Você está na página 1de 277

JARDINS na história

Jardines en la historia Vol. 1


Organizadoras
Marta Enokibara
Norma Regina Truppel Constantino
Organizadoras:
Marta Enokibara
Norma Regina Truppel Constantino

JARDINS na história
Jardines en la historia Vol. I

1ª Edição

ANAP
Tupã/SP
2022
EDITORA ANAP

Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista


Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
www.editoraanap.org.br
editora@amigosdanatureza.org.br

Revisão Ortográfica – responsabilidade dos autores


Editoração e diagramação da obra – Jessica Rodrigues Tiseo
Capa (imagem) – arte elaborada por Jessica Rodrigues Tiseo
Imagem da capa:
Estilização do projeto para os jardins da Quinta da Boa Vista desenvolvido por Auguste François
Marie Glaziou. Fonte: Imagem originalmente disponível no site da Fundação Casa de Rui Barbosa,
como pertencente a exposição denominada “Glaziou, O paisagista do Império”. Disponível em
http://www.casaruibarbosa.gov.br/glaziou/projetos1.htm. Acesso em 21.nov.2022.

Ficha Catalográfica

Jardins na história – Volume 1 / Marta Enokibara; Norma Regina


Truppel Constantino (orgs). – 1. ed. – Tupã: ANAP, 2022.

275 p; il.; 14.8 x 21cm

Requisitos do Sistema: Adobe Acrobat Reader


ISBN 978-65-86753-65-3

1. Paisagismo. 2. Jardins. 3. História.


I. Título.

índice para catálogo sistemático


Brasil: Planejamento Urbano e Paisagismo

2 Jardins na história – Vol. I


CONSELHO EDITORIAL

Diretoria Executiva da Editora

Profa. Dra. Sandra Medina Benini


Profa. Dra. Leonice Seolin Dias
Prof. Dr. Ricardo Miranda dos Santos
Prof. Ms. Allan Leon Casemiro da Silva

Comissão Científica 2021 - 2024

Profa. Dra. Alba Regina Azevedo Arana – UNOESTE


Prof. Dr. Alessandro dos Santos Pin – Unicerrado
Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva – IFAC - AC
Prof. Dr. Alexandre Gonçalves – Centro Universitário IMEPAC
Prof. Dr. Alexandre Sylvio Vieira da Costa – UFVJM
Prof. Dr. Alfredo Zenen Dominguez Gonzalez – UNEMAT
Profa. Dra. Alzilene Ferreira da Silva – UFRN
Profa. Dra. Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão – UFPA
Profa. Dra. Ana Paula Branco do Nascimento – USJT
Profa. Dra. Ana Paula Novais Pires Koga – UFCAT
Profa. Dra. Andréa Aparecida Zacharias – UNESP - Câmpus de Ourinhos
Profa. Dra. Andréa Holz Pfützenreuter – UFSC
Prof. Dr. Antonio Carlos Pries Devide – APTA/SP
Prof. Dr. Antonio Cezar Leal – FCT/UNESP - Câmpus de Presidente Prudente
Prof. Dr. Antonio Fábio Sabbá Guimarães Vieira – UFAM
Prof. Dr. Antonio Pasqualetto – PUC - GO
Prof. Dr. Antonio Soukef Júnior – UNIVAG
Profa. Dra. Arlete Maria Francisco – FCT/UNESP - Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Bruna Angela Branchi – PUC Campinas
Prof. Dr. Carlos Andrés Hernández Arriagada – UPM - SP
Prof. Dr. Carlos Eduardo Fortes Gonzalez – UTFPR
Profa. Dra. Cássia Maria Bonifácio – UEM
Prof. Dr. Celso Maran de Oliveira – UFSCar
Prof. Dr. César Gustavo da Rocha Lima – UNESP - Câmpus de Ilha Solteira
Profa. Dra. Cibele Roberta Sugahara – PUC - Campinas
Prof. Dr. Claudiomir Silva Santos – IFSULDEMINAS
Prof. Dr. Daniel Richard Sant'Ana – UnB - Câmpus Darcy Ribeiro
Profa. Dra. Daniela Polizeli Traficante – FCA/UNESP/Botucatu
Profa. Dra. Danila Fernanda Rodrigues Frias – Universidade Brasil

Jardins na história – Vol. I 3


Prof. Dr. Darllan Collins da Cunha e Silva – UNESP- Câmpus de Sorocaba
Profa. Dra. Dayse Marinho Martins - IEMA
Profa. Dra. Edilene Mayumi Murashita Takenaka – FATEC/PP
Prof. Dr. Edson Leite Ribeiro – Ministério do Desenvolvimento Regional - MDR
Prof. Dr. Eduardo Salinas Chávez – UFMS – Câmpus de Três Lagoas
Prof. Dr. Eduardo Vignoto Fernandes – UFJ - GO
Profa. Dra. Eleana Patta Flain – UFMS – Câmpus de Naviraí
Profa. Dra. Eliana Corrêa Aguirre de Mattos
Profa. Dra. Eloisa Carvalho de Araujo – PPGAU/ EAU/UFF
Prof. Dr. Erich Kellner – UFSCar
Profa. Dra. Eva Faustino da Fonseca de Moura Barbosa – UEMS – Câmpus de Campo
Grande
Prof. Dr. Fernando Sergio Okimoto – FCT- Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Flavia Rebelo Mochel – UFMA
Prof. Dr. Frederico Braida – UFJF
Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai – UFSCar
Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora vidrih Ferreira – UEMS
Prof. Dr. Gilivã Antonio Fridrich – UNC
Prof. Dr. Joao Adalberto Campato Jr – Universidade Brasil
Prof. Dr. João Candido André da Silva Neto – UFAM
Prof. Dr. João Carlos Nucci – UFPR
Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra – UFFS
Prof. Dr. José Mariano Caccia Gouveia – FCT- Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Josinês Barbosa Rabelo - Centro Universitário Tabosa de Almeida (ASCES -
UNITA)
Profa. Dra. Jovanka Baracuhy Cavalcanti – UFPB
Profa. Dra. Juliana de Oliveira Vicentini – USP – Câmpus de Piracicaba
Profa. Dra. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro -Universidade BRASIL
Profa. Dra. Karin Schwabe Meneguetti – UEM
Prof. Dr. Kleso Silva Franco Junior
Prof. Dra. Larissa Fernanda Vieira Martins
Prof. Dr. Leandro Gaffo – UFSB
Profa. Dra. Leda Correia Pedro Miyazaki – UFU
Profa. Dra. Leonice Domingos dos Santos Cintra Lima – Universidade Brasil
Profa. Dra. Ligiane Aparecida Florentino – UNIFENAS
Profa. Dra. Luciane Lobato Sobral – UEPA
Prof. Dr. Luiz Fernando Gouvea e Silva – UFJ - GO
Prof. Dr. Marcelo Campos – FCE/UNESP – Câmpus de Tupã
Prof. Dr. Marcelo Real Prado – UTFPR
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes
Prof. Dr. Marcos de Oliveira Valin Jr – IFMT – Câmpus de Cuiabá
Profa. Dra. Maria Angela Dias - FAU/UFRJ

4 Jardins na história – Vol. I


Profa. Dra. Maria Augusta Justi Pisani – UPM - SP
Profa. Dra. Martha Priscila Bezerra Pereira – UFCG - PB
Profa. Dra. Nádia Vicência do Nascimento Martins – UEPA
Prof. Dr. Natalino Perovano Filho – UESB - BH
Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA
Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha – Professor – FCT/UNESP – Câmpus de Presidente Prudente
Profa. Dra. Rachel Lopes Queiroz Chacur – UNIFESP
Profa. Dra. Renata Franceschet Goettems – UFFS
Profa. Dra. Renata Morandi Lóra
Profa. Dra. Renata Ribeiro de Araújo – FCT/UNESP – Câmpus de Presidente Prudente
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino – UFRGS
Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara – UFSCar
Profa. Dra. Rita Denize de Oliveira – UFPA
Prof. Dr. Rodrigo Barchi - Universidade Ibirapuera (UNIB)
Prof. Dr. Ronald Fernando Albuquerque Vasconcelos – UFPE
Profa. Dra. Roselene Maria Schneider – UFMT – Câmpus de Sinop
Profa. Dra. Rosío Fernández Baca Salcedo – UNESP – Câmpus de Bauru
Prof. Dr. Salvador Carpi Junior – UNICAMP
Profa. Dra. Sandra Mara Alves da Silva Neves – UNEMAT – Câmpus de Cáceres
Prof. Dr. Sérgio Luís de Carvalho – UNESP – Câmpus de Ilha Solteira
Profa. Dra. Thais Guarda Prado Avancini
Profa. Dra. Vera Lúcia Freitas Marinho – UEMS – Câmpus de Campo Grande
Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto – UNESP – Câmpus de Dracena
Prof. Dr. Wagner de Souza Rezende – UFG
Profa. Dra. Yanayne Benetti Barbosa

Jardins na história – Vol. I 5


6 Jardins na história – Vol. I
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................... 9

Capítulo 01 ................................................................................................. 13
JARDINES HISPANOMUSULMANES. UM ANÁLISIS TIPOLÓGICO
Carmem Toribio Marín

Capítulo 02 ................................................................................................. 63
EL ESPACIO DEL JARDÍN RENACENTISTA EN ITALIA, 1450-1580
Miguel Ángel Aníbarro Rodriguez

Capítulo 03 ................................................................................................. 93
JARDINS INGLESES
Norma Regina Truppel Constantino

Capítulo 04 ............................................................................................... 127


FREDERICK LAW OLMSTED E A INSTITUIÇÃO DA PROFISSÃO ARQUITETO DA
PAISAGEM
Luciana Bongiovanni Martins Schenk

Capítulo 05 ............................................................................................... 153


AUGUSTE FRANÇOIS-MARIE GLAZIOU: DA DIRETORIA DE PARQUES E JARDINS DA
CASA IMPERIAL À ATUALIDADE
Claudia Brack, Maria Josefa Restum Lopes, Flávio Pereira Telles

Capítulo 06 ............................................................................................... 199


GESTACIÓN Y SIGNIFICACIÓN DE LOS PAISAJES DE BUENOS AIRES EN EL PROCESO DE
METROPOLIZACIÓN
Marta Mirás

Capítulo 07 ............................................................................................... 245


O ENSINO E A PRÁTICA PROFISSIONAL DE ARQUITETURA PAISAGISTA EM BERLIM NA
DÉCADA DE 1930
Ana Catarina Antunes

Jardins na história – Vol. I 7


8 Jardins na história – Vol. I
APRESENTAÇÃO

A disciplina de História do Paisagismo do curso de graduação em Arquitetura e


Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC),
da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus
da cidade de Bauru, localizada no Estado de São Paulo (Brasil), é uma antiga
aspiração nossa e foi concretizada na última reformulação curricular, ocorrida
em 2010.
Com as aulas sendo dadas no formato online nos anos de 2020 e 2021 em
função da pandemia Covid-19, houve a oportunidade de termos a colaboração
de vários professores do Brasil e do Exterior, cujas palestras foram gravadas e
disponibilizadas para acesso através do site da FAAC na plataforma do
Youtube1.
A presente publicação “Jardins na história” é fruto destas palestras, onde os
autores se dispuseram a colaborar com artigos a partir do conteúdo
ministrado. O objetivo é ampliar o alcance dessas palestras, de forma que seu
conteúdo possa ser melhor analisado e referenciado tanto pelos alunos de
graduação, como de pós-graduação e demais pesquisadores interessados.
No capítulo 1, temos a colaboração da Profa. Dra. Carmem Toribio Marín, da
Escola Técnica Superior de Arquitetura de Madrid (ETSAM), da Universidad
Politécnica de Madrid (Espanha), com o artigo “Jardines hispanomusulmanes.
Um análisis tipológico”, onde a autora se propõe a analisar os exemplos mais
significativos do “jardim hispanomusulmán”, desde as primeiras realizações do
Emirado de Córdoba (século VIII) até os pátios elaborados no reino Nazari de
Granada (século XIV). O objetivo, como salienta a autora, é “estabelecer os
tipos arquitetônicos destes jardins, comprovar sua evolução e verificar as
relações entre o jardim, a arquitetura e a paisagem”.
No capítulo 2, temos a colaboração do Prof. Dr. Miguel Ángel Aníbarro
Rodriguez, também da ETSAM da Universidade Politécnica de Madrid
(Espanha), onde o autor aborda “El espacio del jardín renacentista en Italia,

1 https://www.youtube.com/@faacunesp014/playlists

Jardins na história – Vol. I 9


1450-1580”. Como esclarece o Prof. Aníbarro, “a concepção do espaço na
arquitetura do Renascimento partiu do descobrimento da perspectiva central
por Brunelleschi, que permitia ‘projetar’ sobre o papel os edifícios com seu
entorno urbano, e também seus interiores, de maneira muito próxima à visão
de uma pessoa em posição estática”. O artigo do prof. Aníbarro demonstra
como essa concepção espacial se transmitiu ao jardim, desde a visão estática à
aquela em movimento.
No capítulo 3, a Profa. Dra. Norma Regina Truppel Constantino, professora
aposentada do curso de Arquitetura e Urbanismo e colaboradora do Programa
de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAAC, da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru (Brasil), aborda os “Jardins
ingleses” dos séculos XVIII e XIX, mostrando como “o movimento romântico,
iniciado na poesia, na literatura e na pintura expandiu-se para a arte dos
jardins, tornando-se fundamental a continuidade entre o jardim e a paisagem”.
No capítulo 4, a Profa. Dra. Luciana Bongiovanni Martins Schenk, do Instituto
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (São Carlos – Brasil),
analisa a contribuição de “Frederick Law Olmsted e a instituição da profissão
Arquiteto da Paisagem”, trazendo dados sobre a vida e a obra deste que é
considerado o pioneiro no campo profissional da Arquitetura da Paisagem.
Através de um percurso, “que reúne encontros, planos, projetos e obras”, a
autora demonstra como “Olmsted elabora os princípios fundamentais de uma
prática complexa, que une diferentes campos do conhecimento”.
No capítulo 5, intitulado “Auguste François-Marie Glaziou: da Diretoria de
Parques e Jardins da Casa Imperial à atualidade”, temos o artigo elaborado
por um conjunto de profissionais que são servidores aposentados da antiga
Diretoria de Parques e Jardins da Casa Imperial, atual Fundação Parques e
Jardins do Rio de Janeiro (Brasil): as arquitetas e urbanistas Claudia Brack e
Maria Josefa Restum Lopes e o engenheiro florestal Flávio Pereira Telles. O
artigo aborda “o legado de Glaziou e a construção, desde o século XIX, de um
órgão municipal responsável pela implantação e manutenção de parques e
jardins na cidade do Rio de Janeiro”.
No capítulo 6, a Profa. Dra. Marta Mirás, professora da Facultad de
Arquitectura, Diseño y Urbanismo (FADU), da Universidade de Buenos Aires

10 Jardins na história – Vol. I


(Argentina), aborda sobre a “Gestación y significación de los paisajes de
Buenos Aires en el processo de metropolización”. A autora parte da hipótese
que “a natureza foi introduzida na cidade em grande escala, e que atuou como
paliativo aos problemas que geraram a expansão e densificação urbana”. A
autora demonstra vários projetos implantados para ilustrar que “essa natureza
domesticada foi um recurso utilizado pelas classes dirigentes e pelos técnicos
para atender às condições negativas desta transformação”.
No capítulo 7, a arquiteta paisagista e doutora pela Universidade do Porto
(Portugal), Dra. Ana Catarina Antunes, aborda “O ensino e a prática
profissional de Arquitetura Paisagista em Berlim na década de 1930”. Fruto
de sua tese de doutoramento sobre a influência alemã na gênese da
Arquitetura Paisagista em Portugal, a autora demonstra como a Escola Real de
Formação de Jardineiros (Königliche Gärtnerlehranstalt) em Postdam e Berlim,
no século XIX, diferenciava-se das demais congêneres pois articulava o ensino
científico com o projeto de jardins e a prática da jardinagem e, cerca de 100
anos depois, em 1929, influenciou a criação do primeiro curso de Arquitetura
Paisagista na Alemanha – o Instituto Superior Agrícola de Berlim
(Landwirtschaftliche Hochschule). Esta escola influenciará o português
Francisco Caldeira Cabral (1908-1992), que após a conclusão do curso de
Engenharia Agronômica em Lisboa, se muda para Berlim, trazendo, após seu
retorno ao país natal, esta experiência da Alemanha para fundar o ensino
superior de paisagismo em Portugal.

Desejamos a todos uma ótima leitura!

Profa. Dra. Marta Enokibara


Profa. Dra. Norma Regina Truppel Constantino

Dezembro /2022

Jardins na história – Vol. I 11


12 Jardins na história – Vol. I
Capítulo 01
Jardines hispanomusulmanes. Un análisis tipológico.

Hispano-Muslim gardens. A typological analysis.

Carmen Toribio Marín


Profesora ayudante doctor, ETSAM/ Universidad Politécnica de Madrid
carmen.toribio@upm.es

RESUMEN
En este artículo se propone un análisis de los ejemplos más significativos del jardín medieval
característico de la Península Ibérica, el jardín hispanomusulmán, desde las primeras realizaciones
del Emirato de Córdoba (s.VIII) hasta los elaborados patios del reino Nazarí de Granada (s. XIV). El
objetivo es establecer los tipos arquitectónicos de estos jardines, comprobar su evolución y
verificar las relaciones entre jardín, arquitectura y paisaje. Para ello, se han clasificado los ejemplos
con dos criterios diferenciados. El primero de ellos atiende a su uso y ubicación, distinguiendo
entre espacios religiosos (mezquitas), espacios domésticos (patios y cármenes), espacios
representativos (palacios) y espacios productivos (almunias y alquerías). De forma
complementaria, se ha buscado una catalogación más pertinente para un análisis tipológico, que
ha tenido en cuenta la estructura de los jardines. Se ha comprobado como esta estructura deriva
fundamentalmente de los elementos sus elementos de agua, por lo que se han catalogado en
patios de alberca central, patios albercas desplazadas y patios de crucero con canales o acequias.
Además, el análisis ha esclarecido el estrecho vínculo que existía entre las diferentes dimensiones
y escalas de jardín, arquitectura y paisaje.

PALABRAS CLAVE: Jardín hispanomusulman. Elementos de agua. Paisaje.

ABSTRACT
In this paper we present an analysis of the most significant examples of the characteristic medieval
garden of the Iberian Peninsula, the Hispano-Muslim garden, from the earliest works of the Emirate
of Cordoba (8th century) to the elaborate courtyards of the Nasrid kingdom of Granada (14th
century). The aim is to establish the architectural types of these gardens, to examine their evolution,
and to verify the relationship between garden, architecture and landscape. To this end, the
examples have been classified according to two different criteria. The first is based on their purpose
and location, with a distinction between religious buildings (mosques), domestic settings
(courtyards and courtyards), representative places (palaces) and productive areas (almunias and
alquerías). In a complementary approach, a more pertinent classification has been sought for a
typological analysis, which has taken into account the structure of the gardens. It has been found
that this structure derives mainly from their water features. Therefore they have been classified
into central pool courtyards, displaced pool courtyards and transept courtyards witn canal sor
ditches. Furthermore, the analysis has clarified the close link between the different dimensions and
scales of garden, architecture and landscape.

KEY-WORDS: Hispano-Muslim Garden. Water features. Landscape.

Jardins na história – Vol. I 13


1 EL JARDÍN HISPANOMUSULMÁN.CONSIDERACIONES PRELIMINARES

La presencia de la cultura islámica en la Península ibérica trajo


consigo profundos cambios en el paisaje junto a novedosas realizaciones
arquitectónicas. En estas, el jardín, a menudo contenido en patios, aunque en
ocasiones también emplazado en terrazas abiertas hacia el paisaje, tuvo una
importancia primordial. En este artículo se propone un análisis de los ejemplos
más relevantes y conocidos de la arquitectura de jardín hispanomusulmana,
siguiendo un recorrido cronológico por las ciudades de Córdoba (mezquita
mayor y Madīnat al- Zaharā´), Sevilla (jardines medievales del Real Alcázar;
patio del Yeso, patio del Crucero y patio de la Casa de Contratación) y Granada
(patio de la Acequia en el Generalife y patios de Comares y los Leones en la
Alhambra). Estos ejemplos se presentan según su ubicación y uso, pero se
analizan fundamentalmente en función de sus elementos de agua (patios de
alberca central, de albercas desplazadas y de crucero con canales o acequias),
para establecer una serie de tipos característicos junto a sus variantes. De esta
forma, se pretende comprobar cómo el agua, entendida como recurso
compositivo y lúdico, pero también pragmático y vital, condicionó tanto la
estructura del jardín como del paisaje, y como este era reflejo metafórico de
aquel.
La investigación parte de la numerosa bibliografía previa sobre la
cultura hispano-islámica. Inevitablemente, se ha revisado la obra de sus
primeros estudiosos, en especial la Torres Balbás. Arquitectos, historiadores,
arqueólogos y arabistas han aportado puntos de vista distintos pero
complementarios sobre el tema, produciendo una abrumadora cantidad de
información. Por otra parte, investigadores de diferentes disciplinas han hecho
importantes aportaciones al conocimiento del paisaje, de la ciencia o de la
ingeniería hidráulica en al- Ándalus (en este aspecto son especialmente
relevantes las investigaciones promovidas por el CSIC y en concreto por el
Centro de Estudios Árabes de Granada). Entre toda esta documentación han
sido especialmente interesantes las obras que abordan una clasificación
tipológica de los jardines, desde el clásico texto de Torre Balbás (1958) hasta la
centrada en los ejemplos nazaríes de James Dickie (1992) o el estudio

14 Jardins na história – Vol. I


multidisciplinar de Fairchild Ruggles (2000), en el que los sistemas estéticos y
visuales se analizan insertos dentro de un contexto mayor. Asimismo, ha
resultado fundamental el análisis pormenorizado, aunque centrado en lo
constructivo, que hace Basilio Pavón Maldonado (1990) en su Tratado de
Arquitectura Hispano Musulmana, en particular en el primer tomo dedicado al
agua. En el tomo III del mismo tratado, dedicado a los palacios, realiza un
interesante estudio en el que establece una hipótesis de posible evolución
tipológica del patio hispano-islámico desde Madīnat al- Zahrā´ hasta el Patio de
los Leones. Por otra parte, entre la documentación gráfica empleada, destaca
el fondo donado por el académico Antonio Almagro Gorbea a Academia
colecciones, así como los documentos custodiados en el Archivo del Patronato
de la Alhambra y Generalife.
Esta investigación presenta el tema del jardín hispanomusulmán
desde una perspectiva centrada en los elementos de agua y en su presencia
tanto en el jardín como en el paisaje. Para ello, ha sido necesario rastrear en
primer lugar su origen, y entenderlo a partir de la concepción del jardín
islámico, con el que tiene una estrecha relación. Además, ha sido importante
tomar en consideración las especiales condiciones de la Península ibérica, y la
fuerte presencia romana previa, que influyó en las soluciones adoptadas. Estas
soluciones difieren en función del uso y emplazamiento de cada jardín,
distinguiéndose entre jardines en espacios religiosos (mezquitas), espacios
domésticos (patios y cármenes), espacios representativos (palacios) y espacios
productivos (almunias y alquerías). Sin embargo, el análisis tipológico ha
revelado que existen configuraciones repetidas, independientes de la
ubicación o destino del jardín, que pueden englobarse en tres categorías
principales: los patios de alberca central, los patios albercas desplazadas y los
patios de crucero (en los que la presencia del agua da lugar a diferentes
variantes). De cada tipo, se han estudiado sus elementos, en su configuración
formal y en relación con el conjunto, así como sus posibles vínculos, en
ocasiones simbólicos, con el paisaje circundante. El resultado ha sido una
clasificación del jardín en función de sus elementos de agua, desde los primeros
ejemplos cordobeses de Madīnat al- Zahrā´ hasta los últimos del reino nazarí
de Granada.

AJardins na história – Vol. I 15


2 LA CONCEPCIÓN DEL JARDÍN ISLÁMICO. AGUA, NOMADISMO Y RELIGIÓN

El jardín, como manifestación cultural intrínsecamente ligada al


entorno, depende fuertemente del territorio en el que se asienta. Esto es
particularmente evidente en aquellas regiones en las que su especial geografía
ha sido un claro factor condicionante de su historia, como sucede en la
Península ibérica. Situada en el fin del mundo conocido en Occidente hasta el
final de la Edad Media, por esta circunstancia fue, como indica Martínez-
Correcher (2006, p.1), convertida en destino, no cruce de caminos, sino
territorio de permanencia y fusión. Por otra parte, al estar supeditada en la
mayoría de su territorio a la falta de agua, será a la vez heredera directa del
universo y la tradición del jardín meridional originario de Oriente, por lo que es
necesario conocer, al menos en sus aspectos fundamentales, esta ascendencia
remota.
El primer jardín islámico surgió condicionado por un entorno
agresivo (temperaturas muy elevadas, ausencia de lluvias, fuertes vientos, y
suelo árido), el del desierto de las regiones de Arabia, donde se originó la
religión musulmana. Este desierto estaba habitado por tribus nómadas, que,
desplazándose de un lugar a otro, dependían del agua para sobrevivir. Como
recurso básico, el agua se encontraba en los oasis, señalados habitualmente
por la presencia vertical de la palmera datilera, una especie que ofrecía al
nómada el atractivo adicional de su posible aprovechamiento integral: tronco,
palmas y fruto altamente nutritivo. La Phoenix dactylifera, con su rara
capacidad para sobrevivir con las raíces encharcadas, y un sol abrasador en la
copa, se convirtió en una especie principal para el pueblo árabe, que la dotó de
un simbolismo propio y la hizo una predilecta para los jardines. El jardín,
permanente, murado y seguro (la antítesis del oasis), se concibió con los
elementos que garantizaban la vida en el desierto: agua, arbolado, y sombra.
Pero a la vez hay otro aspecto relevante, contrapuesto a este, que
tiene que ver con la religión: es el ideal del paraíso prometido en el Corán. A
estos grupos nómadas, que vivían con lo imprescindible, el profeta Mahoma
les predicó una religión dictada por el mismo Dios, con una idea principal: Alá
premiaría a los fieles en otra vida con un lugar en el que podrían encontrar lo

16 Jardins na história – Vol. I


que no tenían en la tierra. Este espacio ideal era un jardín fértil, con arbolado,
sombra y frescor. Además, por su origen, no resulta extraño que en la religión
islámica este implícita, como en otras, la idea del agua como elemento
simbólico y purificador. El jardín prometido estaba atravesado por cuatro ríos
sagrados (el Tigris, el Éufrates, el Nilo, el Amu-Darya), que no solo llevaban
agua, sino también miel, leche y vino. De estos ríos nacían otros con igual
nombre que regaban la tierra. Para poder llegar a ese lugar ideal, los fieles
tenían que cumplir una serie de reglas que condicionaron su existencia, y por
extensión, el desarrollo del arte del jardín, donde estas ideas se vieron
reflejadas con claridad.
Esos primeros árabes islámicos iniciaron un largo periplo con el
objetivo de convertir a su religión al mayor número posible de fieles, como
ordenaba el Corán. Un ejército ya copioso tomó Damasco (634), una de las
ciudades más importantes del Imperio Bizantino en Siria. Organizada mediante
un eficaz sistema de distribución de agua a partir del río Barada, debió de ser
uno de los primeros modelos de aprovechamiento intensivo de agua para los
islámicos. La posterior conquista del imperio persa sasánida (637- 651) los puso
en contacto con una cultura, monoteísta como el islam, que había desarrollado
unos jardines geométricos, con trazado cuatripartito, insertos en enormes
extensiones arboladas muradas que recibían el nombre de “paraísos”. Estos
jardines, ordenados mediante la cruz, una de las formas más antiguas y
simbólicas de estructurar el espacio, debieron de aparecer ante los ojos de los
guerreros como un anticipo del paraíso coránico en la tierra. Así, el jardín
Islámico tomó la idea, forma y elementos del jardín persa.
Las impenetrables murallas de Constantinopla resistieron hasta
1453 los repetidos embates del ejército islámico en su expansión hacia
occidente, lo que obligó a los musulmanes a tomar una ruta alternativa que
finalmente, casi un siglo después, desembocó en la Península ibérica (711).
Antes, el pueblo musulmán había atravesado las regiones orientales y
meridionales del Mediterráneo, asimilando y haciendo suya parte de la rica
cultura de los pueblos que la habitaban. Del antiguo reino de los nabateos
aprehendió sus avanzados conocimientos de agricultura y su capacidad para
almacenar y aprovechar el agua de las escasas precipitaciones. En un Egipto

AJardins na história – Vol. I 17


helenizado, romanizado y cristianizado pudo conocer la estructura en retícula
de canales, indispensables para aprovechar la crecida anual del Nilo, junto a
sus jardines geométricos, adornados por grandes estanques empleados para el
riego, pero también para reflejar la arquitectura y albergar a los dioses.
Asimismo, el atravesar el Norte de África, les puso en contacto con la tradición
constructiva cartaginesa y romana más monumental, pero además con
elementos de carácter doméstico como los peristilos y los criptopórticos. Con
este rico acervo cultural, en el año 711 y sin apenas resistencia, un no muy
extenso ejército cruzó el estrecho de Gibraltar y entró en la península ibérica.
El territorio cristiano, intensamente romanizado, había sufrido a partir del siglo
V las invasiones de los pueblos bárbaros (suevos, alanos, vándalos, visigodos),
que estaban en constantes guerras intestinas. En esta región fragmentada, a
los musulmanes les fue sencillo hacerse con el poder.

Figura 1 – Mapa de la expansión del Islam en el año 750.

Fuente: By Caliphate_750-pt.svg: Renato de Carvalho Ferreira derivative work:


Rowanwindwhistler - This file was derived from: Caliphate 750-pt.svg:, CC BY-SA 3.0,
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=27498758

18 Jardins na história – Vol. I


3 LA LLEGADA DEL ISLAM A LA PENÍNSULA IBÉRICA

A partir del siglo VIII toda la Península, a excepción de un pequeño


reducto en el norte, se convirtió en al- Ándalus2. Se trata de caso excepcional
en el mundo occidental, en el que lo oriental próximo se fusionó con la cultura
grecorromana en una unidad compleja. Una de sus manifestaciones artísticas
más singulares fue el jardín hispanomusulmán.
El contexto histórico de la llegada del islam a la Península ibérica fue
de revolución agrícola. Los principales historiadores de la España islámica, Ibn
Idhárī y Al- Maqqarī hacen extensas descripciones de un paisaje transformado
radicalmente por la introducción del agua3. Calendarios agrícolas y tratados
botánicos reflejan también la importancia del territorio cultivado entre los
siglos X y XIV; desde el Calendario de Córdoba hasta el tratado de Ibn Luyūn 4.
Otros tratados, como el del toledano Ibn Wāfid5, el de Ibn Baṣṣal o el del
sevillano Ibn al- `Awwām ofrecen importantes datos sobre plantación y
elementos empleados en el jardín.6 La literatura es reflejo del interés botánico
de la época.
Los largos periodos de paz bajo gobierno omeya favorecieron el
desarrollo de las artes y, en particular, del jardín (RUGGLES, 2000, p.20). Otros
hechos, como el regalo del emperador bizantino a ̀Abd al- Raḥamān III de la

2 Al- Ándalus, bajo el dominio omeya, se integró inicialmente en la extensa provincia norteafricana
regida por el califato omeya. En el año 756 se estableció un primer emirato dependiente de
Damasco, que en 929 se transformó en el califato de Córdoba, independiente ya del abasí y aún
bajo gobierno omeya. El califato se disolvió en el año 1031, dando lugar a la división de la península,
que ya no recobraría su unidad bajo el poder islámico. La sucesión de los primeros reinos de taifas,
el periodo almorávide, los segundos reinos de taifas, la etapa de los almohades y los terceros reinos
de taifas asistieron al avance de la reconquista cristiana del territorio, que culminó con la toma de
Granada por los Reyes Católicos en 1492 y el fin de la presencia islámica en la península ibérica,
casi ocho siglos después de su inicio.
3 Al- Maqqarī es un autor del siglo XVII, pero escribe citando fuentes anteriores.
4
El Calendario de Córdoba, dedicado a al- Ḥakan II y escrito entre los años 967 y 976, es la obra
literaria agrícola hispano-islámica más antigua conservada. Por otra parte, el tratado de Ibn Luyūn
se redactó en 1248. Su parte más conocida se refiere a sus instrucciones para situar la casa dentro
del jardín, que parecen anticipar ideas renacentistas posteriores.
5
Escrito a principios del XI en la corte del rey Al- Ma´mūn, y de gran influencia posterior.
6 El tratado de Ibn al- `Awwām fue escrito entre el XII y el XIII. Es el único que se conserva entero

junto con el de Ibn Luyūn.

AJardins na história – Vol. I 19


copia griega del tratado De Materia Medica de Dioscórides, profusamente
ilustrado; o la llegada a la corte del músico y poeta árabe Ziryāb, que importó
de la refinada corte de Bagdad gustos culinarios que incentivaron el cultivo de
productos novedosos, incidieron de manera más o menos directa en la
transformación del entorno. Los nuevos cultivos, en su mayoría de regadío,
requerían llevar agua a extensas zonas, antes áridas o destinadas a cultivos de
secano. Por otra parte, se dio una asociación estrecha entre la ciudad (el centro
de cultura y conocimiento) y el territorio que la rodeaba, que se desarrolló
gracias a la ingeniería hidráulica. Estos terrenos, próximos al núcleo urbano y
habitualmente situados en las vegas de los ríos o al menos en relación con
algún curso o embalsamiento de agua (bien natural o artificial), fueron elegidos
para la construcción de fincas de recreo agrícolas, almunias o alquerías, en las
que lo productivo se complementaba siempre con jardines refinados.

Figura 2 – Ibn Luyūn. Tratado de agricultura (Kitāb-al-filāha).

Fuente: digital.csic.

20 Jardins na história – Vol. I


4 CÓRDOBA, PRIMER CENTRO CULTURAL DE AL-ANDALUS

La Córdoba islámica se convirtió en la ciudad principal de la


península ibérica, una auténtica capital cultural, que en la época rivalizó incluso
con Bagdad. El agua, empleada para el riego de los espacios agrícolas que
rodeaban la ciudad y proporcionaban su necesario sustento, era indispensable
también en la nueva capital. Entre todos los espacios urbanos, el principal era
el de la mezquita, un tipo arquitectónico del que en Córdoba pervive un
ejemplo excelso.

4.1 El patio espiritual de la mezquita de Córdoba

Como todas las mezquitas, la de Córdoba contaba con un elemento


imprescindible, el sāhn o patio espiritual: el patio de los Naranjos. Es hoy uno
de los jardines públicos más antiguos de occidente que, manteniendo su
estructura en lo fundamental, conserva su uso7. Se trata de un espacio de
transición entre el exterior urbano y el interior sagrado del templo; un lugar
intermedio de purificación. De forma característica, en la península ibérica
estos patios son siempre ajardinados8. Al ser el agua es imprescindible para la
liturgia, en los patios de las mezquitas (ajardinados o no), es preceptivo instalar
una gran fuente con caños para las abluciones, que deben realizarse siempre
con agua corriente, no estancada. Para su suministro, las cubiertas de las
mezquitas se transformaron en enormes sistemas de captación de aguas
pluviales que aprovechaba las grandes dimensiones de estos espacios
extendidos en horizontal.

7 La mezquita de Córdoba fue construida por `Abd al-Rahman I entre el 785 y el 787. En épocas
posteriores fue ampliada de forma sucesiva. Después de la conquista cristiana de Córdoba en 1236,
el edificio se transformó en un templo cristiano, edificándose un gran altar en el centro, capillas en
los muros perimetrales y disponiéndose tumbas en el interior.
8 Sobre la plantación de arbolado en edificaciones religiosas islámicas, ver Ruggles, 2008, p.94.

AJardins na história – Vol. I 21


Figura 3 – Planta de la Mezquita - Catedral de Córdoba en 1741.

Fuente: By Unknown author - [1], Public Domain,


https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=31603509

En la mezquita de Córdoba, las arquerías paralelas sostienen


cubiertas a dos aguas con caída hacia el patio9. Su función como elemento
sustentante tanto de la cubierta como del canal de recogida de agua es
especialmente evidente en las arquerías- acueducto de inspiración romana que
articulan el espacio interior. En cubierta sostiene los canales (qanawāt) que
recogen el agua de lluvia procedente de los tejados de dos vertientes. El agua
pasa después a otro canal (qanāt) sobre la arquería divisoria entre el oratorio
y el patio. Desde este último canal el agua se vierte hasta el patio (mediante

9
La pendiente original de las cubiertas se modificó con la construcción de la iglesia cristiana en el
interior de la mezquita.

22 Jardins na história – Vol. I


gárgolas metálicas o a través de taladros circulares en las cobijas del alero),
para dirigirse mediante conducciones subterráneas hacia un aljibe enterrado
(PAVÓN MALDONADO, 1990, p.80)10. El líquido elemento realiza un interesante
recorrido visual y sonoro desde que es recogido en los canales de la cubierta,
hasta que cae libremente al patio, desde donde se conduce por canalizaciones
subterráneas hasta el aljibe. Al exterior desde la fuente central parten canalillos
en retícula para el riego del jardín, inicialmente plantado con olivos (que
proporcionaban el aceite necesario para la iluminación del gran templo) y
palmeras, y al menos desde el siglo XV, con los naranjos que le dan nombre.

Figura 4 – La captación del agua de lluvia desde las cubiertas a dos aguas de la Mezquita de
Córdoba.

Fuente: De Toni Castillo Quero - Flickr: [1], CC BY-SA 2.0,


https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=13927001

10
Aunque posteriormente se construyó un acueducto que llevaba agua hasta el recinto, la cubierta
seguía vertiendo su agua hasta la cisterna, donde se almacenaba en previsión de guerra. También
la cubierta del Salón Rico de Madīnat al- Zahara´, ejemplo que se verá a continuación, se empleó
como elemento de captación de agua de lluvia, que en este caso se conducía hasta el andén de la
terraza mediante conductos embebidos en el muro de fachada.

AJardins na história – Vol. I 23


Figura 5 – Alcorques y canalillos en el Patio de los Naranjos de la Mezquita de Córdoba.

Fuente: autora.

El aljibe, la alberca elevada y el pequeño canal de distribución de


agua fueron también elementos de los jardines domésticos, situados en patios.
Así lo refleja Ibn Luyūn en su poema agrícola (mediados del siglo XIV), cuando
cita como elemento indispensable para el jardín doméstico la acequia que,
partiendo del pozo, “discurre entre la umbría” (EGUARAS IBÁÑEZ, 1988, p.254).
Como parte de sistemas hidráulicos pragmáticos, pero con connotaciones
estéticas, aparecerán asimismo en jardines de almunias, alquerías (espacios
productivos) y palacios (espacios representativos).

24 Jardins na história – Vol. I


4.2 Madīnat al- Zahrā, una composición singular

Figura 6 – Madīnat al- Zahrā (Córdoba) - Vista aérea general del alcázar con los jardines.

Fuente: Academia Colecciones. Nº Inventario: AA-108_i90.


Fondo gráfico donado por el Académico D. Antonio Almagro Gorbea.
https://www.academiacolecciones.com/arquitectura/inventario.php?id=AA-108_i90

La alberca se configuró como un elemento compositivo que no


renunciaba a su función práctica; su agua se distribuía para regar los jardines
por gravedad, mientras que, contenida es estructuras regulares, era un
complemento indispensable para la arquitectura, además de un sistema de
acondicionamiento ambiental. En la ciudad palacio de Madīnat al- Zahrā se
encuentra uno de los primeros ejemplos documentados de esta solución11. En

11La ciudad palatina de Madīnat al- Zaharā´, culminación del arte califal, fue la monumental obra
de Ábd al- Raḥmān III. Situada próxima a Córdoba, hacia el oeste, se emplazó a los pies de una
colina, en el lugar por donde discurría un antiguo acueducto romano que se recuperó y reconstruyó

AJardins na história – Vol. I 25


el llamado Patio de la Alberca un pequeño estanque alimentado en origen
mediante un surtidor de bronce en forma de animal se conectaba con una
acequia de riego mediante dos rebosaderos. Se trata de un primer caso de
alberca desplazada desde el centro del patio hasta una de las fachadas, una
disposición típica que, como se verá más adelante, se repetirá con variaciones
en otros ejemplos12.
Figura 7 – Madīnat al- Zahrā (Córdoba). Patio de la Alberca.

Fuente: Academia Colecciones. Nº Inventario: AA-001_04 (detalle de uno de los ejemplos). Fondo
gráfico donado por el Académico D. Antonio Almagro Gorbea.
https://www.academiacolecciones.com/arquitectura/inventario.php?id=AA-001_04

Pero sin duda el jardín más singular de Madīnat al- Zahrā´ fue el del

para abastecer a la nueva ciudad. Fue posiblemente erigida sobre las ruinas de una antigua villa
romana. Los diferentes recintos de la ciudad se acomodaron a la ladera, dando lugar a una serie
de terrazas, abiertas a la visión del paisaje. Solo ochenta años después de su fundación, la guerra
civil que terminó con el Califato de Córdoba la hizo desaparecer, destruida por los bereberes. Los
saqueos posteriores la sumieron en el olvido. No fue redescubierta hasta el siglo XIX. Las
excavaciones arqueológicas, que continúan hasta el presente, se iniciaron en 1911. Se calcula que
solo un 10% del antiguo conjunto está excavado.
12
Esta disposición de lámina de agua, desplazada hasta una de las fachadas, tiene sus precedentes
en peristilos del norte de África, donde habitualmente la alberca tomaba forma de medialuna. Uno
de los ejemplos más tempranos, datado a finales del siglo I a.C, es el de la Casa de las Cascadas en
Utica, Túnez. El tipo aparece también en la Casa de las Dos Fuentes (Dougga) y en la Casa de los
Peces (Bulla Regia), quizás con el añadido de un emparrado (FARRAR, 1999, pp. 77- 78). También
en la vecina Hippo Regia se documenta el mismo motivo.

26 Jardins na história – Vol. I


jardín alto, situado en la terraza del maylis al-Sarqi o Salón Rico. En este caso,
el espacio se generó mediante la imbricación de la arquitectura y el agua
contenida en superficies planas, en un esquema de organización cuatripartito
sobre el que se introdujeron unas novedades que hicieron de este jardín un
tipo único13. El centro, en lugar de estar ocupado por agua, alojó un pabellón
que sustituyó la fuente central, mientras que cuatro estanques sobre los cuatro
ejes reemplazaron los canales, siendo el de mayor tamaño el situado entre el
pabellón y el Salón Rico14. El conjunto de pabellón y albercas se dispuso sobre
una terraza artificial, dividida en crucero, elevada sobre los cuadros de
plantación, y desplazada del centro del gran recinto. Se produjo entonces una
modificación del esquema cruciforme, al situarse este conjunto sobre uno de
sus brazos. El pabellón central, una imagen especular del Salón Rico a escala
menor, aparecía rodeado de agua. Contenida en superficies planas, el agua
tenía el fin práctico del riego de los cuadros de plantación rehundidos, pero
transformaba también el espacio, convirtiéndolo en isótropo y seriado
mediante la inclusión del reflejo15.

13 El jardín cuatripartito, procedente quizás de la tradición aqueménida y arquetípico de la cultura


persa, tuvo, a pesar de su origen incierto, una gran repercusión posterior. Se convirtió en modelo
para los jardines islámicos desde España hasta la India mogol (donde aparece profusamente
representado no sólo en sus jardines, sino también en su literatura), momento en el que se
denominó Chahar Bagh (CARROLL- SPILLECKE, 2003, p.49).
14 Pavón Maldonado (2004, p.251) señala la similitud entre este trazado y el del templo budista de

Neak Pena (Angkor, Camboya).


15
Para Ruggles el jardín de la terraza del Salón Rico fue un experimento temprano en la
arquitectura hispanomusulmana con la idea de pabellón flotante, que inspiró una importante
tradición posterior en los jardines mediterráneos (RUGGLES, 2000, p.101). Por otra parte, el situar
los cuadros de plantación por debajo de las albercas, para poder regar por gravedad es una
solución repetida en los jardines españoles de todas las épocas.

AJardins na história – Vol. I 27


Figura 8 – Madīnat al- Zahrā (Córdoba). Jardín alto. Planta.

Fuente: Academia Colecciones. Nº Inventario: AA-108_28


Fondo gráfico donado por el Académico D. Antonio Almagro Gorbea.
https://www.academiacolecciones.com/arquitectura/inventario.php?id=AA-108_28

28 Jardins na história – Vol. I


Figura 9 – Madīnat al- Zahrā (Córdoba). Izquierda: El maylis al-Sarqi desde el interior del pabellón
central del jardín alto. Restitución infográfica. Derecha: imagen actual de la fachada del maylis al-
Sarqi, con la alberca en primer plano.

Fuente: Izquierda: Academia Colecciones. Nº Inventario: AA-108_i49


Fondo gráfico donado por el Académico D. Antonio Almagro Gorbea.
https://www.academiacolecciones.com/arquitectura/inventario.php?id=AA-108_i49
Derecha: foto Francisco González. Diario de Córdoba.
https://www.diariocordoba.com/cultura/2022/02/17/salon-rico-inicia-nueva-fase-
62833448.html

La modificación del espacio producida por los reflejos y luces


cambiantes se llevó en Madīnat al- Zaharā̕ hasta el extremo. Con el objetivo de
deslumbrar, atemorizar o producir estupor en el visitante, tantas veces
repetido en la arquitectura islámica, se empleó el mercurio en sustitución del
agua. En una mítica pila de azogue, de emplazamiento incierto, este fluido era
capaz de generar juegos lumínicos asombrosos. Cuando el califa quería
impresionar e incluso aterrorizar a los visitantes, ordenaba a un esclavo mover
el mercurio; el líquido enviaba así el destello de las luces rasantes del atardecer
hacia el interior del Salón, donde los reflejos del movimiento circular producían
el efecto óptico de giro de la sala, que parecía ascender (MARTÍNEZ DE
ANDOSILLA, 2005, p. 14)16.

16
La anécdota la relata Al- Maqqarī en su Nafḥ al- Ṭīb, y aparece transcrita en la obra de Rubiera
Mata (1988, p. 86). “Cuando el sol penetraba en el salón y sus rayos alcanzaban la alberca y las
paredes, todo brillaba con una luz que deslumbraba la vista. Cuando el califa quería asombrar a
alguien, mandaba a uno de sus esclavos que agitase el azogue y aparecían en el salón como
relámpagos de luz que estremecían los corazones, hasta el punto de que el salón parecía volar,
mientras el azogue se movía…”

AJardins na história – Vol. I 29


5 SEVILLA. JARDINES DE ALBERCA CENTRAL Y DE CRUCERO EN EL REAL
ALCÁZAR
En el siglo IX, después de la disgregación del califato de Córdoba y la
reorganización de la península en los llamados reinos de taifas, Sevilla se
convirtió en la ciudad más importante de al- Ándalus, gracias en gran parte a
su posición privilegiada a orillas del río Guadalquivir. Siguiendo el ejemplo del
califato, en los reinos de taifas las obras hidráulicas fueron igualmente
significativas. Así, cuando el califa almohade Abū Ya´qūb Yūsuf (1163- 1184)
llegó a Sevilla en 1171, hizo construir el Alcázar de al- Buḥayra (o de la Laguna)
en las afueras de la ciudad, próximo a la puerta de Bab Yahwar. Para su servicio
se restableció el antiguo acueducto romano que partía de Alcalá de Guadaira
(los llamados Caños de Carmona); su agua posibilitó entonces el cultivo de
olivos, higueras, viñas y árboles frutales exóticos (MANZANO MARTOS, 2002,
p. 11).
Figura 10 – Alcázar cristiano (Sevilla) - Planta general del alcázar de Pedro I.

Fuente: Academia Colecciones. Nº Inventario: AA-505_06


Fondo gráfico donado por el Académico D. Antonio Almagro Gorbea.
https://www.academiacolecciones.com/arquitectura/inventario.php?id=AA-505_06.

30 Jardins na história – Vol. I


En el interior de la ciudad, próximo a la muralla, el recinto del Real
Alcázar alberga hoy un conjunto de jardines medievales que se encuentran
entre los más antiguos y mejor preservados de Europa17. El espacio, situado en
una posición estratégica, junto a la muralla y próximo al río Guadalquivir,
contiene una interesante serie de estratos históricos superpuestos, en una
edificación gótica, mudéjar, renacentista y barroca que encierra entre sus
muros jardines del periodo almohade y cristiano que comparten soluciones
compositivas y elementos decorativos comunes (MARTÍNEZ DE ANDOSILLA,
2005, p.12). Entre los ejemplos, destacan tres, de dos tipos diferentes: el patio
del Yeso, un jardín de alberca central; y dos jardines de crucero (en estos casos,
rehundido), el patio del Crucero (con acequia en uno de sus brazos) y el patio
de la Casa de la Contratación (con acequias en dos de sus brazos).

5.1 El patio del Yeso, un jardín de alberca central

El contenido Patio del Yeso es una construcción almohade cuyas


arquerías lobuladas y caladas, situadas en los lados largos del rectángulo que
configura su planta, parecen delatar una organización anterior diferente a la
actual18. Este exterior, sintético, está ocupado casi en su totalidad por una
alberca rectangular central, bordeada por setos de mirto, algo desplazada del
eje. El patio se comunica con una sala aneja, la Sala de la Justicia, edificación
hispano-cristiana del siglo XIV, mandada erigir por Alfonso XI. En el centro de
esta sala, el agua brota desde una pililla circular empotrada en el pavimento,
rodeada de un pequeño canal de mármol con dibujos en relieve con forma de

17 El alcázar islámico fue construido en el siglo X por A ̀ bd al- Raḥamān III, quizás sobre los restos
de una basílica paleocristiana del siglo V. Fue destruido por los almorávides y reconstruido por los
almohades en el siglo XII. Después de la conquista de Sevilla en 1248 por Fernando el Santo, los
cristianos, como era habitual, ocuparon el mismo recinto. Alfonso XI edificó la Sala de la Justicia y
su hijo, Pedro I, acometió una reestructuración total del conjunto. Las intervenciones continuaron
durante el reinado de los Austrias.
18 Cabe recordar que la disposición típica de los patios hispanomusulmanes era un recinto alargado,

con arquerías siempre en los lados menores, que daban paso a las salas principales, situadas en
ambos extremos del eje mayor.

AJardins na história – Vol. I 31


zig-zag (primitivas representaciones del agua comunes en la cultura egipcia),
que se extiende en forma de canal alargado para alcanzar la alberca del patio.
El agua traspasa el recinto para enlazar interior- exterior, reproduciendo un
tema inherente a la cultura islámica, que cuenta con precedentes en la vivienda
romana. El exterior almohade está en perfecta relación con el interior hispano-
cristiano, formando un rico y singular conjunto imbricado, característico de lo
medieval hispano.

Figura 11 – Patio del Yeso (Alcázar de Sevilla). Vista del patio almohade y del interior de la Sala de
la Justicia.

Fuente: autora.

5.2. Patios de crucero en el Real Alcázar

Otros dos ejemplos, también emplazados en el recinto del Real


Alcázar, son representativos del tipo de jardín de crucero: el patio del Crucero
y el patio de la Casa de la Contratación. Ambos son jardines de crucero
rehundidos, con variantes respecto a sus elementos de agua. El patio del
Crucero fue, efectivamente, un patio de trazado cuatripartito, con la
peculiaridad de tener ánditos al nivel del suelo de las habitaciones de la casa
real, junto a cuadros de plantación rehundidos más de cuatro metros y medio
por debajo de esta cota. La idea estuvo quizás inspirada por los jardines

32 Jardins na história – Vol. I


rehundidos egipcios y los criptopórticos romanos19. Se crearon así dos espacios
claramente diferenciados: el de los salones, con circulación sólo perimetral; y
el jardín, un ámbito rehundido, mucho más acondicionado climáticamente. En
la cota baja se plantaron naranjos sobre un manto de romero, bajo los que se
podía pasear, bajo el cobijo de su sombra y, en época de floración, cautivados
por su aroma (MÁRTINEZ DE ANDOSILLA, 2005, p. 13). La umbría y el frescor se
incentivó mediante la inclusión de una acequia longitudinal, en coincidencia
con el eje mayor. Los cuatro cuadros de plantación resultantes se subdividieron
en otros cuatro arriates, quizás también con fuentes en su centro. Gracias a
esta estructura, la visión de la arquitectura desde las habitaciones no quedaba
interrumpida por la plantación, que era arbórea, pero que al nivel de los
salones aparecía como un gran tapiz verde, provisto de frutos al alcance de la
mano. La imagen parece remitir a los jardines persas cuatripartitos, en este
caso con una solución extremadamente original y espacialmente mucho más
elaborada20.

Después de la conquista de la ciudad, y probablemente durante el


reinado de Alfonso X el Sabio, se acometió una reforma con el fin de dotar al
palacio de espacios más amplios para fines protocolarios y festivos. Este pudo
ser el momento en el que, para conseguir un acceso adecuado a estos nuevos
ámbitos, se construyó un gran andén central al nivel de los salones, soportado
por un pórtico de bóvedas ojivales y otro andén transversal que acabó
dividiendo el primitivo jardín en cuatro espacios. El resultado fue una original
solución en la que el canal que ocupaba uno de los brazos del crucero quedó
cubierto y sombreado por el pórtico que permitía la circulación a una cota
superior. El recuerdo de esta organización, hoy desaparecida (aunque
recuperable), es visible desde el jardín de la Danza, jardín manierista de trazado
posterior, que da acceso a los llamados baños de María de Padilla. Son los
restos visibles de la acequia central del patio del Crucero, donde María de

19 En el Patio del Crucero las zonas de plantación rehundidas se colmataron para asegurar la
estabilidad del conjunto después del terremoto de Lisboa de 1755.
20
El tema ha sido tratado entre otros por Almagro Gorbea, 1999; Almagro Vidal, 2008; y Pavón
Maldonado, 2004.

AJardins na história – Vol. I 33


Padilla, la favorita del rey Pedro I, se bañaba.

Figura 12 – Alcázar cristiano (Sevilla) - Planta jardin patio del Crucero.

Fuente: Autora sobre imagen de Academia Colecciones. Nº Inventario: AA-505_02


Fondo gráfico donado por el Académico D. Antonio Almagro Gorbea.
https://www.academiacolecciones.com/arquitectura/inventario.php?id=AA-505_02

34 Jardins na história – Vol. I


Figura 13 – Alcázar cristiano (Sevilla). Infografías. Izquierda: Vista del patio del Crucero. Derecha:
Vista del patio del Crucero desde la galería norte.

Fuente: Academia Colecciones. Izquierda: Nº Inventario: AA-505_i04; Derecha: AA-505_i07


Fondo gráfico donado por el Académico D. Antonio Almagro Gorbea.
Izquierda: https://www.academiacolecciones.com/arquitectura/inventario.php?id=AA-505_i04
Derecha: https://www.academiacolecciones.com/arquitectura/inventario.php?id=AA-505_i07

Figura 14 – Alcázar cristiano (Sevilla). Baños de María de Padilla. Izquierda: infografía. Derecha:
imagen actual.

Fuente izquierda: Academia Colecciones. Nº Inventario: AA-505_i30


Fondo gráfico donado por el Académico D. Antonio Almagro Gorbea.
https://www.academiacolecciones.com/arquitectura/inventario.php?id=AA-505_i30
Fuente derecha: autora.

Por último, el patio de la Casa de la Contratación, asimismo dentro


del recinto del Real Alcázar de Sevilla, reproduce el esquema de patio de
crucero rehundido21. En este caso, la pieza de agua principal toma la forma de
un estanque cruciforme, una forma poco habitual para este tipo de elementos.

21Hoy este espacio está separado del Real Alcázar. Tiene acceso desde la plaza de la Contratación,
y es sede de la Delegación del Gobierno de la Junta de Andalucía. Recibe el nombre de Casa de la
Contratación desde la época de los Reyes Católicos.

AJardins na história – Vol. I 35


La disposición actual del patio es el resultado de su evolución a lo largo del
tiempo, y de la reinterpretación realizada en su restauración, donde
estructuras de un patio almohade conviven con otras planteadas después de
las reformas cristianas de mediados del siglo XIV22. Existen, por tanto, dos
estructuras de agua diferentes, correspondientes a dos periodos históricos. Por
una parte, frente a las fachadas menores aparecen dos albercas simétricas,
insertas quizás en un trazado de crucero. El tema, similar al ya referido del patio
de la Alberca de Madīnat al- Zahara en Córdoba se repitió en el Castillejo de
Monteagudo23. Posteriormente reaparecería en el llamado Alcázar de los Reyes
Cristianos de Córdoba (obra de la primera mitad del s. XIV, atribuida ya no a un
rey musulmán, sino a Alfonso XI) y en el Palacio de Pedro I en Tordesillas.

