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MARIA STELLA COLEÇÃO Planejamento Urbano e Regional

Prof. Flávio Vilaça


PRIMEIRAS
A série “Primeiras Au-
las”, cujo sentido ini-
cial visava comemorar os
BRESCIANI AULAS História do Urbano: Temporalidades,
Escalas e Pontos de Vistas Contras-
tantes
40 anos da Unesp, objeti- Profª. Maria Stella Bresciani
vou reavivar a “aula” - uma História Urbana: Repensar Histórias
antiga prática acadêmica-, HISTÓRIA DO URBANO: Cruzadas - Experiências de Pesquisa
como “atividade cívica”, em Arquitetura e Urbanismo
diante do “novo papel” TEMPORALIDADES, Profª. Heliana Angotti-Salgueiro

M ESCALAS E

PRIMEIRAS AULAS MARIA STELLA BRESCIANI


aria Stella Bresciani é Historiadora e
Doutora pela USP em História Social.
que a universidade pública História da Arquitetura: Século XX -
deveria assumir, em espe-
PONTOS DE VISTA
Pós-doutoramentos pelo Centre Natio- Três Cortes: Procedimentos/Cadeia
nal de la Recherche Scientifique (1995, 2003) e cial no tocante à questão Produtiva/Significado
pela École des Hautes Etudes en Sciences So- Profª. Sophia Telles
pedagógica e às tecnolo-
ciales (2003). Professora fundadora dos cursos
de graduação e pós-graduação de História da
UNICAMP, integrou um importante grupo de dis-
gias que influenciam os CONTRASTANTES Para entender a Crise Urbana no Proje-
cussão da historiografia brasileira tendo sido novos modos de apren- to da Cidade Contemporânea
precursora da história do movimento social, das der, comunicar, pensar e Profª. Ermínia Maricato
mulheres e da cidade no Brasil. Representante
de área entre os consultores responsáveis pela
também de se relacionar
’Guerra dos Lugares’ e o Projeto da
avaliação dos cursos de pós-graduação e pela com a sociedade, frente à Cidade Contemporânea
análise dos pedidos de concessão de bolsas de crescente propagação do
estudo (com mandato de três anos) do CAPES/ Profª. Raquel Rolnik
MEC (História), e integrou a comissão que ava- chamado "analfabetismo
liou o funcionamento do curso de pós-gradua- funcional". Para tal, foram O papel do patrimônio arquitetônico no
ção em História na Universidade de São Paulo. projeto da cidade contemporânea
Atualmente é professora emérita da Universida- convidados grandes mes- Profª. Beatriz Kuhl
de Estadual de Campinas, onde lecionava Histó- tres que enriqueceram, e
ria Moderna e História Contemporânea e presi-
dente do Centro Interdisciplinar de Estudos da
continuam enriquecendo História do Urbanismo: Teorias e
Cidade CIEC. É autora de obras como ”Les Mots direta ou indiretamente, a Histórias
de la Ville”; Assédio Moral: Desafios Políticos, Prof. Carlos Roberto M. de Andrade
construção de um itinerá-
Considerações Sociais, Incertezas Jurídicas; O
Charme da Ciência e a Sedução da Objetivida- rio de pesquisa no âmbito A Formulação das Políticas Públicas
de: Oliveira Vianna Entre Intérpretes Do Brasil; da Faculdade de Arquitetu- no Projeto da Cidade Contemporânea
Memória e (Res)sentimento: indagações sobre Prof. Fernando de Mello Franco
uma questão sensível; Razão e Paixão na Polí- ra, Artes e Comunicação -
tica; Literatura e Cultura no Brasil: Identidades FAAC, Unesp – Bauru. Pensamento Crítico na Arquitetura e
e Fronteiras; Palavras Da Cidade; ”Imagens da
Cidade, ANPUH-Marco Zero”; ”Londres e Paris Urbanismo - I
no século XIX: o espetáculo da pobreza. Brasi- Adalberto da Silva Retto Jr. Prof. Luiz Recaman
liense” e texto introdutório do livro de Michelle Coordenador geral da Série
Perrot, “Os excluídos da história: Operários, Pensamento Crítico na Arquitetura e
mulheres, prisioneiros”. Urbanismo - II
Prof. Leandro Medrano

A Questão Habitacional no Projeto


da Cidade Contemporânea: Revisão
Histórica e Desafios Contemporânea
Prof. Nabil Bonduki
COLEÇÃO
PRIMEIRAS
AULAS
MARIA STELLA

BRESCIANI
HISTÓRIA DO URBANO:
TEMPORALIDADES,
ESCALAS E
PONTOS DE VISTA
CONTRASTANTES

Bauru - SP
2019
CONSELHO EDITORIAL
R439p Retto Júnior, Adalberto da Silva; Bresciani, Maria Stella. Prof. Dr. Adeir Archanjo da Mota - UFGD
História do urbanismo: temporalidade, escalas e pontos de vistas Profª. Drª. Alba Regina Azevedo Arana - UNOESTE
contrastantes [recurso eletrônico] / Coordenador Adalberto da Silva Retto Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva
Júnior. 1 ed. – Bauru: ANAP, 2019.
Prof. Dr. Alexandre França Tetto - UFPR
117 p; il.
Prof. Dr. Alexandre Sylvio Vieira da Costa - UFVJM
Prof. Dr. Alfredo Zenen Dominguez González - UNEMAT
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ISBN: 978-85-68242-97-1 Profª. Drª. Aline Werneck Barbosa de Carvalho - UFV
1. Cidade 2. História 3. Temporalidade Prof. Dr. Alyson Bueno Francisco - CEETEPS
Profª. Drª. Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão - UFPA
I . Título.
Profª. Drª. Ana Lúcia de Jesus Almeida - UNESP
Profª. Drª. Ana Lúcia Reis Melo Fernandes da Costa - IFAC
CDD: 710 Profª. Drª. Ana Paula Branco do Nascimento – UNINOVE
CDU: 710/49
Profª. Drª. Ana Paula Fracalanza – USP
Profª. Drª. Ana Paula Novais Pires
Profª. Drª. Ana Paula Santos de Melo Fiori - IFAL
Índice para catálogo sistemático Prof. Dr. André de Souza Silva - UNISINOS
Brasil: Arquitetura Profª. Drª. Andrea Aparecida Zacharias – UNESP
Profª. Drª. Andrea Holz Pfutzenreuter - UFSC
Prof. Dr. Antonio Fábio Sabbá Guimarães Vieira - UFAM
Prof. Dr. Antonio Marcos dos Santos - UPE
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Profª. Drª. Diana da Cruz Fagundes Bueno - UNITAU
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Profª. Drª. Eneida de Almeida - USJT
Prof. Dr. Erich Kellner - UFSCar
Prof. Dr. Eros Salinas Chàvez - UFMS /Aquidauana Post doctorado
Profª. Drª. Fátima Aparecida da SIlva Iocca - UNEMAT
Prof. Dr. Felippe Pessoa de Melo - Centro Universitário AGES
Prof. Dr. Fernanda Silva Graciani - UFGD
Prof. Dr. Fernando Sérgio Okimoto - UNESP
Profª. Drª. Flávia Akemi Ikuta - UMS
Profª. Drª. Flávia Maria de Moura Santos - UFMT Profª. Drª. Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira - UFMT
Profª. Drª. Flávia Rebelo Mochel - UFMA Profª. Drª. Martha Priscila Bezerra Pereira - UFCG
Prof. Dr. Flavio Rodrigues do Nascimento - UFC Prof. Dr. Maurício Lamano Ferreira - UNINOVE
Prof. Dr. Francisco Marques Cardozo Júnior - UESPI Prof. Dr. Miguel Ernesto González Castañeda - Universidad de Guadalajara - México
Prof. Dr. Frederico Braida Rodrigues de Paula - UFJF Profª. Drª. Natacha Cíntia Regina Aleixo - UEA
Prof. Dr. Frederico Canuto - UFMG Profª. Drª. Natália Cristina Alves
Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai - UFSCar Prof. Dr. Natalino Perovano Filho - UESB
Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira - UEMS Prof. Dr. Nilton Ricoy Torres - FAU/USP
Profa. Dra. Gelze Serrat de Souza Campos Rodrigues - UFU Profª. Drª. Olivia de Campos Maia Pereira - EESC - USP
Prof. Dr. Generoso De Angelis Neto - UEM Profª. Drª. Onilda Gomes Bezerra - UFPE
Prof. Dr. Geraldino Carneiro de Araújo - UFMS Prof. Dr. Oscar Buitrago - Universidad Del Valle - Cali, Colombia
Profª. Drª. Gianna Melo Barbirato - UFAL Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA
Prof. Dr. Glauco de Paula Cocozza - UFU Prof. Dr. Paulo Augusto Romera e Silva – DAEE - SP
Profª. Drª. sabel Crisitna Moroz Caccia Gouveia - FCT/UNESP Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha - FCT/UNESP
Profª. Drª. Jakeline Aparecida Semechechem - UENP Prof. Dr. Paulo Cesar Vieira Archanjo
Prof. Dr. João Cândido André da Silva Neto - UEA Profª. Drª. Priscila Varges da Silva - UFMS
Prof. Dr. João Carlos Nucci - UFPR Profª. Drª. Regina Célia de Castro Fereira - UEMA
Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra - UFFS Prof. Dr. Renan Antônio da Silva - UNESP - IBRC
Prof. Dr. João Roberto Gomes de Faria - FAAC/UNESP Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino - UNICAMP
Prof. Dr. José Aparecido dos Santos - FAI Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara - UFSCar
Prof. Dr. José Manuel Mateo Rodriguez – Universidade de Havana – Cuba Profª. Drª. Risete Maria Queiroz Leao Braga - UFPA
Prof. Dr. José Queiroz de Miranda Neto – UFPA Prof. Dr. Rodrigo Barchi - UNISO
Prof. Dr. José Seguinot - Universidad de Puerto Rico Prof. Dr. Rodrigo Cezar Criado - TOLEDO Prudente Centro Universitário
Prof. Dr. Josep Muntañola Thornberg - UPC -Barcelona, Espanha Prof. Dr. Rodrigo Gonçalves dos Santos - UFSC
Prof. Dr. Josinês Barbosa Rabelo - UFPE Prof. Dr. Rodrigo José Pisani - UNIFAL-MG
Profª. Drª. Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia - UFPB Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho - UFGD
Profª. Drª. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro - FEA Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araujo - UFMA
Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia - UFPR Profª. Drª. Roselene Maria Schneider - UFMT
Profª. Drª. Karin Schwabe Meneguetti - UEM Prof. Dr. Salvador Carpi Junior - UNICAMP
Prof. Dr. Leandro Gaffo - UFSB Profª. Drª. Sandra Mara Alves da Silva Neves - UNEMAT
Profª. Drª. Leda Correia Pedro Miyazaki - UFU Prof. Dr. Sérgio Augusto Mello da Silva - FEIS/UNESP
Profª. Drª. Leonice Seolin Dias - ANAP Prof. Dr. Sergio Luis de Carvalho - FEIS/UNES
Profª. Drª. Lidia Maria de Almeida Plicas - IBILCE/UNESP Profª. Drª. Sílvia Carla da Silva André - UFSCar
Profª. Drª. Lisiane Ilha Librelotto - UFS Profª. Drª. Silvia Mikami G. Pina - Unicamp
Profª. Drª. Luciana Ferreira Leal - FACCAT Profª. Drª. Simone Valaski - UFPR
Profª. Drª. Luciana Márcia Gonçalves - UFSCar Profª. Drª. Sueli Angelo Furlan - USP
Prof. Dr. Marcelo Campos - FCE/UNESP Profª. Drª. Tânia Paula da Silva - UNEMAT
Prof. Dr. Marcelo Real Prado - UTFPR Profª. Drª. Vera Lucia Freitas Marinho – UEMS
Profª. Drª. Marcia Eliane Silva Carvalho - UFS Prof. Dr. Vilmar Alves Pereira - FURG
Profª. Drª. Márcia Eliane Silva Carvalho - UFS Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto - FCAE/UNESP
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes - EQUOIA Engenharia Ambiental LTDA Prof. Dr. Xisto Serafim de Santana de Souza Júnior - UFCG
Profª. Drª. Margareth de Castro Afeche Pimenta - UFSC Profª. Drª. Yanayne Benetti Barbosa
Profª. Drª. Maria Ângela Dias - UFRJ
Profª. Drª. Maria Ângela Pereira de Castro e Silva Bortolucci - IAU
Profª. Drª. Maria Augusta Justi Pisani - UPM
Profª. Drª. María Gloria Fabregat Rodríguez - UNESP
Profª. Drª. Maria Helena Pereira Mirante – UNOESTE
Profª. Drª. Maria José Neto - UFMS
Profª. Drª. Maristela Gonçalves Giassi - UNESC
\\3

APRESENTAÇÃO

SUMÁRIO
Primeiras Aulas: entre prática cívica e
escolhas ética, estética e política

Parceria Equipe da TV Unesp


GRUPO SITU/DAUP/FAAC/ TV Unesp Produção
Licínia Iossi
Coordenação da série Mayra Ferreira
Prof. Adalberto da Silva Retto Jr
Unesp - Bauru Imagens
Alexsandro Belote
Equipe Organizadora Antônio Garcia
Prof. Dr. Adalberto da Silva Retto Jr Eduardo Marques
Unesp - Bauru Vanderlei D’lucca

Prof. Dr. Luiz Claudio Bitencourt Iluminação


Unesp – Bauru e Eduvale André Bazan
José Siqueira
Profa. Dra. Lilian Nakashima
Edição
USC
Cláudia Paixão
APRESENTAÇÃO
11
Comissão Científica Leandro Fontes
Adalberto da Silva RETTO JR Licínia Iossi
DAUP - Unesp, Bauru Mayra Ferreira
Mônica Ishikawa
Prof. Dr. Luiz Cláudio BITENCOURT Renan Maia Bolaño
DAUP - Unesp, Bauru Octávio Nascimento Neto
INTRODUÇÃO
Prof. Dr. Marcelo Carbone CARNEIRO
CHU - Unesp, Bauru
Videografismo
Vinicius Tavares
33
Prof. Dr. Guido ZUCCONI
IUAV di Venezia Equipe de apoio do Grupo S.I.T.U.
AULA
Prof. Dr. Marco DE MICHELIS
IUAV di Venezia
Arqta. Fabiana Eid Crespilho
Thiago Tomassine
39
Arquitetura e Urbanismo USC
Projeto Gráfico
Érica P. das Neves Matheus Drummond Weffort
Arquitetura e Urbanismo Unesp - Bauru
DEBATE
85

SÍNTESE
BIBLIOGRÁFICA
114
ASSOCIAÇÃO AMIGOS DA NATUREZA DA ALTA PAULISTA
Ao prof. Dr. Marcelo Carbone Carneiro, Di-
retor da FAAC, pois ao dar suporte à realização do
projeto Primeiras Aulas, ele permitiu a exploração
de interrelações na FAAC, a vocação extensionista
da Unesp e a integração com as práticas pedagó-
gicas e de pesquisa, à luz das novas formas de co-
municação digital e socialização.
APRESENTAÇÃO
Primeiras
Aulas: entre
prática cívica
e escolhas
ética, estética
e política

A série “Primeiras Aulas”, cujo sentido inicial


visava comemorar os 40 anos da Unesp, objetivou
reavivar a “aula” - uma antiga prática acadêmica-,
como “atividade cívica”, diante do “novo papel” que
a universidade pública deveria assumir, em especial
no tocante à questão pedagógica e às tecnologias
que influenciam os novos modos de aprender, co-
municar, pensar e também de se relacionar com a
sociedade, frente à crescente propagação do chamado
“analfabetismo funcional”. Para tal, foram convida-
dos grandes mestres que enriqueceram, e continuam
enriquecendo direta ou indiretamente, a construção
de um itinerário de pesquisa no âmbito da Faculda-
de de Arquitetura, Artes e Comunicação - FAAC,
Unesp – Bauru.
A escolha do titulo da série é uma homena-
gem póstuma ao professor italiano Bernardo Secchi e
deriva do livro “Prima Lezione di Urbanistica”1, tradu-
zido para o português, após sua vinda ao Brasil como
consultor durante a elaboração do Plano Diretor

1 SECCHI, Bernardo. Primeira lição de urbanismo. Tradução de Marisa Barda e Pedro M. R. Sales. São
Paulo, Perspectiva, 2007, p. 11.

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Participativo do Município de Agudos2. O convite mente ligada ao ambiente em que vivemos,
para resenhar o livro de Bernardo Secchi e a atitude ao ambiente construído, ou seja, ao ambien-
te urbano.
crítica com relação à escolha da palavra “lição”, por O tema da disponibilização de estilos de
parte do autor e dos tradutores, para compor o título vida distintos incita a refletir sobre as velhas
do livro levaram-me a montar um quadro analítico categorias de tipologia e morfologia. Trata-
no intuito de, por um lado, embasar a reflexão sobre -se de ver como diferentes tipos de espaços
habitáveis podem ser compostos em função
a importância de uma “prima lezione” que poderia de aspectos morfológicos totalmente distin-
minimizar o chamado “analfabetismo urbanístico”, tos daqueles aos quais costumávamos pensar
termo apropriadamente cunhado pela profa. Ermí- numa época em que não tínhamos a sorte que
representam a liberdade, a individualidade e
nia Maricato e constatado na prática durante a ela- a gestão do próprio cotidiano para o indiví-
boração e as revisões de planos diretores de cidades duo de hoje. Esse ponto, precisamente, tor-
de pequeno e médio porte do Centro-Oeste Paulista nou-se um importante tema de projeto, a ser
e, por outro, refletir sobre a atuação profissional do desenvolvido seja por exercícios nas escolas
de arquitetura, seja na vida profissional. Se, a
arquiteto e urbanista, além do papel político da pro- partir dessa perspectiva, olharmos as enormes
fissão. cidades difusas de Flandres ou da região do
Vêneto, imensas extensões urbanas espalha-
Sobre o papel político de nossa profissão, o das que misturam velhos centros históricos,
próprio homenageado nos propõe explorá-lo no pre- periferias e vastas áreas residenciais, somos le-
vados a formular opiniões distintas daquelas
fácio do livro “Matières de Ville: Projet Urbain et En- comumente defendidas.
seignement”, a partir de três palavras cuja história está
ligada à República Francesa: “Liberdade, Igualdade, O que significa “Igualdade”?
Fraternidade”3.
Recorrentemente, essa noção gera pro-
“O que quer dizer “Liberdade”? blema: como conceber uma cidade que seja
a representação de sociabilidades distintas?
Significa que a sociedade contemporâ- Como criar uma cidade em que não haja ne-
nea, com suas diferenças nacionais, étnicas nhuma segregação entre os diversos grupos
e culturais – que continuamos enfatizando, sociais? Uma cidade na qual se possa viver
senão exagerando – nos oferece a possibili- sem a marca do seu status social?
dade de escolher trajetórias e estilos de vida
diversos. Desde Roland Barthes e Henri Le- Essa questão é muito mais complexa que
febvre, as pesquisas nos mostraram como a a exploração da liberdade, pois aqui se aborda
liberdade, tanto individual quanto coletiva, o tema da mescla. Como acomodar juntos jo-
embora dependa de outros fatores é estrita- vens e pessoas mais velhas? Como organizar
a coabitação de costumes, origens étnicas ou
2 O Plano Diretor Participativo de Agudos PDPA, (2004-2006), denominado Laboratório Agudos, estilos de vida diferentes? E ainda, como mis-
foi desenvolvido pela equipe do grupo SITU (Grupo em Pesquisas Integradas Territoriais e Urbanas) e
Dottorato di Urbanistica do IUAV de Veneza, a partir de dois workshops durante a elaboração do plano. turar as diversas atividades?
3 SECCHI, B. “La Recherche et le Projet Urbain” In.: TSIOMIS, Y.(org.) “Matières de Ville: Projet
Urbain et Enseignement” (Éditions de la Villette/ Cité de l’architecture et du patrimoine, Paris, 2008).
Quando se explora esse tema em pro-

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fundidade, surge a percepção de que será -nos explorá-la com a necessária capacidade
preciso inventar exercícios pouco habituais, de invenção e imaginação, sem esquecer, con-
principalmente se se considera o fato de a so- tudo, que a atividade de projeto não se coloca
ciedade não ser estática. O que é compatível inicialmente como ação política ou na sua
hoje, talvez não o seja amanhã. A sociedade condição institucional, mas com um sentido
evolui depressa em um ambiente construído crítico, ou seja, de “ação na tensão”4.
que, ao contrário daquela, é dotado de tre-
menda inércia. O alargamento epistemológico, teórico e
Tal dualidade, inércia/rapidez (e seus conceitual do horizonte reflexivo permitiu descorti-
comportamentos múltiplos) constitui o nos-
so tema. Não se trata de um tema novo, mas nar diversos contextos em que uma “primeira aula”,
de uma nova declinação deste último, dentro de forma geral, se colocava como evento para além
da tradição do urbanismo europeu que busca de um plano de ensino. Nas universidades dos pa-
obter, por meio da urbanização, uma melhor íses de língua portuguesa utiliza-se aula magna com
repartição do bem-estar entre os grupos so-
ciais. O contrário pode ser verificado , por o mesmo caráter celebrativo das Leçons do College de
exemplo, no urbanismo dos Estados-Unidos. France, ou ainda, Lectio Magistralis, no contexto uni-
Quanto ao termo “Fraternidade” tra- versitário italiano, e MasterClass na língua inglesa.
duz, ao mesmo tempo, um projeto mais fácil Porém, a Prima Lezione di Urbanistica de Bernardo
e mais complicado. Trata-se mais uma vez de
reencontrar o gosto pelo compartilhamento Secchi, que está no conceito da própria coleção em
dos espaços. Não se pode mais aceitar e se que o livro está inserido e, que no meu ponto de
satisfazer com as categorias público/privado. vista, se afinava com o caráter a ser dado à série em
Tal distinção vale ainda na área da gestão, mas construção, objetivava rejeitar a extrema especializa-
não mais no âmbito da concepção. É preciso
pensar no compartilhamento dos espaços, co- ção da disciplina. Ao permitir uma abordagem plural
meçando pela parte interna da própria casa; é de pontos de vista, possibilita que o fenômeno ur-
preciso refletir novamente sobre as “idiorrit- bano seja explorado com complexidade, sem perder
mias” dos sujeitos, individuais e coletivos, em
suas práticas cotidianas; é preciso renovar a a importância e a fecundidade de uma abordagem
reflexão sobre a dimensão corporal da cidade. genuinamente interdisciplinar.
Quando, no doutorado, foi dado como obje-
to de pesquisa o tema “Como viver juntos”, Nas suas palavras, na contracapa da edição
um questionamento oriundo de Roland Bar- italiana:
thes, descobriu-se um universo inesperado
através de estudos, pesquisas e exercícios de Per urbanistica intendo non tanto un in-
projeto. sieme di opere, di progetti, di teorie o di norme
E complementa: unificate da un tema, da un linguaggio e da un’or-
ganizzazione discorsiva, tanto meno intendo un
Embora um tanto envelhecidas em apa-
settore d’insegnamento, bensì le tracce di un vasto
rência, as palavras “liberdade”, “igualdade” e
insieme di pratiche: quelle del continuo e consape-
“fraternidade” são, na realidade, a fronteira
que a sociedade de hoje nos propõe. Cabe- 4 A tradução das citações: Luc Matheron.

