Você está na página 1de 20

UNIDADE 2 TÓPICO 3

ESTATUTO DA CIDADE

1 INTRODUÇÃO
O Estatuto da Cidade, criado pela Lei n° 10.257 (BRASIL, 2001), regulamentou
os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais de
política urbana. Entrou em vigor a 9 de outubro daquele ano, visando melhorar a
qualidade de vida dos cidadãos brasileiros, através de uma adequada realização e
preservação da função social da cidade e da propriedade urbana.

A regulamentação do artigo 182 estabelece que a política de


desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes, definindo que o instrumento básico desta política é o Plano Diretor.

Já o artigo 183, por sua vez, estabelece que todo cidadão que possuir, como
sua, área urbana de até 250 metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente
e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirirá
o seu domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural. Este artigo abriu a possibilidade de regularização de extensas áreas de
nossas cidades ocupadas por favelas, vilas, alagados ou invasões, bem como
loteamentos clandestinos espalhados pelas periferias urbanas, transpondo estas
formas de moradia para a cidade denominada formal.
FONTE: Adaptado de: <http://www.fec.unicamp.br/~labinur/Estatuto_comp.html>. Acesso em:
20 set. 2012.

O material desenvolvido neste tópico aborda, de maneira um tanto


resumida, uma visão geral do Estatuto da Cidade a partir de textos de diversos
juristas, urbanistas e planejadores urbanos (AZEVEDO, 2001; CONSÓRCIO
PARCERIA 21, 2000; CRETELLA JÚNIOR, 2002; DE AMBROSIS, 1999; DI
PIETRO, 2000; FERNANDES, 2001; FERNANDES, 2000; FIORILLO, 2002;
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO/LINCOLN INSTITUTE OF LAND POLICY,
2001; GASPARINI, 2002; GRAZIA, 2001; MACHADO, 1998; MACRUZ, 2002;
MARICATO, 2000; MEDAUAR, 1999; MEIRELLES, 1994; MELLO, 1993; MUKAI,
1998; MUKAI, 2001; OLIVEIRA, 1991; QUADROS, 2002; ROLNIK, 2001; SILVA,
1998; VILLA, 2001; entre outros).

Caso você precise aprofundar alguns dos temas, consulte as referências


sugeridas.
93
UNIDADE 2 | INFRAESTRUTURA URBANA

2 AS DIRETRIZES CONTIDAS NO ESTATUTO DA CIDADE


O Estatuto da Cidade, ao regulamentar as exigências constitucionais,
fixou importantes diretrizes básicas, em seu art. 2°. Foram listados 16 incisos
onde são enunciadas diretrizes gerais através das quais será operacionalizada
a política urbana. São normas de ordenamento do espaço público, visando ao
interesse social e à regulação do uso da propriedade urbana em atenção ao bem-
estar coletivo.

De acordo com tais diretrizes (BRASIL, 2001), visa-se:

- a garantia do direito a uma cidade sustentável, entendida como aquela que


garanta os direitos à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao
lazer;
- a gestão democrática da política urbana, possibilitando a participação popular
e de associações representativas dos diversos segmentos da comunidade na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano;
- a cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da
sociedade, de sorte a atender ao interesse social;
- o planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do município, visando evitar e corrigir
as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio
ambiente;
- a oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transportes e serviços
públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às
características locais;
- a ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;


b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivo ou inadequado em
relação à infraestrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como
polos geradores de tráfego, sem previsão de infraestrutura correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na subutilização ou
não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanas arborizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental.

- a integração entre as atividades urbanas e rurais, visando a um desenvolvimento


socioeconômico complementar dos municípios e suprimindo a dicotomia entre
campo e cidade;
- a adoção de padrões de produção e consumo sustentáveis, compatíveis com os
limites da sustentabilidade municipal;
- a justa distribuição dos ônus e bônus decorrentes do processo de urbanização;

94
TÓPICO 3 | ESTATUTO DA CIDADE

- a adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira


e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a
privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a distribuição e
utilização dos bens pelos inúmeros segmentos da sociedade;
- a recuperação dos investimentos do poder público na valorização de imóveis
urbanos, com recuperação de parte da valorização imobiliária gerada pelos
investimentos públicos em infraestrutura social e física, realizados com
a utilização dos impostos recolhidos e que vinham sendo apropriados,
privadamente, por parcela privilegiada da população;
- a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente, natural e construído,
do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico,
garantindo a convivência entre o homem e o meio onde vive, bem como para a
manutenção de nossa história urbana, seja ela local, regional ou nacional;
- a realização de audiências públicas, dando publicidade da política urbana e a
plena participação comunitária na escolha e definição dos empreendimentos
ou atividades que não terão efeitos potencialmente negativos sobre o meio
ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;
- a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população
de baixa renda, devendo o poder público municipal se responsabilizar pelo
estabelecimento de normas especiais de urbanização, de uso e ocupação do
solo e de edificação, consideradas a situação socioeconômica da população
atendida, fixando para estas áreas as normas ambientais pertinentes. Atende à
população que adquiriu o terreno onde se encontra e, mesmo assim, continua
sendo percebida como ocupante “ilegal” da área;
- a simplificação da legislação urbanística de parcelamento, de uso e ocupação
do solo, de modo a facilitar o enquadramento das construções, realizadas pela
própria população, às normas estabelecidas para as edificações, com o objetivo
de possibilitar a redução de custos nos processos construtivos adotados e o
aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;
- a isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de
empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido
o interesse social.

Compreende-se, pelo conjunto de diretrizes gerais adotadas pelo


Estatuto da Cidade, que o imóvel urbano ganha nova conotação, que não seja
aquela meramente de fins de incidência tributária, passando a se destinar para
a moradia dos cidadãos e à dignidade humana dentro do que seja aceitável no
sistema capitalista vigente. Enfim, as parcerias entre o poder público municipal,
a iniciativa privada e a população de um modo geral é que podem fazer com que
as políticas urbanas contidas no Estatuto ganhem vida e saiam do papel.

