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Capítulo 12

A psicologia da Gestalt
_________________________________________________________________________________________ I _________________________________________________________________________________________ I

Um insight repentino Os estudos da Gestalt sobre a aprendizagem: insight e a


A revolta da Gestalt mentalidade dos macacos
M ais para se perceber do que os olhos podem encontrar Comentários
A s influências anteriores sobre a psicologia da Gestalt O pensamento humano produtivo
A s mudanças do Zeitgeist na física O isomorfismo
O fenómeno phi: um desafio à psicologia wundtiana A expansão da psicologia da Gestalt
Max Wertheimer (1880-1943) A batalha contra o behaviorismo
Kurt Koffka (1886-1941) A psicologia da Gestalt na Alem anha nazista
Wolfgang Kohler (1887-1967) Ateoria de campo: Kurt Lewin (1890-1947)
A natureza da revolta da Gestalt A biografia de Lewin
Constância perceptual 0
espaço vital
Uma questão de definição A motivação e o efeito de Zeigarnik
Os princípios da Gestalt sobre a organização perceptual A psicologia social
A s críticas à psicologia da Gestalt
A s contribuições da psicologia da Gestalt
Questões para discussão

Um insight repentino

Tenerife, localizadaa200 milhasdacostadaAfrica, éailhamaisfamosanahistóriadapsicologia, poisfoi
láque Wolfgang Köhler estudou macacos. Mas essenão émais umconto sobre Hans, oEsperto, ou Pris­
cilla, o Porco Metódico, animais quetinhamsido treinados ou condicionados asecomportar dedetermi­
nadamaneira. AtéKöhler, psicólogo alemão, ir paraTenerife, em1913, acreditava-sequeaúnicamaneira
de animais aprenderem era por meio de tentativa e erro, isto é, tropeçando acidentalmente na resposta
correta —aquela que trazia comida como recompensa. A maioria das pesquisas sobre animais citadas nos
capítulos anteriores envolve animais ensinados ase comportar da maneira como o experimentador ou
treinador desejava.
Köhler nãotinhainteresseemtreinar osmacacosqueencontrouvivendonailha. Seuobjetivoeraobservá-
-losparaver como elesresolviamproblemas. Eleacreditavaqueeleserammaisinteligentesdo queaspessoas
imaginavamequeeramcapazesderesolver problemasdemaneiramuito semelhanteàdoshumanos. Assim,
colocou osmacacosemgaiolasgrandes, colocou osinstrumentos quepoderiamusar paraobter comidabem
àvistadeles, esentou-separaobservar o quefaziam.
Uma macaca, Nueva, pegou uma vara que Köhler havia colocado emsuagaiola. Ela arranhou o chão
comavarapor umcurto período; emseguida, perdeu o interesse eadeixou delado. Dez minutos depois,
algumasfrutasforamcolocadasdo lado defora. Elaesticou umdosbraçospelasgradesdagaiolaemdireção
auma fruta, mas não conseguiu alcançá-la. Começou achoramingar eagemer, eemseguidajogou-se no
chão emum“gesto muito eloquentededesespero”, Köhler escreveu.
Minutos depois elaolhou avara, parou de choramingar, erepentinamente aagarrou. Então, esticou a
varapelasgrades dagaiolaearrastou afrutaatéqueestivesseperto o suficienteparapoder alcançá-lacoma
mão. Umahoradepois, Köhler repetiu oexperimento. Dessavez, Nuevapegou avaraeausou como instru­
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mento maishabilmente quedaprimeiravez, eassimconseguiu obter afrutamaisrapidamente. Na terceira


vez, elapegou avaradeimediato, reagindo aindamaisrapidamente.
Ficou evidente para Köhler que Nueva não seatrapalhou usando atécnica de tentativa eerro para a
aprendizagem, equeestaaconteceunodecorrer dosmovimentosrealizadosaoacasoparatocar acomidacom
avara. Ao contrário, osmovimentos eramorientados paraumobjetivo, erampropositais edeliberados. Isso
eradiferente do comportamento dosgatosnacaixaquebra-cabeçaou dosratosno labirinto deThorndike.
Nueva eosoutros chimpanzés estudados emTenerifeexibiramuma maneira diferente deaprender, e
suas ações levaramauma outra revolução na psicologia, aoutra maneira de abordar o estudo da mente
edo comportamento.

A revolta da Gestalt
Traçamosatéaqui aevolução dapsicologiadesdeasideiasiniciaisdeWundt eaelaboração dessasnoçõespor
Titchener, passando pela escoladepensamento funcionalista, bemcomo pelasáreas aplicadas dapsicologia,
atéchegar aobehaviorismo deWatsoneSkinner eaodesafiocognitivo nessemovimento. Maisou menosna
mesma época emquearevolução behaviorista aglutinavaforçasnosEstados Unidos, arevolução daGestalt
tomava conta dapsicologia naAlemanha. Essarevolução consistia emmais umprotesto contra apsicologia
wundtianaeviria, maistarde, asetornar umtestemunho dasideiasdeWundt como fontedeinspiraçãopara
osurgimento denovasvisõesecomo baseparaolançamento denovossistemasdepsicologia.
Nesse ataque contra apsicologia dominante, apsicologia da Gestalt concentrava-se principalmente na
natureza elementar do trabalho deWundt. Apenaspararelembrar, oselementos sensoriaisformavamabase
dapsicologiawundtiana, eospsicólogos da Gestalt fizeramdesse enfoque o alvo do seu ataque. Wolfgang
Köhler, fundador dapsicologiadaGestalt, afirmou: “Ficamoschocadoscomatesedequetodo fatopsicoló­
gico constitui-sedeátomosinertesnão relacionadosequeasassociaçõesconsistem, praticamente, nosúnicos
fatoresquecombinamessesátomos, introduzindo, assim, aação” (Köhler, 1959, p. 728).
Paracompreender o protesto da Gestalt, retornemos ao ano de 1912. O behaviorismo deWatson co­
meçava aatacar Wundt eTitchener e também o funcionalismo. A pesquisa sobre animais realizada nos
laboratórios de Thorndike ede Pavlov exercia grande impacto eapsicanálise de Freud (ver Capítulo 13)
já completava uma década. Embora o movimento dos psicólogos da Gestalt contra aposição de Wundt
tenhaocorrido concomitantementeaosurgimento dobehaviorismo nosEstadosUnidos, osdoismovimen­
tos foramtotalmente independentes. Eainda que ambas asescolas depensamento tivessemcomeçado por
seopor àsmesmasideias—ofoco deWundt sobreoselementossensoriais, elasacabarampor voltar-seuma
contra aoutra.
As diferenças entre apsicologia da Gestalt eo behaviorismo logo ficaramevidentes. Os psicólogos da
Gestalt admitiamovalor daconsciência, emboracriticassematentativadereduzi-laaelementosou átomos,
enquanto ospsicólogosbehavioristasrecusavam-seareconhecer ovalor do conceitodeconsciêncianapsico­
logiacientífica.
OspsicólogosdaGestalt comparavamaabordagemdapsicologiadeWundt (domodo como ainterpre­
tavam) comaconstruçãodeumacasa, emqueoselementos(ostijolos) seriamunidospelaargamassamedian­
te o processo de associação. Afirmavamque, ao olhar pelajanela, enxergamos efetivamente asárvores eo
céu, enão osdenominadoselementossensoriais, como obrilho eastonalidades, osquais, dealgumaforma,
seconectariamparaformar anossapercepção deárvoreedecéu.
288 Historia da psicologia moderna

Ademais, ospsicólogos da Gestalt insistiamno fato de que, quando oselementos sensoriaissão combi­
nados, elesformamumnovo padrão ou configuração. Sejuntarmos umgrupo denotasmusicaisindividuais
(elementosdamúsica), por exemplo, umamelodiaou umtomsurgedessacombinação, formando algonovo,
quenão existiaemnenhumadasnotasenquanto elementosindividuais. Ummodo popular deseafirmar essa
noção éaideiadequeotodo édiferentedasomadaspartes. ParafazerjustiçaaWundt, deve-seobservar que
eleconsiderou essaquestão emsuadoutrinadasíntesecriativa. OspsicólogosdaGestalt, no entanto, fizeram
desteoponto central dasuarevolução.

Mais para se perceber do que os olhos podem encontrar


Parailustrar adiferençabásicaentre asabordagens daGestalt edeWundt emrelação àpercepção, imagine
que você éestudante de umlaboratório alemão ao estilo wundtiano no início do século XX. O psicólogo
encarregado pede-lhe quedescrevaumobjeto queestásobreumamesa. Vocêdiz:

—Umlivro.
—Sim, éclaroqueéumlivro—eleconcorda— , masoquevocêvê, realmente?
—Oquevocêquer dizer?Oqueeuvejorealmente?- vocêquestiona, intrigado. - Eu dissequeestou
vendoumlivro. Umlivropequeno comcapavermelha.
Opsicólogoépersistente.
—Qual ésuaverdadeirapercepção?- eleinsiste. - Descrevadaformamaisprecisaquepuder.
—Vocêquer dizer queissonãoéumlivro?E /
algumtipodetruque?
Surgeumtraçodeimpaciência.
—Sim, éumlivro. Enãotemnenhumtruqueenvolvido. Sóquero quemedescrevaexatamenteoque
vê, nemmais, nemmenos.
Agoravocêcomeçaaficar desconfiado.
—Bem—vocêdiz— , desteânguloaqui, acapadolivroseparececomumparalelogramovermelhoescuro.
—Isso- elediz, animado. —Sim, vocêvêumpedaçovermelhoescurocomaformadeumparalelogra­
mo. Oquemais?
—Temumcanto acinzentado debaixo deleeoutralinhafinadamesmacor maisparabaixo. E, sobo
livro, euvejoamesa. —Eleestremece. —Emvoltadela, vejoalgoamarronzadocomlistrasquaseparalelasem
ummarrommaisclaro.
—O ✓
timo—eleagradecepor suacooperação.
Enquanto espera, olhandoparaolivronamesa, vocêsesenteumpouco envergonhado por seucolega
persistenteter conseguidoinduzi-loatal análise. Eleodeixoutãocauteloso, quevocênãotinhamaiscerteza
doqueviurealmenteoudoqueachaqueviu... Emsuaprecaução, vocêcomeçouafalar sobreoqueviuem
termosdesensações, enquanto, umminutoantes, vocêtinhacertezadeter percebidoumlivrosobreumamesa.
Seu devaneio éinterrompido repentinamentepelapresençadeumpsicólogo quelembravagamente
WilhelmWundt.
—Obrigadopor ajudar aconfirmar maisumavezminhateoriadapercepção. Vocêcomprovou—diz
ele—, queolivro queviu não énadamaisqueumaglomerado desensaçõeselementares. Quando estava
tentandoser precisoedizer exatamenteoqueviu, precisoufalar emtermosdepedaçosdecores, enãoobje­
tos. Assensaçõesdecoressãoprimárias, etodoobjetovisual podeser reduzidoaelas. Suapercepçãodolivro
éconstruídapor sensações, assimcomoumamoléculaéconstruídapor átomos.
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Estepequenodiscurso, aparentemente, éumsinal paracomeçar umabatalha.