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vole modificare lo stato del territorio e della città 1968: As Barricadas do Desejo” (Tudo é História,
(SECCHI, 2000)5. 1989).
O viés formativo que se buscava, para calibrar Porém, a opção deliberada pela palavra Aula
o conceito do evento proposto, aparece no contexto em vez de Lição remeteu-me ao argumento apresen-
brasileiro de forma significativa em duas coleções de tado durante a discussão acalorada com o próprio
livros de bolso lançadas e editadas pela Editora Brasi- Secchi, em uma consulta sobre o título da edição em
liense, a partir do final da década de 1970: a Coleção português do seu livro: o “juízo de valor” que a pala-
“Primeiros Passos” e a Coleção “Tudo é História”. vra possui na língua portuguesa. Na ocasião, minha
justificativa apoiou-se em dois pontos:
Analisando cuidadosamente os títulos pro-
postos, percebe-se que a questão urbana emerge de 1. A tradução da conferência de posse e aber-
forma relevante. Nesse sentido, a primeira lista de tura do novo curso de semiologia literária
possíveis convidados foi, pretensiosamente, pensada no College de France, proferida por Ro-
como atualização desses títulos. Do elenco inicial, land Barthes e denominada Leçon, em 7 de
janeiro de 1977, explicitada pelo próprio
dois nomes viriam representar essa linha aproxima- Secchi para explicar seu percurso narrativo
tiva: Maria Stella Martins Bresciani, professora da e traduzida por Leyla Perrone-Moisés com
Unicamp: “Londres e Paris no século XIX: O espe- o título de “aula”;
táculo da pobreza” (Tudo é História, n. 52, 1982), e
Raquel Rolnik, da USP: “O que é Cidade” (Primei- 2. A utilização da palavra lição pelo arquiteto
ros Passos, 1988). franco-suíço Le Corbusier, ao escrever, no
início dos anos vinte, sobre as cidades de
Outros convites aventados pela proximidade Roma e Veneza. No livro Vers une archi-
temática, infelizmente, não se concretizaram: Car- tecture de 1923, no capítulo “A lição de
los A. C. Lemos: “O Que é Arquitetura (Primeiros Roma”:
Passos, 1980) e “O Que é Patrimônio Histórico” Roma é uma paisagem pitoresca. Lá a luz
(Primeiros Passos, 1982); A. J. Gonçalves Jr., Aurélio é tão bela que ratifica tudo. Roma é um bazar
Sant’anna, Frederico Carstens, Rossano Fleith: “O onde se vende de tudo. Todos os utensílios da
Que é Urbanismo”(Primeiros Passos, 1991); Vavy vida de um pouco lá ficaram, o brinquedo da
infância, as armas dos guerreiros, os restos dos
Pacheco Borges: “O Que é História” (Primeiros altares, as bacias dos Borgia e os penachos dos
Passos, 1980); Marilena Chauí: “O que é ideologia” aventureiros. Em Roma o Feio é legião.
(Primeiros Passos, 1980), Olgária C. F. Matos:”Paris
Roma é um pitoresco bazar ao ar livre.
Há de todos os horrores e o mau gosto da
5 “Por Urbanismo entendo não tanto um conjunto de obras, projetos, teorias ou regras unificadas por
um tema, por uma linguagem e por uma organização discursiva, muito menos entendo o termo como
Renascença romana. Esta Renascença, nós a
um campo de ensino, mas os traços de um vasto conjunto de práticas: aquelas do contínuo e consciente julgamos com nosso gosto moderno que dela
modificar o estado do território e da cidade”.

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nos separa por quatro grandes séculos de es- ídas de um sentido moralizador. Como observado
forços, o XVII, o XVIII, o XIX, o XX. no título definitivo da edição brasileira – Primeira
Dispomos do benefício desse esforço, Lição de Urbanismo, o argumento apresentado não
julgamos duramente, mas com uma clarivi- se sustentou.
dência motivada. Falta à Roma entorpecida
após Michelangelo esses quatro séculos. Re- Duas outras “aulas” ganharam particular in-
pondo o pé em Paris, retomamos consciência teresse: a aula inaugural intitulada “O Desenho”,
da escala. A lição de Roma é para os sábios,
aqueles que sabem e podem apreciar, aque- em 1967 na FAU-USP, em que professor engenhei-
les que podem resistir, que podem controlar. ro-arquiteto João Batista Vilanova Artigas defende o
Roma é a perdiçao daqueles que não sabem projeto como atitude de resistência à opressão; e a
muito. Colocar em Roma estudantes de ar-
quitetura é mutilá-los por toda vida. O Gran-
aula do mesmo arquiteto, por ocasião de seu retor-
de Prêmio de Roma e a Villa Médici são o no à FAU-USP após período no exílio, no concurso
câncer da arquitetura francesa. para professor titular, cujas arguições foram publica-
das sob o título de “A Função Social do Arquiteto”7.
Em contraposição La Leçon de Venise , como Dizia ele:
denomina Stanislaus Von Moos, a cidade lagunar
é descrita como modelo de nova hierarquia urbana Entretanto, é preciso falar sobre a função
social do arquiteto sob o ângulo específico da
moderna: arquitetura moderna. Sob o ângulo daquela
arquitetura vivida no Brasil, sem ficar no pla-
(...) cette ville qui, à cause de son plan d’eau,
no genérico de uma arquitetura universal que
représente l’outillage le plus formel, la fonction la
tenha finalidade social – que não é o caso de
plus exacte, la vérité la plus indiscutable – cette
nosso enfrentamento, da problemática que
ville qui, dans une unité unique au monde, en
me foi dada, pelo menos de meu ponto de
1934 encore (à cause du plan d’eau) est l’image en-
vista.
tière, intégrale des actes hiérarchisés d’une société
(LE CORBUSIER, 1937)6.
A arquitetura moderna originou-se [e
isso quem diz com certa clareza é um crítico
Nos seus relatos, as duas cidades emergem que todos conhecemos chamado Manfredo
respectivamente como anti-exemplo e exemplo de Tafuri (Cacciari, M., Dal Co, F., De la Van-
Urbanismo. É claro que não se trata de uma lição guarda a la Metropoli, 1972)] das esperanças
de transformação social do mundo frente à
sobre técnica de planejamento, pois não explica a Revolução Russa. A verdade é que a Revolu-
cultura do plano ou o processo de sua formação; não ção Bolchevique, como diz o próprio Tafuri,
aborda a questão da análise nem a concepção do pla- ofereceu ao mundo dos anos 20 a perspecti-
va de um mundo novo (ARTIGAS, J.B.V.
no; não revela os mistérios da disciplina. Mas como 1989, p.13).
verdadeiras “lições” de planejamento urbano imbu-
7 ARTIGAS, Vilanova. A função social do arquiteto. São Paulo: Nobel-Fundação Vilanova Artigas,
6 LE CORBUSIER, Quand les cathédrales étaient blanches, Paris, 1937, p. 8. 1989. Esse conjunto de arguições foi posteriormente incorporado em: ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da
arquitetura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

18 19
Neste ponto, o nexo fundamental explicita- diferentes dinâmicas da sociedade contemporânea,
do no subtítulo desta introdução encontra sua me- seja do ponto de vista local, seja a partir das deman-
lhor adequação e permitiu o fechamento conceitual das sociais de um mundo globalizado.
da proposta em construção. Essas primeiras aulas
A partir da tentativa de explorar interrelações
funcionariam, portanto, como resposta ao cenário
na FAAC e a vocação extensionista da Unesp, bem
político que, paulatinamente, estava sendo trama-
como sua integração com as práticas pedagógicas e
do. E assim, rediscutiriam um conjunto de crenças
de pesquisa à luz das novas formas de comunicação
que o mundo acadêmico compartilha, como as da
digital e socialização, e seu impacto nas dimensões
Extensão Universitária e da Pesquisa Aplicada, sem
privada e pública, que se conseguiu o apoio da vi-
abrir mão de sua diversidade doutrinária: a liberdade
ce-diretoria da Faculdade de Arquitetura e Artes da
na prática do ensino e da pesquisa. Poderiam ain-
Unesp-Bauru, na figura do professor Marcelo Car-
da explorar o vigor criativo apresentando-se como
bone. Esse apoio abriu a possibilidade de:
proposta de renovação baseada no desenvolvimento
de temas recentes, os quais poderiam ser pensados • Estabelecer uma parceria com a TV Unesp,
como possibilidade de transformar e evitar a rigidez que se deu em dois momentos: com a Di-
das grades das disciplinas e do enclausuramento da retora Dra. Ana Silvia Lopes Davi Médo-
própria universidade pública. la, para a criação da série específica sobre
a questão urbana; e com o Diretor Dr.
No cenário atual, a “aula como atividade cí- Francisco Machado Filho, para edição e fi-
vica”, que se apoia na ideia de Civic University, termo nalização da mesma. O formato do progra-
cunhado pela primeira vez por Boyer E.L. (1996, ma, o logotipo e o cenário da série foram
p.11-20) no texto The Scholarship of Engagement8, po- pensados de forma a valorizar não só o am-
deria redefinir contornos do pensamento absorvendo biente da universidade – daí a opção pelo
grande auditório no fundo do logotipo –,
os temas emergentes para repensar a Unesp em seus mas também a expressão da fala fortemente
40 anos: primeiramente, para romper com o isola- ritualizada, característica das grandes aulas;
mento geopolítico dos diversos campi, resultado de esse formato seria reafirmado a partir da
um projeto político a ser superado e, em segundo lu- concepção de um cenário formado somen-
gar, para diluir o caráter indissociável entre pesquisa, te por elementos essenciais: um púlpito e
ensino e extensão, fornecendo estratégias para atuar um banco;
de forma articulada e sempre a partir do contexto e • Atingir outras universidades da cidade e da
das necessidades locais. O repensar desses três pilares região, o que levou ao alargamento do es-
da Universidade – ensino, pesquisa e extensão –, a copo do projeto e da equipe organizadora
partir de uma lógica horizontal, poderia congregrar que passou a contar ainda com Dra. Lilian
8 BOYER, E.L. The Scholarship of Engagement. Journal of Public Service Outreach, v.1(1), 1996. Nakashima, professora da Universidade
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Sagrado Coração, egressa do Curso de Ar- -reitora de graduação presente na primeira edição,
quitetura da Unesp de Bauru, e Dr. Luiz professora Gladis Massini-Cagliari, deveriam ser re-
Cláudio Bitencourt, pertencente ao quadro petidos pelas outras unidades, revelou na sua inteire-
de professores da Unesp – Bauru. Na oca- za a atuação plural dos nossos ex-alunos. Entretanto,
sião, Bitencourt assumira a coordenação do a interdisciplinaridade contida no cerne do projeto
curso de Arquitetura e Urbanismo da Edu-
vale em Avaré e, no início de sua gestão, pedagógico de nossa Faculdade de Artes, Arquitetu-
implementou a série Primeiras Aulas. ra e Comunicação é, na realidade, um projeto a ser
construído e consubstanciado. A estrutura atual, to-
Apesar da discussão sobre a possibilidade de talmente anacrônica e que prima pela excessiva frag-
a série ser interiorizada como projeto departamental, mentação dos cursos vinculados a departamentos iso-
ideia cara à chefia do Departamento de Arquitetura lados, poderia ser repensada através de um plano que
da Unesp-Bauru, professoras Silvana Alves e Marta explore complementariedades e tangências à luz da
Enokibara na ocasião da proposta, optou-se por ini- sua natureza ambígua, em função de sua dupla filia-
ciá-la com dois módulos: História e a Construção do ção: às ciências sociais aplicadas e à dimensão artística.
Projeto da Cidade Contemporânea à luz das políti-
cas públicas. Isso se deu pelo fato de se observar um Diante da incapacidade de conter as fron-
grande número de egressos da FAAC-Unesp-Bauru teiras disciplinares tradicionais de arquitetura e do
atuando em vários campos, consubstanciando de urbanismo, a cidade tornou-se o tema focal da série,
forma consistente o perfil de um profissional que a partir da qual poderiam vir à tona diferentes tema-
aplica suas habilidades em distintos setores: nas artes tizações do fenômeno urbano. O convite enviado aos
(teatro, música, literatura, cenografia), na arquitetu- professores para compor a série Primeiras Aulas suge-
ra, no urbanismo, no paisagismo, no design e na co- ria alguns títulos que destacavam a especialidade de
municação, na publicidade, na comunicação empre- cada pesquisador e solicitava a readequação do título
sarial, e nos diversos níveis da administração pública, inserindo as palavras História ou Projeto da Cidade
inclusive no Ministério das Cidades. Contemporânea.
A importância dos dois eventos intitulados “Percurso Porém, a tentativa frustrada de estabelecer
dos Egressos”9, eventos esses que, nas palavras da pró- divisão entre os dois módulos – História e a Cons-
9 Percurso dos Egressos: Tema 01 - O Projeto da Cidade Contemporânea. Data: 17 de março de 2017:
Arquiteto e Urbanista Daniel Montandon - Prefeitura Municipal de São Paulo/Ministério das Cidades,
trução do Projeto da Cidade Contemporânea à luz
Arquiteto e Urbanista Marcelo Ignatios - Prefeitura Municipal de São Paulo, Arquiteto e Urbanista Felipe
Francisco de Souza - Banco Mundial, Arquiteto e Urbanista Elisa Pennings - Prefeitura Municipal de Ho-
das políticas públicas –, reafirma o que nos diz Alfre-
lambra, Arquiteto e Urbanista Alex Rosa - Prefeitura Municipal de Limeira, Arquiteta e Urbanista Andrea
Júlia - Prefeitura Municipal de Limeira, Arquiteto e Urbanista Rafael Ambrósio - Santos, Arquiteto e Urba- do Bosi em “O tempo e os tempos”: que o diálogo
nista João Felipe Lança - Prefeitura Municipal de Bauru; tema 02 - “Visões de Arquitetura e do Espaço na
Cidade Contemporânea” - Arquiteta e Urbanista Adriana Benguela, da equipe vencedora do 4º Prêmio de com o passado torna-o presente (BOSI, 1992, p.29),
Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel pelo projeto Moradas Infantis (Formoso do Araguaia, TO,
2015), Arquiteto e Urbanista Hugo Serra Alphaville Urbanismo e fez parte da equipe que ganhou Menção
Honrosa no Concurso Internacional para o Parque Olimpico - Rio 2016, Arquiteto e Urbanista Leandro
ou seja, “o pretérito passa a existir de novo”. Tal as-
Fontana, fez parte da equipe de paisagismo vencedora do 4º Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Oh-
take AkzoNobel pelo projeto Moradas Infantis (Formoso do Araguaia, TO, 2015), Arquiteto e Urbanista
sertiva pôde ser vislumbrada na “Primeira Aula de
Marcos Caracho, com obras significativas na cidade de Bauru e que participou da Casa Cor SP - 2017.

22 23
Planejamento Urbano e Regional” ministrada pelo -se como passo inevitável, tanto em termos de go-
professor Flávio Vilaça, o qual selou de forma magis- vernança de sustentabilidade quanto de adaptações
tral o sucesso da série tendo em mãos a Constituição às mudanças climáticas e de patrimônio artístico e
Federal e o Plano Diretor Participativo do Município ambiental.
de Bauru.
Contudo, mais do que os contextos urbanos e
A superlotação do auditório com presença territoriais, a força propulsora real do desenvolvimen-
de técnicos e profissionais da cidade e da região, nos to reside nas estratégias que as cidades e os territórios
obrigou a transferir as aulas do auditório do SESC colocam em jogo. Sob essa perspectiva, seguiram-se
Bauru para o auditório do campus da Unesp. Além as Primeiras Aulas dos professores: Ermínia Mari-
disso, a presença do professor Vilaça restabeleceu cato: “Para entender a Crise Urbana no Projeto da
um antigo elo afetivo e profissional com o autor des- Cidade Contemporânea”; Raquel Rolnik: “ ´Guerra
te texto: durante o período do meu doutoramento dos Lugares´ e o Projeto da Cidade Contemporâ-
na FAU-USP, os ex-orientandos do professor Villa- nea”; e Nabil Bonduki: “A Questão Habitacional no
ça convidavam seus orientados para participarem de Projeto da Cidade Contemporânea: Revisão Histó-
um grupo de estudos sobre Urbanismo e Planeja- rica e Desafios Contemporâneos”.
mento Urbano, grupo esse que, até hoje, acontece
O estudo e o repensar das estruturas urbanas
às terças-feiras. Nesse grupo tive oportunidade de
e territoriais tornam-se, assim, plataforma complexa
aprender e dialogar com grandes nomes do urbanis-
para definir a relação entre a pesquisa histórica e o
mo, do planejamento urbano e da área de políticas
uso atual das estruturas materiais herdadas do pas-
públicas, todos atuando ativamente nos cenários
sado. A construção das disciplinas História Urbana,
paulista e nacional.
História da Cidade, História e Teoria da Arquitetura
Conforme a série foi acontecendo, destacou- e do Urbanismo foi abordada nas Primeiras Aulas
-se a discussão sobre a metamorfose da cidade con- das professoras: Heliana Angotti-Salgueiro: “Histó-
temporânea que não poderia ser tratada somente a ria Urbana - Repensar Histórias Cruzadas - Experi-
partir dos problemas do ordenamento do território. ências de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo”; e
Apesar de os pesquisadores discorrerem sobre mé- Maria Stella Bresciani: “Historia do Urbano: Tem-
todos de investigação e sobre o estudo das fontes, poralidades, Escalas e Pontos de Vistas Contrastan-
ressaltaram principalmente que a fonte primária em tes”. Nas aulas ficou evidente que o urbano deve ser
discussão é a própria cidade no seu território. A cada estudado na estratificação complexa de seus diversos
“primeira aula”, um cenário mais amplo e complexo elementos constitutivos e deve ser analisado a partir
viria à tona, no qual o controle dos usos da terra e da estreita relação de reciprocidade entre ele e seu
o equilíbrio dos recursos naturais em jogo colocam- território circundante.

