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Plano Diretor:

conhecendo o principal
instrumento da gestão
democrática municipal

Plano Diretor
O Plano Diretor pode ser definido como um conjunto de preceitos e regras orientadoras da ação
dos diversos agentes que além de construírem também utilizam o espaço urbano. Ele faz parte da lei-
tura da cidade real, envolvendo tanto questões relativas aos aspectos urbanos quanto aos aspectos
sociais, econômicos e ambientais. A finalidade do Plano Diretor não é somente resolver os problemas da
cidade, mas também a de ser um instrumento com definições de estratégias para futuras intervenções,
sendo estas a curto, médio e longo prazos, e servindo também como base para uma gestão democrá-
tica da cidade.
O Plano Diretor é uma lei municipal a ser elaborada com a participação de toda a sociedade, por
isso leva a denominação de Plano Diretor Participativo. Tem como função principal a organização do
crescimento do município, planejando também o futuro de toda a cidade. O Plano engloba tanto as áreas
urbanas como as rurais, definindo diretrizes a serem seguidas por cada uma das partes do município1.
O Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257 de 10 de julho de 2001) regulamenta os artigos 182 e
183 da Constituição Federal de 1988, que tratam especificamente da política urbana. Tem o objetivo de
garantir a todos o direito à cidade, trazendo regras para a organização de todo o território do município.

1 O município no Brasil possui áreas urbanas e áreas rurais. As áreas urbanas são caracterizadas como cidades.

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O Estatuto tem como principal instrumento o Plano Diretor e diz como ele deverá ser aplicado em
cada município, sendo um marco na aplicação de normas e programas para garantir o foco da susten-
tabilidade no desenvolvimento urbano e municipal. Segundo consta no Estatuto, o Plano Diretor deve
conter objetivos e estratégias para os municípios, estabelecendo instrumentos para a implementação
destes.
O Estatuto estabelece também o conteúdo mínimo exigido para o Plano Diretor; a determinação
de como será o acompanhamento desse Plano e o controle de sua aplicação; o caráter obrigatório para
a formulação do Plano para todos os municípios:
::: que possuam mais de 20 mil habitantes;
::: que sejam integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
::: que onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no parágrafo
4.º do artigo 182 da Constituição Federal;
::: que integrem áreas de especial interesse turístico;
::: que estejam inseridos na área de influência de empreendimentos ou atividades com significa-
tivo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.
Além disso, os municípios que já possuem Plano Diretor há mais de 10 anos deverão revisá-los ou
elaborá-los novamente.
O principal objetivo do Plano Diretor é estabelecer a função social da propriedade, de forma a
garantir à população o acesso à terra urbanizada e regularizada, reconhecendo a todos o direito à moradia
e também aos serviços urbanos. Dessa forma, não é apenas um instrumento para o controle do uso do
solo, mas um instrumento para o desenvolvimento sustentável das cidades. Com isso, é indispensável
que certos espaços sejam assegurados para a provisão de moradias sociais, atendendo à demanda da
população de baixa renda, assim como sejam garantidas boas condições para as micro e pequenas em-
presas, pré-requisitos de valiosa importância para haver um crescimento urbano equilibrado e para que
a ocupação urbana se dê de maneira regular em todo o território do município.
Nesse aspecto, o Estatuto da Cidade proporciona vários instrumentos que favorecem a inclusão
social, como a regularização urbanística e fundiária, a possibilidade de criar Zonas Especiais de Interesse
Social (ZEIS), a utilização compulsória de terrenos e imóveis considerados subutilizados, a destinação
de patrimônios públicos para programas de moradia, entre outros. Cada município, por sua vez, deve
estabelecer os instrumentos que melhor se apliquem em seu território, prevalecendo as condições
favoráveis para proporcionar o desenvolvimento urbano como, por exemplo, a outorga onerosa do
direito de construir, o IPTU progressivo no tempo, a transferência do direito de construir, as operações
consorciadas, instrumentos que serão melhor explicados a seguir.
No Plano são indicados os objetivos a serem alcançados, com suas respectivas estratégias, apre-
sentando todos os instrumentos necessários assim como ações estratégicas a serem implementadas.
Norteia também os diversos investimentos a serem feitos no município tanto pelos agentes públicos
como privados, definindo um modelo de atuação com critérios e formas pelos quais devem ser aplicados
os instrumentos urbanísticos e tributários.
Um componente importante do Plano Diretor para a organização territorial se baseia na defi-
nição de princípios, diretrizes e metas. Isso se torna importante para, além de reconhecer as aptidões