—Issoétolice! —gritaumavozquevemdooutroladodasala. —Tolice! Qualquer idiotasabequeo
livroéofatoperceptual primário, imediato, direto, irrefutável!
OpsicólogoqueseaproximadevocêtemumalevesemelhançacomWilliamJames, maspareceter um
sotaquealemão, eseurostoestátãocoradoderaivaquevocênãotemcerteza.
—Essareduçãodeumapercepçãoemsensaçõessobreaqual vocêcontinuafalandonãoénadamaisque
umjogointelectual. Umobjetonãoéapenasumconjuntodesensações. Qualquer homemquefalasobrever
manchasemvermelhoescuroondedeveriaver umlivroestádoente!
Quando abrigacomeçaaganhar força, vocêfechaaportacomcuidadoefoge. Vocêconseguiu oque
procurava: umailustraçãodequeexistemduasatitudesdiferentes, duasformasdiferentesdesefalar sobreas
informaçõesqueseussentidosfornecem.1

OspsicólogosdaGestalt acreditamqueexistemaisparaseperceber do queosolhospodemalcançar. Em


outras palavras, nossapercepção vai alémdos elementos sensoriais, os dados físicos básicos fornecidos aos
órgãos dossentidos.

As influências anteriores sobre a psicologia da Gestalt


Assimcomo emtodo movimento, asideias contestadoras da Gestalt tiveramorigememconceitos anteriores
(Vezzani, MarinoeGiori, 2012). AbasedaposiçãodaGestalt, ouseja, oenfoquenaunidadedapercepção, encontra-
-senotrabalhodofilósofoalemãoImmanuel Kant (1724-1804), que, curiosamente, escreviaseuslivrosconforta­
velmentevestido deroupão ecalçando chinelos. Kant alegavaque, quando percebemos o que chamamos de
“objeto”, comoolivrosobreamesa, encontramososestadosmentaisqueparecemcompostosdepartesepedaços.
Essaideiaésemelhanteàpropostadoselementossensoriaisdefendidapelosempiristasingleseseassociacio-
nistasjádiscutidosnoCapítulo2. No entanto, paraKant, esseselementossãoorganizadosdeformaquetenham
algumsentido, enãopor meio deprocessosdeassociação. Duranteoprocessodepercepção, amenteformaou
criauma experiência completa. Dessemodo, apercepção não éuma impressão passivaeuma combinação de
elementossensoriais, comoafirmavamosempiristaseassociacionistas, masumaorganizaçãoativadoselementos,
demodo queformeumaexperiênciacoerente. Assim, amentemoldaeformaosdadosoriginaisdapercepção.
FranzBrentano (ver Capítulo4), daUniversity of Vienna, opôs-seaoenfoquedeWundt sobreoselementos
daexperiênciaconscienteepropôs àpsicologiao estudo do ato daexperiência. Eleconsideravaartificial ain­
trospecção utilizadapor Wundt edefendiaumaobservaçãomenosrígidaemaisdiretadaexperiêncianaforma
comoelaocorre. AvisãodeBrentanoestavamaispróximadosmétodosmaisrecentesdospsicólogosdaGestalt.
Ernst Mach (1838-1916), professor defísicadaUniversity of Prague, exerceuinfluênciamaisdiretasobre
opensamento daGestalt comaobraAnálise das sensações [The analysis of sensations] (1885). Nesselivro, Mach
discutiaospadrõesespaciais, comoasfigurasgeométricas, bemcomoospadrõestemporais, comoasmelodias,
eosconsideravasensações. Essassensaçõesdeformadoespaçoedeformadotempoindependemdoselemen­
tosindividuais. Por exemplo, aformado espaço deumcírculo podeser brancaou preta, grandeou pequena
e, ainda, manter aqualidadeelementar circular. Aindaéumcírculo.

1De Psychology: The Scienceof Mental Life, de G. A. Miller. Nova York: Harper Sc Row, 1962, p. 103-105. Copyright 1962 por George A. Miller.
Reproduzido com permissão da Harper Sc Row, Publishers, Inc.
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Mach alegava que apercepção de umobjeto não muda, ainda que modifiquemos nossaorientação em
relação aele. Umamesacontinuaaser umamesaseaolharmosdelado, decimaou dealgumoutro ângulo.
Do mesmo modo, otomcontinuaomesmo emnossapercepção atéquando aformado tempo émodificada;
ou seja, quando éexecutado maislentaou rapidamente.
Christian von Ehrenfels (1859-1932) estudou asideiasdeMach epropôs qualidades deexperiência que
não podemser explicadas, como combinações de elementos sensoriais. Chamou essasqualidades deGestalt
Qualitäten (qualidades de forma), que são percepções baseadas emalgo alémda aglutinação de sensações
individuais. A melodia éuma qualidadedeforma, porquepareceamesmaatéquando transpostaparaoutra
nota. Elaindepende dassensaçõesdequeécomposta. ParaEhrenfels eosseusseguidores, aformaemsi era
umelemento criado pelamenteemoperação sobreoselementossensoriais. Dessemodo, amenteseriadota­
dadecapacidadeparacriar formasapartir desensaçõeselementares. Max Wertheimer, umdostrêsprincipais
fundadores dapsicologiadaGestalt, percebeu que, do trabalho deEhrenfels, comquemestudara emPraga,
vinha o maior incentivo parao movimento daGestalt.
WilliamJames, queseopôsàtendênciado elementarismo napsicologia, tambémfoi precursor daesco­
ladepsicologiadaGestalt. Jamesconsideravaoselementosdaconsciênciaabstraçõesartificiais. Afirmavaque
aspessoasveemosobjetoscomo umaunidade, enão como pacotesformadosdesensações. Outrosprincipais
fundadores dapsicologia da Gestalt, Kurt Koffka eWolfgang Köhler, tomaramcontato como trabalho de
James quando foramalunosdeStumpf.
Fenomenologia: a b o rd a g e m do
conhecim ento com b a se em uma
Outra influência anterior foi o movimento ocorrido na filosofia ena
d e sc riç ã o imparcial da experiência psicologia alemãs, conhecido como fenomenologia, doutrina baseada na
imediata conform e ela ocorre, e descrição imparcial da experiência imediata na forma como ela ocorre. A
não a n a lisa d a ou reduzida a
elementos.
experiêncianão éanalisadanemreduzidaaelementos ou abstraídadealgu­
ma forma artificial. Ela envolve uma experiência praticamente ingênua de
senso comum, enão uma experiência relatadapor umobservador treinado, dotado deorientação ou ten­
dênciasistemática.

As mudanças do Zeitgeist na física


O Zeitgeist —maisespecificamente, aatmosferaintelectual predominantenafísica—exerceu grandeinfluên­
cia no desenvolvimento dapsicologia da Gestalt. Nas últimas décadas do século XIX, asnoções da física
tornavam-secadavezmenosatomísticascomoreconhecimento eaaceitação
Campos de força: regiões ou dos campos de força —regiões ou espaçosatravessadospor linhas deforça,
e sp a ç o s a tra v e ssa d o s em sentido
diagonal por linhas de força, como a
por exemplo, por correnteelétrica.
de uma corrente elétrica ou um ímã. O exemplo clássico desse conceito éo magnetismo, propriedade difícil
deexplicar combasenavisãotradicional deGalileu ouNewton. Por exemplo,
quandolimalhasdeferrosãosacudidasemumafolhadepapel colocadasobreumímã, ospedacinhosformam
umpadrão característico. Embora aslimalhas não toquemno ímã, são obviamente afetadaspelo campo de
forçaexistenteemtorno domagneto. Acreditava-sequealuz eaeletricidadefuncionavamdamesmaforma.
Essescampos deforçaeramconsiderados entidadesnovas, enão apenasasomadosefeitos dos elementosou
daspartículasindividuais.
Dessemodo, anoção do atomismo ou elementarismo, tão influenteno estabelecimento degrandeparte
damais recente ciência dapsicologia, estavasendo reconsiderada na física. Os físicos descreviamcampos e
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entidades orgânicascompletas, proporcionando, assim, munição eapoio paraavisão revolucionariadospsi­


cólogosdaGestalt arespeito dapercepção. Asnoçõesoferecidaspelospsicólogos daGestalt refletiamanova
física. Mais umavez, ospsicólogos esforçavam-separaimitar ascienciasnaturaisjá estabelecidas.
Houve umaconexão pessoal no impacto danovafísicasobreapsicologiadaGestalt. Köhler haviaestu­
dado comMax Planck, umdoscriadoresdafísicamoderna, eafirmou que, por influenciadePlanck, perce­
bera haver uma conexão entre aaula de física e o conceito de unidade da Gestalt. Köhler testemunhou
diretamentenafísicaacrescenterelutânciaemlidar comosátomoseasubstituição dessaideiapelo enfoque
no conceito mais amplo dos campos, eafirmou: “A partir de então, apsicologia da Gestalt transformou-se
emumaespéciedeaplicação dafísicadecampo nasáreasessenciaisdapsicologia” (1969, p. 77).
Entretanto, Watson, aparentemente, não tomou conhecimento danovafísica. Suaescoladepensamento
behaviorista manteveaabordagemreducionista, enfatizando elementos—oselementos do comportamento.
Essavisão écompatível comaantigaperspectivaatomísticadafísica.

0 fenômeno phi: um desafio à psicologia Wundtiana


ApsicologiadaGestalt desenvolveu-sepor umestudo depesquisaconduzido em1910por Max Wertheimer.
Enquanto viajavadetrempelaAlemanha durante asférias, ocorreu-lhe aideia derealizar uma experiência
paravisualizar ummovimento quando não estivesse efetivamente acontecendo. Abandonou seusplanos de
viagem, desceu do trememFrankfurt, comprou umestroboscopio debrinquedo eanalisou suassensações
internas emumestudo preliminar querealizou no quarto deumhotel. (Oestroboscopio, umprecursor da
câmerafilmadora, éuminstrumento queprojetaumasériedeimagensrapidamente, o que, parao olho hu­
mano, produz o efeito demovimento). Mais tarde, conduziu umprograma depesquisamais abrangente na
University of Frankfurt, comdoispsicólogos, Koffka eKöhler.
Oproblema depesquisadeWertheimer, paraaqual KoffkaeKöhler serviramcomo sujeitos, envolviaa
percepção do movimento aparente, ou seja, do movimento quando não háefetivamenteomovimento físico.
Wertheimer referia-seaessapercepção como “impressão” domovimento. Usando otaquistoscópio, projetava
aluz através deduasfendas, umavertical eaoutra comângulo de20 ou 30 graus davertical. Sealuz fosse
projetadaprimeiro atravésdeumafendaedepoisatravésdaoutra, comumintervalo relativamentelongo en­
trecadaprojeção (maisde200milissegundos), ossujeitosenxergavamalgocomo duasluzessucessivasprimei­
ro emumafendaedepoisnaoutra. Quando ointervalo entreasluzeseramenor, osobservadorespercebiam
duas luzes que pareciamcontínuas. Com umintervalo ideal entre asluzes, cerca de 60 milissegundos, eles
enxergavamumúnico feixedeluz quepareciasemover deumafendaaoutra, voltando novamenteaolugar.
Os cientistasconheciamessefenômeno háanos, eofilme—ou asfigurasemmovimento—jáerapopu­
lar faziaumadécada. Por que, então, omovimento aparenteeraconsiderado umgrandeavanço?Porque, de
acordo comaposiçãopredominantenapsicologia, queeradominadapelavisão deWundt, todaexperiência
conscientepoderiaser analisadaou divididaemseuselementossensoriais. Então, dequemaneiraapercepção
demovimento aparentepodeser explicadacomo umasomadeelementos individuais, quando oselementos
eramapenas dois feixes de luz fixos? Seria possível adicionar umestímulo fixo aoutro para produzir uma
sensação demovimento?Não, não erapossível, eesseponto, exatamente, foi demonstrado demodo simples
ebrilhantepor Wertheimer. Eleconfrontou aexplicaçãobaseadano sistemawundtiano.
Wertheimer acreditavaqueo fenômeno naformaverificadano laboratório eratão elementar quanto uma
sensação, maseradiferentedeumasensação ou deumasériedelas. Denominou essanoção defenômeno phi.
292 História da psicologia moderna