Las reformas cristianas, datadas posiblemente en el siglo XIV,


redujeron, como era habitual, la dimensión del patio. Los pórticos originales se
convirtieron en muros, con el objetivo de crear nuevas salas, ampliando los
espacios habitables para satisfacer las necesidades de la nueva corte.
Posiblemente en ese momento se colmataron las albercas, que quedarían
incluidas en el interior de las salas recién construidas. En el patio se planteó
entonces la curiosa estructura contenedora de agua que vemos hoy: un
estanque en cruz. El añadido de puentes junto al círculo central hace sin
embargo que se perciba como un conjunto de cuatro albercas alargadas, con
disposición simétrica alrededor de una fuente, que parece flotar sobre el agua.
Los cuadros de plantación se situaron rehundidos, con una diferencia de cota
de dos metros, lo que facilitaba su riego por gravedad desde la alberca. El
resultado fue una original disposición sin precedentes y sin similitudes
tampoco en ninguna obra nazarí contemporánea o posterior (ALMAGRO
GORBEA, 2007, p.195).

22
El jardín, como en el caso anterior, se rellenó para asegurar la estabilidad de la edificación desde
el terremoto de Lisboa de 1755. Fue descubierto y recuperado en los años setenta del siglo XX por
el arquitecto Rafael Manzano Martos. Las obras las concluyó su discípulo Manuel Vigil-Escalera.
Almagro Gorbea propone una posible evolución del patio (2007).
23
En el caso del del patio de la Alberca de Madīnat al- Zahara, existe una sola alberca, y no dos. Los
estanques desplazados hasta la fachada tienen, como se ha referido, precedentes en la
arquitectura doméstica romana.

36 Jardins na história – Vol. I


Figura 15 – Alcázar cristiano (Sevilla). Planta Patio Contratación mudéjar (planta hipotética del
palacio mudéjar del solar de la Casa de Contratación).

Fuente: Academia Colecciones. Nº Inventario: AA-505_39


Fondo gráfico donado por el Académico D. Antonio Almagro Gorbea.
https://www.academiacolecciones.com/arquitectura/inventario.php?id=AA-505_39

AJardins na história – Vol. I 37


Figura 16 – Alcázar cristiano (Sevilla). Patio de la Contratación. Imagen actual.

Fuente: By CarlosVdeHabsburgo - Own work, CC BY-SA 4.0,


https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=65769411

6 EL REINO NAZARÍ DE GRANADA, LA CULMINACIÓN DEL JARDÍN


HISPANOMUSULMÁN

El reino Nazarí de Granada fue el último reducto de poder musulmán


en la Península ibérica24. El emirato, protegido por las montañas de Sierra
Nevada y comercialmente muy activo, fue un territorio especialmente
próspero durante el siglo XIV. Su capital, Granada, asentada sobre colinas y
emplazada en la confluencia entre el río Darro y el Genil tuvo un primer núcleo
en la colina del Albaicín. Desde aquí, los musulmanes fueron colonizando los
territorios circundantes, eligiendo la colina de la Sabika, o colina Roja, como

24El reino de Granada fue fundado por Mohamed-Ben-Nazar en 1238. En origen la capital se situó
en Jaén, aunque pronto se trasladó a Granada. En 1492, después de casi ochocientos años de
gobierno islámico, se produjo la anexión del Reino de Granada a los territorios gobernados por los
Reyes Católicos.

38 Jardins na história – Vol. I


lugar para fundar la ciudad palatina de la Alhambra, un conjunto cívico,
religioso y militar. El frontero Cerro del Sol, ocupado desde antiguo por huertas
en bancales (construidas con muros de piedra seca, denominadas en la zona
paratas), se convirtió entonces en la despensa de la Alhambra. Su característico
paisaje fue el resultado de la explotación productiva de la colina, abancalada
para maximizar el aprovechamiento del agua de lluvia, un bien escaso. Se
complementaba con un complejo sistema hidráulico que traía el agua desde
puntos lejanos mediante acequias y la embalsaba en albercas y aljibes
diseminados por las colinas.

Figura 17 – Alhambra y Generalife. Plano general. 1957- 1981.

Fuente: Francisco Prieto-Moreno y Pardo.


Archivo del Patronato de la Alhambra y Generalife. APAG/ Colección de Planos/ P-004229.
http://hdl.handle.net/10514/3467

Como en todos los nuevos asentamientos, la ocupación por parte de


la dinastía nazarí de la Colina Roja (al-Ḥamr–a’) dependió un suministro estable
de agua, que ampliaba un sistema complejo y diversificado de traída de agua
creado en el siglo XI por la dinastía zirí para abastecer a la ciudad de Granada25.

25
El sistema constaba de cuatro acequias provenientes de un manantial y dos ríos. Todas ellas
siguen, con algunas transformaciones en servicio hoy, si bien su función se limita al riego.

AJardins na história – Vol. I 39


Por ello, el primer acto planificador de Muḥammad I (1232-1273) fue la
construcción de la Acequia Real26. La traída de agua recorría unos 6 kilómetros
y realizaba su captación en una presa situada unos 800 metros aguas arriba del
lugar donde posteriormente se construyó la hacienda de Jesús del Valle. Más
adelante la acequia se bifurcaba en dos tramos, uno que manteniendo la cota
tomaba un tercio del caudal, llamada en consecuencia la Acequia del Tercio o
Acequia del Generalife, y otra más baja, que tomaba dos tercios de este, la
Acequia Real de la Alhambra.
Figura 18 – Cerro del Sol (Granada). La huerta en paratas con el Generalife al fondo.

Fuente: autora.

26 Posteriormente sus sucesores fueron completando la obra. Cuando pretendieron colonizar el


espacio que quedaba por encima de la línea de rigor establecida por la Acequia Real se idearon
otros sistemas hidráulicos, como un elaborado sistema de abastecimiento para la almunia de los
Alijares y las huertas circundantes. En la segunda mitad del XIV Muḥammad V abrió la acequia de
los Arquillos (GARCÍA PULIDO, 2007, p. 246).

40 Jardins na história – Vol. I


Figura 19 – La Alhambra y el Generalife, con Sierra Nevada al fondo, vistos desde el mirador de
San Nicolás.

Fuente: autora.

6.1 El Generalife, la huerta excelsa

La Acequia del Tercio, a su paso por el Cerro del Sol, entraba en la


almunia real del Generalife, ubicada sobre su mismo trazado, y cuya creación
y organización espacial estaba en directa relación con la infraestructura
hidráulica de la Alhambra27. Su patio principal, el patio de la Acequia, fue
concebido como un jardín de crucero desde el que contemplar el próspero
paisaje de huertas cultivadas en la ladera. Su geometría estuvo condicionada
por su ubicación en una de las paratas alargadas del Cerro del Sol, cuya forma
a su vez derivaba de la necesidad de retener el máximo volumen posible de
agua mediante la modificación de la topografía natural. Esta acequia, que
desde el punto de captación discurría con un trazado quebrado y sinuoso,
adaptado a las irregularidades del terreno, se materializó en el jardín como un

27El Generalife es un palacio de recreo construido a mediados del siglo XIII. Según una inscripción
de 1319, fue redecorado por el rey Abu I-Walid Isma'il (1313-1324). A lo largo del tiempo ha sufrido
diversos añadidos y remodelaciones, como los surtidores del patio de la Acequia. Este patio
conserva, sin embargo, su estructura original en lo fundamental.

AJardins na história – Vol. I 41


canal perfectamente rectilíneo, convertido en elemento de articulación
esencial y eje mayor del crucero que lo define.

El Generalife responde, por tanto, al tipo de jardín de crucero


rehundido, con acequia en uno de sus brazos. La proporción alargada del
espacio es la consecuencia de su adaptación a la estructura agrícola del Cerro
del Sol. El eje mayor está ocupado por la acequia desde la que se regaban los
cuadros; eras de plantación floral ligeramente rehundidas para facilitar su riego
a manta o por inundación. Rematada en los extremos por dos fuentes a ras de
suelo, recorre el espacio hasta enlazar finalmente el jardín con el paisaje a
través del mirador, elemento característico del jardín nazarí. El eje transversal,
mucho más corto y abierto asimismo al paisaje en su extremo sudoeste,
interrumpe al longitudinal en el centro del espacio, resaltado por la presencia
de un pabellón, hoy desaparecido, que probablemente cobijó una fuente a ras
de suelo, quizás análoga a las de los extremos de la acequia. De esta manera,
la infraestructura hidráulica tenía una presencia compositiva en el jardín. La
misma acequia que servía de riego a las huertas del Cerro del Sol, en el jardín
irrigaba los cuatro cuadrantes rehundidos de plantas arbustivas y florales,
dispuestas para no interrumpir la apreciación de los elementos arquitectónicos
como una alfombra persa a los pies de los paseantes. Desde los miradores, uno
abierto hacia el Albaicín y otro hacia la huerta en paratas, se integraban dos
imágenes complementarias: la visión del paisaje (el urbano del Albaicín y el
irrigado de la colina) y la del jardín, donde el entorno cultivado quedaba
representado de manera metafórica.

42 Jardins na história – Vol. I


Figura 20 – Generalife. Palacio y Jardines Altos. Planta. 1957- 1958.

Fuente: Manuel López Reche.


Archivo del Patronato de la Alhambra y Generalife. APAG/ Colección de Planos/ P-003097.
http://hdl.handle.net/10514/2727

AJardins na história – Vol. I 43


Figura 21 – Generalife. Secciones. 1957- 1958 (detalle del dibujo original).

Fuente: Manuel López Reche.


Archivo del Patronato de la Alhambra y Generalife. APAG/ Colección de Planos/ P-002004.
http://hdl.handle.net/10514/938

Figura 22 – Generalife. El Patio de la Acequia.

Fuente: autora.

44 Jardins na história – Vol. I


Figura 23 – Generalife. El Patio de la Acequia. Mirador.

Fuente: autora.

6.2. Nuevas variantes sobre los tipos en el patio de Comares y de los Leones.

Entre los diferentes jardines que existieron en los palacios del


interior de la Alhambra, dos, los que han llegado a la actualidad de forma más
íntegra, representan los tipos fundamentales: el patio de Comares es un patio
de alberca central, mientras que el patio de los Leones es un jardín de crucero,
con canales en sus cuatro brazos. El primero, realizado por el rey Yusuf I (1319-
1354), tiene su complemento en el segundo, obra de su hijo, Muhammad V
(1339- 1391). Ambos son patios interiores abiertos, luminosos y refinados, que
sirven de contrapunto a la apariencia cerrada y defensiva de la Alhambra desde
el exterior.

AJardins na história – Vol. I 45


Figura 24 – Alhambra. Palacio Árabe y Casa Real. Ant. 1955.

Fuente: Archivo del Patronato de la Alhambra y Generalife. APAG/ Colección de Planos/ P-000781.
http://hdl.handle.net/10514/4436

El palacio de Comares debió concebirse como una demostración de


poder, trasmitido por el lenguaje de los símbolos, ocultos en su arquitectura
(Martínez de Andosilla, verano 2005, p. 19). El patio, un recinto rectangular
orientado de norte a sur, esta ocupado en su tercio central por una gran
alberca, delimitada por dos setos de mirto o arrayán recortados, que inciden
en la proporción longitudinal del espacio. Al fondo se eleva la Torre de
Comares, rotunda construcción de planta cuadrada que alberga en su interior
la sala de los Embajadores, lugar de recepción del palacio 28. La luz entra aquí a

28El patio tenía la estructura habitual de la arquitectura hispanomusulmana: dos salas principales
precedidas por arquerías situadas en los lados cortos de un recinto de proporción rectangular. La
sala opuesta al salón de Embajadores desapareció por la construcción del palacio renacentista de
Carlos V.

46 Jardins na história – Vol. I


través de las ventanas cerradas por celosías y desde arriba. La techumbre, de
madera de cedro con incrustaciones de otras maderas, reproduce los siete
cielos que conducen al octavo, donde está trono de Dios, representado por
cuatro árboles en las diagonales, acompañados por los cuatro ríos del paraíso.
En las paredes, las inscripciones son sugerencias místicas que facilitan entrar
en un estado de interiorización.

Figura 25 - La Alhambra. Patio de Comares o de los Arrayanes. Vista hacia la Torre de Comares.

Fuente: autora.

AJardins na história – Vol. I 47


Figura 26 – Alhambra. Patio de Arrayanes. Sección C-D. 1957- 1961.

Fuente: Manuel López Reche.


Archivo del Patronato de la Alhambra y Generalife. APAG/ Colección de Planos/ P-002254
https://www.alhambra-patronato.es/ria/handle/10514/2066

Figura 27 – La Alhambra. Techumbre del Salón de Embajadores.

Fuente: autora.

48 Jardins na história – Vol. I


En el patio, dos fuentes de perímetro circular, situadas en los lados
menores, invaden la superficie rectangular de la alberca, abasteciéndola de un
agua que queda embalsada como un espejo a los pies de la arquitectura. Su
forma parece ideada para que el agua forme un dibujo concreto, propiciado
por un caudal y un movimiento estudiado. Sale del centro y se expande
suavemente en un recipiente plano y circular, rizándose al chocar con sus
bordes. El círculo que forma la pila se abre, y da paso a un primer tramo recto,
por donde el agua circula a mayor velocidad. Su velocidad se ralentiza al entrar
en un segundo círculo menor, para coger de nuevo ritmo en el último tramo
recto, y verterse finalmente en la alberca, sin apenas alterar su superficie
reflectante. En un movimiento incesante, el agua transforma sutilmente un
espacio donde aparentemente todo es permanente, produciendo un efecto
hipnótico revestido de un sentido espiritual.

Como es habitual en los lugares áridos, el agua embalsada en la


alberca del patio de Comares tiene un indudable valor simbólico. Por una parte,
su gran extensión (complementada con la de las otras albercas dispuestas en
toda la colina de la Alhambra) constituye una reserva en caso de asedio,
transmitiendo de esta forma su claro mensaje de poder. Por otra parte,
empleada como espejo, otorga al espacio una dimensión vertical añadida. La
Torre de Comares, emblema del poder civil, se refleja en el agua y de esa
manera se ve duplicada visual y alegóricamente. En su recorrido, el visitante
atravesaba el patio, sencillo en sus formas, pero complejo en su significado,
para llegar a la sala de Embajadores, donde de nuevo, en la misma secuencia
visual que ya se había experimentado en el patio de la Acequia del Generalife,
un espacio tan contenido se abre de forma dramática hacia el paisaje.

Junto al palacio de Yusuf I su hijo, Muhammad V, optó por una


solución diferente. El patio de los Leones tiene una estructura de jardín
cuatripartito29. Sus variantes en la forma de tratar el agua sobre un esquema

29Este tipo de composición, con un elemento de agua central del que parten cuatro canales, se ha
relacionado con el jardín persa aqueménida, representado profusamente en los siglos posteriores

AJardins na história – Vol. I 49


en crucero representan la última innovación del jardín hispanomusulmán, en
un tipo imbricado que reúne el jardín cuatripartito persa sasánida, el peristilo
greco romano y el claustro cristiano.

Figura 28 – Planta del patio de los Leones. Grabado de línea reducido.1929.

Fuente: Leopoldo Torres Balbás.


Archivo del Patronato de la Alhambra y Generalife. APAG/ Colección de Planos/ P-000158.
https://www.alhambra-patronato.es/ria/handle/10514/3669

en las denominadas alfombras de jardín, algunos de cuyos diseños remiten al territorio irrigado
por canales cruciformes.

50 Jardins na história – Vol. I


El espacio, totalmente condicionado por la presencia de varios
elementos acuáticos, gira alrededor de la fuente de los Leones, el foco central
de la composición, de donde parte el agua. Desde este centro es conducida al
canal que la rodea, y se dirige según las cuatro direcciones del espacio por
cuatro canales, centrados en los caminos y tallados en el blanco mármol que
forma los andenes del crucero. En este caso, es el eje menor del crucero el que
enlaza las dos estancias más relevantes, la Sala de los Abencerrajes y la de las
Dos Hermanas, hasta cuyo interior se prolonga la acequia, y en cuyo centro se
sitúan a su vez sendas fuentes, desde las que también parte el agua.

Figura 29 - La Alhambra. Patio de los Leones. Nueva pavimentación. 2012.

Fuente: Archivo Patronato de la Alhambra y Generalife.


http://pedrosalmeron.com/proyectos/restauracion-de-la-alhambra/

AJardins na história – Vol. I 51


Figura 30 – La Alhambra. Izquierda: Sala de los Abencerrajes. Derecha: Sala de las Dos Hermanas.

Fuente: Archivo Patronato de la Alhambra y Generalife.


Izquierda: München:Purger & Co. APAG/ Colección de Postales/ Postal 0040.
https://www.alhambra-patronato.es/ria/handle/10514/791
Derecha: The old curiosity shop. Enrique Linares, Granada. 1914. APAG/ Colección de Postales/
Postal 0014. https://www.alhambra-patronato.es/ria/handle/10514/798

El agua traspasa así los límites del patio, entrando en las estancias
anejas, propiciando de esta manera la total imbricación del exterior con el
interior. Soluciona además el problema de tener las salas principales situadas
atípicamente sobre el eje corto, que se prolonga visualmente con el canal que
llega hasta el centro de estas. Mientras, el eje más largo se reduce gracias al
artificio de adelantar los pabellones laterales hasta cubrir las fuentes circulares,
que, situadas a ras de suelo, interrumpen el desarrollo del canal, que prosigue
luego su recorrido un tramo más hasta el pórtico. De esta manera ambos ejes
quedan equilibrados en dimensiones, aunque el transversal se refuerza aún
más con la inclusión de fuentes mayores en sus extremos, dentro de la sala de
los Abencerrajes y de la sala de las Dos Hermanas.

El vaso dodecagonal de mayor tamaño de la de la sala de los

52 Jardins na história – Vol. I


Abencerrajes supone la expansión de la dimensión vertical del espacio, al
reflejar sobre su superficie de agua la elaborada cúpula que remata la estancia
e incluso, según la posición del espectador, reflejar como en un espejo la sala
contraria de Dos Hermanas (MARTÍNEZ DE ANDOSILLA, 2005, p.23). Desde este
otro extremo del eje transversal, el espacio se abre a través del mirador de
Lindaraja hacia la visión del paisaje con el río Darro en la lejanía, integrándolo
asimismo en la composición30. Aunque la idea de prolongar el eje acuático hacia
el interior de la edificación no supuso una novedad, si lo fue su extensión en las
cuatro direcciones del espacio y el recorrido del agua, que no sólo se movía
desde el centro hasta los extremos, sino también desde los extremos hacia el
centro31.

La fuente central recurre al tema del león surtidor, uno de los


preferidos en al- Andalus: los de la fuente de los Leones de la Alhambra, los
procedentes del Maristán de Granada, o el de la Almudaina de Mallorca son los
supervivientes de otros muchos de los que sólo queda su noticia literaria 32. Su
presencia en el jardín hispano- musulmán puede proceder de palacios pre-
islámicos, dado que el tema del león rugiente de viento o agua es recurrente

30 De nuevo aparece aquí la secuencia patio, pórtico, sala, mirador y paisaje. Hoy este sentido se
ha perdido por el cierre visual que supuso la realización del patio renacentista a los pies del mirador
de Lindaraja.
31 Había aparecido ya en el ámbito doméstico en viviendas del Fustat (El Cairo, siglos XI- XII) y en el

palacial en la Zisa de Palermo (s. XII). En la Península tiene un claro precedente en el ya referido
Patio del Yeso del Alcázar de Sevilla.
32 Mª Jesús Rubiera Mata hace en su obra un recuento de la enorme cantidad de leones surtidores

nombrados en la literatura hispanoárabe. El más antiguo es el descrito por Al- Maqqarī, una figura
de oro con los ojos de piedras preciosas, que llenaba la alberca de la almunia Al- Naūra en Córdoba.
Un león era también parte de las doce figuras zoomórficas de bronce que adornaban la pila de oro
traída desde Constantinopla hasta Madīnat al- Zahrāˊ para ˋAbd al- Raḥmān III y el mismo animal,
esta vez realizado en ámbar negro y adornado con un collar de perlas, aparecía en el también
cordobés palacio de Almanzor, al- Zāhira. Los reyes de taifas continuaron la tradición: al- Maˊmūn
de Toledo empleó la figura del león para la alberca de su palacio (RUBIERA MATA, 1988, 90- 96).
De época nazarí, además de los ya mencionados, aparecen leones en el Baño Real de Comares, en
el palacio de Muhammad III, en el convento de las Comendadoras de Santiago o en el ex convento
de San Francisco de la Alhambra. La conjunción agua-león aparece también en Constantinopla,
Palermo o Bugía, en un modelo de amplia repercusión, especialmente en el mundo mediterráneo
(BERMÚDEZ LÓPEZ, GÓMEZ OMÁN, RODRÍGUEZ DOMINGO, 1993, p.7).

AJardins na história – Vol. I 53


en la literatura árabe, desde la descripción del palacio de Gumdān en San ̒ā̕
(Yemen), donde los leones rugían por acción del aire, hasta la descripción del
alcázar negro de la historia del pescador y el ´Ifrīt de Las Mil y Una Noches, en
la que cuatro leones de oro rojo arrojaban por sus bocas un agua que parecía
hecha de perlas y piedras preciosas (RUBIERA MATA, 1988, p. 29- 31). Sin
embargo, Torres Balbás (1958, p.748) apunta más bien a la posible influencia
del arte imperial romano sobre el hispano- musulmán. En cualquier caso, lo que
sí parece evidente es que estos leones formaban parte de un espacio tratado
de forma teatral, donde se pretendía la ilusión de que el animal cobraba vida
mediante el agua (RUGGLES, 2000, p. 210).

Figura 31 – La Alhambra. Mirador de Lindaraja.

Fuente: autora.

Por otra parte, se ha especulado con la posibilidad de que la fuente de


los Leones fuera un reloj de agua (BERMÚDEZ PAREJA, 1967, p.24), con los doce
leones marcando las doce horas del día, señalando así la hora precisa para las

54 Jardins na história – Vol. I


abluciones, o quizás, para el riego simbólico del espacio, dividido en cuatro
cuadrantes por canales cuatro canales. El conjunto puede entenderse como
una metáfora perfecta del próspero paisaje cultivado enriquecido por la
inclusión del agua.

Figura 32 - La Alhambra. Patio de los Leones. Detalle de la fuente.

Fuente: autora.

Existe una gran polémica sobre la existencia de plantación en el patio


de los Leones. Autores como Dickie (1976, p. 100), Ruggles (2000, p. 193- 195)
o Martínez de Andosilla (2005, p. 16) defienden la existencia de cuatro cuadros
de plantación rehundidos, que se regarían desbordando los canales. Sin
embargo, otros como Pavón Maldonado (2004, p. 502- 508), aludiendo razones
funcionales, creen que el patio se trazó sobre un jardín de crucero rehundido
prenazarí con albercas en los extremos posteriormente enlosado en su
totalidad. Manzano Martos apoya esta idea, señalando que las superficies de

AJardins na história – Vol. I 55


mármol bruñido actuarían como una metáfora del agua. En este sentido pudo
existir una alusión al mítico sarḥ de Salomón, arquetipo de palacio o pabellón
con superficies pulimentadas como el cristal que aparentaban ser de agua
(RUBIERA MATA, 1988, p. 50). En la restauración llevada a cabo en 2011, al
levantar la capa superior de árido no se descubrieron restos de tierra vegetal
de espesor suficiente para permitir plantaciones. Por otra parte, de la
documentación histórica se dedujo que el patio había tenido originalmente un
suelo de mármol; en consecuencia, se restauró de ese modo, aunque
manteniendo los arbustos de los ángulos. ¿Patio de crucero o patio de crucero
rehundido? En cualquier caso, la solución no afecta a la originalidad de un patio
ideado para ser la expresión de un rey culto, que supo integrar en su
composición las influencias más diversas en una obra unitaria.

Figura 32 - La Alhambra. Patio de los Leones. Instalación floral temporal. Años 80 del siglo XX.

Fuente: fotografía cortesía de Consuelo Martínez- Correcher.

56 Jardins na história – Vol. I


7 EL JARDÍN HISPANOISLÁMICO. LA EVOLUCIÓN DE LOS TIPOS

La llegada del pueblo musulmán a una península de larga tradición


romana y visigoda supuso el desarrollo de nuevos tipos de jardín que
condensaron influencias diversas; un jardín medieval único que sólo pudo darse
en la península ibérica. A su vez, la transformación del territorio, antes árido,
en próspero y cultivado gracias a la introducción del agua, hizo que paisaje y
jardín establecieran relaciones visuales y alegóricas, materializadas a través del
empleo del agua como elemento utilitario, compositivo y metafórico. Por otra
parte, las traídas de agua, se configuraron como sustanciales condensadoras de
actuaciones a lo largo de su curso, de forma análoga a los ríos naturales. La
relación entre jardín y canal produjo el caso singular del patio de la Acequia del
Generalife, en el que la construcción se situó sobre la línea de traída de agua,
que después seguía su curso.

Los dos tipos de jardín fundamentales fueron el jardín de alberca


central y el jardín de crucero. Ambos cristalizaron en época almohade y
tuvieron sus ejemplos más elaborados en los patios nazaríes, evolucionando a
partir de ejemplos previos. El patio de la Alberca de Madīnat al- Zaharā̕
representa una solución inicial, el jardín de albercas desplazadas, en el que la
única alberca se aproxima a la fachada más ornamentada. En su desarrollo, el
esquema se volvió simétrico. La introducción en los patios de dos albercas en
lugar de una, en correspondencia con las dos salas principales de la edificación,
provocó que estas estructuras se integraran habitualmente en un jardín de
crucero (como en el primer jardín de la Casa de la Contratación, un patio de
crucero con albercas en sus extremos). También el jardín alto de Madīnat al-
Zaharā̕ es una excepción, en la que algunas de sus características no tuvieron
continuidad, como es la ampliación de uno de los brazos del crucero para
acoger un pabellón rodeado por albercas.

La alberca fue sin duda un elemento sustancial del patio en los


jardines hispanomusulmanes. Sus dimensiones se fueron ampliando hasta
llegar a protagonizar el espacio del jardín, ocupando la mayor parte de la
superficie del Patio del Yeso del Alcázar de Sevilla o del Patio de Comares de la

AJardins na história – Vol. I 57


Alhambra de Granada, ambos patios de alberca central. Asimismo, los patios
de crucero, de origen remoto, tienen en el jardín medieval español algunos de
sus mejores ejemplos. La partición del espacio en cuatro cuadrantes se
enriquece con su desarrollo tridimensional en dos alturas, dando lugar a
jardines de crucero rehundidos. Junto al primer ejemplo del jardín alto de
Madīnat al- Zaharā̕, el patio del Crucero y el de la Casa de la Contratación
(ambos en el Alcázar de Sevilla), y el patio de la Acequia del Generalife,
suponen interesantes transformaciones sobre el tipo inicial en las que el agua
singulariza cada una de las soluciones.

Madīnat al- Zaharā̕ es sin duda un caso peculiar, donde los


elementos de agua son cuatro albercas, situadas alrededor de un pabellón
central. La mayor de ellas se sitúa entre el Salón Rico y el pabellón, en una
composición que recuerda a los patios de alberca central, por las dimensiones
y emplazamiento de la lámina de agua. En el patio del Crucero, el agua ocupa
el eje longitudinal del recinto, posteriormente cubierto por una galería,
mientras que los cuatro cuadrantes resultantes se dividen de nuevo y alojan
fuentes en su centro. No menos original es la solución para el patio de la Casa
de la Contratación, un jardín de crucero rehundido con un estanque
cruciforme, que por su trazado aparenta descomponerse en cuatro albercas
con fuente central. Por otra parte, es asimismo un patio de crucero rehundido
el patio de la Acequia del Generalife, en este caso, con acequia en su eje mayor.
La modificación del plano del suelo produce, sobre el esquema repetido,
nuevas e interesantes variantes. En el patio de la Acequia la diferencia de cota
entre los ánditos y las eras de plantación es sólo de unos centímetros, por lo
que no se genera un espacio de paseo a una cota inferior. Su planta, de
proporción mucho más alargada, está condicionada por el sistema hidráulico
del territorio en el que se asienta. Este trazado, perfectamente adaptado a la
estructura del paisaje cultivado, puede ser considerado ejemplo paradigmático
de un simbolismo geográfico en el que se emula un territorio hecho próspero
y fértil gracias al riego.

Por último, pertenece también a la categoría de jardín de crucero el


patio de los Leones. Según las últimas investigaciones, sería el único de este

58 Jardins na história – Vol. I


grupo que no presenta una disposición en dos alturas. El agua, en este caso,
aparece en el centro, en la forma poco habitual de fuente elevada, y en cuatro
canales que siguen las cuatro direcciones del espacio. Es también singular por
ajeno a la arquitectura hispanomusulmana el empleo de pórticos en los cuatro
lados del patio, a semejanza de los peristilos grecorromanos o de los claustros
cristianos.

Por otra parte, es característica la asociación entre alberca y pila,


dispuesta en uno o en los dos costados menores, y situadas en una relación de
proximidad variable: invadiendo el espacio del estanque como en Comares o
incluso ubicadas fuera del recinto, como en el patio del Yeso del Real Alcázar
de Sevilla. Las pilas, como elemento del que parte el agua, aparecen también
en los patios de crucero: independientes de la acequia en el patio del Crucero
del Real Alcázar de Sevilla, central en el patio de la Casa de la Contratación y en
ambos extremos (y posiblemente también en el centro de la acequia),
ligeramente separadas de la línea de agua, en el patio de la Acequia del
Generalife. Pero sin duda, la solución más interesante se encuentra en el patio
de los Leones, en donde el agua parte del centro y de los extremos de las cuatro
acequias que atraviesan el patio. Dos de ellas, las que terminan en las salas
principales (Abencerrajes y Dos Hermanas), tienen pilas que se emplazan fuera
del recinto abierto, repitiendo el esquema del patio del Yeso del Real Alcázar
de Sevilla, adaptado como novedad en el patio nazarí a un esquema
cuatripartito.

Estos ejemplos son los más representativos. Otros muchos, no sólo


hispanomusulmanes, sino también realizados por reyes cristianos en el mismo
periodo, se podrían analizar según estos parámetros. Sobre unos esquemas
iniciales sencillos, mediante un número reducido de elementos y gracias al
empleo del agua y la introducción de planos de suelo a diferentes alturas, el
jardín medieval español produjo variantes imaginativas y únicas en occidente,
como expresión artística del rico acervo cultural de la península Ibérica.

AJardins na história – Vol. I 59


8 BIBLIOGRAFÍA
ALMAGRO GORBEA, A. Una nueva interpretación del Patio de la Casa de la Contratación del
Alcázar de Sevilla. Al-Qanṭara, nº XXVIII 1, p. 181-228, 2007.

ALMAGRO GORBEA, A. El Patio del Crucero de los Reales Alcázares de Sevilla. Al-Qanṭara, nº XX
2, p. 331-376, 1999.

ALMAGRO VIDAL, A. El concepto de espacio en la arquitectura palatina andalusí: un análisis


perceptivo a través de la infografía. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas,
2008.

BERMÚDEZ LÓPEZ, J; GÓMEZ OMÁN, A.M; RODRÍGUEZ DOMINGO, J.M. Valores simbólicos e
iconográficos de la fuente de los leones de la Alhambra. Cuadernos de Arte e Iconografía, tomo
VI, p. 60-67, noviembre, 1993.

BERMÚDEZ PAREJA, J. 1967. La Fuente de los Leones. Cuadernos de la Alhambra, nº 3, p. 21-29,


1967. Disponible en: http://hdl.handle.net/10514/5939

CARROLL- SPILLECKE, M. Earthly Paradises. Ancient Gardens in history and archeology. Londres:
The British Museum Press, 2003.

DICKIE, J. The Islamic Garden in Spain. En: MAC DOUGALL, E. B; ETTINGHAUSEN, R. The Islamic
Gardens. Washington D.C.: Dumbarton Oaks, 1976.

DICKIE, J. Los palacios de la Alhambra. En: DENISE DODDS, J. 1992. Al-Andalus: Las Artes
Islámicas en España. Nueva York: Metropolitan Museum of Art, Madrid: El Viso, 1992.

EGUARAS IBÁÑEZ, J. Ibn Luyun: Tratado De Agricultura. Granada: Patronato de la Alhambra y


Generalife, 1988.

FAIRCHILD RUGGLES, D. Islamic gardens and landscape. Pennsylvania: The Pennsylvania State
University Press. 2008.

FAIRCHILD RUGGLES, D. Gardens, landscape and vision in the Palaces of Islamic Spain.
Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2000.

FARRAR, L. Ancient Roman Gardens. Stroud: Sutton Pub, 1998.

GARCÍA PULIDO, L.J. El sistema de abastecimiento hidráulico de la almunia de los Alijares. Estado
de la cuestión. La España Medieval, vol 30, p.245- 280, 2007.

MANZANO MARTOS, R. De la villa romana a la almunia islámica. Sevilla: Universidad de Sevilla,


2002.

60 Jardins na história – Vol. I


MARTÍNEZ- CORRECHER, C. Tradición de la jardinería islámica en España. En: I ENCUENTRO
INTERNACIONAL HISPANOÁRABE DE JARDINERÍA, Sevilla, 26 y 27 de octubre de 2006. Actas,
Sevilla, 2006, p. 1-33.

MARTÍNEZ DE ANDOSILLA, V. Jardines medievales IV. Jardines hispano-islámicos. Parjap, Madrid,


nº 39, p. 12-23, verano 2005.

MARTÍNEZ DE ANDOSILLA, V. Jardines medievales III. Los jardines hispano-islámicos. Córdoba,


Zaragoza, Toledo, Vélez Benaudalla. Parjap, Madrid, nº 38, p. 3-16, primavera 2005.

PAVÓN MALDONADO, B. Tratado de arquitectura hispanomusulmana, vol III Palacios. Madrid:


CSIC. 2004.

PAVÓN MALDONADO, B. Tratado de arquitectura hispanomusulmana, vol I Agua. Madrid: CSIC,


1990.

RUBIERA MATA, M.J. La arquitectura en la literatura árabe. Madrid: Hiperión, 1988.

TORRES BALBÁS, L. Patios de crucero. Al-Andalus, v. XXXIII; pp. 300-323, 1958.

AGRADECIMENTOS
Esta investigación se enmarca en el programa LABPA-CM: CRITERIOS,
MÉTODOS Y TÉCNICAS CONTEMPORÁNEAS PARA EL CONOCIMIENTO Y LA
CONSERVACIÓN DEL PAISAJE (H2019/HUM-5692), financiado por el Fondo
Social Europeo y la Comunidad de Madrid.

AUTORA
Carmen Toribio Marín: Doctor arquitecta; profesora ayudante doctor,
departamento de Composición Arquitectónica, Escuela Superior de
Arquitectura (ETSAM), Universidad Politécnica de Madrid (UPM); miembro
del Grupo de Investigación Paisaje Cultural (GIPC). Currículo completo en
http://composicion.aq.upm.es/Personales/Carmen%20Toribio/Camen%20Tor
ibio%20Marin.html

AJardins na história – Vol. I 61


62 Jardins na história – Vol. I
Capítulo 02
El espacio del jardín renacentista en Italia, 1450-1580

The Renaissance garden space in Italy, 1450-1580

Miguel Ángel Aníbarro Rodriguez


Doctor arquitecto, ETSAM/ Universidad Politécnica de Madrid
miguelangel.anibarro@upm.es

RESUMEN
La concepción del espacio en la arquitectura del Renacimiento partió del descubrimiento de la
perspectiva central por Brunelleschi, que permitía ‘proyectar’ sobre el papel los edificios en su
entorno urbano, y también sus interiores, de manera muy cercana a la visión de una persona
quieta. Esta concepción espacial, congruente con un sistema compositivo basado en los principios
establecidos por Alberti, se transmitió enseguida al jardín: el trazado regular de calles
perpendiculares, los cuadros rectangulares, las alineaciones de árboles a distancias iguales y el
señalamiento del punto de fuga sustituían a los elementos arquitectónicos, configurando espacios
perspectivos al aire libre. Los primeros tratadistas enuncian los aspectos fundamentales del nuevo
jardín y dan algunos ejemplos gráficos. Pero ya a mediados del siglo XV aparecen jardines de villa
que muestran un espacio perspectivo elemental. Dos problemas surgen entonces: el asentamiento
sobre un terreno en pendiente y la ocupación del plano horizontal. El primero se resolvería
mediante el aterrazamiento en torno a la casa o, mejor, a lo largo de un eje, como queda fijado en
el Belvedere vaticano a comienzos del XVI. La solución del segundo consistiría en la prolongación
del trazado en cruz en una dirección predominante o en dos, y la subdivisión mediante calles
secundarias. Ahora bien, mientras el aterrazamiento dio lugar a dos modos de visión: la efectuada
a pie quieto (estática) y al moverse (encadenada), la extensión del jardín llano produjo una analogía
con la ciudad de la época en cuanto a elementos, trazado y espacio.
PALABRAS-CLAVE: Jardín renacentista, jardín aterrazado, jardín llano.

ABSTRACT
The conception of space in Renaissance architecture stemmed from Brunelleschi’s discovery of
central perspective, which enabled the ‘projection’ on paper of buildings in their urban
environment, as well as their interiors, in a way that was very close to the perception of a motionless
viewer. This spatial conception, congruent with a compositional system based on the principles
established by Alberti, was then transferred to the garden: the regular layout of perpendicular
streets, the rectangular squares, the alignments of trees at equal distances and the definition of
the vanishing point replaced the architectural elements, shaping outdoor perspectival spaces.The
first treatises enunciate the fundamental features of the new garden and give some graphic
examples. But as early as the mid-15th century, some villa gardens were already showing an
elementary perspectival space. Two problems then arose: the settlement on sloping terrains and
the occupation of the horizontal plane. The first was to be solved by laying terraces around the
house or, preferably, along an axis, as seen in the Vatican’s Belvedere at the beginning of the 16th
century. The solution to the second problem involved the extension of a cross-shaped layout in one
or two main directions and its subdivision through secondary streets. However, while the terracing

AJardins na história – Vol. I 63


gave rise to two modes of vision: motionless (static) and when moving (linked), the extension of the
flat garden produced an analogy with the city of that period, in terms of elements, layout and space.
KEY-WORDS: Renaissance Garden, terraced garden, flat garden.

Cuando Brunelleschi realizó las tablillas de la plaza de la Señoría y el


Baptisterio florentinos puso de manifiesto ante sus contemporáneos las
posibilidades de un sistema de representación, largamente buscado en la
pintura tardomedieval, que permitía dibujar las tres dimensiones del espacio:
la perspectiva moderna, enseguida puesta a prueba en los campos de la
arquitectura, la pintura y la escultura, cuyas reglas serían después elaboradas
por Leon Battista Alberti y Piero della Francesca. 33 En ella convergía una
naciente concepción del espacio con el procedimiento idóneo para
representarlo. Las tablillas reproducían las vistas de dos escenas urbanas en el
interior de un artilugio que obligaba a observarlas desde un solo punto de vista
y que, situado en el sitio preciso desde el cual fueron tomadas, permitía al
espectador comprobar la extremada fidelidad del espacio pintado al espacio
real, aumentada por el efecto de las nubes pasando sobre aquél al reflejarse en
el espejo utilizado por el autor como plano de cielo de su construcción
perspectiva (DAMISCH, 1997, pp. 125-131). Pues bien, tal proximidad a la visión
de una persona quieta -la visión del pintor- convirtió muy pronto la perspectiva
central de técnica de representación del espacio verdadero en instrumento de
verificación del espacio imaginado por el arquitecto, porque permitía proyectar
sobre el papel la imagen mental que éste tenía del mismo. Es más, dada su
congruencia con la forma volumétrica general y con los componentes de los
órdenes, las reglas del sistema gráfico podían ser traducidas a relaciones
compositivas equivalentes en el nuevo sistema arquitectónico del
Renacimiento, activando aquellos recursos que favorecieran la lectura en el
edificio de las distancias y los tamaños, y por tanto de la profundidad
(BENEVOLO, 1981, pp. 73-81).

33 Este texto es una versión revisada del publicado por primera vez en Jardín y Naturaleza en el
siglo XVI. Aranjuez, Sociedad Estatal para la Conmemoración de los Centenarios de Felipe II y Carlos
V, 1998, pp. 17 a 30. Para un desarrollo mucho más amplio y detallado, véase Aníbarro, 2022.

64 Jardins na história – Vol. I


Así la articulación de paredes y techos mediante la repetición de
miembros iguales -columnas, entablamentos, arcos-, la división modular del
suelo y la aplicación a la caja de muros de proporciones fácilmente legibles,
señalando el punto de fuga con un vano o un elemento plástico y haciendo
coincidir el de vista con la entrada al recinto, incorporaban de modo implícito
los criterios gráficos de profundidad al interior del edificio: la convergencia de
las líneas perpendiculares al plano del cuadro, la disminución del tamaño de los
objetos al alejarse del espectador, el aumento de la densidad de textura con la
distancia e incluso, cuando era posible, la superposición de objetos. Estos
procedimientos se aplicaron al espacio del jardín acomodándolos a sus
peculiaridades. Apenas perceptibles en los pequeños jardines cuatripartitos,
perspectivamente neutros, de los palacios urbanos, en el momento en que el
trazado ortogonal comenzó a extenderse en una de sus direcciones ésta fue
entendida como la de la profundidad, determinando el eje de visión. La
modulación del plano de suelo se tradujo sin dificultad en la distribución de
cuadros vegetales bajos; en cambio las alineaciones de árboles a los lados de
las calles sólo parcialmente podían sustituir la refinada formalización de los
planos verticales en los interiores arquitectónicos; en el eje se colocaron
pabellones, estatuas o fuentes produciendo, sin molestias de uso, un efecto de
superposición parcial infrecuente en los edificios. También el punto de fuga
pudo trasladarse en términos equivalentes con un nicho o una fuente mural,
así como la fachada de la casa de villa servía como plano de fondo o, al
contrario, uno de sus huecos se identificaba como el punto de vista prefijado.
Quizá podamos considerar la invitación de Alberti en su De re
aedificatoria (ms. 1443-1452) a la diversidad de los espacios de la villa, un
primer indicio del interés por establecer una secuencia perspectiva a lo largo
de un eje: ‘Váyase de las estancias cuadrángulas a las redondas, y de las
redondas otra vez a las de ángulos, y desde éstas se dé paso a aquellas que ni
todas redondas ni tampoco se cierren de líneas todas derechas’ (IX.II f. 273).
Esta sucesión espacial, que lo mismo puede entenderse referida a las estancias
interiores que a las del jardín, sería usada por Filarete (ms. 1460-1464) en el
seguimiento del patio central de la casa, generalmente porticado, por el jardín
situado detrás, con la misma anchura de ésta y a ejes, como señala la pieza

AJardins na história – Vol. I 65


acuática que nunca falta en medio (XI p. 194, XVI p. 279, XVIII p. 313 y XXI p.
348).

Figura 1 – Filarete: casa en lugar pantanoso y casa del arquitecto Onitoan.

Fuente: Filarete, 1460-1464, pp. 313 y 347.

Pero fue Francesco di Giorgio (ms. 1478-1486 y 1489-1492) quien explicitó la


axialidad -y con ella la visión perspectiva sobre el eje- como condición del orden
geométrico del jardín: ‘Sea por línea recta que las calles y las plazas ordenadas
unas con otras se correspondan’ (I p. 246); y en efecto, en su planta del palacio
real no sólo se suceden los cuerpos de edificación, los dos patios y el jardín
enlazados axialmente en la dirección que señala la entrada, sino que en el
recinto del último una sucesión de objetos -la sala sobresaliente con su logia,
el pabellón o tribuna octogonal y la galería en forma de T- materializan el eje,
generador de una partición regular semejante a la de la casa en la cual queda
invertida la relación entre espacios y sólidos de los interiores domésticos (I pp.
70-72 y lám. 29).

66 Jardins na história – Vol. I


Figura 2 – Francesco di Giorgio: palacio real con jardín posterior.

Fuente: Di Giorgio , 1478-1486 y 1489-1492, I lám. 29.

1 LA FORMACIÓN DE UN ESPACIO PERSPECTIVO

Hasta aquí se trata de diseños teóricos. El primer jardín construido


del que guardamos el testimonio gráfico -aunque muy posterior- de una
configuración perspectiva del espacio es el de la villa de Cosme de Médicis en
Cafaggiolo, a mediados del siglo XV. El luneto de Utens (MIGNANI 1982, pp. 49-
51) muestra tras la casa fuerte un jardín de aspecto rústico que contiene unos
pocos elementos indispensables: seis cuadros que modulan la superficie del
terreno a los lados de una calle axial, un emparrado con gruesos pilares y
poyetes que actúa como plano de fondo y, en medio de él, una fuente alojada
en una hornacina de la cerca que indica el punto de fuga. Pero la puerta se
encuentra en una esquina, lejos del comienzo de la calle principal, y la casa no
tiene correspondencia axial con el jardín. También el prado delantero se
dispone angularmente con notable libertad; en cambio, el paseo recto que
conduce hasta la ribera, con la plazoleta rectangular arbolada, está en el eje de
la torre que defiende el acceso al edificio, definiendo perspectivamente la vista
desde el río.

AJardins na história – Vol. I 67


Figura 3 – Villa Médicis en Cafaggiolo: luneto de Utens.

Fuente: Mignani, 1982, p.21.

En Poggio a Caiano, la villa de Lorenzo de Médicis, el prado, la casa


y el jardín se recomponen en un recinto unitario, organizado axialmente, que
ocupa una ligera elevación del terreno (ACKERMAN, 1990, pp. 78-85). Esta
última circunstancia permite introducir ciertas modificaciones, pues el camino
que atraviesa derecho la pradera en la línea de mayor pendiente, las escaleras
adosadas al basamento en la misma cima y el pórtico a la antigua insertado en
el frente del edificio se colocan progresivamente hacia el fondo, subrayando la
disposición piramidal de los volúmenes: terraza, basamento y casa
escalonados. La dirección de la visión se superpone con la del recorrido desde
el portal de entrada, con la de la vertiente y con el eje que estructura el
conjunto. Pero esta integración compositiva se logra al precio de subordinar el
jardín al edificio, amplificando monótonamente el módulo del intercolumnio
sobre la terraza que ocupa la mitad posterior; sometimiento en parte
compensado por la continuidad del eje en los campos exteriores, donde el
trazado regular se acomoda con soltura a la diversidad de los cultivos y a las
variaciones del contorno.

68 Jardins na história – Vol. I


Figura 4 – Villa Médicis en Poggio a Caiano: luneto de Utens.

Fuente: Mignani, 1982, p.25

La coherencia orgánica de Poggio a Caiano, derivada de la


singularidad de su asentamiento, difícilmente podía lograrse cuando la villa se
instalaba en una ladera. En Poggioreale, a las afueras de Nápoles, el palacete
de Alfonso de Aragón no se situaba en posición centrada, sino en la esquina del
recinto más próxima a la ciudad (MODESTI, 2014). La posibilidad de extender
los jardines en dos direcciones, frente a las fachadas interiores del edificio, dio
pie a tres disposiciones perspectivas relativamente independientes en dos
niveles distintos. En la terraza alta, que seguía las curvas de nivel en dirección
este, había -por lo que es posible deducir de diferentes documentos- un patio
con una piscina entre dos logias laterales; tras él unos escalones llevaban a un
jardín rectangular, con su dimensión mayor en profundidad, cuyo eje estaba
señalado por un canal que se ensanchaba en medio para acoger un templete.
Contemplado desde el palacete, las dos logias encuadrarían el espacio
suavemente ascendente, centrado en el pabellón, que se recortaría sobre el
fondo oscuro del bosque plantado a continuación. Ante la fachada sur, una
escalinata axial descendía hacia otro jardín distribuido en cruz con cuatro

AJardins na história – Vol. I 69


cuadros arbolados; el eje de visión que nacía en la escalinata, mantenido por
la fuente de la glorieta central, concluía en el balcón abierto en el muro, que
dominaba el paisaje de la costa. Esta organización angular se cerraba con el
gran estanque partido por dos diques, articulado formalmente con el jardín
superior mediante la galería y la arcada situadas en su eje transversal, con una
plataforma adelantándose en el agua y probablemente alineado con el jardín
de arboledas, a cuya cota se hallaba, en otro eje secundario. El estanque
completa un cercado rectangular; sin embargo, la discontinuidad espacial
entre los tres sectores del jardín resulta manifiesta y el equilibrio de la
composición gracias al desdoblamiento de ejes, un tanto precario debido a la
ambigüedad respecto a la dirección principal de desarrollo y al consiguiente
debilitamiento de la jerarquización de edificios y jardines.

Figura 5 – Poggioreale: detalle de la vista de Nápoles de Baratta.

Fuente: Modesti, 2014, il.6.

2 VISIÓN ESTÁTICA Y VISIÓN ENCADENADA

Esta dificultad es la que resuelve Bramante en el teatro-jardín del


Belvedere. Alberti ya había sugerido el encadenamiento de las terrazas al
referirse al modo de contener las tierras de la ladera: ‘Advertí también que los

70 Jardins na história – Vol. I


arquitectos antiguos no se contentaron con un solo escarpe junto a su sitio,
sino que quisieron que a muchas como gradas estuviesen afirmadas todas las
rocas hasta las bajas raíces del monte’ (I.VIII fo. 21). Esta anotación parece
debida a la observación directa de ciertas ruinas, y aunque el tratadista no lo
dice porque no es el tema en ese momento, cae de su peso que en esas
plataformas al pie de la casa es posible instalar el jardín. En los primeros años
del siglo XVI Bramante concibe una idea similar para cumplir el encargo
recibido del papa Julio II: construir un teatro abierto para celebraciones y
fiestas, un jardín y un ‘antiquarium’ (o museo de antigüedades) entre el palacio
vaticano y la villa Belvedere -levantada por Inocencio VIII sobre el monte San
Egidio, a unos trescientos metros en línea recta- y conectar con ella
horizontalmente las habitaciones papales, completando, al tiempo, con un
muro el sistema defensivo del Borgo. El arquitecto decidió levantar dos brazos
paralelos con pasos a tres alturas dirigidos hacia la villa, recortando una franja
del terreno, y en el vacío encerrado por ellos, tres terrazas que salvaran el
desnivel de más de veinte metros, la inferior destinada a teatro y la superior a
jardín, instalando el ‘antiquarium’ en un patio que completaba la villa
Belvedere, la cual, girada y ligeramente desplazada, quedaba oculta tras el
muro de cierre. El recinto resultante, estrecho y profundo, no dejaba más
alternativa que desplegar el espacio en la dirección de la vertiente, de nuevo
axialmente unificado; los mecanismos de articulación de los niveles extremos -
gradas, torres laterales, rampas adosadas- se concentraban en el intermedio,
mientras el eje era señalado por el vano del ninfeo en el segundo desnivel, la
fuente en medio del jardín alto y el hemiciclo con la escalinata circular
ahuecado en el muro de fondo. Éste era el espectáculo perspectivo preparado
para el papa que, por primera vez desde la Antigüedad alcanzaba, como ha
señalado Benevolo (1994, pp. 16-21), el límite de la percepción en relieve. Es
sabido que Bramante no llegó a terminarlo, y cuando Pirro Ligorio lo hizo fue
alterando sus proporciones al levantar sobre el hemiciclo media cúpula
coronada por una columnata.

AJardins na história – Vol. I 71


Figura 6 – Teatro-jardín del Belvedere en el complejo del Vaticano: planta de Letarouilly.

Fuente: Aníbarro, 2002, p. 111.

Ahora bien, esta organización escalonada de la ladera configuraba el


espacio perspectivo, además de en profundidad, en altura, algo que no parece
haberse producido en edificio ni ciudad algunos hasta entonces, y que luego
será el rasgo esencial de muchos jardines construidos sobre terrenos en
pendiente. Sin embargo, el Belvedere estaba concebido para ser contemplado
desde las ventanas de las estancias pontificias, es decir, a la altura de la terraza
superior y desde el límite del recinto. Bruschi (1973, pp. 162-183) ha estudiado
las correcciones ópticas introducidas por Bramante para lograr una visión
coherente de un espacio de tales dimensiones; pero esa imagen unitaria y
estática no era la que se presentaba a los ojos del espectador corriente, que
accedía al plano inferior del recinto por la puerta Julia (FRANCHINA, 1981). Al
descender el punto de mira desaparecía la visión global preparada para el
papa: las terrazas altas quedaban semiocultas por la interposición de los planos

72 Jardins na história – Vol. I


verticales de los muros de contención, las líneas en la dirección de la
profundidad no parecían converger en un punto de fuga, sino en varios
alineados en un eje de fuga vertical, la construcción perspectiva se desencajaba
revelando un espacio troceado que un espectador quieto no acababa de
comprender. Esta tensión incitaría probablemente a realizar un recorrido que
debía producirse a lo largo del eje, con desviaciones a un lado u otro en las
rampas y con puntos de parada en la coronación de cada cambio de nivel. Al
iniciarlo el espectador desencadena el movimiento aparente de las piezas que
configuran el espacio, que se ocultan primero y se muestran después en
función de la distancia y de la altura respecto a los planos verticales. En cada
punto de estación se descubre un aspecto nuevo, pero siempre parcial del
recinto; a medida que se va subiendo, las vistas hacia delante, condicionadas
por los muros de contención, se alternan con las contrarias, hacia atrás,
condicionadas a su vez por los planos de suelo. Sólo al coronar las rampas
alcanzando la terraza superior, esa doble mirada permite al observador una
comprensión global del espacio equivalente a la obtenida por Julio II desde sus
ventanas; hasta que en el círculo central del hemiciclo se recupera una visión
unificada, inversa a la del papa, pero semiocultos ahora los planos inferiores
por la extensión horizontal del jardín. Esta visión perspectiva, que podemos
llamar, mejor que dinámica, encadenada, nace con la sustitución del punto de
vista quieto, el del pintor que contempla el espacio desde su borde, por uno
móvil a lo largo del eje, el del espectador que lo experimenta al desplazarse por
su interior. Por lo tanto, el espacio homogéneo característico del Renacimiento
temprano, al que corresponde una visión instantánea, se transforma aquí,
debido a la combinación de desarrollo escalonado y profundidad extrema, en
un montaje ilusorio de un espacio fragmentario y anisótropo que obliga a una
percepción discontinua: una serie de encuadres perspectivos captados en
puntos de parada sucesivos situados en el eje, enlazados mediante tramos de
visión en movimiento, que habrán de integrarse en la memoria para lograr una
imagen mental coherente.

AJardins na história – Vol. I 73


Figura 7 – El Belvedere inacabado: dibujo de Dosio.

Fuente: Aníbarro, 2002, p.115.

La propuesta del Belvedere no tardó en ser trasladada al jardín de


ladera. En los años veinte este modelo fue adoptado por la villa Imperiale en
Pésaro, delimitando un recinto de proporciones alargadas en la dirección de la
pendiente, colocando el cuerpo principal de edificación al pie de la colina y
escalonando el terreno en tres terrazas sucesivas hasta la cumbre, envueltas
por crujías laterales que servían de pasos entre las habitaciones de los duques
de Urbino y los jardines (AZZI VISENTINI, 1995, pp. 134-145). Pero los espacios
desarrollados en profundidad están aquí comprimidos para conformar unos
oblongos, cuyos muros frontales dificultan, por su proximidad, cualquier atisbo
de las terrazas superiores; el punto de vista preferente, bien se consideren los
arcos del salón abovedado de la planta principal o los balcones de la planta
primera, no es lo suficientemente elevado para dominar todo el recinto; las
conexiones con los planos altos permanecen ocultas en los brazos, quedando
las terrazas sin articulación y subrayado su aislamiento por el tratamiento de
los bordes. De modo que la unidad compositiva de la villa, lograda con la rigidez

74 Jardins na história – Vol. I


del contorno, no es suficiente para desenvolver las posibilidades unificadoras
del espacio perspectivo, que aparece fragmentado en ámbitos autónomos
posados a distintas alturas de la ladera, coartada la visión estática y
desmontados los mecanismos de la percepción encadenada al independizar los
recorridos en cada nivel. Pero, rota la unidad espacial, la comprensión visual
del espacio se recupera desde los puntos de parada situados en el eje de cada
terraza.