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dos municípios, garantirem direitos aos cidadãos como direito à moradia e à terra, e o direito à cidade.
Esses princípios devem ser exigidos pela população, que irá orientar a formulação e a gestão do Plano,
que será posteriormente fiscalizado pelos órgãos competentes. Os instrumentos urbanísticos, que são
ferramentas para auxiliar no cumprimento dos objetivos dos Planos Diretores, devem ser pensados a
partir dos princípios do Plano.
De acordo com as diretrizes presentes no Estatuto da Cidade, os Planos Diretores devem, obri-
gatoriamente, contar com a participação da população e de associações representativas dos vários
segmentos econômicos e sociais. Isso deve ocorrer não somente durante o processo elaborativo, mas
especialmente na implementação e na gestão das disposições previstas nele. Dessa forma, o resultado
esperado vai além de um documento técnico, podendo ficar muitas vezes longe dos reais conflitos da
cidade. Ele passa a ser um documento de expressão e contestação dos próprios cidadãos, com formas
de intervenção no território previstas por quem mais entende dele, por quem vivencia diariamente
aquele espaço, como um processo de mudança e construção coletiva da cidade.
Antes do Estatuto da Cidade, as cidades eram planejadas sem a participação da comunidade e,
muitas vezes, quem a planejava não chegava a conhecê-la profundamente, como acontece atualmente. O
Plano Diretor instituiu, ao mesmo tempo, resultado e fato gerador dessa nova instituição da participação
popular no município, o que permitiu aos moradores de bairros mais pobres e afastados um maior poder
de participação e de acompanhamento dos processos, retirando o monopólio das classes médias e mais
influentes, que moram no distrito sede da cidade, as relações políticas institucionalizadas. Anteriormente
à criação das associações de bairro, a representação da sociedade civil ficava a cargo das regiões centrais
e mais tradicionais. Essa maior gama de participação provocou também uma série de atritos com os seg-
mentos anteriormente privilegiados, mas ficou a contento do resto da população municipal.
O planejamento dos municípios deve estar de acordo com o desenvolvimento sustentável, não
apenas ligado às questões ambientais, mas também com o lado social, sabendo que normalmente essas
duas questões estão diretamente ligadas. Por isso deve-se procurar gerar mais emprego e renda para a
população, diminuindo as desigualdades sociais e buscando, principalmente, mudanças nos padrões de
consumo, com um novo modelo de gestão democrática do espaço urbano. As formas de participação
no Plano envolvem a equipe técnica, definida pelo município, a consultoria externa, normalmente sen-
do uma empresa contratada pela prefeitura, a população, nas formas de associações de bairro, e o po-
der local, exercido pelo prefeito, vereadores e demais autoridades. A participação deve se dar ao longo
do processo de elaboração do Plano, especificamente nas audiências públicas específicas.

Etapas para a elaboração do Plano Diretor

Identificação da realidade municipal e urbana


O processo participativo para a elaboração do Plano Diretor deve se dar pelo envolvimento de
representantes dos diversos segmentos da sociedade, como pede o Estatuto da Cidade. Deve ser rea-
lizado um diagnóstico sociopolítico, buscando identificar os pontos de maior conflito no município e
averiguando quem são os detentores de controle e autonomia sobre determinado setor, assim como
também os grupos que estão excluídos desse processo, buscando incluí-los.

