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da população em
situação de rua
Módulo
3 Moradia - Direito
Fundamental
Fundação Escola Nacional de Administração Pública
Presidente
Diogo Godinho Ramos Costa
Conteudista/s
Gustavo Clayton Alves Santana
Enap, 2019
5. Guarde na memória!................................................................... 14
6. Referências Bibliográficas............................................................ 15
1. Justificativa e objetivos
Nesse módulo, você compreenderá o que caracteriza o
déficit habitacional no Brasil e como a moradia, entendida
como um direito humano presente na Declaração Universal
dos Direitos Humanos e na Constituição Federal brasileira,
permanece sendo negado à população em situação de rua. Ao
final, você conhecerá as políticas de moradia para população
em situação de rua existentes em outros países, bem como
assimilará as discussões em curso no Brasil sobre este tema.
Fonte: http://www.fna.org.br/2018/05/29/4o-congresso-nacional-da-
populacao-de-rua-aborda-importancia-da-assistencia-a-moradia/
Alega-se que o alto custo dos terrenos e dos imóveis existentes nas áreas centrais das cidades é
um dos entraves para a execução de uma política habitacional com fins sociais. A consequência
mais brutal desta argumentação é que a casa, tida na Constituição Federal como “asilo inviolável
do indivíduo” (Art. 5, XI) e como um direito social (Art. 6), permanece não sendo uma realidade
para as milhares de pessoas que atualmente estão nas ruas das cidades brasileiras. Mesmo a
determinação legal expressa na Constituição de que é competência da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios “promover programas de construção de moradias e a melhoria
das condições habitacionais e de saneamento básico” (Art. 23, IX), não é algo aplicado quando
se trata do povo da rua.
Dica
Sobre as causas e consequências do déficit habitacional paro Brasil, assista o
vídeo, link: https://youtu.be/qziWqEQUQjQ
A quase ausência de ações concretas para prover moradia às pessoas em situação de rua não
é apenas um desrespeito ao que está disposto na Constituição. Documentos internacionais dos
quais o Brasil é signatário, como a Declaração Universal do Direitos Humanos (1948), no artigo
XXV, considera o direito à habitação como um direito fundamental de todas as pessoas. Também
o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1996) reafirma a Declaração
Universal e indica o acesso a uma moradia digna para todas as pessoas como um direito humano.
Dizer que morar com dignidade é um direito humano parece ser uma constatação óbvia, mas
que, em uma sociedade excludente como a brasileira, precisa ser reafirmada a todo momento,
ainda mais quando se tratam de direitos humanos da população em situação de rua.
Vivendo sem contar com a segurança de um lar, a população em situação de rua é constantemente
criminalizada e vítima de violações de direitos, preconceitos e agressões físicas. Este cotidiano
violento, somado à insegurança habitacional, faz com que as pessoas não consigam organizar
suas vidas pessoal e familiar.
O albergue, muitas das vezes a solução proposta pelos órgãos públicos, está longe de resolver
o problema da moradia, além de não oferecer condições dignas e, ainda, separar as famílias. O
pensamento do senso comum insiste em dizer que as pessoas em situação de rua “não vão para
os albergues porque não querem”, mas quando ouvidas pelos profissionais que atuam na garantia
de direitos, as pessoas apontam como motivos para não ir para um abrigo a precariedade das
Porém, ainda faltam programas habitacionais que possibilitem uma oportunidade real de
saída das ruas, mesmo que uma parcela, ainda que pequena, consiga acessar moradia através
de programas como o aluguel social e o Minha Casa Minha Vida, isto deve ser ampliado para
solucionar o problema.
O programa Minha Casa Minha Vida tem uma modalidade chamada Entidades que foi criada
com o objetivo de dar acesso à moradia para as famílias que se organizam em cooperativas
habitacionais, associações e demais entidades privadas sem fins lucrativos. Estas entidades
organizam os empreendimentos através de autogestão na construção da habitação.
Algumas experiências pioneiras de acesso à moradia para a população em situação de rua, por
meio de programas municipais, estaduais ou federais, vem acontecendo nas cidades de São
Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza.
Na cidade de São Paulo, a prefeitura, por meio de seu do Programa de Locação Social
para atendimento de famílias de renda familiar de até três salários-mínimos, gerou seis
empreendimentos com 903 unidades habitacionais. No ano de 2008 a prefeitura local criou o
Programa Parceria Social (Resolução nº 33/2008, São Paulo), que oferecia auxílio aluguel para
acesso à moradia prioritariamente para pessoas em situação de rua, mas este programa possuía
um prazo determinado, cujo rompimento era determinado pela Prefeitura. Entre os anos de
2009 e 2013, cerca de 803 pessoas em situação de rua foram atendidas.
