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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA

A LUMINOSIDADE DO LUGAR
CIRCUNSCRIÇÕES INTERSTICIAIS DO USO DE ESPAÇO EM BELO
HORIZONTE: APROPRIAÇÃO E TERRITORIALIDADE NO BAIRRO DE
SANTA TEREZA

ULYSSES DA CUNHA BAGGIO

Tese apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Geografia
Humana, do Departamento de
Geografia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São
Paulo, para obtenção do título de
Doutor em Geografia.

Orientadora: Profa. Dra. Amélia Luisa Damiani

São Paulo
2005
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA

A LUMINOSIDADE DO LUGAR
CIRCUNSCRIÇÕES INTERSTICIAIS DO USO DE ESPAÇO EM BELO
HORIZONTE: APROPRIAÇÃO E TERRITORIALIDADE NO BAIRRO DE
SANTA TEREZA.

ULYSSES DA CUNHA BAGGIO

São Paulo
2005
À memória de Haroldo Baggio
AGRADECIMENTOS:
Desejo, inicialmente, agradecer à minha família pelo apoio e pelo
estímulo ao longo de todo o percurso de realização desse trabalho,
especialmente à minha mãe, Lenita da Cunha Baggio. Agradeço igualmente
aos meus sogros, William Gerab e Maria Aparecida Gerab, e cunhados,
Rosana Gerab Tramontina e Fábio Gerab, pela atenção e pela confiança que
depositaram em mim.
Não poderia deixar de agradecer também aos professores Vanderlei
Messias da Costa e Heinz Dieter Heideman, ambos do Departamento de
Geografia da FFLCH da Universidade de São Paulo, pela contribuição que
deram a este trabalho quando da realização do exame de qualificação, bem
como pelo estímulo e pelo apoio dados.
Sou também muitíssimo agradecido ao Arquivo Público da Cidade de
Belo Horizonte, particularmente à Sirlene e ao estagiário Bruno, e, de forma
especial, ao Rafael Machado (funcionário do APCBH, professor e companheiro
de luminosas incursões no Mercado Central de Belo Horizonte), que sempre
me atenderam com a maior prontidão, profissionalismo e atenção, me
disponibilizando rico e diversificado material de pesquisa. Não poderia deixar
de registrar a excelente qualidade e relevância desta instituição, imprescindível
à história e à memória da cidade de Belo Horizonte.
Mesmo estando geograficamente distante, mas sempre atento e solícito,
registro aqui a minha gratidão ao Prof. Célio da Cunha, da UnB, pelo estímulo e
pela confiança depositados em mim.
À minha esposa, Kátia Gerab Baggio, que mesmo estando submetida a
uma carga excessiva de trabalho na UFMG, sempre me estimulou e me apoiou
na consecução deste intento, os meus sinceros agradecimentos.
Faço agora um agradecimento especial, sincero e profundo à minha
querida orientadora, Profa. Dra. Amélia Luisa Damiani, do Departamento de
Geografia da FFLCH da Universidade de São Paulo, pela liberdade
proporcionada, pelo tratamento ponderado, cuidadoso e crítico das idéias, além
de um acompanhamento minucioso de todo o trabalho realizado. Ademais, seu
estímulo e apoio foram decisivos para mim. A você, Amélia, o meu muito
obrigado.
A pé e de coração leve
eu enveredo pela estrada aberta,
saudável, livre, o mundo à minha frente,
à minha frente o longo atalho pardo
levando-me aonde eu queira.

Daqui em diante não peço mais boa-sorte,


boa-sorte sou eu.
Daqui em diante não lamento mais,
não transfiro, não careço de nada;
nada de queixas atrás das portas,
de bibliotecas, de tristonhas críticas;
forte e contente vou eu
pela estrada aberta.

A terra é quanto basta...

A terra a se expandir
à esquerda e à direita,
pintura viva – cada parte com
a luz mais adequada,
a música a se ouvir onde faz falta
e a se calar onde não é querida,
a jubilosa voz da estrada aberta,
a alegre e fresca sensação da estrada...

A terra não cansa nunca,


a terra é quieta, rude,
a princípio incompreensível,
a Natureza é rude e a princípio
incompreensível,
não desanime, siga em frente: existem
coisas divinas bem acondicionadas,
juro a você que existem coisas divinas
mais belas do que possam as palavras dizer.

Walt Whitman
“Canto da Estrada Aberta” (fragmentos)
RESUMO:

Este trabalho se propõe a uma análise e a uma avaliação de práticas de


uso do espaço na cidade de Belo Horizonte, a partir das quais se discutem as
suas possibilidades e limites na contemporaneidade capitalista. Este percurso
remete o pensamento às idéias de apropriação e de territorialidade, abordadas
a partir de alguns recortes sócio-espaciais desta cidade, quais sejam, o extinto
Bar do Ponto, o Mercado Central de Belo Horizonte, o bairro Belvedere III e,
principalmente, o bairro de Santa Tereza, localizado na região leste da capital,
e que mereceu um capítulo à parte (cap. 3) neste trabalho. À exceção do
Belvedere III, a análise acerca da apropriação e da constituição da
territorialidade se desdobra sobre práticas e modos territoriais de vivência
atinentes a estes lugares, principalmente o Mercado Central e, em especial, e
com maior destaque, o bairro de Santa Tereza.
Sustenta-se que tais manifestações sócio-espaciais circunscrevem-se
nos interstícios da cidade de Belo Horizonte como permanências e resistências
insurgentes, ao longo do percurso de sua formação. Compreende-se aqui que
estas práticas de insurgência sócio-espacial são engendradas no universo mais
amplo da produção ampliada e contraditória da cidade, irrompendo-se, mais
propriamente, no âmbito duro de situações-limite à reprodução social,
estabelecidos pela proeminência espaço-temporal do valor de troca e do
mundo da mercadoria. Assim, a análise se desenvolve na perspectiva do
conflito permanente entre valor de troca e valor de uso, ou ainda, entre a
propriedade e a apropriação, universo em que se produzem práticas sócio-
espaciais reativas de matizes diversos como, por exemplo, movimentos de
moradores e outras formas de luta urbanas.
Desse modo, a perspectiva que se abre sobre a cidade, e a metrópole, é
a de uma geografia em movimento, que valoriza o lugar e suas possibilidades à
vida humana.

PALAVRAS-CHAVE: Lugar; bairro; uso do espaço; apropriação; territorialidade


ABSTRACT:
This work aims at an analysis and a valuation of the practices of the use
of space in Belo Horizonte city, bringing to a discussion its possibilities and
limits in the capitalist contemporariness. This route sends the thought to the
ideas of appropriation and territoriality, approached from some sociospatial cuts
of this city, such as the extinct Bar do Ponto, Belo Horizonte’s Central Market,
Belvedere III quarter , and, especially, Santa Tereza quarter, located in the east
side of the capital city, which deserved a special chapter (chapter 3) in this
work. With exception to Belvedere III, the analysis on the appropriation and
formation of territoriality is expanded over pratices and territorial ways of
existences referent to these places, especially the Central Market and, with a
special focus, Santa Tereza quarter.
The work sustains that such sociospatial manifestations are
circumscribed in Belo Horizonte interstices as permanences and resistances
insurgent along its formation route. It is understood here that this sociospatial
practices are engendered in a broader universe of the amplified and
contradictory production of the city, imerging , more speciffically, in the hard
ambit of limit situations concerning to social reproduction, established by the
spacetemporal prominence of the exchange value and the merchandise world.
Thus, the analysis is developed in the perspective of the permanent conflict
between the exchange value and the use value, or between property and
appropriation, a universe in which reactive sociospatial practices of various
hues such as dwellers’ movements and other forms of urban fights are
produced.
Thus, the perspective which is open over the city and the metropolis is
that of a geography in movement, which values the place and its possibilities
concerning the human life.

KEY-WORDS : place; quarter; use of the space; appropriation; territoriality


LISTA DE IMAGENS: pág.

Planta Geral da Cidade de Minas (1895)..........................................................65


Fachada do “mitológico” Bar do Ponto, em 1930..............................................76
Propaganda do Bar do Ponto............................................................................77
Duas fotos internas do Mercado Central de Belo Horizonte.............................83
Avenida Afonso Pena, em 1930......................................................................103
Avenida Afonso Pena, em 1946......................................................................104
Mapa da evolução da mancha urbana de Belo Horizonte
(1918/35/50/77/95)..........................................................................................117
Duas fotos do bairro Belvedere III...................................................................122
Mapa de obras do Orçamento Participativo em Belo Horizonte
(1944 a 1999)..................................................................................................133
Fotografia aérea do bairro de Santa Tereza (1999)........................................147
Mapa do bairro de Santa Tereza (2005).........................................................148
Mapa de domicílios por bairro
(Belo Horizonte: destaque: Santa Tereza)......................................................151
Edifício de três andares em Santa Tereza......................................................152
Mapa de população por bairro
(Belo Horizonte: destaque: Santa Tereza)......................................................156
Mapa de Unidades de Planejamento
(Belo Horizonte: destaque: Floresta/Santa Tereza)........................................157
Viaduto Santa Tereza.....................................................................................162
Detalhe de ônibus para Santa Tereza sobre o viaduto homônimo.................162
Mapa de zoneamento altimétrico de Belo Horizonte
(destaque: Região Leste)................................................................................169
Mapa de bairros de Belo Horizonte e regionais
(destaque: Santa Tereza)................................................................................170
As duas “torres gêmeas” em Santa Tereza.....................................................185
Detalhe da fachada de uma das torres, na Rua Clorita, n.100........................185
Praça Duque de Caxias:
taxistas “batendo uma bolinha” na hora do almoço.........................................196
Praça Duque de Caxias:
adolescentes numa “roda de bate papo”.........................................................196
Praça Duque de Caxias: casal de desempregados.........................................197
Praça Duque de Caxias:
jovens lendo, “batendo papo”, namorando......................................................197
Igreja matriz de Santa Tereza.........................................................................198
Fachada de casa remanescente dos anos 20 ou 30, na Rua Mármore.........199
Fachada de casa dos anos 30, na Rua Dores do Indaiá................................199
Foto do Bar e Restaurante do Bolão...............................................................200
Bar Temático...................................................................................................200
Moradores da Vila Ivone, em Santa Tereza....................................................201
Trecho do ramal férreo em 1920, na região de Santa Tereza........................202
Vista aérea de Santa Tereza, em 1951...........................................................203
Vista aérea de Santa Tereza, em 1951 (destaque: Rua Amianto)..................204
Vista aérea dos bairros Santa Tereza e Horto, em 1955................................205
Vista aérea de Santa Tereza e adjacências,
provavelmente nos anos 70............................................................................206
SUMÁRIO: pág.

Introdução..........................................................................................................1

Capítulo 1:
A cidade e o urbano na contemporaneidade capitalista na
perspectiva do conflito uso/troca: uma análise sócio-espacial....................7

Capítulo 2:
Belo Horizonte: o percurso da formação da cidade moderna
e a circunscrição intersticial de permanências e resistências...................44

Capítulo 3:
Santa Tereza: a territorialidade pelo uso.....................................................138

Considerações finais.....................................................................................193

Anexos............................................................................................................196

Bibliografia e outras fontes..........................................................................222


1

Introdução:

Este trabalho se propõe à realização de uma análise e de uma avaliação


acerca das possibilidades e dos limites do uso do espaço mais propriamente
enquanto um valor de uso, considerando-se, neste sentido, a apropriação e a
constituição da territorialidade a partir de práticas e modos territoriais de
vivência, que se expressam como permanências e resistências insurgentes no
âmbito da cidade moderna capitalista, mais especificamente da cidade de Belo
Horizonte ao longo de sua formação. Isto vale dizer que a perspectiva que se
abre sobre a urbe é a de uma geografia em movimento.
Argumenta-se que práticas de insurgência sócio-espacial emergem no
universo mais amplo da produção ampliada e contraditória da cidade, mais
especificamente no âmbito duro de situações-limite à reprodução social
estabelecidos pela proeminência espaço-temporal do valor de troca e do
mundo da mercadoria. Sendo tal imposição relativa, e não absoluta, à medida
que responde por constrangimentos negativos às condições existenciais das
sociedades açula, por isso mesmo, tensões e práticas sócio-espaciais reativas
de matizes diversos como, por exemplo, movimentos de moradores e outras
formas de luta urbanas. Desse modo, a análise se realiza na perspectiva do
conflito permanente entre valor de troca e valor de uso, isto é, entre a
propriedade e a apropriação. Não é demais dizer que esta tensão está
substancialmente recrudescida pela crise capitalista atual, cuja evidência maior
é a brutal financeirização da economia. Ademais, à medida que ela engendra
um cotidiano marcado pelo mal-estar, que reverbera na diversidade da
sociedade, produz-se, assim, de forma progressiva e mesmo preocupante, uma
certa distopia nas mentes, inclusive em setores da própria universidade.
Pois bem, no amplo percurso da abordagem sobre o processo de
formação de Belo Horizonte, procedo, então, a alguns recortes intra-urbanos,
merecendo, entre eles, um destaque maior, o bairro de Santa Tereza,
localizado na região leste da capital mineira. Este destaque se deve ao fato
dele comparecer no universo mais amplo da metrópole como um lugar
matizado pela diferença qualitativa da sua situação de uso e apropriação do
espaço. Esta situação encerra uma insinuante territorialidade, que é matizada
2

substancialmente por relações topofílicas e por uma forte presença e


expressão do valor de uso na concreção espaço-temporal de Santa Tereza.
Nesta mesma perspectiva é que se lançou mão também dos casos do
extinto Bar do Ponto e do Mercado Central de Belo Horizonte, os quais são
abordados, nesse trabalho, precedentemente ao caso de Santa Tereza. O
Mercado, em específico, contou com um tratamento um pouco mais detalhado
que o Bar do Ponto, o que não diminui a importância deste para os propósitos
deste trabalho. O outro recorte ficou por conta do bairro Belvedere III, um
construto sócio-espacial que encerra diversas e profundas diferenças em
comparação com os demais casos. Este caso, ainda que abordado de forma
genérica, possibilita, pelo meu entendimento, a percepção da anti-cidade
dentro da cidade, não sendo esta, entretanto, exatamente a primeira, uma vez
que Belo Horizonte encerra uma grande diversidade de formas e usos do
espaço. É forçoso esclarecer que não se pretende aqui reduzir a cidade a estes
casos com suas respectivas especificidades, sendo eles tomados como
circunscrições sócio-espaciais que integram o seu processo histórico de
formação.
À exceção do Belvedere III, sustenta-se a idéia de que os demais
arranjos territoriais mencionados, principalmente Santa Tereza, estão
alicerçados em práticas e relações de sociabilidade que suscitam uma
avaliação crítica sobre os limites, as possibilidades e as formas de apropriação
e uso do espaço urbano. Neste sentido, à medida que o valor de uso e o uso
experimentam uma efetiva e sensível compressão, em virtude da ampla difusão
do mundo da mercadoria e do valor de troca, conduzindo à conformação de
espaços marcados pelo totalitarismo do progresso e da modernidade, certas
formas de vivência e práticas de resistência/insurgência do uso, com suas
respectivas territorialidades, tendem a se insinuar mais recorrentemente no
âmbito da vida cotidiana urbana, principalmente na grande cidade. Conquanto
as contradições se potencializem e se tornam mais agudas, abrem-se brechas
e possibilidades para práticas e ações de caráter insurgente (organizadas ou
não) em face de determinadas situações indesejáveis, daí podendo resultar a
gestação de enclaves sócio-espaciais de experiência. Estes, pela minha
perspectiva, já se insinuam no presente, apresentando na sua constituição
tanto elementos do passado (tradições e permanências), com recriações, como
3

delineamentos prospectivos. Entendo ser este o caso de Santa Tereza. Não se


trata aqui, é bom que se diga, nem de uma aceitação nostálgica do passado e
tão pouco de uma crença num futuro glorioso, mas sim no reconhecimento do
cotidiano enquanto uma instância privilegiada da imaginação, da criação e da
inovação no tempo presente, o que requer um norteamento da análise pela
lógica da atenção.
Nesta perspectiva, sustento neste trabalho que no conjunto mais amplo
da cidade moderna capitalista avultam espaços representativos nos quais
modos territoriais de vivência e sociabilidade se inscrevem, configurando
padrões sócio-espaciais próprios. Advogo que Santa Tereza integra
expressivamente este universo e, juntamente com outros lugares da cidade de
Belo Horizonte, configura o que designo de sua constelação topofílica, na qual
o uso concomitante do tempo e do espaço encontra maior sentido e expressão
como valor de uso.
Paralelamente, afirmam-se outros padrões sócio-espaciais na urbe
mineira, que são amplamente caracterizados e marcados predominantemente
pelo valor de troca, podendo-se mesmo qualificá-los como circunscrições
territoriais da impessoalidade, ou ainda, como lugares “sem alma”, áridos
socialmente. Nesses lugares é possível constatar praças, calçadas e ruas que
se apresentam praticamente “mortas”, embora, não raro, estes lugares sejam
mais bem dotados de infra-estruturas e serviços. Como evidência empírica
desta condição, exemplifico com o caso do bairro Belvedere III, espaço
revelador de um padrão totalmente diferente do de Santa Tereza, quase que o
oposto deste, não apenas pelas óbvias e enormes diferenças em relação aos
aspectos morfológicos e nível sócio-econômico - respectivamente setores de
alta renda e segmentos de classe média -, mas principalmente pelas formas
como estes espaços são utilizados e apropriados. Vale dizer que os arranjos
morfológicos, à medida que exercem influências nada desprezíveis nos modos
de uso e apropriação do espaço, são levados em consideração no trabalho.
O território e alguns de seus atributos comparecem na análise para além
da acepção que o qualifica como um construto essencialmente material e
econômico, mas também como um valor simbólico, o que implica na
valorização de práticas históricas empreendidas pelos sujeitos sociais e de
suas relações com o espaço vivido. Não pretendendo, em nenhuma hipótese,
4

dicotomizar o econômico do político, e vice-versa, depreende-se que a


valorização do espaço não é dada apenas pelo modo econômico strito sensu,
mas essencialmente pelo político. Entendo que mais propriamente o modo
político de valorização circunscreva o universo relacional privilegiado no qual
se engendram formas de apropriação voltadas ao uso do espaço, aí incluídas
as ainda possíveis relações topofílicas1. Estas, por seu turno, sabida e
explicitamente, experimentam constrangimentos diversos provocados pelo
totalitarismo do mercado e da racionalidade capitalista, que em grande medida
decorrem da própria dinâmica de valorização econômica do espaço e da
conseqüente imposição espaço-temporal do valor de troca. Entretanto, a
dinâmica, a extensão e a profundidade deste movimento requerem cautela,
mais especificamente quanto às generalizações atinentes aos efeitos dos seus
impactos nos mais diversos lugares, e isso por mais vultosos que eles sejam -
e o são, de fato, reconhece-se, sobretudo nesta fase mais recente de
desenvolvimento da mundialização e da fortíssima propagação dos vetores
econômicos proporcionada pelo aprimoramento dos recursos e do arcabouço
científico-tecnológicos.
Contudo, este movimento não é, ao menos por enquanto,
completamente capaz de neutralizar e/ou suprimir outras esferas e dimensões
da existência humana que não são econômicas ou, talvez, não estritamente
econômicas. Pelos interstícios do mosaico sócio-espacial ainda respiram e se
insinuam os resíduos, “teimosos”, resistentes aos tentáculos pretensamente
homogeneizadores do capital, que se traduzem, entre outras formas, como
tradições, práticas e modos de vida ainda não esboroados por seu amplo e
complexo movimento pelo/no espaço, como o revelam certas expressões de
sociabilidade e mesmo de apego e gosto por determinados lugares da cidade,
lugares que ainda permanecem como locais de encontro, de festa, de uso, os
quais não apenas indicam certos limites às nefastas e vorazes influências do
totalitarismo do mercado, mas também de possíveis rupturas. Como já se viu,
além do caso do bairro de Santa Tereza, reporto-me também ao Bar do Ponto
e ao Mercado Central de Belo Horizonte. Todos eles cumprem, pela minha

1
O trabalho de campo empreendido no bairro de Santa Tereza e no Mercado Central revelou
importantes evidências neste sentido, isto é, a ocorrência de laços afetivos com o lugar
vivenciado (topofilia). Cumpre observar, oportunamente, que a pesquisa de campo teve um
caráter essencialmente qualitativo.
5

interpretação, a importante função de coesão intra-urbana, concomitantemente


à ocorrência de processos de fragmentação, o que pode parecer uma
contradição. São lugares, entre outros, que se afirmam na grande cidade pela
diferença no âmbito duro da modernidade e da imposição do valor de troca;
porém, uma diferença que se insinua como práticas sócio-espaciais
auspiciosas em termos de valor de uso, sinalizando, assim, um aspecto
fundamental à vida urbana.
Evidencia-se, desse modo, que a escala do lugar adquire grande
relevância na análise empreendida, sendo ele o lócus no qual o drama sócio-
espacial efetivamente se desenrola, permitindo, assim, uma maior visibilidade
dos dramas e conflitos sociais nele enredados, podendo-se ainda verificar e
aquilatar as mutações morfológicas e suas decorrentes transformações das
funções urbanas, como, aliás, os processos de reestruturação pelos quais
passa a cidade indicam. Sendo o bairro a circunscrição espacial do habitar, ele
se insinua como a unidade territorial privilegiada para a identificação e a
avaliação dos processos da vida urbana.
O trabalho está dividido em três capítulos. O capítulo 1: “A cidade e o
urbano na contemporaneidade capitalista na perspectiva do conflito uso/troca:
uma análise sócio-espacial”, analisa a natureza, as especificidades e as
implicações sócio-espaciais deste conflito no âmbito do mundo da mercadoria,
situando a realidade brasileira nesta problematização. O capítulo 2: “Belo
Horizonte: o percurso de formação da cidade moderna e a circunscrição
intersticial de permanências e resistências”, traça o percurso amplo do seu
processo contraditório de formação/constituição, no qual se analisa o
surgimento e a configuração de lugares com forte conotação pública ao mesmo
passo que também se revelam como espaços dotados de relações topofílicas e
insinuantes territorialidades matizadas, principalmente, pelo valor de uso do
espaço e do tempo. O capítulo 3: “Santa Tereza: a territorialidade pelo uso”, é
voltado especificamente para o caso de Santa Tereza, no qual se analisa a
formação deste bairro desde as suas origens até os dias atuais, percurso em
que se forja as bases de sua singularidade e especificidade na tessitura mais
ampla da cidade. O bairro é qualificado como um lugar de expressiva
valorização simbólica e dotado de uma territorialidade insinuante. “As
considerações finais”, mostram e enfatizam a relevância dos casos
6

estudados na compreensão da cidade, que embora submetida a um intenso


processo de urbanização/metropolização, ainda guarda, pelos seus interstícios,
lugares luminosos em termos de valorização afetiva do espaço, que
comparecem como expressões resistentes à dinâmica da modernização,
resistência esta que se situa mais propriamente no universo da cultura, pois se
refere a modos territoriais de vivência e de representação do espaço vivido.
Finalmente, nos “Anexos”, encontram-se diversas fotografias do bairro de
Santa Tereza, em parte feitas por mim mesmo, e uma outra extraída de um
jornal local, sendo estas atuais, mas também de imagens antigas do bairro, em
preto e branco, obtidas do acervo de José Góes, do Arquivo Público da Cidade
de Belo Horizonte. Além disso, foram anexados alguns documentos oficiais
relativos à Santa Tereza, importantes ao trabalho, e ainda o questionário que
foi aplicado em parte das entrevistas.

Para a realização deste trabalho foi de extrema importância o trabalho


de pesquisa realizado junto ao Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte,
onde não apenas consegui levantar farto material da imprensa escrita de Minas
Gerais, mais especificamente diversos artigos sobre Belo Horizonte e,
particularmente, de Santa Tereza, como também um significativo banco de
dissertações e teses sobre a capital mineira e um farto acervo iconográfico da
cidade.
Além do Arquivo, diversos órgãos da Prefeitura de Belo Horizonte foram
também de suma importância no levantamento de dados e informações
diversas sobre a cidade.
Farto material bibliográfico (teses, livros e revistas) foi levantado também
junto à biblioteca central da UFMG, principalmente, e da PUC-Minas, na
unidade do bairro Coração Eucarístico.
De maior relevância à realização desta empreitada, também foi o
trabalho de campo empreendido ao longo de anos de observação e
levantamento de informações in loco nos casos destacados, principalmente no
bairro de Santa Tereza e no Mercado Central e, em menor grau, no bairro
Belvedere III.
7

Capítulo 1

A Cidade e o Urbano na Contemporaneidade Capitalista na perspectiva


do conflito uso/ troca: uma análise sócio-espacial

O mundo humano só está acorrentado a uma


necessidade: a necessidade da escolha livre, da
decisão responsável, da aprendizagem contínua
e do exercício de recomeçar.

Wanderley Guilherme dos Santos

Longe de uma perspectiva evolucionista da história e de uma trajetória


inelutável para o “progresso”, reconheço que a humanidade,
inequivocamente, experimenta uma brutal, e avassaladora, mercantilização da
vida, aí incluído o território no qual ela se inscreve, precipuamente a cidade.
Expressão histórica de um valor de uso civilizatório, a cidade transmuta-se
celeremente face à sua mercadorização integral provocada pela
reestruturação técnica e produtiva engendrada na fase hodierna da
acumulação capitalista, impondo-se nela o valor de troca, porém não de forma
total e absoluta, uma vez que este movimento é contraditório, descontínuo, e
que apresenta certos limites no âmbito das relações sócio-espaciais.
Ademais, ambos os aspectos, pelo meu entendimento, são redimensionados
num contexto de crise, pelo qual eles se recrudescem. Nesta perspectiva, o
movimento de realização de tal imposição, fortalecida na contemporaneidade,
não autoriza, portanto, generalizações reducionistas e apressadas das formas
e especificidades assumidas pela cidade na esteira desse movimento.
Sustento que esse processo não se dá sem resistências e criatividade sócio-
espaciais, ainda que sejam operadas pelas “beiradas”, ou ainda pelos
interstícios das sociedades. Não vejo como negar esse movimento, ou, o que
talvez seja pior, negligenciá-lo.
A dinâmica histórica do modo de produção capitalista potencializou-se
a ponto de esboçar uma assincronia entre o econômico e o político, com a
8

“prevalência” do primeiro 1, principalmente no período subseqüente à Segunda


Guerra Mundial pelo amplo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, bem
como pela introdução de um novo padrão de acumulação e regulamentação
social e política a partir dos anos 70 2, açulando as forças produtivas e
impelindo vigorosamente a difusão do “mundo da mercadoria”3, com um
espetacular avanço dos processos de internacionalização de mercados e da
produção. Tal dinâmica consolidou o que hodiernamente é designado por
globalização, com suas novas formas de organização transnacional da
produção. Este fato coloca em novas bases as relações entre as economias
1
Cf. LEFEBVRE, Henri. A Cidade do Capital. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1999, p.112.
(Tradução brasileira de: Maria Helena Rauta Ramos e Marilena Jamur, do original La Pensée
Marxiste et la Ville). Lefebvre é categórico ao assinalar que “no capitalismo, a base
econômica comanda. O econômico domina. As estruturas e superestruturas organizam as
relações de produção (o que em nada exclui os atrasos, os distanciamentos e as
disparidades). Os próprios conflitos se devem às relações de produção. Apesar de haver
nessa sociedade uma coerência (sem a qual ela cairia em pedaços, ou melhor, sem a qual
ela não poderia ter-se formado), apesar da coesão interna, sem chegar a suprimir as
contradições, conseguir atenua-las, protelar os efeitos, há ‘modo de produção’ e mesmo
‘sistema’. A riqueza das sociedades ‘nas quais reina o modo de produção capitalista’ se
anuncia como uma imensa acumulação de mercadorias”. (ênfases minhas). Os trechos e
expressões entre aspas são citações de Marx, extraídos por Lefebvre d’O Capital. Anthony
Giddens, por sua vez, relaciona a proeminência do econômico mais especificamente ao
processo de inovação tecnológica. Argumenta, acerca disso, que em virtude do
empreendimento capitalista apresentar uma “natureza fortemente competitiva e
expansionista” (...) “a inovação tecnológica tende a ser constante e difusa”, e que, dessa
forma, “dadas as altas taxas de inovação na esfera econômica, os relacionamentos
econômicos têm considerável influência sobre outras instituições”. (ênfases minhas). Cf.
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Editora da UNESP,
1991. p.62.
2
Cf. HARVEY, David. A Condição Pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992. Sobre
esta questão, em específico, Harvey se refere ao esgotamento do fordismo-keynesianismo e
o advento de um novo paradigma do capitalismo, que ele designa de “acumulação flexível”,
movimento que ele compreende como uma “transição” de paradigmas.
3
LEFEBVRE, Henri. A Cidade do Capital. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1999. p.135-6.
Segundo Lefebvre, “esse ‘mundo da mercadoria’ tem sua lógica, sua linguagem, que o
discurso teórico encontra e ‘compreende’ (dissipando conseqüentemente suas ilusões).
Tendo sua coerência interna, esse mundo quer espontaneamente (automaticamente) se
desenvolver sem limites; e pode fazê-lo. Ele se estende ao mundo inteiro; é o mercado
mundial. Tudo se vende e se compra, se avalia em dinheiro. Todas as funções e estruturas,
por ele engendradas, entram nesse mundo e sustentam-no. No entanto, esse mundo não
chega a se fechar. Sua coerência tem limites; suas pretensões decepcionarão aqueles que
apostam na troca e no valor de troca como absoluto. Com efeito, uma mercadoria escapa ao
mundo da mercadoria: o trabalho, ou antes, o tempo de trabalho do trabalhador (proletário).
Ele vende seu tempo de trabalho e continua, em princípio, livre; mesmo se crê ter vendido
seu trabalho e sua pessoa, ele dispõe de direitos, de capacidades, de poderes que minam a
dominação absoluta do mundo da mercadoria sobre o mundo inteiro. Por essa brecha podem
entrar os ‘valores’ repelidos, o valor de uso, as relações de livre associação etc. Não é uma
brecha ocasional; é mais e melhor; a contradição se instala no coração da coesão do
capitalismo.” (ênfases do autor).
9

nacionais embasadas na centralidade do estado-nação, bastando lembrar


para tanto a magnitude adquirida pelo mercado financeiro, que movimenta
com grande velocidade de circulação enormes fluxos de “dinheiro virtual” sem
que haja, no entanto, instituições capazes de regulá-los. Este fato,
efetivamente, aumenta o grau de vulnerabilidade das economias “nacionais”,
com a ocorrência de fortes impactos na chamada “economia real”. Assim,
diante da hipermobilidade e da proeminência adquiridas pelo capital financeiro
na economia global, proporcionadas pela desregulamentação financeira,
desenvolve-se a mundialização do dólar, assim como a emergência e o
desenvolvimento dos fundos de pensão (de empresas, grupos, corporações e
indivíduos), disponibilizando, desse modo, um enorme volume de dinheiro no
mercado financeiro para fins de valorização. É por esta via que a globalização
econômica em curso torna-se essencialmente de égide financeira,4 não se
tratando apenas do lucro das empresas e do capital bancário, mas de um
capital financeiro que é abstrato, que não é propriamente para geração de
riqueza, mas para especulação. Surge desse movimento uma forma de
dinheiro que não é capital, mas tão somente dinheiro, um dinheiro virtual que
se origina de um brutal processo de poupança nos países mais ricos. A
evolução deste processo adquire a sua maturidade principalmente a partir dos
anos 90, levando à revolução da telemática – fato que vai permitir a fluidez do
dinheiro (investimentos financeiros) em tempo real -, e da aceleração do
desenvolvimento da ciência e da tecnologia – fatores essenciais à
consolidação do capitalismo científico-técnico informacional. Considerando-se
que a inovação é alcançada no âmbito da pesquisa tecnológica
(biotecnologia, software, química fina, engenharia de novos materiais etc),
realizada pelos melhores pesquisadores do mundo, situados, principalmente,
nos países ricos, depreende-se que a inovação praticamente só poderia ser
realizada por um grupo seleto de empresas no mundo, as quais, por atuarem
na inovação tecnológica de ponta, posicionam-se no ápice da mega-
acumulação do capital no planeta. Isto significa a existência de uma

4
Cf.CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital. São Paulo: Xamã, 1996.
10

hierarquização explícita, com os países ricos no topo, fato indicativo de mais


um aspecto da formidável centralização do capital. Este fato,
indubitavelmente, impõe enormes dificuldades aos países mais pobres no
cenário altamente competitivo da economia mundial, na qual a variável
tecnológica se apresenta como uma das principais condições, senão a maior
delas, para a inserção em patamares mais favoráveis.
A globalização efetua-se concretamente no lugar, por meio do qual o
mundo pode ser percebido e interpretado nas suas diversas dimensões. Isto
vale dizer que o lugar é, por excelência, o lócus da vida, à medida que o
processo de produção do espaço é, concomitantemente, o processo de
reprodução da sociedade, da vida humana, condição que faz do lugar o
cenário de realização do cotidiano, através do qual o mundial se expressa.
Neste sentido, pode-se afirmar que a dimensão do mundial que o lugar
encerra altera e redefine seu conteúdo sócio-espacial, o que não significa
necessariamente a ocorrência da supressão das suas particularidades.5
Sucede que com maior ou menor intensidade, todos os lugares do planeta
são atingidos, direta ou indiretamente, pelos vetores da dinâmica global
(principalmente da informação e dos valores – como ideologias, consumo,
hábitos, costumes etc), mas não todos os segmentos sociais, principalmente
nos casos de construtos territoriais marcados pela disseminação generalizada
da pobreza e da miséria (caso, por exemplo, de boa parte dos países
africanos). Ou seja:
Dentro do território, podemos admitir a existência de áreas em
que se pode falar de uma globalização “absoluta” e de outras em
que essa globalização é apenas “relativizada”. As primeiras são
áreas de presença mais plena da globalização. Nelas há
concentração, com pequena contrapartida, de vetores da
modernidade atual, o que leva à possibilidade de ação conjunta
de atores “globais” ou “globalizados”. Nessas áreas, a tendência
é que a produção, a circulação, a distribuição e a informação
sejam corporativas, isto é, que a respectiva demanda principal
seja de tais empresas.
Nessas áreas de presença mais plena da globalização há uma
espécie de rendilhado mais denso de vetores ótimos da

5
CARLOS, Ana Fani A. O Lugar no/do Mundo. São Paulo: Hucitec, 1996. p.15.
11

globalização, isto é, conduzidos por atores predispostos a uma


lógica e a um movimento que dão primazia aos processos
técnicos e políticos derivados. São, em última análise, vetores
do dinheiro puro, subservientes aos seus desígnios: cadeias
produtivas modernas, produtos exportáveis, atividades
especulativas etc. Nas áreas de menor presença da
globalização, essas características desaparecem ou se reduzem
segundo toda uma gama de extensão e intensidade.6

Assim, os termos desta interpretação sugerem que se evitem as


freqüentes e equivocadas generalizações quanto à dinâmica da amplitude e
da intensidade dos fluxos da globalização capitalista. Nesse sentido, sustenta-
se que são os lugares que efetivamente se globalizam, e não o espaço, uma
abstração territorial. A expressão concreta do espaço é dada pelo conjunto
dos lugares. O mundo, então, não estaria configurado como um espaço
global, mas mais propriamente formado por lugares da globalização,
articulados em rede, situação pela qual se desenvolvem e aumentam os
níveis de interação, interdependência e capacidade de interconexão entre
estados e lugares.
Vale dizer ainda que, não raro, a globalização é veiculada como uma
via de mão única, podendo-se constatar este tratamento tanto no universo
acadêmico como, sobretudo, na mídia, o que, obviamente, não autoriza
generalizações. Contudo, não é o caso de se proceder aqui à realização de
um inventário das distorções percebidas. Assim, a concepção que mais se
aproxima da minha perspectiva acerca do fenômeno da globalização é a de
globalização fragmentada. Neste sentido, se a globalização promove
articulação, interdependência e integração entre mercados, países, regiões,
lugares e sociedades (movimento de coesão), concomitantemente deflagra
também fragmentações de territórios e de sociedades (movimento de
fragmentação), aspecto que repercute efetivamente nos fatores relacionais
identitários e topofïlicos entre sociedade e espaço vivido. Argumenta-se que
essa dinâmica de movimentos mutuamente complementares, e não opostos,
6
SANTOS, Milton & SILVEIRA, Maria L. O Brasil: território e sociedade no início do século
XXI. São Paulo: Record, 2001. p.257.
12

apresenta, ao plano das contingências das ações humanas, duas implicações


importantes: a precipitação de ações de resistência afirmativas de valores e
identidades locais (localismos), indutoras da fragmentação, e o aumento dos
níveis de alienação homem/meio, dado pelo avassalador processo de
fracionamento/mercantilização do território.
Em que pesem a notável dinâmica e mutabilidade territorial das
atividades econômicas e do mercado de trabalho que o processo globalitário
produz, uma quantidade ingente de trabalhadores é cotidianamente
impulsionada a realizar mudanças com certa freqüência de local de trabalho e
de moradia em escalas espaciais diversas, sobretudo por conta do
desemprego e dos baixos salários, intensificando os fluxos migratórios e
precipitando a formação do nomadismo urbano, fenômeno que seguramente
passa a integrar o universo de indicadores da crise urbana, reverberando
como um fator de desgaste no processo de reprodução social nas cidades,
sobretudo nos espaços metropolitanos, onde o problema, de modo geral, se
manifesta com mais intensidade.
Com os impactos produzidos no estado-nação pela consolidação da
globalização, uma dupla condição a ele se impõe, isto é, a retração da sua
capacidade decisória e a perda da sua centralidade enquanto ator
internacional face ao poderio alcançado pelas empresas privadas, tanto no
que afeta ao seu âmbito interno como externo. É, de certo modo, um exercício
insano imaginar a desaparição ou a supressão dos estados nacionais, que
não deverá ocorrer, mas as evidências que atestam um percurso de descenso
enquanto centros de poder são bastante perceptíveis, revelando-se como um
ator insuficiente para tratar e dar cabo dos grandes e complexos problemas
da globalização e, concomitantemente, muito grandes para equacionar os
problemas mais específicos e “menores” das suas sociedades. Diante disso
sustenta-se que o panorama que está se delineando no cenário mundial é
marcado por um descompasso entre, de um lado, as transformações
econômicas e sociais em curso operadas nas escalas do nacional e do
internacional e, de outro, os ideários políticos que deveriam incorporá-las e as
13

instituições que deveriam ordená-las. Neste sentido, tal descompasso


representa também um ingrediente de perturbação nestes dois níveis em
decorrência das demandas de regulação daí resultantes.
Esta interpretação requer, entretanto, um esclarecimento, à medida que
não se pretende sugerir aqui a existência de uma dualidade entre o
econômico e o político, que efetivamente não existe, uma vez que o
econômico se fundamenta em relações sociais, não havendo, assim,
separação entre eles, mas uma relação dialética de dupla determinação. O
que se indica ao assinalar-se “assincronia” e “descompasso” entre estas duas
instâncias é mais propriamente a exacerbação de uma dimensão mercantil e
contábil da vida, permeando, portanto, as relações sociais e nelas interferindo.
Luiz Gonzaga Belluzzo oferece-nos, acerca disso, uma contribuição
importante, ao argumentar que tal proeminência do econômico estaria
relacionada aos “(...) avanços, em todas as esferas da vida, das normas da
mercantilização e da concorrência, como critérios dominantes da integração e
do reconhecimento social”. Tal condição, segundo ele, engendra um estado
de “sensação de insegurança” na sociedade, principalmente entre as classes
“não proprietárias”. Diante deste quadro, numa perspectiva mais ampla,
assinala:
...é possível concluir que estamos observando a ‘reconstrução’ de um
tipo de sujeito funcionalmente adequado às exigências de operação da
máquina econômica. Trata-se do renascimento do Homo oeconomicus,
aquela invenção triunfante da filosofia radical e economia política do
século 18, que postulavam o ser social reduzido às determinações da
satisfação dos desejos por intermédio de uma razão viciada em
adequar os meios aos fins. A economia política buscava e busca
apresentar esta sua construção, o Homo oeconomicus,7 como o
7
Segundo Gramsci, “o homo oeconomicus é a abstração das necessidades e das operações
econômicas de uma determinada forma de sociedade”, ou ainda, “a abstração da atividade
econômica de uma determinada forma de sociedade, isto é, de uma determinada estrutura
econômica. Toda forma social tem o seu homo oeconomicus, isto é, uma atividade econômica
própria.” Ele “é também historicamente determinado, embora seja ao mesmo tempo
indeterminado: é uma abstração determinada. Este processo ocorre, na economia crítica,
pondo-se como valor o valor de troca e não o valor de uso, reduzindo, portanto, o valor de uso
e o valor de troca, potencialmente, no sentido de que uma economia de troca modifica
também os hábitos fisiológicos e a escala psicológica dos gostos e dos graus finais de
utilidade, que desta forma, aparecem como ‘superestruturas’ e não como dados econômicos
primários, objeto da ciência econômica”. Cf. GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. p.323-346 passim. (vol.1; tradução de Carlos Nelson
14

fundamento das leis naturais que induzem o indivíduo à troca e,


portanto, o submetem inevitavelmente à concorrência, enquanto
mecanismo de conciliação dos interesses privados. Essa naturalização
das instituições sociais e humanas é o mais conhecido truque
intelectual dos defensores puros e duros da superioridade do mercado
sobre as outras formas de integração social.

Mas adverte:

...há fortes indícios, no entanto, de que o homem real que habita as


sociedades contemporâneas e avançadas não deseja, outra vez,
submeter-se ao molde estreito do Homo oeconomicus, a pretendida
natureza humana gerada nas retortas da Economia Política. 8

Saliente-se uma vez mais que esta dinâmica não se apresenta na


história como uma via de mão única, definitiva. Isto porque a história é prenhe
de indeterminações na sua realização, estando o movimento real da
sociedade eivado de descontinuidades e indeterminações. Lefebvre
descortina uma perspectiva luminosa sobre a questão:
Por infelicidade ou felizmente, o tempo, o tempo da história e da prática
social, difere do tempo das filosofias. Ainda que não produza algo
irreversível, pode produzir algo dificilmente reparável. A humanidade só
levanta problemas que ela mesma pode resolver, escreveu Marx.
Atualmente, alguns acreditam que os homens só levantam problemas
insolúveis. Esses desmentem a razão. Todavia, talvez existam
problemas fáceis de serem resolvidos, cuja solução está aí, bem perto,
e que as pessoas não levantam. 9

Nesta mesma direção, é pertinente a advertência feita por Erich


Fromm:
O homem não é uma folha de papel em branco que a cultura pode
escrever seu texto: é uma entidade com sua carga própria de energia
estruturada de determinadas formas, que, ao ajustar-se, reage de
maneira específica e verificável às condições exteriores. Se o homem
se adaptasse às condições exteriores autoplasticamente, modificando
sua própria natureza como um animal, e fosse apenas capaz de viver
em um certo conjunto de condições para o qual criasse uma adaptação
especial, teria chegado ao beco sem saída da especialização que é o
destino de toda espécie animal, bloqueando destarte o caminho à

Coutinho).
8
BELLUZZO, Luiz G. O Renascimento do Homo Oeconomicus, Carta Capital, p.67, maio de
1998.
9
LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo: Editora Moraes, 1991. p.145.
15

História. Se, pelo contrário, o homem pudesse adaptar-se a todas as


condições sem lutar contra as que se opõem à sua natureza, tampouco
teria história. A evolução humana tem suas raízes na adaptabilidade do
homem e em certas qualidades indestrutíveis de sua natureza que o
compelem a nunca cessar sua procura de condições que melhor
atendam às suas necessidades intrínsecas.10

Portanto, cristalizar perspectivas é negar o movimento descontínuo e


contraditório da história, esvaziando-a de sentido. As concepções da
realidade que as tomam como uma via de mão única face ao poderio
alcançado pelo mercado e pelo dinheiro, revelam uma dimensão falaciosa e
restritiva, fortemente ideológica, alienante e, de certo modo, imobilista. Um
olhar mais atento sobre a realidade permite-nos tanto a constatação da
irracionalidade e da tragédia à escala do mundo, sendo desnecessário
elencar a diversidade das suas manifestações, bem como, e mais além, uma
leitura do mundo mais ampla e aguda, ou ainda, crítica, que, liberada dos
grilhões da ideologia produtivista e monetarista - fundamento do “pensamento
único” que, pelos meus termos, é um pensamento homicida da história -,
possibilita-nos o reconhecimento e a produção de outras sendas, mais
direcionadas às práticas de caráter solidário e voltadas ao atendimento de
demandas (ao menos básicas) das sociedades; não sem dificuldades, é bem
verdade. Se o advento da sociedade de massas e da transnacionalização
padronizaram e massificaram o consumo, não é razoável atribuir ou afirmar o
mesmo em relação aos indivíduos, uma vez que elas próprias engendraram
uma sociedade com amplo acesso à informação diversificada, situação que
não está restrita aos países mais avançados. Certamente este é um aspecto
que está na base da constituição de um universo plural de ações e
reivindicações sociais, fenômeno que já pode ser constatado inclusive em
países que não apresentavam tradição nesta questão. Creio ser um sério
equívoco de interpretação tomar estas manifestações que se desenvolvem
mundo afora, e progressivamente no Brasil, e em Belo Horizonte, como
práticas destituídas de uma consciência de cidadania, conquanto se

10
FROMM, Erich. Análise do Homem. 10ª. edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. p.30.
16

reconheçam as dificuldades e distorções que se abatem sobre ela; porém,


não mais como sujeitos privilegiados da História, mas como agentes de
transformações nas sociedades e comunidades em que atuam. Trata-se mais
propriamente da crise das formas tradicionais de agregação e representação,
e a irrupção de um mosaico de reivindicações sociais.
Portanto, se o mercado e os critérios progressivamente por ele
estabelecidos nas relações sociais, logo nas relações sócio-espaciais,
adquiriram maior poderio e destaque, pode-se argumentar da mesma forma
que a política também se redefine face às transformações engendradas pela
marcha inexorável do capitalismo pelo mundo, acolitada de uma urbanização
ampliada, ainda que se considerem as dificuldades impostas pela profusão
das ideologias, cooptações de movimentos sociais pelo Estado, o crescimento
da violência e da barbárie, entre outros fatores. Estas vertentes (a esfera
econômica e a política) não se apresentam no transcurso desse movimento
como vertentes mutuamente excludentes, integrantes, aliás, de um mesmo
processo histórico: o desenvolvimento contraditório, desigual e excludente do
capitalismo. No seio das próprias contradições do desenvolvimento capitalista,
recrudescidas ao longo das últimas décadas e indicativas de uma nova fase
11
de crise (que se consubstancia também como crise urbana) – ela própria
11
Cf. SOUZA, Marcelo L. de. O Desafio Metropolitano: um estudo sobre a problemática sócio-
espacial nas metrópoles brasileiras. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p.17-18. Sobre o
conceito de crise, o autor observa inicialmente que a própria palavra “crise” experimenta um
desgaste gradual, haja vista a diversidade de situações existentes no mundo que a ela se
referem como os problemas ambientais, as mudanças no Estado, os problemas do
capitalismo etc. Sublinha, ademais, que crise “não representa apenas um pretexto para, uma
vez mais, meramente se constatar a tragédia”, mas um momento no qual se abririam
possibilidades, entre elas aquela que se expressaria como uma reação à própria situação
limite estabelecida pela crise. Nessa perspectiva, infere-se que a crise encerra,
concomitantemente, o “risco” e a “oportunidade”. O autor deixa claro em sua análise que para
além da elaboração de um diagnóstico dos problemas que demarcam a crise, é necessário
“divisar também as potencialidades (e experiências já em andamento) de superação desta
mesma problemática, recorrendo-se, para tanto, à análise dos fatores que, atinentes a
diversos níveis escalares, podem concorrer para soluções menos ou mais consistentes e
duradouras para os problemas identificados”. Compreendendo que a crise se expressa em
grande medida como crise da cidade, principalmente do grande centro, assinala: “A crise
metropolitana é complexa e profunda, mas não inarredável e irremediável. Os
desdobramentos dessa crise e a possibilidade de sua superação dependerão da maneira
como o desafio metropolitano for enfrentado”. Penso, particularmente, que a crise da cidade
também é, e principalmente, uma crise do uso e do valor de uso, daí as inúmeras
manifestações de insurgência social circunscritas ao âmbito das necessidades e da vida, da
própria existência: moradia, lazer, saneamento básico, transporte, educação, pelo direito à
17

constituindo um fator de dinamismo – suscitam-se virtualidades reativas, e


mesmo ações sociais diversas em andamento pelo mundo, e no Brasil. A
partir delas pode-se vislumbrar a possibilidade da produção de uma outra via
para o desenvolvimento do homem bem como da construção de um novo
espaço que lhe seja mais compatível, erigidos, por sua vez, não
exclusivamente sobre o mercado e o Estado, mas em laços de solidariedade
entre os homens, capazes de restituir a humanidade constrangida no
processo civilizatório capitalista, forjando, assim, novas bases e condições de
uma nova humanização. Neste sentido, nos diz Lefebvre:
As grandes formas de poder que desejam a homogeneidade, o
enclausuramento da sociedade e a consolidação das estruturas de
equilíbrio (o Estado, as igrejas, etc.) encontram e suscitam a
resistência dos elementos residuais. 12

Um olhar mais cuidadoso pelos interstícios das grandes cidades pode


nos revelar diversas expressões sócio-espaciais de resistência, como é o
caso, por exemplo, de certos bairros e vilas, que face ao dinamismo da
urbanização/metropolização resistem significativamente aos seus impactos
como pequenas cidades, nas quais, ainda, perduram sinergias importantes
entre os seus moradores e destes com o lugar de vivência, a exemplo, como
se verá, do que se verifica na cidade de Belo Horizonte, especialmente em
alguns de seus bairros, como é, entre outros, o caso do bairro de Santa
Tereza.
Pois bem, a prevalência inicialmente aludida do valor de troca no
espaço urbano tem acarretado, contudo, rápidas e amplas modificações na
cidade, levando à criação de novas formas e funções que redefinem os
referenciais da vida urbana, bem como os modos de viver de seus habitantes
e a maneira como estes a concebem. Esse efetivo dinamismo sócio-espacial
diferença etc..
Gramsci, por sua vez, ao considerar os limites atinentes à produção da mais-valia relativa e
da queda de preços e lucros, em virtude da socialização do progresso técnico expressa na
concorrência, observa que tal situação engendra uma contradição econômica com evidentes
impactos sociais, que se transmuta em uma contradição política, e que “é resolvida
politicamente por uma subversão da práxis”. Cf. GRAMSCI, Antônio. op. cit., p. 349. (grifo
meu).
12
LEFEBVRE, Henri. Posição: contra os tecnocratas. São Paulo: Editora Documentos Ltda.,
1969. p.27.
18

de transformação dos lugares e de seus conteúdos suscitado pelos reclamos


do mercado constrange, negativamente, as práticas de sociabilidade urbana,
podendo-se destacar aquelas operadas nos espaços de uso coletivo que, em
larga medida, são restringidos pela irrefreável mercantilização e segmentação
funcional do solo, impactando e redefinindo as formas de uso, não raro
deteriorando-as.
A imposição da lógica da mercadoria no processo mais amplo de
produção e reprodução da cidade faz com que ela, cotidianamente, se
expresse como uma morfologia impositiva do valor de troca, gerando um
contínuo e permanente estado de mal estar na cidade e na vida urbana,
principalmente nos grandes centros. No plano da vida cotidiana, regida
peremptoriamente pelo urbano, o tempo (e as relações sociais), à medida que
se distancia dos ciclos naturais, apresenta-se cada vez mais como tempo
econômico, quantitativo, isto é, como tempo de trabalho, e cada vez menos
como tempo humano e social, movimento que constrange e subverte relações
pré-existentes. A concepção e a experiência do tempo, principalmente na
grande cidade, tornam-se contábeis. A própria vida urbana, ritmada pelo
tempo do trabalho, suscita uma concepção quantitativa amplamente difundida
na sociedade, trazendo ainda implicações importantes na própria “orientação
do caráter” das pessoas, a que Erich Fromm designa de “orientação
mercantil”, cujas raízes estariam “na impressão de que se é também
‘mercadoria’ e do valor pessoal de cada um como valor de troca”.
A concepção mercantil de valor, o destaque dado ao valor de troca
antes que ao valor de uso, levou a uma concepção semelhante de
valor aplicável às pessoas e particularmente à própria pessoa de cada
um. (...) Na orientação mercantil, o homem enfrenta suas próprias
forças como mercadorias dele alienadas. Não está unificado com elas,
pois estão dissimuladas para ele, porque o que importa não é sua
realização pessoal ao empregá-las, e sim seu sucesso em vendê-las.
Tanto suas forças quanto o que elas criam se afastam, tornam-se algo
diferentes de si, algo para os outros julgarem e usarem. (...) A premissa
da orientação mercantil é a vacuidade, a ausência de qualquer
qualidade específica que não seja suscetível de modificação, pois
19

qualquer traço persistente de caráter poderá algum dia entrar em


choque com as exigências do mercado. 13

Neste contexto redefinem-se, gradativa e substancialmente, as


relações sociais cotidianas, cada vez mais mediadas por objetos e marcas;
numa só palavra: por mercadorias, aí incluso o dinheiro. Isto é:
...a progressiva monetização das relações na vida social transforma as
qualidades do tempo e do espaço. A definição de um ‘tempo e um lugar
para tudo’ muda necessariamente, formando uma nova estrutura de
promoção de novos tipos de relações sociais. 14

Ou ainda:
O tempo determinado pela mediação do valor de troca das mercadorias
e do trabalho mercantilizado. O tempo quantitativo da troca e da
acumulação em conflito com o tempo qualitativo do uso. O tempo do
homem subjugado pela coisa, tempo em conflito com o tempo do
homem que subjuga a coisa. 15

Por essa via, a vida social reduz-se, em larga escala, ao espetáculo,


mais propriamente ao espetáculo da mercadoria com suas correspondentes
relações sociais fetichizadas, incorporando-se aqui a fetichização do próprio
espaço, expressões indicativas da ausência de crítica consistente do campo
de relações sócio-espaciais, conduzindo, portanto, ao alheamento do espírito
sobre o espaço e do universo de relações que lhe são próprias. Saliente-se o
fato de que estes produtos do capitalismo moderno adquiriram forte projeção
na sociedade e nas mentes, amalgamando-se à cidade e ao urbano com
tamanha intensidade a ponto de conformar a vida cotidiana moderna. Ganha
relevo neste contexto o poder alcançado pelos veículos de publicidade e a
ampla e veemente difusão do mundo da mercadoria que eles proporcionam,
trazendo implicações importantes na vida cotidiana. Pelos labirintos da lógica
da mercadoria constrangem-se substancialmente a humanidade do homem -
fato que acentua os traços da impessoalidade, alienação e de certa frieza nas
relações sociais - e a cultura pública, cuja existência condiciona-se à

13
FROMM, Erich. Análise do Homem. p.65-76 passim.
14
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992. p.208.
15
MARTINS, José de S. A Sociabilidade do Homem Simples. São Paulo: Hucitec, 2000,
p.103.
20

prevalência do desejo de conviver com o outro, e não meramente de estar


próximo ao outro; convívio que não implica, entretanto, na renúncia ao
estatuto da diferença individual no âmbito de uma sociedade civil (política,
portanto) marcada pela diversidade das suas partes integrantes, e não numa
suposta - e na realidade inexistente - coesão comunitária pela identidade.
Acerca disso Hannah Arendt, argutamente, observa o seguinte:

...no mercado de trocas os homens não entram em contato uns com os


outros fundamentalmente como pessoas, mas como fabricantes de
produtos, e o que nele exibem não são suas individualidades, nem
mesmo suas aptidões e qualidades, como na ‘produção conspícua’ da
Idade Média, mas seus produtos. Se o fabricante vai à praça pública,
não é por desejar contato com pessoas, mas com produtos; e o poder
que mantém coeso e existente esse mercado não é a potencialidade
que surge entre as pessoas quando estas se unem na ação e no
discurso; é a soma dos ‘poderes de troca’ (Adam Smith) que cada
participante desenvolveu em seu isolamento. Foi essa ausência de
relacionamento humano e essa preocupação fundamental com
mercadorias permutáveis que Marx denunciou como desumanização e
auto-alienação da sociedade comercial que, de fato, exclui os homens
enquanto homens e, numa surpreendente inversão da antiga relação
entre público e privado, exige que eles se revelem somente no convívio
familiar ou na intimidade dos amigos. 16 (ênfase da autora).

