, do comércio e da prestação de serviços. A
ritualidade urbana se realiza na religião e na economia, na sociabilidade
das hierarquias e dependências. Esta cidade em transição altera-se
visualmente, as construções modernizam-se em linguagens
contemporâneas, ecléticas, esteticamente alinhadas aos centros de
irradiação cultural. As platibandas ornamentadas passam a esconder os
beirais, surge o calçamento junto às construções e a iluminação elétrica
se implanta. Há, neste momento, as condições plenas para a
transformação da cidade em polo de atratividade regional. No alto, à
direita da foto, vê-se o frontão do recém-inaugurado Theatro São
Raphael e a cidade se coloca como centro oferecedor de inúmeras
atividades – comerciais, sociais, religiosas e artísticas – uma
temporalidade da rua.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 371

Figura 8 – Largo da Matriz e Rua Dr. Braguinha na década de 1900, Sorocaba/SP

Fonte: Disponível em: https://www.brasilbook.com.br/imagensx/6576.jpg

Regredindo um pouco mais no tempo, numa fotografia do


polonês Júlio Durski, de 1875, tomada da mesma torre da Igreja Matriz
vinte anos antes, vê-se a rua Direita (Dr. Braguinha) e o Largo da Matriz
sem pavimentação, em terra batida, com as canaletas de pedra para o
escoamento das águas pluviais e calçamento aos pés das edificações.
Todas elas, por sinal, apresentam as coberturas em telhas vãs, com
beirais pronunciados, e sem ornamentação ostensiva. O casarão da
esquina com residência senhorial no pavimento superior e comércio no
pavimento térreo, originado entre os finais do século XVIII e início do
XIX fenecerá, por algum motivo, durante o intervalo entre esses dois
momentos. No canto superior direito se reconhece o frontispício do
antigo Theatro São Raphael, erigido em 1840, que será completamente
reformado na década de 1900. As pessoas nas ruas indicam uma
atividade comercial urbana ainda ligada aos padrões de uma cidade
rural do século XIX, cujas características visuais se estabelecem no
predomínio estético e volumétrico dos equipamentos urbanos
referenciais, como as igrejas, teatros, edifícios administrativos e
Paisagem - 372

casarões senhoriais, envoltos por uma massa homogênea de


edificações e telhados. A unidade visual e estética dessa composição
urbana era o seu elemento característico e indicativo, na sua
legibilidade direta, de uma ordenação espacial que denotava
volumetricamente a correlação de forças e poderes atuantes nessa
constituição social.

Figura 9 – Largo da Matriz e Rua Direita em 1875, Sorocaba/SP

Fonte: Paiva Jr (2008)

Nesta imagem da outra face do Largo da Matriz (Figura 10), do


mesmo autor e ano, observa-se notoriamente a torre da igreja como
elemento de destaque, o mesmo piso de terra batida na praça e ruas,
as canaletas de drenagem em pedra e as construções solarengas. Na
esquina uma construção ou reforma recente, com platibandas e
ornamentação, já prenuncia uma nova temporalidade. Neste prédio
instalou-se em 1883 o Gabinete de Leitura Sorocabano, uma associação
de líderes políticos e intelectuais locais com a finalidade do cultivo das
letras e da instrução que possuía uma biblioteca pública e a sede social
– poder e conhecimento em consonância.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 373

Figura 10 – Igreja e Largo da Matriz em 1875, Sorocaba/SP

Fonte: Paiva Jr (2008)

E na Figura 11 observa-se a quarta face do Largo da Matriz, na sequência


da rua de São Bento, em fotografia de 1886. As construções originadas nos
séculos XVIII e XIX mantêm-se com poucas alterações, introdução de cores e
poucos elementos ornamentais, amplos beirais, ruas de terra e canaletas de
pedras, postes de iluminação a gás, sobrados senhoriais e o Gabinete de Leitura
como símbolo do lustro da sociedade local, e o contraste com o conteúdo
homogêneo das edificações comuns se evidencia.
Paisagem - 374

Figura 11 – Largo da Matriz e Rua de São Bento em 1886, Sorocaba/SP

Fonte: Paiva Jr (2008)

Para concluir esta promenade temporal pregressa pela cidade de


Sorocaba nos deteremos em duas representações panorâmicas de sua
área urbana: uma grafada nos estudos do Barão Homem de Mello em
1876 (Figura 12), e outra desenhada por Debret, em 1827 (Figura 13).
Na primeira, vemos a cidade compondo uma linha integrada à
paisagem, pontilhada pelos picos das torres e volumes edificados das
igrejas, casarões e teatro. O traçado urbano oriundo do século XVII
sustenta e suporta tranquilamente a cidade do século XIX, adensada
numa área restrita, facilmente percorrível a pé, em animais ou em
veículos de tração animal. E na segunda, uma representação pictórica
de Debret, a mesma cidade, menos densa, com as edificações alinhadas
ao longo das ruas principais, com muitos quintais utilizados para
atividades produtivas de subsistência, plenamente ligada e integrada ao
campo que a sustém. Os animais pastando ou atrelados ao carro de boi
indicam caminhos que se dirigem à cidade, que na composição dessa
paisagem cultural como revelou o geógrafo francês Paul Claval (1979),
implica uma conexão vital entre o conteúdo referencial da cidade,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 375

enquanto religiosidade e poderes, e o campo, meio produtivo e


mantenedor das relações de poder por meio da propriedade da terra,
representativos de outra temporalidade, ou seja, de uma conjuntura
cultural anterior e própria das sociedades do século XIX.

Figura 12 – Panorâmica da cidade de Sorocaba/SP, em 1876

Fonte: Mello (1876)

Figura 13 – Panorama da cidade por Jean-Baptiste Debret em 1827, Sorocaba/SP

Fonte: Lago (2008)


Paisagem - 376

Desse modo, cada temporalidade urbana se constitui a partir de


uma dinâmica própria de cada época, de um contexto cultural no
sentido antropológico, definido por usos e costumes, pelo ideário ou
ideal almejado, pela conjuntura social e econômica que conduz a uma
condição política de correlação de forças e poderes.
Quando olhamos para este mesmo espaço na atualidade
observa-se a culminação de um processo de formação de uma
sociedade baseada nas relações de consumo, ostensivo e intenso, que
caracteriza nossa condição urbana contemporânea. A Figura 14 traz um
instantâneo retirado da ferramenta de pesquisa de imagens disponível
livremente on-line, Google Street View, tomado da Praça Coronel
Fernando Prestes (antigo Largo da Matriz) olhando o início da rua Dr.
Braguinha. O calçadão comercial da década de 1980 deu espaço para
um corredor comercial pleno, a via foi desimpedida do mobiliário
urbano e das instalações elétricas aéreas, o piso foi refeito, a
verticalização da área central se estabelece sobre o antigo traçado
urbano do século XVII, que hoje atua como um fragmento estruturante.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 377

Figura 14 – Rua Dr. Braguinha, Sorocaba/SP

Fonte: Google Street View (2022)

Na Figura 15, outra tomada da rua Dr. Braguinha pelo Google


Street View, observa-se o mesmo cruzamento com a rua Barão do Rio
Branco, exibido na Figura 6, onde se reconhece a permanência dos dois
edifícios comerciais das esquinas, originados na década de 1920,
enquanto fragmentos temporais resignificados ao uso comercial
contemporâneo.
Paisagem - 378

Figura 15 – Rua Dr. Braguinha esquina com rua Barão do Rio Branco, Sorocaba/SP

Fonte: Google Street View (2022)

Na tomada seguinte (Figura 16) do antigo Largo da Matriz, vê-se


a antiga igreja, reformada, elevada à Catedral, culminando uma praça
urbana também requalificada e ainda limitada pelo mesmo traçado do
século XVII, mas com arquiteturas e fragmentos de arquiteturas e
elementos construídos de outras temporalidades a compor um espaço
urbano ressignificado por uma camada de elementos diversos que
passam a caracterizá-lo contemporaneamente. As ruas que outrora
serviam ao trânsito de pedestres e veículos de tração animal, agora
sufocam-se pelo trânsito de veículos automotores de transporte
individual não suportado pelo traçado de vias originado no século XVII
e pouco alterado devido, principalmente, ao parcelamento do solo
também advindo dos séculos anteriores.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 379

Figura 16 – Praça Coronel Fernando Prestes (antigo Largo da Matriz) e rua São Bento,
Sorocaba/SP

Fonte: Google Street View (2022)

Vemos que a arquitetura perene de outrora já foi substituída por outra


em nova temporalidade. Agora se observam edifícios de vários
pavimentos numa tendência crescente de verticalização, construídos
em épocas diversas, das décadas de 1950, 1960, 1980, e os espaços
urbanos reconfigurados contemporaneamente resultando num
conjunto fragmentário formado por inúmeras temporalidades, mas
recoberto por uma camada de elementos também diversificados e
fragmentários que engendram a caracterização de uma atualidade
consumista. São cores, texturas, revestimentos, sinalização,
propaganda visual e mobiliário urbano que cobrem os elementos
preexistentes e passam a ressignificar o espaço urbano. Assim, todos
esses fragmentos de épocas passadas são reincorporados por uma
cultura contemporânea, por uma forma e modo de uso e entendimento
de cidade que traduz uma nova temporalidade e que acabam por
Paisagem - 380

redefinir todos estes elementos, estes fragmentos temporais,


sobrepondo-se.
Ao andarmos por essas ruas percebemos que esse mesmo
processo de reconstrução, apagamento e redefinição dos elementos
que compõem a ambiência destes espaços, mesmo os remanescentes,
encontram-se completamente diferentes que em épocas anteriores,
mesmo quando nos remetemos ao mesmo boulevard comercial dos
anos 1980, verificamos outra configuração de espaço de uso comercial,
diverso do atual. Constata-se agora, um espaço muito mais transitório,
mutável e descartável que permite uma transformação muito ágil de
todos os seus elementos configuradores, que traduz de forma direta os
recursos básicos e as metodologias de consumo de massa. Dentre eles
o recurso de vendas que mais notoriamente gera alterações na
espacialidade de uma via exclusivamente comercial é a desobstrução
plena do rés do chão, ou seja, exige amplas aberturas junto aos
alinhamentos das vias, com o menor número possível de colunas ou
elementos arquiteturais que obstruam a plena visibilidade do
consumidor para o interior dos pontos de venda. Tal requisito gerou
uma completa anulação, apagamento ou remoção dos traços de
arquiteturas perenes remanescentes, enfatizadas por marquises e
elementos de cobertura ou proteção solar nas sobrelojas promovendo
uma desconexão entre o rés do chão, comercial, e os pavimentos
superiores das edificações, atuais ou pregressas. Consequentemente,
este espaço acabou por impregnar-se de sua própria condição de
existência altamente consumista, na contemporaneidade.
Portanto, este é um exemplo bastante pertinente para podermos
compreender este processo de transformação contemporânea das
zonas centrais urbanas, e como essas camadas de temporalidades
diversas vão se impregnando e se acumulando pela cidade,
principalmente nos seus elementos remanescentes, ou seja, nos
pequenos fragmentos que restaram e se encontram remanescentes
sendo reapropriados numa nova configuração conjuntural sendo
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 381

reabsorvidos na construção de novos ideários urbanos – uma


construção cultural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CLAVAL, P. Espaço e poder. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.


LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil: obra completa, 1816-1831. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Capivara, 2008.
MELLO, F. I. H. de (org.). Província de S. Paulo. [s.l.: s.n.], [s.d.]. (Acervo Obras Raras, Biblioteca
Mário de Andrade).
PAIVA Jr, P. B. Álbum fotográfico. Vistas de Sorocaba por Julio Wieczerski Durski – 1875-1880.
Sorocaba: PMS, 2008.
PESAVENTO, S. J. História, Memória e Centralidade Urbana. Revista Mosaico - Revista de História,
Goiânia, v. 1, n. 1, p. 3-12, mar. 2008. Disponível em:
<http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/mosaico/article/view/ 225/179>. Acesso em: 27 nov.
2021.
TOLEDO, B. L. de. São Paulo: três cidades em um século. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
Paisagem - 382
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 383

Capítulo 15

COMO NASCEU O JARDIM DE SEQUEIRO NA UNIVERSIDADE DE


BRASÍLIA

Júlio Barêa Pastore98

INTRODUÇÃO

O Jardim de Sequeiro ocupa o vão central do Instituto Central de


Ciências (ICC) – edifício icônico da arquitetura moderna brasileira,
projeto de Oscar Niemeyer e João Filgueiras Lima (Lelé), de 1962. O
jardim se estende pelos 730 metros de comprimento do edifício por 15
metros de largura, intercalado com passagens e vãos de iluminação.
Trata-se de um jardim sobre laje com mais de 5 mil m² de área plantada
sobre fina camada de terra, de 20 centímetros no topo a 40/50
centímetros no fundo das calhas.
Ao deixar de ser regada a partir de crise hídrica em 2017, esta
área perdeu toda sua cobertura vegetal ornamental, composta então
majoritariamente por grama batatais (Paspalum notatum Flüggé) e
algumas primaveras (Bougainvillea spectabilis Willd.). Desde então,
vegetação espontânea composta por diversas daninhas exóticas
comuns em áreas urbanas ocupava a área entre os meses de chuva
(outubro a maio), vindo a secar e deixar a terra nua durante o inverno.
As principais espécies presentes eram braquiárias (Brachiaria sp.),
variadas espécies de capim-colchão (Digitaria sp), capim-pé-de-galinha
(Eleusine indica (L.) Gaertn (ELEIN)) e erva de touro (Tridax procumbens
L.), dentre tantas outras.

98Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP, professor adjunto da Universidade de Brasília.


E-mail: jbpastore@gmail.com
Paisagem - 384

Neste contexto, projetou-se um jardim com baixo custo de


execução, implantado por sementes, utilizando flora nativa do Cerrado
e flores tradicionais de ciclo curto: um jardim temporário, que nasce,
cresce e floresce em poucos meses. Sem irrigação, aproveita as chuvas
para crescer florescer. Ao final das chuvas, o jardim, marcado pelos
pendões de plumas brancas e douradas dos capins nativos, adquire os
tons do outono. Entra, a partir de então, no ciclo seco, ainda passível de
interesse estético e capaz de oferecer serviços ecológicos, momento
que culmina com a colheita das sementes para a próxima estação.
Espera-se que a adequação à paisagem do Cerrado e suas
estações possa ajudar a despertar o olhar para o contexto paisagístico
local. Do mesmo modo, busca-se tirar partido de todas as fases do
jardim: a beleza e o aprendizado de acompanhar suas operações de
cultivo e manejo, os processos de germinação e crescimento inicial, as
sucessões de flores ao longo da estação chuvosa, a chegada dos tons da
seca, palha, marrom, castanho, suas estruturas expostas, a colheita das
sementes e, mesmo, a ocorrência do tempo da estiagem e a espera pela
nova estação.
O presente texto deriva de palestra proferida no II Simpósio
Brasileiro Cidade, Paisagem e a Natureza, promovido pelo Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual
Paulista, campus de Bauru. Buscamos manter algo de sua oralidade,
adequada ao fato de que se trata de um comunicado sobre a criação do
Jardim de Sequeiro, projeto experimental de paisagismo implantado
pela primeira vez nas chuvas de 2020-21 na Universidade de Brasília
(UnB), trazendo informações e resultados de seus dois ciclos inaugurais.
Dados sobre este projeto paisagístico e suas referências estão sendo
preparados para apresentação em revistas especializadas.

BASES PARA A CRIAÇÃO DO PROJETO


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 385

A idealização do Jardim de Sequeiro teve início nas aulas da


disciplina de Paisagismo, Parques e Jardins ministradas na universidade
(1ª e 2ª de 2017), quando o ICC foi tema para os trabalhos de projeto
paisagístico para quatro turmas (turmas A e B, durante dois semestres
consecutivos). Levantamentos e estudos sobre o solo, espécies
vegetais, insetos, histórico do projeto paisagístico e do edifício,
histórico do manejo do jardim, percepção e demandas da comunidade
foram realizados no âmbito das disciplinas e permitiram melhor
entendimento das condições do local, de suas fragilidades e
potencialidades.
A partir de 2017, o meu envolvimento com a Coordenação de
Parques e Jardins (CPJ) da Universidade de Brasília permitiu maior
interação entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão em
paisagismo e a gestão das áreas verdes da universidade. Juntamente
com o arquiteto Matheus Maramaldo, servidor da Universidade de
Brasília, criamos a disciplina de Jardinagem na Faculdade de Agronomia
e Veterinária da UnB, assim como o projeto de extensão Museu das
Flores, que transformou o viveiro da Prefeitura da UnB (PRC) em espaço
também acadêmico composto por jardins experimentais, denominado
agora “Viveiro-Escola da PRC”, abrigando também o projeto de
extensão Casa de Chá (2021), o projeto “Jardim de Sequeiro”, as
atividades da disciplina de jardinagem, projetos de pesquisa e Trabalhos
de Conclusão de Curso (TCC). Nesse período foram também realizados
jardins pela universidade que possibilitaram explorar composições
naturalistas assim como o uso de plantas anuais (plantas de ciclo curto)
e a técnica de semeadura direta, em que o jardim é plantado a partir de
sementes. Destes, destacamos o Jardim experimental da Reitoria da
UnB (2020) e os jardins criados no Projeto rotatórias do Campus Darcy
Ribeiro.
Também a partir de 2017, o uso de vegetação nativa do Cerrado
no paisagismo da Universidade de Brasília tem sido explorado em
jardins experimentais, sendo o pioneiro o Jardim Louise Ribeiro
Paisagem - 386

(Instituto de Biologia da UnB), cujo projeto de paisagismo foi


coordenado pela paisagista Mariana Siqueira. A criação do Jardim
Experimental do ICC, coordenado por mim, e a implantação do
experimento de “Manejo de ervas e subarbustos do Cerrado para fins
paisagísticos” (2017-2020), realizado em parceria com a paisagista
Mariana Siqueira e a professora Isabel Schimdt, também são exemplos
de atividades nesta área.
Foi partir dessas experiências que em março de 2020, durante os
primeiros meses de isolamento social causado pela pandemia da
COVID-19, levei a proposta de criação de um jardim temporário por
semeadura direta no vão central do ICC aos integrantes do projeto de
extensão Museu das Flores (grupo coordenado por mim e por Matheus
Maramaldo e formado por paisagistas profissionais e demais
interessados que se encontravam voluntariamente para estudar
paisagismo, atuar no Viveiro-Escola da PRC e em jardins experimentais
da UnB e auxiliar na disciplina de Jardinagem). O trabalho durante os
meses que sucederam foi majoritariamente remoto, com estudo de
referências (em especial dos paisagistas Piet Oudolf, James Hitchmough
e Gilles Clement), seleção de espécies, desenho, entre outras
atividades. Pudemos, durante esse período, implantar um jardim
experimental de aproximadamente 200 metros quadrados próximo ao
edifício da Reitoria da UnB para avaliar o desenvolvimento de algumas
das espécies selecionadas.
Em setembro de 2020 a proposta foi exposta pela primeira vez
em público, durante a palestra “Paisajismo naturalista en climas de
sabana”, que fez parte de uma série de apresentações realizadas pelo
grupo de estudos intitulado “Paisagismo Naturalista Latino-americano”.
Fez parte da apresentação o histórico do projeto e a composição
paisagística. Além disso, foi apresentado o texto “Manifesto do Jardim
de Sequeiro”, de minha autoria, que aqui se registra pela primeira vez.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 387

MANIFESTO JARDIM DE SEQUEIRO

Que possa encantar!


Cultura de sequeiro é a não irrigada, que cresce só com as chuvas.
Assim é o jardim que o ICC irá receber: gramíneas do cerrado e flores
tradicionais do paisagismo, em composição naturalista, criando uma
campina florida ao longo do seu vão central, que se secará quando
chegar o inverno.
É, assim, um jardim-instalação, um jardim de plantas breves. Um
jardim multiplicador de sementes, que a cada chuva poderá́ nascer
renovado, re-imaginado.
E é um jardim de equilíbrio dinâmico e múltiplas composições: os
tons vão se sucedendo ao longo da estação, acompanhando a floração
das espécies precoces e tardias.
Que sirva de elogio à UnB e ao ICC! Que a leveza das flores, tão
fugazes, sirva de sustentação momentânea para a arquitetura perene.
E que possa encantar e se lançar para além: que vejamos mais jardim
de sequeiro por aí!

COMPOSIÇÃO E IMPLANTAÇÃO CICLO 2021-22

Sendo um jardim concebido para ser redesenhado a cada ano,


vale aqui informar sobre os desenhos do primeiro e segundo ciclos
separadamente, posto que houve muitas alterações entre os dois
primeiros ciclos do jardim. Elas refletem a busca por melhores soluções
e a concretização do processo de experimentação e aprendizado.
Paisagem - 388

Foto 1 – Semeadura do Jardim de Sequeiro 2020-21

Foto: Maurício Mercadante (2021).

No primeiro ciclo a composição do jardim explorou a dinâmica de


crescimento das espécies a partir de três camadas de composição:
flores precoces, flores tardias e gramíneas nativas do Cerrado. As flores
precoces foram consideradas as espécies anuais que poderiam passar
pelo ciclo de florescimento em até 90 dias. No desenho, as flores
precoces compõem desenhos abertos, extensos, com densidade
variável e diferentes associações. Suas cores têm o azul como tom
prevalente, dado por Centaureas (Centaurea cyanus L.), zínias (Zinnia
elegans Jacq.) e Linhaças (Linum usitatissimum L.), salpicado por tons
quentes da coreopsis (Corepsis tinctoria Nutt.) e do endro (Anethum
graveolens L.). Foram selecionadas espécies de estrutura leve que
permitissem o crescimento por entre sua folhagem das gramíneas e
flores tardias.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 389

Foto 2 – Ala Sul, Jardim de Sequeiro 2020-21

Foto: Julio B. Pastore (2021).

