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LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA COMO VETOR DO ESPAÇO URBANO

Bruno Marcelo de Oliveira Chaves1

RESUMO: O presente estudo compreende os impactos da legislação urbanística no


espaço urbano. É relevante que neste contexto a realidade da urbanização brasileira
sofreu alterações e dessa forma desde a segunda metade do século XX, se desenvolveu
grande parte das políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento e planejamento
urbano. Sendo assim, o poder legislativo definiu as normas que coordenam a
organização do espaço urbano, alterando a realidade de como se configura a cidade e a
vida dos indivíduos que nela vivem. Compreende-se que as diversas diretrizes criadas
nos últimos anos resultaram, apesar das inovações trazidas pelas recentes alterações
legislativas, em uma realidade diferente da idealizada, tendo em vista alguns fatores que
não foram pensados durante a elaboração do código de leis vigente.

PALAVRAS-CHAVE: Urbanismo. Planejamento urbano. Legislação Urbanística.


Direito urbanístico. Espaço urbano. Políticas públicas.

INTRODUÇÃO

A realidade urbana brasileira tem se alterado nas últimas décadas revelando a


grande tendência de crescimento da população urbana. A compreensão de como o
Estado reage a isso se faz necessária então para que cada individuo entenda como o
espaço em que ele vive deve ser administrado e assim busque a garantia de seus direitos.
Objetiva-se através deste artigo traçar um panorama a cerca do histórico do
direito urbanístico no Brasil para compreender como o desenvolvimento urbano afeta o
espaço em que os cidadãos vivem. Dessa forma, é analisada através de uma revisão
bibliográfica não sistemática acerca do assunto a compreensão de como a realidade
urbana brasileira mudou através das últimas décadas e como o poder legislativo passou
a se preocupar com mais com a questão urbano nos últimos anos.
Este artigo estrutura-se em quatro capítulos sendo que o segundo deles apresenta
dois subcapítulos. No primeiro capítulo encontram a contextualização a cerca de alguns
conceitos relacionados ao tema abordado no artigo. Já no segundo, é traçado a evolução
do planejamento urbano antecedente a constituição de 1988. No terceiro é abordado o

1
Estudante da 1ª fase do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal da
Fronteira Sul. E-mail: brunomarceloliveira@outlook.com.
contexto atual da legislação urbanística atual. Enquanto no quarto capítulo apresenta-se
a realidade das cidades brasileira pós Estatuto da Cidade.

1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Em um determinado momento da Pré-história o ser humano deixa de ser nômade


e adota um estilo de vida sedentário. Os indivíduos se fixam numa região de interesse
coletivo e ali constroem suas moradias. A partir daí formam-se as primeiras cidades, as
quais desenvolvem-se revelando a crescente necessidade humana do que pode ser
encontrado nela. Gradualmente, através dos séculos, grande parte da população deixou
de lado a vida no campo para viver nas cidades, fato que foi comprovado pelo Censo
(IBGE, 2010) ao apresentar que 84% da população brasileira é urbana.
Se faz necessário a distinção do conceito de urbano, visto a tendência
equivocada de se achar que urbano é sinônimo de cidade. Segundo Lefebvre (2002 apud
DUARTE, 2013, p. 19) “Enquanto a cidade seria um objeto definido e definitivo, um
campo de ações concretas, o urbano seria ao mesmo tempo a síntese teórica das
questões que marcam a sociedade contemporânea e uma virtualidade iluminadora.”.
Sendo assim, a cidade refere-se à área física de aglomerado de construções permeado
por ruas enquanto o espaço urbano correlaciona-se a economia e a cultura.
A área do conhecimento responsável pelo estudo desses conceitos e as suas
relações com a dinâmica social é o urbanismo. É possível então definir o urbanismo
como uma ciência que visa a melhor organização do espaço urbano associando este a
melhora do estilo de vida dos indivíduos (SILVA, 2010). Assim, o urbanismo relaciona-
se diretamente ao planejamento urbano, sendo este o responsável pela manutenção dos
objetivos do urbanismo.