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O diagnóstico sociopolítico é parte do processo participativo, buscando a interpretação de como


se dá a dinâmica do município entre os diversos segmentos sociais, ou seja, a identificação das lideranças
populares e os grupos que possuem capacidade organizativa para maior participação nas políticas e
ações governamentais. Isso se mostra importante, pois a administração municipal nem sempre consegue
representar todos esses segmentos integralmente, visto que cada classe possui diferentes objetivos e
interesses perante o município.
Esse diagnóstico pode ser utilizado também como estratégia para o maior processo participativo
ao longo da elaboração do Plano Diretor.

Definição da temática a ser desenvolvida


A visão da população sobre os problemas e potencialidades do município, com sua exata loca-
lização, vem a ser um importante orientador dos eixos de atuação do Plano Diretor. Durante sua ela-
boração, devem ser organizadas diversas reuniões – audiências públicas – nas mais diversas regiões
e comunidades que agregam certo número de moradores, para que todos expressem seus anseios,
procurando levantar dessa forma as questões que agradam e desagradam a população. Essas reuniões
devem contemplar debates com alguns setores importantes da sociedade como empresas, associação
comercial, profissionais da área e outros corpos técnicos, tendo-se assim várias visões do mesmo espaço
e definindo a vocação do município e da cidade.

Aprovação das propostas pela Câmara de Vereadores


A consolidação das propostas e a formatação do projeto de lei são feitas pelo encaminhamento
destes à Câmara Municipal. Quanto maior for a participação do Poder Legislativo em todo o processo,
maior será a facilidade de aprovação do Plano, resguardando todas as questões debatidas e pactuadas
pela sociedade durante a elaboração deste. O resultado, formalizado como Lei Municipal, é a expressão
do pacto firmado entre a sociedade e os Poderes Executivo e Legislativo.

Estabelecimento de prazos para a prática do Plano


Na lei do Plano Diretor devem ser estabelecidas as formas de implementação e monitoramento
das diversas questões abordadas, etapa chamada de Plano de Ação. Nessa etapa devem ser realizadas
constantes avaliações e atualizações, todas fixadas em lei. Devem ser definidas também as instâncias
de discussão e decisão, como os diversos Conselhos Municipais, com suas específicas composições e
atribuições.

Revisão do Plano
A conclusão do Plano Diretor não deve encerrar o processo de planejamento do município.
Segundo o Estatuto da Cidade, a lei que institui o Plano Diretor deverá ser revista pelo menos a cada 10
anos, com revisões e ajustes sempre acordados em fóruns de discussão atuantes no município, consoli-
dados na elaboração do Plano, em reuniões municipais articuladas com os diferentes níveis de governo.

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Metodologia para o desenvolvimento do Plano Diretor


O planejamento municipal e urbano requer um disciplinamento para o seu desenvolvimento,
além de ser levado em conta o processo de planejamento que deve ser instalado na Prefeitura Muni-
cipal a partir da Elaboração do Plano Diretor. Esse planejamento é de fundamental importância para a
implementação do Plano.
Uma metodologia básica, adequada para o desenvolvimento da parte técnica do Plano, pressu-
põe: o levantamento de informações, a análise dos dados obtidos, um diagnóstico da situação atual, o es-
tabelecimento de cenários futuros por meio de um prognóstico e a elaboração de proposições. Deve-se
também levar em consideração as especificidades de cada município, os aspectos da sua localização
regional, sua realidade ambiental e socioeconômica, as condições da infraestrutura do sistema rodo-
viário municipal e do sistema viário urbano, a situação dos transportes e dos serviços públicos.
Uma das primeiras ações para o início do processo de elaboração do Plano Diretor vem a ser a
definição da equipe de acompanhamento, formada por técnicos do Poder Executivo, consultores espe-
cialistas, outros técnicos e profissionais do município e representantes do Poder Legislativo.
O Plano Diretor deverá ser desenvolvido de acordo com um Termo de Referência, o qual tem como
objetivo apresentar as informações necessárias à completa compreensão deste documento, assim como
listar o conteúdo mínimo a ser elaborado e também os produtos finais a serem atingidos pelo Plano.