Neste sentido, é plausível admitir que a convivência e as relações de


sociabilidade no espaço urbano não só poderiam contribuir para imprimir um
sentido mais humano à cidade, como também suscitar um sentimento de
prazer e gosto por ela, aspectos basilares da civilidade e da cultura pública.17
Estas, por sua vez, pressupõem na sua realização o ingrediente da
tolerância no âmbito das relações sociais, que se encontra, sobretudo na
contemporaneidade, constrangido e desafiado. O constatado
declínio/transformação da sociabilidade e da esfera pública, para o qual
pesam enormemente as forças fragmentadoras do movimento de ascensão e
triunfo do mercado e da mercadoria, impacta esta orientação, podendo

16
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de janeiro: Forense Universitária; Rio de
Janeiro: Salamandra; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981, p.201-202.
17
Embora o texto de Arendt sugira mais propriamente a crise do urbano do que um sentido
mais humano para a cidade, não se quer aqui reduzir o urbano a estas relações, mas apenas
indicar a sua relevância e necessidade para a construção deste sentido.
21

mesmo invertê-la, induzindo, assim, à transformação do habitante em


morador, do lugar de encontro e sociabilidade em lugar de passagem, do
permanente em efêmero, do gosto pela cidade em asco por ela.
Para Richard Sennet, a cidade deveria apresentar condições pelas
quais se assegurasse a possibilidade do encontro entre as pessoas, porém
posicionando-se de forma refratária à idéia de que o encontro entre os
citadinos implicasse na compulsão da intimidade. Deste modo, ele interpreta
como sendo uma “crença” a noção que toma as “relações humanas reais”
enquanto “demonstrações de personalidade para personalidade”. Argumenta
ainda que esta crença “distorceu nosso entendimento a respeito dos
propósitos da cidade”, que por sua vez deveria ser “mestra” no modo de agir
impessoal. E proclama:

A cidade é o instrumento da vida impessoal, o molde em que


diversidade e complexidade de pessoas, interesses e gostos tornam-se
disponíveis enquanto experiência social. O medo da impessoalidade
está quebrando esse molde. (...) A cidade deveria ser (...) o fórum no
qual se torna significativo unir-se a outras pessoas sem a compulsão
de conhecê-las enquanto pessoas. Não creio que este seja um sonho
inútil; a cidade serviu como foco para a vida social ativa, para o conflito
e o jogo de interesses, para a experiência das possibilidades humanas,
durante a maior parte da história do homem civilizado. Mas hoje em dia
essa possibilidade civilizada está adormecida. 18

Entretanto, os tentáculos da cultura racionalizante do econômico e da


mercadoria não alcançam a sociedade na sua totalidade e diversidade,
havendo insurgências sociais não circunscritas à linearidade da duração
racionalizada, situações intersticiais da vida cotidiana nas quais a apropriação
do tempo e do espaço pode se realizar: o tempo do humano no seu espaço,
um tempo com lugar, que, impondo-se sobre ele, redefine-o pelo uso, por
modos territoriais na cidade vivida. Revela-se aqui a fecundidade da
experiência sócio-espacial livre, do imaginário e dos simbolismos por ela
suscitados nos seus habitantes: imagens e projeções da cidade, derivadas do
uso social do mosaico cultural-territorial da grande cidade. Isto porque
18
SENNETT, Richard. O Declínio do Homem Público: as tiranias da intimidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988. p.411.
22

acredito piamente que são as práticas sociais voluntárias de vivência e uso da


cidade que efetivamente prescrevem sentido à vida, daí a sua importância
para a análise, que aspira não apenas ao entendimento da cidade tal qual ela
é, mas também de como ela pode ser, isto é, um olhar prospectivo que se
apóia nas virtualidades, nos eventos sociais reativos, e questionadores, nas
sobrevivências irredutíveis do presente. É a perspectiva do movimento do
devir a partir de práticas insinuantes do presente.
Neste sentido, a escala territorial do bairro adquire grande relevância
na análise empreendida, à medida que proporciona uma maior visibilidade
dos dramas e dos conflitos sociais enredados no local atinentes à reprodução
social bem como às transformações da morfologia e das funções urbanas. À
medida que o bairro se constitui na circunscrição espacial do habitar, da
vivência e das múltiplas relações que o permeiam, ele se projeta como a
unidade territorial privilegiada para a identificação e a avaliação dos
processos da vida urbana, em que pese o fato da atual dinâmica de
reestruturação urbana, pelo qual o bairro implode, provocar substantivos
impactos nas formas de uso do espaço, não raro redefinindo-as. O que vale
dizer que as mudanças da forma urbana e das funções da cidade reverberam
substancialmente no uso do seu espaço, condicionando-o. Sem embargo, o
movimento atual de fragmentação do território, impulsionado pelo
desenvolvimento da globalização, assoma as virtualidades e práticas efetivas
que se desenrolam na esfera local, dentre as quais ações de resistência e
permanências relativamente bem demarcadas e que apresentam visibilidade
social e política, mas também práticas intersticiais de bairro pouco percebidas
e até mesmo ignoradas, que para serem melhor identificadas e qualificadas
requerem um acompanhamento ao rés do chão.
A novidade apresentada por esse movimento de transformação e
redefinição da cidade capitalista em relação às cidades modernas - também
marcadas pela divisão social e territorial do trabalho, acumulação e utilização
econômica da terra - é o fato de que elas passaram a ser “geridas e
23

consumidas como mercadorias”.19 Instaura-se no espaço urbano uma


cotidianidade forjada pelas demandas e pela racionalidade empresariais.
Decorre a afirmação de uma imagem da cidade enquanto negócio, que é
20
tomada e administrada como “cidade-empresa”, operada para ser
competitiva e atrativa a novos investimentos, ou seja, manipulada como uma
mercadoria posta à venda no mercado. Trata-se, mais precisamente, do seu
solo, uma espécie de pseudomercadoria, ou ainda de uma mercadoria “sui
generis”, que em si é um fragmento de natureza e, enquanto tal, não é
produto do trabalho e tampouco pode ser reproduzida, mas que ao
estabelecer-se como condição imprescindível à realização social e econômica
capitalista, estribando-a, entra nos circuitos de valorização, tal qual se deu
com o tempo. Estando a origem da sua valorização alheia à atividade
produtiva, pois só o trabalho cria valor, ela é engendrada essencialmente pela
condição da monopolização do acesso a terra, pelos investimentos de
incorporação e pela sua localização relativa. Sendo um bem imprescindível à
sobrevivência e à reprodução social a terra se torna, progressivamente,
escassa, rara, e encarecida pela propriedade. Vale lembrar que no momento
histórico da ascensão do capitalismo no Brasil, isto é, da passagem do
escravismo ao trabalho livre, o preço da terra foi manipulado originalmente
como uma estratégia para impedir o acesso do trabalhador pobre a ela,
condição que se efetivou com a Lei de Terras de 1850, que sancionou, assim,
o princípio que praticamente proscreveu o trabalhador de baixa renda da
terra. É por essa via que a terra tornou-se cativa do capital21 ao mesmo tempo
em que os homens tornavam-se livres, com o fim do escravismo. Assim, sob o
modo de produção capitalista a terra é convertida num equivalente de
mercadoria ou um equivalente de capital, cujo preço só é acessível a uma
determinada classe ou segmento social.

19
ARANTES, Otília. “Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas”. In:
ARANTES, Otília et al. (org.). A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos. 2a.
ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p.11-74.
20
ARANTES, Otília, loc. cit.
21
Cf. MARTINS, José de S. O Cativeiro da Terra. São Paulo: Livraria Editora Ciências
Humanas, 1979.
24

Historicamente o solo, ou ainda, a terra, comparece como “suporte


material” da existência das sociedades, que segundo Lefebvre, “não é nem
22
imutável nem passivo”. No transcurso da história, com a vida dos homens
adquirindo uma maior organização e desenvolvimento técnico, a terra
gradativamente vai sendo transformada pelo trabalho socialmente realizado,
nela se incorporando, resultando no que Marx designou de “segunda
natureza”,23 mutação têmporo-espacial na qual o advento e os
desdobramentos do industrialismo, mais precisamente da indústria moderna,
constituem fatores decisivos. Por este movimento evolutivo das forças
produtivas esta produção sócio-espacial substitui a condição inicial da terra,
que, segundo Marx, consistia na de “grande laboratório”, uma vez que
fornecia, concomitantemente, o instrumento, a matéria do trabalho, a sua
base e o seu lugar, isto é, “laboratório” no sentido de que a terra, ela própria,
integra as forças produtivas. Lefebvre acrescenta ainda que “a natureza não
permanece um elemento passivo da produção. Ela intervém, somente pelo
fato de que os humanos associados (constituindo uma sociedade e
‘produzindo’ sua existência social) lutam contra ela”. Mais especificamente
esta segunda natureza é a própria cidade. Assim como a terra na qual ela se
sustenta e se constrói, “a cidade é um espaço, um intermediário, uma
mediação, um meio, o mais vasto dos meios, o mais importante” (...), tornada
“um outro ambiente”, (...) “ao mesmo tempo o receptáculo e a condição, o

22
LEFEBVRE, Henri. A Cidade do Capital. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1999. p.85-86.
23
MARX, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
Considerando-se que Marx não abordou a natureza em si mesma, isto é, desvinculada da
ação (práxis) humana, não havendo em sua obra, neste sentido, uma dimensão ontológica do
natural, Marx estabelece, contudo, uma diferenciação entre as duas expressões essenciais da
natureza, isto é, a primeira e a segunda natureza. A designada primeira natureza seria a
“natureza em estado natural”; a segunda natureza, por sua vez, consistiria na natureza
subsumida à sociedade e sua dinâmica, dinâmica esta consubstanciada pelo trabalho na
esteira do desenvolvimento das forças produtivas, engendrando, assim, a natureza
humanizada, que incorpora e evidencia os resultados da ação humana, ou seja, a
incorporação de trabalho ao solo, que leva à alteração das suas condições previamente
existentes. Nesta perspectiva compreende-se que o desenvolvimento da história implica um
constante e progressivo movimento de transformação da primeira em segunda natureza.
Sendo que a segunda natureza envolve inteiramente o sentido do trabalho alienado. Lembro
que as forças produtivas do trabalho se realizam como forças produtivas do capital.
25

lugar e o meio”, transformando-se assim no “grande laboratório das forças


sociais”.24 Esta condição vincula a cidade às forças produtivas, fazendo dela
própria uma força produtiva, porém diferenciada em relação com a terra stritu
sensu (meio de produção e instrumento). Isto porque a cidade, entre outras
funções que reúne, é a “sede do poder econômico e de sua monstruosa
potência”. Explica-nos Lefebvre:

Permitindo a reunião dos trabalhadores e das obras, dos


conhecimentos e das técnicas, dos próprios meios de produção, ela
intervém ativamente no crescimento e no desenvolvimento; ela pode,
portanto, contrariá-los; o confronto das forças produtivas e das relações
de produção no seu interior, no seu território, pode ter efeitos benéficos
ou desastrosos. Como a terra, como a nação, em face delas, a cidade
se torna, no curso da história, o cadinho onde se elaboram as relações
de produção, onde se manifestam os conflitos entre as relações de
produção e as forças produtivas. 25

Nesse sentido, a cidade e mais propriamente a urbanização assumem


importância fundamental no desenvolvimento do modo de produção
capitalista, condicionando-o terminantemente. É na cidade, portanto, que se
encontram as bases fundamentais para a compreensão da própria sociedade
capitalista e da reprodução das relações sociais.
A dinâmica sócio-espacial capitalista atual recrudesce, sensivelmente,
a recorrente contradição/conflito entre o valor de uso do território e o seu valor
de troca. Estabelece-se no âmbito desse movimento contraditório acirrado um
ponto de inflexão fortalecido entre, de um lado, as demandas sociais
territoriais referenciadas ao âmbito da existência e da vida, expressas, por sua
vez, por práticas de apropriação dos lugares por seus habitantes (valor de
uso, ou melhor, o uso) e, de outro, o tratamento estritamente mercantil da
terra para a obtenção de algum benefício econômico e renda (o valor de uso
submetido ao valor de troca), pesando substancialmente neste segundo
aspecto as “estratégias imobiliárias”. Estas estratégias, segundo Ana Fani A.

24
LEFEBVRE, Henri. A Cidade do Capital. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1999. p.85-91.
(ênfases do autor). Aqui Lefebvre aborda a questão da terra a partir das idéias de Marx
expostas n’ O Capital, seção III, cap VII e nos Grundrisse, vol.I.
25
Ibidem, p.91 e 92.
26

Carlos, encerram implicações importantes no uso e na apropriação do espaço


urbano, uma vez que elas
...limitam as condições e as possibilidades de uso do espaço pelos
seus habitantes; isto é, cada vez mais os espaços urbanos,
transformados em mercadoria, são destinados à troca, o que significa
que a apropriação e os modos de uso tendem a se subordinar (cada
vez mais) ao mercado. Porém, adverte: com essa idéia Henri Lefebvre
não quer dizer que o valor de uso tende a desaparecer em nossa
sociedade, tampouco que a homogeneização de fragmentos dispersos
e comercializados do espaço impliquem a prioridade absoluta do valor
de troca sobre o valor de uso. Trata-se de uma tendência que não
destrói a relação dialética entre valor de uso e valor de troca, mas
aponta para o modo como as contradições do processo de produção
do espaço, entre uso e troca, se realizam no mundo moderno. O Uso
invadido e submetido ao mercado, ao valor de troca, se torna residual.26

A idéia de apropriação está referenciada aos diversos modos pelo qual


o espaço é ocupado, tanto por formas materiais (objetos), como por atividades
inscritas territorialmente (que configuram os usos da terra), e ainda por
indivíduos e segmentos sociais variados. Quando a apropriação do espaço se
realiza de forma “sistematizada e institucionalizada” ela “pode envolver a
produção de formas territorialmente determinadas de solidariedade social”.27
À medida que o processo de produção da cidade se desdobra
historicamente de forma contraditória sob a forma de um conflito constante, e
inevitável, entre as forças de difusão do valor de troca (também portadoras do
sentido do moderno), de um lado, e as forças demandadas do uso e da
apropriação, de outro, evidencia-se a necessidade de se pensar a cidade para
além dos limites de uma dada compreensão que a toma “exclusivamente
como valor de troca”. 28
Neste sentido, o uso e a apropriação do espaço não apenas se
desenvolvem de forma desigual e fragmentada pelos interstícios da cidade,
como também encerram no seu movimento certa flexibilidade de realização.

26
CARLOS, Ana Fani A. Espaço-Tempo na Metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São
Paulo: Contexto, 2001. p.37 e 38.
27
HARVEY, David. A Condição Pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992. p.202.
28
CARLOS, Ana Fani A. Espaço-Tempo na Metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São
Paulo: Contexto, 2001. p.38.
27

Assim, no uso do espaço, é possível apreender o imprevisto, a


improvisação, o espontâneo, que criam os pontos de referência da
cidade, onde a multidão improvisa a festa, a reunião, superpondo-se à
rotina no igual e no repetitivo. Dessa feita as ruas, praças e avenidas,
com suas marcas particulares e identificadoras, marcam o convívio e
apresentam modos diferenciados de apropriação. 29

O tratamento mercantil da terra decorre, por sua vez, essencialmente


da instituição da propriedade da terra, propriedade esta concebida como um
direito pela democracia burguesa e que figura na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão. Desse modo, o conflito inevitável aludido recrudesce à
medida que a propriedade da terra-mercadoria se difunde geograficamente,
mobilizando-se progressivamente com a incidência dos processos de
valorização. A forma da propriedade/mercadoria e sua ampla
difusão/reprodução estão na base de uma condição sócio-espacial urbana
que se expressa como uma efetiva compressão cotidiana sobre o uso,
situação potencialmente geradora de conflitos na qual se redefinem as
possibilidades e os limites do uso. Analisando a natureza do conflito uso/troca,
Lefebvre nos diz:

O uso permite a troca: a coisa da qual alguém fará uso se vende; ela
adquire valor de troca porque ela tem valor de uso. Todavia, o uso não
coincide com o valor de uso. A água, o ar, a luz, não tiveram valor de
troca durante milênios e até à modernidade, ainda que todo o mundo
faça uso deles. Mais precisamente, o ar, a água, a luz, a terra – os
elementos – adquirem valor de uso desde o momento em que eles se
produzem e se vendem, portanto adquirindo valor de troca: o ar, com o
ar condicionado; a água com o fornecimento por canalizações; a luz
com a iluminação artificial; a terra enfim, e, sobretudo, logo que ela
torna-se objeto de propriedade. (...) O uso persiste, já que corresponde
a uma necessidade, fundamental ou artificial, física ou elaborada:
respirar, beber, ver, andar. Logo que um elemento deixa de ser um
dom da natureza, em torno dele começam à travar-se lutas
encarniçadas. Do dom, a prática passa ao regime da dívida e da taxa;
o elemento se calcula e se contabiliza. Cada indivíduo é devedor à
sociedade daquilo que recebe dela ao título de elemento, que não tem
mais nada de elementar: sua parte de água, de ar, de luz, de terra. Os
‘elementos’ entram assim na região conflituosa onde se acertam os
negócios sociais, por contratos e discussões (relativos à dívida e ao

29
Ibidem, p.36.
28

endividamento). O uso gratuito (agradável) no tempo do dom


espontâneo e da abundância natural se ganha, se conquista, se
defende duramente. Isto para os indivíduos e para os grupos. A
questão do ‘território’ começa a se colocar para cada um e para todos,
para os isolados como para as coletividades, da vila à nação. No final
das contas, isto é, quando tudo se calcula (se contabiliza), cada um
reivindica o que lhe é devido, em espaço, em ar, em água. Muitos não
os obtêm. Não é o mesmo para o corpo, dom da natureza, vivendo no
e pelos dons, em seguida tomado nas redes das dívidas, taxas,
contratos? (...) A troca e o valor de troca lutam contra o valor de uso e
contra o uso que se manifesta através dos valores. Isto é, contra o
corpo vivo e o vivido. 30

Chame-se a atenção para o fato de que o problema urbano na


contemporaneidade, com suas complexidade e diversidade, explicita de modo
pungente tal embate, uma vez que os espaços da cidade, nos quais se
inscreve a problemática urbana (precariedade das condições de moradia,
infra-estrutura urbana, restrição das áreas de lazer, bem como de espaços
públicos condizentes às praticas sociais coletivas, problemas de circulação,
etc.) estão sujeitos aos constrangimentos da impetuosidade dominadora da
troca provocados pelas ações de especulação territoriais e inversões de
capitais, operações que se realizam simetricamente ao fato de o espaço
urbano conter a inerência histórica de um uso, em outras palavras, de um
emprego do tempo.
Esta oposição conflituosa é inseparável da mercadoria, portanto do
solo, do espaço. Para além de uma expressão puramente mental, lógica,
apresentada por Marx n’O capital, tal conflito ao potencializar-se pelo amplo
desenvolvimento e progressiva difusão do capitalismo e do “mundo da
mercadoria”, conseqüentemente, pela proeminência gradativa da lógica da
mercadoria nas relações sociais, manifesta-se no mundo atual como conflito
efetivamente social, fato constitutivo, portanto, do mundo sensível e prático. O
embate assume notoriedade sócio-territorial, vinculando-se inextricavelmente
à cidade e ao urbano capitalistas.

30
LEFEBVRE, Henri. De l’État (Les contradictions de l’État moderne: la dialectique et/de
l’État), tome IV. Paris: Union Générale d’Éditions. 1978, p.275-278. (tradução minha do
original).
29

No universo das condições sócio-espaciais dos países não


desenvolvidos, esta conformação urbana genuinamente mercadológica e
capitalista, implica na instauração de um modelo de urbanização fortemente
segregador e excludente que, ao mesmo tempo, engendra e insufla processos
de inserção sócio-territorial precária (ou mesmo perversa), impondo sacrifícios
ainda maiores aos segmentos sociais de menor poder aquisitivo. Estes, à
medida que se distanciam gradativamente das possibilidades de inserção
social - proporcionadas pelas oportunidades de trabalho, pela formação
cultural e educacional - formam, desgraçadamente, o próprio alicerce sobre o
qual ela se edifica. A olhos vistos ampliam-se os conflitos sociais e a
proletarização/periferização do espaço, ao mesmo passo que se multiplicam
bairros jardins e condomínios fechados. Infere-se, por essa conformação, que
a estruturação territorial da cidade periférica prescreve uma genuína
guetização/insularização, configuração espacial acentuadamente desigual e
conflituosa, demarcada predominantemente por áreas ocupadas por frações
sociais mais abastadas, entrecortadas por exorbitantes extensões de
segmentos sociais pobres. É a conformação de uma cidade dividida,
afigurando-se como um verdadeiro mosaico do caleidoscópio da periferia,
com enclaves de modernidade e os diversificados territórios da pobreza.
Esta acentuada disparidade explicita uma polarização social e territorial
crescente e intensificada, reflexo de uma progressiva dualização da
sociedade e, mais propriamente, do mercado de trabalho polarizado entre, de
um lado, empregos mais qualificados de alta remuneração e, de outro,
trabalhos de baixa renda com vínculos empregatícios precários ou mesmo
desprovidos de vínculos. Conforme Raquel Rolnik e Kazuo Nakano, “essa
dualização nas estruturas sociais interage com a dualização das estruturas
urbanas, criando espaços segregados entre si, ocupados por grupos
31
excluídos e incluídos”. Advertem, contudo, para o fato de que essa situação
não é, ao menos ainda, generalizada, exemplificando com as exceções

31
ROLNIK, Raquel & NAKANO, Kazuo. “Cidades e políticas urbanas no Brasil”. In: RATTNER,
Henrique (org.) Brasil no Limiar do Século XXI: alternativas para a construção de uma
sociedade sustentável. São Paulo: Edusp, 2000. p.115.
30

representadas por Londres e Paris, embora reconheçam a existência do


“aumento na desigualdade de rendimentos” entre os seus respectivos
habitantes.
Este movimento de acirramento das contradições urbanas, tanto no
âmbito do confronto entre capital e trabalho como no do consumo coletivo e
da reprodução social 32, abala fortemente um dos papéis fundamentais que a
cidade precisa cumprir, isto é, o de assegurar condições aceitáveis e
aprimoradas à qualidade de vida em sentido amplo, foco de atuação principal
dos movimentos sociais urbanos. Para além de uma luta empreendida para a
conquista específica de bens diversos (moradia, áreas de lazer, equipamentos
urbanos etc.), suas ações e respectivos motivos traduzem a necessidade
premente de obtenção de condições de uso do espaço urbano e da
reconstrução de uma efetiva esfera pública na urbe (em declínio notório). As
múltiplas e diversificadas ações de insurgência social, como por exemplo, os
movimentos de luta pela moradia, precipitam, a meu ver, a politização do uso

32
Segundo Ladislau Dowbor, “a reprodução social se contrapõe de certa maneira à
reprodução do capital, tradicional conceito que via essencialmente o processo de crescimento
econômico centrado nas atividades produtivas. Neste sentido, a reprodução social é mais
ampla, e define um processo que envolve tanto a produção como os serviços sociais, e as
diversas atividades de gestão do desenvolvimento como planejamento, segurança e outros.
Por outro lado, trata-se de reprodução, ou seja, de uma visão estrutural e de longo prazo que
envolve uma análise de como a sociedade no seu conjunto se reproduz e evolui. Ao insistir no
conceito de reprodução social, buscamos romper a absurda dicotomia que se fez entre a
economia, que se preocupa com a produção de riquezas, e o social, que acompanha com
atraso o processo, tentando através de políticas de compensação reduzir as contradições
geradas, a miséria, o abandono, a exclusão. Não há mais espaço para uma produção que
não leva em consideração os impactos sociais da própria economia, e que não integra os
processos corretivos na sua própria área, como não há mais espaço para políticas sociais que
tentam ignorar os seus custos e implicações econômicas; e tanto o econômico como o social
têm de levar em consideração a sustentabilidade dos processos, a sua viabilidade ambiental
de longo prazo. Em termos normativos, trata-se de seguir uma fórmula tradicional, mas
perfeitamente adequada: o desenvolvimento tem de ser socialmente justo, economicamente
viável e ambientalmente sustentável. Segmentar este processo não é realista, e a sua
integração implica numa redefinição de vários conceitos”. Cf. DOWBOR, Ladislau. A
Reprodução Social: proposta para uma gestão descentralizada. 2a. edição. Petrópolis: Vozes,
1998. p.419-420. Para uma análise crítica da idéia de “sustentabilidade”, cf: RIBEIRO,
Wagner Costa et al. “Desenvolvimento sustentável: mito ou realidade?”. Terra Livre. São
Paulo: Associação dos Geógrafos Brasileiros, n.11-12, ago.1992/ago.1993. p.91-101; Ver
também: MATTOS, Carlos A. “Desenvolvimento sustentável nos territórios da globalização.
Alternativa de sobrevivência ou nova utopia?”. In: BECKER, Bertha K. & MIRANDA, Mariana.
(orgs.). A Geografia Política do Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Editora da
UFRJ, 1997. p.103-125. (além deste, vários outros artigos do livro são de grande interesse
para a questão).
31

na cidade, projetando no horizonte de suas realizações a possibilidade da


construção de territórios de utopia. Estes, por sua vez, são concebidos e
produzidos à imagem da comunidade política nele circunscrita, capazes de
refletir e traduzir, à escala do lugar, as suas necessidades, aspirações e
desejos ao menos básicos; um bom lugar para se viver, eis o seu melhor
sentido.
Ao analisar a natureza, o sentido e as potencialidades dos movimentos
sociais, podendo-se aí incluir os de caráter essencialmente urbano, David
Harvey oferece uma contribuição importante, ao assinalar que:
Movimentos de oposição às destruições do lar, da comunidade, do
território e da nação pelo fluxo incessante do capital são legião. Mas
também o são os que se opõem às rígidas restrições de uma
expressão puramente monetária do valor e da organização
sistematizada do espaço e do tempo. (...) Movimentos de toda espécie
– religiosos, místicos, sociais, comunitários, humanitários etc. – se
definem diretamente em termos de um antagonismo ao poder do
dinheiro e das concepções racionalizadas do espaço e do tempo sobre
a vida cotidiana. A história desses movimentos utópicos, religiosos e
comunitários atesta bem o vigor desse antagonismo. De fato, boa parte
da cor e do fermento dos movimentos sociais, da vida e da cultura das
ruas e das práticas artísticas e outras práticas culturais derivam
precisamente da infinita variedade da textura de oposições às
materializações do dinheiro, do espaço e do tempo em condições de
hegemonia capitalista. 33

Nessa perspectiva, compreendo que mais difícil do que


reconhecer suas existências, ações e formas de expressão em meio ao
tormentoso mar de ideologias e do poder do dinheiro que marcam o mundo -
mais recrudescidos nos tempos hodiernos -, seja identificar neles vetores com
capacidade efetiva de transformação de padrões consolidados de injustiça
sócio-espacial na cidade. Acerca disso, David Harvey faz o seguinte
comentário:
...todos esses movimentos sociais, por mais bem articulados que sejam
seus objetivos, se chocam com um paradoxo aparentemente
irresolvível. Porque não somente a comunidade do dinheiro, aliado com
um espaço e um tempo racionalizados, os define num sentido
oposicional, como também os movimentos têm de enfrentar a questão

33
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992. p.217.
32

do valor e de sua expressão, bem como da organização necessária do


espaço e do tempo apropriada à sua própria reprodução. Ao fazê-lo,
eles se abrem necessariamente ao poder dissolutivo do dinheiro, assim
como às cambiantes definições de espaço e de tempo que surgem por
meio da dinâmica da circulação do capital. (...) O capital continua a
dominar, e o faz, em parte, graças ao domínio superior do espaço e do
tempo, mesmo quando os movimentos de oposição obtêm por algum
tempo o controle de um lugar particular. As ‘alteridades’ e ‘resistências
regionais’ que a política pós moderna enfatiza podem florescer num
lugar particular. Mas com muita freqüência, estão sujeitas ao poder que
o capital tem sobre a coordenação do espaço fragmentado universal e
da marcha do tempo histórico global do capitalismo, que está além do
alcance de qualquer delas. 34

Conquanto se reconheça a diversidade que marca os movimentos


sociais urbanos ao longo de suas trajetórias no cenário político-espacial
brasileiro, suas práticas e reivindicações sintetizariam no conjunto uma luta
ampliada pela conquista do direito à cidade 35, sem o qual não se podem criar
condições minimamente razoáveis à reprodução social. Dessa forma, o direito
à cidade pressupõe necessariamente a existência de condições extensivas de
uso do seu espaço, tangíveis a toda a cidade, não apenas a uma pequena
parcela dela, constituindo-se assim em um fator fundamental da promoção
efetiva da cidadania.
Evidencia-se, assim, que a noção de cidadania encerra uma dimensão
geográfica, espacial, articulando-se inexoravelmente ao território. Estando
situada no âmbito das relações políticas, ela incorpora, portanto, uma efetiva
dimensão geopolítica, uma vez que as relações políticas e o território não

34
Ibidem, p.218 e 219.
35
De acordo com Henri Lefebvre, o direito à cidade integra o universo dos direitos que
definem a civilização, os quais “abrem caminho” na seara de “condições difíceis” da
sociedade capitalista. Observa que embora esses direitos sejam “mal reconhecidos” eles
gradativamente tornam-se “costumeiros antes de se inscreverem nos códigos formalizados.
Mudariam a realidade se entrassem para a prática social: direito ao trabalho, à instrução, à
educação, à saúde, à habitação, aos lazeres, à vida”. O direito à cidade compreenderia,
assim, não o direito à “cidade arcaica”, mas sim o direito “à vida urbana, à centralidade
renovada, aos locais de encontro e de trocas, aos ritmos de vida e empregos do tempo que
permitem o uso pleno e inteiro desses momentos e locais, etc”. A realização dessa condição
de direitos implicaria na transformação das práticas urbanas bem como no processo de
constituição das cidades. Cf. LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo: Editora
Moraes, 1991. p.143.
33

apenas interagem organicamente entre si, como também estão na base da


formação e do exercício do poder.
A cidadania não é simplesmente uma representação dos indivíduos
dentro do Estado nacional, mas, sem dúvida, um fenômeno muito mais
complexo que incide no quadro da dinâmica territorial cotidiana da
sociedade. (...) As diferentes vivências da cidadania não são
sinalizadas apenas pelo vago sentimento de nacionalidade em relação
a um Estado que se mantém distante, mas também são vividas
cotidianamente e referidas ao quadro territorial imediato onde
deixam marcas e escrevem seus códigos territoriais (de acesso,
hierarquia, valorização etc.).36 (ênfases minhas).

Sua realização e seu exercício pressupõem o direito assegurado de


37
uma inserção digna na cidade, assim como de condições adequadas
propiciadoras ao seu uso social e coletivo permanentes. Milton Santos
assinala que “é impossível imaginar uma cidadania concreta que prescinda do
componente territorial”, observando, ainda, que
...o valor do indivíduo depende do lugar em que está e que, desse
modo, a igualdade dos cidadãos supõe, para todos, uma acessibilidade
semelhante aos bens e serviços, sem os quais a vida não será vivida
com aquele mínimo de dignidade que se impõe.

E conclui:
...uma repartição espacial não-mercantil desses bens e serviços,
baseada exclusivamente no interesse público, traria, ao mesmo tempo,
36
GOMES, Paulo C. da. C. A Condição Urbana: ensaios de geopolítica da cidade. Rio de
Janeiro: Beretrand Brasil, 2002. p.139 e 141.
37
Emprego aqui o sentido kantiano da palavra dignidade, cujo princípio é: Age de tal forma
que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre
também como um fim e nunca unicamente como um meio (Grundlegung zur Met. Der Sitten,
II). Segundo Nicola Abbagnano, “esse imperativo estabelece que todo homem, aliás, todo ser
racional, como fim em si mesmo, possui um valor não relativo (como é, p. ex. um preço), mas
intrínseco, ou seja, a dignidade”. Citando Kant, assinala: O que tem preço pode ser
substituído por alguma outra coisa equivalente, o que é superior a qualquer preço, e por isso
não permite nenhuma equivalência, tem D. Prossegue Abbagnano: “Substancialmente, a D.
de um ser racional consiste no fato de ele não obedecer a nenhuma lei que não seja também
instituída por ele mesmo. Observa ainda que “a mortalidade, como condição dessa autonomia
legislativa é, portanto, a condição da D. do homem, e mortalidade e humanidade são as
únicas coisas que não têm preço. (...) Na incerteza das valorações morais do mundo
contemporâneo, que aumentou com as duas guerras mundiais, pode-se dizer que a
existência da D. do ser humano venceu uma prova, revelando-se como pedra de toque para a
aceitação dos ideais ou das formas de vida instauradas ou propostas; isso porque as
ideologias, os partidos e os regimes que, implícita ou explicitamente, se opuseram a essa
tese mostraram-se desastrosos para si e para os outros.” Cf. ABBAGNANO, Nicola.
Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 276-277. (os trechos
grifados/italizados são de Kant).
34

mais bem-estar para uma grande quantidade de gente e serviria como


alavanca para novas atividades.

Para o autor esta orientação, à medida que incorpora o “dado


geográfico”, seria capaz de imprimir maior eficácia ao tratamento dos
problemas sociais ao nível econômico, político e social 38.
O próprio percurso das lutas sociais urbanas assume enorme
importância, à medida que a práxis sócio-espacial que ele encerra pode se
revelar um campo politicamente fértil de experiências, relações e aprendizado
social, potencialidades a partir das quais se forjaria a construção da
cidadania. Poder-se-ia indagar se o percurso dessas lutas seria, então, mais
importante do que os seus resultados. Talvez. Entretanto, os serviços e os
bens materiais conquistados (moradia, benfeitorias urbanas etc.) exercem
condicionamentos por demais importantes na sua formação para serem
negligenciados pela análise, sem os quais a existência não alcança a
dignidade, tornando a figura do cidadão uma mera ficção. Evidencia-se,
portanto, que a cidadania não se constitui a revelia do território, cuja condição
encerra a existência de uma dimensão física, geográfica.
A realização da cidadania, à medida que pressupõe o acesso
democratizado a serviços e bens ao menos básicos - isto é, a um território
social e tecnicamente capacitado para uma realização digna da existência -,
vincula-se à formação de um espaço público na cidade, recaindo sobre ele,
constantemente, as forças do mercado e os desígnios do consumo, condição
pela qual a sua existência é desafiada, constrangida e reduzida. Os processos
de especulação ampliada do solo urbano estão na base dessa condição
mortificante do espaço público na cidade, que, a olhos vistos, experimenta
uma condição de transformação/retração face ao movimento de prevalência
do valor de troca no seu território. Por esta via, as relações de sociabilidade,
de identidade e vínculo com o lugar são constrangidas e redefinidas, mas não
propriamente eliminadas de forma absoluta face ao limites encontrados no
movimento de realização geográfica do valor de troca.

38
SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão. 2a. ed. São Paulo: Nobel, 1993. p.116 e 117.
35

Há que se considerar que não raro os termos e o sentido da


planificação urbana para o desenvolvimento da cidade implicam uma eficiente
e difundida “educação capitalista do espaço”, levando a população, ao menos
parcelas significativas dela, à legitimação consentida de ações de inserção
individual na urbe em detrimento de ações coletivas e democráticas. A
conformação da circulação na cidade, sobretudo com a supremacia do
automóvel e a correspondente multiplicação das vias de rodagem infunde,
gradualmente, condições territoriais conducentes ao “isolamento organizado”
dos membros da comunidade urbana, situação verificada principalmente nos
grandes centros. É, de certo modo, a negação institucionalizada do
encontro39 que, em grande medida, se aloca para o universo privado de
clubes, boates, residências etc. Tal orientação estabelece uma espécie de
morte anunciada da cidade e da vida urbana, do advento da cidade sem alma,
ou ainda, da anticidade, que se conforma a passos rápidos como um espaço
da impessoalidade.
Sustento que a restituição do espaço público à urbe comparece como
condição imprescindível à criação de uma feição mais humana à cidade,
favorecendo, desse modo, a promoção de uma ambiência cotidiana mais
unitária, para a qual as ações voltadas ao uso e, portanto, à apropriação,
desempenham um papel de grande relevância. É oportuno esclarecer aqui o
sentido de espaço público, conceito sobre o qual reina grande polêmica, cujo
tratamento é marcado em grande medida por reducionismos e imprecisões de
40
significado. Sobre o assunto, Paulo César da Costa Gomes traz uma
contribuição crítica substanciosa, apresentando três acepções fortes do
conceito bastante presentes na sociedade. Inicialmente, chama-nos a atenção
para a concepção que se assenta na idéia corrente de que público é tudo
aquilo que não é privado e vice-versa, compreensão rígida que não leva em
conta as profundas mutações da vida cotidiana e do espaço que pesam sobre
ela, fato que flexibiliza as fronteiras entre estas duas dimensões, impondo
39
Cf. KOTANYI, Attila & VANEIGEM, Raoul. Internationale Situationniste. Paris: Fayard, 1997,
p.214-217.
40
GOMES, Paulo C. da C. A Condição Urbana: ensaios de geopolítica da cidade. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.159-160.
36

dificuldades à delimitação e definição das mesmas. Igualmente limitada é a


idéia de espaço público que lhe confere uma demarcação juridicamente
estabelecida, uma vez que a norma que regulamenta a sua existência
assinalaria uma efetiva inversão de procedimentos, em outras palavras, a lei
operando a definição do objeto, quando se pode imaginar que este a precede,
cuja (...) “variante fenomenológica não obrigatoriamente é do interesse estrito
da legislação descrever”. Finalmente, a concepção que identifica espaço
público com a idéia de livre acesso, que por sua vez ignora o fato de que nem
todos os lugares de livre acesso revelam-se efetivamente como públicos,
negligenciando, ademais, a distinção entre público, coletivo e comum, que
não são exatamente a mesma coisa.
O autor se fundamenta em Jurgen Habermas para apresentar uma
melhor e mais adequada concepção de espaço público, que em síntese é
definido como um dado lugar socialmente compartilhado em que as idéias
podem ser manifestadas e confrontadas livremente, requerendo o uso de uma
linguagem comum que possa ser entendida por todos os envolvidos nesse
universo relacional e comunicacional aberto. Portanto, ganha evidência nessa
concepção a sua efetiva dimensão política. Esta relação livre e socialmente
compartilhada, indicadora de uma participação ativa no espaço público
pressupõe, pelo meu entendimento, o uso e a apropriação dos lugares, ainda
que estes sejam a priori estabelecidos ou reconhecidos como privados. Ou
seja, lugares privados podem assumir conotação verdadeiramente pública por
ações compartilhadas de apropriação do espaço. Saliente-se, ademais, que
no âmbito da qualificação dos espaços públicos há que se considerar o fato
de que eles não se restringem ao comércio de bens, de mercadorias, mas que
também se matizam e se destinam a trocas mais amplas do que estas, porém
todas elas com atributos referenciados de forma direta e efetiva com a vida
pública. Para o caso de Belo Horizonte, pode-se oferecer como um exemplo
importante dessa condição o Mercado Central da capital mineira, o qual, pela
minha interpretação, desempenha uma função efetivamente pública na
cidade, ou ainda, um construto sócio-espacial que, a princípio, é um espaço
37

privado, mas que, em virtude da forma como ele é cotidianamente apropriado


pela sociedade, adquire uma conotação pública, convertendo-se, assim, em
espaço público, o que expõe a subversão do eixo semântico público-privado.
Pois bem, a dinâmica acelerada de desenvolvimento das forças
produtivas após a Segunda Guerra Mundial conduziu à consolidação da
mundialização da economia, processo em que as cidades (sobretudo os
grandes centros) desempenham papel central e estratégico na sua realização,
uma vez que se constituem e se afirmam como espaços privilegiados da
produção e reprodução ampliada do capital, fixando-se como pontos
polarizadores nas redes de relações que perpassam a economia-mundo. A
cidade elevada à condição de uma “força produtiva”,41 ampliada e
potencializada pelo desenvolvimento das tecnologias e das técnicas aplicadas
ao capital e ao trabalho, engendra dinamismos cujas repercussões territoriais
estendem-se para além de seus limites, fragilizando e atenuando as fronteiras
entre a cidade propriamente dita e o campo; este, por sua vez, cada vez mais
subordinado e redefinido pela primeira, tornando-se a cidade “o lócus da
regulação do que se faz no campo”.42 Essa transformação traz à luz o advento
de uma categoria territorial híbrida conceituada “rurbano”, emergente
expressão sócio-espacial manifesta sob a forma proliferada de vilas, as quais
poderão, ao longo do tempo, alcançar a condição de centros urbanos.
A dinâmica sócio-espacial aludida traduz-se por uma urbanização
territorialmente ampliada e extensiva, “projeção de fragmentos múltiplos e
disjuntos (periferias, subúrbios, residências secundárias, satélites etc.)”,
resultando no que Lefèbvre designou de “zona urbana”, cujo processo de
formação dá-se pela explosão/espraiamento da cidade, ou ainda de
proliferação do “tecido urbano”, historicamente decorrente do estabelecimento
e desenvolvimento do capitalismo industrial no âmbito da urbe, em que “a
concentração da população realiza-se concomitantemente à dos meios de
produção”.43
41
LEFEBVRE, Henri. La Revolución Urbana. 4ª. edición. Madrid: Alianza Editorial, 1983. p.21.
42
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993. p.52.
43
LEFEBVRE, Henri. La Revolución Urbana. 4ª.edición. Madrid: Alianza Editorial, 1983. p. 9-
10
38

44
No universo dos países de capitalismo tardio e periférico ganha
relevo o Brasil, pelo dinamismo e expressividade que marcam a trajetória do
desenvolvimento do capitalismo em seu território e suas correspondentes e
notáveis configurações espaciais. Entre elas, avulta a sua ampla e
diversificada rede urbana, realidade praticamente única nesse universo,
caracterizada concomitantemente por acentuada polarização - suscitada pela
consolidação de megacidades - e forte assimetria social. Com uma
industrialização acelerada de base fordista orientada para o mercado interno,
sob forte ação estatal no âmbito dos projetos de modernização autoritária,
alcançou-se níveis de urbanização espetaculares, circunscrevendo no
território o fenômeno metropolitano, reflexo de inversões capitalistas induzidas
pelo planejamento econômico estatal e voltadas, sobretudo, aos grandes
centros, sobretudo os do centro-sul, com destaque para São Paulo. A
expansão metropolitana traduzia-se, então, como urbanização concentrada,
direcionada estrategicamente à reprodução ampliada do capital, norteada e
justificada pela ideologia do crescimento e da consecução do projeto “Brasil
potência”. Tal projeto, elaborado e gerido pelas forças armadas, legou ao país
uma estrutura territorial que, entre outros aspectos que se podem atribuir a
ela, leva as marcas da desigualdade e da seletividade, presentes nas diversas
escalas espaciais intranacionais, expressando conformações territoriais e
temporalidades diferenciadas – aspectos relevantes para uma compreensão
mais profícua da modernização e da modernidade brasileiras. Esse
movimento acentuadamente contraditório revela os termos da ambivalência
do Brasil, aspecto constituído ao longo da modernização centralizadora e
autoritária, que desde as suas origens no período Vargas, mais
especificamente a partir do Estado Novo, é marcado por uma assimetria no
âmbito do planejamento estatal entre a esfera econômica e a social, com
prevalência da primeira. Daí poder-se falar que a chamada modernização
brasileira conduziu mais propriamente ao desenvolvimento econômico -
campo privilegiado pelas políticas governamentais - em detrimento do social.
44
Cf. MANDEL, Ernest. O Capitalismo Tardio. 2a.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985 (Os
Economistas).
39

A ênfase das atuações estatais favoreceu principalmente o grande capital,


monopolista, conformando o “tripé” capital estatal, privado nacional e
estrangeiro. Eis a base econômica estrutural do modelo desenvolvimentista
brasileiro, gerador de uma dinâmica expressivamente concentracionista da
riqueza no território nacional, pesando enormemente na produção de
profundas disparidades sócio-espaciais no país; sem dúvida um legado
espacial da “modernização conservadora”, que não apenas se mantém como
se aprofunda no território nacional. Na formação deste quadro é necessário
sublinhar a atuação geograficamente seletiva do Estado na manipulação dos
recursos e investimentos. O espaço urbano, sobretudo, sintetiza essa
dinâmica contraditória e desigual, reflexo do controle monopolístico da
economia brasileira. Com a crise do Estado e o avanço das privatizações -
cujo processo de realização tem contado com forte participação do capital
estrangeiro -, o traço da desigualdade se afirma e se reproduz amplamente no
seu território.
Saliente-se o fato de que a urbanização foi tomada pelo Estado
autoritário modernizador como questão estratégica a fim de impulsionar o
crescimento industrial, cada vez mais dependente de uma consistente
urbanização. A urbanização como estratégia do desenvolvimento econômico
acelerado leva o Brasil à diversificação e ao estreitamento de relações com a
economia global. É por esse nexo que o território nacional conforma-se
crescentemente como base de operações e reprodução do capital
mundializado, tornando-se, dessa forma, uma efetiva plataforma
internacionalizada voltada ao atendimento das demandas da economia
mundial. Esta condição implica numa expressiva canalização do excedente
econômico, produzido com mão-de-obra barata, para o mercado externo,
comprimindo substancialmente a oferta de empregos e impondo grandes
dificuldades ao desenvolvimento do mercado interno. Chame-se a atenção
para o fato de que as chamadas políticas urbanas implementadas pelo Estado
a partir dos anos 60, juntamente com outras políticas territoriais, mais
propriamente aquelas direcionadas à expansão do ambiente construído para
40

além das circunscrições urbanas (infra-estrutura viária, comunicação etc.)


voltar-se-ão enormemente à consecução desse intento, imprimindo maior
coesão e velocidade ao sistema. Essa densificação infra-estrutural do território
à medida que favoreceu a integração nacional e a formação de um mercado
nacional consolidado, esboroando-se a estrutura em “arquipélago” até então
dominante, proporcionou, incontestavelmente, forte impulso ao
desenvolvimento do capitalismo no Brasil, insuflando em larga medida os
processos de mercantilização da terra e do solo urbano. Tal dinamismo expõe
uma efetiva e ampliada territorialização do valor de troca na estrutura sócio-
espacial brasileira, em que os núcleos urbanos, principalmente as grandes
cidades, protagonizam esse processo à medida que se tornam bases
logísticas capazes de viabilizar a reprodução ampliada do capital - fato que
lhes assegura tanto a sua própria mobilidade como a da força de trabalho -, e
também pelo fato de se constituírem no lócus principal das instituições
estatais e de tratamento e difusão da informação.45
A reestruturação técnica e produtiva da economia capitalista a partir
dos anos 70, impulsionada pela abertura comercial e a conseqüente
intensificação da competitividade mundial, impacta o modelo
desenvolvimentista nacional levado a cabo pelo Estado, que ao dar sinais de
esgotamento traz à tona os limites da sua atuação/regulação. No Brasil este
fato precipitou, a partir dos anos 80, a formação de um ambiente favorável à
penetração e difusão do ideário neoliberal, com crescente privatização da
economia e abertura do mercado interno. O quadro constituído evidencia que
“o poder burocrático do Estado é reprimido em benefício de uma lógica do
mercado capitalista”,46 resultando na retração dos subsídios e, portanto, do
fortalecimento do papel do mercado, o que repercute negativamente no
mercado de trabalho, na previdência social e no direito à moradia.47

45
Cf. BECKER, Bertha K. & EGLER, Cláudio A. G. Brasil: uma nova potência regional na
economia-mundo. 2a. edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p.145-146.
46
NOVY, Andréas. A Des-ordem da Periferia: 500 anos de espaço e poder no Brasil.
Petrópolis: Vozes, 2002, p.355.
47
Cf. MARICATO, Ermínia. “As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias: planejamento
urbano no Brasil”. In: ARANTES, Otília et al. (org.). A Cidade do Pensamento Único:
desmanchando consensos. 2a. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p.162.
41

Assinale-se ainda que a crise recessiva dos anos 70, e suas


ressonâncias no Estado e na economia, estabelecem condicionantes
importantes pelos quais a industrialização-urbanização desconcentra-se das
metrópoles para outras escalas urbanas e regiões do país, delineando uma
ampla e efetiva “socialização urbana do espaço nacional”, cuja expressão é a
circunscrição territorial de um “segmento metropolitano” e de um “segmento
urbano não-metropolitano”.48 Neste sentido, pode-se argumentar que a crise,
enquanto um fator de dinamismo difuso, contribuiu para a conformação de
uma nova tendência na urbanização brasileira, em que pesem o movimento
de desconcentração industrial parcial das metrópoles e o decorrente impulso
do desenvolvimento de cidades de porte médio, receptoras de parcelas
significativas dos capitais alocados. Chame-se a atenção, contudo, para o
fortalecimento/concentração do setor de serviços nas metrópoles,
destacando-se, entre outras, as atividades financeiras, de tratamento da
informação etc. Não é demais dizer que estas atividades concentram-se cada
vez mais nos espaços metropolitanos em detrimento das produtivas, a
exemplo da indústria, desencadeando, assim, sérias repercussões no
mercado de trabalho; dentre as quais destaque-se o aumento do desemprego
que, efetivamente, constitui um dos ingredientes basilares da violência urbana
(e seus sicários), marcando fundo principalmente o cotidiano dos grandes
centros. Assim, pode-se argumentar que a mercadorização ampliada do
espaço numa sociedade que ostenta profundas disparidades sugere, de um
lado, a conformação cotidiana de uma espécie de genocídio sócio-espacial
que, em parte, pontua a paisagem e o cotidiano de nossas cidades, fato que
contribui substantivamente para insuflar relações de intolerância, como, por
exemplo, a profusão de percepções discriminatórias na sociedade que tomam
os espaços da pobreza, e os pobres, como verdadeiras nódoas da terra a
serem banidas ou deixadas à própria sorte. E, de outro, como já se viu, a
irrupção de múltiplas ações e iniciativas tendentes a lograr condições de

48
Cf. DAVIDOVICH, Fany R. “Considerações sobre a urbanização no Brasil”. In: BECKER,
Bertha K. et. al. (orgs.) Geografia e Meio Ambiente no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1995. p.79-
96.
42

existência mais favoráveis. Cumpre observar, entretanto, que a idéia de


pobreza que se utiliza neste trabalho não se restringe a uma condição estrita
de insuficiência de renda, ou ainda de uma abordagem da pobreza ancorada
na renda, muito embora se reconheça a sensatez desta idéia à medida que o
ingrediente da renda baixa se constitui num dos principais obstáculos à
realização da existência em patamares dignos e adequados, operando, desse
modo, como um fator fundamental de privação à exploração de determinadas
condições essenciais e básicas à vida. Neste sentido,
...a pobreza deve ser vista como a privação de capacidades básicas
em vez de meramente como baixo nível de renda, que é o critério
tradicional de identificação da pobreza.49

Assim sendo, haja vista o fato de que a renda não se define como o
único meio a lograr capacidades para a superação das privações. Depreende-
se daí que:
A relação instrumental entre baixa renda e baixa capacidade é variável
entre comunidades e até mesmo entre famílias e indivíduos (o impacto
da renda sobre as capacidades é contingente e condicional).50

Nesta perspectiva, a diversidade interpessoal face ao repertório de


bens possuídos, estabelece uma variabilidade quanto à natureza da vida que
as pessoas podem ter, ou ainda, que cada um pode levar. O que vale dizer
que:
...as rendas reais podem ser indicadores muito insatisfatórios dos
componentes importantes do bem-estar e da qualidade de vida que as
pessoas têm razão para valorizar. (...) Paga-se um preço altíssimo ao
confundir comparação de bem-estar com comparação de renda real.51

Conquanto o Brasil apresente uma estrutura socioeconômica


historicamente excludente e produtora de profundas desigualdades sócio-
espaciais, sobretudo a partir do regime militar52, a face perversa da crise
49
Cf. SEN, Amartya. “Pobreza como privação de capacidades”. In: Desenvolvimento Como
Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.109.
50
Ibidem, p.110.
51
Ibidem, p.100 e 101.
52
“O regime militar inaugurou um tempo marcado pela escancarada equiparação da condição
humana à mercadoria e ao dinheiro, regida pela mesma lógica, que reduziu maciçamente as
pessoas de amplos setores da sociedade brasileira à mera condição de coisas. Mesmo a
43

aludida, e seus efeitos, açulam os vetores da inserção precária, em que


pesem o recrudescimento e a difusão do valor de troca no território, condição
para a qual as políticas de “modernização” do Estado têm operado
favoravelmente. O Estado privatizado, com suas atuações norteadas pelos
critérios do mercado, dá a medida do conflito exacerbado entre troca e uso,
embate que, com suas vicissitudes e contradições, constitui referência
fundamental para um entendimento mais profícuo das formas que o espaço, e
mais especificamente, a cidade e o urbano assumem no movimento
contraditório de realização do capitalismo.

classe média, supostamente a salvo dessa tormenta, vive cotidianamente o terror das
incertezas daí decorrentes, como a do desemprego sempre iminente”. (...) “Já nos primeiros
tempos após o golpe de 1964, tornou-se necessário que duas pessoas de uma mesma família
trabalhassem para perfazer o mesmo salário que antes era conseguido por um único
trabalhador. Portanto, uma redução no salário real do trabalhador ou, dito de outro modo, o
trabalho passou a valer cerca de metade do que valia antes. Com isso, um crescente número
de mulheres, adolescentes e crianças teve que se lançar no mercado de trabalho, os
trabalhadores competindo com os próprios trabalhadores, para completar o salário que se
tornara de fato salário da família”. MARTINS, José de S. Para compreender e temer a
exclusão social. Vida Pastoral, Ano XLV, nº 239, Editora Paulus, São Paulo, novembro-
dezembro de 2004, p. 3-9.
44

Capítulo 2

Belo Horizonte: o percurso da formação da cidade moderna e a


circunscrição intersticial de permanências e resistências

Belo Horizonte emerge num contexto histórico assinalado por


acontecimentos e modificações importantes no Brasil, como atestam a Abolição da
Escravatura; a Proclamação da República; os avanços na ciência e na técnica,
com suas repercussões no desenvolvimento da indústria e das cidades; a
imigração moderna etc. A cidade se ergue na infância da República simbolizando
uma nova era, propugnando uma ruptura com o passado e uma aproximação
identitária com o novo. O espírito republicano que aqui se estabeleceu
representava a construção de uma perspectiva que se pretendia renovada à luz do
conjunto de mudanças e transformações que marcavam estes tempos, num
ambiente que explicitava alguns séculos de interdição de demandas sociais, que
em larga medida foram reprimidas. Desse modo, tudo aquilo que conotasse
arcaísmo e atraso deveria ser superado, desenraizando-se expressões, valores e
referências do terreno sobre o qual se erigiu o edifício colonial-imperial. Em que
pesem as nuances e as ambigüidades que matizaram o percurso da instauração
da República no Brasil, evidencia-se o fato de que se ela almejou o rompimento
com a herança colonial - intento em grande parte alcançado, mas não de forma
total -, esta condição não significou, todavia, o equacionamento do problema da
exclusão social reinante, negando aos excluídos do campo e da cidade o direito à
sua efetiva inserção na sociedade, afastando-os, assim, dos benefícios da
modernidade. Cabe lembrar que a universalização dos direitos sociais não
comparece na Constituição republicana de 1891, de traço marcadamente liberal, o
mesmo se dando com o Código Civil de 1916 que, por sua vez, expressa a
afirmação do direito da propriedade. Na ausência de efetivos avanços e
transformações na esfera social, a República necessitava, no entanto, legitimar-
se, lançando mão, para tanto, de estratégias e ações voltadas à criação de
marcos e símbolos. A mudança e a construção da nova capital constituem uma
evidência disso.
45

É sob estas circunstâncias que Belo Horizonte surge em fins do século XIX
como cidade concebida e planejada nos marcos do racionalismo urbano, e da
ordem positivista e geométrica, para ser uma capital moderna e simbolizar uma
empreitada rumo ao progresso. Sua inauguração deu-se em 12 de dezembro de
18971 em virtude de uma exigência da constituição do Estado, sendo inicialmente
denominada Cidade de Minas e, a partir de 1901, definitivamente nomeada de
Belo Horizonte. O nome fora criação do professor Luís Daniel Cornélio de
Cerqueira, quando se discutia a retirada do nome de Curral, por razões óbvias.
Entre diversos nomes sugeridos, entre os quais Santa Cruz, Cruzeiro do Sul, Nova
Floresta, Terra Nova e Novo Horizonte, o presidente provisório João Pinheiro
optou por Belo Horizonte, adotando-o em decreto de 1891. Registre-se que ao
longo da fase de construção da cidade e também por algum tempo depois,
diversos nomes insultuosos foram lançados a ela em virtude de certas condições e
situações que avultavam no seu espaço. Dentre eles o de Papudópolis,
Cretinópolis e Bociópolis, em virtude da ocorrência de bóscio endêmico na região,
problema que, na época, supostamente seria provocado pela água e pelo clima do
lugar; Poeirópolis, pela ausência de pavimentação e cenário de obras diversas
(como, por exemplo, de terraplanagem) inacabadas; Bandalheirópolis, por
referência às transações de compra e venda e negociatas que se desenvolviam ao
ritmo das construções da zona central da cidade.2 Por ocasião de sua “apressada”
inauguração, podia-se claramente observar obras inacabadas na sua paisagem, o
que em grande medida se explica, como já se viu, pela ocorrência da crise
econômica que se abatia sobre o país e o Estado, impactando, assim, o comércio
1
Embora a cidade tenha sido inaugurada oficialmente em 1897, a sua construção prolongou-se até
meados da década de 1910, quando então a cidade esposava aos seus habitantes condições mais
favoráveis ao desenvolvimento de uma vida de caráter mais urbano, embora socialmente
constrangida pela crise econômica da Primeira Guerra Mundial e pelo endividamento do Estado.
No ano de sua inauguração a cidade contava com uma população de aproximadamente 12 mil
habitantes, quando se definem os seus primeiros conjuntos arquitetônico-urbanísticos, como, por
exemplo, a Praça da Liberdade, expressando-se como um grande paço municipal, com a presença
dos belíssimos prédios das secretarias de Estado e do Palácio do Governo; o Parque Municipal,
que na época apresentava tamanho quatro vezes maior ao de hoje; a Praça da Estação; a rua da
Bahia; a avenida Santos Dumont; a avenida Afonso Pena. Conquanto a cidade já apresentasse na
década de 20 bens culturais e de lazer básicos de uma cidade moderna, a sua consolidação como
capital dar-se-ia, contudo, mais propriamente a partir dos anos 30.
2
Cf. IGLÉSIAS, Francisco. “Trajetória e significado de Belo Horizonte”. In: IGLÉSIAS, F. & PAULA,
J. A. de. Memória da Economia da Cidade de Belo Horizonte: BH 90 anos. Belo Horizonte: BMG,
s/d. p.11.
46

e a indústria da construção civil, levando à paralisação de obras e à espera por


recursos. O que se via após a sua inauguração
...era pouco mais que um acampamento, com algumas edificações de certa
imponência, como o palácio e repartições, muitas casas, ruas e avenidas
traçadas, lojas, templos. Era habitada por operários dedicados às
construções, funcionários, engenheiros, comerciantes e também
desocupados, andando em ruas empoeiradas ou enlameadas, entre
andaimes e largos espaços vazios. De acordo com os rígidos costumes da
época, apesar de tudo os homens de condição não deixavam a gravata, a
camisa de seda, as botas, como as mulheres prosseguiam com seus
vestidos compridos e caprichados. Andava-se em animais, raras bicicletas
e mais raras carruagens, com tração animal. As linhas de bonde são do
início do século atual: começaram a ser instaladas em 1901, inauguram-se
em setembro de 1902.3

Na fase inicial de existência da cidade o ritmo de sua industrialização


revelou-se aquém do esperado, permanecendo durante anos destituída de
atividades econômicas de expressão, fato que atingiu enormemente os
trabalhadores, que viveram o problema do desemprego bem como o de atraso nos
seus vencimentos. A conjugação destes fatos imprimia à capital mineira uma
atmosfera entediante, na qual a sensação era de um transcurso lento do tempo.
Esta condição levou Carlos Drummond de Andrade a alcunhar-lha de Tediópolis,
haja vista a conformação de uma insinuante atmosfera melancólica que pairava
sobre o cenário da incipiente cidade, combinando-se com este de modo mais
natural do que o brilho do sol. Sintomáticas e ilustrativas são ainda as impressões
que o escritor Monteiro Lobato aduziu sobre a capital mineira nos seus primórdios,
por ocasião de uma visita que fazia à cidade. Seu olhar expunha com acuidade e
franqueza,
...uma escassez de gente pelas ruas larguíssimas, a cidade
semiconstruída, quase que apenas desenhada o tijolo no chão, um prédio
aqui e outro lá, tudo semifeito e a tudo envolve um pó finíssimo e
finissimamente, irritante (...). Não havia povo nas ruas. Os passantes
positivamente funcionários que subiam e desciam lentamente, a fingir de
transeuntes. Transeuntes públicos. Daí o sono que dava aquilo. Uma
semana passada lá deixava a impressão de meses.4

3
Ibidem, p.11 e 12.
4
LOBATO, Monteiro. “Impressões de um paulista”. In: Revista Social Trabalhista. Edição
comemorativa do cinqüentenário de BH, n.59, p.220-221, 12 de dezembro de 1947.
47

