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DIRETORIA DO PROCESSO LEGISLATIVO - DIRLEG

DIVISÃO DE CONSULTORIA LEGISLATIVA - DIVCOL

NOTA TÉCNICA
Audiência Pública – Requerimento de Comissão nº 1.770/2022

Dados da Audiência Pública

● Finalidade: debater a interrupção do pagamento de auxílio pecuniário às famílias


das ocupações Marielle Franco, Anyky Lima e Michele Almeida.
● Comissão: Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do
Consumidor
● Autoria do requerimento: Vereadoras Bella Gonçalves e Iza Lourença
● Data, horário e local:14/11/2022, às 13h30min, no Plenário Helvécio Arantes

Informações Técnicas

1. Direito à moradia

● A moradia constitui um direito humano fundamental, assegurado pela Constituição


Federal de 1988 em seu artigo 6º. Ao lado de educação, saúde, alimentação,
trabalho e outros, a moradia integra o rol dos direitos sociais previstos no texto
constitucional, sendo dever do Estado garantir a toda a população o acesso a uma
habitação adequada.
● O Plano Diretor do Município de Belo Horizonte, aprovado pela Lei nº 11.181/2019,
define habitação como “a moradia digna inserida no contexto urbano, provida de
infraestrutura de serviços urbanos e de equipamentos comunitários”. O direito à
moradia, portanto, vai além da garantia ao espaço residencial, incluindo também o
acesso à infraestrutura urbana e às condições mínimas que garantam a dignidade
da habitação, como acesso à água e ao saneamento básico.
● Nesse sentido, em Belo Horizonte, a Política Municipal de Habitação, aprovada
em 1994 e atualizada em 2018 pela Resolução nº 52 do Conselho Municipal de
Habitação (CMH), define a habitação digna como a “moradia segura, funcional e
com boas condições de salubridade inserida no contexto urbano em área bem
localizada, ou seja, provida de infraestrutura e serviços urbanos básicos,

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equipamentos e serviços sociais básicos, com segurança na posse, de custo
acessível e com oferta de oportunidades de trabalho” (art. 1º).
● Embora a moradia seja um direito fundamental, segundo a Fundação João
Pinheiro, a Região Metropolitana de Belo Horizonte possui um déficit habitacional
de mais de 100 mil domicílios.1 Além disso, a população em situação de rua de
Belo Horizonte é estimada em mais de 9 mil pessoas2, tendo a situação se
agravado nos últimos anos, em decorrência dos efeitos socioeconômicos da
pandemia de covid-19.
● Nesse cenário, a ocupação de imóveis ou terrenos ociosos para fins residenciais
tem sido uma estratégia política de reivindicação desse direito fundamental,
apoiada por movimentos sociais de atuação na causa.3

2. Programa Bolsa Moradia

● A Política Municipal de Habitação possui interesse social, sendo direcionada à


população de baixa renda (cf. Plano Diretor, art. 16). Ela deve ser executada por
meio da articulação de programas setoriais diversos, que incluem a produção
de novas unidades habitacionais, ações de melhoria nas condições de habitações
já existentes, regularização urbanística de imóveis ocupados em situação irregular,
concessão de subsídios para a aquisição de moradias e concessão de subsídios
para alocação de imóveis para moradia, entre outros. O objetivo desses
programas, que devem ser implementados de maneira articulada, é eliminar o
déficit habitacional e garantir que a população de baixa renda do município tenha
acesso à moradia digna.
● Segundo o disposto na Política Nacional para a População em Situação de Rua,
instituída pelo Decreto Federal nº 7.053/2009, a população em situação de rua tem
direito ao acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que
integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social,
moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda (art. 7º, inciso I).

1
Estimativa para o ano de 2019, segundo levantamento da Fundação João Pinheiro. Disponível em:
http://fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2021/04/21.05_Relatorio-Deficit-Habitacional-no-Brasil-2016-2019
-v2.0.pdf (Tabela 40).
2
Fonte: Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua. Disponível
em: https://obpoprua.direito.ufmg.br/moradia_pop_rua.html.
3
Cf. Tiago Lourenço. Ocupações Urbanas em Belo Horizonte: conceitos e evidências das origens de um
movimento social urbano. Cadernos de arquitetura e urbanismo, v. 24, n. 25, 2017.
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● O Programa Bolsa Moradia foi instituído em 2003 com o objetivo de promover o
acesso emergencial à moradia para pessoas em áreas de risco que não tivessem
condições de adquirir ou alugar outro local para morar (cf. Decreto Municipal nº
11.375/2003). No ano seguinte, pessoas com trajetória de vida nas ruas foram
incluídas entre o público-alvo do programa, mediante encaminhamento dos órgãos
de Assistência Social do município. O programa consiste na concessão de auxílio
financeiro de caráter emergencial e provisório para fins de moradia, no valor de
R$500,00, podendo ser feito em duas modalidades: Bolsa Moradia e Abono
Pecuniário. No primeiro caso, o auxílio se destina exclusivamente ao pagamento de
aluguel, e a locação deve ser comprovada pelo beneficiário. A concessão do abono
pecuniário, por sua vez, é menos burocratizada, e o benefício pode ser utilizado
para fins residenciais de maneira mais ampla, como para o compartilhamento de
gastos de moradia na casa de familiares, por exemplo.4