EcomoWertheimer explicavaofenômenophi quandoapsicologiadaépocanão


Fenômeno Phi : ilusão de que dois
conseguiaencontrar nenhumaexplicação?Suarespostaeratãosimplesquantosua
fo c o s fixos de luz piscante estão

pesquisa. Omovimento aparentedispensaqualquer explicação. Eleexisteassim


em m ovim ento de um lugar para
o outro.
como épercebido, enãopodeser reduzidoaumelementomaissimples.
Deacordo comWundt, aintrospecção do estímuloproduziriaduaslinhassucessivasdeluz enadamais.
No entanto, não importaquão rigorosamenteumobservador realizasseaintrospecção dosdoisfeixesdeluz,
aexperiência deumaúnicalinhaemmovimento persistia. Qualquer tipo deanálisemaisprofundafracassa­
va. Toda aexperiência—o aparente movimento do feixedeluz de umafendaparaaoutra—eradistinta da
somadaspartes (osdoisfeixesfixos). Dessemodo, apsicologiaelementaristaeassociacionista, quando desa­
fiada, não foracapaz desustentar o seu ponto devista.
Wertheimer publicou osresultadosdapesquisaem1912, no artigo intitulado “Estudosexperimentaisde
percepção domovimento” [“Experimental studiesof perceptionofmoviment”], consideradoomarcoformal
daescoladepensamento dapsicologiadaGestalt.

Max Wertheimer (1880-1943)


Max Wertheimer (Figura 12.1) estudou direito naUniversity of Prague, mudou suagraduação parafilosofia
e, então, seguiu paraUniversity of Berlín, paraprosseguir o estudo defilosofiaepsicologia. Obteve o dou­
torado em1904, pelaUniversity of Würzburg, sobaorientação deOswald Kiilpe. Seguiu paraaUniversity
of Frankfurt, paralecionar erealizar pesquisas, obtendo umaposiçãoacadêmicaem1929. DuranteaPrimei­
raGuerraMundial, realizou pesquisasmilitarescomosaparelhosdeescutadossubmarinosedosfortesloca­
lizadosnasregiõesportuárias.
Na década de 1920, na University of Berlin, Wertheimer desempenhou alguns de seus trabalhos mais
produtivos parao desenvolvimento dapsicologiadaGestalt. Umdiscípulo delelembra-sedequeasparedes
do escritório de Wertheimer erampintadas devermelho vivo. Aparentemente, ele achava que cores fortes
eramestimulantes, e que seasparedes fossempintadas de cinza ou verde-claro, ou outra cor maçante, as
pessoas não trabalhariamtão bemcomo sefossempintadas de cores excitantes, como o vermelho (King e
Wertheimer, 2005, p. 188).
O estilo das aulas de Wertheimer era estimulante esua imaginação tambémera muito viva. Alguns
alunosachavamqueissofacilitavao entendimento, masoutrosachavamconfuso eobscuro. Umaaluna, en­
tusiasmadapelapaixão, zeloeconvicçõesdoprofessor, acreditava, aprincípio, quepoucossabiamsobreoque
Wertheimer estavafalando. “Demorou, praticamente, metade do ano paraque eu, indo aduas ou trêsaulas
delepor semana, entendesseoqueeledizia. Quando entendíamos, ficávamosmaravilhados! Nossavidamu­
dava, toda nossavisão sobre elamodificava. De repente, tudo ficavacolorido echeio devida ecomeçavaa
fazer sentido” (KingeWertheimer, 2004, p. 171).
A vida daquelaaluna mudou significativamente. Aos 22 anos deidade elasecasou como professor de
43 anos, mesmo eletendo avisado que era obcecado por seu trabalho. “Deve sempreselembrar”, eledisse,
“queestarei sempreàminhamesatrabalhando. Preciso criar ateoriadaGestalt” (KingeWertheimer, 2005,
p. 172). Elenão estavaexagerando.
Em 1921 Wertheimer, Koffka eKöhler, assistidospor Kurt Goldstein eHans Gruhle, fundaramo pe­
riódico Psychological Research, que setornou apublicação oficial da escoladepensamento daGestalt. O go­
verno nazistasuspendeu suapublicação em1938, maselafoi retomadaapósaguerra, em1949.
Capítulo 12 A psicologia da Gestalt 293

FIGURA12.1 Max Wertheimer.

Wertheimer faziapartedoprimeirogrupo deestudiososafugir daAlemanhanazistaparaosEstadosUni­


dos, chegando aNova York em1933, ano emqueHitler assumiu o poder naAlemanha. Associou-seàNew
School for Social Research, ondepermaneceu atésuamorte, dez anosmaistarde. Emboraosanosquepassou
nosEstadosUnidostivessemsidoprodutivos, tevedificuldadeemseadaptar aumanovalínguaecultura.
Em1994, maisde60anosapósospsicólogosdaGestalt teremsidoforçadosafugir daAlemanha, aUni-
versity of Frankfurt fundou aMax Wertheimer Lecture Series (SériedePalestrasMax Wertheimer). Micheal, o
filho deWertheimer, tambémumpsicólogo eminente, fez umapalestraemsuahomenagemno mesmo au­
ditório emqueopai haviadado aulastantosanosantes (ver King eWertheimer, 2005).
Max Wertheimer impressionou muito ojovempsicólogo AbrahamMaslow, que, detão admirado, co­
meçou aestudar ascaracterísticas pessoais deWetheimer. Por essasobservações sobreWeitheimer eoutros,
Maslow desenvolveu o conceito deautorrealização e, posteriormente, promoveu aescoladepensamento da
psicologiahumanística (ver Capítulo 14).

Kurt Koffka (1886-1941)


Kurt Koffka, nascido emBerlim, foi omaiscriativo entreosfundadoresdapsicologiadaGestalt. Interessado
emciência efilosofia, frequentou aUniversity of Berlin. Estudou psicologia comCarl Stumpf, obtendo o
Ph.D. em1909. No ano seguinte, começou alongaefrutíferarelação comWertheimer eKöhler (ver foto de
KoffkaeKöhler naFigura 12.2, aseguir), naUniversity of Frankfurt. Koffkaafirmou:
294 História da psicologia moderna

Pessoalmente, asimpatiaerarecíproca, tínhamos omesmo entusiasmo, omesmo tipo deformação enos


encontrávamosdiariamenteparadiscutir todasasquestões, sob osol [...] ainda [podia] sentir aemoção da
experiênciaquandomedei contadoqueofenómenophi realmentesignificava. [...] agora, por fim, aforma
tornou-seassuntoquepodeser tratado, ela[fez] suaentradafinal nosistemadapsicologia, (apudAsh, 1995,
p. 120, 131)

Muitos anos depois, Köhler escreveu que “Koffka eraumapessoaorgulhosa; nunca o vi commedo de
nada. Parapoucos, eleeraoamigo maisleal. Todos o consideravamgeneroso ejusto” (1942, p. 101).
Em1911, Koffkaaceitou umcargo naUniversity of Giessen, a64 quilômetros deFrankfurt, ondeper­
maneceu até 1924. Durante aPrimeiraGuerraMundial, trabalhou emuma clínicapsiquiátrica, tratando de
pacientesafásicosecomdanoscerebrais.
Depois daguerra, percebendo queospsicólogosnorte-americanosestavamtomando conhecimento dos
desenvolvimentos da psicologia da Gestalt na Alemanha, Koffka escreveu um artigo para arevista norte-
-americanaPsychological Bulletin intitulado “Percepção: umaintrodução àteoriadaGestalt” [“Perception: an
introduction to theGestalt-Theorie”] (Koffka, 1922). Nesseartigo, apresentou osconceitosbásicosdapsico­
logiadaGestalt, acompanhados dosresultados edasconsequênciasdeváriaspesquisas.
Apesar daimportânciado artigo como aprimeiraexplicação completado movimento daGestalt para
psicólogos norte-americanos, eleparece ter provocado mais danos que benefícios. A palavra percepção,
usada no título, criou umenorme equívoco, dando aimpressão de que ospsicólogos da Gestalt lidavam
exclusivamentecompercepção edequemovimento não eraimportanteparaasoutrasáreasdapsicologia.

FIGURA12.2 Kurt Koffka (esquerda) e Wolfgang Köhler (direita).


Capítulo 12 A psicologia da Gestalt 295

Em 1925, Max Wertheimer escreveu que acrença de que apsicologia da Gestalt seocupava somente da
percepção eraum“mal entendido [queera] objetivaehistoricamentefalso, queseespalhou” (apud King,
Wertheimer, Keller eCrochetiere, 1994, p. 1-2). Naverdade, apsicologia daGestalt preocupava-se mais
amplamente com os processos cognitivos, as questões relacionadas ao pensamento, àaprendizagem e
outros aspectos da experiência consciente. Michael Wertheimer explicou o enfoque inicial da Gestalt,
como segue:

Aprincipal razãoparaqueosprimeirospsicólogosdaGestalt seconcentrassememsuaspublicaçõessistemá­


ticassobreapercepçãodeve-seaoZeitgeist: apsicologiadeWundt, contraaqual osgestálticosserebelaram,
recebiamuito apoio daspesquisassobresensaçãoepercepção, então ospsicólogosdaGestalt escolherama
percepçãocomoarena, afimdeatacar Wundt nopróprioreduto. (Michael Wertheimer, 1979, p. 134)

Em 1921, Koffka publicou O desenvolvimento da mente [Thegrowth of the mind], umlivro arespeito da
psicologia do desenvolvimento infantil, que teve sucesso na Alemanha enos Estados Unidos. Koffka le­
cionou como professor visitantenaCornell University enaUniversity of Wisconsin, e, em1927, foi indi­
cado paralecionar naSmith College, emNorthampton, Massachusetts, ondepermaneceu atéamorte, em
1941. Em1935, publicou Princípios dapsicologia Gestalt [Principies of Gestalt psychology] , obradedifícil leitu­
ra, que, portanto, não setornou aabordagemdefinitivadapsicologia daGestalt, contrariando asexpecta­
tivas do autor.

