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Direito Urbanístico e Planejamento Urbano.

Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e


perspectivas - Volume VI

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Jorge Guilherme Francisconi1

Resumo: A inserção de território e da ideologia no indefinido ramo do direito urbano ou


urbanístico emoldura a narrativa e avaliação de conferências, que a OAB/RS promoveu para
comemorar "20 anos do Estatuto da a partir de uma vivência acadêmica e prática
profissional (pública e privada) que remonta à década de 1960. Itens específicos de palestras
proferidas pelo jurista Fernando Alves Correia sobre o direito urbano português; Vanêsca
Buzelato Prestes sobre Urbanística e o Estatuto da Cidade" tema de sua
dissertação de doutorado; e Victor Carvalho Pinto sobre "Passado, Presente e Futuro do
Estatuto da Cidade o impacto de PL nº 775/83 no Estatuto da Cidade; instrumentos para
governança urbana e Código de Urbanismo. As análises apontam para o impacto da ruptura
ideológica de 1980; objetivos e instrumento do direito urbano cuja origem remonta ao ideal
da cidade organizada e aprazível preconizada pelo urbanismo e "urban mediante
a ordenação do território como adotado no período desenvolvimentista (1964 / 1984). A
ruptura dos ano 80 coloca a utopia do à na Constituição Federal de 1988 e
torna-se hegemônica na teoria e no uso do direito urbano na gestão e governança urbana,
enquanto o terri-tório permanece tangenciado. O Estatuto da Cidade correspondeu ao novo
ideal e, decorridos 20 anos de sua aprovação, carece de mudanças para melhor atender novas
demandas e exigências da urbanização. A imprecisão e limitações do direito urbano
brasileiro é um desafio frequentemente apontado e para cujo encaminhamento o ensaio
oferece alternativas.

Palavras chave: Planejamento Urbano, Estatuto da Cidade, Direito Urbano e Urbanistico


Instrumentos Urbanísticos, Lícito e ilícito urbano.

As conferências e palestras que OABs estaduais promoveram no 20º aniversário do


Estatuto da Cidade legaram um conjunto de sugestões, críticas e propostas de
aperfeiçoamento, de novas ideias e novos conceitos. Um acervo riquíssimo que, se bem
usado, permitirá aperfeiçoar o direito urbanístico2 que sustenta a gestão e a governança
urbana no país mas isso depende de iniciativa da OAB/BR.

1
Arquiteto FAU/UFRGS (1966), Mestre em Planejamento Regional e PhD em Ciências Sociais pela Syracuse
University (1972), criador/ coordenador PROPUR / UFRGS, Coordenador do texto e execução da PNDU do
II PND. Dirigiu entidades federais (EBTU, DENATRAN) e lecionou na UFRGS, UFSM, Universidade de
Paris XII, CNAM, FGV, UnB. Consultor BIRD e BID. Membro INSPER, IHG DF E ICOMOS CO.
2
Direito Urbanistico e Direito Urbano são sinônimos neste texto. A advogada Claudia Dutra entende que "O
direito urbanístico é o que temos consagrado na CF, e é uma disciplina com suas e "que direito
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Cada conferência estadual que assisti adotou um rumo próprio. Alguns exaltaram o
Estatuto da Cidade, outros avaliaram temas transversais, outros entenderam que a "lei não
e/ou que seus instrumentos foram pouco usados. Em alguns estados houve palestras
que ofereceram visões aprofundadas sobre o direito urbano, com novos conceitos e
importantes proposições. Como ocorreu no Congresso de Direito Urbanistico da OAB/RS,
onde Fernando Alves Correia tratou da evolução e do cenário atual do direito urbano
português enquanto utopias e conceitos jurídicos eram analisados por Vanêsca Buzelato
Prestes, em palestra sobre "Corrupção Urbanística e o Estatuto da Cidade" e Victor Carvalho
Pinto avaliava instrumentos do direito urbano ao tratar do "Passado, Presente e Futuro do
Estatuto da Cidade." Fábio Scorel Vanin também tratou do conceito de Grandes Projetos
Urbanos (GPU) outra proposta inovadora.

Os palestrantes abordaram temas importantes segundo os cânones, conceitos e ritos


adotados no Direito Urbano e os assisti com o olhar de quem, desde os anos 60, dedica-se
ao urbanismo e ao planejamento urbano, em universidades e no poder executivo federal. Seja
como fundador, professor e coordenador de Programas de Pós Graduação; seja como
formulador e gestor de políticas urbanas e de atividades setoriais urbanas e regionais.
Acompanho o direito urbano desde os anos 70, quando apoiei Hely Lopes Meirelles e Eurico
Andrade de Azevedo na redação de minutas de projetos de lei aprovadas, em 1976, na
Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU). Minutas que
resultaram na Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº6.766/79) e no Anteprojeto de Lei
de Desenvolvimento Urbano, publicado pelo jornal Estado de São Paulo em maio de 1977 e
embrião do Projeto de Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano (PL nº775/83) da Câmara
dos Deputados.3

Como que acompanha a evolução e os novos rumos do direito urbano,


apreciei a solidez dos conceitos expostos por Fernando Alves Correia, fui provocado pela
instigante fala de Vanêsca Prestes sobre licito/ilícito, corrupção urbanística; direito urbano
e direito político, o direito à cidade e de planejamento urbano sustentável definido por

urbano é toda a normatividade de demais disciplinas que incidem nas áreas No documento adoto os
conceitos de "stricto sensu" e "lacto sensu", respectivamente.
3
ver MEIRELLES, Hely Lopes. O Direito de Construir. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 1979.
Escreve Hely: "Esse anteprojeto de lei foi elaborado por nós e pelo Prof. Eurico de Andrade Azevedo, sob
orientação do Secretário da CNPU, urbanista Jorge Guilherme Franciscone (sic), após exame de todos os
subsídios apresentados pelos demais integrantes da mesma Comissão, técnicos de órgãos oficiais e de
Prefeituras." p.101. Claudia Dutra coordenou a área jurídica da Secretaria Executiva da CNPU.
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tridimensional metáfora, de cilindro contendo balões com "feixes de leis". Na palestra de


Vitor Carvalho Pinto vislumbrei roteiro para aprimorar nosso direito urbanístico. Desde sua
descrição das origens de instrumentos do Estatuto da Cidade e avaliação do atual estado da
arte até suas propostas para aprimorar o direito urbano com destaque para Código de
Urbanismo inspirado naqueles de países ibéricos, saxões e França.

Os apontamentos abaixo tratam de temas que atraíram a atenção e suscitaram


dúvidas, ou que reavivaram preocupações antigas, como integrar o -direito urbano"4
com normas urbanísticas vinculadas à territorialidade e promover a multidisciplinaridade na
gestão e planejamento urbano. Escutei novos conceitos, como ilicitude e corrupção
urbanística, e novos instrumentos para o nosso direito urbano. O texto promove um encontro
de passado e presente na construção do futuro. Com pontos e contrapontos que têm, como
objetivo, fomentar um direito urbano sustentado por marcos jurídicos sólidos, consistentes,
claramente definidos e efetivos. Porque só assim será possível promover a efetiva
qualificação da gestão, governança e qualidade de vida em cidades e metrópoles.

