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ASSISTÊNCIA SOCIAL E A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA:

DESAFIOS DA GESTÃO DO SUAS PARA EFETIVAR DIREITOS DURANTE A


PANDEMIA DA COVID-19 NO AMAZONAS

Fernanda Ramos Pereira1

Resumo: Durante a pandemia da Covid-19 uma das principais preocupações dos


gestores e trabalhadores do SUAS, tem sido garantir proteção social aos segmentos mais
vulnerabilizados da população, que utiliza a rua como meio de moradia e sobrevivência.
Para além de toda a complexidade que envolve o segmento de rua, os gestores do
SUAS têm buscado superar as inúmeras dificuldades para a manutenção da rede de
serviços do SUAS, que desde 2017 vem passando por um processo de
desfinanciamento, por meio da redução contínua no orçamento do SUAS, o que tem
comprometido a oferta de serviços da Proteção Social Básica e Especial, nos
equipamentos do CRAS, CREAS, Centro POP e nos acolhimentos institucionais. Os
sucessivos cortes nos orçamentos das políticas sociais tem se intensificado a partir da
aprovação da Emenda Constitucional n. 95/2016, que passa a impor o limite do teto dos
gastos públicos, o que tem acelerado o desmonte do sistema de proteção social
brasileiro. Diante disso, a pandemia da Covid-19 surge no país num cenário de crise
econômica e política, acentuando cada vez mais as desigualdades sociais. Espera-se
com este trabalho refletir sobre os principais desafios da gestão do SUAS, para efetivar
direitos de uma crise sanitária, econômica, política e de um governo ultraliberal,
conservador, negacionista, fascista e que privilegia os grandes investimentos do capital
em detrimento dos direitos e das políticas sociais.

Palavras-chave: Assistência Social; Pandemia. População em situação de rua.


Desfinanciamento.

1 INTRODUÇÃO

O Estado do Amazonas apresenta uma população estimada de


4.207.714(IBGE,2020). Com os seus 62 municípios apresenta a maior população
indígena do país com cerca de 896 mil indígenas, conforme o Censo de 2010.

1
Assistente Social, Especialista e Mestre em Desenvolvimento Regional (UFAM). Ex.Secretária adjunta
da Secretaria de Estado de Assistência Social (SEAS-Amazonas) e Vice-Presidente do Conselho Estadual
do Amazonas-CEAS. E-mail: fernand_ramos@hotmail.com

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Assim como os demais estados da federação, o Amazonas apresenta inúmeros
contrastes sociais, mesmo que sua capital Manaus, represente o 6º maior PIB das
cidades brasileiras, com cerca de 73 bilhões(2019).

Segundo dados do Relatório de Informações Sociais(SAGI-MC 2020), 677.999


famílias estão inseridas no Cadastro Único e apenas 382.107 são beneficiárias do
Programa Bolsa Família.

Se usarmos os dados do último Censo de 2010, o Estado do Amazonas


apresentou 652.763 mil pessoas em situação de pobreza extrema, ou seja, um público
potencial para a política de assistência social. Dentre este segmento encontra-se as
pessoas vivendo em situação de rua, principalmente na Capital Manaus.

Durante a pandemia da Covid-19 um dos principais questionamentos dos


gestores e trabalhadores do SUAS era como garantir proteção e isolamento social para
um segmento que usa a rua como moradia e sustento? A população em situação de rua é
considerada aquela que apresenta pobreza extrema, perda de vínculos familiares, não
possui moradia e que utiliza os espaços públicos como moradia e sustento.

A população em situação de rua é equivocadamente denominada pelo Estado e


sociedade, como sujeitos “invisíveis”. Esta é uma afirmação refutada por gestores e
trabalhadores do SUAS que lidam com este segmento no cotidiano profissional e,
conhecem muito bem suas necessidades e reais condições de vida e sobrevivência.

Sabe-se que esta falsa invisibilidade retrata a negligência do Estado brasileiro há


décadas em não promover pesquisas, que possam traçar o perfil demográfico da
população de rua e desobrigá-lo de implantar políticas públicas e sociais.

Neste sentido, se faz necessário que as diretrizes da Política Nacional da


População em Situação de Rua, instituída em 2009, sejam colocadas em prática pela
agenda governamental.

