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O PSICÓLOGO E A ASSISTÊNCIA SOCIAL – DESAFIOS DO TRABALHO

INTERDISCIPLINAR NA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA

A Assistência Social através de seus marcos legais fez uma convocação oficial à
psicologia no trabalho de afirmação da construção do cidadão brasileiro como sujeito de
direitos e de luta contra as desigualdades sociais que compõem o desenho de como está
organizada a sociedade brasileira política-economicamente. Neste sentido, há um
esforço nacional presente em cada município, respeitando a diretriz da descentralização,
de implementação dos equipamentos previstos pelo Sistema Único da Assistência
Social, divididos pelos seus níveis de complexidade. Sabe-se que a questão social é uma
problemática complicada, que deve ser pensada sobre diversas perspectivas e campos de
saber. Assim, as equipes de referência dos equipamentos do SUAS já tem previstas a
interdisciplinaridade necessária para que o trabalho com as famílias e comunidades seja
mais efetivo. O psicólogo aparece como ator fundamental nessa composição. É peça
necessária e indispensável nessas equipes, isso porque os processos de exclusão social
têm suas implicações subjetivas, tanto por suas causas como por suas conseqüências.
Portanto, o maior desafio para a consolidação das equipes (e conseqüente da PNAS,
pois o trabalho depende essencialmente dos recursos humanos) é a construção da
interdisciplinaridade e a interlocução dos saberes do serviço social e da psicologia sem
que percam suas especificidades. A implantação da Política Nacional de Assistência
Social nos municípios, por se tratar de uma política pública preferencialmente estatal,
encontra ainda, como desafio, a descontinuidade da gestão dos seus serviços, já que
depende dos movimentos da política partidária nessas composições de gestão, o que
atrapalha o seu processo de construção. A presente apresentação visa promover uma
reflexão sobre esse cenário da inserção da psicologia na Assistência Social e das
possibilidades e desafios do psicólogo na consolidação da Política Nacional de
Assistência Social e da afirmação do cidadão brasileiro como sujeito de direitos.
Palavras-chave: Psicologia, Assistência Social, multidisciplinaridade, política pública.

Simone Piñeiro Bressan – Psicóloga formada pela UNESP Assis, especialista em


Semiótica Psicanalítica – Clínica da Cultura pela PUC/SP, trabalha em equipe de
referência de CRAS – Centro de Referência de Assistência Social – na Prefeitura
Municipal de Guarulhos. E-mail: sicabressan@gmail.com. Endereço: Rua Emanuele
Saporiti, 188 – Vila Maria Alta – São Paulo – SP – CEP 02129-070

Eliana Carrelli – Psicóloga, formada pela Universidade de Guarulhos, especialista em


Gestão Estratégica Pública pela Unicamp, psicóloga da Prefeitura Municipal de
Guarulhos, atuando como Coordenadora de CRAS – Centro de Referência de
Assistência Social. E-mail: elianacarrelli@yahoo.com.br. Endereço: R. Judith
Zumkeller, 488 – Ap. 18 – Mandaqui – São Paulo – SP – CEP: 02422-020

Introdução
A Constituição de 1988 foi um marco para a Assistência Social no Brasil, que
juntamente com a Saúde e a Previdência constituem-se no Sistema Brasileiro de
Seguridade Nacional, buscando a afirmação dos direitos sociais.

