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Brazilian Journal of Development 19077

ISSN: 2525-8761

Direito de acesso à água potável e saneamento básico para as


populações que residem em favelas e áreas periféricas

Right of access to drinking water and basic sanitation for populations


residing in slums and peripheral areas
DOI:10.34117/bjdv9n6-025

Recebimento dos originais: 02/05/2023


Aceitação para publicação: 05/06/2023

Kanthya Pinheiro de Miranda


Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas
Instituição: Defensoria Pública do Estado do Amazonas
Endereço: Avenida André Araújo, 679, Aleixo, Manaus - AM
E-mail: kanthyamiranda@hotmail.com

Erivaldo Cavalcanti e Silva Filho


Doutor em Desolvimento Sustentável
Instituição: Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
Endereço: Rua Major Gabriel, 767, Centro, Manaus - AM
E-mail: erivaldofilho@hotmail.com

RESUMO
O presente artigo visa questionar a efetividade do direito de acesso à agua potável e
sistema de saneamento básico para as pessoas que residem em favelas e áreas periféricas
da cidade. Necessário compreender o surgimento dos grandes centros urbanos e com eles
a situação dos moradores de favelas e pessoas vulneráveis. O trabalho ainda correlaciona
a situação da exclusão social, de ausência de políticas públicas e a consequente ausência
de prestação de serviços básicos para a população carente das cidades. Os direitos à
moradia e condições dignas de vida devem ser enfrentados como dever de prestação pelo
Estado, para assim, efetivamente, assegurar as garantias previstas no texto da
Constituição. O estudo também aborda sobre as consequências negativas para o meio
ambiente e para a sociedade em razão da não observância de um sistema de abastecimento
de água adequado e da ausência de esgotamento sanitário nas áreas periféricas e de
favelas.

Palavras-chave: acesso água potável, sistema de esgotamento sanitário, direito social,


consequências socioambientais.

ABSTRACT
This article aims to question the effectiveness of the right of access to potable water and
basic sanitation for people residing in slums and peripheral areas of the city. It is
necessary to understand the emergence of large urban centers and with them the situation
of slum dwellers and vulnerable people. The work also correlates the situation of social
exclusion, the absence of public policies and the consequent lack of provision of basic
services for the needy population of the cities. The rights to housing and decent living
conditions must be faced as a duty of provision by the State, in order to effectively ensure
the guarantees provided for in the text of the Constitution. The study also addresses the
negative consequences for the environment and society due to the non-observance of an

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adequate water supply system and the absence of sanitary sewage in peripheral areas and
slums.

Keywords: access drinking water, sanitary sewage system, social law, socio-
environmental consequences.

1 INTRODUÇÃO
Por certo, a Constituição Federal de 1988 prevê expressamente o direito à moradia
como sendo um direito social e figurando como um compromisso da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios a promoção de programas de construção de
moradias, através de uma política habitacional que prima pelo planejamento urbano.
Em que pese a previsão constitucional, o atual cenário sobre condições
habitacionais no Brasil ainda revela um não superado problema social, econômico e
ambiental que afeta as grandes cidades e causa um grande impacto na configuração
urbana.
A habitação é uma necessidade humana básica e a moradia deve ser
compreendida como o local para a pessoa estabelecer domicílio e ter um espaço que lhe
sirva como abrigo e propicie uma sobrevivência digna. Portanto, imprescindível que
possua características de habitabilidade, ou seja, que tenha no local da moradia condições
de saúde física e salubridade; logo, indispensável que haja disponibilidade de serviços e
infraestrutura como acesso ao fornecimento de água potável, fornecimento de energia,
rede de esgoto, dentre outros.
Aliás esse direito à moradia digna, além de ser reconhecido no âmbito do direito
interno e assegurado pelo Comitê das Nações Unidas de Direitos Individuais, Sociais e
Econômicos, também é citado em inúmeros outros tratados e instrumentos internacionais,
em razão justamente da sua importância para a dignidade da pessoa humana.
Contrariando as normas e previsões legais, deparamo-nos atualmente com a
realidade de cidades repletas de favelas, assentamento ilegais e habitações impróprias
para a moradia humana. Com efeito, o crescimento demasiado das cidades e a
superpopulação são fatores que levaram ao surgimento das favelas. Hodiernamente, cerca
de 80% da população vive nas cidades, fato proveniente de um desenraizamento social e
econômico, típico da dinâmica migratória que conduz aos centros urbanos.
A ocupação das cidades ocorreu de forma rápida, desordenada e sem possiblidade
de investimentos, sendo que a maioria das pessoas estão vivendo nas chamadas “área de