*** ***
A territorialidade é aqui destacada porque o território é componente inerente e
essencial à questão urbana. Tanto no saber como na prática urbanística. O território é o
de usos, ocupações, transformações, direitos e da práxis no solo, no solo-criado e no
sub-solo urbano. Apesar disso, perdeu importância depois que houve uma ruptura nos
fundamentos do direito urbanístico que acompanhou a redemocratização do país, nos anos
80 Até então, o direito urbanístico era aquele ramo do direito que estuda o conjunto de
legislações reguladores da atividade urbanística, isto é, aquelas destinadas a ordenar os
espaços habitáveis. Como destacou Claudia Dutra, coordenadora jurídica da SE / CNPU,
"havia uma clara estratégia de desenvolvimento territorial e urbano para a qual a atualização
da legislação urbanística era peça fundamental."

A partir do Movimento Nacional da Reforma Urbana (MNRU) e da Constituição


Federal de 1988,5 o direito urbano passou a enfocar "menos na ordenação do território e mais

4
direito urbano" porque orientado para aspectos abstratos e conceituais do direito urbano, em contraponto ao
direito aplicado e pedestre adotado na gestão, governança e na práxis urbana.
5 FERNANDES, Edésio.A Nova Ordem Jurídico-Urbanística no Brasil. Revista Magister de Direito Imobiliário,

Ambiental e Urbanistico. nº2, pp.5 - 26. Ver Anais do V Congresso Brasileiro de Direito Urbanistico. Manaus 2008. O
Direito Urbanístico nos 20 anos da Constituição Brasileira de 1988 - Balanço e Perspectivas.. Organizado por Nelson
Saule Junior et al. Porto Alegre, Magister. 2009
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no fruto das relações sociais que devem ser juridicamente reguladas, isto é, na regulação da
6
produção social do espaço urbano.' Linha de pensamento que tornou-se dominante e
alterou profundamente os marcos teóricos, prioridades e práticas do planejamento urbano e
territorial, a partir dos anos 80.

Os fundamentos de uma ruptura e o impacto na ordem existente estão presentes nas


palestras da OAB/RS. O primeiro conferencista descreve a integração harmônica com novos
conceitos que foi alcançada em Portugal; a segunda introduz novos conceitos e imagem tri-
dimensional dos "feixes de de ramos do direito que sustentam a produção social no
"espaço" urbano; o terceiro avalia a presença de conceitos e instrumentos criados para gestão
e governança de "espaços habitáveis" depois da ruptura de 80 e aponta para demandas atuais
que estão exigindo um novo direito urbano.

As narrativas de cada um, sobre questões do direito urbano, produziram um conjunto


de pontos e contrapontos altamente enriquecedor e onde vale destacar a importância do
território, em suas diferentes escalas bidimensionais e cartesianas (bairro, cidade, metrópole,
região) no direito urbano Aquele que orienta e sustenta a gestão, o planejamento
e a governança urbana a partir da integração de saberes e práticas da ciência política,
urbanismo, demografia, geografia, economia, planejamento, sociologia, administração
pública.
*** *** *** ***
O Jurista português Fernando Alves Correia, unanimemente saudado como maior
autoridade do direito urbanístico lusitano, tratou da evolução do direito urbanístico e o uso
de novos conceitos e instrumentos em Portugal desde sua integração na União Europeia,
com a consequente adoção dos princípios europeus de sustentabilidade em suas avaliações
ambientais. O que resultou na adoção de objetivos da UE para sustentabilidade urbana em
sua legislação urbanística.

Com isso, a sustentabilidade urbana tornou-se conceito chave na implementação da


sustentabilidade maior, visto que afeta aspectos sociais, ambientais, culturais, territoriais,
econômicos, além de medidas quanto à poluição sonora aos municípios cabendo fazer
plantas e fiscalizar níveis de ruídos. Além de medidas para reduzir as causas das alterações

6 MEDAUAR, Odete. Caracteres do Direito Urbanístico. Revista dos Direitos Difusos, Rio de Janeiro, Instituto
Brasileiro de Advocacia Pública. (IBAP), agosto 2000, in Direito urbanístico, pt.wIkipedia.org.
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climáticas, com adesão ao plano nacional de energia e clima estabelecido pelo governo
português. Dentre outros.

Quanto a sustentabilidade urbana "per se", destacou a importância de combater a


degradação física das cidades mediante a promoção de mescla social, com planos diretores
que adotem zoneamentos plurifuncionais e zoneamento de inclusão em territórios urbanos.
Também apontou para necessidade de "travar o alastramento das e preservar "áreas
rústicas" meta sustentável adotada em muitos países europeus. Para atender as escalas
internas das cidades, a norma nacional portuguesa estabelece categorias de planos urbanos
segundo a escala territorial da área urbana planejada, distinguindo o plano diretor do plano
de urbanização do plano de pormenor.

Fernando Alves Correia apontou a importância de planos que promovam a qualidade


das cidades, com oferta de acesso e mobilidade com inovação. Destacou a importância da
participação para que o "cidadão não seja mais o mas que fique "face a face" com
os setores público e privado porque "todos têm direito." Os modos de participação
envolvendo "da ascultação à concertação", e podendo ser preventivos (antes do plano) ou
sobre o plano, cabendo ao cidadão o direito de "consagrar sua opinião" para assim
influenciar a ação do setor público.

Quanto a reabilitação urbana tema atualíssimo para que haja a revitalização das
áreas centrais de grandes cidades, a preservação do valor econômico de bens imobiliários e
a preservação do patrimônio histórico cultural lembrou como seu uso foi essencial na
recuperação de áreas degradadas em Lisboa e em o Porto, no suporte ao turismo e nas
atividades econômicas locais. Destacou a importância da segurança, do desenho e da
morfologia na reabilitação urbana e de a comunidade ser os "olhos das Os PDUs sendo
instrumentos que utilizam o direito urbanístico para incentivar e promover a valorização do
patrimônio cultural.

Como exemplo de como os princípios do direito urbanístico devem estar presentes


no planejamento urbanístico, o jurista Alves Correia destacou a "importância do
planejamento não discriminar o uso do território" e adotar "procedimentos igualitários" visto
que esta igualdade é imanente ao plano e transcende ao plano. E ressaltou que Planos podem
estabelecer diferenciações que outorguem direitos sobre o que pode ser feito, mas evitando
sempre tipologias que promovam "desigualdades não
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O Jurista Fernando Alves Correia tratou de complexas questões do direito urbanístico


e indicou caminhos para nosso direito urbano quando retratou a solidez, amplitude e
maturidade do direito urbano português, onde o conceito e uso de cada instrumento
urbanístico está amparado por normas jurídico administrativas precisas e transparentes.
*** *** *** ***
O lícito e o ilícito como forma e manifestação de corrupção urbanística, a partir do
direito urbanístico,7 foi o instigante tema da Doutora Vanêsca Buzelato Prestes8 que, em sua
douta exposição, apresentou inovadores conceitos teóricos, distinguiu o direito público do
direito político, tratou do Estatuto da Cidade e avaliou o direito à cidade, o direito
constitucional e o "feixe de direitos" que apoia o desenvolvimento urbano sustentável.9

O conceito de corrupção foi definido a partir da teoria de sistemas, onde a corrupção


em sistemas como o religioso, moral, científico, jurídico, político é definida a partir
de dicotomias próprias. No sistema jurídico, a corrupção é definida pelo "lícito versus
no sistema científico pelo "falso versus e no sistema da moral pela
10
dualidade entre e O lícito ou ilícito urbano dependendo da observância do
"tratamento jurídico" em cidades, onde o "descumprimento ou infringência do que foi
definido como lícito/ilícito irá promover a corrosão de o "sistema do direito

*** ***
Ao escolher o tema da licitude e da corrupção urbanística sensu Vanêsca
Prestes recupera uma preocupação central de juristas, gestores e urbanistas do século
passado. Como Hely Lopes Meirelles, que na minuta do projeto de lei para o parcelamento
do solo urbano incluiu penalidades claramente explicitadas para ilicitudes em cada
atividade.11 Como magistrado, professor, Promotor e Secretário Estadual de Justiça, Hely