2 POLÍTICAS PÚBLICAS ANTECEDENTES A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Em um primeiro momento é possível definir a evolução das políticas publicas


voltadas para o planejamento urbano através da divisão didática da história política
brasileira. Sendo assim, a legislação urbanística está diretamente ligada a realidade
política brasileira e a como as cidades se comportam em seus períodos específicos.
2.1 BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO

Sabe-se que durante a colonização brasileira já existiam normas legislativas


simples regidas pela metrópole que definiam que a manutenção da composição urbana
era competência de autoridades locais (SILVA, 2010). Essas informações demonstram a
descentralização existente nesse período, exibindo a realidade legislativa que se
estenderia até a segunda metade do século XX. Basicamente as leis municipais que
definiam o espaço urbano no período colonial e se limitavam a criação, desapropriação
e alinhamento das ruas.
No Brasil Império era possível ver esse mesmo contexto, visto que as
constituições promulgadas nesse período nada dispunham acerca da legislação
urbanística. Para Vieira (2010, p. 53) as constituições definiam “existiriam Câmaras em
cada cidade e vila” sendo assim define a mesma lógica descentralizadora existente no
período colonial. Apenas definiram-se as primeiras leis urbanísticas através de leis de
desapropriação posteriores a constituição imperial. O principal intuito de tais leis seria
estético, promovendo assim a alteração do próprio espaço urbano e a relação indivíduo-
cidade.

2.2 REPÚBLICA VELHA E DITADURA MILITAR

No início da República Brasileira e na primeira metade do século XX


encontramos um cenário onde as leis que definiam o contexto urbano brasileiro eram
contidas e existia uma despreocupação com o urbanismo nacional. Na primeira
constituição republicana apenas existia itens relacionados com as leis de desapropriação
já citados. A mobilidade também chegou a ser pautada em constituições posteriores,
onde se definiam “o plano nacional de viação férrea e o de estradas de rodagem (art. 5º,
IX) e asseguraram a competência dos Municípios em tudo que respeitasse a seu peculiar
interesse” (SILVA, 2010, p. 55).
O presidente Eurico Gaspar Dutra instituiu em 1º de maio de 1946 a Fundação
da Casa Popular (FCP), “o primeiro Órgão, de âmbito nacional, voltado exclusivamente
para a provisão de residências às populações de pequeno poder aquisitivo.”
(ANDRADE; AZEVEDO, 2011). Posteriormente ela seria modificada ampliando suas
funções para os serviços de saneamento básico e infraestrutura física, ou seja,
depreendeu-se que era preciso melhorar o espaço urbano para melhorar as condições das
moradias dos cidadãos. A instituição continuaria a exercer suas funções até 31 de março
de 1964, sofrendo nesse período diversas modificações tentando se adequar a realidade
urbana brasileira que estava em constante expansão.
Durante o período compreendido como a Ditadura Militar ocorreu diversas
tentativas de ampliação da legislação referente ao direito urbanístico brasileiro. Em 21
de agosto 1964 foi instituído o Plano Nacional de Habitação, este por sua vez criou o
Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Serviço Nacional de Habitação e Urbanismo
(SERFHAU). O texto abaixo apresenta três aspectos do BNH.
Sob três aspectos, o modelo BNH representa uma inovação na política
habitacional. Primeiro, trata-se de um banco, ao contrário das soluções
anteriores, baseadas na Fundação da Casa Popular e nas caixas de pecúlio e
órgãos previdenciários. Segundo, os financiamentos concedidos preveem um
mecanismo de compensação inflacionária – a correção monetária – que
reajusta automaticamente os débitos e prestações por índices correspondentes
às taxas da inflação. Terceiro, constitui um sistema em que se busca articular
o setor público (na função de financiador principal) com o setor privado, a
quem compete, em última análise, a execução da política de habitação.
(ANDRADE; AZEVEDO, 2011, p. 43)
O cenário urbano brasileiro sofreu uma brusca mudança a partir da década de
1960, quando a população deixa de em sua maioria rural para viver nas zonas urbanas
como pode ser verificado no gráfico abaixo. O desenvolvimento da legislação está
diretamente ligado a essa realidade e a partir desse período diversas mudanças
ocorreram principalmente com o fim da ditadura militar e o processo de
redemocratização brasileiro.
População residente, por situação do domicílio no Brasil – 1960/2000, 2001. Fonte: IBGE.