95
UNIDADE 2 | INFRAESTRUTURA URBANA

3 OS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA CONTIDOS NO


ESTATUTO DA CIDADE
O Estatuto prevê instrumentos, jurídicos e políticos, postos à disposição
das municipalidades, a fim de dar plena efetivação à mesma. Tais instrumentos
são todos os meios capazes de, isolada ou conjuntamente, dar conta da plena
execução da política urbana.

Os instrumentos podem ser jurídicos ou políticos e estão contidos no


artigo 4o da Lei do Estatuto da Cidade. Nos incisos I e II do art. 4º observam-
se instrumentos de cunho político mais amplo, tais como os planos nacionais,
regionais e estaduais de ordenação territorial e de desenvolvimento econômico
e social das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e de microrregiões.

O planejamento municipal está contido no inciso III, apontando os


instrumentos mais importantes de toda e qualquer política urbana: o plano
diretor; a disciplina do parcelamento, do uso e ocupação do solo; o zoneamento
ambiental; o plano plurianual; as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual;
a gestão orçamentária participativa; os planos, programas e projetos setoriais e o
plano de desenvolvimento econômico e social.

Os institutos tributários estão no inciso IV, sendo o IPTU (Imposto


sobre a propriedade predial e territorial urbana); a contribuição de melhoria e os
incentivos e benefícios fiscais e financeiros.

Com relação aos instrumentos jurídicos, estes se encontram no inciso


V: a desapropriação; a servidão administrativa; as limitações administrativas; o
tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; a instituição de unidade de
conservação; a instituição de zonas especiais de interesse social; a concessão
de direito real de uso; a concessão de uso especial para fins de moradia; o
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; o usucapião especial de
imóvel urbano; o direito de superfície; o direito de preempção; a outorga onerosa
do direito de construir e de alteração de uso; a transferência do direito de construir;
as operações urbanas consorciadas; a regularização fundiária; a assistência técnica
e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; o
referendo e o plebiscito.

Finalmente, o inciso VI trata do Estudo Prévio de Impacto Ambiental


(EIA) e do Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV), instrumentos de
tutela do meio ambiente artificial, sendo este último instrumento uma inovação
trazida pelo Estatuto. A exigência do EIV não dispensa a prévia apresentação de
Estudo de Impacto Ambiental (EIA), nem do Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA), quando exigidos pela legislação ambiental. Também não dispensa outras
exigências legais, a exemplo dos Alvarás de construção e dos Habite-se.

96
TÓPICO 3 | ESTATUTO DA CIDADE

Outra importante novidade introduzida, não com o caráter de ineditismo,


pois a Lei de Responsabilidade Fiscal já o previa, é a questão do orçamento
participativo. Assim, a gestão democrática da cidade está presente nos arts.
43 a 45 do Estatuto da Cidade, prevendo a criação de órgãos colegiados de
política urbana, nas três esferas federativas; a realização de debates, audiências
e consultas públicas; a promoção de conferências sobre assuntos de interesse
urbano; e a iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos
de desenvolvimento urbano.

4 O CONTROLE DO SOLO URBANO E O ESTATUTO DA


CIDADE
Dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, vários guardam
semelhança com instrumentos adotados e experimentados internacionalmente no
controle do uso do solo urbano. A maioria deles é conhecida, porém sua utilização
é de cunho restrito. Vários motivos explicam sua não adoção, principalmente
motivos culturais, históricos, jurídicos e, principalmente, aqueles decorrentes
dos interesses políticos em jogo. Como cada município tem suas peculiaridades,
justificam-se as experiências com as composições e adaptações necessárias,
adequadas a cada um dos lugares.

O Estatuto da Cidade dedica grande parte de seu conteúdo aos instrumentos


para a promoção da política urbana, em especial na esfera municipal. Classificam-
se, de acordo com sua natureza, em tributários, financeiros, econômicos jurídicos,
administrativos e políticos. Dos instrumentos previstos, serão abordados aqueles
mencionados nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal: parcelamento,
edificação ou utilização compulsórios; imposto predial e territorial urbano
progressivo no tempo; desapropriação com pagamento em títulos da dívida; e
usucapião especial de imóvel urbano.

Contudo, há outros instrumentos interessantes, como o direito de


superfície; o direito de preempção (de preferência); a outorga onerosa do
direito de construir e de alteração de uso; as operações urbanas consorciadas;
a transferência do direito de construir; e o estudo de impacto de vizinhança.
Vejamos alguns deles a seguir:

97
UNIDADE 2 | INFRAESTRUTURA URBANA

4.1 IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO


PROGRESSIVO NO TEMPO
A ideia central desse instrumento é onerar com um tributo de valor
crescente, ano a ano, os proprietários de terrenos cuja ociosidade ou mal
aproveitamento acarrete prejuízo à população. É aplicado aos proprietários
que não atenderam à notificação para parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios.

Seu objetivo é estimular a utilização socialmente justa e adequada


desses imóveis ou promover sua venda. Neste caso, os novos proprietários se
responsabilizarão pela adequação pretendida.

O IPTU progressivo no tempo está na sequência das sanções previstas


pelo art. 182 da Constituição Federal, que se vincula ao não cumprimento do
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. A aplicação do imposto
predial e territorial progressivo no tempo ocorrerá, segundo o Estatuto, mediante
elevação da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos, tendo como limite
máximo 15% do valor venal do imóvel. A efetividade do IPTU progressivo no
tempo ocorrerá nos municípios que possuam um adequado sistema de cobrança,
fazendo-se necessária, também, a permanente organização e atualização do
cadastro imobiliário.

O imposto progressivo no tempo requer preparo cuidadoso por parte do


poder público municipal, cabendo avaliar se a cidade tem problemas decorrentes
da ocupação excessivamente dispersa, e se o governo municipal está preparado
para adotar um instrumento novo e sofisticado de gestão.