7
Outras formas de expressão da corrupção urbanística sendo "Corrosão do Sistema da "Corrosão dos Sistemas
que operam na Cidade (ex: direitos e política; economia e temas que não são vistos como corrupção,
mas que existem "o espaço que não se
8
Agradeço à conferencista pela leitura e correções de versão preliminar. Indico abaixo as transcrições de seu
e-mail e destaco citações de transparências e transcrições de sua conferência . O texto é de minha inteira
responsabilidade.
9
Outras formas de expressão da corrupção urbanística sendo "Corrosão do Sistema da "Corrosão dos
Sistemas que operam na Cidade (ex: direitos e política; economia e
10
Há inúmeras áreas do saber cientifico que tratam da dinâmica, da gestão e da governança do território urbano
e por isso integram a ciência urbanística e regional. A validade do conhecimento, em cada uma destas áreas da
ciência, depende de hipóteses, estudos e aferições cientificas para que se estabeleça o que é falso e aquilo que
é verdadeiro.
11
Projeto de Lei do Senado nº18 / 1977, que sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras
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entendia que as leis são inócuas sem a clara indicação de procedimentos administrativos e
de penalidades para procedimentos ilícitos seu tratamento ao conceito de lícito/ilícito
sendo diferente daquele adotado pela Prof. Vanêsca.

A conferencia apresentou os resultados alcançados em recente dissertação de


doutorado, o que justifica natureza acadêmica dos conceitos adotados, como o "ceteris
pelo qual tudo o mais permanece constante , e a natureza ex-post das
avaliações, que permite ignorar o -ante (o que aconteceu antes). Mas há também
distorções não sustentáveis de fatos do passado.

Na avaliação de questões seminais e conceitos básicos do direito urbanístico, a Prof.


Vanêsca adota o revisionismo histórico do Movimento da Reforma Urbana (MRU) quando
adota a Constituição Federal de 1988 (CF 88)como gênese do direito urbanístico. Razão pela
qual sua narrativa histórica ignora origem e evolução do direito urbano no Brasil12 bem como
os marcos normativos para gestão e planejamento urbano que forma sancionados a partir da
Constituição de 1969. Este tema foi esquecido pela Prof. Vanêsca e analisado pelo Doutor
Victor Carvalho Pinto.

*** *** ***


A corrupção urbanística depende, sustenta a conferencista, da "qualificação jurídica
atual do sistema jurídico que a Constituição brasileira estabeleceu quando passou
a tratar a política urbana em capitulo da Ordem Econômica e não mais como tema do sistema
da Desta forma a Constituição estabeleceu "uma disciplina constitucional13 que
faz nascer um direito à cidade, e é este "direito à cidade, por sua vez, que produziu um

12
Na origem e gênese de códigos e leis urbanas estão acampamentos militares e cidades planejadas, normas de convivência
e "códigos de postura", normas e leis de ordenamento territorial e edilício, planos de embelezamento, de saneamento e de
infra-estrutura viária urbana. Bom exemplo sendo a "Recopilación de Leyes de las Indias" de 1680 modelo de código
urbanístico. Nos dias de hoje, a Wikipedia define Direito Urbanístico como aquele do direito que estuda o conjunto
de legislações reguladores da atividade urbanística, isto é, aquelas destinadas a ordenar o s espaços Mas logo
muda de rumo e adota o entendimento do MNRU: disso, o enfoque está menos na ordenação do território e mais
no fruto das relações sociais que devem ser juridicamente reguladas, isto é, na da produção social do espaço
Fato correlato foi a Emenda Constitucional nº 19/1977, que alterava "a redação da alínea e, item XVII do artigo
8º da CF, atribuindo competência à União para legislar sobre normas gerais de desenvolvimento urbano." Emenda apoiada
pelo Executivo, aprovada em Comissão e que não chegou a Plenário.
13
O entendimento da conferencista é que o direito urbanístico, como disciplina constitucional, tem sua gênese na CF 88.
O que coloca no limbo e no esquecimento o direito urbano que sustentou leis de planos diretores urbanos implantados a
partir do século XVIII, bem como leis estaduais e federais, e normas jurídico-administrativas que atenderam preceitos
constitucionais do século passado, que "tratavam do ordenamento dos espaços habitáveis." Ou seja: havia um direito urbano
naquela época. Desta forma, a conferencista segue o pensamento dominante, em Seminários de OABs e IABs, no atual
"estado da arte do direito urbano. Observe-se que, em eventos comemorativos do Estatuto da Cidade, a maioria dos
expositores considerou que o direito urbanístico brasileiro surgiu a partir da Constituição, nos anos 80. O entendimento foi
corrigido na palestra de Victor Carvalho Pinto (abaixo), que recolocou a questão do território urbanizado como foco da
teoria e da prática da gestão, da governança e do planejamento urbano.
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processo de diferenciação funcional que separou a dimensão política da dimensão


Duas dimensões que não existiam no sistema que precedeu a CF 88 e que teriam surgido
como fruto de processo evolutivo de sistemas ao longo do tempo. Desta forma os
tratados no sistema anterior como possibilidades passam a ser direitos consagrados e
passíveis de serem enquanto a criação da democracia social (ou estado
democrático de direito) encerrou o período autoritário e levou à "qualificação evolutiva" do
direito urbanístico.14

Neste novo momento político, a resulta da "corrosão de


sistema (que) ocorre quando deixamos de observá-lo e isto se dá porque há um espaço que
não se vê, um espaço naturalizado, no qual não ocorreram as necessárias diferencia O
que implicaria no surgimento do conceito de licito/ilícito e da corrupção urbanística como
produto inerente e dependente do direito urbanístico pós-CF 88, segundo os princípios e
entendimentos que adota.

A "dimensão jurídica do direito à cidade"15 que adota corresponde a utopia criada


por Henry Lefvebre (pensador francês) que orienta o MNRU. Um direito que "nasce das
ruas e é conquistado na luta política e que está na base de "o que temos a partir da
Constituição Federal (CF A utopia do direito à cidade sendo "a confluência do feixe
de direitos protegidos pela Constituição, integrados pela política urbana, meio ambiente,
moradia, gestão democrática. Feixe de direitos alcançado graças às contribuições do
MNRU, ainda que "na Constituição não foram incorporadas vários artigos que o movimento
de reforma urbana propunha a época!

Após afirmar que sem os atuais princípios constitucionais "não poderiam fazer a
Reforma Urbana, pois esta faz parte, integra o sistema da Vanêsca Prestes lembra
que "Os princípios de direito urbanístico decorrem da análise jurídica da Dimensão
Constitucional do e que direito urbanístico é baseado nos fundamentos
constitucionais que tem como objetivo a construção de um meio urbano Eéa
partir da sustentabilidade urbana que a Prof. Vanêsca estabelece seu mais criativo e
desafiante conceito.

14
FRANCISCONI, Jorge Guilherme. Quando e como renascem as políticas urbanas. São Paulo. Ensaios INSPER,
2021 https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2021/03/ensaio_jorge_guilherme_francisconi__032021.pdf
15
Segundo Lucia Bogus e Luis Cesar de Q. Ribeiro, do Observatório das Metropoles do RJ, Brasil, essa utopia urbana
está traduzida nos princípios da função social da cidade e da propriedade, da descentralização das politicas urbanas e na
gestão democrática
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*** ***
A conferencista entende que as duas dimensões (direito urbanístico e direito à cidade)
não existiam no sistema que precedeu a CF 88 e que surgiram fruto de processo evolutivo
de sistemas ao longo do tempo.

