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CONFERÊNCIA DE POLTICA URBANA E A VINCULAÇÃO DO

EXECUTIVO AO PROJETO DE LEI

GONÇALVES, Edra da Silva1

Resumo

Este artigo propõe uma reflexão sobre a conferência de política urbana e a


vinculação do Poder Executivo ao projeto de lei, utilizando-se como exemplo a
experiência de Belo Horizonte e tendo como pressupostos o Estado
Democrático de Direito e o princípios relativos à gestão democrática da cidade.

Palavras-chave: conferência; política urbana; vinculação; executivo; projeto de


lei; gestão democrática.

1. INTRODUÇÃO

O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), ao regulamentar os artigos


182 e 183 da Constituição de 1988, atrelou a política de desenvolvimento
urbano à garantia de cumprimento das funções sociais da cidade e estabeleu a
diretriz de gestão democrática por meio da participação da população, indo ao
encontro da concepção do Estado Democrático de Direito e d o princípio da
cidadania consagrados na Constituição.
Isto fez parte de um processo de ruptura com um modelo tradicional
de planejamento que é objeto de recorrentes críticas quanto ao alcance da
qualidade de vida e à promoção de uma ordem socioespacial justa e
includente. O planejamento urbano passou a ser concebido como um
processo politizado, participativo e construído coletivamente institucionalizando

1 Graduada em Direito (Universidade FUMEC/MG)/Especialista em Direito Ambiental e


Urbanístico (Universidade Anhanguera/UNIDERP/MS)/Consultora Legislativa de Meio Ambiente
da Câmara Municipal de Belo Horizonte (desde 2010).
1
novas instâncias de debate, discussão e deliberação, ampliando as formas de
participação dos cidadãos (GONÇALVES, 2008, p. 15).
As conferências sobre assuntos de interesse urbano estão elencadas no
rol exemplificativo de instrumentos que servem à garantia do princípio da
gestão democrática da cidade do Estatuto da Cidade:

Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser


utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:
I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual
e municipal;
II – debates, audiências e consultas públicas;
III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis
nacional, estadual e municipal;
IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano.

Contudo a previsão legal e a institucionalização desses instrumentos


não implicam necessariamente a efetiva participação dos cidadãos no
planejamento e gestão urbana. No caminho percorrido desde a realização até
os resultados e desdobramentos das conferências encontram-se muitos
desafios para a real influência ou controle sobre as decisões do poder público.
A vinculação do Poder Executivo ao projeto de lei resultante das
conferências que tenham por objeto a elaboração ou a revisão das normas
regentes da política urbana é fundamental para que esse importante
instrumento de participação ultrapasse o caráter meramente formal e
legitimador das decisões que norteiam os destinos da cidade.

2. CONFERÊNCIAS DE INTERESSE URBANO

As conferências de interesse urbano, em alguns municípios


denominadas Conferências Municipais da Cidade ou Conferências Municipais
de Política Urbana “correspondem ao momento de ampliação da participação,
de alargamento das discussões sobre a cidade e de possível articulação entre
as políticas urbanoambientais a partir de discussões temáticas nas diversas
áreas”. (BRASIL, 2004 apud Gonçalves, 2008, p. 135).

Esse instrumento de participação está associado à noção de balanço da


política pública e das ações desenvolvidas pelo poder público e pelos
Conselhos, bem como de definição das diretrizes de planos, programas e
projetos. Pela importância dessa instância, em termos dos assuntos tratados e
do caráter amplo de participação e mobilização, as mesmas devem ser
2
planejadas para atender os objetivos propostos. (SANTOS JÚNIOR;
MONTANDON, 2011, p. 271-273)
As referências normativas mínimas encontram-se no Estatuto da Cidade,
apenas prevendo a realização das conferências nos três níveis de governo, e
na Resolução nº 25/2005 do Conselho das Cidades, que prevê algumas
orientações e recomendações a respeito da aplicação desse instrumento
participativo.
A Resolução submete a aprovação da proposta do plano diretor a
conferências ou eventos similares e dispõe ainda que a elaboração do plano
diretor deve ser articulada e integrada ao processo participativo de elaboração
do orçamento, levando-se em conta as proposições oriundas de processos
democráticos tais como conferências, congressos da cidade, fóruns e
conselhos. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005).
No artigo 10 estão alguns requisitos para a realização das conferências:

Art.10. A proposta do plano diretor a ser submetida à Câmara


Municipal deve ser aprovada em uma conferência ou evento similar,
que deve atender aos seguintes requisitos:
I – realização prévia de reuniões e/ou plenárias para escolha de
representantes de diversos segmentos da sociedade e das divisões
territoriais;
II – divulgação e distribuição da proposta do Plano Diretor para os
delegados eleitos com antecedência de 15 dias da votação da
proposta;
III – registro das emendas apresentadas nos anais da conferência;
IV – publicação e divulgação dos anais da conferência.

Santos Júnior e Montandon (2011) ressaltam que o município tem


autonomia para organizar debates sobre temas de interesse local, sendo
fundamental que esse mecanismo tenha seu funcionamento definido pelo plano
diretor, mesmo porque o Estatuto da Cidade não define os objetivos das
conferências de interesse urbano. Aponta que a maioria dos planos diretores
não estabelece suas finalidades e atribuições.

Observa-se que as conferências de interesse urbano não possuem


disposições básicas ou gerais suficientes na legislação federal e que o poder
de influência no processo decisório e o grau de vinculação aos seus resultados
ficam ao alvedrio da vontade política local e do que dispuserem os planos
diretores e os regimentos internos das conferências, nos casos em que são
realmente incorporadas na prática municipal.

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Frise-se aqui a necessidade de reflexão que Gaio (2015. p. 288) aponta
sobre as causas e técnicas que provocam o esvaziamento da efetividade dos
instrumentos que possibilitariam reduzir as desigualdades socioubanísticas.
Uma dessas causas ou técnicas seria o deslocamento da competência
legislativa para outros entes federativos.

3. COMPROMISSO ALÉM DA FORMALIDADE

Como se infere da análise de Martins Júnior (2005, p. 241-244), os


instrumentos de participação popular previstos no Estatuto da Cidade podem
variar conforme o grau de influência no processo decisório, se consultiva ou
deliberativa; a obrigatoriedade, caso seja essencial ou dispensável; de acordo
a vinculação ou não do resultado, entre outros quesitos.
Sobre o grau de influência no processo decisório, Kapp (2012, p.467), ao
denunciar o papel acessório da participação popular como uma fragilidade
fundamental do Estatuto, observa:

Não que ela [a participação] seja mencionada inúmeras vezes. Mas


que as menções têm justamente aquele caráter vago criticado por
Tuchnet (1984). Como Souza (2006, p.221) analisa com muita
contundência, “a maneira como o Estatuto se refere é, quase sempre,
indefinida – admitindo-se uma interpretação que privilegie, a
depender da Prefeitura, um processo deliberativo ou meramente
consultivo – ou então a tônica é claramente consultiva”.

Kapp (2012), para quem a participação é o cerne do direito à cidade,


afirma ainda que “a participação institucionalizada, orquestrada por técnicos e
administradores públicos para satisfazer exigências formais, não é apenas
insuficiente, mas perniciosa”, pra dizer que ela não alcança a autogestão ou a
autonomia coletiva dos habitantes da cidade, mas “burocratiza, frustra e
arrefece o engajamento.

São também pertinentes os apontamentos de Duarte (2015, p. 31) quanto


ao enfrentamento do descompasso sobre o direito às cidades sustentáveis
versus o déficit de implementação, destacando que o direito à cidade
sustentável pressupõe o direito ao planejamento urbano, o que se constitui
obrigação/dever inarredável do gestor público e que, portanto, deve ser
objeto de um amplo controle social.

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Nesse sentido, os segmentos da sociedade, devem buscar os espaços
de participação existentes, de modo a contribuir diretamente tanto na
construção coletiva da política urbana e das políticas setoriais, como na sua
implementação e acompanhamento, como forma de efetivação da gestão
democrática da cidade, com destaque para a necessidade de consideração das
manifestações e proposições populares:

[...] se impõe ao Poder Público o dever correlato de consideração das


manifestações e proposições populares de modo com que a
participação da sociedade no planejamento e gestão urbana não seja
considerada apenas uma formalidade, mas que, através de uma
efetiva participação, possa a mesma exercer o seu direito à produção
dos espaços sociais. (DUARTE, 2005)