Conteúdo do Termo de Referência


1.ª fase – Metodologia e plano de trabalho
Onde deve constar definição dos objetivos e atividades a serem desenvolvidas em cada uma das
fases seguintes. Deve conter também os métodos e técnicas a serem utilizados com seu cronograma
físico definido. A metodologia a ser utilizada deverá prever a viabilização da participação dos técnicos
da prefeitura, chamada de equipe técnica, e também de representantes de vários segmentos da socie-
dade civil.

2.ª fase – Leitura, diagnóstico e prognóstico


Essa fase compreende uma leitura técnica da realidade do município, tendo como produto final
o diagnóstico municipal e as tendências do cenário atual, definindo os principais eixos estratégicos que
nortearão a elaboração do Plano.

3.ª fase – Diretrizes e propostas


Tendo como base a fase anterior, serão então definidas diretrizes para o desenvolvimento inte-
grado do município, com curto, médio e longo prazos. Devem ser definidas proposições para as diversas
ações municipais, como institucionais, socioeconômicas, ambientais, físico-territoriais, de infraestrutura
e serviços públicos.

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É também nessa fase que deve ser definido o macrozoneamento municipal, embasando o futuro
zoneamento urbano, onde cada zona dará origem a distintos usos e ocupações definidos, subsidiando
então a ocupação ordenada do município e da cidade.

4.ª fase – Legislação básica


O Plano Diretor deve ser apresentado ao Poder Legislativo – Câmara Municipal, sob a forma de
projeto de lei, incluindo os objetivos, a política de desenvolvimento municipal e urbana, a gestão parti-
cipativa e o sistema de acompanhamento e controle do Plano. A legislação básica do Plano deve incluir:
a Lei do Plano Diretor, a Lei do Perímetro Urbano, a Lei de Parcelamento do Solo, a Lei de Zoneamento
de Uso e Ocupação do Solo, a Lei do Sistema Viário, o Código de Obras e o Código de Posturas do
Município. Todos esses aspectos visam auxiliar a implantação dos equipamentos e serviços urbanos
assim como as áreas onde o município irá exercer seus direitos legais como seu poder de polícia e da
tributação municipal.

5.ª fase – Priorização para investimentos


O Plano de Ação contido no Plano Diretor indica os investimentos a serem realizados pelo
município, com a hierarquização definida destes. São estimados os custos dos diversos investimentos
como infraestrutura e serviços urbanos, normalmente durante os próximos cinco anos, incluindo a
capacidade de endividamento municipal, de acordo com sua arrecadação de tributos e as principais
fontes de arrecadação de recursos.
Além dessas etapas, os municípios brasileiros estão realizando um encontro chamado de Confe-
rência das Cidades, que tem como objetivo principal auxiliar, envolvendo diversos setores da sociedade,
em várias definições para a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, instrumento este que ajudará
o Poder Público a determinar ações para a redução das desigualdades sociais tanto no âmbito local
como no regional.
Essa Conferência é realizada em municípios com mais de 20 mil habitantes, podendo os municí-
pios menores participarem também. Apresenta-se como um importante momento de diálogo entre o
governo e a sociedade para a construção de cidades mais justas, sustentáveis, além de ajudar na inser-
ção da população como um importante agente nas decisões municipais, gerando maior qualidade na
gestão democrática das cidades.
A figura a seguir contém o macrozoneamento municipal de Campinas/SP, constante do Plano
Diretor de 20062. Como o Plano Diretor deve abranger toda a área municipal, na figura aparece toda a
área do município. Este macrozoneamento sintetiza o que foi relatado anteriormente e mostra a divisão
da área municipal de acordo com suas características.

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SEPLAMA – Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente.