3 DIREITO URBANÍSTICO CONTEMPORÂNEO

Em 22 de outubro de 1988 foi instituída a Constituição Federal pela qual


regulamenta as diretrizes legislativas brasileira até os dias de hoje. Sua promulgação foi
um marco para história brasileira, tanto que foi reconhecida como a Constituição Cidadã
devido aos inúmeros direitos estabelecidos por ela. A própria questão urbanística se
tornou grande pauta trazendo diversas mudanças e uma regulamentação mais especifica
de acordo com a nova concepção das cidades brasileiras.
É possível delimitar os tipos de leis adotadas com a constituição segundo o
órgão que ficaria responsável pelo seu cumprimento. A União, segundo o Artigo 21,
Inciso IX (BRASIL, 1988) cabe “elaborar e executar planos nacionais e regionais de
ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.”. Ao poder estadual,
de acordo como o Artigo 24, Inciso I (BRASIL, 1988), ainda que junto à União, cabe
apenas o “direito [...] urbanístico”. Já o ordenamento territorial fica a critério do
Município conforme o Artigo 30, Inciso VIII (BRASIL, 1988).
A política de desenvolvimento urbano corresponde ao Artigo 182 (BRASIL,
1988), se faz obrigatório a criação de um plano diretor para cidades acima de 20.000,
define a função social da propriedade urbana e define-se critérios para desapropriação
de imóveis. Estes últimos são desapropriação comum – com aviso prévio indenização
ao proprietário – e desapropriação-sanção – refere-se à utilização inadequada da terra.
Sendo assim, o desenvolvimento urbano deveria seguir estes critérios para que a cidade
crescesse de forma eficiente atingindo ideais sociais e estéticos. Além disso, o Artigo
183 (BRASIL, 1988) regulamenta a usucapião pró-moradia, ou seja, a transferência de
posse de um imóvel de no máximo 250m² para um cidadão que more nele a 5 anos
ininterruptos.
A maior mudança no cenário da legislação urbanística veio através do Estatuto
da Cidade, Lei 10.257 (BRASIL, 2001), que regulamentou os artigos 182 e 183 da
Constituição Federal de 1988. Através de cinco capítulos e 58 artigos foram definidas
todas as diretrizes que hoje regulamentam o espaço urbano brasileiro. Toda a
composição do planejamento urbano brasileiro em âmbito nacional, estatual e municipal
foi definida através desta lei, sendo assim a dinâmica política envolvendo o urbano se
alterou também dando possibilidade de melhor organização estrutural das cidades.