Figura 8 – Villa Imperiale en Pésaro: planta y sección.

Fuente: Azzi Visentini, 1995, p. 136.

Serlio recoge las consecuencias del teatro-jardín bramantesco y el


eco de la villa Imperiale no tanto en el libro III (1540), cuando se refiere a `los
jardines del papa´ sin describirlos (ff. 117r-120), como en el VII (1575) donde
expone tres soluciones de aterrazamiento para construir una villa en altura (ff.
161, 165 y 175). En las tres la casa se integra en la composición, precedida por
una o más plataformas con rampas largas; pero se separa de la vertiente con
un patio posterior que produce un brusco corte del terreno, tras el cual se
escalonan las terrazas altas. La interposición del edificio rompe la continuidad

AJardins na história – Vol. I 75


de los espacios abiertos, la excavación del patio restringe la visión de los
sectores superiores y la ocultación de las escaleras en el muro de contención,
como en Pésaro, impide la articulación entre ambos, manifestando una
contradicción en el sistema que para el momento en que fue conocida estaba
siendo ya superada.

Figura 9 – Sebastiano Serlio: villa en ladera (casa LXIX).

Fuente: Serlio, 1575, VII f. 175.

76 Jardins na história – Vol. I


3 EL ESPACIO DEL JARDÍN LLANO

Si en el jardín de terrazas el espacio perspectivo se despliega hacia


el fondo y hacia arriba, en los jardines construidos sobre un terreno llano se
despliega en extensión. El mismo ejemplo de Cafaggiolo indica cómo se ocupa
la superficie horizontal colocando los elementos en profundidad. Pero cuando
el trazado no se dilata en una dirección sino en dos perpendiculares, da lugar a
un entramado de calles y de cuadros vegetales que tiende a ser homogéneo y
de dimensiones similares en ambas. Esta expansión puede efectuarse de dos
modos: por adición de calles paralelas a las dos ortogonales o por subdivisión
de los cuartos resultantes de la partición en cruz. Con el primero se produce
una malla uniforme y flexible en cuanto a modulación y contorno; con el
segundo, una jerarquizada que demanda una distribución rigurosa y un
contorno regular. En ambos casos se configura un espacio bidireccional, pero
mientras el que resulta de la subdivisión es centralizado, con sus componentes
graduados desde el punto medio del recinto a la periferia, el entramado
uniforme puede dar diversas soluciones, con un eje o dos distintos de desigual
importancia.
Figura 10 – Jardines Farnesio en el Palatino: planta de Falda.

Fuente: Falda, 1667.

AJardins na história – Vol. I 77


Los jardines Farnesio en el Palatino, construidos a partir de 1542, son
un ejemplo del planteamiento uniforme y de su capacidad de adaptación a las
condiciones del sitio. Al instalarse en la meseta del Palatino y delante del Foro,
el jardín extenso de la parte superior debe combinarse con un frente
escalonado que salve la diferencia de cota mediante un sistema comprimido
de rampas, grutas y plataformas, al tiempo que –ausente esta vez la casa de
villa- constituya una fachada digna de su ilustre usufructuario, el papa Pablo III.
Tras la portada aparecen en altura rampas y muros, acompañados por bandas
laterales de plantación y coronados por la fuente rústica y las dos pajareras,
levantadas como torres a sus costados, ligeramente divergentes. La conexión
con el jardín llano se produce precisamente en este punto, ya que sus calles
nacen en la plazoleta definida tras ellas. Sin embargo, la propiedad era
inicialmente más estrecha en la meseta que en el declive frontal y desplazada
hacia el norte, como se observa en el plano de Roma de Du Pérac (COFFIN,
1991, pp. 69-75). Debido a la falta de correspondencia, la directriz del
desarrollo del jardín alto no coincide con el eje del frente arquitectónico: la
calle que la incorpora se traslada a la desembocadura de una de las escalinatas
simétricas. En perpendicular a esta calle se trazan otras cuatro que no están a
intervalos constantes, más tres paralelas que no hacen todo el recorrido,
debido tanto a la irregularidad del perímetro por el noroeste como a los
sectores añadidos posteriormente en el lado sur. Las calles están delimitadas
por setos de mediana altura de los que surgen alineaciones de árboles de porte
medio, y los cuadros resultantes son ocupados por diseños ornamentales,
pequeñas arboledas y, en un sector rehundido, estanques. En la banda
meridional hay, en cambio, algunos cercados autónomos: un selvático, un
jardín cuatripartito y otro reservado tras un casino. Ahora bien, al contrario que
en los ejemplos anteriores, no hay nada que subraye la axialidad de la calle
principal: no parece que tenga mayor anchura, no hay fuentes ni estatuas, no
se amplía ninguno de los cruces; su jerarquía viene dada por estar enfrente del
acceso y por ser la única que atraviesa toda la meseta hasta el borde posterior,
donde se abre una glorieta semicircular. La cortina de cipreses que recorre ese
frente irregular hacia el circo Máximo y el Aventino sirve como único fondo
perspectivo. Así se configura una malla de espacios lineales, poco articulada,

78 Jardins na história – Vol. I


de módulo variable e interrumpida al oeste por emergencias rocosas
mezcladas con restos de edificios antiguos, cuyo pintoresquismo es remarcado
en la planta de Falda en vivo contrate con la regularidad del trazado.
Un caso inverso es el del jardín de Bóboli que ocupa, tras el palacio
Pitti, el hueco de una vieja cantera, trepando por sus laderas para extenderse
sobre el plano superior del terreno (LAZZARO, 1990, p. 190-200). Esa topografía
provoca una singular correlación entre palacio y jardín. El edificio se organiza
en torno a un patio, pero dejando abierto el lado posterior hacia el jardín, que
así podía ser contemplado por los grandes duques Cosme I y Eleonora de
Toledo desde las salas principales de la crujía central; a su vez la hondonada
toma la figura de un hipódromo a la antigua, vuelto hacia el palacio y a ejes con
él, de modo que al vano del edificio le corresponde el hueco del jardín, así como
las crujías laterales del primero vienen a coincidir en anchura con las laderas
del segundo. Esta correspondencia, que no se traduce en continuidad espacial
debido al desnivel que los separa, es manifiesta en la pintura de Utens gracias
a la elección del punto de vista axial y elevado. En ella se observa también una
segunda característica: la simultaneidad en el jardín del desarrollo monoaxial y
la extensión en retícula. El eje del palacio, señalado por la fuente de Juno sobre
la plataforma intermedia y sostenido por la del Océano en el prado que ocupa
el fondo del valle, continúa en el declive cortando simétricamente las
arboledas, hasta alcanzar el estanque de Neptuno. Pero la vertiente no se
aterraza: de los costados del prado nace un entramado perpendicular que
distribuye uniformemente la superficie en macizos densamente arbolados, con
independencia de la inclinación u horizontalidad del terreno. El trazado se
adapta en la cabecera girando en cuartos de círculo; las arboledas no parecen
limitadas por setos, los cruces de las calles se señalan con un ciprés o quizás un
laurel. Superadas las laderas, la retícula se expande en todas direcciones. Por
detrás de Neptuno el eje desaparece, los cuadros aumentan de tamaño y la
plantación se aligera. A los lados de la hondonada las calles alcanzan las
proximidades del muro de Cosme y a la izquierda son interrumpidas por una
banda, posiblemente de ‘ragnaie’, que delimita un espacio aproximadamente
simétrico. Allí, junto al ala noroeste del palacio, una cerca recorta el jardín
reservado, que repite en su interior el trazado con un módulo menor y cuadros

AJardins na história – Vol. I 79


de índole ornamental. Así pues, la disposición perspectiva de las tres estatuas
sobre el eje y la sucesión de pradera, arboledas y estanque, observada desde
el palacio, se conjuga con el bosque reticulado que ordena el recinto hasta sus
límites, conformando un espacio en profundidad al tiempo que bidireccional, y
evitando un escalonamiento de las laderas que hubiera dado un énfasis
excesivo al cierre del valle.

Figura 11 – Primer jardín de Bóboli tras el palacio Pitti: luneto de Utens.

Fuente: Mignani, 1982, p.33.

4 EL DESPLIEGUE DEL JARDÍN ATERRAZADO

En cambio, en la villa del cardenal Ippolito d’Este en Tívoli, cuyas


obras duraron buen parte de la segunda mitad del siglo, el énfasis axial es
logrado justamente mediante un aterrazamiento que se expande en anchura,
provocando la multiplicación de calles y contracalles a los lados del eje. La
pendiente del terreno se producía oblicuamente en dirección oeste, pero la
necesidad de aterrazar frontalmente al palacio, disimulando una ligera
discordancia angular, hace que el plano de suelo se levante hasta la altura de
la muralla en un costado, abriéndose al paisaje de la campiña, y cerrándose

80 Jardins na história – Vol. I


hacia la población con las elevaciones del terreno en el contrario. Los jardines
resultan de la yuxtaposición de un plano horizontal y otro inclinado: el primero
partido en cuadros por el procedimiento de subdivisión de los cuartos, que
debía prolongarse en los laberintos laterales; el segundo dispuesto en declives
cada vez más fuertes, cuyos encuentros se resuelven con paseos transversales,
repetidos en las medias alturas. Estos paseos forman escalones estrechos, no
verdaderas terrazas; pero al aparecer en el eje avanzando frentes
arquitectónicos superpuestos visualmente entre la fuente de la Girándula y la
logia adosada al palacio -oculta su escasa profundidad tras las masas de árboles
de la ladera-, producen un efecto de aterrazamiento aparente en contraste con
la planitud del jardín de cuadros. Ahora bien, esa organización perspectiva en
altura no debía de ser visible desde la entrada inferior, al quedar oculta por el
pabellón de enrejado que cubría la glorieta central del jardín bajo, mientras las
galerías cruzadas obligaban al visitante que las atravesaba a atender a las
plantaciones de los cuadros y a las construcciones de madera que los
adornaban. Sería al salir de la galería axial cuando se descubriera la imponente
sucesión de ninfeos y plataformas adelantadas en la vertiente, con sus distintas
estatuas de Hércules. Pero en ese mismo punto aparece en dirección
transversal un artefacto perspectivo no menos potente que el principal: la
banda de estanques -que debía acabar en la fuente del Océano, nunca
construida- lleva la mirada hacia la caída de aguas en el lado noreste: la fuente
del Diluvio, después sustituida por Bernini por una cascada rústica, y sobre ella
la del Órgano. La conjunción de componentes acuáticos, arquitectónicos y
escultóricos, dispuestos escalonadamente en altura, con los sonidos del órgano
hidráulico que henchían el recinto, sería una incitación irresistible a una deriva
transversal del recorrido.

AJardins na história – Vol. I 81


Figura 12 – Villa d’Este en Tívoli: vista de Du Pérac. 1573.

Fuente: Coffin, 1991, p. 87.

A esta enérgica valoración de la anchura corresponde la apertura de


caminos perpendiculares y de rampas paralelas al eje, que constituyen sobre
la pendiente una malla en continuidad con la del jardín inferior, pero rellena
de arbolado. En medio de ella está la Girándula ahuecada en el terreno, con el
artificio giratorio de sus aguas ante el hueco oscuro del ninfeo. Al subir hacia la
fuente, y luego por las escalinatas curvas que la rodean, reaparecen los efectos
de movimiento y semiocultación propios del aterrazado, ya descritos en el
Belvedere. Pero nada más superarla, un nuevo tema transversal, el paseo de
las Cien Fuentes, interrumpe el trayecto impeliendo a acercarse a uno u otro
de sus extremos: el del recinto del Óvalo coronado por la Sibila Tiburtina y el
de la Pequeña Roma con una representación de la capital del imperio

82 Jardins na história – Vol. I


(MADONNA, 1981). Desde aquí hacia arriba la inclinación del terreno impide
continuar el trazado ortogonal, que es sustituido por rampas diagonales hasta
el pie de la terraza superior, a la que suben escalinatas adosadas. En ella se
levanta el palacio, cuyos cuerpos extremos dan fondo perspectivo a las calles
laterales, mientras la logia lo da a la central. Desde esta logia de dos alturas se
obtiene la vista inversa de los jardines, a través del conducto óptico cortado
por el eje en las arboledas, sobre las plataformas avanzadas, hasta la glorieta
del jardín de cuadros. No obstante, una última llamada en dirección
perpendicular invita a acercarse al borde mismo del recinto, donde la logia de
los Banquetes, la construcción en arco que cierra la terraza en anchura,
encuadra el panorama de la campiña en dirección a Roma, con el perfil de la
ciudad actual en el horizonte y abajo el modelo de la ciudad antigua.

Figura 13 – Villa d’Este en Tívoli: vista frontal de Venturini.

Fuente: Aníbarro, 2002, p.187.

Esta compleja organización espacial de la villa d’Este pone en


marcha las capacidades perspectivas del aterrazamiento axial implícitas en el

AJardins na história – Vol. I 83


Belvedere y cuidadosamente evitadas en la villa Imperiale. Aun siendo las
terrazas más aparentes que reales, se recuperan los mecanismos de
articulación plástica y de continuidad de visión y recorrido. A la vez que se
prescinde del contorno rígido, alterando las proporciones alargadas en
profundidad y rompiendo el aislamiento visual del teatro-jardín bramantesco,
desaparece el punto de vista elevado al pie del recinto, con el edificio arriba,
recortando su perfil en el cielo y sirviendo de plano de fondo a la vista de la
villa. Como desde él la percepción global y estática es incompleta, porque están
ocultos los planos verticales que en parte tapan también los horizontales, la
visión perspectiva encadenada pasa a ser ya dominante.
De lo anterior se deduce que la constitución del espacio en el jardín
renacentista depende, más que del tratamiento de los elementos que lo
delimitan lateralmente –aunque en el caso del Belvedere éste fuera un dato
decisivo-, de otros dos factores: la organización del plano de suelo, su
distribución en unos casos, su escalonamiento en otros, y las condiciones de la
visión perspectiva, sea convencional o encadenada. A su vez, la presentación
de ese espacio al espectador depende en gran medida de las elevaciones, es
decir, de aquellos elementos que destacan en altura -fuentes y piezas
escultóricas, escalinatas y muros, cortinas o masas de árboles, la misma casa
de villa-, concretando planos en profundidad, sucesiones axiales y puntos clave
del trazado. Así en la villa Lante en Bagnaia -que, siendo la realización más
depurada de este espacio desplegado en profundidad, quizá fuera en su época
menos conocida que las anteriores, por su localización más apartada y la no
tan alta relevancia social de sus sucesivos propietarios-, lo que se muestra a la
mirada al ingresar en el recinto es la extensión del jardín bajo, partido en cuatro
módulos en cada dirección, centrado por la fuente de los Morenos y los cuatro
estanques que sustituyen a los cuadros a su alrededor. Las figuras que dan
nombre a la fuente y los surtidores que nacen de ellas destacan sobre el fondo
vegetal que ocupa el vacío entre los dos casinos. He aquí la mayor singularidad
de la villa: la casa no se construye abajo, ocultando al exterior la visión del
jardín como en villa Imperiale, ni arriba, culminándola a la manera de villa
d’Este, sino en una ubicación intermedia, en la base de la ladera, al fondo del
plano inferior. Pero en esta posición el edificio hubiera dividido el jardín, como

84 Jardins na história – Vol. I


ocurre en el casino de la villa Farnesio en Caprarola. En villa Lante, en cambio,
se da preferencia a la continuidad espacial y es el edificio el que se divide en
dos, liberando la franja central. Los casinos gemelos actúan como las dos torres
que engrosan los brazos del Belvedere: estableciendo el límite posterior del
jardín bajo, encuadrando la visión ascendente de los niveles superiores y
estrechando transitoriamente el espacio para facilitar la articulación entre
aquel y éstos. No obstante, la vista axial encuadrada por los casinos debía estar
originalmente bloqueada, mirando desde la cancela, bien por el edificio-fuente
de figura cilíndrica pintado en el fresco del casino Gambara, bien por la
pirámide acuática a la que se refiere Montaigne (ms. 1580-81, p. 473), que
fijarían la mirada en el jardín bajo; su sustitución por la fuente de tazas dibujada
por Ligustri o por la presente amplió la vista axial, en la que de todos modos se
interponen. Sólo al sobrepasarlas es posible identificar en la espesura las piezas
colocadas en profundidad por encima del talud entre los edificios: la franja
superior del muro de la primera terraza y de la fuente cóncavo-convexa y las
dos metas que señalan la desembocadura de la cadena de agua en el sitio en
tiempos ocupado por la Sirena con su potente surtidor (RUGGIERI 1983, pp.
22). El plegamiento del terreno oculta en parte la primera terraza y por entero
la segunda; tampoco la cadena de agua se vería, tapada por la Sirena, tras la
cual debía aparecer, quizá confundido con las copas de los árboles, el pabellón
vegetal que cubría la fuente de los Delfines.
Esta es una percepción reducida del espacio del jardín, en la que se
enseñan pocas piezas y algunas sólo en parte, que prepara la visión
encadenada; una imagen de referencia bastante para captar la atención del
espectador e incitarle al recorrido, que deberá ser modificada y perfeccionada
por la cadena de imágenes obtenidas a lo largo del mismo en la serie de puntos
de vista prefijados. Al pie del primer talud apenas se ve nada salvo el arbolado,
pero a medida que se sube por las rampas van apareciendo los elementos de
la primera terraza; la fuente bramantesca, con su escalonamiento concéntrico,
invita a continuar hacia arriba, y al hacerlo surgen las figuras de los Gigantes y
luego la mesa de piedra. Tanto en la coronación del talud como en la del primer
muro de contención se vuelven a tener en el eje vistas progresivas y parciales
de las piezas superiores, y además, girando ciento ochenta grados, otras de los

AJardins na história – Vol. I 85


planos inferiores, sobre todo del jardín de cuadros, cada vez más alejadas y
más centradas en el cuadrado acuático y en la fuente, alineada con el arco de
acceso. Lo mismo ocurriría al superar el muro de la segunda terraza si no lo
impedía la Sirena. Desde allí la cadena de agua guía el tránsito por el talud alto
hasta la fuente de los Delfines, que se adivinaría en las sombras del pabellón
vegetal, coronando la vertiente.

Figura 14 – Villa Lante en Bagnaia: grabado de Ligustri, detalle.

Fuente: Coffin, 1991, p. 91.

86 Jardins na história – Vol. I


Éste era el término del recorrido anunciado por la visión inicial: el
despliegue espacial de la villa quedaba visualmente acotado por la pieza
cilíndrica y por este pabellón, en medio de los planos extremos. Pero el jardín
no había concluido, porque a continuación se descubría, entre los bastidores
perspectivos de las logias de las Musas y de las pajareras, la oquedad selvática
de la fuente del Diluvio, por la que todavía cae el agua, entre vegetación y
rocas, desde la cumbre de la colina.

5 LA ANALOGÍA URBANA

En los jardines de terreno llano no se producen estos fenómenos de


superposición de elementos en altura y semiocultación de unos por otros, ni
por tanto el doble recurso de despertar la atención y después provocar la
sorpresa. Sin embargo, es factible sacar partido de otras circunstancias que
ofrecen ocasión para recomponer la malla regular y transformar su espacio. Es
el caso de la villa Médicis en el Pincio, tal como quedó organizada en 1580. La
casa de villa se encuentra en el borde occidental del recinto, dando cara a la
ciudad y salvando el desnivel con los terrenos posteriores. Éstos habían sido
anteriormente allanados a la cota superior de la muralla aureliana, que los
cierra por oriente. Ammannati abrió una logia en la fachada hacia el jardín y
elevó dos torres sobre la cubierta; pero el recinto no se extiende en la dirección
marcada por su eje, sino en el perpendicular: un paseo enlaza todas las partes
de la villa de sur a norte, partiendo de la entrada posterior por la vía de Porta
Pinciana. Delante de la logia está el rectángulo despejado de la plaza, con una
fuente algo adelantada, a ejes del edificio; más allá hay un jardín de cuadros
bajos. Tal como dibuja Falda, tanto la plaza como el jardín son más anchos que
el frente de la casa, y los cuadros de aquel no están centrados con ésta sino
desplazados al norte, de modo que el eje del edificio coincide con una de las
calles transversales, señalada por un obelisco en línea con la fuente de la plaza.
El corrimiento de ambos equilibra el grosor de la galería de antigüedades, que
se adosa perpendicularmente a la casa en el lado sur, continuando en la terraza
que sostiene la parte alta del recinto; pero también facilita una visión oblicua,
fuera de eje, del edificio.

AJardins na história – Vol. I 87


Figura 15 –Villa Médicis en el Pincio: planta de Falda.

Fuente: Falda, 1667.

Entre la plaza y el jardín bajo cruza el paseo, acompañado por


alineaciones de árboles que giran en ángulo recto separando ambos del jardín
norte, en el que se adentra a continuación. Éste, el mayor del recinto, está
también formado por cuadros, pero los setos que los rodean se elevan por
encima de la altura de los ojos, ocultando su interior y conformando bloques
vegetales aparentemente macizos (bosquetes). La percepción se desplaza
entonces desde la ornamentación superficial de los cuadros recortados en el
suelo a las calles cortadas en la masa de la vegetación, que adquieren altura y
profundidad, es decir cualidad de volumen espacial, como el de las calles
urbanas. El jardín está distribuido por dos calles perpendiculares que se cruzan
en una glorieta circular, y los cuartos resultantes por otras paralelas a ambas;
en las principales, que sirven como ejes, sobresalen árboles de los setos y en
sus fondos perspectivos aparecen el grupo de las Nióbides, una entrada
secundaria desde el exterior y el pabellón llamado de Cleopatra, a través del
cual se vislumbra el paisaje extramuros. Obsérvese que el esquema en planta
de este jardín de bosquetes es igual al del plano inferior de villa Lante, Pero no
sus elementos, de modo que el resultado espacial no puede ser más diferente.
Las anomalías de los límites de la propiedad son corregidas por un muro

88 Jardins na história – Vol. I


vegetal, en cuyos intersticios se alojan construcciones menores; de modo que
la regularidad de la composición resulta tan pregnante que la planta de Falda
cambia la proporción rectangular del jardín (véase la planta de Roma de Nolli,
en Frutaz, 1962) en cuadrada.
Al sur el suelo se levanta con la terraza, desde la que se dominan el
edificio y los jardines, de nuevo en visión oblicua. Detrás hay una floresta o
selvático partido por un camino a ejes con el jardín inferior y por varios
perpendiculares, hasta el montículo cónico desde cuya cima, donde más tarde
se construyó un pabellón, se descubren panoramas de la ciudad y la campiña.
Así que, por una parte, los tres jardines de la villa del Pincio se organizan
espacialmente en otros tantos entramados ortogonales, de estricta regularidad
en módulos, ángulos y contorno, y de igual intervalo en dirección este-oeste,
pero distinto en la opuesta. Por otra, estos tres sectores y la plaza se
yuxtaponen en una configuración condicionada por el contraste entre la
posición de la casa y la dirección predominante del recinto, sujetos
compositivamente por un armazón de cinco líneas: el eje del edificio, que
engarza la plaza y el jardín de cuadros bajos; el paseo longitudinal, único que
relaciona todos los sectores del recinto; el vial perpendicular a éste en el jardín
de bosquetes; el longitudinal del jardín bajo, colineal -aunque a distinta cota-
con el eje del selvático y con la calle oriental de los bosquetes; y la prolongación
de la calle occidental de los mismos que corta al primero en la fuente de la
plaza. Esta fuente, el obelisco y las glorietas circulares en los cruces, así como
los elementos situados en los fondos perspectivos -puertas, grupo escultórico,
pabellones y monte-, además del propio edificio, constituyen las referencias
visuales de la villa; mientras las vistas elevadas desde la casa, la terraza o el
monte permiten constatar la regularidad de los trazados en que está basada la
composición y el armazón estructural que la unifica. Finalmente, en el jardín de
bosquetes, cuyo trazado jerarquizado de extraordinaria precisión suscita la
imagen de la ciudad regular (por ejemplo, de la ciudad cuadrada de Vitrubio
según Fra Giocondo), la elevación de los setos transmuta el jardín de cuadros
en un doble sistema de volúmenes sólidos y espaciales -a modo de manzanas
y calles- en el que no faltan, como en la ciudad, la plaza ni las murallas, las
puertas ni los monumentos.

AJardins na história – Vol. I 89


De esta manera, mientras el espacio del jardín de terrazas explora la
organización perspectiva en profundidad y en altura, el del jardín llano,
extendido en las dos direcciones horizontales, se aproxima a una analogía del
espacio urbano. Ambos continuarán desplegándose en ejemplos cada vez de
mayor tamaño y complejidad hasta la segunda mitad del siglo XVII.

6 REFERENCIAS

Fuentes
ALBERTI, L.B. De re aedificatoria (ms. 1443-1452), Florencia 1485. Ed. fac. de la española de 1582:
Los diez libros de Architectura de León Baptista Alberto. Valencia: Albatros, 1977.

DI GIORGIO MARTINI, F. Trattati de architettura ingegneria e arte militare (ms. 1478-1486 y 1489-
1492). Ed. crít. Milán: Il Polifilo, 1967.

FALDA, G. Li Giardini di Roma: con le loro piante alzate e vedvte in prospettiva. Roma, 1667.

FILARETE (A. Averlino). Trattato de Architettura (ms. 1460-1464). Ed. española: Tratado de
Arquitectura. Vitoria: Ephialte, 1990.

MONTAIGNE, M. de. Journal de voyage en Italie (ms. 1580-1581). París: Librairie Générale
Française, 1974.

SERLIO, S. I sette libri dell’Architettura, Venecia 1584 (libro III: Venecia 1540; libro VII: Francfort
1575). Ed. española: Todas las obras de Arquitectura y Perspectiva de Sebastián Serlio de Bolonia.
2 vols. Oviedo: Colegio Oficial de Aparejadores y Arquitectos Técnicos de Asturias, 1986.

Estudios
ACKERMAN, J. S. The Villa. Form and Ideology of Country House. Londres: Thames and Hudson,
1990.

ANÍBARRO, M. Á. La construcción del jardín clásico. Teoría, composición y tipos. Tres Cantos
(Madrid): Akal, 2002.

AZZI VISENTINI, M. La villa in Italia. Quattrocento e Cinquecento. Milán: Electa, 1995.

BENEVOLO, L. Historia de la arquitectura del Renacimiento. Barcelona, Gustavo Gili, 1981.

BENEVOLO, L. La captura del infinito. Madrid: Celeste, 1994.

BRUSCHI, A. Bramante. Roma-Bari: Laterza, 1973.

COFFIN, D. R. Gardens and Gardening in Papal Rome. Princeton (N.J.): Princeton University Press,
1991.

90 Jardins na história – Vol. I


DAMISCH, H. El origen de la perspectiva. Madrid: Alianza, 1997.

FRANCHINA, L. Proposta di lettura prospettica di un giardino: il Belvedere bramantesco. En: Il


giardino storico italiano. Problemi di indagine fonti letterarie e storiche. Actas del Congreso de
Estudios Siena-San Quirico d’Orcia 1978. Florencia, Leo S. Olschki, 1981, pp. 45-52.

FRUTAZ, A. P. Le piante di Roma. Roma: Istituto di Studi Romani, 1962.

LAZZARO, C. The Italian Renaissance Garden. New Haven y Londres: Yale University Press, 1990.

LETAROUILLY, P. Édifices de Rome Moderne. París, Morel, c. 1840. Ed. fac. Londres: Architectural
Press, 1982.

MADONNA, M.L. Pirro Ligorio e villa d’Este: La escena di Roma e il mistero della Sibila. En: Il giardino
storico italiano. Problemi di indagine fonti letterarie e storiche. Actas del Congreso de Estudios
Siena-San Quirico d’Orcia 1978. Florencia: Leo S. Olschki, 1981, pp. 173-196.

MIGNANI, D. Le ville medicee di Giusto Utens. Florencia: Arnaud, 1982.

MODESTI, P. Le delizie ritrovate. Poggioreale e la villa del Rinascimento nella Napoli aragonese.
Florencia: Leo S. Olschki, 2014.

RUGGIERI, G. Villa Lante. Florencia: Bonechi, 1983.

AUTOR
Miguel Ángel Aníbarro Rodríguez. Doctor arquitecto, profesor jubilado del
departamento de Composición Arquitectónica, Escuela Superior de
Arquitectura (ETSAM), Universidad Politécnica de Madrid (UPM); miembro
fundador del Grupo de Investigación Paisaje Cultural (GIPC). Currículo
abreviado
en:http://composicion.aq.upm.es/Personales/Miguel%20Angel%20Anibarro/
MiguelAngelAnibarro.html

AJardins na história – Vol. I 91


92 Jardins na história – Vol. I
Capítulo 03
Jardins Ingleses

English Gardens

Norma Regina Truppel Constantino


Professora Doutora, UNESP, Brasil
norma.rt.constantino@unesp.br

RESUMO
Os jardins ingleses dos séculos XVIII e XIX, um período marcado por inúmeras descobertas no
âmbito científico e filosófico, refletiram os processos históricos, sociais, econômicos e culturais de
sua época, ao mesmo tempo que condicionaram os processos futuros. O movimento romântico
iniciado na poesia, na literatura e na pintura expandiu-se para a arte dos jardins, tornando-se
fundamental a continuidade entre o jardim e paisagem, sem quebras visuais. Observou-se tanto
as recuperações históricas da antiguidade clássica como a desconstrução do academicismo barroco
visando provocar surpresa, variedade e perspectivas idílicas a partir da sinuosidade, irregularidade
e aproximação com o meio natural. Muitos desses elementos ainda continuam a integrar o
desenho dos parques públicos urbanos contemporâneos.

PALAVRAS-CHAVE: Jardins ingleses. Jardim pitoresco. Parques urbanos.

ABSTRACT
The English gardens of the 18th and 19th centuries, a period marked by numerous discoveries in
the scientific and philosophical fields, reflected the historical, social, economic and cultural
processes of their time, at the same time, they conditioned future processes. He romantic
movement started in poetry, literature and painting expanded to the art of gardens, making
continuity between the garden and the landscape essential, without visual barriers. The historical
recoveries of classical antiquity and the deconstruction of baroque academicism were observed,
aiming to provoke surprise, variety and idyllic perspectives from the sinuosity, irregularities and
approximation with the natural environment. Many of these elements are still part of the design of
the contemporary urban public parks.
.
KEY-WORDS: English gardens. Picturesque garden. Urban parks.

AJardins na história – Vol. I 93


1 INTRODUÇÃO

O conceito de paisagem começou a ser difundido a partir do século


XVIII, “alimentado pelo espírito romântico ligado ao mundo natural” (LEITE,
1994, p.30). Como paisagem “designa uma parte do território, tal como é
percebida pelas populações e cujo caráter resulta da ação de fatores naturais
e/ou humanos e das suas inter-relações” (COUNCIL OF EUROPE, 2000) também
podemos afirmar que toda paisagem é cultural, “não essencialmente porque é
vista por uma cultura”, mas “por ter sido produzida dentro de um conjunto de
práticas (econômicas, políticas, sociais), e segundo valores que, de certa forma,
ela simboliza” (BESSE, 2014, p.30).
Nesse sentido, podemos dizer que os jardins ingleses dos séculos
XVIII e XIX, um período marcado por inúmeras descobertas no âmbito científico
e filosófico, refletiram os processos históricos, sociais, econômicos e culturais
de sua época, ao mesmo tempo que condicionaram os processos futuros.
Segundo Aliata & Silvestri (2008, p.94), “os valores que informam a paisagem
inglesa são inseparáveis das mudanças sociais que levam o mundo ao
desenvolvimento produtivo e comercial que a historiografia menciona como
revolução industrial”.
Para podermos compreender as modificações ocorridas nas atitudes
em relação à paisagem na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, é interessante
relacionar a história da “paisagem na pintura, da paisagem na literatura, do
paisagismo e da arquitetura paisagística. Mas na análise final devemos
relacionar estas histórias à história comum de uma terra e da sociedade nela
existente” (WILLIAMS, 1989, p.167).
Nesse quadro amplo de mudanças, Panzini (2013) comenta que
houve uma verdadeira revolução na arte dos jardins, marcada pela
intensificação do uso do solo agrário e a construção de moradias senhoriais
que transformaram a paisagem. O autor completa dizendo que “à evolução do
gosto deram impulso ensaístas e literatos que apoiavam o novo regime político
e que reconheciam no processo de colonização do campo a possibilidade de
uma renovação ética e artística” (PANZINI, 2013, p.437). Ao mesmo tempo,
Thomas (1988, p.313) considera que no século XVIII, na Inglaterra, “o gosto

94 Jardins na história – Vol. I


pelo agreste e pelo irregular seduzia os mais abastados que os pobres, que
lutavam pela subsistência, ou os agricultores, que ainda batalhavam com a
terra.”
Thomas (1988, p.311) concorda que não foi por acaso que “a
Inglaterra se celebrizou por seu estilo mais natural, e a jardinagem de
paisagismo se tornou uma das aquisições culturais mais características do
país”. Para o autor, o campo, quadriculado pelos cercamentos, aproximava-se
dos efeitos produzidos pelos jardins geométricos do passado, ao contrário do
apelo estético provocado pelo informalismo dos jardins, com suas formas mais
naturais e “uma sutil inclusão do jardim no campo circundante”. O jardim e sua
extensão para a paisagem também identificavam “valores sociais e políticos,
na livre e natural paisagem inglesa” para Aliata & Silvestri (2008, p.97),
comparando com o jardim francês, “cujo paradigma era Versalhes, e parecia a
quintessência do poder absoluto”. Sendo assim, o jardim geométrico
expressava “a visão cartesiana da natureza como parte de uma ordem divina
de regularidade matemática” (LASDUN, 1991, p.77), relacionada a um passado
absolutista.
Nesse sentido, Alliata & Silvestri (2008, p.93) concordam que na
Inglaterra dos séculos XVIII e XIX a paisagem alcança as “formas canônicas que
ainda hoje reconhecemos, atendendo tanto ao aspecto de construção concreta
do território como às bases estéticas de sua fruição e expressão, aponta-se a
uma constelação de temas que vinculam aspectos técnicos e formais políticos
e ideológicos.” Os autores destacam “a exasperação de oposições não
necessariamente originais, como tecnologia/natureza, ciência/vida,
campo/cidade”. Também salientam a tendência à indiferenciação entre
natureza e paisagem, “que culmina em meados do século XIX, em relação à
ascensão da burguesia ilustrada e sua vontade de naturalizar as relações sociais
já impostas à sociedade civil, para ocupar o espaço político da aristocracia.”
Para Thomas (1988, p.314) “o atrativo primeiro do cenário campestre era que
ele lembrava ao espectador as pinturas paisagísticas”, completando que “a
cena era somente chamada de paisagem (landscape), por recordar uma vista
(landskip) pintada: era pitoresca porque parecia com uma pintura.”

Jardins na história – Vol. I 95


Por volta de 1700, a discussão de questões filosóficas envolvendo a
harmonia entre o homem e a natureza, foram estimuladas pelas grandes
viagens, os Grand Tours, principalmente à Itália, atravessando os Alpes, para a
observação in loco das escavações de Herculano e Pompéia, onde admiravam-
se as ruínas e os templos em romântico estado de abandono. Para Thomas
(1988, p.309), “o apreço pela natureza, e particularmente pela natureza
selvagem, se convertera numa espécie de ato religioso. A natureza não era só
bela; era moralmente benéfica”. Para o autor, também a paixão pelo cenário
montanhoso, selvagem e romântico, tomou conta do público que gostava de
viajar. “Encorajadas pela sua facilidade para viajar, as classes educadas vieram
a atribuir importância sem precedentes à contemplação da paisagem e à
apreciação do cenário rural. “(THOMAS, 1988, p.317).
Os viajantes levavam para a Inglaterra as obras adquiridas, que
retratavam paisagens bucólicas com fragmentos de antigas arquiteturas,
principalmente trabalhos de pintores italianos do século XVII, o que contribuiu
para o surgimento de novas ideias estéticas (LEITE, 1994, p.38). Entre os
autores preferidos estavam Salvator Rosa, Nicolas Poussin e Claude Lorrain.
Portanto, a atração pela natureza e “a apreciação do jardim paisagístico inglês
do século XVIII requeria uma educação clássica e algum conhecimento de
história e literatura, necessários para se captar todas as referências a Horácio
e Virgílio ou as alusões a Poussin e Claude Lorrain.” (THOMAS, 1988, p.314). E
é a articulação entre esses temas que irá imprimir à ideia de paisagem “valores
morais liberais que ainda hoje persistem inspirando a ação progressista sobre
o território” (ALIATA & SILVESTRI, 2008, p.94).
Com a abertura do comércio para a China e Japão, a arte chinesa
chega à Europa através da porcelana, da seda e outros objetos de caráter
doméstico. Os jardins chineses que tanto deslumbraram os europeus através
das pinturas em porcelanas constituíam uma criação artificial de uma paisagem
de montanhas, rochedos de formas estranhas, canais, pontes e lagos. Para
Panzini (2013) as informações sobre os jardins chineses foram enviadas à
Europa a partir do final do século XVI pelos missionários jesuítas, através de
relatórios onde descreviam os jardins. Segundo o autor, com o tempo os
jesuítas passaram a “compreender e apreciar sua estética baseada na surpresa,

96 Jardins na história – Vol. I


na assimetria, na manipulação das formas naturais e começaram até a
recomendar esse estilo aos europeus” (PANZINI, 2013, p.445).

2 OS JARDINS INGLESES E A LITERATURA

Os jardins na Inglaterra entre 1710 e 1730, foram concebidos mais


por filósofos, escritores e virtuosos, do que por arquitetos e jardineiros,
segundo Pevsner (1983, p.118). E, embora exista muita controvérsia sobre
quando a visão pitoresca da paisagem apareceu pela primeira vez, “o ano de
1794 é um marco de sua aplicação ao Paisagismo, com a publicação do Essay
on the Picturesque, de Uvedale Price (1747-1829) onde coloca problema da
dramaticidade do projeto e indica como modelos de criação as obras pictóricas
dos grandes mestres” (LEITE, 1994, p.42).
Uvedale Price sugeria que o conceito de pitoresco fosse aplicado a
todos os tipos de cenários “que tenham sido ou possam ser representados pela
pintura, resultando em bom efeito”, caracterizados pela irregularidade,
rusticidade e surpresa. (MOORE et al., 2011, p.59). Na obra de Price o pitoresco
era definido “a partir de sua relação com a pintura de paisagens, como um
conjunto de princípios formais que distava da natureza domesticada do jardim
paisagista, dos grandes campos abertos de meados do século XVIII”, para criar
uma resposta emocional positiva à aqueles efeitos visuais (OLIVEIRA, 2008,
p.62).
Em 1795 Richard Payne Knight (1750-1824) publicou The Landscape:
a didactic Poem, em que exprime em versos os mesmos princípios de Price.
Ambos criticavam a ausência de complexidade nas paisagens de Capability
Brown (1716-1783), por suas texturas suaves e formas simples. Knight
considerava que Brown não entendia de pintura e era incapaz de produzir os
efeitos pitorescos. O poema de Knight vinha acompanhado por duas gravuras,
uma mostrando o que poderia ter sido projetado por Capability Brown e outra,
uma cena similar, mas de maneira pitoresca (HERRINGTON, 2017).
Os jardins não mais seguiam as regras compositivas da arquitetura
barroca. Para Oliveira (2008) o jardim inglês “remeteu-se a recuperações
históricas da antiguidade clássica num constante processo de desconstrução

Jardins na história – Vol. I 97


do academicismo barroco durante todo o século XVIII em direção a uma
produção que se desenvolve dentre outros aspectos a partir da sinuosidade,
irregularidade e aproximação ao meio natural, alcançando em suas últimas
décadas a radicalização das sensações, tendo o sublime como objetivo”
(OLIVEIRA, 2008, p.62). Portanto os jardins visavam provocar surpresa,
variedade e perspectivas idílicas, apresentando grupos de árvores arranjadas
naturalmente, caminhos sinuosos e rios com curvas.
Sublime é o termo literário que trata das experiências frente aos
fenômenos naturais muito grandes para serem compreendidas pelos sentidos
e imaginação. Em 1757, a publicação de Uma investigação crítica acerca da
origem de nossas idéias de Sublime e de Belo (Inquiry into the origen of our
ideas of the Sublime and Beautiful), de Edmund Burke (1729-1797), foi um
grande meio de difusão do ideário do sublime na Inglaterra do século XVIII.
Para Schama (1996, p.538) Edmund Burke dizia que “tudo o que ameaçava a
autopreservação era uma fonte do sublime”. Nesse sentido, Edmund Burke
apresentava “a distinção entre o belo e o sublime, sendo o primeiro (o Belo)
relativo à percepção da fluidez, das curvas, das superfícies lisas e das
graduações tênues”, e o Sublime seria uma aproximação do homem ao terrível
e assustador, provocando emoções que “conduziriam a uma nova e mais rica
percepção da beleza e da natureza” (OLIVEIRA, 2008, p.62).
Dentre os livros clássicos para entender o tema, encontra-se The
Analysis of Beauty, de William Hogarth (1697-1764), publicado em 1753, onde
salienta a irregularidade e as curvas serpenteantes do mundo natural como
características fundamentais para dotar uma paisagem de beleza (OLIVEIRA,
2008, p.63).
O belo contrastava com o Sublime e em 1772, tomando isso como
exemplo, William Chambers (1723-1796) “criou uma visão fantástica dos
jardins chineses em sua obra Dissertation on Oriental Gardening” (MOORE et
al., 2011, p.59). Em sua obra, Chambers descrevia as ruínas, algumas vezes
semidestruídas pelo fogo ou pela força das águas, a fúria dos animais ferozes e
as rajadas de vento. Em 1757, Chambers publicou Designs of Chinese Buildings
e, segundo Schama (1996, p.538) “naturalmente havia pagodes, dentre os
quais se destacava o de dez andares construído em Kew Gardens para a

98 Jardins na história – Vol. I


princesa Augusta”, conforme observa-se na Figura 1. William Chambers havia
realizado três viagens ao Oriente antes de se dedicar à arquitetura de jardins
anglochinoises. Em seus textos explica como a obra dos jardineiros orientais “é
uma sorte de mascaramento, encenação de ambientes geográficos,
representação de mudanças estacionais”, enfim, gerando múltiplas emoções
(ALIATA & SILVESTRI, 2008, p.157).

Figura 1 – Pagode em Kew Gardens, William Chambers.

Fonte: Acervo Norma Constantino, 2014.

Jardins na história – Vol. I 99


William Gilpin (1724-1804) apresentou pela primeira vez, entre 1768
e 1776, avaliações descritivas de lugares reais, relacionando seus atributos
físicos e estéticos com a resposta emocional que sua observação despertava.
“A possibilidade de identificar fontes de beleza na natureza trouxe também a
possibilidade de selecionar apenas o mais belo e de eliminar o resto,
construindo paisagens esteticamente perfeitas” (LEITE, 1994, p.38). Para a
mesma autora, através da pintura e de sua escala de valores foi possível, dentro
do ambiente real, “ligar os conceitos abstratos de beleza ao arranjo de árvores,
gramados, pedras e água, unindo os princípios artísticos com a prática de
organização da paisagem.”
Foi Gilpin quem “introduziu no debate sobre a beleza dos cenários
naturais o termo pitoresco, referente às vistas de grandes contrastes.”
(PANZINI, 2013, p.459). Nesse sentido, Schama (1996, p.147) concorda que
Gilpin julgava que a liberdade inglesa estava “situada no cenário mais autêntico
e pitoresco da Inglaterra: a floresta”. O autor completa dizendo que “Gilpin
acreditava que sua defesa do pitoresco poderia convencer o governo e a elite
de que valia a pena preservar a paisagem.” Na obra de William Gilpin (1789),
Observations Relative Chiefly to Picturesque Beauty, logo seguido por Three
Essays on Picturesque Beauty, aparece o conceito de pitoresco junto ao Belo e
Sublime. Suas obras tiveram imensa popularidade e foram traduzidas para o
francês e para o alemão, “tornando-se referência obrigatória para os criadores
de jardins” (PANZINI, 2013, p.460). No Quadro 1 consta os nomes dos autores
e de suas principais obras.

100 Jardins na história – Vol. I


Quadro 1 – Jardins ingleses na literatura do século XVIII
AUTOR OBRA ANO
PUBLICAÇÃO
Alexander Pope (1688-1744) Epistle to Lord Burlington 1731
Essay on Man 1733
William Hogarth (1697-1764) The Analysis of Beauty 1753

William Chambers (1723- Design of Chinese Buildings 1757


1796) Dissertation on Oriental 1772
Gardening
Edmund Burke (1729-1797) A Philosophical Inquiry into the 1757
origen of our ideas of the Sublime
and Beautiful
Horace Walpole (1717-1797) History of the Modern Taste in 1780
Gardening
William Gilpin (1724-1804) Observations Relative Chiefly to 1789
Picturesque Beauty
Three Essays on Picturesque 1792
Beauty
Uvedale Price (1747-1829) Essay on the Picturesque, as 1794
compared with the Sublime and
the Beautiful
Batty Langley (1696-1751) New Principles of Gardening 1728

Humphry Repton (1752 – Sketches and Hints on Landscape 1795


1818) Gardening
Observations on the theory and 1803
Practice of Landscape Gardening 1806
An Inquiry into the changes… 1808
Landscape Designs for the 1816
pavilion…
Fragments on the Theory and
practice…
Richard Payne Knight (1750- The Landscape: a didactic Poem 1795
1824)
Fonte: Elaborado pela autora

Jardins na história – Vol. I 101


Price, Knight e Wiliam Gilpin – que trabalhou no assunto quase trinta
anos antes – diferiam consideravelmente nos detalhes de suas
interpretações sobre o pitoresco. Entretanto tinham uma comunhão de
interesses suficiente para fornecer os fundamentos da Escola do
Pitoresco que defendia como qualidades da paisagem a textura, a
rugosidade, a assimetria, a irregularidade, o segredo, o inesperado e,
sobretudo, a impressão de uma situação natural. As qualidades
exaltadas pelos defensores do pitoresco eram a mudança súbita e um
grau de variação suficientemente amplo para abranger extremos,
incorporando tanto aspectos naturais e informais quanto aspectos
projetados e construídos. (LEITE, 1984, p.42)

Alexander Pope (1688-1744), poeta, ensaísta e crítico literário de


grande influência, “expressou seu interesse pelas paisagens agrárias, voltando
sua ironia contra os jardins marcados pelo excesso de formalismo” (PANZINI,
2013, p.438). Ele apreciava o palladianismo, estilo arquitetônico que vinha
prevalecendo entre os proprietários rurais, tomando como referência a obra
de Palladio34, que considerava o maior intérprete das lições de Vitrúvio. Em sua
propriedade Twickenham (1719-1725) levou em prática todas suas ideias e
atitudes frente à natureza e os jardins. Pevsner (1983, p.107) narra que em
1719, Pope comprou a casa com dois hectares de terreno e iniciou suas
intervenções. A gruta ficou pronta em 1722, quando recebeu os primeiros
visitantes. Da gruta seguia um caminho sinuoso, passando por um pequeno
templo, ruínas, estátuas e um lago de onde partiam outros caminhos radiais,
circundado por um bosque. O conjunto era um tanto reduzido, pois a escala do
lugar impedia que o jardim parecesse como natureza intacta, no entanto suas
ideias foram revisadas no Essay on Man (1733) e na Epistle to the Earl of
Burlington, em 1731 (PEVSNER, 1983). Segundo Moore et al. (2011, p.55), em
seu Essay on Man, Pope fala que “um jardim pode nos lembrar o Éden, criando
um lugar para a habitação humana em meio às plantas e aos animais.” E na
obra Moral Essays, Pope sugere que “é bem sucedido aquele que causa
perplexidades prazerosas, que cria surpresas, variedade e oculta os limite.”
(MOORE et al.,2011, p.155).

34
Andrea Palladio (1508-1580) foi um arquiteto italiano. “Em seu tratado I Quattro Libri
dell´Architettura (1570) os próprios edifícios foram apresentados como tipos ideais abstratos”
(JELLICOE et al., 1986, p.419, tradução nossa)

102 Jardins na história – Vol. I


Pope, em sua “Epistle to Lord Burlington” (1731) advertia que ao
projetar, o autor deveria “Consult the Genius of the Place in all”,35 o que
significava que o projeto do jardim deveria corresponder às características
físicas e culturais do lugar (SALWA, 2019, p.293).
A obra de Horace Walpole (1717-1797) publicada em 1780, History
of the Modern Taste in Gardening, “é um conto de aventuras alegre, cheio de
elogios a heróis e descrições de seus surpreendentes feitos e descobertas”
(MOORE et al.,2011, p.147). Em um episódio aparece o arquiteto, pintor e
paisagista William Kent, apreciando a paisagem, “vendo que a natureza inteira
era um jardim”. (MOORE et al., 2011, p.151). Walpole reivindica para Kent e
Charles Bridgeman o título de inventores do novo estilo, dizendo que
Bridgeman aboliu a escultura sobre o verde e inventou o ha-ha 36mas que foi
Kent quem se destacou na sua utilização (PEVSNER, 1983, p.114). Segundo
Jellicoe & Jellicoe (1995, p.233) Walpole identificava três importantes aspectos
nos jardins: a ferme orné (fazenda ornamental) ou o cenário utilitário dentro
do campo da arte; o forest or savage garden (jardim selvagem) ou o pitoresco,
o domínio da pintura; e o Garden wich connects a park (o jardim conectado
com um parque), relativo ao espaço projetado por Capability Brown e
intelectualizado por Humphry Repton.
Segundo Schama (1996, p.534) Horace Walpole “celebrou William
Kent como o destruidor de fronteiras entre o jardim e a natureza. Era isso que

35 Conforme Norberg-Schulz (1984, p.18), o genius loci é um conceito romano. Na Roma antiga
acreditava-se que todo ser independente possuía um genius, um espírito guardião. Esse espírito
dá vida às pessoas e aos lugares, acompanha-os do nascimento à morte, e determina seu caráter
ou essência,” pois no passado a sobrevivência dependia de uma boa relação com o lugar, tanto
física quanto psíquica. Na Epistle to Lord Burlington, Alexander Pope diz: “Consult the Genius of
the Place in all; That tells the Water or to rise, or fall; Or helps the ambitious Hill the heav’ns to
scale; Or scoops en circling Theatres the Vale; Calls in the Country, catches opening Glades; Joins
willing Woods, and varies Shades from Shades; Now breaks, or now directs, th’intending Lines;
Paints as you plant, and as you work, Designs.”(LASDUN, 1991, p.96).

36 Vanbrugh e Bridgeman inovaram, introduzindo o ha-ha no contexto do jardim, com a


substituição de cercas e muros por um fosso ou uma vala, podendo ter uma cerca rebaixada para
impedir a entrada de animais, mas permitindo olhar do jardim para o parque, com uma visão
ininterrupta. O ha-ha era empregado no contexto militar (as conhecidas trincheiras), sendo
primeiramente descrito por Dézallier, em 1709, inserido em um jardim formal. Ver mais em Panzini
(2013, p.670).

Jardins na história – Vol. I 103


a elite dominante da Inglaterra gostava de ter em mente quando pensava em
liberdade”.
Batty Langley (1696-1751) foi um “publicista arquitetônico”,
segundo Pevsner (1983, p.115), filho de um jardineiro e também trabalhou
como jardineiro por um tempo. Publicou Principles of gardening em 1728,
assim como uma série de manuais para construtores, sempre criticando a
regularidade nos jardins e exaltando a utilização de visuais amplas e a utilização
de bosques, caminhos sinuosos, rochas e velhas ruínas.
Na França, o filósofo e escritor Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
em sua novela Julie ou la Nouvelle Heloise (1761) retrata uma vívida pintura de
um jardim arborizado (WOUDSTRA, 2004, p.23). Rousseau utilizou uma nova
forma literária para abordar a paisagem, situando a ação nos Alpes suíços, um
dos locais mais apreciados pelo movimento romântico. “Essa escolha procura
marcar a diferença entre a pureza da paisagem natural que impregna os
personagens frente à cidade entendida como fonte de corrupção e maldade”,
conforme Aliata & Silvestri (2008, p.107). Na obra, Julia cultivava um jardim
inglês, um lugar encantado, mas agreste e abandonado, um refúgio onde era
possível afastar-se dos perigos do mundo e no qual a irregularidade buscava
imitar a natureza. Rousseau “promovia o caráter sacro da natureza, em
oposição à artificialidade da sociedade contemporânea”, segundo Panzini
(2013, p.462).
A novela de Johann Wolfang Goeth (1749-1832) Die Leiden des
jungen Werthers (1774) foi influenciada pelo trabalho de Rousseau, onde
imaginava “a natureza na forma de um parque. Esse novo ideal levava as
pessoas a reafirmar cada vez mais que as intervenções humanas davam uma
luz diferente, representando uma quebra na harmonia com a natureza”
(WOUDSTRA, 2004, p.25, tradução nossa)37.

37
“[…] was influenced by Rousseau´s work and similarly envisaged the Elysian Fields, which led him
and others tom imagine nature in the form at a park. This new ideal led people to reassess ever
increasing human interventions in a different light as representing a break in the harmony with
nature.” (WOUDSTRA, 2004, p.25).

104 Jardins na história – Vol. I


3 OS JARDINS INGLESES E A PINTURA

Na Inglaterra, onde “o crescimento das cidades e dos subúrbios era


incontrolável e os interesses nacionais estavam voltados para a obtenção de
matéria prima, o Romantismo surgiu como reação a um ambiente
insuportavelmente comprometido com a febre da Revolução Industrial e
recorreu à visão pitoresca para resgatar a paisagem idílica retratada pelos
pintores do século XVII” (LEITE, 1984, p.42).
Os jardins ingleses deveriam compor um visual contínuo com a
paisagem adjacente, oferecendo perspectivas agradáveis, remetendo a uma
pintura. Para Salwa (2019, p.293, tradução nossa) isso significava que, por um
lado, o jardim era projetado para imitar a paisagem natural, por outro, a
paisagem ao redor do jardim era vista como sua extensão, sem cercas ou
muros.38
Nesse sentido, é a paisagem pintada que guia a percepção da
paisagem real através da dupla artialização: uma artialização in visu, dada pela
pintura na tela e uma artialização in situ, quando se inscreve o código artístico
diretamente na materialidade do lugar, sobre o terreno, a base natural. Roger
(2011) considera que a artialização é a capacidade de transformar o espaço
visível através de uma apreciação estética positiva, podendo ser direta (in situ)
ou indireta (in visu). Portanto, segundo o autor, “o gênio do lugar depende, no
essencial, da artialização in visu, que insufla o seu alento, inspira o seu espírito”
(ROGER, 2011, p.162).
Segundo Besse (2014, p.27), “essa artialização in situ que é um
jardim é, ao mesmo tempo, um lugar real, um espaço frequentado, uma porção
do território, mesmo reduzida”, isto é, um espaço desenhado, produzido e
cuidado. Assim, há uma grande diferença entre agir in situ, arranjando o

38
“Crucial to this conception of gardening is the idea that a garden and the landscape around it
should form a visual continuum, which means that on the one hand a garden is supposed to be
designed in such a way as to imitate a natural landscape, and on the other, that the landscape
around a garden is to be seen as its extension and not as its surroundings, cut off from it by the
fence” (SALWA, 2019, p.293).