As flores tardias foram consideradas aquelas que começariam a


florescer após 90 dias e seguiriam assim até o fim das chuvas. As flores
tardias, em especial Salvias (Salvia farinacea Benth., Gaillardias
(Gaillardia x grandiflora), dispostas em manchas menores e mais
densas, vêm suplantar as precoces quando estas perdem a floração.
Junto a elas, Mostardas (Sinapis alba L.) Ornithogaluns (Ornithogalum
saundersiae Baker) trazem verticalidade e se destacam no momento em
que o jardim já se assemelharia a uma campina, com as gramíneas
volumosas.
Foram plantadas também, em manchas monoespecíficas, mudas
da variedade ornamental de Euphorbia hypericifolia (L.) denominada
Euphórbia Hip-hop.
Para a camada de gramíneas nativas do Cerrado foram
selecionadas algumas espécies que já haviam sido testadas nos jardins
experimentais e possuíam, além de interesse ornamental, capacidade
de florescer logo na primeira estação de crescimento a partir da
Paisagem - 390

semeadura. Na camada de gramíneas, seis espécies de capins nativos


do Cerrado: capim-carinato (Paspalum carinatum Humb. & Bonpl. ex
Flüggé), capim-orelha-de-coelho (Paspalum stellatum Humb. & Bonpl.
ex Flüggé), capim-membeca (Andropogon leuchostachyus Kunth),
capim-fiapo (Trachypogon spicatus (L. f.) Kuntze.), capim-brinco-de-
princesa (Loudetiopsis chrysothrix (Nees) Conert) e capim-panasco
(Aristida setifolia Kunth). Essas gramíneas foram distribuídas em
grandes manchas de andamento sinuoso, formando a base para as
flores tardias.

Foto 3 – Ala Central, Jardim de Sequeiro 2020-21

Foto: Julio B. Pastore (2021).

Dentro deste esquema compositivo, as espécies foram


selecionadas para coabitar, tecendo relações ecológicas e
apresentando uma dinâmica de ocupação do espaço que vai de um
jardim mais leve e aberto no início do ciclo a uma campina mais densa
e diversa nos momentos finais. A longevidade do jardim vem da
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 391

sucessão das florações, em diferença de canteiros monoespecíficos


comuns no meio urbano.
Devido à baixa taxa de germinação de algumas espécies, em
especial do capim-panasco já durante os procedimentos de semeadura,
o projeto foi adaptado, recebendo a ala central uma composição em
duas manchas diversas, uma monoespecífica de Gaillardias e outra de
uma mistura entre o capim nativo Capim-fastigiato (Andorpogon
fasigiathus Sw.) e zínias. O objetivo da alteração foi, dentro das
possibilidades que se apresentavam, propiciar o aumento da densidade
de plantas no jardim. Assim, buscamos novas sementes para a ala
central e utilizamos aquelas previamente previstas para reforçar as
taxas de semeadura das duas alas laterais.

Foto 4 – Ala Sul, Jardim de Sequeiro 2020-21

Foto: Julio B. Pastore (2021).

Autoria do Planting Design ciclo 2020-21: Julio B. Pastore, Desirèe


Salvatore, Marina Franco. O projeto foi desenvolvido a partir de estudo
de referências em composição de jardins naturalistas, prospecção de
Paisagem - 392

espécies de interesse e sementes obtidas. As sementes foram obtidas a


partir dos fornecedores Isla Sementes, Rede de Sementes do Cerrado e
Verdenovo sementes. Parte das sementes foram coletadas diretamente
em campo pela equipe.

Foto 5 – Ala Central, Jardim de Sequeiro 2020-21

Foto: Julio B. Pastore (2021).

O jardim foi semeado a partir do dia 2 de dezembro, com a


semeadura se estendendo até os últimos dias de dezembro e operações
de ressemeadura durante o mês de janeiro e início de fevereiro, para
buscar corrigir as falhas devidas à baixa taxa de germinação de algumas
das sementes, além de danos causados por formigas cortadeiras,
pombos, estiagem e outros. Teve seu auge de floração entre março e
abril. A coleta de sementes se deu a partir de abril e a área foi
finalmente roçada entre maio e junho de 2021.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 393

Foto 6 – Ala Central, Jardim de Sequeiro 2020-21

Foto: Madson Reis (2021).

COMPOSIÇÃO E IMPLANTAÇÃO CICLO 2021-22

Em junho de 2021 foi realizada seleção pública para montagem


da equipe responsável pelo ciclo 2021-22 do Jardim de Sequeiro. A
equipe resultante somou 26 participantes, entre os egressos do
primeiro ciclo e os novos integrantes, passando a ser composta por
profissionais de paisagismo, servidores da UnB, comunidade externa e
alunos da graduação oriundos de variados cursos, em especial
agronomia, biologia, engenharia florestal, ciências ambientais e
arquitetura. O grupo se dividiu em quatro coordenações: Implantação,
Pesquisa, Extensão e Divulgação, com objetivo de conduzir os trabalhos
de implantação do jardim assim como, em adição, de explorar o
potencial acadêmico da iniciativa e divulgar seus resultados.
Paisagem - 394

Foto 7 – Preparação das sementes para plantio – Jardim de Sequeiro 2021-22

Foto: Julio B. Pastore (2021).

A equipe trabalhou até maio de 2022. A universidade, durante


este período, se manteve ainda com a maioria de suas atividades
acadêmicas funcionando em modo remoto. Os resultados do trabalho
das coordenações pode ser assim resumido:
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 395

Foto 8 – Germinação no ICC – Jardim de Sequeiro 2021-22

Foto: Julio B. Pastore (2021).

Coordenação de pesquisa: foram realizadas pesquisa de


germinação em laboratório e em casa de vegetação, foi observada e
quantificada a emergência das plantas no jardim, foram testados
métodos de contenção de danos causados por pombos; foram anotados
os dados da implantação e manejo do jardim, inclusive em relação ao
ciclo de florescimento das espécies utilizadas.
Paisagem - 396

Foto 9 – Ala Central, Jardim de Sequeiro 2021-22

Foto: Julio B. Pastore (2022).

Coordenação de Extensão: foram oferecidos 46 eventos de


extensão, distribuindo-se em: Visitas guiadas, Oficinas de fotografia,
Oficinas de Arranjos florais, Oficinas de flores comestíveis, Oficinas de
manejo de identificação de abelhas nativas; Oficinas de aquarela e
Oficinas de coleta e beneficiamento de sementes. No total foram
recebidas mais de 1.400 inscrições para os eventos .
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 397

Foto 10 – Devaneio em manhã com neblina, Jardim de Sequeiro 2021-22

Foto: Julio B. Pastore (2022).

Coordenação de divulgação: Foram realizadas 11 aulas


abertas/palestras sobre o Jardim de Sequeiro, todas em formato
remoto. As atividades e os resultados do Jardim de Sequeiro foram
divulgados através de conta em mídias sociais, com produção de fotos
e vídeos, sendo o principal produto até o presente momento o vídeo
“Jardim de Sequeiro: uma conversa com Julio Pastore”, disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=jXX1h1Uf2BU.

Planting Design do ciclo 2021-22

Na composição do Jardim em seu segundo ciclo, as alas norte e


sul ganharam composições em manchas sinuosas de tamanho variável,
entre 5 a 20 m². Não foi mais utilizado e esquema anterior com padrões
extensivos de camadas sobrepostas. O uso de gramíneas nativas, à
exceção do capim-fastigiato, passou a ser por mudas, visto que o
sucesso na semeadura das demais espécies utilizadas foi apenas
Paisagem - 398

relativo, com relativamente poucas touceiras estabelecidas, apenas da


espécie capim-membeca (Andropogon leuchostachyus) as quais não
fizeram em tempo de florescer durante a estação das chuvas.

Foto 11 – Linhaças contra cerquinha de bambu, Ala Central, Jardim de Sequeiro 2021 -22

Foto: Julio B. Pastore (2022).

Foi decidido que as touceiras já existentes de capim-membeca


seriam regadas (com baixa frequência) durante a seca, para que
viessem participar do ciclo seguinte, ao mesmo tempo em que se
fizeram mudas na casa de vegetação do Viveiro-Escola de capim
prateado (Anthaenantia lanata (Kunth) Benth.), capim brinco de
princesa, capim fiapo, capim-panasco, capim-orelha de coelho e do
próprio capim membeca, que serviram para enriquecimento da base de
capins nativos do jardim.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 399

Foto 12 – Ala Sul, Jardim de Sequeiro 2021-22

Foto: Julio B. Pastore (2022).

Os capins nativos, assim como as zínias e mostardas, foram


plantados em manchas monoespecíficas, distribuídas em meio às
demais manchas semeadas com mixes de sementes.
Os mixes de sementes utilizados foram formados a partir da
composição com 3 ou 4 espécies de caráter precoce, mediano e tardio,
visando propiciar uma sucessão de florações ao longo da estação.
Foram adicionadas ao roll de espécies utilizadas as rudbeckias
(Rudbeckia hirta L.), anis (Pimpinella anisum L.), e rúcula (Eruca sativa
Mill.), dentre outras espécies.
Paisagem - 400

Foto 13 – Detalhe Ala Norte, Jardim de Sequeiro 2021-22

Foto: Julio B. Pastore (2022).

Foram utilizadas, pontualmente, mudas de babosa (Aloe Vera (L.)


Burm.) e bulbos de gladíolo (híbridos de Gladiolus sp), assim como
foram realizados testes pontuais para prospecção de novas espécies de
interesse.
Autoria do Planting Design ciclo 2021-22 foi de Julio B. Pastore,
Desirèe Salvatore, Marina Franco e Madson Reis. O projeto foi
desenvolvido a partir dos resultados do primeiro ciclo, incorporando
novas espécies e estratégias de composição que permitissem um
período de florescimento mais prolongado e melhor cobertura do solo.
As sementes foram obtidas a partir de coleta no próprio Jardim
de Sequeiro e demais jardins da UnB, com compra de algumas sementes
da Isla Sementes.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 401

Foto 14 – Detalhe Ala Central, Jardim de Sequeiro 2021-22

Foto: Julio B. Pastore (2022).

O jardim foi semeado em meados de novembro de 2021 e


começou a florescer no início de janeiro de 2022. As oficinas e visitas
guiadas se estenderam de janeiro a maio de 2022. A partir de meados
de abril a situação de estiagem levou o jardim a entrar em seu ciclo seco.
A coleta de sementes se iniciou ainda no fim de abril e se estendeu até
maio de 2022, quando o restante das plantas secas foi roçado e se deu
início aos tratos de inverno.
Paisagem - 402

Foto 15 – Chegada da seca, Ala Central, Jardim de Sequeiro 2021-22

Foto: Julio B. Pastore (2022).

