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25/04/2022 18:56 Magister

Doutrina/Destaques/Apontamentos sobre o Direito à Cidade para a Proteção e Qualificação dos Espaços


Públicos nas Dimensões Sociais e Culturais /Nelson Saule Júnior

Apontamentos sobre o Direito à Cidade para a Proteção e Qualificação dos


Espaços Públicos nas Dimensões Sociais e Culturais

Nelson Saule Júnior


Doutor e Mestre em Direito do Estado
pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (2003); Professor de Direito do
Curso de Graduação e de Direito
Urbanístico no Programa de Direito da
Pós-Graduação; Coordenador da Área Direito à
Cidade do Pólis - Instituto de
Estudos, Formação e Assessoria em Políticas
Sociais; Membro das Comissões de Direitos
Humanos e de Direito Urbanístico da
OAB-SP; e-mail: nelsaule@uol.com.br.

RESUMO: O artigo propõe contribuir com o balanço de 20 anos do Estatuto da Cidade e dos cinco anos da
Nova Agenda Urbana com apontamentos sobre o direito à cidade para a proteção e qualificação dos espaços
públicos nas dimensões sociais e culturais. Como premissa, o direito à cidade é o coração para o
desenvolvimento de cidades humanas e inclusivas que atendam às necessidades dos presentes e futuros
habitantes. O primeiro apontamento é do tratamento do direito à cidade na ordem jurídica urbana desde sua
origem concebida com a emenda popular da reforma urbana no processo de elaboração da Constituição
brasileira de 1988 e da sua adoção no Estatuto da Cidade. Destaca-se o processo de reconhecimento
internacional desse direito a partir da Nova Agenda Urbana e os elementos que devem ser considerados como
seus componentes como os espaços públicos e a diversidade cultural. É feita uma abordagem sobre os espaços
públicos e as suas dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais, destacando como os espaços públicos
são espaços privilegiados para a cultura urbana e os impactos que estão ocorrendo em razão da pandemia da
Covid-19. A questão da titularidade do direito à cidade é tratada ao final com o foco da população de rua ser
titular desse direito para que não sofram nenhum tipo de violência e de violação de usufruir a cidade e os
espaços públicos em razão da sua condição de pessoa humana e habitante da cidade.

PALAVRAS-CHAVE: Direito à Cidade. Estatuto da Cidade. Espaços Públicos. Cultura Urbana. População de
Rua.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Da Relevância do Direito à Cidade para o Desenvolvimento de Cidades Humanas e


Inclusivas. 2 Das Conexões do Estatuto da Cidade com o Direito à Cidade e Política Urbana; 2.1 A Política
Urbana na Constituição Brasileira de 1988; 2.2 Trajetória do Direito à Cidade como Marco Referencial da Política
Urbana no Estatuto da Cidade; 2.3 A Concepção Jurídica do Direito à Cidade no Estatuto da Cidade; 2.4 Dos
Componentes do Direito a Cidades Sustentáveis; 2.5 Formas de Proteção do Direito a Cidades Sustentáveis; 2.6
A Internacionalização do Direito à Cidade como Direito Humano. 3 A Proteção e Uso dos Espaços Públicos com
Base no Direito à Cidade. 4 Os Espaços Públicos como Espaços Privilegiados da Cultura Urbana. 5 Cultura e
Espaços Públicos e os Impactos da Pandemia da Covid-19: as Dimensões do Espaço Público Ameaçadas. 6 Os
Moradores de Rua como Titulares do Direito à Cidade nos Espaços Públicos. Considerações Finais.
Referências.

Introdução

O ano de 2001 foi um ano marcante para quem, como eu, gosta de desafios no campo de direito e justiça e de atuar com
as questões urbanas. No mês de julho de 2001, depois de uma longa jornada de batalhas no Congresso Nacional desde
a promulgação da Constituição brasileira de 1988, era aprovada a lei federal de desenvolvimento urbano batizado como
Estatuto das Cidades. Inaugurava-se a chamada nova ordem jurídica urbana ou urbanística, abriam-se os caminhos para
consolidar a compreensão do direito urbanístico autônomo como um ramo próprio do direito que era defendido desde a
década dos anos 80 do século passado pelos juristas pioneiros nos estudos do direito e urbanismo, sendo uma grande
referência o Professor José Afonso da Silva. Foi uma ano marcante para o início de uma mobilização nacional por parte
de juristas, urbanistas, gestores e autoridades públicas, parlamentares, organizações não governamentais, associações
profissionais, como dos arquitetos, engenheiros, geógrafos, organizações e movimentos populares urbanos em defesa
da implementação da política urbana cujos marcos referenciais já estavam preconizados no capítulo da política urbana
da Constituição brasileira de 1988, tendo como carro-chefe o Estatuto das Cidades e a institucionalização dos planos
diretores como instrumento fundamental dessa política nos municípios brasileiros. Muitas iniciativas decorrentes dessa
mobilização foram marcantes e destaco, em especial, a criação do Ministério das Cidades, a implantação do Conselho
das Cidades, a realização das Conferências Nacionais das Cidades, e no mundo jurídico a criação do Instituto Brasileiro
de Direito Urbanístico.

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O ano de 2021 será dedicado à comemoração de 20 anos do Estatuto das Cidades e será um ano de muitas publicações
na área do direito urbanístico e outros áreas do direito fazendo balanços e análise sobre os impactos da chamada nova
ordem jurídica urbana (que hoje defendo que seja chamada simplesmente de ordem jurídica urbana) em nossas cidades
e regiões metropolitanas se ajudaram ou não a enfrentar e/ou resolver os problemas urbanos que temos em nosso país.

Este artigo visa contribuir com esse balanço essencial dos 20 anos do Estatuto da Cidade, bem como para o processo
internacional que vai ocorrer de balanço e avaliação dos compromissos assumidos pelos países na última Conferência
das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos Habitat III (realizada no ano de 2016 na cidade de Quito no
Equador) com base na Nova Agenda Urbana. Esse processo internacional é denominado de Habitat III Plus Five.