Ao abordar as audiências públicas, Santos (2011) defende a


necessidade de um mínimo de fundamentação em relação a decisões que
excluem o cumprimento de determinadas deliberações, sob pena de
comprometer a completude do processo dialógico estabelecido com as
discussões.
Segundo a autora, seria um dever de resposta dialógica em que o Poder
Público assumiria o seu papel de confirmador da democracia ao manifestar a
relevância da participação para as suas decisões, ainda que o conteúdo final
não seja realizado, abrindo-se um espaço de confiabilidade no âmbito decisório
e afastando-se os riscos de banalização dos procedimentos participativos.
Nesse sentido corrobora Araújo apud Guimarães (2014, p.81):

[...] Isto significa que as demandas urbanas, objeto de regulação nos


planos diretores municipais, devem ser definidas por consenso entre
sociedade civil organizada e poder público local. Assim, ao
estabelecer a participação popular como requisito de validade do
planejamento urbano, o Estatuto da Cidade vincula tanto a validade
formal, como a validade material e a legitimidade da política de
desenvolvimento urbano ao processo dialógico de produção da lei
plano diretor e da execução dos direitos que dela decorrerem [...]. Tal
processo dialógico se manifesta por meio de fóruns participativos das
mais diversas naturezas: audiências públicas, conselhos gestores,
orçamentos participativos etc. que vinculam o processo de produção
das regras e princípios norteadores do planejamento urbano de cada
cidade brasileira.

Martins Júnior (2005, p. 264), considera os institutos do art. 43 como de


participação orgânica não corporativa (consultiva ou deliberativa); de influência
no processo decisório e de provocação, bem como de complementaridade em
relação aos demais especificamente previstos para o plano diretor, ou seja,

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somam-se às audiências públicas e debates. Defende que o rol exemplificativo
do art. 43 é de emprego obrigatório e vinculado.
Ao tratar das audiências públicas, afirma o autor que as mesmas
possuem eficácia vinculante, podendo ser absoluta, em que a atuação
administrativa se dá conforme o resultado, ou relativa, no que tange à
obrigação de motivar suficientemente uma decisão contrária ao resultado,
sendo que a primeira exige previsão legal.
Quando diferencia os momentos de realização das audiências e sua
consequente eficácia, pondera que a audiência ocorrida na fase instrutória do
processo administrativo importa intensidade informativa mediante o debate,
não sendo vinculante para a decisão. Porém, se a audiência for feita na fase
decisória, o seu resultado será vinculante, desde que haja previsão legal
explícita, uma vez o efeito vinculante não se presume, por importar renúncia de
poder (art. 48, X e XI c/c 61, § 1º, II, e, c/c 84, II, CF/88).
Nota-se que os entendimentos até aqui colacionados revelam a
necessidade do real compromisso com as finalidades dos instrumentos de
participação, dentre as quais se destacam a reformulação das relações entre a
Administração Pública e os administrados (consenso, adesão, confiança,
colaboração); a limitação à discricionariedade administrativa e o aumento do
grau de correspondência entre as políticas públicas e as demandas sociais,
conforme as finalidades elencadas por Martins Júnior (2005, p. 241).
Do ponto de vista do Direito Administrativo, em muito contribuem os
entendimentos de Furquim (2014, p. 100), uma vez que critica a intensa
atividade discricionária da Administração em matéria de planejamento urbano,
preponderância que considera inadmissível no Estado Democrático de Direito.

Na verdade a autora considera que o poder de planejamento é um


exercício do poder normativo inovador e de conformação do Poder Executivo,
mesmo quando subordinado à aprovação legislativa. Cumpre ao Executivo:

Avaliar os dados e as demandas, analisar interesses privados, definir


interesses públicos, efetuar juízos de ponderação e de racionalidade
e, ao final, elaborar um instrumento piloto apto a ser posto em
discussão pública pela comunidade envolvida e, posteriormente, a ser
deliberada pelo Poder Legislativo. (FURQUIM, 2014, p. 105)