CONCLUSÃO

No momento em que este texto é finalizado, maio de 2022, o


jardim está completamente seco. E estamos já com grandes sacos de
sementes colhidas aguardando no Viveiro-Escola, esperando as oficinas
de limpeza e o armazenamento em câmara-fria. À medida que as
sementes são colhidas, o jardim é roçado e se conclui o ciclo 2021-22.
Juntamente com alguns egressos do ciclo atual estamos
finalizando a seleção para os participantes do próximo ciclo, 2022-23,
que deverá assumir definitivamente a condução do jardim a partir do
início de junho próximo.
É de se registrar a procura que temos tido nos editais públicos de
seleção: no total foram 168 inscrições para participar do projeto, entre
alunos da graduação, pós-graduação da UnB, mas também de outras
universidades de Brasília. Recebemos também inscrições de
profissionais de paisagismo e público interessado em geral. As
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 403

expectativas são as melhores: esperamos ampliar as atividades de


pesquisa, extensão, ensino e divulgação ligadas ao jardim. Esperamos
também, por certo, fazer um jardim mais bonito e mais resistente.
Há ainda uma grande expectativa: com a volta em pleno das
atividades presenciais, o ICC deverá retomar o posto central que ocupa
na vida acadêmica da UnB. Assim, o Jardim de Sequeiro do ciclo 2022-
23 finalmente fará parte do cotidiano dos milhares de frequentadores
da universidade. Esperamos que ele possa encantar!
Paisagem - 404
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 405

Capítulo 16

SISTEMAS DE ESPAÇOS LIVRES PARA A CIDADE SUSTENTÁVEL

Karin Schwabe Meneguetti99

INTRODUÇÃO

A discussão da sustentabilidade, embora fundamental no campo


de estudo das cidades, ainda é comumente restrita ao campo teórico
ou a partes isoladas do sistema, guardando distância da prática do
planejamento urbano. Os métodos tradicionais de planejamento
resistem em incorporar uma visão mais holística e ambientalmente
responsável.
Os espaços livres podem criar um sistema encarregado da
conservação da terra e seus recursos, do equilíbrio entre áreas
edificadas e áreas permeáveis, da distribuição equânime de espaços de
lazer e recreação acessíveis a todos os cidadãos. Apesar disso, os
espaços livres tendem a ser os espaços mais vulneráveis das áreas
urbanas, pois são constantemente interpretados como espaços
“vazios”, esperando para serem construídos ou “urbanizados”. Pela
falta de reconhecimento de seu valor, os espaços livres muitas vezes
tornam-se alvos de interesses imobiliários ou se rendem a outros
sistemas, como o sistema viário (MENEGUETTI; REGO, 2013).
Os espaços livres são o lugar da natureza na cidade, pois eles têm
a capacidade de estabelecer o contraponto entre a necessidade
humana e os fluxos naturais, o lugar de encontro das pessoas com os
processos naturais. Têm como função ambiental a manutenção do

99Professora doutora, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de


Maringá. E-mail: ksmeneguetti@uem.br
Paisagem - 406

equilíbrio ecológico por meio da proteção dos recursos ambientais,


restabelecimento do ciclo hidrológico, melhoria da qualidade do ar,
proteção das áreas sensíveis e função social nos propósitos históricos
ou cênicos, modelagem da forma urbana e manutenção de
possibilidades para o futuro.

ESPAÇOS LIVRES

Na definição de Magnoli (2006, p. 202), espaço livre é “entendido


como todo espaço (e luz) nas áreas urbanas e em seu entorno, não
coberto por edifícios”. Esta definição é importante porque o espaço
livre é o objeto de estudo da arquitetura da paisagem e onde a
capacidade intelectual do homem tende a fazer mais diferença na
sobrevivência das espécies, inclusive a humana.
Os espaços livres formam um “tecido pervasivo”, como diz Lima
(1998), sem o qual não se concebe a existência das cidades; estão por
toda a parte, mais ou menos processados e apropriados pela sociedade;
constituem, quase sempre, o maior percentual do solo das cidades
brasileiras, mesmo entre as mais populosas. São os espaços da vida
cotidiana ao ar livre, que permitem acessos e conexões, atividades de
trabalho, recreação, lazer e convivência.
Espaços livres públicos são aqueles de domínio e apropriação
pública. São a gênese da cidade, a esfera da vida pública. São esses
espaços que frequentemente condicionam os espaços construídos,
conferindo-lhes suas formas, seus relevos e suas características. O
termo “público” sugere lugares abertos e acessíveis a todas as pessoas.
Leite (1998, p. 38) enfatiza que o “espaço público é cultural por
excelência, profundamente ligado à vida urbana e parte da
caracterização física da cidade”.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 407

A partir do século XIX, a expansão das cidades e as modificações


sociais e econômicas mudaram as relações nas cidades. Trabalho e lazer
começaram a ser percebidos como atividades distintas, transformando
recreação em ocupação urbana consumista. Passou a existir mais saúde,
tempo livre e mobilidade entre um maior número de pessoas. As
pessoas de menor poder aquisitivo e sem acesso ao ambiente rural, a
preocupação com a saúde física e os interesses recreacionais diversos
mudaram a visão convencional de como os espaços livres da cidade são
ocupados. A recreação, antes confinada nos parques, passou a ser
incluída na cidade como um todo (HOUGH, 1995). Neste novo contexto,
a quantificação dos espaços livres se faz secundária perante a
importância de sua localização. A distribuição destes espaços livres deve
ser tal “que propicie o enriquecimento das atividades do homem
urbano” (MAGNOLI, 2006, p. 204), visto que, para serem apropriados
pelo homem, esses espaços dependem da acessibilidade em cada escala
de urbanização. A qualidade, a quantidade e a distribuição dos espaços
livres na cidade afetam ainda diretamente o desempenho das funções
ambientais.
O agravamento das mudanças climáticas e as alterações na
periodicidade e na força dos eventos naturais, resultantes do mau uso
do capital natural, forçam planejadores e projetistas a questionar as
práticas correntes e tentar conciliar o uso humano com os processos
naturais nas cidades. E é nos espaços livres que se encontra a chave para
cidades sustentáveis, resilientes, saudáveis. É preciso considerar a
cidade como parte da natureza, e não oposta a ela; aprender com os
ciclos da natureza, e inserir definitivamente uma abordagem ecológica
nas intervenções humanas. A cidade é o habitat humano, mas sensível
e adaptável aos demais elementos da biodiversidade.
Dentre os espaços livres, aqueles vegetados merecem especial
atenção por seu papel no manejo das águas pluviais e na manutenção
dos estoques de água para abastecimento. As áreas florestadas ajudam
a reduzir o percentual de escoamento da água da chuva e seu impacto.
Paisagem - 408

A cobertura arbórea pode amenizar os efeitos das ilhas de calor,


auxiliando no controle do microclima de diferentes formas, e resfriando
as áreas construídas, de modo a diminuir os gastos com energia. A
apropriação das pessoas nos espaços livres é condicionada ao
microclima e ao conforto que a cobertura arbórea fornece. A
comparação da Figura 1 demonstra a diferença dada por uma reforma
na Praça da Catedral em Maringá que impermeabilizou as superfícies
restringindo o uso e a multifuncionalidade de parte do espaço livre.

Figura 1 – Praça da Catedral, antes e depois da reforma

Fonte: RIBEIRA, 2019.

As árvores também fornecem habitat para pássaros e outros


animais que dão vida à cidade. A destruição ou falta das florestas
urbanas resulta na destruição ou na falta dos benefícios que elas
proporcionam, tanto para as pessoas quanto para a natureza. A
conservação estratégica por meio da estrutura ecológica formada pelos
espaços livres pode ajudar as comunidades a se recuperarem dos
efeitos dessa devastação, identificando e protegendo os locais onde
crescem árvores e outras espécies vegetais (MENEGUETTI; REGO,
2013).

ESPAÇOS LIVRES COMO SISTEMA


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 409

O sistema de espaços livres urbanos, configurado em forma de


uma rede interconectada, possibilita habitat para a vida silvestre,
oferece recreação e transporte alternativo para as comunidades e
facilita a infiltração das águas pluviais. Pesquisas recentes têm
mostrado que essas redes de espaços livres podem fornecer uma
alternativa natural para os sistemas tradicionais de infraestrutura de
coleta e tratamento das águas pluviais. Essas redes atuam então como
estruturas.
A intervenção na paisagem por sistemas opõe-se à prática geral,
na qual a ocupação do espaço se faz através da justaposição progressiva
de elementos ou áreas isolados, sem atender às preexistências naturais
e culturais que a deveriam informar. Os espaços livres urbanos formam
um sistema, apresentando, sobretudo, relações de conectividade e
complementaridade. Sistema porque “as ações estão subordinadas ao
todo e aos seus movimentos, já que a partir de impactos individuais, o
todo age sobre o conjunto dos seus elementos formadores,
modificando-os” (AFONSO, 2001, p. 29).
Acima de tudo, a conectividade dos espaços livres é crucial para
a manutenção de seu papel ecológico, tanto na escala urbana quanto
na escala regional (Figura 2). As cidades não são ambientes fechados,
mas estão conectadas às áreas rurais por meio de corredores naturais e
artificiais. Os corredores naturais incluem rios, córregos e suas margens.
Paisagem - 410

Figura 2 – Conexões urbano-rurais. Região de Maringá-PR

Fonte: Acervo Grupo de Pesquisa Cidade e Paisagem (2010).

Figura 3 – Corredor sob linha de alta tensão usado como horta comunitária. Maringá-PR

Fonte: Gesualdo (2020).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 411

Os corredores antrópicos incluem rodovias, ferrovias, canais, e


linhas de transmissão. Esses corredores influenciam muito a migração e
a perpetuação da vida selvagem nas cidades conectando habitats
naturais, parques e áreas rurais. Na Figura 3 vemos um corredor
antrópico de infraestrutura de distribuição de energia elétrica
transformado em um corredor verde de grande impacto social e
econômico com a instalação de hortas comunitárias. Esta linha contínua
possibilita fluxos ecológicos diversos e conecta outros espaços livres,
vegetados ou não.
Os espaços livres tornam-se, assim, o sistema fundamental para
a adaptação da forma urbana a configurações mais adequadas,
confortáveis e agradáveis.

SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES NA SUSTENTABILIDADE DAS CIDADES

Em uma visão mais ecológica, a paisagem é entendida como a


interface entre os processos humanos e naturais (FORMAN; GODRON,
1986). E os espaços livres são a chave para uma paisagem urbana mais
sustentável. Dar prioridade a esses espaços no planejamento urbano e
habilitá-los dentro de uma perspectiva naturalista pode permitir que
processos naturais tenham lugar dentro de um ambiente construído, o
que é condição para um contexto urbano melhorado.
É fundamental levar os conceitos de ecologia para o
planejamento das cidades. Quando as paisagens são projetadas e
implementadas como parte de uma “infraestrutura de alto
desempenho” (VOGEL, 2006, p. 75), elas podem não ser capazes de
proteger a cidade e seus cidadãos contra os cenários mais catastróficos,
mas podem aumentar a força e a resiliência dos ecossistemas urbanos
diante de uma ampla gama de distúrbios que, ao longo do tempo, são
inevitáveis. Da mesma forma, o planejamento dos sistemas de espaços
livres pode impulsionar o crescimento futuro e subsidiar decisões sobre
expansão urbana e conservação da terra, a fim de acomodar o
Paisagem - 412

crescimento populacional e proteger e preservar os recursos naturais e


a paisagem local (MENEGUETTI, 2009).
O sistema de espaços livres, sua estrutura, função e distribuição
espacial de atividades determinam seus efeitos em termos de uso de
recursos e qualidade ambiental. Para ilustrar, vou usar o exemplo de
Maringá, cujo mapa de espaços livres está aqui.
Podemos ver na Figura 4 as formas, condições de conexão e
relações dos principais espaços livres com o tecido edificado. Ao
estabelecer espaços diversos em uma mesma cor, pode-se visualizar
facilmente a estrutura possível. A forma importa, portanto, o
planejamento urbano deve partir do sistema de espaços livres para
permitir uma distribuição como vista aqui. A partir da existência dos
espaços livres, o entendimento da estrutura por eles formada, o
próximo passo é sua qualificação para exercerem todas as funções de
que são capazes, sociais e ambientais.