Wolfgang Köhler (1887-1967)


Wolfgang Köhler foi considerado o maisprolífico promotor do movimento daGestalt. Seus livros, escritos
comcuidado eprecisão, tornaram-se trabalhos-padrão napsicologiadaGestalt. Osestudosdefísicarealiza­
doscomMax Planck convenceramKöhler dequeapsicologiadeviaaliar-seàfísicaequeasGestalten (formas
ou padrões) ocorriamnão apenasnafísica, mastambémnapsicologia.
Nascido naEstônia, Köhler estavacom5 anos quando afamília semudou para o norte daAlemanha.
Estudou emuniversidadesemTübingen, Bonn eBerlim, edoutorou-seorientadopor Stumpf, naUniversity
of Berlin, em 1909. Seguiu para aUniversity of Frankfurt, chegando pouco tempo antes deWertheimer e
seu estroboscopio debrinquedo.
Em1913, aconvitedaAcademiadeCiênciadaPrússia, viajouparaTenerife, nasilhasCanárias, próximo
àcostanoroestedaAfrica, paraestudar oschimpanzés. Seismesesdepoisdasuachegada, começou aPrimei­
raGuerraMundial, eKöhler informou àAlemanha não ter condições deretornar (outros cidadãos alemães
conseguiramvoltar aopaísduranteaguerra).
Umpsicólogo, combaseemsuainterpretação idiossincráticados dados históricos, chegou ainsinuar
queKöhler talvez fosseumespião alemão equeolocal depesquisadelenão passavadeumdisfarcepara
atividades de espionagem (Ley, 1990). Acusaram-no também de transmitir informações sobre os mo­
vimentos das frotas aliadas por meio de um potente rádio transmissor escondido no andar de cima de
sua casa.
Em2006, umpsicólogo norte-americano visitou acasa, que estava “situada emuma colina comvista
parao oceano [e], realmente, tinha umaboavisibilidadedeumaimportanteporção do Atlântico. SeKöhler
estavaoperando umtransmissor secreto, esteteriasido umlocal ideal parafazê-lo” (Johnson, 2007, p. 907).
296 História da psicologia moderna

No entanto, asprovas para sustentar essas acusações intrigantes continuam sendo circunstanciais eforam
contestadaspor seguidoresdeKöhler ehistoriadores (Liick, 1990).
Sejacomo espião, sejacomo umcientistadesamparado por causadaguerra, Köhler passou osseteanos
seguintes estudando o comportamento doschimpanzés. Registrou o trabalho no clássicovolumeA mentali­
dadedos macacos [The mentality of theapes] (1917), lançado emsegundaediçãoem1924etraduzidoparaoinglês
eofrancês. Embora, no começo, considerasseinteressanteapesquisacomoschimpanzés, logo secansou de
trabalhar comosanimais, edeclarou: “Dois anos observando macacos todos os dias; qualquer umacabase
transformando emum ‘chimpanzoide’ enão consegue mais perceber facilmente qualquer característica do
animal” (apudAsh, 1995, p. 167).
Em1920, Köhler retornou àAlemanha. Vendeu oschimpanzésparaozoológico deBerlim; no entanto,
por nãosuportaremamudançaclimática, osanimaisnãosobreviverammuito tempo. Doisanosdepois, Köh­
ler substituiu Stumpf como professor depsicologia daUniversity of Berlin. A razão maisprovável para essa
honrosaindicação teriasidoapublicação deStatic and stationaryphysical Gestalts (1920), livro bastanteelogia­
do emrazão do seu elevado grau deerudição. Nele, Köhler sugerequeateoriadaGestalt consistiaemuma
lei geral danaturezaquepodeser amplamenteaplicadaemtodasasciências.
Na metade da década de 1920, Köhler sedivorciou da esposa ecasou-se comumajovemerica aluna
sueca; depois, cortou contatocomosquatro filhosdoprimeiro casamento. Cercade60anosdepois, asegun­
daesposadisseemuma entrevistaque, por princípio, Köhler seopunha ao casamento, vendo-o como uma
“imposição àsualiberdade”, eque não gostavadavidafamiliar. Eleachavaque “todos deveriamser livres”
(apud Ley, 1990, p. 201). Não muito tempo depois, Köhler desenvolveu umtremor nasmãos, que eramais
notado quando estavaaborrecido; assim, todasasmanhãs, seusassistentesdelaboratórioobservavamotremor
dasmãosdeleparaavaliar como estavao seu humor.
No anoletivode1925-1926, Köhler lecionounaHarvard University enaClark University, ondetambém
ensinou osestudantesdepós-graduaçãoadançar tango. Em1929, publicou Psicologia da Gestalt [Gestalt psycho-
logy], uma descrição completado movimento daGestalt.
Deixou aAlemanha nazistaem1935, por causadedivergências como governo. Depois deeleter criti­
cado o regime emsuasaulas, uma gangue deassassinosnazistas invadiu aclasse. Asameaças, porém, não o
impediramdecontinuar correndo riscosque, facilmente, oteriam-no levadoàsentençademorte. Motivado
pelademissão dosprofessoresjudeus dasuniversidadesalemãs, escreveu uma cartacorajosacriticando o na-
zismoeenviou-aparaumjornal deBerlim. A tarde, acartafoi publicada, eeleealgunsamigospermanece­
N

ramemcasa, aguardando aGestapo paraprendê-lo; masatemidabatidanaportajamais ocorreu.


Umhistoriador contemporâneo comentou que Köhler foi o único psicólogo nãojudeu naAlemanha a
protestar publicamentecontraasdemissõesdosintelectuaisjudeus (Geuter, 1987). A maioriadosprofessores
edos alunos apoiou comentusiasmo o governo nazista desde o princípio. Umprofessor chamou o ditador
Adolf Hitler de“grandepsicólogo” eoutro oelogiou, dizendo ser umhomemde“visão, corajosoeemocio­
nalmenteprofundo” (apudAsh, 1995, p. 342). OslíderesdaGermanPsychological Society (SociedadeAlemã
dePsicologia) apoiaramimediatamenteoregimenazista, demitirameditoresjudeus, mesmoantesdasleisque
determinariamtaisdemissões, erendiamhomenagens públicas aHitler. Nas reuniões dasociedade, procla­
mavama“influênciademoníaca” dosjudeus (Mandler, 2002b, p. 197).
Depoisdeemigrar paraosEstadosUnidos, Köhler lecionou naSwarthmoreCollege, Pensilvânia, publi­
cou diversoslivroseeditou arevistagestálticaPsychological Research. Em1956, recebeu oPrêmio deDestaque
pelaContribuição CientíficadaAPA, órgão que, em1959, o elegeu presidente.
Capítulo 12 A psicologia da Gestalt 297

A natureza da revolta da Gestalt


AsideiasdospsicólogosdaGestalt contradiziamgrandepartedatradiçãoacadêmicadapsicologiaalemã. Nos
Estados Unidos, o behaviorismo não constituiu uma revolta tão imediata contra apsicologia wundtiana e
contra o estruturalismo de Titchener, porque o funcionalismojá provocara mudanças básicas napsicologia
norte-americana. O caminho paraarevolução daGestalt, naAlemanha, não contou comefeitosassimmo­
derados. Asdeclaraçõesdospsicólogos daGestalt eramconsideradas total heresia.
Como amaioria dosrevolucionários intelectuais, oslíderes daGestalt exigiamcompletarevisão daan­
tigaordem. Köhler declarou:

Estamosentusiasmadoscomoquedescobrimos, eaindamaiscomaperspectivadeconstatar maisfatosreve­


ladores. Ainspiraçãonãoveioapenasdanovidadedonossotrabalho. Ocorreutambémumagrandeondade
alívio, comoseestivéssemosfugindodeumaprisão. Aprisãoeraapsicologiatal comoeraensinadanasuni­
versidades, quandoaindaéramosestudantes. (Köhler, 1959, p. 728)

Constância perceptual
Depois que Wertheimer passou aestudar apercepção do movimento aparente, ospsicólogos da Gestalt co­
meçaramasededicar aoutrofenômenoperceptual. Aexperiênciadaconstância perceptual produziuapoio
adicional paraassuasvisões. Por exemplo, quando paramosnafrentedeumajanela, umaimagemretangular
éprojetadananossaretina, masquando paramosdelado, aimagemdaretina
Constância perceptual: qualidade
de integridade ou plenitude da transforma-seemumtrapezoide, embora, éclaro, continuemos aperceber a
experiência perceptual que não se janela no formato retangular. A percepção dajanela permanece constante,
altera m e sm o com a m u da nça dos
f emboraainformação sensorial (aimagemprojetadanaretina) mude.
e le m en tos se n so ria is.
O mesmo ocorre comaconstância do tamanho edo brilho emque os
elementossensoriaismudam, masnão apercepção. Nessescasos, assimcomo no movimento aparente, aex­
periência perceptual édotada da qualidade da totalidade ou da integridade não encontrada emnenhuma
parte componente. Assim, existe uma diferença entre o caráter daestimulação sensorial edapercepção em
si. A percepção não podeser explicadaapenascomo umconjunto deelementos ou asomadaspartes.
A percepção é um todo, uma Gestalt, equalquer tentativa de analisá-la ou reduzi-la emelementos a
destruirá.

Começar comoselementosécomeçar deformaerrada, jáqueelessãoprodutosdareflexãoedaabstração,


derivadosremotamentedaexperiênciaimediataeutilizadosparaexplicá-la. A psicologiada Gestalt tenta
retornar àpercepçãosimples, àexperiênciaimediata, einsisteemafirmar quenãoencontraali conjuntosde
elementos, masunidadescompletas; não massasdesensações, masárvores, nuvensecéu. Eessaafirmação
convidatodosàverificação, simplesmenteabrindoosolhoseolhandoapenasparaomundodeformasimples
ecotidiana. (Heidbreder, 1933, p. 331)

Uma questão de definição


A própria palavra Gestalt criou dificuldades. Diferentemente do termo funcionalismo ou behaviorismo, ela
não expressa aideia principal do movimento. Alémdisso, não existe equivalente exato na língua inglesa,
298 Historia da psicologia moderna

emborahojeotermojáfaçapartedalinguagemcotidianadapsicologia. Ostermosequivalentesmaiscomuns
seriam“forma”, “formato” e“configuração”.
Naobra Gestalt psychology (1929), Köhler afirmou queapalavraeraempregadadeduasmaneirasnaAle­
manha. Umaquedenotaaformaou oformato comopropriedadedosobjetos. Nessesentido, aGestalt refere-
-seàspropriedadesgeraisexpressasemquestõescomoangular ousimétrico edescreveascaracterísticascomo
aformatriangular deumafigurageométricaou oritmo deumamelodia. A segundaformadenotaaunida­
deou aentidade concreta quetemcomo atributo umaformaou umformato específico. E, nessesentido, a
palavradiz respeito a, digamos, triângulos, enão ànoção do formato triangular dafigura.
Assim, Gestalt pode ser usada para sereferir aobjetos ou àssuas características formais. Alémdisso, o
termo não serestringeaocampo visual nemmesmo atodo ocampo sensorial, podendo abranger aprendiza-
/
gem, pensamento, emoções ecomportamento (Köhler, 1947). E nesse sentido geral efuncional dapalavra
queospsicólogosdaGestalt tentaramlidar comtodaaáreadeatuação dapsicologia.