24 25
Da mesma forma, a História do Pensamen- e territorial, deixando sinais de uma paisagem que
to Crítico na Arquitetura foi o tema tratado na sua se deteriora e “consome” a identidade do território.
especificidade nas Primeiras Aulas dos professores: Principalmente, e quase paradoxalmente, isso se ve-
Sophia Telles: “História da Arquitetura: “Século rifica quando a área em abandono coloca-se no pro-
XX - Três Cortes: Procedimentos/Cadeia Produti- jeto da cidade contemporânea, como recurso para o
va/Significado”; Leandro Medrano e Luiz Recaman sistema econômico regional e pode, de fato, tornar-se
(FAU-USP): Pensamento Crítico na Arquitetura um espaço redesenhado para novas atividades pro-
e Urbanismo”, de acordo com o método de inves- dutivas em torno das quais o território pode apostar
tigação sob o ângulo de sua natureza formal, com em um futuro diferente. Vista a partir dessa perspec-
ferramentas adequadas, tipos de fontes e sua aplica- tiva proativa a área em desuso é, em certo sentido,
bilidade de acordo com a específicidade do território símbolo de transformação e regeneração do espaço
e estrutura urbana em análise. urbano incentivando o enxerto de outras atividades,
com maior conteúdo de inovação e qualidade de pro-
Hoje, como no passado, as cidades continu-
dução. Essa perspectiva pressupõe que, em torno do
am a ser objeto de considerável interesse tanto no
trabalho de recuperação da área desocupada, o terri-
nível teórico quanto em termos práticos. Se por um
tório repense seu próprio modelo de desenvolvimen-
lado, as teorias sobre a crise e o declínio das cidades
to, identificando potenciais e vocações para sustentar
crescem, por outro, testemunhamos cada vez mais
o crescimento com um adequado plano de ação.
processos importantes de reconstrução, reestrutura-
ção, redesenvolvimento, ou – para usar um termo Entre os elementos de crise no espaço público
que é muito comum hoje – regeneração do tecido está o uso instrumental do conceito de público para
urbano. A crescente literatura sobre a história e a te- apoiar programas políticos e projetos urbanos, de-
oria dessas práticas foi abordada na Primeira Aula do fender mudanças sociais e legitimar transformações
professor Carlos Roberto M. de Andrade: “História espaciais. Por isso, é necessário restituir o valor ético
do Urbanismo: Teorias e Histórias”. ao projeto do espaço público, no sentido de que todo
gesto e toda ação de desenho, em todas as escalas, de-
Do ponto de vista do patrimônio, o “aban-
vem ter consciência do papel que exercem no destino
donado” é emblema de uma desertificação produti-
pessoal e coletivo.
va que teve como resultado lacerações profundas no
tecido social e económico - basta pensar no impacto As Primeiras Aulas dos professores: Beatriz
que teve o encerramento do sistema ferroviário so- Kühl, “O papel do Patrimônio Arquitetônico no
bre o emprego e renda de determinadas famílias -, Projeto da Cidade Contemporânea”; e Fernando de
quando se analisa o pátio ferroviário de Bauru: ao Mello Franco, “A Formulação das Políticas Públicas
mesmo tempo, um processo de degradação urbana no Projeto da Cidade Contemporânea”, orbitaram

26 27
entre o campo de investigação histórica e a questão
da qualificação da cidade existente à luz das políticas
públicas.
Ao promover o conhecimento e o confronto
entre os indivíduos, as Primeiras Aulas são gestos que
estabelecem as bases para novas formas de convivên-
cia e reconstroem o vínculo, cada vez mais instável,
entre a academia, a realidade e sua representação. Isso
significa cuidar de um lugar que sempre foi e conti-
nuará sendo um recurso precioso capaz de sustentar
os processos evolutivos da cidade e de reconhecer o
próprio espaço como componente fundamental da
esfera pública, da vida urbana e, sobretudo, da vida
democrática da sociedade.

Adalberto da Silva Retto Júnior


Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
Campus Bauru

28 29
INTRODUÇÃO
Adalberto da
Silva Retto Jr.

Adalberto:
Boa noite. O tema da aula de hoje é Histó-
ria do Urbano: Temporalidades, Escalas e Pontos de
Vista Contrastantes, e nossa convidada é a Profª Ma-
ria Stella Bresciani. Algumas questões técnicas que a
equipe da televisão passa para que nós não tenhamos
problemas: Nós solicitamos que as pessoas desliguem
celulares, não façam fotos e que as perguntas, após
a apresentação da professora, sejam feitas aqui nesse
microfone. Eu gostaria de agradecer ao SESC por es-
tar cedendo espaço, à FAAC, e a diretoria da FAAC,
que com a vice-diretoria, está apoiando integral-
mente o evento, ao departamento de Arquitetura, à
professora Ana Silvia e equipe da TV, em nome da
Maíra, também. E agora toca-me ler o pequeno cur-
rículo da professora Maria Stella. Primeiro, eu queria
agradecer à Professora Maria Stella pela presença, a
generosidade estar aqui conosco. Na realidade, as
primeiras aulas, elas são... fazem parte dos 40 anos
da UNESP e nós optamos por chamar grandes mes-
tres, que foram importantes na nossa formação, que
nos ajudaram a empreender linhas de pesquisas e a

33
professora Maria Stella é uma dessas grandes mestres o que organizou, mas também tem (???), linguistas,
que apoiou integralmente a nossa consolidação, não enfim, são várias pessoas ligadas às áreas de histórias
só de grupo de pesquisa, como também de mestrado. de humanidades, principalmente, né? Mas a ideia é
basicamente essa de fazer um levantamento, na edi-
A professora Maria Stella é historiadora e
ção francesa eram 8 idiomas. 7 idiomas europeus e
Doutora pela USP em História Social. Pós-doutora-
anglo-saxões, porque você tem não só latinos, o por-
mento no Centro National de la recherche scientifique e
tuguês, italiano o espanhol, francês, mas também o
pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Pro-
Russo, o inglês, o alemão e o árabe porque também
fessora fundadora dos cursos de graduação e pós-gra-
tinha um professor de árabe. Então, são as oito lín-
duação de História da Unicamp. Integrou o impor-
guas, né? Que a edição original francesa contempla.
tante grupo de discussão da historiografia brasileira,
A edição menor brasileira é só espanhol e português.
tendo a linha Cultura e Cidade desde 1985, se deu
Nós fizemos a edição menor, a ‘Aventura das palavras
muito importante na formação de historiadores da
da cidade’, porque era impossível fazer a quantidade
cidade, sido precursora da História do Movimento
de trabalho que envolveu, era uma equipe enorme
Social das mulheres e da cidade no Brasil. Represen-
que organizou o Le monde de Ville em francês, não é?
tante de área entre os consultores responsáveis pela
Gente, vocês me desculpem, estou gripada, por isso
avaliação dos cursos de pós-graduação do CAPES-
vou tossir algumas vezes.
-MEC e integrou a comissão que avaliou o funcio-
namento do curso de pós-graduação em História da
Universidade de São Paulo. Atualmente é professora Adalberto:
emérita da Universidade Estadual de Campinas onde
lecionava História Moderna, História Contempo- O outro livro seria ‘Assédio Moral: desafios
rânea e presidente do Centro Interdisciplinar de políticos, considerações sociais e incertezas jurídicas’,
Estudos da Cidade, o CIEC. Algumas das obras da ‘O charme da ciência e a sedução da objetividade’,
professora Maria Stella que vale a pena ressaltar: Le ‘Oliveira Viana entre intérpretes do Brasil’, ‘Memó-
monde de Ville, que é uma organização sua, né, Stella? ria e ressentimento. Indagações sobre uma questão
A organização no Brasil é sua do Le monde de Ville, do sensível’, ‘Razão e Paixão na Política’, ‘Literatura e
projeto Le monde de Ville? cultura no Brasil. Identidades e fronteiras’, ‘Palavras
da cidade’, ‘Imagens da cidade’, ‘Londres e Paris no
século 19: o espetáculo da pobreza’, que foi o texto
Maria Stella: introdutório do livro de Michelle Perrot, ‘Os excluí-
dos da História’, ‘Operários, mulheres, prisioneiros’.
Ah, o Le monde de Ville, sim, é um projeto co-
Antes de passar a palavra para professora Maria Stella
letivo que foi organizado na na França por um gru-
que veio dar a primeira aula de História Urbana,
po de professores, o sociólogo Christian Topalov foi
34 35
“História do Urbano, escalas, temporalidades, pon-
tos de vistas” e eu anuncio as duas outras aulas que
serão em junho. Em junho, excepcionalmente, nós
teremos duas aulas, porque julho nós não iremos ter.
Seria a professora Raquel Rolnik no dia 15 de junho,
na UNESP, no Campus da UNESP, com a primeira
aula de Urbanismo que seria “Guerra dos lugares e
o projeto da cidade contemporânea” e dia de 29 de
Junho a Professora Sofia da Silva Teles, a primeira
aula de Arquitetura: “O século 23, três cortes: proce-
dimento, cadeia produtiva e significado. Obrigado,
mais uma vez, Stella e você, agora, o púlpito é todo
teu.

36 37
AULA
História do Urbano:
Temporalidades, Escalas e
Pontos de Vista Contrastantes

Bom, eu queria agradecer muito ao Adalber-


to, o convite, é um privilégio estar aqui com vocês.
Eu estava escutando agora as pessoas falarem nes-
sa apresentação do SESC, e uma das coisas que eu
queria trazer aqui no meu trabalho, né? No trabalho
que eu trouxe hoje (tirei o óculos porque com essa
luz aqui tá impossível ficar com ele, reflete de tudo
quanto é jeito). Mas a diferença da linguagem do
Historiador e do Arquiteto, é uma coisa para mim
muito clara e vocês vão ver essa diferença, se tiveram
aula com Vilaça, vão ter com a Raquel. A Sofia não
é historiadora, ela fez Filosofia, mas não é arquite-
ta. Fez filosofia, mas trabalhou com os arquitetos o
tempo todo, então ela tem uma linguagem muito
mais próxima de vocês do que a minha, mas eu acho
que tem uma diferença fundamental na linguagem,
que a linguagem do arquiteto é muito mais afirma-
tiva e propositiva, né? Porque, na verdade, se não for
afirmativa e propositiva não vai se fazer nada. En-
tão tudo que eles apresentaram aí parece que tudo
dá certo. Na arquitetura, tudo... não vou dizer que

39
seja fácil de ser feito, não é isso, mas é um viés de menos, eu acho com mais facilidade. O Urbanismo
muito afirmativo e muito propositivo. O historiador também é uma disciplina com contornos bastante
trabalha com dúvidas, trabalha levantando questões, definidos. Então é uma disciplina, existe debate, não
trabalha menos com imagens. Eu falei, bom, como é vou dizer que seja uma coisa simples, eu, mesmo es-
que eu vou, agora só praticamente falar (vou mostrar tudando urbanistas, eles discutem o quanto tem de
algumas imagens), mas é praticamente uma lingua- arte, o quanto tem ciência. Então não é alguma coisa
gem falada e escrita, que o historiador trabalha, né? tão fácil assim, mas é uma disciplina que tem as suas
Depois de uma apresentação tão viva de imagens, regras e tem seus contornos. E o urbano, o que seria?
rápidas, etc., que foi apresentada aqui. Bom a His- Nessa vida diferenciada do ambiente rural, será que
tória do Urbano foi o que eu propus, né? A ideia das dá para a gente dizer que é isso? Então é muito mais
escalas, das temporalidades, dos pontos de vistas. Eu uma indagação do que, realmente, uma certeza.
quero trabalhar com esses elementos, eu vou tentar
A relação do tempo é um tempo que não é
apresenta-los para vocês.
linear, é um tempo que não é cronológico, o tempo
do historiador. Se nós pegarmos, por exemplo, um
historiador como Braudel, que trabalhou... que fez...
participou Ecole des Annales, uma escola francesa, ele
vai trabalhar com uma temporalidade da longa dura-
ção, que é quase como uma temporalidade geológica,
mas que também pode ser de um século, dois sécu-
los, mas de uma longa duração. Uma temporalidade
cíclica, que é normalmente dos ciclos econômicos,
que vai de 50 anos a cem anos. Eu acho que pode
até ir mais. E a temporalidade os acontecimentos,
né? Que a história... que eles chamam de Histoire
événementielle, que é aquela história do política, pra-
A primeira coisa que eu queria apresentar ticamente, é daquilo que está acontecendo e que é
para vocês é que se tivesse me pedido para falar de mais superficial no sentido de que é uma outra tem-
História da Cidade era muito mais fácil para mim, poralidade. Então, são tempos diferentes. Se a gente
num primeiro momento. Porque cidade é uma coi- pegar, também, a história marxista, é muito parecida,
sa que é material, ela existe no tempo. Então é um também, em termos de diferença. Você tem, que é a
objeto fácil de você localizar. Não é fácil de fazer his- história com quem eu mais trabalhei durante todo o
tória na cidade, mas ela é um objeto definido, mate- meu período de formação, marcas de vídeo de uma
rialmente definido, e dá para se trabalhar com, pelo forma muito clara, as formações econômicas pré-ca-
40 41
pitalistas, que tem diferenciações muito definidas e a to urbanístico vai ter sua base no higienismo e na
história, depois, dentro do capitalismo com que ele Medicina, na Medicina social. Tanto que, vocês vêm
faz uma projeção, né? A gente pensar que ele estava que, no vocabulário do Urbanismo, existem muitos
fazendo essa projeção 1850/1860, que isso se torna- termos médicos: intervenção, o diagnóstico, patolo-
ria globalizante. Aquele fenômeno que ele está vendo gias urbanas, artérias da cidade. São termos tirados
na Inglaterra, vendo começar a acontecer na Alema- da Medicina ,e que vieram realmente da Medicina
nha e na França, aconteceria para o mundo inteiro, e dessa convivência dos médicos com os engenhei-
né? Então, é um pouco a concepção de tempo que o ros, no primeiro momento, em que os arquitetos
Marx trabalha. também e os urbanistas, num outro momento. Os
engenheiros com certeza, arquitetos, historiadores,
Tem outras concepções, se a gente pegar, por
cientistas sociais, eu vou apresentando, depois, um
exemplo, Focault, ele também vai trabalhar com o
pouco de cada um deles com um ponto de vista di-
tempo pré-disciplinar em que os corpos das pessoas
ferenciado, né? Então, o ponto de vista que eu vou
são adequados, ou não, a determinados ofícios e o
adotar, já disse para vocês, o que, de certa maneira,
tempo disciplinar em que, através da disciplina você
rompe com a continuidade. Eu vou trabalhar com o
pode mudar corpos. Esse também... a linhagem do
aumento da problematização da cidade, que se dá na
Focault foi alguma coisa com a qual trabalhei muito
primeira metade do século 19. A cidade pensada, eu
e eu acho extremamente importante para a Arqui-
pus isso tudo por escrito, porque eu estava com mui-
tetura e Urbanismo. Então, ela vai estar um pouco
to medo de perder a voz, né? Então, de certa maneira
permeando a minha fala e eu vou pontuar um pouco
isso daí me ajudaria se eu pudesse falar só algumas
isso.
coisas. A cidade pensada com distensões empíricas e
Em relação à escala, eu quero trabalhar com também conceituais, a formação do paradigma que
a escala da cidade, cidade/território, meio ambien- orienta o conhecimento e a vivência nas cidades con-
te, que pode ser o trabalho, a casa, a rua e o indi- temporâneas. São problemas técnicos e sociais. Vocês
víduo. Quer dizer, são escalas diferentes em que o vão ver que o cruzamento do problema técnico com
urbano, essa questão do urbano, essa vida urbana, o problema social dele, todos os outros vão se desdo-
vai se debruçar. E os pontos de vistas também é um brando, certo? Então, o que seriam esses problemas
campo conceitual pelo qual se observa e analisa o que que são a base da questão urbana? Essa concentra-
ocorre no espaço urbano. Então, você tem médicos, ção humana, tanto no trabalho, quanto na cidade,
engenheiros, arquitetos, historiadores, cientistas so- quanto nas moradias, a sujeira, as epidemias, as su-
ciais, cada um vai ver a cidade de um ponto de vista blevações efetivas, e também as imaginárias, porque,
diferente. Porque que eu pus médicos, né? Porque, também, nem todas realmente aconteceram.
basicamente, a história da formação do pensamen-
Bom, por que portas conceituais nos estudos
42 43
da cidade, do urbano? Na verdade, uma primeira aqui eram portas materiais, mesmo, que foram der-
vez que me convidaram na área de arquitetura para rubadas para construir Boulevard e as pessoas foram
conversar com os arquitetos, foi em 1990. Faz tem- comendo cachorro, rato, derrubando árvore, quei-
po. Acho que muita gente aqui não era nem nasci- mando janelas, porque foi durante o inverno, não é?
do. Então, 25 anos atrás. É bastante tempo, né? E Foi realmente uma coisa terrível. Eu acho que isso fez
me pediram para falar sobre permanecer e ruptura com que, logo no início, depois do século 19, 20, as
no estudo da cidade. A Ana Fernandes e o Marco muralhas fossem derrubadas, porque elas eram total-
Aurélio Filgueiras da UFMA. Foi acho que a pri- mente desnecessárias. Mas uma coisa, também, foi
meira reunião do Seminário de História da Cidade muito importante para essa derrubada das muralhas,
e do Urbanismo. Foi o primeiro que aconteceu, de- a ideia, não só que não era mais um elemento de-
pois tiveram outros. E eu fui me apresentar eu falei, fensivo, mas que os inimigos não estavam mais fora
bom, como é que eu vou falar para arquitetos sobre da cidade, mas estavam dentro da cidade. Eram os
do ponto de vista do Historiador? E uma coisa que operários que sublevavam, era a população pobre. E
me ocorreu na época, meio intuitivamente, que de- isso vai acontecer a partir das imagens que vão sen-
pois acabou se confirmando: a ideia de que, nesse do apresentadas e dos relatos da população, daquilo
momento que a cidade se problematiza, as muralhas que eles chamavam de mini pepino17:13, ou a po-
vão sendo derrubadas. No lugar das muralhas vão pulaça, durante os episódios da Revolução Francesa.
ser construídas avenidas, né? Como aconteceu, por Vai ser extremamente importante para pensar: não,
exemplo, em Viena, né? Aquele anel da Ringstrasse. olha, a gente achou que não, mas os inimigos estão
Paris vai demorar muito tempo para derrubar as mu- dentro da cidade. Então, absolutamente desnecessá-
ralhas aduaneiras, só no início do século 20. Por que rio as muralhas para defender, porque os inimigos
que as muralhas vão sendo derrubadas? Porque elas já estão aqui. É com esses que nós temos que lidar.
não tem mais utilidades para guerra, né? Quer dizer, Então, na verdade, foram sendo construídas a partir
você tem armas muito modernas para as quais essas das duas primeiras, que são as muralhas... que são
muralhas não servem mais como defesa. Mesmo as- as portas conceituais da técnica e da questão social,
sim, isso daqui é uma coisa episódica, Paris vai ser elas vão sendo dúvidas a partir delas outras portas. E
cercado pelo exército prussiano em 1870, eles vão em cima dessa questão das multidões, da industria-
deixar a população, não vou dizer morrer de fome, lização. Nessa cidade, que vai ficando cada vez mais
porque não chegaram a morrer de fome, mas fechada densa, porque precisa de uma mão de obra cada vez
na cidade, sem entrar nada na cidade, pelas portas. maior, né? E algo que se dizia muito na época era
Porque existe até hoje, né? Quem conhece Paris sabe que a cidade tinha virado caótica. Primeiro ela estava
que tem as várias portas, que são ainda as entradas crescendo, não tinha mais limites muito definidos e
do Boulevard périphérique, né? As portas de entrada aquilo que acontecia dentro da cidade era difícil de