Como são muitos assuntos que podem ser abordados nesse balanço, busco contribuir com alguns apontamentos sobre
o direito à cidade, que foi justamente introduzido em nosso ordenamento jurídico pelo Estatuto da Cidade, tendo como
foco dois componentes desse direito, que são os espaços públicos e a cultura urbana trazendo algumas reflexões sobre
os impactos nesses componentes em razão da pandemia da Covid-19, que infelizmente já gerou a perda de muitas vidas
em nosso país. Ao final, trago alguns apontamentos sobre a titularidade do direito à cidade no sentido de compreender
que a população de rua é titular desse direito para que possam sofrer violações e violência por essa condição vulnerável
de habitantes de nossas cidades.

1 Da Relevância do Direito à Cidade para o Desenvolvimento de Cidades Humanas e Inclusivas

Cada vez mais cresce a população vivendo em cidades no mundo, com mais de 3,3 bilhões de pessoas habitando áreas
metropolitanas, megacidades, e uma variedade de aglomerados urbanos. No Brasil, a urbanização foi extremamente
acelerada. Em menos de 30 anos, passamos de um país rural para urbano no século XX com aproximadamente 80%
sendo considc".

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iniciativa privada e demais setores da sociedade e em condições isonômicas com os agentes privados na promoção de
empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização.

O protagonismo dos Municípios nesta seara é inegável, uma vez que cabe ao Poder Público Municipal, por expressa
determinação constitucional, a execução da política de desenvolvimento urbano, conforme as diretrizes gerais fixadas
por meio de lei federal.

Incumbe aos Municípios fixar, por meio dos seus respectivos planos diretores, as exigências fundamentais de ordenação
da cidade bem como delimitar as áreas em que o Poder Público municipal poderá exigir, mediante lei específica, nos
termos da lei federal, o adequado aproveitamento do solo urbano não edificado, não utilizado ou subutilizado, por meio
da aplicação sucessiva dos instrumentos enumerados no art. 182, § 4º, da Constituição, a saber: notificação para
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, imposto predial e territorial progressivo no tempo e desapropriação-
sanção.

A política de desenvolvimento urbano tem dois objetivos constitucionais essenciais: a ordenação do pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade, na forma que dispuser o Plano Diretor, e a garantia do bem-estar de
seus habitantes. Ambos os objetivos guardam íntima relação com a concretização dos direitos econômicos culturais e os
sociais enunciados no art. 6º da Constituição da República, em especial com os direitos sociais ao trabalho, à moradia,
ao transporte e ao lazer.

A menção à garantia do bem-estar dos habitantes da cidade remete, ainda, ao caput do art. 225 da Constituição, que
enuncia o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.

A conjugação entre os arts. 182 e 225 da Constituição Federal permite afirmar que o modelo de desenvolvimento a ser
promovido pela Política Urbana Brasileira é o do desenvolvimento urbano sustentável, que deve estabelecer uma
igualdade entre a economia urbana e as questões sociais, culturais e ambientais

É a partir dessa conjugação de normas constitucionais que resultou pela escolha do modelo de desenvolvimento urbano
sustentável que se torna relevante o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257) editado em 2001 como a principal lei
nacional sobre política urbana ao introduzir no cenário legal e jurídico o direito às cidades sustentáveis como diretriz
geral dessa política feita pelo art. 2º, inciso I, dessa legislação.

O processo de elaboração do Estatuto das Cidades no Congresso Nacional foi pendurado a mais de uma década (1989-
2001), visto que havia uma resistência por parte dos grupos políticos conservadores sobre a implementação da política
urbana direcionada ao pleno desenvolvimento das funções sociais, da propriedade e da cidade.

Nesse período, as discussões e formulações sobre as conexões entre direitos humanos, meio ambiente e
sustentabilidade feitas durante as Conferências Globais das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Rio de Janeiro - 1992) e sobre Assentamentos Humanos - Habitat II (Istambul - 1996), e da Conferência Nacional das
Cidades (Brasília - Câmara dos Deputados - 1999), bem como a vivência das experiências de gestões participativas em
diversos municípios do Brasil por governos do âmbito democrático e popular, foram fundamentais às passagens da visão
de direitos urbanos ao direito à cidade que foi integrada no Estatuto das Cidades.

Sob essa evolução, tal direito é classificado como o direito a cidades sustentáveis que aborda a dimensão da
sustentabilidade às cidades, devendo ser alcançada por meio de uma política urbana que seja capaz de garantir o seu
exercício. Compreende-se, portanto, como seus componentes a terra urbana, a moradia, o saneamento ambiental, a
infraestrutura urbana, o transporte e os serviços públicos, o trabalho e o lazer. Desse modo, esses elementos
considerados fundamentais a uma vida urbana digna predominam-se na visão do direito às cidades que foram
transportadas da visão dos direitos urbanos.

A gestão democrática das cidades prevista no § II do art. 2º do Estatuto das Cidades também é um dos componentes do
direito a cidades sustentáveis por meio de uma interpretação integrada das diretrizes da política urbana estabelecidas
nessa legislação. Quanto às pessoas que são consideradas titulares do direito a cidades sustentáveis, adota-se a
mesma compreensão no direito ao meio ambiente. Esse direito tem como titulares as presentes e futuras gerações.

Em razão do Estatuto das Cidades ter sido pioneiro como uma legislação nacional que incorpora o direito à cidade na
dimensão legal e institucional, essa concepção foi uma fonte inspiradora para o processo de internacionalização do
direito à cidade que teve como espaço privilegiado a Conferência sobre Assentamentos Humanos Habitat III das Nações
Unidas, realizada no ano de 2016 na cidade de Quito/Equador, que resultou na Nova Agenda Urbana que será abordada
mais adiante.

2.2 Trajetória do Direito à Cidade como Marco Referencial da Política Urbana no Estatuto da Cidade

O desejo de introduzir o direito à cidade no direito brasileiro como um direito fundamental inerente a todas as pessoas
que vivem nas cidades foi revelado como aspiração popular no processo da Assembleia Nacional Constituinte, que
elaborou a Constituição brasileira de 1988, com a apresentação da emenda popular de reforma urbana.

Um agrupamento de entidades da sociedade civil e movimentos populares apresentou, por meio da emenda popular, a
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proposta de incluir no texto constitucional um conjunto de princípios, regras e instrumentos destinados ao


reconhecimento e à institucionalização de direitos para as pessoas que vivem nas cidades atribuir a competência ao
poder público, em especial, ao municipal, de aplicar instrumentos urbanísticos e jurídicos voltados a regular a
propriedade urbana para ter uma função social, bem como para a promoção de políticas públicas voltadas à efetivação
desses direitos.