4.2 DESAPROPRIAÇÃO COM PAGAMENTO EM TÍTULOS


DA DÍVIDA PÚBLICA
O poder público municipal poderá proceder à desapropriação do imóvel,
com pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada
pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais,
iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais, caso
tenham decorrido cinco anos de cobrança do IPTU progressivo no tempo, sem
que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou
sua utilização.

As áreas objeto de desapropriação poderão servir para a promoção


de transformações urbanas na cidade, como, por exemplo, a implantação de
unidades habitacionais, espaços públicos para atividades culturais, de lazer e de
preservação do meio ambiente; bem como a destinação de áreas para atividades
econômicas voltadas à geração de renda e emprego para população pobre.

98
TÓPICO 3 | ESTATUTO DA CIDADE

O poder público municipal poderá dar ao terreno ocioso a destinação


socialmente mais adequada, e somente se dará no caso de ineficácia das
penalidades anteriormente citadas.

4.3 USUCAPIÃO ESPECIAL DE IMÓVEL URBANO


O usucapião especial de imóvel urbano é a regulamentação do artigo
183 da Constituição Federal. Estabelece a aquisição de domínio para aquele que
possuir área ou edificação urbana de até 250 metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, com a ressalva de que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural. Onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor,
poderá ocorrer o usucapião coletivo, desde que os possuidores também não sejam
proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Cabe notar que o usucapião constitucional (art. 183) não é o mesmo


instituto regulado pelo Código Civil. A Constituição introduziu o instituto do
usucapião pró-moradia em áreas urbanas, acrescido, pelo Estatuto da Cidade,
da figura do usucapião coletivo, importante para a regularização fundiária de
favelas, loteamentos clandestinos e cortiços.

É instituto jurídico antigo, aplicado na área rural, embora este princípio


ainda não fizesse parte da Constituição Federal. Trata da posse efetiva do bem,
transformando-a em domínio, propriedade ou em outro direito real, após o mero
decurso do prazo previsto em lei. Será direito conferido ao homem ou à mulher,
ou a ambos, independentemente do estado civil.

Visa à promoção da justiça e redução das desigualdades sociais. A histórica


negação da propriedade para grandes contingentes populacionais residentes
em favelas, invasões, vilas e alagados, bem como em loteamentos clandestinos
ou em cortiços, pode ser corrigida por este instrumento, em áreas urbanas já
consolidadas, como em áreas de expansão.

4.4 DIREITO DE SUPERFÍCIE


O direito de superfície é um instrumento que possibilita que o proprietário
de terreno urbano conceda a outro particular o direito de utilizar o solo, o subsolo
ou o espaço aéreo de seu terreno, em termos estabelecidos em contrato – por
tempo determinado ou indeterminado –, mediante escritura pública firmada em
cartório de registro de imóveis.

Surge, basicamente, de convenção entre particulares: o proprietário de


imóvel urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado poderá atender às
exigências de edificação compulsória estabelecida pelo poder público, firmando
contrato com pessoa interessada em ter o domínio útil daquele terreno, mantendo,

99
UNIDADE 2 | INFRAESTRUTURA URBANA

contudo, o terreno como sua propriedade. Os interesses de ambos são fixados


mediante contrato, onde as partes estabelecem obrigações e deveres entre si.

No direito de superfície dissocia-se o direito de propriedade do solo


urbano do direito de utilizá-lo, com a finalidade de lhe dar destinação compatível
com as exigências urbanísticas. Quem se responsabiliza por tal tarefa adquire
o direito de uso das edificações e das benfeitorias realizadas sobre o terreno.
Transfere-se para quem se beneficia do direito de superfície a prerrogativa de
uso daquele espaço. Findo o contrato, as benfeitorias realizadas no terreno serão
revertidas para o(s) proprietário(s) do terreno, sem indenização. Deve-se observar
que o contrato pode estabelecer se o proprietário está ou não obrigado a indenizar
quem usou o direito de superfície em seu terreno.

A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa e quem


usufrui da superfície de um terreno responderá, integralmente, pelos encargos
e tributos que na propriedade incidirem, arcando, ainda, proporcionalmente à
sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto
da concessão, salvo disposição contrária estabelecida em contrato. Tal direito se
extingue caso haja desvio da finalidade contratada.

A adoção do direito de superfície visa estimular a utilização de terrenos


urbanos mantidos ociosos. Este direito permite oferecer ao proprietário de solo
urbano uma vantajosa alternativa para cumprimento da exigência de edificação e
utilização compulsórias, sem que se cumpra a sequência sucessória prevista, e onde
os benefícios da adoção deste instrumento serão rebatidos na cidade como um todo.

4.5 DIREITO DE PREEMPÇÃO


É o instrumento que confere ao poder público municipal a preferência
para a compra de imóvel urbano, conforme valores do mercado imobiliário, antes
que o imóvel de interesse do município seja comercializado entre particulares.

Ao instituir o direito de preferência sobre uma área, o município deverá


estabelecer lei municipal e enquadrá-la em uma ou mais finalidades relacionadas
no Estatuto da Cidade e baseado no plano diretor, que delimite as áreas onde
incidirá a preempção. A lei que fixa as áreas objeto de incidência deste direito não
poderá vigorar por mais de cinco anos, porém, pode ser renovada após um ano de
seu término. O instrumento permite ainda que o poder público tenha preferência
na aquisição de imóveis de interesse histórico, cultural ou ambiental, para que
estes recebam usos especiais e de interesse coletivo.

Permite, também, a aquisição de áreas para a construção de habitações


populares, atendendo a uma demanda social, para atividades destinadas ao lazer
e recreação coletivos, como parques ou para a realização de obras públicas de
interesse geral da cidade.