O artigo apresentado propõe apresentar e refletir os principais desafios da


gestão do SUAS, para efetivar os direitos da população em situação de Rua no
Amazonas, diante de um cenário de crise econômica e sanitária.

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2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO DE RUA NO BRASIL : UMA
DÉCADA DE POUCOS AVANÇOS

A Constituição Federal de 1988 representa um marco na conquista dos direitos


sociais no país. No entanto, quando nos referimos aos direitos e garantias da população
em situação de rua, podemos afirmar que nos últimos anos foram conquistas morosas
para este segmento da população considerado de extrema vulnerabilidade.A
Constituição Federal de 1988 nos artigos 203 e 204 garante o direito à Assistência
Social a quem dela necessitar independente de contribuição. Neste sentido, a assistência
social como política de seguridade social visa assegurar o acesso amplo, simplificado e
seguro aos serviços e programas que integram as diversas políticas públicas, garantindo
assim além da igualdade e equidade, o respeito à dignidade da pessoa humana;
atendimento humanizado, a valorização e o respeito à vida e a cidadania dentre outros.

Segundo o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), as


sucessivas chacinas contra os “moradores de rua”, e principalmente a chacina que
ocorreu na Praça da Sé em São Paulo, em 2004, contribuiu para chamar a atenção da
sociedade e do poder público, sobre as diversas violações de direitos humanos que eram
cometidas contra o povo da rua. Sendo assim, com o apoio Movimento Nacional
dos Catadores de Materiais Recicláveis(MNCR), em setembro de 2005 foi realizado em
Brasília, o I Encontro Nacional de População em Situação de Rua. O encontro
possibilitou ampla discussão sobre diferentes pautas ligadas às demandas e necessidades
deste segmento. O encontro possibilitou a elaboração de um conjunto de reivindicações,
que posteriormente foram encaminhadas aos representantes do governo federal e
usadas como subsídios na elaboração de políticas públicas na área.

Como desdobramento do I Encontro Nacional, foi aprovada a Lei nº


11.258/2005, que alterou o parágrafo único do artigo 23 da Lei n. 8.742/1993 Orgânica
de Assistência Social – LOAS, garantindo a criação de programas e serviços a este
público numa perspectiva intersetorial. Em 2005 é criado o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) cujo modelo de gestão é público, descentralizado,
participativo o qual organiza em todo território nacional as ações da Política de
Assistência Social de acordo com a obrigação de cada entre federativo. O SUAS

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organiza as ações da Assistência Social por meio da Proteção Social Básica e Especial e
o acesso aos serviços, programas, benefícios se dá principalmente por meio do Centro
de Referência da Assistência Social (CRAS) e Centro de Referência Especializado da
Assistência Social (CREAS), disponíveis em todo território nacional. Em 2009 é
aprovada a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais por meio da Resolução
CNAS n. 109/2009, um dos grandes avanços da política de assistência social, fruto de
inúmeros debates realizados no âmbito do controle social do SUAS. A tipificação vem
assegurar e orientar um conjunto de serviços socioassistenciais no âmbito da proteção
social básica e especial, tendo como público alvo também as pessoas em situação de
rua.Em dezembro de 2009 é promulgada a Política Nacional para a População em
Situação de Rua(PNPSR), regulamentada pelo Decreto N. 7.053/2009 com o objetivo
de garantir serviços e programas no campo da saúde, educação, previdência, assistência
social, moradia, segurança pública, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda. No texto
legal é aprovado é criação do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e
Monitoramento da PNPSR a ser criado em cada estado da federação.

Em relação às políticas de saúde voltadas para a população em situação de rua,


somente em 2011 que foi instituída a Política Nacional de Atenção Básica por meio da
Portaria N. 122, de janeiro de 2011, que definiu as diretrizes da organização e
funcionamento das equipes de Consultório na Rua, considerado um serviço itinerante,
multidisciplinar que visa ampliar o acesso deste segmento aos serviços de saúde, numa
perspectiva de integralidade.O Sistema Único de Saúde é fundamental para a promoção
dos direitos da População em situação de rua. Conquistado na Constituição Federal de
1988 e regulamentado em 1990, por meio da Lei n. 8.080, o SUS é uma das maiores
conquistas do povo brasileiro por ser um sistema público, descentralizado, participativo
e que tem como princípios norteadores, a universalidade, integralidade e a equidade.
Mesmo com seus inúmeros problemas de gestão, operacionalização e financiamento, o
sistema nos últimos 30 anos tem garantido a cobertura de quase 90% da população
brasileira e cada vez mais se consolida como um dos principais modelos de saúde para o
resto do mundo. É importante mencionar que o Movimento Nacional da População de
Rua(MNPR), foi fundamental para o reconhecimento de direitos da população em

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situação de rua. Atualmente é considerado um movimento atuante, politizado, e que se
faz presente nos comitês, comissões e conselhos na elaboração de políticas públicas.