A emenda popular de reforma urbana introduziu de forma específica a noção do direito à cidade por meio das seguintes
proposições:

"Art. 1º Todo cidadão tem direito a condições de vida urbana digna e justiça social, obrigando-se o Estado a
assegurar:

I - acesso à moradia, transporte público, saneamento, energia elétrica, iluminação pública, comunicações,
educação, saúde, lazer e segurança, assim como a preservação do patrimônio ambiental e cultural.

II - gestão democrática da cidade.

Art. 2º O direito a condições de vida urbana digna condiciona o exercício do direito de propriedade ao interesse
social no uso dos imóveis urbanos e o subordina ao princípio do estado de necessidade."

A emenda popular de reforma urbana visava assegurar e ampliar e especificar os direitos fundamentais das pessoas que
vivem na cidade; e estabelecer o regime da propriedade urbana e do direito de construir, condicionando exercício do
direito de propriedade a função social com fundamento na garantia dos direitos urbanos, ficando ainda subordinado ao
princípio do estado social de necessidade.

A Constituição de 1988 não acolheu expressamente o direito à cidade, por isso é relevante o Estatuto da Cidade, que
acolhe esse direito resgatando o desejo da vontade popular expressado desde a Assembleia Nacional Constituinte do
direito à cidade ser incorporado à ordem jurídica brasileira como um direito, inerente a todos os habitantes da cidade, de
ter uma vida digna urbana.

2.3 A Concepção Jurídica do Direito à Cidade no Estatuto da Cidade

O direito à cidade está previsto no inciso I do art. 2º do Estatuto da Cidade no âmbito das diretrizes gerais da política
urbana, que deve ser promovida para a garantia desse direito. O direito à cidade é definido como o direito a cidades
sustentáveis, com os seguintes componentes: terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura
urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.

Devido à atribuição constitucional do Estatuto da Cidade determinar as normas gerais sobre o regime jurídico da política
urbana, o direito a cidades sustentáveis se configura como um direito fundamental, como um direito instituído em
decorrência do princípio constitucional das funções sociais da cidade.

O direito a cidades sustentáveis adotado pelo direito brasileiro o coloca no mesmo patamar dos demais direitos de
defesa dos interesses coletivos e difusos, como, por exemplo, o direito do consumidor, do meio ambiente, e do
patrimônio histórico e cultural.

A efetivação do direito à cidade atende o objetivo constitucional da política urbana de ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade. Existe uma clara conexão entre a cidade atender as suas funções sociais e seus
habitantes exercitarem o direito a cidades sustentáveis, uma vez que o objetivo é o mesmo de as pessoas terem um
padrão de vida digna mediante o acesso a uma moradia adequada, ao trabalho e ao lazer, e de a cidade ter um meio
ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável.

2.4 Dos Componentes do Direito a Cidades Sustentáveis

Das funções sociais da cidade são colhidos como componentes essenciais de satisfação do direito a cidades
sustentáveis o desenvolvimento das cidades sustentável e a gestão democrática da cidade.

A moradia adequada dos habitantes da cidade é um componente central do direito a cidades sustentáveis que é
interdependente com o acesso à terra urbana, saneamento ambiental, infraestrutura urbana, transporte e serviços
públicos que também são componentes desse direito.

O patrimônio cultural dos habitantes e das comunidades de preservar sua identidade e memória histórica e cultural, de
manter seus usos e costumes sobre os modos de viver e de morar, também é um dos componentes do direito a cidades
sustentáveis.

2.5 Formas de Proteção do Direito a Cidades Sustentáveis

O direito a cidades sustentáveis pode ser protegido na esfera administrativa e judicial. Na esfera judicial, o instituto que
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tem sido utilizado em especial é o da ação civil pública, tendo como fundamento a lesão à ordem urbanística. Na esfera
administrativa através do instituto do direito de petição que pode ser feita, por exemplo, por meio de uma associação de
moradores, entidades civis que atuam em temas urbanos como mobilidade urbana, espaços públicos, moradia, resíduos,
etc.

Outra forma de proteção do direito a cidades sustentáveis é por meio de participação direta dos habitantes nos
processos de tomadas de decisões importantes nas cidades sobre orçamento, realização de obras públicas, elaboração
de planos urbanísticos, aprovação de empreendimentos que vão gerar impactos negativos urbanos e ambientais. Um
instrumento importante que deve ser utilizado nos processos de aprovação de obras, empreendimentos, atividades
urbanas é o estudo de impacto de vizinhança.

Os organismos governamentais e conselhos com competência em políticas de desenvolvimento urbano previstos no


Estatuto das Cidades, como, por exemplo, os Conselhos das Cidades ou também denominados de Política Urbana que
possibilitam a participação de representantes da sociedade civil nesses organismos colegiados de caráter público devem
também promover a proteção desse direito coletivo dos habitantes da cidade.

A proteção do direito a cidades sustentáveis deve ser promovida por instituições essenciais à função da justiça como o
Ministério Público e a Defensoria Pública. Os organismos universitários de direitos humanos como Núcleos de Prática
Jurídica, Escritórios Modelos, Clínicas de Direitos humanos que atuam no campo da advocacia popular também podem
promover a proteção desse direito.

2.6 A Internacionalização do Direito à Cidade como Direito Humano

Expressão cunhada pelo sociólogo francês Henri Lefebvre (Le droit à la ville, publicado pela primeira vez em 1968, Paris,
França), conceito que vem sendo construído mundialmente na discussão da existência de um direito que reveste todo
espaço urbano em prol de todos os habitantes.

O processo de internacionalização do direito à Cidade teve inicialmente como espaço privilegiado os Fóruns Sociais
Mundiais que ocorreram no período de 2000-2005 no Brasil na cidade de Porto Alegre, que culminou na Carta Mundial
do Direito à Cidade.

O direito à cidade é definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade,
democracia, equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos
vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes,
com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado.