Na medida em que permanece em elevado patamar da teoria do direito urbano e dá


prioridade à sustentabilidade urbana e a contribuição do MNRU, a palestrante não analisa o
reducionismo à dimensão social dos artigos 182 e 183 da CF 88, assim como ignora a
importância das dimensões econômicas, urbanas, ambientais e de governança para alcançar
o direito à cidade. As cinco dimensões são fundamentais na dinâmica urbana no solo, no
sub-solo e no solo criado e igualmente sujeitas a atos lícitos e atos ilícitos. As quatro
dimensões acrescidas sendo tão inerentes e essenciais à condição urbana como a função
social que a atual legislação urbana privilegia a partir de dispositivo constitucional
baseado no "direito à O qual corresponde aos "feixes de integrados pela
política urbana" (sic).

Quanto ao lícito/ilícito, qualquer decisão, quanto a um ou outro, depende da


existência de marco jurídico sólido e interdisciplinar que, entende-se aqui, precisa abranger
aos múltiplos fatores e atividades que ocorrem nas cidades e que ultrapassa o conceito
adotado de direito urbanístico. Um "novo direito urbano" (direito urbano
corresponde à integração de de cada de leis" vinculado ao território urbano.
Como ocorre naqueles que tratam de aspectos tributários, ambientais, econômicos,
arqueológicos, de segurança, de recuperação urbana, e outros.

Isso porque, sem as varetas dos feixes de leis que são exigidas pela gestão e
governança do território urbano municipal e metropolitano, a utopia do direito à cidade não
será alcançada.
A questão extrapola, é bem verdade, o tema central da conferencista, mas sustenta os
conceitos que adota e constitui uma questão fundamental para estabelecer um direito urbano
para gestão e para governança urbana e, por extensão, que demarque a fronteira
do lícito/ilícito e da corrupção urbanística de forma ampla, transparente e integral.
*** *** ***
Voltando à conferência, a Prof. Vanêsca expôs o conceito de
como produtos do entendimento que "corrupção/não corrupção são facetas de uma mesma
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moeda, a corrupção é dos sistemas e não das pessoas, motivo pelo qual precisamos enxergar
16
os espaços abertos/propícios para incidir. Isso porque o "ilícito se transforma em lícito
devido às "fragilidades contumazes que facilitam e oportunizam espaços corruptivos de
nosso sistema jurídico. Como exemplo cita:
"Excesso de discricionariedade administrativa, enorme espaço para concentrações
administrativas, a falta de controle dos processos urbanísticos, a carência de
publicidade das regras, a falta de publicidade dos instrumentos e das possibilidades
existentes, o enorme número de legislações e a precária informação destas."
Por isso há que possibilitam a adoção de intervenções personalíssimas,
muito vez casuísticas, que atentam contra o princípio da mas sem avaliar
se o casuísmo é necessário ou não, se é a única forma de resolver problemas criados por
normas administrativas conflitantes ou por conflitos do próprio direito urbano com outros
ramos do direito que afetam o uso do território. E conclui lembrando o procedimento de
"criar dificuldades para vender facilidades."
Para reduzir espaços corruptivos e vencer fragilidades sugere a adoção de práticas
inovadoras tal como descritas pelo Jurista Fernando Correia, quando tratou da adequação do
direito urbanístico português ao desenvolvimento sustentável exigido pela União Europeia
(UE). E aponta para possível criação de normas de desenvolvimento urbano sustentável para
evitar casuísmos, por exemplo, no processo participativo, em núcleos habitacionais de
interesse social, na expansão urbana, na preservação de sítios históricos. Temas importantes
que não avançam porque, destaca a conferencista, não dispomos de estudos com a qualidade
exigida para orientar a elaboração de marcos jurídicos e normas administrativas de
qualidade. E conclui lembrando o limitado impacto de planos diretores como componente
inerente ao direito plural da sustentabilidade urbana, na ocupação do território urbano.
*** ***
A palestra trata do licito/ilícito e da corrupção urbanística, mas licito/ilícito é tema
mais amplo porque produzido por inúmeras causas. As fragilidades contumazes, por
exemplo, acontecem por inúmeras razões e muito dos ilícitos que ocorrem se devem:
A falta de normas jurídico-administrativas para cada instrumento urbanístico da
legislação vigente. Essa ausência de normas complementares mais precisas, com
definição de procedimentos, responde pelo escasso uso de instrumentos que o

16
PRESTES, V., e-mail, op.cit.
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Estatuto da Cidade oferece. Assim como responde pelo múltiplo e heterodoxo


entendimento conferido ao uso do "nome" de instrumentos do direito urbano. Um
exemplo sendo o planejamento participativo, adotado em Portugal e no Brasil e
citado pelos conferencistas, como Fernando Alves Correia quando destaca a
importância da participaçã no planejamento para que o "cidadão não seja mais o
objeto e fique "face a face" com os setores público e privado. Como acima indicado.
Mas para que isso aconteça, o processo participativo português adota normas e
procedimentos bem definidos, com cada reivindicação ao poder público sendo
sustentada por arrazoados bem fundamentados. No Brasil, como descrito na
literatura17 e como sabem todos com experiência em processos participativos
presenciais, as assembleias com frequência assumem caráter populista, por vezes
anárquico, onde cada um verbaliza e exige que sua reivindicação seja aceita. O que,
em tempos de COVID 19, fomenta forte rejeição à presença virtual que novas
tecnologias propiciam e que fortalece a participação da população e apresentação
democrática de propostas e reivindicações.
O cipoal administrativo observado na gestão e na governança urbana é fragilidade
contumaz produzida pelos atuais marcos jurídicos. Primo: porque os inúmeros ramos
do direito que afetam cidades não foram integrados e compatibilizados. Segundo,
porque não há normas complementares de qualidade e, por último, porque não há
marcos legais atualizados que viabilizem a inovação, eficiência e eficácia oferecida
por bons gestores urbanos, pelo setor privado e pela população, para promover justiça
social, incentivar a economia, fortalecer o meio ambiente e aperfeiçoar a qualidade
de serviços urbanos essenciais.
A precariedade do sistema jurídico administrativo que incide sobre o território
urbano e "rústico" dificulta a definição das ilicitudes e limita a adoção de medidas
administrativas e punições. Esta deficiência fortalece as ilicitudes urbanas e deveria ser uma
prioridade de direito urbanístico Desde normas de desapropriação à
modernização de relações e parcerias público / privadas para atender novos padrões de
demandas, incluindo-se aí novas práticas e novas tecnologias, as quais exigem regras claras
e transparentes. Esta iniciativa é necessária para vencer a caducidade e dar mais flexibilidade

17
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves e MONTANDON, Daniel T., org., Os Planos Diretores MUNICIPAIS Pós-
Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro. Letra Capital, Observatório das Cidades.
IPPUR/UFRJ, 2011.
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executiva a marcos jurídico-administrativos, em muitos casos buscando inspiração nas -


do direito saxônico as quais correspondem, a grosso modo, às normas da ABNT
sobre o conteúdo de Planos Diretores ou aos conceitos e perímetros de regiões
metropolitanas e aglomerados urbanos definidos pelo IBGE.

O impacto dos espaços corruptivos devidos à falta de normas e legislação qualificada


torna-se mais visível a partir de estudos comparativos com outros países. Como acima
lembrado, em situações em que o sentido de um conceito muda de sentido a cada instante,
ou quando comparado com o adotado em outros países. Isso ocorre com inúmeros conceitos
e instrumentos jurídicos citados no Estatuto da Cidade e não faz sentido usar a mesma
palavra como sinônimo quando as condições são diferentes, ou quando estamos aquém da
maturidade e qualidade, por exemplo, do direito ibérico ou colombiano. Tanto na teoria
como na prática.