MZ2

MZ3 MZ8

MZ1

MZ9

MZ4

MZ5

rodovias

MZ6
limite de macrozonas
MZ7
MZ 1 – Área de Proteção Ambiental (APA) MZ 6 – Área de Vocação Agrícola (AGRI)

MZ 2 – Área de Controle Ambiental (ACA) MZ 7 – Área de Influência Aeroportuária (AIA)

MZ 3 – Área de Urbanização Controlada (AUC) MZ 8 – Área de Urbanização Específica (AURBE)

MZ 4 – Área de Urbanização Prioritária (AUP) MZ 9 – Área de Integração Noroeste (AIN) – (NO)

MZ 5 – Área Prioritária de Requalificação (APR)

2 Plano Diretor de Campinas/SP de 2006 – adequação do Plano Diretor de 1996 ao Estatuto da Cidade.
<www.campinas.sp.gov.br/seplama/projetos/planodiretor2006/apresentacao/apres2/img13.gif>.

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Texto complementar
Ideologização do Plano Diretor
(TEIXEIRA, 2005)
A elaboração de Planos Diretores para municípios com mais de 20 mil habitantes já é uma exi-
gência do Governo Federal desde a Constituição de 1988. Mas apenas com o Estatuto da Cidade1 se
estabelece um prazo, até outubro de 2006, para que essa obrigatoriedade se cumpra. Tarefa árdua,
para o tempo curto, considerando os inúmeros municípios e a ausência de sanções para aqueles
que a desobedecerem.
O Ministério das Cidades, na tentativa de agilizar o processo de elaboração dos planos, publi-
cou em novembro de 2004 dois editais, convocando profissionais das diversas regiões do país com
experiência na elaboração de Planos Diretores Participativo a se credenciarem como consultores
e capacitadores. Como as exigências eram muitas, poucas equipes e profissionais individuais con-
seguiram se cadastrar, então novos editais foram publicados no início de 2005, em substituição
aos anteriores, simplificando a documentação exigida e reduzindo a pontuação mínima para o pré-
-cadastramento.
Porém, esse cadastramento não implicou na contratação dos credenciados pelo Ministério das
Cidades, nem por qualquer outro órgão público, e não conferiu também habilitação automática
para participar em processos de licitações. Foi somente uma indicação.
No Brasil de hoje existem em torno de 2 500 municípios à espera dos seus planos. Com esses
números, fica claro a importância de se estabelecer a discussão sobre o assunto.
O professor Flávio Villaça, em tempo, acaba de escrever um minucioso depoimento sobre o
assunto. Depoimento de quem participou e participa de perto da trajetória dos Planos Diretores, ou
seja, do planejamento urbano no nosso país. Suas várias publicações comprovam sua autoridade
em tratar do tema, entre eles: Espaço Intraurbano2, O que Todo Cidadão Precisa Saber Sobre Habita-
ção3, entre outros textos. Seu último depoimento, veiculado pela internet, As ilusões do Plano Diretor,
com data de publicação de 7 de agosto de 2005, tem seu principal objeto de análise no Plano Di-
retor Estratégico de São Paulo: sua ideologização, suas legislações, participação da população nas
subprefeituras, planos de obras e tudo mais que envolve o Plano.
Mas a discussão que ele faz é mais ampla e pertinente às outras cidades grandes e médias,
onde o fenômeno “Plano Diretor” aconteceu e continua a acontecer de forma muito similar. Villaça
faz exceção aos municípios inseridos em áreas metropolitanas (exemplo Santo André, Guarulhos,
Nova Iguaçu) que funcionam na condição de cidades – subúrbio, onde a população é mais homo-
gênea do que as das cidades centrais.
Para o urbanista, um dos grandes equívocos do Plano já começa com sua denominação – Plano
Diretor Estratégico do Município de São Paulo. Pois se entende como “Planejamento Estratégico”
uma técnica adotada pelos norte-americanos na década de 19604, onde o planejamento deveria ser