O direito à cidade tem como primeiro passo de institucionalização o seu reconhecimento na Nova Agenda Urbana que foi
aprovada na Conferência das Nações Unidas Habitat III, no mês de outubro de 2016, na cidade de Quito/Equador. O
documento preparatório dessa Conferência chamado Policy Unit Right to the City and City for All formulou a seguinte
definição sobre esse Direito, que foi a referência para a sua adoção na Nova Agenda Urbana:

"É o direito de todos os habitantes presentes e futuro, ocupar, usar e produzir cidades justas, inclusivas e
sustentáveis, definidas como bem comum, essencial para a qualidade de vida. O direito à cidade implica ainda
em responsabilidades de governos e pessoas para reivindicar, defender e promover esse direito. A cidade como
um bem comum contém os seguintes componentes: cidade livre de discriminação, cidade de cidadania inclusiva
para todos os habitantes, permanentes ou transitórios, cidade com maior participação política, cidade cumprindo
suas funções sociais, cidade com espaços públicos de qualidade, cidade de igualdade entre homens e
mulheres, cidade com diversidade cultural, cidade com economias inclusivas, cidade como ecossistema
comum."

O direito à cidade está previsto no parágrafo 11 dessa Agenda da seguinte forma: compartilhamos o ideal de uma cidade
para todos, referindo-se a igualdade, o uso e o desfrute das cidades e dos assentamentos humanos e buscando
promover a inclusão e assegurar que todos os cidadãos, ambos gerações presentes e futuras, sem discriminação de
qualquer tipo, possa criar cidades e assentamentos humanos justos, seguros, saudáveis, acessíveis, resilientes e
sustentáveis e habitar neles, a fim de promover prosperidade e qualidade de vida para todos. Observamos os esforços
de alguns governos nacionais e locais para consagrar este ideal, conhecido como "o direito cidade" em suas leis,
declarações, políticas e cartas.

A visão contida no parágrafo 11 da Agenda considera como titulares os habitantes das presentes e futuras gerações em
discriminação de qualquer ordem que pode ser interpretado como o reconhecimento dos habitantes temporários.

Com relação à extensão territorial desse direito são incluídos todos os assentamentos humanos. Sobre a forma de
exercer o direito considera o direito de habitar e produzir cidades e assentamentos humanos com a finalidade de serem
justos, seguros, saudáveis, resilientes e sustentáveis.

No parágrafo 13 da Nova Agenda Urbana, os componentes do direito à cidade estão contemplados, tais como as
cidades sem nenhuma forma de discriminação, com função social, com igualdade de gênero, com espaços públicos, com
economia inclusiva, com proteção dos seus ecossistemas.

Essa nova visão que traz um novo significado para os direitos humanos funções e formas de vida em nossas cidades e
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assentamentos humanos precisa ser consolidada e considerada como estratégica pelos países e cidades no
enfrentamento das desigualdades sociais, econômicas, culturais e territoriais e dos impactos do aquecimento global e
das mudanças climáticas.

3 A Proteção e Uso dos Espaços Públicos com Base no Direito à Cidade

Ao fazermos a leitura da compreensão do direito à cidade no Estatuto da Cidade e no seu tratamento na Nova Agenda
Urbana, nos §§ 11 a 13 que o Brasil adotou e, portanto, tem compromissos com a sua implementação, podemos
considerar como componentes desse direito os seguintes:

- uma cidade livre de discriminação baseada no sexo, idade, estado de saúde, renda, nacionalidade, etnia, condição
migratória, ou orientação política, religiosa ou sexual;

- uma cidade com cidadania inclusiva onde cada habitante, seja ele permanente ou transitório, é considerado um cidadão
e concede direitos iguais; por exemplo, as mulheres, as pessoas que vivem na pobreza ou em situação de risco
ambiental, trabalhadores da economia informal, grupos étnicos e religiosos, pessoas LGBT, a forma diferente abled,
crianças, jovens, idosos, migrantes, refugiados, moradores de rua, vítimas da violência e os povos indígenas;

- uma cidade com maior participação política na definição, implementação, monitoramento e orçamentação das políticas
urbanas e de ordenamento do território, com o propósito de reforçar a transparência, a eficácia e a inclusão da
diversidade de habitantes e suas organizações;

- uma cidade com as suas funções sociais que garantem o acesso equitativo de todos à habitação, bens, serviços e
oportunidades urbanas, sobretudo às mulheres e outros grupos marginalizados; um ambiente que prioriza o interesse
público coletivamente definido, garantindo um uso socialmente justo e ambientalmente equilibrado dos espaços urbanos
e rurais;

- uma cidade com espaços públicos de qualidade que favorece a interação social e participação política, fornece as
expressões socioculturais, integra a diversidade e promove a coesão social; um município onde os espaços públicos
contribuem para a construção de cidades mais seguras e satisfazem as necessidades dos habitantes;

- uma cidade com igualdade de gênero que adquire todas as medidas necessárias para combater qualquer tipo de
discriminação contra as mulheres, homens, e pessoas LGBT em termos políticos, sociais, económicos e culturais; uma
cidade que adota todas as medidas apropriadas, a fim de garantir o pleno desenvolvimento das mulheres e, ainda, a
igualdade no exercício e no cumprimento dos direitos humanos fundamentais e uma vida livre de violência;

- uma cidade com diversidade cultural, que respeita, protege e promove os diversos meios de vida, costumes, memória,
identidades, expressões e práticas culturais e artísticas dos seus habitantes. Exige respeitar e valorizar todas as
religiões, etnias, línguas, culturas e costumes. Que apoia as diversas formas artísticas (música, dança, pinturas, grafites,
esculturas, etc.) como meio de liberar o potencial social e a criatividade dos habitantes, em especial dos jovens, e
construir comunidades pacíficas e solidárias, bem como incentivar e fomentar a recreação e o lazer como parte de uma
vida plena;

- uma cidade com economias inclusivas, que assegura o acesso aos meios de subsistência e trabalho decente a cada
habitante, bem como integra outras economias, tais como a economia solidária, consumo colaborativo, economia
circular, reconhecendo também o papel das mulheres na economia do cuidado;

- uma cidade como um sistema de assentamento e ecossistema comum, que respeite os vínculos rural-urbano, e proteja
a biodiversidade, habitats naturais e ecossistemas circundantes, e suporte cidades-regiões, a cooperação cidade-cidade,
e a conectividade.