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risco”, nominadas dessa forma justamente para indicar que os locais são impróprios para
o assentamento humano.
Somando-se a isso, a presença das favelas e assentamentos ilegais e periféricos
têm origem por causa do nosso complexo sistema financeiro imobiliário, que se funda
prioritariamente nas relações de mercado. Em outras palavras, o mercado acaba por
estabelecer altos preços para as áreas nobres e o acesso à moradia é limitado a uma parcela
reduzida da população, uma classe privilegiada, visto às condições socioeconômicas
extremamente desiguais da sociedade brasileira.
Nessa seara, a população pobre fica excluída do mercado imobiliário porque não
consegue sequer o direito ao financiamento de uma casa popular e passa a recorrer a outras
alternativas para assegurar a necessidade da habitação. Na maioria das vezes os
vulneráveis se valem justamente das favelas, de ocupações irregulares e invasões para
estabelecerem seu local de residência.
Como reflexo dessa conjuntura de cidades super populosas, desigualdade social,
injusta distribuição de renda e déficit do moradia sobretudo para a população mais
desfavorecida é que constatamos a realidade das favelas. A falta de oportunidade
habitacional que afeta as populações de baixa renda implica em violação de direitos
básicos, ocasionando a negação de direitos mínimos como o acesso a água potável e ao
saneamento básico.

2 SURGIMENTO DAS FAVELAS NAS CIDADES E O DÉFICT DE MORADIA


PARA A POPULAÇÃO
A necessidade de garantir ocupações com o objetivo de efetivação de direitos para
as pessoas é medida que se revela urgente. O problema da habitação no Brasil provém de
questões estruturais relacionadas com a ausência de vontade política e planejamento nas
cidades brasileiras.
De fato o tema não é enfrentado pelo poder público, tanto que sequer há dados
atualizados sobre o déficit da moradia ou mesmo números que revelem o atual
contingente de pessoas em situação de rua. Ou seja, pessoas completamente
invisibilizadas, em razão de uma política econômica excludente e uma sociedade
capitalista, com pensamento fundado na lógica de que investir na dignidade do pobre não
traz lucro.
A CF/88 surge como símbolo da redemocratização do país, assegurando
princípios jurídicos baseados na acepção da dignidade da pessoa humana e prevendo uma

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vasta gama de direitos sociais, dentre eles o direito à moradia. Pois bem, nesse contexto,
surgiu a Lei n.º 10.257/2001, internacionalmente conhecida como “Estatuto da Cidade”,
e tem o fito de regulamentar o capítulo da Política Urbana, garantindo o direito a cidades
justas através de dois princípios básicos: o planejamento participativo e a função social
da propriedade.
Ocorre que se verifica um distanciamento enorme entre a previsão legal e a
realidade social, que segue um capitalismo selvagem e gera o surgimento das favelas
como fruto da desigualdade da distribuição de renda.
Entende-se por favela qualquer ocupação irregular de terrenos públicos ou
privados ou em áreas que não são recomendadas para a moradia (como os morros). As
pessoas que moram em favelas, geralmente, não dispõem de condições mínimas de
infraestrutura e não possuem a posse legal dos terrenos onde construíram suas casas.
Em termos históricos, as favelas são resultantes do chamado “êxodo rural” que,
por causa da substituição do homem pela máquina no campo, acarretou na migração em
massa de pessoas do campo para as cidades. O processo de surgimento das favelas chama-
se favelização.
Se por um lado o surgimento da favela coincide com a intensa e rápida migração
para os grandes centros urbanos, de outra banda, a sua perpetuação na sociedade é
consequência de um modelo de capitalismo que envolve conflito entre obtenção de lucro
e investimento em objetivos sociais, sobretudo para as populações pobres.
As favelas atuais, como dito, são resultado das desigualdades sociais e do grande
número de pessoas que vivem em condições precárias de vida nas cidades. As favelas
tornaram-se mais visíveis após o processo de industrialização do país, que se intensificou
após a década de 1950.
Incontestável que as favelas surgem da miséria e das baixas condições de vida da
população que, não podendo comprar ou morar de aluguel nas demais regiões das cidades,
acaba “invadindo” outros espaços e construindo casas improvisadas, muitas vezes nem
concluídas. A maioria das favelas são construídas em locais de riscos, como morros muito
altos e encostas, que, durante as chuvas, podem sofrer com deslizamentos de terras e
provocar mortes. Além do local inapropriado para a habitação, as favelas são marcadas
por ausência de infraestrutura, desservidas de qualquer serviço básico como energia, água
encanada, asfalto e esgoto. E, somando-se a essa situação de miséria, as favelas são locais
com altos índices de violência e com grande incidência de tráfico de drogas.