Apesar das garantias afirmadas na PNPSR o que observamos nos últimos anos
foram conquistas morosas, em todas as áreas, principalmente no acesso ao direito à
moradia. A ampla mobilização dos movimentos sociais, principalmente do Movimento
Nacional de Pessoas em Situação de Rua, juntamente com as instâncias de controle
social(comitês e conselhos locais) será fundamental, no sentido que fazer a pressão
social necessária em todos entes federados, para a manutenção e ampliação de suas
conquistas já bem delineadas na PNPSR.

3 CARACTERIZANDO A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL


E NO AMAZONAS

Conforme o artigo 1º da PNPSR(2009), a população em situação de rua é um


grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos
familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional
regular, e que utiliza logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de
moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de
acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.

A última pesquisa Nacional de contagem da população em situação de rua foi


realizada em 2008 pelo Ministério de Desenvolvimento Social(MDS), realizada em 71
cidades com 32 mil pessoas acima de 18 anos. Os principais resultados encontrados
foram os seguintes: a população em situação de rua a sua maioria é predominante do
sexo masculino (82%); são negros (67%); são jovens (43,21%); tem baixa escolaridade
(17,1%) são analfabetos; apresentaram tempo médio na rua há mais de 2 anos (48,4%);
e os principais motivos que levam esta população a escolher o espaço da rua como
moradia e sobrevivência são: problemas com álcool e drogas (35,5%); desemprego
(29,8%); conflitos familiares (29,1%); mais da metade dos entrevistados informaram
que não possuem qualquer vínculos familiar (51,9%); e tem aqueles que possuem
familiares que residem na mesma cidade, mas que não mantém nenhum contato
(38,9%). Em relação às formas de sobrevivência desta população, a pequisa de 2008
mostrou que a maioria trabalha(70,9%) ou exerce alguma atividade remunerada(58,9%).

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Outro dado importante é que 30% da população entrevistada disse ter algum problema
de saúde e 24,8% afirmaram não possuir nenhuma documentação civil. Se compararmos
os dados da pesquisa nacional de 2008 com os resultados da pesquisa sobre a
População em Situação de Rua de 2019, realizado pela prefeitura de São Paulo e a
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), é possível perceber algumas
similaridades nos resultados encontrados. A pesquisa mostrou que a maioria da
população entrevistada pertence ao sexo masculino (86%); e a faixa etária predominante
apresenta idade entre 18 a 59 anos (89%); são predominantemente pretos e
pardos(68%). Em relação ao motivo principal que levou esta população a morar nas ruas
da capital paulista a pesquisa encontrou o seguinte: os conflitos familiares(40%), a
dependência química( 33%), o desemprego(23%) e a perda de moradia (13%).

O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas(IPEA), realizou recentemente


uma estimativa da população em situação de rua do País e entre o período de
setembro/2012 a março/2020 esta população cresceu em torno de 140%, ou seja, passou
de 92.515 para 221.869. A estimativa foi feita por meio de modelo estatístico
desenvolvido por Natalino(2020), usando os dados do Cadastro Único, Censo SUAS,
Registro Mensal de Atendimento(RMA) e IBGE de 2015.

Na figura 1, agrupamos por região, os dados do IPEA(2020), sobre a estimativa


da população em situação de rua do País entre 2012 a 2020. Observa-se uma
concentração deste segmento principalmente na região sudeste.

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Figura 1 - Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil por Regiões.

Trazendo para a nossa realidade, no estado do Amazonas ainda não sabemos


precisar o número de pessoas vivendo em situação de rua. É urgente que a gestão do
SUAS priorize no seu planejamento anual a realização de pesquisas e diagnósticos sobre
a população de rua, em vários territórios do estado do Amazonas.