Os espaços públicos são todos os lugares de propriedade pública ou de uso público, acessível e desfrutável por todos
sem necessidade de pagamento e sem fins lucrativos. Isso inclui ruas, espaços abertos e instalações públicas.

Os espaços públicos devem ser vistos como áreas multifuncionais para a interação social, o intercâmbio econômico e a
expressão cultural entre uma grande diversidade de pessoas e devem ser desenhados e administrados para garantir o
desenvolvimento humano, a construção de sociedades pacíficas e democráticas e a promoção da diversidade cultural.

São os espaços públicos e as ruas que definem o caráter de uma cidade, bem como suas praças e avenidas, jardins e
parques moldam a sua imagem. A matriz que conecta as ruas e os espaços públicos formam o esqueleto da cidade,
onde tudo mais se encontra.

O espaço público assume muitas formas espaciais, incluindo parques, ruas, calçadas e caminhos que ligam parquinhos
de recreação, mercados, mas também espaços entre prédios ou acostamentos, que muitas vezes são espaços
importantes para os pobres urbanos, e em muitos contextos as praias também são espaços públicos.

Isso não significa que todos os espaços públicos são "espaços abertos" - uma biblioteca, uma escola ou outras
instalações públicas também são espaços públicos.

Assim, o espaço público constitui o cenário para uma panóplia de atividades - as festividades cerimoniais da cidade
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multicultural, as atividades da cidade comercial, o movimento de bens e pessoas, a provisão de infraestrutura ou o


ambiente para a vida comunitária e os meios de subsistência dos pobres urbanos - tais como vendedores de rua ou
catadores de materiais recicláveis.

Com base no Objetivo de Desenvolvimento Urbano 11 (Cidades Sustentáveis) da Agenda 2030, a Agência ONU-Habitat
está propondo um conjunto de metas para o total de solo urbano destinado a ruas e espaços públicos para assegurar
fundações adequadas para a cidade.

A proposta de objetivo/meta de espaço público sugerida é que 45% da terra deve ser alocada para ruas e espaço
público. Isso pode ser dividido em 30% para ruas e calçadas e 15% para espaços abertos, espaços verdes e instalações
públicas.

A meta para conectividade de ruas é entre 80-120 cruzamentos por quilômetro quadrado. A um nível ótimo de 100
cruzamentos por km2, com cada rua tendo uma largura média de 15m, as ruas de uma cidade ocupariam 28% da área
total. Isso também deve ser complementado por um objetivo qualitativo que avalie a acessibilidade, o uso e a segurança,
entre outros aspectos.

Os espaços públicos devem cumprir sua função social segundo a qual não se pode estabelecer formas de discriminação
pela condição social dos habitantes, como a população de rua. Os espaços públicos devem ser gratuitos e estar livres de
barreiras físicas, jurídicas e arquitetônicas que impeçam a presença de pessoas moradores de rua e pessoas de baixa
renda, que dificultem a circulação de pessoas com mobilidade reduzida em razão do exercício pleno de seus direitos e
liberdades.

Importante destacar que com base na gestão democrática das cidades, é fundamental que os espaços públicos tenham
uma gestão comunitária que favoreça a mediação e a solução dos conflitos para o uso e ocupação desses espaços e a
busca por soluções para a situação da população moradora de rua.

4 Os Espaços Públicos como Espaços Privilegiados da Cultura Urbana

A cultura é uma ferramenta essencial na resistência a um projeto homogeneizador de cidade, cada vez mais marcado
pela lógica do privado em detrimento à ocupação dos espaços públicos. Nesse projeto urbano, os espaços públicos 1
não se constituem como locais de convivência, permanência e de valorização da diversidade por meio da arte e da
cultura, mas, sim, como espaços meramente de passagem, insegurança, cerceamento de direitos e opressão. A
valorização de manifestações culturais seria então uma forma de ressignificar a ocupação do próprio espaço público,
resgatando o sentimento de pertencimento à cidade, que guarda a memória e identidade de sua população.

E quando se fala em cultura urbana, faz-se necessário valorizar as mais diversas formas de demonstração e
manifestação cultural, reflexo da rica existência de diferentes grupos e coletivos urbanos. Festivais e feiras de arte e
cultura a céu aberto, atividades de ocupação de parques, praças e espaços verdes, valorização de intervenções
artísticas urbanas com grafites e lambes-lambes, hortas urbanas, saraus, criação e valorização de espaços de memória,
construção de mobiliário urbano, entre outros. Todas as mais diversas formas de expressão cultural devem ser
reconhecidas.

Os direitos culturais como direitos coletivos estão previstos no art. 216 da Constituição brasileira nos seguintes termos:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e
científico;

VI - e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

Cabe ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, por
meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e
preservação.

A Constituição determina que ficam tombados todos os documentos.

Nós já temos a tradição de utilizar o instrumento de tombamento para a proteção de bairros, centros históricos, cidades
consideradas como patrimônio histórico com base no Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que por meio do

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art. 1º constitui como patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e
cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil.

Essa proteção também pode ocorrer no caso de cidades serem consideradas como bens culturais de natureza imaterial
com base no Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, que institui o registro desses bens culturais.

Esse decreto pelo inciso IV do § 1º do art. 1º possibilita o registro dos lugares onde serão inscritos mercados, feiras,
santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas. Os espaços
mencionados abrem a possibilidade de cidades poderem ser consideradas com bens culturais imateriais com proteção
jurídica devido à necessidade de preservar a memória e identidade cultural. Outra abertura contida nesse decreto é da
previsão no § 3º do art. 1º, que outros livros de registro poderão ser abertos para a inscrição de bens culturais de
natureza imaterial que constituam patrimônio cultural brasileiro e não se enquadrem nos livros definidos nesse artigo.

5 Cultura e Espaços Públicos e os Impactos da Pandemia da Covid-19: as Dimensões do Espaço Público


Ameaçadas

A ocupação e ressignificação dos espaços públicos está diretamente conectada à diversidade de manifestações
artísticas, culturais e sociais e com a pandemia da Covid-19 com as medidas adotadas pelo Poder Público de
distanciamento social impedimento e restrição de uso dos espaços públicos foram gravemente afetadas no ano de 2020.

