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RESUMO
Dossiê temático
Thematic dossier / Dossier temático
Julio Carmo Apresentando o debate sobre a institucionalização
Doutor em Arquitetura e Urbanismo das regiões metropolitanas brasileiras, este artigo
pela Universidade de São Paulo propõe-se caracterizar o movimento iniciado em
(USP). Professor da Faculdade de
1933 até a promulgação da lei complementar federal
Engenharias, Arquitetura e Urbanismo
e Geografia da Universidade Federal de n. 14, de 1973, tendo como método o levantamento
Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil. bibliográfico e a consulta a documentos, periódi-
juliobotega@yahoo.com.br cos e legislação. Como resultado, identificam-se os
principais temas abordados e os debates no perío-
Tomas Antonio Moreira do, que culminaram no projeto brasileiro de regiões
PhD em Estudos Urbanos pela Université metropolitanas.
du Québec à Montréal, Canadá. Professor
associado do Instituto de Arquitetura e Palavras-chave: regiões metropolitanas; institucionali-
Urbanismo da Universidade de São Paulo zação metropolitana; legislação; história urbana.
(USP), Brasil.
tomas_moreira@sc.usp.br ABSTRACT
Presenting the debate on the institutionalization
of Brazilian metropolitan regions, this article pro-
poses to characterize the movement that started
in 1933 until the enactment of LCF nº 14/73, using
the bibliographic survey and consultation of doc-
uments, periodicals, and legislation as a method.
The main topics addressed and the debate in the
period were identified, which culminated in the
Brazilian project of metropolitan regions.
Keywords: metropolitan regions; metropolitan institu-
tionalization; legislation; urban history.
RESUMEN
Presentando el debate sobre la institucionalización
de las regiones metropolitanas brasileñas, este artí-
culo se propone caracterizar el movimiento iniciado
en 1933 hasta la promulgación de la LCF nº 14/73, uti-
lizando como método el levantamiento bibliográfico
y la consulta de documentos, periódicos y legisla-
ción. Como resultado, identifica los principales te-
mas abordados y el debate en el período, que culminó
en el proyecto brasileño de regiones metropolitanas.
Palabras clave: regiones metropolitanas; institucionali-
zación metropolitana; legislación; historia urbana.
Introdução
Como observa Gouvêa (2005, p. 74), cada região seria administrada por um
prefeito eleito indiretamente, cabendo aos estados, e não à União, a criação des-
sas regiões. Serrano (2009) afirma que o artigo não foi aceito por abrir preceden-
te à criação de regiões como entidades federativas. Contudo, mesmo não efeti-
vado, foi com a Constituição de 1934 que se tentou pela primeira vez enfrentar
problemas regionais por meio do planejamento, como afirma Lima (2007). No
artigo 177 destacava-se que: “A defesa contra os efeitos das secas nos estados do
Norte obedecerá a um plano sistemático e será permanente, ficando a cargo da
União, que dependerá, com as obras e os serviços de assistência, quantia nun-
ca inferior a quatro por cento da sua receita tributária sem aplicação especial”.
Este artigo, de acordo com o autor citado, foi precursor dos organismos regio-
nais criados a partir da Constituição de 1946. Contudo, anterior a esta, com o
golpe de Getúlio Vargas que instaurou o Estado Novo em 1937, foi promulgada
uma nova Constituição, que, ao contrário das anteriores, não seguiu a meto-
dologia republicana clássica de realizar um anteprojeto elaborado por alguma
comissão para ser posteriormente aprovada pelo Congresso. A Constituição de
1937 foi feita exclusivamente por Francisco Campos (Silva, 2008). Ele recuperou
o parágrafo 2º do artigo 87 do anteprojeto da Constituição de 1934, incluindo-o
no artigo 29, com o seguinte texto:
1 Observa-se que a única RM definida em 1973-1974 que não aparece como polo de uma região foi
Curitiba. Por outro lado, incluiu-se São Luís (MA).
Figura 1 – Divisão do Brasil em regiões urbanas. Fonte: Geiger (1963). Adaptado pelo autor
Figura 2 – RMs no Brasil em 1960, definidas por estudo da Universidade da Califórnia, com base nos critérios
estadunidenses.2 Fonte: Universidade da Califórnia (1961). Elaborado pelo autor
2 As RMs definidas por leis no Brasil também aparecem no estudo da Universidade da Califórnia. As
que não foram reconhecidas pelas leis brasileiras são: Campinas, Santos, Juiz de Fora, Maceió, João
Pessoa, Natal e São Luís.