 
Em 1993 entra em vigência a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, em
2004 é aprovada a Política Nacional de Assistência Social e em 2005 entra em vigor a
Norma Operacional Básica da Assistência Social – NOB/SUAS.
Essas diretrizes e normatizações foram passos importantes para a transformação
da Assistência Social em uma política pública de garantia de direitos, procurando
romper com um processo histórico que associava o trabalho na área da Assistência
Social ao assistencialismo, ao clientelismo que reduziam seus beneficiários à condição
de “necessitados”, estabelecendo com estes uma relação de dependência.
Sabe-se que, historicamente, pouco mais de duas décadas não é tempo suficiente
para que as mudanças sejam completamente efetivadas.
É nesse cenário em que as transformações sociais estão em pleno processo que o
presente trabalho pretende promover uma reflexão acerca da inserção da psicologia na
Assistência Social e dos desafios e possibilidades do psicólogo na consolidação da
Política Nacional de Assistência Social e da afirmação do cidadão enquanto sujeito de
direitos.
Neste relato, o olhar sobre o trabalho do psicólogo está focado na Proteção
Social Básica e, mais especificamente nos Centros de Referência da Assistência Social
– CRAS no município de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo.

O município de Guarulhos
Guarulhos é um dos 39 municípios que integra a Região Metropolitana de São
Paulo, distante apenas 17 km da capital, cortado por importantes rodovias, tais como,
Presidente Dutra, Fernão Dias e Airton Senna. Possui uma área de 341 km² e uma
população de 1.351.790 habitantes 1 .
É uma cidade também de muitas contradições. Enquanto é a 11ª maior cidade do
país, atrás apenas de 10 capitais brasileiras, considerada o principal pólo industrial do
setor químico-farmacêutico, o terceiro pólo têxtil e ocupa o 7º lugar na economia
brasileira, em 2001 ocupava a 191ª posição no Estado de acordo com o ranking do
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), elaborado pelo Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e pelo PNUD (Programa das Nações Unidas

                                                            
1 SEADE, estimativa populacional em 2010.

 
para o Desenvolvimento), com um índice de 0,797. E é a quarta cidade em maior
número de favelas, nas quais vivem 25% da população 2 .
Segundo o IBGE, de acordo com o “Mapa da Pobreza e Desigualdade dos
Municípios Brasileiros”, realizado em 2003, a incidência de pobreza de Guarulhos era
de 43,21%, um percentual alto se comparado, por exemplo, à capital São Paulo, com um
índice de 28,09%.
E é a partir dessa realidade, constituída de intensas desigualdades sociais que a
Secretaria de Assistência Social atua, buscando articular e integrar a rede de serviços
socioassistenciais na garantia de direitos de seus cidadãos.
Até 2009, contava com nove 3 CRAS – Centro de Referência da Assistência
Social, um Centro de Referência do Idoso, uma Casa da Juventude, um Albergue
Municipal de Atendimento a População em Situação de Rua Adulta, três Casas Abrigo
Municipais (para acolhimento institucional de crianças e adolescentes) e um CREAS –
Centro de Referência Especializado de Assistência Social.

Os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) em Guarulhos


De acordo com a Política Nacional da Assistência Social (PNAS), o Centro de
Referência da Assistência Social (CRAS) é
“uma unidade pública estatal de base territorial, localizado em áreas de
vulnerabilidade social, que abrange um total de até 1.000 famílias/ano.
Executa serviços de proteção social básica, organiza e coordena a rede de
serviços socioassistenciais locais da política de assistência social.” (2004, p.
35)
Tem a responsabilidade de ofertar o Programa de Atenção Integral às Famílias
(PAIF), deve informar, orientar e articular com a rede de proteção social local o que se
refere aos direitos de cidadania, além de mapear e organizar a rede socioassistencial de
proteção básica, promovendo a inserção das famílias nos serviços de assistência social
local e o encaminhamento das mesmas às demais políticas públicas e sociais do
município.
Além do PAIF, são considerados serviços da Proteção Social Básica: projetos de
inclusão produtiva e de Convivência e Fortalecimento de Vínculos.