Jardins na história – Vol. I 105


ambiente de acordo com o gosto do pitoresco, ou agindo apenas in visu,
olhando ao redor com o olho pinturesco. (SALWA, 2019).
Portanto, pode-se afirmar que o diálogo entre a natureza e a pintura
é a base do nascimento do landscape gardening, ou jardim paisagístico do
século XVII. “Por meio dessas obras, na Inglaterra do século XVIII, desenvolveu-
se a predileção por um campo idealizado pela presença de atributos arcaicos,
símbolos de um passado heroico; dessas pinturas proveio ainda o termo
“paisagístico” aplicado aos parques que, embora de forma extremamente
distante, inspiravam-se naquelas vistas” (PANZINI, 2013, p.443).
Para Impeluso (2005, p.88), nas coleções inglesas era bastante
difundido esse gênero de pintura representando a “campagna romana”, com
seu jogo de cores, de luz e sombra, com colinas com árvores e arbustos,
atravessadas por um curso d´água e com ruínas espalhadas, influenciando os
projetos que não mais seguiam os rígidos esquemas dos jardins franceses.
Entre os pintores preferidos estavam o italiano Salvator Rosa (1615-
1673), os franceses Nicolas Poussin (1594-1665) e Claude Lorrain (1600-1682).
Por meio de suas obras, na Inglaterra do século XVIII “desenvolveu-se a
predileção por um campo idealizado pela presença de atributos arcaicos,
símbolos de um passado heroico”, segundo Panzini (2013, p.443), de onde
proveio o termo “paisagístico”. O autor completa dizendo que para os
proprietários rurais das classes elevadas, as paisagens campestres se tornaram
verdadeiros recursos cênicos. O artista Salvator Rosa logo se tornou um dos
favoritos do connoisseur inglês, cujas paisagens o viajante facilmente associava
à experiência vivida nos Alpes ao longo do Grand Tour.
Claude Lorrain era o pseudônimo do pintor Claude Gellée (1600-
1682). Ele era especialista em desenhos e pinturas de paisagem, e morou
durante muito tempo em Roma. O espelho de Claude ou as lentes de Claude
(Claude Lorrain Mirror) era composto por “um vidro de cores montado em
monóculos, através do qual a vista de uma paisagem real se convertia em um
idílio virgiliano” (ALLIATA & SILVESTRI, 2008, p.87). Parte da cor ficava
esmaecida, permitindo ao artista se concentrar nas formas e perspectivas.
Talvez hoje fosse o equivalente aos turistas que só apreciam a paisagem
através das lentes de sua câmara fotográfica. As paisagens de Claude Lorrain

106 Jardins na história – Vol. I


constituíam o paradigma daqueles que conseguiam expressar nos jardins a
ausência de fronteiras, os limites velados, as irregularidades, luz e cor.

Claude, cuja fama não foi muito extensiva em vida, converteu-se desde
os finais do século XVII no paradigma do pintor de paisagens bucólicas.
O processo de produção de seus quadros, que foi adotado pelos
primeiros coloristas ingleses, mostra como, a partir de esboços
detalhados, obtidos au plein air, surgem suas composições poéticas: a
experiência direta sempre posta a serviço de uma estrutura refinada,
conclusa em si mesma, sem notas falsas, cujas táticas de resolução
pouco depois foram convencionadas. (ALLIATA & SILVESTRI, 2008, p.87)

4 OS PAISAGISTAS INGLESES E OS JARDINS DO SÉCULO XVIII

Os três principais paisagistas ingleses do século XVIII foram William


Kent (1685-1748), Lancelot Brown (1715-1783) e Humphry Repton (1752-
1818).
A transição do classicismo para o romantismo na Inglaterra, segundo
Jellicoe & Jellicoe (1995, p.235), pode inicialmente ser apreciada no trabalho
de John Vanbrugh para o Castle Howard, iniciado em 1701. No entanto William
Kent, pintor e arquiteto, foi o mais importante nome do primeiro período do
Picturesque inglês. Ele começou como pintor, depois fez o Grand Tour para a
Itália (encontrou Lord Burlington em Roma) e foi quando começou a
demonstrar interesse por arquitetura. Kent foi o maior disseminador do
trabalho de Palladio na Inglaterra e é conhecido como o criador do English
garden.
Walpole considerava os jardins que Kent projetou para Rousham
House, perto de Oxford, “o mais atraente de todos os trabalhos de Kent. Trata-
se de um dos jardins ingleses do século XVIII mais bem preservados,
amadurecido até atingir uma gloriosa perfeição, Pode-se ainda seguir sua rota
de peregrinação, tendo Walpole e Pope como guias” (MOORE et al., 2011,
p.151). O palácio de Rousham data do início do século XVII, e foi implantado
em uma área plana, que se expandia a partir da cabeceira do rio Cherwell.
Rousham é como um palimpsesto, uma superfície composta de projetos
superpostos. Por volta de 1720, Charles Bridgeman fez um extenso projeto
para a área. Kent começou a trabalhar com Bridgeman no início de 1730,

Jardins na história – Vol. I 107


transformando o projeto original. “Os lagos e caminhos de Bridgeman ainda
permanecem, e a vegetação por ele introduzida tornou-se grandiosa, passados
200 anos” (MOORE et al., 2011, p.155).
“O projeto de Kent manteve o campo de Bowling Green, a sequência
de espelhos d´água e o caminho retilíneo em direção ao norte. Mas os demais
caminhos foram redesenhados, e os cenários reprojetados em um novo estilo,
de modo a levar o visitante de uma surpresa a outra, em uma sequência
cuidadosamente estabelecida” (MOORE et al., 2011, p.155). Kent introduziu
ruínas falsas, um pedaço de muro de pedras, para atrair a atenção dos
caminhantes, além de estátuas, dois gazebos e massas de árvores entremeadas
por clareiras e caminhos sinuosos. No vale de Vênus, explorando perspectiva,
luz e sombra, observava-se uma cascata rústica alimentando um tanque
semicircular (JELLICOE & JELLICOE, 1995, p.236). O lago octogonal na parte
superior é alimentado por um riacho serpenteante. As colinas mais ao norte
são encobertas por um bosque (MOORE et al., 2011, p.158).
Os jardins de Stowe (1715-1776) foram iniciados em 1715 por Lord
Cobham e o seu plano foi elaborado em 1739 por Charles Bridgeman, associado
com Vanbrugh (JELLICOE & JELLICOE, 1995, p.239). Charles Bridgeman havia
trabalhado com Le Nôtre, Loundon e Wise no estilo formal, mas fazia a
transição para o informal. Usou o ha-ha pra conectar duas grandes áreas,
dando maior unidade. Vanbrugh projetou o Home Park, com um “rotondo”, um
terraço com vista para todo o parque. William Kent sucedeu Vanbrugh,
contribuindo para quebrar a formalidade e regularidade de suas linhas. Kent,
que também era pintor, estava acostumado a ver os jardins em perspectiva,
implantou templos e esculturas como elementos focais e utilizou a água de
forma orgânica. Nos jardins de Stowe “havia um Vale Grego, encimado pelo
Templo da Concórdia e da Vitória, em estilo jônico, os Campos Elíseos e o Rio
Estige” (MOORE et al., 2011, p.58). Uma ponte palladiana foi construída em
1744, não apenas como um objeto de decoração, segundo Prévôt (2006), mas
como um prolongamento da rota carroçável que possibilitava percorrer todo o
parque, “inspirada pela arquitetura antiga e refletindo as opiniões políticas
liberais do visconde de Cobham, herdeiro do local, a partir de 1697.”(PRÉVOT,
2006, P.186).

108 Jardins na história – Vol. I


Lancelot "Capability" Brown (1716-1783), começou a trabalhar
como ajudante de Kent, com quem aprendeu tudo sobre jardim e pintura.
Recebeu o apelido de “Capability” porque convencia seus futuros clientes que
seus terrenos apresentavam grandes "capabilities" (capacidades,
potencialidades). Brown trabalhava com os ingredientes naturais: gramados,
árvores, luz e sombra, água e topografia, relacionando cada parte com o todo.
Inspirado nas pinturas, reproduzia a paisagem rural da Inglaterra.
Jellicoe & Jellicoe (1995, p.245) consideram que Lancelot Brown
dominou a segunda metade do século XVIII, representando as duas escolas do
romantismo, que haviam sido unidas por William Kent mas que estavam em
colisão (conteúdo X forma). Panzini (2013, p.452) também concorda que Brown
“levou à plena maturação a experiência dos parques paisagísticos” e que
encarnou de forma mais completa a figura de “projetista de jardins para o
mercado privado nascido na Inglaterra do século XVIII”. A técnica de Brown
consistia em “valorizar o que já estava presente no ambiente sobre o qual
intervinha e do qual, seguindo uma estética de formas suaves, eliminava o que
considerava elementos dissonantes” (PANZINI, 2013, p.453).
O primeiro jardim de Capability Brown foi em Harewood House.
Entre os jardins que projetou destacam-se Chatsworth House, Derbyshire, e
Blenheim Palace, em Oxfordshire. Os jardins de Blenheim (1705-1768) haviam
recebido a contribuição de Henry Wise e John Vanbrugh, utilizando uma
simetria clássica. Em 1764, Capability Brown requalificou o trabalho, dando
ênfase às formas mais naturais, utilizando diques no Rio Glyne para formar
lagos e dar a impressão de um espaço maior. O palácio está situado no plano
mais alto, de onde se observa o rio e a paisagem como um todo. Blenheim é
considerado seu trabalho mais complexo (JELLICOE & JELLICOE, 1995, p.245)
onde “naturalizou as formas dos bosques, acrescentou grupos esparsos de
arvoredos e uma pequena ilha que completavam uma cena ambiental que, de
monumental tinha se tornado poética” (PANZINI, 20133, p.454).
Humphry Repton (1752 – 1818) foi um dos maiores paisagistas do
século XVIII. Ele seguia os princípios de Capability Brown, defendidos em sua
obra Sketches and Hints on Landscape Gardening (1795). Quando Brown
faleceu em 1783, Repton assumiu seus últimos projetos (LASDUN, 1991,

Jardins na história – Vol. I 109


p.116). Para Jellicoe & Jellicoe (1995, p.246) seu lugar na história foi
estabelecido pelas análises críticas contidas em suas obras, levando em conta
a arte e as ciências. Repton era um “aquarelista de talento e inventou um
método para mostrar como uma paisagem poderia ser melhorada com as
soluções propostas por ele” (PANZINI, 2013, p.460). Para tanto, apresentava
seus projetos aos clientes utilizando o Red Book, incluindo desenhos (before
and after sketches) com abas dobráveis, de antes e depois das intervenções.
Segundo Panzini (2013, p.461), Repton apostava “na delicadeza e elegância
compositiva, mostrando ter em alta consideração as expectativas dos cliente,
mas ao mesmo tempo foi um verdadeiro inovador”, utilizando a vegetação,
mais do que movimentos de terra, pois tirava partido da paisagem existente,
defendendo a “apropriação”, onde todos os elementos próximos deveriam
fazer parte do todo.
Repton inseriu nos jardins espelhos d´água de formas simples, além
de reintroduzir zonas floridas, inclusive com a utilização de espécies exóticas,
perto das residências e elementos de simetria em presença de construções
marcadas por acentuada regularidade. Ele foi inovador, mas atendendo às
expectativas dos clientes. Também utilizou elementos padronizados de ferro e
vidro para as pérgulas, gazebos e pequenas estufas inseridas nos jardins
(PANZINI, 2013) Para Panzini (2013, p.462), Humphry Repton “teve um papel
de transição, antecipando alguns aspectos da difusão dos jardins nas
residências privadas, enquanto o tecido social vinha mudando na onda da
Revolução Industrial”. Repton defendia a abertura dos parques para que todas
as pessoas pudessem apreciar as belezas da natureza, sendo um dos pioneiros
do movimento pelos parques públicos na Inglaterra (LASDUN, 1991, p.118).
O plano original de Stourhead, em Wiltshire, Inglaterra, foi realizado
entre 1718 e 1724 por Henry Hoare I, proprietário do local e artista amador,
mas passou por contínuas transformações por mais de dois séculos. Os jardins,
em um fundo de vale cercado por colinas, foram idealizados por Henry Hoare
II (JELLICOE et al., 1986, p.536). “Em 1738, Hoare II iniciou uma viagem de três
anos pela Itália, da qual voltou com uma coleção de pinturas que incluía obras
de Poussin e Lorrain” (PANZINI, 2013, p.451). Por volta de 1755 uma barragem
foi construída na saída sudoeste do vale, formando os lagos. Os jardins,

110 Jardins na história – Vol. I


organizado como um circuito em grande escala ou uma narrativa, “ocupam a
faixa de terra em declive entre o lago e as cumeeiras das colinas ao redor”
(MOORE et al., 2011, p.162). Para os mesmos autores, “os escritores costumam
considerar a narrativa como algo que evolui no tempo, como um caminho
movendo-se pelo espaço” e que, no entanto, Hoare inverteu a situação,
“criando um caminho que conta uma história.” (MOORE et al., 2011, p.168).
Entre os principais pontos de interesse ao longo do caminho
destacam-se: uma cruz medieval, uma ponte de pedra coberta por um tapete
de grama, o Templo de Flora, uma gruta com estátua, o Pantheon e o templo
de Apolo. Alguns monumentos medievais carregam referências ao passado da
Inglaterra. Segundo Moore et al. (2011, p.163) o texto chave para entender
Stourhead é a Eneida, de Virgílio e Jellicoe et al. (1986, p.536) concordam que
as inscrições na entrada original da gruta e no Templo de Flora referem-se à
Eneida. A gruta lembra a também famosa gruta do jardim de Pope em
Twickenham. Atravessando a ponte de cinco arcos (1762) pode-se acessar a
igreja Stourton e a vila, “a Gaspard Picture” (JELLICOE et al., 1986, p.536).
O templo de Apolo remete à pintura de Claude Lorrain, “Veduta di
Delfi con processione” (1660-1675, Roma, Galleria Doria Pamphilj). Segundo
Impelluso (2005, p.89), Henry Hoare possuía uma cópia desta pintura, e seu
jardim propunha, com algumas variações, a sequência compositiva do quadro:
o templo, a planta circular, a ponte de pedra e o edifício com pórtico.
Nos jardins ingleses do século XVIII havia inúmeras “miniaturas de
templos clássicos, geralmente sobre uma elevação ou ao lado de um lago, de
modo a criar uma perspectiva cuidadosamente planejada”. (MOORE et al.,
2011 p.61). Esses pavilhões de jardim eram lugares para o lazer contemplativo,
apreciando a paisagem do final das tardes de verão. Os autores citam que
talvez o mais magnífico “seja o templo palladiano de quatro lados projetado
por John Vanbrugh no topo de uma colina no Castelo Howard” (MOORE et al.,
2011, p.61).
O entusiasmo estético por ruínas da segunda metade do século 18
chegou, porém, a níveis de uma paixão que extrapolou o âmbito da literatura
e da pintura: ruínas chegavam a ser intencionalmente “manufaturadas” em
fachadas de prédios, enquanto monumentos famosos eram propositalmente

Jardins na história – Vol. I 111


“arruinados”. Os jardins tornavam-se particularmente apreciados quando o
paisagista providenciava em sua composição um arranjo de pedras, como uma
ruína. Para Aliata & Silvestri (2008, p. 158) “em consonância com a ideia de
paisagem como expressão dos sentimentos do sujeito, a ruína cobra o caráter
de elemento-chave para sublinhar a nostalgia de um passado
irremediavelmente perdido”. Os autores completam dizendo que “a moda da
ruína pode ser, assim, relacionada com uma generalizada reflexão da
sociedade sobre a morte, obsessão da poesia e da pintura romântica”.

4.1 Reflexos do jardim inglês

Segundo Prévôt (2006, p.188), o jardim inglês atravessou o canal da


Mancha em 1744, depois de Luís XVI fazer para Maria Antonieta o Petit
Trianon, projeto do arquiteto Richard Mique (1728-1794). A rainha decidiu
criar um jardim inglês inserido no Hameau, uma vila em miniatura, a noroeste
de Versailles. Mique trabalhou com rochas, morrotes, grutas, riachos e instalou
o Temple de l´Amour, obra prima de Deschamps (1778).
Na Itália, próximo a Nápoles, a partir de 1786 foi implantado o
Jardim Inglês de Caserta, por solicitação da Rainha Maria Carolina, ao lado do
amplo parque formal do palácio do Reino das Duas Sicílias e iniciado ainda
antes que esse último tivesse sido completado. Com a colaboração do
jardineiro e botânico John Andrew Graefer foi introduzido no parque um horto
botânico com pavilhão de plantas e viveiro para a reprodução da vegetação
exótica. Os exemplares das espécies exóticas e raras trazidas pela expedições
científicas foram reunidas no jardim para aclimatação, destacando-se a
Camelia, Cinnamomum, Aloe, Agave, Banksia, Amaryllis, Acacia e Erytrina
(FIORENZA, 2016). Segundo o mesmo autor, “com a realização deste jardim
criou-se uma verdadeira síntese entre a paisagem natural e a intervenção
humana”, onde o caminhar possibilita a visualização de espaços naturais e
construídos integrados, por diferentes ângulos (FIORENZA, 2016, p.23). O
jardim inglês ocupou “um terreno marcado por ondulações aproveitadas para
a criação de uma série de quadros paisagísticos”, sendo o principal o Vale de
Vênus, contendo ruínas, pórtico e lago (PANZINI, 2013, p.470). O autor também

112 Jardins na história – Vol. I


comenta que os edifícios ao longo do jardim receberam “estátuas e relevos
escultóricos provenientes de Pompeia”.

Figura 2 – Englischer Garten, Munique-AL.

Fonte: Acervo Norma Constantino, 2018.

Em Munique, na Alemanha, a partir de 1789 foi implantado o


Englischer Garten (Jardim Inglês), proposto pelo norte-americano Benjamim
Thompson (1753-1814) e concluído, a partir de 1804 pelo arquiteto e paisagista
Friedrich Ludwig von Sckell (1750-1823), conforme Figura 2. Sckell havia
trabalhado como aprendiz na França e também conhecido os jardins ingleses
entre 1733 e 1777. Segundo Panzini (2013, p.481) “era um jardim desde o início
desprovido de cercamento e destinado ao uso público, situado imediatamente
fora da cidade, atrás do palácio real”, constituído por uma área seguindo o vale
do rio Isar, dispondo de uma “sequência de pequenos bosques, clareiras
relvadas e um lago, interligados por uma elaborada rede de caminhos
serpenteantes”, um pagode chinês, um Monoptero (templo) e um anfiteatro

Jardins na história – Vol. I 113


(CHADWICK, 1966, P.249). No século seguinte sua configuração sofreu algumas
mudanças. Atualmente é um parque muito utilizado pela população. O parque
é atravessado por um canal artificial Eisbach, com um trecho com ondas, onde
pratica-se surf.

5 PARQUES INGLESES

Ainda que os parques públicos sejam essencialmente uma


contribuição do século XIX, diversos parques atuais foram originalmente áreas
privadas no século XVIII e os mais notáveis são os Royal Parks ingleses
(CHADWICK, 1966, p.20). Em Londres aconteceu a abertura gradual dos
parques reais ao público. Como um grupo, St. James, Hyde e Green Parks, e
ainda Kensington Gardens, formaram um sistema de parques públicos
(HARGREAVES, 2007, p.122; LAURIE,1986, p.75). “A abertura ao público urbano
foi consolidando um modelo cultural: encontrar-se, passear de acordo com um
ritual codificado, exibir a pompa e as roupas foram costumes que passaram do
jardim aristocrático aos primeiros parques públicos, onde os novos usuários
compostos pelas camadas urbanas emergentes, estavam ansiosos por imitar
os modos sociais da elite” (PANZINI, 2013, p.476).
Para Chadwick (1966, p.20) “muito deste desenvolvimento foi
devido a Humphry Repton – indiretamente, é verdade”, pois em seus projetos
uniu três características - o Belo, o Sublime e o Pitoresco - além de destacar a
importância da “utilidade” diante dos outros critérios compositivos. O autor
continua, dizendo que os projetos paisagísticos de Lancelot Brown seguiam
quase uma fórmula: um cinturão de árvores para impedir a visão de dentro,
exceto onde alguma característica externa do parque era interessante
evidenciar, as touceiras de faias, um lago ou um rio artificial sinuoso, meio
escondido e correndo suavemente. “A reação ao Belo era natural, e depois de
um tempo, o Sublime, com suas características de obscuridade, infinito e
vastidão foi explorado por Sir William Chambers, entre outros, com o culto da
Chinoiserie” (CHADWICK, 1966, p.21-22). Para o autor, Humphry Repton
destacou-se com o Pitoresco, com suas rugosidades, irregularidades, luz e
sombra. Assim sendo, Repton tinha o conhecimento teórico e de pintura, além

114 Jardins na história – Vol. I


da abordagem prática para abraçar o Belo, o Sublime e o Pitoresco, ao mesmo
tempo em que consultava “the genius of the place”. John Nash assimilou
muitas das ideias de Repton sobre os jardins pitorescos (CHADWICK, 1966,
p.29), pois trabalharam juntos entre 1795 e 1802 (LASDUN, 1991, p.130).
O estilo paisagístico introduzido nas primeiras décadas do século
XVIII “pelas elites rurais amantes dos valores clássicos, libertou-se das
referências ao antigo” (PANZINI, 2013, p.482), prevalecendo a fusão entre
parque e paisagem. Nesse sentido, houve uma aproximação entre o estilo
paisagístico e o meio urbano, “ambiente que não tinha nada a ver com os
campos ingleses, onde o sentimento do naturalismo romântico se
desenvolveu” (PANZINI, 2013, p.482).
Panzini (2013, p.482) comenta que “as primeiras contaminações
entre o gosto paisagístico e a cena urbana” aconteceram com os complexos
residenciais realizados em Bath, na Inglaterra, por John Wood (1704-1754) e
seu filho John Wood II (1728-1782), onde destaca-se o Royal Crescent, “cuja
semielipse era cuidadosamente disposta em uma paisagem pastoral, numa
encosta que dominava uma sequência de campos abertos e bosquetes”.
Em Londres, um dos primeiros espaços verdes de grandes
dimensões a exprimir essa “linguagem compósita” foi o Regent´s Park, projeto
do arquiteto John Nash (1752-1835), “uma das mais importantes e fascinantes
personalidades da história do urbanismo” (MORRIS, 1984, p.300),
convertendo-se em protegido do príncipe de Gales no final do século, sendo
nomeado em 1806 como arquiteto do Departamento de Bosques e Parques
Florestais. A criação do parque aconteceu como parte de um empreendimento
imobiliário privado, “servindo-se dos mesmos recursos utilizados nos squares
urbanos” (MORRIS, 1984, p.300).
Como a maioria dos outros Royal Parks, fazia parte de uma vasta
área florestada usada para caça e apropriada por Henrique VIII. Mas entre 1649
e 1660 o Commonwealth Government, sob Oliver Cromwell, mandou derrubar
grande número de árvores para pagar débitos da guerra. Quando Charles II
tornou-se rei, o parque retornou para a Coroa, não mais para a caça, sendo
alugado para fazendeiros.

Jardins na história – Vol. I 115


O plano original do parque elaborado por Nash foi aprovado em
agosto de 1811, iniciando sua implantação dois meses depois. Segundo Morris
(1984, p.302) “a influência de Humphry Repton aparece inequivocamente em
muitos aspectos do desenho, tanto na aplicação ao projeto da estratégia básica
de Repton, a criação de uma extensão aparente, como no uso das árvores e da
água”. Nesse sentido, Panzini (2013, p.484) concorda que, inspirado nas teorias
de Repton, o parque “conjugava a tradição romântica que determinou a fluidez
de linhas dos ambientes verdes, com a geometrização da forma geral e dos
caminhos de maior utilização, de onde brotou um estilo misto e compósito de
ampla vitalidade”. Chadwick (1966, p.31) afirma que foi de Repton que Nash
obteve a ideia de “apropriação”, pois de cada residência, a perspectiva para o
parque era independente das outras, além do manejo do elemento água, que
animava e dava interesse ao cenário.

Figura 3 – Regents Park, Londres-ING.

Fonte: Acervo Norma Constantino, 2014.

116 Jardins na história – Vol. I


No parque (Figura 3) destacava-se o espaço circular central
contornado por uma avenida carroçável. O número de residências foi reduzido
drasticamente. Após as alterações, o desenho implantado pode ser observado
no fragmento do plano de Londres de 1832 (MORRIS, 1984, p.303).
A proposta de Nash apresentava “grande qualidade criativa unida à
habilidade política, requisitos para levar as ideias à prática” (MORRIS, 1984,
p.301), levando em conta “os aspectos sociais, econômicos e estéticos,”
incluindo a questão da inserção urbana do parque e a conexão com os bairros
de St James e Westminter, além da proposta de novas residências.
A rota entre o parque e o St James's Palace foi implantada, tornando-
se a Regent's Street. No parque, cada vila estava cercada por árvores para
permitir que os residentes se sentissem morando numa propriedade privada.
Primeiramente, as únicas pessoas que podiam frequentar o parque, eram os
residentes das vilas. No parque foram implantadas as sedes de diversas
organizações como a Zoological Society e a Royal Botanic Society. Somente
depois de 1835, o Regents Park foi aberto ao público.
Para Hargreaves (2007, p.122), o sistema formado pelo St. James
Park, Hyde Park, Green Park e os Kensington Gardens pode ser visto como um
palimpsesto, onde atualmente é possível observar os layers de diferentes
projetos.
Em 1823, John Nash remodelou o St. James Park para uma forma
mais natural e pitoresca, quando houve a introdução de espécies exóticas,
segundo Hargreaves (2007, p.126). Era uma área pantanosa ao lado do River
Tyburn, tributário do rio Tâmisa, mas era ideal para um parque de caça, uma
paixão dos reis e rainhas. Em 1536, o rei Henrique VIII decidiu criar um parque
de caça, construindo um alojamento. O deer park permaneceu o mesmo até
1603 quando James tornou-se rei. Ele mandou drenar o lado oeste do parque,
próximo ao atual Buckingham Palace, e implantou um lago, o Rosamond's
Pond. No leste, havia vários pequenos lagos, canais e ilhas, onde eram criados
patos e pássaros (em aviários). O rei James iniciou uma coleção de animais,
incluindo camelos, crocodilos e um elefante.
O parque tornou-se mais formal com o rei Charles II (1660), que
voltou do exílio na França, e ordenou o redesenho do St. James Park. O novo

Jardins na história – Vol. I 117


parque foi, provavelmente, criado pelo paisagista francês Andre Mollet
(CHADWICK, 1966, p.33). A peça central era um canal reto e longo, com
avenidas laterais arborizadas. Nash já havia projetado para as celebrações de
1814 uma ponte chinesa, com um pagode no meio e pequenos pavilhões
iluminados. O pagode foi destruído pelo fogo mas a ponte permaneceu intacta
até 1827, conforme Chadwick (1966, p.33).
O rei Charles introduziu o jogo Pall Mall, de origem italiana
(pallamaglio), praticado em uma ampla área retangular ladeada por árvores de
grande porte, para fornecer sombra durante a partida (IMPELLUSO, 2005,
p.116). Após passar a moda do jogo, a longa pista assumiu a função de um lugar
destinado ao passeio, ao caminhar. O termo Mall passou a denominar um lugar
arborizado destinado ao passeio público, ou ainda “avenida/alameda de
grandes dimensões” (PANZINI, 2013, p.671). Em 1761, foi construído o edifício
no final do Mall, conhecido como Buckingham House.
No projeto de Nash eram previstos três grandes terraços ao norte
do Mall e mais três ao sul, que não foram implantados. O canal simétrico
tornou-se um lago sinuoso, alterado por Nash em 1828, e os caminhos
curvelíneos passavam entre as árvores, possibilitando diferentes vistas
(CHADWICK, 1966, p.33). As avenidas formais tornaram-se caminhos
orgânicos. A Buckingham House foi aumentada e o Mall tornou-se um grande
acesso. O parque, finalizado em 1835, estava inserido em um grande projeto
urbano, que incluía o Regent's Park e a Regent's Street, desenvolvido também
por Nash. Para Chadwick (1966, p.34) o St. James Park é certamente o melhor
exemplo do estilo paisagístico de Repton aplicado a um parque público.
O Hyde Park era propriedade dos monges da Abadia de Westminster
e foi adquirido por Henrique VIII em 1536 para a caça. Em 1637 foi aberto ao
público. Em 1728, a rainha Caroline, esposa de George II, destinou cerca de 121
hectares do Hyde Park para a criação dos Kensington Gardens, separados por
uma vala (ha-ha), quando também foi criado um lago, longo e estreito, The
Serpentine.
O layout atual do parque foi projetado por Decimus Burton (1800-
1881) em 1825, compreendendo uma área de aproximadamente 350 ha e
destacando a criação da monumental entrada Hyde Park Corner. Nesta época

118 Jardins na história – Vol. I


foi implantada uma ponte atravessando o lago Serpentine. Decimus Burton
havia sido assistente de Nash (LASDUN, 1991, p.131).

Figura 4 – Memorial da Princesa Diane, no Hyde Park, Londres.

Fonte: Acervo Norma Constantino, 2014.

Em 1851 Joseph Paxton (1803-1865), jardineiro e paisagista,


construiu o Crystal Palace ao lado da Rotten Row para a Great Exhibition, que
foi temporária. “O edifício era dotado de sofisticados sistemas de ventilação e
proteção conta raios solares”, era sustentado por colunas de ferro fundido e
fechado por painéis de vidro (PANZINI, 2013, p.487). O palácio foi desmontado
peça por peça e remontado em Sydenham ao sul de Londres. Algumas
pequenas edificações de Burton foram demolidas e ruas foram alargadas. Em
2004, foi implantado o memorial para a Princesa Diana (Figura 4), projeto dos
arquitetos Kathryn Gustafson and Neil Porter. A topografia original e as
condições do solo possibilitaram que o Hyde Park se tornasse um dos mais
flexíveis e bem sucedidos parques públicos. O solo bem drenado possibilita

Jardins na história – Vol. I 119


atividades esportivas e o uso diário de quem trabalha na região ou dos
moradores do entorno (HARGREAVES, 2007, p.122).
Por mais de cem anos a área do atual Kensington Gardens fazia parte
do Hyde Park. Em 1728, quando a rainha Caroline transformou os jardins, cujo
foco principal era o Kensington Palace, Charles Bridgeman (1690-1738) iniciou
seu trabalho em Kensington, continuando através do reinado de George II.
Bridgeman utilizou planos e taludes, criando grandes vistas, caminhos e
conexões com o Hyde Park. Do lago - Round Pond - que Charles Bridgeman
criou em frente ao palácio, partiam avenidas arborizadas, possibilitando
diferentes vistas do palácio. Também foi represado o Westbourne Stream para
criar outro lago, de formas orgânicas, o Long Water.
Kensington Gardens tornou-se um lugar para reverenciar a
memória, com o Albert Memorial, estátuas e, mais recentemente, um
playground infantil aberto em 2000 em memória da Princesa Diana. Nos limites
de Kensington Gardens, fileiras de árvores de diferentes tipos formam uma
série de aléias projetadas (HARGREAVES, 2007, p.122).
O Green Park possui “uma sutil e complexa topografia que convida
ao uso casual por um lado, enquanto que a sobreposição de outras fileiras de
árvores na topografia original revela conexões com o passado real”
(HARGREAVES, 2007, p.122). Inicialmente conhecido como Upper St James´s
Park, foi oficialmente denominado The Green Park em 1746. No século XVIII o
parque tornou-se o local favorito da rainha Caroline, que fez alguns
melhoramentos na área. Segundo Lasdun (1991, p.125), em 1737 Kent
construiu uma espécie de pavilhão para a rainha Caroline, chamado Library,
com vista para as clareiras do parque. Na década de 1820 quando John Nash
estava redesenhando o St. James´s Park, o Green Park também sofreu
alterações. Árvores foram plantadas e os edifícios e equipamentos dentro do
parque gradualmente desapareceram: The Ranger´s Lodge, Queen´s Library,
Queen´s Basin e o Tyburn Pool39. O parque foi aberto ao público em 1826.
O parque público urbano é um produto da cidade da era industrial,
a partir da necessidade de dotar a cidade de espaços adequados para atender

39 Ver maiores informações em www.royalparks.org.uk/parks

120 Jardins na história – Vol. I


a uma nova demanda social - o lazer - além de contrapor-se ao ambiente
urbano adensado. Em 1843, o Private Act of Parliament permitiu pela primeira
vez que a Local Authority usasse o dinheiro público para a criação de parques
(LAURIE, 1986, p.76). Sendo assim, Birkenhead, uma cidade dormitório
próxima a Liverpool, foi a primeira a utilizar o dinheiro público de impostos e
taxas para a implantação de um parque, associado a um empreendimento
imobiliário. As duas funções, moradia privada e recreação pública, foram
planejadas ao mesmo tempo, assim como Nash havia feito em Regent´s Park.
Joseph Paxton (1803-1865), foi contratado para projetar o Birkenhead Park em
1843.
Para Jellicoe et al. (1986, p.458), Paxton efetuou uma brilhante
solução criando áreas cercadas por densos montículos artificiais vegetados, à
beira dos dois lagos sinuosos onde destacavam-se pequenas ilhas com
vegetação. O projeto incluía campos para esportes, como críquete e arco e
flecha. Os caminhos para as carruagens eram separados dos sinuosos caminhos
de pedestres que passavam entre as árvores ou ao longo da borda dos lagos,
possibilitando diferentes visuais. Os elementos rochosos e a vegetação
impediam uma visão ampla. A topografia ondulada foi criada artificialmente,
utilizando o material escavado para a formação dos lagos (LAURIE, 1986, P.76).
O acesso de veículos às moradias era feito através de ruas projetadas fora do
parque.
O desenho de Birkenhead Park (Figura 5) serviu de exemplo para
vários outros parques. Teve considerável influência sobre Frederick Law
Olmsted que o visitou em 1850, ficando impressionado com a escala do parque
– apesar de seu tamanho, estava totalmente imerso na cidade - e por sua
variedade e diferentes maneiras de lidar com o sistema de circulação,
registrando que “nunca havia visto algo tão requintado na América”. Sobre o
parque, ele escreveu que os jardins chegavam a uma perfeição que ele nunca
havia sonhado, completando que “não posso descrever o efeito de tanto bom
gosto e prática que foi aqui plenamente empregado” 40 (OLMSTED, 1967, p.52,
tradução nossa). Ele observou as técnicas utilizadas por Joseph Paxton em

40“I have seen nothing so fine in America I cannot undertake to describe the effect of so much taste
and skill as had evidently been employed.” (OLMSTED, 1967, p. 52)

Jardins na história – Vol. I 121


1844, onde os caminhos e as ruas internas para as carruagens foram
primeiramente desenhados e realizados. A escavação de um lago também era
facilmente compreendida, e a terra excedente era utilizada na formação de
pequenas colinas de superfícies variadas, com uma aparência quase natural.
Olmsted também demonstrou grande interesse pelas técnicas empregadas
para a irrigação e drenagem e ficou impressionado com o uso do parque, onde
as pessoas comuns usufruíam livremente deste espaço, tanto quanto a
realeza.41 Algumas destas características ele utilizaria depois no projeto do
Central Park. Todos os elementos o ajudaram a atingir seu próprio ideal
urbano, baseado na síntese entre a paisagem natural e a paisagem urbana.

Figura 5 - Plano original de Joseph Paxton para o Birkenhead Park, 1844.

Fonte: www.birkenhead-park.org.uk.

41
“... all this magnificent pleasure-ground is entirely, unreservedly, and for ever, the people’s own.
The poorest British peasant is as free to enjoy it in all its parts as the British queen.” (OLMSTED,
1967, p.54)

122 Jardins na história – Vol. I


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O movimento romântico iniciado na poesia, na literatura e na


pintura no século XVIII expandiu-se para a arte dos jardins, tornando-se
fundamental a continuidade entre o jardim e paisagem, sem quebras visuais.
Sua forma era baseada na observação direta da natureza, onde a surpresa,
variedade, simulação e o desenvolvimento de cenários idílicos tornaram-se
objeto da arte da paisagem. “A manipulação dos contornos ondulantes da
natureza e a articulação de luz e sombra” (como uma pintura) estavam
presentes nos jardins da Inglaterra do século XVIII, e depois em toda a Europa
e América no século XIX, conforme Laurie (1986, p.41-43). O autor completa
dizendo que os campos com formas orgânicas, os grupos de árvores, caminhos
serpenteantes, lagos e riachos meandríticos substituíram os parterres e
terraços dos jardins formais. Muitos desses elementos ainda continuam a
integrar o desenho dos parques urbanos contemporâneos.

7 REFERÊNCIAS

ALIATA, F.; SILVESTRI, G. A Paisagem como cifra de harmonia. Curitiba: UFPR, 2008.

BESSE, J. M. O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2014.

CHADWICK, G. The park and the town: public landscape in the 19th and 20th centuries. London:
Architectural Press, 1966.

COUNCIL OF EUROPE. 2000, Florença. EUROPEAN LANDSCAPE CONVENTION, Florença, 2000.


Disponível em: https://rm.coe.int/CoERMPublicCommonSearchServices/DisplayDCTMContent?
documentId=09000016802f3fb7. Acesso em: 13 ago.2021.

FIORENZA, S. Nel Giardino Inglese della Reggia di Caserta: storia, struttura, simbologia. Firenze:
Angelo Pontecorboli Editore, 2016.

HARGREAVES, G. Large Parks: a designer´s perspective. In: CZERNIAK, J.; HARGREAVES, G. Large
Parks. New York: Princeton Architectural Press, 2007. p. 121-174.

HERRINGTON, S. Landscape Theory in Design. New York: Routledge, 2017.

Jardins na história – Vol. I 123


IMPELLUSO, L. Giardini, orti e labirinti. Milano: Electa, 2005.

JELLICOE, G.; JELLICOE, S. The landscape of man: shaping the environment from Prehistory to the
Present Day. London: Thames and Hudson, 1995.

JEELICOE, G.; JELLICOE, S.; GOODE, P.; LANCASTER, M. The Oxford Companion to Gardens. Oxford:
Oxford Press, 1986.

LAURIE, M. An introduction to landscape architecture. New Jersey: Prentice Hall, 1986.

LASDUN, S. The English Park. Royal, Private & Public. New York: Vendome Press, 1992.

LEITE, M. A. F. P. Destruição ou desconstrução? São Paulo: Hucitec/FAPESP, 1994.

MOORE, C.W.; MITCHELL, W.J.; TURNBULL, W.J. A poética dos jardins. Campinas: Unicamp, 2011.

MORRIS, A. E. J. Historia de la forma urbana Desde sus origenes hasta la Revolución Industrial.
Barcelona: GG, 1984.

NORBERG-SCHULZ, C. Genius Loci. Towards a phenomenology of architecture. New York: Rizzoli,


1984.

OLIVEIRA, F.L. Modelos Urbanísticos Modernos e Parques Urbanos. Barcelona, 2008. Tese
(Doutorado em Teoria e História da Arquitetura) - Departamento de Composicion Arquitectonica
da Universitat Politécnica de Catalunya-UPC, Barcelona, 2008.

OLMSTED, F. L. Walks and Talks of an American Farmer in England. Ann Arbor: Michigan Press,
1967 (reimpressão da edição de 1852).

PANZINI, F. Projetar a natureza: arquitetura da paisagem e dos jardins desde as os origens até a
época contemporânea. São Paulo: SENAC, 2013

PEVSNER, N. Estudios sobre Arte, Arquitetura y diseno – del maneirismo al romanctismo.


Barcelona: Gustavo Gili, 1983.

PRÉVÔST, P. Histoire des Jardins. Bordeaus: Sud Ouest, 2006.

ROGER, A. Natureza e Cultura. A dupla artialização. In: SERRÃO, A. V. (Coord.). Filosofia da


Paisagem. Uma antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011. p.151-166.

SALWA, M. Landscapes as Gardens. Aesthetics and ethics of the environment. In: SERRÃO, A.V.;
REKER, M. Philosophy of landscape: think, walk, act. Lisboa: CEUL, 2019. p.289-304.

SCHAMA, S. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

124 Jardins na história – Vol. I


THOMAS, K. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos
animais, 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

WILLIAMS, R. O Campo e a Cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras,
1990.

WOUDSTRA, J. The changing nature of ecology: a history of ecological planting (1800-1980). In:
DUNNET, N.; HITCHMOUGH, J. (ed.). The dynamic landscape. London: Taylor & Francis, 2004. p.23-
57.

AUTORA
Norma Regina Truppel Constantino: Doutora em Arquitetura e Urbanismo
pela USP – Universidade de São Paulo (2005); mestre em Planejamento Urbano
e Regional Assentamentos Humanos pela UNESP (1994); arquiteta graduada
pela Universidade Federal do Paraná (1979); professora aposentada (2019) da
UNESP no Curso de Arquitetura e Urbanismo e no Mestrado Acadêmico em
Arquitetura e Urbanismo. Aposentada (2019), mantém atuação como
professora voluntária na mesma instituição. Atua principalmente nos seguintes
temas: paisagem urbana, paisagismo, rios urbanos, espaços livres urbanos e
história da cidade e do território e é coordenadora do Grupo de Estudos de
Paisagem. Currículo completo em: http://lattes.cnpq.br/5801303308289921.

Jardins na história – Vol. I 125


126 Jardins na história – Vol. I
Capítulo 04
Frederick Law Olmsted e a instituição da profissão arquiteto da
paisagem

Frederick Law Olmsted and the institution of the Landscape Architect profession

Luciana Bongiovanni Martins Schenk


Professora Doutora, IAU - USP, Brasil
lucianas@sc.usp.br

RESUMO
O capítulo procura apresentar um pouco da vida e obra de Frederick Law Olmsted, pioneiro do
campo profissional da Arquitetura da Paisagem. Através desse percurso, que reúne encontros,
planos, projetos e obras, Olmsted elabora os princípios fundamentais de uma prática complexa,
que une diferentes campos do conhecimento. Estética, técnica e ética se entrelaçam imaginando e
construindo paisagens a partir de um claro compromisso de dimensões políticas entre processos de
desenvolvimento, de ocupação humana e as lógicas da natureza. O objetivo é trazer parte dessa
história e mostrar que esse ideário singular, formulado a partir de sua experiência de vida, mantém-
se atual e exemplar.

PALAVRAS-CHAVE: Olmsted. Arquitetura da Paisagem. Planejamento com a Paisagem.

ABSTRACT
The chapter seeks to present some of the life and work of Frederick Law Olmsted, a pioneer in the
professional field of Landscape Architecture. Through this journey full of meetings, plans, projects
and works, Olmsted elaborates the fundamental principles of a complex practice that unites
different fields of knowledge. Aesthetics, technique and ethics intertwine creating and building
landscapes based on a clear commitment of the political dimensions between processes of
development, occupation and nature issues. The objective is to bring this history and reveal that
this ideal formulated from his life experience, remains current and exemplary.

KEY-WORDS: Olmsted. Landscape Architecture. Planning with Landscape.

Jardins na história – Vol. I 127


1 INTRODUÇÃO

Os processos de ocupação do planeta tem se revelado mais e mais


conflituosos, e a relação entre a Natureza e a Humanidade se materializa em
paisagens de grande impacto negativo. O lançamento das infraestruturas, em
especial as relacionadas à mobilidade, que pautam o desenvolvimento dos
territórios, tem um histórico de pouca atenção à qualidade das paisagens
originais, e os exemplos mais contundentes nas cidades se relacionam à
ocupação de encostas e várzeas, que alteram significativamente o contexto
ambiental e sociocultural.
Os resultados desse processo, na atualidade tensionado pelas
mudanças climáticas, tomam formas de maior dramaticidade no Brasil,
apresentando paisagens complexas e desiguais. Os problemas são de diversas
ordens: deslizamentos, enchentes, formação de ilhas de calor e inversões
térmicas; ausências de espaços livres públicos de lazer e descanso, pouco ou
nenhum investimento em arborização urbana, segurança hídrica, alimentar ou
de saúde. As soluções, no mais das vezes, alcançam partes da problemática e
são desafiadas pela complexidade mencionada.
Autores do campo disciplinar da Arquitetura da Paisagem vêm
produzindo desde a década de 1960 investigações críticas acerca desse modo
de atuação e tributam boa parte das dificuldades à separação construída ao
longo de séculos entre humanidade e natureza. Essa separação tem profundo
contato com o desenvolvimento das especializações na ciência e consequente
isolamento dos saberes, que terminaram por gerar um aparente domínio sobre
os processos naturais. A compreensão do que venha a ser a natureza - questão
que se altera ao longo da história humana, bem como seus desdobramentos
sob as formas de paisagem e meio ambiente - apresenta uma questão
fundamental: o que é natureza contemporaneamente, e o que significa realizar
planos e projetos a partir desta compreensão?
Rios canalizados, morros desmontados, mangues aterrados e
florestas suprimidas são alterações realizadas por diferentes projetos e
profissionais sob a justificativa do desenvolvimento e, a despeito da falácia
deste argumento, essa perspectiva de especialização e aparente domínio

128 Jardins na história – Vol. I


técnico traz prejuízo à percepção de que as coisas estão todas de algum modo
relacionadas. Os custos, ambientais, históricos e patrimoniais, econômicos e
socioculturais costumam acompanhar esses movimentos de alteração da
paisagem.
A paisagem, enquanto categoria de análise e campo de atuação do
arquiteto urbanista no que diz respeito ao seu planejamento e projeto, resiste
a esse tipo de atuação que isola as partes. Sua compreensão e formas de ação
são, desde a origem, coetaneamente sociais, culturais e históricas,
interdisciplinares e multiescalares.
Quando se pensa acerca da ideia de origem, percebemos que elas
podem ser diversas, e neste texto escolhe-se pautar o início num ponto
referencial para a historiografia da Arquitetura da Paisagem. Pioneiro da
prática profissional, Frederick Law Olmsted lançou em meados do século XIX as
raízes daquilo que viria a se constituir um campo42 de atuação, a Arquitetura
da Paisagem, Landscape Architecture, termo forjado pelo próprio Olmsted.
Sua singular história guarda muitas conquistas e reveses, e o que se
conjuga aqui é apresentar parte de um percurso que une repertório e formação
à capacidade inventiva na criação de espaços livres e verdes na cidade, que têm
um papel ambiental, estético, cultural e social, bem como cívico, portanto
político.
O percurso revela um profissional que nasce do cruzamento entre
suas leituras acerca de teorias, arte, cultura e um claro compromisso social.
Essa correlação tem a expectativa de modelar técnica e esteticamente a
experiência de lugares, acreditando ser essa tarefa um poderoso meio de
promover, não apenas a convergência entre humanidade e natureza, mas de
instalar um momento paradigmático da história humana: um momento de
maturidade e conquista de um desenvolvimento mais equilibrado, pautado em

42
O primeiro curso de Arquitetura da Paisagem foi desenvolvido por Olmsted Jr. em Harvard, 1901,
e tem fortes matrizes ligadas ao Pinturesco, (Picturesque), e à Horticultura. A revisão acontece em
1950, quando os professores Hideo Sasaki e Stanley White procuram atualizar os princípios de
Olmsted, fazendo constar nos currículos propósitos artísticos, sociais e culturais (SIMO, 1999,
p.129).

Jardins na história – Vol. I 129


questões objetivas, técnicas e científicas sem desmerecer, diminuir ou estreitar
a subjetividade que nos é constitutiva.

2 FREDERICK LAW OLMSTED: ANOS DE FORMAÇÃO

Figura 1 – Frederick Law Olmsted.

Fonte: Contra capa. The Papers of Frederick Law Olmsted, v I, Formative Years (1822-1852).

Frederick Law Olmsted (1822-1903) tem um percurso pouco linear


no que diz respeito à sua formação. O pai envia, ele e ao irmão caçula, para
temporadas com diferentes tutores, serão “seis diferentes ministros de
temperamento e inteligência variados” (SUTTON, 1971, p.2). Comerciante
abastado, cioso de que os filhos recebessem boa educação puritana, John
Olmsted é figura paterna memorável, sempre acolhendo os filhos na casa da
família nos períodos de férias. O pai compartilha o apreço pela natureza,

130 Jardins na história – Vol. I


promovendo para a família a realização de viagens à procura de paisagens
singulares que caracterizam o leste do território Norte Americano.

Os Olmsteds realizam longas viagens em família, às vezes em transporte


público ou barco, e frequentemente na carruagem da família, para as
White Mountains, pela costa do Maine e pelo estado de Nova Iorque.
(...) buscavam por vistas pinturescas descritas nos livros de escritores
como Timothy Dwight e Benjamin Silliman. Embora fossem
desarticulados sobre esses assuntos, os pais eram zelosos que suas
crianças apreciassem as belezas da paisagem na qual elas encontravam
a evidência da bondade de Deus (MCLAUGHLIN, ed., 1977, p. 5, tradução
da autora).

O pai se casa em segundas núpcias após a morte de Charlotte, mãe


dos meninos. O tio por parte de mãe, Jonathan Law, cultivava valores
humanistas e lia em voz alta os poetas latinos para o jovem Frederick, que tinha
ainda permissão para manusear a rica biblioteca e cultivar partes do jardim dos
tios. Suas leituras eram complementadas também na casa do avô, patriota
convicto e admirador das árvores.
Datam desse período as primeiras leituras do tratado de Uvedale
Price, The Picturesque; e de William Gilpin, Forest Scenery. Olmsted também
frequenta o Instituto de Jovens de Hartfort, tendo oportunidade de participar
de palestras de figuras proeminentes da intelectualidade de então, como
Horace Bushnell e Ralph Waldo Emerson.
Contudo, Olmsted demonstra em diversos episódios inseguranças
acerca dessa educação pouco convencional na infância e juventude, algo que
se reflete numa busca incessante pela vocação e um significado para a
existência. Olmsted inicia curso de Engenharia, mas não o finaliza; tenta iniciar
carreira como comerciante numa firma de importação em Nova York,
aventurando-se em viagem à China, em 1844, repleta de desconfortos e
doenças. Em 1845 volta à casa paterna em busca de um lugar para trabalhar e
aprender a lidar com a terra, acreditando ser essa ocupação algo nobre e
profundo. Vai então viver com um fazendeiro em Connecticut para aprender o
ofício43.

43 ROPER, 1983, p. 15.

Jardins na história – Vol. I 131


As leituras sempre presentes o inspiram a também escrever acerca
das vantagens que acredita haver na vida ligada à agricultura. Ressoam aqui
matrizes Clássicas que estabelecem a dicotomia entre campo e cidade, sendo
o primeiro o lugar de contato com a natureza, lugar da honestidade e da vida
produtiva; e a segunda, por oposição, o lugar da corrupção.
O irmão, chamado John como o pai, fora aceito em 1842 no curso
de medicina em Yale e recebe, em Junho de 1845, carta de Frederick Olmsted
testemunhando sua satisfação e o elogio a esse modo de viver:

[...] a uma vida simples e respeitável, uma prática que se atualizava com
a investigação e conhecimento científico; enfim, uma profissão
congênita, singularmente pacífica ao espírito, distante das invejas e
rivalidades tão presentes nas outras. (ROPER, 1983, p. 37, tradução da
autora).

O pai lhe financia a primeira propriedade que, no prazo de dois anos


de intensa labuta e pouco retorno, é trocada por outra, de solos mais férteis e
mais próxima à família. A proximidade do lar paterno vem acompanhada do
convívio com uma vizinhança cujo repertório intelectual é igualmente mais
rico. Ali Olmsted encontrará, por sua vez, mais interlocutores, compartilhando
a admiração por livros e autores, em especial com Ruskin, do Modern Painters
– que Olmsted assevera “aperfeiçoar seu entendimento sobre o mundo”
(MCLAUGHLIN, 1977, p 91).
Ruskin e seus escritos, bem como Thomas Carlyle, autor de Sartor
Resartus, e Raph Emerson, um dos ‘pais da democracia americana’ e autor do
escrito Nature: Addresses and Lectures, serão referências para Frederick Law
Olmsted por toda a vida. O enlace entre natureza, educação e formação, ética
e política serão consolidados nos anos seguintes, e o contato com a Europa fará
florescer o pioneiro de uma prática profissional que na América encontrará
novos caminhos.

3 FREDERICK LAW OLMSTED: ANOS DE PRÁTICA E DIFUSÃO

Em 1850 Olmsted parte com o irmão John e o amigo Charles Bruce


para uma viagem de seis meses para conhecer a Inglaterra, país de origem de

132 Jardins na história – Vol. I


autores referenciais para eles, e cujas descrições e representações de
paisagens participavam ativamente de seus repertórios.
Acerca da Inglaterra rural, o deleite e a qualidade de diferentes
experiências são observados em anotações de viagem: percepções sobre os
estados da atmosfera, as nuvens, relevo e vegetação, toda sorte de
combinações de objetos e vida que conformam as paisagens. Ao lado do
deleite, contudo, é o impacto da condição de vida da classe trabalhadora que
lhes assalta a percepção; segundo cronologia presente no apêndice do 1º
volume do The Papers of Frederick Law Olmsted, os companheiros de viagem
trilham a pé a maior parte do caminho entre Liverpool e Londres, entre 27 de
maio a 21 de junho de 185044; neste percurso encontram habitações em
péssimas condições sanitárias e população vivendo em grande pobreza 45.
No retorno à Nova York essas impressões e anotações serão
organizadas por Olmsted num pequeno livro, relato de viagem, Walks and
Talks of an American Farmer in England, que não logrará grande tiragem, mas
será notado pela crítica como admirável observação da sociedade.
O contraponto entre essas imagens e os parques urbanos que visitou
em território inglês fez crescer a convicção de que esses espaços eram
necessários para civilizar a vida humana; era premente pôr a população em
contato as benesses da natureza, e essa disposição deveria ser um princípio
norteador das gestões públicas.
Durante a viagem, o parque Birkenhead, nas proximidades de
Liverpool, projeto de Joseph Paxton, foi para Olmsted uma experiência
particularmente reveladora:

Não passa despercebido à Olmsted que a empreitada traz acúmulos


financeiros, os lotes lindeiros tem entradas particulares para o parque;
as ruas que partem do espaço livre também foram objeto de projeto e
descrevem um arranjo em relação aos quarteirões que imprime
qualidade à ocupação. Os 20 acres de original terra plana tiveram seu
relevo modelado graças à terra obtida da escavação de um lago para o
lugar, todo o parque era acessível por rodas, ou a pé. Porém não é no
privilégio de poucos lotes que Olmsted tem sua atenção cativa, era a

44 MCLAUGHLIN, ed., 1977, p. 394.


45 ROPER, 1983, p 70.

Jardins na história – Vol. I 133


existência de um lugar como aquele na cidade que punha sua reflexão e
sensibilidade em movimento (SCHENK, 2008, p.98).

Inicia-se a consolidação de uma ideia presente em seus escritos a


partir de então: a de que os parques são peças fundamentais do planejamento
das cidades, não apenas como infraestrutura de drenagem, salvaguarda de
reservatórios hídricos e arborização, mas especialmente, como oportunidade
de promover para toda a população encontro com a natureza, em sua
dimensão estética e cultural, bem como o contato com seu espectro de saúde,
física e mental.

Figura 2 – Birkenhead Park, 1843.

Fonte: KOSTOF, 1992, p 171.

A viagem à Inglaterra e seus encontros alteram profundamente as


perspectivas de Olmsted, que decide dedicar-se mais à reflexão e escrita acerca
dessas questões que o instigavam. Fato é que a vida no campo fora uma
desilusão e não parecia ter todas as vantagens que pensara e, ademais, ficara
a dever no quesito das trocas intelectuais e sensíveis que a cidade e seus

134 Jardins na história – Vol. I


habitantes pareciam oferecer46. Acontecia uma revisão em seus princípios e o
que Frederick Law Olmsted almejava a partir desse período era promover a
inclusão de significativos pedaços de natureza nas cidades, de modo que os
desgastes da vida do trabalho e afazeres pudessem contar com o alento,
descanso e lazer que um parque poderia promover. Em 1852, ansiando
mudanças e desafios, Olmsted aceita o convite feito pelo editor do New York
Times para realizar uma série de reportagens sobre as condições econômicas,
sociais e culturais do Sul dos Estados Unidos.
A reportagem utilizava o mesmo método do livro realizado sobre a
paisagem e vida inglesa. Observador atento e detalhista, Olmsted apresentava
a seu leitor uma realidade rica e complexa, de sorte que a intenção era que
suas descrições pudessem revelar as particularidades desses lugares. A coleção
de artigos entre 1853 e 1854 apresenta um cenário no qual o domínio branco
calcado na indolência e a escravidão testemunham um desserviço à economia
e sociedade, um erro moral e desastrosa situação cultural47.
As viagens ao Sul do País o desencantam definitivamente da vida
rural, ele se muda para a cidade de Nova York e se ocupa então de uma
modesta editora, financiado uma vez mais pelo pai. Em 1856, Olmsted visita
novamente a Europa em uma viagem que busca parcerias para a editora de
modo a assegurar-lhe a sobrevivência.
As paisagens durante a viagem o encantam, e seu interesse por este
assunto, nunca arrefecido, ganha novo fôlego no encontro com os jardins
italianos: a paisagem como obra de arte e questão técnica vai ganhando
argumentos e aprofundando suas reflexões.
A despeito dos esforços, o negócio da editora vai à falência e
Olmsted, uma vez mais, procura por uma oportunidade de trabalho quando
encontra um dos participantes da Comissão de Construção do Central Park, que
o informa estarem à procura de um Superintendente que chefie os trabalhos,
inclusive alinhando as ações de implantação às regras governamentais de uso
público do parque.