4 REALIDADE PÓS ESTATUTO DA CIDADE

Importante lembrar inicialmente a complexidade das leis urbanísticas aplicadas


nos municípios. Normalmente, além de complexas elas são alteradas e emendadas logo
após serem aprovadas. Além disso, elas são regimentadas por órgãos legais adicionais, o
que, apesar de indispensável, acaba sobrepondo vários instrumentos de difícil análise
pelos interessados. Isto gera maior complicação para autorizar empreendimentos e
atividades urbanas, o que acaba por fomentar as irregularidades no parcelamento, uso e
ocupação da terra local (ALMEIDA, 2015).
Em segundo lugar, existe um empecilho de articulação das políticas públicas
urbanísticas, especialmente dos planos diretores, com as outras políticas de setores.
Seria necessária uma pesquisa relacionada a cada uma delas, mas é possível pontuar
acerca da questão orçamentária. O plano não tem sido entendido como diretor dos
investimentos públicos, os quais nem sempre seguem sua orientação (FERNANDES,
2008). A despreocupação com a questão orçamentária faz o município não somente
desatente ao plano e como esse se relaciona com os investimentos, mas também
desvalorize processos advindos de itens previstos no Estatuto da Cidade.
Por fim outro ponto importante a ser analisado como obstáculo à
instrumentalização do plano é acerca da adoção de critérios elitistas de divisão, uso e
apropriação do solo. Estes, em geral não ponderam a realidade regional, mas outra,
inventada e distante da concepção urbana existente. Assim a idealização da cidade ideal
é transferida para a legislação urbanística. Esta, por sua vez, vai se afastando do que os
cidadãos praticam e duas concepções de cidade. A respeito da legislação, a legalidade
corresponde aos interesses de uma parcela da população com mais recursos financeiros,
que observa a supervalorização de seus imóveis, e retira o acesso aos serviços e
infraestrutura urbana da maior parte da população.

CONCLUSÃO

A partir do entendimento de conceitos relacionados ao urbanismo e a dinâmica


de seus objetos de estudo com o espaço é possível observar como o planejamento social
é essencial para a manutenção do estilo de vida dos indivíduos. Assim, para melhor
compreender como o planejamento urbano modifica a concepção urbana se faz
necessário buscar as origens desse no Brasil. Traça-se inicialmente a evolução das
políticas públicas urbanísticas chegando à conclusão de que apenas nos anos 60 com a
mudança do cenário urbano brasileiro que a questão urbana começou a ser realmente
pautada na legislação.
A legislação mais significativa na legislação se apresenta com a promulgação da
Constituição de 1988 que foi complementada em 2001 com o Estatuto da Cidade. A
partir desses dois documentos o direito urbanístico definiu-se no Brasil estabelecendo as
diretrizes para o planejamento urbano, voltado para a nova realidade brasileira onde a
população era majoritariamente urbana.
Mesmo com toda a especificidade instaurada pelos dois documentos já citados
foi possível compreender que a realidade dos municípios brasileiros não corresponde
aos itens pautados neles. Alguns fatores, sendo o orçamentário o principal deles, tornam
as diretrizes criadas pelo Estatuto da Cidade incapazes de cumprir sua proposta inicial.
Através de uma revisão não sistemática do assunto é possível compreender que o espaço
urbano se modifica de forma distinta a apresentada na legislação brasileira sendo
necessária uma revisão dos itens pautados por ela.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, L. F. G. de. Encontro Nacional da ANPUR, 16., 2015, Belo Horizonte.
Desenvolvimento, planejamento e insurgências. Belo Horizonte: [s.n.], 2015. p. 1-17.

ANDRADE, L. A. G; AZEVEDO, S. de. Habitação e Poder. Rio de Janeiro: Centro


Edelstein de Pesquisas Sociais, 2011. cap. 1-3.

BRASIL. Constituição (1988). Senado Federal. Brasília, 1988.

BRASIL. Lei nº 10.257. Congresso Nacional. Brasília, 2001.

DUARTE, F. Planejamento Urbano. In: DUARTE, Fabio. Planejamento Urbano. 1.


ed. Curitiba: Ibpex, 2013. cap. 1. p. 41.

FERNANDES, E. Reforma urbana e reforma jurídica no Brasil: duas questões para


reflexão. In: COSTA, G.M; MENDONÇA, J. Planejamento urbano no Brasil:
trajetória e perspectivas. Belo Horizonte: C/Arte, 2008. p. 1-17.

IBGE. Censo Demográfico. [S.I.]: IBGE, 2010. Disponível em:


https://censo2010.ibge.gob.br. Acesso em: 26 jun. 2019.

IBGE. População residente, por situação do domicílio no Brasil – 1960/2000. 2001.


Gráfico.

SILVA, J. A. da. Direito Urbanístico Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
cap. 1-2.

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