Para afugentar o tédio que comprovadamente se apossava da urbe


inconclusa, os mais jovens, principalmente, que na sua maior parte pertenciam
aos segmentos sociais mais abastados, principiaram mobilizações logo após a
inauguração da capital (em fins do XIX e início do XX), levando a cabo algumas
iniciativas que conduziram à criação de vários espaços para encontros e
realização de manifestações culturais e beneficentes, podendo-se destacar alguns
clubes, como o Clube Rose (1898), o das Violetas (1898), o Elite, o Santa Rita
Durão, o Edelweiss, o Crysântemo e o Schumann. Além destes, figuram também
neste universo os salões do Palacete Steckel e do Grande Hotel. Em relação aos
grupos sociais mais pobres, se tem notícia basicamente de dois lugares, o Clube
Recreativo União Operária e o Operário Nacional, ambos pouco noticiados na
época (1898-1901), quando então promoviam apresentações musicais nos seus
salões, o que se pode atribuir tanto à sua pouca ocorrência ou, o que é mais
provável, pela preferência dos jornais em dar maior destaque aos acontecimentos
da classe dominante. Tais lugares, além de promoverem bailes e festas também
estimulavam, em parte, atividades musicais mais específicas (concertos,
apresentação de bandas etc) e promoviam a expressão literária, destacando-se
quanto a isso, o Clube das Violetas. Fundada essa sociedade recreativa por
membros da elite sócio-cultural local, o Violetas teve como um dos seus
presidentes o comerciante e artista Frederico Steckel, que foi um grande
incentivador da atividade musical em Belo Horizonte nos seus primeiros tempos
de existência. Desse modo, o Clube dos Violetas se constituiu numa espécie de
marco no desenvolvimento da vida musical e literária da cidade, promovendo tanto
concertos periódicos e recitais quanto apresentações literárias e musicais
realizadas por um grupo de jovens conhecido como Grupo dos Jardineiros do
Ideal. Durante os carnavais outros clubes iam sendo formados, podendo-se
destacar os Matakins, os Diabos de Casaca, os Diabos de Luneta, que se
incumbiam dos preparativos e das ações para o deleite dos foliões. Além dos
clubes e salões, o Parque Municipal comparecia como uma outra alternativa,
principalmente nos finais de semana, constituindo-se num lugar de destaque para
a prática esportiva, passeios, piqueniques e apresentação de bandas de música,
48

além de também servir de local para festas religiosas. Como já se notou a quase
totalidade destas formas de lazer não era, entretanto, acessível à população de
baixa renda, que alternativamente buscava em áreas distantes do centro,
principalmente nos seus botequins, nas peladas de futebol e na tômbola5 os seus
meios de diversão e sociabilidade. Não raro, trabalhadores destes segmentos
populares chegavam a sofrer ações discriminatórias ao transitarem por setores da
área central, mais frequentemente por iniciativa policial, à medida que eram
encarados de antemão como “desocupados” e “vagabundos” que ameaçavam a
manutenção da “ordem pública”. Desse modo, a área central se expressava como
espaço de uso da elite, na qual ganhava certo destaque a Rua da Bahia, à medida
que concentrava os principais bares e cafés da cidade, assim como o seu único
teatro até então, o Soucasseaux, surgido em 1900, cujo edifício conformava-se
mais propriamente como um barracão coberto de zinco, que servia à exibição de
peças teatrais, eventos musicais, além de comportar, de forma improvisada, um
botequim. Depois surgiriam outros teatros, como o “Teatrinho Paris” e o “Teatro
Variedades”, além da criação de alguns cinemas. A Rua da Bahia, que se tornaria
uma das principais referências da cidade, convertia-se assim num expressivo local
de encontros e sociabilidade dos segmentos sociais mais abastados, favorecendo,
sobretudo ao anoitecer, o footing e o namoro “bem comportado”, além de
consolidar-se como um lugar de “difusão de modismos na arquitetura, no
comportamento e na moda”. Este sucinto panorama revela, portanto, a
emergência e a conformação de uma cidade dividida (como se verá melhor mais
adiante), que já expunha de forma clara os seus sinais e suas “fronteiras” sócio-
espaciais. Não surpreende, ademais, o fato de que Belo Horizonte, nestes tempos,
revelasse uma ausência de identidade dos seus moradores com a cidade, o que
me parece absolutamente compreensível à luz da condição de ser uma cidade
que surge de um plano pré-concebido, constituída socialmente por parcelas
populacionais provenientes de outros lugares, além do seu pouco tempo de
existência, não havendo ainda, portanto, uma efetiva consolidação espaço-
temporal. São aspectos que efetivamente constrangeram a formação do

5
Jogo parecido com o bingo, no qual os prêmios não valem dinheiro.
49

componente identitário, retardando-o, mas que depois, sobretudo a partir dos anos
20, insinua-se no âmbito da sua vida cotidiana, quando a cidade começa a se
definir melhor, conquanto fosse adquirindo novos matizes, dados, essencialmente,
pelo incremento da atividade econômica e da vida social e cultural. O que vale
dizer que a vida urbana ganhava maior densidade e expressão, aspectos, em
larga medida, proporcionados por uma relativa diversidade de pontos de encontro,
de bens culturais, de consumo e de lazer que a cidade já dispunha nesta época.
Esta condição fez da rua um lugar de destacada importância na vida cotidiana da
cidade, à medida que se tornava mais atrativa e sedutora à realização de uma
variedade de práticas sócio-espaciais, colocando-se, desse modo, “em oposição
às formas de lazer domésticas”.6 Ademais, a economia urbana de Belo Horizonte
já não se apresentava mais tão dependente das atividades político-
administrativas, quando então a sua indústria já dava mostras de um certo
dinamismo. Esta condição a tornaria
...um centro regional de alguma importância, comparável a outros como
Juiz de Fora, na Zona da Mata, Barbacena no Campo das Vertentes e
Uberlândia no Triângulo. Seu raio de influência, no entanto, não ultrapassa
a região imediatamente ao norte, onde, ao lado da pecuária, se desenvolvia
a cotonicultura e a indústria têxtil.7

Pois bem, a nova capital implantou-se num sítio constituído pelo vale do
Ribeirão Arrudas, com uma várzea freqüentemente inundada, que posteriormente
seria perpassada pela então ferrovia Central do Brasil. Apresentando este vale
uma conformação e um desenvolvimento no sentido leste-oeste, a cidade iria se
desenvolver desse modo ao norte e ao sul. Ela foi edificada numa microrregião
dotada de duas unidades geológicas e geomorfológicas demarcadas e díspares.
De um lado as encostas da imponente Serra do Curral, dotada de formação
característica do quadrilátero ferrífero, e que, desgraçadamente, encontra-se
exposta à cobiça das empresas de mineração, que há muito tempo ali
desenvolvem atividades que esposam contundentes evidências de degradação.
6
ANDRADE, Luciana T. de. A Belo Horizonte dos Modernistas: representações ambivalentes da
cidade moderna. Belo Horizonte: Editora Puc Minas; C/ARTE, 2004. p.86.
7
Cf. SINGER, Paul. “Belo Horizonte”. In: Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana (análise
da evolução econômica de São Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife). São
Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1968. p.234 e 235.
50

De outro, a Depressão de Belo Horizonte, formada de rochas granito-gnáissicas,


que por serem suscetíveis a processos erosivos, conduziram a uma configuração
topográfica marcada por morros e colinas arredondadas, configurando uma
mescla de declives despencados e aclives mais íngremes. É oportuno observar
que a conformação topográfica acidentada, que marca a paisagem da cidade,
influenciou na sua disposição sócio-espacial, estabelecendo condicionantes no
seu processo de ocupação, uma vez que as pronunciadas declividades do terreno
restringiram em grande medida e, em diversos casos, até mesmo impediram a
ampla ocupação dos seus espaços por edificações, fato que contribui para a
manutenção de certa proporção entre espaços permeáveis (praças e áreas
verdes, como, por exemplo, parques) e impermeáveis (espaços construídos).
Assim, a cidade de Belo Horizonte nasceu e configurou-se em
conformidade com a lógica do Estado, com seu espaço organizado geométrica e
funcionalmente, expressão racionalista que denotava uma negação da
“irracionalidade” e da “desordem” que eram atribuídas à conformação sócio-
espacial colonial. Neste sentido,
A preeminência do Estado burguês neste processo estava presente nas
preocupações com a organização do espaço intra-urbano, sua
complexidade cultural e urbanística, e também com o sistema de cidades
sobre o qual se apoiava a nova ordem mundial. É neste contexto de
mundialização que a separação do espaço e do tempo foram logrados,
permitindo um zoneamento preciso e gerando um desencaixe dos sistemas
sociais. Ali se iniciou a expansão e a construção da hegemonia do espaço
abstrato, que tem no tecido urbano seu lócus privilegiado. 8

A concepção do plano da cidade-capital amalgamava as experiências


urbanísticas européias e americanas do século XIX, cujos traços e valores
modernos se inspiraram principalmente nos modelos urbanísticos de Paris e
Washington. Com suas perspectivas monumentais herdadas do Velho Mundo, a
nova cidade foi edificada, então, no grande anfiteatro posicionado entre as serras
do Curral e de Contagem, de modo a se impor sobre a herança (e as máculas) da
dominação portuguesa, simbolizadas pela velha capital (Ouro Preto). Sua
construção implicou na supressão quase que absoluta das edificações do antigo
8
MONTE-MÓR, Roberto L. Belo Horizonte, capital de Minas, século XXI. Varia História, Belo
Horizonte, n.18, set/1997, p.475.
51

Arraial do Curral d’El Rey 9, cuja população e seus fixos territoriais eram tomados
pela lógica do Estado, e seu discurso normativo, como um constrangimento às
sendas do progresso, e assim tomados como indesejáveis e inadequados para a
nova urbe que viria: moderna, ordenada e que funcionasse como um organismo
saudável.
Vale dizer ainda que os princípios básicos que nortearam a confecção do
plano urbanístico foram a salubridade, a comodidade e o embelezamento, pelos
quais se procedeu à localização espacial dos equipamentos urbanos, quais sejam:
cemitério, matadouro, lavanderia municipal, local para banhos públicos,
incineradores de lixo, forno crematório etc. Eliminar-se-iam, assim, os traços que
remetiam ao passado, suprimindo-se o avesso do que deveria ser a “verdadeira”
Belo Horizonte, como a ela se referiam as autoridades públicas da época. Desse
modo, já em meados dos anos 1920, Prado Kelly assinalava:
Afastaram-se de vez, os figurinos da estética de colônia, vielas e becos
estreitos, arcos deselegantes e pesados monumentos. A cidade é, toda,
vibração moderna. Larga, poderosa, com determinantes locais... Parece
estar desafogada, livre, respirando a plenos pulmões.10

Entretanto, segundo Ciro Flávio B. de Mello, a construção da capital mineira


não se efetivou de modo a estabelecer uma oposição ou mesmo uma efetiva
ruptura entre o moderno e o antigo (o velho, o tradicional), mas mais propriamente
por “... uma recomposição do tempo histórico dentro de uma legitimação da
justaposição tradição/futuro”.11 Por sua vez, Roberto L. Monte-Mór ao analisar o
significado e o sentido da construção da nova capital de Minas argumenta:
A construção de uma nova capital – uma capital republicana – para Minas
Gerais é parte do esforço de criar uma cidade política (e industrial) que
9
Restaram apenas do antigo arraial a sede (sobrado) da antiga Fazenda do Leitão, construída por
volta de 1883, cuja edificação foi poupada pela Comissão Construtora da Nova Capital, e
transformada hoje no belíssimo Museu Histórico Abílio Barreto e, de certo modo, a antiga Igreja
Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, cujo nome se relaciona ao fato de que o local no século
XIX era ponto de passagem e parada de mascates e tropeiros. Seu edifício foi substituído mais
tarde por uma construção em estilo gótico de uma nova igreja, junto a uma das praças mais belas
de Belo Horizonte.
10
KELLY, Prado. “Na cidade das ruas retas”. In: ARAÚJO, Laís C. de. (org.). Sedução do
Horizonte. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1996. p.93. (do livro-álbum Minas Gerais em
1925. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1926. p.1.424).
11
Cf. MELLO, Ciro F. B. de. “A noiva do trabalho: uma capital para a República”. In: DUTRA, Eliana
de F. (org.). BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/Arte, 1996. p.13.
52

retomasse a precoce modernidade negada do projeto republicano


inconfidente de um século atrás, uma resposta à marginalização sofrida
pelo esvaziamento do projeto urbano-industrial mineiro. Sua ruptura
urbanística com a tradição colonial mineira, e seu abraço à modernidade
franco-americana, representam uma negação do passado, mas expressam
também uma renovação da modernidade mineira.
De fato, as cidades de Minas do final dos 1700 marcaram o início da
modernidade no Brasil. É a partir de Minas Gerais que se impõe a
afirmação de uma cultura de pretensões autóctones, de forte base urbana,
onde viceja um projeto de nação autônoma. A república sonhada pelos
Inconfidentes, contemporânea das revoluções burguesas em Paris e
Filadélfia, foi gestada nas vilas do ouro, onde uma distribuição mais
eqüitativa da riqueza garantia uma vida urbana mais plena do que nas vilas
das regiões agro-pecuárias onde as terras se concentravam nas mãos de
poucos. Nas Minas, pela própria natureza da produção mineradora e da
atividade garimpeira, onde os investimentos e demandas de recursos
naturais eram menores e o acesso aos meios de produção mais
horizontalmente distribuída – e também até porque ouro e diamantes são
facilmente escondidos e traficados – surgiu uma sociedade de caráter
marcadamente urbano, onde o espaço da produção e o espaço do poder
coexistiam no mesmo território, dando origem a cidades onde a cidadania
era menos restritiva e o sentido de participação mais presente, fortalecido
pela importância da Igreja e principalmente pelas ordens laicas (que
permitiam a organização da população negra e mestiça), na produção de
monumentos (igrejas) e espaços públicos.12

Em linhas gerais, o projeto concebido pela comissão construtora,


capitaneada pelo engenheiro-chefe Aarão Reis - positivista e republicano -,
estabelecia uma conformação espacial em três principais zonas, quais sejam: uma
área central urbana, com 8.815.382 m2 (zona do aparato burocrático-
administrativo e local de residência dos funcionários públicos), limitada pela
avenida do Contorno e freqüentemente tomada como a área “planejada” da
cidade; uma área suburbana de transição, com 24.930.803 m2 (projetada para
sítios e chácaras), com um plano viário menos elaborado e ainda mais
“desobedecido” e modificado ao longo dos tempos que o plano da zona urbana; e
a área rural ou zona “de sítios”, com 17.474.619 m2 (concebida para ser o cinturão
verde da cidade e local de implantação de colônias agrícolas com inúmeras
chácaras). A zona suburbana, mais flexível e suscetível a processos de expansão
de caráter mais espontâneo, articularia as outras duas através de um bulevar
12
MONTE-MÓR, Roberto L. Belo Horizonte, capital de Minas, século XXI. Varia História, Belo
Horizonte, n.18, set/1997, p.473 (ênfase minha).
53

circundante que, nos primórdios da cidade, chamava-se 17 de Dezembro -


designação inicial “em homenagem à data da promulgação da lei que oficializava
13
a escolha de Belo Horizonte como sede da nova capital do Estado” -, mas que
posteriormente recebe o nome definitivo de avenida do Contorno. Como já
observado, a avenida estabeleceria os limites da zona urbana, que posteriormente
foram gradativa e amplamente rompidos e transpostos pelas forças de expansão e
adensamento da cidade, consubstanciadas pela dinâmica da
industrialização/urbanização. Aliás, a nova capital foi planejada para funcionar nos
limites desta avenida e comportar uma população estimada de no máximo 200 mil
habitantes. Chame-se a atenção para o fato de que embora a zona urbana tenha
sido cuidadosamente planejada,
Infelizmente, depois de inaugurada a cidade, a comissão construtora foi
dissolvida e a continuação das obras não obedeceu a critérios uniformes e
centralmente definidos. O arruamento da área suburbana deixou de seguir
as prescrições generosas adotadas pela comissão construtora, a ampliação
do serviço de abastecimento de água se fez com canos de diâmetro inferior
ao mínimo tecnicamente recomendável, etc. De acordo com palavras de
um prefeito de Belo Horizonte: “O interesse individual, superando o coletivo,
bem como a falta de leis e planos, para que os subúrbios se urbanizassem
à feição do centro impediram que a cidade se beneficiasse integralmente
da condição (ainda hoje privilégio raro) de ter sido planejada”. 14

É importante consignar que este panorama sócio-espacial se enredava


numa economia cujo teor encerrava uma incompatibilidade com estritas medidas.
Neste sentido, o que a caracterizava não era o equilíbrio, mas exatamente o
contrário.15
Observando-se a estrutura e as características do plano da cidade, que
originou um modelo de círculos concêntricos, pode-se constatar que ele

13
BARROS, José Márcio. “Cidade e Identidade: a Avenida do Contorno em Belo Horizonte”. In:
MEDEIROS, Regina (org.). Permanências e Mudanças em Belo Horizonte. Belo Horizonte:
Autêntica, 2001. p. 35.
14
SINGER, Paul. “Belo Horizonte”. In: Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana (análise da
evolução econômica de São Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife). São Paulo:
Editora Nacional e Editora da USP, 1968. p.219 e 220. O prefeito de Belo Horizonte a que Paul
Singer se refere é Américo Renê Gianetti, que foi, por ordem numérica, o trigésimo prefeito da
cidade, de 01/02/1951 a 06/09/1954. Cf. Plano-Programa de administração para Belo Horizonte,
Belo Horizonte, 1951. p.115 e 116.
15
HARVEY, David. Los Límites del Capitalismo y la Teoría Marxista. México: Fondo de Cultura
Económica, 1990.
54

estabeleceu uma forma de organização do espaço urbano nitidamente


segregacionista, pela qual se instituiu uma explícita distinção entre ricos
(funcionários públicos, comerciantes etc.) e pobres. O projeto estabeleceu, assim,
que na zona urbana residiriam segmentos sociais mais abastados e elitizados,
designados “superiores” e, na zona rural, frações sociais de baixa renda, os
“inferiores”. Evidenciam-se, desse modo, diferenças significativas entre o padrão
urbanístico da zona urbana e o da suburbana16.
A zona suburbana, apesar de ter uma área três vezes maior que a urbana,
tinha uma extensão de ruas menor que o dobro, além de apresentar muito
menos praças e avenidas. (...) A zona urbana era claramente a zona
“nobre” da cidade e a suburbana, a popular. A quase totalidade da zona
urbana, de planejamento mais aprimorado, e a maior parte da zona
suburbana e de sítios estavam localizadas ao sul da barreira constituída
pelo ribeirão e pela ferrovia ao longo dele. Dentro da zona urbana, a
Comissão Construtora da Nova Capital fixou que inicialmente só seriam
cedidos ou vendidos os lotes situados dentro de uma faixa compreendida
entre as avenidas Cristóvão Colombo – nome que na época se estendia a
toda a atual avenida Bias Fortes – e Araguaia – atual Francisco Salles. O
sentido dessa faixa era SE – NO. A Área em questão destinava-se a
comportar uma população inicial de 30 mil habitantes, estipulada nas
diretrizes traçadas pelo governo estadual para o plano da nova capital.
Nessa área começaram as primeiras obras de urbanização. Numa parte
dessa faixa foram selecionados os primeiros lotes a serem ocupados por
residências.17

Portanto, Belo Horizonte emerge de forma a reproduzir o poder das elites,


negando aos operários sua inserção no plano urbanístico da cidade. Vale dizer
que durante um bom tempo a capital mineira permaneceu destituída de autonomia
política, sendo os seus prefeitos indicados pelo governador do Estado e, neste
sentido, ficando submetida a ele e à tutela das oligarquias mineiras, e seus
interesses regionalmente distribuídos, o que demandava a costura de acordos
políticos para lograr os ajustes necessários. Esta condição de subordinação da

16
Preservam-se aqui as designações utilizadas no próprio plano, embora se possa questionar, para
além desta segmentação formal e oficial da cidade, a efetiva condição espacial da zona
“suburbana” nestes tempos, cuja expressão real possivelmente pudesse ser considerada mais
propriamente como rural.
17
VILLAÇA, Flavio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln
Institute, 1998. p.119. Evidencia-se, portanto, por esta caracterização a constituição de duas
cidades, uma oficial e outra paralela ou satélite, onde se concentravam os segmentos sociais não
enquadrados na zona urbana do plano original.
55

capital mineira ao poder das elites vai, efetivamente, reverberar negativamente no


seu desenvolvimento, restringindo-o enormemente. Uma evidência desse
problema é o déficit fiscal advindo da assimetria entre os custos de construção da
cidade e a arrecadação tributária, cuja insuficiência provém das características e
implicações territoriais do próprio plano, à medida que a periferização galopante
da população empobrecida que ele induzia restringia a capacidade de
arrecadação. Somem-se a isso os endividamentos contraídos para a construção e
instalação da cidade e o problema adquire a sua mais exata dimensão.
Para além da marca segregacionista que o projeto revelava, ele também
estabelecia uma profunda segmentação/classificação funcional do espaço (o que
denota uma estratégia geopolítica para o controle e a gestão da cidade), com a
definição prévia do perfil dos seus espaços, pela qual se indicavam as áreas
residenciais, comerciais, de lazer, zona hospitalar, etc.
O planejamento retilíneo, a monumentalidade dos espaços, os
equipamentos públicos e os investimentos limitam-se, contudo, à área
urbana da nova capital. As áreas suburbana e rural se desenvolveriam
através de um geometrismo menos evidente e de vias tortuosas e
irregulares, adaptadas à topografia acidentada e coerentes com a
perspectiva excludente do projeto conservador de modernização.18

Depreende-se do exposto que o Estado teve um papel fundamental no


processo de uso e ocupação do espaço em Belo Horizonte, sobretudo na sua fase
inicial de formação, à medida que ele era o principal proprietário dos terrenos e
das edificações, constituindo-se, desse modo, no agente responsável pelas
operações imobiliárias bem como pela própria especulação de terrenos que logo
se instaurou na cidade, quando surgem pessoas interessadas em negociar com a
terra através de compra e venda de lotes, dando início à formação de um futuro
mercado imobiliário na cidade, voltado inicialmente mais para loteamentos do que
para construção de casas para venda. Acerca disso, Fernando C. Dias assinala:
Houve um momento em que começa a intensificar-se a especulação
imobiliária em Belo Horizonte. Talvez possamos situá-lo, segundo
depoimentos idôneos, no fim da década de 20. A expansão da cidade
dentro da antiga Zona Urbana foi-se fazendo de acordo com o traçado
18
BARROS, José Márcio. “Cidade e Identidade: a Avenida do Contorno em Belo Horizonte”. In:
MEDEIROS, Regina (org.). Permanências e Mudanças em Belo Horizonte. Belo Horizonte:
Autêntica, 2001. p.32.
56

rígido que planejara a Comissão Construtora; foi-se fazendo com maior ou


menor intensidade no centro e nos bairros situados nos limites da Avenida
do Contorno. (...) Mas, para além da Avenida do Contorno, a ocupação se
deu tumultuadamente. Lotearam-se antigas chácaras. Abriram-se muitas
ruas.19

Basicamente este mercado se constituiu em virtude da insuficiência do


poder público em resolver o problema de acomodação da população,
principalmente da força de trabalho especializada que aflui para a emergente
capital em busca de trabalho e de melhores condições de vida, fato que levou o
governo do Estado a estimular a atuação da iniciativa privada na construção de
casas para aluguel, com seus investimentos subsidiados pelo governo e
efetivados com capital próprio e/ou por meio de empréstimos bancários. A
regulamentação da venda de lotes serviu não apenas como estímulo à ocupação
da nova cidade como também constituiu um instrumento de financiamento parcial
de sua própria construção. Assim, há que se consignar que na perspectiva da
produção do espaço urbano tal presença evidencia-se como um traço imanente à
economia em curso.
A desapropriação20 de terrenos foi o instrumento utilizado pelo Estado para
proporcionar um campo aberto à construção da capital nos domínios do antigo
arraial, cujas modestas e irrisórias indenizações operaram como um interdito à
19
DIAS, Fernando C. “Cidade Burocrática”. In: ARAÚJO, Laís C. de. (org.). Sedução do Horizonte.
Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1996. p.104. (do livro João Alphonsus – Tempo e Modo.
Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros, 1965. p.168-171- fragmentos).
20
Em 1894, a Comissão Construtora da nova capital, apoiada no Decreto n. 680 (que
regulamentava a organização da Comissão), determinou a desapropriação de 428 casas para
impulsionar a implementação das obras. O Decreto atribuía ao engenheiro-chefe (Aarão Reis) a
responsabilidade de conduzir “amigável ou judicialmente” o processo de desapropriação, operação
que presumivelmente realizou-se com grande margem de autonomia, haja vista a legitimidade do
conhecimento técnico-científico de que dispunha e da autoridade administrativa que lhe fora
concedida. Desse modo, o Decreto evidenciava o poder de atuação do engenheiro-chefe da
Comissão. Concluídos os estudos e levantamentos básicos que resultaram na confecção da planta
geral da nova capital e demais plantas elaboradas ao longo de sua gestão, Aarão Reis desliga-se,
por exoneração, da Comissão em abril de 1895, tão logo estas plantas foram entregues e
aprovadas pelo governo do Estado. Credita-se a ele a autoria intelectual dos principais documentos
cartográficos da Comissão. Reis foi substituído pelo engenheiro Francisco Bicalho em situação de
urgência face aos prazos apertados da inauguração da capital, cujos esforços realizados
concentraram-se essencialmente na implantação de um pequeno núcleo inicial, ficando as obras
para a sua complementação a cargo das administrações subseqüentes. A Comissão Construtora
extinguiu-se em 1898, tendo suas funções transferidas à Secretaria de Agricultura (venda de lotes
suburbanos e conclusão dos edifícios governamentais) e à recém-criada Prefeitura Municipal
(serviços de água, esgoto, ramal férreo, iluminação e venda de lotes urbanos).
57

manutenção da maioria de sua população na zona urbanizada em virtude da


fixação de maiores preços para a terra neste setor, tornando elevados os preços
dos aluguéis e dos imóveis, que alcançavam, aproximadamente, um valor
absoluto médio três vezes maior que o das outras duas zonas. Ou seja, a
definição pelo poder público da renda como critério de acesso a terra. A condição
de diferenciação dos custos fundiários entre os três setores do plano engendrou,
assim, a periferização dos segmentos de menor renda, que vão buscar refúgio em
Venda Nova ou em habitações precárias (cafuas e barracos) em setores
periféricos da cidade, lugares em que os preços da terra eram mais baixos. Este
movimento assinala uma transição de “uma população organizada em antigas
estruturas rurais para a organização capitalista urbana”.21 Neste sentido, Villaça
observa que “o fato de a cidade ter sido obra do Estado e, em sua fase inicial,
supostamente não ter sido obra do mercado, em nada alterou seu arranjo
espacial, pois o Estado seguiu as tendências do mercado”.22 Isto vale dizer que,
por iniciativa do poder estatal, efetua-se a instauração da terra-mercadoria,
criando-se, desse modo, as condições a partir das quais o valor de troca inicia seu
movimento de afirmação/difusão espacial, redefinindo os usos do espaço à
medida que este se insere progressivamente nos circuitos de valorização e da
acumulação capitalista. O que vale dizer que Belo Horizonte, nos seus primórdios,
se ergue de modo a assinalar uma orientação rumo à sua conversão na forma de
produto (o que comporta a mobilização econômica da propriedade da terra) à
medida que se afirma o exercício da propriedade privada da terra. À medida que
se impôs sobre o antigo arraial, a cidade emergente então convertida em produto
consubstancia-se como uma sólida fusão com o moderno, pela qual o valor de
troca encontra um campo favorável e profícuo para a sua progressiva irradiação
territorial. Belo Horizonte só experimentaria a condição de obra a partir dos anos

21
LEMOS, Celina B. Determinações do Espaço Urbano: a evolução econômica, urbanística e
simbólica do centro de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Minas Gerais, 1988, p.93. (Dissertação de Mestrado em Sociologia
Urbana).
22
Cf. VILLAÇA, Flavio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln
Institute, 1998. p.200.
58

20, quando se pode mais claramente divisar práticas de uso e apropriação do seu
espaço.23 Entretanto,
Para evitar injustiças históricas, é importante ressaltar que muito do
processo de negociatas de terrenos e de especulação que se instaurara em
Belo Horizonte contrariava os planos de Aarão Reis, tendo sido, inclusive,
um dos motivos de seu afastamento da Comissão Construtora. Embora,
desde o início, Reis expressasse a intenção de entregar os terrenos à
iniciativa privada, segundo ele o processo de transferência deveria ocorrer
sob critérios rígidos, sendo fundamental o papel do Poder Público na sua
fiscalização e controle, o que, entretanto não aconteceu.
No processo de especulação, o governo exerceu papel decisivo: primeiro,
ao demonstrar, desde o início, a intenção de entregar os lotes ao mercado
e, segundo, ao permitir que as transações de lotes se efetuassem. O poder
público era o principal responsável pelo processo de ocupação do solo,
uma vez que controlava o acesso aos terrenos e construções e, nesse
processo, privilegiou os funcionários públicos, os proprietários de Ouro
Preto e, excepcionalmente, uma parcela dos antigos moradores de Belo
Horizonte. A transação de terrenos foi a contrapartida do governo para
vencer a resistência daqueles que eram contra a mudança da capital.24

À medida que o projeto da cidade-capital voltou-se essencialmente à


construção do aparato administrativo do governo, acessível apenas a uma
população específica, isto é, o funcionalismo público, excluiu-se dos seus
objetivos a criação de espaços para a moradia e fixação dos trabalhadores da
23
Acerca da questão da conversão de Belo Horizonte de produto em obra a partir dos anos 20 do
século passado, me apoio, em larga medida, em parte da obra do memorialista e escritor Pedro
Nava o qual, pode-se afirmar, viveu na capital mineira os anos mais intensos de sua vida, tendo
estabelecido com a cidade uma relação quase orgânica, fazendo do seu espaço um lugar, pela
experiência, pela vivência, a partir das quais ele o conheceu tão bem, dotando-o de valor (afetivo):
“Ruávamos quase o dia inteiro. Nossa vida era um ir e vir constante nas ruas de Belo Horizonte”,
dizia em Beira Mar (p.287, da edição indicada à diante). Sua obra é profícua em relatos sócio-
espaciais da vida cotidiana da cidade nestes tempos (anos 20), apresentando com riqueza de
detalhes e com profundo senso de observação e prodigiosa capacidade descritiva (num estilo
textual primoroso e exuberante), práticas diversas que se traduzem, e assim podem ser
interpretadas, como efetivas práticas de uso e apropriação do seu espaço, e, pela minha
interpretação, identificar na sua “geografia” da cidade uma dimensão a que os situacionistas
designam de deriva, isto é, uma forma de “comportamento experimental ligado às condições da
sociedade urbana”, podendo também ser compreendida como “uma técnica de passagem ativa
através das ambiências variadas. Se diz também, mais particularmente, para designar a duração
de um exercício contínuo desta experiência”. Cf. IS, no.1, junho de 1958. (tradução de Amélia
Luisa Damiani). Da obra de Nava conferir, principalmente: NAVA, Pedro. Beira-Mar. São Paulo:
Ateliê Editorial/Giordano, 2003. (memórias); Chão de Ferro. São Paulo: Ateliê Editorial/Giordano,
200l. (memórias). É oportuno registrar ainda que a obra de Pedro Nava, sobretudo os livros
supracitados, constitui se não a maior uma das principais inspirações que eu tive para abordar a
questão do uso e da apropriação do espaço em Belo Horizonte.
24
GUIMARÃES, Berenice M. “A concepção e o projeto de Belo Horizonte: a utopia de Aarão Reis”.
In: Ribeiro, Luiz C. de Q. & Pechman, Robert (orgs.). Cidade, Povo e Nação: gênese do urbanismo
moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p.137.
59

construção civil, negando-lhes, assim, o direito à cidade. Apenas nos primeiros


anos de Belo Horizonte os segmentos populares, constituídos pelos candangos
que trabalharam na construção da nova capital, foram admitidos provisoriamente
na área urbana, isto é, dentro dos limites da Avenida do Contorno, onde se
alojavam em habitações precárias, “ocupando favelas, barracões de obras de
empreiteiras, alojamentos ou casas velhas do Arraial ainda não demolidas”.25
Esta condição sugere, portanto, que a formação de Belo Horizonte não se
inscreve apenas sob os marcos da modernidade, mas também, e
contraditoriamente, sob os estigmas da segregação e da inserção sócio-espacial
precária26, aspectos, como já se viu, explicitamente delineados nos planos da sua
Comissão Construtora, cujo projeto final data de maio de 1895. Assim, os
operários eram encarados pela Comissão Construtora como população
25
VILLAÇA, Flavio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln
Institute, 1998. p.123.
26
Cumpre esclarecer que utilizo inserção sócio-espacial precária ao invés de exclusão uma vez que
se parte do pressuposto de que os trabalhadores são necessários como força de trabalho barata
ao processo de construção da cidade, sendo, neste sentido, inadequado o emprego do termo
“exclusão”, como, aliás, frequentemente se observa. Trata-se mais propriamente de uma inserção
precária ou mesmo de uma “inclusão perversa” ou marginal. Conforme José de Souza Martins, “a
palavra ‘exclusão’ é um desses neologismos enganadores, quando empregada por não-
especialistas e quando empregada para comover e convencer. Seus usuários não especialistas já
nem se dão ao trabalho de explicar que se trata de ‘exclusão social’, pois na pauta da conversação
cotidiana está subentendido que ‘só existe’ uma modalidade de exclusão, absoluta e genérica.
Com facilidade o rótulo equivocado se transforma em substantivo, o de ‘excluídos’, como se nós
outros, os supostamente ‘não excluídos’, fôssemos imunes a fatores de privação social que nos
atingem a todos de vários e diferentes modos. Ninguém está protegido contra a exclusão social,
nem mesmo quem faz o discurso fácil que pretensamente a denuncia”.(...) “O que chamamos de
‘exclusão’ é apenas a superfície de um complexo processo de gestação de uma nova forma de
desigualdade social.” (...) “As cidades brasileiras foram alcançadas pela disseminação de um
cenário de degradação urbana, nas habitações precárias e nas evidências visuais de uma extrema
pobreza, que choca o imaginário da classe média e das elites. A categoria ‘exclusão’ foi
amplamente capturada por esse imaginário dominado pelos aspectos mais exteriores e menos
relevantes da nova pobreza que se disseminou a partir das reorientações econômicas da ditadura.
As evidências visuais da ‘exclusão’ são muito mais produto da ilusão da nossa própria inclusão do
que propriamente dos aspectos dramáticos e não raro trágicos da pobreza moderna. Nesse
universo visual degradado escondem-se as muitas evidências da efetiva inclusão social das
populações que imaginamos excluídas. Quase sempre nos esquecemos de que a sociedade
moderna é a sociedade da compra e da venda, a sociedade da mercadoria e do dinheiro, regulada
quase que completamente pelas regras próprias do processo de reprodução ampliada do capital.
O capitalismo, rigorosamente falando, não suporta a exclusão social, pois cada pessoa
efetivamente excluída do processo do capital compromete sua reprodução, representa um perigo
real para o capitalismo e sua sobrevivência. Para se reproduzir, o capital precisa vender. Se as
pessoas são tão pobres que não podem comprar, se não podem sobreviver através da compra,
interrompem o processo reprodutivo do sistema capitalista”. MARTINS, José de S. Para
compreender e temer a exclusão social. Vida Pastoral, Ano XLV, nº 239, Editora Paulus, São
Paulo, novembro-dezembro de 2004, p. 3-9. (passim). (ênfases do autor).
60

temporária, não consentida para permanecer e efetivar residência na nova cidade.


Pela mentalidade redutora e pretensamente moderna da Comissão, portadora de
um ideário ancorado nas concepções positivistas de transformação da sociedade
pelas mãos do Estado, eles eram tomados como incapazes de se integrarem no
contexto supostamente progressista da nova capital. Assim, o alojamento destes
trabalhadores fez-se, inicialmente, numa hospedaria provisória, com capacidade
para apenas 200 pessoas, obviamente insuficiente para abrigar todo o contingente
de mão-de-obra utilizado. Esta restrição precipitou a formação de moradias
alternativas precárias, isto é, as cafuas e barracos que começaram a proliferar por
setores diversos da cidade. Por isso, a prefeitura lançará mão de medidas visando
27
à remoção destas submoradias tanto para a área suburbana como para
determinados setores da zona urbana, espaços que nesta época apresentavam-se
destituídos de infra-estruturas técnicas e sociais básicas. Desta condição resulta o
fato de que dois anos antes da sua inauguração, em 1895, a cidade já
apresentava duas áreas invadidas conformadas como favelas: a do Córrego do
Leitão (lugar em que se localiza atualmente o bairro Barro Preto) e a do Alto da
Estação (onde hoje está Santa Tereza), espaços que também se traduziam como
lugares de resistência popular ao plano imposto. Juntas, elas compreendiam uma
população de aproximadamente três mil pessoas, espaços empobrecidos que, em
virtude das carências infra-estruturais (principalmente as de saneamento básico),
ostentavam as maiores taxas de mortalidade infantil da cidade. E é assim que a
área suburbana, que foi pensada pela comissão construtora para comportar
chácaras e sítios capazes de produzir gêneros agrícolas para o abastecimento
urbano, se transforma gradativamente em uma área de concentração de
submoradias, cujos moradores encontravam-se à margem de direitos sociais

27
Entende-se aqui por submordia toda e qualquer forma de habitação que revela no seu conjunto
precariedade de condições infra-estruturais básicas e até mesmo a sua destituição, apresentando
ausência de técnicas construtivas adequadas e uso de materiais de menor custo e qualidade
inferior (de pouca durabilidade), revelando ainda cômodos mal dimensionados, má circulação,
restrições de conforto térmico, de insolação, aeração e de estabilidade. Numa perspectiva legalista
(ótica do Estado), os tipos de submoradia constituem, de modo geral, formas de inserção ilegal na
cidade à medida que contrariam normas que regulam o uso e a ocupação do solo urbano. Cf.
BAGGIO, Ulysses da C. A Dinâmica das Transformações Sócio-Espaciais das Formas de
Submoradia no Município de São Paulo. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, 1995. (Dissertação de Mestrado em Geografia).
61

básicos. Neste sentido, a política sanitário-higienista levada a cabo pelo Estado


oculta uma razão inconfessa no âmbito das leis urbanísticas, uma vez que ela,
para além da sua função expressa de combater o problema de saúde pública que
então se configurava, servirá às pretensões e aos interesses imobiliários das
camadas de maior renda, que encontram proteção e abrigo no aparelho do
Estado. O higienismo era então invocado para justificar e legitimar ações de
normatização e fiscalização sobre aquelas formas de uso e ocupação do espaço
que eram qualificadas como “insalubres”. A política sanitário-higienista
implementada na época, tanto em Belo Horizonte como também em outros
grandes centros do Brasil como, por exemplo, São Paulo, intencionava promover a
desaglomeração dos trabalhadores de baixa renda dos seus espaços de moradia,
ação pela qual se pretendia eliminar miasmas e germes. Neste sentido, pode-se
postular que esta política se convertia numa efetiva estratégia disciplinar imposta
pelo poder médico e veiculada pelo Estado. Trata-se de uma tática
antiaglomeração que encerra ainda um significado importante, uma vez que
constituía “o primeiro passo para a formação do sentimento de intimidade e da
sedução pela propriedade privada”.28 Cumpre ainda observar que o ideal higienista
que o plano carregava, pelo qual se aspirava à instauração de uma cidade limpa e
organizada, com abundância de recursos hídricos e ar puro, foi enormemente
frustrado na prática pela miopia das autoridades, ou ainda, mostrando-se como
realmente era, isto é, uma ideologia. Neste sentido, à medida que pautaram suas
políticas de planejamento em critérios estritamente mercadológicos, permitiram a
degradação dos rios, a poluição do ar etc. pelas indústrias que, ao longo de
décadas, foram se instalando na cidade e nas suas imediações, transformando
ribeirões, a exemplo do que se deu com o Arrudas, em verdadeiros esgotos a céu
aberto, justamente uma situação que o projeto original desejava evitar. A utopia da
racionalidade e do traçado positivista sucumbindo à lógica e aos imperativos do
capital.
Pois bem, em 1902, a Prefeitura efetua, de forma sumária, a remoção
desse contingente para uma área específica designada “área operária”, sendo
28
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar – a utopia da cidade disciplinar (Brasil 1890 – 1930). Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p.167.
62

essa a primeira remoção de favelas conduzida pelo poder público local. De forma
mais sistemática, o combate às condições insalubres e “desordenadas” das
construções se estabelecerá mais precisamente em 1906, quando então se
promove pelo Estado a redefinição das zonas da cidade, ocorrendo na esteira
desse processo, em 1910, a instauração de uma política contrária à construção de
moradias precárias na zona urbana em virtude dos riscos à saúde pública que elas
representavam. Entre 1911 e 1914 o governo estadual promoveu alterações
expressivas, introduzindo modificações nas seções urbanas bem como
emancipando e incorporando à zona suburbana as colônias agrícolas Américo
Werneck, Adalbert Ferraz, Bias Fortes, Afonso Pena, e também o povoado do
Calafate. Como um desdobramento deste movimento, pelo qual se ampliava a
distância entre a representação idealizada da cidade (a imagem oficial) e a sua
expressão sócio-espacial real, sucede em 1921 a incorporação da zona rural à
zona suburbana, quando as regulamentações para as construções existentes na
zona urbana são estendidas às demais zonas. Entretanto, longe de se resolver o
problema, as invasões continuaram a ter o seu curso em novas áreas, haja vista
que a Área Operária não comportava uma população em processo de
crescimento. Depreende-se, portanto, que em conformidade com o estabelecido
pelo projeto da Comissão Construtora, que não admitia o estabelecimento efetivo
destes contingentes de baixa renda na cidade, o Estado intervém de modo a
segregá-los, recusando-lhes taxativamente os setores nobres e mais valorizados
da cidade.
A conformação deste panorama sócio-espacial desvela em relação ao
plano inicial da cidade - que previa a sua ocupação e crescimento no sentido
norte-sul a partir da área central -, uma total subversão/inversão 29, expressa pela
geografização da modulação restritiva e segregadora estabelecida pelo próprio
plano, afirmando-se, desse modo, uma orientação de sua ocupação da periferia
29
“Pretendia-se implantar a cidade a partir do centro em direção à periferia, do espaço central
ordenado, moderno e dominante, para os espaços periféricos, dominados, do urbano para o sub-
urbano. Mas foi a população trabalhadora, excluída do espaço central da cidade, do poder, da
cidadania, da agora estendida, que de fato determinou a produção da cidade. E Belo Horizonte
cresceu no sentido oposto, da periferia para o centro, num processo que se repetiu em inúmeras
cidades planejadas no Brasil”. Cf. MONTE-MÓR, Roberto L. “Belo Horizonte: a cidade planejada e
a metrópole em construção”. In: MONTE-MÓR, Roberto L. (coord.). Belo Horizonte: espaços e
tempos em construção. Belo Horizonte: PBH/CEDEPLAR, 1994. p.15.
63

para o centro e no sentido leste-oeste, ou seja, o antiplano, assim como ocorreu


com Brasília, com a expansão urbana realizando-se fora dos limites da área
planejada. Acerca disso, Flávio Villaça chama a atenção para o fato de que em
1920 “havia mais cidade fora do Plano do que dentro”, quando se podia constatar
“o grande crescimento da população suburbana, com predominância das camadas
de baixa renda”. Enquanto que na zona urbana o crescimento populacional
apontava um aumento de 56% entre 1905 e 1912, a zona suburbana indicava para
o mesmo período um aumento de 153%, e a zona de sítios 193%. Analisando este
quadro, esclarece:
Note-se que esse padrão de crescimento suburbano nada tem que ver com
o seu equivalente nas cidades comuns, que apresentam, na periferia, taxas
de crescimento mais altas que nas partes mais centrais. Nessas cidades,
as partes centrais já estão ocupadas – quando não saturadas – e nelas a
população, embora crescendo a taxas menores, é maior que na periferia
rarefeita. Em Belo Horizonte – como nos primórdios de Brasília - , deu-se o
oposto. A área central é que era rarefeita. Ainda em 1940 havia quadras
inteiras vagas dentro da avenida do Contorno. Até 1920, a maior parte da
área urbana estava vaga e não foi por qualquer vislumbre de saturação que
ela não absorveu o crescimento urbano de então. Em 1905, essa área
apresentava a baixíssima densidade bruta de 8,7 hab./ha. e, em 1912,
apenas 13,6%. 30

Segundo José Marcio Barros, aquele direcionamento que o movimento de


ocupação assumiu, não pressuposto, e muito menos desejado pelo projeto da
Comissão Construtora, “decorreu do trajeto dos ramais ferroviários construídos,
principal modo de articulação externa da cidade, e que, paradoxalmente, repetia o
sentido natural em que o antigo Arraial havia se desenvolvido”.31
Configurou-se, portanto, uma dualidade sócio-espacial na nova capital que,
de um lado, manifestava-se pela existência de uma cidade moderna, lócus de
exercício do poder e ocupada por funcionários do Estado e demais segmentos
capazes de pagar o preço de sua inserção nos seus domínios; e, de outro, pela
emergente cidade periférica, local de moradia ocupado por trabalhadores pobres,

30
VILLAÇA, Flavio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln
Institute, 1998. p.123 e 124.
31
BARROS, José Márcio. “Cidade e Identidade: a Avenida do Contorno em Belo Horizonte”. In:
MEDEIROS, Regina (org.). Permanências e Mudanças em Belo Horizonte. Belo Horizonte:
Autêntica, 2001. p.37.
64

não-moderna, e que experimentava um processo de rápida expansão em virtude


dos diferenciais do preço da terra urbana, suburbana e rural, que resulta, como já
observado, da implementação do próprio plano bem como da instituição da
propriedade da terra alimentada pelo Estado32. Observando-se a Planta geral da
cidade de Minas, elaborada pela Comissão Construtora em 1895 (ver mapa
seguinte), verifica-se, de forma cristalina, a disparidade espacial previamente
concebida e expressa no seu zoneamento pelo traçado das ruas, em que se
contrapõem o tabuleiro de xadrez da zona urbana e a malha desordenada da
zona suburbana, evidenciando a enorme diferenciação quanto ao tamanho dos
lotes e quarteirões entre as duas zonas.

32
Acerca dessa característica, é significativa e emblemática a observação do urbanista francês
Alfred Agache, que ao visitar Belo Horizonte em 1940, a convite de JK, proclamou: “esta cidade é
um paradoxo”. Esta observação de Agache sobre a cidade pautava-se, principalmente, na
comparação e nos contrastes verificados entre a zona suburbana, que apresentava um
crescimento “desordenado” e sem infra-estrutura, e a zona urbana.
65

Setor da Planta geral da Cidade de Minas (1895), com escala original de 1:4.000, abrangendo a
extensão drenada pelo ribeirão Arrudas entre as praças da Estação e do Mercado. Foi uma das
primeiras áreas da zona urbana a ser planejada e ocupada. “Segundo Francisco Bicalho, esse
arruamento teve de ser refeito após a aprovação da planta, pois não correspondia aos
condicionamentos da topografia, contrariamente ao que afirmara Aarão Reis. O tamanho dos
quarteirões e lotes também foi fator de crescente diferenciação entre as zonas, pois os terrenos
suburbanos, muito maiores que os urbanos, logo começaram a ser subdivididos e comercializados
em loteamentos privados. Poucas ruas então previstas, como Pouso Alegre, Jacuí e Varginha,
seriam mantidas posteriormente, com grandes alterações de traçado”.
Fonte: Panorama de Belo Horizonte: Atlas histórico. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro,
Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1997. p.34 (Coleção Centenário).(reprodução reduzida).

À medida que os terrenos suburbanos eram maiores do que os do setor


urbano, rapidamente foram subdivididos e comercializados sob a forma de
loteamentos privados, mantendo-se apenas algumas ruas previstas no traçado
original, como, por exemplo, Pouso Alegre, Varginha e Jacuí. Considerando-se
que a implementação do plano não se deu sem resistências por parte dos
segmentos populares, como já se observou acerca da mobilização dos moradores
das áreas posicionadas acima da estação ferroviária e das margens do Córrego
do Leitão, depreende-se, portanto, que ele não apenas foi confrontado e
contrariado pelas camadas populares como, ademais, também o foi pela própria
lógica do mercado que ele logo incorporou. Estes dois aspectos são fundamentais
no entendimento da sua subversão. O processo de estruturação sócio-espacial de
Belo Horizonte revelava, assim, uma nítida assimetria entre as ações do Estado e
as áreas periféricas, as quais, cada vez mais, acumulavam demandas de infra-
estruturas técnicas e sociais não atendidas. Assim,
Durante os primeiros anos o poder público centrou sua atenção em duas
metas: garantir a execução do modelo de cidade, especialmente com
relação à zona nobre, e tornar Belo Horizonte uma verdadeira capital,
processo que foi ameaçado por sucessivas crises financeiras e paralisação
das construções, epidemias e descrédito no projeto, e que somente veio a
se consolidar no início dos anos 20. Nessa perspectiva, toda a atenção do
poder público voltou-se para a zona urbana da cidade, enquanto a
periferia era ocupada de maneira desordenada e sem controle. Embora
existissem leis e regulamentos relativos à ocupação e às características
das construções esses não eram respeitados e muito menos fiscalizados, o
que levou ao surgimento da desordem urbana, especialmente na região
fora da avenida do Contorno.33

33
Cf. Plano Diretor de Belo Horizonte: lei de uso e ocupação do solo – estudos básicos. Belo
Horizonte, maio de 1995. p.42 e 43. (ênfases minhas).
66

Ademais, é necessário considerar-se também o fato de que a


disponibilidade de créditos e de financiamentos existentes na época, bem como a
afluência de recursos para o mercado imobiliário, precipitadas pela crise do café,
estimulou significativamente a proliferação de loteamentos destituídos de infra-
estruturas, que eram designados como vilas. Este fato está na base da expansão
periférica ocorrida em Belo Horizonte, concomitantemente à manutenção de um
expressivo esvaziamento que ainda marcava a zona central da cidade. Saliente-se
a enorme parcela de responsabilidade que coube ao poder público municipal na
formação desse quadro, uma vez que ele, premido pelas conturbadas
circunstâncias de se fazer da cidade uma efetiva capital, aprovou indiscriminada e
polemicamente diversos projetos. Neste sentido, verifica-se que desde a
inauguração da cidade ocorriam processos mal conduzidos e informais de
concessão de lotes, de abertura de ruas e quarteirões, de modo a afetar tanto a
organização espacial de bairros localizados fora dos limites da Avenida do
Contorno como também comprometendo extensas áreas da zona urbana. No que
tange principalmente à zona suburbana, o uso e a ocupação dos seus espaços
davam-se à revelia de qualquer normatização, prevalecendo a utilização de
critérios pessoais dos proprietários para o parcelamento de lotes e definição de
ruas. Tais problemas, presumivelmente, vieram à tona com a elaboração da planta
cadastral de 1920, o que precipitou a intervenção do poder público (inclusive do
próprio governo estadual) de modo a conferir legalidade aos procedimentos
utilizados, como, aliás, assim expressa a lei estadual de 15 de setembro de 1922.
Esta lei estabelecia um conjunto de medidas voltadas essencial e pretensamente
à salvaguarda do plano da cidade, do traçado de ruas e praças, porém incluindo
alterações no projeto original feitas pela própria Comissão Construtora, de forma a
acompanhar o crescimento urbano. Na década de 30 já se podia claramente
constatar as decorrências sócio-espaciais desse processo, à medida que para
além dos 200 mil habitantes previstos no projeto inicial, que a cidade então já
ultrapassara, havia ademais uma expressiva disponibilidade de lotes que
poderiam comportar em torno de 500 mil pessoas, o que evidencia o dinamismo
da especulação imobiliária na cidade. Este fato engendrou a aprovação do
67

Decreto n.54, de 4/11/1935, segundo o qual os loteadores ficavam obrigados a


dotar os lotes de obras de urbanização, normas que, no entanto, não atingiram os
objetivos esperados, continuando a ter curso a abertura de novos e irregulares
loteamentos periféricos. Desse modo, o processo de ocupação da cidade
alcançou um ritmo para além do esperado, potencializando problemas já
existentes, como, por exemplo, o da infra-estrutura de água, esgoto e energia, que
se encontravam bastante sobrecarregadas, de modo a não suprir a demanda
existente. A expansão urbana realizava-se em todas as direções.
A abertura da avenida Amazonas estimulou a ocupação em áreas dos
atuais bairros Barroca, Nova Suíça e mesmo do bairro Gameleira, antes
ligado ao Centro pelo Calafate e Prado. Na região nordeste, surgiram novos
bairros e vilas, como a Renascença, Maria Brasilina (Sagrada Família) e
Parque Riachuelo. A região Norte, com o início da urbanização das
imediações da lagoa da Pampulha e a abertura da avenida Pampulha
(Presidente Antônio Carlos), atraía a população. Na região Sul da cidade
surgia o bairro de Lourdes. Também são do período o viaduto da Floresta,
construído para solucionar problemas de trânsito no local, e a reforma da
praça Rio Branco.34

Depreende-se, a partir do exposto, que a inversão/subversão do plano


expõe o descompasso e o conflito entre racionalidades distintas: a do plano
(pragmática e instrumental) e a da sociedade. Ou seja:
...a racionalidade social não é semelhante à mecânica ou à matemática,
que se inscrevem no campo do determinado a priori, da necessidade
absoluta, e sim uma determinação que se abre ao indeterminado como
possibilidade do novo, como necessidade em permanente tensão com a
contingência. 35

Por sua vez, Maria Ângela Leite, diante desse quadro sócio-espacial,
conclui:
...foi assim que à construção planejada da cidade se associou a expansão
suburbana por manchas descontínuas de ocupação, numa desordem que,
ao contrariar a racionalidade do planejado, criava novos e imprevistos usos
das estruturas propostas, resultando em formas da paisagem que
sugeriam, aos olhos do Estado, uma modernidade capaz de revelar a
tradição que a cidade não conhecia. 36

34
BH 100 anos: nossa história. Encarte do Jornal Estado de Minas. Belo Horizonte, 1996. p.43.
35
VESENTINI, José W. A Capital da Geopolítica. São Paulo: Ática, 1986. p.16.
36
LEITE, Maria Â. F. P. “Uma História de Movimentos”. In: Santos, Milton & Silveira, María L. O
Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. p.441.
68

Como já se viu os processos especulativos de valorização da terra, sob os


auspícios do Estado, impuseram uma lógica de conformação sócio-espacial da
cidade extremamente desigual e segregacionista, implicando uma constante
mobilidade da população trabalhadora rumo a áreas menos valorizadas. Desse
modo, principia a ocupação nas encostas de morros, precipitando a formação de
favelas, parte delas existente até os dias atuais, como são os casos, por exemplo,
da favela Pedreira Prado Lopes, do Pindura Saia, do Acaba Mundo e dos
Marmiteiros. O adensamento ilegal e clandestino nas encostas de morros em Belo
Horizonte estabelece a conformação de diversas áreas de risco, todas elas, é bom
que se diga, são suficientemente conhecidas e mapeadas pelo Estado, fato que
suscita a tese de que não haveria propriamente uma urbanização “clandestina” no
universo da pobreza em Belo Horizonte, assim como no Brasil em geral, uma vez
que ela tem se desenvolvido com o conhecimento e a anuência do próprio Estado,
afora o fato dele estar na base da sua formação/constituição. Em circunstâncias
de alta pluviosidade os deslizamentos de encostas e os desmoronamentos de
barracos são freqüentes, não raro terminando em verdadeiras tragédias. A
expansão das favelas continua a ocorrer em ritmo elevado na capital mineira bem
como nas demais cidades que compõem a Grande Belo Horizonte, a exemplo de
Contagem, Betim, Santa Luzia, Sabará etc. Atualmente a cidade conta com 224
favelas cadastradas, cuja população nos anos 90 cresceu a uma taxa média de
6% a/a, ao passo que a taxa média de crescimento da população da cidade foi de
1,3% a/a. Estima-se que o contingente atual de favelados em Belo Horizonte seja
de aproximadamente 500 mil pessoas, ou seja, em torno de 20% da população
total da cidade, praticamente uma quarta parte dela, e que segundo dados do
IBGE de 2000 era de 2.154.161 habitantes. Dados censitários do mesmo Instituto
para 1991 indicam que do total dos domicílios da cidade aproximadamente 11%
são de favelas. A maior parte das favelas localiza-se na regional sul e leste da
cidade, setores caracterizados por pronunciados contrastes sócio-espaciais, uma
vez que eles também apresentam áreas de moradias de classe média alta e
classe média, o que reforça a idéia de uma periferização complexa e diversificada
na capital mineira, a exemplo do que também ocorre em outros grandes centros
69

urbanos do Brasil, tratando-se mais propriamente da constituição de várias


periferias, que se traduz como um efetivo mosaico sócio-espacial. Esclareça-se
que o critério estabelecido pelo censo para o reconhecimento de uma área
domiciliar caracterizada como favela é o de apresentar pelo menos 90% de
domicílios favelados. Espaços da pobreza que, no entanto, revelam “um enorme
iceberg da rede invisível da cultura” da cidade. Conforme ampla e detalhada
pesquisa desenvolvida por Clarisse de Assis Libâneo, finalizada em 2002,
Entre artistas-solo e aqueles que trabalham em coletivos artísticos, as
atividades culturais nas vilas e favelas de Belo Horizonte envolvem em
torno de 6.911 pessoas, incluindo artistas profissionais e jovens em
processo de formação. Isto, além de contribuir para o próprio futuro desses
jovens, também traz perspectivas animadoras para o futuro da cidade.
(...) Alimentar o sonho de uma vida melhor, para si e para sua coletividade,
é uma das funções principais da atividade artística. E nesse sentido a arte e
a cultura são revolucionárias, elas próprias transformadoras da sociedade,
das relações dos sentimentos humanos.
(...) Laços são criados através de múltiplas motivações e podem durar mais
ou menos tempo, mas sempre trazem em si traços que propiciam ao
indivíduo a participação em uma comunidade emocional que fortalece a
sociabilidade.
(...) Também nas vilas e favelas pesquisadas há riquíssimas e variadas
manifestações coletivas, que resgatam as tradições culturais ao mesmo
tempo em que criam momentos de interação social extremamente
importantes para o fortalecimento dos laços de vizinhança e de
coletividade.37

Pois bem, como já se pode constatar, a conformação sócio-espacial


assumida pela capital mineira indica o estabelecimento de uma tensão/contradição
entre duas estruturas urbanas muito distintas. Neste sentido, a análise do
movimento de transformação que se seguiu no antigo arraial remete aos termos
da interpretação de Henri Lefebvre 38, à medida que ele assinalou a transfiguração
da cidade enquanto obra para a cidade enquanto produto, condição/transformação
proporcionada pela instauração da propriedade privada da terra. O que vale dizer
da imposição progressiva e conflituosa da troca em relação ao uso, que se realiza
na esteira da consolidação do modo de produção capitalista em decorrência dos

37
LIBÂNIO, Clarisse de A. Guia Cultural das Vilas e Favelas de Belo Horizonte. Belo Horizonte:
Rona Editora, 2004. p.30-35 passim.
38
LEFEBVRE, Henri. “Especificidade da Cidade: a cidade e a obra”. In: O Direito à Cidade. São
Paulo: Editora Moraes, 1991. p.45-49.
70

avanços da industrialização/urbanização. Para Lefebvre, a primazia da produção


da cidade como produto implica, entretanto, uma permanente situação de
instabilidade na urbe, que açula ações reativas diversas pela qual o processo
inverso pode se realizar, isto é, a conversão do produto em obra. Ainda que
compelida pelo consumo, esta comutação territorial opera-se pela apropriação
(não pela propriedade), pois a própria condição do consumo implica na ocorrência
de relações sociais - logo sócio-espaciais - pelas quais o uso no território pode ser
suscitado, reemergindo, se não de forma ampla e explícita nos seus domínios
territoriais, pelos seus interstícios, amalgamando-se em calçadas, esquinas, ruas
estreitas, praças, campos de futebol, botequins, feiras livres, lugares de festas
populares etc.. Vale lembrar que estas expressões sócio-espaciais assomadas
pelo uso e o valor de uso são abundantes na cidade de Belo Horizonte.
Longe de pretender invocar na análise qualquer interpretação de cunho
determinista é preciso reconhecer que a conformação do espaço físico de Belo
Horizonte, juntamente com a malha de circulação nele inscrita, contribuiu
significativamente para a criação de inúmeros pontos de encontro e sociabilidade
na cidade, favorecendo práticas voltadas ao uso sócio-territorial. Pela apropriação
imprimem-se aos lugares novos sentidos, feições e significados para além dos
limites de sua condição de propriedade, aspectos que respondem às demandas
da própria sociedade no bojo de suas relações sócio-espaciais cotidianas. Nesse
sentido, a apropriação de um dado lugar participa como uma efetiva atribuição
simbólica aos espaços, necessária à própria reprodução da sociedade no universo
relacional urbano. É por essa via que a forma instruída pelo plano pode adquirir
ressignificação sócio-espacial, pois apropriada para atender necessidades não
previstas e não contempladas e, como já se observou, muitas vezes negadas pelo
próprio Estado. Conquanto as necessidades e o uso sejam condicionados e
redefinidos substancialmente pela proeminente propagação do valor de troca, as
39
verdadeiras e essenciais necessidades humanas não são banidas do espírito