Figura 4 – Sistema de espaços livres de Maringá-PR

Fonte: Acervo do grupo de pesquisa Cidade e Paisagem (2012).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 413

O sistema de espaços livres abrange um escopo muito maior que


o do tradicional “sistema de áreas verdes”, que privilegia as áreas
florestadas ou parques, nem sempre observando a maior complexidade
de espaços livres. Além dos espaços verdes tradicionais, formam o
sistema: as áreas de circulação, os fundos de vale, de propriedade
pública ou privada, as praças e parques, os passeios, as áreas de
proteção de infraestruturas urbanas como linha de alta tensão, redes
de coleta de esgoto etc. (MENEGUETTI, 2009).
Também os espaços livres intralotes que, dependendo da forma
e das dimensões dos lotes, mas também do tipo de ocupação, vão
propiciar espaços ao ar livre íntimos, ar, sol, que se mostraram tão
necessários nos últimos tempos para a saúde mental e física da
população. Podem também contribuir com o equilíbrio entre áreas
permeáveis e impermeáveis, servir de trampolins ecológicos, contribuir
com amenização do clima, entre outras funções.

CONCLUSÃO

A utilização do termo sistema para o conjunto de espaços livres


já está bastante difundida tanto nas pesquisas acadêmicas quanto na
gestão ambiental, em uma complexidade de análises e abordagens. A
inclusão da visão ecológica e social dos espaços livres no planejamento
urbano ainda é um ponto a ser desenvolvido.
Os desafios crescentes das mudanças climáticas e eventos
extremos colocam em xeque as ocupações urbanas em situação de
vulnerabilidade ambiental, e dão nova força à necessidade de repensar
as cidades e garantir espaços livres distribuídos através da malha
urbana e em resposta às condições geomorfológicas do lugar.
O sistema de espaços livres urbanos pode responder a inúmeros
problemas urbanos, incluindo criar e manter ambientes propícios para
que os processos regenerativos permitam a sustentabilidade urbana.
Como diz Lyle (1994), nas estruturas verdes estão os processos que
Paisagem - 414

suportam a vida, e é nos espaços livres que as estruturas verdes têm


lugar.

REFERÊNCIAS

AFONSO, C. M. A paisagem da Baixada Santista: urbanização, transformação e conservação.


2001. Tese (doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – FAUUSP, São Paulo, SP, 2001.
FORMAN, R. T. T.; GODRON, M. Landscape ecology. Nova York: John Wiley & Sons, 1986.
GESUALDO, A. dos S. A agricultura urbana como elemento da infraestrutura verde : o caso de
Maringá-PR. 2020. Dissertação (Mestrado) – PPU-UEM, Maringá, PR, 2020.
HOUGH, M. Cities and natural process. Nova York: Routledge, 1995.
LEITE, M. Â. F. P. As tramas da segregação. 1998. Tese (Concurso para livre docência) – FAUUSP,
São Paulo, SP, 1998.
LIMA, C. P. C. dos S. A natureza na cidade, a natureza da cidade. 1996. Tese (doutorado em
Arquitetura e Urbanismo) – FAUUSP, São Paulo, SP, 1996.
LYLE, J. T. Regenerative design for sustainable development. Nova Iorque: John Wiley & Sons,
1994.
MAGNOLI, M. M. O parque no desenho urbano. Paisagem e Ambiente: ensaios, São Paulo, n. 21,
p. 201-213, 2006.
MENEGUETTI, K. S. Cidade jardim, cidade sustentável. A estrutura ecológica e a cidade de
Maringá. Maringá: EdUEM, 2009.
MENEGUETTI, K. S.; REGO, R. L. Improving open spaces for a sustainable city. Journal of Civil
Engineering and Architecture, v. 7, n. 9 (serial n. 70), p. 1150-1156, Sep. 2013.
RIBEIRA, A. B. Abordagem sistêmica na arquitetura da paisagem. 2019. Dissertação (Mestrado) –
PPU-UEM, Maringá, PR, 2019.
VOGEL, M. Moving toward high-performance infrastructure. Urban Land, p. 73-79, 2006.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 415

Capítulo 17

SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES DA ILHA DE UPAON AÇU-


MARANHÃO

Barbara Irene Wasinski Prado 100

INTRODUÇÃO

Apresentam-se aqui os resultados das pesquisas realizadas sobre


o Arquipélago de São Luís, no Maranhão, discutindo a urbanização
insular e o planejamento da paisagem das ilhas. O texto focaliza a Ilha
de Upaon Açu, também conhecida como Ilha do Maranhão, ou, ainda,
Ilha de São Luís. Os estudos vêm se desenvolvendo desde 2014 no
Laboratório da Paisagem e do Ambiente Construído-LAPA no Curso de
Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Estadual do Maranhão.
A questão central é que a gestão ambiental da paisagem das ilhas
do arquipélago não se faz unificada, e isto aumenta a vulnerabilidade
dos ilhéus. Em favor da autonomia dos municípios insulares, concorre a
carência de um regramento ambiental consistente e comum. Cada
município gerencia sua unidade administrativa, quando a ilha merece
ações e propostas unificadas.
Este estudo pretende demonstrar que no planejamento da
paisagem, a constituição gerencial do sistema de espaços livres pode
ser definida, a priori, pela integração dos Espaços Livres de Edificação e
outras conectividades ecológicas fragmentadas pela urbanização
dentro de bacias hídricas – unidades gerenciais da paisagem. Espaços

100Professora Doutora do Curso de Arquitetura e Urbanismo e Chefe do Laboratório da Paisagem


e do Ambiente Construído da Universidade Estadual do Maranhão. E-mail:
barbaraprado@cct.uema.br
Paisagem - 416

Livres conectados, formando uma organização sistêmica de fragmentos


que são partes do todo, uma unidade global, irredutível e indivisível,
lembrando Morin; Le Moigne (2000).
Assim, os espaços livres de edificação, vegetados ou não, naturais
ou naturalizados paisagísticamente e conectados por suas qualidades
físicas, ambientais e funcionais, constituem-se sistemas de espaços
livres que podem atenuar ecologicamente os efeitos da urbanização. E
como espaços livres, considera-se aqui, os espaços naturalizados
construídos paisagísticamente para atender funções diversas da vida
social, como os equipamentos urbanos e rurais de lazer, de atividades
físicas, de contemplação, de satisfação estética, de pesquisa científica,
de recomposição vegetal para amenização climática ou para reposição
das necessidades da fauna e até a própria fauna.
Os espaços livres naturais correspondem aos espaços de feições
paisagísticas naturais ou silvestres. Aqui, consideraram-se as abrigadas
e reguladas pela norma legal brasileira, como as Áreas de Preservação
Permanente (APPs), de acordo com a Lei 12.651/2011 e sua
complementar Lei 12.721/2012.
Desse modo, a ecologia insular é um fenômeno importante e sua
compreensão não tem caráter unicamente protetivo dos biomas,
ecossistemas, habitats, comunidades e populações de fauna e flora,
mas essencialmente protetivo à própria humanidade de ilhéus e,
portanto, fundamento do planejamento da paisagem das ilhas.
Iniciando-se pelo reconhecimento e mapeamento das bacias
hídricas, como unidades gerenciais de paisagem e ampliando-se a
norma legal sobre APPs, busca-se uma organização sistêmica. A
metodologia do reconhecimento, mapeamento e agrupamento de APPs
cria uma máscara de contrastes entre áreas de proteção permanente e
as áreas úteis.
A hipótese considerada é a de que o sistema de espaços livres,
formado por APPs, baseado na Lei 12.651/2011 e sua complementar Lei
12.721/2012, pode se reduzir apenas à vulnerabilidade insular, uma vez
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 417

que essas leis estabelecem a preservação dos ecossistemas terrestres e


marinhos, as águas e as matas significativas. Só a aplicação dessa lei, por
si mesma, define zonas de amortecimento e corredores ecológicos, a
partir das nascentes, passando pelos cursos d'água, indo até o litoral.
As margens e entornos dos cursos d’água têm importância
ecológica nos processos hidrológicos, pois são protegidos, íntegros,
evitam a perda dos recursos hídricos, o deslocamento de sedimentos e
o assoreamento, a erosão do solo e evita inundações (BRITO, 2012). Sua
integridade, ainda, é fundamental para a preservação e conservação
das águas e do ecossistema aquático e da estabilidade do solo na bacia.
A formação de zonas de amortecimento, conectadas aos espaços livres
naturais e naturalizados, culminam na formação de corredores
ecológicos que podem atenuar os efeitos da urbanização.
Assim, as margens de proteção dos cursos d’água, conectadas a
outras feições paisagísticas e ecossistemas, como também aos espaços
livres formalizados constituem uma massa delimitadora de áreas a
serem conservadas, mas distintas de áreas favoráveis para o
assentamento humano e as atividades humanas, indicando onde
melhor ocupar ou edificar.

URBANIZAÇÃO

No processo de urbanização, as duas primeiras fases: a abertura


de acessos e o assentamento humano podem ser considerados
antagônicos à integridade da paisagem natural, e no Brasil, uma ameaça
às APPs. A primeira fase fragmenta o território e a segunda substitui a
função ecológica. A urbanização substitui a fauna e a flora endêmica e
autóctone por espécies exóticas, formando novos ecossistemas em
detrimento da fauna e flora nativa dos territórios. Cães, gatos, pombos,
urubus, anus, morcegos, baratas, ratos, moscas, traças, cupins,
formigas, aranhas e escorpiões, além de outros silvestres exóticos que
são introduzidos, e competem com animais nativos que se avizinham.
Paisagem - 418

Muitos desses animais dessa fauna urbana são consideradas pragas e


podem comprometer a saúde humana (SÃO PAULO, 2013).
Outra das consequências do processo de urbanização e da
retirada da vegetação nativa são as mudanças climáticas. O aumento
dos eventos de chuva é ocasionado pelas mudanças nos regimes de
precipitação, em conjunto com o crescimento urbano populacional e na
modificação do solo em superfícies impermeáveis, aumentando os
riscos de inundação urbana e erosão hídrica (SHIKANGALAH et al.,
2016).
Nesse sentido, a urbanização é considerada como a principal
responsável pelo deslocamento de sedimentos que seguem das bacias
hídricas e de drenagem para o litoral, modificando o perfil praial das
costas. As demais atividades são a agricultura e a mineração, processos
esses dados pelo remodelamento antrópico da paisagem e agravados
pelos regimes pluviais, ventos e a agradação do litoral (DIAS, 2004).
A alteração da qualidade das superfícies territoriais das ilhas
pode ser analisada de muitas maneiras, mas aqui destacaremos a
quantidade de água potável e a conservação da flora (em favor da
proteção das águas e em favor à resiliência da fauna).
É importante considerar a condição insular. O princípio da
sistemática propõe fazer a cidade fluida, cujas estruturas urbanas
interagem com as estruturas naturais da paisagem, conservando
maximamente as suas características funcionais e ativas. O próprio
Castells (2000) apontou que o tamanho da cidade tem relação direta
com a sua capacidade de prover-se de água potável. Cingapura é um
exemplo de como a dependência da quantidade de água é um dos
aspectos importantes do desenvolvimento. O país-arquipélago
composto de 63 ilhas e que não conta com suficiência de água potável
em seu território, há 50 anos dependia da água importada da Malásia,
extraída do rio Johor, o que levava o país a uma grande dependência
econômica dessa commodity que é a ter uma população muito carente.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 419