Para estabelecer um direito urbanístico maduro e consistente é necessário integrar


conceitos abstratos que orientam o direito urbano (metadireito) em instrumentos e práticas
administrativas utilizadas para sua concretização. O atual distanciamento incentiva a
ilicitude urbana e a incerteza quanto a aplicação prática daquilo que o direito urbanístico
oferece, e permite que a "inteligentzia" se manténha alheia às demandas e dificuldades da
gestão, governança e de carências da cidadania.

A ilicitude também é reforçada pelo fato de que cada estado, município, entidade ou
cidadão aplica as normas legais na forma que melhor lhe convém. Como ocorreu com
estados na questão metropolitana e como acontece quando quando os municípios adotam
conceitos e normas como melhor lhes parece. Uma autonomia que cria uma colcha de
retalhos na gestão e planejamento do território nacional. Na prática, temos hoje cerca de
5.700 "repúblicas cada uma com suas normas urbano-territoriais, enquanto que
ilicitudes só serão reduzidas quando o direito urbanístico for homogeneizado e qualificado.
Para tanto sendo necessário incluir -laws" que estabeleçam, por exemplo, o padrão
cartográfico nacional para planos diretores, tributação, meio ambiente e tudo mais. Ou para
estabelecer o conteúdo e procedimentos para elaboração, aprovação e implantação de planos
urbanos, com procedimentos diferenciados segundo a escala territorial e experiências no país
e no exterior.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

155

Em resumo, para combater o processo corruptivo é necessário dispor de


direito urbanístico dotado de marco jurídico O qual integre diferentes áreas da
ciência urbanística e estabeleça as normas administrativas e procedimentos de gestão,
governança e participação que permitam decisões rápidas, eficazes e transparentes. Por
enquanto não temos marcos jurídicos sólidos para territórios urbanizados. O que há são leis
urbanas tricto cada uma delas tratando de um setor especifico de atividade no solo,
sub-solo e solo criado.
*** *** ***
Quanto ao Estatuto da Cidade (EC), os conceitos de "pré-Estatuto" e pós-
que Vanêsca Prestes adotou na conferencia sintetizam a importância que confere ao Estatuto
como marco temporal do direito urbanístico e como
normativo que trouxe conceito jurídico de cidade sustentável, "rompeu
com o paradigma urbano/rural (planos diretores também legislam sobre a área
, respeitadas as competências constitucionais do direito agrário), criou
instrumentos urbanísticos, disciplinou os instrumentos para regularização fundiária,
estabeleceu procedimentos de planos (destaque nosso)
Lembra também que o Estatuto da Cidade exige planejamento participativo e
estabelece
"o direito às cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia,
ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços
públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.
O direito às cidades sustentáveis envolvendo direitos de cada uma das atividades
citadas, com cada atividade adotando um ramo especifico da teoria de direito, o que tornaria
necessário integrar a pluralidade de direitos inerentes à cidade sustentável. O que implicaria
em ampliar o marco teórico do direito urbanístico para inclusão de áreas do direito puro e
aplicado, até consolidar o conceito jurídico de cidade sustentável.

O tratamento jurídico da cidade sustentável seria, portanto, mais do que o direito


urbanístico visto que o jurídico das cidades precisa ser
compreendido e reafirmado pois engloba um conceito complexo, um feixe de direitos que
precisam coexistir." Em outras palavras, o tratamento jurídico de cidades não corresponderia
apenas ao direito urbanístico, mas sim a um "feixe de dotados de um conceito
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

156

integrador que permitisse definir o marco jurídico regulatório para áreas de territórios urbano
e de expansão urbana.

*** ***
A importância que Vanêsca Prestes atribui ao Estatuto da Cidade, como marco do
direito urbano brasileiro, é indiscutível, ao contrário de seus comentários sobre o passado e
sobre aspectos de nosso direito urbanístico. Como quando observa que o EC
"rompeu com o paradigma urbano/rural (planos diretores também legislam sobre a
área rural, respeitadas as competências constitucionais do direito agrá mas
Hely Lopes Meirelles escreveu que 'Plano Diretor' ou 'Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado' (PDUI), como modernamente se diz, é o complexo de
normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do
Município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela
comunidade local." Definição que corresponde às práticas adotadas por IBAM e
SERFHAU, por Prefeituras e por empresas de consultoria durante as década dos 60
aos 80.18
"criou instrumentos mas a grande maioria dos instrumentos do EC
foi copiada do PL 775/83, que, na época, tramitava na Câmara Federal. Victor
Carvalho Pinto tratou desse tema em sua conferencia (ver abaixo) e Roberto Bassul
descreve o fato em sua dissertação de doutorado.19 Vale destacar que o EC
transcreveu, a grosso modo, a maioria destes instrumentos, mas não há normas legais
para seu uso.
disciplinou os instrumentos para regularização fundiária mas ainda carecemos de
marco jurídico que corresponda à magnitude do problema da regularização fundiária
. Apesar dos esforços administrativos do Ministério das Cidades e programas do BID.
estabeleceu procedimentos mínimos para planos diretores, mas sem definir objetivos
e o conteúdo mínimo dos planos. O que resultou em planos diretores urbanos pré-EC
serem idênticos aos planos diretores urbanos pós-EC.
Decorridos 20 anos do Estatuto da Cidade e 40 anos do Movimento da Reforma
Urbana, o impacto do direito à cidade no marco jurídico urbano, assim como na gestão,

18
MEIRELLES, H.L., op. cit., ps. 101, 102. Ver Direito Municipal Brasileiro, do mesmo autor. e FERRARI, Celson.
Curso de Planejamento Municipal Integrado - Urbanismo. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1977.
19
BASSUL, Roberto. Estatuto da Cidade- Quem ganhou? Quem perdeu? Brasília. Senado Federal, 2005
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

157

cidadania e governança urbana, ainda não foi devidamente avaliado. Há opiniões favoráveis,
outros acham que a lei "não colou" e outros entendem que pouco mudou com o EC.
Dentre os aspectos mais comentados, pelos que utilizam o EC, está a falta de normas
legais complementares da União, de Estados, IBGE e da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT) quanto ao uso dos instrumentos; a falta de segurança jurídica para
aplicação das normas vigentes na elaboração e implantação de planos diretores de
ordenamento urbano e, em especial, no uso do planejamento participativo. Outros apontam
demandas e instrumentos não previstos no EC para atender novas demandas (reparcelamento
do solo, "retrofit" urbano e edilício), assim como a necessidade de atualizar normas legais
que caducaram, como a lei de desapropriações. Por último há também aqueles que apontam
para a quantidade de direitos que a CF 88 e várias leis garantem ao cidadão, mas sem indicar
a quem cabe o provimento do serviço.
# # #
A metáfora-paradigma da Prof. Vanêsca Prestes, para coexistência de diferentes
áreas do direito, corresponde a mais criativo e instigante momento de sua conferência. O
ponto de partida são os balões que englobam "feixes de da sustentabilidade urbana
e que estão abrigados dentro de um cilindro. Cada balão corresponderia a um direito
constitucional meio-ambiente, moradia, patrimônio cultural (material e imaterial),
acessibilidade, mobilidade, gestão democrática, propriedade, saneamento básico, dentre
outros.
Sua metáfora tridimensional para coexistência de "feixes de e "feixes de
(conceitos usados como sinônimos) foi de como se
diante de um cilindro dentro do qual há vários balões. Estes balões
representam os direitos hoje protegidos e não podem furar, precisam viver em
equilíbrio, pois a função da cilindro é garantir a coexistência de todos, sendo uma
especie de proteção a corrosão destes."
O entendimento sendo de que, se mantidos os balões no cilindro, os "temas
protegidos pela sociedade (estariam livres) das mudanças ocasionais e de composição das
maiorias, característicos do sistema da Isso porque cabe "proteger o espaço do
direito frente decisões politicas e evitar que o espaço do direito seja substituído por decisões
da politica. Tudo para combater o lícito / ilícito, visto que quando o espaço do direito
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

158

rompe com seus códigos e adota decisões assumindo posição política, estamos diante da
corrosão, da corrupção do sistema.
*** ***
Observe-se que, na medida em que cada balão abriga o "feixe de direitos" de uma
atividade inerente à em cada de direitos" estarão definidos os
objetivos, diretrizes e conceitos de competência de cada atividade da sustentabilidade. Mas
será necessário acrescentar de leis" relativos a gestão e governança urbana bem como
para adequação no território.