39
Não são consideradas aqui como verdadeiras e essenciais necessidades humanas aquelas
artificialmente criadas pelos veículos de publicidade, essencialmente vinculadas e justificadas pelo
consumismo capitalista desenfreado, mas mais especifica e particularmente aquelas qualificadas
como básicas à vida de qualquer ser humano, como, por exemplo, moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, transporte e trabalho em patamares dignos.
71

pelo movimento da aridez mercantil da troca, uma vez que se admite que o uso
seja inerente à vida, estando esta orgânica e permanentemente vinculada ao
espaço.40 Daí o uso inscrever-se nos lugares de vivência como virtualidade e
também como expressão geograficamente exteriorizada. Guardadas as devidas
proporções, compreendo que essa condição acompanha e marca a evolução de
Belo Horizonte até os dias atuais, em que o uso, pela minha perspectiva, se
consubstancia em expressões espaço-culturais de variados matizes, ainda que se
reconheça e se considere na análise as influências advindas das características
de privação inscritas no seu plano de construção, bem como os fortes impactos no
uso do seu espaço produzidos pelo desenvolvimento urbano-industrial,
principalmente no após Segunda Guerra.
Nesse sentido, a cidade, em franco crescimento e transformação não se
consubstancia como espaço consumado, uma vez que o valor de troca, no
transcurso de sua realização, encerra, por suas próprias características, a
inerência do inacabado. No permanente movimento conflituoso da troca em
41
relação ao uso abre-se, todavia, a possibilidade da insurgência do uso - não do
valor de uso. Enquanto houver condições no espaço urbano que possam suscitar,
e mesmo favorecer práticas cotidianas de uso e de apropriação do território, o
urbano - tomado como condição relacional entre tempo e espaço - permanecerá
vivo, ainda que pesem sobre ele os imperativos da urbanização fragmentadora,
incluindo-se aqui a constituição, em curso, de uma sociabilidade privatizada como
reflexo e decorrência da complexidade tecnológica atinente aos variados
processos de interação social, fato que tem contribuído em grande medida para a
emergência de novas formas de agregação social, como, por exemplo, a
“agregação just-in-time”, acerca da qual Maria Aparecida Moura assinala:
A interação social, antes realizada através das relações face-a-face, foi ao
longo da história, transformando-se através da interposição de inúmeras e
diversificadas formas de mediação. A interposição das mediações nas
trocas comunicacionais se tornou necessária para garantir a aproximação
40
Cumpre esclarecer que se emprega aqui a categoria espaço na perspectiva da noção
lefebvriana, isto é, de que o espaço é uso do tempo, o que significa que o reconhecimento desta
subversão implica na necessidade de pensar nas dimensões temporal e espacial
concomitantemente. Ademais, o tempo e o espaço se inserem na estratégia do ator social.
41
Cf. SEABRA, Odette C. de L. “A insurreição do uso”. In: MARTINS, José de S. (org.). Henri
Lefebvre e o Retorno à Dialética. São Paulo: Hucitec, 1996. p.71-86.
72

de sujeitos geograficamente dispersos. Com esse intuito, surgiram ou foram


apropriados socialmente a carta, o telegrama, o telefone fixo, o fax, o e-mail
e, mais contemporaneamente, o telefone celular.
As mediações comunicacionais foram introduzidas no contexto das
relações sociais sem, contudo, romper com os princípios de sociabilidade
presentes na interação face-a-face.
(...) Se, anteriormente, o que estava em evidência na mediação era a
manutenção dos laços de sociabilidade, com o passar do tempo outras
variáveis foram agregadas, alterando significativamente a natureza da
interação.42

Portanto, a análise que aqui se desenvolve não desconsidera as distorções


sócio-espaciais que a urbe capitalista está sujeita, podendo-se destacar aquelas
decorrentes dos processos de valorização diferencial do solo urbano e da sua
mercantilização, pelos quais pode se engendrar a transformação da cidade em
anticidade, ou ainda, do urbano subtraído pelo despotismo do valor de troca. Esta
condição-limite se anunciaria em casos e situações de territórios submetidos a
uma valorização geograficamente ampliada, intensa e extensivamente, a exemplo
do que freqüentemente se dá com as grandes cidades (ou em partes delas)
economicamente dinâmicas, sobre as quais pesam uma impetuosa
utilização/exploração do solo urbano pelos agentes que produzem e modelam a
urbe. Por sua vez, a valorização do espaço realiza-se de forma desigual uma vez
que o trabalho se aloca e se acumula geograficamente de modo variável,
havendo, assim, qualidades específicas no/dos lugares, quer sejam qualidades
naturais quer sejam aquelas incorporadas ao solo pelo trabalho. O que vale dizer
que
...o espaço, ao contrário da maioria das mercadorias, não aparece perante
a produção, como um objeto homogêneo. Ele é intrinsecamente desigual. A
sua própria naturalidade preexistente ao trabalho impõe, desde o início,
quadros naturais diversificados. Também o trabalho nele se acumula
desigualmente. Nesse sentido, o espaço concreto para a produção
concreta, sendo uma condição universal, é sempre singularidade. Assim, as
condições únicas de cada localização aparecem para o processo produtivo
como condições desiguais de produção. Também o consumo do espaço se
dá através de qualidades próprias. Aqui ele aparece como objeto único. O
seu uso não implica a sua destruição, apenas modificação. Do mesmo
modo, as construções sobre o espaço (o trabalho diretamente agregado)
42
MOURA, Maria A. Sociabilidade privatizada, Estado de Minas, Belo Horizonte, 13 de novembro
de 2004, Caderno Pensar, p.3.
73

apresentam a característica da durabilidade que se acentua no decorrer da


história. Seu consumo também não as destrói, pelo menos na mesma
velocidade das outras mercadorias. O que pode ocorrer é o consumo
destrutivo de certos atributos desse espaço (como alguns recursos), mas
não dele próprio. Finalmente, o espaço é ainda o depositário universal da
história. Nele se acumulam trabalhos dos tempos mais remotos, num
permanente ciclo de criação, reposição e transformação de objetos sobre
sua superfície. O espaço apresenta, assim, a sobreposição dos resultados
dos processos naturais e sociais que coexistem na contemporaneidade.43

Como já se notou a configuração da estrutura morfológica de Belo


Horizonte, amalgamada ao seu sítio de topografia acidentada, exerce certa
influência na formação de inúmeros pontos de aglomeração social no âmbito da
cidade, mais propriamente nos interstícios da metrópole, aspecto que, pela minha
compreensão, favorece, em certa medida, iniciativas e práticas de uso e de
apropriação do espaço. Assinale-se, uma vez mais, que esta interpretação não
negligencia ou escamoteia os impactos negativos que se abatem na cidade e, de
modo mais específico, no seu patrimônio arquitetônico e urbanístico, bem como na
sua vida urbana ao longo da sua dinâmica evolutiva, principalmente na sua fase
de metropolização, haja vista que a reorganização dos usos da terra, tenazmente
articulada aos interesses imobiliários, produziu marcas indeléveis e desfigurativas
na sua morfologia, reverberando negativamente na vida cotidiana da cidade.
Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, em seu poema Triste Horizonte,
protestava contra as desfigurações que se processavam na cidade. Já a partir dos
anos 1920 pode-se constatar uma “onda de demolições” na capital mineira, que se
intensifica nos períodos subseqüentes até os dias atuais - embora medidas de
controle, conservação e recuperação do seu patrimônio estejam sendo adotadas
nestes últimos anos. Segundo o arquiteto Leonardo Castriota só mais tardiamente,
com a Lei 3.802, de 6 de julho de 1984, é que efetivamente se institui a proteção
do patrimônio cultural da cidade, figurando como uma espécie de marco desse
momento a destruição do Cine Metrópole 44, cujo edifício foi construído em terreno
que anteriormente fora ocupado pelo antigo Teatro Municipal. A sua demolição

43
MORAES, Antônio C. R. & COSTA, Wanderley M. da. Geografia Crítica: a valorização do
espaço. 2a. edição. São Paulo: Hucitec, 1987. p.132 e 133.
44
CASTRIOTA, Leonardo B. Algumas considerações sobre o patrimônio. In: Arquiamérica: I Pan-
American Congress of Architectural Heritage. Ouro Preto, setembro de 1992.
74

cercou-se de muita indignação por parte da população da cidade, sendo precedida


por uma ampla mobilização capitaneada pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil-
MG, contando com a participação e o apoio de 45 entidades, entre as quais a
Associação Mineira de Imprensa, a Associação Mineira de Defesa do Meio
Ambiente e o Diretório dos Estudantes.
Tomadas em conjunto, estas marcas produzidas por equivocadas e
irresponsáveis intervenções no espaço urbano, com a anuência e autorização do
45
Estado, traduzem-se mais propriamente como um efetivo “topocídio” , à medida
que representaram a supressão e/ou degradação de lugares, de formas
arquitetônicas, escultóricas e pictóricas de reconhecida importância e
representatividade na vida e na memória da cidade.46 Nesta perspectiva, as
demolições que se abatem sobre estas expressões espaciais, de grande
magnitude no âmbito do seu acervo arquitetônico e urbanístico, desencadeiam a
supressão de referências importantes da vida urbana, precipitando uma síncope
na sua memória, esvaziando-a da sua historicidade, logo do seu próprio sentido.
Trata-se de uma espécie de morte anunciada da memória da cidade sentenciada
pelos apologistas do moderno e sua perspectiva reducionista do sentido de
espaço urbano, que encara os marcos da urbe, e sua permanência territorial,
como um empecilho às sanhas do progresso, preconizando sua sistemática
supressão do horizonte de referências sócio-espaciais. Neste sentido, a destruição
da memória da cidade pode ser lida como uma triste e estúpida expressão da
proliferação desenfreada do valor de troca sob os auspícios da lógica
modernizadora do Estado. O processo evolutivo de Belo Horizonte carrega,
indubitavelmente, esta dimensão, na qual o velho comparece como resíduos
“teimosos”, que evocam tempos menos turbulentos. Demais exemplos de
topocídio em Belo Horizonte poderiam ser apresentados à mão cheia, como as
demolições dos edifícios religiosos da capela do Rosário e da antiga Igreja da Boa
Viagem, as intervenções que reduziram a área do Parque Municipal, a
45
Cf. BUENO, Antônio S. Vísceras da Memória. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1997. p.42.
46
Contudo, diversos esforços louváveis têm sido feitos nos últimos tempos para a reforma,
recuperação e preservação - do que restou - do patrimônio arquitetônico e urbanístico da cidade,
podendo-se destacar, entre outras, as reformas do Parque Municipal e da Praça Sete, a
restauração da Praça da Estação e de diversos edifícios importantes à preservação da memória da
cidade, boa parte deles na sua região central.
75

desfiguração de diversos setores da Serra do Curral, etc. Muitos deles se


conformavam como lugares de encontro e de expressiva valorização topofílica, e
que se tornaram referências espontâneas da sua memória urbana.
Destaco aqui o caso do Café e Bar do Ponto, lugar tornado emblemático em
virtude da significativa expressão que desfrutava no âmbito da vida cotidiana da
cidade e, portanto, das relações sócio-espaciais atinentes ao plano do vivido.
Referência importante na vida cotidiana de Belo Horizonte na época em que
existiu, ele figurou na sua história sócio-espacial como um lugar sui generis,
especial, que por suas especificidades desempenhou uma significativa função
polarizadora na capital de Minas, concomitantemente ao fato de possuir um
genuíno e irresistível poder de produção de relações e de imagens topofílicas.
Fundado em 1907, pelos irmãos Felipe e Miguel Longo, localizado na esquina da
gloriosa Rua da Bahia com a Avenida Afonso Pena, na região central da cidade,
suas instalações ficavam num grande sobrado, que também abrigava o Hotel
Globo (posteriormente chamado Palácio Hotel), a Sapataria Central e a Papelaria
e Livraria Oliveira e Costa.
76

Fachada do “mitológico” Bar do Ponto, em 1930, localizado na esquina da Avenida Afonso Pena
com Rua da Bahia. Ele foi considerado pelo cronista Moacyr Andrade “a espinha dorsal e o
coração da cidade”.
Fonte: Coleção José Góes, do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.
77

Propaganda do Bar do Ponto. Embora o endereço apresentado


indique Av. Afonso Pena, esquina com Rua Tupis, a localização
correta era Afonso Pena com Bahia, onde hoje está o Othon.
Fonte: Revista Bello Horizonte, n.1, 19 de agosto de 1933, p.17.

O Bar do Ponto, como era mais conhecido, existiu até o final dos anos 30,
tendo sido fechado em 1940 e demolido em 1959, num terreno em que depois se
implantou o Othon Hotel, um edifício de 25 andares47 existente até os dias de hoje.
O bar ostentava esse nome devido a sua localização bem em frente à agência de
bondes, que recebeu um novo edifício em 1910, com o nome de “Viação Elétrica”.
O cronista Djalma Andrade reputa-se ao Bar como um lugar
...genuinamente popular. Centro terrível de maledicência, aí forjados boatos
que, em minutos, circulavam por toda a cidade. A opinião do Bar do Ponto
valia como opinião pública.48

Por ele freqüentava uma gama variada de pessoas, sendo “ponto


obrigatório” de esportistas, políticos, jornalistas, boêmios, “almofadinhas”,
malandros etc.. Dentre os seus freqüentadores mais ilustres têm-se, entre outros,
Pedro Nava, Otto Lara Resende, Ciro dos Anjos, Juscelino Kubitschek, Fernando
Sabino, Carlos Drummond de Andrade.
O Bar do Ponto escreveu a mais tumultuada página da cidade, pois, além
de assassinatos e de brigas entre torcidas rivais de futebol (atleticanos e
americanos), assistiu também às mais acirradas campanhas políticas,
como a de Arthur Bernardes e Nilo Peçanha e a célebre “Aliança Liberal”,
que culminou com a Revolução de 30. (...) Em resumo, o Bar do Ponto era
um pedaço da alma de Belo Horizonte e dos saudosos tempos.49

Assim, pode-se dizer que o Bar do Ponto conformava-se como um espaço


de interlocução aberta, um lugar onde se conversava. A memória em relação a

47
Cf. WERNECK, Humberto. “Bondes e Boatos”. In: O Desatino da Rapaziada: jornalistas e
escritores em Minas Gerais. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.34 e 35; sobre o contexto
da inauguração e da demolição do Bar do Ponto, cf. CHACHAM, Vera. A Memória dos Lugares em
Um Tempo de Demolições. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais, 1994. (Dissertação de Mestrado em História).
48
ANDRADE, Djalma. História Alegre de Belo Horizonte. Comemoração do Cinqüentenário de Belo
Horizonte, Imprensa Oficial, 1947, p.44.
49
LIMA, Benvindo. “O Bar do Ponto”. In: Canteiro de Saudades – Pequena História Contemporânea
de Belo Horizonte (1910-1950). Belo Horizonte: Editora Promove, 1996. p.29-30.
78

este lugar expõe a existência de uma sociabilidade efetiva, realmente existente,


não sendo, portanto, uma aparência enganosa, uma farsa.50
Para além de ter sido um destacado local de encontro e sociabilidade de
segmentos sociais diversos, o “mitológico” Bar do Ponto tornou-se, também,
referência toponímica na cidade, cuja denominação estendeu-se a toda sua região
circundante. Acerca desse segundo aspecto, o escritor e memorialista Pedro Nava
primorosamente assinala:
O café chamado Bar do Ponto estava para Belo Horizonte como a Brahma
para o Rio. Servia de referência. No Bar do Ponto. Em frente ao Bar do
Ponto. Na esquina do Bar do Ponto. Encontros de amigos, encontros de
obrigação. O nome acabou extrapolando, se estendendo, ultrapassando o
estabelecimento, passando a designar o polígono formado pelo cruzamento
de Afonso Pena com Bahia – local onde termina também a ladeira da rua
dos Tupis. Enraizou-se tanto na toponímia da cidade que fez desaparecer,
imaginem! o nome do Alferes – Praça Tiradentes – que figurava nos antigos
mapas de Belo Horizonte. Além de usurpar a do Herói, a designação Bar do
Ponto excedeu-se psicologicamente e passou a compreender todo um
pequeno bairro não oficial mas oficioso: o que se pode colocar dentro do
círculo cujo centro seria o da praça e cujo raio cortasse a esquina de Goiás,
um pouco de Goitacazes, o cruzamento de Tupis com Espírito Santo, que
tornasse a Afonso Pena, descesse Tamoios, entrasse no Parque defronte
ao início do Viaduto Santa Teresa e voltasse à origem depois de
reincursionar na espinha dorsal de Afonso Pena. Dentro deste círculo, tudo
é Bar do Ponto.51

Conforme Letícia Julião, a implantação do transporte a bonde na cidade,


com sua importância e significado social, contribuiu em grande parte para a
projeção do Bar do Ponto.

Embora desigualmente distribuída, a crescente tessitura dos trilhos


resultava na incorporação dos distintos espaços (virtual ou concretamente
povoados) e de grupos sociais ao convívio urbano e ao ritmo e comodidade
modernos implícitos na circulação dos carros elétricos onde: (...) se
misturavam as classes sociais, transitavam lavadeiras, vendedores
ambulantes, trabalhadores, estudantes, funcionários públicos, figuras de
bem da capital.
50
Cf. sobre isso o importante trabalho de: CHACHAM, Vera. A Memória dos Lugares em Um
Tempo de Demolições: a rua da Bahia e o Bar do Ponto na Belo Horizonte das décadas de 30 e
40. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas
Gerais, 1994. (Dissertação de Mestrado em História).
51
NAVA, Pedro. “Bar do Ponto”. In: Beira Mar. São Paulo: Ateliê Editorial/Giordano, 2003, p. 6
(Memórias 4).
79

Numa cidade, cujo planejamento distribuía e hierarquizava os indivíduos no


espaço, o bonde, ironicamente, representava uma transgressão a essa
ordem.
Ele estabelecia canais de comunicação, diluía as fronteiras socioespaciais,
revelava a pobreza, segregada na periferia, à zona nobre de Belo
Horizonte. Ele constituía, assim, um lugar relativamente democrático, no
qual as experiências urbanas podiam ser mais vivas. 52

Há que se chamar a atenção para o fato de que o ingrediente da topofilia e


de relações de identidade com o lugar ainda são observáveis em diversos bairros
de Belo Horizonte, embora numa escala sensivelmente menor do que no passado.
São os casos, por exemplo, de diversas vilas localizadas nos bairros de Santa
Tereza, Floresta e Santa Efigênia, localizados na região Leste da cidade, sendo
que boa parte delas apresentava, num mesmo terreno, moradias edificadas por
imigrantes a partir dos anos 1930. Hoje elas funcionam, em parte, sob a forma de
condomínio, contando com estatuto, síndico e assembléia. Outras guardam ainda
uma atmosfera mais propriamente comunitária, destituídas de regras rígidas, e
com o predomínio de relações regidas pelo “bom senso” e entendimento entre os
seus moradores, como é o caso da Vila Ivone, localizada na Rua Hermílio Alves,
no bairro de Santa Tereza, fundada por imigrantes portugueses (o bairro de Santa
Tereza será abordado, em específico, no capítulo 3). Estes, entre outros tantos
lugares que poderiam ainda ser mencionados, tomados em conjunto, configuraram
o que designo de constelação topofílica da capital mineira, nos quais o uso e o
valor de uso do espaço ainda pulsam.
Assim, na história de Belo Horizonte, diversos pontos avultam como
espaços de encontro e de construção de vínculos afetivos com o meio, ainda que
para uma parte deles tenha pesado certa inexorabilidade do tempo, aliada a uma
ausência de preocupação – possivelmente a principal razão - com os lugares mais
antigos, sobretudo na condição de uma cidade orientada para o moderno e para o
novo, em que as “coisas velhas” são tomadas como empecilhos aos projetos
supostamente modernizadores e voltados ao desenvolvimento. Desse modo,
esses espaços de referência e sociabilidade, banidos do espaço urbano,
52
JULIÃO, Letícia. Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna (1891-1920). Belo Horizonte:
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, 1992. p.107
e 108. (Dissertação de Mestrado em Ciência Política).
80

passaram a ter a sua existência circunscrita ao universo da sua memória,


podendo-se claramente constatar a pouca importância reservada à memória da
53
cidade no âmbito dos discursos dominantes da época . O pouco (“os resíduos
teimosos”) que resistiu revela-se, no entanto, como expressões sócio-espaciais de
resistência face à modernização topocida e ao triunfo da racionalidade
instrumental.
Dentre as formas urbanas remanescentes que se inscrevem no universo de
permanências e resistências ao longo do processo mais amplo de transformação
da cidade, merece destaque o mercado central de Belo Horizonte, localizado no
núcleo da área central da cidade, mais precisamente no movimentado quarteirão
compreendido pelas ruas Curitiba, Goitacazes e Santa Catarina, e pelas Avenidas
Augusto de Lima e Amazonas. Inaugurado em 7 de setembro de 1929, sofrendo
várias reformas ao longo do tempo, o mercado central, para além de um lugar de
trocas e relações comerciais, constitui um importante e consolidado ponto de
encontros e sociabilidade na cidade mineira, no qual pode-se observar a prática
regular do diálogo livre. Cores, cheiros, sons, variedades, pessoas de diferentes
estratos sociais, troca de olhares, bate-papo sobre questões diversas da vida,
paquera, diversão, festa, entre outros, caracterizam esse lugar, aspectos que
favorecem a sua condição de espaço público, à medida que ele é cotidianamente
apropriado, usado e vivenciado de forma socialmente compartilhada. Longe de
qualquer forma de reducionismo em relação à condição mais ampla da vida
urbana de Belo Horizonte face ao universo relacional específico deste lugar, e não
sendo ele tomado no sentido de um emblema totalizante do urbano, compreendo,
entretanto, que este lugar contribui sobremaneira para imprimir à capital mineira -
ao menos em parte dela - uma feição um pouco mais solidária e humana,
contribuindo para a formação de uma atmosfera sócio-espacial mais agradável,
operando, tal qual o Bar do Ponto no passado (embora em épocas e contextos
diferentes), funções aglutinadoras e relacionais na cidade. Nele pode-se observar
a sócio-diversidade existente na capital mineira, que desvela uma expressiva

53
Cf. sobre o assunto: CHACHAM, Vera. “A Memória Urbana Entre o Panorama e as Ruínas: a rua
da Bahia e o Bar do Ponto na Belo Horizonte dos anos 30 e 40”. In: DUTRA, Eliana de F. (org.).
BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/Arte, 1996. p.183-237.
81

afluência dos mais variados segmentos sociais. Neste sentido, pode-se postular
que a sua importância para a cidade atribui-se menos à sua função econômico-
comercial, e mais propriamente à sua função sócio-espacial de aglutinação e
coesão, sobretudo considerando-se a condição de um ambiente metropolitano
exposto a processos explícitos de fragmentação. A percepção e a própria
representação deste lugar por muitos daqueles que o freqüentam e vivenciam é de
um lugar “diferente” e “familiar”, ao mesmo passo que é considerado como um dos
lugares mais queridos da cidade, no qual as diferenças parecem não se insinuar
tanto no âmbito da atmosfera lúdica e de encontro que ele produz. Desse modo,
para além de um espaço de trocas comerciais, o mercado central é genuinamente
o espaço da festa, da sociabilidade, da alegria, do descanso, onde trabalho e lazer
harmoniosamente se entrelaçam. Ele está organicamente integrado à cultura
sócio-espacial da urbe mineira, acentuando-a na medida em que é vivenciado e
apropriado cotidianamente, revelando-se como palco, no qual práticas e formas de
uso se desdobram como o uso do espaço, do tempo, do corpo; um lócus de
aglutinação social, de proximidade e de entrelaçamento e, portanto, virtualmente
dotado de condições favoráveis a integrar uma condição de humanização no
complexo e fragmentado espaço metropolitano. Neste sentido, o mercado é um
espaço social catalisador na tessitura da metrópole, um interstício luminoso e de
forte simbolismo, cuja presença no âmbito das vivências afetivas pode ser
evocada mesmo em sua ausência física diante de nós, ou seja, capturado pela
memória e pela lembrança, através das quais o lugar é convocado ao tempo
presente de modo a imprimir-lhe densidade e sentido. Quão importante ele é para
a vida da cidade... Cumpre assinalar ainda que a existência de espaços públicos e
sua manutenção/preservação, a exemplo do que se dá com o mercado central,
desempenha, ou pode desempenhar um papel extremamente importante na vida
urbana, à medida que contribui para que a cidade se torne um lugar mais
aprazível para se viver, favorecendo significativamente as dimensões da
existência na urbe. O meio definitivamente não determina as características
humanas e sociais, mas exerce efetivamente condicionamentos importantes não
negligenciáveis na sociedade, em que a forma articula-se à essência,
82

inseparavelmente.
Enquanto lugares dotados de condição topofílica e de práticas sócio-
espaciais com o sentido de uso, eles se traduzem como espaços de
pertencimento e de expressiva valorização simbólica em momentos e situações
diversas ao longo da história da cidade e de seu processo de formação. A idéia de
pertencimento se vincula a uma concepção de cidade enquanto um espaço
relacional dotado de interações sociais diversas, preenchido por interações
recíprocas entre as pessoas, as quais, sobretudo nas grandes cidades (e nas
metrópoles), se realizam de modo a estabelecer (ao contrário das sociedades
tradicionais) uma maior flexibilidade (e mesmo de transitoriedade) relacional com o
espaço, mas não propriamente um descolamento (ou “desenraizamento”) que
pudesse sugerir a realização de uma efetiva independência em relação a ele.

O Mercado Central de Belo Horizonte: um dos mais queridos lugares da cidade


83

e destacado local de encontros e compras.


Foto: Ulysses da Cunha Baggio (24/06/2005).

O mosaico de cheiros e cores no Mercado, de fato, encanta e inebria...


Foto: Ulysses da Cunha Baggio (24/06/2005).

Assim, as trocas, na sua diversidade, podem se dar simultaneamente em


espaços (e lugares) díspares, condição decorrente da economia monetária e da
divisão do trabalho, que produzem enorme diferenciação social e espacial às
sociedades modernas. A significância sócio-espacial dos lugares exemplificados
não se restringe, contudo, à condição de meros realçadores por parte daqueles
que os apropriam cotidianamente. O que vale dizer que eles adquirem
proeminência e visibilidade na cidade essencialmente pelo fato de engendrarem
seus próprios processos de significância sócio-espacial, pelos quais eles se
conformam em cenários sócio-espaciais lúdicos e profícuos quanto às trocas
relacionais, sendo auspicioso o fato de que eles produzem suas próprias
especificidades, suas próprias naturezas. É neste sentido que se pode considerar,
e mesmo afirmar, que na tessitura mais ampla da cidade eles figuram
territorialmente como lugares luminosos, cujas atmosferas sócio-espaciais
84

sedutoras convidam ao uso, à sociabilidade e à fruição, ao exercício do prazer e


do compartilhamento, ingredientes fundamentais à vida na cidade, sem os quais
ela, definitivamente, sucumbiria. Assim como outros lugares da cidade dotados
deste caráter (como entendo ser também o caso de Santa Tereza), estes espaços
desempenham um papel relevante na própria reprodução da sociedade, à medida
que contribuem para a manutenção de relações sociais mais estreitas e vivas na
grande cidade, favorecendo-as; o que vale dizer que também atuam de modo a
preservar traços e feições de sentido mais humano na metrópole e na vida urbana,
ainda que nos tempos hodiernos estes traços se revelem mais propriamente como
expressões intersticiais no âmbito da cidade, uma vez que esta dimensão humana
da cidade encontra-se desafiada e em retração na esteira da urbanização
capitalista e da fetichização crescente nas/das relações sociais.
Entretanto, saliente-se, a condição que estes lugares encerram é
auspiciosa, à medida que ela ganha proeminência no horizonte da esperança e
das possibilidades da vida urbana e, portanto, do uso do espaço, sobretudo
quando se observa o declínio da vida pública e o da dimensão humana da cidade
pelas forças de compressão sócio-espacial da modernidade54, entre as quais o
extraordinário recrudescimento do ritmo dos acontecimentos, que, a rigor, são
ressonâncias dos ritmos acelerados do capital e da tecnologia, ingredientes pelos
quais se estabelece a imposição da “ditadura do movimento” e do “império da
velocidade” no processo de constituição da sociedade urbana e, portanto, do
próprio espaço pelo qual ela se reproduz.
O processo de constituição da sociedade urbana produz transformações
radicais nas relações espaço-tempo que podem ser entendidas, em toda a

54
Entende-se aqui por “modernidade” o processo cultural, econômico, social e político, de caráter
descontínuo e não evolucionista, que emerge na Europa a partir do século XVII (há, entretanto,
controvérsias relativas às suas origens), cujos princípios valorativos são a universalidade dos
valores, o progresso, a objetividade científica e a secularização. O caráter de descontinuidade
aludido refere-se à ocorrência de crises periódicas no seu transcurso, uma vez que na sua
realização têmporo-espacial determinadas condições não podem ser resolvidas ou modificadas
com facilidade, daí resultando situações de transição, instabilidade, ou seja, crises. Nesse sentido,
o movimento da modernidade engendra rupturas no espaço e no tempo. Marshal Bermam
identifica a “modernidade” como sendo “um tipo de experiência vital”, que se traduziria por uma
dada forma de experienciar o tempo e o espaço, “(...) de si mesmo e dos outros, das possibilidades
e perigos da vida – que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo, hoje”. Cf.
BERMAN, Marshal. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar: a aventura da modernidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1986. p.15.
85

sua extensão, no lugar, nos atos da vida cotidiana, enquanto a paisagem


urbana aponta para a existência de formas sempre cambiantes. A
sensação do tempo se acelera, as transformações nos referenciais urbanos
(de como as pessoas se identificam com o lugar onde moram) se alteram
em decorrência das mudanças nas possibilidades de uso do lugar, nos
modos de vida nesse lugar. Em tal plano, tomamos como ponto de partida
para a pesquisa a contradição entre o tempo de vida – que se expressa na
vida cotidiana (em um tempo e em um espaço que mede e determina as
relações sociais) – e o tempo das transformações na morfologia urbana,
que produz no mundo moderno, particularmente na metrópole, formas
sempre fluidas e cambiantes.55

Por tais especificidades aqueles lugares adquirem uma singularidade de


sentido que os aproxima no âmbito da diversidade sócio-espacial metropolitana, à
medida que, historicamente, se conformaram, e assim se insinuam como espaços
de identidade e de apropriação simbólica, ou ainda como células ou núcleos
territoriais forjadores de identidades pessoais, aspectos válidos tanto para certas
formas urbanas e construtos sócio-espaciais de épocas passadas não mais
existentes, como também para certas expressões urbanas do presente; ainda no
presente, diga-se, uma vez que a designada desterritorialização desencadeada
pela tecnificada aceleração da globalização, não se realiza de modo totalizante e
uniforme no plano sócio-espacial, mas de forma desigual, âmbito no qual a
territorialização continua a exercer um forte papel nas conformações espaciais da
contemporaneidade, podendo até mesmo potencializar-se em determinados casos
e circunstâncias. Entendendo-se aqui por territorialização a condição na qual o
conjunto de recursos, práticas e interdependências sejam próprias de um local,
havendo assim uma relação de dependência entre as ações humanas (e sua
efetivação) e o lugar. A desterritorialização, por sua vez, configura um quadro
relacional em que aquelas ações realizam-se de modo menos dependente do
local.56 Neste sentido, é importante salientar que a dinâmica global não
estabelece a supressão do espaço, à medida que este, dados os avanços
científico-tecnológicos, sobretudo no universo das comunicações, se constitui

55
CARLOS, Ana Fani A. Espaço-Tempo na Metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São
Paulo: Contexto, 2001. p.32.
56
Cf. STORPER, Michael. “Territorialização numa economia global: possibilidades de
desenvolvimento tecnológico, comercial e regional em economias subdesenvolvidas”. In: LAVINAS,
Lena et al. (orgs). Integração, Região e Regionalismo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p.13.
86

progressivamente pela articulação entre o global e o local, “visto que hoje, o


processo de reprodução das relações sociais dá-se fora das fronteiras do lugar
específico até há pouco vigentes”.57 Portanto, pode-se afirmar que não se trata
propriamente da “anulação do espaço” proporcionada pelas novas tecnologias,
mas efetivamente de uma “tendência à eliminação do tempo”, porém não se
tratando de uma eliminação total, absoluta, o que seria um disparate afirmar, “mas
de sua substancial diminuição, como conseqüência do espantoso
desenvolvimento da ciência e da tecnologia aplicados ao processo produtivo”.58
Portanto, trata-se da redefinição do tempo, da sua transformação. Ou seja:
...o tempo se transforma, comprimindo-se. O tempo do percurso é outro,
compactou-se de modo impressionante, mas as distâncias continuam,
necessariamente, a serem percorridas – por mercadorias, fluxos de
capitais, informações, etc. – não importa se em uma hora ou em frações de
minutos; se nas estradas de circulação terrestres convencionais – auto-
estradas que cortam visivelmente o espaço marcando profundamente a
paisagem -, ou se nas superhigways, os cabos de fibra ótica, satélites, etc.59

Nesta perspectiva, reafirmo que para aqueles casos destacados, como, por
exemplo, o mercado central, se realiza a formação do ingrediente topofílico, ou
seja, a produção de relações identitárias e afetivas com o espaço vivido, o que
pressupõe relações enredadas no e pelo lugar, pelas quais se forja sua
valorização afetiva e simbólica, favorecida por aspectos e condições que lhe são
próprios e que traduzem a “especificidade histórica do particular”.
...no lugar encontramos as mesmas determinações da totalidade sem com
isso eliminar-se as particularidades, pois cada sociedade produz seu
espaço, determina os ritmos da vida, os modos de apropriação
expressando sua função social, seus projetos e desejos.
O lugar guarda uma dimensão prático sensível, real e concreta que a
análise, aos poucos, vai revelando.60

Assim, as falas e as impressões daqueles que trabalham e/ou freqüentam o


Mercado Central de Belo Horizonte (no meu caso, em específico, há
aproximadamente 10 anos) expõem evidências importantes acerca desta
dimensão do lugar, pelas quais ele é efetivamente reconhecido, no contexto mais
57
CARLOS, Ana Fani A. O Lugar no/do Mundo. São Paulo: Hucitec, 1996. p.14.
58
Ibidem, p.14 e 15.
59
Ibidem, p.14.
60
Ibidem, p.17.
87

amplo da grande cidade, como um lugar especial, dotado de particularidades


atrativas que o tornam um lugar ao gosto e ao afeto das pessoas que o vivenciam,
sendo, assim, considerado por muitos como uma “extensão da própria casa”.
Conquanto o Mercado Central tenha sofrido modificações na sua estrutura ao
longo do tempo, segundo um dos seus antigos freqüentadores ele, no entanto,
Mudou sem se descaracterizar. Esse talvez seja o segredo que faz com
que ele seja amado por gente de todas as idades. Os antigos clientes não o
abandonam, os jovens o descobrem, os maduros o carregam no colo. (...)
Ele foi reformado, remodelado, ficou limpo e saudável. Conservou seu
arruamento original, sua essência. 61

Ou ainda, o depoimento de um outro velho freqüentador (e cozinheiro de


“mão-cheia”...):

Para os forasteiros recém-chegados a nossa cidade (...) e interessados em


conhecer o espírito afetivo, cordial e hospitaleiro de seus habitantes,
recomendo que se dirijam, imediatamente, para o Mercado Central. Sou
seu freqüentador habitual e “freguês de caderneta”. Em qualquer cidade do
mundo, o mercado popular é o ambiente que mais oferece a condição de
vivenciarmos as relações humanas de um jeito mais natural, descontraído,
democrático e, por isso mesmo, capaz de revelar com fidelidade o conjunto
de qualidades de seus indivíduos, estampadas em milhares de fisionomias
anônimas que circulam cotidianamente por seus becos. No nosso,
podemos presenciar o entrelaçamento das diversas raízes culturais, arrisco
dizer, do planeta. São brasileiros e estrangeiros misturados numa só
panela. Aqui somos todos farinha do mesmo saco. Ponto de encontro do
homem do campo com o da cidade, local de “troca de figurinhas”. Pelas
suas ruelas podemos notar a presença colorida da miscigenação de nossa
gente, escutar a sonoridade do sotaque mineiro, sentir o perfume das
frutas, escolher com tranqüilidade os alimentos que irão compor a nossa
mesa de cada dia, admirar o singelo artesanato regional, degustar a comida
típica, beber cachaça, tomar cerveja, conversar fiado e, conforme manda a
secular tradição mineira, conspirar. Nos seus botecos vamos sempre
encontrar a cerveja gelada e a melhor pinga mineira produzida no Vale do
Jequitinhonha, para acompanhar tira-gostos como o pé de porco, a
dobradinha, o bife acebolado, a linguiça e o tradicional “pê-éfe” (prato feito)
com frango ensopado ou carne cozida, sempre acompanhados de uma
generosa guarnição (arroz, feijão, macarrão, farofa e salada), montados ao
gosto do freguês. Tudo isso a “preço de banana”. Bem-vindos sejam. E
bom apetite!62

61
BRANT, Fernando. Mercado Central. Belo Horizonte: Conceito, 2004. p.18.
62
Ibidem, p.34 e 35. (depoimento de Veveco).
88

Como já se observou o Mercado Central encerra duas dimensões


fundamentais, isto é, o de ser um lugar de realização de trocas e,
concomitantemente, de ser também um lugar de encontro e aglutinação social,
para o qual se dirigem centenas de pessoas diariamente de modo a realizar esta
dupla condição, não sendo elas mutuamente excludentes, mas complementares
entre si. Ocupando o Mercado um lugar intermediário entre o pequeno comércio
de rua e o espaço de consumo mais segmentado e especializado do shopping
center e mesmo dos hipermercados, ele se singulariza como um lócus de
diversidade aberta, no qual as trocas não se restringem a uma mera operação de
compra e venda, mas suscitam, pelo lugar e suas possibilidades de uso, outras
relações, sendo, assim, apropriado de modo a cumprir outras finalidades para
além das trocas de mercadorias. O que vale dizer que o Mercado é um lugar que
encerra, concomitantemente, o sentido da troca material e o da sociabilidade e do
encontro, isto é, também o uso. Desse modo, ele se desvela no âmbito da vida
cotidiana como um espaço de apropriação possível, possibilidade que se abre na
própria relação das trocas materiais, a qual não se restringe a uma cadeia de
equivalências de coisas e valores. Daí, portanto, o fato de muitos atribuírem sua
importância menos ao aspecto estritamente econômico e mais ao fato de também
ser um lugar favorável à socialização, ao encontro e à deriva, e nesta perspectiva
de fruição sócio-espacial, de certa flânerie num cotidiano marcado pelo domínio
espaço-tempo. O Mercado, por todas estas condições, ainda guarda esta
possibilidade: a arte de flanar que, segundo João do Rio, “é a distinção de
perambular com inteligência”, “ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem”, o
que faz do flaneur alguém que “cada vez mais se convence da inutilidade da
cólera”.63
Embora a flânerie, com a consolidação da modernidade, encerre na sua
realização e expressão a dimensão fetichista do olhar, ela não necessariamente
encontra seus limites nesta dimensão, posto que a sociedade e as mentes não
constituem uma só forma, a da alienação absoluta, conquanto a alienação
campeie pela difusão do mundo da mercadoria e do mercado, impondo, assim,
63
RIO, João do. In: ANTELO, Raúl (org.) A Alma Encantadora das Ruas. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997. p.50 e 51.
89

uma efetiva reordenação do espaço e das múltiplas relações que o permeiam e


lhe imprimem sentido. Afirma-se, neste sentido, um panorama sócio-espacial de
retração/transformação da esfera pública à condição progressivamente
generalizada de espaços de/do consumo e de projeção individual pelos signos de
status, fortemente matizados pela mercadoria, quando não, sendo ela própria. O
tempo-livre experimenta, assim, uma reordenação/transformação, que se impõe
no âmbito da vida cotidiana, à medida que se converte em extensão do trabalho e,
neste sentido, do próprio lucro, o que reverbera sensivelmente na esfera do
público, modificando-a constantemente, ao mesmo passo que se afirma a esfera
do privado, das trocas íntimas. Entretanto, esse movimento que se insinua como
uma tendência geral, sobremaneira nos tempos hodiernos, não se apresenta, ao
menos ainda, de forma tão abrangentemente aguda, havendo ainda em Belo
Horizonte certo espírito de coletividade e compartilhamento, algo que, pelo meu
senso de observação, apresenta-se fortemente retraído numa metrópole como
São Paulo, para a qual a idéia de uma multidão anônima e fragmentada em
maiores proporções ganha maior evidência e sentido.
O Mercado Central, neste sentido, revela-se como uma descontinuidade
sócio-espacial no universo do tecido urbano, sendo recorrentemente identificado
por aqueles que o vivenciam como um lugar de paz e de tranqüilidade, de
segurança, de acolhimento, destoando, de certo modo, do ritmo mais geral e
predominante da vida cotidiana da cidade, ritmo este que, em grande medida, é
racionalizado pelo trabalho e pelo sistema racionalizado de circulação na cidade.
O que não quer dizer, obviamente, que se admita qualquer prática no mercado,
podendo-se afirmar, desse modo, que as múltiplas relações que ali se
desenvolvem sugerem a existência de uma ordem e de uma instância reguladora
que se fundamentam em relações pessoais orgânicas (amizade, confiança,
respeito mútuo, camaradagem) ao mesmo passo que em relações contratuais de
troca (próprias aos lugares e estabelecimentos voltados às atividades
econômicas). Neste sentido, ele se consolida na cidade como um lugar dotado de
uma expressão sócio-espacial sedutora, no qual o trabalho e suas exigências se
combinam (e se mesclam) ao lazer e à festa, em que a práxis e a poiésis
90

apresentam-se inseparáveis, de modo a conformar uma apropriação sócio-


espacial que se realiza pela prática, não se reduzindo, neste caso, ao consumo
estrito de símbolos pelo imaginário. Trata-se, assim, de uma territorialização do
espaço decorrente de uma apropriação efetiva, concreta, cujas relações
subjacentes estão bem demarcadas e evidenciadas, enredadas,
concomitantemente, na razão e na emoção. Esta condição do mercado sugere,
entre outras expressões sócio-espaciais com esse caráter, a presença (e a
permanência) na grande cidade de nichos e interstícios luminosos de
humanização, e isto numa cidade submetida a um cotidiano marcado pelos
influxos e imperativos do ritmo do capital e da fragmentação, que impactam e
retraem a dimensão do vivido, não raro suprimindo-o. Porém, não de forma
absoluta e sem resistências. Assim, o mercado tornou-se um lugar de referência
tanto do espaço mais imediato em que se encontra como (em função da
expressão que adquiriu ao longo do tempo) da própria cidade, constituindo-se
numa espécie de laboratório para a compreensão da diversidade das relações
sociais, tanto à escala mais local como à da grande cidade. Nesta perspectiva é
que Pierre Mayol, ao analisar o papel desempenhado por esta forma urbana (o
mercado) na vida cotidiana da urbe, nos diz que (e não sem razão) que “(...)
nenhuma cidade, nenhum povoado pode prescindir dele. Ao mesmo tempo em
que é um lugar de comércio, é um lugar de festa”.64
Todavia, é importante esclarecer que não se sustenta neste trabalho a idéia
de que a apropriação e o uso do espaço urbano da capital mineira estejam
condicionados e restringidos à sua morfologia, o que seria um brutal reducionismo
da questão. Porém, igualmente reducionista seria negligenciá-la. Há que se
considerar também na formação desta condição os traços herdados e as
permanências face às mutações têmporo-espaciais, para os quais pesou uma
efervescente e profícua cultura de uso e apropriação do espaço urbano que Belo
Horizonte viveu no passado, podendo-se destacar o período compreendido dos
anos 20 a 50. A forma como muitos moradores da cidade a ela se referem é
sintomática e intrigante acerca disso, alcunhando-a de “roça grande”. Não se pode
64
MAYOL, Pierre. “Morar” (primeira parte, cap.VI: “O fim de semana”). In: CERTEAU, Michel de et
al. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1997. p.158. (tomo II: “Morar, cozinhar”).
91

esquecer o fato de que na formação social de Belo Horizonte há uma forte


participação de gente vinda do interior do estado de Minas assim como de outros
lugares. Na origem da cidade, como já assinalado, de gente de Ouro Preto, mas
também de lugares do nordeste e outras paragens para o trabalho nas obras de
construção da nova capital, que para ela traziam sua cultura de vida de cidade do
interior, imprimindo-lhe uma atmosfera pronunciadamente provinciana e caipira,
devendo-se também considerar nesse aspecto as heranças da sua proto-história,
uma vez que a construção da nova capital “embora tivesse reduzido a pó o antigo
Curral del Rey, nunca apagara as marcas do passado impressas no estilo de vida
de seus moradores”65. Se a inserção do novo marca o processo de formação e
evolução da capital mineira, cujo tempo de existência é de pouco mais de um
século, ele, ao que tudo leva a crer, não foi ainda capaz de se impor a ponto de
suprimir os traços de uma cultura provinciana, para qual, é bom que se diga, pesa
a enorme presença de migrantes provenientes de diversos lugares do estado,
muitos deles de pequenas cidades. Tal situação pode sugerir uma contradição, ou
ainda, um paradoxo, pois apesar da velocidade e da expressiva difusão nos
domínios da cidade das formas urbanas modernas criadas a partir dos anos 40 e,
mais recentemente, de construtos da arquitetura internacional, com suas
simbologias vinculadas ao novo, não são elas, no entanto, que matizam o
imaginário coletivo. Mas, de forma mais insinuante, a cultura sócio-espacial
herdada que parcialmente permanece e resiste, e que se redefine face ao novo.
Como veremos no capítulo subseqüente, o caso do bairro de Santa Tereza é
bastante elucidativo acerca disso. E é nesse universo que, predominantemente,
foram tecidas práticas diversas de sociabilidade e de apropriação de espaços da
cidade, cujos traços permeiam o universo relacional da urbe mineira, e mesmo até
se redefinem, a luz dos novos tempos, pelos lugares e interstícios da metrópole,
por suas esquinas e ruas estreitas. A configuração da morfologia de Belo
Horizonte, marcada por “(...) um traçado de ruas diagonais fazendo de vários
quadrados de quarteirões, triângulos”66, favorece o encontro de pessoas, levando
65
PIMENTEL, Thais V. C. “Prefácio do Mito”. In: Juscelino Prefeito (1940-1945). Belo Horizonte:
PMBH/Museu Histórico Abílio Barreto, abril de 2002. p.19.
66
NAVA, Pedro. “Belo Horizonte”. In: O Círio Perfeito (memórias 6). 2a. edição. São Paulo: Editora
Nova Fronteira, 1983, p.29.
92

à formação de pontos de “burburinho” que se alternam historicamente, bem como


a constituição de lugares em que ainda se desenvolvem vínculos de caráter
afetivo com o espaço de vivência67, muito embora esta dimensão topofílica, como
já se viu, sofra enormemente os efeitos e os impactos diversos da metropolização,
não mais se revelando na sua plenitude, mas ainda viva e possível, podendo-se
até mesmo constatá-la empiricamente, a exemplo do que pude verificar no bairro
de Santa Tereza. Nesta perspectiva, sustento a idéia de que a combinação destes
fatores responde, em grande medida, pela constituição de uma condição sócio-
espacial auspiciosa em Belo Horizonte, qual seja o fato da cidade ainda guardar
práticas de uso e de apropriação do espaço que a dinâmica da metropolização
ainda não foi capaz de suprimir.
Se Belo Horizonte evidencia um conjunto de significativas transformações
na sua estrutura sócio-espacial, principalmente a partir dos anos 60, nas sendas
da sua metropolização, há que se assinalar o fato de que mudanças significativas
já vinham ocorrendo na capital mineira desde meados dos anos 30, podendo-se
constatar para o período compreendido entre 1930 e 1945 uma pronunciada
expansão para além do perímetro urbano. Neste sentido, é importante salientar
que a década de 30 assinala o início de um ciclo de mudanças importantes na
economia brasileira e na capital de Minas sob os influxos da crise de 1929 e, mais
especificamente, do seu maior reflexo no Brasil que foi a Revolução de 1930, que
por sua vez plasmou uma centralização ainda maior do Estado e uma mudança de
orientação econômica, privilegiando-se mais as economias urbanas face à
economia rural. A reverberação desta mudança de orientação da economia rumo
à sua modernização, tendo como carro-chefe a industrialização, se traduziu em
Belo Horizonte no início da sua expansão industrial, da verticalização no seu
espaço urbano, do seu espraiamento rumo aos eixos norte e oeste, bem como de
um significativo incremento populacional. Esta diversidade de manifestações

67
O aspecto topofílico aludido já era pressentido por mim antes mesmo do início da realização
desta pesquisa, quando para cá me mudei, vindo de São Paulo, em 1995. Porém, este traço ficou
ainda mais evidenciado ao longo das atividades de campo, em que destaco de forma mais sucinta
o Mercado Central e, de modo mais detalhado o bairro de Santa Tereza, no qual tive a
oportunidade de também conversar com moradores antigos, fazendo do pressentimento um fato.
93

sócio-espaciais induzida pela modernização efetivamente vai redefinir o perfil da


cidade.
Neste sentido, a decorrente expansão acelerada da cidade para além dos
limites da Avenida do Contorno, bem como as demandas infra-estruturais
advindas do desenvolvimento industrial levará o Estado a adotar um conjunto de
medidas intervencionistas de monta na capital, possivelmente a mais importante
ação de planejamento urbano realizada desde a construção da cidade na sua fase
mais inicial. Principia-se, desse modo, uma nova fase de planejamento urbano que
pretensamente lograva organizar o desenvolvimento e a expansão da cidade em
melhores condições do que a verificada na fase anterior, que, por sua vez,
resultou na formação de um quadro sócio-espacial periférico marcado pela
precariedade das condições de vida dos trabalhadores pobres, aí incluídas as
enormes restrições de infra-estruturas técnicas e sociais. Porém, vale dizer, que
estas intervenções não foram capazes de reverter a tendência que se afirmava de
hipertrofia do seu centro, que, de certo modo, permanece até os dias atuais,
embora esta região da cidade espose um “esvaziamento” populacional relativo e
seletivo, à medida que se observa uma redução de unidades familiares mais
numerosas, principalmente aquelas com filhos em idade escolar, e uma maior
participação de adultos e, sobretudo, idosos, além de pessoas que moram
sozinhas.68
Assim, contando a capital mineira em 1931 com uma população de140 mil
pessoas, a cidade já dava, então, claras evidências de uma ocupação do solo
urbano bastante problemática69, principalmente nos setores externos à avenida do
Contorno. Na década de 40 sua população duplica, superando, em muito, a
expectativa de crescimento prevista pela Comissão Construtora. Veja-se que em
1940 a população da cidade era de 211.377 pessoas, e em 1950 já alcançava a
cifra de 352.724 almas, ou seja, em uma década seu crescimento foi de 67%. 70

68
Sobre as transformações que se processam no “hipercentro” de Belo Horizonte, Cf: SOUZA,
José M. & CARNEIRO, Ricardo. “O hipercentro de Belo Horizonte: conformação espacial e
transformações recentes”. In: Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2003. Disponível em:
<http://portal 1.pbh.gov.br/pbh/pgEDOCUMENT>. acesso em 19/03/2005. s/p.
69
Regulamento Geral de Construções de Belo Horizonte, Prefeitura de Belo Horizonte, PLAMBEL.
1979. p.185 – 240 passim.
70
IBGE. Censos Demográficos. 1940 e 1950.
94

Vale dizer que este quadro, considerando-se os fundamentos de nossa economia,


suscitou um conjunto de intervenções no seu espaço urbano que criou as
condições necessárias à precipitação da verticalização da sua área central, fato
que demandou medidas importantes quanto à reorganização da sua expansão,
como atesta a abertura de novas vias de circulação em fundos de vale. Com a
decorrente supressão de edifícios mais antigos na esteira do movimento de
reestruturação e verticalização do centro da cidade, e a conseqüente redefinição
dos seus usos, ele, em grande medida, se transmuta de espaço de afirmação de
referências, de encontro e lazer aos seus habitantes para o de lugar de passagem,
isto é, de um espaço de relações transitórias e efêmeras.
O dinamismo alcançado pela construção civil nas áreas internas à Avenida
do Contorno conduziu a uma ampla remodelação dos usos circunscritos a essa
parte da cidade, afirmando-se as atividades comerciais, com a instalação de lojas
diversas, e também de serviços, insuflando, assim, a valorização da terra e,
obviamente, potencializando os negócios do mercado imobiliário e da construção
civil. Atualmente, o centro da cidade apresenta elevados coeficientes de
aproveitamento médio praticados, tendo alcançado a condição de inércia
construtiva, com um número mínimo de novos projetos. Assim, “o uso múltiplo
permitido pela Lei de Uso e Ocupação do Solo resultou na intensificação das
atividades econômicas em detrimento ao uso residencial”. (...) “A existência do
sistema viário radio-concêntrico e a permissividade do uso na Área Central
favoreceram a permanência da marcante importância do Centro de Belo Horizonte
tanto para a cidade como até para a Região Metropolitana”.71
Além do desempenho e da consolidação da função político-administrativa,
Belo Horizonte afirmou-se também como importante centro de produção têxtil72 e,
logo, também de confecções, setor este que é bastante expressivo na cidade até
os dias de hoje, podendo-se destacar o bairro Barro Preto, que é especializado em
moda e pronta-entrega. E, a partir dos anos 40, como pólo mínero-siderúrgico,

71
Plano Diretor de Belo Horizonte: lei de uso e ocupação do solo – estudos básicos. Belo
Horizonte, 1995. p. 98 e 101.
72
Já na primeira década do século passado, Belo Horizonte se apresentava como o segundo pólo
têxtil da província, estimulando o desenvolvimento industrial de cidades ao longo das imediações
do Rio das Velhas, Santa Luzia, Sete Lagoas, Curvelo e cidades da Bacia do São Francisco.
95

comportando em seus solos tanto atividades de extração como de beneficiamento


mineral. Tal dinamismo proporcionou à cidade de Belo Horizonte expressão
econômico-regional, despontando em 1946 como o primeiro município de maior
industrialização do estado, apresentando uma participação de 14% do valor da
produção industrial. Como já observado, a área central da cidade valorizou-se
enormemente, adquirindo proeminência o setor da construção civil na construção
ampliada de prédios vultosos. Mais especificamente entre 1940 e 1945 diversas
intervenções voltadas à modernização da cidade são efetuadas ao longo da
gestão do então prefeito Juscelino Kubitscheck, tendo em vista a renovação da
capital à base de um surto de desenvolvimento e modernização, o que levou a
cidade a ter expressão internacional. Estas intervenções são atestadas, por
exemplo, com a implantação do espetacular conjunto arquitetônico-urbanístico da
73
Pampulha, inaugurado em 1943, bem como a criação da Cidade Industrial em
1941. Embora a Cidade Industrial só viesse a alcançar maior dinamismo a partir
do início dos anos 50, permanecendo até então relativamente estagnada, sua
criação representou uma das iniciativas mais importantes por parte do Estado
quanto à industrialização e a modernização de Belo Horizonte e da economia
mineira, constituindo-se num importante fator de indução de uma forte expansão
urbana da cidade para o eixo oeste. A implantação da Pampulha favoreceu a
ocupação da Zona Norte, engendrando, assim, a expansão periférica da capital
mineira e a conurbação com outros municípios do aglomerado metropolitano, que
73
Criada oficialmente em 20 de março de 1941, a Cidade Industrial Juventino Dias localiza-se a
nove quilômetros do centro de Belo Horizonte, passando a pertencer a Contagem em 1953, cidade
que, por sua vez, se emancipou de Betim em 1948. “Em 1950, possuia 16 estabelecimentos
industriais, ocupando 1.268 trabalhadores. Já em 1952, eram 21 as empresas, empregando 2.850
pessoas. O que significou uma elevação de 125% no nível de emprego da Cidade. Em 1954, o
contingente empregado se elevou para 3.609 trabalhadores e, em 1961, contavam-se 87
estabelecimentos. Enfim, entre 1947 e 1960, o número de empregados na Cidade Industrial
passou de 1.000 para 15.000 trabalhadores. A maior parte das empresas instaladas era de capital
estrangeiro”. IGLÉSIAS, Francisco. “Evolução econômica e populacional”. In: Memória da
economia da cidade de Belo Horizonte: BH 90 anos. Belo Horizonte: BDMG, s/d. p.41.
“Poder-se-ia rever a interpretação da industrialização, tendo como parâmetro norteador, já na sua
constituição, o sentido da urbanização como negócio e tudo o que isto significa, enquanto
distribuição e realização do capital. Eis a tese fundamental do trabalho de Sérgio Manuel Merêncio
Martins, estudando a Cidade Industrial Juventino Dias, em Minas Gerais; a localização da cidade
industrial leva para lugares onde não havia cidade: precipita grilagens oficializadas e
reconfiguração dos usos; em síntese, a elite econômica e política controlando o espaço.” DAMIANI,
Amélia L. “Resultados dos debates”. In: CARLOS, Ana Fani A. & LEMOS, Amália I. (orgs.).
Dilemas Urbanos – novas abordagens sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2003. p.428.
96

alcançava em 1960, um contingente populacional de 785 mil pessoas. A


Pampulha, desse modo, desencadeou um conjunto de modificações no sistema
viário da cidade, suscitando um crescimento significativo da frota de ônibus no
sistema viário urbano, o que induziu a
...abertura de grandes vias de ligação e escoamento, ao lado do
asfaltamento das principais ruas e avenidas do centro. O poder público
também passou a se preocupar com o zoneamento urbano, estabelecendo
dispositivos para o uso e ocupação da área adensada. A Pampulha
também participou da definição do estilo de vida do belo-horizontino,
representando o principal cartão postal da cidade. Os encontros, as festas
e os bailes obrigatoriamente passavam pelo Iate Clube, o Cassino e a Casa
do Baile.74

Registre-se ainda, como tradução do espírito ousado e da tão almejada


modernidade que se desejava imprimir no espaço urbano de Belo Horizonte, o
Conjunto JK, que, construído na década de 50, na Praça Raul Soares antecipa em
quase 30 anos o modelo dos apart-hotéis. Com um atraso de quase 20 anos na
conclusão das obras, ele se apresenta concluído num contexto que o tornou
extemporâneo, velho, estigmatizado como uma espécie de “lugar maldito”75 e de
infame notoriedade. Muitos o qualificam como um “cortiço verticalizado” em estilo
moderno.
As mudanças acarretadas pela eclosão da Segunda Guerra Mundial
reforçaram a postura modernizadora do Estado, muito expressiva nesse momento.
Neste notável e dinâmico percurso de sua evolução/formação, “a cidade pouco a
pouco ia deixando para trás as paisagens empoeiradas do início do século e as
imagens da antiga Ouro Preto, que teimaram em permanecer entre tantos
funcionários imperiosamente transferidos para cá”.76
Genericamente, pode-se dizer que os anos 40 em Belo Horizonte foram
marcados pela modernização arquitetônica da cidade acompanhada de uma