Ao analisar o processo de elaboração do plano diretor, a autora defende


a necessidade de se estabelecer mecanismos de controle externo dessa
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atuação estatal. Defende também a necessidade de estudos jurídicos mais
acurados sobre a condução de estudos prévios à edição das normas
urbanísticas pelo Executivo, já que se trata de um processo sujeito a muitas
pressões políticas. (FURQUIM, 2014, p. 113).
Sem limitações expressas a essa atuação administrativa e sem
vinculação aos resultados dos instrumentos de participação, não há conexão
com as reais demandas da cidade. Dos princípios da Administração Pública,
quase todos merecem destaque nesse sentido, como o da participação, o da
transparência, o da publicidade, o da eficiência e o da motivação.
Sob a perspectiva do Direito Processual, Thibau (2014, p. 122) defende
que apenas o Processo, numa perspectiva neoinstitucionalista, mostra-se apto
à inserção do povo nos atos de gestão da cidade, tendo em vista a fiscalidade
constitucionalmente estabelecida. Ressalta que é indispensável que o direito
urbanístico assuma sua autonomia teórico-cientifica para situar o povo como
sujeito fundamental no estabelecimento dos destinos da cidade.
Para que a gestão urbana seja compartilhada, Thibau (2014, p. 137)
afirma ser indispensável que os discursos destinados à tomada de decisões
relevantes no recinto da cidade sejam regidos pelos princípios do contraditório,
da ampla defesa e da isonomia, bem como que as decisões do povo
apresentem-se como vinculantes quando da implementação fático-jurídica dos
atos de gestão relativos ao tema que foi objeto de deliberação.

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4. AS CONFERÊNCIAS MUNICIPAIS DE POLÍTICA URBANA EM
BELO HORIZONTE

Em Belo Horizonte compete ao Conselho Municipal de Política Urbana


(COMPUR) realizar, a cada quatro anos, a Conferência Municipal de Política
Urbana (CMPU), conforme dispõe o Plano Diretor instituído pela Lei Municipal
nº 7.165/96, devendo realizar-se no primeiro ano de gestão do Executivo e ser
amplamente divulgada e aberta à participação da sociedade. Destaque-se que
o Plano Diretor e a I Conferência se deram antes mesmo da promulgação da
Lei do Estatuto da Cidade.
O artigo 82 do Plano Diretor dispõe que a CMPU possui os objetivos de:
I) avaliar a condução e os impactos da implementação das normas contidas
nesta Lei e na de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo; II) sugerir alteração,
a ser aprovada por lei, das diretrizes estabelecidas nesta Lei e na de
Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo e III) sugerir alteração no cronograma
de investimentos prioritários em obras.
Ao longo das quatro conferências já realizadas percebe-se o
aprimoramento das dinâmicas de participação de um modo geral, porém a
periodicidade da realização nem sempre foi cumprida e ao longo das edições
desses eventos ocorreram fatos que sinalizam um distanciamento entre o
poder da participação e o poder da decisão.
Segundo Gonçalves (2008, p. 136), a I CMPU (1998/1999) contou com a
organização de grupos de trabalho temáticos, abertos à participação, que
originaram relatórios contendo propostas relativas ao Plano Diretor e à Lei de
Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo. Também foram realizadas pré-
conferências setoriais, cujo objetivo foi a eleição dos delegados de cada setor –
Executivo, Legislativo, setores técnico, empresarial e popular - para a
Conferência e a apreciação dos relatórios provenientes dos grupos de trabalho
temáticos, com apresentação de propostas de alteração aos mesmos.
(Gonçalves, 2008, p. 136)
De acordo com o histórico feito por Gonçalves (2008, p.133-137), um
fato que merece destaque é a forma como foi aprovado o projeto de lei
originário dessa primeira conferência, uma vez que:
Após todo o esforço democrático empreendido pelo COMPUR na
realização do evento, chega-se a um desfecho que parece contrariar
todas as expectativas. Os projetos de lei originários das deliberações
dessa Conferência foram solenemente apresentados à Câmara
Municipal, pelo Poder Executivo, como expressão de uma nova fase
do planejamento urbano. No entanto, em fevereiro de 2000, foram
retirados de tramitação pelo Executivo. O conteúdo de ambos,
acrescido de outras propostas, deu origem a uma emenda que
substituiu integralmente um outro projeto de lei que tramitava. Tal
emenda, que originou a Lei n° 8.137/00, promulgada em 21 de
dezembro de 2000 - nos instantes finais da 13° legislatura -, não foi
objeto de uma discussão ampliada promovida pelo Legislativo.