Os princípios da Gestalt sobre a organização perceptual


Wertheimer apresentou osprincípios de organização perceptual da escola depsicologia da Gestalt emum
artigo publicado em1923. Elealegavaquepercebemososobjetosdo mesmo modo queobservamosomovi­
mento aparente, ou seja, como unidadescompletasenão como agrupamentosdesensaçõesindividuais. Esses
princípiosdaGestalt seriamasregrasfundamentais, por meiodasquaisorganizamosnossouniversoperceptual.
Umapremissasubjacenteestabelecequeaorganização perceptual ocorreinstantaneamente, sempreque
percebemos diversospadrões ou formatos. Asminúsculaspartes do campo perceptual unem-se paraformar
estruturas distintas das originais. A organização perceptual éespontânea einevitável sempre quevemos ou
ouvimos. Emgeral, não precisamosaprender aformar padrões, como afirmavamosassociacionistas, embora
algumaspercepções denível superior, como nomear osobjetos, dependamdaaprendizagem.
Deacordo comateoriadaGestalt, o cérebro éumsistemadinâmico, emquetodos oselementosativos
interagememdeterminado momento. A área visual do cérebro não responde separadamente aoselementos
individuaisdo estímulovisual, conectando-osmediantealgumprocessomecânico deassociação. Ao contrá­
rio, oselementossimilares, ou bempróximos, tendemasecombinar, eoselementosdiferentesou distantes,
anão secombinar.
Relacionamos, aseguir, váriosprincípiosdeorganizaçãoperceptual, seencontramilustradosnaFigura12.1.

1. Proximidade. Partesbempróximas umas dasoutrasno tempo eno espaçoparecemunidas etendemaser


percebidasjuntas. Na Figura 12.1(a) percebemos círculosnastrêscolunas duplasenão apenascomo um
grandeconjunto.
2. Continuidade. Há umatendênciadeanossapercepção seguir uma direção paraconectar oselementos de
modo que elespareçamcontínuos ou fluir emuma direção específica. Na Figura 12.1(a), atendência é
seguir ascolunascompequenos círculos decimaparabaixo.
3. Semelhança. As partes similares tendema ser vistasjuntas, formando um grupo. Na Figura 12.1(b), os
círculos eos pontos parecemjuntos, ea tendência éperceber fileiras de círculos ede pontos emvez
decolunas.
4. Preenchimento. Háumatendênciadanossapercepção emcompletar asfigurasincompletas, depreencher as
lacunas. NaFigura 12.1(c), épossível perceber trêsquadrados, mesmo queasfigurasestejamincompletas.
Capítulo 12 A psicologia da Gestalt 299

Oo oo oo
oo oo oo
oo oo oo
oo oo oo
oo oo oo (c)

(a)

0 0 0 0 0 0
• • • • • •
0 0 0 0 0 0
• • • • • •
0 0 0 0 0 0
(b)
(d)

FIGURA12.3 E x e m p l o s de o r g a n iz a ç ã o perceptual.

5. Simplicidade. Há umatendência devermos afigura como tendo boa qualidadesob ascondições deestí­
mulos; apsicologia da Gestalt chama essacaracterística deprãgnanz ou boa forma. Uma boa Gestalt é
simétrica, simples eestável, enão podeser maissimplesnemmais organizada. Os quadrados na Figura
12.1(c) sãoboas Gestalts, porque são claramentepercebidos como completoseorganizados.
6. Figura/fundo. Háumatendênciadeorganizar aspercepçõesdo objeto (afigura) queestásendovisto edo
fundo (abase) sobreo qual eleaparece. A figurapareceser maissubstancial edestacar-sedo seu fundo.
Na Figura 12.1(d), afiguraeo fundo sãoreversíveis; épossível ver doisrostosou umvaso, dependendo
decomo apercepção éorganizada.

Esses princípios de organização não dependemdos processos mentais superiores nemde experiências
passadas, pois estão nos próprios estímulos. Wertheimer chamou-os de fatores periféricos, reconhecendo
tambémque osfatores centrais dentro do organismo influenciamapercepção. Por exemplo, sabe-sequeos
processosmentais superiores defamiliaridade edeatitude afetamapercepção; no entanto, emgeral, ospsi­
cólogos daGestalt concentram-semais nos fatoresperiféricos daorganização perceptual do que nos efeitos
daaprendizagemou daexperiência.

Os estudos da Gestalt sobre a aprendizagem: insight e a


mentalidade dos macacos
Mencionamos anteriormente alongavisitade Köhler ao Tenerife (1913-1920), ondeeleinvestigou ainteli­
gência dos chimpanzés demonstrada por meio das habilidades na solução de problemas. Essas experiências
foramrealizadastanto dentro quanto emvoltadasjaulasdosanimaiseenvolveramapetrechosmuito simples,
como asbarras dasjaulas (usadasparabloquear o acesso), bananas, varasparapuxar asfrutas para o interior
dasjaulasecaixasqueserviamdeapoioparaosanimaistentaremalcançar asfrutaspenduradasno teto. Com
300 História da psicologia moderna

basenavisão depercepção daGestalt, Köhler interpretou osresultadosdapesquisaanimal analisando todaa


situação easrelações entre os estímulos. Acreditava que aresolução deproblemas estava relacionada com
areestruturação do campo perceptual.
Em um dos estudos, colocou-se do lado de fora dajaula uma banana amarrada em umbarbante que
chegavaatéajaula, eomacaco, quasesemtitubear, agarrou obarbanteepuxou abananaparadentro. Köh­
ler concluiu que, nessasituação, o animal percebera facilmente todo o problema. Sevários fios saíssemda
jaula emdireção àfruta, o macaco não saberia de imediato qual deles puxar para obter abanana. Assim,
Köhler observou que, nessasituação, oanimal não conseguiavisualizar claramente todo oproblema.
Emoutro estudo, colocou-seumpedaço dafruta do lado defora, pouco alémdo alcancedo animal. Se
umavarafossecolocadapróximo àsgrades, emfrenteàfruta, avaraeacomidaseriampercebidas como parte
deummesmo problema, eoanimal rapidamenteusariaavaraparapuxar afruta. Casoavarafossecolocadano
fundodajaula, no entanto, osdoisobjetos(avaraeabanana) nãoeramprontamentevistoscomopartedomes­
mo problema. Nessecaso, eraprecisoreestruturar ocampoperceptual paraochimpanzéresolver aquestão.
Outraexperiênciaconsistiu emcolocar umabananaforadajaulaealémdo alcancedoanimal, e, dolado
dedentro, duasvarasocasdebambu quenão eramdetamanho suficienteparapuxar afruta. Parafazê-lo, o
animal teria dejuntar asduas varas (inserindo aponta de uma dentro da extremidade da outra) para criar
outradotamanho dequeprecisava. Assim, parasolucionar oproblema, oanimal tinhadeperceber umanova
relação entreasduasvaras.
Otrechoaseguir, extraído dolivrodeKöhler, descrevemaisestudoseobservaçõessobreaaprendizagem
doschimpanzés. Köhler discute osesforços dosanimaisparaaprender ausar osacessórios afimde queeles
obtenhamacomida. Essas experiências mostramcomo os animais aprendemausar caixas para alcançar o
objeto deestímulo, emgeral umabananasuspensano teto dajaula.
ObservecomoKöhler empregouumalinguagemnãotécnicaparadescrever otrabalho. Eleseconcentrou
napersonalidade enas diferenças individuais dos seus sujeitos depesquisa. Não adotou nenhuma forma de
medição ou experimentação, nenhumtratamento experimental rigoroso, tampouco valeu-se de grupos de
controle ou de análises estatísticas. Emlugar disso, Köhler descreveu suas observações sobreasreações dos
animaisàssituações queelecriava.

Texto o rig in a l
Trecho sobre a psicologia da Gestalt, extraído de The mentalityofapes (1927), de Wolfgang Kohler2

0
c h im p a n z é não re ceb eu da vida a p e n a s a lg u m a aptidão e s p e c ia l para a ju d á -lo a a lc a n ç a r o s objetos c o l o c a d o s no alto, e m p i­
lh a n d o m a te ria is de c o n stru ç ã o ; ao contrário, ele é c a p a z de realizar muito por e sf o r ç o próprio, q u a n d o a s c ir c u n s t â n c ia s a s s i m
exigirem e q u a n d o h o u v e r m aterial disponível.
0 s e r h u m a n o adulto tende a não p e rc e b e r a s re ais d ific u ld a d e s do c h im p a n z é diante d e s s a c o n stru ç ã o , por a s s u m i r que o
fato de a c r e s c e n t a r um s e g u n d o m aterial de c o n s t r u ç ã o ao prim eiro é a p e n a s um a repetição do ato de p o s ic io n a r o prim eiro no ch ão
(debaixo do objetivo); que, q u a n d o a prim eira caixa está no chão, é c o m o s e a s u a su p e rfíc ie f o s s e do m e s m o nível do s o lo e, p o r­
tanto, o único fator n ovo n e s s e p r o c e s s o de c o n s t r u ç ã o se ria o le v an tam e n to efetivo do material. A s s im , a s ú n ic a s d ú v id a s s e r ia m
se o s a n im a is re alizam o rd e n a d a m e n t e o s e u trabalho, se m a n ip u la m a s c a ix a s d e sa je ita d a m e n te ou de outra forma. [...]
No entanto, a e xistên cia de outra d ificu ld a d e e sp e c ífic a s e tornaria óbvia ao s e o b s e r v a r m a is d e ta lh a d a m e n te a prim eira
tentativa de S u ltã o durante a re a liz a ç ã o d e s s a tarefa: q u a n d o S u ltã o [c o n sid e ra d o o c h im p a n z é m a is inteligente] a p a n h a e levanta

2Trecho extraído de The mentality of apes, de W. Köhler, Londres: Routledge & Kegan Paul, 1927, p. 135-172.
Capítulo 12 A psicologia da Gestalt 301