3 Que incluía os municípios de Alvorada, Canoas, Esteio, Gravataí, Guaíba, Novo Hamburgo, Porto
Alegre, Sapucaia do Sul, São Leopoldo e Viamão.
dará normas para a expansão. Foi-se o tempo de governar com placas. Estamos
na hora dos planos” (Veja, 1969, p. 47). Prosseguiu o prefeito, afirmando: “vou
dar a Recife um plano diretor. Um senhor plano diretor, capaz de projetar a ex-
pansão da cidade e solucionar definitivamente os problemas básicos”. Sobre
Porto Alegre, a reportagem destacava que era “provavelmente de todas as capi-
tais brasileiras a um só tempo a mais integradora e a mais integrada. Isto pode
facilitar um projeto para a área metropolitana, capaz de planejar globalmente a
Grande Porto Alegre e de selecionar uma extensa área industrial defendida por
alguns técnicos contra os distritos industriais” (p. 49).
Percebe-se que a ideologia do plano e as obras físicas, sobretudo viárias,
eram colocadas como promissoras demonstrações da preocupação com o futu-
ro das áreas metropolitanas. Em poucos anos se tornariam o esteio dos proble-
mas metropolitanos, onde a população deveria depositar sua confiança, como
demonstra a edição de 4 de abril de 1973 da mesma publicação.
Portanto, o conhecimento acumulado sobre a realidade metropolitana foi
aprofundado a partir de 1964, resultando no modelo brasileiro de definição de
RMs. Wald (1972) considera que, ainda que a Constituição Federal de 1937 pre-
visse a colaboração entre municípios, a RM só foi efetiva a partir da Constituição
Federal de 1967, resultado de um debate que teve diversas contribuições.
Determinava, em seu artigo 157, que “a União, mediante lei complementar, po-
derá estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por municípios que, in-
dependentemente da sua vinculação administrativa, integram a mesma unida-
de socioeconômica, visando à realização de serviços comuns”. Com a crescente
urbanização e mudanças institucionais ocorridas no Brasil após o golpe militar
de 1964, a partir de 1966 o então presidente Castelo Branco instituiu uma comis-
são de juristas para reformar a Constituição Federal de 1946. Ainda que obser-
vado, o fenômeno metropolitano não tinha uma base jurídica à qual se referir.
Tais juristas preconizaram então duas soluções para a questão metropolitana. A
primeira, no título V, capítulo I, seção V, artigo 246 do anteprojeto, admitia que
atividades e serviços urbanos, ou parte destes, que, pela natureza de sua disciplina,
implantação ou operação, resultem em conexões e interferências recíprocas entre
os diferentes municípios, exigindo ação unificada e planejada que ultrapasse seus li-
mites institucionais. Para que o conceito possa ser aplicado indistintamente, a qual-
quer realidade metropolitana, basta que se substitua a expressão “diferentes mu-
nicípios” por “diferentes unidades administrativas com atuação na área”. (Gegran,
1971, p. 189)
para a região. A área abrangida teria a necessidade de uma ação conjunta para
permitir o enfoque adequado dos problemas que, pela singularidade da região,
ultrapassassem a possibilidade de solução isolada. A juricidade do conceito de
interesse predominantemente metropolitano possibilitaria ao Estado intervir
na área metropolitana para atendê-lo, ainda que se alegue que isso implica in-
fringir a autonomia municipal, o que não ocorre, de acordo com alguns juristas,
uma vez que os municípios continuariam com administração própria quanto
ao que fosse de seu interesse predominante. Para Alves (1979), contudo, a for-
ma adotada não contempla os pressupostos necessários à preservação efetiva da
autonomia local, a par de impedir uma mais perfeita integração entre todos os
níveis governamentais, incluindo a União (p. 121-122). Inserido no título cons-
titucional “Ordem econômica e social”, a inclusão da emenda visava, de acor-
do com Horta (1975), à realização de justiça social, singularizando a RM dentro
do direito constitucional brasileiro, diferenciando-a de modelos estrangeiros e
originando um projeto genuinamente nacional de institucionalização. Critica o
autor alguns legisladores que buscavam soluções baseadas em modelos estran-
geiros, exaltando o que definiu como “projeto brasileiro de região metropolita-
na” (p. 38), expressão que compõe o título deste artigo.