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Nas décadas de 80 e 90, percebeu-se uma grande concentração da pobreza nas


áreas urbanas. O esvaziamento do campo foi fenômeno real e as grandes cidades
protagonizam, atualmente, a maior tragédia de aniquilamento de direitos humanos.
Merece destaque ainda apontar como causa do grande número de favelas o
complexo sistema financeiro imobiliário. Explicando melhor, esse sistema imobiliário
compreende a dinâmica das políticas de moradia com base prioritariamente nas relações
de mercado, acabando por estabelecer altos preços para as áreas nobres. Em outras
palavras, o acesso à moradia é limitado a uma parcela reduzida da população, uma classe
privilegiada, visto às condições socioeconômicas extremamente desiguais da sociedade
brasileira.
Nessa senda, a população pobre fica excluída do mercado imobiliário porque não
consegue sequer o direito ao financiamento de uma casa popular e passa a recorrer a outras
alternativas para assegurar a necessidade da habitação.
Assim sendo, observa-se que o mercado imobiliário é controlado pelo grau de
capacidade financeira e, dessa forma, termina por excluir substancial parcela da população
menos favorecida, produzindo, em nossas cidades, áreas que se caracterizam pela completa
carência de condições adequadas de vida.
Todo ser humano possui o direito a uma vida saudável, bem como a um meio
ambiente capaz de potencializar todas as suas capacidades. Ocorre que, o trato da
questão habitacional no Brasil tem se limitado historicamente a uma política
habitacional que atinge a esfera urbana e o mercado imobiliário. De regra, a moradia não
é analisada sob o aspecto da cidadania e da democratização do direito a possuir um lar.
A problemática habitacional ainda é mais severa quando se trata de classes
vulneráveis, as denominadas “populações pobres”, as quais vivem em verdadeira situação
de miséria, residindo em regiões periféricas, áreas de risco e desprovidas de qualquer
acesso a serviço público ou saneamento básico.
Importante destacar que a satisfação do direito e a aquisição da moradia deve
atender a qualidade de vida e a compreensão de habitação enquanto habitat. No entanto,
o que se percebe é que a maioria das políticas públicas desenvolvidas limitam-se a tentar
regularizar ocupações, distribuir lotes e desapropriar áreas de terras particulares ou
públicas para interesse social.
A questão da moradia é enfrentada claramente como conflito urbano, ratificando
mais uma vez o hiato entre o econômico e o social. Nesse diapasão, observa-se que as
políticas públicas voltadas para o setor da moradia não têm considerado o aspecto

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fundamental da problemática habitacional, ou seja, estas desconsideram a perspectiva da


moradia com direito humano básico.
Nessa perspectiva, compreendemos que a questão da habitação não se apresenta
apenas em relação à necessidade humana mas, constitui inegável fator de desigualdades
sociais, ancorado nas relações sociais que se estabelecem na sociedade capitalista.
A temática da habitação, ao ser imposta pelas condições de mercado, entra em
confronto com a condição de cidadania, e, somando-se a isso, percebe-se ainda a ausência
de políticas públicas suficientes e adequadas para garantir o cumprimento desse direito.