Segundo dados do Cadastro Único entre os anos de 2016 a 2018, em todo o


Amazonas foram acompanhadas 5.907 pessoas em situação de rua pelo Centro Pop.
Somente Manaus teve um volume de 4.909 atendimentos(83,12%), sendo 90,66% do
sexo masculino e 9,34 % apenas do sexo feminino. Sobre o perfil da população atendida
3.640 (70,11% ) são adultas usuárias de crack e outras drogas; 1.484(28%) são
migrantes e 68 (1,31%) pessoas apresentam alguma doença ou transtorno mental.
Quanto ao perfil etário e sexo da população atendida, 552 (9,34%) são do sexo feminino
e 5.335 (90,66%) são do sexo masculino.

Em março de 2020 após consulta realizada no Cadastro Único, foi observado


que no Estado do Amazonas há 776 (setecentas e setenta e seis) famílias em situação de
rua, totalizando 945 (novecentos e quarenta e cinco) indivíduos em situação de rua.
Contestando esse dado, a Pastoral do Povo da Rua da arquidiocese de Manaus, afirma
empiricamente que existam aproximadamente 2 mil pessoas em situação de rua na
capital. O cadastro revelou também que pelo menos 857 (oitocentos e cinquenta e sete)
pessoas estão concentradas na capital, ou seja, o equivalente a 90% da população em
situação de rua atendida em todo Amazonas. Os dados acima expressam um perfil

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superficial da População em Situação de Rua do estado e, em particular da cidade de
Manaus. Não foi possível precisar como esta população está distribuída nos demais 61
municípios do estado do Amazonas. Isso comprova a necessidade urgente dos gestores
em implantar/implementar a vigilância socioassistencial nos municípios e o governo
local em financiar pesquisas e estudos que retratem as reais condições de vida e
sobrevivência deste segmento considerado extremamente vulnerável.

É importante conhecer a realidade da população de rua de forma mais ampla:


histórico familiar antes de ingressarem às ruas; tempo de rompimento dos vínculos
familiares; tempo de rua; se costumam fazer uso da rede socioassistencial do SUAS e
demais políticas públicas; suas condições de saúde; o que fazem para sobreviver na
capital e no interior do estado; sua composição por raça/etnia; se estão inseridos no
Cadastro Único; se recebem benefício/aposentadoria; se possuem documentação civil e
se são egressos do sistema prisional. Esses são alguns dos elementos principais que
podem contemplar nas próximas pesquisas censitárias ou diagnósticos sobre esta
população.

4 ASSISTÊNCIA SOCIAL E A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: OS


DESAFIOS DA GESTÃO DO SUAS PARA EFETIVAR DIREITOS DURANTE A
PANDEMIA DA COVID-19 NO AMAZONAS

No dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde - OMS declarou


que estava em curso uma pandemia de novo agente do Coronavírus - COVID-19,
doença que naquela data já afetava mais de cem países, dentre eles o Brasil. Segundo
ainda a OMS, o modo de transmissão acontece a partir de secreções respiratórias de
uma pessoa infectada, bem como pela tosse, no contato próximo de pessoa a pessoa; os
sintomas são, especialmente, os de ordem respiratória, podendo o paciente apresentar
febre, tosse e dificuldade para respirar.

Em maio de 2020 a Organização Mundial de Saúde, o Brasil já era o país latino


americano com maior registro de infecção por coronavírus. Estava em terceiro lugar no
ranking mundial do número de pessoas infectadas, depois apenas dos Estados Unidos e
Índia e em segundo lugar no número de mortes, ficando atrás apenas dos Estados
Unidos.

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O Amazonas é um dos estados da Federação mais castigados pela pandemia da
Covid-19. Em 24 de abril de 2020 o Amazonas apresentava 2.888 casos e 234 mortes.
Em outubro de 2020 o estado já registra 151.186 casos e 4.325 mortes, segundo dados
da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM). Paralelo a este quadro
de pandemia, o Brasil ainda vive os reflexos de uma crise econômica e política iniciada
desde 2016. Com uma das piores taxas de desemprego dos últimos anos, chegando a
14,4%, o país convive com aproximadamente 14 milhões de desempregados e
aproximadamente 40 milhões de trabalhadores na informalidade, o que tem provocado
um aumento das taxas de pobreza extrema e maior demanda por Assistência Social.