                                                            
2 Dados obtidos através do Plano Municipal de Assistência Social, Guarulhos, 2009.

3 Em 2010, dois novos CRAS estão em fase de implantação: Nova Cidade e Centenário, na região de
Pimentas.

 
Atualmente, em Guarulhos existem onze CRAS: Acácio, Centenário, Centro,
Cumbica, Itapegica, Nova Cidade, Pimentas, Ponte Alta, Presidente Dutra, Santos
Dumont e São João.
Os CRAS em Guarulhos desenvolvem serviços de acolhimento, atendimento
individual ou em grupo, visita domiciliar, orientação e encaminhamento dos atendidos e
familiares à rede de serviços especializados, organização de prontuários dos usuários,
elaboração de relatórios técnicos para encaminhamento e/ou acompanhamento dos
usuários a outros órgãos da rede socioassistencial, inclusão de famílias em programas de
transferência de renda e grupos socioeducativos para seus beneficiários, grupos de
convivência e fortalecimento de vínculos, acesso à segunda via de certidões de
nascimento e casamento, orientação e acesso ao BPC – Benefício de Prestação
Continuada, através de Termo de Parceria com o INSS e emissão de carteira
interestadual para idoso.
Para a execução de todos esses serviços, divididos entre os nove CRAS em
funcionamento, o município contava até final de 2009 com nove coordenadores, com
formação em Serviço Social, Psicologia, Pedagogia e Psicopedagogia; nove chefias
administrativas; vinte e três Assistentes Sociais; onze Psicólogos; quatorze Estagiários
de Serviço Social ou Psicologia; dezesseis funcionários exercendo funções
administrativas; treze Orientadores de Atividades, desenvolvendo ações de inclusão
produtiva; quatro cozinheiras e oito auxiliares operacionais.

A inserção do Psicólogo na Assistência Social


A presença do psicólogo nos serviços de Assistência Social é anterior ao
estabelecimento da Política Nacional de Assistência Social. No entanto, com a
implantação da política, suas normas e diretrizes, o psicólogo aparece como integrante
efetivo da equipe de referência dos Centros de Referência da Assistência Social –
CRAS, enquanto um dos técnicos de nível superior.
Na cidade de Guarulhos, considerada uma metrópole por seu número de
habitantes, o psicólogo garante sua presença em todos os CRAS e atua, com os
assistentes sociais, nos vários serviços socioassistenciais desenvolvidos nos
equipamentos.
Constatamos com este fato que a dimensão psíquica e subjetiva são legitimadas
na análise e compreensão dos processos de exclusão social, na construção e manutenção

 
das desigualdades sociais e das situações de vulnerabilidades, riscos e violações dos
direitos sociais de cidadania.
A população usuária dos serviços e benefícios da assistência social ocupa uma
posição de miséria social crônica, já que são famílias que freqüentam há décadas os
equipamentos públicos de assistência social ou entidades, igrejas, instituições, ONGs,
etc.
O que se verifica é que os benefícios materiais ofertados nos CRAS não
garantem a inclusão social das famílias, o acesso ao mercado de trabalho, muito menos
o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos. Pelo contrário, percebe-se a manutenção
da necessidade de ajuda do Estado para a garantia do mínimo ao sustento das suas
necessidades básicas.
Nesse sentido, ganha amplitude o acompanhamento das famílias que recebem
esses benefícios. As atividades, encontros e projetos que se desenvolvem junto com elas
têm o objetivo de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, o
desenvolvimento da autonomia e o empoderamento com relação à luta pelos direitos
individuais e sociais garantidos na constituição de 1988.
Uma das estratégias mais utilizadas no município e previstas na Tipificação
Nacional dos Serviços Socioassistenciais, é o grupo socioeducativo. Nele, o profissional
pode levantar e promover a discussão de temas de relevância para a comunidade,
construir projetos junto com os usuários, proporcionar atividades de convivência e de
lazer, ou seja, é um modelo aberto, onde o profissional pode criar uma nova relação
com a comunidade, construindo novos modos de atuar nela, novos agenciamentos para
a afirmação dos direitos.
Nessa perspectiva de trabalho de acompanhamento das famílias, visando uma
nova relação deste usuário com a assistência, que inclua a sua independência desta
política pública, a dimensão do desejo do sujeito, resgatada pelo trabalho do psicólogo,
é um ponto de sustentação no compromisso dele com as atividades ofertadas e na
investigação, identificação e intervenção de possibilidades de estratégias de inclusão
social. A dimensão do desejo deve estar articulada com as ações planejadas e
desenvolvidas pela equipe técnica.
Se sabemos que uma das faces da inclusão social é o sentimento de não-
pertença à sociedade, que em alguns casos chega à despersonalização, é pela via do
desejo que será possível construir uma nova relação de confiança com a sociedade, para