100
TÓPICO 3 | ESTATUTO DA CIDADE

O uso deste instrumento permite que o município, se o desejar, e a partir


de cuidadoso planejamento, constitua gradativamente uma reserva fundiária
ou estoque de terrenos, sem a necessidade de adoção de desapropriação, que na
maioria das vezes acarreta problemas sociais e jurídicos. Os limites existentes para
a adoção do direito de preempção dizem respeito à disponibilidade de recursos
públicos para a aquisição preferencial de imóveis e que o poder público possua
um sistema de planejamento que permita enquadrar as áreas em finalidades
específicas e programadas, conhecendo a dinâmica do mercado imobiliário.

4.6. OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR


Consiste na possibilidade do município estabelecer relação entre a área
edificável e a área do terreno, a partir da qual a autorização para construir passaria
a ser concedida de forma onerosa. Por exemplo: um terreno que possa construir
uma vez a área do terreno passa para uma situação que permita construir duas
ou mais vezes a área do mesmo terreno, e assim por diante. O proprietário poderá
construir para além da relação estabelecida, pagando ao poder público este direito
concedido, com valor proporcional ao custo do terreno.

O plano diretor fixará as áreas nas quais o direito de construir e de


alteração de uso poderá ser exercido, estabelecendo a relação possível entre a área
edificável e a do terreno. Poderá, também, fixar um coeficiente de aproveitamento
básico, único para toda a zona urbana, ou nos casos necessários, adotar coeficiente
diferenciado para áreas específicas. Serão definidos também os limites máximos
de construção a serem atingidos, considerando a infraestrutura existente e o
potencial de densidade a ser alcançado em cada área.

As condições a serem observadas para a outorga onerosa do direito de


construir e de alteração de uso deverão constar em lei municipal específica, onde
serão estabelecidos: a fórmula de cálculo para a cobrança, os casos passíveis de
isenção do pagamento da outorga e a contrapartida do beneficiário. Os recursos
auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de construir e de alteração de
uso deverão ser aplicados na construção de unidades habitacionais, regularização
e reserva fundiárias, implantação de equipamentos comunitários, criação e
proteção de áreas verdes ou de interesse histórico, cultural ou paisagístico.

Este instrumento possibilita um maior controle das densidades urbanas,


permitindo a geração de recursos para investimentos em áreas pobres e a
desaceleração da especulação imobiliária. Entretanto, sua adoção exige do poder
público controles muito ágeis e complexos.

101
UNIDADE 2 | INFRAESTRUTURA URBANA

4.7 TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR


Trata-se de um instrumento que traz flexibilidade na aplicação da legislação
urbanística e na gestão urbana, tendo inúmeras aplicações, como na preservação de
imóveis de interesse histórico, proteção ambiental ou operações urbanas.

Lei municipal transfere ao proprietário de imóvel o direito de construir,


previsto nas normas urbanísticas e ainda não exercido. Este direito de transferência
previsto no plano diretor, ou na legislação urbanística, só poderá ser aplicado
quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de:

a) implantação de equipamentos urbanos e comunitários;


b) preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental,
paisagístico, social ou cultural; e
c) servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas
por população de baixa renda e habitação de interesse social.

Nos procedimentos da transferência, o poder público deve considerar


a possibilidade de a vizinhança absorver o impacto urbanístico decorrente e o
possível aumento de densidade provocado pelos índices transferidos. Outra
exigência se refere à possível concordância dos proprietários para efetiva
negociação e à própria capacidade do poder público para gerenciar o processo.

A origem desse instrumento em nosso país está vinculada à proteção do


ambiente natural e do construído (patrimônio arquitetônico) e objetiva o incentivo
à sua preservação. Sendo parte de uma política de incentivo à preservação, deve
ter sua adoção inserida em um planejamento cuidadoso, com objetivos e metas
bem definidos, com custos avaliados em função do interesse público.

4.8 OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS


São um conjunto de intervenções e medidas, coordenadas pelo poder
público municipal, com a finalidade de preservação, recuperação ou transformação
de áreas urbanas, contando com a participação dos proprietários, moradores,
usuários permanentes e investidores privados.

O objetivo é alcançar, numa determinada área, transformações urbanísticas


estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

A legislação específica de aprovação deste instrumento deverá conter:

- o plano de operação urbana consorciada, definindo a área a ser atingida, com


programa básico de sua ocupação;
- a previsão de um programa de atendimento econômico e social para a população
diretamente afetada pela operação;
- as finalidades da operação;
- um estudo prévio de impacto de vizinhança;
102
TÓPICO 3 | ESTATUTO DA CIDADE

- a contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e


investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos na lei;
- a forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhada com
representação da sociedade civil.

A viabilização de uma operação urbana possibilita a modificação de


índices e de características do parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo; as
alterações das normas para edificação; a regularização de construções, reformas
ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente; e a emissão,
pelo município, de certificados de potencial adicional de construção, a serem
alienados em leilão.

Os condicionantes impostos para aplicação deste instrumento referem-


se à dinâmica do mercado imobiliário, à existência de interesse dos agentes
envolvidos na participação e à capacidade do poder público em estabelecer
parcerias e mediar negociações, bem como firmar sua competência para gerir a
aplicação da operação urbana consorciada.

Trata-se de instrumento que possibilita ao município maior amplitude


para tratar de diversas questões urbanas, resultando em recursos para dotar de
serviços e de equipamentos áreas urbanas desfavorecidas e para o financiamento
do desenvolvimento urbano, em especial quando as operações urbanas envolvem
empreendimentos complexos e de grande porte.

4.9 ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA


Está estabelecido no Estatuto da Cidade que lei municipal definirá
os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana, que
dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para
obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento, a
cargo do poder público municipal.

O EIV será executado de forma a contemplar a análise dos efeitos positivos


e negativos do empreendimento ou atividade na qualidade de vida da população
residente na área e em suas proximidades, incluindo, ao analisar os impactos do
novo empreendimento, pelo menos:

- o aumento da população na vizinhança;


- a capacidade e existência dos equipamentos urbanos e comunitários;
- o uso e a ocupação do solo no entorno do empreendimento previsto;
- o tráfego que vai ser gerado e a demanda por transporte público;
- as condições de ventilação e de iluminação;
- as consequências, para a paisagem, da inserção deste novo empreendimento no
tecido urbano e, também, suas implicações no patrimônio cultural e natural.