Sabe-se que o efeito da crise sanitária é mais intensa entre as camadas mais
pobres da população, aquela que sobrevive da informalidade, com baixa escolaridade,
com os piores rendimentos, oriunda das periferias e predominantemente negra.

Desde início da pandemia, uma das principais preocupações dos gestores e


trabalhadores do SUAS era com a população em situação de rua. O seguinte
questionamento pairava sobre a gestão, como adotar medidas de prevenção e isolamento
social para uma população que usa a rua como espaço de moradia e sustento.

Durante toda a pandemia da Covid-19 tanto a sociedade quanto o Estado se


dirigiam a este segmento como os “invisíveis da sociedade”. Importante deixar claro
que os segmentos mais vulnerabilizados da população, que aos olhos do Estado
brasileiro, são “invisíveis” porque não são contabilizados pelo Censo do IBGE, são
usuários permanentes dos serviços do SUAS. As políticas sociais no capitalismo são
consideradas um conjunto de estratégias políticas de enfrentamento às desigualdades
sociais. Segundo Demo(2007) a política social autêntica é aquela que possibilita a
redistribuição de renda e poder, sendo ao mesmo tempo preventiva e equalizadora de
oportunidades. Neste sentido, a Assistência Social mesmo sendo considerada
Política Pública integrante da Seguridade Social ela não é e não será suficiente para o
enfrentamento das desigualdades sociais. Por isso a importância da intersetorialidade no
âmbito das políticas públicas e sociais.

A falta de prioridade do poder público nos últimos anos em efetivar políticas


públicas para o segmento de rua, levou os principais órgãos federais como a Defensoria

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Pública da União(DPU), Ministério Público Federal(MPF) e Ministério Público do
Trabalho(MPT), no início da pandemia do coronavírus a determinar aos órgãos locais,
um conjunto de ações intersetoriais, tendo em vista garantir a proteção social do
segmento de rua.

Dentre as exigências solicitadas à gestão estadual e municipal estavam: 1)


implantação de medidas de abrigamento emergencial para grupos de risco; 2) criação
de espaços de isolamento social para pessoas de rua infectadas com o corona vírus; 3)
garantia da oferta dos Equipamentos de Proteção Individual(EPIs), material para
higienização para trabalhadores e usuários; 4) garantia da oferta diária do serviço de
higienização e alimentação para cerca as pessoas em situação de rua; 5) realização de
vacinação contra a gripe para pessoas acima de 60 anos e trabalhadores; 6) Instalação
de pontos de água potável para os usuários e 7) Disponibilidade de banheiros públicos
próximos aos locais de abrigamento provisório.

A seguir discutiremos os principais desafios enfrentados pela gestão do SUAS


para efetivar direitos da população em situação de rua, num contexto de crise sanitária e
econômica, com duros ataques ao sistema de proteção social brasileiro.

a) O desafio de garantir isolamento social para uma população que utiliza a


rua como meio de moradia e sustento.

Durante a pandemia do coronavírus a pop rua trouxe inúmeros desafios aos gestores
e trabalhadores do SUAS, devido toda a complexidade que envolve este segmento,
devido sua composição heterogênea e o enorme desafio em garantir isolamento,
distanciamento social e higiene aspectos estes, bem distante da realidade e condições
desse grupo populacional. O apoio da rede socioassistencial do SUAS e do SUS foi
fundamental para socializar o máximo de informações junto aos usuários. Uma
programação foi elaborada com o apoio dos profissionais de saúde e trabalhadores da
rede complementar do SUAS, por meio das OSC´s, para divulgação e orientação das
medidas de prevenção e cuidados.

Um dado importante observado foi a dificuldade que a equipe técnica teve em


realizar o cadastro social desta população, uma vez que muitos usuários são egressos do

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sistema prisional e acabavam omitindo informações importantes como Nome Completo,
RG e CPF. Outra dificuldade observada foi em relação ao cadastro do Auxílio
Emergencial do Governo Federal. Mais de 50% da população acolhida nos dois abrigos
emergenciais não possuíam Documentação Civil, o que dificultou o acesso imediato ao
auxílio. O apoio da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos(SEJUSC) foi
fundamental para emissão da documentação civil, como também a disponibilidade dos
computadores e telefones para o acesso ao cadastro.

b) O desafio da intersetorialidade do SUAS junto às demais políticas públicas

O SUAS completou recentemente 15 anos de implantação. Ele é responsável


por organizar a Assistência Social nos três níveis de governo e garantir por meio de um
conjunto de serviços, benefícios e programas, a proteção social não contributiva no
âmbito da seguridade social.