Essas formas de expressão fundamentais para a preservação da cultura brasileira passaram a ocorrer também no
mundo virtual como as lives, webinares, etc., que trouxe uma relevante temática sobre os direitos digitais da pessoa
humana e da sociedade em geral.

Passou a ser um grande desafio para as cidades atender os compromissos com a ampliação e melhoria dos espaços
públicos na existência da pandemia e no pós-pandemia como o compromisso estabelecido na Agenda 2030 - Objetivo 11
de "Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis". O ODS 11 tem então
como uma de suas metas "proporcionar o acesso universal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes,
particularmente para as mulheres e crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência".

Em relação à primeira dimensão, destaca-se o espaço público como local da expressão cultural e política, mas também
do debate e da resolução de conflitos e da governança multinível (governo local e sociedade civil). Em relação à
dimensão econômica, ressalta a promoção de atividades de micro, pequena e média escala, integrando os espaços
urbanos com espaços rurais e da natureza, garantindo a produção e consumo consciente e evitando a privatização. Já
em relação à mobilidade, enfatiza-se a importância da existência de espaços públicos apropriados para pedestres e
ciclistas, bem como de uma rede sustentável de transporte público. Por fim, em relação à dimensão da habitação, o
documento ressalta que o acesso a espaços públicos de qualidade para todos é um componente essencial para a
definição do direito adequado à habitação.

Assim, a cultura como parte integrante da valorização dos espaços públicos deve ser incentivada e promovida, inclusive
como um catalisador da transformação do espaço público como um espaço legítimo de participação cidadã. A cultura
resgata a valorização da permanência nos espaços públicos, empoderando a população a reinventar esses espaços de
forma coletiva e conforme seus "mais profundos desejos" - em referência a David Harvey (2014) -, reforçando a função
social e a gestão democrática das cidades, conforme previsto nas diretrizes do próprio Estatuto da Cidade (2001).

A ocupação do espaço público pode ser analisada por meio de quatro espectros, relacionados entre si, que muito
influenciados pela conjuntura nacional de retrocessos, estão sendo alvo de políticas de desmonte ou privação: i)
dimensão política; ii) dimensão cultural; iii) economia popular; e iv) manifestações artísticas.

A dimensão política do espaço público como já ressaltada no ano de 2020 ficou extremamente prejudicada em razão da
pandemia da Covid-19. Um exemplo é das manifestações de protesto sobre a forma como o Governo brasileiro lidou de
forma desastrosa no enfrentamento da Pandemia (política da negação da gravidade da doença) foram os grandes
panelaços feitos em muitas cidades nas residências, no espaço privado e não nas ruas, expressão máxima da dimensão
política do espaço público.

Passa ser fundamental a retomada dos espaços públicos como locais de livre expressão das demandas populares, bem
como espaços de reinvindicação de novas formas de participação social, e de representações artísticas e culturais.

Com relação à dimensão cultural, cabe destacar a Lei Aldir Blanc para Ações Emergenciais em Razão da Covid-19 (Lei
nº 14.017, de 29 de junho de 2020), que contém uma definição na qual os espaços culturais compreendidos como todos
aqueles organizados e mantidos por pessoas, organizações da sociedade civil, empresas culturais, organizações
culturais comunitárias, cooperativas com finalidade cultural e instituições culturais, com ou sem fins lucrativos, que sejam
dedicados a realizar atividades artísticas e culturais, tais como:

I - pontos e pontões de cultura;

II - teatros independentes;

III - escolas de música, de capoeira e de artes e estúdios, companhias e escolas de dança;

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IV - circos;

V - cineclubes;

VI - centros culturais, casas de cultura e centros de tradição regionais;

VII - museus comunitários, centros de memória e patrimônio;

VIII - bibliotecas comunitárias;

IX - espaços culturais em comunidades indígenas;

X - centros artísticos e culturais afro-brasileiros;

XI - comunidades quilombolas;

XII - espaços de povos e comunidades tradicionais;

XIII - festas populares, inclusive o carnaval e o São João, e outras de caráter regional;

XIV - teatro de rua e demais expressões artísticas e culturais realizadas em espaços públicos.

Na dimensão cultural do espaço público, podemos destacar com um bom exemplo o Carnaval de Rua como forma maior
de expressão cultural popular resgatado especialmente nos últimos anos na maioria das cidades brasileiras também foi
afetado, pois no ano de 2021 não foi realizado para evitar grandes aglomerações de pessoas e resultar no maior
agravamento da pandemia da Covid-19 nas cidades brasileiras. Sem dúvida resultou impactos negativos na economia,
pois é um evento que gera trabalho e renda com os desfiles de escolas de sambas e blocos de carnaval, festivais de
música, etc.

Outra situação grave é o fechamento ou restrição dos espaços culturais e das escolas públicas que além da atividade
principal de propiciar educação às crianças e jovens, especialmente da população de baixa renda, são espaços
usufruídos pelas comunidades e moradores dos bairros para atividades de lazer e cultural. Uma atenção especial deve
ser dada aos artistas de rua que foram impactados economicamente de forma negativa nesse período de pandemia.

A União, Estados e Municípios devem revalorizar os espaços públicos para o desenvolvimento da economia social,
cultura urbana, arte de rua, e o uso de transporte não motorizado, em especial das bicicletas.

Uma ação que é fundamental no planejamento e gestão das cidades é a revisão histórica dos usos de espaços públicos
como identificar e demarcar os espaços que fazem parte da história da população afro- brasileira, como, por exemplo, o
bairro da Liberdade na cidade de São Paulo, que tem espaços simbólicos da história da escravidão como um antigo
cemitério destinado aos escravos negros mortos e praças para punir com torturas e enforcamentos da população negra.

Em relação à dimensão econômica que ocorre nos espaços públicos, é importante destacar que foi também gravemente
afetada no ano de 2020 em razão da Pandemia, em especial a população que desenvolve atividades econômicas na rua.
Para esse grupo de trabalhadores informais, foi fundamental terem sido beneficiários do auxílio de renda emergencial
aprovado pelo Congresso Nacional, pois perderam sua renda com as medidas de distanciamento social nas cidades.
Também cabe destacar o impacto negativo nos artistas de rua. A seguir trazemos alguns apontamentos sobre a
população que vive ou utiliza os espaços públicos, como os moradores de rua, ambulantes, catadores de resíduos
recicláveis, artistas de rua, skatistas serem titulares do direito à cidade.