Esse cenário de discussão para regulamentar os agrupamentos de muni-
cípios, sobretudo a partir da Constituição Federal de 1967 e da emenda n. 1 de
1969, fez com que o Ministério da Justiça fosse requisitado a propor um projeto
de lei que criasse as RMs. Com a dimensão que a questão metropolitana tomou e
as divergências entre os diversos ministérios, os técnicos do Ipea foram chama-
dos a analisar o anteprojeto proposto pelo Ministério da Justiça. Foi elaborado
pelo instituto um documento, publicado em 1971, que destaca (Ipea, 1971, p. 143)
que entre 1967 e 1968 foram apresentados nove projetos para a institucionaliza-
ção de RMs, que os autores dividiram em três grupos:
1) Projetos que visavam à constituição de RMs isoladas: projeto n. 23/1967,
de autoria do deputado Paulo Biar, criava a RM na área abrangida pelos muni-
cípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti, Nilópolis, Magé,
Itaguaí e Itaboraí. Para o Ipea (1971, p. 143), contudo, “ainda que pertencentes
a uma mesma comunidade socioeconômica, esses municípios constituem, na
verdade, uma parte da grande área metropolitana do Rio de Janeiro, não apre-
sentando todos eles integração entre si e sim com o Rio de Janeiro ou Niterói (no
caso de Itaboraí)”; projetos n. 38/1967, do deputado Milton Reis, e n. 44/1968,
do deputado Rozendo de Souza, que previam a instituição de RMs em Minas
Gerais entre os municípios de Ipatinga, Timóteo e Coronel Fabriciano e no Rio
de Janeiro (Volta Redonda e Barra Mansa). O Ipea (p. 143) avaliava que eram
uma capital estadual cuja função metropolitana foi reconhecida nos estudos sobre
hierarquia urbana realizados pelo Ipea/CNG, e que vem apresentando o tipo de cres-
cimento característico referido. Sua instituição como região metropolitana, nos
termos da Constituição, deverá se processar tão logo seja aprovada a lei complemen-
tar de caráter normativo. (Ipea, 1971, p. 143)
estaduais. Não havendo na lei instrumentos para sua efetiva aplicação, os esta-
dos passaram a organizar entidades de planejamento e administração metropo-
litana dentro das diretrizes da lei complementar (Matos, 1982), que passariam a
caracterizar o planejamento metropolitano após 1973. Alves (1979) destaca que
até então as formas institucionais básicas adotadas nos diferentes países con-
sistiam em: criação de um ente político-administrativo autônomo sem eliminar
os entes locais; fusão dos municípios; criação de unidades metropolitanas se-
torizadas, com autonomia administrativa e financeira; cooperação voluntária
entre os municípios da mesma região por meio de convênios; e atribuição legal
da responsabilidade de decisão a respeito dos problemas metropolitanos à esfe-
ra governamental intermediária (o estado-membro, em nosso caso), acima dos
municípios e abaixo do poder central, objetivando a unificação e a coordenação
dos órgãos e entidades executivas dos programas metropolitanos.
A última forma não exclui a participação dos outros entes governamentais
envolvidos e foi adotada no Brasil, sendo o modelo que lhe empresta o funda-
mento de concepção, para Alves (1979), o que melhor se adaptava a nossa forma
federativa de Estado, visto integrar-se nos modelos do federalismo de coopera-
ção, sem ofensa ao princípio da autonomia política. O referido modelo não foi
integralmente aplicado, quer pela não participação da União na administração
básica das RMs, na qual não tem representação, quer pela fraca representati-
vidade dos municípios. Azevedo (1967, p. 16) destaca que “a União estabeleceu
não a ‘região metropolitana’, mas a possibilidade de um governo específico para
a região metropolitana”, sendo que o problema é que, verticalmente, ela é in-
fluenciada pelos três entes federativos, já que não constitui por si um ente, e ho-
rizontalmente, por uma infinidade de municípios, dificultando a possibilidade
de uma administração unificada.
A promulgação da lei complementar federal n. 14, de 8 de junho de 1973,
veio encerrar essa fase de indefinição. Harmonizou as duas tendências que fo-
ram identificadas em posições anteriores do Ministério da Justiça e do então
Ministério do Planejamento. Foram criadas oito RMs (Figura 3), especificadas
no texto, e, ao mesmo tempo, as normas gerais de organização. Explicitou os
serviços comuns de interesse metropolitano, enfrentando a questão central da
RM, oferecendo solução diversificada para a unificação de execução, e autori-
zando a concessão à entidade estadual, constituição de empresa de âmbito me-
tropolitano ou estabelecida por convênio (artigo 3º, parágrafo único). O artigo
5º da lei n. 14/1973 determina os serviços comuns metropolitanos: planejamen-
to integrado de desenvolvimento econômico e social; saneamento básico, nota-
damente abastecimento da água e rede de esgotos e serviço de limpeza pública;
4 Além das oito definidas pela lei complementar federal n. 14/1973, a RM do Rio de Janeiro foi definida
pela lei complementar federal n. 20/1974.