pela prim eira vez a s e g u n d a caixa, b a la n ç a n d o - a e s t ra n h a m e n te s o b r e a primeira, m a s não a põe em cim a dela. Na s e g u n d a vez,
c o l o c a - a em cim a da que está no chão, c o m o lado m a io r vira d o no se n tid o vertical, a p a re n te m e n te s e m q u a lq u e r h esitação, m a s
a c o n s t r u ç ã o ainda fica muito baixa, já que o objetivo foi pe ndurado, s e m querer, alto dem ais.
A e xperiê ncia continua im ediatam ente, com o objetivo p e n d u ra d o a g o ra a a p ro x im a d a m e n te d o is m e t r o s da lateral, em um
ponto m a is baixo do teto, e com a c o n s t r u ç ã o de S u ltã o m antida no m e s m o lugar. Entretanto, o f r a c a s s o de S u ltã o p a re c e p ro v o c a r
um efeito p o ste rio r pe rturbador: por muito te m p o ele ignora a s caixas, diferentem ente d a s o u tra s vezes, em que a c h a v a um a nova
so lu ç ã o , em ge ra l repetindo p ro n ta m e n te a ação. [...]
M a i s tarde, durante a experiência, um c u r io s o incidente ocorre: o a n im a l volta a a d o ta r o s m é t o d o s a ntigos, tenta p u x a r o
tra ta d o r p e la s m ã o s para c o n d u z i- l o até o objetivo; s e n d o repelido, tenta fazer o m e s m o co m igo , e n o v a m e n t e é rejeitado. Em
se g u id a , o r ie n t a m o s o tratador para que, c a s o S u ltã o tente p u x á -lo novam ente, ele finja ceder, m as, a s s i m que o a n im a l s u b ir n o s
s e u s o m b ro s, deve s e a joelhar e ficar bem baixo.
L o g o i s s o re alm en te acontece: d e p o is de a r r a s t a r o tratador até ficar debaixo do objetivo, S u ltã o s o b e em s e u s o m b r o s e o
h o m e m ra p id a m e n te dobra o s joe lh os. 0 a n im a l sai de cim a dele, r e s m u n g a n d o , s e g u r a - o co m a s d u a s m ã o s p e lo s quadris, e tenta
c o m toda a força e m p u r r á - lo para cima. U m a form a s u rp r e e n d e n t e de tentar a p rim o ra r o in stru m e n to hum ano!
A g o r a que S u lt ã o não tom a m a is c o n h e c im e n to d a s caixas, já que d e s c o b r iu a s o l u ç ã o sozinho, p a re c e ra z o á v e l r e m o v e r o
m o tivo do s e u f r a c a s s o . C o lo q u e i a s c a ix a s um a s o b r e a outra para Sultão, de baixo do objetivo, e xa ta m e n te c o m o ele fizera da
prim eira vez, e deixei-o p e g a r o objetivo.
Q uanto ao e sf o r ç o de S u lt ã o em e m p u rra r o tratador, tentando endireitá-lo, desejo log o de início refutar a a c u s a ç ã o de e q u í­
v o c o na interpretação da "leitura do animal"; tra ta -se a p e n a s de um a d e s c r iç ã o do procedim ento, e não há n e n h u m a p o s sib ilid a d e
de equívoco. N o entanto, a fim de evitar q u a lq u e r su sp e ita , por s e tratar de um c a s o iso la d o (suspeita, de q u a lq u e r modo, injustifi­
cável, c o n s id e r a n d o que S u lt ã o tenta utilizar tanto o tratador c o m o a mim, não a p e n a s uma, m a s v á r ia s vezes, c o m o um apoio), devo
a c r e s c e n t a r r e s u m id a m e n t e a d e s c r ici ã o de o u tro s c a s o s s e m e lh a n t e s :
S u lt ã o não c o n s e g u e r e s o l v e r o p r o b le m a q u a n d o o objetivo e st á do lad o de fora e a lé m do s e u a lc a n c e ; eu m e e n c o n tro
p e rto dele, de n tro da jaula. D e p o i s de to d o tipo de tentativa f r a c a s s a d a , o a n i m a l a p r o x i m a - s e de mim, s e g u r a o m e u braço,
a r r a s t a - m e em d ir e ç ã o à s g r a d e s , p u x a n d o , ao m e s m o tem po, o m e u b ra ç o c o m toda a fo rç a na s u a direção, e, em s e g u id a ,
e m p u r r a o m e u b ra ç o p e l a s g r a d e s , na d ir e ç ã o do objetivo. C o m o eu n ã o p e g o o objetivo, vai em d ir e ç ã o ao tratador, e tenta
fa zer o m e s m o c o m ele.
M a is tarde, ele repete o procedim ento, a p e n a s com um a diferença: primeiro, ele me c h a m a c o m lam ú rias, c o m o s e e s t iv e s s e
su p lic a n d o , já que d e s s a vez e stou do lado de fora. N e s s e ca so, a s s i m c o m o no primeiro, ofereci tanta re sistê n c ia que o a n im a l
q u a s e não c o n s e g u iu su p e rá -la , e não m e la rg o u até que a m inh a mão, efetivamente, a l c a n ç a s s e o objetivo, m a s não lhe fiz o favor
(para o bem d a s fu tu ra s e x p e riê n c ia s) de levar o objetivo até ele.
D e vo m e n c io n a r ainda que, em um dia quente, o s a n im a is tiveram de e s p e r a r m a is tem po que o n o r m a l pela tigela d'água, de
m o d o que, por fim, e le s s im p le s m e n t e tentaram a g a r r a r a s m ã os, o s p é s ou o s j o e lh o s do tratador e e m p u r r á - lo com toda força em
d ire ç ã o à porta, a trá s da qual c o s t u m a v a ficar g u a r d a d a a jarra d'água. D u ra n te a l g u m tem po, e s s e c o m p o r t a m e n t o t o r n o u - s e
rotineiro; se o h o m e m tentava a lim e n t á - lo s com a s b a n a n a s, C hica c a lm a m e n t e a s tirava da m ã o do tratador e a s c o lo c a v a de lado,
e o e m p u rra v a na direção da porta (Chica e sta v a s e m p r e c o m sede).
Talvez seja um e q u ív o c o p e n s a r que o s c h im p a n z é s não te n h a m n o ç ã o ou que se ja m e s t ú p id o s em re la ç ã o a e s s a s qu e stõe s.
D e v o a c r e s c e n t a r que o s a n i m a i s p e r c e b e m o c o r p o h u m a n o c o m certa facilidade, q u a n d o v e s t id o c o m r o u p a s c o m u n s , c o m o
c a m is a e c a l ç a s e s e m q u a lq u e r tipo de c a sa c o . S e a lg u m a c o isa o s deixa intrigados, e le s in v e stig a m im ediatam ente, e q u a lq u e r
g ra n d e m u d a n ç a na m a n e ira de vestir ou na a p a rê n c ia (por exemplo, u m a barba) faz com que G rande e C hica realizem p r o n t a m e n ­
te um a in v e stig a ç ã o m inu ciosa .

D e p o is do auxílio e n c o ra ja d o r a Sultão, a s c a ix a s foram d e ix a d a s n o v a m e n te de lado. Um n ovo objetivo é p e n d u ra d o no m e s m o


ponto no teto da jaula. S u lt ã o im ediatam ente e m p ilh a a s d u a s caixas, m a s no m e s m o lu g a r em que o objetivo fora pe ndurado, bem
no início da experiência, e onde ficara a s u a prim eira c o n stru ç ã o . Em ce rca de cem c a s o s u s a n d o a s caixas, e s s a foi a única o c a s iã o
em que e s s e tipo de estu p id ez foi cometido. S u lt ã o p a re c e c o n f u s o q u a n d o está fazendo isso, e p ro v a v e lm e n te muito c a n s a d o , já
302 História da psicologia moderna

que a experiência durou m a is de um a hora e em um lo c a l q u e n t e * S u ltã o co n tin u o u a e m p u rra r a s c a ix a s de um lado a outro, p r a ­


ticam en te ao a c a s o , até c o l o c á - l a s n o v a m e n t e u m a s o b r e a outra e de baixo do objetivo; ele p e g a a fruta e n ó s o d e ix a m o s sair.
S o m e n t e em um a o c a s iã o o vi a s s i m tão c o n f u s o e perturbado.
No dia seguinte, fica claro que deve h a v e r u m a dificuldade e sp e c ífic a contida no p ro b le m a em si. S u ltã o c a rre g a um a caixa e
c o lo c a - a debaixo do objetivo, m a s não traz a s e g u n d a caixa; por fim, a c a b a m o s e m p il h a n d o - a s e a s s i m ele a lc a n ç a a meta. 0 novo
p ro b le m a que s e s e g u e im ediatam e n te (a c o n s t r u ç ã o n o v a m e n t e foi d e stru íd a) não o induz a trabalhar; ele continua tentando u s a r
o o b s e r v a d o r c o m o apoio; e a s s im , m a is u m a vez, m o n t a m o s a c o n s t r u ç ã o para ele. N o terceiro p ro b le m a , de baixo do objetivo,
S u ltã o c o lo c a um a caixa, puxa a outra e a põe ao lado, m a s para no m o m e n t o crítico: se u c o m p o r t a m e n t o p ro v o c a total p e r p le x id a ­
de. Ele co n tin u a o lh a n d o para o objetivo e, ao m e s m o tempo, tenta d e s a je ita d a m e n te a g a r r a r a s e g u n d a caixa. Então, q u a s e de
repente, ele a a g a r r a c o m firmeza, faz u m m o v im e n t o s e g u ro , c o l o c a n d o - a s o b r e a primeira. S u a lo n g a in d e c is ã o é totalm en te
contraditória em re la ç ã o a e s s a s o l u ç ã o repentina.
D o is d ia s depois, re p e tim o s a experiência; o objetivo é n o v a m e n t e p e n d u ra d o em outro ponto. S u ltã o c o lo c a um a caixa um
p o u c o inclinada debaixo do objetivo, traz a s e g u n d a e c o m e ç a a levantá-la, todo o tem po o lh a n d o para o objetivo, q u a n d o a deixa
cair novam ente. D e p o is de d iv e r s a s a ç õ e s (tentando su b ir até o teto, e m p u rra n d o o o b s e r v a d o r para cima), ele re c o m e ç a a construir;
c o lo c a c u id a d o s a m e n t e a prim eira caixa com o lado m a io r no se n tid o vertical debaixo do objetivo, e a g o ra faz e n o rm e e sfo rç o para
c o lo c a r a s e g u n d a em cima; a caixa gira e b a la n ç a de um lado a outro e a c a b a fic a n d o s o b r e a outra, m a s c o m o lado m e n o r no
se n tid o vertical e c o m a parte aberta p re s a em um d o s cantos. S u lt ã o s o b e n e la s e im ediatam e n te destrói a c o n stru ç ã o , jo g a n d o
tudo no chão.
Muito c a n s a d o , fica deitado em um canto da sala, dali o lh a n d o a s d u a s c a ix a s e o objetivo. S o m e n t e d e p o is de p a s s a d o um
tem po razoável, ele retom a o trabalho. C o lo c a u m a caixa no se n tid o vertical e tenta a lc a n ç a r o objetivo; d e sce , pe ga a s e g u n d a
caixa, e finalmente, com muito cuidado, c o n s e g u e c o lo c á - la no se n tid o vertical s o b r e a primeira, m a s a s d u a s não e stã o e x a t a m e n ­
te um a s o b r e a outra, por isso, cada vez que ele tenta subir, a s c a ix a s c o m e ç a m a desabar. S o m e n t e d e p o is de um a lo n g a tentativa,
durante a qual o a n im a l nitidam ente a g e q u a s e ce ga m e n te , de ixan do o s u c e s s o ou o f r a c a s s o por conta de m o v im e n t o s aleatórios,
c o n s e g u e c o lo c a r a caixa de cim a em p o s iç ã o m a is se g u ra , finalm ente a tingindo o objetivo.
D e p o is d e s s a tentativa, S u ltã o p a s s o u a u s a r s e m p r e e im ediatam ente a s e g u n d a caixa, e, a cim a de tudo, n u n c a teve dúvida
quanto ao lu g a r em que deveria co lo c á -la .

* S o m e n t e m a is tarde percebi que p r e s s io n a v a um pouco d e m a is o s a n im a is n o s p rim e iro s m e s e s ; a p e n a s c o m o tem po c o n s e g u i d e s e n v o lv e r o ritmo


de p rocedim ento a d e q u a d o para o m a c a c o e de a c o r d o com o clima.