6 Os Moradores de Rua como Titulares do Direito à Cidade nos Espaços Públicos

Um elemento que deve ser considerado na noção jurídica do direito à cidade é sobre que pessoas são titulares para
terem a proteção e o exercício desse direito. Um aspecto positivo da evolução sobre os direitos humanos é da
compreensão da pessoa humana abstrata para uma qualificação dessa pessoa em razão da sua condição referente a
gerações, gênero, idade, raça, etnia, capacidade civil penal e política, etc.

Bobbio (1996, p. 68), ao tratar da multiplicação dos direitos, considera que esta ocorreu de três maneiras:

a) em razão do aumento da quantidade de bens considerados merecedores de tutela;

b) em razão da titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem ter sido estendida; e

c) em razão do próprio homem não ser mais considerado como indivíduo genérico de homem em abstrato, mas, sim,
visto na especificidade ou na concreticidade de suas várias maneiras de ser em sociedade, como uma criança, um velho,
um doente, etc. 2.

É necessário para precisar quem são as pessoas que são titulares do direito à cidade. É preciso compreender que todas
as pessoas que habitam de forma permanente ou transitória as cidades, adotando a compreensão de habitantes, são
titulares do direito à cidade.

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Um marco referencial que devemos considerar é a Carta Mundial do Direito à Cidade, elaborada por um conjunto de
organizações internacionais durante os Fóruns Sociais Mundiais realizados na cidade de Porto Alegre, na década de
2000 3.

Por essa Carta no item 6 do art. 1º se considera cidadãos(ãs) todas as pessoas que habitam de forma permanente ou
transitória as cidades, adotando a compreensão de habitantes como titulares do direito à cidade.

Esse entendimento foi adotado pela Nova Agenda Urbana, aprovada na Conferência das Nações Unidas do Habitat III,
na cidade de Quito em 2016, que no seu parágrafo 11 versa sobre a visão do direito à cidade nos seguintes termos:

"Compartilhamos uma visão de cidades para todos e todas, aludindo ao uso e ao gozo igualitários de cidades e
assentamentos humanos, com vistas a promover a inclusão e assegurar que todos os habitantes, das gerações
presentes e futuras, sem discriminação de qualquer ordem, possam habitar e produzir cidades e assentamentos
humanos justos, seguros, saudáveis, acessíveis física e economicamente, resilientes e sustentáveis para
fomentar a prosperidade e a qualidade de vida para todos e todas. Registramos os esforços empenhados por
alguns governos nacionais e locais no sentido de integrar esta visão, conhecida como ‘direito à cidade’, em suas
legislações, declarações políticas e estatutos." (NOVA AGENDA URBANA, ONU, 2016, p. 5)

A compreensão dos titulares do direito à cidade deve ser extraída dos objetivos da política urbana do pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e do bem-estar dos seus habitantes, e do tratamento do direito a cidades
sustentáveis no Estatuto da Cidade considera que deve ser garantido para as presentes e futuras gerações.

O município, com base em suas competências constitucionais sobre a política urbana, pode perfeitamente estabelecer
que os habitantes que vivem em seu território são os titulares desse direito.

O município de São Paulo, por exemplo, pela sua Lei Orgânica, ao tratar da política urbana em seu art. 148 estabelece
como um dos objetivos dessa política garantir o bem-estar de seus habitantes, visando assegurar o uso socialmente
justo e ecologicamente equilibrado de seu território; e no seu Plano como objetivo "o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e o uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado e diversificado de seu território, de forma a
assegurar o bem-estar e a qualidade de vida de seus habitantes" 4.

Questão importante é sobre que pessoas podem ser consideradas como habitantes das cidades. Um componente para
essa qualificação diz respeito à temporalidade da residência das pessoas nas cidades. A tendência mais simples é de
entender que são as pessoas que residem de forma permanente na cidade considerando o período de residência,
moradia própria, trabalho e atividade econômica, relações familiares, vida social, etc.

Mas essa compreensão não contempla diversas realidades de pessoas que vivem de forma temporária na cidade, como,
por exemplo, estudantes, trabalhadores, prestadores de serviços, tratamento médico, etc., e também que não adquiriram
o status de residente permanente pela questão de nacionalidade, como ocorre, por exemplo, em várias de nossas
cidades onde vivem: imigrantes ou refugiados dos países latinos e africanos.

Essas diversas situações justificam que devemos entender que os habitantes das cidades com relação ao período de
residência são as pessoas que vivem de forma permanente, temporária ou transitória.

Quanto à condição de informalidade ou mesmo ilegalidade das pessoas que vivem na cidade ser um impedimento ou
não para serem considerados habitantes titulares do direito à cidade é outra questão importante. Além dos imigrantes ou
refugiados que podem estar nessa condição, se enquadram também as pessoas que são trabalhadoras informais, como
ambulantes, catadores de resíduos, moradores de assentamentos precários informais, como favelas, cortiços, bairros
populares, moradores de rua, etc.

A Nova Agenda Urbana na parte que versa sobre a chamada de ação (Parágrafo 20) deixa claro que essas pessoas
devem ter uma particular atenção por serem pessoas que sofrem discriminação:

"Reconhecemos a necessidade de dar particular atenção ao enfrentamento das múltiplas formas de


discriminação enfrentadas por, inter alia, mulheres e meninas, crianças e jovens, pessoas com deficiências,
pessoas vivendo com SIDA, idosos, povos autóctones e comunidades locais, moradores de musseques, favelas,
caniços, bairros de lata e assentamentos informais, desabrigados, trabalhadores, pequenos produtores rurais e
pescadores, refugiados, retornados, deslocados e migrantes, independentemente do estatuto legal de sua
migração."

Com base no direito fundamental que nenhuma pessoa pode sofrer qualquer tipo de discriminação e no princípio das
funções sociais da cidade, as pessoas que se encontram nas condições de marginalidade e vulnerabilidade não podem
ser excluídas da condição de cidadania e, portanto, não podem ser excluídas da condição de habitantes quanto à
titularidade do direito à cidade.