3 REALIDADE DAS FAVELAS. AUSÊNCIA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA


POTÁVEL E ESGOTAMENTO SANITÁRIO
Como narrado acima, as favelas são os locais destinados à habitação da população
pobre e dos vulneráveis. Traço comum inerente às favelas e assentamentos periféricos é
que sempre surgem em locais de risco ou marginais, como áreas inundadas, distante dos
centros, encostas.
Além da própria localização, nas conhecidas áreas de risco, as favelas ainda são
marcadas pela absoluta ausência do poder público e falta de serviços mínimos
necessários. Por certo que há completa ausência de segurança pública, escolas públicas e
postos médicos para atender a comunidade, quase sempre, superpopulosa.
Porém, a maior omissão e negação de direito aos moradores de favelas diz respeito
à ausência de abastecimento de água potável e serviço de saneamento básico, uma vez
que esta infraestrutura é o mínimo que se exige para que haja a própria habitabilidade no
local.
Os números revelam que existem mais de 13 milhões de domicílios urbanos
irregulares, os quais não possuem infraestrutura urbana básica.
Fica fácil comprovar que a extensão do sistema de rede de esgoto é muito inferior
à extensão da rede de abastecimento. O desafio para a ampliação do acesso ao sistema de
esgotamento sanitário esbarra em questões que vão além da política ou da gestão privada
do sistema. Contempla também aspectos econômicos, pela incapacidade de investimento
do governo em obras de infraestrutura e da prestadora dos serviços em priorizar os
investimentos em apenas um dos serviços, também pela dificuldade de pagamento aos
serviços pelos usuários.
Como na maioria das vezes, as favelas e assentamentos urbanos ilegais surgem
rapidamente e com a chegada de grande volume de pessoas, a infraestrutura urbana não

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acompanha o crescimento populacional e daí surgem os problemas socioambientais,


como no caso da falta de saneamento básico.
O Plano Nacional de Saneamento Básico é tratado na Lei Federal 11.445/2007 e
prevê, dentre outras atribuições, a universalização dos serviços de abastecimento com
água potável e esgotamento sanitário.
O fornecimento de água e rede de esgoto são essenciais ao ser humano e a ausência
deles provoca diversos problemas, principalmente, relacionados à saúde pública, razão
pela qual esse marco regulatório garantiu e regulou a gestão desses serviços, definiu o
titular dos serviços, estabeleceu diretrizes e normas para cobrança, de qualidade dos
serviços prestados e definiu o objetivo primordial dessas ações no Brasil, que é alcançar
a universalização dos serviços.
Porém, desde a edição da lei até o presente momento pouca coisa mudou e, no ano
de 2020, entrou em vigor a Lei 14.026/2020, o Novo Marco Legal do Saneamento. Ocorre
que, mais uma vez, a situação é pouca modificada e, atualmente, quase 35 milhões de
pessoas no Brasil vivem sem água tratada, segundo informações do Senado Federal.
Ainda segundo o estudo realizado sobre a ausência de saneamento básico, cerca
de 100 milhões de indivíduos não têm acesso à coleta de esgoto, resultando em doenças
que poderiam ser evitadas, e que podem levar à morte por contaminação. Esse é o cenário
atual, vivenciado quase que na totalidade das favelas e que demonstra que apenas a edição
de lei é insuficiente para que sejam cumpridas as metas estabelecidas nas normas.
Dados alarmantes indicaram que somente 50% do volume de esgoto do país
recebe tratamento, o que equivale a mais de 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto in natura
sendo despejadas diariamente na natureza. Entre as piores cidades desabastecidas de rede
de esgoto, 20 delas são municípios da região Norte, alguns do Nordeste e Rio de Janeiro.
A última posição é ocupada por Macapá (AP).
Os dados constam da 14ª edição do Ranking do Saneamento, publicado pelo
Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, com foco nos 100 maiores
municípios brasileiros. O relatório divulgado no Dia Mundial da Água, comemorado em
22 de março, faz uma análise dos indicadores de 2020 do Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento (SNIS), publicado pelo Ministério do Desenvolvimento
Regional. O estudo busca mostrar quais são os desafios que o Brasil ainda enfrenta para
cumprir com os compromissos nacionais e internacionais em água tratada, coleta e
tratamento de esgoto.