Gouvêa (2005, p. 134) afirma que, apesar das críticas, o arranjo implantado
pela ditadura militar apresentava características interessantes. Não criou um
quarto nível de poder, mas se preocupou em particularizar serviços configura-
dos como de interesse comum e em formalizar as atividades a serem desempe-
nhadas no âmbito metropolitano, ou seja, planejamento, promoção e coorde-
nação da execução de programas e projetos de interesse plurimunicipal. Exceto
quanto à existência dos conselhos, a organização e a especificação das estrutu-
ras institucionais para efeito de operacionalização das políticas foram deixa-
das para cada estado. O Conselho Deliberativo seria o órgão de planejamento,
coordenação, execução e unificação dos serviços comuns, enquanto o Conselho
Consultivo seria opinativo e de aconselhamento, para questões de interesse da
RM. As soluções para problemas que envolviam um grande número de agentes
deveriam se desenvolver segundo as peculiaridades de cada RM.
Percebe-se, como Deák (2004) afirma, que o período que se estende de mea-
dos da década de 1960 até 1973 constituiu a “era de ouro” do planejamento no
Brasil. Para o autor, até esse momento a prática de planejamento restringia-se
às investidas de poucas municipalidades, sem qualquer coordenação, integração
ou subordinação a uma política federal de regulação urbana. A partir de 1964,
essa política nacional passou a ser realizada, sendo o fio condutor das instituições
voltadas ao planejamento a concepção de que ele é função de governo, técnica e
forma de administração. Reproduziam, dessa forma, um marco institucional em
nível federal que possibilitou e condicionou a criação de instituições de planeja-
mento nas diferentes escalas e arranjos e que permanece dominante no planeja-
mento metropolitano brasileiro. Definido o que seriam as RMs no Brasil, houve
o debate sobre a delimitação territorial dessas unidades de planejamento. Entre
os ministérios, havia propostas oriundas do Ministério do Interior (por meio do
Serfhau), do Ministério do Planejamento (IBGE e Ipea) e do Ministério da Justiça
(comissão de juristas), além do BNH, das universidades e de organismos públicos
de alguns estados. Também o Senado e a Câmara Federal discutiam tal tema.
O estudo para fins de ação administrativa realizado pelo IBGE, publicado em
1971, teve como base os textos de Galvão et al. (1969) e de Davidovich (1971), ambas
técnicas da instituição. Denominado “Divisão do Brasil em regiões funcionais ur-
banas”, resultou de uma revisão e reelaboração do “Estudo preliminar da divisão
do Brasil em espaços polarizados”, publicado em 1967 pelo mesmo instituto. Nele,
foram identificados e definidos quatro níveis para os 718 centros urbanos do Brasil,
hierarquizados de acordo com sua dominância e subordinação na rede urbana.
Em primeiro, estavam os centros metropolitanos, seguidos dos centros regionais,
centros sub-regionais e, por fim, os centros locais. O modelo resultante deveria
direta de compra ou intermediária (quando o item não foi produzido, mas era
comercializado – caso dos grandes produtores de sapatos, por exemplo). Outro
problema era a hipertrofia urbana de alguns municípios como Belém, que, ainda
que inferior a São Paulo, polarizava uma área cerca de três vezes maior. Por isso
afirmavam ser um quadro geral, naquele momento considerado como satisfató-
rio. Dialogando com o estudo “Região de influência de cidades” (Regic), publica-
do em 1967, destacavam o papel de Goiânia (GO), que naquele momento polari-
zava Brasília, como um município que tinha mais relacionamentos em número
absoluto do que outros já tidos como metropolitanos, como Curitiba e Belém.