103
UNIDADE 2 | INFRAESTRUTURA URBANA

O EIV deverá considerar a opinião da população diretamente afetada pelo


empreendimento e a abrangência destes impactos, que podem vir a se estender
para área além dos limites da própria cidade, não substituindo a elaboração e
aprovação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA, requerido nos termos
da legislação ambiental.

4.10 CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA


A contribuição de melhoria encontra-se prevista no artigo 81 do Código
Tributário Nacional, sendo uma das espécies tributárias, ao lado dos impostos e
taxas. É instituída para recuperar para os cofres públicos os recursos aplicados
em obras públicas que tenham gerado valorização imobiliária. Sua incidência
ocorre em função de cada imóvel beneficiado, na medida do acréscimo do seu
valor venal.

NOTA

O valor venal é um parâmetro que o poder público tem para poder calcular o
preço sobre diversos bens. Poderíamos simplificar a base do cálculo de certos tributos em
acertos judiciais e/ou administrativos. Vários são os critérios a serem utilizados, dependendo
do gênero e espécie, área, posição, tipologia, enfim, vários são os métodos utilizados para
este fim.

4.11 INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS E FINANCEIROS


Normalmente concedidos na forma de isenções à atividade empresarial
que se instala nos municípios. Cabe lembrar que a Lei de Responsabilidade
Fiscal (Lei Complementar no 101/00) condiciona os incentivos à não renúncia
de receita quanto ao não aumento de despesa. Por outro lado, o art. 150, § 6o
da Constituição Federal, estipula condições para o tratamento tributário, mais
benéfico ao contribuinte.

4.12 DESAPROPRIAÇÃO
Procedimento através do qual o poder público impõe a perda do direito
à propriedade sobre determinado bem, que passa ao patrimônio da entidade
expropriante. Justificam a desapropriação por utilidade ou necessidade pública
os casos previstos no Decreto-lei no 3.365/41, o qual regulamenta também o
respectivo procedimento, tanto na via administrativa quanto na via judicial.

104
TÓPICO 3 | ESTATUTO DA CIDADE

Para os casos de interesse social aplicam-se, conforme a hipótese, as


Leis Federais no 4.132/62 e nº 8.629/93 (para fins de reforma agrária) e o próprio
Estatuto da Cidade, em seu artigo 8º.

4.13 SERVIDÃO ADMINISTRATIVA


O poder público institui um ônus sobre um imóvel de propriedade
alheia, ou sobre parte dele, para assegurar a realização de serviço público ou
preservar bem afetado à utilidade pública. Não há uma lei geral sobre essa forma
de intervenção na propriedade, estando mencionado de passagem no artigo
40 do Decreto-lei no 3.365/41. Há a necessidade de indenização sempre que o
sacrifício no direito à propriedade trouxer prejuízos especiais a seu titular. As
faixas de recuo estabelecidas às margens de rodovias e a instalação de aquedutos
em terrenos particulares para aproveitamento de águas no interesse público são
exemplos de servidão administrativa.

4.14 LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS


Conjunto de restrições impostas à propriedade de modo a definir a extensão
das prerrogativas que possui o proprietário. Conformam as possibilidades de
usar, gozar e dispor que, do ponto de vista jurídico, somente existem nos termos
amparados por lei.

Os índices urbanísticos (coeficiente ou índice de aproveitamento e taxa


de ocupação do solo etc.) são espécies de limitações. Do ponto de vista mais
prático, destacam-se das servidões porque atendem a interesses difusos, como
a saúde pública, adensamento populacional, paisagismo etc., sem ensejar o
aproveitamento direto do imóvel em favor de serviço ou bem público. São
genéricas, não geram direito a indenização e são definidoras do próprio direito à
propriedade, que não é absoluto, pois há de cumprir sua função social.

NOTA

Interesses difusos são um tipo de benefício que interessa a um determinado


grupo, nível ou categoria indeterminável de pessoas, que juntos se reúnem pelo mesmo
objetivo. Eles têm natureza indivisível, ou seja, são compartilhados em igual medida por todos
os integrantes do grupo.

105
UNIDADE 2 | INFRAESTRUTURA URBANA

4.15 TOMBAMENTO
O tombamento é uma restrição ao direito à propriedade, tendo por objetivo
proteger o patrimônio cultural. O proprietário submete-se aqui a sacrifício parcial
de seu direito definido pelas limitações administrativas. A inscrição do bem no Livro
de Tombo - daí o nome tombamento - será fruto de procedimento administrativo,
buscando preservar aquelas características físicas do bem que estão associadas à
história, às artes, ou a qualquer outro aspecto relacionado à cultura da sociedade.
Aplicam-se as normas legais dispostas no Decreto-lei federal no 25/37. Neste mesmo
diploma legal são tratadas questões específicas ao procedimento administrativo
promovido pela União, estados, municípios e o Distrito Federal, que devem ter
suas regras próprias, observando as regras gerais mencionadas.

4.16 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO


Espaços territoriais que apresentem significativa importância para o meio
ambiente natural devem ser objeto de especial proteção, como dispõe o artigo
225, § 1o, III da Constituição Federal. A Lei Federal no 9.985/00 estabelece uma
série de unidades de conservação (parques, estações ecológicas, áreas de proteção
ambiental etc.), cada qual adequada para um tipo de situação. Todos os entes
federativos são competentes para estabelecer tais unidades em seus respectivos
territórios, observando o disposto na legislação federal.

4.17 ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL (ZEIS)


A legislação de direito público se refere à expressão “interesse social”,
reportando-se ao atendimento das necessidades das camadas mais pobres da
população ou à redução das desigualdades econômicas e sociais. No zoneamento
urbano se faz a divisão do território em várias zonas para serem definidas as
formas de uso e ocupação de cada um desses espaços, a fim de conferir-lhes
maior homogeneidade.