44 45
ser equacionado, né? Então ela estava virando caóti- pela industrialização e pela densificação das pessoas
ca. Então eles buscaram entender como equacionar que passam a morar na cidade. Então, é o elemento
esse problema da quantidade de pessoas na sujeira que ele cita, mas ele cita meio (??), e que é muito
e desses elementos que eles consideravam realmente importante, que é o reaparecimento da peste, o re-
nocivos. Então as seis primeiras portas vão se estrutu- aparecimento das epidemias. Então, na década de
rar um pouco em cima desses problemas. 30, meus 1832/33/34, o cólera entra por Marseille
e atravessa a Europa inteira. Vai até a Inglaterra e a
Rússia, e causa uma mortalidade muito grande. Ago-
ra vocês podem imaginar uma cidade que era densa,
muito fechada, a cidade ainda com recortes, um te-
cido urbano ainda muito medieval, ou renascentista.
Então, muito, muito fechada, muito densa. Aonde, a
maioria das pessoas trabalhavam e moravam no mes-
mo lugar. Aonde o empreendedor ou o proprietário
do, digamos da oficina de trabalho, morava, muitas
vezes, no mesmo lugar, né? Então, o medo daquela
peste que chega e que acomete, que mata muita gen-
te, leva a fazerem pesquisa.
A sétima foi estruturada mais no final do sé- São feitas várias pesquisas na Inglaterra. Fo-
culo 19, muito em cima da psicologia e da psiquia- ram feitas três ou quatro pesquisas e é muito inte-
tria. Então, é muito mais uma questão das subjetivi- ressante, é uma figura que eu queria apresentar para
dades e da forma como aquele ser que se considerava vocês, que vai aparecer um pouco mais para diante,
meio perdido na cidade, ele vai se encontrar através mas eu vou só citar: é a figura do jurista. Ele vai ser
da ligação que ele vai estabelecer com elementos da importante porque, olha, Edwin Chadwick, que vai
cidade, pessoas, bairros, memórias, coisas, etc.. Bom, coordenar essa pesquisa na Inglaterra ele é um juris-
a primeira porta, então, buscou equacionar ou des- ta, na França vai Parrond Chatterley, que é o médico.
vendar a cidade quanto questão técnica. O que se Então, é muito mais inteligível que ele e coordena
quis fazer foi tentar, a partir de um elemento que a pesquisa, porque é um problema de doença, mas
aparece pouco, por exemplo, aparece, vai, nos ma- a Inglaterra vai ser o jurista, tá? O jurista que havia
nuais que, pelo menos eu conheço, que, para traba- feito, já, a revisão das leis dos Pobres.
lhar com a introdução de Urbanismo, do Benévolo
Vocês conhecem o que que é lei dos Pobres?
e do Mumford, eu acho que todos vocês conhecem,
É um conjunto de legislação que vem do período
se trabalha com uma série de coisas, mas é sempre
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da Rainha Elizabeth primeira em que cada comuni- tham,, que vai pensar a penitenciária. Que também
dade, cada Paróquia era obrigada a cuidar dos seus é muitíssimo importante para a questão da Arquite-
pobres e isso, no momento em que começa o fecha- tura e do Urbanismo. Depois a gente chegar até lá.
mento de terras, que se expulsa os trabalhadores da
terra para criar ovelhas, porque passa a ser muito
mais rentável criar ovelha para ter lã, para fabricar...
Que era mandado, na época ainda nem era fabrica-
do na Inglaterra, para Holanda. As primeiras gran-
des fábricas de lã, manufaturas, nem fábricas ainda
automatizadas eram na Holanda, ou Países Baixos,
como eles chamavam, né? Mas então vai ser ele que
vai fazer uma revisão dessas leis dos Pobres que era
uma jurisprudência enorme. Ele faz, e é ele que vai
fazer essa, também, coordenar essa pesquisa. Claro,
que ele não faz sozinho porque ele faz por Londres,
Então a primeira porta vai ser a questão que
Manchester, por várias cidades inglesas. É uma pes-
o Thomas Carlyle, que é um filósofo e historiador,
quisa realmente muito grande que ele faz, mas eu
vai chamar de era mecânica. E ele vai dizer que tudo
queria que vocês prestasses atenção porque, também,
virou mecânico, a relação entre as pessoas virou me-
quem pensa a utopia? A ideia da Utopia? Ou seja,
cânica, virou entre o patrão e operário não tem mais
aquela grande construção que Thomas Morus faz no
uma relação de identidade que existia no regime de
início do Século 16, que se transformou no ícone da
artesanato, mas tem o Cash nexo, ou seja, só o nexo
concepção utópica de um símbolo da concepção utó-
do dinheiro, do salário. Então ele vai dizer: Bom,
pica das 53 cidades, 54 cidades, que formam o país
tudo virou mecânico, o pensamento virou mecânico,
Utopia. Ele também é um jurista, o maior jurista da
nós não temos mais um pensamento criativo, tudo é
época dele. E é muito interessante, depois a gente vai
a lógica. O que que é a lógica? É desmontar um pen-
trabalhar um pouco com isso, porque ele vai formar
samento complexo, nos seus elementos fundantes,
as várias cidades, a utopia tão organizada, tão cheia
e remontar, com os mesmos elementos, uma outra
de regras, tão desenhada nas formas como as casas
forma, mas não cria nada. É sempre a mesma coisa.
têm que se organizar, as ruas e os trabalhos, que ele
Então, ele é muito crítico ao pensamento liberal e ao
vai dizer: Essa cidade, esse país vai precisar de poucas
estado guarda-noturno. Porque uma das coisas que
leis. Então, é muito interessante porque é um jurista,
eu acho que todos vocês sabem, conhecem, que o
o maior da época dele, tá? A mesma coisa, depois,
Adam Smith vai ser considerado o grande Papa do
vai acontecer com outro jurista que é o Jeremy Ben-
pensamento liberal, né? E a ideia de que tem uma
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mão invisível que organiza toda a sociedade, que é Uma segunda porta, então, seria a da ques-
o princípio da produção, da oferta e da procura, né? tão social. O que seria esse campo da questão social?
Que isso estaria, então, na base organizando toda a Ele é construído a partir da problematização da Re-
sociedade. Então, todo mundo tem que comer, al- volução Francesa e das multidões na rua, ou seja, a
guém tem que produzir, outros produzem outra coi- ideia de que esse paradoxo, né? Que eu escrevi aí no
sa, então, o regime da troca. E que isso organizaria segundo parágrafo, que as concentrações humanas
toda a sociedade. E que o Estado só tinha que in- são extremamente importantes, senão você não pode
tervir na hora que alguém cometesse algum crime. parcelar o trabalho e a produtividade, alguma coi-
Então, o Estado liberal é o Estado de polícia, né? sa, então, que não acontece. Então, são necessárias
essas concentrações humanas, mas elas também são
É bem essa imagem do Estado Liberal, mas
potencialmente perigosas. Na Inglaterra vão ter mui-
não é que não exista Estado. Existe Estado sim, no
tos movimentos de quebra de máquinas, que são os
Adam Smith, quem tiver paciência de ler até o final
primeiros movimentos de rebeldia dos trabalhadores,
do segundo volume, “Da riqueza das Nações”, vai ver
eles quebravam máquinas, punham fogo na fábrica,
que ele dedica uma parte muito grande para o Esta-
etc.. Então, essa multidão, essa grande concentração
do. O Estado tem que ter Exército para defender dos
humana também vai ser considerada uma ameaça
inimigos externos, o Estado tem que ser o responsá-
potencial. E o que que vai se dizer na época? O in-
vel pela infraestrutura, ou seja, portos e estradas, para
dividualismo liberal é incapaz de encontrar respostas
escoar a produção, o Estado tem que ser responsável
satisfatórias para essas questões sociais. Nós temos
pela educação dos pobres, porque um dos medos do
que resolver essas questões sociais.
Adam Smith é que o trabalhador parcelar perdeu o
conhecimento de transformar uma ideia, uma con-
cepção, numa obra, que era o trabalho do artesão. O
trabalhador parcelar só faz um tipo de atividade e ele
perde esse conhecimento geral, ele então diz assim:
os nossos trabalhadores vão virar meros macacos, que
vão só saber fazer aquela coisa, nós precisamos voltar
a dar inteligência para eles através da instrução. En-
tão, também, é o Estado que vai ser o responsável,
vai se responsabilizar. Na verdade, na Inglaterra, na
França isso vai acontecer mais com o Estado. Na In-
glaterra vai acontecer muito com a Igreja Protestante,
né? As escolas dominicais, e etc., vão levar, chamar as A terceira porta que se abre, exatamente a
crianças para esse tipo de aprendizado. parte dessas duas indicações é bom, mas nós temos
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na cidade, um montão de gente. Nós temos comer- que no final do século 18 e início do século 19, vai
ciantes, empreendedores, fabricantes, artesãos, ope- pensar a penitência. Até então só existia prisão e os
rários, quer dizer, nós temos uma multidão. E como castigos que existiam, para quem cometesse crime era
nós vamos lidar com essa infinidade de pessoas, com o pelourinho. Então, ser levado para o pelourinho e
atividades diferentes? Então, é nessa época que co- ser chicoteado. Homens Livres. Eu não estou falando
meça a noção, quer dizer, você não tem mais aquela de escravos. Isso na sociedade inglesa, na sociedade
sociedade estamental, né? Em que você tinha a no- francesa. Castigos físicos, então eles eram... tinham
breza, o clero, e o povo. Você tem agora o povo como que levar não sei quantas chicotadas, então voltava
uma coisa muito grande. Você continua tendo a no- para prisão para, digamos, cuidar das feridas. Depois
breza. Então, na Inglaterra, a aristocracia e a nobreza voltava, alguns dias depois, para o pelourinho. Ou o
se confundem. Você tem uma middle class, que, na degredo, a Inglaterra já era um grande império, en-
França, vai receber o nome de burguesia, que é essa tão mandava para fora. Ou a morte e a morte era
classe intermediária que não é nem operário, né? Por- pelo enforcamento, que na época não tinha ainda o
que o que que é o operário? O operário é considerado nó que quebra essa vértebra, então era Rang until die,
alguém que, a única propriedade que tem é seu pró- ou seja, pendurado até morrer. Morria, realmente,
prio corpo, tá? É o seu trabalho. Ele não tem nenhu- por asfixia, tá? Bom, essa é uma das coisas que aquele
ma outra propriedade. Então, todo mundo que tem primeiro jurista que eu falei para vocês, Edwin Cha-
algum tipo de propriedade não pode ser considerado dwick, que vai fazer essas... Coordenar a pesquisa
operário. Então, se monta um imenso painel para que tinha feito a reformação da lei dos pobres, ele
recolher financistas, comerciantes, empreendedores, estava, também, preocupado com isso porque existia
etc., sobre esse rótulo de classe média ou burguesia. 200 atividades consideradas criminosas, passíveis de
pena de morte.
Middle Class, porque ‘classe média’, em portu-
guês, quer dizer outra coisa, né? Na Inglaterra, middle Então, era muito comum existir nas estradas
class é o que significa burguesia, né? Então você tem vários postes com muita gente pendurada, morta. E
todo esse reequacionamento e o que é interessante é tem uma expressão que, eu não sei se vocês conhe-
uma intelectualidade burguesa que vai fazer esse re- cem, é uma expressão muito antiga, que quando você
equacionamento e, a partir dessa porta, a gente vai tá querendo fazer alguma coisa com pressa: “Pô, mas
chegar a ética burguesa, que é movida pela disciplina o que que é? Você está querendo tirar o pai da forca?”
e pela produtividade. Na questão da produtividade é Porque era, realmente, uma coisa na época. As pes-
que eu queria, então, apresentar para vocês alguém soas esperavam a pessoa morrer para poder tirar da
que vai estar um pouco mais para diante, mas que forca, para dar um enterro cristão. Porque, na épo-
é o Jeremy Bentham. Vocês já ouviram falar do Je- ca, também, nesse período do início do final de 18
remy Bentham? Jeremy Bentham é um jurista inglês, e início do século 19, se reuniam esses corpos para
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fazer... para levar para os anfiteatros de medicina e o barulho de uma buzina de que um carro está se
fazer a dissecação. E a família não queria que isso aproximando, até você olhar e pensar: ‘Pô, tenho que
acontecesse. Então, é um pouco a ideia de correr para me retirar’. Você já foi atropelada”. Então, assim, na
tirar o pai da forca era um pouco isso, né? Mas tem, verdade, a vivência faz com que você tenha quase que
nessa nova sensibilidade, que se forma... Bom, agora segunda natureza, que é uma reação mecânica a uma
eu preciso agora mudar para quarta, né? série de sinais, que vão acontecer aonde? Na cidade.
A cidade é lotada de sinais, que os nossos sentidos
A questão da perda da experiência e a forma-
veem, o nosso sentido escuta, toca, sente cheiros e,
ção da vivência. O que seria a perda da experiência?
através dos sentidos, vão sendo reconhecidos esses si-
Um pouco na produção é aquilo que eu já disse para
nais e faz com que a gente se defenda deles, né? Bom,
vocês: ninguém sabe mais transformar uma ideia
então é por essas portas que se constituem, então,
num produto, que era a função do artesanato, né?
uma cultura urbana. Essa cultura que nos ensina a
Esse saber é transferido para o técnico, depois para o
viver na cidade, né?
engenheiro, e o engenheiro vai aprender isso através
de livros. Então, a vivência é esse elemento interme-
diário entre aquilo que eu experiencio e aquilo que
me faz entender o que eu estou experienciando, aqui-
lo que eu estou vivendo. Então, o Walter Benjamin
vai trabalhar muito com um filósofo alemão, que
morre durante a segunda guerra mundial, porque ele
era judeu, fugiu, então, uma série de circunstâncias
ele acaba se suicidando. Ele vai pensar um pouco essa
questão dessa perda da experiência pela vivência, né?
Ele diz assim, bom, um exemplo muito simples que
ele dá é do narrador. Então o narrador era alguém
tem, numa tribo ou numa sociedade mais antiga Bom, a quinta porta, então, dá acesso à cida-
medieval, renascentista, etc., principalmente numa de conceitual, à cidade como sinônimo de progresso
cidade de letrados, você tinha alguém que contava e o lugar da história. Acho que todo mundo aqui tem
a história das pessoas. Era o transmissor das expe- clara a ideia de quanto a população do campo é mais
riências. E ele, então, ele acrescentava coisas, etc.. rude, é mais... conhece menos coisas... entende me-
Enquanto que, na nossa sociedade letrada, essa expe- nos. Hoje em dia um pouco menos, porque os meios
riência passa a ser trazida para nós através dos livros, de comunicação estão chegando até a população ru-
da escrita, né? Então o Walter Benjamin diz assim: ral, mas sempre a população rural foi considerada,
“Olha, se você não registrar na tua memória, aqui, não é? Considerado como lugar do atraso. Na época,
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era muito considerado o lugar do atraso em termos pular. Não. Fomos nós que demos esse nome para
de cultura. E a cidade é considerada o lugar da histó- aquilo que a gente vê eles fazendo. Então que que
ria. É lá que tá a fábrica, é lá que tá o investimento. É aconteceu? Na medida em que eles queriam eliminar
aqui que as coisas vão acontecer. É aqui que o futuro estes maus costumes, eles também foram mapeando
se projeta, tá? Então é essa a ideia de que existe essa e recolhendo esses costumes.
determinação. O futuro está presente nas atividades
Depois eu vou mostrar imagens para vocês,
de produção, elas tem que ser melhoradas... Vocês
que fica muito clara a forma como eles foram vendo
veem, até hoje em dia, a gente toda a questão da crise
isso.
econômica que está sendo debatida, isso a gente pode
deixar para depois, para as perguntas. Qual é a ques- Bom, eu vou chegar, então, agora a sétima
tão da má produtividade da indústria brasileira e do porta, para a gente fechar todas as portas que seriam,
quanto é caro o custo Brasil? Então é... vocês veem então, essa cidade, né? Que parece toda dividida em
como isso é alguma uma coisa que persiste, ainda. áreas estanques, que são os conceitos e portas con-
Está na base de tudo que nós pensamos, que a gente ceituais que eu apresentei para vocês, mas que, na
pensa dentro desse campo conceitual. verdade, ela vai se esgarçando dos seus territórios.
Ela não é única, não é unificada, ela tem múltiplas
A sexta porta, então, seria a da cultura popu-
redes de sociabilidade que repete o mesmo, ou seja a
lar, ou seja, a cultura é uma parte específica da cul-
sociabilidade em vários lugares. E aonde o princípio
tura urbana, mas seria o recolhimento pela cultura
da identidade pode expressar pela esquizofrenia, ou
culta, ou seja, pela elite letrada daquilo que acon-
seja, ao mesmo tempo eu sou moradora de um bair-
tece junto, que eles vão chamar do povo, ou seja, o
ro, mas eu sou trabalhadora de uma fábrica. Lá eu
Folklore. O folclore em alemão, também o folclore
sou uma coisa aqui eu sou outra, tá? Então isso tam-
em inglês e o Folk Culture em alemão, é essa cultura
bém é um elemento bastante interessante que vale a
do povo. Folk é povo, né? Então, a ideia de que: não,
pena a gente trabalhar um pouco com isso.
vamos ver o que que eles fazem, como é que eles...
Eles querem que muito dessa cultura desapareça por- Bom, agora a gente pode entrar um pouco
que é considerada inadequada, amoral, essas pessoas nas imagens, que eu trouxe para vocês da primeira
se embebedam muito, são promíscuas. Nós temos porta conceitual, então, que é a ideia sanitária. Isso
que desfazer essa promiscuidade, então a ação dis- apareceu na revista Punch, que é uma revista radical
ciplinar vai se dar através da fábrica, da filantropia e inglesa, aonde eles mostram tudo que tem de sujo
da polícia, tá? A gente tem conhecimento do que se- na superfície e que é tudo jogado no Rio Tâmisa. A
ria a cultura popular, então um operário chega e fala data dessa caricatura ou esse desenho é 1850, que é o
“Ah, eu sou popular, viu?”. Aquilo que eu faço como momento em que o Parlamento inglês foi obrigado
cultura, aquilo que eu faço como lazer é cultura po- a suspender as suas sessões por causa do mau cheiro
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que o rio exalava de tão poluído que ele estava. O todo amontado de lixo ou de água parada podia, em
Rio Tâmisa levou mais de um século para ser des- determinadas circunstâncias atmosféricas, exalar ele-
poluído e assim mesmo não tá completamente des- mentos corruptores do ar que corrompeu também a
poluído ainda, mas era um cheiro tão forte no verão saúde das pessoas, tá? Então ele vai dizer: “Limpem
eles tiveram que suspender as sessões. E então come- tudo isso aqui, transforme esse ambiente no ambien-
çaram a pensar, realmente, essa questão da dimensão te limpo”. E o pessoal ligado à filantropia vai dizer
física que é a sujeira, mau cheiro, mas também uma quais são as regras do bem viver. Nesses espaços, nes-
dimensão moral, né? Sujeira e do mau cheiro é di- ses corpos que vão ser cuidados pelos médicos e nes-
mensão moral, também, que mereceu a atenção, tá? ses espaços que os engenheiros vão sanitarizar, não é?
Bom, os reformadores da cidade vão tentar contro- Então, a questão técnica, ela é uma coisa importan-
lar a população induzindo a modificar seu compor- tíssima, que é transposição da cidade histórica para a
tamento e aceitar o controle externo. Por exemplo, cidade conceitual. O mapa um conceito, não é? Você
hoje em dia, nós estamos aceitando como sendo um tem, no mapa, você tem mapas de vários tipos, nós
bom hábito fazer a coleta seletiva do lixo? Então, isso vamos dizer, o mapa que pega a cidade, ele tem as
é um equipamento disciplinar, é uma definição disci- ruas, as avenidas, as quadras, os lotes. Tudo isso é
plinar. É ruim? Não. É confortável porque isso vai ser um conceito, é conceitual. Vocês têm que aprender a
utilizado depois, mas vejam o quanto de disciplina noção da escala, vocês tem que aprender como é que
isso implica numa introjeção de que é uma coisa boa esse lote está inserido na quadra, então, isso foi pos-
fazer a... E amesma coisa eles estavam fazendo, na sível porque? Porque você pegou o espaço branco do
época, de uma outra maneira, claro, não chegava a papel e transpôs a materialidade da cidade para esse
essa forma assim tão, né? espaço branco. Como? Através de uma pesquisa que,
no caso da França, Haussmann levou praticamente
Bom, a escala da cidade, então, nós temos os
4 anos, fazendo as pessoas fazer o levantamento da
médicos e engenheiros, e a figura que aparece muito
cidade, através de um tipo de equipamento e mon-
pouco, normalmente nos escritos, que é a pessoa li-
ta esse enorme mapa da cidade em escala e além de
gada à filantropia. Eles são extremamente importan-
montar o mapa, ele monta também uma maquete da
tes, tanto na França, na Inglaterra importantíssimos.
cidade. Porque que ele monta uma maquete? Porque
Porque esse pessoal ligado à filantropia é que vai de-
como esse espaço do mapa desaparece, o que é igreja,
finir as regras morais. O médico vai falar: “eu cuido
o que é um prédio público, vai, o Louvre, por exem-
dos corpos físicos”, né? É o momento que começam
plo, aparece como uma coisa quadrada, um parale-
as vacinas, etc. O engenheiro ele diz: “Olha, mas
lepípedo, etc., a maquete vai marcar esses elementos
vocês, que são engenheiros, vão limpar esses espaços
que ele quer que permaneçam. Fora isso ele vai, en-
que é a sujeira”. Porque, na época, a teoria higienista
tão, utilizar essa ideia de que você vai poder transferir
estava baseada na teoria miasmática, ou seja, de que
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a cidade para esse espaço, para esse espaço que é um cela veio do Monastério e a ideia do recolhimento do
espaço mais trabalhado. Ou seja, a disciplina serve criminoso para essa cela onde ele teria o tempo do
para seres que eles consideram semi racionais e vai ser arrependimento, de ficar sozinho, de pensar. Olha o
induzida pela organização de elementos externos que Jeremy Bentham pensa a concepção panóptica, por-
se formam, então, uma segunda natureza. Aqui é que que a cela, ficaria muito caro fazer uma cela para cada
entra a extrema importância do Jeremy Bentham, criminoso que tinha que ser ressocializado. Então ele
desse jurista de finais do século 18 e início do século pensa a prisão panóptica, que precisaria de um úni-
19, que pensou penitenciária. Porque que ele entra? co carcereiro, que ficaria na torre central. Essa prisão
Porque a proposta dele é de que deve-se conseguir o existe ainda nos Estados Unidos. Foram construídas
máximo de rendimento, com mínimo de custo, ou 3 em Cuba. Nos Estados Unidos, na Filadélfia ela é
máximo de prazer com mínimo de dor, ou a relação, utilizada e foram consideradas... a França, também, e
que hoje em dia a gente tem, entre custo-benefício. em vários países europeus foram... nos Estados Uni-
Então, para você verem como essa concepção utilita- dos foram várias construídas e a ideia de que aquele
rista, que é um pressuposto filosófico, radicalização observador que está no centro, ele age quase como
do pensamento liberal, vai estar presente desde o sé- uma figura de Deus. Ele onipotente, onividente, oni-
culo... finais do 18 e início do 19 e preside a nossa presente. Quem está fora, quem está na cela não sabe
vida até hoje em dia. em que momento ele está olhando, porque é fecha-
do por uma persiana, esse torre. E ele se comunica,
Então, o que que o Jeremy Bentham faz? No
através de um equipamento, falando com aquele que
final dos anos 1770, 1780, tem um quaker chama-
está na cela.
do John Howard, que fica muito penalizado com
a questão das prisões e das penas que são aplicadas Bom, o Jeremy Bentham, então pensa isso, a
ou dos açoites, tinham penas muito piores até do descrição do panóptico é extremamente detalhada.
que isso, gente. Eu atrasei mais, mas ia ficar mui- Eu acho que qualquer dia que vocês queiram pegar...
to longo fazer isso. E ele resolve fazer um percurso Eu acho que qualquer arquiteto, qualquer enge-
pela Europa para pensar uma forma de recolher o nheiro civil consegue, através da descrição, montar
criminoso e ressocializá-lo. Olha, para vocês verem o projeto da penitenciária. Sabe, assim, a espessura
que até hoje a ideia da ressocialização, que deveria das paredes, o tamanho da cela, o quanto que a grade
se dar na penitenciária. Bom, porque que a ideia da tem que ser afastada da beirada para um prisioneiro
penitência? Porque ele vai fazendo esse percurso pelas não poder falar com outro, não enxergar o outro. É
casas que recolhiam... Na Inglaterra tinham as Poor muito detalhada a questão da penitenciária que ele
Houses, na França as Maison de Force, que recolhiam o desenvolve em 18 cartas que ele manda. Ele está na
trabalhador fora do trabalho e dava uma certa disci- Rússia, na época, e quem desenha o panóptico em
plina. Ele pega o Monastério e a ideia da cela. A ideia termos arquitetónicos é um irmão dele que é en-
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genheiro naval, mas, na verdade, é ele quem tem a desapropriado para abrir essa rua. É impossível tra-
proposta arquitetônica. Então, a ideia primeira da balhar urbanisticamente sem fazer essa transposição,
penitenciária é isso: é esse recolhimento para res- senão você fala: “Ah, eu vou tirar a casa de fulano,
socialização. A ideia é uma ideia filantrópica, de vou tirar a casa de beltrano”. Se a gente for se pre-
ressocialização, embora o Jeremy Bentham, ele está ocupar com cada um, não faz nada. Então, é uma
pensando, na verdade, em trazer essa gente de volta coisa importante e isso, esse tipo de mapa é que
para o trabalho e não matar ou degredar, ou, simples- orientou as intervenções que vocês viram antes do...
mente, fazer com que eles sejam chicoteados e depois feitas pelo Haussmann. Aqui é os imensos trabalhos,
voltados, né? vocês veem que nem tinha muito equipamento mo-
derno na época, que foram feitos descobertas com
Bom, o que que eles vão fazer? Eles vão fa-
as escavações das arenas de Lutécia, ia ser um pouco
zer essas várias intervenções na cidade. Uma coisa
resultado que se tem, vocês veem, olha, esse prédio,
eu queria mostrar aqui, que me parece importante...
por exemplo, perdeu uma parte enorme dele, não?
Essa daqui são o plano geral das aberturas do Haus-
Foi perdido... esse daqui também perdeu. Ou seja,
smann, né? A partir da Comissão da extensão de Pa-
esse aqui era a forma básica dos edifícios em Paris.
ris. Uma coisa que é muito dita é que o Haussmann,
Você tinha um edifício construído na linha da calça-
isso é muito a bibliografia marxista que fala, ele pen-
da com um pátio interno. Era essa a ideia e você vê
sou muito em limitar o movimento do operariado,
que isso daqui é cortado. Vários se transformam, são
né? Então ele fez, realmente, a partir... você tem aqui
modificados. Aqui é a representação de que você tem
a Bastilha, você tem Avenida. Mas veja, o bairro rico
uma cidade que é de superfície e tudo que você tem
que ele abre: toda a parte rica de Paris é muito mais
de infraestrutura necessária, uma outra cidade, para
trabalhada no plano do Haussmann que o bairro
fazer funcionar.
pobre. Isso vale a pena vocês, enquanto arquitetos e
urbanistas, pensarem. Mas, todas... tinham três ave- Tudo isso era apresentado em revistas para
nidas. A estrela, mesmo termos de abertura de todas justificar o aumento de impostos, o que estava sen-
essas avenidas foram feitas na época. Essa parte é a do feito em termos de intervenção, Londres foram
parte mais rica de Paris que tem uma ligação com a feitas as grandes intervenções. Não foram essas inter-
área central mais antiga e essa é a parte operária, que venções teatrais como foram em Paris, em Viena ou
é a parte mais pobre até hoje em dia de Paris. Então, mesmo Barcelona, mas foram feitas várias reformas.
isso é um elemento que eu acho importante. Então tubulação de esgoto, da água pouco menor, do
gás, etc.. E era considerado tão importante que eles
Que que significa levar a cidade para o mapa?
convidavam as pessoas, vocês veem, tudo gente bem
Então, vocês estão vendo como desaparece a mate-
vestida, para fazer passeios dentro dos esgotos, até
rialidade? Você tem aqui, tudo que vai ter que ser
hoje visitar o esgoto de Paris é um passeio turístico,
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tá? Então aqui é um ministro que vai visitar um dos te pensar no que é a parte interna de Viena, a que
esgotos. E aqui são as caricaturas que saiam muitas, eles mantiveram a parte antiga fechada, né? Tudo
né? Então, um cara que voltava para casa e não tinha com ruas pequenas e estreitas e a dimensão da Ring.
mais casa para morar, tinha sido demolida. O outro Tem uma coisa interessante que eles fizeram lá e que
que estava andando pela rua e via as mudanças sendo isso Camillo Sitte gostou, o Otto Wagner gostou da
passadas. E a figura caricatura do Haussmann, a pi- Grande Avenida, mas o Camilo Sitte não gostou da
careta e a pá de pedreiro. Então aquele que tava mu- Grande Avenida. Uma coisa enorme, realmente é
dando e aqui as reformas que foram feitas, eu acho muito grande, é um espaço enorme. Mas, olha que
que, nesse aqui de baixo, fica bem claro o quanto esse interessante, ele gostou porque o Teatro da Ópera foi
lado ganhou de modificações. Esse é o resultado da... feito com uma missão histórica, é Barroco. O Parla-
Entao vocês veem como isso aqui foi aberto. Olha, mento, ele foi feito, tá vendo? Numa elevação que
o que foi cortado, né? Por isso que foi chamado de não existia, ele foi elevado propositalmente para apa-
Per se. Per se é essa abertura, é a furadeira, tá? Então recer uma ágora grega. Então, no estilo neoclássico.
são esses furos que foram feitos no tecido urbano da A Prefeitura no estilo gótico, porque o período... o
cidade para desafogar, porque você ver que se você auge da comunidade da cidade era a Idade Média.
entrar na parte fora dessas grandes avenidas, o tecido Então isso são reminiscências históricas que foram
continua denso igual, como era até hoje em dia. Isso feitas.
são fotos atuais. Então, isso é uma coisa importante.
O que eles pensaram, também, numa outra escala,
já na escala dos equipamentos urbanos, não mais da
cidade? Os equipamentos, então, essa é a penitenci-
ária panóptica, que foi construída a Penitenciária de
Santé, em Paris e aqui o colégio. A tipologia dos co-
légios é definida na época. Se vocês pegarem a escola
Caetano de Campos em São Paulo, é muito parecida
com essa tipologia. Eu não conheço muitos outros
colégios, mas esse se transformou na tipologia de Co-
légio, essa aqui embaixo, tá?
Bom, Viena murada, vocês tem também a Aqui a retificação do Danúbio, que é feita na
queda das muralhas e nesse grande espaço, que era Europa e uma vista da Ring para a gente para a gente
de exercício militar é que vai ser construído o anel de ter uma ideia de como ela era grande. Vocês conhe-
ruas, que vai se chamar Ringstrasse. As várias coisas cem isso melhor do que. A mesma coisa se a gente
que são colocadas e aí, olha a dimensão se a gen- pegar Barcelona. Barcelona murada. Aqui a primeira
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grande Fortaleza e só a barceloneta, que era ligada ao que você poderia... a ideia dele era dispersar a po-
Porto, que está fora das muralhas. A proposta que é pulação de tal maneira que não tivesse a segregação
feita, de derrubar as muralhas, pelo governo Liberal entre ricos e pobres. O que é interessante, eu preciso
também tem a ver com a questão da peste e das do- voltar um pouco para trás, é que ele pensa, também,
enças. Porque também tem muita doença epidêmica, não só a escala da cidade, mas a escala das quadras,
mas tem endêmica. Por exemplo a tuberculose é uma né? Então, a ideia de que uma quadra aberta e só
grande doença endêmica das cidades, varíola é uma construída aqui dos lados, ela vai estar arejada. Então
doença endêmica, então tem uma série de doenças você vai ter o verde, que são os pulmões da cidade e
que eles querem acabar. Então a ideia de derrubar. você vai ter o espaço do lazer, tá? Ele pensa tudo, ele
Você tem vários projetos, esse aqui (???), que ainda é pensa as esquinas chanfradas, a questão de como é
nessa outra... dessa fórmula Beaux-Arts, né? Quer di- que uma... quando é uma quadra, assim, sem a es-
zer, você mantém, também, todos eles mantiveram a quina chanfrada, o problema de circulação é muito
Barcelona antiga, a barceloneta e a extensão externa. mais complicado. Com a esquina chanfrada é muito
mais fácil, enfim, ele pensa uma série de coisas... as
O outro projeto, esse aí é o projeto que ganha
perspectivas e aqui a Barcelona já densificada. Porque
e que não leva. Depois esse outro projeto que é desse
no final do século 19 saiu uma lei e que pode acabar
Joseph Von Terrece, mais um quadriculado mesmo,
com aquelas áreas abertas das quadras viram aquele
uma grelha e o projeto do Cerdá é uma grelha e que
elemento fechado. Hoje em dia Barcelona não tem
é a única. O Cerdá era muito ligado em matemática,
mais aquelas quadras abertas que tinham naquela
tá? Embora ele fosse engenheiro, ele era um enge-
época pela proposta do Cerdá.
nheiro tipo da Politécnica, muito ligado à matemá-
tica e é uma expressão da ideia matemática que ele Bom, então o que eu queria trabalhar com
tinha e ao mesmo tempo de fazer uma cidade que... vocês e que, de certa maneira, eu já tinha adianta-
do, é essa ideia de que você tem uma cidade com os
Bom, podemos ficar aqui mesmo, né? Nessa
mesmos pressupostos custo-benefício, higiene social
aqui, que não tivesse, vamos dizer assim, um Cen-
e se deslocam em escala da cidade, para o ambiente
tro Cívico que ainda era uma concepção Belas-Artes.
digamos, menor dos bairros, das ruas, das moradias
Se a gente pegar, por exemplo, o projeto do Prestes
ou dos ambientes coletivos para os corpos. Você tem
Maia para São Paulo ainda tem, no projeto das gran-
o mesmo pressuposto que vai sendo deslocado nas
des Avenidas, ainda tem a ideia do Centro Cívico,
várias escalas até hoje em dia.
que seria na Praça da Sé. A concepção do Prestes
Maia é bastante viária, mas tem bastante da concep- Isso eram as ruas que eram consideradas su-
ção Belas-Artes. A concepção do Cerdá, não é... não jas. Nós temos o esgoto correndo a céu aberto e eram
tem, você tem o Centro Histórico, mas é uma cidade isso que eles queriam acabar enterrando, fazendo