 
então restabelecer vínculos sociais, familiares e comunitários, que podem propiciar a
saída da situação de vulnerabilidade social.
Aqui, a singularidade do desejo de cada sujeito deve ser valorizada e trabalhada,
em um CRAS flexível e aberto à diversidade das famílias que compõem o complicado
cenário das comunidades em situação de vulnerabilidade social 4 , ofertando diversos
espaços socioeducativos e de convivência, dentro e fora do equipamento, de modo que
atinjam a complexidade de sua demanda.
De forma complementar às diretrizes traçadas pela Política Nacional de
Assistência Social e pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS –
NOB/RH, a publicação “Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência
Social – CRAS”, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS,
lançada em 2009, preocupa-se em detalhar o perfil e as atribuições dos profissionais de
nível técnico, sem diferenciá-los em relação à sua formação.
Mais adiante aborda especificamente o que os profissionais de psicologia não
devem adotar como prática no trabalho no CRAS: o atendimento psicoterapêutico, a
“patologização” ou categorização dos usuários nos atendimentos. Continua a orientação
elencando como utilizar seus recursos teóricos e técnicos, com o intuito de:
“a) compreender os processos subjetivos que podem gerar ou contribuir
para a incidência de vulnerabilidade e risco social de famílias e indivíduos;
b) contribuir para a prevenção de situações que possam gerar a ruptura dos
vínculos familiares e comunitários, e c) favorecer o desenvolvimento da
autonomia dos usuários do CRAS” (Orientações Técnicas: Centro de
Referência de Assistência Social – CRAS, 2009, p.65).

É interessante pensarmos sobre os motivos que levaram o MDS a considerar


necessário delimitar o que o psicólogo deve ou não realizar no CRAS, no entanto, a
preocupação com a orientação não se estende aos profissionais do serviço social. Talvez
esteja implícita a idéia de que o psicólogo não compreenda tão claramente quanto o
assistente social o seu papel dentro da Proteção Social Básica.
Historicamente a Psicologia como profissão foi regulamentada no início da
década de 60, período da ditadura militar, em que não era possível colocar em pauta as

                                                            
4  Segundo  a  PNAS,  entende‐se  por  vulnerabilidade  social:  famílias  e  indivíduos  com  perda  ou  fragilidade  de  vínculos  de 
afetividade,  pertencimento  e  sociabilidade;  ciclos  de  vida;  identidades  estigmatizadas  em  termos  étnico,  cultural  e  sexual; 
desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de 
substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou 
não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem 
representar risco pessoal e social.  