O SUAS tem como princípios organizativos, a gratuidade, a integralidade, a


equidade e a intersetorialidade, que permite a integração e articulação da rede
socioassistencial com as demais políticas e órgãos setoriais(NOB-2012).

Durante o trabalho junto à pop Rua, foi possível observar de imediato que este
segmento é caracterizado por inúmeros agravos e doenças como : doenças de pele,
tuberculose, doenças crônicas, dependência química, DST´s e AIDS, gravidez de alto
risco e saúde_doença bucal o que nos exigiu uma ampla articulação com toda a rede
pública de saúde em todos os níveis de complexidade.

Havia uma permanente negligência das equipes que atuavam no serviço de


emergência do SAMU, pois quando acionadas pelas equipes técnicas, não priorizavam
as solicitações dos abrigos emergenciais. Esses episódios contínuos nos levaram a
comprovar que esta população sofre um enorme preconceito e discriminação por parte
dos agentes públicos e pela sociedade de modo geral.

Esta situação obrigou a Secretaria Estadual de Saúde(SUSAM) a disponibilizar


o serviço de ambulância com equipe técnica, em horário integral, para a atender as
demandas dos dois abrigos emergenciais.

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No epicentro da pandemia, nos deparamos com uma rede pública de Saúde
insuficiente e precária, pois não havia leitos suficientes, somados a um déficit de
profissionais do SUS na área da saúde mental e nas equipes do Consultório de Rua.

As equipes de consultório são organizadas de acordo com as modalidades I, II e


III. Em fevereiro de 2015 havia em todo País 133 equipes e em fevereiro/2020 esse
dado passou para 191 equipes. Apenas 5 Estados da Federação contam com 10 ou +
equipes de consultório na Rua. No Estado do Amazonas existem 2 equipes de
consultório, 1 na capital Manaus e 1 em Manacapuru, na região metropolitana de
Manaus. Os dados indicam a necessidade urgente dos governos ampliarem a rede de
serviços no SUS voltados ao segmento da Pop Rua em todo país.

No campo da assistência social o quadro não é muito diferente. Apesar dos


avanços no campo da assistência social, ainda há inúmeros desafios a serem enfrentados
pelos entes federados na promoção dos direitos das pessoas em situação de rua. Na
figura 2 é possível visualizar o número reduzido de unidade de CREAS e Centro-POP
considerados serviços específicos para a pop Rua.

Figura 2 - Rede SUAS instalada no Brasil e no Amazonas.

B B

= B =
B 2
8 =
= .
. 2
5 6
3 2
. 8
5 8
7 9

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Fonte: Relatório de Informações Sociais – SAGI-Ministério de Cidadania-Outubro/2020
(*) o dado inclui o total de unidades de acolhimento institucional.

c) O desafio em manter e ampliar os serviços do SUAS no contexto de


desfinanciamento do SUAS

Um dos eixos estruturante do SUAS é o financiamento partilhado entre os entes


federados. É viabilizado por meio de transferências obrigatórias, regulares e automáticas
entre os fundos de assistência social.

Um dos grandes desafios dos gestores do SUAS na atualidade tem sido a


manutenção da Rede SUAS instalada diante de um contexto de redução do gasto
público, consequência da EC 95/2016. O descaso do governo federal com o SUAS vem
se dando desde 2017, por meio do congelamento e redução contínua dos recursos para a
manutenção dos serviços socioassistenciais do SUAS. Antes mesmo da pandemia já
havia uma grande dificuldade dos gestores municipais em manter a rede instalada do
SUAS, que durante a pandemia, a demanda por serviços aumentou consideravelmente.

Como sabemos boa parte dos municípios brasileiros dependem exclusivamente


dos recursos federais para a manutenção da rede do SUAS. O não cumprimento do
repasse mensal por parte do governo federal vem comprometendo a oferta dos serviços
da proteção social básica e especial, principalmente nos municípios de pequeno porte.