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utilizado para produzir máquinas urbanas de fazer renda. Técnica essa utilizada e aprimorada pelos
urbanistas espanhóis nas olimpíadas de 1992, em Barcelona, onde o planejamento tem como meta
a competição entre as cidades no mundo globalizado e informatizado, obedecendo ao ideário neoli-
beral. Para tanto, foram utilizadas “Ações Estratégicas” claras e não simplesmente propostas. No caso
do Plano Diretor de São Paulo, as 338 “Ações Estratégicas” resultantes são, simplesmente, propostas
que não se sabe quem vai executá-las, nem quando, nem como, nem com quais recursos.
As “Ações Estratégicas” constam na redação final dos inúmeros planos diretores já elaborados
pelo Brasil afora (independente deles serem destinados a municípios pequenos, médios ou gran-
des), que têm em comum a força do novo termo utilizado pelo planejamento urbano brasileiro, apa-
rentemente solucionador dos problemas mais urgentes, porém sem propor a utilização adequada
dos meios e fins exigidos pelo termo.
Villaça investiga a origem do Plano Diretor para entender as razões pelas quais esse conceito
toma força e se transforma em ideologia no Brasil. É no Plano Agache, elaborado para o Rio de
Janeiro em 1930, onde encontra sua primeira semente. O autor ironiza, de certa forma, como a ideia
de Plano Diretor – instrumento que nunca existiu na prática – possa ter adquirido tanto prestígio,
sendo difundido e adotado rapidamente pela elite da sociedade, principalmente por arquitetos e
engenheiros ligados a problemas urbanos, políticos, diversas faculdades, empresários (principal-
mente do setor imobiliário) e pela imprensa.
[...]
Os conflitos de interesse geraram uma participação significativa nas reuniões pela população
dessas subprefeituras do Quadrante Sudoeste. Nessa parte da cidade, como bem analisa Villaça,
havia interesses claros nas propostas do Plano e por essa razão participou-se ativamente das
audiências públicas ou fora delas, pois o assunto em questão lhes dizia respeito. No entanto, os
debates que aconteciam nas reuniões em outras subprefeituras de grande densidade populacional,
como a da Cidade de Tiradentes, Itaquera, M’Boi Mirim, tinham baixíssima frequência: faltava assunto
nos encontros, com certeza não tinham conhecimento do Plano, portanto seus problemas não
eram apontados como prioritários, mantendo-os longe das discussões, perdendo a oportunidade
de colocar suas necessidades mais urgentes e serem atendidos.
A imprensa, grande defensora do Plano Diretor de São Paulo durante sua elaboração e partici-
pante da ideologia vigente, tem nele o grande solucionador de todos os entraves da cidade e che-
gou a afirmar em editais que sua ausência é o que acarreta o rápido crescimento da cidade, sendo a
grande causa dos seus problemas; ao invés de “desigualdade de riqueza e de poder político da sua
população, pelo desemprego, pela miséria, pelas más condições de saneamento, de saúde, mora-
dia e educação da maioria” (p.10). A imprensa valoriza, sobremaneira, as “novas” determinações do
Plano, principalmente no que se refere ao meio ambiente, esquecendo-se de que muitas delas não
passam de cópias de leis estaduais vigentes há décadas, mas nunca cumpridas.
Exemplo contundente da não obediência às legislações existentes é quanto à proteção dos
mananciais (legislação inicialmente municipal, depois estadual), onde existe uma grande restrição
quanto ao uso e ocupação do solo nessas áreas, para evitar a poluição das represas e preservar
os recursos hídricos. No entanto, o que acontece, particularmente nas bacias de Guarapiranga e
Billings, abastecedoras de água da cidade de São Paulo, é a ocupação acelerada de suas margens,

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consequência da ausência de alternativas de moradia para a população de baixa renda da cidade.