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O estudo também aponta discrepância na porcentagem da população com rede de


coleta de esgoto: 95,52% da população nos 20 melhores municípios têm os serviços;
enquanto somente 31,78% dos moradores nos 20 piores municípios são abastecidos com
a coleta do esgoto.
Essa é a realidade das favelas do Brasil. Os moradores dessas áreas são menos
privilegiados e, para além da dignidade, sofrem com graves riscos à saúde, sendo comuns
as doenças como a disenteria e doença de Chagas, que poderiam ser evitadas com o
aumento da cobertura e com a qualidade dos serviços de saneamento.
Citando dados do IBGE, contatou-se que a falta de saneamento mata 11 mil
pessoas por ano no Brasil. Desse número, há uma grande quantidade de óbitos de idosos
com 60 anos ou mais.
A água está no centro do desenvolvimento sustentável, ligada ao Objetivo 6 da
Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) para o desenvolvimento, que
defende o acesso universal e equitativo à água potável e ao saneamento até 2030.
Saneamento básico, coleta de esgoto e água tratada são direitos dos brasileiros e
salvam vidas. A água é pauta na agenda planetária. A humanidade vai matar e morrer,
não só por causa da economia, da geopolítica, de ideologias, mas também por causa de
problemas climáticos, dentre eles a falta de água. Além disso, desastres ambientais e falta
de água pioram a pobreza e a fome e aumentam a violência.
Diante desse contexto, é imprescindível considerar o planejamento de políticas
públicas de longo prazo, mais e melhores investimentos no tocante ao abastecimento de
água potável e saneamento básico, isso ajuda no avanço dos indicadores sociais e na
qualidade de vida.
Nesse sentido, as ações nas favelas devem promover cada vez mais a integração
política, social, econômica e cultural desses espaços com seu entorno e o restante da
cidade, o que implica a necessidade de uma ação integrada entre os diversos setores
temáticos e órgãos públicos.

4 CONSEQUÊNCIAS AMBIENTAIS E SOCIAIS GERADAS PELA AUSUÊNCIA


DE SANEAMENTO BÁSICO
O saneamento básico está relacionado à várias áreas de atuação do poder público
como a saúde, ao meio ambiente e é necessário que saibamos dar importância a este
serviço. A poluição das águas, principalmente, por falta de saneamento básico é um dos
principais problemas ambientais, impactando cidades e prejudicando a vida de seus

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moradores. Assim, promover o saneamento básico, além de garantia da saúde da


população, é medida de proteção ambiental.
A precariedade do sistema de saneamento básico nas favelas brasileiras tem como
uma de suas raízes a falta de investimentos em redes de esgoto até os anos 1990. Foi
somente em 1992, com a criação do Programa de Saneamento para Populações em Áreas
de Baixa Renda (Prosanear); e o Programa de Saneamento para Núcleos Urbanos
(Pronurb), dois programas do governo federal; que se começou a expandir os sistemas de
tratamento de esgoto e abastecimento de água nas favelas.
Um outro obstáculo para o estabelecimento de um sistema sanitário de qualidade
nessas regiões é a forma de ocupação nas favelas. As favelas são geralmente formadas
por vielas estreitas, pavimentação irregular e o exponencial aumento da população
dificultam a implementação de redes de esgoto e água. Outro grande impasse é a
ineficiência do abastecimento de água, o que impede a adequada higienização do local.
Por se tratar de áreas muito populosas, a produção de resíduos se torna também
outro imenso empecilho e se relaciona diretamente com a falta de preservação ambiental,
pois boa parte dos resíduos não são corretamente descartados e acabam nos valões. Os
canais, que além do lixo, recebem esgoto sem tratamento, se tornam assoreados e, em
período de cheia, transbordam e invadem as casas dos moradores.
A poluição das águas por falta de saneamento básico, o avanço das queimadas e
do desmatamento são alguns dos principais problemas ambientais enfrentados no Brasil.
Despejar esgotos não tratados pode poluir o solo, lençóis freáticos e reservas de água,
levando à morte de animais e reduzindo a quantidade de água potável disponível.
Os prejuízos podem se estender para a agricultura, comércio, indústria, turismo e
outros setores da economia, razão pela qual o saneamento básico é um dos maiores
desafios do mundo hoje. O que tenta se preservar são os direitos muito caros para o
planeta: a saúde das pessoas, a conservação do meio ambiente e o funcionamento da
economia mundial.
É notório que os serviços de assistência sanitária estão concentrados nos bairros
privilegiados das cidades, dessa forma, os moradores das favelas, onde, em sua maioria,
o esgoto a céu aberto ainda é uma realidade, são impedidos de ter acesso a um saneamento
básico de qualidade.
Para além da questão social, o assunto ainda afeta diretamente a vida e saúde das
pessoas. A falta do tratamento sanitário é uma ameaça à saúde pública, e essa
desigualdade penaliza as áreas mais pobres, pois a ausência de um saneamento adequado