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com que os grandes trabalhos nos esgotos (que eu sem pontos de estrangulamentos e sem barricadas e
mostrei para vocês antes), era para acabar com esse isso iria, na intervenção sanitária no espaço da mora-
tipo de sujeira, né? Porque as pessoas jogavam pe- dia, ia retirar certos hábitos que aconteciam na rua e
nico, toda a sujeira do penico nas ruas... as águas... organizá-la pelos princípios da moral burguesa.
Não tinha outra forma. Não tinha escoamento das
Bom, essas são imagens que saíam, na épo-
águas usadas, né? Eles iam buscar as águas nas bocas
ca... Adalberto, quanto tempo eu tenho ainda? Que
e depois jogavam a água suja na rua e tudo que era
eu não sei se dá para mostrar as imagens. Dá para
detrito, era jogado na rua, ou no Tâmisa, quando ele
mostrar as imagens? Que saiu na época, vocês veem
era perto do rio, em Londres, ou no Sena, na França,
1850/1863. As mesmas revistas, o Punch, o Times, o
que também foi o rio que ficou completamente polu-
Times Ilustrado, eles mostrando... aquele lá de cima
ído. Ainda existem ruas desse tipo bem, bem estreitas
é o dia do aluguel, do pagamento do aluguel. Olha,
em Paris, mas que ficaram mais como alguma coisa
o que eles queriam retirar de dentro das casa? Você
pitoresca, né?
vê que tem animais domésticos, não tem móvel, uma
Bom, então a ideia de que os corpos doen- criança doente deitada na palha, você tem o burrico
tes e meio ambiente corruptor, é isso que tem que que era levado para dentro da casa porque? Para não
se inverter a direção. O meio ambiente tem que ser ser roubado e para ele não morrer de frio na rua.
formador das pessoas e até hoje em dia, se vocês pres- O burrico era instrumento de trabalho, ele puxava
taram atenção no que os arquitetos estavam falando uma carroça, provavelmente, desse cara que morava
em relação aos SESC, nós fazemos uma caixa e as aí, mas ele também aquecia a casa. Porque você vê
pessoas se apropriam. Se apropriam, digamos, mais que nessa casa não tem lareira e faz frio nesses países.
ou menos, né? Porque existe uma ideia de para quê Aqui embaixo é uma única bica onde todo mundo
e o que que deve ser feito dentro, aqui por exem- tinha que fazer fila para pegar a água, e olha a quan-
plo. Um auditório é uma concepção panóptica. Eu tidade de água. É possível existir higiene numa casa
que estou aqui na frente, eu vejo todo mundo, vocês carregando baldinho de água? Então, é isso que vai
estão fechados aí tem que olhar para mim, né? En- fazer com que eles digam que, se a gente colocar en-
tão, essa é uma concepção panóptica que foi pensada canamento, que faça com que a dona de casa abre a
na época já do Jeremy Bentham. Então, esse meio torneira e tem água escorrendo, vai incentivá-la a fa-
ambiente é formador porque obriga, induz vocês a zer limpeza, vai incentivá-la a manter sua casa limpa
olharem para mim, para quem está no foco, e in- e vai, junto com isso, você tem o visitador do pobre,
duz a quem está aqui se é aquele observador que está que é uma figura da filantropia muito importante no
na torre da penitenciária, que pode ver tudo que tá século 19, que quando um cara fica doente, você não
acontecendo na sala durante o tempo que tiver aqui. tem o auxílio-doença, tá? Ele não ganha. Ele faltou
Então a ideia de que o belo traçado de ruas e avenidas na fábrica, ele não ganha. Então, o que que a mulher
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fazia? Ia procurar a igreja para dizer “olha, meu ma- ra. Vários países europeus se dão um bailes aonde se
rido tá doente, eu preciso de dinheiro para comprar contratam casamentos, etc., mas, nessas épocas eles
comida e não sei o que”. O visitador do pobre ia ver voltam para o campo. O que que essa burguesia faz?
se a casa dela era bem cuidada, se ela era limpa, se as Vai morar na beira dos parques, tem uma (??) de ser-
crianças... Olha, pergunta para ela se ela vai na igreja, viçais muito grande. As estatísticas mostram que, no
pede o catecismo para as crianças. Se elas souberem o século 19, segunda metade do século 19, o número
Catecismo é porque a mãe tá ensinando, leva elas na de assalariados que são serviçais domésticos é o do-
igreja e tá ensinando. Tanto que, tudo de uma forma bro daqueles que são operários ou que são trabalha-
indireta, que vai dando, depois, um pouco, aquela dores, que recebem de dinheiro de comércio, etc..
concepção do Survey, que vai ser tão importante para Dos assalariados, o dobro. É o serviçal doméstico,
a questão urbanística, mais no final do século XIX. porque eles têm cavalariço, eles têm mordomo, eles
procuram montar, nessa casa na beira do Parque, a
Então você vê, são essas pequenas coisas,
forma de viver da aristocracia nobre. Então, o que
nessa escala doméstica, que vai acontecendo. Então
acontece? Eles abandonam essas casas senhoriais que
vocês vem eles mostrando aqui a mulher catando
estavam na áreas mais centrais para ir para o para os
piolho na cabeça da criança, a pobreza do ambiente
parques e a população pobre é que se apropria para
que a sujeira do chão, ratos etc.. Aqui é uma casa,
morar como pode nesses lugares.
um átrio de uma casa burguesa, vocês veem aqui
pela lareira, mas olha a quantidade de pessoas que Essa daqui também é muito interessante,
moravam. Porque uma coisa que acontece muito no porque uma das coisas que os moralistas consideram,
século 19, a burguesia, ou seja a middle class da In- que é um vício que precisa ser tirado, é o da bebida,
glaterra, que era comerciante ou que era empresário ou seja, de beber com moderação, tá? Então, lá em
Industrial, eles vão morar na beira dos parques. Saint cima eles mostram um cara bêbado, que é um pai de
James, do Hyde Park, porque eles querem morar, de família, com a família indo buscar, a criança, o filho,
uma forma parecida com a aristocracia rural. Porque a mãe indo buscá-lo para levar para casa. Então, era
a nobreza mora no campo, não mora na cidade, na uma triste figura, um triste hábito esse da bebida.
Inglaterra, detesta Londres, detesta cidade, gosta da Além de tudo porque ele gastava todo dinheiro que
vida no campo, aonde eles têm caçadas, cavalgam, ganhava na bebida e não levava para casa para ali-
etc. É o que eles gostam. Eles vão para cidade no mentar a família.
que ele chama de Seasons, nas estações. Usa o termo
E essa aqui, o que que eles resolveram? En-
em francês, que é na primavera e no outono quando
tão, a Rainha Vitória, ou seja, o Parlamento resolve
eles vão para o teatro. Até hoje em dia, quando eles
proibir a abertura dos bares durante o período dos
vão para o teatro se dá no outono, no fim de setem-
serviços religiosos, que iam até o começo da noite,
bro, outubro. Tanto na França, quanto na Inglater-
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porque aí obrigariam as pessoas a irem assistir os ser- essa área. Então, você tem uma segregação que é
viços religiosos e a se moralizarem. E essa daqui é pelo dinheiro. Não é nem tanto uma secreção pelo
uma caricatura, uma charge que mostra todo mundo zoneamento, que vai acontecer depois, mas é uma
esperando na porta do bar fechado, o horário que o segregação, digamos, espontânea pelas posses que
bar vai abrir ao invés de ir para o serviço religioso. cada um tem, mas o que eu acho que é interessante
Então, para vocês verem que tem um elemento críti- é que essa questão do sujeito universal, ou seja, essa
co, que é muito interessante de se acompanhar. De se vontade de fazer com que a cultura é a ética burgue-
ver. São imagens, então, das pessoas que estão fazen- sa seja absorvida por toda a população, ela vai ser
do fila para conseguir um abrigo, para poder ir daqui o marco simbólico das técnicas de intervenção nas
do sem tetos, né? Da turma que em 1859 eles foram cidades, que passou a ser a racionalidade monumen-
desenhados como Homeless Poors. Olha, sem sapatos, tal do urbanismo contemporâneo. A gente acha que
né? De pés descalços, no frio que faz na cidade, eles todo mundo gosta das mesmas coisas, das coisas que
morrendo de frio na porta. a gente gosta, tá? Então, por isso que eu digo que isso
aqui é feito de uma tal maneira, que tem um espaço,
você se apropria, mas se espera que tenha determina-
do tipo de comportamento.
Na escala das casas 1850, o Henry Roberts,
que é um arquiteto inglês ligado ao príncipe Albert,
que é o marido da Rainha Vitória, ele está muito
preocupado com a questão da condição das mora-
dias, da população pobre, da forma como... da for-
ma como a população pobre tá morando. Então ele
vai começar a propor casas, habitações operárias. Na
primeira exposição de indústria universal, 1851, em
Bom, a questão então, da segunda porta, da Londres, existe esse suplemento da exposição em que
segregação, eu acho que é alguma coisa que, de cer- o príncipe Albert vai fazer a exposição dessas casas
ta maneira, ficou claro. No caso, por exemplo, do modelos que são propostas pelo arquiteto amigo
Haussmann, realmente há uma segregação, ele tira dele, que é o Henry Roberts, e a padronização que
a população pobre do centro de Paris e ela vai para ele vai propondo para fazer as casas, separar... Por
as periferias. No caso de Londres, isso vai acontecer você vê, naquelas casas que eles estão criticando, tá
do jeito que eu falei para vocês: a população pobre todo mundo amontoado no mesmo lugar, a divisão,
vai morar nas áreas mais densas, mais próximas do a ideia de que você vai separar as atividades da casa é
trabalho, mais no centro, e a população rica vai para que... Se você constrói um quarto, que seja seu quar-
72 73
to dos pais, o quarto dos filhos, o quarto das filhas, em espaços. Você vai evitar, se você faz o banheiro,
você vai evitar um pouco a promiscuidade. Quando você evita que o pai tome banho na cozinha na frente
filhos dormem no mesmo quarto do pai vão ver os dos filhos, que era o costume da época. Então você
pais copulando. isso é uma coisa desagradável. Irmão tem a tina, aonde o pai, uma vez por semana, tomava
dormindo com irmã da em incesto. Vamos separar, seu banho. Na mesma água, depois entrava os filhos
vamos desamontoar. A ideia é desamontoar. É uma homens, na mesma água depois entrava as filhas mu-
ideia sanitária, mas é moral, também, tá? lheres e a mãe era a última a tomar um banho. Vocês
imaginem como devia estar essa água, mas não tinha
Então, as casas, como nós conhecemos hoje
muita água mesmo e era na cozinha, porque no lugar
em dia, ela é fruto de todo esse conhecimento, de
quente, né?
todo esse saber que vem do pensamento liberal do
utilitarismo, quer dizer, em vez de brigar com as Então, é essa a ideia. Olha, vocês veem com
pessoas, organiza o espaço. Eles vão se adequar. Se ele pensou todas as particularidades da construção e,
você dá uma cozinha equipada para uma dona de inclusive, a ideia de fazer uma questão da resistência
casa, porque que ela vai cozinhar no fogão a lenha dos materiais, mostrando que um tipo de cimento era
no quintal? Ela vai utilizar o fogão a gás que tá na mais forte do que o outro. Mostrando como é que as
cozinha da casa dela. Porque que ela vai pegar água casas podiam ficar, tudo isso foi feito em cortes. Está
do poço se ela abre a torneira e sai água da torneira? vendo? Aqui, essa aqui era o conjunto todo. Ele tira
Então a ideia de que você transforma os hábitos em um pedaço para poder mostrar como é que fica o
uma segunda natureza. pátio interno, toda divisão interna dessas casas. Essas
casas foram pensadas para famílias pequenas, foram
Essa segunda natureza, nas pessoas letradas,
pensadas para celibatários na forma de caverna. Fa-
passam através dos manuais, dos inscritos, os ro-
zem desenhos, olha como vai ficar bonita a rua com
mances são extremamente importantes porque eles
essas casinhas e não com aquela outra forma. Tudo
mostram a forma de vida correta a ser levada, aquilo
isso é elemento de convencimento, porque? Porque é
que é ruim de ser feito. Então é também um indutor
o capital privado que vai ter que construir essas casas
de comportamentos, mas essa segunda natureza se
e elas vão ser casas de aluguel. E o capital privado fica
dá, por exemplo, você precisa escovar dentes 3 ve-
preocupado porque ele vai ter que investir muito di-
zes por dia para evitar que as bactérias se transfor-
nheiro e o retorno não se dá tão rapidamente assim.
mem e levem os seus dentes a se transformarem em
Então tem todo um processo de convencimento que
cáries. Então, isso é um pensamento racional, não
passa pela moralização, etc.
é verdade? A ideia de que, claro que na época nem
se pensava em escovar dente, não é isso que estão Então, você tem elementos que são morali-
propondo para população pobre, mas ela é dividida zantes, você tem ideias, por exemplo, de como você