Consideraram Goiânia, portanto, como a décima metrópole, unindo-se às nove
anteriores definidas pelo IBGE. Os centros urbanos foram então divididos em
quatro níveis, como já dito, sendo o segundo, o terceiro e o quarto subdivididos
em dois subníveis cada. Além dos critérios de relacionamentos e vínculos já cita-
dos, levou-se em consideração também a população em 1970, o número de rela-
cionamentos de âmbito nacional e regional, o número de centros subordinados e
a nota de equipamentos funcionais (de acordo com a pesquisa “Centralidade: sub-
sídios à regionalização”, publicada em 1968). Ainda que o texto não cite o fato, é
notável que apenas capitais de estados estavam no nível 1, que foi dividido em: 1a)
Grande metrópole nacional: São Paulo; 1b) Metrópole nacional: Rio de Janeiro;
1c) Centros metropolitanos regionais: Recife, Belo Horizonte, Salvador e Porto
Alegre; e 1d) Centros macrorregionais: Curitiba, Fortaleza, Belém e Goiânia.
Como principais resultados, os autores apontavam a grande diferença entre Rio
de Janeiro e São Paulo no cenário nacional, sendo que esta capital tinha amplitu-
de metropolitana e regional muito superior àquela. Um dos motivos apontados para
tal diferenciação era o grande desenvolvimento pelo qual passava a capital de Minas
Gerais, que, ao reforçar sua posição no estado, limitava a polarização até então exer-
cida pelo Rio de Janeiro. Havia, portanto, a tendência da hierarquia urbana do Brasil
ter apenas uma metrópole nacional à frente, que se mantém, como demonstrou o
Regic de 2018. Outro resultado verificado foi que as desigualdades regionais se refle-
tem nas diferenciações da organização estrutural das redes urbanas. Por fim, o dina-
mismo demográfico dos centros regionais importantes nível 2a, como Campinas (SP)
e Campina Grande (PB) que, somadas a Goiânia, representavam 47,8% da população
urbana em 1970, tendo em geral incremento populacional de cerca de 50% entre 1960
e 1970. Na tentativa de delimitar as RMs no Brasil, os autores dividiram-se entre os
que tomaram como base critérios quantitativos e aqueles que buscaram definir qua-
litativamente o fenômeno. Matos (1982) destaca como principais contribuições as
elaboradas pelo IBGE, Ministério da Justiça, Ministério do Interior, Ministério do
Planejamento e Coordenação Geral e por Soares (1969), que constam no Quadro 1:
Fonte: Galvão et al. (1969); IBGE (1967, 1968, 1972); Soares (1969). Elaborado pelo autor
Considerações finais
Conclui-se que as RMs são espaços que se configuram como “um acúmulo desi-
gual de tempo” (Santos, 1976, p. 21), pois, como afirmou Joe Painter, “é [um es-
paço] necessariamente poroso, histórico, variante, desigual e perecível” (2010, p.
1094). Entretanto, é importante ter em mente que, apesar dos esforços em deli-
mitar e moldar esse espaço, ele “nunca está completo, mas sempre se tornando”.
Noventa anos depois, continua necessário o enfrentamento dos obstáculos
que se colocam para a institucionalização das RMs como espaços políticos, ca-
pazes de mobilizar Estado, mercado e sociedade para a resolução dos problemas
pertinentes a essa escala. Se isso não ocorrer, estaremos fadados ao comprome-
timento dos arranjos institucionais de planejamento em sua capacidade de ação,
limitados por iniciativas fragmentadas, persistindo a ideia de espaços preferen-
ciais para acumulação de capital e exercício da dominação, inclusive se instituin-
do espaços que não se configuram enquanto RMs. Evitando, assim, o identificado
por Lacerda e Ribeiro (2014, p. 192), que afirmam que “apesar dos esforços téc-
nicos em criar, nos organogramas institucionais, conselhos e outros instrumen-
tos de cooperação, a gestão metropolitana, no caso brasileiro, ainda sobrevive no
bojo da fragmentação do território e de poucas experiências exitosas”.
A importância do resgate do debate sobre a formação das RMs permite a
recuperação da formação dos aparatos de planejamento e arranjos territoriais
em diferentes escalas, apontando as formas alternativas de articulação territo-
rial urbana que podem dar conta da complexidade do fenômeno metropolitano.
Nesse sentido, um dos fatores que não permitiu a simples transposição das
experiências administrativas procedidas no exterior para aplicação às realida-
des metropolitanas brasileiras foi a circunstância de que os governos locais não
são entidades delegadas aos estados. Os municípios brasileiros possuem autono-
mia jurídica, não sendo, assim, os estados que determinam, por meio de disposi-
ções legais ou atos administrativos – como ocorre em outros sistemas de governo
de organização federativa ‒ as suas normas de conduta, a organização dos seus
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