A zona especial de interesse social será aquela mais comprometida com


a viabilização dos interesses das camadas populares. À legislação urbanística
recomenda-se adotar, pelo menos em algumas áreas, padrões compatíveis com
a realidade das pessoas de baixa renda, para não lançá-las na ilegalidade. Muitas
vezes, os padrões urbanísticos idealizados são inviáveis na prática para boa parte
da população, em razão de dificuldades econômicas. A Lei Federal no 6.766/79,
com redação alterada pela Lei no 9.785/99, por exemplo, faz referência às zonas
habitacionais de interesse social, para as quais traça exigências mínimas mais
brandas que a média (art. 2º, § 6o). O município pode, portanto, instituir zonas
com regras especiais, quando o uso admitido vier a promover a integração das
pessoas mais necessitadas aos espaços habitáveis.

106
TÓPICO 3 | ESTATUTO DA CIDADE

4.18 CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO


A concessão de direito real de uso ocorre por meio de contrato e está
prevista no artigo 7º do Decreto-lei no 271/67. Através dela o proprietário transfere
a outra pessoa a prerrogativa de usar seu imóvel, com as garantias típicas de um
direito real.

Este instrumento se destina para fins específicos de urbanização,


industrialização, edificação, cultivo de terra ou outra utilização de interesse social.

4.19 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA


É o procedimento jurídico pelo qual se busca tornar lícita a ocupação da
terra nos casos em que o acesso àquele bem tenha ocorrido de modo irregular.
A expressão “regularização fundiária” é utilizada para designar a atuação
destinada a revestir com maiores proteções a posse existente sobre determinado
imóvel, mediante a instituição de um título de propriedade ou de outro direito
real. Observe-se que a posse é situação de fato com proteções jurídicas em menor
grau do que as existentes para os direitos reais. Não há lei geral sobre o assunto.

107
UNIDADE 2 | INFRAESTRUTURA URBANA

LEITURA COMPLEMENTAR

Um dos instrumentos utilizados pelo Estatuto da Cidade são as Operações


Urbanas, que visam transformar estruturalmente determinados setores das
cidades, com o propósito de renovação e requalificação urbanas. Veja alguns
exemplos descritos no livro “Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos
municípios e cidadãos” (2005), sendo transcritos sete casos (três grandes e quatro
pequenos) de operações urbanas.

“SÃO PAULO E A EXPERIÊNCIA DAS GRANDES OPERAÇÕES


URBANAS”

Em SÃO PAULO, a continuidade da obra de reurbanização do Vale


do Anhangabaú levantou a questão mais ampla da “revitalização” da área
central e da valorização dos imóveis privados no entorno da obra gerada por
este investimento. Esta foi a motivação para o estabelecimento da Operação
Urbana Anhangabaú, (Lei nº 11.090/91), que tinha como objetivos a melhoria
da paisagem urbana e da qualidade ambiental, o melhor aproveitamento dos
imóveis vagos ou subutilizados, o incentivo à preservação do patrimônio
histórico, cultural e ambiental urbano e a regularização de imóveis construídos
em desconformidade com a legislação urbanística e edilícia vigentes. Visava,
ainda, à ampliação e articulação dos espaços de uso público, em particular dos
arborizados e destinados a pedestres e à complementação das obras de drenagem
e infraestrutura. Foram protocolados até outubro de 1992 (um ano após o início da
operação que durou 4 anos) apenas cinco propostas, das quais três se utilizavam
de mecanismo da regularização, uma era de construção nova e uma era reforma
com aumento de área construída em prédio de valor histórico e arquitetônico.
De qualquer forma, até o fim da operação, somente foi aprovada a proposta de
regularização de 5.368,29 m² de área construída da Bolsa de Valores de São Paulo,
pela CNLU – Comissão Normativa de Legislação Urbanística em 14 de julho de
1992, resultando a contrapartida financeira de 5.282.807,20 UFIRs, o equivalente,
na época, a US$2.666.665,00.

Com o fim de prazo de vigência da operação Anhangabaú, uma nova


operação foi definida para a área (Lei m² 12.349/97), a chamada OPERAÇÃO
URBANA CENTRO, agora ampliada para uma área de 660 hectares, incluindo
os chamados Centro Velho e Centro Novo e parte de bairros centrais, como
Glicério, Brás, Bexiga, Vila Buarque e Santa Ifigênia. Foram definidas duas áreas
de intervenção: Área de Especial Interesse, que corresponde ao núcleo da área de
intervenção, e a Coroa Envoltória. Nessas áreas poderão ser concedidos vários
tipos de incentivos, como a modificação dos índices urbanísticos, características
de uso e ocupação do solo e das disposições do Código de Edificações (exceto
itens relativos à segurança), a regularização de edificações, a cessão de espaço
público aéreo ou subterrâneo e a transferência do potencial construtivo de imóveis
preservados ou tombados. O coeficiente de aproveitamento máximo dos terrenos

108
TÓPICO 3 | ESTATUTO DA CIDADE

na região dado pelo zoneamento, igual a 4,0, poderá ser substancialmente elevado,
em função do uso a ser instalado e da área onde se localiza o terreno, de acordo com
o que se deseja incentivar. Os recursos auferidos devem ser destinados a obras de
melhoria urbana, à recuperação e reciclagem dos próprios públicos em geral, ao
pagamento de eventuais desapropriações realizadas no perímetro da Operação
Urbana Centro ou à restauração de imóveis tombados, condicionados ao seu
posterior ressarcimento. Não há propriamente um projeto para o Centro incluído
na operação. A concepção presente na maneira como a operação foi desenhada é
a atração de investimentos com oferta de potencial. As propostas de participação
são submetidas à apreciação da Comissão Executiva da Operação Urbana Centro,
constituída por representantes de secretarias municipais e diversas entidades que
atuam na região central, composição esta e atribuições já definidas na lei, que
igualmente apontou para os aspectos a serem considerados na análise técnica
precedente. A operação urbana Centro, em 5 anos de vigência, aprovou apenas
uma proposta de construção nova com índices alterados (um Shopping Cultural,
do Grupo Silvio Santos, no bairro do Bexiga) e uma regularização, totalizando
R$ 940.000. Além destas, duas transferências de potencial de imóveis tombados
foram realizadas.