46 MCMAUGHLIN, 1977, p.358.


47 ROPER, 1983, p. 89.

Jardins na história – Vol. I 135


A reserva de terras para um parque na área central da cidade de
Nova York se inscrevia em um contexto maior: um movimento pelos parques
em território Americano, Park Movement, que começara a ganhar força como
uma necessidade social e cultural, de lazer e saúde, a partir da década de 1840.
Ao final desta década a cidade contará com meio milhão de habitantes e, em
1848, um artigo no periódico The Horticulturist intitulado A Talk about Public
Parks and Gardens de Andrew Jackson Downing repercute esses valores48.
O primeiro plano do parque data de 1853, e era de autoria do
engenheiro com especialização sanitária Egberg Viele. Olmsted conquista a
indicação de Superintendente em 1857, graças à rede de contatos que lhe
assegura cartas de indicação de personalidades representativas. Ele encontra
um ambiente hostil à sua entrada no processo de gestão do parque 49; porém,
o cotidiano de trabalho com afinco, seriedade e conhecimentos de diversas
naturezas foi sendo reconhecido como de excelência. No mesmo ano de 1857,
o primeiro plano de Egberg Viele para o parque foi reconhecido como
inadequado, e um concurso foi lançado pela Comissão.
O arquiteto Calvert Vaux, original da Inglaterra, imigrara para a
América a partir de convite feito por Andrew Jackson Downing; Vaux herda seu
escritório após o falecimento precoce de Downing em acidente náutico. Vaux
e Olmsted, por afinidade e mútua admiração, estabelecem parceria para
desenhar uma proposta para o concurso.
O plano, denominado Greensward, foi elaborado às noites e finais
de semana e escolhido vencedor entre trinta e duas outras propostas. Em carta
ao pai, datada de 14 de Janeiro de 1858, Olmsted relata detalhes do programa
pretendido pela Comissão no concurso. Os planos deveriam possuir ligações
em forma de vias entre o lado Leste e Oeste, pois a comissão temia que o
parque pudesse ser um obstáculo à cidade; também lugares para exibições e
jardins, playgrounds e lago, bem como ringue de patinação 50.

48
DAL CO et al., 1975, p. 164.
49
“Nada em seu currículo – um fazendeiro que não fez sua fazenda produtiva, um escritor que não
tinha nada, exceto reputação, um editor que foi à bancarrota – sugeria suas capacidades” (ROPER,
1975, p 130, tradução da autora).
50 ROPER, 1983, p 136.

136 Jardins na história – Vol. I


A ideia de que os parques devessem ser peças importantes na
infraestrutura da cidade já está presente nos desenhos e uma das propostas é
de que a cidade possa crescer sem ter problemas de abastecimento de água.
Originalmente, na área central do terreno, havia a presença dos antigos
reservatórios de água urbanos e o plano Greensward propõe um novo lago
para funcionar como reservatório futuro, com grandes dimensões.
Ao mesmo tempo, suas dimensões físicas como área de potencial
infiltração garantem a drenagem de extensa área, bem como o plantio das
árvores favorece tanto a diminuição e controle da temperatura, especialmente
nos períodos de calor, quanto a qualidade do ar.

Figura 3 – Central Park, 1858.

Fonte: McMAUGHLIN, 1977, p 118.

O lugar também foi apresentado como um oásis de saúde física e


mental, pensado para ser algo que permanecesse na memória e fosse
referenciado pela população. A questão não é, portanto, apenas técnica, pois
aqui a forma interessa: o arranjo e disposição das partes almeja ser um
trabalho artístico testemunhado pelos desenhos e argumentação dos autores.
O projeto da paisagem é também arte, e esta arte tem um papel
social. As partes estão arranjadas, a experiência dos percursos e a qualidade
estética dos lugares são o motor de todo esse engenho que busca sensibilizar,
tocar, comover, marcar:

Olmsted e Vaux explicam suas intenções de criar no novo parque um


contraste de percursos; uma variação nos cenários que procuraria
sugerir à imaginação grande espectro de condições [...] não havia como
dissociar a beleza da função social: o parque deveria ser aberto a toda a

Jardins na história – Vol. I 137


população, sua experiência tinha dimensões pedagógicas e formativas
[...] (SCHENK, 2008, p.105).

Essa dimensão da arte como instrumento que educa e promove,


repercute o repertório teórico e de leituras de Olmsted e encontra na paisagem
um poderoso meio: ela é esse lugar para onde confluem e coexistem questões
sociais, culturais, técnicas e estéticas.
A paisagem, como resultado da relação que se estabelece entre
natureza e cultura, portanto repertórios, transparece nos desenhos e pauta a
argumentação; a natureza e seus pulsos são fonte de inspiração do plano
apresentado. Porém, isso não significa que o projeto não seja completo
artifício: o princípio orgânico, sobre o qual Olmsted fala em seus escritos,
quando assevera ser a natureza o parâmetro de suas criações, não significa a
mera cópia, mas calculada composição realizada a partir da percepção do lugar
e suas qualidades, bem como o que se imagina para ele, sua potência revelada
através do ato de projetar.
Originalmente a área destacada para o parque é uma planície
encharcada. O território terá seu relevo modelado com a terra retirada de
grande cava; essa ação técnica que tem dimensão estética (a forma que a cava
terá interessa), auxilia na drenagem do solo ao mesmo tempo em que constitui
o lago. Dessas ações nascem as diferentes fisionomias do modelado do relevo,
que sendo florestadas conformam cenas variadas e inéditas ao lugar. Há aqui
uma informação importante: as cenas mais naturalizadas reproduziam as
paisagens do território ao redor da cidade, a região na qual se inscreve a cidade
de Nova York.
O que se promove é uma paisagem que compreende e trabalha
questões de patrimônio e memória, uma paisagem recriada em um lugar no
centro da cidade com dimensões capazes de fazer o cidadão vivenciar uma
experiência de natureza significativa.
Acompanham programaticamente essas ações grandes gramados e
passeios calçados, como a Promenade, lugares de descanso e lazer, ou
caminhos sinuosos de rochas expostas, com arborização densa e a
oportunidade de estar em meio à floresta ainda estando na cidade. Esses
lugares foram planejados e projetados para que todos os cidadãos, mas

138 Jardins na história – Vol. I


especialmente para trabalhadores, que não tinham a oportunidade de possuir
uma casa nas montanhas, ou mesmo visitar as paisagens selvagens de
Adirondacks ou das White Mountains de New Hampshire51.

Figura 4 – Central Park, Promenade, 2004.

Fonte: https://wallpapercave.com/w/wp5558749.

Simon Shama afirma que no Central Park se cria algo que ultrapassa
o modelo pastoral inglês, calcado na pintura de paisagens e paradigma dos
parques originais da Europa52. Os tratados do chamado Pinturesco,
Picturesque, falam de uma acertada mistura entre diferentes partes na
composição: o recurso da surpresa instalada como antídoto contra a
monotonia nos percursos e estares; o tempo como questão narrativa: sua

51
SCHAMA, 1995, p.569.
52
Acerca da tratadística do Pinturesco que pautou discussões e criações dos jardins ingleses do
século XVIII e que será o parâmetro formal dos parques por muitos anos ver Hunt (1988); Martinet
(1980) e Robinson (1991).

Jardins na história – Vol. I 139


passagem e as marcas que imprime na materialidade53. Olmsted opera a partir
de seu repertório que inclui esses tratados, mas atualiza a interpretação do que
significa tomar a natureza como parâmetro: o princípio orgânico encontra o
princípio ético, há um compromisso civilizatório na construção dessas
paisagens, comover e promover os cidadãos a reconhecer e valorar essa
natureza mediada pela arte e compromissada com o desenvolvimento
humano.
Como exemplo do encontro entre técnica em arte tem-se a resposta
ao desafio de propor ligações entre os lados da cidade, sem separar o parque
em partes com ruas e avenidas. As soluções reverberam uma vez mais a
tratadística do Pinturesco para o qual a interrupção da cena fere o princípio de
continuidade que valora a paisagem positivamente. Assim, Olmsted e Vaux
utilizam um dispositivo originário dos parques ingleses, notadamente os rurais,
nos quais as cercas que separavam a criação de animais dos jardins eram postas
em vala linear; este truque tornava invisível a cerca na paisagem. A analogia
desse dispositivo é proposta através de ruas rebaixadas em desníveis, ou em
túneis, de modo que a percepção da paisagem verdejada fosse contínua e não
tivesse interrupções.
Ainda em relação ao concurso e a representação dos desenhos nas
pranchas, destaca-se a utilização, também originária do século XVIII, da técnica
inaugurada por Humpry Repton nos seus chamados Red Books: são cadernos
de desenhos que mostram o antes e o depois das cenas projetadas para os
lugares. A riqueza da proposta Greensward se revelava de igual modo na forma
de apresentá-la, a paisagem original em imagens fotográficas, aquarelas e
esboços, e a pretendida, que resultava do encontro da técnica com a arte.
A despeito da imagem do Central Park ter um registro formal ligado
ao Pinturesco, há um componente nesse quadro que o faz merecer papel de
destaque na historiografia da Arquitetura da Paisagem: o desenvolvimento de
seu plano e projeto estão alicerçados no cidadão e no espaço público. Olmsted
é o pioneiro de um campo profissional compromissado com essa dimensão

53 SCHENK, 2008, p. 72 a 75.

140 Jardins na história – Vol. I


social e política e essa proposição tem qualidades que o relacionam à
Modernidade e seu compromisso de criação do homem livre e público.
A vida de Olmsted se liga ao desenvolvimento e implantação do
Central Park, mas existem momentos em que se afasta, parcial, ou totalmente.
Esses períodos, ocasionados por desentendimentos e alterações na Comissão
que dirige o parque, serão oportunidade de conhecer lugares e trabalhar com
distintas realidades.
Em 1859, através do Office of Works of Her Majesty’s Palaces and
Parks, Olmsted faz uma visita privilegiada aos parques de Londres. Em Paris,
encontra-se com Adolphe Alphand, diretor do Departamento de Estradas e
Pontes. Braço direto do prefeito Haussmann, Alphand participa da reforma de
Paris e do desenho dos passeios e ruas arborizadas, (promenades e
boulevards), e dos parques, através dos quais exprimia ideais de simplicidade
e verdade como critérios de beleza, articulando questões estéticas a
considerações econômicas54.
De 1861 a 1863 Olmsted ocupa o cargo de secretário executivo da
Comissão Sanitária durante a guerra civil americana, zelando pela qualidade de
vida dos soldados, da alimentação e vestuário à saúde. Sua capacidade de
gestão é uma vez mais referenciada por superiores em cartas e documentos.
Em meados de 1863, Olmsted segue para a costa Oeste americana
para coordenar um assentamento humano de aproximadamente sete mil
homens que prospectavam ouro e viviam em precárias condições conforme
relata em cartas ao pai55. A propriedade da Companhia Mariposa ficava a oeste
de Serra Nevada e era possível visualizar no horizonte trechos do Yosemite
Valley.
Esse vale havia sido reconhecido como propriedade inalienável pelo
presidente Lincoln em julho de 1864, pouco antes de Olmsted e família
empreenderem sua viagem de férias para o lugar. Seus registros
mostram um encantamento com a paisagem sem precedentes.
(SCHENK, 2008, p. 112).

54 LE DANTEC, 1992, p.192.


55 ROPER, 1975, p.235-257.

Jardins na história – Vol. I 141


Nesse período em que Olmsted está na costa Oeste, surge a
oportunidade de desenvolver um parque no Brooklyn, à época uma cidade, e
não um bairro de Nova York. Calvert Vaux escreve a Olmsted pedindo seu
auxílio na empreitada56. O retorno de Olmsted à Costa Leste demarcarará, nas
três décadas seguintes, os anos dos mais profícuos de sua vida profissional.
A Olmsted, Vaux & Company produz, a partir da pena de Olmsted,
documentos seminais para a compreensão da prática profissional daquilo que
o próprio Olmsted passa a chamar de Landscape Architect, Arquiteto da
Paisagem, desde os escritos realizados durante a viagem ao Yosemite Valley.
Em janeiro de 1866, Olmsted apresenta ao Brooklyn Park Comission
uma análise do espaço livre que receberá o futuro Prospect Park no Brooklyn57:

Nesse documento, ele associa a importância dos parques como símbolo


de uma nova vida comunitária, uma paisagem importante no processo
de recuperação do incessante ritmo da vida urbana. Sua preocupação
de que os parques fossem organicamente conexos à cidade, na medida
em que o tempo passa, torna-se mais complexa em relação ao desenho
do sistema de ruas, bem como na especificação dos transportes públicos
que acessam o espaço livre (SCHENK, 2008, p. 118).

Essa análise, realizada ainda antes que o projeto fosse desenvolvido,


demarca um momento importante no desenvolvimento da ideia de um sistema
de espaços livres para as cidades. Segundo Francesco Dal Co, se na descrição
do Central Park é evidente a constante preocupação na relação com a cidade,
manifestada pela intenção de encontrar momentos e fórmulas de mediação
entre a área do parque e a cidade circundante, no Propect Park, o caráter de
intervenção urbanística global é decididamente acentuado por Olmsted 58 (DAL
CO et al., 1975).

56
OLMSTED, Jr ; KIMBALL, 1928, p. 79.
57
Brooklyn Park Comission, annual Reports 1861-1873, p 83-116. In SCHUYLER & CENSER, 1992, p.
20.
58 DAL CO et al., 1975, p. 170-171.

142 Jardins na história – Vol. I


Figura 5 – Prospect Park, 1888.

Fonte: Olmsted Archives, Frederick Law Olmsted NHS, NPS.


https://www.flickr.com/photos/olmsted_archives/35348937863/in/album-72157684011823334/

O parque não é mais uma unidade separada, mas a partir das ruas e
avenidas arborizadas, parkways, é um sistema que une parques, praças e
largos, passando a ser a estrutura de ordenamento, com fundamental papel no
planejamento da cidade.

O parque proposto para o Brooklyn tem seu significado pleno gerado


pelo vínculo que assume com a estrutura viária urbana, reorganizando-
a através da criação desse sistema de parkways. Elas determinam a
reestruturação do sistema de tráfego e são os eixos do futuro
desenvolvimento urbano. (SCHENK, 2008, p.119).

No início de 1870, o escrito de Olmsted intitulado Public Parks and


the Enlargement of Towns parece consolidar o pensamento não apenas da
ideia de sistema, mas especialmente sobre o papel que esse sistema deveria
ter nas cidades como estruturador de seu desenvolvimento. A defesa dessa
estratégia, que guarda dimensões sociais, econômicas, culturais e políticas se
pautava em argumento fundamentado no bem comum e na justiça social. O

Jardins na história – Vol. I 143


documento afirmava serem os parques um bom investimento para a cidade e
uma dívida da municipalidade para com seus cidadãos59.
O mais paradigmático sistema de parques planejado por Olmsted
ficaria em Boston e sua história se configura outro marco da historiografia da
Arquitetura da Paisagem. O Movimento pelos Parques, Park Movement, que
acontecia na América tinha seus representantes em Boston e a ideia de que a
cidade pudesse ser planejada a partir de um sistema de parques que ordenasse
o território urbano era defendida por pessoas proeminentes como o arquiteto
Charles Eliot e o jornalista e editor Sylvester Baxter.

Figura 6 – Fens antes da implantação do parque, 1878.

Fonte: CREEESE, 1985, p 167.

Um balanço realizado em 1881 e publicado pela Comissão do


Departamento de Parques da Cidade de Boston60 mostrava que a situação
sanitária do Back Bay Fens clamava por urgência. O Fens era então um
território plano e alagadiço no qual se juntavam as águas do rio Charles e do
córrego Stony, e na época das chuvas os incômodos se ampliavam. A urgência

59
ROPER, 1983, p 317.
60Board of Comissioners of the Department of Parks - City of Boston, Seventh Annual Report, 1881.
Boston : Rockwell & Churchill, 1882, p 27. In ROPER, 1983, p.385.

144 Jardins na história – Vol. I


se relacionava às condições sanitárias e as doenças tomavam proporções
epidêmicas. A situação se configurara por meio da intervenção humana, os
pântanos e mangues foram aterrados e isso interferira na lógica das marés.
Originalmente o movimento das marés esgotavam as águas servidas das
ocupações humanas sem rede de esgoto, que eram vertidas diretamente nos
corpos de água; com o aterramento esse ciclo natural das mares se interrompe.
O desmonte dos morros para a realização dos aterros, e a profunda alteração
da paisagem realizada para que solo urbanizável fosse conquistado dos
terrenos alagadiços havia construído o desastre sanitário no qual a cidade
estava imersa.
Na primavera de 1880, Olmsted defenderá o plano elaborado para
contornar a situação frente ao Conselho. Um dos pontos mais complexos era
justamente restaurar o fluxo das marés, recuperando esse ciclo da água
estratégico como relata Anne Spirn:

Olmsted projetou o Fens como uma depressão de formato irregular,


moldada a partir dos baixios da maré. A configuração e o tamanho da
bacia de 12 ha permitiam que a quantidade de água dobrasse, com a
elevação do nível da água de apenas poucos centímetros; durante as
enchentes 8 ha adicionais poderiam ser cobertos pela água. Taludes com
declives suaves e margens com contornos irregulares reduziam as
ondas. Uma comporta na entrada do rio Charles controlava o fluxo das
marés para prevenir as enchentes e melhorar o fluxo das águas na bacia.
Parte do plano de Olmsted era a recuperação do antigo pântano de água
salobra; ele dispõe às margens da bacia plantas que pudessem resistir à
salinidade e tolerar as mudanças do nível das águas. (SPIRN, 1995, p.
164-165).

Contudo, a questão não era apenas técnica; algo que para Olmsted
era de fundamental importância era a alteração da cultura da população em
relação aos pântanos61, substituindo o desprezo e aversão pela compreensão
do papel daquele lugar na fisionomia do território e na vida de quem lá
habitava:

Aos olhos daqueles que acreditavam no princípio orgânico, sua lógica


referendava os pulsos da Natureza e suscitava não só sua manutenção,

61 CREESE, 1985, p. 175.

Jardins na história – Vol. I 145


mas um projeto que fosse capaz de provocar essa percepção, de sorte
que a visão do mangue submetido à melhoria do artifício o transformava
numa faixa de água esmeralda tão bela como o venerado mármore
(SCHENK, 2008, p. 124).

No plano geral, denominado Colar de Esmeraldas, Olmsted’s


Emerald Necklace, um sistema de parques é planejado de modo que seja
contornada a questão sanitária e das marés, os parques recebem diferentes
programações e o desenho dialoga profundamente com os lugares e posição
no sistema, sempre conspirando pela máxima presente nos escritos de
Olmsted segundo a qual os lugares, no caso, o Fens, “deveria aparecer como
um gesto simples, embora um grande e sério esforço estivesse envolvido para
produzi-lo” (CREESE, 1985, p. 172).

Figura 7 – Sistema de Parques, Boston.

Fonte: https://www.flickr.com/photos/olmsted_archives/15039545971/in/album-
72157646472399577/.

O desenho procurará tornar visível outra estética, em um registro


selvático pouco comum aos parques urbanos de então; isso acontece porque
se soma ao desafio de construir o sistema de águas, a escolha das espécies
vegetais pertinente à realidade do lugar: as especificações indicam vegetação
adequada à água salobra presente em um ambiente em contato com o fluxo
de marés. Em seus escritos Olmsted assevera que não se pode esperar pelos
146 Jardins na história – Vol. I
espaços edílicos do Central Park; ali os pulsos da natureza são de outra ordem.
São articuladas à nova proposta estética, experiências planejadas segundo o
princípio orgânico.
Somam-se a essas questões, outras infraestruturas relacionadas às
ruas e avenidas, parkways, que conectam o sistema de parques, e as que ligam
a cidade aos subúrbios, passageway, que tem a responsabilidade de integrar,
ordenar e dirigir o crescimento e desenvolvimento da cidade. Nos cortes das
parkways, o desenho testemunha atenção técnica através da presença de
infraestrutura sanitária para coleta de esgotos e recolhimento das águas
pluviais, bem como considerações acerca do plantio das árvores.
Do plano ao projeto, as cartografias e desenho antecipam aquilo que
seria a prática da Arquitetura da Paisagem, um olhar abrangente para o
território que contempla diferentes escalas e cuja compreensão se dá
justamente através do trânsito de escalas, aquilo a que hoje se chama
multiescalaridade.
O processo de construção do sistema de parques em Boston,
fotografado e documentado demonstra a profunda alteração que se produz no
território. Contudo, o que se procurava naquele plano e seus projetos era
reestabelecer as lógicas da natureza que haviam sido interrompidas, recuperar
questões da paisagem original através de registro artístico de modo que o
cidadão de Boston pudesse fruir de um sistema de parques, deslocar-se através
de ruas arborizadas construídas com qualidade técnica e conforto; enfim, viver
em uma cidade que não conflitasse com os fluxos da natureza, mas os
revelasse: as estações do ano, os movimentos das marés, a presença dos
ventos, todas essas questões comparecem no movimento que planeja e
desenha esse sistema.
Apresentar à população uma cidade com essas qualidades é
participar da construção de uma renovada cultura urbana. Aos gestores,
Olmsted escrevia e argumentava que planejar desse modo era uma questão de
respeito e compromisso com a população, os custos, questão sempre presente

Jardins na história – Vol. I 147


para gestões em qualquer tempo, eram na verdade investimento, em saúde,
civilidade e, provavelmente, felicidade.

4 CONCLUSÃO

Perceber e conjugar diferentes informações sobre territórios e suas


paisagens, este é o desafio que se apresenta em um contexto contemporâneo
que exige abordagens complexas para realidades complexas.
A Paisagem nasce da relação que se estabelece entre Humanidade e
Natureza e sua definição guarda o desafio de ser objeto de investigação e
pesquisa de diferentes campos (BESSE 2014). Artistas e literatos, geógrafos,
biólogos e ecólogos, historiadores e arquitetos, enfim, um conjunto de campos
do saber e disciplinares a tomam como questão, e nisso reside sua riqueza: a
paisagem se oferece como lugar onde os saberes potencialmente se
encontram e podem juntos investigar e formular acerca das condições de
ocupação dos territórios, atentos às várias dimensões, objetivas e subjetivas
que guardam.
O desenho, enquanto projeto de uma possível realidade, é realizado
pelo profissional que tem em seu currículo uma grade de disciplinas bastante
diversas, o horizonte dessa diversidade é unir essas informações em um
projeto sob a forma de uma representação: desenho. Há aqui um singular
treino na constituição deste profissional, que mira tornar não verbal,
transformar em desenho, questões que nascem da reflexão e são, portanto,
verbais.
O desafio de unir estas dimensões está gravado nos escritos do
pioneiro Frederick Law Olmsted. A Arquitetura da Paisagem fundou-se a partir
da relação entre técnica e estética e tinha em seu horizonte a vida pública e os
processos de crescimento, contribuindo à época na construção de cidades mais
salubres, belas e justas.
Com a passagem do tempo e entrada no período ligado à
modernidade posterior à 2ª. Grande Guerra62, o desenvolvimento do campo

62 WALKER & SIMO, 1994.

148 Jardins na história – Vol. I


disciplinar recupera os escritos, planos e projetos do pioneiro Olmsted e
desdobra essa abordagem para o âmbito regional que passou a planejar
paisagens de maior complexidade, com estratégias especialmente voltadas
para a diminuição dos impactos causados pelo processo de ocupação humana,
o conflito entre desenvolvimento e o meio ambiente, sem perder suas
dimensões estética e ética.
Técnica e estética se alteram ao longo do tempo, mas permanecem
associadas a uma dimensão ética original expressa no plano e projeto da
paisagem: um compromisso de construção de convergência entre humanidade
e natureza alicerçadas numa clara ideia de que essa construção é dever do
estado e dos cidadãos e se realiza nos espaços livres das cidades e regiões sobre
o princípio do bem comum. Esta perspectiva, atualizada no que hoje
chamamos justiça social e ambiental repercute um ideário sempre presente no
campo disciplinar. Conquistar as gestões, através da prática profissional é o
desafio que se apresenta.
O processo de planejamento e projeto através da Paisagem abarca
questões do meio ambiente, que unem natureza e sociedade, agregando
qualidades culturais a esse movimento. Quando operamos através da
perspectiva da paisagem, vários campos do conhecimento se apresentam;
questões históricas, de patrimônio e memória são ativadas ao mesmo tempo
em que as lógicas da natureza, seus ciclos e percepções comparecem como
informação relevante e presente.
A constitutiva complexidade da paisagem se apresenta e inspira
metodologias igualmente complexas e as abordagens se renovam
contemporaneamente, seja pelo desenvolvimento técnico e tecnológico, seja
pela instigante questão que se mantém – afinal, o que seria Natureza nesse
milênio? Que aportes estéticos e éticos dialogam com essa percepção? Que
paisagens serão imaginadas e construídas?

Jardins na história – Vol. I 149


5 REFERÊNCIAS

BESSE, 2014. O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2014.

CREESE, Walter L. The Boston Fens. In: CREESE, W.L. The Crowning of the American Landscape.
Eight Great Spaces and their Buildings. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1985.

DAL CO, Francesco et al. De los Parques a la región. Ideologia progressista y reforma de la ciudad
americana. In: DAL CO, F. et al. La Ciudad Americana, de la guerra civil ao New Deal. Barcelona :
Gustavo Gili, 1975. p. 139-293.

HUNT, J. & WILLIS, P. The Genius of the Place –The English Landscape Garden 1620-1820.
Cambridge: MIT Press, 1988.

KOSTOF, Spiro. The elements of Urban Form Through History. London: Bulfinch Press Book,
1999.

LE DANTEC, Denise and Jean Pierre. Reading the French Garden: Story and History. Cambridge :
MIT Press, 1990.

MARTINET, M.M. Art et Nature en Grande-Bretagne. De l’harmonie classique au pittoresque du


premier romantisme, 17e – 18e siècles. Paris : Aubier-Montaigne, 1980.

MCLAUGHLIN, C. C., ed. The Papers of Frederick Law Olmsted, volume I, The Formative Years
(1822 – 1852). Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1977.

OLMSTED, Jr. & KIMBALL, T., eds. Forty Years of Landscape Architecture: Being the Professional
Papers of Frederick Law Olmsted, senior – Landscape Architect, 1822-1903. New York:
G.O.Putnam’s sons / The Knickerboker Press, 1928.

ROBINSON, S. Inquiry into the picturesque. Chicago: University of Chicago Press, 1991.

ROPER, Laura Wood. FLO. A Biography of Frederick Law Olmsted. Baltimore: Johns Hopkins
University, 1983.

SCHENK, Luciana B. M. Arquitetura da Paisagem - entre o Pinturesco, Olmsted e o Moderno.


Tese de Doutorado, EESC-USP, Universidade de São Paulo, 2008.

SCHUYLER, D. & CENSER, J. (eds).The Papers of Frederick Law Olmsted, volume IV, The Years of
Olmsted, Vaux & Company; 1865-1874. Baltimore: John Hopkins University Press, 1992.

SCHAMA, S. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

SIMO, M. 100 Years of Landscape Architecture. Washington, DC: ASLA Press, 1999.

150 Jardins na história – Vol. I


SPIRN, A. W. O Jardim de Granito, a natureza no desenho da cidade. São Paulo: Edusp, 1995.

SUTTON, S. B. Civilizing American Cities. A Selection of Frederick Law Olmsted’s Writings on City
Landscapes. Cambridge: MIT Press, 1971.

WALKER, P. & SIMO, M. Invisible Gardens. The search for Modernism in the American Landscape.
Cambridge, Massachussets: MIT Press, 1994.

AUTORA

Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela EESC – USP, 2008. Mestre em


Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, 1997. Professora da graduação e pós graduação do
Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Membro
dos grupos de Pesquisa YBY: Estudos Fundiários, Políticas Urbanas, Produção
do Espaço e da Paisagem; Coordenadora do GTPU - São Carlos, SP e do núcleo
São Carlos da rede QUAPÁ-SEL.

Jardins na história – Vol. I 151


152 Jardins na história – Vol. I
Capítulo 05
August François-Marie Glaziou: da Diretoria de Parques e
Jardins da Casa Imperial à atualidade63

Auguste François-Marie Glaziou: de la Dirección de Parques y Jardines de la


Casa Imperial hasta hoy

Claudia Brack
Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Mestre em Arquitetura Paisagística PROURB-FAU/UFRJ
Servidora aposentada da Fundação Parques e Jardins - PCRJ
claudiabrack@gmail.com

Flávio Pereira Telles


Engenheiro Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Mestre em Ciência Ambiental pela Universidade Federal Fluminense,
Professor convidado da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Servidor aposentado da Fundação Parques e Jardins - PCRJ
flaviotelles@gmail.com

Maria Josefa Restum Lopes


Arquiteta e Urbanista pela Universidade Silva e Souza
Mestre em Arquitetura Paisagística PROURB-FAU/UFRJ
Especialista em Educação Ambiental pela UCAM e Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Servidora aposentada da Fundação Parques e Jardins - PCRJ
maria.restum@gmail.com

63 O texto é a transcrição não literal da palestra apresentada pelos autores no Ciclo de Palestras
História do Paisagismo sobre o legado de Auguste François-Marie Glaziou e a construção, desde o
século XIX, de um órgão municipal responsável pela implantação e manutenção de parques e
jardins na Cidade do Rio de Janeiro. Os autores são ex-servidores aposentados da atual Fundação
Parques e Jardins, com muitos anos de prática profissional, e interesse na pesquisa sobre história
do paisagismo e história da arborização urbana.

Jardins na história – Vol. I 153


RESUMO
O presente capítulo trata do legado de Auguste François-Marie Glaziou e a construção, desde o
século XIX, de um órgão municipal responsável pela implantação e manutenção de parques e
jardins na Cidade do Rio de Janeiro. Na primeira parte do capítulo, Glaziou é apresentado como
pioneiro na implantação do chamado Jardim Paisagístico Moderno no Brasil, e são apontadas as
dificuldades de conservação da sua obra mais importante, o Campo de Santana, nomeadamente
do seu arboreto. Na segunda parte, são descritas as espécies utilizadas por Glaziou e seu caráter
científico de explorador e identificador de novas espécies para uso paisagístico e sua contribuição
na arborização urbana da Cidade do Rio de Janeiro. Finalmente, na terceira parte, é apresentado
o desenvolvimento organizacional da instituição responsável pelas áreas verdes públicas da antiga
capital do Brasil, desde o segundo império até os dias de hoje. Aborda-se também, as atividades
de educação ambiental e patrimonial desenvolvidas no Campo de Santana (Projeto Piloto) que tem
como objetivo central sensibilizar e conscientizar sobre a importância da preservação dos Parques
Históricos e das áreas verdes públicas para melhor qualidade de vida na Cidade, no contexto atual
pós-pandemia e de mudança climática.

PALAVRAS-CHAVE: Glaziou. Campo de Santana. Fundação Parques e Jardins.

ABSTRACT
En el texto se presenta a Glaziou como pionero en la implementación del llamado Jardín Paisajístico
Moderno en Brasil, y se señalan las dificultades de conservación de su obra más importante, el
Campo de Santana, a saber, su arboreto. En la segunda parte, se describen las especies utilizadas
por Glaziou y su carácter científico de explorador e identificador de nuevas especies de uso
paisagístico y su contribución a la forestación urbana de la Ciudad de Río de Janeiro. Finalmente,
en la tercera parte, mostramos el desarrollo organizativo de la institución responsable de las áreas
verdes públicas en la antigua capital de Brasil, desde el segundo imperio hasta la actualidad.
También abordamos las actividades de educación ambiental y patrimonial desarrolladas en el
Campo de Santana (Proyecto Piloto) cuyo principal objetivo es sensibilizar sobre la importancia de
conservar los Parques Históricos y las zonas verdes públicas para una mejor calidad de vida en la
Ciudad, en el contexto actual pospandemia y de cambio climático.

KEY-WORDS: Glaziou. Campo de Santana. Fundação Parques e Jardins.

A154 Jardins na história – Vol. I


1 O RIO DE JANEIRO DE GLAZIOU E SEU LEGADO 64

Tarefa árdua, tratar de tema tão complexo e amplo em poucas


páginas. Na bibliografia encontram-se as referências necessárias para maiores
e mais aprofundadas informações acerca de Glaziou, sobre os jardins do século
XIX, no Rio de Janeiro ou a evolução do paisagismo no Brasil. O principal
objetivo é atiçar a curiosidade dos alunos e divulgar as fontes da nossa
pesquisa: não só sobre Auguste François-Marie Glaziou, importante e especial
figura, mas também para todas as abordagens relativas ao tema dos jardins
históricos.
A cidade do Rio de Janeiro é reconhecida pela sua paisagem, no
entanto, sua expansão foi modificando terrivelmente seu território.

Do núcleo primitivo no Morro do Castelo, de que praticamente não


restam vestígios na paisagem atual, a cidade se derramou pela planície
arduamente conquistada por aterros e obras de drenagem (BERNARDES,
1992, p. 37).

A cidade fundada em 1565, e que ocupava o Morro do Castelo, se


instala na planície já no início do século XVII. Ocupava a área existente
delimitada ao sul pelos morros do Castelo e Santo Antônio, e ao norte pelos
morros de São Bento e Conceição. O espaço entre essas cadeias montanhosas
era em grande parte, “um espaço pantanoso, entrecruzado por rios e lagoas”
(ANDREATA, 2006, p. 24). Em época de cheias, essas lagoas se
intercomunicavam, dificultando a expansão do núcleo urbano.

64 A presente seção é de autoria de Claudia Brack.

AJardins na história – Vol. I 155


Figura 1 – Planta da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, 1812 (detalhe).

Fonte: Fundação Biblioteca Nacional – BNDigital. Disponível em


http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart177686/cart177686.html

A expansão natural da cidade se deu com o aterramento dos


manguezais e áreas úmidas a oeste. De acordo com Bernardes (1992, p. 45),
até o início do século XVIII, os limites da Cidade não ultrapassavam a Rua da
Vala - atual Uruguaiana, construída para drenar os pântanos entre os morros
de Santo Antônio e Conceição “escoando suas águas para a Prainha”. A área de
terreno brejoso utilizado para pastagem e despejo de detritos além da Rua da
Vala era então chamada de Campo da Cidade. Esta área conformava o fim da
área urbanizada e o começo da área rural. Era também o local frequentado por
escravos, ciganos e excluídos e o seu entorno foi o local escolhido para a
edificação das igrejas e capelas das inúmeras irmandades de pardos, pretos
livres e escravos existentes na cidade, como a igreja de Nossa Senhora do
Rosário.
Um fator de extrema importância para o país e para a cidade foi a
chegada da família real em 1808. Esse fato acarretou um expressivo aumento
do contingente militar e o Campo da Cidade passa a ser utilizado para
exercícios da tropa. Ali, entre 1811 e 1818, é construído o quartel central,

A156 Jardins na história – Vol. I


próximo à igreja de Santana. A construção da igreja em finais do séc. XVIII levou
que a área passasse a ser conhecida como Campo de Santana (Figura 1).

Figura 2 – Planta da Cidade do Rio de Janeiro, 1858 (detalhe).

Fonte: Fundação Biblioteca Nacional – BNDigital. Disponível em


http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart230730/cart230730.html.

Durante todo o século XIX, o local continuaria a ser mantido livre,


sendo utilizado esporadicamente para festejos da nobreza, manifestações
populares, além de atividades e festas militares. O ato de aclamação de D.
Pedro como primeiro imperador do Brasil teve lugar no Campo de Santana, o
que levou a área a ser chamada por um período de Campo da Aclamação.

É interessante notar que o crescimento da cidade vai se dar nessa


direção, mas sempre mantendo a área do Campo de Santana como uma área

AJardins na história – Vol. I 157


livre de edificações. Imaginamos que a necessidade da área para festas e
eventos, para a pastagem de animais como cavalos, mulas e vacas, além da
utilização da área para os exercícios militares determinaram sua preservação
sem ocupações permanentes. Nota-se na iconografia como a cidade era densa,
espremida entre morros e áreas alagadas, com pouquíssimas áreas livres
dentro do perímetro urbano.

A Planta da Cidade do Rio de Janeiro de 1858, (Figura 2) tem a


particularidade de ter sido desenhada no ano em que Glaziou chegou ao Rio de
Janeiro. Observa-se a implantação da Estação da Estrada de Ferro onde antes
havia a igreja de Santana, transferida de lugar, além da expansão da
urbanização em direção à zona norte e também à Botafogo (zona sul).

Auguste François-Marie Glaziou65 nasceu no norte da França, filho


de horticultores e no final da adolescência migra para Bordeaux. Lá trabalha
como toneleiro, mas entra em contato com as sociedades científicas que
divulgam as últimas descobertas botânicas naquele efervescente século XIX.
Vive também as grandes transformações urbanas que as cidades francesas
passam, influenciadas pelas transformações parisienses promovidas pelo
Barão Haussmann. Ele absorve experiências e conhecimentos, e apesar de ser
autodidata, mais tarde chega a ser considerado por alguns autores como
botânico ou arquiteto-paisagista.

65
Na cronologia com as principais efemérides da vida de Auguste François-Marie Glaziou, algumas
destas datas são difíceis de precisar em função da pouca documentação existente.

A158 Jardins na história – Vol. I


Figura 3 - Planta do Passeio Público, depois da reforma radical realizada por Glaziou, 1862.

Fonte: Fundação Biblioteca Nacional – BNDigital. Disponível em


http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon309774/icon309774.jpg.

Glaziou chegou ao Brasil já casado, com 30 anos, como muitos


imigrantes pobres. Há relatos de que passou por momentos difíceis, chegando
a amolar facas para conseguir seu sustento. Mas os tempos difíceis duraram
pouco, pois no ano seguinte à sua chegada, elaborou um projeto para o jardim
do palácio do Barão de Nova Friburgo, na capital. O Barão era um dos homens
mais ricos e influentes do império. Imagina-se que ele tenha sido apresentado
ao barão e, na sequência, à Corte, por Francisco José Fialho. Natural do Piauí,
Fialho era jornalista, tabelião e chegou a representar seu estado natal na
Câmara. De acordo com Noronha Santos (1944), Fialho era um “estudioso de
assuntos de jardinagem” e aparece como coautor na reforma que Glaziou
propôs para o Passeio Público, iniciada em 1861.
Este Parque, projetado originalmente por Mestre Valentim ainda no
século XVIII (e inaugurado em 1783), é considerado o primeiro parque público

AJardins na história – Vol. I 159


implantado no Brasil. Construído sobre uma lagoa aterrada e chegando à beira
do mar, o Passeio Público sofria com a força das marés e a falta de manutenção
adequada. Na década de 1850 o abandono foi registrado por Joaquim Manuel
de Macedo e pode ser atestado em gravuras da época (Figura 4).

Figura 4 – O Passeio Público de Mestre Valentim: Planta da cidade de S. Sebastião do Rio de


Janeiro, 1812 (det.) e gravura de Alfred Martinet, 1847.

Fonte: Fundação Biblioteca Nacional – BNDigital. Disponíveis em


http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart233504/cart233504.html
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon211917/icon211917_17.htm

O Passeio Público foi completamente transformado por Glaziou: de


um projeto de jardim à moda francesa do século XVIII, passou a ser um exemplo
de jardim paisagístico do século XIX. Os caminhos retilíneos e geométricos de
Mestre Valentim foram substituídos por caminhos sinuosos, adornados com
cursos d’água, fontes, pontes rústicas, ao gosto do que se fazia naquela altura
na Europa. Ele manteve, entretanto, alguns elementos do projeto de Mestre
Valentim, como as pirâmides em granito e as fontes em ferro fundido – as
primeiras peças fundidas no Brasil (Figura 3).
Em 1860, Glaziou realizou o projeto dos jardins do chamado “Chalé”
do Barão de Nova Friburgo em sua fazenda na região serrana do Estado, e
elaborou o projeto de arborização do Cais da Glória. Sua relação com a família
imperial começou dois anos mais tarde e se estendeu até o exílio do imperador.
Fez projetos para os jardins da Quinta da Boa Vista entre 1862 e 1878, além de
projetos de jardins para as residências das princesas Isabel e Leopoldina, e para
a residência imperial de verão em Petrópolis. Em 1873, realizou o que muitos

A160 Jardins na história – Vol. I


entendem ser seu melhor projeto: o Campo de Santana - então chamado
Campo da Aclamação, que foi inaugurado em 1880.
O arquiteto paisagista Ronaldo Benevello, Gerente de Paisagismo da
Fundação Parques e Jardins durante as décadas de 1990 e 2010, explicou o
porquê desta afirmação: a reforma do Passeio Público já partia de pré-
existências, além da dimensão reduzida; a Quinta da Boa Vista - hoje um
parque público, não foi projetado como parque, e sim como jardins da
residência do imperador. Tratava-se de uma grande propriedade rural, em que
precisavam ser atendidas as demandas da família imperial. Já no Campo de
Santana, Glaziou partiu do zero, do terreno limpo. E fez ali um projeto onde
encontram-se todos os elementos programáticos do chamado Jardim
Paisagístico Moderno: caminhos curvos, cursos d’água, muitos ornamentos em
rocaille, inclusive uma grande gruta com cascata, além da utilização de espécies
vegetais exóticas e nativas pouco conhecidas (Figura 5). Parque de grande
dimensão, permite que, do seu interior, não percebamos que estamos no
centro de uma grande cidade.

Figura 5 - Planta do Campo de Santana com projeto de Glaziou, s/data.

Fonte: Arquivo Técnico Fundação Parques e Jardins. Disponível em


http://fpjrj.rio.rj.gov.br/docreader/DocReader.aspx?bib=PCRJ_PaisagemCarioca&PagFis=6404

AJardins na história – Vol. I 161


Com o aumento da demanda por áreas ajardinadas no Rio de
Janeiro, capital que se espelhava em Paris, D. Pedro II havia instituído a
Diretoria de Parques e Jardins da Casa Imperial em 1869 e nomeado Glaziou
seu primeiro diretor. Desde a reforma do Passeio Público, Glaziou passou a
morar no local e a demandar trabalhadores para a manutenção das áreas
verdes. O poder público se deu conta da necessidade de um serviço constante
de manutenção dos jardins. O paisagista só passou a receber salário pela
função de diretor a partir de 1873. Durante esse período era remunerado por
projeto executado para as áreas públicas - e foram muitos, assim como
continuava a elaborar projetos para jardins privados. No projeto para o Campo
de Santana determinou a construção de uma edificação para abrigar o órgão
responsável pelos jardins e parques públicos. E até hoje a Fundação Parques e
Jardins ocupa esse prédio, já ampliado em reformas posteriores.
Importante ressaltar que, apesar da ligação de Glaziou com o
imperador Pedro II, ele se manteve na direção do serviço de parques e jardins
mesmo após a proclamação da República, só se aposentando em 1897 quando
retornou à França.
Outra faceta importante da vida profissional de Glaziou relaciona-se
com seu interesse científico. Ele fez inúmeras excursões para conhecimento e
recolha de espécies vegetais que eram enviados para os mais prestigiosos
jardins botânicos do mundo para serem identificados e classificados.

Glaziou foi certamente motivado por questões econômicas e razões


científicas (...), mas é provável que suas iniciativas também fossem
produto do espírito romântico do século XIX, como a busca pelo raro, o
desconhecido, o precioso e extraordinário (BRITO et al., 2015, p.9,
tradução nossa).

Sua correspondência com o Kiew Gardens, pesquisada por Brito


(2015), apresenta algumas curiosidades. Chama a atenção que a grande
maioria das espécies se destina ao uso paisagístico e seja citada como: “útil
para embelezamento, uma das mais bonitas, usadas em jardins públicos,
cultivada em jardins, rara e bela para cultivo em jardins, possui grande beleza,
possui interesse para jardins públicos” (BRITO et al., 2015, p.9, tradução nossa),

A162 Jardins na história – Vol. I


etc. A análise desta correspondência mostrou que Glaziou procurou,
principalmente, por plantas nativas que pudessem ser usadas no paisagismo,
com muito menor interesse em vegetais que pudessem servir de alimento,
medicamentos ou matérias-primas.
Durante praticamente todo o período em que morou no Brasil,
Glaziou participou de expedições exploratórias em diversos locais, chegando
até ao Planalto Central. Como participante da Comissão de Estudos da Nova
Capital da União, Glaziou integrou a 2ª Missão Cruls (1894-1895), quando
sugeriu a criação do Lago Paranoá.
A partir de 1905, um ano antes de sua morte, Glaziou viu a Sociedade
Botânica da França iniciar a publicação da “Lista das plantas do Brasil central
recolhidas em 1861-95 por A.-F.-M. Glaziou, diretor aposentado dos Jardins
Públicos e das Florestas do Rio de Janeiro”. Esse valioso material se encontra
digitalizado e pode ser acessado através do Herbário Virtual Auguste Glaziou 66.
Estão reunidas as informações - incluindo imagens sobre as exsicatas -
representativas das coletas realizadas por Glaziou, e que encontram-se
depositadas no Museu Nacional do Rio de Janeiro e no Museu Nacional de
História Natural de Paris.
Glaziou faleceu em 1906 em Gauriac, na sua Bretanha natal, para
onde havia retornado após os quase 40 anos passados no Rio de Janeiro.

1.1 Considerações sobre o Plano de gestão do Campo de Santana 67

Na década de 2010 estavam sendo elaborados vários Planos de


Manejo para os Parques Naturais da Cidade do Rio de Janeiro por conta da
legislação federal, a Lei nº 9985, conhecida como “Lei do SNUC”. Essa lei, entre
outras diretrizes, estabeleceu que os Planos de Manejo deveriam orientar a
gestão das Unidades de Conservação da Natureza para garantir a integridade
dos recursos que a unidade tem por objetivo proteger.

66Disponível em http://glaziou.cria.org.br/
67
A seção traz algumas informações construídas a partir da dissertação de mestrado intitulada
“Plano de gestão do Campo de Santana: subsídios e considerações” desenvolvida no Mestrado
Profissional em Arquitetura Paisagística do PROURB-FAU/UFRJ (BRACK, 2012).

AJardins na história – Vol. I 163


Partiu-se da premissa de que os jardins históricos brasileiros
também deveriam dispor de um plano para garantir a correta conservação
daqueles espaços, como acontece em muitos países. No caso dos jardins
históricos, adotou-se o termo Plano de Gestão por entender que esse termo
tem uma abrangência maior e que consegue atender à variedade dos trabalhos
que estes espaços necessitam: desde o manejo florestal e o manejo da fauna
até aos serviços relacionados com as obras de arte, visitação pública, eventos,
segurança, etc.
Cabe aqui esclarecer também a diferença entre a manutenção e a
gestão, como bem definiu Wright (1993, p. 351). A primeira refere-se às
operações de rotina, com periodicidade estabelecida, visando manter o jardim
- como o corte da grama, a limpeza das herbáceas, o corte das cerca-vivas, a
poda, etc. Já a gestão diz respeito ao planejamento a médio ou longo prazo,
indo desde à organização do jardim, do seu restauro ou políticas de renovação,
da seleção e organização dos trabalhadores ao orçamento, e tantos outros
aspectos necessários ao bom funcionamento do Parque público e à
salvaguarda de um bem histórico.

Figura 6 - Ortofoto Cadastral, 2009.

Fonte: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

A164 Jardins na história – Vol. I


O Campo de Santana é classificado como um Jardim Histórico, pois
é reconhecido como pioneiro e um dos mais importantes exemplos do
chamado Jardim Paisagístico Moderno no Brasil, tendo inspirado inúmeros
projetos pelo país. Este reconhecimento levou ao seu tombamento em 1938,
como patrimônio artístico da União logo após a criação do SPHAN, hoje IPHAN,
em novembro do ano anterior. Apesar do seu destombamento, por conta a
abertura da Avenida Presidente Vargas, foi novamente tombado pelo órgão
federal em 2012, mostrando sua importância como obra de arte precursora do
paisagismo no Brasil. Na pesquisa, Brack (2012) buscou entender o significado
do tombamento do Campo de Santana de modo a evidenciar os valores a
serem preservados pelos seus gestores.
Só uma avaliação do valor total do que se pretende conservar e do
seu significado poderá determinar as qualidades e características mais
importantes que devem ser preservadas para o futuro, guiando as ações de
manutenção. Este documento, chamado “Declaração de Significância”, deve
ser o ponto de partida para qualquer plano de conservação, recuperação ou
adaptação de um bem histórico. É um documento importante para embasar a
conservação das paisagens históricas, bem como para identificar
oportunidades de mudança. Afinal, as paisagens projetadas não permanecem
estáticas, e devem se adaptar se quiserem sobreviver: na prática nem tudo
pode ser preservado. Por esta razão decidir quais aspectos são mais
significativos e sua ordem de importância é primordial.
A vegetação, a beleza do Parque e seu valor ambiental foram os
valores mais significativos apontados pela pesquisa. Seu valor estético está
relacionado com o desenho proposto por Glaziou e também com a sua
vegetação. Seu valor ecológico está intimamente associado à suas árvores.
Portanto, a sua vegetação - principalmente relativa ao estrato arbóreo, é o bem
de maior significância e que confere ao Campo de Santana características
únicas.
A pesquisa realizou um levantamento das árvores do Campo de
Santana e a comparação com a planta executada 21 anos antes tornou
evidente a falta de critérios nos plantios executados e a necessidade de melhor
conservação da arborização do Parque. A constatação da morte de 138

AJardins na história – Vol. I 165


unidades de figueiras da espécie Ficus microcarpa demanda ações urgentes
para mitigação do seu efeito sobre a paisagem histórica.
Diferentemente da restauração de bens arquitetônicos, a
recuperação de uma paisagem exige esforços por longos períodos de tempo,
não se alcançando um resultado imediato. É urgente caracterizar e formular
estratégias de gestão sistemática da população arbórea do Parque e propor
recomendações para a manutenção futura daquele jardim histórico.

2 GLAZIOU, AS ESPÉCIES ARBÓREAS USADAS NOS PARQUES E A


ARBORIZAÇÃO URBANA68

Nesta seção são enfocados os três parques elaborados por Glaziou,


na área central do Rio de Janeiro, elencando as espécies marcantes, os
problemas que podem aparecer na gestão de parques e as contribuições de
Glaziou para o estabelecimento da arborização no Rio.

Figura 7 – Município do Rio de Janeiro.

Fonte: Google Earth, 2021.

68 A presente seção é de autoria de Flávio Pereira Telles.

A166 Jardins na história – Vol. I


A Figura 8 mostra um detalhe da área central com a localização dos
três parques. O primeiro, Passeio Público (1), na parte inferior da imagem, o
segundo, Campo de Santana (2), bem mais ao centro e por último a Quinta da
Boa Vista (3) à esquerda.

Figura 8 – Detalhe da área central com o Passeio Público (1), Campo de Santana (2) e Quinta da
Boa Vista (3).

Fonte: Google Earth, 2021.

2.1 Passeio Público

Este Parque foi a primeira área verde pública a ser implantada no


Brasil. Sua criação data do final do século XVIII, o projeto foi de Mestre
Valentim. A ordem para elaboração, veio da coroa portuguesa. Após a sua
inauguração, passou por um período de uso intenso pela população com
melhor poder aquisitivo, mas já após a segunda década do século XIX, entrou
em declínio.
Glaziou chegou ao Rio de Janeiro em 1858, e em 1860 foi contratado
pelo imperador Pedro II para fazer uma reestruturação/reforma no Passeio. O
projeto de Valentim, conforme pode ser visto na Figura 9, era em linhas retas
(geométricas) com a vegetação nas laterais. As modificações propostas por
Glaziou acabaram com estas linhas, inserindo ornamentos preconizados dos
jardins franceses, como pontes em ferro, chafarizes. Novas espécies vegetais
foram plantadas e pequenas elevações foram instaladas no parque. As
pirâmides/obeliscos do projeto original foram mantidas por Glaziou e

AJardins na história – Vol. I 167


permanecem até os dias de hoje, como podem ser vistos nas imagens que se
seguem (FERREIRA, 2004).

Figura 9 – Projeto de Mestre Valentim, Projeto de Glaziou e vista aérea atual (as setas indicam os
obeliscos).

Fonte: Terra (2000).

Fonte: Acervo do autor.

2.1.1 Espécies emblemáticas no Passeio Público

Este primeiro parque apresenta algumas das espécies usadas por


Valentim, como as amendoeiras (Terminalia cattapa L.), inclusive uma delas é
considerada a mais alta da cidade. Ela está situada próximo a entrada do

A168 Jardins na história – Vol. I


parque no lado oposto aos obeliscos e sua bela copa pode ser observada na
Figura 10.

Figura 10 - Amendoeira muito alta na entrada do parque, próximo à R. do Passeio.

Fonte: Acervo do autor.

Alguns exemplares de vegetação nativa se destacam no Passeio, como


os oitizeiros (Moquilea tomentosa Benth), os paus-ferros (Libidibia ferrea
(Mart. ex Tul.) L.P.Queiroz), paus-rei (Pterygota brasiliensis Allemão) e os paus-
brasil (Paubrasilia echinata (Lam.) Gagnon, H.C.Lima & G.P.Lewis). Existe um
oiti (Moquilea tomentosa) próximo à amendoeira (Terminalia catappa) citada
que se destaca dos demais do parque e da cidade, tanto pelo diâmetro do
tronco como pela altura. Glaziou inseriu no seu projeto conjuntos de figueiras,
que posteriormente usaria também no Campo de Santana e na Quinta da Boa
Vista. Deste grupo de espécies, se destacam as figueiras-que-andam (Ficus
microcarpa L.f.). O nome é por conta da emissão das suas raízes aéreas que ao

AJardins na história – Vol. I 169


se prolongarem até o solo, parece ao leigo que o vegetal está caminhando; no
entanto, estas escoras servem para aumentar a copa e auxiliar no equilíbrio.
Várias palmeiras estão também inseridas no parque, entre elas a nativa Jerivá
(Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman), e entre as estrangeiras temos as
imperiais (Roystonea oleraceae (Jacq.) O.F.Cook) e as leque (Livistonia
chinensis (Jacq.) R.Br. ex Mart.).

Figura 11: grupos de paus-brasil (Paubrasilia echinata) e de palmeiras jerivá (Syagrus


romanzoffiana).

Fonte: Acervo do autor.

2.2 Campo de Santana

Este parque teve uma intensa dedicação de Glaziou, que pensou nos
mínimos detalhes e inseriu neste projeto vários dos atributos paisagísticos que
presentes nos jardins que estavam sendo implantados em Paris na mesma
época, como grutas, fontes e lagos com ilhas. No Campo, encontra-se a sede
da Fundação Parques e Jardins (FPJ). A obra de implantação do parque durou
sete anos e os plantios só foram feitos após o parque ter sido todo gradeado
em 1875, com grades vindas da França, pois Glaziou tinha medo da depredação

A170 Jardins na história – Vol. I


dos jardins. O projeto mostra alguma similaridade com os traços do Passeio
Público só que em maior escala. No entanto, na década de 1940 uma parte do
parque foi removida para a abertura da Av. Pres. Vargas. O projeto do arquiteto
Azevedo Neto, funcionário do então Departamento de Parques e Jardins, fez a
adequação do projeto do mestre francês, com vistas a não o descaracterizar.

Figura 12: Campo de Santana, 2021.

Fonte: Foto de Jayson Fonseca (a partir de drone), 2021.

Ao longo do século XX o Parque perdeu uma quantidade significativa


de espécimes de algumas espécies, como relatou Brack (2012), mas nos últimos
anos tem havido o replantio, o que nos leva a crer que em futuro próximo a
área possa ter mais verde.

2.2.1 - Espécies emblemáticas no Campo de Santana

Neste projeto Glaziou colocou um número significativo de espécies


de figueiras, mesclando nativas e exóticas. A que teve a maior quantidade de
indivíduos foi a figueira-que-anda (Ficus microcarpa L.f.). Esse vegetal desde
1987 vem sofrendo por conta de uma doença, que só foi diagnosticada após

AJardins na história – Vol. I 171


parceria da Fundação com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ). Dois grupos dessa universidade pesquisaram o local, e o último
capitaneado pelo Prof. Paulo Brioso (PEDRO, 2016), identificou um fungo de
solo que fragilizava bastante o vegetal e facilitava a entrada de outros fungos
apodrecedores bem como de insetos decompositores de madeira.

Figura 13 – Grupo das figueiras-que-andam (Ficus microcarpa).

Fonte: Acervo do autor.

Além das figueiras, Glaziou inseriu outras espécies exóticas como as


tipuanas (Tipuana tipu (Benth.) Kuntze) e os baobás (Adansonia digitata L.). A
figura 14 mostra um exemplar de tipuana que rebrotou e recompôs o tronco
após a queda de parte numa chuva intensa com ventos. Os belos baobás
(Adansonia digitata) plantados há mais de cem anos, chamam a atenção por
ficarem próximos à Av. Pres. Vargas.