A partir do desenvolvimento de novas políticas em relação à


água, como as que definiram novas práticas de conservação,
tratamento e sua distribuição, a situação econômica do país foi se
alterando. Essa foi uma das principais causas da transformação do
extremamente pobre, em na atualidade com o 9º IDH mundial,
tornando-se uma potência econômica e um desenvolvimento urbano
intenso e de qualidade. O acesso à água passou a ser universal,
acessível, eficiente e de alta qualidade, baseado numa legislação e
aplicação adequadas, redução do preço da água, implantação da
educação, pesquisa pública para o desenvolvimento de gestão
integrada da água, com a dessalinização da água do mar, a proteção de
bacias hídricas urbanas, o uso de estuários como reservatórios de água
doce, e a reutilização de água regenerada (LUAN, 2010).
As soluções tomadas em Cingapura e em outros espaços onde
o recurso natural água é escasso, como Qatar, Bahrein e outros 80
países que sofrem da escassez da água potável afetam 2 bilhões de
pessoas, conforme os dados do Banco Mundial. Nos vários países com
escassez de recursos hídricos e grande desenvolvimento, foram
aplicadas, além das tecnologias, como dessalinização, osmose reversa,
super filtragens ou outras, houve programas de redução de perdas,
redução de consumo e reuso da água. Enquanto o processo de
dessalinização é essencialmente industrial, os demais processos como
os reservatórios de água doce nos estuários e a reutilização de água
regenerada são processos construtivos que estão relacionados à gestão
territorial e ao planejamento da paisagem. E a proteção de bacias
hídricas urbanas e rurais é um aspecto fundamental, para conservar sua
saúde e os volumes de água.
Tanto nas cidades quanto no campo as bacias hídricas são
comprometidas pelo uso e a ocupação dos solos sem os cuidados
protetivos da cobertura vegetal, especialmente, das marginais dos
cursos d’água.
Paisagem - 420

A conservação da vegetação nativa é essencial para a


conservação da fauna e das provisões de água, umidade e a estabilidade
climática é o mote para o planejamento da paisagem insular, que
decorre da prerrogativa – a preservação de sua rede hídrica.
Do ponto de vista hidrológico, a bacia hidrográfica é a
delimitação do conjunto de terras drenadas por um corpo d’água
principal e seus afluentes e que que confluem até chegar a um leito
único e deságuam num ponto do estuário no litoral (SCHIAVETTI;
CAMARGO, 2002).
A bacia hidrográfica pode ser considerada como um sistema
geomorfológico aberto, do ponto de vista geomorfológico, uma vez que
recebe energia de agentes climáticos e perde através do deflúvio
(NUNEZ, 2017).
Uma bacia hidrográfica apresenta uma relação entre
precipitação e área da bacia, entre as águas em condições para o
processo da evapotranspiração, as em condições para infiltração e as
águas do escoamento superficial. A relação com as proporções dos
Volume de Água (relação) sendo o Volume de Evapotranspiração, do
Volume de Infiltração e do Volume da Superfície. Isto representa dizer-
se que as condições da qualidade da superfície vegetada mais a
superfície das águas na bacia favorece a evapotranspiração. As
superfícies permeáveis favorecem a infiltração e as demais águas
precipitadas escoam pela superfície da bacia (NUNEZ, 2017).
A alteração da qualidade das superfícies altera a dinâmica
destas proporções e afeta muitos aspectos. A construção de vias e
edificações reduzem a quantidade de áreas de cobertura vegetal e de
áreas permeáveis. Volume da Superfície impermeabilizada aumentada,
ou o runoff urbano, causa o escoamento superficial das águas das
chuvas e enxurradas repentinas e constantes e problemas crônicos na
drenagem urbana. O volume de evapotranspiração de uma superfície
está relacionado com a quantidade de cobertura vegetal. O volume de
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 421

infiltração está relacionado com a quantidade de impermeabilização


dos solos (NUNEZ, 2017).
A água escoa deixando de recarregar o solo, causando falta
d’água nas comunidades que depende delas, e os lençóis freáticos das
águas que alimenta as nascentes dos cursos d’água e a água potável dos
poços. Com a diminuição no volume de água nos aquíferos, pode
ocorrer o afundamento do solo e deslocamentos de terra (FINKLER,
2012).
Conservar os rios e matas da Ilha de Upaon Açu é ação
fundamental para dar suporte à manutenção e conservação das águas,
mas, para isso, três ações concretas precisam ser operadas: a
manutenção e restauração das nascentes, manter e recuperar as matas
ciliares dos cursos d’água e a manutenção de topos e das dunas (os
topos considerados espaços de recarga de aquíferos e as dunas sifões
das águas do mar que impedem a salinização de águas subterrâneas).
Oficialmente, a Ilha de São Luís apresenta 12 bacias
hidrográficas (ARAUJO; TELES; LAGO, 2009), que, no entanto, não são
todas correspondentes ao conceito de bacia apresentado. Há várias
bacias que agrupam vários cursos d’água com as características
conceituais sintetizadas aqui: um curso e seus afluentes que deságuam
no mar.
Paisagem - 422

Figura 1 – Carta com Ilha de Upaon Açu indicando as 10 bacias hídricas individualizadas e a
indicação da divisão das regiões hidrográficas da Ilha na carta do IMESC

Fonte: LAPA (2020).

As grandezas desses cursos d’água agrupados são variáveis, mas


todas as bacias da Ilha de São Luís são menores que a 5ª ordem de
Strahler (1957), cujas grandezas variam de 1 a 12, conforme o número
de ramificações do curso principal (afluentes convergentes que são rios,
riachos córregos e igarapés). Os estudos desenvolvidos no LAPA da
UEMA reconheceram 37 cursos d’água na ordem de Strahler de 1 a 5.

ILHA DE UPAON AÇU (SÃO LUÍS)

No intuito de esclarecer a questão da vulnerabilidade insular,


apresenta-se o contexto biogeográfico do Arquipélago de São Luís e
ilhas.
O Estado do Maranhão é o maior da Região Nordeste do Brasil, o
oitavo em grandeza territorial e o segundo maior litoral do Brasil. O
arquipélago de São Luís e suas ilhas situam-se ao Norte do Maranhão,
na desembocadura de dois grandes rios do Estado, o rio Mearim e o rio
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 423

Itapecuru e dos quais recebem influências das estações climáticas –


períodos das cheias e das estiagens.
O Maranhão apresenta influência direta de três biomas:
Amazônia, Cerrado e Caatinga, e tem duas regiões ecológicas que
apresentam as formações típicas da Mata dos Cocais e da Baixada
Maranhense. Tais paisagens são bem distintas e têm características
vegetais de flora bem específicas, refletindo as variações do clima
tropical e equatorial e as condições edáficas de uma região de transição
ecológica. Vários ecossistemas se fazem presentes, tais como os
ambientes salinos, os manguezais, os campos inundáveis, o cerrado, os
babaçuais, a vegetação de floresta amazônica, e esses ambientes
oferecem uma grande diversidade animal e vegetal (DIAS; NOGUEIRA
JÚNIOR, 2005).

Figura 2 – Biomas do Maranhão

Fonte: Recortada de WWF (2000).

As ilhas do arquipélago: Upaon Açu ou São Luís, Tauá Mirim, Ilha


Pequena, Ilha do Medo, Dois Irmãos, Ilha de Curupú, assim como grande
parte do Maranhão, encontram-se na Amazônia, que se dá a partir do
meridiano 44º, conforme a Lei 12.651 de 2012.
Paisagem - 424

A região do arquipélago de São Luís tem o clima equatorial e


apresenta apenas duas estações: a quente e úmido no inverno e a
quente e seca no verão. Essa condição climática dá às ilhas duas
paisagens bem distintas. Entre janeiro e junho, no inverno, a verdura
das plantas em pleno desenvolvimento e no verão a secura, o vento
intenso, que faz a vegetação passar pelo déficit hídrico, tempo de folhas
secas e gramados ressecados. As paletas de cores são bem distintas,
pois no verão as cores neutras, como o beje, areia, cinza e marrom
avermelhado dominam na paisagem. No inverno são todos os matizes
de verde, quando a paisagem brilha.
Os espaços naturais apresentam feições paisagísticas de campos
inundados, de ambientes salinos, de vegetação de floresta amazônica,
de vegetação do cerrado. São as áreas das dunas, falésias, manguezais,
praias, margens de rios, e algumas áreas de cerrado, como o campo
limpo, campo sujo, mata seca, matas galerias e veredas.
A ilha de São Luís, maior do arquipélago, tem quatro municípios:
São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar e São Luís, o maior
município ocupa 57% do território insular e possui 112 bairros na região
semiurbana e 122 povoados na zona rural.
São Luís, cuja sede do município é a capital do Maranhão está
localizada nas coordenadas 02º22’23” e 02º51’00” lat. sul; 44º26’41” e
43º59’41” de long. oeste. É conhecida por seu centro histórico que tem
quatro áreas delimitadas para proteção do patrimônio histórico,
artístico, arquitetônico, urbanístico e paisagístico nas diversas esferas
federal, estadual, municipal e uma área declarada pela Unesco como
Patrimônio da Humanidade.
Em São Luís, como na ilha, encontra-se uma crescente
urbanização dos últimos 50 anos, que tem provocado a alteração da
qualidade das superfícies territoriais, substituindo os espaços naturais
por espaços edificados ou espaços naturalizados, muitos até descolados
da ecologia insular.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 425

Os municípios da ilha apresentam densidade demográfica


estimada de 1.498,37 hab/km² e um Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) de 0,724, considerado alto, 21º entre as cidades
brasileiras (IBGE, 2010).

Quadro 1 – Ilha de Upaon Açu – distribuição da ocupação do solo

Fonte: IBGE (2010, 2020, 2021).

Quanto à população, ela se distribui pelo território insular em


concentrações polinucleadas, muitas assentadas sobre cursos água e de
ecossistemas marinhos costeiros. O pertencimento desse arquipélago à
Amazônia brasileira é aspecto fundamental para o planejamento e o
projeto na paisagem insular. E quanto à quantidade de água potável
para viabilizar o consumo da população, parte do abastecimento da ilha
é de águas de poços artesianos e olhos d’águas e dos reservatórios, o
restante é importado do continente através do ramal Italuís. Essa
estrutura complementar de abastecimento determina o volume de
Paisagem - 426

água e condiciona do aumento populacional e o desenvolvimento das


cidades. Dentre as muitas variáveis relacionadas à sustentabilidade da
vida insular, a disponibilidade de água é crucial.