A OPERAÇÃO URBANA ÁGUA BRANCA (Lei nº 11.774/95) abarca um


território com cerca de 500 hectares e sua criação se justificou por se referir a uma
área próxima ao centro, com muitos terrenos vagos ou subutilizados e, ao mesmo
tempo, bem servida por transporte coletivo nos vários modos – trem, ônibus
e metrô –, além de apresentar problemas crônicos de drenagem. Dentre seus
objetivos estão o de promover a complementação e otimização da infraestrutura
já instalada, a reintegração de áreas seccionadas pela ferrovia e o aumento da
taxa de permeabilidade do solo. Poderão ser concedidas alterações na legislação
de uso e ocupação do solo e edilícia, regularização de edificações, concessão
do espaço aéreo e subterrâneo e transferência de potencial construtivo, sempre
limitadas ao estoque de área construída computável adicional de 1.200.000
m², estes distribuídos em 300.000m² para usos habitacionais e 900.000 m² para
usos não habitacionais. A análise técnica de cada proposta é realizada por uma
Comissão Intersecretarial, cuja composição e coordenação foram já definidas na
lei. A contrapartida pode ser paga em moeda corrente nacional, cujos recursos são
integrados ao Fundo Especial da Operação Urbana, em obras públicas vinculadas
aos seus objetivos ou em bens imóveis inseridos no perímetro da operação. Faz
parte ainda da lei de criação da Operação Urbana Água Branca o programa de
obras a implementar na área. Como resultado até o momento, a operação tem
um grande empreendimento aprovado, de um empreendedor (Ricci Engenharia
e Comércio): a implantação de um grande Centro Empresarial, sobre um
terreno com cerca de 100.000 m². A contrapartida financeira correspondente às
modificações concedidas é da ordem de R$ 19 milhões, pagos em obras públicas
a serem executadas pelo proponente. Cabe aqui observar que esta operação até o
momento foi restrita a um empreendimento e a obras que na verdade viabilizam
o acesso e a valorização do próprio empreendimento.

109
UNIDADE 2 | INFRAESTRUTURA URBANA

A OPERAÇÃO URBANA FARIA LIMA (Lei nº 11.732/95), envolvendo


uma área com aproximadamente 450 hectares, situada na região sudoeste do
Município de São Paulo, uma das mais dinâmicas do ponto de vista do mercado
imobiliário foi apresentada com a justificativa da necessidade de prolongamento
da Av. Faria Lima, pretendendo-se a criação de uma via paralela à Av. Marginal
do Rio Pinheiros, para aliviar a saturação viária da região sudoeste. Seu perímetro
compreende duas áreas distintas: Área Diretamente Beneficiada, lindeira às obras
de prolongamento da Av. Faria Lima e Av. Hélio Pellegrino, e uma área mais
ampla, denominada Área Indiretamente Beneficiada. Originalmente, previam-se
para essas áreas procedimentos diferentes de aprovação de propostas, que, nas
primeiras, seria automático; esse automatismo seria possível com a criação do
Certificado de Potencial Adicional de Construção – CEPAC –, um título negociável
em bolsa, que poderia ser convertido, na ocasião desejada por seus detentores,
em quantidades de metros quadrados de área de construção computável, e que
poderiam ser aplicados em qualquer ponto do território delimitado pela Operação.
Porém, a emissão de CEPACs não se viabilizou e o pagamento da contrapartida
é realizado em moeda corrente nacional, como já autorizado na própria lei da
Operação Urbana Faria Lima. Nessas áreas poderá ser concedida a modificação
dos parâmetros urbanísticos estabelecidos na legislação de uso e ocupação do
solo e a cessão do espaço público aéreo ou subterrâneo. Nesse caso, também a
lei estabeleceu um estoque de área edificável adicional, que na Área Diretamente
Beneficiada é de 1.250.000 m², e na Área Indiretamente Beneficiada, de 1.000.000
m². A lei definiu um programa de investimentos que inclui, além das obras
viárias, um novo terminal de ônibus, habitações de interesse social destinadas à
venda financiada para a população favelada existente no perímetro e seu entorno,
a construção de habitações multifamiliares para venda financiada à população
residente em área de desapropriação e que queira permanecer na região e, ainda,
a aquisição de imóveis para implantação de praças e equipamentos institucionais.
Apenas o custo do viário (incluindo as desapropriações) seria de 120 a 150
milhões de reais. Estes programas, no entanto, nunca saíram do papel, tendo
a Operação Faria Lima, até hoje, investido apenas em melhoramentos viários,
como os dois prolongamentos da Av. Faria Lima e o prolongamento da Av. Hélio
Pellegrino, além de começar também a configurar uma nova situação fundiária
com as propostas já aprovadas, já que em mais de 60% dos casos houve agregação
de pequenos lotes para formar os terrenos que se beneficiaram da Operação
Urbana. A aprovação dessa proposta trouxe para os cofres municipais mais de
R$ 200 milhões, montante que já cobriu o custo da implantação da avenida –
que foi feita às expensas do poder público – apenas no que se refere à própria
obra, já que os recursos para as desapropriações (possivelmente em torno de 200
milhões, número estimativo, pois são recorrentes os questionamentos na justiça
dos valores pagos em desapropriações) saíram dos cofres públicos.