 
questões sociais. Consequentemente, a origem da profissão tornou-se bastante elitizada,
reforçando a idéia de que o psicólogo tem sua prática mais voltada para o sofrimento
psíquico dos indivíduos em detrimento de olhares mais ampliados acerca das questões
sociais. Apenas na última década pôde-se observar um aumento gradativo na inserção
dos psicólogos nas políticas públicas.
Para contribuir com a discussão do papel do psicólogo enquanto técnico de
referência do CRAS, inserido numa equipe interdisciplinar, alguns documentos vêm
sendo publicados pelos conselhos que regulamentam as profissões de assistente social e
psicólogo, demonstrando uma preocupação em oferecer parâmetros para a atuação dos
mesmos na Assistência Social. Em 2007, conjuntamente, o Conselho Federal de
Psicologia – CFP e Conselho Federal de Serviço Social – CFESS publicaram o
documento Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos (as) na
Política de Assistência Social. No mesmo ano, o CFP publicou “Referência técnica
para atuação do(a) psicólogo(a) no CRAS/SUAS”.
Esses documentos se propõem a contribuir com a reflexão da dimensão ético-
política da Assistência Social e sobre a atuação do psicólogo no CRAS, no entanto não
são suficientes para responder às várias questões que se colocam a partir da prática
cotidiana de seu trabalho e da articulação dos saberes específicos numa atuação
interdisciplinar.
Como construir e manter aberto um canal de diálogo entre os técnicos de
referência no sentido de articulação de seus saberes sem que percam suas
especificidades? Como conciliar as diferentes demandas trazidas pelos diversos atores
na dinâmica do trabalho do CRAS? Como fazer para que a psicologia seja realmente
percebida como um saber necessário e complementar na busca da garantia de direitos
dos usuários da Política Nacional de Assistência Social?

A Equipe Interdisciplinar no CRAS.


A publicação “Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social
– CRAS” enfatiza a importância do trabalho em equipe e interdisciplinar,
compreendendo
“que o principal objeto de ação da política de assistência social – as
vulnerabilidades e riscos sociais – não são fatos homogêneos e simples, mas
complexos e multifacetados, que exigem respostas diversificadas alcançadas
por meio de ações contextualizadas e para as quais concorrem contribuições

 
construídas coletivamente e não apenas por intermédio do envolvimento
individualizado de técnicos com diferentes formações” (2009, p.64).
Prossegue dizendo que “o trabalho interdisciplinar exige que uma equipe
multiprofissional supere a abordagem tecnicista, segundo a qual o trabalho
de profissionais de diferentes áreas é enfocado como uma atribuição
específica e independente” (p.65).
Assim, tanto o psicólogo do CRAS, como o assistente social, são considerados
técnicos de referência. Isso pressupõe um modo de organização de trabalho
multidisciplinar, onde os profissionais estão presentes nas diversas atividades, sem
perder suas especificidades. Visto que todas as etapas de trabalho são oportunidades de
se lidar com os vínculos, a subjetividade implicada na objetividade da miséria, o desejo
e a adesão dos usuários nas atividades oferecidas, assim, o psicólogo, na equipe de
referência, atua em todos os serviços socioassistenciais.
Em nossa prática cotidiana verificamos que há uma disponibilidade por
parte dos profissionais, tanto psicólogos quanto assistentes sociais, em buscar uma
aproximação e integração de seus saberes, sendo pauta comum em encontros mensais
organizados pela equipe técnica da Proteção Social Básica. No entanto, no dia-a-dia do
trabalho, tendo que atender as demandas dos gestores e as demandas dos usuários, a
divisão do trabalho passa a ser mais aritmética do que técnica.
Como define LEVY (2001), o termo demanda pode trazer três
significados diferentes: a demanda econômica, a psicológica e a social. No primeiro
sentido, vincula-se a um objeto, um bem ou a uma relação de troca, assemelhando-se à
noção de oferta e de encomenda. Pressupõe uma ordem ou pedido por uma das partes e
uma submissão daquele a quem esta se dirige. A demanda psicológica refere-se a um
desejo, uma falta dirigida a alguém a quem se espera que vá supri-la, sendo, portanto
mais difícil de formulá-la e de interpretá-la. E, finalmente as demandas sociais que são
aquelas que emergem em situações coletivas, resultando em vivências compartilhadas e
que podem produzir efeito nas situações que as originaram.
A equipe interdisciplinar em seu trabalho no CRAS deve lidar com as demandas
econômicas, vindas dos gestores (metas de atendimento, preenchimento de vagas nos
programas de transferência de renda), bem como com as demandas psicológicas trazidas
pelos sujeitos que atende, estando disposto a receber as demandas sociais com sua
dimensão intersubjetiva, reconhecê-las como tal e levar os seus solicitantes a também
reconhecê-las como questão.
Estamos diante de uma equação que não que não se resolve em que temos que
considerar as diversas demandas elencadas acima, além da demanda prática cotidiana da

 
equipe que implica em encontrar espaços para discutir, planejar e efetivar o trabalho
conjunto.