Diante da relevância, este tema da moradia para pessoas em situação de rua no Brasil foi abordado
pelo Relatório Especial de Moradia Adequada apresentado pela consultora da Organização das
Nações Unidas, Leilani Farha, em 2016.
No relatório, a consultora define que, no momento atual, “a moradia perdeu sua função social e
passou a ser vista como um veículo para riqueza e lucros. A transformação da moradia em uma
mercadoria rouba a conexão da casa com a comunidade, a dignidade e a ideia da propriedade
como um lar”. Consequentemente, para ela, a situação de rua ocorre, entre tantos outros
fatores, quando a moradia é tratada como mercadoria e não como direito humano, gerando uma
“violação global de direitos humanos que requer uma resposta global urgente”.
Saiba mais
Para ler o relatório sobre moradia adequada da ONU, acesse: Relatório
sobre moradia adequada da ONU, link: https://terradedireitos.org.br/wp-
content/uploads/2016/11/Relat%C3%B3rio_Popula%C3%A7%C3%A3o-em-
situa%C3%A7%C3%A3o-de-rua.pdf
Como parte das discussões sobre moradia, o MNPR, que já vem debatendo o tema há bastante
tempo, apresentou suas reivindicações e comentou as recomendações do Relatório Especial de
Moradia Adequada diante do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas,
em Genebra, na Suíça, no ano de 2016.
Em 2018, este tema também foi amplamente debatido durante o 4º Congresso Nacional da
População em Situação de Rua, que aconteceu na cidade de Porto Alegre. Durante o congresso,
arquitetos engajados na luta por políticas públicas, apresentaram dados interessantes a
respeito da questão. Para se ter uma ideia, segundo o presidente do Sindicato dos Arquitetos
no Estado de São Paulo (Sasp), Maurílio Chiaretti, os valores que hoje são usados para atender
provisoriamente pessoas em situação de rua são maiores do que o que custaria a construção de
moradias permanentes.
Housing First
O programa Housing First foi criado e elaborado pelo psicólogo e ativista Sam Tsemberis, junto
com a organização não-governamental Pathways to Housing First e tornou-se uma política
pública que foi testada primeiro na cidade de Nova Iorque, no ano de 1992.
Originalmente, o programa foi projetado para ajudar pessoas com problemas de saúde mental
que viviam nas ruas. Depois, o programa foi expandido, incluindo pessoas desabrigadas ou em
risco de ficar em situação de rua ao saírem de hospitais psiquiátricos ou da prisão. O programa,
tal como foi pensado, baseia-se em oito princípios fundamentais:
Após as primeiras experiências em Nova Iorque o modelo foi expandido para o Canadá, para o
Japão e para 20 países europeus.
O programa é esboçado para aquelas pessoas que necessitam de níveis significativos de ajuda
para sair da situação de rua. Nas diversas experiências em curso hoje, entre os grupos que têm
sido auxiliados, estão, além de pessoas em situação de rua, as com doença mental grave ou
problemas de saúde mental, que tenha uso problemático de drogas e álcool, que possuam saúde
física delicada, doenças limitantes ou deficiências. Em sua atuação, o programa tem provado ser
eficaz para os sujeitos que, além de outras necessidades, muitas vezes carecem de apoio social,
de amigos ou familiares e estão nas ruas há muito tempo ou que vão e voltam a esta situação.
Em relação à autonomia, o programa é constituído para que as pessoas assistidas obtenham alto
grau de escolha e controle de suas vidas. Para isso, o programa incentiva a redução de danos no
consumo de drogas e álcool e o tratamento para usuários, sem que sejam forçados a participar.
Saiba mais
Se quiser conhecer mais sobre como funciona o programa Housing First na
Europa, leia o “Guía housing first” (em espanhol):
Guía housing first Europa, link: https://housingfirsteurope.eu/assets/
files/2016/11/Gui%CC%81a-Housing-First-Europa.pdf
Estudos realizados mostram que o Housing First já provou sua eficiência no cumprimento do
seu objetivo principal, que é o acesso e permanência das pessoas na moradia. Sabe-se, pelos
dados das experiências em curso, que cerca de 80% à 90% das pessoas que ingressaram em
projetos de Housing First permanecem na mesma moradia após dois anos. O Departamento de
Habitação e Desenvolvimento Urbano dos Estados Unidos da América aponta que, a partir da
implementação do programa chamado Opening Doors, entre os anos de 2010 e 2014, o número
total de pessoas sem moradia diminuiu em 10%, incluindo uma redução de 25% no número
de pessoas desacolhidas. Verificou-se que a quantidade de pessoas em situação de rua crônica
diminuiu 21% e o número de famílias em situação de rua diminuiu em 15%, com uma redução
de 53% no número de famílias desabrigadas.