PEQUENAS OPERAÇÕES URBANAS

Pequenas operações resultantes de acordos formais entre o poder público


e a iniciativa privada, materializados em contratos, têm sido experimentados no

110
TÓPICO 3 | ESTATUTO DA CIDADE

RIO DE JANEIRO, gerando recursos diretos e indiretos. A Secretaria Municipal de


Urbanismo implementa pequenas operações que podem ser divididas em quatro
categorias: a) obrigações relativas a grupamentos de edificações residenciais, cujo
objetivo é obter edifícios, terrenos ou recursos para a construção de equipamentos
municipais; b) obrigações de urbanização cujo objetivo é a complementação ou
extensão da infraestrutura; c) operações interligadas que são os únicos contratos
feitos nos quais a contrapartida financeira é mensurada e d) obrigações relativas
à gestão de recursos decorrentes das normas de alinhamento. A Fundação de
Parques e Jardins da Prefeitura do Rio de Janeiro também tem buscado, como
tem acontecido em muitas cidades, parcerias com a iniciativa privada ou
associações para a manutenção de praças, jardins, mobiliário. Além da ampliação
dos recursos a serem utilizados na manutenção desse patrimônio, os aspectos da
educação ambiental, da responsabilidade coletiva sobre a paisagem construída e
da participação também são importantes.

Em BELO HORIZONTE, o instrumento operação urbana foi instituído


pelo Plano Diretor (lei nº 7165/1996), mas apenas uma operação urbana foi
aprovada e está em andamento, uma parceria entre poder público municipal,
particulares e rede ferroviária. A área de propriedade da rede ferroviária está
vazia e possui uma edificação tombada, a Casa do Conde de Santa Marina,
que tinha sido até então cedida para a realização de eventos. O terreno e a casa
passarão a ser propriedade pública, a casa deverá ser restaurada para abrigar o
Museu do Trem e todo o terreno em volta terá uso cultural. Em contrapartida
será cedido parâmetro urbanístico adicional para o terreno remanescente, que
permanece patrimônio da Rede Ferroviária, e que irá a leilão já com esse valor
adicionado à propriedade.

Em CAMPO GRANDE, a figura da Operação Urbana aparece como


Urbanização Negociada. A chamada Urbanização Negociada aparece no Plano
Diretor na forma da lei complementar nº 2.813, de 17 de junho de 1991 e a
Urbanização Consorciada aparece no artigo 14, parágrafo (Plano Diretor – lei
complementar nº 5, de 22 de novembro de 1995). A lei da Urbanização Negociada
foi criada para o projeto específico Urbanização do Parque das Nações Indígenas.
Existia um projeto para o parque, anterior à aprovação do Plano Diretor, que
previa sua implementação entre duas avenidas que seriam abertas e abrigariam
nas suas margens edificações verticalizadas. Essas avenidas localizam-se no
centro de Campo Grande, em uma área muito valorizada, de uso estritamente
residencial horizontal. O proprietário cedeu a área à municipalidade em troca
de potencial construtivo em outra área. A área remanescente, às margens da
avenida, também seria fruto da liberação do potencial construtivo, permitindo a
verticalização. Como o processo foi muito demorado, apesar de uma parte da área
ser alvo de instrumentos de indução dessa legislação de Urbanização Negociada,
outra parte foi simplesmente desapropriada pelo Governo do Estado através de
um decreto. A legislação não foi mais utilizada e foi reformulada no final de 2000,
admitindo a transferência de potencial quando se tratasse de área ambiental ou
cultural e restringindo a alteração de índices e usos, vinculando-a à realização
de obras de interesse social ou qualificação urbanística. Nessa reformulação

111
UNIDADE 2 | INFRAESTRUTURA URBANA

foram delimitadas algumas áreas para serem foco dessas operações urbanas, de
interesse do município, de caráter cultural, como o Centro e a Estação de Trem
originária da cidade; e de caráter ambiental, como por exemplo cabeceiras de
córregos ocupadas.

Em MAUÁ-SP, as operações urbanas estão previstas no Plano Diretor (lei


nº 3.052, de 21 de dezembro de 1998), e cada uma delas tem uma lei específica que
determina desafetações de área pública e termo de compromisso de contrapartidas.
Algumas operações urbanas aconteceram, com destaque para duas. A primeira
aconteceu na área abandonada da antiga rodoviária, próxima à Prefeitura.
Uma parte da área foi comprada pelo McDonald’s, que se comprometeu em
construir um teatro e duas EMEIs – Escola Municipal de Educação Infantil. Para
esse empreendimento foi feita uma lei específica desafetando a área pública e
descrevendo essas obras. O teatro será inaugurado ainda este ano e as escolas já
estão em uso. Uma segunda área muito grande ao longo da Avenida dos Estados
onde havia um estacionamento, uma fábrica e uma rua pública, foi desafetada
para dar lugar a um Shopping Center, que em contrapartida assumiu um termo
de compromisso de construir um centro de educação para o menor.

As Operações Urbanas em NATAL são áreas que, embora passíveis de


adensamento, apresentam valor histórico-cultural significativo para o patrimônio
da cidade e carecem de formas de recuperação e vitalização. Devem ser objetos
de plano específico, com participação da iniciativa privada e população local. O
plano deve prever a reacomodação no próprio perímetro da operação de usos e
atividades que precisem ser deslocadas em função das transformações aprovadas.
Incentivos fiscais e outros serão previstos para proprietários que aderirem ao
programa de intervenção nos lotes privados. Um Comitê de Gestão da Operação
deve geri-la, composto por agentes envolvidos no processo. Há a determinação de
um estoque de área edificável específico em função das modificações pretendidas
e um programa de obras públicas previstas e necessárias. Esse estoque é vendido
aos empreendedores interessados na operação, os recursos obtidos integrarão
o Fundo de Urbanização e deverão ser aplicados na própria área da operação,
portanto, não são objeto de especulação, servem para financiar as modificações
pretendidas. Os bairros de Cidade Alta e Ribeira são áreas de operação urbana
que ainda estão em andamento. Entretanto, os resultados são ainda muito
pequenos. Não há muita participação popular no processo, pois é uma área de
uso predominantemente comercial e há pouca habitação precária e esparsa, cuja
população não é organizada.
FONTE: BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. 3.
ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2005. p.87-91.

112

Você também pode gostar