O desfinanciamento do SUAS é uma ameaça ao Sistema de Seguridade


brasileiro, pois desde que foi instituído, em 2005, o Sistema dispõe de mais de 8 mil
CRAS; mais de 2.500 CREAS; mais de 200 Centros POP e mais de 5 mil vagas em
abrigos para crianças/adolescentes, adultos, mulheres, idosos e deficientes.

A situação do SUAS não é mais dramática porque o Controle Social tem feito
incidência política, junto ao Senado e Câmara Federal para a recomposição
orçamentária do SUAS. Importante destacar o papel de liderança do CONGEMAS e sua
articulação com o FONSEAS, CNAS, Frente Nacional em Defesa do SUAS, Frente
Parlamentar em Defesa do SUAS, FNTSUAS e FNUSUAS, na luta em defesa do
SUAS, na defesa do cumprimento do pacto federativo e pela manutenção de um dos
principais sistemas de proteção social da América Latina.

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Os ataques ao SUAS na sua base orçamentária foi mais incisiva em 2018 quando
a Assistência Social sofreu um corte de 50% na Proposta de Lei Orçamentária Anual
2019, comprometendo a cobertura dos serviços, benefícios e programas do SUAS.
Havia uma previsão orçamentária na ordem de R$ 61,136 bilhões, mas foram
disponibilizados apenas R$ 30,899 bilhões.

Durante todo ano de 2019 foram realizadas várias mobilizações e audiências


públicas na Câmara e Senado para a recomposição orçamentária do sistema. Após muita
luta, em dezembro de 2019 ocorreu a liberação de um crédito suplementar no valor de
R$ 938milhões para a manutenção dos serviços do SUAS. Em 2019 o CNAS aprovou o
orçamento 2020 no valor R$ 2,7 bilhões, para a manutenção dos serviços
socioassistenciais. No entanto, só foram disponibilizados apenas R$ 1,3 bilhão.

No início de 2020 o Ministério de Cidadania surpreendeu os gestores do SUAS


reduzindo em 40% o valor de repasses das parcelas mensais para a manutenção dos
serviços do SUAS, com a justifica de “equalizar” o financiamento do sistema. Com o
advento da pandemia no País e o aumento expressivo da demanda por benefícios
eventuais, acolhimentos e Epis, a situação da rede de serviços ficou dramática.

Em abril de 2020, o Ministério de Cidadania liberou por meio da Portaria


n.369/2020 o montante de R$ 2.474.835.329,00 para a Ações do Covid no SUAS para
Acolhimento, Alimentos e Equipamentos de Segurança (Epis). No entanto, os repasses
mensais obrigatórios não foram efetuados.

Em relação ao Amazonas, os 62 municípios do Estado do Amazonas receberam


o montante de R$ 41.304.557,48 para manutenção dos serviços da Proteção Social
Básica e Especial. Os maiores repasses foram para cofinanciar o serviço de
acolhimento institucional(aquisição de alimentos e Epis) e os serviços da proteção
social, devido a elevada demanda por benefícios eventuais(cestas básicas e auxílio
funeral).

Em contrapartida, a gestão estadual da SEAS recebeu do Governo Federal, nos


meses de abril e maio/2020, apenas R$ 129.600,00 para manutenção de 1 abrigo para

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migrantes venezuelanos, 2 abrigos emergenciais de Pop Rua e R$ 9.450,00 para compra
de Epis para as equipes técnicas.

É importante ressaltar que o custo do SUAS no Amazonas é bastante elevado


devido o fator amazônico. O governo federal ainda não conseguiu propor critérios de
partilha diferenciados para os estados da região Amazônica.

Durante a pandemia da Covid-19 alguns municípios como: Tabatinga, São


Gabriel da Cachoeira e Barcelos que concentram um grande contingente indígena,
acabou demandando aos entes federados, maiores esforços para conter o avanço do
coronovírus. A situação de São Gabriel da Cachoeira é bem peculiar, pois o município
localizado no alto Rio Negro concentra 90% da população indígena do estado e em
maio/2020 registrou 741 casos e 21 mortes(FVS). Com uma rede de serviços do SUAS
ainda bastante insuficiente dispõe apenas de 1 CRAS, 1 CREAS e 1 Acolhimento
institucional.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Política Nacional para a População em Situação de Rua(Decreto N.