Sobre a titularidade desse direito, para a sua efetividade devemos compreender que são as pessoas habitantes de
presentes e futuras gerações que vivem de forma permanente ou temporária ou transitória nas cidades contemplando as
pessoas que estejam vivendo em situação de informalidade e vulnerabilidade.

Com uma leitura integrada do texto constitucional sobre a política urbana e o conceito jurídico sobre o direito à cidade no
Estatuto da Cidade, podemos afirmar que as pessoas titulares desse direito são os habitantes das gerações presentes e
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futuras das cidades dentre os quais estão incluídos os habitantes na condição de população de rua.

Esses habitantes, por estarem na condição de informalidade ou mesmo ilegalidade, por viverem em espaços públicos,
não podem sofrer com o impedimento para serem considerados habitantes titulares do direito à cidade. Um exemplo
claro de violação do direito à cidade da população de rua é a colocação de obstáculos em espaços de viadutos ou de
praças que são usadas por essa população para viver.

Considerações Finais

Além da população em situação de rua, que pode estar nessa condição, se enquadram também as pessoas que são
trabalhadores informais, como ambulantes, catadores de resíduos, imigrantes, moradores de assentamentos precários
informais, como favelas, cortiços, bairros populares, etc.

O direito à cidade é a nova baliza para o enfrentamento do fenômeno social caracterizado pela população que vive na
informalidade na cidade, como os imigrantes latinos e africanos na cidade de São Paulo. Ele oferece um vasto
instrumental para a elaboração de políticas públicas destinadas à mitigação da pobreza, exclusão social e dos danos
ambientais, que exigem ações decisivas e novas prioridades políticas nacionais, regionais e dos governos locais.

Tudo isso corrobora a certeza de que os habitantes das cidades que vivem em condições de informalidade e muitas
vezes na clandestinidade ou considerada ilegalidade também são detentores do direito à cidade e devem ser respeitados
enquanto sujeitos desses direitos que devem ser assegurados pelo Poder Público.

Destarte, estamos falando de um grupo populacional que é dolorosamente afetado pela desigualdade social e territorial.
A realidade das pessoas que sobrevivem nas ruas é marcada pela completa escassez. E a maior demonstração disso é
a perda da dignidade humana, pois ao habitarem os espaços públicos se submetem a condições sub-humanas.

Os espaços públicos, enquanto locus de convivência e de fruição do patrimônio comum, devem ser acessíveis à
população numa realidade de completa exclusão social.

Para que os habitantes utilizem o mobiliário urbano, exerçam o direito de ir e vir, circulem e caminhem com segurança
pelas ruas é preciso que o Estado propicie condições mínimas para o exercício do direito à cidade.

O espaço público nas regiões marcadas pelo fenômeno social da população que vive em condições de marginalidade
como a população de rua precisa ser repensado, revitalizado por políticas públicas específicas, e não generalizantes,
que priorizem a assistência integral aos moradores em situação de vulnerabilidade absoluta.

Em última análise, é repensar a cidade para todos, assegurando um ambiente urbano digno para todos os seus
frequentadores, sejam moradores com residência fixa ou transeuntes, visitantes e turistas, e todos os egressos da
população em situação de rua que poderiam habitar a região de forma regular e digna.

TITLE: Notes on the right to the city for the protection and qualification of public spaces in social and cultural
dimensions.

ABSTRACT: The article proposes to contribute to the balance of 20 years of the City Statute and the 5 years of
the New Urban Agenda with notes on the right to the city for the protection and qualification of public spaces in
the social and cultural dimensions. As a premise, the right to the city is the heart for the development of human
and inclusive cities that attend the needs of present and future inhabitants. The first point is the treatment of the
right to the city in the urban legal order since its origin conceived with the popular amendment of urban reform in
the process of drafting the Brazilian Constitution of 1988 and its adoption in the City Statute. The process of
international recognition of this right from the New Urban Agenda and the elements that should be considered as
its components, such as public spaces and cultural diversity, stand out. An approach is made about public spaces
and their political, economic, social and cultural dimensions, highlighting how public spaces are privileged spaces
for urban culture and the impacts that are occurring due to the Covid-19 Pandemic. The question of ownership
the right to the city is treated at the end with the focus of the street population being the holder of this right so that
they do not suffer any kind of violence and violation of enjoying the city and public spaces due to their condition
as a human person and inhabitant of the city.

KEYWORDS: Right to the City. City Statute. Public Spaces. Urban Culture. Street Population.

Referências

ALOMÁ, Patricia Rodríguez. El espacio público, ese protagonista de la ciudad. Plataforma Urbana, 14.11.2013.
Disponível em: https://www.plataformaurbana.cl/archive/2013/11/14/el-espacio-publico-ese-protagonista-de-la-ciudad/?
utm_medium=website&utm_source=archdaily.com.br. Acesso em: 5 out. 2020.

BOBBIO, Norberto. Direito do homem e sociedade: era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1996.

BORIN, Maria do Espírito Santo. Desigualdades e rupturas sociais na metrópole: os moradores de rua em São Paulo.

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Tese de Doutorado em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.

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NAÇÕES UNIDAS. Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Paris, 2003. Disponível em:
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Assembleia das Nações Unidas, 1986. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos - Universidade de São Paulo. Sem data de
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NAÇÕES UNIDAS. Issue Papers Habitat III. Disponível em: https://habitat3.org/wp-content/uploads/Habitat-III-Issue-


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NAÇÕES UNIDAS. Policy Paper Right to the City and City for All Habitat III. Disponível em: https://habitat3.org/wp
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NAÇÕES UNIDAS. Policy Paper Social - Cultural Urban Framework Habitat III. Disponível em: https://habitat3.org/wp-
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PLATAFORMA GLOBAL DIREITO À CIDADE. Cities for dignity, not for profit. Disponível em: https://www.right2city.org/.
Acesso em: 20 set. 2020.

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RIO 92. Tratado sobre a Questão Urbana por Cidades Vilas e Povoados Justos Democráticos e Sustentáveis. Disponível
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Recebido em: 27.09.2021

Aprovado em: 05.11.2021

https://www.magisteronlinee.com.br/mgstrnet/lpext.dll?f=templates&fn=main-hit-j.htm&2.0 12/12

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