74
LEMOS, Celina B. “A construção simbólica dos espaços da cidade”. In: MONTE-MÓR, Roberto L.
(coord.). Belo Horizonte: espaços e tempos em construção. Belo Horizonte: PBH/CEDEPLAR,
1994. p.37.
75
O CJK e o seu entorno carregam efetivamente essa pecha de “lugar maldito” essencialmente em
virtude da prostituição e da venda de drogas, atividades que se realizam neste lugar principalmente
à noite.
76
PIMENTEL, Thaís V. C. Belo Horizonte ou o estigma da cidade moderna. In: Varia História (Belo
Horizonte: cem anos em cem), no. 18, set/97, p.62.
97

acelerada verticalização77 da sua área central. E os anos 50 pelo desenvolvimento


industrial, o que refletia uma fase de redefinição do capitalismo mundial e a
adoção pelo Estado brasileiro de uma política de industrialização propensa ao
capital monopolista privado, estratégia consoante a uma forma de capitalismo
politicamente orientado, isto é, o “desenvolvimentismo”, para o qual o Plano de
Metas (1956-1960) foi fundamental. O modelo econômico que passaria a vigorar
representou uma ruptura com o adotado anteriormente, essencialmente em dois
níveis, ou seja, ao estabelecer o setor de bens de consumo duráveis como um
novo foco na atividade industrial a ser privilegiado pelas políticas do Estado, ao
mesmo passo que plasmou um novo padrão no setor financeiro, à medida que
priorizou a internacionalização da economia através de investimentos diretos.
Lançavam-se, assim, as bases para a adoção do modelo do “tripé” na orientação
das políticas de modernização da economia brasileira: capital privado nacional (na
produção de bens de consumo não duráveis), capital estrangeiro (dominante na
produção de bens duráveis), e o capital estatal (no setor de bens de produção). A
articulação/associação destes três componentes encontrava no planejamento a
sua forma essencial de realização. Cumpre observar que o modelo engendrou
uma expressiva concentração do capital e da renda, bem como inflação,
endividamento externo e um fortalecimento do poder burocrático do Estado.78
Pois bem, nesta perspectiva pode-se asseverar que o surto de
desenvolvimento econômico e industrial de Belo Horizonte contou com dois
ingredientes decisivos, isto é, a criação da Cemig (Centrais Elétricas de Minas
Gerais) em 1952 e o dinamismo alcançado pela Cidade Industrial. Assim, a
população da cidade duplicou na década de 50, muito em função do êxodo rural,
passando de 350 mil habitantes em 1950 para quase 700 mil em 1960 (mais
precisamente 693.328). Surgem novos bairros na cidade, como, por exemplo, o
Sion e o São Pedro, a partir do final dos anos 40. Com o recrudescimento dos
problemas urbanos, entre os quais o da carência habitacional, tem início em 1951
a elaboração de um Plano Diretor para a cidade, finalizado no ano seguinte, na
77
A construção do Edifício Acaiaca em 1947 simboliza nessa época o avanço da verticalização na
cidade.
78
Cf.BECKER, Bertha K. & EGLER, Cláudio A. G. Brasil: uma nova potência regional na economia-
mundo. 2ª. edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p.82 e 83.
98

gestão do prefeito Américo René Gianetti (1951-1955). Com o problema


habitacional já bastante expressivo, e com aproximadamente 47% da sua
população vivendo em precárias condições infra-estruturais técnicas e sociais,
cria-se em 1955, na gestão do prefeito Celso Melo Azevedo (1955-1959), o
Departamento Municipal de Habitação de Bairros Populares.
Com vultosos investimentos na construção civil, o processo de
verticalização marcou esta fase de crescimento da cidade sob os marcos da
arquitetura moderna, introduzida na capital mineira fundamentalmente com o
Conjunto da Pampulha. Nesse percurso, gradativamente Belo Horizonte foi
perdendo o seu perfil estritamente político-administrativo e consolidando-se
econômica, política e culturalmente no panorama sócio-espacial brasileiro, já
despontando como um dos principais centros urbanos do país. Tal condição se
estabeleceu mesmo sem que ela alcançasse a polarização de todas as frações
regionais do estado de Minas Gerais, cujas cidades de maior expressão estão
mais na órbita de influência de São Paulo e Rio de Janeiro, podendo-se
exemplificar com os casos de Varginha e Poços de Caldas, no Sul de Minas, sob
influência paulista; e de Juiz de Fora, na Zona da Mata, sob influência do Rio de
Janeiro, não se fazendo necessário indicar aqui outros casos já bastante
conhecidos. Depreende-se, assim, que a diversidade de influências que pesou na
configuração sócio-espacial de Minas Gerais fez com que o estado, na sua
totalidade, não apresentasse características e traços, tanto no campo econômico
como no cultural, pelos quais se pudesse forjar a formação de uma possível
identidade mineira. Sua ocupação/formação territorial foi efetivamente marcada
pela diversidade, expressando-se mais propriamente sob a feição de um efetivo
“mosaico” sócio-espacial.
Para uma melhor compreensão desta questão faz-se necessário um breve
recuo temporal de modo a recuperar, ainda que sucintamente, alguns aspectos
importantes na sua elucidação. Atente-se, inicialmente, para a forma como se deu
79
a colonização do território no século XVIII , à medida que ela se diferencia da

79
Chamo a atenção para o fato de que a ocupação do território mineiro, mais especificamente,
inicia-se em fins do século XVII e início do XVIII, relacionando-se diretamente ao descobrimento e
exploração de jazidas auríferas.
99

geopolítica de ocupação da Coroa Portuguesa na colônia nos séculos XVI e XVII,


esta mais concentrada na faixa litorânea atlântica. Assim, na esteira do movimento
de interiorização do povoamento (embasada fortemente na atividade mineradora e
ocupando uma posição regional mais central no território colonial), Minas adquiriu
características sociais e materiais próprias, que por sua vez irão se refletir na
formação da sua esfera política, econômica, cultural e espacial.
Por ocupar uma posição de centralidade no território brasileiro, o geógrafo
libertário Elisée Reclus, em fins do século XIX, refere-se a Minas como uma
“chave de abóbada”, quando nos diz que:
A região das montanhas e das terras altas, cujas águas correm para a
artéria mediana do S. Francisco, paralela à costa de certo ponto para cima,
constitui outra província natural compreendendo os dois Estados da Bahia
e de Minas Gerais; este último é o mais populoso da República e seu
verdadeiro centro, pelo clima, pela flora, pelos habitantes, assim como pela
posição geográfica... Com muito mais razão que a Pensilvânia, nos Estados
Unidos do Norte, poderia reclamar o apelido de Estado ‘chave de abóbada’.
Os mais altos chapadões do Brasil erguem ali seus cocurutos e um dos rios
mais caudalosos tem acolá suas nascentes. Ao Sul domina ele, pelas suas
vertentes, as vizinhanças da capital Rio de Janeiro, a Leste; a Nordeste,
rios nascidos no seu território descem para os Estados do litoral, do Espírito
Santo até Pernambuco; a Oeste, confina com as regiões ainda quase
desertas de Goiás, ao passo que a Sudoeste se prolonga para São Paulo,
pelos rios tributários do Paraná. Ainda pelo lado histórico, pode Minas ser
tida no primeiro plano.80

As características apresentadas por Reclus estão na raiz da constituição de


Minas Gerais como zona de passagem de fluxos inter-regionais diversos, os quais
se materializavam nestes tempos no trânsito das tropas e tropeiros, responsáveis
pelo transporte de mercadorias (alimentos e bens variados) e pela veiculação de
notícias, mantendo, assim, estreitas conexões com o Nordeste, Sudeste e Centro-
Oeste, pelos quais consolidam e diversificam-se suas influências, historicamente
decisivas na formação do seu mosaico sócio-espacial. Face às limitações de
fertilidade dos solos das áreas de mineração e, para diversos casos, de uma
conformação topográfica extremamente acidentada e desfavorável a uma densa
produção de alimentos - necessária ao atendimento das demandas das zonas
80
RECLUS, Elisée. Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Garnier, 1900 (trad. B. F. Ramiz
Galvão – original de 1893), p. 30 e 188, apud LIMA, Alceu Amoroso. In: Voz de Minas (ensaios de
sociologia regional brasileira). Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p.25 e 26.
100

mineradoras -, estabeleceu-se um amplo sistema de abastecimento na base de


sua rede urbana, que contribuiu significativamente para o seu desenvolvimento e
consolidação ao longo dos períodos subsequentes. Esta teia de relações
territorializadas expõe, oportunamente, a relevância que as atividades de
subsistência, e as de um incipiente mercado interno, desempenharam não apenas
na própria sustentação do setor de mercado externo (representado nessa época
essencialmente pela mineração), como também na diversificação/ampliação do
processo de ocupação/produção do território.81
Destarte a constituição de uma configuração sócio-espacial marcada pela
diversidade, pode-se admitir, entretanto, que Minas, através de suas elites,
acordou pactos para se forjar a sua unidade territorial, conotando, assim, uma
feição mais propriamente geopolítica do que qualquer outra que se possa atribuir a
ela. As origens dessa unidade remontam ao período colonial, quando em virtude
do interesse português (e de suas estratégias) sobre a exploração de minerais
preciosos em diversos setores do território provincial, impôs-se a necessidade de
se criar um sistema mais amplo de relações que acabou por engendrar-lhe uma
forte coesão política.82 Nesse sentido, a mudança da capital de Ouro Preto para
Belo Horizonte, que ocuparia uma área mais central do território mineiro,
desempenhou um importante papel na formação da “unidade da diversidade” do
estado.83 Além da conformação topográfica de Ouro Preto dificultar enormemente

81
Cf. SINGER, Paul. “Belo Horizonte”. In: Desenvolvimento Econômico e Evolução urbana (análise
da evolução econômica de São Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife). São
Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1968. p.199-269. Mais especificamente sobre o Setor de
Mercado Externo assinala que “na Economia Colonial, a economia de mercado é representada,
sobretudo, pelo Setor de Mercado Externo, o que significa que as unidades produtivas locais se
ligam a um mercado que se encontra além-fronteiras e (no caso do Brasil) além-mar”. (p.199).
82
Cf. DULCI, Otavio S. Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais. Belo Horizonte:
Editora da UFMG, 1999. p.193-203.
83
Veja-se, acerca disso, que “(...) a construção da nova capital plasmou uma coalizão de forças
políticas que, em que pese a heterogeneidade formal – alguns são republicanos, outros
monarquistas; a heterogeneidade regional – alguns são da velha região mineradora – João
Pinheiro de Caeté, Afonso Pena de Santa Bárbara, outros são do Campo das vertentes
(Barbacena), como Bias Fortes, ou do Sul como Silviano Brandão; é basicamente, a congregação
das elites mineiras, tanto das velhas elites da mineração, quanto das elites nascidas da expansão
cafeeira, quanto dos setores médios agregados às atividades urbanas. Por exclusão, o plano da
cidade explicitará isto exemplarmente, trata-se de uma cidade em que não há lugar para as classes
populares”. PAULA, João A. de & MONTE-MOR, Roberto L. “As três invenções de Belo Horizonte”.
In: Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2000. Disponível em: <http://www.pbh.gov.br>.acesso em
20 de janeiro de 2005. s/p.
101

as articulações com outros setores da então Província, e também com a capital do


Império, a idéia da mudança da capital encontrava também fortes justificativas na
ameaça de fragmentação territorial da Província, representada por movimentos
separatistas em franca evolução face às transformações sofridas pela economia
mineira no século XIX, no contexto do declínio da mineração. Depreende-se,
portanto, que a mudança da capital cumpriria um papel geopolítico importante na
manutenção da unidade territorial do estado. Ademais, as melhores e mais
favoráveis condições de crescimento e desenvolvimento econômico da nova
capital em relação à limitada Ouro Preto, insuflaram as aspirações republicanas de
elevar o estado à condição de uma economia moderna e industrializada. Além
disso, a implantação da nova capital encerraria também um relevante papel
geoeconômico, isto é, o de impulsionar o desenvolvimento econômico do estado,
uma vez que Belo Horizonte proporcionaria a articulação/conexão territorial com
outras regiões e zonas produtoras, além de favorecer também a expansão
populacional e uma melhor dotação de infra-estruturas, incluídas as de higiene.
No percurso de formação da cidade, vale registrar que no momento em que
a economia mineira potencializa-se e muda a sua natureza em decorrência do
crescimento e da expansão alcançados sob os impulsos e condicionamentos
provocados pelo grande surto industrial dos anos 50 e 60 no Brasil, Belo Horizonte
sofreria um aprofundamento no processo de transformação do seu perfil sócio-
espacial, dados, basicamente, pela formação de novos padrões e arranjos
urbanos, acerca dos quais Francisco Iglésias nos oferece o seguinte
delineamento:
O crescimento físico-espacial de Belo Horizonte, ocorrido entre 1950 e
1967, alterou significativamente a distribuição das atividades econômicas
no território do Município. A área central e seu entorno, núcleo dinâmico da
economia belohorizontina, passou a sofrer um processo de crescente
descentralização. As atividades terciárias (comércio, prestação de serviços,
atividades liberais, etc.), concentradas no centro histórico da Cidade,
começaram a se deslocar sobretudo para as Zonas Sul e Norte.
Prejudicado pela deterioração do Centro principal (congestionamento,
adensamento populacional), o comércio sofisticado, para a parte sul da
Área Central, no Bairro Funcionários, tradicional área nobre da Cidade. A
Região Norte recebeu diversas atividades comerciais impossibilitadas de
enfrentar a alta valorização dos terrenos e os altos custos de localização na
102

zona comercial do centro. Vários comerciantes se localizaram nas


principais vias de acesso para a Área Central: Avenidas Antônio Carlos e
Pedro II, Ruas Jacuí, Pouso Alegre, e Pe. Eustáquio. Também as regiões
leste e oeste da Cidade – Avenida Amazonas, Av. Silviano Brandão, Rua
Niquelina, centros da Floresta e do Horto, acolheram inúmeras atividades.
O traçado radial da Cidade, a centralização do transporte coletivo e o
caráter processual dessas transformações, favoreceram a supremacia da
Área Central, ainda neste período. Mesmo com a Cidade Industrial
Juventino Dias induzindo a instalação de importantes equipamentos
residenciais e industriais no centro do Barreiro, o centro de Belo Horizonte
continuou concentrando quase metade dos estabelecimentos comerciais de
toda a Cidade e as parcelas principais dos equipamentos administrativos,
de ensino secundário e superior, de lazer, do emprego e mesmo dos
estabelecimentos industriais.84

No âmbito deste rearranjo territorial, já não se podia mais reconhecer a


“Cidade-Jardim” de outrora, como assim era chamada pelo fato de ter ostentado
durante algumas décadas uma densidade fitogeográfica bastante expressiva,
aspecto que, aliás, bem se pode observar no riquíssimo acervo fotográfico do
Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Eis duas belíssimas amostras:

84
IGLÉSIAS, Francisco. “Evolução econômica e populacional”. In: Memória da Economia da
Cidade de Belo Horizonte: BH 90 anos. Belo Horizonte: BMG, s/d. p.39.
103

Avenida Afonso Pena, em 1930, que era considerada um dos principais símbolos da
“cidade jardim”, provavelmente a partir da antiga (e extinta) Feira Permanente de
Amostras, podendo-se divisar, ao fundo, os bairros da Serra e Funcionários.
Fonte: Acervo de José Góes, do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.
104

Vista panorâmica de trecho da Av. Afonso Pena, provavelmente


a partir do alto do Edifício Acaiaca, em 1946. Mais ao centro da
imagem, tem-se o cruzamento de Bahia com Afonso Pena.
Fonte: Acervo de José Góes, do Arquivo Público da Cidade de
Belo Horizonte.
105

Hoje, a massa de áreas verdes da cidade apresenta-se bastante reduzida,


mas ainda expressiva85. Mas, tal epíteto que matizou a cidade durante um bom
tempo já não se aplica mais à sua realidade. O projeto original da cidade
pretendeu, assim, estabelecer a harmonia entre o caráter cosmopolita das cidades
modernas com o aspecto bucólico das zonas rurais e periféricas. O emprego do
qualificativo de “cidade-jardim” se deu décadas depois da fundação da cidade,
possivelmente resgatando essa utopia. Não se pode esquecer do fato, já
observado anteriormente, de que o projeto da cidade revelava uma explícita
preocupação com a qualidade de vida de seus moradores, apresentando, assim,
sob influência do modelo urbano parisiense, uma concepção higienista e
sanitarista. As áreas verdes na cidade constituem um dos importantes fatores
embasadores dessa concepção.86
O aprofundamento do movimento de transformação da cidade nos anos 60
traduziu-se, assim, por mudanças significativas tanto na vida sócio-cultural da
cidade como também alterações profundas na sua paisagem urbana, como bem
assinala Celina Borges Lemos:
A segregação espacial, a expansão desconexa e a tendência à conurbação
da área central, materializavam o crescimento da Capital. Enquanto esta se
metropolizava os primeiros sinais de saturação surgiam no centro. Como
principal área de concentração urbana, o centro condicionava os
deslocamentos e práticas sociais da cidade como um todo, propiciando o
congestionamento do seu espaço. Mesmo assim, os anos 60 vieram
reafirmar a sua tradição cultural e política. No entanto, há um deslocamento
espacial e social na maneira como esses encontros aconteciam. (...) Nesse
duo da política e da cultura, a vida belo-horizontina adquiriu nova
atmosfera, só coibida com o golpe de 64, que interferiu drasticamente no
seu cotidiano. A revolução socialista socializava-se nos bares. (...) Da
vivência política às transformações sócio-culturais, os anos 60 marcaram
definitivamente o cenário urbano. Ao lado da efervescência política e
cultural, as interferências ocorreram também na paisagem belo-horizontina.
A espessa mata verde da Avenida Afonso Pena foi eliminada, como
85
Para que se tenha uma noção da questão, Belo Horizonte apresenta atualmente 43 áreas verdes
abertas ao público, várias delas com problemas de manutenção. A arborização de vias públicas
conta nos dias atuais com aproximadamente 600.000 árvores. Além disso, na capital existem 1.483
áreas de interesse ambiental, analisadas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente para fins de
elaboração de diagnóstico para subsidiar planos de gestão ambiental na cidade.
86
Acerca disso, pude verificar no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte excelente material
fotográfico da cidade dos anos 20 a 60, quando então a cidade gozava de uma elevada densidade
de espaços verdes, fato que explica o designativo de “cidade jardim”, que fora atribuído a Belo
Horizonte, a exemplo de Maringá (PR) e Córdoba, na Argentina.
106

também alguns marcos da vida dos anos 20 e 30. Foram demolidos na


Capital o prédio do Bar do Ponto, o Grande Hotel, ponto de encontros dos
políticos até o final dos 50. O bonde circula pela última vez. A população
belo-horizontina se diversificou, fazendo da capital um centro regional.87

Portanto, à medida que a cidade experimentava ao longo dos anos 60 uma


diversificação de sua economia, com um expressivo incremento do ritmo de sua
industrialização/urbanização, Belo Horizonte alcançou nos anos 70 a sua
consolidação como metrópole industrial, período em que o governo militar, tanto
nas esferas estadual como federal, atraiu grandes investimentos para a capital e o
seu entorno (destacando-se aqui Betim e Contagem), sobretudo no que tange aos
setores de bens de capital e de consumo durável. Saliente-se, neste sentido, que
a indústria motriz representada pela implantação da Fiat Automóveis em Betim
pesou enormemente no dinamismo e na consolidação industrial da região
metropolitana de Belo Horizonte. Além de ter se consolidado como uma metrópole
industrial, ela também se tornou um importante centro de prestação de serviços,
constituindo-se, assim, no principal centro terciário de Minas Gerais, apresentando
com o comércio diversificado e o setor de serviços uma participação importante na
sua economia urbana. Pode-se afirmar, portanto, que a expansão metropolitana
foi o traço predominante da capital mineira nas décadas de 70 e 80, quando a
cidade e o campo (este progressivamente redefinido pela urbanização extensiva)
efetivamente se subordinam à lógica do capital industrial.
Eixos viários, distritos industriais, infra-estrutura e serviços de apoio à
produção industrial deram a tônica do crescimento urbano. Na sua esteira,
a proliferação de loteamentos periféricos, na sua maioria ilegais, surgiram
para abrigar a imensa população migrante que se dirigiu à região urbana de
Belo Horizonte. A cidade explodiu sobre a periferia, carreada e carregada
pelas demandas do processo industrial. Novos bairros e condomínios de
classe média alta, acompanhados de grandes equipamentos comerciais,
cuidaram de estender o espaço urbanizado por sobre municípios vizinhos,
ao mesmo tempo em que geravam impactos sócio-econômicos e pressões
populacionais sobre pequenas cidades-sede, distritos e espaços rurais
adjacentes. (...) Na cidade metrópole, o centro implodiu sobre si mesmo e
cresceu sobre a periferia imediata, adensando, verticalizando e
consolidando o espaço do poder. Na região metropolitana, o processo se
87
LEMOS, Celina B. “Construção simbólica dos espaços da cidade”. In: MONTE-MÓR, Roberto L.
et al. (orgs.). Belo Horizonte: espaços e tempos em construção. Belo Horizonte: CEDEPLAR/PBH,
1994. p.39 e 41.
107

estendeu englobando campo e cidade, numa unidade lógica e


pretensamente ordenada. De fato, apenas uma pequena parcela do tecido
urbano em expansão era objeto mínimo de ordenação, visto que apenas
partes da região interessavam ao capital e ao poder público constituído.88

É importante consignar que o expressivo desenvolvimento industrial


verificado em Belo Horizonte nos anos 60 bem como a expansão progressiva do
terciário, com destaque para as atividades comerciais e financeiras, respondem
substancialmente pelo dinamismo verificado na sua economia urbana,
reverberando nas cidades próximas de modo a impulsionar um maior
desenvolvimento delas por inversões diversas e pela criação de novas plantas
industriais. Neste sentido, o processo de metropolização que então se desenvolvia
foi bastante impulsionado pela nova industrialização, que na época se traduzia
pela implantação de parques industriais nas cidades vizinhas, o que impactou
sensivelmente as regiões a oeste e ao norte da capital, que além de apresentarem
uma condição fisiográfica mais favorável à ocupação (isto é, sem o interdito de
barreiras naturais), receberam a maior parcela das indústrias instaladas neste
período. A implantação da Refinaria Gabriel Passos (REGAP), na cidade de
Betim, em 1967, constitui, indubitavelmente, um marco nestes tempos, passando
a desempenhar um papel decisivo no suprimento de combustíveis na região
metropolitana, até então inexistente.89 A euforia econômica que então marcava o
“milagre brasileiro” (1968-1972), à medida que se estribava na abertura ao capital
estrangeiro, implicou numa enorme ofensiva de empresas multinacionais,
fortemente induzida pelo Estado, que passaram a monopolizar diversos setores da
economia brasileira. Em Minas Gerais esta penetração foi flagrante, onde “as
condições e facilidades oferecidas (...) para a atração do capital estrangeiro
transformaram o Estado no verdadeiro paraíso das multinacionais”.90 No período
1971-1977, aproximadamente 25% dos investimentos diretos feitos por essas
empresas no Brasil foram realizados em Minas Gerais, sendo que boa parte deles
88
PAULA, João A. de & MONTE-MOR, Roberto L. “As três invenções de Belo Horizonte”. In:
Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2000. p.25. Disponível em: <http://www.pbh.gov.br>.acesso
em 20 de janeiro de 2005. s/p.
89
IGLÉSIAS, Francisco. “Evolução econômica e populacional”. In: Memória da Economia da
Cidade de Belo Horizonte: BH 90 anos. Belo Horizonte: BMG, s/d, p.45.
90
CAMPOLINA DINIZ, Clélio apud IGLÉSIAS, Ibidem, p.46.
108

concentrou-se na região metropolitana de Belo Horizonte, com 35 empresas


estrangeiras; deste montante, a maior parcela foi absorvida por Betim, ficando a
capital mineira com apenas 3,7%, isto é, quatro empresas.91 Há que se agregar a
este quadro de afluência de capitais para Minas, e Região Metropolitana de Belo
Horizonte, a desconcentração da indústria paulista, decorrente, em grande
medida, da potencialização da renda fundiária, à medida que tais capitais foram
fortemente atraídos por condições regionais privilegiadas, dentre as quais pode-se
destacar o fato de Minas posicionar-se próximo a São Paulo, apresentar grande
disponibilidade de recursos minerais, ser dotada de uma indústria de base
(podendo-se destacar a metalúrgica e a cimenteira, que por sua vez incitavam a
de bens de capital), além de oferecer incentivos fiscais e um aparato de incentivo
e desenvolvimento industrial destacado no cenário brasileiro. Conquanto este
dinamismo econômico se realizasse, acentuavam-se, por outro lado, as
desigualdades sócio-espaciais e aumentavam os índices de pobreza na cidade.
De forma sucinta, pode-se afirmar que em grande medida o avanço de tais
disparidades relaciona-se diretamente com o irrefreável e progressivo movimento
de concentração de renda gerado no âmbito do processo de modernização da
economia brasileira, a designada “modernização conservadora”, cujas
manifestações na capital mineira são explícitas e contundentes.
Nesta perspectiva, pode-se asseverar que a dinâmica concentracionista
(concentração social e espacial da riqueza, implicando uma dispersão seletiva do
investimento público e privado feita pelo Estado) engendrada por esta
modernização está no âmago do processo de formação de enclaves sócio-
espaciais, cujas configurações territoriais são bastante representativas do estágio
atual da evolução metropolitana no Brasil e, em específico, de Belo Horizonte,
expressando-se como entidades praticamente autônomas. Eles se proliferam por
espaços diversos da grande cidade basicamente sob as formas urbanas das
favelas e dos loteamentos periféricos pobres (isto é, formas associadas à
“inclusão perversa”, que se configuram como ghettos precariamente dotados ou
mesmo destituídos de infra-estruturas e serviços básicos), dos shoppings centers

91
Idem. Ibidem.
109

e dos condomínios. Entre estas os condomínios, indubitavelmente, têm


experimentado ao longo das duas últimas décadas (1980-1990), um crescimento
notável. No caso da capital mineira, os condomínios são construídos em setores
diversos da cidade, quer sejam sob a forma de loteamentos cercados na periferia
ou fortificações residenciais na Zona Sul, e até mesmo de efetivas minicidades,
com ocorrência maior em municípios vizinhos à Belo Horizonte, como é o caso de
Nova Lima, na sua região metropolitana. No âmbito dessa morfologia de enclaves,
o condomínio vertical - uma espécie de edifício autista - é o que mais responde
pela reconfiguração atual da paisagem urbana da cidade, embora os bolsões de
pobreza e mesmo os shoppings centers tenham aumentado significativamente
neste período.
Já ultrapassando a cifra de um milhão de habitantes no início da década de
70 (mais precisamente 1.235.03092, ao passo que em 1960 era de 693.328), a
cidade prosseguiu avançando de forma “desordenada” ou, melhor dizendo, mais
propriamente ordenada pela lógica do capital, afirmando-se como metrópole
industrial, ao mesmo passo que se configurava uma evidente diversificação na
composição do seu espaço urbano. Diante dos problemas e dos desafios que a
cidade então colocava, o planejamento tecnocrático da ditadura militar ganha
maior peso e expressão com a adoção de algumas medidas de monta, donde se
pode destacar a criação da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em 1973, e a
criação da PLAMBEL (Superintendência de Desenvolvimento da Região
Metropolitana de Belo Horizonte – órgão estadual), em 1974, tendo por função a
elaboração de estudos e de políticas de planejamento, porém sem dispor de poder
para aplicar estas políticas.93 Quanto ao panorama da metropolização da cidade
nestes tempos, bem como das suas implicações no uso do espaço urbano, Celina
Borges Lemos observa o seguinte:
Com o crescimento urbano dos anos 70 e a conseqüente proliferação de
centros, Belo Horizonte passa a se articular por centralidades diversas.
92
Chame-se a atenção para o fato de que boa parte deste contingente populacional, mais
precisamente 50,5%, não era natural de Belo Horizonte, sendo que grande parte destes migrantes
foi atraída nos últimos dez anos para a capital mineira pelos sonhos (e ilusões) de uma vida melhor
suscitados pelo desenvolvimentismo. In: IGLÉSIAS, p.47.
93
IGLÉSIAS, Francisco. “Evolução econômica e populacional”. In: Memória da Economia da
Cidade de Belo Horizonte: BH 90 anos. Belo Horizonte: BMG, s/d, p.47.
110

Esse fato se materializa numa ampla oferta de serviços, nas formas de


consumo e numa variedade de bens simbólicos. Os centros estão
polarizados pela área central tradicional, já um centro de negócios que
condiciona grande parte dos deslocamentos. À medida que o lugar passou
a apresentar um quadro de saturamento, perderam seus espaços em
sociabilidade, consolidando-se como lugar de passagem, e de consumo
heterogêneos. Nesse contexto, as formas de lazer e expressão cultural vão
acompanhar a descentralização dos serviços, adequando-se a eles ou
transformando-os em espaços de permanência e sociabilidade.
Nota-se claramente que houve um declínio da oferta de espaços públicos
destinados ao lazer e à cultura, à medida que a cidade se metropolizou. Ao
mesmo tempo proliferou pelo centro urbano uma variedade de lugares
privados destinados ao mesmo fim. Ainda que havendo uma redução
qualitativa desses, proporcionalmente em relação às primeiras décadas da
Capital, eles se tornaram referência na vida cotidiana atual.
(...) Pode-se afirmar que grande parte dos espaços de sociabilidade são
inicialmente espaços de consumo. Portanto, a acessibilidade aos bens
culturais e ao lazer está condicionada pelo capital cultural e econômico da
população. Essa condição fragmenta as manifestações sócio-culturais,
criando ressonâncias nos espaços. À medida que o poder público
abandona um papel efetivo na destinação da cidade, a apropriação e
reapropriação dos lugares públicos evidenciam a busca de uma nova
cidadania. Nesse sentido, os espaços com reduzida funcionalidade
são transformados em pontos de encontro, espaços de
sociabilidade.94

Neste sentido, à medida que a cidade experimentava uma efetiva


transfiguração sócio-territorial95, consolidando uma tendência de apropriação
desigual do espaço (que principia com a criação da cidade) ao mesmo passo que
produzia uma grande demanda por espaços coletivos, capazes de suscitar e
promover a sociabilidade nos citadinos, o que se verá, principalmente nos seus
setores periféricos, e a despeito de suas carências infra-estruturais, é o inusitado
94
LEMOS, Celina B. “Construção simbólica dos espaços da cidade”. In: MONTE-MÓR, Roberto L.
de M. et al. (orgs.). Belo Horizonte: espaços e tempos em construção. Belo Horizonte:
CEDEPLAR/PBH, 1994. p.43 e 44. (ênfases minhas).
95
Para além daquelas intervenções na morfologia urbana de Belo Horizonte caracterizadas neste
trabalho como topocídio, diversas outras manifestações atestam esta transfiguração da cidade,
entre as quais se podem apontar o avanço da atividade mineradora nas suas proximidades,
trazendo fortes impactos na Serra do Curral, embora se tenha criado o Parque das Mangabeiras.
Diversas obras de engenharia, como a construção de túneis, viadutos, avenidas etc, acentuaram
ainda mais a sua expressão “moderna”, acolitadas por um maior adensamento da circulação.
Áreas pouco ocupadas ou tomadas por bairros pobres transformaram-se em bairros de segmentos
sociais de alto poder aquisitivo, ao mesmo passo que recrudescia a expansão de favelas e demais
expressões da inserção precária na cidade. Avanços no setor de infra-estrutura de saneamento
foram feitos, mas ainda com significativa carência de serviços básicos para as áreas
empobrecidas.
111

desenvolvimento de práticas de ocupação e apropriação de lugares abertos à vida


pública, tais como praças, trechos de ruas e esquinas,
As praças, como espaços públicos por excelência são dotadas de
centralidade, e nelas a festa acontece. As praças, além de ocupação
cotidiana, respondem às demandas por espaços de lazer, à medida que
proporcionam a realização de feiras, shows e encontros religiosos. Sendo
caracterizadas pela versatilidade, o cidadão busca vencer a estranheza,
transformando esses locais num communitas. Recria os espaços de forma
que possa ser reconhecido, e onde ele possa se perder. Além das praças o
pátio das igrejas, as quadras esportivas e mesmo as avenidas e ruas
podem materializar-se como palco de experiência sócio-cultural. Espaços
não planejados para tais fins são adaptados para a realização de festas,
teatros, festivais e feiras, entre outras atividades. É na transformação do
espaço em lugar que se alcança a dimensão do vivido nas periferias da
metrópole.96

Estando a cidade submetida ao agravamento do problema da expansão


urbana acelerada sob os impulsos do capital industrial e imobiliário, à evolução da
degradação sócio-ambiental e à ampliação das desigualdades sociais, Belo
Horizonte experimentaria em fins dos anos 70 e ao longo dos 80 (de forma ainda
mais contundente) os impactos advindos do esgotamento do “milagre econômico”
bem como dos efeitos da recessão do início dos anos 80, com o aumento dos
juros internacionais. Veja-se, por exemplo, o recrudescimento do desemprego na
RMBH, que no período entre 1980 e 1983 oscilou agudamente de 26 mil para 93
mil desempregados. Em Belo Horizonte, segundo dados do IBGE para este
mesmo período, a taxa anual média de desocupação média alcançaria em 1981 a
taxa de 9,7%, diminuindo para 7,6% em 1982, e voltando a subir para 8,4% em
1983. A crise conduziu, assim, a uma forte expansão da economia informal na
capital mineira e na sua região metropolitana, elevando-se sensivelmente o
contingente de trabalhadores ambulantes e outras formas de trabalho precarizado
que, a rigor, constituem modalidades de subemprego, embora as estatísticas
oficiais se referissem a elas como “emprego”. Nesta perspectiva, pode-se dizer
que com o recrudescimento do desemprego, o avanço da proletarização do
espaço urbano e a retração dos níveis médios da qualidade de vida dos seus
96
LEMOS, Celina B. “Construção simbólica dos espaços da cidade”. In: MONTE-MÓR, Roberto L.
et al. (orgs.). Belo Horizonte: espaços e tempos em construção. Belo Horizonte: CEDEPLAR/PBH,
1994. p.45.
112

moradores (variáveis potencializadas pela crise), Belo Horizonte conheceria,


então, uma mudança significativa do perfil da relação dos seus habitantes com o
seu espaço, em outras palavras, do desenvolvimento de ações políticas voltadas à
melhoria das condições de uso da cidade, quando a rua torna-se o palco de
diversas manifestações e protestos, a exemplo da passeata de professores do
ensino público em 1979, a grande manifestação pelas diretas em 1984, e os
comícios para a eleição presidencial em 1989,
...quando a cidade deixou de ser o lugar de trânsito, de consumo e do
trabalho, para ser lugar do encontro. Pode-se dizer que são somente
momentos fugazes de festa, mas a festa não se mede quantitativamente,
sobretudo quando se celebra o encontro dos cidadãos com sua cidade. (...)
Na história da cidade, a vontade dos trabalhadores de participar da
construção do espaço público foi uma constante. A manifestação no espaço
urbano, mesmo, e talvez, sobretudo, quando incomoda o transeunte e o
trânsito, é um termômetro da qualidade democrática da vida política,
exatamente porque ela rompe, para o ator e o expectador, com a
banalidade e a rotina cotidiana.97

Neste sentido pode-se verificar a formação de uma dimensão mais plural e


diversificada do espaço urbano de Belo Horizonte, sobretudo a partir do final dos
anos 70, quando então ele se mostra mais suscetível e aberto às expressões mais
diretas e vivas, tanto de indivíduos como de grupos, uma vez que:
A política populista e clientelista, mesmo permanecendo, encontrava mais
dificuldade para controlar seus pretendidos currais político-eleitorais.
Conseqüentemente, surgia a possibilidade de novas propostas e
organizações políticas. No trabalho, na cidade, os indivíduos e grupos eram
remetidos à sua individualidade para enfrentar os problemas da vida e lutar
por seu reconhecimento social no espaço público.98

Este movimento sugere, indubitavelmente, uma maior e mais efetiva


politização no/do espaço urbano da capital mineira, ou seja,
...uma cidade fundada sob o traço do conservadorismo e da exclusão dos
trabalhadores e dos pobres desenvolve novas formas de luta social e de
resistência, além de potencializar vocações artísticas e criadoras.99
97
LE VEN, Michel M. & NEVES, Magda de A. “Belo Horizonte: trabalho e sindicato, cidade e
cidadania”. In: DULCI, Otávio S. (org.). Belo Horizonte: poder, política e movimentos sociais. Belo
Horizonte: C/Arte, 1996. p.101.
98
LE VEN & NEVES, loc. cit.
99
SOUZA, Patrus A. “Política e administração em Belo Horizonte”. In: DULCI, Otávio S. (org.). Belo
Horizonte: poder, política e movimentos sociais. Belo Horizonte: C/Arte, 1996. p.33-54. Considere-
se aqui a problematização da idéia de exclusão feita anteriormente.
113

A expansão acelerada da cidade na esteira da sua metropolização


repercutiu amplamente na orientação do seu crescimento, podendo-se destacar
neste processo a implantação de um novo sistema de trânsito, que criou novas
alternativas de acesso para os bairros, além da instalação do metrô de superfície,
cuja infra-estrutura vem sendo ampliada, embora a topografia acidentada da
cidade torne bastante onerosa a sua ampla implantação. Outra ocorrência
importante foi a canalização do Ribeirão Arrudas a partir de 1984, com suas obras
concluídas em 1997, que aplacou as suas enchentes regulares. Anteriormente à
canalização, em situação de fortes incidências pluviométricas, a transposição das
águas da calha do rio atingia, em cheio, os lugares precariamente ocupados da
sua várzea por submoradias, fazendo o esgoto escoar pelas ruas e precipitar-se
por muitos excêntricos caminhos rumo às casas e barracos, não raro invadindo-
os. Chame-se a atenção ainda para ações do poder público no sentido de
estimular uma maior valorização da memória da cidade, com o tombamento e a
restauração de diversos edifícios. Além disso, a cidade adquiriu nesta época
vários espaços de lazer, com destaque para o Parque das Mangabeiras,
inaugurado em 1982, que possivelmente é o principal e mais belo entre os
parques da cidade. E, finalmente, o ginásio de esportes do Mineirinho, localizado
nas proximidades do estádio de futebol do Mineirão e da UFMG.
Ao longo dos anos 80 a capital mineira não experimentou a
descentralização das atividades comerciais e de serviços a ponto de constituir
novos centros, constatando-se mesmo a sua ampliação com a incorporação da
Savassi, bairro que conta com expressiva atividade financeira e comercial,
observando-se na segunda uma expansão vertical. E, apesar da crise e seus
fortes impactos na economia brasileira na chamada “década perdida”, com forte
retração da atividade produtiva, a capital mineira experimenta, a partir dos anos
80, uma diversificação do seu setor terciário, principalmente no que tange aos
serviços modernos, apresentando, a partir de então, as maiores taxas de
crescimento no setor entre as capitais brasileiras, com destaque para os
designados serviços produtivos e financeiros, como, por exemplo, consultorias,
projetos, serviços profissionais e de negócios, seguros, entre outros. A década de
114

80, neste sentido, assinala uma mudança do perfil da economia urbana de Belo
Horizonte, na qual o setor de serviços adquire progressiva importância e
expansão, configurando-se, assim, como um destacado centro de prestação de
serviços que atende, principalmente, a uma ampla zona industrial-urbana num raio
de influência superior a 100 km. Este dinamismo e proeminência adquiridos pelo
setor de serviços é um movimento, entretanto, que reflete uma tendência mais
geral na economia e na urbanização brasileiras e mesmo na mundial.
Na esteira da expansão metropolitana que marcou as décadas de 70 e 80,
seguiram-se intervenções importantes do Estado na cidade na década de 90. Em
1990 aprovou-se a lei orgânica do município. Em 1992 criou-se o Conselho
Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município, com a função expressa de tratar
do tombamento de edifícios de valor histórico na cidade. Algumas de suas áreas
importantes que estavam um tanto que abandonadas e desvalorizadas foram
reformadas e entregues ao uso e ao desfrute da população, como, por exemplo, a
Praça da Liberdade, o Parque Municipal, e a Praça da Assembléia, as quais
constituem lugares expressivos de lazer, encontros e sociabilidade em Belo
Horizonte. A partir de 1996, o Plano Diretor da cidade e a Lei de Uso e Ocupação
do Solo passaram a regular e a ordenar o crescimento de Belo Horizonte.100 O
setor cultural passou também a ser estimulado, podendo-se destacar entre
diversas manifestações as espetaculares atuações do Grupo de Teatro Galpão,
que levou seus espetáculos às ruas, fato que estimulou a posterior iniciativa de
realização do Festival Internacional de Teatro Palco e Rua, que teve sua primeira
edição em 1994, com exibições em diversos pontos e bairros da cidade. Além de
ser um evento que tem contado com expressiva presença de público, ele, pelo
meu entendimento, contribui ao uso (neste caso coletivo) do espaço da cidade,
criando, ainda que temporariamente, uma atmosfera de festa e de sociabilidade na
cidade, mobilizando o intelecto e a alma (razão e emoção) das pessoas, de modo
a estimular outras relações, e até mesmo vínculos com o lugar. É plausível
considerar-se que um evento, como este, possa, até certo ponto, ampliar a vida
local, reforçando, assim, laços sociais e imprimindo maior sentido e densidade ao
100
O novo Plano Diretor do Município de Belo Horizonte foi instituído pela Lei no. 7.165 de 27 de
agosto de 1996.
115

uso compartilhado do espaço urbano. O que também implica em se pensar o


espaço público para além de sua materialidade específica. Pois bem, na dança os
destaques ficam por conta dos grupos 1o. Ato e Corpo. Já no campo musical, que
é indubitavelmente um dos aspectos fortes da cultura urbana de Belo Horizonte,
há uma grande diversidade de referências em gêneros diversos, entre elas o
Grupo Uakti, considerado um dos principais grupos de música instrumental do
Brasil, além de belíssimas expressões no choro, no samba, no jazz, no rock e na
música clássica. Os eventos musicais na cidade são freqüentes e realizam-se em
lugares e situações variados. Apesar dos constrangimentos representados pela
violência urbana, e seu avanço, ainda é possível encontrar muitas apresentações
musicais em praças e áreas de uso coletivo da cidade, como, por exemplo, a da
Barragem Santa Lúcia, assim como pequenas exibições em calçadas, muitas
vezes utilizadas como extensão da área de uso de bares e restaurantes. Eis aqui,
a meu ver, um aspecto que contribui para a formação de uma atmosfera mais
agradável na urbe mineira. A musicalidade em Minas Gerais e, mais
particularmente, em Belo Horizonte é tão expressiva que o compositor Fernando
Brant assim se referiu a ela:
Belo Horizonte é uma síntese de Minas Gerais. Valores novos na música
continuam surgindo. Belo Horizonte parece uma fonte. Não pára de surgir
gente nova fazendo coisas de ótima qualidade. (...) Eu tenho a impressão
que as coisas vão continuar crescendo (...), com as pessoas fazendo
coisas de qualidade. E Minas Gerais e BH vão continuar sendo a capital
brasileira da Música.101

Nesse contexto historicamente marcado por uma expressiva


diversidade, Belo Horizonte conformou-se como um genuíno mosaico sócio-
espacial urbano, diversificado e contrastante, caracterizado tanto pela presença do
novo como do velho, do moderno e do internacional como do tradicional e do
arcaico. Ao longo desse percurso intensificaram-se as diversas influências sobre a
cidade, à medida que ela foi se consolidando como um grande pólo de atração de
mão-de-obra de diversas partes do seu estado, bem como de outras regiões do
país, resultando na constituição de uma pulsante sócio-diversidade, que se
constitui, aliás, num traço marcante do seu processo de formação/consolidação
101
BH 100 Anos: nossa história. Belo Horizonte: Jornal Estado de Minas/PBH/Petrobrás, 1997, s/p.
116

desde os seus primórdios, imprimindo-lhe, desse modo, matizes sócio-culturais


diversos. Eis um aspecto que, a meu ver, pesa enormemente na manutenção de
certa tradição provinciana na cidade, fato auspicioso no entendimento da sua
cultura urbana, aí inscritos os modos territoriais de vivência da sua população e as
formas de apropriação dos espaços da cidade.
Como já se observou anteriormente, um grande surto
especulativo/imobiliário, acompanhado de uma expressiva verticalização,
concorreram para esta dinâmica reestruturadora da cidade, acarretando a
redefinição e a redistribuição das diferentes formas de uso e ocupação do solo,
fato que repercutiu e modificou, significativamente, tanto as paisagens como os
usos de diversos bairros. Mas, se por um lado a capital mineira expandiu-se
enormemente, por outro ainda é possível reconhecer não apenas a manutenção
expressiva de traços de uma cultura de apropriação espacial como até mesmo da
sua reprodução. Constatam-se permanências e mesmo resistências em parte
deles, como é o caso, por exemplo, do bairro de Santa Tereza, que articula
aspectos do passado com traços do presente, inscrevendo-se tanto na sua
morfologia urbana como no espaço social.
A reestruturação urbana experimentada pela capital mineira contou com
uma decisiva e forte atuação do Estado, mais especificamente a partir de 1976,
quando se modifica o planejamento urbano do Município face às alterações na Lei
de Uso e Ocupação do Solo, explicitando que o Estado não apenas atuou na
ordenação do crescimento urbano como também na dotação de condições infra-
estruturais no espaço urbano, cuja renda fundiária gerada foi, de maneira geral,
incorporada pelo setor imobiliário privado. Evidenciando um traço explicitamente
segregador, as modificações efetuadas na lei permitiram, então,
...que determinadas áreas tivessem coeficientes de aproveitamento e taxas
de ocupação mais permissivas em relação a outras. Em conseqüência
disso, foram grandes os impactos nos preços dos terrenos, ocorrendo,
também, o deslocamento e reorientação das atividades do mercado
imobiliário nas diferentes regiões do Município.102

102
MARQUES, Robson dos S. “Região de Belo Horizonte e a Urbanização: notas sobre uma
dinâmica imobiliária”. In: MEDEIROS, Regina (org.). Permanências e Mudanças em Belo
Horizonte. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.130.
117

Desse modo, a organização espacial geométrica e compartimentada do


passado desestrutura-se, emergindo uma nova configuração, efetivamente
metropolitana e heterogênea.
118

Se na sua fase inicial a urbe de privilegiados horizontes era marcada por


um arranjo espacial mesclado de edificações neoclássicas e construções ecléticas
emergentes, conferindo-lhe um tom elitista, entrecortada por amplas áreas vazias,
e largas vias de circulação interna pelas quais transitavam funcionários do
Governo e segmentos sociais mais abastados - muitos deles em busca de lotes
para comprar -, ainda destituída de identidade própria, marcada por tempos lentos
e desencontrados, a capital mineira experimentou o delineamento gradativo de
uma vida pública efervescente, cuja memória pode ser resgatada, entre outras
fontes, através da sua história oral, em agradáveis conversas com moradores
mais antigos da cidade, fontes vivas da sua memória.
Como já observado, a conformação espacial assumida pela cidade, com
sua diversidade de formas, desempenhou em parte e, guardadas as devidas
proporções, ainda desempenha um papel relevante no âmbito das relações de
sociabilidade e da vida pública da capital mineira, situação para a qual diversos
lugares podem, historicamente, ser destacados como, por exemplo, a Praça da
Liberdade, a Avenida Afonso Pena, o Mercado Central, o Parque Municipal, o
Parque das Mangabeiras, etc. O Parque Municipal e o Mercado Central
comparecem como lugares de destaque na zona central da cidade, assim como a
feira de arte e artesanato da avenida Afonso Pena. Realizada aos domingos, a
feira está posicionada bem em frente ao Parque Municipal, mais precisamente no
trecho compreendido entre as ruas da Bahia e Guajajaras. Dentre as ocorrências
sócio-espaciais coletivas de Belo Horizonte, indubitavelmente ela é um dos
principais destaques, se não o principal, movimentando todos os domingos
centenas de pessoas, de segmentos sociais diversos, consistindo, certamente,
num dos maiores eventos da vida pública da cidade. Assim como ocorre com o
Mercado Central, a feira não se apresenta exclusivamente como espaço
comercial, de trocas, mas também como lugar de encontro e sociabilidade, de
trocas simbólicas e de lazer. Cabe mencionar, ainda, o bairro da Savassi, no
centro expandido. Ele se notabiliza pelas atividades culturais, de lazer e
119

entretenimento, principalmente ao entardecer e às noites, podendo-se


destacar a Rua Pernambuco, localizada entre a avenida Carandaí, no
bairro Funcionários, e a avenida do Contorno, na Savassi, principalmente o trecho
compreendido entre a praça Diogo de Vasconcelos e o bar Vila Amoricana, faixa
de grande concentração de pessoas, principalmente de jovens.
Com a progressiva consolidação da cidade e da sua vida urbana, estes
lugares afigurar-se-ão no imaginário dos seus moradores como referências
identitárias proeminentes, desempenhando funções de sociabilidade e lazer, muito
embora sem se restringir a elas. A cidade progressivamente experimentaria os
impactos da dinâmica de reestruturação urbana impulsionada pelo expressivo
desenvolvimento industrial e comercial, e, mais recentemente, também pelo
crescimento do setor de serviços, como por exemplo, o turismo de negócios.
Produzem-se, assim, novas e diversificadas centralidades nos domínios de sua
circunscrição espacial, para muito além dos limites estabelecidos para seu
crescimento horizontal, isto é, a Avenida do Contorno.
Diversos outros lugares afirmar-se-ão como espaços de encontros e
entretenimento no âmbito de Belo Horizonte, entre eles pode-se destacar o
estádio de futebol do Mineirão (um dos maiores do país e do mundo); o conjunto
arquitetônico da Pampulha; o parque da barragem Santa Lúcia; a Praça Juscelino
Kubitschek; a feira de alimentação da bucólica Rua Bernardo Monteiro, na região
hospitalar etc. Esses lugares voltados ao uso, entre outros, encerram ademais
uma forte conotação pública, desempenhando uma significativa função de
aglutinação social na cidade. Estas formas urbanas, sobretudo os parques, são
classificadas pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil construtos de “arquitetura
cidadã”, haja vista o fato de encerrarem na sua concepção uma evidente
preocupação com a qualidade de vida e o bem-estar da população. Desse modo,
elas evidenciam uma atenção e um cuidado com a facilitação dos acessos aos
prédios e vias de circulação da cidade, favorecendo uma melhor convivência entre
as pessoas. São, portanto, formas imbuídas de significativa dimensão pública,
essenciais à vida na cidade. Esclarece-se que a “arquitetura cidadã” não se
constitui em um novo segmento na Arquitetura, mas mais propriamente designa
120

um conjunto de práticas e intervenções urbanísticas orientadas à criação de certas


condições no espaço construído capazes de democratizar o uso do espaço
urbano. Estes lugares guardam especificidades importantes no interior da cidade,
propiciando no âmbito da vida cotidiana da metrópole o uso mais imediato, ao rés
do chão, do espaço pelo corpo. Aqui o caminhar se inscreve como uma prática
significante pela qual o caminhante estabelece um diálogo com o espaço vivido,
elaborando representações sobre ele. Palmilhando e experienciando o lugar,
delineando uma interface livre com as formas e o movimento que as anima, os
lugares, por onde a vida efetivamente se realiza, tornam-se sensíveis também ao
coração.
Assim, as relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados
se exprimem todos os dias nos modos do uso, nas condições mais banais e
acidentais, na vida cotidiana. Revela-se como espaço passível de ser
sentido, pensado, apropriado e vivido pelo indivíduo por meio do corpo,
pois é com todos os seus sentidos que o habitante usa o espaço,
cria/percebe os referenciais, sente os odores dos lugares, dando-lhes
sentido. Isso significa que o uso do espaço envolve o indivíduo e seus
sentidos, seu corpo; é por ele que marca sua presença, é por ele que
constrói e se apropria do espaço e do mundo no plano do lugar, no modo
como usa e emprega o tempo da vida cotidiana.
A nossa existência tem uma corporeidade, pois agimos por meio do corpo -
ele nos dá acesso ao mundo, é o nó vital, imediato, visto pela sociedade
como fonte e suporte de toda a cultura. Portanto, um modo de aproximação
da realidade, produto modificado pela experiência do espaço, da relação
com o mundo, relação múltipla de sensação e de ação, mas também de
desejo e, por conseqüência, de identificação com a projeção sobre o outro.
Nessa direção a prática socioespacial tomada globalmente supõe o uso do
corpo, o emprego das mãos, dos membros, dos órgãos sensoriais, gestos
do trabalho e das atividades fora do trabalho, porque o próprio corpo
aparece como elemento espacial.103

A resoluta orientação de se construir uma nova capital em consonância com


a revolução positivista no final do século XIX, planejada, surgida sob o prisma da
industrialização e do moderno, embasou e condicionou transformações constantes
no seu espaço urbano, dinamismo sócio-espacial que conota uma espécie de
autofagia moderna da cidade, que desde os seus primórdios evolui sob uma
perspectiva de abertura ao novo. Esta característica consolida-se ao longo do
103
CARLOS, Ana Fani A. Espaço-Tempo na Metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São
Paulo: Contexto, 2001. p.35.
121

processo evolutivo de sua estrutura urbana, evidenciando-se tanto pela expressiva


presença de edifícios modernos na cidade - como, por exemplo, os planejados por
Oscar Niemeyer104 -, como prédios mais novos e recentes que poderiam ser
105
enquadrados no que muitos designam de “arquitetura pós-moderna” , mas mais
propriamente de arquitetura contemporânea e suas expressões internacionais.
Diversas construções neste estilo pontuam a paisagem urbana de Belo
Horizonte106, cuja proliferação no seu espaço construído se insere num movimento
mais amplo de consolidação do seu processo de adensamento e verticalização; o
que vale dizer um notável dinamismo de irradiação territorial do valor de troca na
esteira de uma progressiva, e implacável, mercantilização do solo urbano,
impulsionando, assim, o desenvolvimento e a consolidação de um forte mercado
imobiliário e dos seus acolitados agentes na produção mais ampla da cidade.
Do ponto de vista do uso e da ocupação do solo urbano, pode-se
argumentar que a dinâmica evolutiva do moderno e do novo em Belo Horizonte
alcançou os níveis do descontrole e, até mesmo, do desvario, marcando, em
certos casos, a paisagem urbana de bairros praticamente inteiros, como bem o
demonstra o caso do Belvedere, mais especificamente do Belvedere III, que
segundo Maysa Rodrigues originou-se de uma parte constitutiva do bairro
Belvedere, permanecendo indivisa. Esta área é parcela remanescente do imóvel
“Lagoa Seca”, cujo parcelamento ficou conhecido como “Gleba da Foca”.107 Entre
os significados que o Belvedere III carrega, pode-se destacar o de figurar como

104
São diversas as intervenções arquitetônicas e urbanísticas de Oscar Niemeyer em Belo
Horizonte. Para além das obras projetadas e realizadas em torno da lagoa artificial da Pampulha -
na época, setor suburbano da cidade - no início dos anos 40, como o Cassino – que em 1957
transforma-se no Museu de Arte Moderna -, a igreja de São Francisco de Assis, a Casa do Baile e
o Iate Clube, o grande arquiteto e urbanista brasileiro projetou o memorial ao centenário de Belo
Horizonte, o Conjunto JK em 1951, e edifício Niemeyer em 1954, a Biblioteca Pública da Praça da
Liberdade, o Clube Sírio Libanês em 1952, o edifício Bemge em 1953 na Praça Sete, o Pampulha
Iate Clube em 1961, o Colégio Estadual no bairro de Lourdes, entre outros.
105
Entendo que este é um qualificativo genérico e pouco consistente que não empregarei neste
trabalho, servindo apenas como alusão.
106
A título de exemplificação podem ser citados os Edifícios Wall Street e Greenwich Village em
1988, os Edifícios Capri, Tenco, Jules Rian, Nashville em 1992, o Centro Empresarial Raja
Gabaglia e o Fashion Center em 1993, o Omni Center em 1994, a Escola Guignard e a Academia
de Letras em 1995, bem como vários edifícios recém-construídos no bairro Belvedere III.
107
RODRIGUES, Maysa G. A Zona de Fronteira: os limites da gestão urbana. Dissertação de
Mestrado em Ciências Sociais, PUC – MG, 2001, p.91.
122

uma vitrine da super-especulação e promoção imobiliárias para consumidores de


alto poder aquisitivo.

Vista parcial do Belvedere III, a partir do BH Shopping. Em primeiro plano, na parte inferior
da foto, está a área verde da Praça Lagoa Seca, cujo entorno é utilizada, principalmente,
para caminhadas e cooper. Ao fundo, edifícios modernos e luxuosos de alta volumetria.
Foto: Ulysses da Cunha Baggio (13/07/2005).
123

Tomada parcial de alguns edifícios do Belvedere III. Destaque-se, à direita


da imagem, aquele que é considerado, até o momento, o edifício mais alto
do bairro: o Terrazzo Esmeralda, com 30 andares.
Foto: Ulysses da Cunha Baggio (14/07/2005).