A II CMPU (2001/2002) incluiu um ciclo de palestras para capacitação


dos participantes, além de pré-conferências temáticas e regionais (para discutir
a “cidade que somos”), envolvendo quase três mil pessoas e elegendo 244
delegados para sua etapa final. A conferência propriamente dita seria para
definir propostas para a “cidade que queremos”.
As propostas originadas da mesma implicaram significativas alterações
na legislação urbanística, porém o respectivo projeto de lei teve uma longa
tramitação no Poder Legislativo. Gonçalves (2008) aduziu à época de sua
análise (2008) que a dificuldade de aprovação do projeto de lei parecia
confirmar o abismo entre a participação e o poder decisório e a prevalência dos
velhos interesses do mercado em detrimento de acordos firmados
coletivamente.
Sinalizou ainda uma “sociedade desmobilizada e incapaz de persistir na
luta pelo que acredita ou caracterizar um descolamento entre a proposta
contida no projeto de lei e os desejos e necessidades reais da população”.
Concluiu que a ideia de reforma urbana parecia resumir-se à institucionalização
de um instrumental carregado de ideologia e com pouca aplicabilidade prática.
A III CMPU, realizada em 2009, sete anos após a II Conferência, contou
com cinco etapas correspondentes à abertura; realização de plenárias
populares regionais; realização de plenárias técnica e empresarial; capacitação
dos delegados e, por fim, a etapa das deliberações. (COMPUR, 2009).
O projeto de lei que deu origem à Lei Municipal nº 9.959/2010 resultante
da III CMPU trouxe várias alterações para o Plano Diretor (Lei nº 7.165/96) e
para a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo (LPOUS – Lei nº
7.166/96), além de estabelecer normas e condições para a urbanização e a
regularização fundiária das Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS),
dispondo ainda sobre o parcelamento, ocupação e uso do solo nas Áreas de
Especial Interesse Social (AEIS), entre outras providências.
A Lei nº 9.959/10 modificou substancialmente as regras sobre as
operações urbanas no Plano Diretor, criando, ao lado das operações urbanas
consorciadas, a figura das operações urbanas simplificadas (modalidade não
prevista no Estatuto da Cidade). Um fato curioso foi a criação de várias
operações urbanas consorciadas no bojo dessa lei as quais não foram objeto
de discussão na conferência e nem aprovadas por lei específica conforme
determina a Lei nº 7.165/96 – Plano Diretor.

IV Conferência Municipal de Política Urbana

Por fim, em 2014 foi realizada a IV CMPU e seu Regimento Interno


trouxe algumas novidades em relação ao anterior, entre elas o estabelecimento
de um conteúdo de referência para o evento, no caso, os Planos Diretores
Regionais, o Plano de Mobilidade Urbana e os instrumentos de política urbana
previstos no Estatuto da Cidade (art. 1º). (COMPUR, 2014).
Outras mudanças verificadas em relação à conferência anterior foram as
etapas do evento: abertura e plenárias de eleição de delegados; capacitação
dos delegados; atendimento à comunidade e plantões técnicos; conferência
aberta para debates; discussões em grupo das propostas; plenárias finais de
votação e audiências públicas regionais.
A dinâmica de discussão e votação das propostas teve como base os
diagnósticos elaborados com as especificidades de cada Regional, bem
como trouxe uma nova organização dos assuntos a serem discutidos,
passando a classificá-los em seis eixos temáticos: ambiental, habitação,
cultural, mobilidade, desenvolvimento e estruturação urbana.
A página oficial da IV CMPU/PBH disponibilizou maior conteúdo
informativo e trouxe um novo espaço denominado Feedback Setor Popular em
que foram divulgados datas e horários de reuniões para tirar dúvidas dos
delegados do Setor Popular referente à conferência, embora o site não esteja
sendo atualizado como no início do evento.
Dentre as propostas aprovadas destacam-se aquelas relativas ao
acompanhamento dos resultados e desdobramentos da conferência,