Comentários
ParaKöhler, essesestudoseoutrossimilaresproporcionavamevidênciasdoinsight, aespontâneaeaparente
apreensão ou compreensão das relações. Sultão, finalmente, obteve o insight do problema depois de várias
tentativas, assimilando asrelaçõesentreascaixaseabananapenduradasobreasuacabeça. A palavraemale­
mão queKöhler usouparadescrever essefenômeno foi Einsicht, traduzidaparaoinglêscomo insight ou com­
preensão. “Não temnenhumcondicionamento acontecendo”, ele escreveu;
Insight: compreensão ou
percepção imediata.
aocontrário, depoisdedeterminado ponto, oanimal entendeoqueestáocor­
rendo, e, então, o comportamento resultante é, logicamente, perfeito (apud
Ley, 1990, p. 182). Emoutro exemplodedescobertasimultâneaeindependente, opsicólogonorte-americano
deanimais Robert Yerkes encontrou evidências, emexperiências comorangotangos, parasustentar o con­
ceito de insight, eadenominou “aprendizagemideacional”. Na Figura 12.4, aseguir, vemos umchimpanzé
tentando alcançar umpedaço defrutacomvarasdetamanhos diferentes.
Na década de 1930, Ivan Pavlov repetiu algumas das pesquisas de Köhler, emque o macaco precisava
colocar uma caixasobreaoutraparaalcançar acomidasuspensano teto. Constatou queosanimaislevavam
Capítulo 12 A psicologia da Gestalt 303

f ig u r a i Um c h im p a n z é u s a v a r a s de c o m p r im e n t o s d ife re n te s para a l c a n ç a r um p e d a ç o de fruta.

diversos meses para resolver o problema. Questionou ahipótese de Köhler de que os macacos obtinhamo
insight da situação e chamou de “caótico” o comportamento dos animais na solução do problema. Pavlov
dissequeasrespostaspor eleobtidasnão eramtão diferentesdaquelasdaaprendizagempor ensaio-e-erro da
pesquisadeThorndike (Windholz, 1997).
Em1974, otratador doschimpanzésdeKöhler, Manuel Gonzalezy Garcia, descreveuapesquisaemuma
entrevista. Contou diversashistóriassobreosanimais, eprincipalmentedeSultão, quecostumavaajudá-lo a
alimentar osoutrosanimais. Gonzalez davaaSultão cachosdebananasparasegurar. “Medianteumaordem,
‘duasparacada’, Sultão caminhavapelorecinto edistribuíaduasbananasparacadaumdosdemaismacacos”
(apudLey, 1990, p. 12-13).
Umdia, Sultão viu o tratador pintando umaporta. Quando o homemsaiu, o animal pegou o pincel e
começouaimitar ocomportamento queobservara. Emoutraocasião, Claus, ofilho caçuladeKöhler, sentou-
-seemfrente dajaula, tentando semêxito empurrar umabananaentreasgrades. Sultão, dentro dagaiolae
aparentemente semfome, girou abanana 90 graus, demodo queafruta pudessepassar entre asbarras, en­
quanto Köhler diziaaseufilho queSultão eramaisesperto queele.
Certa vez, Sultão, de algummodo, encorajou Claus asubir bemalto emuma árvore, e o menino se
recusavaadescer, apesar dasordensseverasdeseu pai. Quando Clausfinalmente desceu, Köhler o agarrou,
abaixou seusshorts, ebateu nele. Logo depois disso, Sultão agarrou Köhler eabaixou suascalças. Cerca de
70anos depois, Ao contar essahistóriaparaumentrevistador, osolhos deClausbrilharamdeprazer.
Köhler acreditavaqueo insight eashabilidadespararesolver problemas demonstradospeloschimpanzés
eramdiferentes daaprendizagempor ensaio-e-erro descritapor Thorndike. Köhler criticava o trabalho de
Thorndike, alegando queascondiçõesexperimentaiseramartificiaisepermitiamademonstração apenasde
comportamentos aleatórios dosanimais. Eafirmou queosgatosdascaixas-problema deThorndike não ex­
ploravamtodo o mecanismo que os libertava (todos os elementos pertencentes atoda asituação) e, assim,
apresentavamapenas respostasdeensaio-e-erro.
Do mesmo modo, umanimal no labirinto não conseguever todo opadrão ou oformato, masapenas o
corredor queencontra. Portanto, osanimaisnão têmmuitaopçãoanãoser arriscar umcaminhopor vez. Na
304 Historia da psicologia moderna

visão daGestalt, o organismo deveestar apto aperceber asrelações entreasváriaspartes do problemaantes


queaaprendizagempor insight ocorra.
Essesestudosarespeito do insight sustentavamo conceito global ou molar dospsicólogos daGestalt em
relação ao comportamento, ao contrário davisão atomística emolecular promovida pelos behavioristas. A
pesquisatambémreforçaaideiadaGestalt dequeaaprendizagemenvolveareorganização ou areestrutura­
ção do ambientepsicológico do individuo.

0 pensamento humano produtivo


Olivro deWertheimer arespeito dopensamento produtivo (Wertheimer, 1945), publicadoapósasuamorte,
apresentou osprincipios da Gestalt sobre aaprendizagemaplicados ao pensamento criativo humano. Sua
proposta afirmava que o pensamento seforma como um todo. O aprendiz assimconsidera asituação, eo
professor deveapresentá-laigualmente. Epossível notar asdiferençasentreessemétodo eodeensaio-e-erro,
emqueasoluçãodoproblema, emcertosentido, ficaoculta, eoaprendizpodecometer errosantesdealcan­
çar arespostacorreta.
Os casos apresentados no livro de Wertheimer vão de processos depensamento infantil na solução de
problemas degeometriaatéprocessoscognitivoscomplexos, como o do físicoAlbert Einstein naelaboração
dateoriadarelatividade. Emdiversasfaixasetáriaseemváriosníveisdedificuldade, Wertheimer constatou
evidencias parasustentar aideia deque o problema como umtodo deve dominar aspartes. Acreditava que
os detalhes de umproblema devessemser considerados apenas emrelação àsituação inteira. Alémdisso, a
solução do problemadeveseguir do todo paraaspartes, enão o contrário.
Emumambiente de salade aula, por exemplo, seo professor organizar ou arrumar os elementos dos
exercícios, como aspalavrasou osnúmeros, emumaunidadecomsentido, osalunosobterão maisfacilmen­
te o insight eassimilarão os problemas eassoluções. Wertheimer mostrou que, uma vez compreendido, o
princípio básico deumasoluçãopodeser transferido ou aplicado aoutrassituações.
Eledesafiouaspráticaseducativastradicionais, comoarepetiçãomecânicadeestruturaseaaprendizagem
dirigida, derivadas da abordagemassociacionista. Considerava arepetição pouco produtiva, ecitava como
provaaincapacidade deumaluno resolver avariação deumproblema quando asolução foraadquirida por
outro método enãoassimiladapor uminsight. Concordava, no entanto, quenomesedatasdeviamser apren­
didospor memorização, por meio deassociaçãoreforçadapor repetição. Dessemodo, admitiaser arepetição
útil emalgunscasos, masinsistiaemqueessemétodoproduziaumdesempenhomecânico enãoacompreen­
sãoou umpensamento produtivo ou criativo.

0 isomorfismo
Satisfeitospor estabelecer queossereshumanospercebemunidadesorganizadasenão conjuntos deelemen­
tossensoriais, ospsicólogos daGestalt mudaramo enfoqueparaosmecanismos cerebraisenvolvidosnaper­
cepção. Tentaramdesenvolver uma teoriasobre correlatos neurológicos subjacentes das Gestalts percebidas.
Descreviamo córtex cerebral como umsistemadinâmico, emqueoselementosativosinteragememdeter­
minado momento. Essaideiacontradiz o conceito desemelhançaentreohomemeamáquina, quecompara
aatividade neural auma central telefônica, conectando mecanicamente asligações sensoriais recebidas de
Capítulo 12 A psicologia da Gestalt 305

acordo comosprincípios da associação. Nessa visão associacionista, o cérebro opera de forma passiva eé
incapaz deorganizar ou modificar ativamenteoselementos sensoriaisrecebidos. Essaúltimateoriatambém
implicaacorrespondência diretaentreapercepção eo seu equivalenteneurológico.
Combaseemsuapesquisa sobre o movimento aparente, Wertheimer sugeriu que aatividade cerebral
é umprocesso integral de configuração. Como o movimento aparente eo real são percebidos de forma
idêntica, os respectivos processos corticais tambémdevemser similares, ou seja, devemocorrer processos
cerebraiscorrespondentes.
Emoutras palavras, deve haver uma correspondência entre aexperiência consciente ou psicológica ea
cerebral subjacente, responsável pelo fenômeno phi. Essaideia édenominada isomorfismo, princípiojá
Isomorfismo: doutrina que afirma
aceito nabiologiaenaquímica. OspsicólogosdaGestalt compararamaper­
existir uma co rre sp o n d ê n c ia entre cepção aummapa, no sentido deser idêntica (“iso”) naformaou no formato
a experiência p sico ló g ic a ou (“morfo”) daquilo que representa, semser uma cópia literal. No entanto, a
con scien te e a experiência cerebral
percepção não éumguiaconfiável paraperceber o mundo real.
latente.
Kohler aprofundou aposição deWertheimer notrabalho Static and statio­
nary physical gestalts (1920), emqueafirmou que osprocessos corticais secomportamdemodo semelhantea
campos deforça. Sugeriu que, tal como o comportamento deumcampo deforçaeletromagnética emvolta
de umímã, os campos de atividade neurais são estabelecidos por processos eletromecânicos do cérebro em
respostaaosimpulsossensoriais.

A expansão da psicologia da Gestalt


Emmeados dadécadade 1920, o movimento daGestalt eraumaescoladepensamento coerente, dominan­
te epoderosa naAlemanha. Centralizado no Psychological Institute daUniversity of Berlin, o movimento
atraíamuitos alunos de diversospaíses (quasemetade deles erammulheres). O instituto estavainstalado em
uma dasalasdo antigo Palácio Imperial eorgulhava-se depossuir umdos maiores laboratórios do mundo,
equipado para investigar diversas questões psicológicas do ponto devista da Gestalt. A revista Psychological
Research eramuito lidaerespeitada.
Depoisdeosnazistasassumiremopoder naAlemanha, em1933, suasaçõesrepressorascontraintelectuais
ejudeusforçarammuitospesquisadores, atéosfundadoresdapsicologiadaGestalt, adeixar opaís. Onúcleo
da Gestalt setransferiu para osEstados Unidos, disseminando-sepor meio decontatos pessoais, bemcomo
pelaspublicaçõesdostrabalhos. Mesmoantesdafundaçãoformal daescola, muitospsicólogosnorte-americanos
haviamestudado comseusfuturos líderes, absorvendo suasideias.
AlgunslivrosdeKoffkaedeKöhler foramtraduzidos do alemão paraoinglês, eresenhasforampubli­
cadasnasrevistasnorte-americanasdepsicologia. Umasériedeartigosescritospelopsicólogonorte-americano
Harry Helson epublicadosnaAmericanJournal of Psychology tambémajudou adivulgar ateoriadaGestalt nos
Estados Unidos (Helson, 1925, 1926). KoffkaeKöhler estiveramnessepaísparadar aulaseconferências em
universidades. Koffka deu 30palestrasemtrêsanose, em1929, Köhler foi umdosconferencistasaapresen­
tar asdiretrizesbásicasdo 9eCongresso Internacional dePsicologia, naYaleUniversity (ooutro palestrante
foi Ivan Pavlov, quelevou umacuspidadeumdoschimpanzés deRobert Yerkes).
A psicologia da Gestalt vinha chamando aatenção nos Estados Unidos, mas, por diversas razões, sua
aceitação como escoladepensamento foi lenta. Primeiro, porque obehaviorismo estavano augedapopula­
ridade. Segundo, porquehaviaumabarreiralinguística, isto é, asprincipaispublicações daGestalt eramem
306 História da psicologia moderna

alemão, eanecessidadedetradução atrasavaadivulgação completa eprecisadaquelavisão. Terceiro, como


já mencionamos, porque muitos psicólogospensavam, equivocadamente, queaGestalt sededicavaapenas à
percepção. Quarto, porqueosfundadoresWertheimer, KoffkaeKöhler instalaram-seemfaculdadespeque­
nasnosEstadosUnidos, quenão ofereciamprogramas depós-graduação; portanto, eradifícil atrair discípu­
losparatransmitir suasideias.
Quinto, emaisimportante, porque apsicologia norte-americana haviaavançado muito alémdasideias
deWundt eTitchener, àsquaisospsicólogosdaGestalt estavamseopondo. Obehaviorismojáeraosegun­
do estágio daoposição norte-americana. Consequentemente, apsicologíanorte-americana, muito mais que
aalemã, já superaraaposição elementarista de Wundt. Os psicólogos norte-americanos acreditavamque os
psicólogos da Gestalt estavamlutando contra um inimigo que elesjá haviamderrotado. Os psicólogos da
Gestalt chegaramaosEstadosUnidosprotestando contraalgo que, naqueleterritório, não faziamaissentido.
Esse cenário era arriscado para asobrevivência da escola da Gestalt. Temos testemunhado por toda a
história que o movimento revolucionário depende de uma oposição parasobreviver, dealgo paracombater
sedesejapromover suasideiascomêxito. No entanto, quando ospsicólogosdaGestalt chegaramaosEstados
Unidos, encontrarampoucaoposição.