A172 Jardins na história – Vol. I


Figura 14 – Grupo de tipuanas (Tipuana tipu) e de baobás (Adansonia digitata).

Fonte: Acervo do autor.

AJardins na história – Vol. I 173


Dentre as espécies nativas observam-se na Figura 15 exemplares de
várias partes do Brasil, desde a mata atlântica, até o cerrado e a região
amazônica. Entre eles destacam-se as estercúlias (Sterculia apetala (Jacq.)
H.Karst.), o assacu (Hura creptans L.) e na Figura 16, destaca-se a árvore-do-
imperador (Chrysophillum imperiale (Linden ex K.Koch & Fintelm.) Benth. &
Hook.).
Figura 15 – Grupos de estercúlea (Sterculia apetala) e assacu (Hura creptans).

Fonte: Acervo do autor.

A árvore-do-imperador (Chrysophillum imperiale) hoje faz parte da


lista vermelha por ser uma espécie ameaçada de extinção, e tem esse nome
por conta do seu fruto ser muito apreciado pelos imperadores Pedro I e Pedro
II. Sabendo disso, Glaziou decidiu utilizar esse vegetal em vários de seus
projetos, mas atualmente só é encontrada neste parque.

A174 Jardins na história – Vol. I


Figura 16 – Árvore-do-imperador (Chrysophillum imperiale).

Fonte: Acervo do autor.

Esse vegetal tão importante, foi incluído na listagem das espécies


com potencial uso na arborização e no paisagismo do estado do Rio de Janeiro
junto com outras tantas, que fazem parte do volume da região sudeste da
coletânea sobre arborização urbana que está no prelo e deve ser lançada como
e-book no próximo ano. O trabalho inclui cerca de 500 profissionais de diversas
instituições nacionais e internacionais com vista a termos no futuro uma
arborização de qualidade em todos os nossos municípios.

AJardins na história – Vol. I 175


2.3 Quinta da Boa Vista

A Quinta da Boa Vista foi doada por um rico proprietário para abrigar
a família real que chegava de Portugal em 1808. O projeto elaborado por
Glaziou para esse parque iniciou antes da proposta que ele fez para o Campo
de Santana, mas foi interrompido e só foi retomado após a conclusão deste
último.
Figura 17 – Pagode chinês e lago, Quinta da Boa Vista.

Fonte: Acervo do autor.

Neste projeto (Figura 18) destaca-se o Palácio da família real, atual


Museu Nacional, e a aléia de sapucaias (Lecythis pisosnis Cambess) na entrada
monumental que liga a residência imperial ao bairro de São Cristóvão. Glaziou
falava em suas anotações que este foi o projeto que mais deu trabalho para
realizar, por conta de interferências do “botânico amador” Pedro II que gostava
de dar palpites nas decisões a serem colocadas no local. A Quinta, por ter uma

A176 Jardins na história – Vol. I


área bem maior que os demais parques, recebeu inúmeras inovações como o
pagode chinês (Figura 17), diversas pontes metálicas e rocailles.

Figura 18 – Projeto de Glaziou para a Quinta da Boa Vista e vista aérea.

Fonte: Museu Nacional e fotografia de Roberto Okabayashi.

2.3.1 Espécies emblemáticas da Quinta da Boa Vista

As sapucaias (Lecythis pisonis) são talvez as espécies que mais se


destacam não só por estarem na entrada monumental, mas também por terem
sido plantadas em outros pontos no interior do parque. Elas chamam a
atenção na época da floração, não propriamente por esta e sim pelas folhas
jovens, que dão um colorido rosa às árvores. Suas flores são singelas em pétalas
brancas e roxas ligeiramente perfumadas, o fruto tem sementes oleaginosas
adstringentes que alimentam aves e mamíferos (Figura 19).

Na Quinta encontram-se outras tantas espécies nativas que se


destacam e compõem um belo conjunto de árvores da nossa flora, como as
paineiras (Ceiba speciosa (A.St.-Hil.) Ravenna), mungubas (Pachira aquatica
Aubl.), paus-ferro (Libidibia ferrea), paus-reis (Pterygota brasiliensis) e os
oitizeiros (Moquilea tomentosa) conforme Figura 20. Das espécies exóticas
destacam-se as cássias amarelas (Senna siamea (Lam.) H.S.Irwin & Barneby) e
as amendoeiras (Terminalia catappa). Algumas dessas espécies podem ser

AJardins na história – Vol. I 177


vistas nas imagens que se seguem.
Figura 19 – Aléia das sapucaias (Lecythis pisonis) e detalhe das folhas, frutos e flores.

Fonte: Acervo do autor.

Figura 20 – Oitizeiro (Moquilea tomentosa) próximo à ponte e um pau-ferro (Libidibia ferrea) na


ilha.

Fonte: Acervo do autor.

A178 Jardins na história – Vol. I


2.4 Cuidados com as áreas verdes

2.4.1 - Cuidado com os gramados

O cuidado com os gramados em áreas verdes necessita uma atenção


especial, pois ao longo do ano irá variar bastante. Em relação ao corte, no
período do verão, deve-se cortar o gramado a cada quinze dias, mas se o
período for chuvoso pode diminuir para dez. No inverno, como é mais seco,
pode se cortar só uma vez. Precisa-se ficar atento ao uso dessas áreas, pois em
vários pontos dos gramados na Quinta da Boa Vista o uso é intenso pelos
frequentadores e já no Campo de Santana não. A deterioração leva a
necessidade de se programar uma reposição dessa área e para isso ser efetivo,
ela deve ser isolada para não ser danificada antes do tempo da pega da grama.
A questão de drenagem é importante, pois a irrigação prolongada pode matar
as raízes, necessitando um bom escoamento (Figura 21). O segundo cuidado é
com a adubação, que deve ser programada com regularidade para que a grama
possa continuar se nutrindo, para ter suas forças renovadas.
Figura 21 - Bacia de acumulação gramada, após intensa chuva no Campo de Santana.

Fonte: Acervo do autor.

AJardins na história – Vol. I 179


2.4.2 – Manutenção dos jardins

Todo jardim requer manutenção, e a limpeza é extremamente


importante ser realizada a cada quinze dias, para se remover as ervas daninhas.
Outra tarefa é o replantio das espécies que morrerem após o plantio. Deve-se
sempre respeitar o projeto elaborado, mas em alguns casos é necessária a
substituição de um vegetal por ele não ter se adaptado ou não existir a planta
no mercado. Este inclusive é o caso que está acontecendo no jardim de ondas
do parque do Flamengo, elaborado por Burle Marx. Um tipo de grama que
mesclava com outra e dava a coloração mais clara neste local, não tem sido
mais produzida. Com a falta desta, está sendo difícil repor o jardim de ondas e
a beleza desta parte do parque não pode ser apreciada.

2.4.3 – Manejo de pragas e doenças

Essa questão, atualmente, é de suma importância para as áreas


urbanas, devido à grande concentração de fábricas/indústrias nas cidades, e o
intenso tráfego de carros e caminhões tem elevado o nível de poluição do ar.
Associado a isso, o aumento das construções com diminuição das áreas
naturais tem aumentado a temperatura e as mudanças climáticas globais têm
deixado as árvores e palmeiras mais suscetíveis a pragas e doenças. Por ser um
fato novo em nosso país, ainda não existem produtos eficazes para se realizar
este controle. Primeiramente deve ser identificado o causador do problema
para depois serem implementadas medidas de controle, sempre se levando em
conta o local onde o vegetal está, se existe acesso de pessoas ou animais a
estes pontos.
No Rio de Janeiro um dos maiores problemas que surgiram nos
últimos anos é a morte das figueiras-que-andam (Figura 22). Para debelar tal
doença foi necessário recorrer ao apoio das universidades, pois o gestor
público não possui tempo e nem meios necessários para realizar a pesquisa e
identificar a causa, a doença ou a praga e como fazer para combatê-la. Cabe
ainda lembrar que em uma área pública isso nunca é uma coisa simples.

A180 Jardins na história – Vol. I


A erva-de-passarinho é uma praga que se espalhou bastante pelas
áreas arborizadas de nossas cidades e deve ser combatida no início de seu
estabelecimento para não comprometer a saúde do vegetal onde ela se
implantou. Ocorre que no Campo de Santana, numa ilha de um dos lagos. Não
foi removida pois se tornou um lugar de atração devido aos ninhais de garças
brancas grandes (Ardea alba L.) e pequenas (Egretta thula M.). Brack (2012)
identificou na sua pesquisa uma grande concentração de jamelão (Syzygium
cumini (L.) Skeels) e foi neles que a erva-de-passarinho se instalou. O combate
deveria ter sido feito, mas os animais voltam sempre para este local e isso
inviabilizou a retirada dessa hemiparasita.

Figura 22 - Figueira-que-anda (Ficus microcarpa) já morta pela doença.

Fonte: Acervo do autor.

AJardins na história – Vol. I 181


2.4.4 – Manejo adequado das espécies arbóreas e palmeiras.

O manejo das árvores e palmeiras deve ser uma atividade rotineira


nas áreas verdes para identificar problemas e elaborar soluções a serem
implementadas. Podendo ser uma poda (Figura 23), retirada de folhas de
palmeiras, uma remoção ou controle de doença ou praga, tudo para evitar
danos aos visitantes bem como aos bens públicos. Em parques como estes que
foram abordados nesse texto, por vezes as intervenções podem ser mais
intensas, dependendo do local ou do grau de comprometimento do vegetal
para mantê-lo o máximo possível.

Figura 23 – Caminhão com cesta elevatória fazendo poda e remoção de folhas mortas.

Fonte: Acervo do autor.

A questão do replantio deve ser muito bem planejada para se evitar


plantar em locais não indicados no projeto original bem como de colocar
espécies não especificadas. Um mau exemplo pode ser observado na Figura 24,
um plantio executado com vegetais do projeto, mas em outro local.

A182 Jardins na história – Vol. I


Figura 24 - três exemplares de baobás (Adansonia digitata) plantados em setembro de 1987.

Fonte: Acervo do autor.

2.5 Contribuições de Glaziou para a arborização da Cidade do Rio de Janeiro

É interessante notar que diversas espécies nativas usadas por


Glaziou nos três parques depois compuseram o leque dos vegetais usados na
arborização da cidade. Acredita-se que as experiências realizadas por Glaziou
com essas espécies, principalmente o oitizeiro, fez com que fosse escolhida
para ser implantada nos logradouros da Cidade.

Glaziou foi o primeiro a definir regras de plantios na cidade do Rio


de Janeiro colocando as mudas de 7,0 em 7,0 m, com porte mínimo de 3,0 m
de altura (MILANO, 2000). Ainda hoje nas cidades brasileiras não são utilizadas

AJardins na história – Vol. I 183


mudas com este porte. Nos municípios do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo
Horizonte e Porto Alegre as mudas plantadas têm de 2,50 m de altura. Glaziou
preocupava-se com o vandalismo, portanto plantava uma muda mais alta. Este
tipo de depredação acontece até hoje, em diversas cidades no Brasil e no
mundo, principalmente em vias com intenso fluxo de pedestres e veículos.

Na Figura 25, a atual Marechal Floriano (antiga rua Larga) no centro


do Rio de Janeiro, podem ser observadas as mudas plantadas seguindo a
metodologia de Glaziou. A primeira imagem é de um cartão postal do início do
século XX, do colégio Pedro II, implantado pelo imperador.. E a segunda nesse
mesmo local, mas em 2016, com os oitizeiros alcançando a cúpula do telhado
do colégio.

Figura 25 – Oitizeiro em frente ao Colégio Pedro II: cartão postal do início do século XX e imagem
de 2016.

Fonte: Colégio Pedro II. Disponível em https://www.cp2centro.net/historia/ e acervo do autor.

Segundo Dourado (2019), Paul Villon, outro paisagista francês,


trabalhou no Rio de Janeiro e ajudou Glaziou na implantação do Campo de
Santana. Retornou ao Rio de Janeiro no final do século XIX, tendo trabalhado
na equipe que ajudou a transformação promovida pelo prefeito Pereira Passos
no início do século XX ao implantar a Avenida Central, atual Rio Branco (Figura
26). Neste local foi feito um belo boulevard, nos moldes dos implementados

A184 Jardins na história – Vol. I


por Hausmann em Paris no século anterior, com árvores nas calçadas e no
canteiro central.

Figura 26 – Avenida Central, projeto implantado por Pereira Passos entre os anos de 1902 e 1906,
no centro do Rio de Janeiro com o Theatro Municipal ao fundo.

Fonte: Foto Marc Ferrez.

A espécie usada nas calçadas foi também os oitizeiros, já no canteiro


central ainda não conseguimos ter certeza, mas parece que foram paus-brasil.
Na Figura 26 observa-se que as mudas das calçadas estavam com protetores.
Até hoje os oitizeiros (Moquilea tomentosa) encontram-se nesta avenida e com
o tempo percebeu-se que as mudas jovens demoravam muito a crescer.
Verificou-se que neste logradouro os raios solares só incidiam no período das
11:00 às 13:00 horas, por conta dos prédios muito altos em ambos os lados da
via. Acredita-se que por este motivo os oitizeiros respondem com tão baixo
índice de crescimento.

Nesse sentido é importante salientar alguns pontos para a


elaboração de projetos de parques, praças e arborização: se possível, usar
mudas de porte maior, ficar atento ao local onde esses projetos serão

AJardins na história – Vol. I 185


implementados, conversar com as pessoas que serão beneficiadas, verificar a
intensidade e a direção dos ventos, a quantidade de sol e a irrigação necessária,
além da manutenção destes espaços por um tempo não inferior a três anos.

3 DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL E O PROJETO PILOTO DE


EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PATRIMONIAL NO CAMPO DE SANTANA.69

Nesta seção descreve-se o desenvolvimento organizacional da


Fundação Parques e Jardins, ao longo dos mais de 150 anos de existência da
Instituição e as atividades de Educação Ambiental e Patrimonial – Projeto
Piloto, desenvolvidas no Campo de Santana. A Sede da Fundação Parques e
Jardins (Figura 27) construída no Campo de Santana, primeiramente com um
pavimento e depois ampliada, recebendo mais dois pavimentos, abriga os
principais serviços da Organização.

Figura 27: Sede da Fundação Parques e Jardins.

Fonte: Acervo Fundação Parques e Jardins.

69 A presente seção é de autoria de Maria Josefa Restum Lopes.

A186 Jardins na história – Vol. I


3.1 Desenvolvimento Organizacional

Fazendo-se um breve resumo histórico do desenvolvimento


organizacional da Instituição, convém destacar, inicialmente, que Dom João VI
ao chegar ao Rio de Janeiro em 1808, criou o Real Horto, atual Instituto de
Pesquisas Jardim Botânico. Em 1822, com a sua abertura ao público, as mudas
produzidas no Horto passaram a ser plantadas na Cidade.
Todavia, a primeira iniciativa de preservação ambiental surgiu da
necessidade de proteção às nascentes que abasteciam a Cidade, em fins do
século XVIII, resultando, posteriormente, no reflorestamento da Floresta da
Tijuca, coordenado pelo Major Archer, a partir de 1861.
Auguste François-Marie Glaziou assumiu em 1869, a convite do
Imperador D. Pedro II, a Diretoria de Parques e Jardins da Casa Imperial, que
possuía como atribuições tratar dos assuntos referentes aos jardins, à
arborização pública e do meio marítimo, principalmente, sobre pesca e
vegetação marginal de lagoas, rios e mar. Glaziou executou, entre outros
projetos, o da reforma do Passeio Público, o Jardim da Quinta da Boa Vista e o
Campo de Santana. Esse Órgão, passou por diversas transformações e
denominações.
Face as alterações promovidas após a Proclamação da República, no
ano de 1893 foram criadas a Inspectoria de Mattas, Florestas, Jardins Públicos
Arborização e Caça e a Inspectoria de Mattas Marítimas e Pescas. Em 1902, as
inspetorias foram unificadas, passando a denominar-se Inspectoria de Mattas,
Jardins, Arborização, Caça e Pesca.
A partir de 1924, integrou-se à Secretaria de Obras Públicas da
Prefeitura do antigo Distrito Federal, como Diretoria Geral de Arborização e
Jardins. No ano de 1932 unificou-se com a Inspetoria Agrícola e Florestal,
formando a Directoria Geral de Mattas, Jardins e Agricultura da Secretaria de
Obras Públicas da Prefeitura do Distrito Federal.
Tornou-se Departamento de Parques da Secretaria Geral de Viação,
Trabalho e Obras Públicas em 1940, tendo como competências: a implantação
e conservação de parques e praças, monumentos, chafarizes e coretos; a
instalação de playgrounds; o reflorestamento; a arborização e a produção de

AJardins na história – Vol. I 187


espécies vegetais destinadas aos logradouros públicos.
Em 1967, a antiga SURSAN - Superintendência de Urbanização e
Saneamento do Estado da Guanabara foi reestruturada. A nova Secretaria de
Obras Públicas do Estado da Guanabara incorporou o Departamento de
Parques – DPQ. No ano de 1973, foi integrada à Coordenação de Obras de
Conservação da Secretaria de Obras Públicas do Estado da Guanabara.
Com a fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, em 1975,
foi criada a Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos da Prefeitura da
Cidade do Rio de Janeiro, composta por uma Diretoria de Parques e Jardins,
com quatro Divisões, sendo uma de Paisagismo, uma de Obras e Conservação
(com dez Serviços de Obras e dez Setores de Conservação) uma Divisão de
Reservas e Florestas e uma quarta Divisão de Recreação e Lazer.
Em 1987, passa a Departamento Geral de Parques e Jardins da
Secretaria Municipal de Obras Públicas, possuindo três Superintendências de
Obras e Conservação divididas em nove Divisões de Obras e Conservação.
Transformou-se, finalmente, em Fundação Parques e Jardins, por meio da Lei
nº 1419, de 11 de julho de 1989 e assim permanece até os dias de hoje.
A Cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1992, foi escolhida para sediar
a Rio Eco – 92 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento Econômico, tendo como principal objetivo debater os
problemas ambientais mundiais. Neste mesmo ano, a Cidade aprovou o
Primeiro Plano Diretor – Lei complementar no 16, de 04 de junho de 1992, que
instituiu o Sistema de Gestão Ambiental integrado pelo Conselho Municipal de
Meio Ambiente e pelo Fundo de Conservação Ambiental. No ano de 1994, a
Fundação Parques e Jardins foi integrada ao Sistema de Gestão Ambiental e
vinculou-se, à Secretaria Municipal de Meio Ambiente, por meio da Lei nº
2.138, de 11 de maio.
A Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000, criou o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza com novas categorias para
as Unidades de Conservação. Desta maneira, os Parques Naturais da Cidade
surgiram por meio do Decreto Municipal nº 22.662/ 2003.
Através do Decreto no 27.878, de 24 de abril de 2007, foi redefinida
a estrutura organizacional e as competências da Fundação Parques e Jardins,

A188 Jardins na história – Vol. I


criando uma Diretoria de Arborização, face a importância atribuída a essa
temática. Entretanto, em 2008, por meio do Decreto nº 28.981, de 31 de
janeiro, foi delegada à Companhia Municipal de Limpeza Urbana – COMLURB
a responsabilidade pela conservação, manutenção e reformas de todos os
canteiros, praças e parques da Prefeitura, bem como as podas das árvores. A
Fundação Parques e Jardins-FPJ mantém-se responsável pelo planejamento,
paisagismo, projetos, arborização, reflorestamento, pela administração dos
parques urbanos, assim como pelas normativas relativas às praças, parques e
podas. Em 2009, o Decreto no 31.673, de 29 de dezembro, definiu as
atribuições do Serviço de Conservação Urbana da Cidade do Rio de Janeiro,
com a finalidade de ganhar velocidade e maximizar a utilização dos recursos
públicos.
Foi publicado em 2011, o atual Plano Diretor de Desenvolvimento
Sustentável da Cidade do Rio de Janeiro, dando mais ênfase às questões
ambientais e indicando a necessidade de elaborar um Plano Diretor de
Arborização Urbana para a Cidade. Neste mesmo ano foi criada a Secretaria
Municipal de Conservação, assumindo alguns serviços de conservação que
estavam sendo executados pela FPJ.
Observa-se que nas últimas gestões municipais vêm reduzindo as
atribuições da FPJ. Diversos órgãos municipais estão atuando nas áreas verdes
e livres da Cidade, por meio dos decretos acima mencionados, o que torna
prejudicial, não somente para a instituição FPJ, mas para a própria Cidade que
fica sem os registros destas intervenções. É ruim também para os profissionais
que atuam na área, arquitetos paisagistas, que se sentem desvalorizados, pois
muitas das intervenções não são realizadas por profissionais habilitados e
capacitados.
Outrossim, comenta-se de forma preocupante o número cada vez
mais reduzido de funcionários que trabalham na Instituição. Por ocasião da
criação da FPJ havia mais de 1000 funcionários trabalhando e atualmente, a
Instituição conta com menos de 300 funcionários. Muitos destes funcionários
saíram da Prefeitura, outros foram remanejados para outros Órgãos e um
número cada vez mais crescente vem se aposentando.
Em 2017, o Decreto Rio nº 42.719, de 1° de janeiro, que dispôs sobre

AJardins na história – Vol. I 189


a Organização Básica do Poder Executivo do Município do Rio de Janeiro, a
Fundação Parque e Jardins passou a integrar a Secretaria Municipal de
Conservação e Meio Ambiente – SECONSERMA, oriunda da fusão das
Secretarias Municipais de Meio Ambiente – SMAC e de Conservação e Serviços
Públicos – SECONSERVA.
A Fundação passou a vincular-se em 2019, à Secretaria Municipal do
Envelhecimento Saudável, Qualidade de Vida e Eventos – SEMESQVE, através
do Decreto Rio nº 46.135. Sua estrutura e competências foram consolidadas
em 29 de novembro, pelo Decreto Rio nº 46.915.
No ano de 2020, foi decretado em todo o território Nacional, o
estado de calamidade pública em decorrência da pandemia do coronavírus e
várias medidas foram tomadas para resguardar a vida da população, sendo que
todos os Parques foram fechados e as áreas de lazer praças e parques, abertos,
proibidos de serem frequentados.
Em 2021, em função da edição do Decreto Rio nº 48.340, de 01 de
janeiro foi instituída uma nova Organização Básica do Poder Executivo
Municipal, alterou-se a vinculação da Fundação Parques e Jardins para a
Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Cidade.
No início da atual gestão foram editados diversos decretos, entre
eles, o Decreto Rio nº 48.354, que determina a redução dos custos com cargos
em comissão, funções gratificadas e empregos de confiança nos Órgãos da
Administração Direta e Indireta do Poder Executivo Municipal. Diante disso, a
Fundação Parques e Jardins implementou a redução de custo, que alterou sua
estrutura, unindo a Diretoria de Planejamento e Projetos à Diretoria de Obras
e Conservação, passando a denominar-se Diretoria de Planejamento Projetos,
Obras e Conservação.

3.2 Projeto Piloto de Educação Ambiental e Patrimonial

Como já citado acima, a Fundação Parques e Jardins foi instituída,


por meio da Lei nº 1419/1989. Destaca-se a alínea III - elaborar estudos,
pesquisas e projetos e promover atividades de caráter cultural, educacional e
recreativo relacionados com a implantação e conservação de parques e jardins

A190 Jardins na história – Vol. I


e com a proteção do meio ambiente - por nortear e embasar as atividades
educativas, recreativas e culturais relacionadas com a implantação e
conservação de parques e jardins e com a proteção do meio ambiente.
O Projeto Piloto de Educação Ambiental e Patrimonial no Campo de
Santana, iniciado em 2013, foi pensado na perspectiva de promover junto a
população, as áreas verdes protegidas, bem como apoiar as intervenções
físicas nessas áreas, por meio de atividades culturais e educativas. Desta forma,
o projeto foi sistematizado e aprovado com o objetivo de sensibilizar e
conscientizar a população sobre a importância da preservação e manutenção
dos Bens tombados.
Nessa ocasião, o Campo de Santana estava com os portões voltados
para a Avenida Presidente Vargas e para o Quartel Central do Corpo de
Bombeiros (Praça da República, 45) fechados e com sérios problemas de
conservação e manutenção. A população de rua ocupava o Campo de Santana
como moradia, principalmente, nesses locais que não circulavam pessoas e
estavam mais desertos.
Em 2014, com a abertura dos Portões e a remodelação dos jardins
na Alameda Central – eixo Largo do Caco/Rua Buenos Aires, as atividades
culturais e de Educação Ambiental foram intensificadas com o objetivo de
sensibilizar a população sobre a conservação e manutenção das áreas verdes e
protegidas.
As principais parcerias que foram formadas na ocasião (Centro de
Educação Ambiental; Secretaria Municipal de Educação /CEAMP - Centro de
Educação Ambiental Municipal do Parque Nacional da Tijuca; Escola Municipal
EDI Campos Salles; Escola Estadual Prado Junior/ Curso Técnico de Turismo;
Biblioteca Parque; Rede Cultural do Campo de Santana; Tribunal de Contas do
Estado; Museu da República; PROURB -Programa de Pós-graduação em
Urbanismo UNESP- Campus Bauru e outros) permitiram otimizar os recursos
necessários para o desenvolvimento das atividades do projeto piloto, no
Campo de Santana.
Destaca-se a parceria com a Escola Municipal Espaço de
Desenvolvimento Infantil Campos Salles - EDI Campos Salles, por esta localizar-
se no terreno contíguo ao Campo de Santana. Uma parceira constante nas

AJardins na história – Vol. I 191


atividades do calendário ecológico.
Entre os anos de 2014 e 2015, realizamos cerca de 32 atividades
(Figura 28). Primeiramente, elaboramos o material didático (Figura 29),
apresentações/palestras para os professores da EDI Campos Salles, com visita
mediada (Figura 30); planejamento das atividades em conjunto com a equipe
pedagógica da Escola para o calendário ecológico; sistematização das
atividades; avaliação com os alunos, por meio de desenhos e redações,
exposição dos trabalhos na Escola e no Campo de Santana.
As atividades foram desenvolvidas, tendo como cenário o Parque,
enfatizando seu valor histórico, paisagístico, artístico e cultural.
Atualmente, com o estado de Pandemia, retoma-se aos poucos as
atividades culturais. Espera-se, em breve, retornar com as palestras e visitas
mediadas no Campo de Santana.

Figura 28 - Apresentação dos alunos da EDI Campos Salles em comemoração ao Dia do Folclore.

Fonte: Acervo FPJ.

A192 Jardins na história – Vol. I


Figura 29 – Material Didático.

Fonte: Acervo FPJ.

Figura 30 – Visitas mediadas com alunos UNESP-Bauru no Campo de Santana e Passeio Público.

Fonte: Acervo pessoal da autora.

É inegável a importância da Fundação Parques e Jardins no contexto


histórico e urbano. Sua extensa carta de serviços prestados à Cidade do Rio de
Janeiro, comprova que, apesar das dificuldades pelas quais a Instituição vem

AJardins na história – Vol. I 193


passando, pode contribuir significativamente para a mitigação dos efeitos das
mudanças climáticas, quando o plantio de árvores e a manutenção de áreas
verdes são prioritários. Ressalte-se, ainda, o seu papel na preservação e
conservação dos Jardins Históricos, tão importantes a nível local e nacional.

4 REFERÊNCIAS

ANDREATTA, Verena. Cidades quadradas, paraísos circulares: os planos urbanísticos do Rio de


Janeiro no Século XIX. Rio de Janeiro: Mauad X, 2006.

BERNARDES, Lysia M. C. Evolução da paisagem urbana do Rio de Janeiro até o início do século XX
in ABREU, Maurício de Almeida (ORG.). Natureza e sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esporte, Departamento Geral de Documentação e
Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1992.

BRACK, Claudia. Plano de gestão do Campo de Santana: subsídios e considerações. Rio de


Janeiro, 2012. 166f. Dissertação (Mestrado Profissional em Arquitetura Paisagística) – Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
Disponivel em: <http://objdig.ufrj.br/21/teses/798972.pdf>. Acesso em 20 dez. 2021

BRITO, M.; NIC LUGHADHA, E.; DUARTE, L. F.; SENNA-VALLE, L. Exchange of useful plants between
Brazil and England in the second half of the nineteenth century: Glaziou and the botanists of the
Royal Botanic Gardens, Kew. 2015. Kew Bulletin. 70. 10.1007/s12225-014-9553-6. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/272022489_Exchange_of_useful_plants_between_B
razil_and_England_in_the_second_half_of_the_nineteenth_century_Glaziou_and_the_botanists
_of_the_Royal_Botanic_Gardens_Kew>. Acesso em 12 jan. 2022

DOURADO, Guilherme Mazza. Belle époque dos jardins (ebook). 01. ed. São Paulo: Senac São
Paulo, 2019. v. 01. 304p.

FERREIRA, A. D.; SANTUCCI, J. Passeio Público - Diário da Restauração. Revista Mais Passeio, p. 1
- 3, 15 abr. 2004.

MILANO, M; DALCIN, E. et alli – Arborização de vias públicas. Rio de Janeiro. Light.; 226 p, 2000

NORONHA SANTOS, Francisco Agenor. O Parque da República, antigo da Aclamação. Rio


de Janeiro, Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.8, p. 102-171,
1944.

PEDRO, L.B.; VASCONCELLOS, H.; TELLES, F.P.; BRIOSO, P.S. Seca do Ponteiro de Ficus microcarpa
no Estado do Rio de Janeiro. In: Congresso Brasileiro de Fitopatologia, 49.,2016, Maceió (AL).
Anais... Brasília (DF): Sociedade Brasileira de Fitopatologia, 2016

A194 Jardins na história – Vol. I


PLANO DIRETOR DE ARBORIZAÇÃO URBANA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro:
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2015. Disponível em:
<http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4683370/4190252/PDAU.pdf> Acesso em 25 jan. 2022

PORTIFÓLIO DE GESTÃO INSTITUCIONAL. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,


2021. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/web/portfolio-
institucional/exibeconteudo?id=7662535>. Acesso em 25 jan. 2022

TERRA, Carlos G. Os Jardins no Brasil do Século XIX: Glaziou Revisitado. Rio de Janeiro, 1993.
272f. Dissertação (Mestrado em História da Arte) - Escola de Belas Artes da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1993. Disponível em
https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/6184/1/416325.pdf. Acesso em 14 jan. 2022

TRINDADE, Jeanne Almeida da. Campo de Santana: um patrimônio cultural carioca. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Arquitetura) – Programa de Pós-graduação em Arquitetura (PROARQ).
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2000.

WRIGHT, T. El mantenimiento e la conservación de los jardines históricos. In ICOMOS. Journal


Scientifique, Jardins et sites historiques. Madri: ICOMOS, 1993. Disponível em:
<https://www.icomos.org/publications/journal_scientifique1/js1_jardins_historiques.pdf >.
Acesso em: 10 jan. 2022.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o convite da Prof.ª Marta Enokibara e da FAAC - UNESP


- Campus de Bauru para participar deste importante debate, agora transcrito
nesta publicação. Aproveitamos também para agradecer aos colegas da
Fundação Parques e Jardins pelos conhecimentos compartilhados ao longo da
nossa vida profissional, que tanto contribuíram na nossa formação profissional.

AUTORES

Claudia Brack: Mestre em Arquitetura Paisagística pelo PROURB-FAU/UFRJ


(2012); Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1987); arquiteta e urbanista da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
(1997/2020); membro do Grupo de Pesquisa LAPA – Laboratório em
Patrimônio Cultural e Cidades Contemporâneas. Currículo completo em
http://lattes.cnpq.br/2378300348018081.

AJardins na história – Vol. I 195


Flávio Pereira Telles: Mestre em Ciência Ambiental (2008); Engenheiro
Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1983); membro da
Sociedade Brasileira de Arborização Urbana e da International Society of
Arboriculture, integra o Laboratório de História e Natureza - LaBHeN da UFRJ;
professor convidado do Programa de Pós-graduação em Arborização Urbana
do Instituto de Florestas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro;
engenheiro florestal da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (1986/ 2019).
Currículo completo em http://lattes.cnpq.br/3725769597958042.

Maria Josefa Restum Lopes: Mestre em Arquitetura Paisagística pelo PROURB-


FAU/UFRJ (2012); Especialista em Educação Ambiental pela UCAM/ Jardim
Botânico do RJ (2007); Arquiteta e Urbanista pela Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo Silva e Souza (1983). Professora, arquiteta e urbanista da Prefeitura
da Cidade do Rio de Janeiro (1979/2021). Currículo completo em
http://lattes.cnpq.br/5929433127158773.

A196 Jardins na história – Vol. I


AJardins na história – Vol. I 197
A198 Jardins na história – Vol. I
Capítulo 06
Gestación y significación de los paisajes de Buenos Aires en el
proceso de metropolización70

Gestation and significance of the landscapes of Buenos Aires


in the metropolization process

Marta Mirás
Professor Doutor, UBA, Argentina
cat.miras@fadu.uba.ar

RESUMEN
El principal objetivo de este texto es indagar y plantear relaciones sobre la gestación y
conformación de algunos paisajes singulares de la ciudad de Buenos aires durante en su intenso
proceso de metropolización. La hipótesis de partida es demostrar que la naturaleza fue introducida
en la ciudad a gran escala, y que actuó como paliativo a los problemas que generaban la expansión
y densificación urbana. Asimismo, se señala que la naturaleza domesticada fue un recurso utilizado
por las clases dirigentes y por los cuerpos técnicos para atender las condiciones negativas de esta
transformación. A partir de estas consideraciones, desde el marco conceptual de lo pintoresco y lo
civilizado, primero se revisa la gestación de las quintas que rodeaban la ciudad y que funcionaron
como antecedente de los futuros grandes parques. En el siguiente apartado se desarrolla la
significación que adquirieron la estatuaria y los monumentos en la configuración del denominado
arte urbano y cómo, en función de esta lógica, fue mutando la mirada de los habitantes sobre las
diversas áreas de la ciudad. A continuación, se estudia de qué modo se conformó la estrategia del
arbolado urbano. En este período los árboles se convirtieron en el elemento natural con más
presencia en el espacio público. Por último, se revisa la conformación del paisaje del borde costero
del Río de la Plata interpretándolo como un valorado y monumental paisaje industrial.

PALABRAS CLAVES: Parques. Arbolado urbano. Paisaje industrial.

ABSTRACT
The main objective of this text is to investigate and propose relationships on the gestation and
conformation of some unique landscapes of the city of Buenos Aires during its intense process of
metropolization. The starting hypothesis is to demonstrate that nature was introduced into the city
on a large scale, and that it acted as a palliative to the problems generated by urban expansion and
densification. Likewise, it is pointed out that domesticated nature was a resource used by the ruling
classes and by the technical bodies to attend the negative conditions of this transformation. Based

70
Este texto es una versión basada en algunos aspectos desarrollados en la tesis doctoral de la
autora.

AJardins na história – Vol. I 199


on these considerations, from the conceptual framework of the picturesque and the civilized, first
the gestation of the big country houses that surrounded the city and that functioned as the
antecedent of the future great parks is reviewed. The following section develops the significance
acquired by statuary and monuments in the configuration of the so-called urban art and how, based
on this logic, the inhabitants´ gaze changed over various areas of the city. Next, how the strategy
of urban trees was formed is studied. In this period, trees became the natural element with more
presence in the public space. Finally, the conformation of the landscape of the Río de la Plata
coastline is reviewed, interpreting it as a valued and monumental industrial landscape.

KEY-WORDS: Parks. Urban woodland. Industrial landscape.

1 INTRODUCCIÓN

En torno al año 1880, la condición material y cultural de Buenos


Aires estaba en franca transformación. El fuerte crecimiento poblacional, las
intervenciones urbanas, los parques y las nuevas arquitecturas modificaron sus
rasgos de aldea austral. Después de intensos enfrentamientos militares la
ciudad se federalizó constituyéndose en la capital del país, si bien su rango se
consideraba destacado desde 1776 como cabecera del Virreinato del Río de la
Plata. Desde esta lógica de transformación se perfilaba como una muestra de
la pujante economía del período, en el marco del pensamiento finisecular que
valoraba el progreso y la modernización. El denominado “mundo del 80”, que
las historias de Buenos Aires han estudiado detenidamente en sus aspectos
sociopolíticos, fue generando un fuerte correlato en la transformación de sus
paisajes.
A este proceso, que implicaba también la renovación de las formas
de percibir, se ha referido Raymond Williams señalando que puede entenderse
especialmente desde la reconfiguración de las complejas relaciones que surgen
en el marco de la gestación de una metrópoli. (WILLIAMS, 1997, P. 57-60)
Asimismo, la industrialización promovió los avances en el campo científico que
expandieron las expresiones culturales, se estaban gestando nuevos modos de
valorar las relaciones entre lo natural y lo artificial, las distintas áreas que se
conformaban en la ciudad y del modo de apreciar sus espacios públicos.

200 Jardins na história – Vol. I


El principal objetivo de este texto es indagar y plantear relaciones
sobre la conformación de algunos paisajes singulares de la ciudad de Buenos
Aires, durante en su intenso proceso de metropolización. La hipótesis de
partida es demostrar que la naturaliza introducida en la ciudad a gran escala,
actuó como paliativo a los problemas que generaban la expansión y
densificación urbana. Asimismo, se señala que la naturaleza domesticada fue
un recurso utilizado por las clases dirigentes y por los cuerpos técnicos para
atender las condiciones sociales negativas de esta transformación. La
importancia que la operatoria fue adquiriendo se hizo presente
constituyéndose en uno de los aspectos más valorados de las intervenciones
urbanas. Los nuevos modos “naturales” de hacer ciudad se instalaron en un
gradiente de espacios cada vez con mayor intensidad, ampliando las variantes
y las distintas facetas, en la incorporación del verde urbano.
A partir de estas consideraciones, desde el marco conceptual de lo
pintoresco y lo civilizado, primero se revisa la gestación de las quintas que
rodeaban la ciudad y que funcionaron como antecedente de los futuros
grandes parques. En el siguiente apartado se desarrolla la significación que
adquirieron la estatuaria y los monumentos en la configuración del
denominado arte urbano y cómo, en función de esta lógica, fue mutando la
mirada de los habitantes sobre las diversas áreas de la ciudad. A continuación,
se estudia el modo que se conformó la estrategia del arbolado urbano. En este
período los árboles se convirtieron en el elemento natural con más presencia
en el espacio público. Por último, se revisa la conformación del paisaje del
borde costero del Río de la Plata, interpretándolo como un valorado y
monumental paisaje industrial. Hacia el final de este texto se puede observar
cómo, sobre todo en estos parques a gran escala, lo pintoresco se configuró
como un renovado modo de interpretar el paisaje y se asoció a las posibilidades
de civilizar, controlando y regulando los renovados y nuevos espacios urbanos.

AJardins na história – Vol. I 201


2 DESARROLLO

2.1 El paisaje transformado desde lo pintoresco y lo civilizado.

A fines del siglo XIX las ciudades en proceso de metropolización


estuvieron signadas por la incorporación del elemento natural. Los intensos
fenómenos urbanos de concentración y consolidación edilicia se conjugaron
con los espacios de la infraestructura verde, que se conformó como uno de los
principales signos de urbanidad. Lo expresó C. Lévi-Strauss con las siguientes
palabras:
“…la ciudad se sitúa en la confluencia de la naturaleza y del artificio.
Congregación de animales que encierran su historia biológica en sus
límites y que al mismo tiempo la modelan con todas sus intenciones de
seres pensantes, la ciudad, por su génesis y por su forma, depende
simultáneamente de la procreación biológica, de la evolución orgánica y
de la creación estética. Es a la vez objeto de la naturaleza y sujeto de la
cultura, es individuo y grupo, es vivida e imaginada: la cosa humana por
excelencia” (LÉVI-STRAUSS, 1988, p. 112.)

En la constante mutación que se operaban en los espacios públicos,


la biología y la estética fueron conjugadas para plantear las reformas urbanas.
Desde este punto de vista en este texto se revisan los nuevos modos de hacer
ciudad que articulan lo pintoresco y lo civilizado. Desde estos dos términos
planteados como par dialéctico se indagan las funciones que la domesticación
de lo natural implicó para el proceso de estructuración urbana de Buenos Aires.
En el último tramo de siglo XIX, la naturaleza “artificializada” fue uno de los
recursos utilizados para mejorar las condiciones urbanas; la importancia que
esta operatoria fue adquiriendo se hizo presente en estas estrategias de
incorporación que se instalaron en un gradiente de espacios públicos: parques,
paseos, plazas y jardines institucionales.
En esta primera parte se revisan los antecedentes de los principales
paseos y parques: las quintas que rodeaban el casco urbano. Estas fueron la
antesala del sitio de los futuros reservorios verdes, con la incorporación de los
enclaves periféricos a la ciudad capital se produjo la lógica de ampliación de
sus espacios públicos.

202 Jardins na história – Vol. I


Desde punto de vista que nos interesa destacar, y que se refleja en
registros visuales de la época, se exhibe en distintos documentos la vivienda de
Juan Manuel de Rosas denominada por su propietario “Palermo de San
Benito”. En general, la historiografía la ha bautizado con distintas
designaciones, pero así figura en las fuentes de la época, como por ejemplo en
el plano publicado en los últimos años de su gobierno por del ex-capitán
francés Adolfo Sourdaux (1850). Esta fuente documental ha sido la que con
mayor detalle incorporó la periferia de la ciudad, se puede notar el trazado del
parque de estancia y el camino que Rosas mejoró para su comunicación con el
centro de la ciudad (actual avenida del Libertador). La relevancia de la obra y
de su propietario motivó que por decisión del artista o por encargo del mismo
Rosas, el conjunto arquitectónico-paisajístico fuese representado en distintas
imágenes.71.
Figura 1 – Detalle plano de Sourdaux (c. 1850).

Fuente: Ruiz Moreno, 1998, p. 45.

71
En el año 1836 Juan Manuel de Rosas compró varios terrenos del llamado en ese entonces,
Bañado de Palermo. Allí hizo construir su gran casa e imponente parque. Durante su gobierno la
obra fue residencia del Gobernador y sede del Gobierno de la Provincia de Buenos Aires. El 3 de
febrero del año 1852, Rosas fue derrotado en la batalla de Caseros. Por el Decreto Provincial N°
1474 del 16 de febrero de ese mismo año, se estableció que todas sus propiedades pasaban al
estado expropiando de esta manera los terrenos de Palermo en donde actualmente se encuentra
emplazado el parque Tres de Febrero (fecha de la batalla que lo derrocó).

AJardins na história – Vol. I 203


Figura 2 – Caserón de Rosas C. Sivori. Figura 3 – Caserón de Rosas L. Palliere.

Fuente: Colección Museo Sívori (1848). Fuente: Álbum Escenas Americanas (1858, p. 10).

Algunos ejemplos destacados fueron una acuarela de Carlos Sívori


de 1848, y la litografía de León Pallière incorporada al álbum Escenas
Americanas de 1858.72 En todas ellas se destacó la condición morfológica de la
vivienda compuesta por un volumen central y cuatro torreones con arcos, y el
parque de especies arbóreas y herbáceas en su mayoría autóctonas, en
particular pueden identificarse el conjunto de sauces (Salix babylonica). Por
otro lado, en términos historiográficos: “Quizás puede considerarse como uno
de los primeros escritos sobre la historia del paisaje local, que no surge de la
descripción del género de la pintura de paisajes. Esta obra, el Caserón de Rosas,
fue una de las más visitadas por trabajos arqueológicos e históricos” (MIRAS,
2021, p. 13).
La predilección por representar la vegetación local puede notarse
también en otras escenas costumbristas como las litografías del álbum Pallière,
la titulada “Pita y ombú”. En distintas imágenes se percibe uno de los
principales caminos del parque Tres de Febrero en el inicio de su creación, la
calle que poco después se conocería como Avenida de las Palmeras (hoy
avenida Sarmiento), una de las primeras trazas y renovaciones de la vegetación
de árboles y herbáceas del área. Podríamos decir que desde la realización de
las obras de los primeros paseos públicos de la ciudad tardocolonial, como el

72
Rosas fue gobernador desde 1829 a 1831, y con la suma del poder político entre 1835 a 1852.
La primera de estas representaciones fue realizada en su esplendor, la otra se conoció cuando ya
había sido derrocado.

204 Jardins na história – Vol. I


Paseo de la Alameda, a la conversión de Palermo de San Benito en el Parque
Tres de Febrero, la incorporación del material verde a la representación de lo
urbano fue muy paulatina. Pero, hacia el final del siglo se volvió protagónica,
siguiendo el rol central que tuvieron la creación de los parques en el
crecimiento urbano.

Figura 4 – Pita y ombú”. Figura 5 – Palermo. C. Junior.

Fuente: Álbum Escenas Americanas (1858, p. 8) Fuente: Álbum Vistas y Costumbres (1876, p. 5)

Es importante hacer notar que, en 1874, el entonces presidente de


la República, Domingo Faustino Sarmiento después de diversas vicisitudes
presentó al Congreso Nacional el proyecto de ley para la realización estas
tierras en el parque público que llevaría el nombre de Parque Tres de Febrero,
por la fecha de la batalla de Caseros que había implicado el final de los
dieciocho años del gobierno de Rosas.73
Nicolás Avellaneda, el presidente que poco después sucedió a
Domingo Faustino Sarmiento, apoyó la propuesta y se constituyó la llamada
“Comisión del Parque”, integrada por destacadas personalidades de la política,
vinculados directamente a futuros parques. El propio Sarmiento, Eduardo
Wilde, Domingo Olivera, y un personaje clave de la política como Carlos

73
La ley nacional para la creación del parque se promulgó en 1874, el diputado por Buenos Aires
Vicente Fidel López propuso su nombre.

AJardins na história – Vol. I 205


Pellegrini. El parque Tres de Febrero fue inaugurado oficialmente el 11 de
noviembre de 1875.74
El sentido fundante de una nueva etapa de la nación, fue expresado
en distintos discursos de la época y contribuyó para que el nuevo proyecto no
mantuviese en absoluto el trazado del parque de estancia de J.M. de Rosas,
sino que se produjera un nuevo diseño75. La operatoria de consolidación del
área natural, el tratamiento del suelo y las primeras plantaciones mejoraron el
sitio del futuro gran parque. Esta operatoria de relleno y tratamiento
paisajístico del área, junto a otras de conformación de barrios próximos a la
fundación del pueblo de Belgrano (1856) han sido algunos de los factores que
favorecieron la tendencia de crecimiento que seguía el camino hacia el norte.
En adelante se consolidará el ingreso acceso, el estado de la forestación que
poseía la Avenida de las Palmeras y el nuevo tendido de luminarias al que se
hace referencia en fuentes documentales como las Memorias del Municipio.
La construcción de los nuevos portones, principal acceso, fue uno de los
principales episodios que reflejaron la formalización del parque.
Hacia el sur de la ciudad, se destaca un área puede ser interpretada
como un indicio de la importancia de algunos usos previos a la instalación del
conjunto de los nuevos espacios parquizados. Conocida como la quinta del
General Brown, fue una de las viviendas suburbanas más significativas. Este
sector hacia el sur, poseía una conexión estable con el centro de la ciudad a
través del cuidado trazado de la calle con sus defensas -hoy avenida Almirante
Brown-, como también por la separación definida entre la vereda y la línea de
edificación. En primer plano de la siguiente fotografía se detecta la presencia

74 Esconocido el episodio, por distintos relatos, que el presidente Avellaneda plantó una magnolia
americana del bosque primitivo (aún existente en el Parque del Jardín Japonés) y Sarmiento un
jacarandá, que era una especie aún no conocida en la ciudad, traída del norte de Argentina.
75 Se conserva el plano del ingeniero polaco Jordan Wysocki, que es considerado el primer diseño

formalizado del parque. Sin embargo, esta fue una operatoria donde participaron distintos técnicos
argentinos y europeos para definir su trazado y plantaciones. En 1874 se realizó el primer concurso
obtenido por los paisajistas suizos: Adolfo Mehtfessel y Carlos Boermel, pero no fue concretada su
intervención. Posteriormente se le adjudicó la obra al ingeniero- arquitecto belga Julio Dormal que
ya estaba radicado en la ciudad. También intervinieron Fernando Oldendorf y Fernando Mauduit,
en la definición del ornato y plantaciones, según distintos documentos de la época. En el año 1891
comenzó el otro gran impulso en la transformación del parque con la gestión de Carlos Thays.

206 Jardins na história – Vol. I


del cerco con reja; aproximando la imagen se percibe un diseño similar al de
las barandas hacia el lago de la vivienda de J.M. de Rosas. También se puede
tomar nota de la numerosa y variada cantidad de especies arbóreas que
formaban el jardín del acceso; y un grupo de personas y un coche permiten
calibrar la dimensión del conjunto.

Figura 6 – Quinta del General Guillermo Brown. C. Junior.

Fuente: Álbum Vistas y Costumbres. Segundo (1877, p. 13).

Notables pintores argentinos habían representado el área sur, en la


cual se ubicaban las principales quintas, un ejemplo la obra del pintor Carlos
Morel “Calle Larga de Barracas” (hoy avenida Montes de Oca), una de las vías
que conectaba con las industrias vinculadas a los saladeros y el puerto de La
Boca del Riachuelo. La misma exhibe el amplio camino provisto de importante
vegetación que se pierde en el horizonte. También los pintores registraron
algunas otras quintas del área como las de Juan Moreno y Felipe Lavallol, y la
pequeña capilla de campo dedicada a Santa Lucía. No podemos dejar de

AJardins na história – Vol. I 207


considerar que si bien la imagen es figurativa, muestra una periferia de Buenos
Aires idealizada en la que se percibe la influencia de la escuela de la pintura de
paisajes de Fontainebleau.

Figura 7 – Calle Larga de Barracas. C. Morel.

Fuente: Colección Museo Fortabat (1852).

Focalizaremos ahora en sectores particulares de la periferia cuya


existencia fue anterior a la gran expansión territorial, como lo describe
Sarmiento en un texto publicado muy posteriormente:

“El tramway hace su primer ensayo en 1869, y suprime pantanos y


distancias. La mansión rural aparece entonces: los jardines se organizan
y multiplican y en la excitación de expansión, de confort, de villegiatura
que se difunde, el ingenio de los arquitectos se pone a contribución para
construir villas, quintas, mansiones, casitas de campo, chalets, chateaux
que un día sombrearan coníferos ramosos, plátanos, eucaliptus y todos
los árboles y arbustos exóticos de ornato; y como los arquitectos y
artistas son italianos o franceses, o ingleses, o alemanes, los alrededores
de Buenos Aires se enriquecen de una variedad infinita de gustos y
formas que ningún país ostenta juntos, por tener cada uno sus formas
especiales” (SARMIENTO, 1958, p. 102).

Al contar una historia, se puede considerar que el comienzo que los


historiadores le damos como una señal de principio del relato, y ese velo
historiográfico provoca que no se tenga en cuenta lo ya existente. En este

208 Jardins na história – Vol. I


sentido parece necesario volver a destacar que los sectores naturales que
rodeaban el casco urbano, no eran la pampa vacía a conquistar, como algunos
autores lo han presentado. Adrián Gorelik en la introducción de su texto señala
sobre la relación entre la ciudad y su campiña circundante: “Y aquí está el
aspecto principal de esta paradoja: la cuadrícula intenta llenar el vacío de la
pampa, intenta fundar ciudad sobre la nada. Porque ve la naturaleza como una
amenaza material y cultural, funda una forma abstracta, homogénea,
regular…” (GORELIK, 1998, p. 34)76
El texto no se detiene en la lógica de los enclaves que existían en
torno al área urbanizada, antecedentes de los futuros parques públicos. La
expansión urbana no implicó la conquista de lo cultural sobre la pampa virgen.
La idea así planteada puede resultar una mirada un tanto general sobre
fenómenos muy variables y diversos, según los distintos los sectores del
territorio que rodeaban Buenos Aires. A estos conjuntos se los ha reconocido
con el nombre de quintas; allí se realizaba una acotada explotación rural, y en
gran medida funcionaron como ámbito de aclimatación de nuevas especies
vegetales que se incorporaron a la flora autóctona77.
Desde otro punto de vista, se puede pensar este tipo de relación que
se produce entre las pre-existencias y algunas quintas suburbanas en función
del concepto de “rururbano”. En las últimas décadas ha sido aplicado, en
especial por algunos antropólogos, con la intención manifiesta de relativizar la
tradicional dicotomía rural-urbano, proponiendo pensar el fenómeno
territorial a través de la graduación de espacios, entre los extremos que
implican la naturaleza primigenia y la ciudad metropolitana.

“El concepto de "espacio rururbano", matiza la dureza de la oposición


conceptual urbano-rural, por lo que constituye en una idea fundamental
para el caso que nos ocupa. La idea de espacio rururbano puede

76
Esta tesis fue uno de los estudios más exhaustivos acerca de rol que jugaron los parques en el
tránsito de la ciudad tradicional a gran metrópoli.
77 Según el diccionario de la Real Academia Española: huerta de extensión variable dedicada al

cultivo de hortalizas para el consumo familiar o con fines comerciales, y en otra de las acepciones
se explica el origen de la designación que proviene de cuando sus colonos debían pagar como renta
la “quinta” parte de su producción.

AJardins na história – Vol. I 209


asociarse a la de continuo rural urbano desarrollada por antropólogos
como Redfield o Lewis, quienes contribuyeron a matizar la dicotomía
que se expresa a través de la oposición de estas dos categorías”
(BARROS, 1999, p. 51)

No obstante, si este concepto puede contribuir para interpretar la


dinámica urbana en el tiempo histórico estudiado, esta oposición estuvo muy
presente en la cultura urbana desde mediados del siglo XIX. Los textos
publicados por capítulos en el diario El Progreso de Chile, y que años después
conformaron el libro “Facundo, civilización y barbarie” de Domingo F.
Sarmiento resultan el ejemplo paradigmático que se sustenta en esta
oposición. En los términos del paisaje en general, y de lo urbano en particular,
de cómo amalgamando lo pintoresco con lo civilizado, surgirán nuevas figuras
que la matizan. Desde el esquema de pensamiento de lo “rururbano” se puede
entender la lógica de algunas áreas que rodearon el casco urbano, generando
medios naturales en su desarrollo, como puede observase por la presencia de
árboles de gran porte en las numerosas imágenes de colecciones de fotografía
y en las distintas publicaciones. No menos relevante han sido los diversos
equipamientos y construcciones, que se conservaron e influyeron de modo
determinante en los futuros diseños paisajísticos. Cabe entonces considerar
que a mediados del siglo XIX el territorio que rodeaba el casco urbano
presentaba diversas categorías de espacios y funciones: cultivos de mediana
escala, chacras para la cría de animales y usos vinculados a la fabricación
manual o industrial, como hornos de ladrillos. Entre estos asentamientos se
destacaban quintas, de extensión muy variables, y que fueron el estadio
ambiental previo y generador de los futuros parques metropolitanos.
Algunas estaban ubicadas hacia el sur, vinculadas a las actividades
comerciales e industriales que se producían en los barrios del sudeste. Uno de
estos enclaves fue la quinta que en 1857 adquirió el comerciante salteño José
Gregorio Lezama; el nuevo propietario incorporó a lo largo del tiempo, otras
fracciones que le permitieron cuadruplicar la superficie original sobre la que
inició una intensa actividad forestal y de plantación de especies de otras
latitudes. Hacia el oeste se destacaban dos extensas propiedades: la de
Ambrosio Lezica, que a comienzos del siglo XX derivó en el Parque Rivadavia, y

210 Jardins na história – Vol. I


la más extensa de Domingo Olivera, (150 hectáreas) que continuó su hijo
Eduardo Olivera, convertida en el actual Parque Avellaneda. La fundación
primero del pueblo de Flores, y luego del pueblo de Belgrano, promovió la
creación de otro conjunto de jardines en torno a su conformación, aunque
algunos fueron anteriores al trazado urbano de estos enclaves.
En el área norte, esta categoría de espacios tuvo un desarrollo
particularmente importante. Una localización temprana y periférica (ca. 1720)
fue el convento de los hermanos Recoletos. Próxima a este conjunto de iglesia,
convento y sectores para huerta, se ubicó la quinta de Thomas Whitfield (en
torno a las actuales calles Quintana y Ayacucho) que en la acuarela atribuida a
William Gore Ouseley, 1848, pude notarse el conjunto de arbustos que
delimitaban la propiedad. También, la de Samuel Hale situada en torno a las
actuales Libertador y Agote representada con exuberante vegetación y árboles
de gran porte en la acuarela de Prilidiano Pueyrredón de 1860. Por lo tanto, si
bien el material verde había sido incorporado a la ciudad con la transformación
de los denominados huecos, en plazas forestadas. El ingreso a gran escala
estuvo vinculado a esta disponibilidad de espacios que contenían las quintas
suburbanas.