RESULTADOS E MÉTODOS

Morin, explicando a complexidade aos sistemas, apresentou um


método para compreender-se a organização sistêmica. Na organização
sistêmica, os fragmentos formam um todo, uma unidade global,
irredutível e indivisível. Assim reconhecer a organização e somente
depois disso tratar as incertezas (MORIN; LE MOIGNE, 2000).
Os processos naturais e antrópicos encadeados uns aos outros e
a eventos aparentemente pontuais são fragmentos que são partes de
uma unidade global, irredutível e indivisível, caracterizam-se numa
organização sistêmica. Portanto, para análise da organização sistêmica,
parte-se (1) do reconhecimento dos sistemas; (2) da interpretação dos
fenômenos internos; (3) da assimilação da organização intrínseca da
paisagem ativa articulada ao pensamento sistêmico e; (4) tratando as
incertezas da situação relacional dos sistemas que interagem nas ilhas
(PRADO, 2019).
Para tal prática, foram reconhecidos os sistemas primários
formados por cada bacia hídricas – 37 cursos d’água (estado da arte)
com grandezas que variam entre 1 e 5, na grandeza de Sthraller (1957).
E dentro destas bacias foi reconhecido o sistema secundário
formado por todas as APPs, de acordo com a Lei 12.651/2011.
O sistema secundário foi composto por:
a) margens do curso d’água desde a borda da calha do leito
regular;
b) várzea de inundação ou planície de inundação;
c) áreas úmidas;
d) entorno de lagos e lagoas naturais;
e) entorno de nascentes;
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 427

f) entorno de olho d’água;


g) margens de vereda;
h) praias;
i) cordões arenosos;
j) dunas
k) depressões;
l) restinga;
m) manguezal;
n) salgado ou marismas tropicais hipersalinas;
o) apicum;
p) bordas dos tabuleiros ou chapadas;
q) topo de morros, montes, montanhas e serras;
r) encostas ou partes destas com declividade superior a 45°;
s) altitudes superiores a 1.800 metros.

As nascentes foram inferidas em simulação das redes de


drenagem das bacias, a partir das cartas topográficas, sejam elas
através do sistema de coordenadas geográficas utilizando-se o Datum
Sirgas 2000, cartas topográficas do IBGE/DSG entre outras e por meio
de Google Earth Pro. Em seguida, o sistema terciário formado por todos
os espaços livres de edificação públicos101 . Foram considerados as
praças, parques, jardins públicos, cemitérios, campus, campos de
futebol, quadras esportivas etc.
Os procedimentos metodológicos adotados contaram com:
a) reconhecimento do curso d’água e da bacia hídrica (nome
dos cursos d’água);
b) identificação das nascentes, córregos, igarapés, riachos,
rios;

101Disponíveis na página do Lapa-Laboratório da Paisagem da UEMA:


https://www.google.com/maps/d/viewer?mid=18CMkBYkKtfZaKzfy0ZsRyhR9kCM&hl=pt-BR&ll=-
2.574173750536434%2C-44.22442517569948&z=11
Paisagem - 428

c) identificação da curva de nível máxima da maré de mais alta


dos últimos 10 anos;
d) identificação do limite do sistema fluvial e do sistema
marinho;
e) delimitação das bacias hídricas por relevo da superfície (47
até o momento);
f) identificação, mapeamento do sistema fluvial, aplicação de
proteção aos cursos d’água, conforme Lei 12.651/2012:
margens do curso d’água desde a borda da calha do leito
regular, várzea de inundação ou planície de inundação,
áreas úmidas; entorno de lagos e lagoas naturais, entorno
de nascentes; entorno de olho d’água, margens de vereda;
g) identificação, mapeamento do sistema fluvial, aplicação de
proteção às feições litorâneas, conforme Lei 12.651/2012:
praias; cordões arenosos; dunas; depressões; restinga;
manguezal; salgado ou marismas tropicais hipersalinas;
apicum;
h) identificação, mapeamento e aplicação de proteção às das
feições paisagísticas, conforme Lei 12.651/2012: bordas dos
tabuleiros ou chapadas; topo de morros, montes,
montanhas e serras; encostas ou partes destas com
declividade superior a 45°; altitudes superiores a 1.800
metros;
i) identificação e mapeamento dos espaços livre públicos;
j) elaboração de cartas temáticas analíticas das informações
dos itens de 1 a 9.

O relevo da superfície foi baseado na carta topográfica expedita


produzida no LAPA em AutoCAD com cotas altimétricas a cada 5 metros,
a partir da cota 5 (cinco) a 65 (sessenta e cinco) metros, altitude máxima
da ilha. Essa carta LAPA foi produzida a partir dos dados da base
cartográfica da Prefeitura do Munícipio de São Luís, em extensão DWG,
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 429

datada de 2010; base cartográfica da Prefeitura do Município de São


José de Ribamar em extensão DWG, datada de 2008; base cartográfica
da Prefeitura do Município de Paço do Lumiar, em extensão DWG,
datada de 2010; base cartográfica da Prefeitura do Município da
Raposa, em extensão DWG, datada de 2010; divisão das bacias
hidrográficas da Ilha do Maranhão; levantamentos em imagens de
satélite processados no Núcleo Geoambiental (NUGEO/UEMA) no
período de 1984 e 2004; Cartas Náuticas 410, 411, 412, 413, 414 da
Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha do Brasil; carta
topográfica da Diretoria de Serviço Geográfico-DSG de 1980, Folha
as.23-2-A-V-2 (São Luís-NE) na escala de 1:50.000. Software Global
Mapper versão 18.1; software conversor Open Street Map para
formato.osm; Plataforma Google Maps; Plataforma Google Earth Pro.
Para atender aos itens 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 foram utilizadas além da
Carta topográfica expedita produzida no LAPA, diversas cartas para
identificação da nomenclatura dos cursos d’água e afluentes: tais como
a carta topográfica da Diretoria de Serviço Geográfico-DSG de 1980,
Folhas SA.23-2-A-V-2 (São Luís – NE) na escala de 1:50.000; imagens de
satélites (Laboratório de Geoprocessamento do Núcleo Geoambiental
da Universidade Estadual do Maranhão – NUGEO/UEMA) dos anos de
1984, 2001, 2007, 2010 e 2014.
Paisagem - 430

Figura 3 – Nas análises elaboradas sobre as bacias do Calhau e a bacia do rio Jaguarema
apresentando a metodologia do estudo

Fonte: LAPA (2016-2020).


Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 431

Em relação ao item 8 foram considerados, para a Ilha de Upaon


Açu, as falésias e as altitudes acima de 40 metros, que são consideradas
áreas de formação sedimentar com alta permeabilidade, constituindo-
se em Áreas de Recarga de Aquífero, pela norma legal municipal a
constituição de topos protegidos. Na Lei Municipal nº 4.669/2006, art.
29, § 3º, inciso VII, fica estabelecida a APP COTAS 40. O Plano Diretor de
São Luís prevê o controle do uso e ocupação em superfícies localizadas
em cotas altimétricas entre 40 m (quarenta metros) e 60 m (sessenta
metros).

Figura 4 – Exemplo da Bacia do Rio Jaguarema indicando, à esquerda o zoneamento municipal


vigente há mais de 30 anos desde 1992, ao centro o mapeamento de APPs na bacia e à direita
sobreposição do mapeamento de APPs sobre o zoneamento, demonstrando que as APPs não
foram consideradas no planejamento urbano do município de São Luís.

Fonte: LAPA (2019).

A defasagem da norma legal municipal tem sido promovida ao


longo de 30 anos pelo poder municipal, que tem negligenciado e
permitido o uso e ocupação de áreas de proteção permanente.
Paisagem - 432

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No pensamento complexo de Morin, o mundo é um todo


indissociável – uma totalidade orgânica – e que precisa ser estudada de
modo multidisciplinar e multirreferencial. Os estudos realizados em
espaços livres ou da própria paisagem, aparentemente difusos, sempre
apontaram para a sua complexidade e, portanto, seu pertencimento a
uma totalidade orgânica indissociável. Assim, buscaram-se as
explicações para a sua arquitetura, o modelado do terreno natural
hipotético e o modelado resultante, a forma paisagística, a forma
urbanizada.
No modelado do terreno natural hipotético, aplicou-se a
proteção dada pela norma legal com a Lei 12.651/2011 e sua
complementar Lei 12.721/2012; no modelado do terreno urbanizado,
aplicou-se a localização dos espaços livres públicos.
O cruzamento das duas aplicações resultou na carta temática dos
usos, conflitos, riscos e potencialidades de desenvolvimento. Usos e
ocupação são os tradicionais levantamentos da conservação de
urbanismo, que foram aplicados para localizar os espaços construídos
ou antropizados. Por conflitos, entenderam-se as áreas que foram
construídas ou antropizadas, mas que deveriam estar preservadas em
função do potencial ecológico e ainda da norma legal que pretende
garantir sua conservação. Por risco, foram entendidas as áreas
ocupadas e que são potencialmente inseguras ao assentamento
humano, como encostas íngremes, áreas de alagamento e inundação e,
em especial, áreas de risco ao impacto marinho (estas duas últimas não
tratadas neste artigo). Também áreas que são potencialmente de risco
ao investimento, uma vez que o impacto marinho pode extrair recursos
públicos que a força do mar pode dissipar. Assim como os recursos
individuais, que podem ser comprometidos, perpetuando a pobreza.
Logo, as potencialidades podem ser negativas como positivas.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 433

Apresenta-se, a seguir, a definição de áreas para uso e ocupação


do solo, visando à redução dos impactos ambientais, que foram alguns
achados da pesquisa.
No caso da área industrial da Ilha de Upaon Açu que possui 10
comunidades rurais: Taím, Rio dos Cachorros, Rio Grande, Vila
Maranhão, Vila Limoeiro, Cajueiro, Jacamim, Portinho, Embaubal, Porto
Grande, Amapá, Collier, Mata, Pedrinhas e Santa Cruz, estas são
afetadas pelos processos industriais.
Do ponto de vista do Planejamento da paisagem, com ênfase na
gestão da Ilha de Upaon Açu por todas as bacias hídricas
individualizadas, a análise do caminho das águas (sejam as águas
pluviais e os sedimentos carreados), permite identificar os riscos à
qualidade dos cursos d’água e aos recursos hídricos, além das
comunidades.
A VALE, antiga estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), ocupa
áreas em três bacias hídricas, Rio Bacanga ao Oeste, Igarapé Anjo da
Guarda ao Norte e Rio Itaqui ao Leste, impactando sobre nascentes,
curso d’água, e a costa litorânea a oeste e ao norte, além de
ecossistemas de manguezal.
Paisagem - 434

Figura 5 – Imagem Google Earth sobre pátios e reservatórios da Vale do Rio Doce em São Luís-MA
e linha de cumeada da carta topográfica expedita do LAPA (2019).

Fonte: Barbara Prado (2021).

A parte ocupada sobre a Bacia do Rio Bacanga consiste em pátio


de estocagem de minério e tanque de águas industriais. A extensão
sobre o Rio Bacanga contribui para o deslocamento do minério para a
bacia de maior volume de água, pressionando a conservação do rio e do
manancial de abastecimento d’água que abastece 30% da população da
Ilha de Upaon Açu.
Em relação à redução de parte do pátio de armazenagem de
minério de ferro da Companhia Vale do Rio Doce – VALE que impacta
em quatro bacias (LAPA), especialmente sua extensão no sentido Rio
Bacanga, pode ser mitigada com a transferência de parte destes pátios
para as Bacias 2 e 3.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 435

Figura 6 – Análise da Bacia do Igarapé Anjo da Guarda a partir dos mapeamentos do caminho das
águas e do uso e ocupação industrial do solo – parte norte da VALE

Fonte: LAPA (2020); Barbara Prado (2022).