Cada de corresponde ao direito urbano sensu" porque trata de


uma atividade específica. Em cada feixe de leis haverá, portanto, um certo número de "varas"
que correspondem as aspectos mais abstratos deste ramo do direito e haverá "varas" que
tratam de aspectos práticos da atividade quando aplicada no território municipal. Isso porque
cada "feixe de leis" trata de tópicos abstratos e de tópicos vinculados à prática e aplicação
daquele ramo do direito, com o feixe de cada balão correspondendo a uma atividade do
desenvolvimento urbano sustentável, como meio-ambiente, moradia, patrimônio cultural
(material e imaterial), acessibilidade, mobilidade, gestão democrática, propriedade,
saneamento básico). Além dos balões com "feixes de lei" para saúde, educação, tributos,
cultura, segurança, uso do solo, tecnologias, energia e morfologia.

Em contraponto a harmônica metáfora tridimensional caberia observar que:


os "feixes de leis" com direitos constitucionais, quando utilizados em atividades-fim
do direito urbanístico (gestão, governança e planejamento do território urbano)
precisam ser compatibilizados, de forma consistente, para uso em território
bidimensional.
o direito urbanístico vai além dos "feixes de leis" exigidos pela
sustentabilidade e precisa incluir o direito tributário e orçamentário, o direito
administrativo, as normas do processo participativo, o direito de uso e ocupação do
solo (LUOS) e normas legais que afetam planos diretores municipais e
metropolitanos.
há novas demandas da sociedade, novas expectativas e exigências vindos do mundo
global (Habitat, ONU) e de novas tecnologias que surgem a todo momento e alteram,
de forma mais ou menos impactante, as condições de vida e a dinâmica urbana.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

159

o "cipoal administrativo" vigente, quando fruto do uso isolado de "feixes de


promove a insegurança jurídica e incentiva a ilicitude e a corrupção urbanística.
O desafio que a Vanêsca Prestes nos lança está em como conciliar a tri-
dimensionalidade do direito urbano sustentado (cilindro, balões e "feixes de com a bi-
dimensionalidade do território onde esta legislação será aplicada.

A metáfora que corresponde à aplicação de direito urbanístico "latu seria a de


"amálgamas jurí criados para atender as especificidades de cada área do território
urbano. O amálgama, similar a uma capa abstrata de "asfalto jurídico", consolidaria normas
legais que incidem sobre aquele território ou zona urbana especifica. O amálgama de cada
zona urbana seria produzido a partir da integração de "varas" (itens) retiradas de cada feixe
e que tratam das condições naturais e do uso desejado para aquele pedaço especifico de
território que é espaço bi-dimensional cartesiano.20

Os preceitos de cada ramo do direito precisam ser integrados e harmonizados para


aplicação no território. O direito urbano "stricto sensu" de cada "feixe de no espaço
tridimensional precisa ser mesclado em direito urbano "lato sensu" bidimensional para uso
no território. O que corresponde a compatibilizar o conteúdo de diferentes áreas do direito
sensu" sobre aquele território especifico. Um problema que não foi plenamente
resolvido em planos diretores elaborados a partir do IBAM e do SERFHAU, no século
passado, e que permanece no PDUI exigido pelo Estatuto das Metrópoles.

Este desafio não pode ser ignorado porque a territorialização do direito urbanístico é
condição "sine qua non" para promover a implantação ("enforcement") de normas urbanas
destinadas a melhorar as condições de vida da população mediante implantação do ideário
social, econômico, cultural, ambiental e urbano de nossos dias. Bem como por ser essencial
para combater a corrupção urbana e o licito / ilícito que observamos nas atividades
multifuncionais de cidades e metrópoles. Onde infraestrutura e práxis urbana têm nas
atividades econômicas, sociais e ambientais seu tripé de sustentação.

20
O território é um espaço cartesiano bidimensional quanto a usos e funções. O somatório de pontos cartesianos (x,y)
determina a dimensão do território dedicado às cada uma das diferentes funções urbanas (habitação, meio ambiente,
serviços, etc).Aos eixos cartesianos horizontais podem ser acrescidos eixos cartesianos verticais que definiriam fatias
("slices") verticais sobre linhas traçadas no território. Poderiam servir para mostrar o skyline de cada cidade, bairro, rua,
parque. Eixos cartesianos verticais que permitem planejar e/ou avaliar a morfologias e as funções da urbanização vertical
em diferentes áreas da cidade.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

160

Comparando com o passado, a Constituição estabelece hoje a dominância dos valores


sociais e tangencia o econômico e o social. Antes, o desenvolvimentismo foi a grande utopia
e o direito econômico era mais relevante que o direito urbanístico na avaliação de projetos
urbanos. Como ocorreu no julgamento do projeto de Lucio Costa para a Barra da Tijuca,
cuja morfologia foi deturpada por decisão judicial que privilegiou o direito econômico e
alterou morfologia e funcionalidade urbanística de projeto aprovado em lei municipal. Hoje
assistimos a dominância do social frente ao urbano e ambiental.
*** *** *** ***
O tema da conferência de Victor Carvalho Pinto na OAB/RS foi Presente
e Futuro do Estatuto da e sua opção dar prioridade ao passado e o futuro. Lembrou
sua relação pessoal com o tema visto que o Projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano (PL
775/83)21 que inspirou o EC surgiu quando era estudante. Depois participou do Fórum
Nacional Movimento da Reforma Urbana, apoiou trabalhos da Constituinte e fez a defesa
("advocacy planning") do Estatuto da Cidade (EC). No Senado Federal, onde trabalha há 19
anos, atua no aperfeiçoamento das leis e não em sua aplicação. É essa prática profissional
que orienta sua avaliação sobre o futuro do EC.22

Na gênese do EC destaca o projeto de lei PL 775/83, cuja origem remonta à minuta


de projeto de lei elaborado no âmbito da Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e
Política Urbana (CNPU) criada em 1974, a partir da iniciativa de Hely Lopes Meirelles,
Jorge Guilherme Francisconi e Claudia Dutra 47 anos atrás23. Vale lembrar que a primeira
minuta foi aprovada pela CNPU em 197624, depois divulgada e debatida até ser finalmente
revisada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU) para envio, em
1983, ao Congresso Nacional, com pareceres dos Juristas Hely Lopes Meirelles e Miguel
Reale 38 anos atrás. O texto foi retirado da pauta da Câmara dos Deputados pelo
Executivo Federal, em 1995,25 mas o PL 775/83 influenciou a Constituição Federal de 1988,