Figura 8 – Quinta de Thomas Whitfield. W. Gore.

Fuente: Colección Horacio Porcel (1848).

AJardins na história – Vol. I 211


Figura 9 – Quinta de Samuel Hale. P. Pueyrredón

Fuente: Colección Museo I. Fernandez Blanco (1860).

Figura 10 – Parque Lezama.

Fuente: Tarjeta Postal Colección Héctor Piezzimenti (enviada 1910).

212 Jardins na história – Vol. I


2.2 Arte e identidad en los espacios del verde público

En Buenos Aires, las operaciones que propiciaban el incremento de


la vegetación tratada a través de distintos recursos paisajísticos ponía en
evidencia la adscripción de funcionarios y técnicos a modelos de ciudad que
buscaban conjugar el embellecimiento, la higiene y capacidad didáctica de este
rango de espacio público, con la pretensión civilizar a la población.
La demanda de su creación y el rol de “mejoras” que en términos
de higiene urbana propiciaban, se volvieron parte central de los discursos, y
también de los proyectos a futuro. El intendente Torcuato de Alvear
argumentaba en 1880, cuando fue designado Presidente de la Comisión
Municipal que “Palermo era el único parque de recreo que en sus alrededores
tiene la capital” (Memoria Municipal, 1880-1882, p. 14) 78. El lugar de
relevancia que este tema ha ocupado en los registros visuales de la época pone
en evidencia que ésta fue una valoración compartida por distintos sectores del
campo social.
Cabe destacar que la categoría estética de lo pintoresco ha ocupado
un lugar central, la noción hunde sus raíces en las tradiciones del arte, a través
de la pintura de paisajes naturales 79. Posteriormente, las formas naturales
tuvieron otro tipo de registro en los grabados presentaron en los tratados
botánicos, que promovieron esa síntesis misteriosa a la que refería Joham W.
von Goethe.
Lo pintoresco adquiere especial sentido en este análisis porque al
estudiar el rol de lo natural, esta idea primigenia subyace en la búsqueda de
aquello que se busca reflejar. Por otro lado, en otra de las acepciones que
históricamente se fueron construyendo sobre esta noción en el campo de los

78 Se puede notar relevando los índices de estas fuentes cómo el tema se instaló en la órbita estatal.
En las referida Memoria Municipal (1880-82) los espacios verdes no fueron incorporados como
ítems a tratar, pero a medida que fue transcurriendo la década se instaló, y en la Memoria
Municipal (1890-92), fue uno de los temas más extensos.
79 El término pintoresco tiene su origen en una referencia que formuló Giogio Vasari (siglo XVI)

respecto de las imágenes con condiciones especiales para ser pintadas. Posteriormente, la
denominación fue asociada a lo natural en relación a la estética de lo sublime, uno de los
principales aportes pertenece al filósofo Emanuel Kant publicados a fines del siglo XVIII.

AJardins na história – Vol. I 213


jardines y sus distintos modelos proyectuales a lo largo de la historia, se ha
asociado lo pintoresco al modelo que se conoce como jardín paisajístico. Esta
línea, a diferencia de los grandes parques para la nobleza francesa con sus
estrictos cánones geométricos, planteaban un diseño con apariencia natural y
de trazados sinuosos.
A mediados del siglo XIX, cuando se fueron creando las primeras
instituciones y publicaciones dedicadas a plazas y paseos públicos, se
adoptaron modelos que combinaron organizaciones geométricas con
pintorescas, definiendo trazados que se conocen como “mixtos” porque
condensan ambos modelos. Un cabal ejemplo fue la propuesta presentada por
Carlos Thays para el concurso de la Dirección de Parque y Paseos en 1891,
como ha sido señalado en sus análisis (BERJMAN, 1998, p. 123)
Asimismo, mucho se ha escrito respecto de las posibilidades de
progreso que implicaba el concepto ilustrado de civilizar en la Argentina
finisecular. En términos urbanos, una de sus principales estrategias fue la
incorporación de la naturaleza; en el siguiente punto revisaremos el arbolado
de las calles, y a otras operatorias basadas en la incorporación del elemento
natural que apostaron a una nueva forma de civilizar y redimensionar el
espacio público.
Los distintos modos de pensar el rol de la naturaleza en función de la
civilidad, la relación con el medio físico y el territorial, se fueron transformando
a lo largo de los siglos y milenios. En el que se considera uno de los relatos más
antiguos de la humanidad, el poema Gilgamesh, la ciudad como entidad
civilizada representada por uno de sus habitantes, era la encargada de
conquistar a la “bestia” de lo natural80. En el siglo XIX, las críticas hacia los
efectos de la industrialización, invertirán esta antiquísima concepción y lo
natural instalado en el medio urbano, se concibe como una estrategia que
favorecería la educación y la integración de las poblaciones, social y
culturalmente heterogéneas (MIRAS, 2014, p. 38) Así, los principales

80 Gilgamesh o Istubar, rey sumerio de Uruk (2600 A.C.) protagoniza un relato que se puede
interpretar como un modo de concebir la relación ente la naturaleza y la ciudad. El poema refiere
que para dominar a un ser salvaje que asediaba a la ciudad este rey envía a una prostituta, que lo
seduce, domina y separa del mundo natural incorporándolo así, a la vida civilizada de la ciudad.

214 Jardins na história – Vol. I


argumentos para explicar la necesidad de destinar recursos para plazas y
paseos públicos hacía notar la relación entre lo construido y la cantidad de
espacios libres por habitante81. En esta tónica, un estudio comparativo
estadístico entre las áreas verdes de Buenos Aires y de París, coloca a la ciudad
Latinoamericana mejor posicionada, se señala:

“Como las plazas en formación estarán pronto terminadas y las


proyectadas pueden realizarse en seguida, con excepción del Parque
“Buenos Aires”, tendremos como superficie de los Parques y Plazas,
incluyendo todas un total de 7.288.464 metros cuadrados. Buenos Aires
poseerá, como Paris, un Parque en cada uno de sus puntos cardinales,
destinados a la purificación del aire, neutralización de las emanaciones
que despide la ciudad y demás ventajas de higiene que producen los
árboles. Paris posee al Oeste el “Bois de Boulogne” con una superficie
de 847 hectáreas; al Norte el “Buttes Chaumont” con 23, al Este el “Bois
de Vincennes” con 921 y al Sud el Parque “Montsouris” con 16
hectáreas. Buenos Aires contará al Norte con el Parque 3 de Febrero”
con 408 hectáreas; al Surd con los Parques “Convalecencia” y
“Rivadavia” con 42 y al Oeste con el Parque de la “Chacarita” con 150
hectáreas. Comparando los Paseos y su extensión con la población y
superficie de cada Capital, tenemos que Paris según datos de 1891
cuenta con 1912 hectáreas de paseos públicos y 2425000 habitantes,
dando para cada uno la superficie de 7”83; y Buenos Aires con 779
hectáreas y 550.000 habitantes ofrece una superficie de 14”17.
Respecto de la extensión total en relación con la de los jardines, Buenos
Aires con 186.329.550 metros cuadrados posee un metro de paseos por
cada 25,87 metros de superficie y Paris con 47.000.000 metros
cuadrados los tiene por cada 2,45 metros de superficie” (Memoria
Municipal, 1890-1892, p. 156-157).

El extenso relato comparativo fue realizado durante la intendencia


de Francisco F. Bollini, y continúa señalando que París era el principal modelo
de referencia para evaluar la condición local. Más adelante en el texto se
propone demoler las construcciones de manzanas que tenían pequeñas plazas,
como el caso de la plaza de la Independencia, para poder destinar la manzana
completa. La concreción de este proyecto hubiese implicado demoler la Santa

81
La denominación Paseos en las Memorias Municipales se mantuvo durante todo el período de
estudio, a partir de la segunda década del siglo XX se reemplazó por la denominación: Espacios
Verdes.

AJardins na história – Vol. I 215


Casa de Ejercicios sobre la calle Independencia, uno de los pocos conventos de
la época colonial que se conservaban en Buenos Aires.
Así como la referencia al modelo parisino fue constante en distintas
fuentes, revisando distintas publicaciones se puede notar que el desarrollo del
Park Movement del modelo estadounidense, que como plantea A. Gorelik
había inspirado a D.F. Sarmiento en la creación del Parque Tres de Febrero,
resultaba en la última década de fines del siglo XIX y comienzos del siglo XX,
poco mencionado en los medios de mayor circulación. Como tampoco se hace
referencia a la creciente popularidad de su proyectista, el paisajista Frederick
Law Olmsted.
Pero este panorama optimista que presenta la Memoria, que
compara la cantidad de espacios verdes con París parecía que no resultará
suficiente a futuro en función del extraordinario crecimiento urbano. En la
evaluación que años después (1906), se publicó en el Censo Municipal,
redactada por el ingeniero C.M. Morales, se observa que por la nueva densidad
poblacional que presentaba Buenos Aires quince años después, estaba “lejos
de tener plazas, parques y paseos, que su adelanto y desarrollo exigen”
(MORALES, 1906, p. 447).
Distintos actores sociales, a través de los medios de la época, que
hacia fines de la década del 1880 comenzaron a incluir imágenes impresas,
continuaban enfatizando la necesidad de mejorar las condiciones de la higiene
pública. En ellos estaba presente la firme convicción de las bondades que
podían aportar la creación de plazas y paseos, y las diversas variantes de lo
natural, para evitar problemas que padecían las ciudades que se densificaban
muy aceleradamente y con escasas regulaciones en relación a la higiene
pública. Distintas profesiones investigan sobre las causas negativas del orden
urbano. “Para los químicos e higienistas de este período, la adecuada
organización material es la resultante del entrelazamiento específico entre
ciertos elementos naturales y los aspectos construidos (organización material)”
(PAIVA, 2001, p. 6)
En la revista Caras y Caretas, que comenzó a publicase en 1898, o
sea varios años después de las grandes epidemias locales, la preocupación por

216 Jardins na história – Vol. I


las mismas estaba muy presente82. Las noticias de epidemias en otras latitudes
eran muy frecuentes y destacadas, como también las de los problemas
respecto a los agentes que podrían trasmitirlas.

Figuras 11 y 12 – La peste bubónica.

Fuente figuras 11 y 12: Revista Caras y Caretas (1899, N°47).

Los monumentos conmemorativos, asociados a la difusión del


proyecto de consolidación del Estado argentino, proliferaron en los espacios
de lo natural: plazas, paseos y parques. Estaban en sintonía con la estrategia
difusión de valores de lo nacional, para que fuesen vistos por la heterogénea
población de la ciudad. Se replicaban a los próceres que los historiadores
contribuían a construir como figura de los padres de la patria, recreando de
este modo un cierto mito de los orígenes:

82
Fueron frecuentes las notas y caricaturas vinculadas a los problemas de la higiene pública. En
particular respecto al tema de roedores que, por ejemplo, provocaban la peste bubónica.

AJardins na história – Vol. I 217


“Hacia 1900 el emplazamiento en la ciudad de monumentos en memoria
de los prohombres y los héroes de la nación originó encendidas
discusiones. La idea de una ciudad “propia” e incontaminada, de un
recinto sagrado y excluyente, se levantó en defensa de una nacionalidad
cuestionada por el cosmopolitismo de quienes afirmaban los
merecimientos de todos los que contribuyeron al engrandecimiento de
la nación, sin consideración de sus orígenes. (…) Estas disputas revelaban
la existencia de diferentes concepciones de la nación que, a fines del
siglo XIX y principios del XX, pugnaban por predominar en la sociedad
argentina” (BERTONI, 1999, p. 7).

Estas intenciones, asociadas al embellecimiento de los espacios


públicos, se tradujeron en la proliferación de la estatuaria de próceres y se
acrecentó en torno a 1910 por la celebración del primer Centenario de la
Revolución de Mayo. Asimismo, conformaban hitos significativos para la
ciudad, con una estética estudiada y sugerente en sintonía con las ideas de
transformación urbana. También, la diversidad de esculturas individuales o
formando grupos que desde la antigüedad se asociaron a los jardines y fueron
parte de políticas urbanas que en torno al 1900, se pusieron en marcha para
adquirir y ubicar las distintas piezas artísticas, casi todas provenientes de
Francia.
En muchos casos fue el mismo paisajista Carlos Thays el encargado
de concretar su compra, para que luego fueran distribuirlas en los paseos y
plazas que estaba realizando como Director de Parques y Paseos. La estatuaria
que se había instalado en el verde público fue un motivo muy validado por la
comunidad, muy lejos de los intensos debates que produjeron sus
localizaciones y significaciones. Pero en la ciudad misma, “la ciudad de los
monumentos” al decir de Peter Hall en relación a los valores simbólicos que
caracteriza a las grandes capitales, se produjeron enfoques que al reiterarse
singularizaban algunos sectores (HALL, 1996, p. 186).

218 Jardins na história – Vol. I


Figuras 13, 14 y 15 – Estatuas en parques.

Fuente: Colección Sociedad Fotográfica de Aficionados (1905).

AJardins na história – Vol. I 219


Figuras 16, 17 y 18 – Monumentos en parques.

Fuente: Colección Sociedad Fotográfica de Aficionados (1905).

220 Jardins na história – Vol. I


La mirada paisajística, en tanto intervención humana sobre lo
natural, daba cuenta de una nueva cosmovisión que se configuraba en estas
operaciones selectivas. Un ejemplo emblemático de fuerte contenido estético
se pone se en evidencia en algunas visiones del Paseo de la Recoleta, mostrado
desde la Avenida del Libertador. Este ha sido un segmento urbano muy
difundido desde el mismo punto de observación en distintas colecciones y
medios de la época a lo largo del tiempo. El enfoque responde a la categoría
de lo pintoresco registrando la topografía generada por la barranca que, en
otras áreas de la ciudad, había sido nivelada. El remate fue la capilla del Asilo
de Mendigos en el predio del convento de los Hermanos Recoletos, que se
destaca con su perfil en el centro preciso del horizonte urbano 83. Esta vista fue
muy apreciada por esta condición particular, otro ejemplo destacado ha sido
la barranca del parque Lezama.

Figuras 19 y 20 – Paseo de la Recoleta.

Fuente: Colección Sociedad Fotográfica de Aficionados (1905).

Resulta tan reiterado este modo de mostrar el sector que casi parece
otra ciudad, una versión algo menos sublime que la Roma del período barroco,
sus sectores de fuertes desniveles topográficos desde la Piazza Spagna con el
remate de la iglesia de la Trinità dei Monti. En Buenos Aires resulta uno de los
paisajes que se configura en función de los puntos singulares desde los cuales

83
El convento había sido ubicado en el siglo XVII, en la parte más elevada de la barranca antes de
la pendiente que conectaba en el borde del Río de la Plata, y su principal renovación se realizó
durante la intendencia de Torcuato de Alvear; fue inaugurada en 1883.

AJardins na história – Vol. I 221


se puede observar su diversidad. Dentro del gran número de imágenes que
recuadraron esta vista de la imagen urbana, se registraron aspectos que
merecen ser mencionados. Una exhibe alguno de los parterres de cuidada
combinación de arbóreas con algunas florales (Figura 19). Estos fueron los
nuevos esquemas jardineros que para los espacios de lo natural se realizaron
durante la transformación botánica que se puso en marcha con la gestión de
Carlos Thays. En la otra fotografía, muy difundida en distintas versiones y
formatos de la época muestra un grupo de niños jugando con sus delantales
blancos que concurrían a escuelas públicas de la zona, frecuentemente se los
reunía en este Paseo de la Recoleta (Figura 20). La representación condensa
uno de los principales pilares del sistema educativa nacional, con la
promulgación en 1884 de la Ley de Educación Común, Gratuita y Obligatoria,
que sobre todo posibilitaba incorporar a la inmigración masiva y promover su
identificación con nación argentina.

2.3 La estrategia del arbolado urbano

La estrategia de poner en marcha planes de forestación a gran escala


puede constatarse en muchas de las ciudades Latinoamericanas en proceso de
modernización; en Buenos Aires se fue aplicando cada vez con mayor
intensidad84. En los discursos la década de 1880 estuvo presente la necesidad
de ensanche de las calles históricas. La mayor dimensión de la vereda permitiría
asimismo la incorporación de árboles, que resultaron ser el elemento natural
con mayor presencia en la ciudad. En distintos documentos oficiales se
afirmaba la necesidad del arbolado urbano porque cumplía funciones de
higiene y aireación, y a su vez, producía sombra en veredas y calles, en palabras
de un funcionario “Las calles que los atraviesan deben dotarse de arboledas
que además de la sombra benéfica que ofrecen tienen su valor higiénico”
(Memoria Municipal, 1892, p. 724).

84La revisión que hemos realizado de fotografías de otras ciudades americanas en proceso de
crecimiento, permite observar allí también la presencia habitual de tutores metálicos fabricados
en serie, que cumplían la función de guiar al árbol en su crecimiento inicial.

222 Jardins na história – Vol. I


También en periódicos y revistas, la continua referencia a las
epidemias que Buenos Aires había padecido, y la información acerca de lo que
ocurría en otras ciudades cuya población creció sin regulaciones, fue uno de los
principales argumentos en defensa de las operatorias de arbolado en la vía
pública. La incorporación de las distintas especies como parte constitutiva de
la imagen urbana recién se hizo visible masivamente en las últimas décadas del
siglo XIX, ya que el trazado original de las ciudades hispanoamericanas no
comprendía la presencia de árboles en las veredas. Las escasas especies
originales de la región habían sido reducidas por las necesidades urbanas que
se fueron incorporando, pero dentro de los solares, en especial frutales para el
consumo.
Puede considerarse que la primera operatoria planificada fue
realizada a comienzos del siglo XIX en el Paseo de la Alameda, que estaba
ubicado en la costa norte del río de la Plata donde se plantaron sauces y
ombúes que se aprecian en distintas iconografías y en los primeros
daguerrotipos (MIRAS, NAVARRO, 2009, p. 621). Recién en 1857 se realizó la
siguiente plantación de envergadura en un espacio público al materializarse el
proyecto de remodelación de la Plaza de la Victoria por Prilidiano Pueyrredón.
En esta obra se plantaron en las veredas de las calles que bordean la plaza
histórica gran cantidad de paraísos.
El primer registro de operatoria más amplia de arbolado se explicita
en la Memoria Municipal de 1863, dejando constancia de la incorporación de
185 paraísos para ser ubicados en las veredas de la calle céntrica Belgrano,
entre las calles Entre Ríos y Sarandí (MARQUEZ, FIORENTINO, 2007, p. 15) La
gestión de T. de Alvear como presidente de la Comisión Municipal consigna la
primera plantación sistemática en algunas calles, si bien no aclara cuales fueron
las especies escogidas. En una nota publicada en el diario El Nacional en 1884
se hacen algunas recomendaciones respecto de las especies arbóreas para las
avenidas: “los olmos y los castaños de la India, umbríos en verano y desnudos
de follaje en invierno, celosías de verdura que se cierran para ocultar el sol que
quema, y se abren para filtrar el sol que entibia y alegra en los días tristes del
frío” (RADOVANOVICH, AÑO, p. 18-22). En este mismo texto se consigna que el
intendente Francisco Seeber registró en las Memorias correspondientes a su

AJardins na história – Vol. I 223


gestión, que las mejores especies para las calles de la ciudad eran plátanos,
paraísos, olmos, álamos plateados, álamos carolina y sauces.
En general la distribución de árboles a lo largo de las veredas estuvo
organizada siguiendo una secuencia regular, en una misma línea y proporción
respecto a la distancia a la edificación y el cordón de la vereda. Pero en distintas
imágenes de comienzos del período relevado se puede observar algunas
especies se ubicaron fuera de la línea de plantado, como probando otras
maneras de distribución. Además, en el caso de calles que bordean plazas se
han registrado árboles ubicados directamente sobre la vía vehicular, no en la
vereda, siguiendo un criterio que aún puede observarse en pueblos y ciudades
antiguas del noroeste argentino85.

Figura 21 – Calle Parera y Figura 22 – Proyecto Mejoras de la Plaza Victoria (detalle).

Fuente: Colección Sociedad Fotográfica Fuente: Álbum Halitzky (1880-1885, p. 2 ).


de Aficionados (1900).

En el proyecto de ensanche de la Plaza de Mayo (antes denominada


Victoria), puede observase la forestación para la apertura que aparece
nombrado como “Boulevard proyectado”, se trata de la avenida de Mayo que
fue inaugurada el 9 de julio de 1894. Es interesante observar que desde las
primeras propuestas fue pensada como un boulevard, el primero
reglamentado como tal. La idea de forestar, concretada posteriormente con

85En varios ejemplos de los pueblos antiguos coloniales en los valles calchaquíes: San Carlos, Cachi
y Payogasta.

224 Jardins na história – Vol. I


plátanos, era determinante para conformar un nuevo concepto del espacio
público. Sin embargo, los árboles no se ubicaron en la línea central de la misma,
como en distintos ejemplos europeos, sino en las veredas según las fuentes de
la época, para hacer más agradable la circulación en torno a los comercios. El
ensanche y forestación han sido los elementos necesarios para la creación del
primer boulevard local, donde se puso en práctica con distintas variantes, la
elección de plátanos como especie predominante. En esta línea, desde la lógica
paisajística que implicaban las renovadas operaciones sobre la traza, se
plantearon ensanches de tramos cortos de algunas de las calles más estrechas
que por el tamaño de sus veredas no permitían incorporar el arbolado urbano.
Un ejemplo de estas obras fue la que detectamos denominada: “proyecto de
mejoras para la calle Chile”, donde se retiró la línea de edificación para
ensanchar el espacio público e incorporar de este modo dos líneas de arbolado
en toda la extensión, reduciendo en ese tramo las parcelas entre calles Balcarce
y Colón (Memoria Municipal, 1881, p. 278).

Figura 23 – Calle del Centro.

Fuente: Colección Sociedad Fotográfica de Aficionados (ca. 1900).

AJardins na história – Vol. I 225


En la siguiente década, las plantaciones se fueron intensificando en
sintonía con las grandes obras de transformación urbana. El intendente
Francisco F. Bollini, en un relato en primera persona, argumenta acerca la
importancia de esta estrategia de construcción del espacio público. Señala
haber realizado su defensa y da cuenta de la campaña realizada para la difusión
de su cuidado, a partir de la instalación de los nuevos criaderos municipales:

“La destrucción que hace el público de estos árboles y de las plantas de


las plazas es enorme, teniéndose que sostener una lucha diaria con los
cocheros, los vagabundos que se apoderan de los bancos y la falta de
escrúpulos de personas pertenecientes a las clases más elevadas.
Muchas recomendaciones he dirigido al pueblo ya por los diarios, ya por
carteles colocados en la vía pública, o enviando una circular a cada uno
de los que poseen un árbol frente a su propiedad, incitándoles a su riego
y cuidado y haciéndoles presentes las ventajas que para ellos y sus
familias representaba esa planta. Poco o nada he conseguido pero a
pesar de esa indiferencia y debido tal vez a ser mas grandes los
colocados este año, solo tendrán que ser reemplazados unos 300 de los
4580 plantados. Como las recomendaciones no produjeran resultado,
hube de acudir a medidas severas, aplicando penas a los que inutilizasen
los árboles. (…) Con motivo de haber quedado vacante el puesto de
Director de Paseos, concebí el pensamiento de llenarlo con arreglo a
condiciones especiales. El 8 de enero de 1891 nombré una comisión de
personas respetables y competentes para que interviniera en el
concurso que se estableció, con el propósito de obtener que la persona
que llegara a ocupar el puesto reuniese el mayor grado de
conocimientos, tanto para el desempeño administrativo como para la
realización de las múltiples mejoras que son susceptibles de muchos
paseos. Formulado el programa llamando a concurso y después del
examen oral, escrito y gráfico a que se sometieron los siete
concurrentes, la Comisión, por elección unánime, designó para el puesto
al Sr. Carlos Thays” (Memoria Municipal, 1890-91, p. 165).

Este documento resulta elocuente respecto del lugar de relevancia


que la operatoria ocupaba en los discursos y en las obras que se llevaban a
cabo, para acrecentar el elemento natural en la ciudad 86. La tradición de la

86Se consigna la cantidad de especies plantadas en sus dos años anteriores de gestión, que se
puede relacionar con la afirmación de Olivera respecto de la cantidad de especies incorporadas
por C. Thays, en sus dos primeros años a cargo de la Dirección de Parques y Paseos en calles y
avenidas. En 1891 fueron 28.205 y en 1892 de 13.830.

226 Jardins na história – Vol. I


avenida arbolada siguiendo el modelo francés que se estaba ejecutando en la
avenida de Mayo, era el ideal de la nueva calle urbana de grandes dimensiones.
Así el material verde se fue incorporando en gran escala a la imagen de la
ciudad y expresó desde esta concepción, las mejores cualidades de la condición
metropolitana. Pero en ese sentido se puede plantear un quiebre a partir de la
gestión de Carlos Thays en la Dirección de Parques y Paseos, ya que las calles
comienzan a considerarse desde criterios paisajísticos, valorizando en especial
el elemento natural. Así, esta operatoria encontró en el designado funcionario,
el aliado ideal para su ejecución. Resulta evidente al observar en su conjunto,
siguiendo una secuencia temporal, la dimensión de la incorporación del
arbolado que se pone en práctica a partir de C. Thays. En mayo de 1910 publicó
un libro titulado El jardín botánico, con prefacio de Eduardo Olivera que se
presenta como Presidente Honorario de la Sociedad Rural Argentina, allí se
señala:
“En las aceras de la Ciudad, plantó más de cien mil árboles, siendo el
total actual de 142.000. Y la mayor parte de este inmenso trabajo que
ha poblado y poblará a Buenos Aires con jardines, bosques y parques,
con una superficie de más de mil hectáreas, cambiando su aspecto
colonial, es obra del autor del Jardín Botánico de Buenos Aires, trabajos
que no deben en manera alguna quedar perdidos en el dédalo de
nuestra naciente civilización, sino registrados en un libro especial, como
el de Mr. Alphand, en sus “Paseos de Paris”, adonde puedan estudiar y
ver las generaciones venideras, por qué medios un hombre laborioso y
científico, puede llegar a hacer una ciudad colonial, otra
deslumbrante…” (BERJMAN, 2002, p. 228).

Como se expresa en este texto, la estrategia de asociar la calle


pública con el arbolado se fue ampliando y sin duda, la gestión de C. Thays
significó un salto cuantitativo que hizo que estuviese presente y asociado en
adelante a la imagen de Buenos Aires, desde una dimensión inédita en
comparación con otras ciudades argentinas de la época.

AJardins na história – Vol. I 227


Figura 24 – Avenida Montes de Oca.

Fuente: Tarjeta Postal. Colección Piezzimenti (circa. 1900).

2.4 El río como paisaje industrial

El paisaje de Buenos Aires ha estado marcado desde sus orígenes


por su rango de ciudad costera, generándose a lo largo del tiempo distintos
modos de tratar las condiciones particulares de su implantación. El río,
accidente natural de mayor riqueza paisajística de la ciudad, fue pensado en
función de las nuevas categorías de la cultura técnica y estética, como
también desde las diversas maneras de poner en valor la modernización. A
fines del siglo XIX, los modos de ver la relación entre el río y la ciudad fueron
adquiriendo distintas lógicas para realizar los diversos proyectos que se
propusieron. La condición natural del borde costero fue una de las formas que
más ha sido alterada para obtener con estas operatorias, un conjunto de
nuevos servicios urbanos de rango metropolitano.
Dos áreas se pueden destacar en el desarrollo de toda la costa en
este período: el denominado “centro”, en torno a la Plaza de Mayo, y la Boca
del Riachuelo. El área central había sido ocupada desde los albores de la

228 Jardins na história – Vol. I


ciudad por el antiguo Fuerte que experimentó distintas etapas edilicias, con
sus monumentales bastiones que hacían las veces de contención. A mediados
del siglo XIX la artificialidad de la costa se había acentuado y estaba sellada a
través del dispositivo técnico que conformaba la llamada Aduana Nueva. Uno
de aspectos más interesantes fue el funcionamiento y la complejidad de usos
urbanos que se desarrollaban en este sector. Se puede destacar el tránsito de
transporte de tracción a sangre con las cargas de la actividad aduanera, el
ferrocarril que terminaba en la estación Central, y a la ubicación de los talleres
de la Terminal del tranvía. Esto implicaba concentrar el nodo de circulación
comercial, cabeza de la red del comercio exterior con un conjunto técnico de
servicios. Próximo además al sitio simbólico del poder ejecutivo y la histórica
Plaza de Mayo, ámbito de permanente articulación social. Este fue el período
de mayor condensación en el área central; un conjunto que involucraba
diversas funciones urbanas y la suma de sentidos simbólicos que había tenido
desde su rol de capital virreinal en ascenso durante el siglo, hasta la definición
de su rango de Capital Nacional. Sin embargo, el escenario urbano se modificó
fuertemente con la creación del nuevo puerto, la renovada “puerta” de
ingreso a la ciudad.
En el otro sector para destacar es la Boca del Riachuelo donde, el
funcionamiento de las actividades portuarias, se realizaban desde el inicio de
la fundación. Al no contar Buenos Aires con un puerto natural, ni siquiera los
buques de escaso calado podían acercarse a la costa ya que debían
permanecer fondeados al borneo a distancia. En la desembocadura del
Riachuelo, los barcos que arribaban si podían llegar a la costa después de las
obras de dragado parcialmente realizadas. Estas fueron dirigidas por el
ingeniero Luis Huergo desde 1881, y abarcaron el área ya conocida como La
Boca y el canal Sur. El ingreso al Riachuelo además de su función portuaria ha
ocupado un lugar particular en el imaginario de la ciudad. Graciela Silvestri
realizó un interesante análisis de sus imágenes desde las primeras
representaciones urbanas, destacando la importancia de las realizadas por
Carlos E. Pellegrini, a las que considera la primera versión del lugar como
paisaje pintoresco, señala:

AJardins na história – Vol. I 229


“El Riachuelo ya era un lugar pintoresco a fines del siglo XIX en este
sentido plástico definido. Las fotografías más conocidas del álbum de
Witcomb consolidan las perspectivas para observarlo: los recodos del
Riachuelo, con sus retazos de agua, sus casitas de chapa y madera y la
eliminación de las líneas paralelas; la trama de mástiles que introduce
una extraña fragmentación en las formas, confundiendo los bordes de
los objetos y favoreciendo la yuxtaposición visual, al mismo tiempo
que refiere no al moderno buque sino a los románticos puertos de
barcos de vela…” (SILVESTRI, 2003, p. 67)

Por otro lado, la extensa ocupación de la costa con obras de


ingeniería estuvo vinculada a los ciclos de la economía argentina. En lo que se
conoce como “la crisis del noventa” (1890), cuando el país atravesaba uno de
sus peores momentos sociales y financieros se descubrieron las
potencialidades de las tierras de la pampa húmeda para el cultivo de trigo.
Hasta ese momento sólo se producía en una pequeña área de colonización
santafecina; este recurso marcará el desarrollo de la economía argentina en
adelante. La historiografía ha enfatizado que “…la cosecha de 1891 superó
todas las expectativas” (GALLO y CORTÉS CONDE, 1986, p. 101). Al crecer la
economía y las exportaciones del sector agropecuario, la infraestructura y los
sistemas de transporte resultaron los motores de la transformación material
de la costa. Una amplia historiografía que ha dado cuenta de estos procesos
de relación entre la modernización y la implementación de marcos
institucionales adecuados para favorecerla: la pacificación de país y la
consolidación del poder central, sobre todo el territorio de la República. En
este marco, la federalización de la ciudad de Buenos Aires fue uno de los
pasos más importantes para limitar el peso de los estados provinciales.
Mucho se ha escrito respecto a la significación que ha tenido la
realización de nuevo puerto para la ciudad, como también se han estudiado
los debates que se produjeron en torno a la definición del sitio y la forma, y
en definitiva del gran proyecto urbano que se llevó a cabo al concretarlo. En
el año 1886 se iniciaron las obras y hacia el fin de la década los cuatro docks
estaban listos para comenzar a funcionar de acuerdo al sistema de esclusas
propuesto por el ingeniero Eduardo Madero. Se han realizado un detallado
relevamiento de los debates del Congreso Nacional para definir la propuesta,

230 Jardins na história – Vol. I


revisando figuras historiográficas de trabajos anteriores que consideran los
grupos políticos antagónicos que se alinearon con los dos principales
proyectos presentados por los ingenieros Luis A. Huergo y Eduardo Madero.
En este sentido, se señala:

“Los perfiles técnicos del puerto de Madero, señalados como


“modernidad maquinista” artificial e innecesaria, oscilan en la misma
frecuencia que las acusaciones de lujo vacío para la ciudad de Buenos
Aires, mientras que la severidad técnica, modesta y apropiada del
puerto de Huergo se relaciona con las características de adecuada y
suficiente comodidad de la “gran aldea”, forzando terriblemente las
características modernas del proyecto. Se trata, en suma, de la
polémica de la apariencia contra la sustancialidad” (SILVESTRI, 1993,
p. 145).

En Buenos Aires, como en otras ciudades costeras, la concreción


del sistema portuario: docks, muelles, edificios administrativos, usinas
eléctricas, vías férreas, elevadores, puentes, encontró nuevas expresiones de
figuración en el marco del conjunto de ciudades decimonónicas en fuerte
crecimiento87. El escenario del puerto en este período fue adquiriendo
interesantes y nuevos matices, en función de la teoría del carácter que en
este caso sería moderno y monumental. Distintas series de tarjetas postales
reflejaron profusamente el nuevo paisaje costero que habían generado los
edificios industriales realizados, para favorecer la actividad portuaria
extendida a lo largo de la ribera. La posibilidad de captar de modo más amplio
el equipamiento portuario, el río y las embarcaciones pudo concretarse con
tarjetas postales de mayor formato como la que lleva el epígrafe Los graneros
en el Dique Nº 2 (Figura 25), una serie completa dedicada a estos primeros
silos que décadas después fueron demolidos. La misma extensa toma (igual
en todos sus detalles) fue publicada en la Guía Baedeker de la République
Argentine. En el texto se señala: “Les élévateurs sont des établissements
modèles, installés de la façon la plus moderne, et le touriste s´ intéresserá

87
En el siglo XIX, las transformaciones de las obras portuarias fueron importantes en las ciudades
en franco crecimiento. Londres fue pionera en estos procesos por las instalaciones industriales en
los muelles del río Támesis, a comienzo del siglo XIX ya se ejecutó el sistema de Dock londineneses.

AJardins na história – Vol. I 231


vivement à leur visite” (MARTINEZ, 1907, p. 186). Estas instalaciones de gran
magnitud poseían una importante capacidad de almacenaje de granos,
alrededor de 300.000 toneladas, y expresaron las necesidades planteadas
para resguardo de materias primas por el gran despegue que se produjo en la
economía. La presencia reiterada de estas piezas urbanas en distintos
formatos de difusión deja entrever su aceptación social, como expresión de
modernización y pujanza; la representación de Buenos Aires podía adquirir
dimensión metropolitana al exhibir el conjunto del nuevo puerto.

Figura 25 – Los graneros del Dique N° 2.

Fuente: Tarjeta Postal. Colección Roca.

Figura 26 – Recuerdo de Buenos Aires.

Fuente: Tarjeta Postal. Colección Roca.

Sin embargo, considerando la difusión que adquirió, se puede


comprobar que su estética industrial se configuró en uno de los principales
motivos visuales. Esta manifestación cultural implicaba en cierto modo, la
valoración social de la ubicación de las obras, difundiendo la nueva fachada
costera, sin medir o lamentar el modo en que las nuevas obras alteraron en

232 Jardins na história – Vol. I


el área central, la relación directa de la ciudad con el río. Ajenas las prácticas
y los medios de divulgación de la imagen urbana, de la extensa polémica
realizada en medios oficiales y técnicos, en especial entre los ingenieros,
sobre cuál de los dos principales proyectos se llegaría a ejecutar,
materializada la nueva condición se reflejó en muy diversas imágenes que
pasaron a ser representativas de la ciudad. El puerto proyectado por Eduardo
Madero sólo se mantuvo en actividad hasta la instalación del Puerto Nuevo,
en la década de 1920.
Asimismo, dentro del área costera, fueron muy frecuentes los
registros que mostraban numerosos grupos sociales vinculado al fenómeno
de la inmigración. Este fue escenario de arribo de la población que produce la
gran transformación sociocultural de Buenos Aires; y si estadísticas y censos
sintetizaron el salto cuantitativo del crecimiento de la población, las imágenes
visuales acrecentaron el imaginario de la gran preocupación que este
descontrol podía generar. En diarios y revistas era constante la referencia al
tema; emergía en estos argumentos la cuestión sanitaria ocupando así, un
lugar destacado en los textos, como también en publicidades y en el humor
gráfico. Un artículo publicado en 1899 en Caras y Caretas resulta elocuente
de este tipo de registro, contiene numerosas reproducciones. Como era
habitual en esta publicación, se concedió mayor espacio al reporte gráfico que
al escrito. En el texto se relata en estos términos la llegada de población a la
ciudad:
“Desde las sentinas del buque hasta las toldillas más elevadas, en un
enmarañamiento de selva virgen, saturados de olor a brea y vaho de
cocina, aparecen hombres y mujeres, niños y bagajes, confundidos,
revueltos. Puntualmente y a la hora prefijada, suben al vapor los
empleados del Departamento General de Inmigración que van a recibir
a los pasajeros de tercera clase y a clasificarlos según se acojan o no a
los beneficios de la ley nacional. Suena la campana que anuncia el
desembarco y un nuevo cuadro se ofrece a la vista del espectador. Por
todos los pasillos que dan acceso al portalón de salida, se precipita la
avalancha humana, ruedan, se trenzan, se apiñan y empujan
torpemente, hombres, mujeres y niños…” (CARAS y CARETAS, 1889, p.
6-7).

AJardins na história – Vol. I 233


Figura 27 – Revista Caras y Caretas. Figura 28 – Desembarco del G. Mitre.

Fuente: Revista Caras y Caretas (1899, N°56). Fuente: Colección Sociedad Fotográfica
Argentina de Aficionados.

Algunas fotografías han reflejado con maestría el escenario en el


marco de importantes actos oficiales como en “Desembarco del General
Mitre” (Figura 20) enfocando desde la costa hacia el río, la fragata principal y
otros barcos de menor eslora engalanados con numerosos pabellones,
mientras en el Muelle de Pasajeros una multitud recibe al ex Presidente.
Pocos años después, la imagen del área cambió adquiriendo rango
monumental, conformando el escenario adecuado para actos oficiales de
ilustres visitantes que llegaban desde el río. Las obras de ingeniería y los
nuevos edificios del denominado Puerto Madero se inauguraron en 1896.
Como se presenta, algunos testimonios de los recién llegados ponen en valor
su claro ordenamiento, las importantes dimensiones y que resultaba un todo
controlado, también la calidad de los edificios realizados para albergar sus
actividades. Cabe considerar que entre los muchos aspectos que se
expusieron en los debates en el Congreso Nacional para definir el ganador del
proyecto para el puerto de Buenos Aires, algunos de los argumentos
destacaban que la propuesta de Eduardo Madero, desde cierto punto de
vista, podía resultar el marco monumental más adecuado para el ingreso a la
ciudad capital.

234 Jardins na história – Vol. I


Figuras 29 y 30 – Recuerdo de las fiestas en honor a Campos Salles.

Fuente: Tarjetas postales Colección J. Wadel.

Los grandes depósitos y silos fueron el escenario especialmente


preparado para la visita del presidente de Brasil Dr. Manuel Ferraz de Campos
Salles, en el año 1900. La llegada a la ciudad de este presidente tuvo una
significación muy importante, era la devolución diplomática a la visita oficial
realizada por el presidente argentino, Julio Argentino Roca a Brasil un año
antes, y estaba vinculada a la idea de estrechar lazos con países
latinoamericanos después del conflicto limítrofe que Argentina había
mantenido con Chile. La llegada de la comitiva brasilera a Buenos Aires estuvo
colmada de importantes actos oficiales, y fue uno de los eventos más
relevantes del período.
También se publicaron una amplia gama de tarjetas postales, un
ejemplo emblemático fue la serie Recuerdo de las fiestas en honor al
Presidente Campos Salles, la llegada de la Escuadra Brasilera al puerto de
Buenos Aires” (Figuras 29 y 30) que muestran un sector de los nuevos docks
del área y las típicas arquitecturas efímeras que se montaban en estas
celebraciones, así como la gran cantidad de público que participó de la
acogida. Asimismo, los medios brasileros no dejaron de destacar la relevancia
de esta visita y de comparar las condiciones de los espacios públicos y de la
edilicia de ambas capitales. El periodista y poeta Olavo Bilac fue uno de los
miembros de la comitiva de Campos Salles y en su crónica de la visita hace
hincapié distintos aspectos planteando una detallada comparación entre Rio
de Janeiro y Buenos Aires (RIVAS y ARESTIZÁBAL, 2001, p. 126-127).

AJardins na história – Vol. I 235


El artículo de Bilac fue publicado en la Gaceta de Noticias de Río de
Janeiro, y señalaba la necesidad que una ciudad contara con un gran jefe de
gobierno para concretar las obras de las reformas urbanas, también las
diferencias ambientales y cómo estas comparaciones alimentaban la
tradicional rivalidad entre ambas ciudades, en proceso de crecimiento. En
distintas notas publicadas en torno al evento de la visita presidencial, se las
comparaba haciendo notar la transformación urbana que se estaba operando
en Buenos Aires y proponiendo se aceleren las obras de transformación de la
ciudad carioca. También el autor destacó especialmente, el impacto que les
había producido el ingreso desde el puerto de la ciudad rioplatense.

2.5 Arte urbano y cultura técnica

El embellecimiento urbano fue uno de los principales propósitos a


lograr en los espacios públicos como estrategia de modernización, asociado
también al mejoramiento de las condiciones higiénicas y el control y
homogeneización del campo social y cultural. Los textos de la época se
refieren al arte urbano como el conjunto de saberes disponibles y necesarios
de funcionarios y técnicos que debían regular, proyectar y conducir el
crecimiento. El urbanismo, como conocimiento especializado dedicado a dar
sustento a las intervenciones sobre la ciudad moderna recién se configuró
hacia la segunda década del siglo XX.
En distintas operatorias urbanas posteriores se pusieron en marcha
criterios paisajísticos que relacionan al verde público y la costa, en la tónica
de concebir a la naturaleza como paliativa y en sintonía con los principios
higienistas. En este marco, la cultura visual da cuenta de las obras que
vinculan las instalaciones portuarias con áreas de parques que las circundan,
relacionando ambos tópicos: arte urbano y cultura técnica, como puede
notarse en el paseo costero que proyectó Benito Carrasco, en 1912
(CARRASCO, 1923, p. 159). Los criterios expuestos del arte urbano,
promovieron asimismo la vinculación con las operaciones de forestación de
avenidas y áreas con césped, como cabal expresión de modernización. Las
nuevas instalaciones portuarias fueron reiteradamente incorporadas, se

236 Jardins na história – Vol. I


validaba de este modo la ubicación en el área central, situación que también
se practicó en otras capitales. La literatura actual destaca la articulación
urbana que implicaron estos espacios en el 1900:

“Ports formed the heart of their city, for the urban poor as well as for
the better off. The ports were situated in walking distance to densely
populated working-class living quarters—and to the banks, stock
exchange markets and office buildings of the merchants and shipping
companies who ran their businesses in the ports” (HEERTEN, 2021, p.
2).

En Buenos Aires se enfatizó así la relación entre parques y plazas


como nexo urbano de vinculación entre las obras portuarias y el tejido de la
ciudad. Las nuevas obras rodeadas de vegetación enfatizan la presencia de la
naturaleza en la ciudad. El verde público se enfatizó como una operación de
cosmética urbana pero desde criterios paisajísticos, buscando así el
embellecimiento para cualificar el espacio público. Un ejemplo emblemático
de este motivo visual fue la postal denominada Buenos Aires, Parque Colón y
puerto, editada por Peuser.

Figura 31 – Paseo Colón y Puerto.

Fuente: Tarjeta Postal Colección Hector Piezzimenti.

AJardins na história – Vol. I 237


Por la numeración en esta serie se deprende que fue publicada
próxima al Centenario (1910). Además, por los datos que figuran en las
Memorias Municipales respecto a la incorporación de especies florales y la
estatua dedicada a Cristóbal Colón, pude situarse más precisamente alrededor
de 1908. La imagen aérea permite observar con más detalle el plano de base,
el sector fue mostrado con un enfoque que fuerza la visión en perspectiva de
la planta semicircular generando una interesante tensión visual. El sector ya
poseía el ordenamiento actual, y si bien no tiene la dimensión de otros
parques, así lo había designado Carlos Thays que en el marco de su gestión en
la dirección de Parques y Paseos cuando realizó el proyecto y la ejecución de
su transformación: “La disposición general adoptada pertenece al estilo
urbano, es decir, que tiende a reunir en espacios relativamente reducidos las
condiciones necesarias para la comodidad y distracción del público…” (AAVV,
2009, p. 96-97).
Sin embargo, en la Memoria Municipal donde se anuncia su futura
realización se lo designa como Plaza Colón, se describe en estos términos:

“En la línea que sirve de eje a la fachada principal del Palacio y en el


centro elevado de una plazoleta semicircular, se erigirá el monumento
que ha de dominar todo el nuevo Buenos Aires ganado al río: diques,
dársenas, almacenes y estación central, si es que se persiste en la idea
de construir el edificio. (…) En los paseos comprendidos entre las
prolongaciones de las calles Piedad y Rivadavia al norte, y Victoria y
Alsina al sud, se formarán jardines de estilo Renacimiento, con
puentes, estatuas, balaustradas, vasos y otros ornamentos
arquitectónicos en relación con el Palacio, al cual la plaza servirá de
base y complemento. Frondosas avenidas y densos bosquecillos
ofrecerán un refugio a los transeúntes en los días de
verano.(MEMORIA MUNICIPAL, 1897, p. 70-71).

El texto hace alusión al incendio de la Estación Central que había


ocurrido a comienzos del mismo año de publicación de este documento, y
resulta explícito de la síntesis entre el parque y el puerto que este tipo de
imagen condensa. En las nuevas obras del Puerto Madero, puede observase
el conjunto de instalaciones y depósitos industriales hacia el sur, y en el fondo
el río colmado de barcos. Estos montajes pueden entenderse entonces como

238 Jardins na história – Vol. I


la manifestación evidente de la valoración positiva de esta pieza urbana, por
lo tanto, la ocupación de su ribera con la actividad productiva portuaria
implicaba una evidente asociación entre lo bello y lo utilitario.
De este modo, se presenta una nueva configuración en relación al
arte urbano aplicado al tratamiento de la ribera. Durante el desarrollo del
siglo XIX la ciudad y costa fueron campo de disputa por la definición de su rol
dentro del conjunto de ciudades argentinas; su particular conformación
estuvo signada por condiciones conflictivas, marchas y contramarchas. En
este marco, las prácticas que buscaron controlar y homogeneizar el campo
social fueron determinantes, tal como la intervención de lo proyectual sobre
lo natural.
El borde costero condensó la propia imagen de la ciudad aportando
la clave de modernidad y carácter metropolitano que se deseaba reflejar. Un
fenómeno cultural que también se produjo en otras ciudades costeras
americanas, como Montevideo o Río de Janeiro. Es por esto que a través de
los distintos formatos fotográficos resultaban frecuentes que se las
comparara en clave de modernidad y embellecimiento, en un trabajo sobre
este tema se señala: “A questão pode ser vista por diversos ângulos, entre os
quais: de modo propagandista, serviam à comparação da cidade nova com a
antiga, criando um contraste que reafirmaria a grandiosidade das reformas
implementadas” (DA SILVA ARAUJO, 2009, p. 8).

3. CONSIDERACIONES FINALES

La mirada paisajística y la diversificación de lo natural fue un aspecto


central en los nuevos espacios públicos que resultaron diseñados, reflejados y
percibidos. Desde esta perspectiva, se revelan los modos de pensar las
reformas urbanas que articularon lo pintoresco y lo civilizado. La hipótesis
verificada fue el rol central que ocupó el elemento natural para fijar una nueva
lógica de ciudad capital conjugando la gestación de espacios disponibles para
los futuros parques públicos. Lo pintoresco se configuró como un renovado
modo de interpretar el paisaje y se asoció a las posibilidades de civilizar,
controlando y regulando los nuevos espacios. Se ha buscado plantear desde

AJardins na história – Vol. I 239


otro ángulo la lógica de los enclaves que ya existían en torno al área
urbanizada: las llamadas quintas, notables pintores argentinos las habían
representado. Fueron consideradas como antecedentes de los futuros
parques, como ámbito de aclimatación de especies vegetales. La expansión
urbana no implicó la conquista de lo cultural sobre la pampa virgen; esta
problemática fue abordada desde el concepto de rururbano, matizando la
tradicional dicotomía rural-urbano.
El saber urbano validaba estas estrategias desde la necesidad de
destinar recursos para los Paseos Públicos, según resultase la relación entre lo
construido y la cantidad de espacios libres por habitante. Se detectaron
distintos estudios comparativos con otras ciudades, que posicionaron a Buenos
Aires en condiciones muy favorable, en particular en la década de 1890
(circunstancia que luego se modificó). La significación de las distintas
operatorias consideraban a las calles como un territorio a conquistar a través
de sus mejoraras, ensanches y a las posibilidades de incorporación del arbolado
público. En sintonía con esta idea, pude comprobar que se difundieron con
insistencia los monumentos conmemorativos y esculturas que configuraban la
nueva imagen urbana. La estatuaria, que se había instalado en el verde público,
fue un motivo muy validado lejos de la tensión de los intensos debates que
produjeron sus localizaciones
Otro aspecto que se expresó en proyectos y obras ha sido el tránsito
de la plaza al parque, a través de la presencia de sectores más amplios de
distintas áreas parquizadas y bulevares. La plaza pública se expandía
adquiriendo dimensión metropolitana; si bien distintos tratados del arte
urbano diferenciaban entre las dos categorías de espacios, en documentos
oficiales y en revistas profesionales locales, estos términos se intercambiaban.
La plaza había mutado, y también las dimensiones de las expectativas del verde
urbano indicaban la transformación del espacio público mediante el
paisajismo.
También se destaca cómo la imagen de Buenos Aires ha estado
marcada por su condición de ciudad costera, siendo el Río de la Plata el
accidente natural intensamente considerado en función de nuevas categorías
de la cultura técnica y estética. La lógica industrial del área portuaria se

240 Jardins na história – Vol. I


configuró en uno de las principales áreas de la ciudad. Esta manifestación
cultural implicaba la valoración de las obras realizadas en la ribera, con la
ubicación de parques y calles forestadas, que propiciaran la contemplación del
río.
Por último, en términos de resultados se verificó en los documentos
nacionales y municipales el salto cualitativo que adquirió la infraestructura
verde y en relación a su misma significación, cómo fue incorporada a distintos
medios para la difusión de la imagen urbana, ante la necesidad de atender y
revertir los aspectos sociales que generaron serios problemas, durante el
proceso de metropolización.

4. REFERENCIAS

AAVV, Carlos Thays. Un jardinero francés en Buenos Aires. Buenos Aires: Ed. Embajada de Francia,
2009.

BERJMAN, S., Plazas y parques de Buenos Aires, la obra de los paisajistas franceses 1860-1930.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, Gobierno de Buenos Aires, 1998.

BERJMAN, S. (comp.), Carlos Thays, sus escritos sobre jardines y paisajes. Buenos Aires: Ed. Ciudad
Argentina, 2002.

BERTONI, L. A., Patriotas, cosmopolitas y nacionalistas. La construcción de la nacionalidad


argentina afines del siglo XIX. Buenos Aires: Ed. Fondo de Cultura Económica, 2001.

BARROS, Claudia Barros, De rural a rurubano, en Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y
Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Nº 45, 1999. Disponible en:
http://www.ub.edu/geocrit/sn-45-52.htm. Acceso: 4 de abril de 2008.

CARRASCO, Benito, Parques y Jardines. Buenos Aires: Ed. Talleres Peuser, 1923.

CORTÉS CONDE, R., GALLO, E., La formación de la Argentina Moderna. Buenos Aires: Editorial
Paidós, 1986.

DA SILVA ARAUJO, V., Cidades fotografadas: Rio de Janeiro e Buenos Aires sob as lentes de
Augusto Malta e Harry Olds, 1900-1936. Nuevo Mundo, 2009. Disponible en:
https://doi.org/10.4000/nuevomundo.50103. Acceso: 24 abril 2014.

GORELIK, A., La grilla y el parque. Buenos Aires: Ed. Universidad Nacional de Quilmes, 1998.

AJardins na história – Vol. I 241


HEERTEN, L., Mooring Mobilities, Fixing Flows: Towards a Global Urban History of Port Cities in
the Age of Steam. Journal of Historical Sociology. Wiley Online Library, 2021. Disponible en:
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/johs.12336. Acceso: 5 de Diciembre de 2021.

HALL, P., Ciudades del mañana. Historia del Urbanismo en el siglo XX. Barcelona: Ediciones del
Serbal, 1996.

LÉVI-STRAUSS, C., Tristes trópicos. Buenos Aires: Ed. Paidós, 1988 (1º ed. París 1955).

MÁRQUEZ, F., FIORENTINO, J., El origen del arbolado porteño. Buenos Aires: Ediciones a+BA, 2007.

RUIZ MORENO, S., Historia de los parques en la pampa. Buenos Aires: Editorial El Ateneo, 1998.

MARTINEZ, A., Guía Baedeker de la République Argentine, 3º édition, Barcelona, 1907.

MIRAS, M., Una aproximación a la historia del paisaje desde la perspectiva socio-ambiental, en
Crítica N° 242, IAA FADU UBA, 2021. Disponible en: https://docplayer.es/223368139-Seminario-
de-critica-ano-2021.html. Acceso: 15 de noviembre de 2021.

MIRAS, M., Paisajes de lo público, en Revista de la Sociedad Central de Arquitectos N° 253, 2014.

MIRAS, M., Imágenes del espacio público. Buenos Aires: Editorial Concentra, 2013.

MIRÁS, M., NAVARRO, A., La sutil materia: documentos y paisajes históricos, en Primer Congreso
Internacional de Pedagogía Universitaria, Editorial Eudeba, 2009

PAIVA, V., Medio ambiente urbano: Buenos Aires 1850-1915, en Crítica Nº 115, IAA FADU UBA,
2001. Disponible en: http://www.iaa.fadu.uba.ar/?page_id=654. Accesp: 24 de julio de 2019.

RADOVADOVICH, E., Buenos Aires: Avenida de Mayo. Buenos Aires: Editorial Buenos Aires, 2002.

RIVAS L., ARESTIZÁBAL, I., Buenos Aires – Río de Janeiro 1990. Dos ciudades en el cambio de siglo,
en Anales Nº 33-34, Buenos Aires, IAA FADU UBA, 2001. Disponible en:
http://www.iaa.fadu.uba.ar/publicaciones/anales/Anales_33_34.pdf. Acceso: 23 de febrero de
2018.

SARMIENTO, D. F., Arquitectura doméstica, reproducido en Anales Nº 11, IAA FADU UBA, 1958.
Disponible en: https://www.iaa.fadu.uba.ar/?page_id=842. Acceso: 18 de marzo de 2014.

SARMIENTO, D. F., Facundo. Civilización y barbarie. Buenos Aires: Congreso Nacional, 2018.
Disponible en: https://bcn.gob.ar/uploads/Facundo_Sarmiento.pdf. Acceso: 4 de abril de 2017.

SILVESTRI, G., El color de río. Historia cultural del paisaje del Riachuelo. Buenos Aires: Edición
Universidad Nacional de Quilmes, 2003.

SILVESTRI, G., El umbral de la metrópoli. Buenos Aires: Ed. Sudamericana, 1993.

242 Jardins na história – Vol. I


WILLIAMS, R., La política del modernismo, contra los nuevos conformistas. Buenos Aires:
Ediciones Manantial, 1997.