A mitigação da conservação das águas do Rio Bacanga, como


também a proteção das populações à jusante do caminho das águas,
por outro lado, indica a necessidade de contenções de sedimentos de
minérios que deveriam ser aplicadas para preservar os ambientes
naturais e até o próprio canal de navegação de acesso aos portos da
região, que em função dos sedimentos requer dragagens para manter a
profundidade.
Outra constatação das pesquisas, no estudo da Bacia dos
Cachorros (oficial), refere-se ao nome do curso d’água principal da Bacia
dos Cachorros, que é o rio Mauá ou rio Grande. O rio Cachorros é um
de seus afluentes, como aparece nas cartografias Joaquim Cândido
Guillobel (1787-1859) e na de Philippe Vandermaelen (1795-1869). O
reconhecimento desde a nomenclatura destes rios é um pressuposto
para sua conservação. Grande parte dos rios, igarapés, córregos nem
sequer aparecem nas cartografias estudadas.
Paisagem - 436

Do ponto de vista urbanístico, a bacia do rio Mauá faz parte da


zona de industrialização da Ilha no município de São Luís, e ainda onde
se realizam a extração de minério para a construção civil. São extraídos:
laterita, pedregulho, cascalho, piçarra, com predominância de extração
de areia. Atividades incompatíveis com a condição insular, já que não é
sustentável para as ilhas exportar solo, que é seu suporte.
O afluente rio Cachorro está diretamente correlacionado à
empresa Alumar, situada junto às nascentes desse rio.

Figura 7 – Localização das empresas na Bacia Rio Mauá ou Rio Grande e seu afluente Rio dos
Cachorros que dá nome a Bacia oficial

Fonte: LAPA (2019).

A degradação dos solos já era bem avançada no início do século


XXI, conforme Dias e Nogueira Junior (2005), mas intensificou-se a partir
dos anos 1980. Essa situação acentuou-se com a poluição causada pela
extração mineral e pelas indústrias cimenteiras que se instalaram na
região. Nas análises de Cavalcante (2016), na comunidade de Taím,
localizada próximo ao rio Mauá, a montante da saída das águas do
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 437

afluente rio Cachorro (coordenadas 2º40´27” S; 44º20´09” O), foram


verificadas contaminações por metais pesados, como cádmio, chumbo,
manganês e mercúrio, além da contaminação de esgotos. Também
apresentam altas taxas de ferro.
Em função da extensão e aprofundamento desta pesquisa, há
inúmeras constatações que deverão ser publicadas em outras
oportunidades. O reconhecimento, mapeamento e organização
sistêmica da paisagem insular a partir de unidades gerenciais de
paisagem – bacias hídricas tem se demonstrado um método útil para o
Planejamento da Paisagem e um recurso importante para orientação
em tomadas de decisão. A norma legal também se atualizou com a Lei
14.285/2021 recentemente, dando uma nova redação para o conceito
de Área Consolidada, que poderá contribuir para a recuperação
ambiental de áreas degradadas pela ocupação desordenada e devolver
APPs, entretanto, ainda não foram realizadas simulações com a
aplicação dessa norma para indicar que áreas das bacias estudadas
poderiam ser recuperadas, e que questões estariam envolvidas nesse
processo.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, E. P. de; TELES, M. G. L.; LAGO, W. J. S. Delimitação das bacias hidrográficas da Ilha do
Maranhão a partir de dados SRTM. Anais XIV SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO
REMOTO, Natal, Brasil, 25-30 abril 2009, INPE, p. 4631-4638.
BRASIL. Lei 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera
as Leis 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22
de dezembro de 2006; revoga as Leis 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de
abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras
providências. Brasília: DOU, 2012a.
BRASIL. Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012. Altera a Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, que
dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis 6.938, de 31 de agosto de 1981,
9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; e revoga as Leis
4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, a Medida Provisória
2.166-67, de 24 de agosto de 2001, o item 22 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 31 de
dezembro de 1973, e o § 2º do art. 4º da Lei 12.651, de 25 de maio de 2012. Brasília: DOU,
2012b.
Paisagem - 438

BRASIL. Lei 14.285, de 29 de dezembro de 2021. Altera as Leis 12.651, de 25 de maio de 2012,
que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe
sobre regularização fundiária em terras da União, e 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que
dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, para dispor sobre as áreas de preservação
permanente no entorno de cursos d’água em áreas urbanas consolidadas. Brasília: DOU, 2021.
BRITO, F. Corredores ecológicos: uma estratégia integradora na gestão de ecossistemas /
Francisco Brito. 2. ed. rev. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2012. 264 p.
DIAS, J. Alverinho. A análise sedimentar e o conhecimento dos sistemas
marinhos. Faro: Universidade do Algarve, 2004.
DIAS, L. J. B. S.; NOGUEIRA JÚNIOR, J. de D. M. Contribuição as análises ambientais da Ilha do
Maranhão. Ciências Humanas em Revista, São Luís, v. 3, n. 2, dez. 2005.
FINKLER, R. Planejamento, manejo e gestão de bacias: a bacia hidrográfica. [s/l]: [s/e], 2012.
LUAN, I. O. B. Singapore water management policies and practices. International Journal of
Water Resources Development, v. 26, n. 1, p. 65-80, 2010. DOI:
10.1080/07900620903392190.
MAPPA DA ILHA DE S. LUIZ DO MARANHÃO 1820. Levantada por Antônio Bernardino Pereira do
Lago Coronel do Real Corpo de Engenheiros. Desenhada por Joaquim Candido Guillobel
(1787-1859). Tipo de documento original: Mapa. Biblioteca Nacional (Brasil). HD-001 DVD-
0010.
MORIN, E.; LE MOIGNE, J. L. A inteligência da complexidade. São Paulo: Pirópolis, 2000.
NUÑEZ, D. N. C. Evapotranspiração em bacia hidrográfica degradada – o caso do córrego
Cabeceira Comprida em Santa Fé do Sul, SP. 2017. Tese (doutorado em engenharia) –
Faculdade de Engenharia, campus de Ilha Solteira Ilha Solteira-SP, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2017.
PRADO, B. I. W. Paisagem ativa das ilhas. São Luís: EDUEMA, 2019. ISBN – 978-85-8227-225-1.
Disponível em: https://www.editorauema.uema.br/wp-content/uploads/files/2019/10/livro-
paisagem-ativa-1572461457.pdf. Acesso em: 10-03-2022.
SÃO LUIS-MA. Lei municipal 4.669/2006. São Luís: DOE, 2006.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Coordenadoria de Educação Ambiental.
Fauna Urbana. Cadernos de Educação Ambiental, São Paulo, v. 2, n. 17, 2013.
SCHIAVETTI, A.; CAMARGO, A. F. M. Conceitos de bacias hidrográficas: teorias e aplicações.
Ilhéus, Ba: Editus, 2002. 293p.
STRAHLER, A. N. Quantitative analysis of watershed geomorphology. 1957. Disponível em:
https://doi.org/10.1029/TR038i006p00913. Acesso em: 10-03-2022.
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 439

ÍNDICE REMISSIVEL

áreas de proteção permanente.....428, espacio verde público .................... 317


443 espacios públicos ............................. 39
áreas urbanas ..77, 115, 360, 394, 416, Fernando Magalhães Chacel.......... 178
417, 450 fisionomia urbana .......................... 175
áreas verdes ....50, 239, 240, 247, 297, fundos de vale................................ 115
396, 424 gestão ambiental ................... 425, 427
arquitectura del paisaje....................35 histórico-culturais .......................... 348
Auguste François Marie-Glaziou ...178, identidade dos espaços ................. 123
180 impactos socioambientais ............. 220
bacia hidrográfica ..201, 206, 207, 208, infraestrutura verde 10, 190, 195, 196,
216, 249, 256, 432, 450 202, 204, 208, 209, 210, 216, 217,
Burle Marx .......11, 103, 106, 178, 181, 218, 224, 226, 227, 228, 229, 230,
182, 186, 189, 258, 259, 262, 263, 233, 234, 235, 236, 238, 239, 244,
264, 265, 266, 267, 268, 269, 270, 425
271, 272, 273, 274, 275, 276, 277, Instituto do Patrimônio Histórico e
279, 281, 282, 283, 284, 286, 288, Artístico Nacional..... 147, 258, 272,
289, 290, 291, 292, 293, 294, 295, 276, 348
296, 297, 298, 299, 300, 302, 303, Instituto do Patrimônio Histórico e
304, 305, 306, 308, 309, 310, 311, Artístico Nacional – IPHAN ....... 272
312, 313, 341, 347 intervenção na paisagem............... 420
cidades paulistas ............................119 intervenções projetuais ................. 136
cobertura vegetal ...................394, 432 jardins verticais .............................. 255
Criando Paisagens ..........................184 La pandemia global de COVID-19 .... 25
degradação .....................................448 Landscape Infraestructure ............... 42
degradação ambiental......................10 morfología urbana ........................... 69
desenho das cidades.......................220 mudanças climáticas..... 200, 204, 206,
desenho urbano ......11, 237, 364, 376, 210, 220, 228, 234, 257, 285, 418,
426 425, 430
desmoronamentos .........................220 museu a céu aberto ....................... 354
Diseño del paisaje.............................28 ocupação do território................... 190
diversidades culturais.....................362 Operação Urbana Consorciada ....... 10,
enchentes .......................................220 140, 141, 151, 174
Paisagem - 440

organização do espaço .............10, 135 projeto dos jardins ......................... 180


paisagem.........................................111 repertório cultural ......................... 216
paisagem urbana .....10, 111, 113, 118, resiliência social ............................. 220
121, 122, 130, 132, 140, 160, 170, Roberto Burle Marx ....................... 264
175, 178, 212, 237, 254, 257, 422 Rosa Grena Kliass ................... 178, 182
Paisaje...............................................74 sistema de espaços livres 12, 128, 202,
parcelamento do solo.....376, 389, 450 207, 208, 209, 216, 219, 359, 420,
parques lineares .............................134 423, 424, 425, 427, 428
participação social ...12, 227, 228, 234, Soluções baseadas na Natureza .... 237
235, 349 sustentabilidad ................................ 35
patrimônio mundial........................260 sustentabilidade 13, 91, 120, 367, 416,
Pesquisa histórica ...............................1 425, 438
Planejamento da Paisagem ........9, 449 Unesco .. 259, 260, 261, 276, 277, 283,
preservação cultural 12, 256, 349, 352, 286, 289, 291, 294, 296, 313, 436
360, 364, 367 unidades fitoecológicas ......... 185, 189
projeto da paisagem......113, 129, 188, uso sustentável .............................. 221
224, 227, 235, 237, 251 vegetação urbana .......................... 216
Paisagem: Pesquisa histórica e aplicada no Brasil e América Latina - 441

Você também pode gostar