Surgido no início dos anos 70, na Zona Sul, próximo às margens da BR


040, numa altitude de aproximadamente 1200m, o bairro foi concebido
inicialmente para ser estritamente residencial, com edificações voltadas ao uso
unifamiliar de modo permanente. No entanto, sua evolução/expansão tem sido
marcada por um adensamento acelerado por grandes edifícios. Atualmente o
bairro pode ser caracterizado como de uso misto, isto é, com o exercício
concomitante do uso residencial e do não residencial, neste caso principalmente
de atividades de comércio varejista e de serviços. Por sua localização no sopé da
Serra do Curral ele pode ser caracterizado como uma área de amenidades de
Belo Horizonte. O conjunto dos seus edifícios avulta na paisagem destas fímbrias
altas de seu sítio urbano como uma espécie de acrópole da modernidade mineira
e belorizontina. Estas características conferem uma singularidade ao bairro,
revelando-se como uma destoante expressão arquitetônica e urbanística no
conjunto mais amplo da cidade. Sua implantação foi bastante controvertida e
polêmica, constituindo, pelo meu ponto de vista, uma intervenção urbanística
irresponsável e inconseqüente de uso e ocupação do solo urbano. Contando na
época com a anuência e a autorização do poder público, sua implantação pode
ser considerada, no mínimo, intrigante à luz das avaliações sócio-ambientais feitas
na área, que não autorizavam o empreendimento. Além disso, fica explicitado que
o empreendimento foi norteado por critérios essencialmente mercadológicos.
Registre-se que sua aprovação deu-se na então gestão do ex-prefeito Sérgio
Ferrara.108 Desse modo, o Belvedere sugere o sentido de um bairro desolado e
sem alma, sobretudo nos setores de predominância dos altos edifícios. Em
108
Conforme matéria publicada no jornal Estado de Minas, de 18/08/94, foram diversas as
irregularidades relativas ao processo de implantação do Belvedere III, traduzidas por alterações no
zoneamento promovidas por Sérgio Ferrara, destacando-se as seguintes: “1-Não houve consulta à
Comissão Especial de Zoneamento da Prefeitura; 2- O ex-prefeito lançou o zoneamento na planta
da própria empresa, sem timbre da PBH, o que não dá nenhuma garantia de que o ato foi praticado
quando Ferrara estava ainda em exercício; 3- Não houve licenciamento ambiental da Secretaria de
Meio Ambiente, embora estejam previstas até indústrias de médio porte para a região; 4- Não
foram levadas em conta as restrições de caráter geológico que pesam sobre a área, cujo subsolo é
constituído de cavernas profundas (dolinas), o que inviabiliza a construção de prédios”. (p.21).
124

diversas visitas feitas ao bairro, raras foram as vezes que avistei pessoas
palmilhando suas calçadas e ruas, exceção feita à praça de esportes localizada
nas proximidades do BH Shopping, que embora não se apresente, ao menos
ainda, como um lugar de expressiva atração e concentração de pessoas, expõe
uma atmosfera sócio-espacial menos árida. O que predomina, neste sentido, é a
circulação de veículos, o movimento rápido proporcionado pelo automóvel, o que
denota uma relação fluida e mesmo desapegada com o lugar de moradia.
A ocupação do bairro se deu com acomodações sucessivas de segmentos
sociais de alta renda, com a predominância de uma morfologia verticalizada sob a
forma de diversos espigões construídos concomitantemente. Como já se viu,
muitas críticas recaíram sobre o projeto de ocupação do bairro Belvedere e
setores próximos, como o Belvedere III, principalmente em virtude da proliferação
de arranha-céus e os riscos e impactos daí decorrentes, tanto pela proximidade do
empreendimento da Serra do Curral como por certas restrições do terreno para
suportar tamanha pressão infra-estrutural, o que de fato se comprovou com os
estudos geotécnicos. A área construída do bairro não só tem se estendido rumo a
Serra do Curral como evidências de degradação podem ser constatadas. Os
estudos geotécnicos realizados apontavam claramente a inadequação e os
problemas representados pela construção de edifícios de alta volumetria naqueles
solos, que revelam ocorrência de dolinas109, principalmente no Belvedere III.
O impacto ambiental trazido pelo Belvedere III é grande, sobrecarrega a
malha viária e tem um impacto visual muito grande com a construção de
espigões imensos que bloqueiam a visão da Serra do Curral (...) A
necessidade de rede de esgoto e água canalizada pode sobrecarregar os
mananciais da COPASA.110

A implantação e a expansão mais recente do bairro Belvedere III sugerem


ainda uma tensão, e um descompasso, aos preceitos que pautam formas de
109
“Depressão de forma acentuadamente circular, afunilada, com larguras e profundidades
variadas que aparecem nos terrenos calcários. As dolinas podem ser devidas à dissolução ou ao
desmoronamnetos de tetos de cavernas. No fundo dessas depressões se encontra geralmente
água, que ocasiona a dissolução dos calcários dando aparecimento de terra rossa”. GUERRA,
Antônio Teixeira. Dicionário Geológico-Geomorfológico. 4a. edição. Rio de Janeiro: Instituto
Brasileiro de Geografia, 1972. p.140.
110
Depoimento do então chefe de estudos e projetos ambientais da Secretaria Municipal de Meio
Ambiente de Belo Horizonte. In: RODRIGUES, Maysa G. Zona de Fronteira: os limites da gestão
urbana. Dissertação de mestrado em Ciências Sociais – PUC, MG, 2001, p.103.
125

intervenção mais democráticas nas cidades, ultrajando, assim, os princípios


norteadores de uma concepção democrática de planejamento urbano e de gestão
da cidade, bem como do próprio Direito Urbanístico estabelecido pela Constituição
Federal de 1988. O processo de discussão e implantação do Belvedere III teve na
sua base o embate entre o Estado (no caso a Prefeitura Municipal) e os agentes
que atuam no mercado imobiliário da cidade, ávidos pela aprovação do projeto e
pelas altas margens de lucro que o vantajoso negócio proporcionaria. Este embate
evidencia, claramente, o conflito entre o interesse público e coletivo e os
interesses privados.
O interesse público, que difere de estatal, expressa-se na participação não
só do poder público, mas de várias entidades que envolvem-se nas
tentativas de barrar legalmente o projeto Belvedere III. Dentre elas pode-se
citar, além da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, a Câmara Municipal,
a AMDA (Associação Mineira de Defesa do Ambiente), a Associação dos
Moradores do Bairro Belvedere, o IEPHA (Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico) e a Organização Não Governamental Agenda Metrópole, entre
outras entidades empenhadas na preservação da Serra do Curral.111

Diferentemente de uma perspectiva teleológica projetando no futuro a


redenção dos problemas do presente, compreende-se por aquela concepção que
o planejamento urbano e as diversas ações de gestão da cidade que o
complementam traduzem-se em um trabalho político-técnico concebido e
realizado de modo democraticamente compartilhado entre o Estado e a sociedade
urbana na sua diversidade, voltado ao desenvolvimento sócio-espacial presente e
futuro, cujas intervenções voltam-se à criação de condições diversas na urbe
capazes de torná-la um espaço de vivência e de reprodução social em patamares
dignos, melhorando a qualidade de vida e a justiça social. Esta concepção norteia-
se, necessariamente, por preceitos éticos bem como por um explícito e sólido
senso de responsabilidade sócio-territorial. Ela não se identifica e muito menos
compactua com uma visão estritamente mercantil do espaço urbano, já abordada
no capítulo anterior. Neste sentido, assinale-se que:
O planejamento não inclui em sua base unicamente valores de troca,
portanto não deve pautar-se com os parâmetros eleitos pela economia.112
111
Ibidem, p.98.
112
BOADA, Luis. In: O Espaço Recriado. São Paulo: Nobel, 1991. Acerca do assunto o autor
observa que “a economia continua a se definir como a administração dos recursos escassos para
126

Ao contrário, essa ampliação do âmbito dos valores considerados deve


permitir-lhe reconhecer que seu objeto caracteriza-se pela abundância e
até pelo excesso, que é a forma que podem adotar os desequilíbrios
produzidos pela abundância.
Desse modo, o objetivo do planejamento será o conhecimento, o
reconhecimento, a ordenação, a regulamentação da abundância e a
correção do excesso. Portanto, frente ao planejamento defensivo ou
terapêutico que considera apenas os valores de troca, terá de afirmar-se
um planejamento criativo. Esse planejamento criativo pode ser visto como
uma verdadeira economia, literalmente “construção” e “administração”, dos
organismos naturais: o mundo e o ser humano. Isso significa que o
planejamento pode possibilitar o conhecimento, o reconhecimento e,
sobretudo, a administração e recriação não apenas dos valores de troca,
mas da abundância natural do mundo e do ser humano, transformando-a
em valor essencial, uma vez que ela é de fato constitutiva de sua
essência.113

Ademais, as ações públicas locais voltadas à transformação das estruturas


de decisão e gestão da cidade requerem uma ampliação do conceito de urbano na
sua base, isto é, que na busca da qualidade de vida efetiva dos moradores da
cidade se garanta, para além da incorporação da participação popular na gestão
pública, a participação na própria economia, sem a qual aquela não se sustenta.
Desse modo,

Fazê-lo significaria introduzir outros assuntos como objeto da política


pública local: o emprego e outras formas de realização do trabalho, a
remuneração dos fatores produtivos possuídos pelos setores populares e o
fornecimento de bens e serviços, dos quais os serviços ‘urbanos’ são uma
parte, aquela eleita pelos urbanólogos como própria de seu campo
profissional. (...) As políticas urbanas (dirigidas a reformar a vida urbana)
devem centrar-se na economia urbana e suas possibilidades de
desenvolvimento. Sem essa consideração, nem o ordenamento territorial,
nem a distribuição de serviços, nem a própria possibilidade de avançar para
uma democracia sustentável podem formular-se ou resolver-se
adequadamente. Ademais, centrar a análise no econômico responderia às
prioridades manifestadas pelos próprios setores populares, em geral mais

fins alternativos. Assim, seu objeto vem caracterizado pela escassez”. O autor assinala que esse
objeto - tornado exclusivo desde que a economia se concedeu o estatuto de ciência - são os
valores de troca. “Todavia, os recursos da natureza e as capacidades humanas não nos parecem
se caracterizar pela escassez e sim pela abundância. E isto tanto em um sentido absoluto como
em relação às necessidades de reprodução da natureza e às necessidades de reprodução da
natureza e às necessidades humanas”. (p.13 e 14). (grifos meus).
113
Ibidem, p.14 e 15.
127

interessados em conseguir uma renda estável que um melhor acesso aos


“serviços urbanos”.114

O debate em torno da questão do planejamento e de suas possibilidades


remete, ademais, a uma questão importante e de difícil resolução, isto é, seria
possível um Estado capitalista desenvolver formas de gestão que contrariam
preceitos capitalistas, ou ainda a implementação de um planejamento democrático
face à racionalidade hegemônica do capitalismo? O problema encerra dificuldades
no seu equacionamento, sobretudo ao considerar-se na análise as relações
115
estreitas entre Estado e capital ou ainda Estado e mercado , particularmente no
que tange às designadas economias em desenvolvimento, nas quais se evidencia,
entre outros aspectos, o uso do intervencionismo estatal como um recurso de
traço basicamente “corretivo”, de modo a dotar o território, e a economia nele
amalgamada, de condições materiais e infra-estruturais (técnicas e sociais) para
viabilizar a proeminência capitalista, ou ainda, para a reprodução ampliada do
capital.116 Assim,
O Estado (...) desenvolve estratégias que orientam e asseguram a
reprodução das relações no espaço inteiro (elemento que se encontra na
base da construção de sua racionalidade). Assim, o espaço se revela como
instrumento político intencionalmente organizado, e manipulado pelo
Estado; é portanto meio e poder nas mãos de uma classe dominante que

114
CORAGGIO, José L. “A construção de uma economia popular como horizonte para cidades sem
rumo”.In: RIBEIRO, Luiz C. de Q. & SANTOS JÚNIOR, Orlando A. dos. (orgs). Globalização,
Fragmentação e Reforma Urbana: o futuro das cidades brasileiras na crise. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1994,.p.222-224.
115
Cf. CARLOS, Ana Fani A. “A mundialidade do espaço”. In: MARTINS, José de S. (org.). Henri
Lefebvre e o Retorno da Dialética. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 121-134. Fundamentada nas idéias
de Lefebvre, a geógrafa observa que “no mundo moderno o Estado consolida-se na escala
mundial, pesa sobre a sociedade, planifica-a e organiza-a racionalmente com a contribuição da
ciência e da técnica. O processo de constituição do Estado mundializado que se realiza por meio
de um desenvolvimento histórico inaugura uma nova relação entre o econômico e o político. O
Estado toma para si o crescimento como estratégia e se transforma num ser político concretizando-
se espacialmente. (...) Na economia moderna os dados materiais ganham forma espacial por meio
dos fixos e dos fluxos, isto é, o espaço material transformado por redes, circuitos que se instalam
pelas estradas, circuitos bancários, rotas aéreas, etc. Como o processo tende para o homogêneo,
o Estado passa a assegurar, simultaneamente e, sob o mesmo plano, todas as formas de
produção e reprodução, indo desde a reprodução demográfica até a da reprodução das relações
sociais de produção e, por consequência, de dependência, o que não exclui a coação que se
realiza no emprego dos recursos territoriais e de sua gestão com a unificação e redução das
particularidades, com a impulsão do crescimento”.
116
Cf. SCHIMIDT, Benício V. O Estado e a Política Urbana no Brasil. Porto Alegre: Editora da
UFRGS/L&PM, 1983.
128

diz representar a sociedade, sem abdicar de objetivos próprios de


dominação.117

Longe de quaisquer idealismos ou mesmo de interpretações de cunho


tecnocrático sobre a questão, argumento que embora esta racionalidade (e as
relações que a fundamentam) seja dominante, e se consubstanciem num universo
118
relacional como um poder de forte expressão, ela não é, todavia, única,
absoluta, definitiva, enquanto houver quem a conteste e a critique a fim de forjar
estratégias e percursos capazes de estabelecer certos limites à sua realização e,
possivelmente, novas perspectivas. Neste sentido, são elucidativas as
considerações de Hannah Arendt, quando nos diz que:
Com a criação do homem, veio ao mundo o próprio preceito de início; e
isto, naturalmente, é apenas outra maneira de dizer que o preceito de
liberdade foi criado ao mesmo tempo, e não antes, que o homem.
É da natureza do início que se comece algo novo, algo que não pode ser
previsto a partir de coisa alguma que tenha ocorrido antes. Este cunho de
surpreendente imprevisibilidade é inerente a todo início e a toda origem.
(...) O novo sempre acontece à revelia da esmagadora força das leis
estatísticas e de sua probabilidade que, para fins práticos e cotidianos,
equivale à certeza; assim, o novo sempre surge sob o disfarce do milagre.
O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar
dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente
improvável. E isto, por sua vez, só é possível porque cada homem é
singularmente novo. Desse alguém que é singular pode-se dizer, com
certeza, que antes dele não havia ninguém. 119

Essa racionalidade é crítica, sendo ela uma criação humana e como tal
sujeita às suas próprias interferências e ações. Não há Estado sem contra-Estado
e poder sem contrapoder. Os contrapoderes, por sua vez, insinuam-se como um
conjunto de forças e ações diversas capazes de perturbar e até mesmo ameaçar o
Estado e sua racionalidade, ainda que se considere, e se constate o seu poderio,
117
CARLOS, Ana Fani A. Espaço-Tempo na Metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São
Paulo: Contexto, 2001. p.31.
118
Aqui emprego para a idéia de poder o sentido que lhe atribui Claude Raffestin, para o qual “(...) o
poder é parte intrínseca de toda relação. (...) O poder se manifesta por ocasião da relação. É um
processo de troca ou de comunicação quando, na relação que se estabelece, os dois pólos fazem
face um ao outro ou se confrontam”, daí resultando, a partir do confronto de forças entre os
agentes envolvidos, a criação de um “campo de poder”. (...) “O poder só é de fato perceptível por
ocasião de um processo relacional”. Cf. RAFFESTIN, Claude. Por Uma Geografia do Poder. São
Paulo: Ática, 1993. p.51-64.
119
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária/
Salamandra/Editora da Universidade de São Paulo, 1981. p.190 e 191. (ênfase minhas).
129

desafiado, mas ainda substantivo, no âmbito das relações sociais sob o


capitalismo. Mesmo porque, “(...) não existe racionalidade em si, nem
racionalidade absoluta. O racional de hoje pode ser o irracional de amanhã, o
racional de uma sociedade pode ser o irracional de outra”.120 É preciso considerar
ainda que desde os anos 60 do século XX assiste-se a um recrudescimento dos
contrapoderes na esteira da crise/redefinição do Estado, quando as empresas
transnacionais encarregam-se proeminentemente do crescimento econômico. Eles
emergem das regiões, das periferias dos grandes centros urbanos, das diferenças.
Não se quer dizer, com isso, que eles estejam orientados para uma dissolução do
Estado, para a sua superação, mas mais propriamente sinalizando valores
luminosos na sua dimensão política, os quais encerram virtualidades importantes
no aprofundamento vagaroso e contínuo da democracia. Nessa situação dá-se a
conformação de um campo de relações dialéticas, dinâmicas e conflituosas, entre
os contrapoderes e o poder político existente.121
Portanto, os termos dessa interpretação indicam que essa racionalidade
não suprime a possibilidade do percurso democrático, à medida que a democracia
é uma construção, sempre uma construção, não se revelando como uma condição
plena, definitiva e acabada, aspecto que, aliás, também vale ao próprio
capitalismo. Enquanto os homens almejarem e reivindicarem melhorias à sua
condição existencial e avanços na esfera da justiça social, as ações de insurreição
diante de determinadas situações indesejadas, bem como estratégias e iniciativas
estribadas em preceitos mais democráticos terão o seu curso, e o seu lugar, ainda
que pesem certos constrangimentos impostos pelo Estado e pela racionalidade
capitalista, os quais, entretanto, não são maiores do que as essenciais
necessidades humanas. Não estou aqui me referindo àquelas artificialmente
criadas pelos veículos de publicidade a serviço das empresas e do consumismo
desenfreado. Penso que os movimentos sociais, bem como outras formas de
insurgência, encerram virtualidades nesse sentido. Essa racionalidade revela,
ademais, limites e contradições que se agudizam nos tempos hodiernos com o

120
GODELLIER, apud SANTOS, Milton. In: “A reconstrução da individualidade”. In: O Espaço do
Cidadão. 2a. edição. São Paulo: Nobel, 1993. p.53. (ênfase minha).
121
Cf. LEFEBVRE, Henri. De l’Etat, tome IV. Paris: Union Générale d’Éditions, 1976.
130

aprofundamento da crise do processo civilizatório capitalista, e que, por isso


mesmo, insuflam ações reativas em diversos setores, segmentos sociais e
lugares, tanto em países de capitalismo avançado, como em países
semiperiféricos e pobres. Um outro problema, certamente, poderia ainda ser
apontado como um robusto fator de constrangimento e dificuldade à
implementação de uma forma de planejamento urbano democrático, participativo,
qual seja a ampliação e a difusão sócio-espaciais do tráfico de drogas, uma vez
que as quadrilhas de traficantes, sobretudo nas favelas e bairros mais pobres,
impõem enormes restrições aos movimentos associativos, intimidando-os,
cooptando lideranças e até mesmo neutralizando suas ações.122 Tal situação, pela
minha perspectiva, sugere uma ação coordenada entre Estado e sociedade civil.
Mudar a cidade, sobretudo em condições de profundas desigualdades, não
é efetivamente uma tarefa inexeqüível, ainda mais no curto prazo, tornando-se
nebuloso vislumbrar no horizonte do drama social os protagonistas deste processo
e seus possíveis avanços. A mudança da cidade para uma condição sócio-
espacial digna e democrática, com justiça social instaurada, é uma longa e difícil
construção/transição que, necessariamente, requer o trabalho coletivo,
participativo e imaginativo, que envolve necessariamente a participação de
agentes variados, de identidades múltiplas, bem como modificações nas próprias
subjetividades. A condição democrática, ou ainda a própria democracia se revela
mais propriamente como uma permanente construção. Lefebvre nos ajuda a
pensar a questão, quando diz que:
A democracia consiste, essencialmente, em uma luta pela democracia.
Jamais completamente vitoriosa, porque, em virtude de suas contradições,
a democracia pode sempre avançar e regredir... 123

Contudo, a instauração processual de uma democracia avançada, com a


124
ampliação do exercício da democracia direta , enfrenta enormes restrições em
122
Cf. sobre esse assunto o excelente trabalho de: SOUZA, Marcelo L. de. O Desafio
Metropolitano: um estudo sobre a problemática sócio-espacial nas metrópoles brasileiras. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p.49-112.
123
LEFEBVRE, Henri. Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1979, p.101.
124
Por democracia direta compreendo uma situação na qual as demandas e os problemas sociais
não apresentam como mediação única o Estado e seus representantes, mas, para além deles,
outros agentes da sociedade civil, a exemplo de movimentos sociais diversos que atuam numa
perspectiva mais independente e de caráter autogestionário.
131

sociedades modernas e progressivamente urbanas, perpassadas por múltiplas


clivagens e hierarquias, principalmente em grandes e/ou macro aglomerações,
como é o caso das metrópoles. As restrições são substancialmente maiores em
países não avançados ou não desenvolvidos, como é o caso do Brasil. Elas se
colocam em parte nos limites da própria racionalidade capitalista, é bem verdade,
mas também para além dela, e isto em razão dos problemas e dificuldades
inerentes a uma condição de ingente concentração urbana, com uma inscrição
sócio-espacial marcada pela diversidade e pela diferença. Para esta complexidade
que marca o espaço metropolitano, vale lembrar que as próprias intervenções
estatais pesam substancialmente, à medida que engendram constantes
modificações, que exercem constrangimentos à democracia urbana.
O Estado, com seus instrumentos legais, produz grandes transformações
nos usos e funções dos lugares da cidade, reproduzindo a hierarquia
desses lugares no conjunto do espaço metropolitano. Mas, ao direcionar-se
os investimentos em infra-estrutura, aprofundam-se as desigualdades na
metrópole, interferindo de modo profundo nas formas de apropriação do
espaço à medida que produzem, com sua intervenção, um processo de
valorização diferencial do solo urbano”. 125

No capítulo anterior, salientei o avanço de certas perspectivas de


tratamento e condução da cidade, norteadas por critérios explicitamente
mercadológicos sob o patrocínio do Estado, que vêm se desenvolvendo mundo
afora, inclusive no Brasil, em que se pode divisar um processo de reprodução
espacial que se caracteriza pela proeminência da difusão territorial do valor de
troca submetendo o valor de uso. Todavia, é necessário acautelar-se quanto ao
cálculo das potencialidades e da extensão desse movimento nos construtos sócio-
espaciais. Superestimá-las significaria praticamente suprimir do horizonte de
análise as virtualidades e possibilidades do uso, com seus nichos de insurgência e
resistência. Já se chamou a atenção para o amplo dinamismo do valor de troca no
território, que indubitavelmente se insinua de forma impetuosa e preocupante,
estando tal proeminência do valor de troca na base da concepção da “cidade do
pensamento único”.126 Porém, insisto, há que se levar em conta a diversidade e as
potencialidades de insurgências e práticas sócio-espaciais de resistência que, em
125
CARLOS, Ana Fani A. Espaço-Tempo na Metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São
Paulo: Contexto, 2001. p.27.
132

grande medida, provêm de baixo para cima, protagonizadas nos interstícios da


sociedade e da cidade, cujas respectivas conformações político-territoriais, não
raro, são obnubiladas pela versão ideologizada da cidade oficial, e não da cidade
real. Nesse sentido, Ermínia Maricato assinala:
Na sociedade brasileira, podemos dizer que a realidade é subversiva ao
pensamento conservador. Daí o potencial de uma ação pedagógica sobre o
reconhecimento da cidade real, em especial da ‘cidade oculta’.127

Este panorama remete à questão da democratização do Estado e da


sociedade e, portanto, da própria cidade. Imaginar uma sociedade sem poderes
instituídos é uma ficção. A transformação da cidade, pela minha perspectiva,
implica tanto a participação do Estado como da sociedade na sua diversidade. A
título de exemplificação, pode-se destacar, naquilo que se refere à atuação do
Estado, os programas de orçamento participativo, embora não seja meu propósito
neste trabalho analisá-los mais detidamente. Afora as críticas que recaem sobre
eles, e mesmo a discussão acerca dos seus próprios limites 128, eles constituem
instrumentos importantes a serem aperfeiçoados para a democratização da gestão
das cidades, representando a possibilidade da sociedade civil propor e introduzir
modificações na vida política e melhorar políticas voltadas ao atendimento de

126
O sentido subjacente à noção de “cidade do pensamento único” foi apresentado, em grande
medida, no primeiro capítulo deste trabalho. Para maiores referências, cf. ARANTES, Otília. et al.
(orgs). A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos. 2ª. Edição. Petrópolis: Vozes,
2000.
127
MARICATO, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias: planejamento urbano no
Brasil. In: ARANTES, Otilia et al. In: A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos.
2ª. edição. Petrópolis: Vozes, 2000. p.186.
128
Leonardo Avritzer aponta dois limites que “parecem bastante claros” à proposta do Orçamento
Participativo: “a pouca democratização na relação entre os próprios atores sociais e a incapacidade
de estender o OP para áreas sociais nas quais o que está em jogo são alternativas de políticas
públicas”. Acerca do primeiro assinala que “se a grande virtude do OP parece ser a sua
contribuição na democratização da relação entre Estado e sociedade, alguns dados parecem
indicar que, no tocante à relação no interior das comunidades, permanece uma relação hierárquica
e pouco democrática”. Sobre o segundo, aponta que “(...) é a sua concentração na questão da
distribuição de recursos materiais. (...) Até o momento, a maior parte das decisões do OP diz
respeito a questões materiais”. AVRITZER, Leonardo. In: DAGNINO, Evelina (org.). Sociedade
Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p.37.
133
134

demandas dos segmentos sociais de baixa renda. Podendo-se exemplificar com


os casos de Porto Alegre (a partir de 1989) e Belo Horizonte (a partir de 1993),
embora nestas duas cidades o associativismo comunitário (que apresenta perfis
distintos129) seja anterior ao OP. Estas experiências, entre outras, comparecem
com certo destaque no percurso da luta pela democratização no Brasil, que tem se
desenvolvido fundamentalmente em âmbito local, haja vista o fato de que as
cidades, sobretudo os grandes centros, terem sido o núcleo-base de construção, e
sustentação, do projeto autoritário no país, na esteira da modernização
conservadora, de modo a promover o crescimento industrial sobre as bases de
uma urbanização permanente130. A sociedade civil tem, por sua vez, em graus
variados, uma atuação extremamente importante através dos diversos
movimentos sociais e ONGs, que podem desempenhar ações complementares de
grande relevância à atividade estatal, em diferentes áreas e setores: moradia,
meio-ambiente, educação, saúde, lazer, etc.
O fato de que muitas decisões e soluções repousam sobre os ombros da
sociedade civil (embora a dinâmica da sociedade civil possa ser
positivamente influenciada ou catalisada pelo Estado sob circunstâncias
especiais) obriga os planejadores críticos a abdicarem do hábito usual de
superenfatizar discussões sobre instrumentos em detrimento do debate em
torno dos (possíveis ou potenciais) protagonistas, seus valores e sua
dinâmica. Por outro lado, isso não constitui qualquer perda ou concessão: a
sociedade civil (...) pode ser essencial como complemento para a ação
estatal, além de poder (e deve) ser pensada e valorizada
independentemente do Estado e, mesmo, contra o Estado. Caso contrário,
o risco de reproduzir o estadocentrismo e o racionalismo tecnocrático,
ainda que mitigados e envolvidos por uma roupagem alternativa
(‘tecnocratismo de esquerda’) é total. Lidar com a dinâmica social, em vez
de circunscrever-se a uma discussão técnica sobre instrumentos, está
longe de ser, meramente, um desafio analítico, ainda que também o seja; o
desafio é, igualmente, prático-político, e reside no fato de que a cultura
(valores, cultura política) e a psicologia social dificilmente podem ser
129
O perfil dos atores associados nos permite confirmar aquilo que a literatura sugere em relação
às duas cidades: Porto Alegre tem uma formação histórica mais ativa, com mais participação,
menos relação com mediadores políticos e mais mobilização dos próprios atores comunitários.
Belo Horizonte tem uma formação histórica mais conservadora, com menos mobilização e maior
presença dos mediadores políticos. Tal tradição só mudou mais recentemente. Idem. Ibidem.
130
Cf. DAVIDOVICH, Fany R. “Consideraçõe sobre a urbanização brasileira”. In: BECKER, Bertha
K. et al. (orgs). Geografia e Meio Ambiente no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1995. p.79-96; BECKER,
Bertha & EGLER, Cláudio. Brasil: uma potência regional na economia-mundo. 2ª.edição. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p.123-186; SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. São Paulo:
Hucitec, 1993.
135

influenciadas por ações planejadas, a não ser, quiçá, no longo prazo. De


toda maneira, certamente não serão influenciadas de modo ‘controlável’ e
monitorável: não se concebe aqui, um tratamento à la “engenharia
social”.131

Portanto, a transformação da cidade na perspectiva de melhores padrões


de qualidade de vida, de justiça social e da conquista de maior autonomia, requer,
assim, uma atuação conjunta e coordenada entre Estado e sociedade civil na
implementação de um projeto sócio-espacial democrático, tratando-se mais
propriamente da instauração ampliada da co-gestão para uma condução mais
adequada e realista das questões urbanas na contemporaneidade.
Uma breve advertência se faz necessária, uma vez que o percurso da
análise que desenvolvo nesse trabalho poderá levar o leitor a considerá-la
contraditória, à luz dos argumentos e informações apresentados, no qual são
discutidos aspectos indicativos de uma condição de compressão e de degradação
sócio-espacial, ao mesmo passo que busca evidenciar situações indicativas de
conformações territoriais de resistência na esteira de um mesmo processo, no
qual a cidade capitalista é produzida e apropriada; processo esse que expõe as
desigualdades e as contradições sociais, ao mesmo passo que as reafirma e
reproduz. Ora, a produção e a reprodução do espaço capitalista, logo da própria
cidade, não explicitam esta contradição, ou ainda, esta ambivalência, sobretudo
em se tratando de um país semiperiférico, como é o caso do Brasil? São
configurações sócio-espaciais contraditórias que se inscrevem dentro de um
mesmo espaço nacional, reproduzidas em escalas subnacionais, isto é, regionais
e locais. Esclareça-se que “a semiperiferia é a síntese das contradições do
capitalismo histórico dentro de uma mesma economia nacional.”132 Em outras
palavras ela se revela como “o lócus da profunda heterogeneidade estrutural
acumulada pelo capitalismo na sua longa história, do qual o Brasil é um magnífico
exemplo”.133 Não se trata, portanto, de uma mera oposição formal, mas sim de
uma profunda ambivalência historicamente produzida num país que guarda dentro
131
SOUZA, Marcelo L. de. Mudar a Cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão
urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p.523.
132
BECKER, Bertha K. & EGLER, Claudio A. G. Brasil: uma nova potência regional na economia-
mundo. 2a. edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994, p.29.
133
Idem. Ibidem.
136

de si a pobreza e a riqueza, o arcaico e o moderno, ou ainda, o confronto entre


Norte e Sul no interior de uma mesma economia nacional. Desse modo, “as
contradições do capitalismo histórico assumem no Brasil um caráter paradigmático
e a crise atual acentua sua ambivalência”.134 Sustento que as ações do capital,
sob a anuência e o estímulo expresso do Estado - que assume e propaga, em
grande medida, a sua lógica -, não anulam, contudo, as ações alternativas a esse
movimento, a essa condição, sobretudo numa fase de crise do capitalismo, de
grandes proporções, quando as suas contradições se recrudescem, suscitando,
assim, ações reativas diversas que se projetam nos e pelos espaços não
totalmente submetidos e absorvidos por aquela mesma lógica.
A história revela que as situações de crise, com a decorrente queda da taxa
média de lucro e da mais-valia, constituem um fator de dinamismo, de reações, de
inovações, de insurgências, condição na qual o novo pode ser engendrado, não
necessariamente para melhor, é bem verdade, mas inclusive. O mundo está
repleto de ações que indicam a possibilidade de alternativas factíveis, reveladoras
de melhores possibilidades ao homem e aos seus respectivos espaços de
vivência, produção/reprodução.135 Se a cidade, e o território de modo geral, se
inserem imperiosamente nos circuitos de valorização, em que o valor de troca
campeia, fortemente impulsionado pelas novas condições técnicas, não se pode,
pela minha perspectiva, reduzir ou mesmo negligenciar as práticas insurgentes e
de resistência à dinâmica de territorialização do valor de troca, pela qual, é bem
verdade, o uso se restringe pelo dinheiro.
Mas tal processo de realização e profusão da mercadoria, do mundo da
mercadoria, não é total, único, por mais impositivo que ele seja. Esse movimento,
como já observado, é crítico, com contradições e limites que lhe são inerentes,
estabelecendo, assim, uma dinâmica conflituosa permanente entre a propriedade
e a apropriação. Nessa perspectiva, e não sem razão, Odette C. de L. Seabra

134
Ibidem, p. 23 e 24.
135
Cf. acerca do assunto: SANTOS, Boaventura de S. (org.). Produzir Para Viver: os caminhos da
produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
137

assinala que “a história bem que poderia ser lida, contada, interpretada pelo
movimento conflituoso entre a apropriação e a propriedade”136, e acrescenta:
Esse conflito traduz-se numa luta pelo uso, pela apropriação, que
absolutamente não é nem poderia ser entendida como marginal, à parte do
todo, fora da sociedade e do social. Nesses termos, se o uso se insurge e
ganha visibilidade, restabelece a dialética da propriedade em outros
termos, em outros planos. É um processo que pressupõe atos práticos. 137

Não creio que exista um protagonista exclusivo ou principal no processo de


transformação da cidade. O marxismo acreditou que fosse o proletariado. Outros,
o Estado. Haveria, então, um sujeito privilegiado na história, sobretudo com a
complexidade e a diversidade alcançadas pelo mundo atual globalizado?
Efetivamente, essa idéia não se sustenta.

136
SEABRA, Odette C. de L. “A insurreição do uso”. In: MARTINS, José de S. (org.). Henri
Lefebvre e o Retorno da Dialética. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 71.
137
Ibidem, p. 93.
138

Capítulo 3
Santa Tereza: a territorialidade pelo uso

Uma cidade boa é uma cidade com


muitos espaços disponíveis ao
afeto dos seus habitantes.

Jorge Wilheim

O início da constituição do que viria a ser Santa Tereza data


aproximadamente de 1896, dando-se a partir de duas ocorrências fundamentais,
quais sejam: a implantação no local de uma colônia de migrantes brasileiros e
imigrantes estrangeiros (italianos, espanhóis, portugueses) e o estabelecimento da
Formação da 9ª. Companhia de Ouro Preto, transferida desta cidade para a nova
capital. Entretanto, pode-se atribuir como fator principal de ocupação inicial desta
área a sua destinação como colônia agrícola, sendo a outra ocorrência mais
propriamente um fator complementar do primeiro, o que não reduz a sua
importância no processo de formação de Santa Tereza, reforçando-o. Assim, a
significativa presença de imigrantes (sobretudo de italianos) na fase inicial de
ocupação desta área decorreu da implantação do Centro de Imigração da Capital,
que era um grande galpão que servia de abrigo às famílias de imigrantes, que
foram trazidos para compor a força de trabalho utilizada na construção da nova
capital. O Centro não apenas desempenhava a função de acolhimento como
também a de legalização da situação destes imigrantes no Brasil. Desse modo,
por conta da presença destes imigrantes é que, até meados da década de 1910,
esta região ficou conhecida pelo nome de Imigração. Mais especificamente em
1914, é terminada a obra de construção da Hospedaria dos Imigrantes pelo
governo municipal, local em que se formaria depois a Praça Duque de Caxias.
Neste período alguns comerciantes começaram a se instalar no bairro; porém, em
virtude da redução dos fluxos migratórios por ocasião da Primeira Guerra Mundial,
ela acabou não sendo utilizada. Por encontrar-se desocupada, passou a servir
para a instalação do 59º. Batalhão de Caçadores do Exército, posteriormente
substituído pelo 5º. Batalhão da Força Pública. O posicionamento
do destacamento policial da 59ª. CIA bem no alto da colina, nas dependências da
139

ex-Hospedaria, era considerada estratégica pelos militares, à medida que


proporcionava uma boa visualização de suas cercanias como também de boa
parte da cidade, condição que, segundo eles, favorecia a cobertura e a defesa do
território. Em 1924 o prédio da Hospedaria foi remodelado e ampliado, de modo a
se transformar nas instalações do quartel do 5º. Batalhão de Caçadores da Força
Pública Mineira. Neste mesmo ano, em 19 de junho, o Batalhão foi acionado para
São Paulo para combater a “Coluna Prestes”. Sua instalação oficial ocorreu,
contudo, em 21 de abril de 1925.
Era um prédio grandioso, sua frente e entrada ainda lembravam as
instalações da imigração. Sua grande área ocupava dois quarteirões. Além
das acomodações para a administração e várias companhias com leitos
para os soldados, o quartel tinha estrebaria para muitos cavalos, área de
treinamento e campo de futebol onde eram realizadas memoráveis
contendas entre as equipes da Força Pública, da comunidade e de outros
bairros da Capital.1

Como mais uma evidência da intervenção topocida do poder público na


cidade, este prédio foi demolido na década de sessenta, sendo construído no local
o Colégio Tiradentes. É importante consignar, que o quartel, indubitavelmente,
integra o processo de colonização de Santa Tereza, participando, assim, da sua
constituição, como bem observa Vera Westin:
A presença militar deixou sua marca nas relações e na toponímia de
Santa Tereza. As ruas com nomes de patentes militares se destacam entre
as numerosas denominações de minerais e alguns poucos personagens de
outras origens, e a praça principal não deixa dúvidas sobre essa influência,
também invocada com freqüência pelos moradores, que atribuem a
vocação musical do bairro à presença cotidiana da banda do quartel e
dos moradores que a integram.2

A implantação do quartel da Força Pública conduziu, assim, à fixação de


muitas famílias na área de Santa Tereza, quando se podia observar a
movimentação de operários, militares e carroças portando materiais diversos. Na
“pracinha” algumas melhorias já se faziam notar. Neste sentido, pode-se dizer que

1
GÓES, Luis. O Bar do Ponto. Belo Horizonte: Editora Luis Góes, 2000. p.67.
2
WESTIN, Vera L. C. Santa Tereza na Construção Cotidiana da Diferença: um estudo sobre
interações comunicativas e apropriação simbólica no espaço urbano: um bairro da Belo Horizonte
do final do século. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Federal de Minas Gerais, 1998. p.68. (Dissertação de Mestrado em Comunicação Social). (grifos
meus).
140

a presença do quartel efetivamente exerceu um efeito indutor na ocupação e no


crescimento destas paragens, o que levou a Prefeitura, na época, a destinar
verbas para diversas obras na região, como, por exemplo, abertura de ruas,
calçamento e canalização. Parte das ruas já se apresentava transitável nestes
tempos, algumas delas contando com rede de esgoto, água e luz elétrica. Além
disso, o quartel também atraiu a extensão da linha de bondes para Santa Tereza,
mais precisamente até a sua porta. Antes disso, o final da linha de bondes
naquela região era na esquina da Rua Hermílio Alves com Avenida do Contorno.
Mas, em 8 de janeiro de 1926, a Prefeitura aprovou a extensão da linha, passando
esta a se desdobrar pelas Ruas Hermílio Alves e Mármore, tendo, assim, seu
ponto final na futura Praça Duque de Caxias.
Esta área em que se formaria o bairro de Santa Tereza ficaria ainda
conhecida, e estigmatizada, como a região do “isolado”, uma vez que passou a
abrigar, a partir de 1910, um hospital para tratamento psiquiátrico e de doenças
infecto-contagiosas, entre as quais de tuberculose, doença que por ser
considerada incurável naqueles tempos levou esta área a uma condição de
relativo isolamento em relação às outras partes da cidade, passando a ser, em
grande medida, evitada pelas pessoas. À medida que Santa Tereza se
apresentava nestes tempos como um subúrbio longínquo, como bem se pode
observar nos mapas e fotografias da época, e muito pouco povoado, porém com
favoráveis condições climáticas3, dotado de boa cobertura vegetal, e localizado
nas proximidades da ferrovia (o que possibilitava o seu acesso por habitantes de
outras cidades), pode-se explicar, desse modo, a sua escolha para a construção
do Hospital de Isolamento4. O hospital passou a chamar-se no início da década de
20, “Cícero Ferreira”, em homenagem ao médico que participou da fundação da
capital e da Faculdade de Medicina, além de ter sido o sétimo prefeito da cidade,
3
As boas condições climáticas de Belo Horizonte já eram conhecidas no Brasil e até mesmo no
exterior para o tratamento de pessoas com doenças respiratórias, que para ela afluíam às
centenas.
4
Funcionando por 55 anos em Santa Tereza, sendo depois transferido em 16 de maio de 1965
para a Avenida Churchill, no bairro de Santa Efigênia, o Hospital localizava-se mais precisamente
no quarteirão formado pelas Ruas Alvinópolis, São Gotardo, Perite e Silvianópolis, ocupando uma
área de 10 mil m2, com 23 quartos e duas enfermarias, além de ter recebido arborização
diversificada, com mangueiras, eucaliptos, jalão, casuarinas e goiabeiras. Durante a “gripe
espanhola” em 1918, que acometeu milhares de pessoas na cidade, ele fora de enorme serventia,
possibilitando a salvação de muitas vidas.
141

por curto período (20/04/1905 a 10/05/1905). Ainda que apresentando restrições


logísticas, ele fora inaugurado em 22 de agosto de 1910, existindo em Santa
Tereza até maio de 1965, no local onde hoje está o Mercado Distrital de Santa
Tereza e a Escola Pedro Américo. Como bem demonstra o depoimento de um dos
seus residentes, sua presença era fonte de temor e de preocupação:
De fato, nós moradores destas redondezas, estamos seriamente
ameaçados com a localização desse hospital. Quando ele foi construído
aqui só havia mato. Hoje não, o sr. poderá ver: é um centro populoso. Acho
oportuna a mudança do estabelecimento para um ponto mais distante,
onde a população não se visse tão seriamente ameaçada em sua saúde,
pois aí neste hospital acham-se internados doentes de toda espécie:
varíola, varicela, tifo, etc.5

A designação/oficialização de Santa Tereza deu-se apenas em 1928, sendo


uma reivindicação de um grupo de moradores da própria comunidade. O nome do
bairro teria sido sugerido pelo Capitão José Pinto de Souza, do 5º Batalhão da
Força Pública, por inspiração, e analogia, do bairro homônimo da cidade do Rio de
Janeiro, uma vez que ambos os bairros localizam-se em áreas topograficamente
mais altas, bem como por um paralelismo relativo a um aspecto do transporte
nestes dois bairros, isto é, do aqueduto por onde passa o bonde de Santa Tereza,
na cidade do Rio de Janeiro, e do Viaduto Santa Tereza, por onde também
passava a linha de bondes que, por sua vez, proporcionava a conexão do bairro
de Santa Tereza à região central de Belo Horizonte. Já a colocação do nome
Santa Tereza nos bondes que serviam ao bairro, deu-se a partir de 1º. de abril de
1928 por solicitação dos próprios moradores à Companhia de Eletricidade.
Nos primórdios de sua formação, a comunidade que se instalou neste lugar
era constituída basicamente de agricultores que cultivavam frutas, verduras,
cereais e legumes, e que também trabalhavam na construção da nova capital
como pedreiros, carpinteiros, pintores etc. Muitos deles permaneceram na região,
e uma outra parte, no transcurso dos tempos, foi se transferindo para outras
paragens, e outros ainda retornaram para suas cidades ou país de origem. No
início, a colônia era chamada de “Ribeirão da Matta”, e posteriormente “Córrego

5
Depoimento à reportagem do Correio Mineiro (21/01/1934) de José Marcelo Ribeiro (morador da
Rua Pirolozito) apud GOES, Luis. In: Notas Cronológicas do Bairro Santa Tereza. Belo Horizonte,
1991. p.40. (edição do autor).
142

da Matta” e, ainda, “Américo Werneck”, designação feita em homenagem ao


engenheiro e ex-secretário de Agricultura e Diretor do Departamento de Terras e
Colonização que integrava a comissão construtora da capital. No século XIX, a
área que se tornaria depois Santa Tereza estava inserida numa região conhecida
por vários nomes, entre os quais “Caetano Cego”, “Água Amarela”, “Retiro”,
“Caracará”, cuja sede era a Fazenda Boa Vista, sendo os seus proprietários
indenizados em 1894 pelo Estado através da Comissão Construtora da Nova
Capital, quando então estas terras integram-se à Cidade de Minas, que, como já
se viu, torna-se, oficialmente, Belo Horizonte em 1901.
Em 1911 a então designada colônia Américo Werneck (que abrangia nos
seus domínios parte dos atuais bairros da Floresta, Sagrada Família e Horto) se
emancipou, não estando mais sujeita às normas estabelecidas para as colônias.
E, por decreto municipal de 05/02/1912, a ex-colônia é incorporada à zona
suburbana da capital, mais especificamente à sétima seção suburbana,
sujeitando-a, assim, às normas atinentes ao uso e à ocupação do solo
estabelecidas pelo poder público municipal, tais como alvarás de construções,
parâmetros construtivos etc., ficando ainda sob a responsabilidade da Prefeitura a
construção de ruas e praças. Neste sentido, diversas obras, como já se viu, foram
realizadas na área, várias delas ainda existentes no bairro até hoje, entre elas a
famosa praça central de Santa Tereza (Praça Duque de Caxias), que foi
construída em função de reivindicações da própria comunidade local. Sua
inauguração deu-se em 1937, tendo passado ao longo do tempo por diversas
obras, sendo a última delas na gestão do prefeito Célio de Castro (gestão
01/01/1997 a 27/03/2003)6, que em 30/06/2000 reinaugurou a praça após um bom
tempo de amplas reformas, adquirindo, assim, ampliação de área, pisos novos,
canteiros e anfiteatro para shows. A praça é o principal local do bairro para a
realização de eventos públicos de maior monta. Fazendo um recuo temporal,
registre-se que até o início das obras de construção da praça, existia no local um
grande largo. Por ocasião de uma visita ao bairro em 1935, o então prefeito
Otacílio Negrão de Lima, diante dos apelos dos moradores e da constatação
6
Cumpre observar que o prefeito Célio de Castro foi reeleito para o período de 01/01/2001 a
31/12/2004. Contudo, por motivos de saúde, foi licenciado em 31/12/2002 e aposentado em
27/03/2003.
143

pessoal in loco das péssimas condições em que se encontrava aquela área,


prometeu à população a construção da Praça, que foi finalmente inaugurada dois
anos depois (com jardins, passeios de alvenaria e outros ornamentos), além de
outras obras fora de Santa Tereza, como a reinauguração do Viaduto da Floresta,
o Matadouro Municipal (no bairro São Paulo) e o respectivo ramal ferroviário, e os
abrigos de bondes (na Praça Sete). Ele é considerado uma espécie de ‘’benfeitor”
do bairro7, uma vez que também proporcionou a abertura, a canalização e a
iluminação de diversas ruas em Santa Tereza.
Até os anos 30 a maior parte das ruas do bairro apresentava-se em
precário estado de conservação e com baixo índice de pavimentação, ruas que
praticamente ficavam intransitáveis em situações de maior incidência
pluviométrica. Sobre esse aspecto, assim noticiava um jornal da época:
Varias são as ruas de Santa Thereza que, já se encontrando em péssimo
estado de conservação, devido a carência de pavimentação, estão
presentemente quase intransitáveis, isso por causa das ultimas chuvas que
tem cahido sobre a cidade.
Assim é que constantemente recebemos cartas de moradores naquelle
populoso bairro, nas quaes os missivistas reclamam contra a falta de
calçamento, iluminação, etc.8

O bairro só teria suas principais ruas calçadas e iluminadas na década de


1940, quando começou a ganhar alguma projeção em jornais e folhetins da cidade
como um “bairro novo” e “agradável”, embora seus moradores continuadamente
reclamassem das suas deficiências infra-estruturais. Nestes tempos a Praça de
Santa Tereza tornara-se o principal lugar de encontro e reunião da comunidade,
local de realização de festividades e do footing, sobretudo nos finais de semana.
Bem ao lado da praça, na Rua Mármore, realizavam-se as obras para o

7
Vale lembrar, ainda, que o referido prefeito teve como uma das marcas fortes de sua gestão a
remoção das favelas da zona central da cidade sob as diretrizes de um plano urbanístico, proposto
por Lincoln Continentino (integrante da Comissão de Arquitetura e Urbanismo), que se pretendia
sistematizado e racional quanto à expansão da cidade. Embora este plano não tenha sido
contemplado integralmente, esta lógica cartesiana de tratamento do espaço urbano se
complementou e se estendeu com a realização de vários outros projetos tanto do governo do
estado quanto da prefeitura, os quais, no seu conjunto, asseguraram a expansão de Belo Horizonte
no transcurso das décadas de 40 e 50. A título de exemplificação podem-se mencionar os projetos
de construção do complexo da Pampulha, da Cidade Jardim e da Cidade Industrial.
8
Folha de Minas, “Calçamento para a Rua Bom Despacho em Santa Thereza”, 30 de outubro de
1910 apud GÓES, Luis. Notas Cronológicas do Bairro Santa Tereza, 2000. p.130.(Góes preserva a
ortografia original da época).
144

levantamento das duas torres da igreja matriz, que é considerada por seus
moradores um dos principais ícones identitários do bairro. Vista à distância, como,
por exemplo, da Avenida dos Andradas, suas imponentes torres destacam-se na
paisagem de Santa Tereza. Pela imponência, destaque e beleza do seu edifício, a
matriz se tornou se não a principal, uma das mais importantes referências do
bairro e, ainda mais, da Praça Duque de Caxias, que pelo fato de estar rodeada
de restaurantes e botequins tornou-se, indubitavelmente, um dos lugares de maior
atração e concentração de pessoas do bairro, sobretudo às noites, quando se
converte no “epicentro da boemia” deste lugar9. Destacando-se, portanto, no
universo da vida cotidiana e da sociabilidade do bairro, ela apresenta-se
delimitada pelas ruas Adamina, Mármore, Tenente Vitorino e Estrela do Sul. A Rua
Mármore, por sua vez, é uma das ruas de maior movimento e projeção de Santa
Tereza, possivelmente a rua mais conhecida e movimentada do bairro, por muitos
considerada a principal de Santa Tereza, nela pontuando a Igreja Matriz e uma
variedade de estabelecimentos comerciais. Desde o início das obras de
construção da matriz em 1931, em terreno cedido pela Prefeitura, até a sua
inauguração oficial em 01/05/1962, transcorreram-se, portanto, 31 anos de
trabalho. Tudo leva a crer que a edificação da igreja matriz, assim como a
construção do antigo coreto da Praça Duque de Caxias e os jardins que ela
adquiriu consolidaram este setor como a área central do bairro. E não é por acaso
que tanto a praça como a igreja comparecem nas narrativas dos seus moradores
como os principais ícones identitários de Santa Tereza, entre outros apontados,
como, por exemplo, o Mercado Distrital.
Na década de 1950 já se podia observar, com maior clareza, o predomínio
de construções de uso residencial no bairro, época em que começaram a surgir
construções de pequenos edifícios. Vale dizer acerca disso que, em Belo
Horizonte, o período compreendido entre o final dos anos 40 e, aproximadamente,
meados dos anos 50 é caracterizado como sendo uma fase em que o mercado
expõe um traço predominantemente especulativo, quando então operou uma
enorme oferta de lotes, sinalizando para a abertura de novas frentes do processo
9
Esta condição da Praça Duque de Caxias mereceu uma matéria, de duas páginas, do jornal “O
Tempo”, com o título “Santa Tereza reafirma a cada dia sua vocação notívaga”. Cf. O Tempo, Belo
Horizonte, 20 de abril de 2001, caderno Magazine, p.10-11.
145

de expansão urbana por meio do loteamento de grandes áreas. Nestas, apenas se


fazia a abertura de ruas, sem qualquer dotação de infra-estrutura básica,
conduzindo à formação de bairros cada vez mais longínquos, consolidando,
assim, a expansão periférica, a conurbação e, desse modo, precipitando o início
da metropolização de Belo Horizonte. Nesta perspectiva, os avanços da
industrialização e da urbanização representaram para o bairro de Santa Tereza o
recrudescimento dos empreendimentos imobiliários, principalmente a partir dos
anos 80, como evidencia a construção de pequenos conjuntos habitacionais nesta
época.
O adensamento populacional e a expansão/densificação da área construída
desencadearam a formação de uma teia de conflitos entre a apropriação da rua
para o desfrute dos moradores e o recrudescimento do tráfego, em detrimento da
primeira, quase não se vendo mais crianças e jovens usufruindo ludicamente do
espaço das suas ruas mais centrais, salvo situações específicas, podendo ser
fechadas pela prefeitura para certos tipos de evento (festas, shows etc.). Contudo,
não representando tal movimento a supressão destas práticas, mesmo que em
menor grau elas são ainda observáveis nos seus interstícios (sobretudo nas ruas
de menor tráfego) e, certamente, na Praça Duque de Caxias, local onde se podem
divisar crianças e jovens brincando, andando de patins, de skate, de bicicleta (que,
às vezes, podem incomodar), formando rodinhas de “bate-papos”, bem como,
entre outros, casais de namorados, leitores, idosos, desempregados e pessoas
que, simplesmente, ficam a contemplar o movimento e a bela paisagem da Praça
e de suas cercanias. Conquanto a Praça revele esta dimensão proeminente, ela
não está, obviamente, incólume aos problemas sociais e seus agravos, havendo
ocorrências esporádicas de pequenos furtos, agressões, roubos a transeuntes,
uso miúdo de drogas, etc. Há que se observar que a presença do 16º. Batalhão da
Polícia Militar (mais especificamente de sua 20ª. CIA)10, posicionado numa das
laterais da Praça, inibe ações que possam provocar tumultos e outras variantes de
constrangimento aos freqüentadores do lugar, o que, até certo ponto, proporciona
uma atmosfera de maior segurança e tranqüilidade.

10
Registre-se que o 16º. BPM responde pela segurança pública da Região Leste da capital, sendo
constituído por seis companhias.
146

Em que pesem a realização de obras infra-estruturais na região onde se


localiza o bairro de Santa Tereza, como o viaduto11 construído no segmento da
Rua Paraisópolis, sobre a Avenida dos Andradas (conectando Santa Tereza ao
bairro Santa Efigênia), o metrô12 e a canalização do ribeirão Arrudas13, com
implantação da Avenida dos Andradas, considerando-se, ainda, as mudanças
propostas na lei de uso e ocupação do solo (na esteira da elaboração do novo
Plano Diretor da cidade), o bairro de Santa Tereza tornou-se, assim, bem mais
vulnerável a empreendimentos imobiliários de maior monta, quando já se podia
verificar a expansão do uso comercial e da construção de edifícios. Neste contexto
pode-se destacar, por exemplo, a verticalização permitida pelo zoneamento ZR-4
(criada para a área em torno do centro da cidade), que induz a ocupação
residencial multifamiliar vertical. Foi neste contexto que emergiu, em 1996, se não
a maior uma das maiores mobilizações dos moradores na defesa do bairro frente
às ameaças representadas pela voracidade dos capitais imobiliários, episódio que
engendrou uma efetiva e importante resistência por parte da sua comunidade face
à mudança de padrão de ocupação estabelecida pelo poder municipal.14

11
Concluído em janeiro de 1992.
12
A inauguração da estação do metrô de Santa Tereza ocorreu em 20 de setembro de 1993,
começando a operar, contudo, em 26 de maio de 1994. Ela está localizada no final da Rua
Mármore, bem próximo à Avenida dos Andradas. O metrô melhorou enormemente o transporte
coletivo dos moradores do bairro à região central de Belo Horizonte e a outros setores da cidade.
13
As obras de canalização do ribeirão Arrudas tiveram início em 1984, e foram concluídas em
1997.
14
Pode-se, contudo, indicar, ao menos, dois antecedentes do percurso da mobilização da
comunidade local na defesa da preservação do bairro, quais sejam: a criação em 19/12/1983 da
Associação Comunitária do Bairro de Santa Tereza (que teve como primeiro presidente eleito
Mario Giuseppe Tedeschi) e, a formação em 21/12/1991 da Sociedade Amigos de Santa Tereza
(SAST), entidade criada por iniciativa do jornalista Luis Góes e um grupo de moradores do bairro.
Esta mobilização de 1996 contou, ademais, com o apoio do Jornal Santa Tereza e da Associação
Comunitária do bairro.
149

O evento mais marcante desta mobilização foi, indubitavelmente, o ato


público ocorrido em 21 de abril de 1996, quando os seus participantes fizeram um
“abraço simbólico” em torno da Praça Duque de Caxias, acontecimento que, pela
minha interpretação, melhor simboliza o percurso desta resistência local de Santa
Tereza, explicitando para a comunidade do bairro e para a cidade de Belo
Horizonte os motivos desta luta e o seu sentido, evidenciando ainda uma sólida
determinação de seus moradores quanto à importância de se preservar a
identidade do bairro. Esta ação efetivamente teve fortes ressonâncias junto ao
poder público, conduzindo à aprovação do artigo 83 da Lei 7.166/96, mais
precisamente em 14/06/1996, pela Câmara dos Vereadores, que resguarda o
bairro de comprometimentos ao seu patrimônio arquitetônico-urbanístico. Desta
ação resultou uma das emendas acatadas pela Comissão que analisou o Plano
Diretor de Belo Horizonte de 1995, pela qual o bairro passou a ser considerado
uma ADE (Área de Diretrizes Especiais), isto é, “como área que, em função das
características ambientais e da ocupação histórico-cultural, demanda a adoção de
medidas especiais para proteger e manter o uso predominantemente residencial”.
O parágrafo primeiro deste artigo prevê ainda mecanismos de participação da
comunidade e na gestão da região. O parágrafo segundo estabelece que “além de
uso residencial, somente é permitido na ADE Santa Tereza o funcionamento das
atividades relativas aos usos do Grupo I, isto é, prédios com até três andares e
com altura máxima de 15 metros e para os casos que não impliquem a demolição
das edificações hoje existentes.15
15
PBH. Lei 7.166/96. (Legislação de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo). “Art. 83 – A ADE de
Santa Tereza, em função das características da ocupação histórico-cultural, demanda a adoção de
medidas temporárias para proteger e manter o uso predominante residencial.
§ 1º. No prazo de 12 (doze) meses após a vigência desta lei, o Executivo deve encaminhar projeto
de lei relativo à ADE de Santa Tereza, contendo, além do previsto no art. 75, § 1º., os mecanismos
de participação da comunidade na gestão da região.
§ 2º. Até que seja aprovada a lei a que se refere o parágrafo anterior, além do uso residencial,
somente é permitido na ADE de Santa Tereza o funcionamento de atividades relativas aos usos do
Grupo I, respeitados os seguintes parâmetros urbanísticos:
I- coeficiente de aproveitamento de 1,20 (um inteiro e vinte centésimos) para edificações
residenciais e de 1,0 (um) para as destinadas aos usos não residencial ou misto;
II- afastamento frontal mínimo de 3,00 m (três metros);
III- gabarito das edificações de 15,00 m (quinze metros)”.
Registre-se, ainda, que a instrução das normas da ADE de Santa Tereza foi feita pela Práxis
Projetos e Consultoria, a pedido da Secretaria Municipal de Planejamento, após trabalhos
realizados ao longo de quatro meses, em parceria com a população do bairro e a Administração da
Regional Leste.
150

Desse modo, o novo Plano Diretor da Cidade (aprovado no final de 1996 e


com vigência a partir de 1997), estabeleceu diretrizes especiais para construção e
implantação de atividades no bairro, dificultando a construção de espigões.
Conforme matéria publicada no Jornal Hoje em Dia (de 16/04/2000), a área
construída de Santa Tereza revela um expressivo e “invejável” percentual de
casas, mais precisamente 70,6%, contra 29,4% de prédios de apartamentos,
sendo precedido apenas pelo bairro Carlos Prates, na Zona Noroeste do município
de Belo Horizonte, com 72,5% de casas. No bairro Floresta, por sua vez, que é
adjacente à Santa Tereza, o quadro se inverte, revelando 62,27% de prédios de
apartamentos contra 36,79% de casas.
Contudo, se as orientações impuseram restrições à construção de “arranha-
céus” no bairro, elas não têm conseguido, por enquanto, conter certa proliferação
destes prédios de menor porte, o que foi apontado pela historiadora Michele
Arroyo, da gerência de patrimônio histórico da Secretaria Municipal de Cultura,
como um fator de grande preocupação, declarando que “a propagação de
predinhos na região é um problema sério”.16 Percorrendo-se as ruas do bairro,
pode-se observar a presença destes edifícios em vários pontos; porém, pelo meu
ponto de vista, não ainda a ponto de plasmar uma ampla e profunda
descaracterização de seu espaço urbano. Acrescente-se, ainda, que além do
impedimento à verticalização de maior volumetria, outro fator de constrangimento
ao bairro, que através da regulamentação da ADE se pretende evitar, é o seu
atravessamento pelo chamado tráfego de passagem, considerado um fator de
preocupação na sua preservação. Há, nesse sentido, uma consciência clara do
que isso representaria, sobretudo por parte daqueles que estão comprometidos
com a questão, em que pese o fato de terem os bairros vizinhos como exemplos.

16
Estado de Minas, Belo Horizonte, 30 de janeiro de 2004, caderno Divirta-se, p. 14 e 15. (grifos
meus).
151
152

Prédios de três andares (Residencial Santa Tereza)


na Rua Tenente Vitorino, em Santa Tereza.
Foto: Ulysses da Cunha Baggio (24/06/2005).