Considerações Finais
Esse panorama traçado até aqui nós coloca diante de desafios bastante
complexos, porém que precisam ser superados para que a Política Nacional de
Assistência Social, em processo de consolidação, possa verdadeiramente garantir o
acesso e manutenção dos direitos sociais.
É necessário que o psicólogo, trabalhador de uma política pública, parte de uma
equipe multidisciplinar, conquiste a confiança necessária de gestores e demais
integrantes das equipes de referência dos CRAS. Que se sinta legitimado em sua
atuação enquanto um profissional que articulado com o projeto elaborado por uma
equipe integrada, possa provocar impactos na dimensão da subjetividade dos
indivíduos, a partir de uma postura ético-política fortalecendo o processo de superação
das situações de vulnerabilidade social favorecendo a conquista da autonomia dos
usuários do sistema.
Por outro lado, é fundamental que os gestores municipais, executores de uma
política nacional, percebam a necessidade de investimentos na área de assistência social.
Atualmente, ela ainda carrega os resquícios de uma época recente da história em que o
Estado apenas se preocupava com a manutenção da necessidade de dependência do
indivíduo em relação a ele.
Nos municípios brasileiros é comum os baixíssimos orçamentos destinados à
Assistência Social. No município de Guarulhos, a luta na câmera dos vereadores é de
que o repasse chegue ao menos a 1 %.
Como reflexo disso temos o número de equipamentos insuficientes e
inadequados para o tipo de serviço realizado, falta de padronização e mínimo de
qualidade estrutural, onde até mesmo os códigos de ética dos profissionais são
colocados à prova: falta de salas que garantam a privacidade do usuário e o sigilo
profissional, falta de local que assegure a confidencialidade dos prontuários, falta de
investimento em sistemas de gestão de informação, equipes de referência incompletas.
Apontamos ainda como necessidade para a consolidação da Política Nacional de
Assistência Social nas esferas municipais, um investimento governamental no sentido
de considerá-la de fato uma política de estado.

 
A Assistência Social demonstra ser muito frágil e, comumente é confundida com
política de governo, com descontinuidade das ações no serviço público à partir de trocas
freqüentes de seus gestores. Muitas vezes é instrumentalizada como um grande vetor de
votos, ao invés de ser afirmada como política de Estado e de direito social.
Faz-se necessário alterar a visão de uma política primordialmente assistencialista
tornando-a efetivamente libertadora, emancipatória, e garantidora da autonomia social e
política do cidadão atendido pela Política Nacional, e que os gestores também
transformem o seu olhar em relação à pobreza, investindo em sua superação e não em
sua manutenção.

Referências Bibliográficas

BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À


FOME (MDS). CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CNAS).
Resolução nº 145 de 15 de outubro de 2004. Política Nacional de Assistência Social –
PNAS. Brasília, 2004.
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FOME (MDS). Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social –
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CENTRO DE REFERÊNCIA TÉCNICA EM PSICOLOGIA E POLÍTICAS
PÚBLICAS (CREPOP). Referência técnica para atuação do(a) psicólogo(a) no
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CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Direitos Sociais para construir
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Julho/2010. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília: CFP, 2010.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Parâmetros para atuação
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CFP/CFESS, 2007.
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Plano Municipal de Assistência Social de Guarulhos 2009 – 2012. Prefeitura Municipal
de Guarulhos/Kairós Desenvolvimento Social. Guarulhos, 2009.
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social e intervenção. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
PORTAL DA PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARULHOS. Disponível em
www.guarulhos.sp.gov.br.

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