21
O Projeto de Lei dispunha os objetivos e a promoção do desenvolvimento urbano e dá outras providências."
22
Responsável solitário pelo texto, agradeço ao palestrante pela leitura e correções de versão preliminar.
23
A CNPU, no transcorrer de 1976 / 1978, elaborou e aprovou dois projetos de lei: a minuta da futura Lei nº. 6.766/79,
que trata do parcelamento do solo urbano, e o "anteprojeto da Lei de Desenvolvimento Urbano", publicada no jornal O
Estado de São Paulo em 24 / 05 / 1977, depois transformado no PL 775/83. Ver
https://www.jorgefrancisconi.com.br/2021/09/o-anteprojeto-da-lei-de-desenvolvimento_8.html
24
A minuta de minuta do projeto ide lei que trata do sistema nacional de planejamento e do desenvolvimento urbano foi
aprovada pelos membros da CNPU em reunião realizada em Curitiba, em julho de 1976.
25
O Projeto de Lei do Estatuto da Cidade surgiu no Senado Federal em 1989. Projeto de Lei nº181 de 1989 Estabelece
diretrizes gerais da Politica Urbana e dá outras providências."
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

161

vários de seus itens foram transcritos no Estatuto da Cidade (EC) e, nas décadas seguintes á
sua apresentação, tornou-se objeto de dissertações e teses, de mestrado e doutorado, no
âmbito do direito, arquitetura e geografia.

Dentre tópicos da PL 775/83 que foram incorporados ao projeto de lei e constam no


EC, Victor Carvalho Pinto lembrou itens do artigo que define Diretrizes (Art. 2º) e
instrumentos jurídicos como:26 (i) parcelamento, edificação e utilização compulsórios
(PEUC), o que permitiu que poucos municípios legislassem sobre seu uso, mas sem chegar
à desapropriação; (ii) o direito de preempção, uma alternativa à desapropriação e criação de
Banco de Terras por municípios e estados, não há exemplos a citar; (iii) a transferência do
direito de construir (TDC), adotado em inúmeras cidades grandes; (iv) o direito de superfície,
conceito que consta no Código Civil; (v) as diretrizes de regularização fundiária, que
permanecem insuficientes e foram complementadas pela Leis 11.977/2009 e 13.465/2017;
(vi) o direito de o ministério público e associações comunitárias questionarem o
cumprimento da lei, que tem sido escassamente adotado, e (vii) o planejamento
metropolitano, que é mencionado no EC e objeto do Estatuto da Cidade, mas que não
avançou no país. Alguns instrumentos indicados no PL 775/83 e previstos na legislação
vigente tem sido utilizados em algumas poucas grandes cidades, como São Paulo, Curitiba,
Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife, como o Usucapião coletivo, Legitimação fundiária,
Outorga onerosa de alteração de uso, Outorga onerosa do direito de construir, além dos
exemplos de Operações consorciadas em Sao Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba; de Estudos
de impacto ambiental (EIV) vários municípios, ao que somam-se exemplos depressivos de
uso de novos instrumentos.

O PL 775/83, lembrou Carvalho Pinto, também inspirou a edificação compulsória e


inserção da questão metropolitano na CF 88, além de, lembro eu, oferecer proposta sobre
responsabilidades e papel da União, de estados e de municípios no desenvolvimento urbano,
incluir a habitação como serviço comum de interesse metropolitano e proibir "urbanização
que limite o livre e franco acesso às praias e ao mar."

Carvalho Pinto lembrou as - do PL 775/83 que não foram nem


incorporadas ao EC nem utilizadas em novos projetos de lei, tais como: (i) Coeficiente de

26
Informações sobre uso de instrumentos do EC foram obtidas aleatoriamente. Não encontrei estudos qualificados do
tema.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

162

Aproveitamento (CA) = 1, que passaria a ser adotado em cidades sem planos diretores para
estimular o planejamento urbano; (ii) Medidas de salvaguarda visando suspender a análise
de projetos pelas prefeituras sempre que novo PDU fosse apresentado para, assim impedir o
protocolo de projetos em conflito com o novo PDU; (iii) Macrozoneamento que estabelece
e define cindo tipos de áreas especiais: de urbanização preferencial, de renovação urbana, de
urbanização restrita, de regularização fundiária e de integração regional; (iv) Cumprimento
obrigatório do PDU municipal pela União e pelos estados, um problema frequente visto que
nem mesmo as Prefeituras respeitam PDs; (v) Expansão urbana para 10 anos, com projeção
demográfica para definir a área a ser urbanizada; (vi) Licenciamento para edificação, o que
difere da exigência de autorização prevista na Lei 6.766/79 para parcelamento do solo, a
autorização permitindo ao poder público negar o parcelamento solicitado de forma
discricionária.

*** ***
Quanto ao Estatuto da Cidade (EC), seu entendimento é de que o Estatuto incorporou
itens que se somaram aos transcritos do PL 775/83, mas sempre orientados para o futuro e
ignorando o presente. Por conta deste enfoque, que chamou de desenvolvimentista , o EC
incluiu nem excluiu o zoneamento , ignora temas como o parcelamento do solo e
demandas urbanas quando excluiu conservação, reforma, reabilitação e regeneração urbana
da edificação e da cidade. Mais importante, o EC não tratou da desapropriação, que é hoje o
mais importante instrumento do setor público para "alterar a cidade e que
permanece regido por decreto lei de 1941 (DL 3.365/41).

Questões igualmente ignoradas pelo EC são suas interfaces com normas de


patrimônio, meio ambiente, mobilidade, saneamento e outros, além de questões da prática
urbanística, como zoneamento; objetivos e conteúdo de plano diretor; reparcelamento, uso e
ocupação do solo urbano, códigos de obras e o poder de polícia. Sem esquecer a questão
metropolitana, acima mencionada.

Lembrando a metáfora da Doutora Vanêsca, sugeriu o Urbanismo como sendo o


cilindro recipiente de balões, cada um com seu "feixe de lei" e convivendo de forma
independente. Cada balão com uma atividade que, para uso no território urbano, precisará
ser integrada com outras. E destacou que "isso está mal A começar pela
zoneamento urbano, que não consta no EC e que, salvo no Rio Grande do Sul, não integra
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

163

leis de planos diretores. Fato que cria conflitos jurídicos, os quais estão sendo reforçados por
novas leis, como aquela que trata de situações de risco e que exige inscrição em Cadastro
Federal que sequer existe.

Analisando o presente apontou para o limitado uso de instrumentos criados pelo EC


e, de olhos no futuro, destacou a necessidade de marcos jurídico regulatórios que tratem de
(i) reparcelamento do solo, tema ignorado e necessário para reconverter, por exemplo, áreas
industriais, áreas degradadas e de baixa renda, ou de uso intensivo; (ii) Código de Obras,
instrumento que, por suas características, é objeto de lei nacional em países onde o direito
urbano está consolidado, como Espanha, Portugal, França, e estados dos EEUU; (iii) Poder
de polícia quanto ao licenciamento, multas, demolições e outros; e (iv) Licenciamento
interdisciplinar para evitar os longos prazos observados na aprovação de projetos e para
integrar os inúmeros laudos setoriais exigidos em normas vigentes.

Victor Carvalho Pinto também destacou que a evolução de nosso direito urbanístico
exige Código de Urbanismo. Algo similar aos adotados em países ibéricos, França e países
saxônicos, aqui com outras denominações. Tema que nos remete ao Código de Urbanismo
ou Lei Geral de Urbanismo citados por Hely Lopes Meirelles,27 mas sobre o qual Carvalho
Pinto vai além porquanto sugere procedimentos e temas para o novo Código, com avaliação
de códigos similares, muitos em vigor desde a década de 1950. Sua proposta aponta para
importância de fortalecer o que chama de de planos o que exigiria
uma normalização mediante regulamentos aprovados por entidades, como a ABNT quando
estabelece o conteúdo de planos diretores. Ou normas técnicas, como os do IBGE para
definir regiões metropolitanas e aglomerados urbanos.