Os dados apresentados pela ONG Pathways to Home, que assessora o governo estadunidense
na implementação do Housing First no país, dão conta de que, na cidade de Nova Iorque, uma
pessoa em situação de rua sendo atendida pelo Housing First representa um custo de US$76,00/
noite, enquanto que, em uma Casa de Transição (abrigos da assistência social), o custo é de
Já na cidade de São Francisco, o projeto Housing First, que foi lançado em 2004, demonstrou,
em 2016, no seu relatório de avaliação de custo-benefício, uma redução dos investimentos em
serviços de apoio à população em situação de rua entre os anos de 2011 e 2015 à medida que as
pessoas foram se estabilizando em suas moradias. Esta diminuição dos custos, segundo apurou
o relatório, deveu-se, principalmente, a uma redução de 58% dos custos para atendimento de
emergência e cuidados urgentes, especialmente hospitalização.
Em outra experiência, na cidade de Denver, no ano de 2012, havia cerca de 15 mil pessoas sendo
atendidas pelo Housing First. Após 2 anos de ingresso no Programa, 77% permaneciam na sua
moradia; 50% apresentaram melhorias no seu estado de saúde; houve uma redução de 72,9%
dos atendimentos emergenciais em hospitais; os custos de acompanhamento foram reduzidos
em 34,3% e a permanência nas cadeias caiu 76%.
O programa português proporciona acesso imediato à habitação e não exige participação prévia
dos candidatos em programas de tratamento ou reabilitação.
Saiba mais
Para se aprofundar sobre como o programa Casas Primeiro é realizado em
Lisboa, leia o relato a seguir: Relatos sobre o programa Casas Primeiro, link:
http://jornelas.aeips.pt/casas-primeiro/
Essa concepção tem como inspiração algumas experiências exitosas de oferta de habitação para
a população em situação de rua já realizadas no país, surgidas a partir das reivindicações da
sociedade civil organizada em diálogo com a gestão pública e, em alguns casos, com a iniciativa
privada.
No relatório, a consultora aponta que o Brasil é um exemplo de país que assegura a participação
da população em situação de rua na construção de estratégias de luta contra a situação de rua,
por meio de “modelo participativo de política social que se baseia em conselhos paritários de
políticas públicas”, quando se refere ao trabalho de interlocução realizado pelo CIAMP-Rua, em
conjunto com o MNPR e demais movimentos sociais envolvidos na promoção de direitos e luta
por moradia da população em situação de rua.
O modelo de política pública de moradia para pessoas em situação de rua que vem sendo
proposto pela Coordenação-Geral dos Direitos das Populações em Situação de Risco do MMFDH
é inspirada no modelo Housing First, (cuja apresentação foi feita no item anterior deste módulo)
e recebeu o nome de Moradia Primeiro. Essa proposta prioriza o acesso imediato destas pessoas
a uma unidade habitacional individual, com dignidade, e o acompanhamento por uma equipe
multidisciplinar.
A proposta do projeto Moradia Primeiro do MMFDH está sendo construída em três grandes
eixos: habitação como direito e prioridade; trabalho como forma de manutenção do processo
de inserção social e econômica; e um pacote de outros direitos (saúde, educação, assistência
social, esporte, laser, etc.), que darão o suporte para a permanência da pessoa em sua habitação
e consequente saída da situação de rua.
Compreendendo que há poucas experiências desse modelo no Brasil, a Coordenação Geral dos
Direitos da População em Situação de Rua tem dialogado com gestores públicos e com a sociedade
civil em vários seminários, simpósios e congressos em todas as regiões do País, momento em que
apresenta os princípios e colhe reflexões, sugestões e propostas.
5. Guarde na memória!
• Neste módulo, você aprendeu sobre a moradia, um dos princípios dos direitos humanos
presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
• Além disso, você conheceu as políticas de moradia para população em situação de rua
existentes em outros países.
• Por fim, você conheceu também as discussões em curso no Brasil sobre este tema.
Conselho Nacional do Ministério Público-CNMP. Defesa dos Direitos das Pessoas em Situação de
Rua - Guia de atuação ministerial. Brasília: CNMP, 2015.
DPE-SP. Escola da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Acesso à justiça da população
em situação de rua: política institucional, garantia de direitos, práticas, serviços e inclusão. São
Paulo: EDEPE, 2018.
LAVOR, A. D. População em Situação de Rua: à margem de direitos efetivos. RADIS , Rio de Janeiro,
n. 165, p. 17-27, jun 2016.
ONU. Conselho de Direitos Humanos, 31º período de sessões. Relatório da Relatora Especial
sobre moradia adequada como componente do direito a um padrão de vida adequado e sobre o
direito a não discriminação neste contexto. Dez. 2015.
RIBAS, L. M. Acesso à justiça para a população em situação de rua: um desafio para a defensoria
pública. 2014. 144 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2014.