Esta ação de resistência à descaracterização do bairro, conducente à sua


transformação em ADE (a primeira a ser criada em Belo Horizonte), ocorreu logo
após a descoberta, por um grupo de moradores, de que o bairro de Santa Tereza
tinha sido incluído no novo Plano Diretor de 1995, como Zona de Adensamento
Preferencial (ZAP). Este fato precipitou a formação do Movimento Salve Santa
Tereza - o principal responsável por esta conquista -, de modo a barrar uma
desfiguração maior que já se manifestava em alguns pontos, como, por exemplo,
153

na Rua Hermílio Alves, que já apresentava prédios de 12 andares.17 Este


movimento emergiu, portanto, na eminência efetiva desta ameaça representada
pela nova legislação urbana de Belo Horizonte. A pressão exercida pelo
Movimento se deu no sentido de modificar o projeto do Plano, mais
especificamente da lei de parcelamento, ocupação e uso do solo urbano. Desse
modo, diante da verticalização e da flexibilização permitidas na proposta do Plano
Diretor (rejeitadas pelo Movimento), afirma-se o desejo da comunidade do bairro
pela manutenção das suas características locais, tendo em vista o resguardo da
tranqüilidade, da qualidade de vida e da sua sociabilidade. De um pequeno grupo
de pessoas, o então embrionário movimento se alarga, conquistando mais
adeptos pela cidade, como, por exemplo, o IAB e a OAB. A concomitante
proximidade de Santa Tereza ao Centro, à região hospitalar e à Savassi (áreas já
saturadas), tornou-o um espaço bastante vulnerável aos interesses do capital
imobiliário, vulnerabilidade reforçada com a sua classificação de ZAP (Zona de
Adensamento Preferencial) proposta inicialmente pelo Plano Diretor. Após um
intenso trabalho orientado ao convencimento dos vereadores e da opinião pública
sobre a importância da região e, mais especificamente, de Santa Tereza no
âmbito da cidade de Belo Horizonte (percurso que contou com uma boa
divulgação pela mídia), o resultado foi a criação da ADE.
O Movimento Salve Santa Tereza declara-se apartidário, com um caráter
essencialmente comunitário. Surgido logo após a conferência de Istambul sobre
cidades, ele é considerado pioneiro em Belo Horizonte quanto à discussão das
propostas do Plano Diretor de 1995, constituindo-se, assim, como uma referência
e exemplo a outros movimentos (como, por exemplo, da Pampulha, Cidade
Jardim, etc.) voltados aos problemas urbanos, que buscam, assim, a abertura de
canais de participação nas decisões atinentes à cidade. O Movimento tem como
objetivos a manutenção da qualidade de vida e da sociabilidade do bairro, bem
como lutar pela proteção e preservação do seu patrimônio histórico, cultural e
paisagístico, além de defender a cidadania e a participação democrática igualitária

17
Segundo diagnóstico feito pelas secretarias municipais de Planejamento e Atividades Urbanas,
até 1998, Santa Tereza apresentava 5 edifícios com mais de 11pavimentos (sendo um deles com
três blocos), 7 entre 8 e 10 pavimentos, 14 entre 5 e 7 pavimentos, e mais de 3 mil edificações com
até quatro pavimentos. In: Hoje em Dia, Belo Horizonte, 13 de outubro de 1998. p.5.
154

da comunidade nos diversos processos de decisão da cidade. Considerando


bastante positivos os resultados de sua atuação, ele identifica o aumento da
conscientização da população local e mesmo de outras partes da cidade acerca
do meio ambiente urbano, de modo a contribuir significativamente para um maior
reconhecimento da importância histórica e cultural do bairro para a memória de
Belo Horizonte.
Entretanto, diz a coordenadora do Movimento Salve Santa Tereza, “se com
a criação da ADE o bairro ficou definido como basicamente residencial, com a
proibição de se construir fábricas e prédios com mais de quatro andares, (...) ao
invés de proteger o bairro, aconteceu o inverso, pois houve uma procura maior
pelas construtoras”.18 O teor desta declaração sugere, assim, a formação de um
ambiente atrativo aos interesses imobiliários, presumivelmente envolvendo certa
valorização dos terrenos na região após a aprovação do Plano Diretor em 1996 e
da própria criação da ADE. Porém, não fosse esta mobilização de resistência dos
moradores, e os apoios que o movimento recebeu de várias instituições, poder-se-
ia prever, como um dos cenários mais prováveis (sem a criação da ADE), uma
rápida e efetiva descaracterização do bairro pelo capital imobiliário. Isto
certamente acarretaria sérios comprometimentos aos espaços de convívio (ainda
existentes e insinuantes no bairro), assim como ao seu acervo arquitetônico e
urbanístico (que ainda guarda um expressivo casario do início do século XX,

18
Depoimento da coordenadora do movimento Salve Santa Tereza, Edelweiss Hermann, à
reportagem do Estado de Minas, Belo Horizonte, 22 de junho de 1998, p.32, Caderno Gerais –
Comunidade. Esta observação demonstra a plasticidade dos negócios da/na cidade. Certamente,
ela indica que a área, sendo alvo de interesses, irá induzir a pressão junto aos moradores por
novos usos e/ou novos proprietários. Assim, as condições econômicas dos atuais moradores
podem tornar a moradia um bem econômico tal que eles poderão chegar a vendê-la. É uma
situação relativa ao panorama de valorização da terra (e da habitação) absolutamente possível e
provável (muito embora se deva levar em consideração o desejo pessoal dos moradores, ao
menos parte deles, de permanecer no bairro, como, aliás, conversas e entrevistas realizadas in
loco revelaram). Nesta perspectiva uma geografia do movimento (nos termos de Pierre George)
prevê essas possibilidades, sendo esta economia (a capitalista) móvel, dinâmica, e, assim,
assombra patrimônios. Conforma-se, neste sentido, uma “extrema mobilidade das situações
atuais”, uma vez que “a extraordinária aceleração de evoluções técnicas, mas também de
processos históricos, modificando profundamente as relações econômicas e políticas
anteriormente estabelecidas, impôs a tomada em consideração do movimento, e mesmo a opinião
de que toda a situação é movimento”. Desse modo, “situações políticas e econômicas, que se
qualificavam de estáveis, foram transformadas e continuam a se transformar num ritmo rápido,
diante do qual as resistências e os conservantivismos não resistem por muito tempo”. GEORGE,
Pierre. “Problemas, doutrina e método”. In: GEORGE, Pierre et al. A Geografia Ativa. 2ª.edição.
São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968. p.7-40, citações: p.24 e 25. (passim).
155

sobretudo dos anos 20 e 30) pela substituição progressiva do patrimônio edificado.


O recrudescimento da verticalização implicaria, assim, em uma enorme pressão
infra-estrutural, podendo-se destacar as sobrecargas na infra-estrutura de água,
de esgoto e de trânsito. Portanto, é importante consignar acerca deste percurso
que ele expõe a conformação de uma situação espacial em Santa Tereza, na qual
os moradores (ao menos parte deles) decidiram conscientemente acerca do lugar
de moradia, de vivência e de existência. O estranhamento inicial diante do
prescrito, da situação indesejada de descaracterização do bairro, suscitou esta
“tomada de consciência”, denotando, assim, uma perspectiva oposta a uma
reificação sócio-espacial, uma vez que esta prática de resistência encerra (e está
pautada por) sentimentos, afetividade entre as pessoas e destas com o lugar de
vivência. Trata-se, portanto, de um “terreno” não dominado pela “coisificação” das
relações sociais, que é, aliás, um dos fatores de resistência e força do capitalismo,
ao fazer da aparência o real, aparência que, no entanto, não é falsa, mas real...
Conquanto o bairro ocupe atualmente uma área correspondente a 84,292
km2, delimitada ao norte pela Rua Pouso Alegre, ao sul e a leste pela Rua
Conselheiro Rocha, e mais a oeste pela av. Flávio dos Santos e av. do Contorno,
com uma população estimada (dados de 2000) em 12.122 habitantes19 (entre eles,
muitos moradores antigos, estudantes universitários, professores, artistas
plásticos, músicos, ceramistas, poetas etc.20), Santa Tereza conformou-se, assim,

19
Esclareça-se que a estimativa se fez a partir de dados disponibilizados no Censo do IBGE de
1991 para os bairros de Santa Tereza e Floresta (respectivamente com 10.761 e 18.852
habitantes) para o ano 2000, quando então os dados não são apresentados por bairro nem pelo
IBGE (que opera com setores censitários) e nem pela Prefeitura de Belo Horizonte (que trabalha
com Unidades de Planejamento). Assim sendo, levantei os dados da Unidade de Planejamento
Floresta/Santa Tereza de 2000 (que indica apenas a população de forma agregada, no caso de
33.357 habitantes) para fazer esta estimativa. Trabalhando-se os dados destes dois períodos
(1991 e 2000), pode-se constatar, de forma aproximada, que a população de Santa Tereza e da
Floresta em 2000 perfaziam, respectivamente, 12.122 e 21.235, muito embora não seja prudente e
nem razoável afirmar que estes bairros tenham crescido na mesma proporção. Trata-se, portanto,
de uma aproximação.
20
Cumpre observar, acerca disso, que a literatura sobre valorização do espaço, que atravessa a
geografia econômica, fala dessa presença social “alternativa” que tem “certa cultura” e pode ser
intermediária – no tempo da capitalização possível – de outros usos e moradores. David Ley fala
de “pioneiros que redefinem as características do bairro em que se instalam, e, juntamente com a
especial atenção dedicada pela mídia e pelo setor imobiliário, preparam o terreno para uma
posterior chegada dos membros da classe média abastada, (...) os possíveis pioneiros são
excluídos pelos altos preços residenciais e, inclusive, o ambiente do bairro volta a mudar em
relação àquele imposto pelos pioneiros.” LEY, David. The new middle class and the remaking of
the central city. Oxford. University Press, Oxford, 1996, apud RIGOL, Sergi Martinez i. “A
156

como um bairro predominantemente residencial, evidenciando-se no contexto


sócio-espacial de Belo Horizonte pela sua vida boêmia, carnavalesca e artística.

gentrification: conceito e método”. In: CARLOS, Ana Fani A. & CARRERAS, Carles. Urbanização e
Mundialização – estudos sobre a metrópole. São Paulo: Contexto, 2005. p. 98-121, citação: p.116.
157
158
159

Esta tríade é, certamente, uma de suas características mais marcantes, traço forte
nas suas práticas sócio-espaciais e, neste sentido, da sua identidade e da sua
territorialidade, o que faz deste lugar um espaço de atração e de “philia”, de
procura constante por moradores de diversas partes de Belo Horizonte e de outras
cidades, uma vez que este traço se inscreve no universo do prazer, da festa, do
encontro, portanto do uso (do tempo e do espaço). Eis o que lhe é proeminente,
éter que o envolve e matiza a sua singularidade. Desse modo o bairro adquiriu
grande projeção na cidade, tornando-se bastante conhecido em virtude dos seus
carnavais e dos seus blocos, como, por exemplo, a Banda Santa, bem como pela
significativa contribuição e participação no cenário cultural da cidade, que não se
restringe apenas pela memória do Clube da Esquina, mas também pelo fato de
que nele igualmente despontaram bandas musicais de projeção internacional
como, por exemplo, a Skank e a Sepultura. Há que se considerar ainda a sua
agradável e atrativa expressão paisagística e arquitetônica, na qual avulta a
presença de muitas casas antigas, bem como a diversidade de opções de
entretenimento e de atividade cultural, podendo-se destacar as casas de seresta,
as feiras de artesanato, shows musicais e a gastronomia variada (de botequins a
restaurantes).
Além disso, pode-se identificar no bairro certa preservação de relações
estreitas de vizinhança, e, não raro, é possível observar nos finais de tarde,
principalmente, cadeiras colocadas nas calçadas para conversas prolongadas,
ocorrência, diga-se de passagem, cada vez mais incomum nas grandes cidades,
pesando ainda mais sobre elas o recrudescimento da violência, a fragmentação
das relações sociais e o avanço da impessoalidade, aspectos que também se
fazem sentir no bairro de Santa Tereza, porém, não de modo a suprimir esta
prática da cultura sócio-espacial local, mantendo-se, ao menos por enquanto, viva
e resistente aos vetores da modernidade e da metropolização. Guardadas as
devidas proporções, elas ainda se revelam parcialmente presentes na vida
cotidiana da capital e, mais especificamente, deste bairro, traduzindo-se como um
traço de permanência, mas que também conota resistência face aos impactos da
160

urbanização/metropolização.21 Este, aliás, é um aspecto relativo à sociabilidade do


bairro pelo qual seus moradores e freqüentadores/visitantes o comparam a uma
cidade de interior, com relações de maior proximidade e intimidade, sendo este
um aspecto caracterizador recorrente nas narrativas e impressões sobre o lugar,
indubitavelmente uma marca da vida cotidiana e da espacialidade de Santa
Tereza. Acerca disso, vejam-se, por exemplo, os seguintes depoimentos:
Escolhi Santa Tereza, que me chamava atenção por ser mais parecida
ainda com cidade do interior, mais família. Cheguei no bairro há 10 anos e
os vizinhos me procuram, uma coisa que na capital, na cidade grande, não
existe, esse cuidado dos vizinhos, que vem e procuram, que quer saber,
saber o que é que faz. E isso me atrai muito, me sinto muito à vontade com
essa coisa de ser uma grande família. Me sinto mais segura, de não ser tão
anônima na grande cidade. (...). Aqui tem ainda muita casa. Quis morar
num bairro com mais casas do que prédios. A gente batalhou pra ter leis
que protegessem o bairro. A comunidade é unida, eles discutem, cobram.
(...) A grande diferença é a semelhança com o interior. Aqui se conhece
todo mundo. Há dez anos que estou aqui e as pessoas são assim, não
apenas os vizinhos. (...) Há um afeto entre os moradores.22

Um outro morador, que reside a 51 anos em Santa Tereza acredita que o


bairro seja
...um dos melhores bairros para se morar da cidade. A vida aqui é mais
tranqüila. (...) É difícil alguém não conhecer a outra pessoa. (...) Aqui tem
muitas famílias antigas. Permaneço até hoje no bairro porque tenho
relações de amizade antigas.23

Em depoimento de outra moradora, que vive no bairro há 36 anos, e que diz


adorar a cidade de Belo Horizonte, Santa Tereza comparece como o lugar
preferido da capital mineira, no qual tem a maior parte de seus familiares. Embora
identifique no bairro um relativo avanço da violência e uma insuficiência do
policiamento, o bairro, mesmo assim, é considerado “um bom lugar para se viver”.
E explica:
...talvez porque tenha ainda muita residência, menos edifícios, o povo ser
mais socialmente amigo. A gente sai aqui, todo mundo sai se
cumprimentando como se fosse uma cidade do interior. (...) Todo mundo te
21
Cabe observar que existe na geografia um intervalo de debate entre o que seria geografia cultural
e uma nova geografia urbana, que leva isto em consideração, estabelecendo um diálogo entre o
que é cultural e o que é do âmbito do econômico, com mútuas interferências.
22
A entrevistada é artista plástica e tem 60 anos (entrevista realizada em 01 de maio de 2004).
23
Técnico de contabilidade e tem 66 anos de idade (entrevista realizada em 04 de agosto de 2004).
161

cumprimenta; de início pergunta as coisas, conversa, sai andando, fazendo


uma compra, conversando, como se fossem conhecidos; mas, às vezes, se
conhecem só de vista, pouco se sabe da pessoa.24

Perguntado sobre as suas impressões sobre Santa Tereza, um outro


entrevistado respondeu o seguinte:
As melhores possíveis. Um bairro bom de morar porque não é super-
populoso. Apresenta uma infra-estrutura urbana razoável ou fácil acesso a
equipamentos urbanos. Não passou por processo de verticalização como
Floresta, Sagrada Família e Santa Efigênia. Apesar de alguns relatos
dando notícias de roubos e assaltos, tenho a impressão de segurança, de
conforto ao caminhar ou percorrer de carro as ruas do bairro, que são
bastante simpáticas.25

Conquanto a existência desta imagem de Santa Tereza como um lugar


assemelhado a uma cidade do interior, e dotado de relações sociais mais estreitas
entre os moradores seja frequentemente explorada e veiculada pela mídia,
reforçando esta representação sobre o bairro26, não seria razoável considerar, ou
mesmo reduzi-la a um mero estereótipo, ainda que se leve em conta o fato de que
o bairro não seja propriamente dotado, sobretudo nos tempos hodiernos, de uma
conformação espacial que circunscreva um universo de relações sócio-espaciais
de caráter mais constante, efetivamente interiorano, à medida que o bairro se
tornou mais vulnerável aos dinamismos da metrópole e aos influxos da
modernização. Ademais, considere-se, ainda, o fato de estar localizado
relativamente próximo ao centro da cidade, como bem se pode observar neste
fragmento de depoimento: “o bairro está próximo ao centro da cidade e, às vezes,
faço caminhada até lá, que dá uns trinta minutos”.27 Embora as relações entre os
24
Aposentada, tem 76 anos (entrevista realizada em 05 de agosto de 2004).
25
Morador do bairro há alguns anos, o entrevistado tem 36 anos, é historiador e professor
universitário (entrevista realizada em 20 de abril de 2004).
26
Isto pode ser comprovado, por exemplo, em inúmeras matérias publicadas em jornais de Belo
Horizonte (principalmente Estado de Minas, Hoje em Dia, O tempo), como, aliás, bem se pode
verificar nas pastas relativas ao bairro de Santa Tereza, no Arquivo Público da Cidade de Belo
Horizonte.
27
O percurso a pé para quem parte de Santa Tereza (por exemplo, da Praça Duque de Caxias) em
direção ao centro da cidade, pode ser feito, entre outras possibilidades, tomando-se a Rua
Mármore (ou Salinas) rumo à Rua Hermílio Alves, e, a partir desta, em direção a Avenida do
Contorno, palmilhando-a por curto trajeto até à Avenida Assis Chateaubriand, prosseguindo por
ela, inicialmente em subida curta e, logo adiante, vertente abaixo, rumo ao belíssimo Viaduto Santa
Tereza (de onde se pode divisar, privilegiadamente, a Praça da Estação Central, a Serraria Souza
Pinto e parte do Parque Municipal), avançando, finalmente, ou por Bahia (à esquerda) ou por
Tamoios (à direita), em direção a Avenida Afonso Pena, na área central da cidade. Recomendando
162

moradores revelem-se diversificadas, aspecto para o qual contribuiu o seu


crescimento populacional, não se pode afirmar igualmente que o bairro não
apresente mais relações estreitas de vizinhança (de boa vizinhança), aspecto que,
em parte, pode ser atribuído à presença e permanência de moradores antigos nas
suas dependências28, cuja longa convivência proporciona um conhecimento mútuo
e íntimo dos seus hábitos. “Cada um conhece o modo de caminhar do vizinho, o
barulho do carro e outros detalhes”, declara uma moradora antiga da Vila Ivone,
em Santa Tereza.29 Nesta mesma direção, pode-se argumentar ainda que, embora
o bairro tenha uma função predominantemente residencial e, por essa mesma
razão, haja a ocorrência de conflitos com práticas e atividades de bares,
restaurantes e casas noturnas, não seria razoável afirmar que o bairro seja
destituído, ou mesmo que tenha perdido sua atmosfera boêmia, aspecto que fácil
e empiricamente pode ser constatado por qualquer um que freqüente o bairro (ou

a primeira opção, com boa disposição e passo firme, pode-se mesmo realizá-lo,
comprovadamente, em aproximadamente 40 minutos. É um belo passeio que, se for feito no
domingo, pela manhã, pode ainda levar o caminhante a comprazer-se, ao final, do vistoso
ambiente da Feira de Arte e Artesanato da Avenida Afonso Pena. Oportunamente, assinale-se que
o Viaduto Santa Tereza é um equipamento urbano tombado pelo IEPHA, constituindo-se numa
obra de significativa projeção no universo dos ícones identitários de Belo Horizonte, que integra a
memória da cidade e o conjunto arquitetônico da Praça da Estação. Projetado por Emílio Baugart,
desde a sua inauguração, em 1929, ele já passou por cerca de trinta reformas. Naquela época foi
considerado como o maior vão de cimento armado da América Latina. Possuindo 400 metros de
extensão, chama muito a atenção das pessoas pelos dois belos arcos que ostenta, de 14 metros
de altura. Ademais, ele é, indubitavelmente, uma das mais importantes conexões entre a área
central da cidade e a Zona Leste da capital, fazendo da Avenida Assis Chateaubriand uma das
principais vias de acesso mais imediato e do escoamento do trânsito de veículos entre elas. Deve-
se aqui agregar, obviamente, a Avenida dos Andradas, que é a grande artéria marginal de
integração mais extensiva dos bairros da região Leste com o centro da cidade.
28
Acredita-se que para esta permanência tenha contribuído a relativa insularização do bairro em
relação ao centro e demais áreas de maior dinamismo da cidade, não ficando ele, neste sentido,
sujeito a uma efetiva elitização sócio-econômica, apresentando-se como um bairro
predominantemente ocupado por segmentos de renda média e baixa, diferentemente do que se
verifica, já há algum tempo, em diversos bairros da zona sul, como, entre outros, Sion, Santa Lúcia,
São Bento, que se situam no vetor de expansão e adensamento de segmentos de classe média e
alta.
29
Depoimento de moradora e dona de casa à reportagem do Estado de Minas, Belo Horizonte, 19
de dezembro de 2004, caderno Gerais, p.25. Contando com 50 anos de idade, ela reside na Vila
Ivone desde que nasceu.
163

Tomada do Viaduto Santa Tereza, a partir da Avenida Assis Chateaubriand, em direção ao


bairro Floresta.
Foto: Ulysses da Cunha Baggio (05/07/2005).

Detalhe de ônibus rumo ao bairro de Santa Tereza, no Viaduto homônimo.


Foto: Ulysses da Cunha Baggio (05/07/2005).
164

queira efetivamente freqüentá-lo) por algum tempo. Não considero, portanto, que
este traço seja também um mero estereótipo. Acerca disso, pode-se oferecer
como exemplos vivos, entre outros, o Bar e Restaurante do Bolão, possivelmente
o mais conhecido de todos, que tendo sua unidade mais antiga localizada na
Praça Duque de Caxias, 288, ali funcionando há 38 anos possui, ainda, uma
extensão na Rua Mármore, 695, cujo funcionamento, sobretudo o primeiro,
costuma avançar até altas horas da madrugada, frequentemente reunindo grande
número de pessoas ao longo de toda a semana, principalmente de quinta a
domingo, período em que o bar chega a funcionar quase que ininterruptamente; o
Bar e Restaurante Temático, situado na Rua Perite, 187, nas imediações do
Mercado Distrital, lugar que embora não funcione até altas horas da noite,
encerrando suas atividades em torno de 01:00 hora da madrugada é,
indubitavelmente, um dos pontos mais freqüentados do bairro, oferecendo grande
variedade de pratos e tira-gostos, o que tem feito dele um dos bares mais
conhecidos e frequentados de Santa Tereza; ou ainda, o Bar e Pizzaria Parada do
Cardoso, localizado na Rua Dores do Indaiá, 409. Vale dizer que este último lugar,
embora seja mais recente no bairro, com oito anos de existência, já se constituiu
num dos principais pontos de encontro de Santa Tereza, tendo este nome em
virtude de estar localizado praticamente ao lado da parada de trens da Central do
Brasil de mesma designação (“Parada do Cardoso”)30, construída em 1918 e mais
precisamente posicionada na confluência das Ruas Dores do Indaiá, Alvinópolis e
Conselheiro Rocha.
Sendo um traço forte da sua identidade, é importante consignar que o bairro
de Santa Tereza efetivamente tornou-se bastante conhecido pela existência dessa
30
Vale registrar que na Parada do Cardoso o movimento de embarque chegou a alcançar 300
pessoas por dia, tendo sido desativada nos anos 50. “O motivo alegado pela Central do Brasil foi a
falta de passageiros para os trens do subúrbio em função do aumento do tráfego de bondes,
ônibus e lotações. A parada dos trens do subúrbio deu nome à região e era muito utilizada pelos
moradores da comunidade. A estação tinha uma pequena plataforma e uma cobertura com telhas
para proteger os usuários do sol ou da chuva. Na Parada do Cardoso embarcava-se nos trens de
subúrbio para o centro da cidade, Bairro Industrial, Barreiro, Betim e outras regiões. Embarcava-se
também para Marzagão, Borges, General Carneiro, Roças Grandes, Sabará, Caeté e outras
localidades, para o lazer ou por motivos religiosos. A Parada do Cardoso recebia também
passageiros destinados ao Hospital Cícero Ferreira. Era a maneira mais fácil de chegar ao hospital,
para quem morava no interior”. GOES, Luis. Bairro de Santa Tereza: memória e história nos 100
anos de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Editora Luis Góes Ltda, s/d. p.91.
165

atmosfera boêmia, sendo que tanto moradores como muitas pessoas que afluem
ao bairro têm como prática comum e recorrente freqüentar estes
estabelecimentos. Assim, o bairro conta, até os dias atuais, com vários botequins,
bares, restaurantes, bem como casas de shows e mesmo de serestas, que têm
acontecido, também e esporadicamente, na Praça Duque de Caxias. Este
universo encerra, de fato, uma tradição no bairro. E, segundo Luis Góes:
Esta tradição é bem antiga e vem do tempo em que a região ainda era
habitada pelos colonos brasileiros e estrangeiros que aqui vieram. Na ex-
colônia Américo Werneck havia botequins que serviam à comunidade. (...)
Segundo o regulamento organizado pelo Governo do Estado, os colonos
podiam manter casas de vendas, mas eram proibidos de vender bebidas
alcoólicas. (...) Entre os precursores do comércio destacam-se o Bar do Zé
Inácio, na esquina de Conselheiro Rocha com Dores do Indaiá e o do
Agapito Piñal, ao lado da ponte do Cardoso. Também naquela parte do
bairro existia o Armazém Montanhês, (...) a Padaria do ‘Seu’ Coutinho, o
Bar do Lopes, o Bar do ‘Seu’ Marques e o Bar do Tilinho, todos na Rua
Silvianópolis. Subindo para a Praça, no final do ônibus, havia os
“comércios” do “Seu” Loureiro, do “Seu” Juca e do Tuchão. Na Rua
Hermílio Alves, porta de entrada do bairro, encontramos o Bar do Bigode,
recentemente falecido e que oferecia um pastel muito especial. O Bar do
Postinho, na esquina da Rua Hermílio Alves com Rua Mármore, já foi
pizzaria e tentou ser casa de seresta. Os irmãos Lacerda, quando sócios,
mantinham três estabelecimentos muito fortes, na Rua Mármore. A
mercearia, que cerra as portas às dez da noite, oferece tudo para o lar.
Conta com uma freguesia assídua, inclusive para um bate-papo e uma
cervejinha. Do outro lado da rua, há o Bar do Walter. Ainda no início do
quarteirão, encontra-se o Gatão & Cia, onde o self-service de
churrasquinho, em ambiente moderno e jovem comanda o restante da
noite. Há ainda o Felino’s, também dos irmãos Lacerda, depois da Praça.
Quase na esquina da Praça, subindo a escada da antiga sede da
Associação Esportiva Santa Tereza há o restaurante Macarrão com
Rapadura. Na Praça, aumentam as opções.31

Portanto, esta característica do bairro é real, estando longe de ser um mero


estereótipo. Trata-se de um aspecto que para ser identificado e reconhecido
requer uma efetiva inserção e, ao menos, alguma convivência social no âmbito da
vida noturna do bairro.32
31
Góes ainda apresenta uma diversidade de outros bares do bairro, não havendo necessidade de
citá-los todos aqui. A “lista” é grande... Cf. GOES, Luis. Bairro Santa Tereza, 100 anos. Belo
Horizonte: Editora Luis Góes, 2003. p.55.
32
Bairro este que pode ser considerado como sendo ainda subúrbio e que encerra uma efetiva
origem operária. Acerca disso, valho-me de José de Souza Martins, que oferece uma contribuição
valiosa acerca do significado e do sentido de subúrbio, ao assinalar que: “O subúrbio é o lugar em
166

Neste sentido, as observações in loco nos domínios de Santa Tereza,


realizadas ao longo de vários anos (antes mesmo do início desta pesquisa, pois já
freqüentava o bairro), as entrevistas e conversas “informais” com moradores
(vários deles residentes antigos), bem como com freqüentadores (não residentes),
a leitura de artigos de jornais e crônicas atinentes a ele, evidenciam estas
características significantes que matizam as representações de Santa Tereza. Em
síntese, elas se traduzem e identificam Santa Tereza como uma cidade do interior
(com semelhanças), como um local de vida boêmia e carnavalesca, como um
espaço de preservação de relações estreitas de vizinhança, e como um lugar de
artistas, estudantes e intelectuais. Estes aspectos comparecem recorrentemente
nas narrativas sobre o bairro, inclusive nas da imprensa escrita e televisiva.
A dimensão boêmia, musical e artística do bairro guarda ainda um ponto
forte na sua historicidade, isto é, a memória do admirável “Clube da Esquina”,
surgido mais precisamente no cunhal das ruas Divinópolis e Paraisópolis. O lugar
foi ponto de encontro de músicos mineiros que fizeram fama no Brasil e no
exterior, como, por exemplo, Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges, Beto
Guedes, os quais dispensam maiores comentários, sendo já bastante conhecidos
os bons frutos dos seus trabalhos e a grande contribuição que deram em prol da
música e da cultura brasileiras.33 Na parede de um edifício desta esquina brilha a
placa metálica que homenageia o admirável grupo que, segundo Murilo Antunes, é
“uma entidade imaginária, lúdica, composta por pessoas que tiveram como
amálgama a música”. Embora não tenha composto nenhuma música especial para
Santa Tereza, o cantor e compositor Lô Borges - que nasceu e residiu por vários
anos no bairro, e onde também residem, ainda hoje, os seus pais, na Rua
Divinópolis - refere-se ao bairro como um lugar especial na sua vida, muito querido

que a vida desmente a interpretação formal, a história oficial ou oficiosa, que ignora o vivido, o
drama que cerca o trabalho, seus ganhos e suas incertezas. É o lugar em que as ideologias são
questionadas e desafiadas na prática. É o lugar em que o projeto, o possível, só tem sentido como
possibilidade permanente de revolução - a revolução na vida cotidiana. (...) Nestes espaços, a
memória é o documento vivo da história vivida”. Espaço & Debates – Periferia Revisitada. São
Paulo: NERU, 2001, ano XVII, n.42, Depoimento José de Souza Martins, p.75/84, citação: p.82/83.
33
Cf. sobre o assunto os bons trabalhos de BORGES, Márcio. Os Sonhos não Envelhecem:
histórias do Clube da Esquina. São Paulo: Geração Editorial, 1996; e GARCIA, Luiz Henrique A.
Coisas que ficaram muito tempo por dizer: o Clube da Esquina como formação cultural. Belo
Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Minas Gerais, 2000. (Dissertação de
Mestrado em História).
167

e presente em sua inspiração. Para ele, Santa Tereza se apresenta em Belo


Horizonte, como
...um dos melhores locais para se viver, exatamente por não ser um bairro
de passagem das pessoas, que vêm para cá com o propósito de realmente
vir! Todos aqui são amigos, todos se conhecem, se ajudam, se encontram
nos bares e é um bairro bem aconchegante, muito bonito, muito gostoso.34

Comparecendo Santa Tereza neste trabalho como um recorte territorial da


cidade de Belo Horizonte, sustento que se trata de um lugar marcado por um
expressivo universo de relações sócio-espaciais cotidianas que se afirma, no
movimento mais amplo de estruturação e evolução da metrópole interiorana, como
um locus histórica e geograficamente vivenciado pela comunidade que nele se
inscreve, e o utiliza, de modo a imprimir-lhe certas especificidades e
características que suscitam questionamentos sobre a questão do uso e da
apropriação do espaço urbano na modernidade. Enquanto um espaço vivido (e
não, simplesmente, um espaço visto), condição pela qual se realiza, no transcurso
dos tempos, a ação e a exploração do indivíduo no meio, Santa Tereza insinua-se
no conjunto da cidade como um lugar diferenciado e que apresenta certa
singularidade. Para tanto concorrem, substancialmente, seus modos territoriais de
vivência cotidiana (expressos na sua musicalidade, na sua vida boêmia e nas
rodas de “bate-papos” que se formam principalmente nos seus diversos bares e
restaurantes, na vida religiosa da Paróquia de Santa Tereza, nas práticas de
resistência pela preservação do bairro, nas feiras de artesanato e alimentação,
etc.), sobre os quais reverberam as influências e os condicionantes sócio-
espaciais da sua configuração urbanística. Desse modo pode-se dizer que Santa
Tereza é um espaço de caráter sociabilizado, no sentido de que seus lugares são
substancialmente compartilhados por grupos, coletivamente. A vertente boêmia e
musical do bairro aponta para esta condição. Atente-se, uma vez mais, que a
constituição e a permanência deste quadro sócio-espacial ao longo dos tempos se
atribui, em grande medida, ao relativo isolamento geográfico que o lugar
experimentou durante um bom tempo em relação ao seu entorno, uma vez que ele
se encontrava “fora” da zona urbana, demarcando, assim, uma descontinuidade
34
Em entrevista ao Guia de Santa Tereza em 24/09/2004. Disponível em:
HTTP://WWW.GUIADESANTATEREZA.COM.BR. Acesso em: 11 de maio de 2005.
168

espacial no processo mais geral de formação da cidade. Mas esta


descontinuidade não se reduz apenas à dimensão territorial, mas se estende aos
modos territoriais de vivência no/do bairro, que se traduzem por modalidades de
uso e apropriação do espaço. Nesta perspectiva, a constituição de Santa Tereza
deu-se de modo a manter, por várias décadas, um relativo distanciamento das
influências do moderno e dos seus signos, aos modos dominantes da
modernização, condição que, pela minha compreensão, está na base da formação
de uma cultura de resistência e de permanência no bairro diante de uma
modernização desenfreada e espacialmente degradante, o que vale dizer diante
da tendência impositiva do valor de troca representada pelo dinamismo do
mercado imobiliário. Contribui, ainda, para esta singularidade de Santa Tereza a
sua própria condição no âmbito do sistema viário da cidade, haja vista que este
bairro não se configura, ao menos por enquanto, como um local de passagem35,
não estando seu espaço perpassado por grandes artérias de circulação.36 Se
assim fosse, é lícito supor que modificações sensíveis ocorreriam na
estruturação/organização do seu espaço, repercutindo tanto na sua dimensão
material como social, uma vez que o ingresso contínuo do automóvel (se não o
principal, um dos maiores signos da modernidade) nas cidades,
...força o espaço físico, levando a uma necessidade contínua de
alargamento das vias públicas e criação de autopistas, destruindo, muitas
vezes, certos aspectos pitorescos das cidades, destruindo a própria
memória da cidade.37

35
Acerca deste aspecto, Marilton Borges observa o seguinte: “Santa Tereza nunca foi um bairro de
passagem, mas sempre de chegada, ou seja, o nosso trânsito sempre foi local e voltado única e
exclusivamente para a própria comunidade, sendo certo que este é o principal motivo, segundo
alguns técnicos, que possibilitou fossem mantidas intactas, até hoje, as características do bairro
com relação aos outros da Capital”. BORGES, Marilton. Santa Tereza: 100 anos de amor e
tradição. In: Estado de Minas, Belo Horizonte, 15 de outubro de 1998, p.4. (Marilton Borges foi
presidente da associação de moradores do bairro e um dos membros do Clube da Esquina).
36
Como complemento da nota anterior, assinale-se que até os dias atuais as linhas de ônibus que
acessam o bairro, na sua maioria, são destinadas ao próprio bairro, o que reforça a condição de
Santa Tereza não ser um lugar de passagem tal qual ocorreu com alguns bairros limítrofes a ele,
conquanto os limites da cidade se coloquem para muito além dele. Neste sentido, e longe de
quaisquer determinismos geográficos, tudo leva a crer que a configuração viária do bairro (com a
predominância de ruas, muitas delas estreitas e, em parte, tortuosas) tem exercido, historicamente,
certa influência na constituição de sua identidade. Uma verificação in loco desta estrutura permite
perceber, pelo meu modo de ver, esta influência.
37
SCARLATO, Francisco C. Metropolização de São Paulo e o Terceiro Mundo. São Paulo: Iglu,
1987. p.98.
169

Esclareça-se, oportunamente, que Santa Tereza, assim como os bairros


Floresta, Horto, Sagrada Família e Santa Efigênia constituem áreas pericentrais
localizadas a norte e a nordeste da Avenida do Contorno. Estes bairros fazem
parte da Região Leste38 da cidade de Belo Horizonte, que possui como
característica marcante o fato de ser uma região de ocupação antiga que remonta
aos primórdios da formação da capital mineira, sendo assim dotada de traços
identitários insinuantes. Seguramente, pode-se considerá-la como uma das mais
consolidadas da cidade. No passado, esta região oferecia dificuldades de
penetração, com uma topografia bastante acidentada (ver destaque no mapa
seguinte), condição que contribuiu significativamente para o fato de que, durante
muito tempo, ficasse à margem de investimentos de maior monta e, neste sentido,
praticamente destituída de maiores “atrativos”, de modo a não sofrer interferências
expressivas dos setores mais dinâmicos da cidade.
Ademais, os bairros que a constituem (inclusive Santa Tereza) não
apresentam, ao menos ainda, profundas alterações de ocupação do solo, com
pouca oferta de lotes vagos e relativa retração populacional, que o Plano Diretor
de 1996 atribui ao avanço do uso comercial neste setor. Acerca deste último

38
Segundo a SCOMGER-L (Secretaria Municipal da Coordenação de Gestão Regional Leste), esta
região “(..) tem como área jurisdicionada, de acordo com a Lei municipal no. 4158, de 16 de junho
de 1985, a compreendida no seguinte perímetro: começando na av. José Cândido da Silveira, na
divisa dos municípios de Sabará e Belo Horizonte; segue por esta, exclusive, até a av. Cristiano
Machado; por esta, exclusive, até o túnel da Lagoinha; por este, exclusive, até a av. Nossa
Senhora de Fátima; por esta, exclusive, até a av. do Contorno; por esta, exclusive, no sentido
horário, até o seu cruzamento com a rua Piranga; por esta, exclusive, até a divisa com o Setor
Especial 4 (SE4), do aglomerado Serra – São Lucas, conforme Decreto 4.845, de 08.11.84; pela
divisa leste deste aglomerado, exclusive, até a divisa com os terrenos da Fundação Benjamim
Guimarães (Hospital da Baleia); pela divisa oeste desta fundação, exclusive, até os limites com a
Serra do Taquaril na divisa com o município de Nova Lima; pela linha limítrofe dos municípios de
Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará até a av. José Cândido da Silveira, ponto de origem desta
descrição”.
170
171
172

aspecto veja-se, por exemplo, que em 1991 a população residente nesta região
administrativa era de 250.032 pessoas, decaindo em 1996 para 247.595, ou seja,
com uma variação negativa, neste período, de -0,9747%39. Entretanto, à medida
que a região passa a ser servida pelo metrô e pela Avenida dos Andradas, ao
mesmo tempo em que apresenta preços da terra considerados atrativos para uma
área a poucos quilômetros do centro da cidade, torna-se, assim, muito vulnerável
aos dinamismos da metrópole, convertendo-se, por estas características, em uma
zona preferencial de expansão pericentral, como assim foi qualificada no Plano
Diretor de 1996. Neste sentido, pode-se afirmar que ela se conforma, sobretudo
nas últimas décadas, como um espaço de conflito (entre valor de uso e valor de
troca), como bem se pode observar no caso em tela.
Durante um bom tempo, desde o início da formação de Santa Tereza, os
principais acessos para o bairro eram pelas Ruas Hermílio Alves (até hoje a
principal via de entrada do bairro) e Pouso Alegre. Assim, só era possível acessar
Santa Tereza pelo bairro da Floresta e do Horto. Esta condição fez com que o
setor adjacente ao bairro Santa Efigênia ficasse, por décadas, quase que
geograficamente isolado pela barreira natural do Ribeirão Arrudas e pela ferrovia.
A conformação topográfica de Santa Tereza se expressa como um platô de
vertentes de inclinação média e homogênea, em cuja crista, parcial e
relativamente aplainada, inscreve-se a área nuclear do bairro (com a Praça Duque
de Caxias, o 16º. BPM – 20ª. CIA, a igreja matriz, boa parte dos seus
estabelecimentos comerciais etc.), estando este setor perpassado pelas ruas
principais do bairro (Rua Mármore, Hermílio Alves, Salinas). Pelas suas vertentes
precipitam-se boa parte do emaranhado das ruas de menor tráfego, tanto no
sentido do talvegue da Avenida dos Andradas, e da ferrovia que a ladeia, como,
no sentido oposto, isto é, da Rua Pouso Alegre. Desse modo, mesmo com a
construção do viaduto que conecta o bairro à Avenida dos Andradas, na altura do
bairro Santa Efigênia, o bairro ficou, até certo ponto, relativamente resguardado de
influências e ações que pudessem provocar maiores transformações na sua
estrutura espacial, em que pese o fato de que as vias de tráfego que conectam o
39
IBGE. Censo Demográfico, 1991; Contagem populacional, 1996. Org: DITPL- 2000.
173

bairro a outras partes da cidade já estarem consolidadas. Embora estando bem ao


lado de Santa Tereza o bairro Floresta, como já observado, revela uma situação
espacial substancialmente diferente, marcada por níveis bem mais intensos de
especulação imobiliária e de verticalização, pesando, certamente, para esta
condição a presença de grandes artérias de circulação que passam pelo bairro,
como, por exemplo, a av. do Contorno, a av. Assis Chateaubriand e a av. Silviano
Brandão. Em Santa Tereza não existem vias deste porte que cortem o bairro.
Este aspecto contribuiu substancialmente para certa manutenção da sua
conformação sócio-espacial particularizada, diferenciada no contexto mais amplo
da formação de Belo Horizonte, percurso marcado por uma brutal assimetria (e
inadequação) entre preservação e renovação. Santa Tereza é um espaço em que
os moradores o reconhecem como seu, à medida que ele não se conformou como
um lugar de passagem, estritamente, havendo interações observáveis entre as
formas físicas e as formas sociais, estabelecendo-se, assim, um vínculo entre
preservação e comunidade. Tal singularidade não é verificável, pela minha
interpretação, em outros bairros da cidade, inclusive, como a pouco observado,
em bairros vizinhos à Santa Tereza, que, em parte, já se encontram bastante
alterados pela especulação imobiliária e pela conformação espacial da circulação
planificada, com profundas implicações na vida social cotidiana, podendo-se
destacar os impactos na sua dimensão relacional.
A circulação é a organização do isolamento de todos. É assim que ela
constitui o problema dominante das cidades modernas. É o contrário do
encontro, a absorção das energias disponíveis para os encontros, ou para
não importa qual sorte de participação. A participação tornada impossível é
compensada sob a forma de espetáculo. O espetáculo se manifesta no
habitat e no deslocamento (standing da moradia e dos veículos pessoais).
Porque, com efeito, não se habita um bairro de uma cidade, mas o poder.
Habita-se alguma parte na hierarquia. No cume desta hierarquia, os graus
podem ser medidos no nível de circulação. O poder se materializa pela
obrigação de estar presente cotidianamente em lugares cada vez mais
numerosos (jantares de negócios) e cada vez mais distantes uns dos
outros.40

40
KOTANYI, Attila & VANEIGEM, Raoul. Internationale Situacionniste, Boletim n.6, agosto de 1961.
In: Internationale Situacionniste. Paris: Fayard, 1997. p.214-217.
174

Santa Tereza encerra, assim, uma excentricidade sócio-espacial, insinuante


na sua territorialidade, que não se apresenta, no entanto, particularizada pelo
tradicional e pelo anacrônico em relação ao centro dinâmico da cultura da
modernidade, sobretudo ao levarem-se em consideração seus aspectos de
uniformização. Mas não é disso que se trata, mas mais propriamente da produção,
à escala do lugar (do bairro) de uma vertente sócio-espacial resistente que se
insinua e se afirma por demandas relativas, proeminentemente, ao valor de uso
do espaço e do tempo, vertente cotidianamente elaborada, na qual a diferença é
forjada ao longo de um percurso têmporo-espacial. A construção e a configuração
da diferença aludida sugerem os termos de sua interpretação, não se tratando,
assim, do culto de uma tradição pura, imaculada, incólume aos dinamismos
hodiernos do espaço metropolitano, nem de uma aceitação nostálgica do passado
e tão pouco de uma crença num futuro glorioso. Ela se situa mais propriamente no
cotidiano, à medida que se revela como uma instância privilegiada da imaginação,
da criação e da inovação no tempo presente, o que requer um norteamento da
análise pelo senso da observação qualitativa, ou ainda pela lógica da atenção, o
que vale dizer:
A mente aberta ao conhecimento trabalha com um radar alerta, ligado ao
anômalo. A surpresa é o estopim do saber, uma janela entreaberta para o
desconhecido. Diante dela, o pensamento amanhece e desperta do torpor
dogmático.41

Não traduzindo, portanto, uma oposição abrupta entre o tradicional e o


moderno, bem ao gosto das concepções dualistas dos anos 50 e 60, Santa Tereza
sugere a recriação da tradição em novas bases, na qual as formações do traço da
diferença bem como de certa identidade são engendrados no plano da
articulação/fusão entre eles, ou seja, assumindo esta recriação a dimensão do
híbrido, nele (e por ele) se consubstanciando. O sentido desse termo, segundo
García Canclini,42 “(...) permite incluir as formas modernas de hibridação melhor do
que ‘sincretismo’, fórmula que se refere quase sempre a fusões religiosas ou de
movimentos simbólicos tradicionais”. Ademais o processo de hibridização está
referenciado ao universo das diversas modalidades pelas quais determinados
41
GIANNETTI, Eduardo. Auto-Engano. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 71.
42
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 1997. p.19. (nota 1).
175

aspectos culturais desvinculam-se de sua matriz cultural, recompondo-se sob


novas formas e novas práticas. Tal aspecto reafirma uma característica específica
da América Latina e, particularmente, do Brasil, isto é a existência de “(...) uma
articulação mais complexa de tradições e modernidades (diversas, desiguais)”. 43
Nela, segundo José de Souza Martins, a modernidade é constituída
concomitantemente por “temporalidades que não são as suas”, encerrando no seu
movimento uma combinação da diversidade de tempos históricos, que
...incorpora a cultura popular que pouco ou nada tem de moderno; mas,
insisto, incorpora também efetivas relações sociais datadas, vestígios de
outras estruturas e situações que são ainda, no entanto, realidades e
relações vivas e vitais. E que anunciam a historicidade do homem nesses
desencontros de tempos, de ritmos e de possibilidades, nessas colagens. 44

Na minha avaliação/interpretação da dimensão sócio-espacial de Santa


Tereza, os vetores do novo e suas influências, embora clara e até empiricamente
constatadas no bairro, não conduziram, ao menos ainda, à eliminação ampla e
profunda das referências do velho, antes se fundiram, experimentando ambos
uma adaptação relacional, aí incluídas as formas urbanas que matizam sua
paisagem assim como o universo das relações sociais, ou melhor, sócio-espaciais.
Vera Westin, com muita propriedade, oferece acerca disso uma contribuição
importante:
...no embate da sobrevivência e da adaptação, Santa Tereza cria
linguagem nova e demarca seu território simbolicamente, para aí então, e
só aí, buscar legitimação e consolidar as normas do bairro. O choque do
amadurecimento para Santa Tereza é mais o resultado da sua peculiar
adaptação à realidade do consumo e dos modos de viver e de morar da
modernidade – estes últimos, um complexo de valores e sentidos
intensamente trabalhados pela mídia e pelas relações cotidianas nas
metrópoles ocidentais. É uma ressignificação de signos antigos da cidade,
em que as raízes não se aprofundam nem no modelo da tradição pura e
simples (poder-se-ia dizer de uma tradição ortodoxa?), nem no modelo da
modernidade tecnológica. É a assunção dos frutos da acumulação histórica
de um capital social que se fez um pouco à revelia ou pela negação do
mercado que os grandes marcos institucionais da modernidade colocaram:
urbanismo, relações societárias, consumo. E, ainda, adverte-nos: as

43
Ibidem, p.28
44
MARTINS, José de S. A Sociabilidade do Homem Simples. São Paulo: Hucitec, 2000. p.22.
176

possibilidades de manutenção desse perfil parecem estar ligadas à forma


pela qual o bairro vai continuar se inserindo no contexto da cidade.45

Portanto, é na coexistência das variáveis do tradicional e do moderno que


se forjam os matizes identidários de Santa Tereza, presentes na esfera cultural,
social, econômica, portanto, produzidos no plano da sua multidimensionalidade
territorial. Há, neste sentido, “um recobrimento de relações”, que conformam a
situação do/no bairro, em que “a situação do passado não está ainda neutralizada
ou absorvida pela situação do presente e por aquela que se prepara para o futuro
imediato”.46 A tradição, portanto, não opera um universo de referências e valores
defasado, ou mesmo refratário à mudança, ao novo. O novo, por sua vez, não
autoriza interpretações que possam sugerir a ocorrência de um permanente e
inexpugnável processo de mutação. Ademais, é necessário considerar que a
tradição não significa a perpetuação do velho, de heranças de um passado
fossilizado, inerte. Anthony Giddens fornece uma valiosa contribuição acerca disso
ao asseverar que a tradição, ou melhor, “todas as tradições” são dotadas de um
“conteúdo normativo ou moral” que lhe possibilita “um caráter de vinculação”.
Sua natureza moral está intimamente relacionada aos processos
interpretativos por meio dos quais o passado e o presente são conectados.
A tradição representa não apenas o que é feito em uma sociedade, mas o
que deve ser feito.47

45
WESTIN, Vera L. C. Santa Tereza na Construção Cotidiana da Diferença. Belo Horizonte:
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, 1998.
(Dissertação de Mestrado em Comunicação Social). p.130. (ênfases da autora).
46
GEORGE, Pierre. “Problemas, doutrina e método”. In: GEORGE, Pierre et al. A Geografia Ativa.
2ª.edição. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968. p.22. Por situação George compreende
como sendo “uma soma de dados adquiridos, de relações organizadas em ordem sucessiva.
Algumas dessas relações continuam a ser funcionais, integradas na evolução atual, enquanto que
outras pertencem a uma herança que se degrada progressivamente e deixam, ao contrário, de ser
funcionais”. Esclarece, ainda, que “a situação se define necessariamente em primeiro lugar por
limites espaciais, mesmo quando a influência do espaço local ou regional se combina com efeitos
de uma pluralidade espacial. Mas a evolução da situação pode comportar deslocamentos dos
limites regionais ou locais, expansão ou retração do referido espaço. As heranças de situações
anteriores não correspondem necessariamente aos mesmos dados espaciais da situação atual e,
desembocando em outra situação a curto prazo, pode-se ser conduzido a reconsiderar a posição
espacial” (p.22).
47
GIDDENS, Anthony. “A vida em uma sociedade pós-industrial”. In: ULRICH, Beck. Modernização
Reflexiva: política e estética na ordem social moderna. São Paulo: FEU, 1997.
177

É a partir de práticas e experiências individuais e coletivas do presente que


a tradição, a memória e a identidade, enquanto dimensões articuladas num
mesmo processo redefinem o passado, reconstruindo-o permanentemente.
Ainda para Giddens uma compreensão mais profícua da tradição requer
uma análise integrada entre tempo e espaço, isto é:
A tradição implica uma visão privilegiada do tempo; mas também tende a
exigir o mesmo do espaço. É o espaço privilegiado que mantém as
diferenças das crenças e práticas tradicionais. A tradição é sempre, em
algum sentido, enraizada nos contextos da origem ou dos locais centrais.48

Pois bem, através de um conjunto de dados e informações obtidos em


fontes diversas (entrevistas/depoimentos, observações in loco, artigos de jornais e
demais textos específicos sobre Santa Tereza), constata-se que as relações
comunitárias historicamente desenvolvidas e estabelecidas no bairro estão na
base da formação do seu traço de diferenciação sócio-espacial. Relações que
alcançaram densidade e força suficientes para configurar e moldar este lugar de
modo a imprimir-lhe características próprias que, em boa medida, sofreram
expressivas modificações na esteira do dinamismo do crescimento urbano e da
especulação imobiliária, principalmente a partir dos anos 60. Assim como ocorre
com o Mercado Central de Belo Horizonte, Santa Tereza também se
consubstancia historicamente como um espaço de atração, operando, portanto,
uma função de coesão nos domínios da urbe metropolitana. A territorialidade do
bairro desempenha, neste sentido, um papel não negligenciável nesta condição,
suscitando e alimentando, concomitantemente, as forças de resistência e
permanência no lugar. Esta interpretação de forma alguma se valoriza ou se apóia
em qualquer variedade de determinismo geográfico, ainda que se observe a
existência de uma
...sensação contínua de que vários tipos de realidade do espaço geográfico
limitam e determinam os arranjos sociais. Apesar de alguns vigorosos
esforços em opor-se a tais variedades de determinismo geográfico, a
imagem de que recursos e práticas espaciais tanto constituem como
determinam formas de sociabilidade é notavelmente resistente.49

48
Ibidem, p.101.
49
APPADURAI, Arjun. Soberania sem territorialidade: notas para uma geografia pós-nacional,
Novos Estudos CEBRAP, p.33-46, n.49, novembro de 1997.
178

A análise que ora se desenvolve parte do pressuposto de que o território, e


alguns de seus atributos, constituem-se não apenas como um construto
essencialmente material e econômico, mas também como um valor simbólico, o
que implica na valorização de práticas históricas e culturais empreendidas pelos
sujeitos sociais e de suas relações com o espaço vivido. Neste sentido, pode-se
então afirmar que:
O território é o produto de uma relação desigual de forças, envolvendo o
domínio ou o controle político-econômico do espaço e sua apropriação
simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora desconectados e
contraditoriamente articulados. Esta relação varia muito, por exemplo,
conforme as classes sociais, os grupos culturais e as escalas geográficas
que estivermos analisando. Como no mundo contemporâneo vive-se
concomitantemente uma multiplicidade de escalas, numa simultaneidade
atroz de eventos, vivenciam-se também, ao mesmo tempo, múltiplos
territórios.50

Assim, como também nos diz Milton Santos,“o território em que vivemos é
mais que um simples conjunto de objetos, mediante os quais trabalhamos,
circulamos, moramos, mas também um dado simbólico”51. Nesta condição, ele se
revela como o produto de uma apropriação simbólica, em que pese a identificação
que os diversos grupos sociais têm ou realizam com os seus respectivos espaços
de vivência. Assim,
A função do símbolo não é apenas instituir uma classificação, mas também
introduzir valores, modelando os comportamentos individuais e coletivos e
indicando as possibilidades de êxito dos seus empreendimentos.
Os mais estáveis dos símbolos estão ancorados em necessidades
profundas e acabam por se tornar uma razão de existir e agir para os
indivíduos e para os grupos sociais. Os sistemas simbólicos em que
assenta e através do qual opera o imaginário social são construídos a partir
da experiência dos agentes sociais, mas também a partir dos seus desejos,
aspirações e motivações. Qualquer campo de experiências sociais está
rodeado por um horizonte de expectativas e de recusas, de temores e de
esperanças.52

Portanto, enquanto um dado simbólico o território é valorizado pelos


investimentos afetivos nele realizados e vivenciados cotidianamente,
50
HAESBAERT, Rogério. Territórios Alternativos. São Paulo: Contexto, 2002. p.121.
51
SANTOS, Milton. “O espaço revelador”. In: O Espaço do Cidadão. São Paulo: Nobel, 1993. p. 59-
66.
52
BACZKO, Bronislaw.”Imaginação social”. In: Enciclopédia Einaudi, vol.5, Lisboa, Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1985. p.296-332.
179

investimentos estes que se inscrevem no uso do espaço. Daí poder-se dizer que
um dado lugar pode alcançar certas condições que favoreçam os anseios e
demandas de sua comunidade a partir do momento em que se formam laços
afetivos (simbólicos) com o lugar. Por outro lado, o esvaziamento, ou ainda a
destituição de significações valorativas do território conformaria uma condição de
alienação territorial, podendo-se mesmo, neste caso, falar da constituição de um
território alienado.53 As experiências vividas no espaço fazem dele um espaço
conhecido, familiar, dotado de uma certa personalidade, atributos pelos quais ele
se consubstancia em lugar. Para YI-Fu Tuam, “quando o espaço nos é
inteiramente familiar, torna-se lugar”, que se revela como “um mundo de
significado organizado”.54 Num sentido mais amplo, Ana Fani A. Carlos nos diz
que o lugar é
...a porção do espaço apropriável para a vida, revelando o plano da
microescala: o bairro, a praça, a rua, o pequeno e restrito comércio que
pipoca na metrópole, aproximando seus moradores, que podem ser mais
do que pontos de troca de mercadorias, pois criam possibilidades de
encontro e guardam uma significação como elementos de sociabilidade. A
análise da vida cotidiana envolve o uso do espaço pelo corpo, o espaço
imediato da vida das relações cotidianas mais finas: as relações de
vizinhança, o ato de ir às compras, o caminhar, o encontro, os jogos, as
brincadeiras, o percurso reconhecido de uma prática vivida/reconhecida em
pequenos atos corriqueiros e aparentemente sem sentido que criam laços
profundos de identidade, habitante-habitante e habitante-lugar, marcada
pela presença. São, portanto, os lugares que o homem habita dentro da
cidade e que dizem respeito a sua vida cotidiana, lugares como condição
da vida, que vão ganhando o significado dado pelo uso (em suas
possibilidades e limites). Trata-se, portanto, de um espaço palpável, real e
concreto – a extensão exterior, o que é exterior a nós, e ao mesmo tempo
interior. São as relações que criam o sentido dos “lugares” da metrópole.
Isto porque o lugar só pode ser compreendido em suas referências, que
não são específicas de uma função ou de uma forma, mas produzidas por
um conjunto de sentidos, impressos pelo uso. É assim que os percursos
realizados pelos habitantes ligam o lugar de domicilio aos lugares de lazer,
de trabalho, de comunicação, ordenados segundo as propriedades do
tempo vivido.
Nesse processo se desvenda a base da reprodução da vida passível de ser
analisada pela relação habitante-lugar (pela mediação do uso), como
produtora de identidade do indivíduo. A construção da cidade, hoje, revela
53
Cf. sobre o assunto: FREMONT, Armand. La Région: espace vécu. Vendome: PUF, 1976.
54
TUAM, Yi-Fu. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983. p.83 e
198.
180

a dupla tendência entre a imposição de um “espaço que se quer moderno”,


logo homogêneo e monumental, definido, ou melhor, “desenhado” como
espaço que abriga construções em altura associadas a uma rede de
comunicação densa e rápida, e de outro “as condições de possibilidade”,
que se referem à realização da vida (que se acham à espreita, de modo
contestatório), revelando uma luta intensa em torno dos modos de
apropriação do espaço e do tempo na metrópole – um processo que ocorre
de modo profundamente desigual, revelando-se em seus fragmentos.55

Embora Santa Tereza tenha nascido com a cidade planejada, estando a


sua área56 prevista na zona suburbana da nova capital, com seus traçados
projetados desde a fundação da cidade em 1897, com indicação de ruas e suas
respectivas designações, este lugar não se configurou, entretanto, como um
espaço rigidamente planejado, tal como se deu com a zona Central de Belo
Horizonte. Registre-se que até praticamente o final dos anos 10, a comunidade
ainda não contava com ruas abertas, o que se daria mais efetivamente a partir dos
anos 20, quando se realizam diversas obras de terraplanagem e calçamento na
área, assim como a dotação de alguma infra-estrutura de esgoto e redes de água.
Neste sentido, o percurso de sua constituição sócio-espacial revela uma
conformação indicativa de uma outra sociabilidade, que não foi propriamente
forjada pelos imperativos da racionalidade geométrica. Os exercícios de
sociabilidade, inscritos nas práticas cotidianas do bairro, pesam enormemente na
produção de uma representação social do lugar que se projeta sob a forma de um
lócus diferenciado, dotado de características próprias, portanto de certa