Documentos Nacionales o Municipales:

Censos Muncipales de 1887 y de 1904


Censo Nacional 1895
Guía Baedeker de la Republique Argentine
Guía Peuser
Memorias Municipales, de 1880 a 1910

Artículos de:
Revista Caras y Caretas
Revista “Arquitectura”
Revista Técnica
Diario Tribuna
Diario El Nacional

AUTORA

Marta Mirás, Doctora en Arquitectura y Paisaje, Profesora Titular de Historia de la


Arquitectura Paisajista, Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo, Universidad de
Buenos Aires (FADU UBA), Profesora de la Maestría en Diseño del Paisaje y del Programa
de Doctorado, Miembro de la Comisión de Doctorado y Consejera Directiva Claustro de
Profesores (FADU UBA), Integrante del Programa Internacional “Breathe-Respirar”
(Universidad de Sheffield, Reino Unido-UBA). CV completo en
https://www.reddoctorados-arquitectura.edu.ar/directores-y-jurados/miras-marta/

AJardins na história – Vol. I 243


244 Jardins na história – Vol. I
Capítulo 07
O ensino e a prática profissional de Arquitetura Paisagista em
Berlim na década de 1930

The teaching and professional practice of Landscape Architecture in Berlin in


the 1930s

Ana Catarina Antunes


Arquiteta Paisagista
ana.catarina.antunes@gmail.com

RESUMO
O ensino e a prática profissional de Arquitetura Paisagista em Berlim na década de 1930 refletem
a educação ministrada na Escola Real de Formação de Jardineiros (Königliche Gärtnerlehranstalt)
em Potsdam e Berlim, ao longo do século XIX. Esta Escola, fundada em 1823, e originalmente
dirigida por Peter Joseph Lenné, marca a origem da educação em Horticultura e Jardinagem com
carácter institucional na Alemanha. Diferenciava-se das suas congêneres pelo que ensinava e
valorizava, numa articulação do ensino científico com o projeto de jardins e a prática da
jardinagem. Cerca de 100 anos depois, em 1929, é criado o primeiro curso de Arquitetura Paisagista
na Alemanha, no Instituto Superior Agrícola de Berlim (Landwirtschaftliche Hochschule), que foi
herdeiro da formação facultada e difundida pela Escola Real de Formação de Jardineiros. Francisco
Caldeira Cabral (1908-1992), após a conclusão do curso de Engenharia Agronómica em Lisboa,
mudou-se para Berlim. Aqui, nos anos 1930, cruzou-se com o ensino e a prática da Arquitetura
Paisagista moderna praticada na Alemanha, o que o influenciou, anos mais tarde, na criação de
uma escola congênere em Portugal. Este artigo tem como objetivo conhecer o legado deixado pela
Escola Real de Formação de Jardineiros na educação, mas também na prática profissional de
Arquitetura Paisagista em Berlim, na década de 1930. Foi desenvolvido tendo como base o
testemunho de Caldeira Cabral e o conhecimento adquirido na investigação realizada no âmbito
da tese de doutoramento (ANTUNES, 2019) sobre a influência alemã na gênese da Arquitetura
Paisagista em Portugal.

PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura Paisagista. Berlim. Ensino e Prática Profissional.

ABSTRACT
The teaching and professional practice of Landscape Architecture in Berlin in the 1930s reflects the
education given at the Royal Gardening School (Königliche Gärtnerlehranstalt) in Potsdam and
Berlin throughout the 19th century. This School, founded in 1823, and originally directed by Peter
Joseph Lenné, marks the origin of institutional education in Horticulture and Gardening in Germany.
It differed from its peers in what it taught and valued, in an articulation of scientific teaching with
the design of gardens and the practice of gardening. About 100 years later, in 1929, the first
Landscape Architecture course was created in Germany, at the Higher Agricultural Institute of
Berlin (Landwirtschaftliche Hochschule), which was heir to the training provided and disseminated
by the Royal School for Gardener Training. Francisco Caldeira Cabral (1908-1992), after completing

AJardins na história – Vol. I 245


his Agronomic Engineering course in Lisbon, moved to Berlin. Here, in the 1930s, he came across
the teaching and practice of modern Landscape Architecture practiced in Germany, which
influenced him, years later, in the creation of a similar school in Portugal.
This article aims to understand the legacy left by the Royal School of Gardeners Training in
education, but also in the professional practice of Landscape Architecture in Berlin, in the 1930s. It
was developed based on the testimony of Caldeira Cabral and the knowledge acquired in the
research carried out within the scope of the doctoral thesis (ANTUNES, 2019) on the German
influence on the genesis of Landscape Architecture in Portugal.

KEYWORDS: Landscape Architecture. Berlin. Teaching and Professional Practice.

1 INTRODUÇÃO

Este capítulo baseia-se na investigação realizada no âmbito de uma


tese de doutoramento sobre a ‘Influência Alemã na génese da Arquitetura
Paisagista em Portugal’, concluída por Ana Catarina Antunes em 2019, na
Universidade do Porto, sob a
Figura 1 - Francisco Caldeira Cabral (1908- orientação das professoras Teresa
1992). Marques e Teresa Andresen. Assente
na hipótese de que a formação alemã
merece ser investigada pela influência
que terá exercido na Arquitetura
Paisagista em Portugal e
considerando que este tema não se
encontra objetivamente estudado e
descrito na historiografia da
Arquitetura Paisagista em Portugal,
surge a oportunidade para a
investigação. Por sua vez, a base de
dados sobre Francisco Caldeira
Cabral, resultado dos estudos que
Teresa Andresen realizou nos finais da
década de 1990, confirmou a
Fonte: Arquivo dos Herdeiros de Francisco possibilidade de desenvolver esta
Caldeira Cabral.
tese.

246 Jardins na história – Vol. I


O presente estudo, assente no ensino e na prática profissional de
Arquitetura Paisagista em Berlim na década de 1930, é, assim, desenvolvido
tendo como base o testemunho de Caldeira Cabral nos anos que passou em
Berlim e o conhecimento adquirido nesta investigação.
Neste estudo enfatizamos a educação. No entanto, educação e
prática profissional caminham lado a lado. Assim, a prática profissional de
Berlim nos anos 1930 será caracterizada através das realizações mais
emblemáticas em obras públicas, planeamento paisagístico ou políticas locais,
que no processo de ensino serviram de modelo para o exercício da nova
profissão.
É também essencial apresentarmos aqui a figura notável de
Francisco Caldeira Cabral (Figura 1). Na monografia que Teresa Andresen lhe
dedicou este é apresentado como “one of the world leaders of landscape
architecture in the 20th century” (ANDRESEN, 2001, p. 19) na afirmação da
profissão na primeira metade do século XX, não só no país, mas também
internacionalmente, a quem se deve “(...) não só a fundação do ensino da
Arquitectura Paisagista, mas também a visão humanista e a profundidade
cultural com que desde o início marcou no essencial a Arquitectura Paisagista.”
(TELLES, 1995, p. 9). Caldeira Cabral é também caracterizado por José Manuel
Fernandes como

[...] «Estrangeirado» na formação superior, da estirpe de um Orlando


Ribeiro – fundador da geografia moderna no país – ou de um Faria da
Costa, urbanista, Caldeira Cabral atravessou com a sua forte
personalidade, pedagogia e influência, toda a primeira geração de
profissionais do século XX, desde Ribeiro Telles a Viana Barreto, de
Ponce Dentinho a Edgar Fontes, entre muitos. (FERNANDES, 2003, p.
11).

Caldeira Cabral partiu para a cidade de Berlim em 1936, motivado


por uma proposta da Câmara Municipal de Lisboa para ocupar o lugar de chefe
da Repartição de Arborização e Jardinagem, cargo que exigia conhecimentos
que ele não tinha e que em Portugal não seria possível obter. Regressa a
Portugal em 1939 tendo, a partir de então, construído uma carreira profícua e
longa. Com base no que aprendeu e viu nos anos passados em Berlim,

AJardins na história – Vol. I 247


reconheceu a “[...] importância de fazer uma escola onde os seus
conhecimentos recém adquiridos pudessem criar raízes e ganhar adeptos para
a sua causa da Arquitectura Paisagista!” (ANDRESEN, 2003, p. 123),
contribuindo para uma profunda transformação do pensamento e da cultura
profissional vigente.
De acordo com Birli (2016), Caldeira Cabral é o primeiro exemplo na
Europa de transferência transnacional de conhecimento de um país para outro,
no domínio da Arquitetura Paisagista. Para além deste legado, deixou ficar
também o conhecimento do ensino e da prática profissional de Arquitetura
Paisagista que se praticava em Berlim nos anos 1930.
Este estudo inicia com a caracterização da escola Real de Formação de
Formadores criada em Potsdam e Berlim em 1824, que sucedeu ao ensino
superior de Arquitetura Paisagista no Instituto Agrícola de Berlim. De seguida,
apresentaremos as obras que se destacaram nestes anos em Berlim.

2 OBJETIVOS

O presente estudo tem como principal objetivo esclarecer a herança


que a Escola Real de Formação de Jardineiros deixou nos fundamentos do
ensino universitário de Arquitetura Paisagista em Berlim e de que modo se
manifestou nas obras realizadas nos anos 1930 em Berlim.
A compreensão da formação ministrada na Escola Real de Formação
de Jardineiros e o modo como esta potenciou uma cultura da prática de
jardinagem que foi marcante para o ensino e para o exercício profissional de
Arquitetura Paisagista criado no início do século XX em Berlim e,
consequentemente, para o pensamento e trabalho que Caldeira Cabral
desenvolveu poucos anos depois em Portugal. A partir da informação coligida
em várias fontes de informação, debate-se a origem e orientação do ensino
sob o ponto de vista teórico e metodológico e a evolução de duas formações
na Alemanha ministradas na Escola Real de Formação de Jardineiros
(Königliche Gärtnerlehranstalt), em Potsdam, e no Instituto Superior Agrícola
de Berlim (Landwirtschaftliche Hochschule Berlin) que se identificaram como

248 Jardins na história – Vol. I


estando na base do ensino e da prática da Arquitetura Paisagista em Berlim
aquando da sua criação, em 1929.
Foi desenvolvido tendo como base o testemunho de Caldeira Cabral
e o conhecimento adquirido na investigação realizada no âmbito da tese de
doutoramento já referida, sobre a influência alemã na génese da Arquitetura
Paisagista em Portugal.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

Para responder aos objetivos mencionados, a metodologia utilizada


assenta, sobretudo, na pesquisa e crítica sobre uma bibliografia selecionada.
A revisão bibliográfica iniciou com a leitura do trabalho de
investigação que inaugurou um novo período na historiografia da Arquitetura
Paisagista em Portugal88. Referimo-nos à publicação sobre a vida e obra de
Caldeira Cabral, da autoria de Teresa Andresen, publicada em 2001 integrada
na Landscape Design Trust Monographs, intitulada ‘Francisco Caldeira Cabral’.
Entre outras fontes de trabalho, nomeadamente fontes primárias,
essenciais para o desenvolvimento da investigação destaca-se o ‘Arquivo
Teresa Andresen’, um conjunto diversificado de documentos, transcritos ou
policopiados, em parte já publicados ou utilizados para outras obras,
identificados e organizados por esta investigadora, mas também documentos
ainda pouco explorados. Da análise efetuada a este arquivo, verificámos que

88Este período ficou marcado por uma significativa produção de trabalhos sobre esse tema, dos
quais destacamos aqueles mais diretamente relacionadas com o tema de investigação, e que são:
‘Do Estádio Nacional ao Jardim Gulbenkian’, publicada em 2003, sob coordenação de Teresa
Andresen que sistematiza a obra da primeira geração de arquitetos paisagistas em Portugal; as
obras em homenagem a Caldeira Cabral, das quais salientamos ‘Francisco Caldeira Cabral,
memórias do mestre’, publicada no centenário do seu nascimento pela Associação Portuguesa dos
Arquitetos Paisagistas (APAP), sob coordenação de João Reis Gomes; os trabalhos académicos a
ele dedicados, como o trabalho de fim de curso de Gabriela Lopes, ‘Francisco Caldeira Cabral.
Primeiro Arquitecto Paisagista Português’; e o trabalho de mestrado de Mariana Pinto, ‘O legado
escrito de Francisco Caldeira Cabral’, apresentado à Universidade do Porto em 2014. Ainda no que
respeita a trabalhos académicos, salientamos a tese de doutoramento de Teresa Camara,
‘Contributos da Arquitetura Paisagista para o espaço público de Lisboa (1940-1970)’, que trata o
contributo dos arquitetos paisagistas para o espaço público de Lisboa no período compreendido
entre 1950 e 1970.

AJardins na história – Vol. I 249


os documentos mais importantes para a investigação referem-se à formação
de Caldeira Cabral em Berlim. Estes documentos consistem nos relatórios
trimestrais que Caldeira Cabral fez durante o período passado na Alemanha e
que enviava para o Instituto para a Alta Cultura (IAC), entidade portuguesa que
lhe atribuiu uma bolsa de estudo; diversos registos que esclarecem sobre o que
aprendeu e viu nesses anos em Berlim, como a correspondência trocada com
colegas em Portugal; e outros documentos, ainda não estudados.
Num segundo momento da revisão bibliográfica, com o objetivo de
compreendermos os princípios herdados da Escola Real de Formação de
Jardineiros, que Caldeira Cabral conheceu no Instituto Superior Agrícola de
Berlim, prosseguimos com a consulta de trabalhos de referência sobre a
formação de jardinagem no século XIX na Prussia e o ensino de Arquitetura
Paisagista em Berlim, já no início do século XX.
Relativamente à Escola Real de Formação de Jardineiros, privilegiou-
se a consulta de trabalhos realizados essencialmente por investigadores e
autores cuja língua materna é o alemão89 e também outros, de língua inglesa90,
que dedicam a sua investigação aos temas alemães relacionados com a arte
dos jardins e Arquitetura Paisagista dos séculos XIX e XX.
Para além destas fontes secundarias, consultámos também arquivos
na Alemanha91 que reúnem documentos sobre a Escola Real de Formação de
Jardineiros e o Instituto Superior Agrícola de Berlim.
Especificamente sobre o ensino universitário de Arquitetura
Paisagista em Berlim, teve particular importância as teses de doutoramento de
Dietmar Land (2005) sobre Erwin Barth, ‘Pátria, Natureza e Cidade Cosmopolita
– Vida e Obra do Arquiteto Paisagista Erwin Barth’ (Heimat, Natur und
Weltstadt – Leben und Werk des Gartenarchitekten Erwin Barth), que nos
informa sobre a fundação do curso em 1929, e de Barbara Birli (2011), ‘From

89
Björn Brüsch, Gerhard Hinz, Marie Luise Gothein, Klaus von Krosigk, Gert Gröening, Joachim
Wolschke-Bulmahn, Sonja Dümpelmann e Norbert Kühn.
90 Michael G. Lee.
91 Arquivos do Estado Prussiano (Geheimes Staatsarchiv, Preußischer Kulturbesitz), Arquivos e

Biblioteca da Universidade Técnica de Berlim (Technische Universität Berlin, Universitätsbibliothek,


Universitätsarchiv), Fundação dos Palácios e Jardins Prussianos de Berlim-Brandemburgo (Stiftung
Preußische Schlösser und Gärten Berlin-Brandenburg).

250 Jardins na história – Vol. I


Professional Training to Academic Discipline – The Role of International
Cooperation in the Development of Landscape Architecture at Higher Education
Institutions in Europee’. Os registos de Caldeira Cabral, como os relatórios
trimestrais que escreveu para o IAC, a par da correspondência trocada com
colegas e amigos em Portugal, escritos sete anos após a fundação do curso, são
outra fonte de informação importante para este estudo.

4 DESENVOLVIMENTO
4.1 A Escola Real de Formação de Jardineiros, em Potsdam
No início do século XIX, a prioridade do reino da Prússia assentava
na redução do atraso económico em que o país se encontrava, que se esperava
alcançar através do desenvolvimento da indústria, de uma agricultura mais
moderna e da exploração mineira e florestal. A criação de uma instituição
focada especificamente na educação de jardineiros está profundamente ligada
a esta visão económica, de inspiração cameralista, que caracterizava o
pensamento político da época (BRÜSCH, 2007).
Eram estes os princípios de Karl Sigmund Altenstein (1770-1840),
Ministro dos Assuntos Culturais da Prússia (1817) e responsável pela reforma
do sistema educativo prussiano que, desde cedo defendeu a instrução da
prática hortícola e do projeto de parques e jardins, através da criação de uma
escola especializada. A ideia de criar uma escola de formação de jardineiros
ficou fortalecida em 1815, com uma visita de Altenstein ao Jardin des Plantes,
em Paris. Nesta visita, Altenstein conheceu o jardineiro e professor André
Thouin (1747-1823), que o motivou a considerar a fundação de uma instituição
educativa similar, como fonte de criação de riqueza para o estado prussiano.
Em novembro de 1817, no ano em que foi nomeado Ministro dos Assuntos
Culturais da Prússia, Altenstein avançou com a criação de uma escola de
formação de jardineiros. Poucos anos depois, em 20 de agosto de 1823, o rei
da Prússia Friedrich Wilhelm III, aprovou a criação da Escola Real de Formação
de Jardineiros (Königliche Gärtnerlehranstalt), em Potsdam e Berlim, que se
tornou um centro de difusão da cultura hortícola, da formação e prática da

AJardins na história – Vol. I 251


jardinagem e do pensamento artístico com um tremendo impacto no reino da
Prússia, no sucedâneo império alemão e em toda a Europa.

Ein Botanikerleben in Briefen


Figura 2 – Jardim Botânico de Berlim, Schöneberg.
Bibliothek.
V ol. 2. 1816. - Berlin, Botanischer Garten und Botanisches Museum Berlin-Dahlem,
staltung durch Willdenow (1812). Aus: C. L. Willdenow, Hortus Berolinensis. Berlin.
A bb. 3. Plan des Königl. Botanischen Gartens in Schöneberg bei Berlin nach der Umge-

Fonte: WAGENITZ, G.; LACK, H.W. Carl Ludwig Willdenow (1765-1812), ein Botanikerleben in

5
Briefen. Annals of the History and Philosophy of Biology Volume 17 (2012). Regensburg:
Deutsche Gesellschaft für Geschichte und Theorie der Biologie, p.4-5

As aulas da Escola iniciaram-se na primavera de 1824, com 10 alunos


(BRÜSCH, 2007). O seu programa curricular assegurou a articulação do carácter
científico, prático e artístico da formação em dois departamentos:
- o Jardim Botânico de Berlim, em Schöneberg (Figura 2), e
- Wildpark e Jardins Reais de Sanssouci, em Potsdam (Figura 3).

252 Jardins na história – Vol. I


Figura 3 - Fotografias da Escola Real Formação de Jardineiros localizada no Neues Palais, no limite
poente dos Jardins Reais de Sanssouci, em Potsdam

Fonte: Fotografias publicadas no livro de Theodor Echtermeyer, ‘A Escola Real de Horticultura em


Wilpark, Potsdam, 1824-1899’ (Die Königl. Gärtener Lehranftalt am Wildpark bei Potstam, 1824-
1899).
Esta organização, com as aulas teóricas em Schönerberg92, Berlim, e
as aulas práticas em Potsdam93, manteve-se até 1854, quando dificuldades
financeiras levaram ao fecho do departamento de Schönerberg. No entanto, a
estrutura do curso manteve-se à semelhança da existente na fundação da
Escola – na divisão em dois departamentos, um com carácter teórico e o outro
com um carácter mais artístico e de natureza mais prática.
O 75.º aniversário da Escola, em 1899, marcou uma nova etapa da
sua história. A concorrência com outras escolas hortícolas entretanto criadas,
assim como a falta de espaço no departamento de Potsdam e a iminente
relocalização do Jardim Botânico de Berlim, forçaram uma reorientação da
Escola. Carecendo de um maior contacto científico e proximidade com outras
instituições especializadas, a Escola Real de Formação de Jardineiros foi
transferida para Berlim-Dahlem (Figura 4) em 1903. Aqui, juntamente com o
novo jardim botânico (Figura 5), o Departamento de Biologia da Saúde Pública
Imperial (Biologische Abteilung des kaiserlichen Gesundheitsamtes) e os
campos experimentais do instituto que corresponde hoje à Universidade

92
O Jardim Botânico de Berlim foi criado em Schöneberg, nos arredores da cidade de Berlim. Pouco
se sabe sobre o seu funcionamento nos primeiros anos – hoje é um parque público designado
Heinrich-von-Kleist- Park. Foi fundado em meados do século XVII muito provavelmente para o
cultivo de plantas de interesse medicinal para a corte (ECKARDT, 1966).
93 Em Potsdam, Wildpark, nos jardins reais de Sanssouci e no edifício Neues Palais, funcionava a

componente prática do curso.

AJardins na história – Vol. I 253


Humboldt (Landwirtschaftlichen Hochschule), foi criada uma concentração
única de ciência e ensino no sector hortícola e agrícola em Berlim (KÜHN,
2003).
Figura 4 - Instituto de Ensino e Pesquisa em Horticultura (Lehr- und Forschungsanstalt für
Gartenbau), em Berlim- Dahlem.

Fonte: Imagem retirada de Gröning, Gert e Wolschke-Bulmahn, Joachim (1997). Grüne


Biographien: Biographisches Handbuch zur Landschaftsarchitektur des 20. Jahrhunderts in
Deutschland. Berin: Patzer Verlag, p. 75.

Fonte: Fotografia retirada de Wimmer, C. Alexander (2004). Die Ausbildung der Hofgärtner. In:
Stiftung Preussische Schösser und Gärten Berlin-Brandenburg, ed. Hofgärtner in Brandenburg-
Preußen. Preußisch Grün. Leipzig: Henschel Verlag, p. 161.

254 Jardins na história – Vol. I


Figura 5 - Planta do Jardim Botânico de Berlim, Berlin-Dahlem, 1909.

Fonte: [Internet] disponível em


<https://de.wikipedia.org/wiki/Botanischer_Garten_und_Botanisches_Museum_ Berlin-
Dahlem#/media/File:1909_Botanischer_Garten_Plan.jpg>.

Após a transferência da Escola para Berlim-Dahlem, houve a


intenção de a transformar em um instituto de ensino superior, mas os esforços
do então diretor Theodor Echtermeyer falharam.
Entretanto, em 1910, a Escola teve uma nova designação – Escola
Superior de Jardinagem (Höhere Gärtnerlehranstalt) e, em 1923, voltou a
mudar o seu nome para Instituto de Ensino e Pesquisa em Horticultura (Lehr-
und Forschungsanstalt für Gartenbau). Em 1929, uma parte da Escola foi
anexada ao Instituto Superior Agrícola de Berlim (KÜHN, 2003).

AJardins na história – Vol. I 255


4.2 O Projeto de Jardins na Prússia no século XIX

Nos estados prussianos, a prática da arte dos jardins ao longo do


século XIX esteve profundamente ligada à Escola Real de Formação de
Jardineiros. Neste ponto, procuraremos conhecer como é que os jardins
paisagista e pitoresco se manifestaram, em particular na Prússia, mas também
conhecer a sua relação com a Escola Real de Formação de Jardineiros.
O Parque Wörlitz (Gartenreich Dessau-Woerlitz) (Figura 6) é um dos
exemplos mais notáveis da ‘nova arte’ (GOTHEIN, 1979) e que inspirou a
criação de muitos jardins ao longo do século XIX, incluindo os Parques e Jardins
Reais de Potsdam, como veremos mais à frente. Localizado no principado de
Anhalt-Dessau, delimitado pelos rios Elbe e Mulde foi construído ao longo de
50 anos pelo Príncipe Franz de Anhalt-Dessau (1740-1817).
Durante décadas, o Parque Wörlitz foi considerado um
exemplo pioneiro em todo o estado prussiano, exercendo uma grande
influência nos jardins da nobreza da Prússia. Mas a sua importância
ganhou forte expressão com Friedrich Wilhelm IV (1795-1861), quando,
em 1840, já como rei da Prússia, ordena que Lenné remodele a
paisagem de Potsdam do seguinte modo: “The Duke of Dessau has
made a garden of his entire land (...) my lands are too large for that. But,
out of the surroundings of Berlin and Potsdam I could, little by little,
make a garden (...) make me a plan.” (TRAUZETTEL, 2007, p. 41).
Um outro exemplo notável que seguiu os princípios deste
novo estilo iniciado em Wörlitz é o Englische Garten, criado por
Friedrich Ludwig von Sckell (1750-1823), em Munique. Este grande
parque público em Munique foi concebido em 1789, no novo estilo
paisagista, com lagos de configuração naturalizada onde foram
introduzidas plantas essencialmente da região e organizadas em
maciços, também estes como uma configuração naturalizada.

256 Jardins na história – Vol. I


Figura 6 - Parque Wörlitz (Gartenreich Dessau- Woerlitz). Localizado entre os rios Mulde e Elbe,
no estado federal alemão Sachsen-Anhalt, esta paisagem cultural criada na segunda metade do
século XVIII faz parte, desde novembro de 2000, do Património Mundial da UNESCO

Fonte: Imagem retirada de Die Glasgemälde im Gotischen Haus zu Wörlitz; Ruoss/Giesicke;


Deutscher Verlag für Kunstwissenschaft Berlin 2012, Vorsatz. [Internet]. Disponível em
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Woerlitz_Plan_des_Gartenreiches_ Dessau.jpeg>.

Fonte: TRAUZETTEL (2007, p.42).

AJardins na história – Vol. I 257


Influenciado por Wörlitz e pelas viagens que fez a Inglaterra, o
Príncipe Hermann Ludwig Heinrich von Pückler-Muskau (1785-1871) é um
nome assinalável na história de arte dos jardins da Prússia do século XIX.
Pückler-Muskau foi um estudioso do modelo de base naturalista, considerado
como um dos paisagistas que gozou de maior reputação no século XIX.
Influenciou fortemente o desenho dos jardins através de um conjunto de
projetos que desenvolveu e também dos textos que publicou. É reconhecido,
sobretudo, por dois parques que criou – Muskau (1811-1845) e Branitz (1846-
1871) – e pela publicação ‘Notas sobre Jardinagem Paisagista’ (Andeutungen
über Landschaftsgärtnerei, verbunden mit der Beschreibung ihrer praktischen
Anwendung in Muskau). Nesta obra, Pückler lançou os princípios e ideias para
o projeto de paisagem na sua época.
Outra figura pioneira na afirmação do jardim paisagista na Prússia
foi Peter Joseph Lenné, um dos mais importantes jardineiros paisagistas
prussianos do século XIX. Durante quase meio século criou numerosos jardins,
parques e praças nas cidades de Potsdam e Berlim e desenhou a paisagem do
rio Havel, entre estas duas cidades, de acordo com os princípios da ‘Land
Embellishment’ (Landesverschönerung), que combina em grandes
propriedades, o útil (agricultura) com o belo (jardinagem paisagista)
(GRÖNING, 2002).
Após a viagem que fez a Inglaterra, em 1824, tornou-se um adepto
convicto do estilo que se difundiu pela Europa, o jardim paisagista.
Os jardins de Lenné estão muito alinhados com o estilo de Humphry
Repton e com os princípios do gardenesque, defendido por John Claudius
Loudon (1783-1843) (HANEY, 2010). Estas tipologias, de base naturalista,
surgem da vontade de imitar a natureza no jardim e são representadas por
caminhos sinuosos, assim desenhados para fomentar a contemplação do
jardim, onde artisticamente se dispõem grupos de plantas exóticas e
exuberantes, bordaduras mistas e elementos construídos (HANEY, 2010). A
conceção de base paisagista guiava a organização dos grandes parques
públicos e dos parques das grandes propriedades privadas, como é o caso do
Parque Sanssouci (Figura 7), no qual, as zonas em redor dos palácios eram
cedidas para os jardins floristas, formando um estilo misto que viria a ser

258 Jardins na história – Vol. I


designado na Alemanha de ‘estilo Lenné-Meyer’ por ter sido desenvolvido
intensamente por Lenné e Gustav Meyer94, o seu aluno mais próximo, e que
influenciou a arte dos jardins durante grande parte do século XIX na Prússia.
Muitos autores consideram que o verdadeiro espírito do jardim
paisagista na Alemanha morreu com Peter Joseph Lenné, em 1886. Contudo,
deixou muitos seguidores que continuaram o seu legado. É o caso dos antigos
alunos da Escola Real de Formação de Jardineiros que ocuparam o cargo de
diretor dos Parques e Jardins Públicos de Berlim, desde 1870, quando a Câmara
Municipal de Berlim criou uma direção para a elaboração, construção e gestão
dos parques e jardins públicos da cidade.

Figura 7 - Plano a remodelação do Parque Sanssouci, da autoria de Peter Joseph Lenné, 1816.

Fonte: Stiftung Preußische Schlösser und Gärten Berlin-Brandenburg (SPSG), p.3674.

Depois dos jardineiros paisagistas seguidores de Lenné e Meyer, nas


últimas décadas do século XIX vieram os reformadores, como Hermann
Mächtig (1837-1909) e Fritz Encke (1861-1931). Estes pretendiam afastar-se do
‘estilo Lenné-Meyer’ continuamente repetido, e também da imagem do
jardineiro paisagista que então vigorava (KÜHN, 2003). Já nos anos que

94 Gustav Meyer, pode-se dizer que foi o continuador mais evidente do trabalho de Lenné. Nas
funções de primeiro diretor do serviço de Parques e Jardins Públicos de Berlim, Meyer foi
encarregado de elaborar projetos para parques e jardins em Berlim.

AJardins na história – Vol. I 259


antecederam a 2.ª Guerra Mundial, a Escola Real de Formação de Jardineiros
foi um importante centro de difusão da nova ideologia hortícola desenvolvida
no início do século XX por Willy Lange (1864-1941), então docente desta Escola,
que teve expressão no chamado ‘Jardim Natural’ (Naturgarten). Este estilo de
jardim foi defendido por Lange na sua obra ‘O jardim dos tempos modernos’
(Gartengestaltung der Neuzeit), publicada em 1907. Lange aplicou estas ideias
à conceção de jardins e também ao ensino, tendo introduzido novos temas de
estudo na Escola, como a paisagem, a ciência natural e a fisiologia vegetal
(WOLSCHKE-BULMAHN, 1992).

4.3 Uma Nova Identidade Profissional

A resolução de novos problemas que surgiram com o crescimento


das cidades que passaram a integrar atividades industriais, como sucedeu em
Berlim, não cabia no campo de ação da arte dos jardins, como se praticava até
ao momento. A necessidade de uma abordagem ativa e criativa para a
resolução de problemas como, entre outros, a expansão urbana para áreas
rurais e o planeamento de novos bairros urbanos, assim como a conservação
do património e das paisagens naturais, exigia uma nova visão progressista
(GRÖNING, 2014).
Se a identidade da nova profissão, a Arquitetura Paisagista, que se
tentava afirmar na Europa, surgiu “[...] sem ruido, encarada de início por todos
os sectores que dela se aperceberam apenas como uma jardinagem mais
evoluída, destinada a não ultrapassar os limites dos parques e jardins”
(PESSOA, 2012, p. 48) mais tarde, na modernidade do século XX, viria a
consolidar-se global e afirmativamente (ANDRESEN, 2003).
A Arquitetctura Paisagista europeia nos primeiros sessenta anos do
século passado sustentou-se muito numa rede internacional de
indivíduos que de forma solitária nos seus países como que
encabeçavam um novo conjunto de reflexões, princípios e ideias sobre
a tremenda evolução da relação da sociedade com a natureza”
(ANDRESEN, 2003a, p. 123).

260 Jardins na história – Vol. I


Foram diversos os debates sobre a designação da nova profissão, já
claramente afastada da ‘jardinagem paisagista’ que dominou quase todo o
século XIX. Mas não ficou, de imediato, clara a definição do seu campo de
trabalho, assim como a designação desta nova atividade.
Dümpelmann (2014) refere as diferentes designações usadas na
Alemanha no século XIX pelos profissionais ligados à arte da Jardinagem95. A
diversidade de designações, deve-se, na sua opinião, à rápida expansão deste
campo de atividade, que se encontrava, em grande parte, não regulamentado.
Na Alemanha, a designação Jardineiro Paisagista (Landschaftsgärtner) era
considerada limitada por se aplicar apenas aos profissionais que se dedicavam
a um tipo particular de jardim, o jardim paisagista, pelo que outros preferiam
um termo, que consideravam mais abrangente, o de ‘Artista de Jardim’, tendo
mesmo sido constituída, em 1887, uma organização profissional denominada
Associação Alemã de Artistas de Jardins (Verein deutscher Gartenkünstler)
(DÜMPELMANN, 2014).
Contudo, na viragem para o século XX, ‘Arquiteto de Jardim’
(Garten-Architekten) tornou-se a designação mais usada na Alemanha, o que
se deve a uma crítica generalizada ao chamado ‘estilo Lenné-Meyer’ (Lenné-
Meyersche Schule) que vigorou durante grande parte do século XIX
(DÜMPELMANN, 2014).
O debate em torno da designação profissional denuncia o desejo de
muitos de alcançar uma identidade singular e distinta, que não se confundisse
com nenhuma das categorias profissionais e artísticas existentes (WALDHEIM,
2013). Na Alemanha, conforme o mesmo autor, a questão sobre se deveria ser
preferida a designação de ‘Arquiteto de Jardim’ ou a de ‘Arquiteto Paisagista’
surge, fundamentalmente, no final da década de 1920 embora o debate,
noutros países, se tivesse iniciado anteriormente.
É conhecido o papel de Frederick Law Olmsted (1822-1903) na
discussão sobre a designação ‘Arquitetura Paisagista’ que, no seu

95Algumas das designações identificadas são: Artista de Jardim (Gartenkünstler), Diretor de Jardim
(Gartendirektor), Técnico de Jardim (Gartentechniker), Jardineiro Real (Hofgärtner), Jardineiro da
Cidade (Stadtgärtner) (Dümpelmann, 2014) e também Jardineiro de Arte (Kunstgärtner) e Designer
de Jardim (Gartengestalter) (Wolschke-Bulmahn, 1992).

AJardins na história – Vol. I 261


entendimento, era a que melhor transmitia a ideia de uma profissão e, em
concreto, de uma profissão de projeto, preferindo afastar o termo ‘Gardener’
que poderia ficar restringido àquele que providenciava serviços, como o
carpinteiro ou pedreiro (WALDHEIM, 2013). Contudo, não há evidência de que
Olmsted tenha considerado o termo ‘Landscape Architecture’ como
representativo de uma identidade profissional antes da viagem de estudo que
fez aos parques europeus na segunda metade do século XIX.
A escolha da designação de ‘Arquitetura Paisagista’ consolidou-se
como definitiva a nível internacional com a fundação da International
Federation of Landscape Architects (IFLA) em 1948, depois de muitos debates
e discussões que apontaram diversas terminologias e ideias que revelam a
complexidade do tema e da ação profissional.

4.5 O Ensino de Arquitetura Paisagista no Instituto Superior Agrícola de


Berlim

Após a pesquisa sobre a jardinagem do século XIX em Potsdam e


Berlim e sobre o período de mudança que ocorreu na transição do século XIX
para o século XX, inaugurando um novo modo de pensar e conceber jardins em
confronto com o jardim paisagista, debruçar-nos-emos na formação e a prática
da Arquitetura Paisagista em Berlim na década de 1930. Este período inicia-se
com a criação do ensino universitário de Arquitetura Paisagista no Instituto
Superior Agrícola de Berlim, em 1929, e estende-se aos anos em que Francisco
Caldeira Cabral frequentou esta instituição de ensino universitário no período
1936-1939.
Na Alemanha, a criação do ensino superior em Arquitetura
Paisagista há muito que era solicitado por Erwin Barth (1880-1933) (Figura 8),
Carl Kempkes (1881-1964) e outros. As tentativas iniciais de criar um curso de
Arte dos Jardins na Universidade Técnica de Dresden em 1921 não tiveram
sucesso. No entanto, nesse mesmo ano, o centro educativo do Museu de Arts
and Crafts de Berlim, criou um curso de pós-graduação sobre projeto de jardins
que passou a ser lecionado a partir de 1924 na Escola de Arts and Crafts de

262 Jardins na história – Vol. I


Charlottenburg, em Berlim, cujo enfoque principal era o projeto de jardim na
perspetiva do arquiteto. Também em 1921, Erwin Barth foi contratado pelo
Departamento de Arquitetura da Universidade Técnica de Berlim-
Charlottenburg como palestrante (LAND, 2005). Aqui proferiu palestras sobre
a arte dos jardins e organizou visitas de estudo, abertas aos alunos do Instituto
de Ensino e Pesquisa de Dahlem, a antiga Escola Real de Formação de
Jardineiros.
Contudo, só mais tarde, em 1929, e a partir de uma escola agrícola,
o Instituto Superior Agrícola de Berlim (Landwirtschaftliche Hochschule), e não
uma escola de artes, é que viria a ser constituído o curso de Arquitetura
Paisagista. Este curso teve origem em duas áreas científicas aqui introduzidas
nesse ano: a horticultura ornamental (Gartenbaus) e o projeto de jardins
(Gartengestaltung) (LAND, 2005). Estes novos campos de estudo neste
instituto formaram o Departamento de Horticultura, cuja gestão ficou a cargo
de Erwin Barth, então diretor dos Parques e Jardins Públicos de Berlim, e Erich
Maurer (1884-1981), então diretor dos Viveiros Späth. As aulas funcionavam
nas instalações da antiga Escola Real de Formação de Jardineiros, em Berlim-
Dahlem (então já com a nova designação de Instituto de Ensino e Pesquisa de
Dahlem), situação provisória que seria resolvida assim que fosse
financeiramente possível (LAND, 2005).

AJardins na história – Vol. I 263


Figura 9 - Heinrich Friedrich
Figura 8 - Erwin Barth (1880-1933). Wiepking-Jürgensmann (1891-1973).

Fonte: Technische Universität Berlin, Fonte: Fotografia retirada de Andresen


Architekturmuseum. Disponível em (2003, p. 27).
<https:// architekturmuseum.ub.tu-
berlin.de/index.php?set=1&p=79&Dat
en=120826#dcId=
1555238587409&p=2>.

Barth ocupou o cargo de diretor do curso até 1933, quando faleceu.


Willy Lange foi um dos nomes apontados para o substituir, mas a opinião
dominante foi que Heinrich Friedrich Wiepking-Jürgensmann (1891-1973)
(Figura 9) era o homem certo (KÜHN, 2003). Wiepking é um dos nomes que
desde cedo, ao lado de Barth, participou nos debates sobre o ensino
universitário de Arquitetura Paisagista. Assumiu o cargo de professor em 1933,
tornando-se responsável pelo ensino da Arquitetura Paisagista em Berlim até
1945, quando se mudou para Hanover.
O curso de Arquitetura Paisagista era composto por 3 anos e os
requisitos para a admissão da sua frequência eram o certificado de conclusão
do ensino numa escola secundária e a atividade comprovada de dois anos num
estabelecimento de horticultura (LAND, 2005). Este requisito torna evidente a
forte ligação entre a horticultura e a jardinagem defendida por Barth desde o
início.

264 Jardins na história – Vol. I


Após a frequência dos três anos e a conclusão com êxito nos exames
escritos, no exame oral e na tese final, era obtido o diploma (Diplom-Gärten)
(LAND, 2005, p. 440).

4.6 A Prática da Arquitetura Paisagista na ‘Grande Berlim’

Na Alemanha, o crescimento urbano e a industrialização fizeram-se


sentir desde meados do seculo XIX tendo Berlim sofrido uma grande
transformação durante a República de Weimar (1919-1933). Bairros operários
e áreas industriais unem-se aos aglomerados suburbanos, como
Charlottenburg. Berlim funde-se com 7 cidades vizinhas e cerca de 12
pequenas comunas para, em 1920, formar a ‘Grande Berlim’, uma verdadeira
área metropolitana. Nesta altura, Berlim duplica a sua população e aproxima-
se dos 4 milhões de habitantes. O território de Berlim vai estender-se até
Potsdam e irão surgir projetos na cidade a essa escala. Deixa de haver uma
escala urbana, mas sim uma escala cosmopolita.
Até esta altura, Berlim encontrava-se entre as capitais europeias
com uma reduzida área de espaços verdes por habitante (JACKISCH, 2014). Mas
com a ‘Grande Berlim’, esta porcentagem aumentou significativamente, com a
integração dos jardins, parques e áreas florestais que pertenciam às cidades
vizinhas. Todas estas mudanças tiveram repercussões no âmbito do
planeamento urbano e da gestão dos espaços verdes da cidade, inaugurando
uma nova era com inovadoras áreas de trabalho. São exemplos a nova
estratégia de planeamento para os espaços verdes de Martin Wagner (1885-
1957), diretor da divisão de Planeamento de Berlim de 1926 a 1933 (Figura 10);
o Plano de Espaços Verdes para Berlim realizado em 1937, da autoria de Kurt
Hentzen (1906-1960); e a integração paisagística das autoestradas, de Alwin
Seifert (1890-1972) (Figura 11). Referimos, ainda, o projeto realizado para o
Schillerpark, que rompeu com o paradigma de construção de jardins vigente
desde o século XIX e também a ação de profissionais na área da horticultura
ornamental.

AJardins na história – Vol. I 265


Figura 10 - Estratégia de planeamento para os espaços verdes de Berlim, Martin Wagner.

Fonte: [Internet] Disponível em https://www.berlin.de/sen/uvk/en/nature-and-


green/landscape-planning/the-history-of-open-space-development/

266 Jardins na história – Vol. I


Figura 11 - Integração Paisagística das autoestradas, Alwin Seifert

Fonte: Fotografia retirada do livro Zeller, Thomas (2007). The Landscape of the German
Autobahn, 1930-1970, sem data, p. 138.

A divisão de Planeamento da Câmara Municipal de Berlim


reconheceu a importância do espaço verde como uma ferramenta para a
resolução dos problemas urbanos de uma cidade em rápido crescimento
(BORSI, 2015). Martin Wagner, que estudou arquitetura e planeamento urbano
na Universidade Técnica de Berlim, foi contratado pela Câmara Municipal de
Berlim, em 1914, para assumir as funções de diretor da divisão de Planeamento
daquela cidade, de 1926 a 1933, tendo então inaugurado o que se pode chamar
o ‘planeamento paisagístico moderno alemão’ (JACKISCH, 2014). Neste cargo,
defendeu uma nova visão das funções dos espaços verdes no planeamento
urbano, considerando que a “[...] expansion and promotion of accessible green
space constituted the next big challenge for those interested in improving
urban living.” (JACKISCH, 2014, p. 307).

AJardins na história – Vol. I 267


Esta visão de planeamento marcou os anos da República de Weimar
e constituiu um passo importante na formulação da política de espaços verdes
de Berlim. Depois de 1933, os grandiosos planos da época do 3.º Reich para
reformulação de Berlim, tomaram direções diferentes. Em 1937, Albert Speer
(1905-1981) foi nomeado Inspetor Geral de Construção de Berlim (Generalbau
Inspektor). Neste cargo, foi responsável pela elaboração de um plano para a
cidade que compreendia, “[...] among other things, two huge east-west and
north-south boulevard axes, a range of massive new state buildings, a
tremendous domed arena, and an arched gate that would dwarf Paris’s Arc de
Triomphe.” (JACKISCH, 2014, p. 319).
Na sequência deste plano, segundo o mesmo autor, foi criado um
novo e abrangente plano para os espaços verdes de Berlim, elaborado por Kurt
Hentzen (1906-1960) em 1937, o ‘Plano de Espaços Verdes para Berlim’. A
proposta contemplou a criação de corredores verdes radiais
(Radialgrünstreifen), criando um sistema verde coerente com funções
recreativas. Este plano foi fortemente influenciado pelo grande projeto do 3.º
Reich que visava a reconstrução de Berlim com grandes edifícios, amplas
alamedas e a renovação do sistema de transporte.
Também a integração de autoestradas constituiu uma matéria
inovadora e de sucesso. Alwin Seifert, arquiteto de formação e com trabalho
desenvolvido em projeto de jardins inaugurou um novo campo de trabalho
para os arquitetos paisagistas que passaram a ser designados por ‘defensores
da paisagem’ (Landschaftsanwalte). Na década de 1930, foi nomeado
conselheiro para a integração paisagística das autoestradas, uma área de
intervenção nova, para a qual procurou a colaboração de outros arquitetos
paisagistas (ANDRESEN, 2003), como Gustav Allinger, Hermann Mattern e
Wilhelm Hübotter.
Este plano grandioso trouxe uma maior complexidade à atividade
dos arquitetos paisagistas, representando um grande desafio para a profissão
que, progressivamente, ganhava novas áreas de trabalho.
Também ao nível das tendências conceituais e artísticas na forma de
projetar jardins, outro exemplo que rompeu com o paradigma vigente na
divisão dos Parques e Jardins Públicos de Berlim foi o projeto realizado para o

268 Jardins na história – Vol. I


Schillerpark (Figura 12), projetado por Friedrich Bauer (1872-1937) entre 1909
e 1913. Caracteriza-se por uma abordagem moderna e funcional, em ruptura
com o jardim paisagista. Localizado num bairro densamente povoado no lado
norte da cidade de Berlim, foi nos primeiros anos do século XX, que se iniciou
a sua construção. Este parque representa um ponto de viragem no desenho e
abordagem funcional dos parques públicos de Berlim, reclamada pelos
movimentos de reforma da viragem do século que rejeitaram os ‘espaços
verdes decorativos’, a favor dos ‘espaços verdes sanitários e sociais’
(HENNECKE, 2011). O processo de criação do parque foi complexo e demorado.
Desde a primeira discussão pública em 1898, quando membros do Conselho
Municipal de Berlim propuseram a criação de um parque a norte da cidade, até
à sua conclusão em 1913, foi acompanhado por intensos debates sobre a
reforma dos modelos para os projetos de espaços verdes da cidade
(HENNECKE, 2011).

Figura 12 - Schillerpark, Friedrich Bauer.

Fonte: [Internet] Disponível em


https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Wedding_Schillerpark_1910.jpg

AJardins na história – Vol. I 269


Outro aspeto que contribuiu para a caracterização da prática da
Arquitetura Paisagista na ‘Grande Berlim’ é a ação de profissionais na área da
horticultura ornamental. Grande parte dos alunos formados na Escola Real de
Formação de Jardineiros iniciou a sua vida profissional em estabelecimentos
hortícolas da região. A primeira grande empresa localizada nos arredores de
Berlim, por onde passaram muitos arquitetos paisagistas, foi criada por Karl
Foerster (1874-1970).
Ainda com a influência de Karl Foerster, formou-se um outro grupo
de profissionais em Bornimer, perto do viveiro de Foerster, e que ficou
conhecido como ‘O Círculo de Bornimer’ (Der Bornimer Kreis) (Figura 13).
Tratava-se de um grupo de projetistas que trabalhou em estreita colaboração
com Foerster, especialmente nos anos 1920 e 1930. Criaram um espaço de
reflexão e debate que desenvolveu um conceito para a conceção de jardins que
estava próximo das origens do Modernismo e do movimento inglês Arts and
Crafts (TAYLOR, 1996). Elementos desse grupo foram o casal Hermann Mattern
e Herta Hammerbacher.
O Viveiro Späth foi outro grande viveiro de Berlim. Neste viveiro, um
dos maiores e mais bem organizados na Alemanha, trabalharam outros
reconhecidos arquitetos paisagistas, como Wilhelm Hübotter, Otto Valentien,
Herta Hammerbacher. Também foi aqui que Caldeira Cabral fez o seu estágio
de jardinagem.
Os estabelecimentos de horticultura tiveram um papel fundamental
no conhecimento das plantas e do seu cultivo e também no ensino e na prática
profissional de Arquitetura Paisagista.
Pelo descrito anteriormente, constata-se que, ao favorecer-se o
ensino do projeto na sua relação com a horticultura, é natural que os
estabelecimentos de horticultura tivessem alcançado tal prestígio. Recordemo-
nos que foi chamado para a escola, para a gestão do Departamento onde
funcionou o curso de Arquitetura Paisagista a par de Barth, o então diretor do
Viveiro Späth.

270 Jardins na história – Vol. I


Figura 13 - ‘O Círculo de Bornimer’ (Der Bornimer Kreis), fotografia de Marianne Foerster, no final
dos anos 1960.

Fonte. Fundação Karl Foerster (Karl-Foerster-Stiftung. Für Angewandte Vegetaionskunde).


[Internet] Disponível em < https://www.ulmer.de/Karl-Foerster/Der-Bornimer-Kreis/4130.html>.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No final deste estudo reunimos algumas considerações e reflexões


sobre as matérias que foram analisadas, à luz do objetivo que guiou a
elaboração deste documento.
Recordamos que o estudo aqui apresentado teve como base a tese
de doutoramento sobre a influência alemã da Arquitetura Paisagista em
Portugal e suportou-se no testemunho de Francisco Caldeira Cabral dos anos
passados em Berlim na década de 1930, enquanto estudante de Arquitetura
Paisagista.
Em primeiro lugar, propomos recordar os traços mais significativos
da longa história da Escola Real de Formação de Jardineiros, para melhor
compreender a influência decisiva que esta teve na criação do curso de

AJardins na história – Vol. I 271


Arquitetura Paisagista em Berlim e na prática profissional nos anos 1930
naquela cidade.
Os dados obtidos sobre a sua origem e funcionamento
surpreenderam-nos verdadeiramente, designadamente no que diz respeito à
forte carga ideológica que esteve na base da sua fundação. Esta Escola, criada
em 1823, constituiu uma das medidas do Estado prussiano para solucionar o
efeito económico e social devastador marcado pelas guerras napoleónicas do
início do século XIX. Também foi marcante por ter inaugurado o ensino oficial
de horticultura e da prática de jardinagem na Prússia no século XIX, com um
programa de estudos inovador. Consistia, essencialmente, na articulação do
caráter científico, artístico e prático da formação, e também na forte ligação
com o exercício e concepção de parques e jardins, uma vez que eram os
próprios professores e mentores, como Lenné, que, em paralelo com o ensino,
dedicaram-se à concepção e criação de parques e jardins, tanto para a
residência de verão da família real da Prússia, em Potsdam, como para os
Volksparks de Berlim.
Podemos concluir que a formação em Arquitetura Paisagista, na
cidade de Berlim dos anos 1930, teve um amplo conhecimento nas ciências
agronômicas, na horticultura a na formação artística, em simultâneo com uma
forte proximidade com a prática da jardinagem e produção de plantas. Este
aspecto é evidente nos exemplos da atividade profissional referidos neste
estudo que privilegiavam a ligação da horticultura com o jardim e os processos
naturais.

272 Jardins na história – Vol. I


6 BIBLIOGRAFIA

ANDRESEN, T. Francisco Caldeira Cabral. United Kingdom: Reigate/ LDT Monographs, 2001.

ANDRESEN, T. et al. Três décadas da Arquitectura Paisagista em Portugal (1940-1970). In:


ANDRESEN, T. (org.). Do Estádio Nacional ao Jardim da Gulbenkian. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2003. p. 18-97.

ANDRESEN, T. A Pedreira da Tijocal. In: TELLES, G.R. A Utopia e os Pés na Terras. Lisboa: Instituto
Português de Museus, 2003a. p. 123-126.

ANTUNES, A. C. A Influência Alemã na génese da Arquitetura Paisagista em Portugal. Porto,


2019. Tese de Doutoramento – Faculdade de Ciência da Universidade do Porto, 2019.

BIRLI, B. From Professional Training to Academic Discipline - The Role of International


Cooperation in the Development of Landscape Architecture at Higher Education Institutions in
Europe. Viena, 2011. Tese de Doutoramento - Faculdade de Arquitetura e Ordenamento do
Território, Universidade de Viena.

BORSI, K. Drawing the region: Hermann Jansen's vision of Greater Berlin. Journal of Architecture,
20 (1). 1910, pp. 47-72.

BRÜSCH, B. Provisions Made for Prosperity and Affluence: Karl Sigmund Franz Freiherr von Stein
zum Altenstein and the Establishment of the Gärtnerlehranstalt in Prussia. Centaurus 2007, an
International Journal of the History of Science and its Cultural Aspects, v. 49, 2007, p. 15–55.

DÜMPELMANN, S. What’s in a word: on the politics of language in landscape architecture.


Studies in the History of Gardens & Designed Landscapes, 34:3, 2014, p. 207- 225

ECKARDT, T. 150 Jahre Botanisches Museum Berlin (1815-1965) (150 Years Botanical Museum at
Berlin (1815-1965). Willdenowia, 4(2), Dec. 1, 1966, p. 151-182.

FERNANDES, J. M. Percurso de um Mestre – Uma homenagem ao «pai» dos arquitectos


paisagistas portugueses. Jornal Expresso, Revista, 18 de Outubro de 2003, 2003, p.11.

GOTHEIN, M. L. History of Garden Art. Nova York: Hacker Art Books, 1979.

GRÖNING, G. Teutonic Myth, Ruble, and Recovery: Landscape Architecture in Germany. In:
TREIB, Marc (ed.). The Architecture of Landscape 1940-1960. Philadelphia: University of
Pennsylvania Press, 2002. p. 120-153.

GRÖNING, G. e HENNECKE, S. Urban Greening – Macro-Scale Landscaping. Horticulture: Plants


for People and Places, Volume 2, Environmental Horticulture. United Kingdom: Springer, 2014.

AJardins na história – Vol. I 273


HANEY, D. H. When Modern was green, life and work of landscape architect. London:
Routledge, 2010.

HENNECKE, S. German Ideologies of City and Nature, The Creation and Reception of Schiller Park
in Berlin. In: BRANTZ, D.; DUEMPELMANN, S. (ed.). Greening the City: Urban Landscapes in the
Twentieth Century. Virginia: University Virginia Press. 2011. p. 75-94.

JACKISCH, B. A. The Nature of Berlin: Green Space and Visions of a New German Capital, 1900-45.
Central European History, 47(2) June, 2014, p. 307- 333.

KÜHN, N. 100 Jahre Königliche Gärtnerlehranstalt in Berlin-Dahlem. Stadt+Grün, 12/2003, 2003,


p. 27-34.

LAND, D. et al. Heimat, Natur und Weltstadt – Leben und Werk des Gartenarchitekten Erwin
Barth. Berlin: Koehler & Amelang, 2005.

PESSOA, F. S. Gonçalo Ribeiro Telles. O homem que espreita pelas frestas da mata e do bosque.
Tabu, suplemento do Jornal Sol, 299, 25 de maio de 2012.

TAYLOR, M. The Bornim Circle. Landscape Design, June, 1996.

TELLES, G. R. O Ensino de Arquitectura Paisagista - Francisco Caldeira Cabral. Revista Agros,


outubro, 1995.

TRAUZETTEL, L. The influence of Anhalt-Dessau on Prussian garden culture. Prussian Gardens in


Europe – 300 Years of Garden History. Potsdam: Siftung Preußische Schlösser und Gärten Berlin-
Brandenburg, 2007. p. 40-45.

WALDHEIM, C. Landscape as Architecture. Harvard Design Magazine, 36, 2013. Disponível em:
<http://www.harvarddesignmagazine.org/issues/36 >Acesso em: 20 de fev. de 2018.

WOLSCHKE-BULMAHN, J. The ‘Wild Garden’ and the ‘Nature Garden’ - aspects of the garden
ideology of William Robinson and Willy Lange. Journal of Garden History, 12(3), 1992, p. 183-
206.

274 Jardins na história – Vol. I


Fontes não publicadas:

CABRAL, F. C. 1.º Relatório para o IAC, de dezembro de 1936 a março de 1937, 6 de março 1937.

CABRAL, F. C. 2.º Relatório para o IAC, março a maio de 1937, 30 de maio de 1937.

CABRAL, F. C. 3.º Relatório para o IAC, junho a agosto de 1937, 4 de setembro de 1937.

CABRAL, F. C. 4.º Relatório para o IAC, setembro a novembro de 1937.

AGRADECIMENTOS
A autora agradece à professora Teresa Marques pela partilha do seu vasto saber e pela
rigorosa orientação científica na elaboração da tese de doutoramento. À professora
Teresa Andresen pelos sábios e experientes ensinamentos e pela generosidade em
ceder e partilhar informação sobre os anos que Caldeira Cabral esteve em Berlim e o
Curso Livre de Arquitetura Paisagista que este criou em Portugal, o que permitiu o
acesso a fontes primárias. A ambas agradeço o entusiasmo na partilha da visão sobre a
gênese da Arquitetura Paisagista em Portugal.

AUTORA
Licenciou-se em Arquitetura Paisagista e, em 2019, concluiu o doutoramento em
Arquitetura Paisagista e Ecologia Urbana pela Universidade do Porto com a tese
intitulada ‘A influência alemã na génese da Arquitectura Paisagista em Portugal’. No
período de 2017 a 2020 lecionou no ensino superior como assistente convidado no
Mestrado em Arquitetura Paisagista da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
e foi membro do conselho de administração da AJH - Associação Portuguesa de Jardins
Históricos. Desde 2019, trabalha na área de consultoria de arquitetura paisagista,
participando no Master Plan para o Campus da Universidade de Aveiro, entre outros.

AJardins na história – Vol. I 275

Você também pode gostar