O novo código brasileiro definiria princípios do direito urbanístico, como os citados


pelo jurista Fernando Alves Correa, diretrizes e instrumentos. Dentre os objetivos estaria a
(i) Obrigação de planejamento dotado de especificações sobre (a) Reservas de temas de
planos, com indicação do que deve ser tratado em cada plano e (b) Tipicidade dos planos e
vinculação situacional, com definição dos tipos de planos urbanos a serem utilizados.
bom exemplo sendo Portugal, onde só há os três tipos de planos urbanos (diretor, de
urbanização, de pormenor) e onde nenhum outro tipo de plano urbano é aceito na gestão das
cidades; (ii) Definição da distribuição dos ônus de investimentos de interesse público; (iii)

27
MEIRELLES, H. L., op.cit, p.101
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

164

Recuperação da valorização imobiliária de imóveis a partir de investimentos públicos; (iv)


Ponderação de interesses públicos e privados; (v) Memória vinculante para compatibilizar
estudos com o tempo de cada projeto e assim assegurar que os projetos estejam coerentes
com os estudos preparatórios.

Quanto a "institutos", Carvalho Pinto entende que o Código de Urbanismo deverá


tratar de (i) Tipificação de Plano, com definição do conteúdo material para que o plano seja
auto suficiente; (ii) Forma de Apresentação dos Planos, no entendimento que aos advogados
cabe elaborar texto com a forma jurídica exigida para preservar a tecnicidade do plano
urbanístico; (iii) Normas Cartográficas nacionais padronizadas, em seus aspectos gráficos e
conteúdo, com forma padrão de apresentação que sustente e garanta a tecnicidade do plano
urbano; (iv) Procedimento a ser adotado em consultas públicas, diferente dos procedimentos
a serem adotados em assembleias públicas; (v) Exigências para garantir a coerência de
projetos com o plano urbanístico.

As normas cartográficas oficiais citadas deverão adotar padrões que, em geoportais


e georeferenciamentos, atendam demandas de atividades tributárias, cartoriais, de
planejamento e de estudos, sem esquecer outras questões práticas. Para enfrentar a exigência
de PDUs serem publicados em diários oficiais (DOUs) que só utilizam o preto e o branco,
uma possível solução seria digitalizar e divulgar PDUs em redes de internet. Para isso sendo
necessário avaliar as condições práticas para implantar essa solução.

O Código de Urbanismo deveria estabelecer métodos que fortaleçam a execução dos


planos mediante gestão fundiária proativa, com provisões que suportem o reparcelamento
do solo previstos em planos sem expropriação, em que proprietários se organizam ou
suportam técnica e financeiramente a execução, ou em que há sociedades de propósito
específico a partir da qual o investidor goza do poder de expropriação. Para alcançar o uso
de instrumentos urbanísticos que fortaleçam a interatividade entre setor público e
proprietários cabe aprofundar estudos sobre métodos como o previsto em
normas de Curitiba, similar ao e nunca aplicado. Ou tratar da
aplicação de novos instrumentos, como a reabilitação urbana citada pelo Jurista Fernando
Alves Correa em sua aula magna, e da aceitação legal da terra como capital de empresas, o
que envolve técnicas e estudos bastante sofisticados.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

165

Quanto a disciplina urbanística, foi indicada a inclusão de clausulas sobre o


licenciamento para parcelamento do solo, edificação, obra pública e atividades (alvará de
funcionamento), estudos de impacto de vizinhança (EIV), com indicação das punições que
cabe adotar para combater ilicitudes, tais como multa, embargo, interdição e demolição.
Por último, o conferencista tratou da implementação do Código de
Urbanismo, o qual, por sua natureza intergovernamental (União, Estados, Municípios),
deverá contar com a participação ativa dos estados os quais têm ignorado a questão urbana
ainda que responsáveis pela segurança pública, policiamento, bombeiros, saúde e educação,
dentre outros. Os Estados deveriam integrar o sistema intergovernamental e compartilhar
responsabilidades a partir de Códigos Estaduais de Urbanismo dotados de tópicos
específicos que atendam às características e peculiaridades do respectivo estado. Só assim
haverá o compartilhamento de responsabilidades entre os três níveis de governo, aos quais
se soma o processo participativo. E lembrou que o estado gaúcho é o único que dispõem de
Lei Estadual de Desenvolvimento Urbano28, com estrutura e tópicos similares aos projetos
para leis nacionais de desenvolvimento urbano, dos anos 70 e 80.
*** ***
A Conferência do jurista Victor Carvalho Pinto recuperou a memória da evolução do
direito urbano; avaliou temas atuais ligados à teoria e a prática, e lançou propostas para o
futuro. Como contraponto ao qualificado enfoque conceitual e acadêmico de Vanêsca
Buzelato Prestes, Carvalho Pinto tratou da evolução das políticas públicas e do direito
urbanístico, desde os anos 70 até nossos dias, com criativo olhar para o futuro, quando trata
de temas com os quais, como bem sabe o leitor, tenho mais intimidade. Entendo que os
relatos, críticas e proposições de sua exposição são auto-explicativas, que a proposta para
que o direito urbanístico adote as soft laws" do sistema saxônico é prática, oportuna e
necessária frente ao cipoal administrativo e quantidade de "leis que não Assim como
entender que sua descrição da gênese e evolução do Estatuto da Cidade corrige a narrativa
dominante atualmente adotada e divulgada.

Decorridos 40 anos do Movimento Nacional da Reforma Urbana e 20 anos de


Estatuto da Cidade, é hora de parar para pensar e repensar a instrumentação e a prática
jurídico-administrativa do direito urbano que sustenta a gestão e a governança urbana no

28
Lei 10.116/1994 RS, de Desenvolvimento Urbano. O anteprojeto da lei foi apresentado pelo economista e
ex-prefeito de Porto Alegre, ex-Deputado Guilherme Socias Villela.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI

166

país. Cabe revisar leis que caducaram, aperfeiçoar outras e criar normas legais que
introduzam e/ou aperfeiçoem instrumentos que estão sendo exigidos do direito urbano.
Dentre esses, um Código de Urbanismo que defina bases conceituais, instrumentos
normativos, práticas técnico-administrativas e normas técnicas e processuais, dentre outros
tópicos que serão adotados na gestão, governança, estudos e pesquisas sobre a questão
urbana no país.

*** *** ***


A guisa de conclusão vale lembrar que a aula magna do jurista Fernando Alves de
Moraes indicou rumos para o direito urbanístico brasileiro e que as conferências dos doutores
Vanêsca Buzelato Prestes e Victor Carvalho Pinto indicaram questões e temas,
fundamentais, por vezes como ponto e contraponto, do complexo jurídico
exigido para consolidação do direito urbanístico "latu-sensu" que o país carece. O que,
imagino, tenha sido o objetivo da OAB/RS quando convidou tão qualificados palestrantes.

*** *** *** ***

Brasília, agosto de 2021

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Anais do V Congresso Brasileiro de Direito Urbanistico. Manaus 2008. O Direito


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BASSUL, Roberto. Estatuto da Cidade- Quem ganhou? Quem perdeu? Brasília. Senado
Federal, 2005

BRASIL. Presidência da República. II Plano Nacional de Desenvolvimento 1975 / 1979 .


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