Esses exemplos são elucidativos, pois mostram que as leis já existem, mas muitas vezes não são
cumpridas. Fica a indagação: Para que mais leis em setores onde elas já existem? Para a imprensa, o
Plano é visto com a “salvação da cidade”, em todos os sentidos, sem uma avaliação mais profunda
do assunto.
O autor enfatiza a prepotência das leis de Planos Diretores, quando define seus projetos para
diferentes áreas como saneamento, meio ambiente, transporte, educação entre outras, que são da
esfera estadual e federal. Ou seja, o Plano Diretor seria mais poderoso que qualquer outro projeto
do governo, esquecendo-se [sic] que o município é quem deve compatibilizar seus planos aos do
estado, e não o contrário.
Em São Paulo, projetos como os CEUS, o Bilhete Único ou dos Corredores, que já vinham sendo
gestados bem antes do Plano, pelas Secretarias de Educação e de Transportes, constam nele como
se fossem projetos novos, exemplos típicos citados por Villaça onde a administração condicionou o
plano e não o contrário.
Comenta também a quantidade de planos existentes para o Município de São Paulo (Plano
Municipal de Saneamento Básico, Plano Municipal de Educação, Plano Municipal de Saúde, entre
outros), demonstrando que esse excesso de planos confusos e irracionais comprovam que o apelo
a eles é duvidoso, contribuindo para desacreditá-los, por um lado, mas também, contrariamente,
ajudando a manter sua imagem de “salvador” de todos os problemas existentes na cidade. O que
confirma um ideário vigente de uma tecnocracia onde o conhecimento técnico e científico deve ser
o condutor da ação política.
[...]
As Ilusões do Plano Diretor são uma análise formidável das dificuldades, possibilidades, resul-
tados e ideologização do planejamento urbano no Brasil. Possível, somente, por decorrer da expe-
riência teórica e prática de um urbanista consistente e principalmente corajoso. Flávio Villaça escreve
sobre as novas possibilidades de planejar, contando para tanto com a participação da maioria, vítima
maior do ônus caótico urbano.
Notas
1 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (Fernando Henrique Cardoso; Pedro Parente). Estatuto da Cidade, Medida Provisória
2.220 de 4 de setembro de 2001. Disponível em: <www.estatutodacidade.org.br/download/estatuto-da-cidade.zip>.
Acesso em: 3 nov. 2005.
2 VILLAÇA, Flávio. Espaço Intraurbano. São Paulo: Studio Nobel, 2001.
3 VILLAÇA, Flávio. O que Todo Cidadão Precisa Saber Sobre Habitação. São Paulo: Global editora e distribuidora
Ltda., 1986.
4 ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal. A cultura nas novas gestões urbanas. ARANTES, Otília; In: VAINER, Carlos e
MARICATO, Ermínia. A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2000.
Denise Mendonça Teixeira, arquiteta, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Mackenzie com a dis-
sertação “Plano Diretor do Município de Ipiaú – BA: limitações e possibilidades”.

(Resenha 132, nov. 2005.)

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Atividade
1. Busque na internet 2 (dois) Planos Diretores formulados pelos diversos municípios brasileiros,
identificando entre eles os aspectos relativos à inclusão de alguns instrumentos do Estatuto da
Cidade.

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Gabarito
1. A atividade deverá ser completa ao identificar: 1.º) Se o município já elaborou ou revisou o Plano
Diretor ao Estatuto da Cidade – Plano com data posterior a 2001; 2.º) Quais os instrumentos do
Estatuto da Cidade que estão previstos no Plano Diretor, como: IPTU Progressivo, outorga onerosa
do diretor de construir, usucapião, transferência do direito de construir, operações consorciadas.
O aluno pode encontrar informações e detalhes dos Planos Diretores nos sites dos municípios.
Alguns exemplos são bastante completos como os dos municípios de: Cascavel/PR, Campinas/SP,
Fortaleza/CE, Curitiba/PR, Santo André/SP, Vila Velha/ES.
Pode ser consultado o site do Ministério das Cidades:
<www.cidades.gov.br/planodiretorparticipativo/index.php?option=com_content&task=section
&id=12&Itemid=8>.

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