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está relacionada a uma maior proliferação de doenças. A destinação inadequada do lixo e


a falta de tratamento de água e do esgoto aumentam o contato da população com inúmeras
patologias perigosas.
As doenças com maiores incidências devido à exposição a ambientes sem
saneamento são leptospirose, disenteria bacteriana, esquistossomose, febre tifoide, cólera
e parasitoides. A falta de tratamento de lixo e esgotamento sanitário também pode agravar
surtos de epidemias como dengue, chikungunya e zika.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 88% das mortes por
diarreia no mundo são causadas por saneamento inadequado. Desses óbitos, 84% são de
crianças com até 5 anos de idade; a OMS estima que 1,5 milhão de crianças morrem a
cada ano em decorrência de patologias diarreicas.
Em tempos de pandemia, verificou-se também que as favelas da cidade sofreram
com a insegurança hídrica e sanitária que, juntas, foram responsáveis pela alta taxa de
contaminação pelo coronavírus.
Diante de todo o exposto conclui-se que a falta de abastecimento de água potável
e o ausência de serviço de saneamento básico tem efeitos devastadores e afeta o meio
social, a saúde e a vida das pessoas, sobretudo os moradores das favelas.

5 CONCLUSÃO
Partindo dos aspectos analisados, fácil perceber que o déficit de moradia e de infra-
estrutura urbana decorrem da injusta distribuição do produto social, comprometem a
cidadania e a sustentabilidade do desenvolvimento das nossas cidades.
O acesso à habitação adequada deve ser compreendida como um direito humano
universal e fundamental que carrega consigo outros direitos, como a segurança da posse,
a disponibilidade de serviços de infraestrutura e equipamentos públicos, a habitabilidade
– que deve garantir proteção contra as variações climáticas e contra eventos extremos e
riscos.
Construir cidades espacialmente mais justas e que se reproduzam sem ocasionar
ainda mais danos ambientais exige um diagnóstico realista das características e condições
de vida dos indivíduos e famílias (perfil demográfico, situação econômica, condições de
vulnerabilidade, possibilidades e potenciais de desenvolvimento, dentre tantas outras).
Por certo, é urgente políticas que viabilizem a redução da precariedade
habitacional (em todas as suas feições), sobretudo àquelas que visam à disponibilidade de

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equipamentos e serviços básicos, principalmente com adequado fornecimento de água


potável e serviços de saneamento básico.
Deve haver um enfrentamento real sobre a necessidade habitacional e
investimentos na infraestrutura, o que contribuiria para a elaboração de políticas sociais
e urbanas ajustadas à realidade e que promovam a justa distribuição dos recursos no
território. Aliás, essa determinação é já é prevista no novo marco legal do saneamento
básico que inclui, entre os seus princípios fundamentais, a prestação regionalizada dos
serviços, com vistas à geração de ganhos de escala e à garantia da universalização; seleção
competitiva do prestador dos serviços; e prestação concomitante dos serviços de
abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
O planejamento e a gestão da política habitacional inclui intervenções nos
assentamentos precários e abrangem o conjunto de ações para fazer frente às carências
diagnosticadas e são medidas necessárias para a elevação dos patamares de qualidade
urbanística.
Diante do cenário atual, a urbanização e a regularização de favelas e
assentamentos precários torna-se um importante componente para o enfrentamento do
passivo habitacional e socioambiental de nossas cidades. Até porque o fornecimento de
água e saneamento básico são instrumentos de promoção à saúde, proporcionam redução
do sofrimento humano e reduz mortes causadas por doenças que podem ser evitadas,
especialmente na poplação das favelas.
Independe da classe social e do local de moradia, o poder público deve atender à
diretriz de tratar as famílias com dignidade, sem violência e garantindo uma alternativa
habitacional definitiva, com garantia de proteção mínima à vida e à saúde, fornecendo o
mais básico que é a disponibilidade de água e acesso a saneamento básico.

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