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delineando uma etapa pós-conferência. Com isso, foi criada uma comissão,
com representatividade dos setores técnico, popular e empresarial, dentre os
delegados capacitados da IV CMPU, com a atribuição de acompanhar a
elaboração da minuta de Projeto de Lei, bem como o andamento das decisões
da Conferência junto à Câmara Municipal de Belo Horizonte.
Composta por 30 delegados, não há informções suficientes sobre a
atuação desta comissão a não ser, como consta nos anais da conferência,
que a comissão esteve em uma reunião para apresentação da estrutura do
projeto de lei do novo Plano Diretor pela Secretaria Municipal Adjunta de
Planejamento Urbano – SMAPU.
As proposições legislativas resultantes das propostas aprovadas na IV
CMPU estão em tramitação na Câmara Municipal de Belo Horizonte: o PL nº
1.749/15, que aprova o novo plano diretor para o município; o PL nº 1.750/15, o
qual complementa o plano diretor com o detalhamento dos critérios de
aplicação dos instrumentos de política urbana e a Emenda à Lei Orgânica nº
8/15, a qual atualiza dispositivos sobre política urbana.
Frise-se que, no ano passado, foi apresentada a emenda nº 59/16, de
autoria do Executivo, que na verdade é um substitutivo do texto original do novo
plano diretor contido no PL nº 1.749/15. Conforme os dizeres da mensagem
que acompanham a emenda, as principais alterações foram decorrentes dos
plantões técnicos e das sugestões populares encaminhadas.
Sem dúvida, uma etapa pós-conferência, materializada por uma
comissão que possa acompanhar os desdobramentos da conferência,
principalmente na discussão dos projetos de lei dela resultantes, é um
importante avanço em se tratando de transparência e participação, desde que
haja uma composição paritária e representativa, bem como efetiva e diligente
atuação de seus componentes.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na experiência das Conferências Municipais de Política Urbana em Belo


Horizonte percebe-se a fragilidade do vínculo do Executivo ao projeto de lei,
em que pese os aprimoramentos verificados nos procedimentos e informações
que foram sendo incorporados ao longo das quatro conferências já realizadas,

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levando à maior divulgação de informações e ao uso de mecanismos com
potencial de oferecer capacitação, participação e controle.
As possibilidades trazidas pela IV CMPU, em especial o
acompanhamento dos resultados por uma comissão de delegados, ganham
especial relevância nesta análise por trazer novos horizontes de maior
influência da sociedade ao longo do processo, inclusive pós-conferência, e,
talvez, maior responsividade pública.
Considerando-se a variedade dos contextos e experiências dos demais
municípios brasileiros, são muitos os desafios para reverter o papel meramente
acessório ou formal dos instrumentos de participação, destacando-se a
importância das conferências de interesse urbano tanto pelos assuntos tratados
quanto pelo caráter amplo de participação e mobilização que propõem.
Considerando-se que o projeto de lei é o resultado da produção dos
consensos oriundos destas instâncias, a vinculação do Executivo decorre do
direito dos cidadãos à participação no planejmento e na produção da cidade,
assim como a uma proposição legislativa revestida de legitimidade e validade.
Para tanto se tornam necessárias garantias legais e procedimentais
claras que levem à participação ampla e efetiva, bem como ao real poder de
influência e controle da população nas decisões no processo de revisão do
plano diretor, visto que a discricionariedade não deveria prevalecer em matéria
de planejamento urbano e gestão democrática.
Os princípios da Administração Pública, em especial o da
transparência e o da motivação, i l u m i n a m possibilidades de consenso,
adesão, confiança e colaboração na condução desse processo de revisão, mas
não sozinhos, uma vez que é preciso sensibilizção dos atores envolvivos para
maior compromisso com os resultados das conferências. A aplicação dos
princípios processuais do contraditório, da ampla defesa e da isonomia
também poderiam corroborar, conforme Thibau (2014, p. 136), tendo em vista a
importância da construção democrática da cidade.

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REFERÊNCIAS

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Diretor do Município de Belo Horizonte”. Belo Horizonte, 1996.

BELO HORIZONTE. Lei nº 9.959, de 20 de julho de 2010. “Altera as leis n º


7.165/96 e nº 7.166/96, estabelece normas e condições para a urbanização e a
regularização fundiária das Zonas de Especial Interesse Social, dispõe sobre
parcelamento, ocupação e uso do solo nas Áreas de Especial Interesse Social, e dá
outras providências.” Belo Horizonte, 2010.

BRASIL. Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001. “Regulamenta os


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