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vai organizar forma só para celibatários morarem, vo- pessoas que estão na rua. Esse povo da rua, as pessoas
cês veem, nessa forma aqui. Você tem um quarto só, que tiravam seu sustento de algum trabalho na rua.
basicamente que é uma casa para celibatários e aqui é Ele caminha centenas de quilómetros por Londres,
um pouco contraste da casa burguesa. Você tem aqui durante cinco, seis anos, para fazer esse mapeamento,
a casa operária, aqui, olha, tá vendo? O quarto do junto ele leva um cara que faz um daguerreótipo de
pai, dos filhos, da filha, tudo muito bem delimitado, cada tipo, que ele vai encontrando, ele entrevista essa
né? E a casa burguesa a quantidade de cômodos que pessoa, depois ele transcreve, no jornal do qual ele é
vão. Bom, eu acho que essa avaliação do pobre como jornalista, o que essas pessoas disseram, e a partir dis-
uma figura monstruosa, pobre, doente, etc. semi ra- so ele faz um perfil do que é esse trabalhador. Então
cional, etc. É formada, na época, a ideia de que eles é interessante que ele não era antropólogo, mas ele
vive na marginalidade, ou seja, existem as classes tra- vai estar trabalhando muito parecido como os an-
balhadoras, mas também as classes perigosas. O tra- tropólogos depois vão trabalhar, sociólogos, não é,
balhador pode ser um trabalhador disciplinado, mas Verônica? A ideia de fazer entrevistas que seriam um
pode ser, também, alguém que está fazendo greve, saber direto. Ele vai dizer que vai dar voz àqueles que
né? Ninguém gosta de greve. Vocês pode imaginar não tinham voz, porque eles não tinham direito a
que, também, o problema da greve na época, era voto. nada disso. O trabalhador, né?
muito complicado. Porque greve em Universidade,
Então, a ideia era tirá-los da sombra e trazê-
gente, eu sempre converso isso com os alunos, só
-los para a luz. Essa ideia da metáfora da sombra e da
professor e aluno é prejudicado, mais ninguém, né?
luz é uma metáfora muito forte, porque na época da
Porque, normalmente, greve numa fábrica, você dei-
Revolução Francesa, eles dizem que aquelas multi-
xa de produzir. Na universidade você tem que repor,
dões que tinham vivido milenarmente nas cavernas.
depois, todas as aulas. Então eu acho bom a gente
Olha a ideia da Caverna, da sombra, do escuro, ti-
pensar se existiriam outras formas da gente pensar
nham saído à luz, ou seja, tinham ido até as ruas e
os nossos movimentos. Na Unicamp também está
tinham se manifestado de uma forma violenta. Olha,
acontecendo a mesma coisa, mas a ideia de se tirar
se precisar ia trazer essa turma para luz, mas para luz
esse pobre desse lodaçal da incivilidade. Eles usavam
do intelecto, para a luz do conhecimento, tá? Então
exatamente esse tipo de coisa.
essa metáfora é extremamente importante.
Eu vou mostrar só mais um, que eu acho
Olha o trabalho que o Henry Menhill, faz:
muito interessante, que é do Henry (???), um jorna-
ele pega o vendedor de coleira de cachorro, o vende-
lista inglês que resolve... Ele anda quilômetros, ele
dor de legumes, a vendedora de laranjas, a vendedora
resolve mapear aqueles que tiram... que vão traba-
de flores. Gente, o que eu tenho são duas mil páginas
lhar, que não podem trabalhar, aqueles que não vão
e é uma edição abreviada de tudo que ele fez. Do que
trabalhar que são, também do Street Folk, que são as
76 77
ele fez dos trabalhadores de rua. Porque ele achava também, uma profissão comum o varredor de rua.
um exagero a quantidade de trabalhador que tirava
Bom, eu, de certa maneira, queria fechar um
seu sustento de rua, então o vendedor de batata as-
pouco essas coisas que eu estou apresentando para
sada, o vendedor de café, o vendedor de ninho de
vocês para a gente dar um pouco da ideia desse con-
pássaros, eu não entendi bem o porquê, mas preciso
forto policiado. Deixa eu ver se eu chego. De um
reler de novo, a vendedora de pentes. Essa figura que
conforto realmente... Tem uma série de coisa para
era interessante, o limpador de chaminé, eu acho que
chegar, então, a essa questão da porta conceitual da
todo mundo que leu é um pouco Dickens, conhece
noção de território. Então, vocês trabalham com a
bem a figura do limpador de chaminé todo sujo, né?
noção de território. Muita gente trabalha, Geografia
Vendedor de sapato usado, o judeu vendedor de rou-
trabalha, então, noção de território, ela tem múlti-
pas usadas. E aqui a ideia de: Olha como as crianças
plos conceitos, múltiplos significados. E uma das
se divertem - no meio do lamaçal e de muita sujeira.
concepções de território, que eu acho extremamente
E o limpador de rua, o limpador da rua é uma figura
interessante, que, de certa maneira foi trabalhada por
que ele não era empregado do governo e trabalhava
uma filósofa, que trabalha com questão urbana, que
por conta própria. Porque? Porque a maioria das ruas
a Anne Coquelin, e ela vai dizer que a cidade, ela é
não eram calçadas. Se vocês pensarem que, mesmo
subordinada por lógicas diversas. A gente pensa que
nas suas calçadas, no século 19, a tração é animal e
é só a lógica burguesa, mas não é. Tem lógicas diver-
animal defeca na rua, vocês imaginam a quantidade
sas que ainda atravessam as cidades. Então, ela diz o
toneladas, né, de sujeira de animais que eram reti-
que é, por exemplo, que que significa, em termos de
radas das ruas todas as noites, que eram recolhidas
ruptura, dessa relação da pessoa com a cidade, quan-
das ruas principais, pelo menos, tá? Então, quando
do você resolve, por exemplo, atravessar uma avenida
as pessoas falam “ai, como a Paris do século 19 era
ou, por exemplo, sei lá, um elevado que nem o Ele-
tão bonita”. Eu faço “hmmmmm”. Não sei não, viu?
vado Costa e Silva, ou o minhocão, em São Paulo,
O quanto Paris no século 19 era bonita se a gente
passando na janela das pessoas. E embaixo você tem
pensar toda a tração animal e, na época, começa a
uma série de coisas que acabaram ficando escuras
ter muita muito transporte de coisas, mercadorias,
e que atrapalharam... Quer dizer, essa ideia de que
pessoas, os ônibus eram de tração animal, né? Então,
você rompe com o relacionamento que as pessoas ti-
era realmente uma coisa... O varredor de rua era um
nham com a cidade. O Sambódromo do Rio é uma
cara que ele viu um casal bem vestido se aproximan-
coisa muito parecida com isso se a gente pensar as
do, as mulheres com aquele vestido arrastando pela
ruas estreitas e as casas que ficam atrás das paredes
rua ele ia na frente das pessoas varrendo a rua. Do
do Sambódromo.
outro lado, quando ele chegava na calçada, ele esten-
dia a mão para ganhar um dinheirinho. Então, era, Então, essa ideia de que rompe, ele quebra,

78 79
né? Então, a cidade é vivida de uma forma fragmen- de coisas, pessoas, etc. Na verdade, esse olhar armado
tária. Eu sou habitante de um bairro, tem uma pa- pelo conceito do médico, do engenheiro, do arqui-
daria que eu vou, quando eu falo no meu bairro é teto, do filantropo, etc. Ele dará sempre a impressão
um lugar que eu frequento, mas nem sempre o lugar desse sobrevoo que tudo abarca até a sua singularida-
que eu frequento corresponde a um distrito, que é de, através do que? Da quantificação e da classifica-
administrativo, mas que o poder municipal vai lidar ção. Então esse é um elemento importante.
como se fosse um distrito, e não como o meu bairro.
Enfim, a ideia que ela passa, é a que é importante a
gente aguçar a nossa sensibilidade. Eu estou traba-
lhando ai comigo como historiadora e vocês como
atuais e futuros urbanistas, com essas diferentes re-
des simbólicas que fazem lugares a cidade. A cidade
ser um lugar. Ser apropriada realmente. Eles existem
para além de seus limites, como eu tinha dito para
vocês.
Eu acho que basicamente era isso que eu
queria passar para vocês. Aqui também é uma ideia
que é uma coisa enorme, também, o que tem de Olha, eu vou passar muito rapidamente só
imagens que é o Gustave Doré, também, que é um para a gente fechar. Essa é a palavra que eu queria,
francês que vai para Inglaterra em 1875, faz gravuras, então, deixar, no final, para vocês. Que é também
ele é um gravurista. E aí ele diz: “Olha, se fala que uma palavra da Anne Coquelin, ela vai dizer: “Há
Londres é menos do que uma cidade, do que uma uma revolução constante. Revolução é movimento,
reunião de cidade justapostas. E é muito isso, East né? Que agito para compreender e ver.”. E ela diz:
London é considerado, assim, o lugar da pobreza, da “Eu compreendo porque vejo e dado que vejo. Po-
sujeira, enquanto o West London, que nem na Fran- rém, só vejo pela ajuda do que compreendo que devo
ça, a região Leste é pobre, Oeste é rico. Na Inglaterra, ver naquilo que vejo”. Ou seja, a gente... O olhar é
Londres é a mesma coisa. Então é isso é uma coisa sempre armado, não existe olhar desarmado. A gente
interessante. sempre vai para um lugar e a gente já tem um campo
conceitual que vai nos levar a ver uma paisagem. Uma
Então pouco importa que conceitos sejam
paisagem é um constructo. O que existia era a natu-
forçados, a partir de representações de técnicas, em
reza. Paisagem é um construto intelectual artístico,
situações específicas e em escala e tempo circunscri-
por exemplo. Eu acho que é esse filtro conceitual que
tos, eles possam tornar inviável se chegar ao ânimo
orienta nossos sentidos e a nossa relação com o mun-
80 81
do. Eu acho que isso acontece com vocês e acontece isso diz respeito à formação do campo conceitual do
comigo como historiadora. Todo o trabalho que eu Urbanismo, ele é transdisciplinar, é por isso que só
fiz aqui com vocês foi um trabalho conceitual, que é Arquitetura não dá conta e é por isso que é impor-
mais ou menos aquilo que vocês viram os arquitetos, tante vocês terem a colaboração de Cientista Social,
que apresentaram os vários SESC Pompeia, É um de historiadores, eu não sei se tem médico seria pos-
trabalho conceitual o deles e é conceitual, também, sível, mas é muito importante essa abertura para as
eles dizerem que cada um se apropria do jeito que outras disciplinas, porque o conhecimento urbanís-
quer. É um conceito. Então um pouco é isso que eu tico é transdisciplinar. Ele não está fechado dentro
queria trazer para vocês. Nosso olhar é armado, não da arquitetura. Se a gente só fica com Arquitetura
existe um olhar ingênuo, nem todo ele armado. E é vocês nunca vão entender nada do que significa Ur-
armado pelo utilitarismo, pela relação do custo bene- banismo, vai ser uma técnica, tá bom? Bom, eu acho
fício, pela questão da produtividade, pela questão de que era isso que eu queria passar para vocês. Obriga-
se conseguir o máximo de rendimento com mínimo do por vocês terem me escutado. No fim eu acabei
de esforço, o máximo de prazer com mínimo de dor, sendo, também, afirmativa, mas afirmativa, também,
que é um princípio utilitarista formulado no início em muitas dúvidas, viu?
do século, final do século 18. É da época da Revo-
Entre a luz e o eu falar a gente se esquenta,
lução Francesa que ele tá escrevendo essas cartas, o
né?
Jeremy Bentham, e que, até hoje, preside a nossas
vidas, tá? Então é o pensamento liberal, ao mesmo
tempo, elevado à sua radicalidade e, ao mesmo tem-
po, aplicado em todas as formas do conhecimento
através da concepção disciplinar. É disciplina em
termos, vai, disciplina Urbanismo, disciplina Histó-
ria, disciplina Geografia, tudo ‘separadinho’ nos seus
escaninhos. Se conversa pouco, mas o que eu acho
importante é vocês pensarem o quanto o pensamen-
to arquitetônico e, principalmente, urbanístico é um
pensamento transdisciplinar. Você tem médico, en-
genheiro, arquiteto, filantropo, enfim, vamos ficar só
nesses, os cientistas sociais, que vão entrar mais para
o final... meados do século 19, já tem o Ferdinand
(???), que começa a fazer uma série de trabalhos, o
jornalista como Henry Menhill. Quer dizer, tudo

82 83
DEBATE
Pessoa 1:
Meu papel aqui é abrir a palavra a todos. Des-
calibrar completamente...

Maria Stella:
Fala um pouco mais alto, porque eu, por
exemplo, não estou escutando nada.