55
CARLOS, Ana Fani A. Espaço-Tempo na Metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São
Paulo: Contexto, 2001. p.35 e 36.
56
Tal área correspondia ao que hoje é a extensão compreendida entre a Avenida Silviano Brandão,
as ruas Salinas e Conselheiro Rocha, e a Avenida do Contorno, que, naquela época, constituía
parte da Sétima Seção Suburbana. Registre-se que os terrenos desta seção foram, em parte,
doados ao funcionalismo público e aos militares, e outra parte disponibilizada para a venda a
particulares. A planta desta área só seria aprovada em 1926 (com a aprovação da segunda Planta
geral da cidade). Esclareça-se que o levantamento de todas as áreas pertencentes à margem
esquerda do Ribeirão Arrudas (Carlos Prates, Lagoinha, Floresta, Américo Werneck, Imigração),
realizou-se em virtude da necessidade de se iniciar o projeto do reservatório do Menezes e outros
trabalhos, empreitada que envolveu grandes dificuldades, à medida que os técnicos se ressentiam
da inexistência de marcos de alinhamentos feitos pela Comissão Construtora para toda a região
externa à Avenida do Contorno. Desse modo, em 1923 são descritos os trabalhos de campo para a
região designada Imigração, onde hoje está Santa Tereza, para a qual foi confeccionado o
cadastro completo do terreno, figurando, ainda, no desenho da planta a conformação topográfica
do solo através de curvas de nível com intervalos de um metro.
181

singularidade, que se expressam tanto em relação à sua morfologia como aos


modos de convivência dos moradores, distinguindo-se, assim, de outros bairros da
cidade nascidos na mesma época, inclusive próximos, ou vizinhos à Santa Tereza.
Minha vivência no bairro me permite constatar que a própria conformação das
suas ruas - caracterizada, entre outras formas, também pela presença de becos,
ruas estreitas e tortuosas -, favorece a aproximação e o encontro entre as
pessoas, o contato direto, o que constitui um fator de estímulo e fortalecimento
das relações de sociabilidade no e pelo espaço. Não se quer com isso reavivar as
equivocadas posturas deterministas, com as quais não compartilho, mas sim
reconhecer que o meio físico pode desempenhar certos condicionamentos e
exercer influências na vida social cotidiana e nas suas práticas, práticas estas cuja
interpretação requer que se leve em consideração os contextos diversos nos quais
elas se inscrevem. Nesse sentido, certos pontos de Santa Tereza comparecem
recorrentemente na fala dos moradores como lugares favoráveis ao encontro e à
reunião, com diversas referências aos encontros nas calçadas dos diversos bares
e restaurantes do bairro, mercearias, assim como as rodas de música e bate-papo
na Praça Duque de Caxias, no mercado distrital, etc.
Nesta perspectiva defendo a idéia de que tais relações pesam
substancialmente não apenas na existência de permanências no bairro, mas ao
mesmo tempo na conformação de uma forma de resistência que, na minha
interpretação, conota um sentido de insurreição sócio-espacial do uso. Santa
Tereza evidencia-se no conjunto da cidade como uma localidade dotada de certa
particularidade, aspecto não esboroado ou suprimido por aquilo que a
modernidade tem de uniforme. Nesse sentido, argumenta-se que a racionalidade
capitalista, pari passu à ditadura do valor de troca, não foi ainda capaz de
suplantar os reclamos do uso e as virtualidades da resistência e da insurreição, ao
menos ainda na escala local. Assim, a tessitura sócio-espacial que se configurou
em Santa Tereza sugere a conformação cotidiana de uma territorialidade
insinuante no bairro. Compreendendo uma categoria relacional espaço-sociedade,
mais especificamente a territorialidade “(...) corresponde ao conjunto das relações
que permitem aos diversos grupos fazer valer seus interesses no espaço, tornado
182

lugar de vida”.57 Neste sentido, ela se traduz e se inscreve como um fenômeno


existencial, uma experiência possível manifesta no tempo e no espaço. É por meio
da territorialidade que um dado grupo social ou indivíduo adquire consciência do
seu espaço de vida. Assim, “(...) a territorialidade adquire um valor bem particular,
pois reflete a multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma
coletividade, pelas sociedades em geral”.58 Levando-se em consideração o fato de
que a territorialidade encerra uma dinâmica, uma vez que os elementos que a
constituem são passíveis de modificações espaço-temporais, Santa Tereza se
59
inscreveria, então, mais propriamente num universo relacional entre “uma
territorialidade estável e uma territorialidade instável”, conforme os termos de
Claude Raffestin. Não se tratando aqui, cabe oportunamente a advertência, de
uma simples relação com o espaço, ou ainda menos de uma suposta admissão da
idéia pela qual a forma determina o conteúdo, uma vez que as formas espaciais,
por si mesmas, não são suficientes para explicar a sociedade no seu estatuto
ontológico. Porém, não se deseja, com isso, a inversão da situação através da
negligência para com o espaço geográfico, haja vista que ele não se expressa
como um mero reflexo da sociedade, mas constitui “(...) simultaneamente o
terreno onde as práticas sociais se exercem, a condição necessária para que elas
existam e o quadro que as delimita e lhes dá sentido”.60 Explicando os conceitos,
Raffestin assinala que na “territorialidade estável (...) nenhum dos elementos sofre
mudanças sensíveis a longo prazo”, enquanto na “territorialidade instável (...) os
elementos sofrem mudanças a longo prazo”. Estando, pela minha interpretação, o
bairro de Santa Tereza posicionado mais propriamente entre ambas, pode-se,
assim, considerá-lo como um construto sócio-espacial dotado de uma
territorialidade híbrida, “(...) na qual um ou dois elementos podem mudar,

57
BAILLY, Antoine & BEGUIN, Hubert. Introduction à la Géographie Humaine. Paris: Armand Colin
Éditeur, 1998. p.16 (tradução minha).
58
RAFFESTIN, Claude. Por Uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993. p.158.
59
Segundo RAFFESTIN, a territorialidade encerra “sempre uma relação, mesmo que diferenciada,
com os outros atores. (...) Cada sistema territorial segrega sua própria territorialidade, que os
indivíduos e as sociedades vivem. A territorialidade se manifesta em todas as escalas espaciais e
sociais; ela é consubstancial a todas as relações e seria possível dizer que, de certa forma, é a
‘face vivida’ da ‘face agida’ do poder”. Ibidem, p. 161 e 162.
60
GOMES, Paulo C. da C. A Condição Urbana: ensaios de geopolítica da cidade. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2002. p.172.
183

enquanto o outro ou os outros permanecem estáveis”. Estando ela assentada “(...)


na relação concebida como processo de troca e/ou de comunicação”.
A dimensão da vida cotidiana na modelação do bairro de Santa Tereza
comparece, então, na análise empreendida uma vez que nela se inscrevem os
chamados “benefícios simbólicos”, os quais, segundo Pierre Mayol,

...deitam suas raízes na tradição cultural do usuário, não se acham


totalmente presentes à sua consciência. Aparecem de maneira parcial,
fragmentada, no modo como caminha, ou, de maneira geral, através do
modo como “consome” o espaço público. Pode-se também elucida-lo
através do discurso de sentido pelo qual o usuário relata a quase totalidade
de suas iniciativas. O bairro aparece assim como o lugar onde se manifesta
um “engajamento” social ou, noutros termos: uma arte de conviver com
parceiros (vizinhos, comerciantes) que estão ligados a você pelo fato
concreto, mas essencial, da proximidade e da repetição.61

O bairro, nesse sentido, emerge no universo da cidade metropolitana (que


só parcialmente pode ser vivida) denotando uma efetiva dimensão relacional local
entre os sujeitos e destes com o território utilizado, encerrando uma prática
cotidiana que requer, contudo, uma qualificação e uma compreensão mais
ampliadas. Neste sentido, assinala MAYOL:
A prática do bairro introduz um pouco de gratuidade no lugar da
necessidade; ela favorece uma utilização do espaço urbano não finalizado
pelo seu uso somente funcional. No limite, visa conceder o máximo de
tempo a um mínimo de espaço para liberar possibilidades de deambulação.
(...) O bairro é, no sentido forte do termo, um objeto de consumo do qual se
apropria o usuário no modo da privatização do espaço público.62

Esta perspectiva sobre o bairro remete à noção de apropriação do espaço,


uma vez que ela implica no seu uso habitual, pelo qual o espaço, na sua
expressão local, se insere num circuito relacional mais imediato e próximo do
usuário, tornando-se uma espécie de extensão do seu espaço residencial mais
particular, que é a casa. O que vale dizer que a apropriação, tal qual a
territorialidade, se inscreve no universo da moradia, relacionando-se, desse modo,
com a ambiência sócio-espacial urbana. Nesse sentido, a fixidez do habitat do

61
MAYOL, Pierre. “O bairro”. In: CERTEAU, Michel de et al. A Invenção do Cotidiano. 4ª. edição.
Petrópolis: Vozes. 1997. p.39.
62
Ibidem, p.44 e 45.
184

usuário associada ao uso cotidiano do bairro faz com que ele, gradativamente, se
insira numa esfera privada, em virtude dos investimentos regulares que o citadino
realiza no seu ambiente, capturando e introduzindo-o no seu universo existencial,
estabelecendo com ele, ou ao menos com parcelas dele (ruas, praças, calçadas,
botequins, feiras, mercados, etc) uma relação de aproximação e envolvimento.
Esta condição implica, entretanto, uma gradação/variação de intensidade nesta
relação, haja vista a enorme diversidade que matiza os lugares e as formas
urbanas da grande cidade (da metrópole), podendo-se mesmo considerar que, a
depender do caso e situação, esta condição relacional de aproximação e
envolvimento pode mesmo não se realizar (nos pontos que designo como lugares
de repulsão), ou, por outra, realizar-se precária e perversamente (lugares da
degradação). Podendo apresentar-se associadas, estas características são
mutantes no tempo e no espaço, suscetíveis às dinâmicas da produção e da
organização do espaço urbano.
Pode-se oferecer, a título de exemplificação, o caso das duas “torres” de
Santa Tereza, localizadas na Rua Clorita, que correspondem aos números 64 e
100. De forma sucinta, estas torres são dois edifícios inacabados de 17 andares
cada um, que foram erguidos por duas construtoras que acabaram falindo, a ICC e
a JET Engenharia. Os espigões chegaram a ser vendidos e abandonados pelas
construtoras antes mesmo do encerramento das obras, processo que envolveu o
desvio das verbas destinadas à construção para outras obras e finalidades,
apartamentos vendidos para mais de um proprietário, o que levou à realização de
ações na justiça. Passados alguns anos após a interrupção das obras os prédios
foram ocupados por famílias que se inviabilizaram no mercado imobiliário, por
moradores de rua e sem-teto. Em que pesem a ocorrência de problemas
relacionados ao uso de drogas e mesmo de conflitos com mortes nas
dependências das torres e imediações, recaiu sobre o lugar o estigma da
violência, considerado perigoso e ameaçador, o que tem provocado em parcelas
dos moradores do bairro posturas discriminatórias e refratárias à presença destas
famílias.63 Porém, a partir de 1998, com a atuação da Pastoral de Rua da Igreja
63
Em conversas que tive com alguns moradores das “torres”, no dia 8 de julho de 2005, este
aspecto ficou evidenciado nas suas falas. “Tudo de ruim que acontece por aqui, dizem que foi a
gente”, declarou uma moradora. Há alguns dias antes deste contato, “mandaram um rapaz pro
185

Católica na organização dos moradores (atualmente em torno de 500 pessoas), a


comunidade ali instalada passou a adquirir, aos poucos, um novo perfil, podendo-
se constatar avanços e melhorias significativas, entre as quais se podem destacar
a criação de uma comissão de representação dos moradores, que por sua vez
passou a contar com o apoio de outras organizações e instituições, como, por
exemplo, a PUC-Minas (que através do seu serviço de Assistência Judiciária,
presta assessoria jurídica à comunidade), a paróquia de Santa Tereza, a ASMARE
(Associação dos Catadores de Papel), o 16º. Batalhão da Polícia Militar, entre
outras. Além dos avanços na esfera da organização política, ocorreram também
conquistas de benfeitorias, como energia elétrica parcialmente regularizada,
abastecimento de água, muito embora haja ainda grandes restrições de infra-
estrutura, como, por exemplo, o esgoto sanitário, o qual precisa ser refeito de
modo a atender uma demanda superior àquela do projeto inicial. O trabalho
realizado tem contado com a participação efetiva dos próprios moradores,
sugerindo uma forma de organização com caráter autogestionário. O estigma
ainda permanece entre parte dos moradores do bairro, como pude constatar nas
entrevistas e conversas com residentes de Santa Tereza. Todavia, não seria
razoável dizer que a percepção sobre o lugar correspondente às “torres gêmeas”,
como são conhecidas no bairro, continue a mesma. A questão já adquiriu uma
certa politização e esforços têm sido feitos, o que não quer dizer que o problema
(que é delicado) seja efetivamente resolvido. Por enquanto não está. Percebi,
ademais, nas suas falas um certo pessimismo em relação a isso e, até mesmo, o
desejo de buscar, assim que possível, outra alternativa de moradia.

CTI”, disse ela. Afirmou que a violência é freqüente na área, tanto nas dependências das torres
como no entorno. Este último caso foi de ferimento à bala.
186

Tomada das duas “torres gêmeas”, a partir da Rua Conselheiro


Rocha, bem próximo à estação Santa Efigênia, do metrô.
Foto: Ulysses da Cunha Baggio (08/07/2005).

Detalhe da fachada de uma das “torres”, na Rua Clorita, n.100.


Foto: Ulysses da Cunha Baggio (08/07/2005).
187

Pois bem, isso posto, explica-se que o sentido da “privatização” do espaço


anteriormente aludida não está referenciado propriamente pela propriedade, mas
no uso cotidiano do espaço, pelo qual ele é apropriado por agentes sociais que
trazem em suas vidas a experiência de uma esfera privada íntima, que de certo
modo se exterioriza pelos domínios do espaço público. Trata-se, neste sentido, de
uma apropriação na qual o corpo, com sua relação mais imediata e efetiva com o
lugar, opera um papel primordial, uma vez que esta apropriação traduz a
dimensão do espaço enquanto espaço vivido, com fluxos e ritmos referenciados
ao humano, o qual não necessariamente se anula em função da velocidade da
técnica e das dinâmicas do capital frequentemente a ela associadas, podendo
mesmo “escapar” delas. Acerca disso, Ana Fani A. Carlos argumenta o seguinte:
Os percursos realizados pelos habitantes ligam o lugar de domicílio aos
lugares de lazer, de comunicação, mas o importante é que essas
mediações espaciais são ordenadas segundo as propriedades do tempo
vivido. Um mesmo trajeto convoca o privado e o público, o individual e o
coletivo, o necessário e o gratuito. Enfim o ato de caminhar é intermediário
e parece banal – é uma prática preciosa porque pouco ocultada pelas
representações abstratas; ela deixa ver como a vida do habitante é
petrificada de sensações muito imediatas e de ações interrompidas. São as
relações que criam o sentido dos “lugares” da metrópole. Isto porque o
lugar só pode ser compreendido em suas referências, que não são
específicas de uma função ou de uma forma, mas produzidas por um
conjunto de sentidos, impressos pelo uso.64

O uso cotidiano do lugar, sobretudo nos casos em que houver incidência de


práticas sócio-espaciais marcadas por relações mais diretas e regulares com o
lugar, e pelo lugar, estabelece uma relação inseparável entre apropriação do
espaço e territorialidade, em que pese na análise da sua dimensão e extensão os
limites ou restrições à apropriação espacial na contemporaneidade capitalista,
advertindo-se, contudo, que as noções de limite e restrição relativas a ela não
significa, pelo meu entendimento, necessariamente a sua impossibilidade, a sua
não-realização absoluta. Trata-se, portanto, de se pensar as formas possíveis de
apropriação no contexto do mundo atual, quando as contradições potencializadas
do capitalismo em crise, açulam e induzem dinamismos, entre os quais, e mais
especificamente, na relação sociedade/espaço. Isto é,

64
CARLOS, Ana Fani A. O Lugar no/do Mundo. São Paulo: Hucitec, 1996. p.22.
188

Apropriação possível que define territorialidades, isto é, espaços


apropriados, preenchidos de sentidos e significados sociais e individuais
para determinados sujeitos, sujeitos esses que, assim, denotam as
territorialidades.65

A questão relativa à apropriação do espaço e à formação da(s)


territorialidade(s) no âmbito do cotidiano capitalista, sobretudo na
contemporaneidade, encerra dificuldades e interrogações na sua análise, entre as
quais a da conformação de uma ambigüidade entre o real e a sua representação.
Ademais, a própria noção do que se entende por representação é bastante
polêmica, oscilando desde interpretações que a consideram uma ilusão, uma
quimera, isto é, uma expressão descolada do real, ou ainda, uma situação não
verdadeira, até leituras que a tomam como parte integrante e formativa do próprio
real, havendo ainda compreensões menos polarizadas que a situam num universo
intermediário, ou seja, um misto de real e de sua figuração.66 Trata-se, neste
trabalho, de operar esta categoria, a representação, numa perspectiva geográfica,
ou talvez, sócio-espacial, por intermédio da(s) territorialidade(s), uma vez que ela
também se coloca como crítica.
Enquanto uma práxis inscrita no social argumento que a apropriação e a
formação da territorialidade, embora restringidas no curso do desenvolvimento da
modernidade, encerra potencialidades que indagam sua dimensão e seu alcance
nos tempos hodiernos, precipuamente as potencialidades inscritas no bojo das
práxis de caráter inventivo, as quais não devem ser confundidas com as práxis
estritamente repetitivas.67 Se, no âmbito do social engendram-se fronteiras e
limites, estes limites não são automáticos e absolutos, uma vez que o social é, por
excelência, o universo relacional e comunicacional no qual emergem proposições
de novas possibilidades e ações. O social estabelece, assim,

65
DAMIANI, Amélia L. “Geografia política e novas territorialidades”. In: PONTUSCKA, Nídia &
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. (orgs.). Geografia em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 2002. p.23.
66
Existem muitos trabalhos dedicados ao tema das representações, mas para uma visão
abrangente e de boa qualidade sobre os debates em torno da questão recomendo o excelente
trabalho de: CARDOSO, Ciro Flamarion & MALERBA, Jurandir (orgs.). Representações:
contribuição a um debate transdisciplinar. Campinas: Papirus, 2000. Creio ser ainda de
fundamental importância o polêmico trabalho de: CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre
práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
67
Cf. LEFEBVRE, Henri. “Introduction”. In: Critique de la Vie Quotidienne. (vol.1). Paris: Éditions
l’Arche, 1958.
189

Um espaço em que Eu e Outro se encontram, exploram identidades,


constroem símbolos e expressam afetos. Nesse sentido, o social é também
um espaço para transcender fronteiras institucionalizadas e para instituir
novas fronteiras. A teoria das representações sociais deve ser explícita em
sua concepção do social – ele não é uma variável independente; não é uma
estrutura externa, não é uma influência. O social é a arena própria que
constitui a dimensão objetiva e a dimensão subjetiva do fenômeno das
representações sociais. O jogo entre o subjetivo e o objetivo, e entre a ação
e a reprodução, que constituem o social está no centro do processo de
formação das representações sociais.68

Ao se admitir que a territorialidade se circunscreva no âmbito da


representação, portanto do discurso e da narrativa, há que se considerar o fato de
que elas estão referenciadas no e pelo real, uma vez que o imaginário social não
resulta do nada. Todavia, vale aqui o alerta cautelar de Ítalo Calvino: “(...) jamais
se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo, existe
uma ligação entre eles”.69 O imaginário emerge e se conforma no plano das
chamadas realidades intersubjetivas. Neste sentido, pode-se falar que a
territorialidade constitui uma expressão espacial intelectualmente construída a
partir de referências da realidade, ainda que sejam tomadas como indesejadas ou
como fontes de mal-estar e constrangimentos diversos. Não estariam as ações
humanas norteadas pelas representações? Elas não modelam comportamentos,
práticas sociais? Portanto, estaria, então, a territorialidade circunscrita aos limites
de uma “realidade ilusória”, confinada tão somente no universo mental, intelectual,
ou seria ela também parte da própria realidade? Ao integrar a esfera existencial,
portanto, da vida, a territorialidade enquanto representação não seria ela própria
parte da realidade? Penso que sim, até porque se vive também por meio delas,
conquanto suas expressões possam apresentar variações no tempo e no espaço.
O procedimento de apartá-las do real, ou tomá-las como uma espécie de “real
distorcido” conota uma concepção científica (ou, talvez, cientificista) de
objetividade, que condena o investigador a um tratamento cognitivo do objeto de
conhecimento que faz dele uma expressão vazia e destituída de subjetividade.
As coisas objetivamente consideradas podem ter peso, volume, estrutura
atômica e tudo aquilo que os instrumentos científicos conseguirão medir.
68
JOVCHELOVITCH, Sandra. Representações Sociais e Esfera Pública: a construção simbólica
dos espaços públicos no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. p.180 e 181.
69
CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.59.
190

Mas a subjetividade humana é soberana em seus domínios e não cede as


suas prerrogativas. (...) A luminosidade vivida não reflete a luminosidade
medida. Ninguém, é verdade, enxerga no escuro. Mas a luz que de fato
importa e a luminosidade das coisas vistas (...) dependem muito do estado
mental de quem vê.70

Ademais, as relações sociais não se restringem e tampouco se reduzem


aos seus componentes físicos, materiais, conquanto se reconheça o peso que as
materialidades exercem nas relações sociais. Neste sentido, o questionamento se
apóia no pressuposto de que o mundo e a realidade do mundo não estão
constituídos por um conjunto fixo de objetos independentes do espírito, crença na
qual se fundamentou, em parte, o projeto clássico da geografia. As práticas de uso
do espaço e de suas apropriações são um fruto da imaginação, uma ilusão, um
devaneio utópico? Tornado o espaço propriedade e mercadoria, esta condição
bloquearia “automaticamente” a apropriação? Para ser efetiva e “real” a
apropriação de um dado lugar há que se ter a sua posse, no sentido de se deter a
sua propriedade? Nesta perspectiva a apropriação seria uma ilusão porque não
conotaria uma grandeza passível de ser medida? Entendo que a apropriação e a
territorialidade a ela vinculada, nas suas múltiplas e variadas expressões, podem
ser percebidas de modo tão imediato como a propriedade. Como já sugerido neste
trabalho, tomar o território em seu sentido estritamente material é por demais
simplificador, conquanto se reconheça a importância dessa dimensão e a
necessidade de sua utilização nas análises sócio-espaciais. Partindo desse
pressuposto, torna-se necessário e oportuno qualificar melhor a idéia de
apropriação, valendo-me, para tanto, da reflexão de Rogério Haesbaert acerca da
territorialização. Apoiando-se em Henri Lefebvre, Haesbaert observa que ele
procedeu a uma distinção entre apropriação e dominação do espaço. Conforme o
autor, Lefebvre adverte para o fato de que embora estas dimensões devessem
aparecer associadas, juntas, elas também se tornaram separadas e contraditórias
com o desenvolvimento do capitalismo e do seu correspondente processo de
acumulação, em que a posse, no sentido da propriedade, serviu
concomitantemente como uma “condição” e um “desvio” da atividade de
apropriação do espaço face às demandas e possibilidades dos diversos grupos
70
GIANNETTI, Eduardo. Auto-Engano. Companhia das Letras: São Paulo, 1997. p.86.
191

que a realizam. Neste sentido, o conceito de apropriação de Lefebvre, segundo


Haesbaert, comportaria duas dimensões, quais sejam:
Um processo efetivo de territorialização, que reúne uma dimensão
concreta, de caráter predominantemente ‘funcional’, e uma dimensão
simbólica e afetiva. A dominação tende a originar territórios puramente
utilitários e funcionais, sem que um verdadeiro sentido socialmente
compartilhado e/ou uma relação de identidade com o espaço possa ter
lugar.
Assim, associar ao controle físico ou à dominação ‘objetiva’ do espaço uma
apropriação simbólica, mais subjetiva, implica discutir o território enquanto
espaço simultaneamente dominado e apropriado, ou seja, sobre o qual se
constrói não apenas um controle físico, mas também laços de identidade
social. Simplificadamente podemos dizer que, enquanto a dominação do
espaço por um grupo ou classe traz como conseqüência um fortalecimento
das desigualdades sociais, a apropriação e construção de identidades
territoriais resultam num fortalecimento das diferenças entre grupos, o que,
por sua vez, pode desencadear tanto uma segregação maior quanto um
diálogo mais fecundo e enriquecedor.71

Há que se considerar, ainda, na análise da apropriação espacial e da


correlata constituição das territorialidades o fator da mobilidade/transitoriedade,
uma das principais marcas da cultura espacial hodierna, bem como suas
implicações na apropriação e na formação/ manutenção da territorialidade, haja
vista que o esboroamento de relações sociais e, mais propriamente, de relações
de solidariedade sob a vida cotidiana exercem forças capazes de destruir as
territorialidades, as quais se manteriam restritas ao nível da representação,
portanto, do discurso, e não ao nível do real. Cabe, entretanto, indagar se o plano
da representação e do discurso está apartado do real. A questão nos coloca
diante da dimensão subjetiva do real, do imaginário, da significação, dos sentidos
e das percepções produzidas pela experiência num dado universo relacional.
Nessa perspectiva, admite-se que a formação da territorialidade implica também o
nível da representação, estando esta amalgamada àquela. O sentimento de
pertencimento, bem como o de compartilhamento a um dado lugar (ingredientes
importantes na formação da territorialidade), envolve fatores diversos, bem como
são diversas as formas pelas quais eles se realizam. Mas é no plano da
71
Cf. HAESBAERT, Rogério. Territórios Alternativos. São Paulo: Contexto, 2002. p.117-127,
citação: p.120 e 121. Para esta análise o autor se fundamentou, mais especificamente, em:
LEFEBVRE, Henri. La Production de l’Espace. Paris: Anthropos, 1986.
192

experiência sócio-espacial efetiva – real - que eles são forjados. Quando se


analisa os impactos que a modernidade capitalista provoca no território e, mais
especificamente, nas relações de solidariedade, de sociabilidade num dado lugar,
isto não significa que necessária e automaticamente elas pereçam, ou se
transmutem necessariamente em relações alienadas, circunscritas a um universo
de “cidadania caricatural”, muito embora se reconheça os impactos e os desafios
que pesam sobre a cidadania e a sua realização no transcurso de
desenvolvimento da sociedade capitalista e do mundo da mercadoria. Mas é
preciso, como já assinalei neste trabalho, acautelar-se com as generalizações,
com as posturas totalizantes e pretensamente certas. No âmbito da complexidade
e da diversidade de relações próprias à vida moderna, a idéia de uma possível
existência, ou mesmo da manutenção de uma condição sócio-espacial orientada
para um amplo comunitarismo solidário me parece anacrônica, revelando-se tal
condição mais propriamente como uma atitude nostálgica ou mesmo idealizada do
mundo, que dificilmente encontraria condições efetivas de realização na
contemporaneidade. Os dinamismos da vida moderna, aí considerados os do
próprio capital com suas forças de fragmentação/segmentação sócio-espacial,
estabelecem perturbações constantes no universo da formação das
territorialidades, cujas bases de sustentação flexibilizam e fragilizam-se, podendo
mesmo se esboroar, mas também, é forçoso reconhecer, ser (re)criadas em novas
bases e mesmo em outros lugares. Imaginar que este movimento só encerre
perdas constitui uma redução ao plano da sua interpretação. Não se trata de uma
situação em detrimento da outra (leitura reducionista derivada de uma concepção
binária de movimento da realidade), mas ambas se desenvolvendo ao mesmo
tempo, apesar do incontestável “mal estar” reinante da modernidade capitalista.
A situação verificada em Santa Tereza é indicativa de que o movimento
proeminente do valor de troca no universo espaço-temporal não é absoluto, ou
suficiente a ponto de estabelecer um território árido no qual o uso e as
territorialidades vinculadas a ele sejam banidos ou qualitativamente conformados
em expressões sócio-espaciais da alienação, do espaço reificado. Ela sinaliza,
assim, para os limites deste movimento e as brechas que se abrem às
193

possibilidades do uso e da apropriação. O capital pode até conformar o todo, mas


não é tudo.
193

Considerações Finais:

É importante consignar que a análise do processo de formação da


cidade de Belo Horizonte, à luz do conflito entre valor de uso e valor de troca,
revelou-se, desde o início da pesquisa, bastante instigante e estimulante, à
medida que trouxe à tona questionamentos diversos atinentes aos impactos, à
extensão e aos limites da dinâmica sócio-espacial do capital na grande cidade.
Neste sentido, muito se tem falado acerca de uma submersão qualitativa
e progressiva das relações de sociabilidade na cidade e do desapego dos
citadinos em relação ao seu espaço de vivência, sendo estes aspectos, entre
outros, considerados manifestações e evidências da crise que assola a cidade,
consubstanciando-se em crise da cidade, esbaforindo e constrangendo a vida
em seus mais diversos aspectos e lugares de realização. A difusão do mundo
da mercadoria e a proeminência do valor de troca no espaço e no tempo
alicerçam esta crise, ao mesmo tempo em que imprimem o seu sentido, de
modo a engendrar no transcurso impetuoso de sua efetivação a proliferação da
alienação e da reificação sócio-espaciais. Nesta perspectiva, estaria se
delineando, a passos largos, diante dos imperativos do capital, uma espécie de
naufrágio da vida nas cidades, com o recrudescimento do trabalho alienado e
da produção de uma cidade, enquanto produto deste trabalho, igualmente
alienada e alienante, percurso no qual o trabalho e seus resultados são
subvertidos, tornando-se alheios ao espírito. Por esta lógica, as relações
identitárias e afetivas com o espaço se reduziriam substancialmente,
esboroando-se na esteira de uma tendência inexorável pela ação das forças do
capital e do mercado, com seus “cacos” amalgamando-se sob a forma de
fetiches.
Pois bem, este trabalho procurou desvendar e apontar certos limites e
descontinuidades a este movimento, conquanto ele seja real, amplo e
profundo, limites estes que, sobretudo nestes tempos de movimentos
acelerados e de afirmação de múltiplas conexões e interdependências que
perpassam o universo têmporo-espacial do capitalismo, em escalas territoriais
diversas, assumem maior expressão e visibilidade à escala do lugar, expressão
que nem sempre as teorias de maior abrangência do movimento da “realidade”
conseguem devidamente captar, recaindo-se, assim, em generalizações
194

quanto à cobertura efetiva de processos e acontecimentos. Sem perder de


vista, entretanto, que o inverso também é verdadeiro, compreendo que, mais
do que nunca, se faz necessário o estabelecimento de uma relação e de um
esforço de análise sobre o real norteado essencialmente pela lógica da
atenção, o que vale dizer um olhar mais demorado e cuidadoso sobre as
expressões do real, o que pressupõe um olhar para ver a expressão e a
densidade do lugar, onde aquele de fato ganha concretude. Diante do prescrito
e das generalizações, pode resultar daí um estranhamento de conteúdo e de
sentido, e o que é tomado como supérfluo, ilusório, alienante pode esconder
nas entrelinhas alguma luminosidade importante, flexibilizando e, até mesmo,
desmentindo teorias e ideologias.
Nesta perspectiva, as práticas do antigo (e extinto) Bar do Ponto, assim
como do Mercado Central de Belo Horizonte e, em especial, do bairro de Santa
Tereza, revelaram, pela minha compreensão, uma dimensão auspiciosa na
cidade, para além do horizonte estreito do “exótico” e da “alienação etílica”, ou
simplesmente como lugares de consumo e de consumidores, da mercadoria e
da lógica da mercadoria. Perguntou-se nesse trabalho o que fez e faz destes
lugares, lugares queridos, ao gosto e ao afeto daqueles que o vivenciam.
Conquanto a mercadoria (e o valor de troca nela existente) seja um ingrediente
forte e cada vez mais presente nas relações sociais, logo, sócio-espaciais, a
resposta se situa para além dela, uma vez que estes lugares cumpriram e
cumprem funções significativas, simbólicas e prático-sensíveis, à existência, à
vida, constituindo-se estes lugares em espaços de apropriação matizados pelo
gosto e pelo afeto, e disto resulta a condição de resistência e de permanência
que lhes é comum, o que faz da cidade ainda um campo de possibilidades ao
uso do espaço como também um valor de uso. E os casos analisados, com
maior destaque para o bairro de Santa Tereza, revelaram que esta dimensão
ainda é insinuante em Belo Horizonte. Reduzir esses lugares, em especial
Santa Tereza, à condição de lugares em que a lógica da mercadoria define ou
se impõe sobre a construção do seu sentido é, a meu ver, fazer prova gratuita
de presunção e de miopia. As melhorias e avanços acerca das condições de
existência de um dado lugar têm muito maior chance e probabilidade de
acontecer quando são estes lugares tornados ao afeto e ao gosto de seus
usadores.
195

O caso de Santa Tereza, em específico, evidenciou que muito da


resistência local, diante dos interesses e das forças do mercado imobiliário,
decorre da existência de uma efetiva topofilia no lugar, que em grande medida
está ancorada na cultura 1, em que, pela minha compreensão, se forjou a sua
identidade e a sua territorialidade. Portanto, está, sobretudo, no plano da
cultura a conformação histórica da situação sócio-espacial no/do bairro, que o
conforma no conjunto da cidade, ao menos por enquanto, como um lugar
diferenciado, ou mesmo como um espaço da diferença. Tal situação, como já
se viu, está erigida numa certa hibridização do tradicional com o moderno,
constatando-se, ainda, neste universo uma certa adaptação e convivência
entre estas duas variáveis.
Até quando esta condição permanecerá viva no bairro não se sabe. O
que seguramente se pode dizer é que, de fato, paira uma forte ameaça à
conservação e preservação tanto do patrimônio arquitetônico-urbanístico como
de modos territoriais de vivência historicamente constituídos no bairro. Por
outro lado, é bem verdade também que já se consolidou uma cultura de
resistência neste lugar frente às forças que podem levar à sua efetiva
descaracterização. Como já se viu, são várias as entidades que atuam nesta
direção. A presença religiosa, artístico-cultural, universitária, entre outras, no
bairro tem desempenhado um importante papel nesta questão. Portanto, já
existe uma politização em torno do assunto que vai além dos limites do próprio
bairro. A ADE (Área de Diretrizes Especiais), indubitavelmente, foi uma
conquista importante, mas ela, por si só, não assegura integralmente a sua
preservação. Entendo que a situação futura do bairro está diretamente
condicionada, de um lado, pela continuidade e mesmo pelo fortalecimento da
luta dos seus moradores e adeptos na sua preservação e, de outro (e
relacionado, de certa forma, a esta), pela forma de ajustamento de Santa
Tereza às dinâmicas de crescimento e transformação mais gerais da
metrópole.

1
Embora haja grande polêmica em torno do seu significado, não havendo consenso sobre ele,
emprega-se aqui cultura no sentido que lhe atribui Hugues de Varine, isto é, como o “conjunto
de soluções encontradas pelo homem e pelo grupo aos problemas que lhe são colocados por
seu meio natural e social”, pelas quais, acrescento, se forjam modos de vida e referências
simbólicas e identitárias que os afirmam. Cf. VARINE, Hugues de. “La Confusion Culturelle”. In:
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2- Documentos Oficiais:
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Horizonte, 2001.
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Horizonte, 2004.
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Diário Oficial do Município de Belo Horizonte. Ano II, n. 224, 28 de agosto de
1996.
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____________________________________________. Lei 8.137 de 21 de
dezembro de 2000. Prefeitura de Belo Horizonte – Prodabel.
Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte (1990). Belo Horizonte: Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte, 1990.
Mapa da Exclusão Social de Belo Horizonte (Planejar BH). Belo Horizonte:
Prefeitura de Belo Horizonte, agosto 2000.
Plano Diretor de Belo Horizonte: lei de uso e ocupação do solo – estudos básicos.
Belo Horizonte: Prefeitura de Belo Horizonte, 1995.
Regulamento Geral de Construções em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Prefeitura
de Belo Horizonte, PLAMBEL, 1979.
3- Jornais:
Estado de Minas
Hoje em Dia
O Tempo
ANEXOS
196

F.1- Praça Duque de Caxias: taxistas “batendo uma bolinha” na hora do almoço.
Foto: Ulysses da Cunha Baggio (29/08/2003).

F.2 - Praça Duque de Caxias: adolescentes numa “roda de bate papo”.


Foto: Ulysses da Cunha Baggio (29/08/2003).

196
197

F.3- Praça Duque de Caxias: casal de desempregados.


Foto: Ulysses da Cunha Baggio (29/08/2003).

F.4- Praça Duque de Caxias: numa tarde tranqüila de quarta-feira, jovens lendo,
“batendo papo”, namorando.
Foto: Ulysses da Cunha Baggio (29/08/2003).

197
198

F.5- Matriz de Santa Tereza, junto à Praça Duque de Caxias.


Foto: Ulysses da Cunha Baggio (24/06/2005).

198
199

F.6- Casa remanescente dos anos 20, ou 30, na


Rua Mármore.
Foto: Ulysses da Cunha Baggio (24/06/2005).

F.7- Fachada de casa dos anos 30 na Rua Dores


do Indaiá.

199
200

Foto: Ulysses da Cunha Baggio (24/06/2005).

F.8- Bar e Restaurante do Bolão, em 23/06/05, no horário de almoço. É um dos


lugares mais conhecidos e freqüentados de Santa Tereza. De quinta a sábado ele
funciona praticamente 24 horas por dia. É o ponto forte da boemia do bairro.
Foto: Ulysses da Cunha Baggio (24/06/2005).

F.9- Bar Temático, num agradável final de tarde. Outro lugar bastante procurado
no bairro, oferecendo comida bastante variada. Está bem próximo ao Mercado
Distrital de Santa Tereza.

200
201

Foto: Ulysses da Cunha Baggio (05/08/2004)

F.10 – Moradoras da Vila Ivone, em Santa Tereza, vivem o antigo hábito de


sentar-se na porta de casa para conversar, sem os transtornos comuns às vias de
maior circulação.
Foto: Marcos Vieira (Estado de Minas, 19/12/2004, Gerais, p.25).

201
202

F.11- Trecho do ramal férreo (em 1920), na região de Santa Tereza, que liga Belo
Horizonte à cidade de Sabará.
Fonte: Acervo de José Góes, do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.

202
203

F.12 - Vista aérea ampla do bairro de Santa Tereza, em 1951. Ao fundo, vêem-se
os bairros Pompéia, Paraíso e Saudade.
Fonte: Acervo de José Góes, do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.

203
204

F.13- Vista aérea do bairro de Santa Tereza, em 1951, em que se destaca mais
ao centro a Rua Amianto.
Fonte: Acervo de José Góes, do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.

204
205

F.14- Vista aérea dos bairros Santa Tereza e Horto, em 1955, destacando o
Colégio Tiradentes e, tendo ao fundo, os bairros Esplanada e Pompéia.
Fonte: Acervo de José Góes, do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.

205
206

F.15- Vista aérea do bairro de Santa Tereza e adjacências, provavelmente na


segunda metade dos anos 70. Em primeiro plano o ribeirão Arrudas e, mais ao
centro, as instalações do Mercado Distrital de Santa Tereza. Na parte superior da
foto, pode-se divisar a Igreja de Santa Tereza e o quartel da Escola Tiradentes.
Fonte: Acervo de José Góes, do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.

206
207

Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo – Lei 8.137 de 2000 (PBH)

CAPÍTULO IV
DA REGULAMENTAÇÃO DA ADE DE SANTA TEREZA

Seção I
Das Disposições Gerais

Art. 100 - A ADE de Santa Tereza é definida pela Lei n.º 7.166/96 como área que,
em função das características ambientais e da ocupação histórico-cultural,
demanda a adoção de medidas especiais para proteger e manter o uso
predominantemente residencial.
Parágrafo único - A delimitação da ADE de Santa Tereza é a representada no
Anexo II da Lei n.º 7.166, de 1996.
Seção II
Dos Parâmetros Urbanísticos

Art. 101 - Os parâmetros urbanísticos para a ADE de Santa Tereza são aqueles
definidos pela Lei n.º 7166, de 1996, que não contrariem o disposto nesta Lei e
aqueles definidos neste Capítulo.
Parágrafo único - Os parâmetros urbanísticos para a área classificada como ZEIS
pela Lei n.º 7.166, de 1996 serão definidos em lei específica.

Art. 102 - Imóveis situados na ADE de Santa Tereza somente podem receber
transferência do direito de construir, nos termos da lei, proveniente da mesma
ADE.

Art. 103 - O coeficiente de aproveitamento é de 1,20 (um inteiro e vinte


centésimos) para as edificações de uso residencial e de 1,00 (um inteiro) na parte
não residencial das edificações de uso misto e nas edificações de uso não
residencial.
Parágrafo único - O cálculo do coeficiente de aproveitamento é feito conforme o
estabelecido no art. 46 da Lei n.º 7.166, de 1996.

Art. 104 - A quota de terreno por unidade habitacional é de 50 m²/unidade


(cinqüenta metros quadrados de terreno por unidade habitacional).

Art. 105 - A altura máxima permitida às edificações é de 15,00m (quinze metros)


contados a partir de qualquer ponto do terreno natural, exceto no caso de
edificações situadas em lotes lindeiros às ruas Hermílio Alves, Mármore e Salinas,
às praças Duque de Caxias, Ernesto Tassini, Marechal Rondon, Coronel José
Persilva e ao largo formado pelas esquinas das ruas Quimberlita, Tenente Freitas,
Bocaiúva e Bom Despacho, em que a altura máxima permitida, a partir de
qualquer ponto do terreno natural, é de:
I - 9,00m (nove metros), até a profundidade de 20,00m (vinte metros), a partir do
alinhamento;
II - 15,00m (quinze metros), no restante do terreno.

207
208

§ 1.º - As edificações situadas em lotes lindeiros a imóveis considerados de


interesse de preservação cultural pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio
Cultural do Município não podem ultrapassar 9,00m (nove metros) de altura em
ponto algum do terreno natural.
§ 2.º - Excetuam-se dos limites máximos de altura definidos neste artigo os
volumes correspondentes às caixas d'água e casas de máquinas.

Art. 106 - A taxa de permeabilização mínima é de 20% (vinte por cento) da área
do lote, não se aplicando o disposto nos §§ 2º, 3º e 4º, do art. 50, da Lei nº 7166,
de 1996.

Art. 107 - Tendo em vista a necessidade de composição volumétrica de nova


edificação em conjunto arquitetônico construído no alinhamento, considerado de
interesse de preservação, é facultada a construção sem afastamento frontal,
desde que a nova edificação não ultrapasse a altura máxima das edificações
lindeiras e respeite os demais parâmetros urbanísticos.

Art. 108 - Os afastamentos mínimos laterais e de fundo dos pavimentos são os


definidos nos arts. 54 e 55 da Lei nº 7.166, de 1996 não se aplicando o disposto
no § 5º do art. 54.

Art. 109 - As edificações poderão ser construídas sem afastamentos laterais e de


fundo até a altura máxima de 5,00m (cinco metros).
§ 1.º- As edificações horizontais, destinadas ao uso residencial multifamiliar,
poderão ser construídas sem afastamentos laterais e de fundo até a altura
máxima de 7,00m (sete metros), desde que a parte da edificação sem
afastamento não ultrapasse 40% da extensão da respectiva divisa.
§ 2.º - A altura máxima permitida na divisa deverá ser calculada tendo como
referência de nível o terreno natural em seus respectivos pontos.

Art. 110 - Na ADE de Santa Tereza, a Classificação de Usos é a definida pelo


Anexo VIII desta Lei.
Parágrafo único - Além das atividades previstas no Anexo VIII desta Lei, é
permitido o funcionamento de atividades nos termos da Lei n.º 6.831, de 17 de
janeiro de 1995, estendendo-se a iniciativa a autônomos.

Art. 111 - Será permitida a permanência no local de usos regularmente instalados


em data anterior à publicação desta Lei, mas não será permitida a emissão de
novo Alvará de Localização para atividade que não se enquadre nos usos
permitidos para a ADE de Santa Tereza.
Parágrafo único - Não se aplica o disposto no caput no caso de uso não
residencial regularmente instalado em edificações aprovadas e a ele
especificamente destinadas.

Seção III
Da Gestão Urbana

Art. 112 - Fica instituído o Fórum da Área de Diretrizes Especiais de Santa Tereza

208
209

- FADE DE SANTA TEREZA - com o objetivo de acompanhar as decisões e


ações relativas a essa ADE, encaminhando sugestões às comissões temáticas do
poder legislativo.
§ 1.º - O FADE DE SANTA TEREZA é composto por 7 (sete) membros efetivos e
respectivos suplentes, a saber:
I - 5 (cinco) representantes dos vários setores da comunidade local;
II - 1 (um) profissional com experiência em urbanismo, indicado pela associação
dos moradores de Santa Tereza;
III - 1 (um) representante da Administração Regional Leste.

§ 2.º- Os mandatos do FADE DE SANTA TEREZA não serão remunerados e


terão a duração de 2 (dois) anos, podendo seus membros serem reeleitos ou
reconduzidos para mais 1(um) mandato;
§ 3.º - O FADE DE SANTA TEREZA reunir-se-á, ordinariamente, uma vez por
mês, ou extraordinariamente, quando se fizer necessário.
§ 4.º - A Administração Regional prestará apoio técnico e administrativo para o
funcionamento do FADE DE SANTA TEREZA .
§ 5.º - As reuniões serão públicas, facultando-se aos munícipes da comunidade
local solicitar, por escrito e com justificativa, a inclusão de assunto de seu
interesse na pauta da reunião subseqüente.

Art. 113 - Fica instituída uma comissão provisória, com a atribuição de convocar
assembléia plenária para a indicação dos representantes da comunidade e de
efetivar a implementação do FADE DE SANTA TEREZA.
§ 1º - Esta comissão é composta por 1 (um) representante da Administração
Regional Leste, que a coordenará, e por 3 (três) representantes da comunidade.
§ 2º - O prazo para a convocação da assembléia plenária é de 60 (sessenta dias)
após a promulgação desta lei.

209
210

ANEXO VIII da Lei No. 8.137: classificação de usos na ADE de Santa Tereza.

RAMO DE ATIVIDADE GRUPO I GRUPO II

Área: <50m², com exceção. Área: <300m²

-Adm. de loterias -Estabelecimentos


-Adm. Seguros e Resseguro Bancários
-Adm. de Cartões de Crédito
-Arrendamento Mercantil
-Caixas Eletrônicos e Postos
de Atendimento Bancário
Instituições de Crédito, (<150m²)
Seguro, Capitalização, -Casas de Câmbio
Comércio e Administração de -Crédito Habitacional
Valores Imobiliários -Distribuidoras e Corretoras de
Títulos e Valores
-Fundos de Investimento
-Instituições de Aplicação
Financeira, Financiamento,
Investimento e Crédito
-Sociedade de Capitalização

Área: <50m²

-Adm. de Imóveis
Comércio e Administração de -Compra, Venda e Corretagem
Imóveis de Imóveis
-Empreendimentos Imobiliários
-Incorporação de Imóveis

Área: <150m²,com exceção Área: <300m², com exceção

-Cafeterias -Albergues
-Casas de Chá -Restaurantes
-Casas de Doces -Bar (150m²)
Serviços de Alojamento e -Casas de Sucos e Vitaminas
Alimentação -Lanches em Trailer(<30m²)
-Sorveterias
-Lanchonete
-Pensões
-Grupo I >150m² a <300m²
Área: <100m² Área: <100m², com exceção

-Lavanderias e Tinturarias
-Chaveiros -Toalheiro
-Dedetização -Adm.. de Condomínios

210
211

-Escritório de Limpeza e (50m²)


Serviços Domiciliares Conservação de Edifícios -Buffets (sem limite de área
-Jardinagem e Paisagismo pré-definido)
-Lavanderias Self-Service -Casas de Recepção e
-Locação de Artigos para Salões de Festa ( sem limite
Festas de área pré-definido)
-Postos de Recebimento de
Pequenas Mercadorias
-Produção de Húmus
Área: <100m² Área: <100m², com exceção

-Reparação de Veículos,
-Montagem de Molduras e excluindo Lanternagem e
Quadros Pintura (150m²)
-Reparação de Artigos de -Serviços de Vidraçaria
Couro e Similares -Serviços de Reparação de
-Reparação de Bicicletas Móveis
-Reparação de Instalações de -Serviços de Corte e Vinco
Gás,Elétricas e Hidráulicas em Embalagens
Serviços de Reparação e -Reparação de Aparelhos -Serviços Gerais de Pintura
Conservação Eletrônicos
-Reparação e Conservação de
Ferramentas
-Reparação e Conservação de
Máquinas, Aparelhos e Artigos
de Uso Doméstico e Pessoal
-Reparação e Instalação de
Antenas
-Reparação e Instalação de
Computadores, Periféricos e
Impressoras
-Serviços de Esterilização
-Serviços de Montagem de
Quiosques

Área: <100m² Área: sem limite pré-


definido, com exceção

-Agências de Casamento - Academias de Ginástica e


-Barbeiros Esportivas
-Centros de Estética -Escolas de Dança, Música
-Confecções e Reparação de e Natação
Artigos de Vestuário Sob -Serviço Funerário (100m²)
Medida
Cursos Aula Particular
-Curso de Datilografia
Serviços Pessoais -Curso de Informática
-Cursos Diversos
-Estilista

211
212

-Escola de Mergulho
-Estúdios Fotográficos
-Locação de Artigos de
Vestuário
-Massagens, Saunas, Duchas
e Banhos
-Salões de Beleza
-Salões de Engraxate
-Serviços Esotéricos

Área: <100m² Área: sem limite pré-


definido

-Locação de Filmes e Discos -Cinemas, Teatros e


-Locação de Livros Auditórios
-Locação de Fitas de Vídeo-
Serviços de Diversão e Game
Comunicação -Casas Lotéricas
-Estúdios de Gravação
-Prestação de Serviços por
Telefone
-Serviços de Tele-Informática

Área:<100m² Área:<100m²

-Agências de Publicidade e -Serviços Gráficos,


Propaganda Editoriais e de Reprodução
-Consultórios -Serviços de Silk-Screen
-Consultórios Veterinários -Laboratórios
- Escritórios -Leiloeiros
-Estúdios de Escultura,
Desenho e Pintura Artística
-Profissionais Autônomos
-Sedes Administrativas de
Construtoras
-Serviços de Acupuntura
-Serviços de Auditoria
-Serviços de Fotolito e
Microfilmagem
-Serviços de Investigação
Particular
Serviços Técnico-Profissionais -Serviços de Organização e
Promoção de Eventos
-Serviços de Tradução e
Documentação
-Laboratórios de Prótese

212
213

Dentária
-Laboratório Fotográfico
-Postos de Coleta de Materiais
Biológicos
-Provedores Internet
-Serviços de Decoração
-Serviços de Editoração
Eletrônica
-Serviços de Jornalismo e
Comunicação
-Serviços de Litografia
-Serviços de Nutricionismo
-Serviços de Reprografia
-Serviços de Serigrafia
-Empreiteira de Serviços de
Construção

Área: <50m²

Serviços Auxiliares da -Assistência Técnico-Rural


Agricultura -Combate a Pragas
-Reflorestamento

Área: <50m² Área: <100m²

- Locação e Arrendamento de -Transportes Escolares


Serviços Auxiliares de Bicicletas -Borracharia
Transporte -Escritório de Transporte de -Capotaria
Mudança e Valores, sem pátio
de veículos

Área: <50m²

-Agências de Intercâmbio
Cultural e Viagens
-Agências de Turismo
-Confecção de Carimbos
-Serviços de Comunicação e
Programação Visual
-Adm. de Tickets, Vales,
Cartões, e Fichas
Serviços Auxiliares de -Adm. de Consórcios
Indústria e Comércio -Agências de Trabalho Avulso,
Diaristas
-Locação, Compra e Venda de
Telefones

213
214

-Locação de Marcas e
Patentes
-Locação e Venda de Telões
-Posto de Intermediação de
Serviços
-Serviços de Vigilância

Área: <50m² Área: <50m²

Outros Serviços -Gravação de Jóias -Vitrificação


-Lapidação de Jóias

Área: <150m²

-Asilos
-Associações Beneficentes
Serviços de Uso Coletivo -Creches
Assistência Social -Entidades de Assistência e
Promoção Social
-Entidades de Atendimento
Não Asilar -Grupo I >150m² a <400m²
-Orfanatos
Área: <50m²
Serviço de Uso Coletivo
Órgãos de Previdência -Previdência Privada
-Previdência Pública

Área: <50m²

-Associações
Serviços de Uso Coletivo -Confederações
Entidades de Classe e -Conselhos
Sindicais -Federações
-Organizações de
Assistência a Empresas
-Sindicatos

Área: <150m² Área: sem limite pré-


definido
-Mostras Artesanais e
Folclóricas -Associações Culturais,
-Aquários Filosóficas e Científicas
Serviços de Uso Coletivo -Bibliotecas
Instituições Científicas, -Centros de Documentação
Culturais, Tecnológicas e -Centros de Pesquisa
Filosóficas -Estabelecimentos de
Cultura Artística
-Museus

214
215

-Grupo I maior que o


estipulado

Área:sem limite pré-definido

-Confederações e
Federações
-Ligas Desportivas e
Recreativas
Serviços de Uso Coletivo - Associações Desportivas e
Entidades Desportivas e Recreativas
Recreativas -Praças e Quadras de
Esporte
-Clubes
-Escolas de Esportes

Área: <100m²

-Associações Religiosas
Serviços de Uso Coletivo -Congregações Religiosas
Instituições Religiosas -Órgãos Administrativos de
Instituições Religiosas
-Seminários Religiosos -Grupo I >100m² a <400m²
-Templos

Área: <50m²

Organizações Cívicas e -Comitês Políticos


Políticas -Diretórios Políticos
-Sedes de Partidos Políticos

Área: <150m² Área: <50m²

-Associações de Bairros -Cooperativas


Serviços de Uso Coletivo -Associações de Moradores -Sedes de Movimentos
Defesa de Interesse Coletivo Sociais
-Diretórios Estudantis

Área: <150m² Área: <150m², com exceção

-Clínicas Especializadas
-Postos de Saúde Pública -Clínicas Odontológicas
-Postos de Vacinação -Institutos de Fisioterapia
-Serviços de Enfermagem -Clínicas Veterinárias
-Serviços de Ambulância
Serviços de Uso Coletivo -Serviço Veterinário de
Serviços de Saúde Embelezamento e
Vacinação

215
216

-Bancos de Sangue
-Laboratórios de
Análises Clínicas
-Laboratório Radiológico
-Maternidade (sem limite
de área pré-definido)
-Clínica de Fisioterapia
-Policlínica (sem limite de
área pré-definido)

-Grupo I >150m² < 400m²

Área: <150m² Área: < 400 m²

-Centros de Formação
-Institutos para Cegos Profissional
-Institutos para Portadores de -Cursos Pré-Vestibulares
Deficiência -Cursos Supletivos
-Institutos para Surdos-Mudos
Serviços de Uso Coletivo -Jardins de Infância e
Serviços de Educação Maternais
-Pré-Primário
-Escolas de Excepcionais
-Escolas de Idiomas
-Escolas de Primeiro Grau - Grupo I >150m² a <400m²
-Escolas de Segundo Grau

Área: <50m² Área: <50m², com exceção

-Agências de Correios e -Cartórios


Telégrafo - Delegacias de polícia
-Postos Policiais (150m²)
-Postos Telefônicos
Serviços de Uso Coletivo -Representação Diplomática
Serviços Públicos -Representação de
Organismos Internacionais
-Postos de Atendimento de
Empresas de Energia Elétrica
e de Telecomunicações
-Postos de Identificação

RAMO DE ATIVIDADE GRUPO I GRUPO II

Área <150m² Área: <150m², com exceção

-Colchões
-Antiquários -Show Room
-Abrasivos -Vidraçarias

216
217

-Açougues -Produtos Agropecuários


-Pescados -Artigos de Uso Comercial
-Aves Abatidas -Artefatos de Madeira
-Aparelhos Elétricos e -Máquinas de Pequeno
Eletrônicos Porte, Sem Incômodo
-Aparelhos e Artigos de Cine- Ambiental
Foto -Materiais de Acabamento
-Aparelhos de Uso Pessoal de Edificações
-Aquários e Peixes -Materiais de Serigrafia e
Ornamentais Silk-Screen
-Armarinhos -Produtos de Origem Animal
-Artesanato -Produtos de Origem
-Artigos de Apicultura Vegetal
-Artigos de Borracha e Couro -Produtos de Origem
Uso Comercial -Artigos de Caça e Pesca Mineral
-Artigos de Cama, Mesa e -Animais
Banho -Tintas
-Artigos de Conveniência -Materiais de Construção,
-Artigos Desportivos e Madeira e Sucata
Recreativos -Móveis, Instalações e
-Artigos de Escritório Equipamentos Usados
-Artigos de Gesso -Supermercados (sem limite
-Artigos de Uso Doméstico e de área pré-definido)
Pessoal
-Artigos de Vestuário
-Artigos de Madeira
-Artigos, Materiais e
Equipamentos Médicos, Grupo I >150m² a <300m²
Odontológicos, Laboratoriais e
Hospitalares
-Artigos e Produtos
Veterinários
-Artigos Esotéricos
-Artigos e Suprimentos de
Informática
-Artigos Importados
-Artigos para Camping
-Artigos para Decoração
-Artigos para Festas
-Artigos para Forração
-Artigos para Pintura Artística
-Artigos para Piscina
-Artigos Religiosos
-Artigos para Sorveteria
-Bazares
-Bebidas
-Bicicletas
-Bijuterias
-Bombonnières

217
218

-Brinquedos
-Cestas de Alimentação
-Confeitarias
-Copiadoras
-Cortinas
-Cosméticos
-Drogarias e Farmácias
-Eletrodomésticos
-Essências, Corantes e
Especiarias
-Embalagens
-Equipamentos de Pequeno
Porte Sem Incômodo
Ambiental
-Equipamentos de Segurança
de Uso Pessoal
-Equipamentos e Materiais
Elétricos e Eletrônicos
-Ferragens
-Ferramentas
Uso Comercial (cont.) -Floriculturas
-Gelo
-Instrumentos Musicais
-Joalherias e Relojoarias
-Jornais e Revistas
-Laticínios e Frios
-Livrarias e Papelarias
-Lubrificantes
-Materiais Plásticos
-Mercearias
-Metais e Pedras Preciosas
Para Joalherias
-Móveis
-Molduras
-Objetos de Arte e Adornos
-Óticas
-Padarias
-Perfumarias
-Presentes
-Produtos Alimentícios
-Produtos de Limpeza
-Produtos Naturais
-Programas para
Computadores
-Roupas Especiais de
Segurança
-Sapatarias
-Tabacarias
-Tapetes

218
219

-Tecidos
-Peças e Acessórios Para
Bicicletas
-Pequenos Animais Não
Abatidos
-Produtos Preparados e/ou
Comercializados em
Equipamentos Compactos
Tipo: Jornais, Refrigerantes,
Pipocas, Balas, Churros, etc
-Produtos Hortifrutigranjeiros
-Quitandas
-Toldos

219
220

220
221

Questionário de Pesquisa:

Prezado entrevistado, este é um questionário para uma pesquisa de doutorado


sobre Belo Horizonte que estou desenvolvendo. As respostas para as questões
não precisam ser longas, limitando-se, assim, aos aspectos que você considera
essenciais. Sinta-se à vontade para responder as perguntas, usando de
franqueza e sinceridade. Certamente, sua contribuição será importante ao meu
trabalho. Antecipo os meus mais sinceros agradecimentos por sua colaboração
para esta pesquisa sobre a nossa cidade.
Ulysses da Cunha Baggio

1- Nome (opcional): Profissão:


Idade: Tempo de residência na cidade:

2- Como você vê a cidade de Belo Horizonte. Quais são suas principais


impressões.

3- Que problemas você destacaria como sendo os principais da cidade


(destaque três, ao menos).

4- Quais são os lugares que você mais gosta da cidade (Aponte pelo menos
três). Justifique.

5- Você considera BH uma cidade que favorece as relações sociais e o


encontro entre as pessoas? Justifique.

As próximas questões são apenas para moradores ou freqüentadores do


bairro de Santa Tereza:

6- Quais são suas impressões sobre o bairro de Santa Tereza? Você acha que
o bairro favorece o encontro e as relações sociais? Sim ou não, justifique.

7- Quando está no bairro, que lugares você costuma freqüentar? Justifique.

8- Eleja três símbolos para Santa Tereza (por ordem de importância).

9- O que você acha que falta ao bairro.

10- Você identifica em Santa Tereza diferenças em relação aos outros bairros
da cidade? Quais? Aponte aquelas que você considera as mais importantes.

11-Você reconhece alguma importância de Santa Tereza para o conjunto da


cidade? Qual (quais). Justifique.

12- Em sua opinião, o Estado (a Prefeitura Municipal) tem atuado favorável e


adequadamente no bairro. (Responda se puder).

Observações/complementos:

221

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