7.053/2009), possibilitou a criação de serviços específicos voltados para este segmento
considerado de extrema vulnerabilidade. No entanto, mesmo sendo considerada uma
conquista, a PNPSR ainda apresenta várias lacunas, pois muitas das suas diretrizes
ainda não foram efetivadas pelos governos, por vários fatores de ordem política,
econômica e social.

Percebemos que a pandemia do novo coronavírus veio escancarar as


desigualdades sociais no País e desnudar a ideia de “invisibilidade” que permeia a Pop
Rua. É sabido que o Estado do Amazonas foi bastante castigado pela Covid-19 e as
lições que os gestores públicos precisam tirar desta catástrofe mundial é a urgência do
Estado brasileiro de garantir um Sistema de Proteção Social mais efetivo, que alcance
principalmente as populações mais vulneráveis, pois como vimos, a pandemia acertou
em cheio as classes populares.

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É fundamental que o poder público do Estado do Amazonas, avance na oferta de
Políticas Públicas para a Pop Rua, pois é inaceitável que o SUS e o SUAS dispõem
apenas de 3 Centro POPs e 2 equipes de Consultório de Rua.

A experiência na gestão do SUAS nos possibilitou enxergar a importância da


articulação da rede pública do SUAS, junto ao SUS, às entidades da Assistência Social
e as instituições filantrópicas/religiosas, no apoio as medidas de isolamento social. Após
a determinação do MPF, DPU e MPT que solicitou aos órgãos públicos medidas
emergenciais de proteção e isolamento social, o trabalho em parceria com a prefeitura
de Manaus e as entidades, foi fundamental para conter o avanço do coronavírus entre a
pop Rua.

Ressaltamos a necessidade dos gestores locais em realizar pesquisas e


diagnósticos sobre a População em situação de rua, nos diferentes territórios do
Amazonas, tendo em vista mapear suas demandas e necessidades, para subsídio das
futuras ações governamentais.

Compreendemos que garantir os serviços do SUAS é de fundamental


importância para promover o direito à acolhida, o convívio, a autonomia dos sujeitos,
numa perspectiva de integração dos serviços aos benefícios e às demais políticas
públicas. Por isso, não basta apenas cadastrar, abrigar e alimentar o povo da Rua, é
necessário garantir renda, saúde, trabalho, educação e principalmente o acesso à
moradia digna.

Por fim, precisamos reafirmar a defesa do Sistema Único de Assistência


Social(SUAS), em tempos de duros ataques ao Sistema de Seguridade Social brasileiro,
por parte de um governo ultraliberal, que privilegia os investimentos financeiros em
detrimento das políticas sociais. É inaceitável que o governo Bolsonaro se recuse a
repassar anualmente 2,7 bilhões, para manter o os serviços do SUAS e repasse aos
bancos privados o montante de 1 trilhão de reais. Portanto, é urgente a mobilização das
bancadas parlamentares estadual e federal, fóruns de trabalhadores, usuários,
movimentos sociais, colegiados de gestores, para a luta em defesa de um dos maiores
sistemas de proteção social da América Latina.

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REFERÊNCIAS

Demo.Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. Papirus. Campinas, SP. 1994.

Fundação Vigilância em Saúde do Amazonas. Painel de monitoramento do COVID-.


Disponível no endereço: http://saude.am.gov.br/painel/corona/.

Instituto de Pesquisas Aplicadas. IPEA. Nota Técnica n. 73, junho/2020. Estimativa


População em situação de Rua no Brasil.

Instituto de Pesquisas Aplicadas. IPEA. Nota Técnica n. 74, junho/2020. População em


Situação de Rua em Tempos de Pandemia: Um Levantamento de Medidas Municipais
Emergenciais.

Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde(SAPS). Pesquisa realizada


em 14 de outubro de 2020. Disponível em https://aps.saude.gov.br/ape/consultoriorua/.

Ministério de Cidadania. Relatório de Programas e Ações. Consulta realizada em


outubro/2020. disponível em <www. aplicacoes.mds.gov.br>

Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário. Caderno de Orientações Técnicas


sobre os gastos no pagamento dos profissionais das equipes de referência do SUAS.

Natalino, Marco. Estimativa da População em situação de rua no Brasil. IPEA, 2020.


Presidência da Casa Civil. Decreto N. 7.053 de 23 de dezembro de 2009.

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