Pessoa 1:
Alô, está? Meu papel aqui é abrir a palavra
a todos. Descalibrar completamente a altura no mi-
crofone aqui. Romper a escala de altura do microfo-
ne. E, também, fazer uma pergunta que é um pouco
uma provocação com a Stella. E peço que ela tenha a
tolerância de entender que essa pergunta, essa provo-
cação, é de um arquiteto, né? E, como todo arquite-
to, é bastante... falta humildade e, em geral, bastante
arrogante. A pergunta que eu faço é o seguinte: todo
teu trabalho e fica bem recortado historicamente

84 85
dentro do período... dentro do século 19, início do é... aquele tipo de sociedade, ou seja, aquela arquite-
20, final do 18, né? E nós arquitetos na nossa prepo- tura, digamos, vai, a ágora, na Grécia, dizia respeito
tência sem limite, a gente atravessa, quando a gente a uma concepção de sociedade. Da filha, por exem-
fala em História, a gente atravessa esses limites, né? plo, de que é a concepção política, de que todo o ser
A gente vai lá para Grécia, vai para a antiguidade, humano, ele tem a ideia de política para o grego é
a gente passa para Idade Média, a gente passa pelas uma ideia que está muito ligada a alguma coisa pró-
Luzes e tal. Essa maneira nossa de enxergar a história, xima... Não é bem amizade, mas é a ideia de que
muitas vezes, coloca a gente numa dúvida diante do o homem só se completa humanamente pela pala-
teu recorte e da maneira como você aprofunda nele, vra, pela palavra articulada pelo raciocínio, então, a
né? Nós não temos essa coisa dessa profundidade gi- expressão arquitetônica deles é a expressão material
gantesca, né? Mas, assim, mesmo assim eu gostaria desse tipo de pensamento. Então, eu leio arquitetura
de perguntar: como é que ficam uma série de ele- grega a partir dessa concepção da sociedade grega,
mentos, como você levantou, do panóptico e mesmo sabe? Quer dizer, é uma sociedade de homens livres,
das intervenções do Haussmann em Paris, em rela- sim, muito poucos porque a grande maioria ficava
ção a uma série de conhecimentos sobre Urbanismo, no Oikos. Aquele que saía para a liberdade, que saía
conhecimento sobre a Arquitetura, conhecimento, para palavra, era aquele que sabia que tinha uma re-
discussão, e concepções de espaço, tanto da Arqui- taguarda que era casa, o Oikos, que o pressuposto da
tetura quanto da cidade, que precedem toda a sua economia, que era a casa aonde se dava a reprodução
abordagem, né? Seria possível essa sua abordagem biológica, se dava o preparo da comida, onde você
transitar por aí tudo, ou não, precisamos realmen- tinha escravos. Porque nessas sociedades, vai, uma
te ficar recortados a isso daí? Isso é uma curiosidade sociedade como a grega, ou mesmo como a romana,
pessoal minha. Marx explica isso de uma forma muito mais bonita,
que eu não vou conseguir explicar aqui com todos os
detalhes. Mas ele mostra que são sociedades que se
Maria Stella: forma a partir de homens livres, alguns, claro que a
Tá bom. É uma pergunta, realmente, uma mulher não é livre. Ela está dentro da casa, tá? Mas
pergunta difícil, uma pergunta interessante e va- então em forma de homens que são, na Grécia, eles
mos ver se eu dou conta de responder. Eu acho o são, ao mesmo tempo... Diferentemente de Roma,
seguinte: primeiro, quando você fala que transita, vai esse homem livre da Grécia, ele não tá ligado à ativi-
para a Grécia, vai para Idade Média, etc., o arqui- dade do trabalho. ele está liberado para sair do Oikos
teto vai, mas se você não for com instrumental da para o espaço aberto e, então, a ágora pode ser uma
História para entender o que tá acontecendo, você arquitetura, mas ela pode ser uma reunião de pesso-
vai ficar só na forma. Você deixa de lado aquilo que as. Eles que acreditaram que depois era mais agra-

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dável você expressar essa reunião de pessoas numa disponível se construía de outra maneira. Se esquece
arquitetura e pensar, então, para aquela reunião de da dimensão simbólica da arquitetura, que é extre-
pessoas, qual era a melhor arquitetura? Então essa so- mamente importante. Ele tem um livro que chama
ciedade, então, essa sociedade, então, desses homens, “Mito arquitetura”.... tem dois ou três nomes, agora
o que que acontece? Você tem numa área da Grécia eu não me lembro exatamente, em que ele trabalha
ou de Roma uma densidade demográfica grande e com essa ideia e disse que a primeira expressão sim-
você tem inimigos que vem e querem derrubar tua bólica foi o tempo. Então ele vai trabalhar muito
cidade, querem ficar com a tua cidade. O que que com essa noção dessa expressão religiosa, seja ela qual
você faz com o inimigo, nessa época? Ou você mata, fosse, né? Qualquer religião panteísta ou que fosse
ou você escraviza. Não tem outra forma, tá? Então, mais ela se expressando no tempo. Então, a minha
quando você não mata, você escraviza. Então isso faz leitura da arquitetura ela vai muito pela sociedade
a gente entender uma série de coisas que está aconte- e não pela forma. Quer dizer, a forma, para mim,
cendo no Oriente Médio hoje em dia, que tem ainda vocês leem forma muito melhor do que eu, vocês são
muito a ver com essa concepção. Então, você tem educados para ler formas, vocês têm formação para
esses escravos em casa que fazem todo o trabalho. A ler forma. Eu olho aquela arquitetura para entender
ideia de estar livre é estae livre das penas, do labor o que simbolicamente eles quiseram expressar com
que se significa a atividade de sobrevivência. Então aquilo. Sei lá. Quando eu acompanhei, por exemplo,
você não tem que produzir nada, você não tem que o processo de construção do Mercado Municipal de
ir para o campo cultivar. Que é diferente, na Roma São Paulo. A Marta conhece um pouco essa questão
ele é também cultivador e guerreiro, mas é uma outra porque ela trabalhou lá com a Várzea do Carmo, né?
concepção. Mas, então, a Arquitetura é uma expres- Foram feitos 12 projetos e nenhum foi aceito, por-
são dessa sociedade. É assim que eu leio Arquitetura: que eles diziam, tanto o pessoal da Prefeitura quan-
como expressão de uma sociedade. Eu preciso conhe- to o pessoal da Assembleia Legislativa, que aquelas
cer a sociedade para entender a Arquitetura, ela não propostas não expressavam a pujança de São Paulo,
é sua forma. Ela é uma forma que exprime, simboli- a riqueza de São Paulo. Aí eles encomendam pro ar-
camente, como a sociedade pensava na época sobre quiteto Ramos de Azevedo, pro escritório dele, que
si mesmo. E eu achei muito interessante encontrar era quem construiu praticamente todo edifício pú-
um arquiteto, William Lethaby, ou Lethaby, já vi ser blico de São Paulo, né? Até a década de 1930, acho
falado das duas formas. No final do século 19 ele dis- que dos últimos são o fórum... é o fórum, não. O
se: “Ah, até hoje a história da Arquitetura vem sendo Palácio da Justiça, né? Na Praça Clóvis Beviláqua, né?
feita em relação ao material e o tipo de construção”. Agora foi derrubada aquela coisa pavorosa que foi
Então se era argila, então se construía com barro e feita de juntar a Praça da Sé com Clóvis Beviláqua,
determinado tipo de arquitetura, se tinha mármore mas, enfim, é para ele, que daí ele, então, põe uma

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estrutura de ferro com argamassa em volta, com ti- ou menos por aí. Não, depois. Um pouco depois.
jolos em volta para dar essa pujança. Quer dizer, já Acho que 2010, se não me engano. E depois eu pe-
tinha métodos modernos, sabia como construir com guei, no mesmo ano, saiu uma revista da USP que
concreto, mas não vai ser a forma que ele vai por. Por foi sobre cidade, sobre São Paulo. “São Paulo hoje”,
fora vai parecer como sendo uma construção antiga se não me engano, o número se chama. Que tam-
ainda, embora não fosse, né? Com aquelas grandes bém é praticamente, quer dizer, a grande maioria dos
cabeças de séries significando abundância em casa já, artigos são de arquitetos e Nabil Bonduki, Raquel
né? Etc.. É um símbolo! É simbólica! A arquitetura é Rolnik, vários outros também. Estou me lembrando
simbólica! É extremamente importante, então eu leio desses porque foram os que eu li bastante, que eram
muito mais essa parte, esse tipo, essa vontade, que as artigos que eu achei realmente muito interessantes,
pessoas tiveram, na época, de expressar essa pujança mas tinham também vários daqueles que tinham
de São Paulo, que era como eles diziam na época. sido entrevistados e que tinham saído no Estadão. O
Né? Então um pouco é essa a ideia. então eu acho que é interessante é que o campo conceitual que eles
que isso, para mim, me ajuda a pensar hoje em dia. estão utilizados para falar dos problemas da cidade é
Eu posso pensar uma cidade, hoje em dia, a partir esse mesmo que eu apresentei para vocês. E foi isso
desses pressupostos? Porque é o que eu estava falan- que me fez voltar aí a mapear bastante século 19, ver
do: eles persistem até hoje. como ainda são as mesmas questões, são um mesmo
campo conceitual, mais elaborado, mais... Quanto
mais elaborado, mais você pode dividir, mais você
pode precisar as coisas, mas a base do campo con-
ceitual ainda é sanitarista. O que é sustentabilidade,
gente? O que que é essa concepção organicista de ci-
dade, orgânica de cidade? É muito uma concepção
que vem da biologia e da Medicina. Se a gente pensar
grande primeiro planejamento, o que propõe o pla-
nejamento regional, que é o Guedes, que é o Patrick
Guedes, ele é um biólogo. E a ideia dele, olha, a ima-
gem que ele faz do planejamento regional, campo
com cidade, precisa do porto, também, ou da via fér-
Eu peguei alguns depoimentos que saíram
rea, da estação de trem, etc.. Porque as coisas, né? As
no jornal, O Estadão principalmente, do Cândido
coisas... As cidades não existem sem o campo porque
Malta, de várias pessoas, agora eu não me lembro.
o campo alimenta a cidade, me lembrou muito (eu
Bom, de vários arquitetos e urbanistas falando dos
não sei se vocês conhecem) a imagem do bom gover-
problemas e São Paulo isso em 2004, eu acho, mais
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no de mal governo que tem em Siena. Na Prefeitura nizando um pouco a cidade. Começa organizando
de Siena. O bom governo é exatamente essa concep- pela questão do mercado de trabalho, mas também
ção que você tem no Guedes. Então, você vê, é uma vai organizar o espaço urbano. Então, você sabe, tem
retomada de uma concepção medieval, que a cidade esse pano duro. Olha, eu acho que a coisa que mais
não é uma coisa fechada, mas que ela é alimentada me chamou atenção, me deu mais vontade de estu-
pelo campo, que ela depende do campo para captar dar, foi isso, foi ele dizer, no primeiro texto sobre
água, para levar as mercadorias urbanas, para ter... Urbanismo, que você precisa do trabalho do legisla-
Olha, eu posso passar para você o artigo que eu fiz, se dor, do engenheiro, do arquiteto e do cientista social,
você quiser, onde eu trabalhei primeiro com esse cha- por exemplo. Sem tudo isso você não faz Urbanis-
ma “Interdisciplinaridade-transdisciplinaridade nos mo, você faz técnica, você faz forma, mas não faz
estudos urbanos”. Ele saiu na revista urbana, acho Urbanismo propriamente dito dentro desse campo
que no fim do ano passado, tá? Ele saiu com todas as conceitual denso que é o que eu estou tentando apre-
imagens, tudo direitinho, porque ele saiu a primeira sentar aqui para vocês. Não sei se eu dei uma resposta
vez sem imagem porque a editora achou que ficaria para você, acho eu estou sendo tão impositiva, mas
caríssimo pôr as imagens, não pôs, então saiu só o não é isso. É que eu queria realmente passar um ele-
texto, mas depois, na Revista Urbana, como é uma mento de reflexão para vocês. Do quanto que não é
revista, que por meio eletrônico, deu para por todas forma só, a forma é uma expressão de uma sociedade,
as imagens. A base conceitual, eu tirei a base concei- né? A arquitetura moderna é expressão de uma socie-
tual com a qual eles analisavam a cidade e transpus dade que já na arte estava trabalhando com as formas
para esse campo conceitual do século 19. É o mesmo. básicas simples do quadrado, do retângulo, do círcu-
Não mudou. Eu acho que uma coisa que seria impor- lo. E tudo isso vai ser transposto. Bom, vamos limpar
tante, que eu acho que é o que eu queria passar para arquitetura, o Otto Wagner, por exemplo, em Viana,
vocês, o quanto é importante entender essa transdis- ele começa com essa arquitetura neoclássica ou eclé-
ciplinaridade constitutiva do campo conceitual do tica, depois ele limpa a parede externa, põe a janela
urbanismo. Que ela é formulada no final do século próxima da parede. Não tem mais aquele recuo, com
18, ela ganha muita força no decorrer do século 19, aquele peitoril, etc.. E por que ele diz: “Não! A jane-
ela se formula a partir daquelas intervenções que ain- la é janela, ela tem que abrir para rua, ela tem que
da chamavam embellissement, melhoramentos urba- mostrar sua função!”. Então que que você tem atrás
nos, urban improvements, que é o que acontece em essa concepção da arquitetura moderna de função?
Londres e que vai chamar Urbanismo, no início do Você tem o pensamento utilitarista. Que foi formu-
século 20, de uma forma jamais fechada e urbanística lado lá no final do 18, início do 19 que está presente
. Mas você tem uma série de leis que, na Inglaterra na concepção de função, de que a forma tem que
começam já partir dos anos 40, 50, que vão orga- corresponder a uma função ou a um programa. Não

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é muito isso que a gente utiliza? Quer dizer, qual é o uma possibilidade, mas eu acho que é uma forma da
programa que você vai construir, por exemplo, para o gente tentar trabalhar em conjunto. Pelo menos foi a
equipamento do tipo escola? Que que deve ter? Deve forma como eu sempre tentei trabalhar desde que eu
ter a sala de aula, deve ter sala do diretor, o recreio, ajudei a montar o curso de Arquitetura na Unicamp.
banheiro masculino, banheiro feminino, e a partir Foi um pouco... no começo os alunos falavam: “ai
desses pressupostos, que vem de onde? Vêm do cam- mas porque que as maquinarias inglesas do conforto,
po da moral, vem do campo da utilidade, de como você tá dando para gente ler?”. Eu descobri que eu
você organiza a sala de aula. Como é que as salas de só conseguia dar aula a parte arquiteto com imagens,
aulas eram organizadas antes? Você tinha um montão se eu não mostrasse as imagens eles não conseguiam
de mesa, você tinha alunos mais avançados que aju- prestar atenção nas palavras e não tinham vontade de
davam ensinar alunos mais atrasados. Isso até o final ler as coisas, né? Aí, depois que eu comecei a mostrar
do século 19. O Grupo Escolar, por exemplo, a esco- imagens, eles começaram a ler para entender o que
la seriada, como nós conhecemos hoje, ele é do início que eu estava mostrando na imagem. Eu achei que
do século 20, não é? Quando eles começam a fazer isso foi uma coisa ótima, tá? Bom, mas é formação,
os Grupos Escolares, tá? Até então você tinha isso e gente. Eu acho maravilhoso meus alunos consegui-
a classe organizada dessa forma panóptica que ela foi rem ler as imagens muito melhor do que eu. Estavam
organizada e que ela é organizada até hoje em dia. no segundo, terceiro ano de arquitetura e liam muito
Eu me lembro que quando eu era criança e que eu melhor do que eu. Então tinha uma troca muito boa,
estudava no Mackenzie, tinha o tablado. O professor porque eu conseguia mostrar para eles porque que
ficava um pouco mais elevado do que nós para poder aquela forma era aquela forma e eles conseguiram ler
enxergar direitinho até o fundo da classe; ver quem a forma para mim. Então isso eu acho... Eu dei muita
estava conversando, colando ou fazendo outra coisa aula junto com arquitetos, eu dava uma parte da aula
que não fosse prestar atenção. Concepção panóptica ele dava a outra, traziam para os dias atuais. Eu acho
e utilitarista bem, então. que vou por aí que é o recado que eu queria passar
para vocês. Não sei, respondi a tua pergunta? Então
Então eu acho que é nesse ponto que eu acho
tá bom.
que o historiador pode trabalhar junto com o arquite-
to. Desmontando um pouco esse conhecimento que Gente, outra coisa que eu queria falar para
parece tão acabado para vocês. Ele é acabado, mas a vocês, a concepção que a gente tem da população
gente pode desmontar e ver quais são os pressupostos semiletrada, semirracional, né? Hoje, eu não sei se
nos quais ele está montado. Eu acho que se a gente vocês viram, na hora do almoço estava tendo a Co-
não fizer isso a gente roda em cima sempre dos mes- missão Ética que tá julgando o Cunha, o Eduardo
mos problemas. Não sei se é possível romper com Cunha e um dos caras que estava falando, ele falava
esse paradigma eu não estou colocando isso como português tão errado, assim no sentido de que ele
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conjugava errado os verbos, “haviam de ver”, era casa é assim. Para ela saber qual é o seu lugar, não é
uma coisa, assim completamente atrapalhada, mas, verdade? Casa da família é aqui. Porque que se fez
enfim, chegou uma hora que ele falou: “É isso mes- sala de visita? Isso não existia. Porque é a área em que
mo! Eu sou baixo clero mesmo! E baixo, baixo clero você recebe o estranho, estranho no sentido de que
mesmo!”. Aí eu parei e pensei assim, eu falei, olha, não é da família. A área privada é da família, ou seja,
gente, o preconceito que eu mesmo tenho em relação um dos pressupostos da moral burguesa, que não
ao baixo clero, porque é a população que foi trazida tem nada a ver com a aristocracia, aristocracia não
pelo Eduardo Cunha. Desculpe se alguém aqui gosta tem esses problemas. Não sei se vocês viram aquele
de Eduardo Cunha. De uma série de igrejas evangéli- seriado Downton Abbey. Você tem dentro do quar-
cas, que pega uma série de... Eu não tenho nada con- to a mulher, e a mulher está se despindo, está moça
tra o protestantismo nem contra a igreja evangélica. ajudando. ela conversa com marido falando de coisas
Pelo contrário, eu estudei dos sete anos aos dezenove íntimas como se aquela moça fosse surda e muda, né?
anos no Mackenzie, aprendi muito com eles de ler E cega, e sei lá eu mais o que. É como se não existisse.
Bíblia, que, na religião católica era proibido ler Bí- O serviçal não é levado em consideração. Então, eu
blia. Mas uma coisa que, eu acho assim, para mim acho que é um pouco isso que eu... Fala, Verônica.
me assusta muito é tem uma igreja... Lá em Barão
Gente, como é que o pessoal da Globo con-
Geraldo, onde eu moro, bairro que eu moro, tem
segue ficar com isso tantas horas? Que dá dor de ca-
umas 10 igrejas evangélicas. Um cara brigou com o
beça.
irmão, ele funda uma outra igreja. Não tem pressu-
posto religioso nenhum, gente. É assustador! E cobra
o dízimo dessas pessoas, né? Então é assustador. Verônica:
Então qual é o meu preconceito? Ah, precisa- Stella, está me ouvindo bem? Não, tem duas
ria levar luzes a essas pessoas para eles não serem pe- questões aí que coloco para você, né? Que você colo-
gos nessa armadilha. É uma concepção culta, é uma ca essa questão da construção social histórica, concei-
concepção preconceituosa. Pré-conceito, não resta tual, sobre a cidade, né? Quer dizer, isso já é produto
dúvida. Então, a gente não se livra deles facilmente. de vários, de várias construções anteriores nesse olhar
Eu posso ser crítica e, ao mesmo tempo, ser atora do sobre a cidade. E você termina sua fala muito, tam-
preconceito, mas eu acho que é uma coisa que vale a bém, pautada na Anne Coquelin, sobre questão da
pena pensar, sabe? As palavras significam, os nossos paisagem. E aí eu queria saber, um pouco, qual é a
preconceitos dirigem a nossa vida, a nossa forma de sua opinião, se há espaço para subjetividade?
se relacionar com as pessoas. Aí eu acho que... Por-
que que o quarto de empregada (hoje em dia nem
tem mais) ficava perto da área de serviço? Na minha Maria Stella:

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Sobre o quê? porque vou pouco para Campinas. Barão Geral-
do é bairro que fica com uma estrada de 5km, que
chama Tapetão, que liga o primeiro bairro de Cam-
Verônica: pinas a Barão Geraldo, embora seja já com pouco
Para a subjetividade e para o inconsciente, ou construção porque tem a reserva dos dois lados. É
seja, para esse lugar que ainda não está totalmente um distrito. Um subdistrito de Campinas, né? Na
domado por essa construção histórica e social. Isso verdade ele tem uma Subprefeitura, tem uma série
é uma primeira questão. Uma segunda questão, né? de coisas de distrito. Barão Geraldo é um lugar que
Você pensando como historiadora, é sobre as cida- eu vivo desde 1976. Foi quando eu comecei a tra-
des e o dia a dia das pessoas, né? Tá muito mesclado balhar na Unicamp em 74 com filhos pequenos, era
pela tecnologia e pela tecnologia informacional, né? uma loucura ficar viajando para lá e para cá, eu dei
Hoje essa figura, por exemplo, do flâneur, que vai uma de canguru, pus os filhos na barriga, no saco,
conhecendo a cidade pela errância, pelos desencon- falei para o meu marido: “Vamos embora”. Ele disse:
tros, parece que tá quase que em ameaça de extinção, “Vamos, sim, porque você está tendo a vida que eu
porque você já pega o GPS, coloca no carro, o Waze pedi a Deus!”. Que era passar vários dias fora de casa.
e você enfim, percorre a cidade toda sem precisar Então ele passou a ficar mais tempo em São Paulo e
necessariamente olhar para sua materialidade. Ou ia para Campinas, claro, mas para mim foi um alí-
pelo menos pelos seus pontos, né? Pelos quais você vio ter mudado para lá, perto da Unicamp, poder,
identifica os marcos, os símbolos, né? Como é que a eu acho que eu dei uma infância para meus filhos
história está pensando sobre isso? E como é que você muito melhor do que eu tive em São Paulo. Porque
vê essas duas questões? eu morava em São Paulo, eu não saia do Jardim, mi-
nha mãe ainda dizia: “Não vai muito perto do portão
porque a cigana pode te pegar”. Então, tive uma vida
Maria Stella: bastante segregada em São Paulo. Nem todo mundo
Bom, eu acho essa segunda é mais complica- teve essa experiência, mas minha experiência de vida
da pra mim. A primeira, sobre a questão da subjeti- de São Paulo era bastante segregada. Mas até hoje,
vidade, eu acho que o que a Anne Coquelin mostra quando eu penso em cidade, eu penso em São Paulo.
é que existe o domínio impenetrável que é essa sub- Porque eu vivi em São Paulo até uma idade adulta.
jetividade. Ela é montada a partir da sua experiência Até 33 anos. Então São Paulo, para mim, ela tem
no lugar que se pode transformar em vivência, mas camadas e camadas de deslocamentos que eu fiz, eu
que ela também é montada por uma camada de re- morei primeiro na Albuquerque Lins, que é uma rua
cordações. Então, por exemplo, eu moro em Barão que vai.. que fica entre a Praça Marechal Deodoro e
Geraldo. Não dá nem para dizer que a Campinas, a Higienópolis. Depois, então, eu tenho recordações,

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muito tênues, mas tenho, daquela época, depois eu ca, 5 anos em fábrica. Então, tinha um outro tipo
mudei, durante um tempo, para Santa Isabel, que é de vivência, achava que tudo tinha que mudar mes-
uma rua que fica na região central, é a rua que tem mo. Era progresso. Para mim, São Paulo era cidade
a porta da Santa Casa, muito contíguo ao Largo do canteiro de obras, é isso mesmo, é isso que tem que
Arouche. Então eu tenho uma série de recordações, acontecer. Então, tem toda essa parte dessa vivência
principalmente na casa da minha avó, que era do lá, né? Depois eu mudei para a Vila Nova Conceição,
lado da minha, de fazer a feira, de ir na igreja, quer que era um bairro de pequenas casas, classe média,
dizer, tem uma camada de recordações que formam muito próximo da Avenida Santo Amaro, então,
a minha vivência. Isso é subjetividade e ninguém al- também... E depois daí eu mudei para Campinas.
cança a não ser eu mesma. Eu, depois eu mudei para Então tudo aquilo que eu vivi em São Paulo é muito,
o Sumaré, para o Jardim das Bandeiras. Um bairro mas muito mais forte do que os 40 anos que eu vivi
que meu pai, que era Engenheiro, loteou. A fazenda em Campinas, no mesmo bairro, numa mesma casa,
era uma chácara de uma família, que pagou para ele com uma experiência pouco variada. A experiência
e ele fez o loteamento e nós fomos morar, também, que eu tenho, até hoje eu não preciso de GPS para
num dos lotes do Jardim das Bandeiras, tá? Fomos andar em São Paulo e eu preciso para andar em Cam-
meio pioneiros, tinha meia dúzia de casas, lá. Fomos pinas. Então, vocês veem que é um absurdo, né? Mas
morar lá e tenho muita recordação de subir a ladeira eu acho que isso é subjetividade, isso é uma questão
da Heitor Penteado, ainda completamente deserta, de um tipo de experiência que não é muito transmis-
vocês imaginaram a Heitor Penteado deserta? Para sível, que é cada um tem a sua, né? Então eu acho
chegar até o ponto do ônibus do Sumaré, na Ave- que isso persiste. A outra pergunta que você fez, que
nida Doutor Arnaldo. Então, tudo isso tá na pele, foi mais complexa, fala só mais um pedaço. Fala mais
faz parte dessa vida que eu levei enquanto criança, alto que realmente, eu estou totalmente surda aqui.
enquanto jovem, né? Depois, quando eu casei, eu fui
Pois é, então, eu levo susto cada vez que eu
morar na Alameda Santos, esquina com a Rua Briga-
vou para São Paulo principalmente na Vila Olímpia,
deiro Luís Antônio. Eu levava o meu filho, quando
né? Porque eu sempre entrei para ir... Porque o meu
nasceu, para passear pela Paulista, porque a Alameda
apartamento fica em Moema, né? Eu mantive um
Santos é assim, então empurrar carrinho da paulista
apartamento em São Paulo. Então eu sempre entrei
era mais fácil. Eu vi vários casarões caindo. Eu achava
pela marginal pegava um pedacinho, pego, ainda,
a coisa mais normal, aquilo não serve para escritó-
um pedacinho da Cidade Jardim e já pego do lado e
rio, tem que cair para fazer prédio. Só quando eu
depois passo pela Vila Olímpia. Puxa, aquilo mudou
fui fazer história é que eu comecei... Porque eu fui
tanto, gente. Aquilo era uma rua... E o pior é que
fazer a história... Que a minha primeira formação foi
ela mudou tanto. Construíram prédios e não alar-
como química industrial. Trabalhei muito em fábri-
garam muito as ruas. Alargaram algumas, mas não
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alargaram todas. Alargaram a Nova Faria Lima, mas custo, que a de trás, eles queria vender. Era uma casa
as ruas internas não alargaram. Aquilo ficou intran- comprida, com terreno grande. Eles queriam juntar a
sitável, não é? Porque construíram prédios... É que casa de trás com essas quatro casas, para fazer um em-
nem na Berrine, se vocês pegarem aquela região de preendimento. Fizeram, tá lá feito até hoje. Então foi
São Paulo, ela era a região que tinha casinhas, cada uma pressão muito grande e a gente acabou saindo
família com seu carro, se é que tinha carro, né? Era de lá. E a rua continua a mesma. Hoje em dia a Vila
isso. Hoje em dia tem prédios e um montão de car- Nova Conceição é um bairro impossível de se andar.
ros e as suas continuam mais ou menos as mesmas. Você não consegue parar um carro lá, porque você
Então você tem uma quantidade de trânsito insupor- não tem aonde parar, porque muitos desses prédios
tável naquela região. Eeu acho muito divertido quan- foram feitos numa época que não era apartamento e
do tem projetos arquitetônicos que dizem: “Ai, nós 4 vagas na garagem. Era um apartamento e uma vaga
vamos fazer um jardim”. Constroem sete torres de, na garagem, no máximo, duas vagas na garagem, en-
sei lá, 30/40 andares e mantém um jardinzinho no tão o resto dos carros ficam nas ruas, Então, eu acho
meio. “Ai, nós estamos dando verde para a cidade.”. que é importante a gente pensar o que que a gente...
Gente, pensem nisso enquanto arquitetos. Eu acho o que que a gente está fazendo das nossas cidades.
que é uma coisa importantíssima de ser pensado. Realmente é importante a pensar. Não sei se foi isso
Ninguém tá dando verde para cidade construindo 6 que você perguntou e se eu respondi, mas eu acho
torres e mantendo um pequeno jardim, ou fazendo que é uma coisa importante de ser pensado.
aquilo que a gente via da janela do meu quarto, hoje,
Vocês devem estar exaustos, né? Eu só estou
as torres com piscina e você falou que os apartamen-
com dor aqui, porque isso daqui aperta demais as
tos são minúsculos, são apartamento de estudantes.
orelhas. Mas como professora, vocês sabem. A gente
Quer dizer, a ideia é um pouco essa entendeu? Quer
fica 4/5 horas dando aula e adora falar, ainda mais
dizer, você não tem muita ideia de que você substi-
para pessoas simpáticas. Eu gosto muito de falar com
tuir meia dúzia de casas, que foi que aconteceu na
o pessoal da arquitetura. Exatamente porque vocês
Vila Nova Conceição, onde eu morava, eu saí porque
me colocam questões em relação a esse tipo de, qual
eu fui expulsa de lá, né? Porque, na verdade, não é
é o diálogo? Qual é o diálogo possível? Acho isso im-
porque eu não tinha lido silêncio a noite e aquelas
portantíssimo.
moedeiras lá, de fazer concreto, funcionavam dia e
noite, dia e noite, dia e noite e vocês não conseguiam
dormir, o barulho era insuportável. E aquele pessoal Pessoa 2:
pressionando: “Ah, vende sua casa! Vende sua casa! A
gente quer fazer...”. Eu morava numa casa geminada, Boa noite, Professora. Eu queria pegar o gan-
duas a duas, e faziam 4 casas e a turma queria a todo cho da Professora e ver se procede essa questão. Entre
o urbano e a sociedade existe a mediação da ideolo-
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gia. Entre o urbano e a subjetividade existe a mesma mais com a periferia. Aí entra a ideologia, mas na
mediação, da mesma ideologia, no sentido daqueles escolha, a técnica é a mesma. Não tem outra técnica.
que organizam o espaço. Não no sentido daqueles A gente lida com a mesma técnica. Não tem outra.
que constroem o espaço. Então, como a senhora vê A gente pega, por exemplo, vai, lá em Campinas teve
isso? um grupo que trabalhou muito com arquitetura de
argila. É argila que chama? Bom, trabalha com esse
tipo de arquitetura pra dizer que você podia fazer
Maria Stella: uma arquitetura mais barata. Não, não tem nada a
Eu acho que a questão da ideologia, hoje em ver com taipa de pilão. Era um tipo de tijolo que era
dia, ela é uma questão para decidir como e onde eu feito com...
faço primeiro as coisas, mas a questão da técnica, ela Isso durou cinco, seis anos. Quando os en-
é a mesma. É a mesma racionalidade utilitarista, tá? genheiros que estavam trabalhando com isso chega-
Então, se a gente vai falar de uma ideologia é o libe- ram à conclusão de que não estavam conseguindo
ralismo levado aos seus últimas consequências. En- convencer muita gente, acabaram com a experiência.
tão, é o mercado que dirige a nossa vida, né? Não é Não interessava, porque você tem grandes empreen-
a grande preocupação do governo que acabou de se dedores que já tem pré-moldado, vai, eu fico falando
instalar aí como o governo provisório, é economia? toda vez que eu olho janela, eu fico olha que prédio
Como é que nós vamos fazer uma equipe econômi- bonito, aí olho para janela é aquela como é que é?
ca, de técnicos bons, e etc.. Espero que realmente Sazaky? Suzusaky?
consigam fazer alguma coisa, mas a técnica, ela não
mudou muito. Aquilo com que eles trabalham, esses
economistas trabalham, é um desenvolvimento um Plateia:
pouco mais sofisticado daquilo que já se trabalhava
Sasazaky.
no século 19, só que muito mais sofisticado em re-
lação a fazer curvas, a fazer gráficos, a quantificar, a
classificar... Quer dizer, mas é o mesmo conhecimen- Mais Stella:
to técnico que é utilizado para fazer a cidade. Como
é que é entre ideologia? Se você pegar, por exemplo, o Gente, é tudo igual, é horrível, aquilo só abre
Maluf, ele quis fazer um túnel embaixo do Pinheiros metade. Eu gosto de janela que faça assim. Não,
para facilitar a ida para o Morumbi e pros bairros aquilo abre assim. Você tem que respirar pela aquela
nobres de São Paulo do outro lado, que é esse pedaço metade que abre. É horrível, gente! Tirem essas jane-
aí da Vila Nova Conceição e que atravessa pro Ibi- las dos prédios! Façam de novo as folhas que abrem
rapuera. Se você pega a Erundina, ela foi trabalhar e fecham. O que que é mais caro? É a... Como é que
chama? É a dobradiça? O que que é? É o que fecha?
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O que que é mais caro? Porque é insuportável! En- bém, uma coisa extremamente importante. Então eu
tão, você não consegue vencer a pressão. Fica mais sempre fui muito movida por esse tipo de concepção.
barato de qualquer jeito, você não consegue vencer. Então eu não tenho nada contra as coisas modernas.
Eu acho que foi isso, eu não acompanhei muito, eu Não é isso, não. Mas eu acho que, ainda, disparidade
acompanhei muito de longe esse projeto deles e eles entre isso e a casa modular do pobre é muito ruim.
construíram as moradias que tem de estudantes, até É muito... Quer dizer, é uma disparidade tão grande.
hoje, lá na Unicamp. Eu gosto das moradias, nem
Você sabe que eu me lembro, ainda, nos anos
todo mundo gosta. Eu conheço algumas casas de
muito ela para trás, quando, pela primeira vez, eu
alunos que eu frequentei, então conheci. Mas você
não sei se foi na época do Lacerda, se não me engano.
tem uma pressão do mercado muito forte para uti-
Não me lembro exatamente quem era o prefeito do
lizar esse material industrializado, padronizado, que
Rio que construiu um montão de casinha desse tipo,
facilita muito. Uma vez eu me lembro que eu per-
bem casinha de cachorro: porta, janela, porta, janela,
guntei para Ana Fernandes porque que casa de pobre
porta, janela e derrubou uma favela e levou toda a
tem que ser tão feia, parecendo sempre casinha de
turma para esse lugar um pouco afastado, porta, por-
cachorro. Ela falou, Stella, porque se a gente pôr uma
ta e janela. Algum tempo depois, eles foram fotogra-
varanda numa casa, encarece, digamos cinco mil re-
far. Então, inauguração, toda aquela coisa bonita...
ais a casa. Eles não vão aceitar. Então a gente não
Foram fotografar o lugar. Muitas casas tinham pego
consegue projetar. Eu acho que tem que dar, vocês
um vaso sanitário, posto na porta e transformado no
tem que dar larga à imaginação e projetar, de um
vaso. Adivinha o que que eles disseram? Olha, essa
jeito barato, coisas mais bonitas. Porque eu não estou
gente é tão selvagem, que não sabe usar vaso sanitá-
pensando nas casas ricas e nem nesses prédios. Isso
rio. Eu acho que tem coisas por aí que vale a pena a
aqui é lindíssimo, tá? E os que a gente viu do SESC,
gente pensar um pouco. Não sei, é um pouco que..
aí, são maravilhosos. Não é isso. Eu acho arquitetu-
mas eu acho que vale a pena pensar formas criativas
ra é maravilhosa, eu sou a maior fã da arquitetura,
de construir casa barata, gente. Porque são muito
moderna, atual, contemporânea. Não de tudo, viu,
feias. Essas ‘Minha Casa, Minha Visa’ são de chorar,
mas de muita coisa. Realmente eu acho maravilhoso.
viu. CDHU são de chorar mais ainda. São muito
Agora acho a técnica uma coisa que sempre me... Eu
feias. Tem que ter uma forma criativa de fazer. Sei lá.
acho que pai engenheiro e marido engenheiro, eu li-
Eu acho que tem. Eu acho que vocês tem criativida-
gada muito com química. Em Química eu fiz muito
de e podem ser liberar um pouco para fazer alguma
exame, muita análise de insulina, eu achava que esta-
coisa criativa, bonita para população de baixa renda.
va salvando todos os diabéticos brasileiros, então era
Proponho que vocês façam isso como um desafio.
uma ideia muito ligada essa coisa... Foi a época que
Principalmente os alunos que estão se formando e
estava entrando a cortisona no Brasil, então, tam-
que estão com toda vida profissional pela frente, tá
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bom? relações, as redes, é uma coisa complexa, não é coisa
pra se fazer sozinha. Sozinha dá para fazer um recorte
muito pequeno. Mas é a proposta de trabalho de ser
Adalberto: interdisciplinar. Um pouco aquilo de ser o temático.
O meu papel era fechar, mas eu vou fazer Que a gente fez uma série de trocas, né. Eu aprendi
uma pergunta e depois nós conversamos só para fe- muito com vocês, espero que tenha sido, a recíproca,
char efetivamente. Quando eu comecei a discutir a verdadeira.
possibilidade das primeiras aulas, nós quisemos ir
um pouco além e propor, por exemplo, história...
Adalberto:
História Urbana, História do Urbanismo, História
da Cidade, e você propôs História do Urbano e, por Certamente foi. E eu acho que é muito im-
outro lado, você nos dá uma chave de leitura das sete portante as pessoas lerem esse texto. Esse texto ele na
portas conceituais, que em 1990, você apresenta no realidade foi formador de nós, urbanistas, na FAU,
primeiro congresso de... etc. e tal. Que são “As sete portas da cidade”.

Maria Stella: Maria Stella:


Isso. Eram só as 5 portas. Aí depois falei Te- Foram dois, né. Gente, eu vou tirar isso por-
bas tinha 7, então tem que ser 7. que eu não estou aguentando mais. Pronto. Tá dando
para falar assim, né? O primeiro, que foi de 1990,
chamava “Permanência e Ruptura”. Que eu falava,
Adalberto: bom, existia uma permanência de se pensar a cidade
E Roma também e Paris também. 7 colinas. como algo fechado, definido. O Adam Smith, ainda
Então, a diferença entre a História Urbana, a Histó- no século 18, vê a cidade como o lugar da racionali-
ria do Urbanismo, a História da Cidade, ela se dá, dade. De repente, no século 19 todo mundo começa
de certa forma, pela fonte, pelos olhares, etc. e tal. a dizer que a cidade é caótica. Então alguma coisa
Quando você propõe História do Urbano, você en- se rompeu. Então foi por ai que eu comecei a traba-
globa? Todas essas? lhar quando foi 1990. Depois teve os “Sete portas da
cidade”, que foi organizado por um grupo da FAU-
-USP, pela Revista Espaço e Cidades, que eles reu-
Maria Stella: niram historiadores, então tem o Nicolau Sevcenko,
A tentativa seria englobar tudo aquilo que eu, o Edgar e o Nestor Goulart, e fizeram uma série
acontece no espaço urbano. Não só a forma, mas as de perguntas para a gente responder na hora. Então

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aí eu levei já as sete portas. Porque foi um pouquinho Maria Stella:
depois, acho que foi 91, 92, mas foi logo depois.
Obrigada a você, Adalberto. Foi muito bom
estar aqui com vocês. Rever Norma, Marta, toda a
Adalberto: turma, tá bom? Obrigada.
Porque esse texto foi formador pra quem fez
doutorado na USP. Então, quando eu comecei a falar
com a Stella, eu sugeri o sete portas. Porque eu che-
guei e disse, Stella, porque não as sete portas. Que foi
uma coisa quase inicial.

Maria Stella:
Sim, foi inicial. Para mim foi a entrada nas ci-
dades. Além do Londres e Paris foi a entrada a partir
do Walter Benjamin, ou seja, a partir de uma con-
cepção mais filosófica, ligada aos romancistas, como
eles liam a cidade, etc. Essa foi a primeira vez que a
Ana e o Marco Aurélio me puseram o desafio. Olha,
você vai falar com arquitetos. E eu me lembro que eu
fui no avião e pensava, gente, que que eu vou falar.
Eu sou uma estranha no ninho. Tinha passado na-
quela época o filme “Um estranho no ninho” do Jack
Nicholson. E deu certo. Foi tão bom, eu percebi que
tinha espaço de diálogo. Realmente foi uma coisa
muito boa a experiência em Salvador.

Adalberto:
Então agora eu posso fechar. Obrigado, mais
uma vez, pela sua generosidade e pela, sempre dispo-
nibilidade de estar nos ajudando.

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SÍNTESE
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O conteúdo da Primeira Aula - História do Urbano: Tem-
poralidades, Escalas e Pontos de Vista Contrastantes, ministrada pela
Profª. Drª. Maria Stella Bresciani encontra-se disponível no site da
TV Unesp: <https://tv.unesp.br/video/7luNvBP3-AI>. A revisão
do texto é responsabilidade do palestrante.

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