3. Ocupações Marielle Franco, Anyky Lima e Michele Almeida

● A ocupação Marielle Franco foi constituída em um prédio inacabado no bairro


Castelo, na Regional Pampulha. O edifício de 9 andares estava previsto para ser
finalizado em 2011, mas a obra foi abandonada pela construtora responsável antes
do prédio ser finalizado. A ocupação do espaço se deu desde pelo menos 2016;
em 2019, cerca de 30 famílias residiam ali. Em 2020, o imóvel foi atingido por um
incêndio que levou à saída das famílias, que passaram a ser assistidas pelo
Programa Bolsa Moradia para recebimento do benefício de R$ 500,00. Em julho de
2022, as famílias conseguiram uma prorrogação de 3 meses no período de
concessão do benefício, revertendo decisão judicial que determinava a
descontinuidade do pagamento.5
● A ocupação Anyky Lima foi formada em 2021, em um casarão localizado na divisa
dos bairros Centro e Lourdes, na região central de Belo Horizonte. Cerca de 18
pessoas moravam no imóvel em agosto daquele ano, quando uma decisão judicial
movida pela empresa Localiza, locatária do espaço, determinou o despejo dos

4
Cf. Relatório Final do Grupo de Trabalho da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor
sobre Direito à Moradia da Câmara Municipal de Belo Horizonte, elaborado em 2020. Disponível em:
https://cmbhsildownload.cmbh.mg.gov.br/silinternet/servico/download/documentoVinculado?idDocumento
=2c907f767378fb07017427317ad454ec.
5
Fonte: Jornal Hoje em Dia. Disponível em:
https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2022/11/09/gal-costa-morre-aos-77-anos.ghtml.
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moradores.6 No dia 24 de agosto de 2021, os moradores da ocupação foram
levados a uma pousada e, no mês seguinte, foram integrados ao Programa Bolsa
Moradia.7 O assunto foi abordado pelo Requerimento de Comissão nº 1.029/2021
da Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, que
aprovou uma indicação para que o Poder Executivo incluísse as famílias da
ocupação Anyky Lima nas políticas habitacionais voltadas para a população em
situação de rua.
● A ocupação Michele Almeida, conhecida como “Casa Verde”, também localizada
em um casarão do bairro Lourdes, foi iniciada em janeiro de 2021, abrigando cerca
de 15 pessoas.8 As ocupações Anyky Lima e Casa Verde se deram, portanto, no
contexto da pandemia de covid-19 e muitos dos seus moradores afirmam que
ficaram desempregadas nesse período, impossibilitando-os de arcar com os custos
de moradia. Muitos foram levados à situação de rua e, apoiadas pelo Movimento de
Libertação Popular (MPL), conseguiram moradia nas ocupações. Em setembro
daquele ano, a justiça determinou que o imóvel fosse desocupado, e os moradores
foram integrados pela Prefeitura ao Programa Bolsa Moradia, para recebimento do
auxílio de R$ 500,00 para fins residenciais.9
● Considerando o caráter emergencial do Programa Bolsa Moradia, que tem como
objetivo oferecer um atendimento provisório às famílias com trajetória de vida nas
ruas, os antigos moradores das ocupações mencionadas convivem com a
insegurança quanto à continuidade do pagamento dos benefícios. No entanto, o
acesso ao benefício se mostra fundamental para a garantia do seu direito à
moradia enquanto uma solução de caráter definitivo à questão habitacional não for
efetivada.

6
Fonte: Jornal O Tempo. Disponível em:
https://www.otempo.com.br/cidades/justica-determina-despejo-de-familias-sem-teto-de-casarao-no-lourd
es-em-bh-1.2529403.
7
Fonte: Portal Brasil de Fato. Disponível em:
https://www.brasildefatomg.com.br/2021/09/22/ocupacoes-de-bh-conseguem-bolsa-moradia-mas-nao-sa
bem-quando-irao-acessar-o-beneficio.
8
Fonte: Jornal Estado de Minas. Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2021/05/18/interna_gerais,1267551/sem-teto-ocupam-casaroes
-avaliados-em-ate-r-7-5-milhoes-no-lourdes-em-bh.shtml.
9
Fonte: Defensoria Pública de Minas Gerais. Disponível em:
https://defensoria.mg.def.br/defensoria-publica-de-minas-gerais-atua-em-busca-do-direito-social-a-morad
ia-e-a-habitacao-digna/.
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Normas relacionadas:

Legislação Federal
● Constituição Federal: Art. 1º, III; art. 6º; art. 23, IX; art. 194; art. 203 e 204.
● Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993: art. 1º, art. 20, art. 20-b; art. 22.
● Decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009.

Legislação Municipal:
● Lei nº 6.508 de 12 de janeiro de 1994.
● Decreto nº 11.375 de 2 de julho de 2003.
● Lei nº 10.836, de 29 de julho de 2015.
● Decreto nº 17.099, de 29 de abril de 2019.
● Lei nº 11.181 de 9 de agosto de 2019, cap. VII (Plano Diretor).
● Lei nº 11.314, de 5 de outubro de 2021.
● Decreto nº 17.758, de 4 de novembro de 2021.

Belo Horizonte, 9 de novembro de 2022.

____________________________
Marina Abreu Torres

Consultora Legislativa em Ciências Sociais e Políticas

NT nº 29/2022

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