A batalha contra o behaviorismo


Quando ospsicólogos daGestalt perceberamquais eramastendências napsicologianorte-americana, ime­
diatamenteestudaramo novo alvo. Senão haviasentido emprotestar contraapsicologiawundtiana, quejá
desapareceradapsicologianorte-americana, então podiamatacar asqualidadesreducionistastípicasdaesco­
ladepensamentobehaviorista. OspsicólogosdaGestalt alegavamqueobehaviorismo, domesmo modo que
apsicologia deWundt, tambémsededicavaaabstrações artificiais. Paraeles, não faziamuita diferençasea
análiseerafeitacombasenareduçãointrospectivaemelementosmentais (Wundt) ou naredução objetivaem
unidadescondicionadasdeestímulo-resposta(Watson). Oresultadoeraomesmo: umaabordagemmolecular
emvez demolar. Os psicólogos da Gestalt tambémcontestavamo fato de osbehavioristas não aceitarema
validadedaintrospecção edescartaremqualquer reconhecimento daconsciência. Koffkaacusavadeinsensa­
toodesenvolvimentodeumapsicologiasemoconceitodeconsciência, comofaziamosbehavioristas, porque
significavaqueapsicologiaerapouco maisqueumacoleção depesquisascomanimais.
Asbatalhas entre psicólogos da Gestalt ebehavioristas começaramainflar emocional epessoalmente.
Uma ocasião, quando Clark Hüll, E. C. Tolman, Wolfgang Köhler evários psicólogos saírampara tomar
cervejadepoisdeumencontro científico naFiladélfia, em1941, Köhler disseaHull queouviradizer queele
teria usado uma expressão insultante durante suas aulas: “aqueles malditos gestaltistas”. Embaraçado, FIull
disseesperar queasdivergênciascientíficasnão setransformassememagressõespessoais. Köhler, então, res­
pondeu que estava “ávido por discutir mais assuntos de forma lógica ecientífica, mas quando aspessoas
tentamtransformar ohomememumaespéciedemáquinacaça-níqueis, elesevêobrigado abrigar”. Então,
deu ummurro namesa“provocando umbarulho estridente”, paradeixar bemclaraasuaopinião (apudAm­
sel eRashotte, 1984, p. 23).

A psicologia da Gestalt na Alemanha nazista


Embora os fundadores da escola de pensamento dapsicologia da Gestalt tivessemfugido daAlemanha na
épocadaguerra, alguns deseus discípulospermaneceramno paísdurante operíodo nazista, queterminou
Capítulo 12 A psicologia da Gestalt 307

comosalemãesderrotadospelosaliados, em1945. EssesadeptosdaGestalt continuaramaconduzir pesqui­


sas, concentrando-senosestudosdavisãoedapercepção deprofundidade. Oinstitutopsicológico deKohler
continuou afuncionar na University of Berlin, embora, assimcomo todas asuniversidades alemãs daquela
época, esta não secaracterizasse mais pela liberdade acadêmica nempela receptividade àspesquisas. Um
norte-americano emvisita ao instituto, em 1936, comentou sobre a“absoluta aridez do clima intelectual
desseex-baluarte daescola da Gestalt” (apud Ash, 1995, p. 340). As atividades depesquisa damaioria dos
psicólogosalemães duranteaSegunda GuerraMundial foramdirecionadas ao esforço deguerra, principal­
mente naavaliação do pessoal militar. A pesquisapráticaeaplicadateveprecedênciasobreaciênciapura e
aconstrução teórica.

Ateoria de campo: Kurt Lewin (1890-1947)


ApsicologiadaGestalt refletiaatendênciacientíficadofinal doséculoXIX, doestudo combasenasrelações
decampo enão no modelo atomistico eelementarista. A teoriadecampo surgiu dentro dapsicologiacomo
Teoria de campo: sistem a de umconceitoequivalenteaodoscamposdeforçadafísica. Napsicologiaatual,
Lewin, que aplica o conceito de o termo teoria de campo costuma referir-se àsideias de Kurt Lewin. O
c a m p o s de força para explicar o trabalho deLewin segueaorientação gestáltica, mas ultrapassa oslimites da
com portam e n to de um indivíduo
com b a se em seu cam po de
posição ortodoxadaGestalt, paraincluir asnecessidadeshumanas, apersona­
influências sociais. lidadeeasinfluênciassociaisno comportamento.

A biografia de Lewin
Kurt Lewin (Figura 12.5) nasceuemMogilno, Alemanha, eestudou nasuniversidadesdeFriburgo, Munique
eBerlim. Recebeu o Ph.D. empsicologiadeCarl Stumpf, na University of Berlin, em1914, ondetambém
estudou matemáticaefísica. DuranteaPrimeiraGuerraMundial, serviu no exército alemão efoi ferido em
combate, recebendo amedalhadaCruz deFerro, daAlemanha. Retornou àUniversity of Berlin, ededicou-
-se comtanto entusiasmo àpesquisa da Gestalt arespeito de associação emotivação, que, váriasvezes, foi
considerado colegadostrêsfundadoresdaGestalt. Apresentou umaversão dateoriadecampo aospsicólogos
norte-americanos no International Congress of Psycology, realizado em1929, naYale.
Desse modo, Lewinjá eraconhecido nos Estados Unidos quando chegou àStanford, em 1932, como
professor visitante. No ano seguinte, decidiu deixar aAlemanha por causa da ameaça nazista. Escreveu a
Köhler, dizendo: “Agora acredito que não há alternativapara mimanão ser emigrar, mesmo que aminha
vida sejadespedaçada” (apud Benjamin, 1993, p. 158, 160).3Passou dois anos na Cornell University e, em
seguida, seguiu paraaUniversity of Iowa. Suapesquisaarespeito dapsicologiasocial infantil lherendeu um
conviteparadesenvolver onovo Centro dePesquisaparaaDinâmicadeGrupo (Research Center for Group
Dynamics) no Massachusetts Institute of Technology. Embora tenha falecido poucos anos após aceitar essa
posição, seu programafoi tão eficaz, que o centro depesquisa, agoralocalizado naUniversity of Michigan,
permaneceativo atéhoje.

3A maeeairmã de Lewin morreramnos campos de concentração nazistas.


308 História da psicologia moderna

0 espaço vital
Durante seus30 anos decarreira, Lewin (1936, 1939) dedicou-seàáreaamplamente definida damotivação
humana, descrevendo o comportamento humano natotalidadedeseu contexto físico esocial. Seu conceito
geral depsicologiaeraprático, concentradonasquestõessociaisqueafetamanossavidapessoal eprofissional.
Buscava humanizar asfábricas da época, de modo que o trabalho setornasse mais uma fonte de satisfação
pessoal do queapenas umaforma deganhar avida.
O conhecimento arespeito dateoria decampo dafísicafez Lewin imaginar queasatividadespsico­
lógicas deumindivíduo tambémocorrememuma espéciedecampo psicológico, chamado espaço vital,
que compreende todos osacontecimentos do passado, do presente edo futuro que nos afetam. Do pon­
to devista psicológico, cada umdessesfatos determina algumtipo de comportamento emuma situação
específica. Dessaforma, o espaço vital consiste na necessidade deaspessoas interagiremcomo ambien­
te psicológico.
O espaço vital exibediversosgrausdedesenvolvimento emrazão daquantidadeedo tipo deexperiên­
cia acumulados. Como o bebê tempouca experiência, possui poucas regiões diferenciadas emseu espaço
vital. Umadulto extremamenteculto esofisticado édotado deumespaço vital complexo ebemdiferencia­
do, exibindo grandevariedadedeexperiências.
Lewin tentou criar ummodelo matemático pararepresentar esseconceito teórico deprocessospsicoló­
gicos. Emrazão do interesseemumúnico indivíduo (umúnico caso) enão emgruposnemno desempenho
médio, aanáliseestatísticanão tinhamuito valor paraessefim. Eleescolheu atopologia, umaformadegeo­
metria, paracriar umdiagramadoespaçovital, mostrando osobjetivospossíveisdeumapessoaeoscaminhos
queconduziamaessasmetas emqualquer momento determinado.
No mapatopológico, usadoparacriar odiagramadetodasasformasdecomportamento edefenômenos
psicológicos, Lewin usavasetas(vetores) pararepresentar adireção do movimento do indivíduo embuscada
meta. Acrescentouanoção depesoaessasopções (valências), parareferir-seaovalor positivoou negativo dos
objetos dentro do espaço vital. Os objetos atraentes ou que satisfizessemàsnecessidades humanas recebiam

FIGURA 12.5 Kurt Lewin.


Capítulo 12 A psicologia da Gestalt 309

valênciapositiva, enquanto osameaçadoresrecebiamvalêncianegativa. Essesdiagramaschegaramaser cha­


mados de“psicologiado quadro-negro”.
No exemplo simples apresentado na Figura 12.6, uma criança deseja ir ao cinema, mas estáproibida
pelos pais. A elipserepresenta o espaço vital; C representa acriança. A setaéo vetor indicando que C está
motivada aatingir o objetivo deir ao cinema; portanto, temvalor positivo. A linhavertical éabarreiraes­
tabelecidapelospais, queimpedemCdeatingir ameta, logo, temvalêncianegativa.

A motivação e o efeito de Zeigarnik


Lewin propôs aexistência de umestado básico de balanço ou equilíbrio entre o indivíduo eo ambiente.
Qualquer perturbação desseequilíbrio provocaumatensão, que, por suavez, conduz aalgumaação, emum
esforçodealiviar atensão erestabelecer oequilíbrio. Assim, paraexplicar amotivação humana, Lewin acre­
ditavaqueocomportamento envolveumcírculo deestadosdetensão ou estadosdenecessidadeseguidosde
atividadeealívio.
Em 1927, Bluma Zeigarnik realizou umexperimento, sob asupervisão deLewin, paratestar essapro­
posição. Os indivíduos recebiamuma sériedetarefaselhes erapermitido terminar algumas, mas eleseram
interrompidos antes decompletaremoutras. Lewin fezalgumasprevisões.

1. Umsistemadetensão serácriado quando o indivíduo receber uma tarefapararealizar.


2. Quando atarefafor concluída, atensão desaparecerá.
3. Seatarefa não for concluída, apersistência da tensão resultará na maior probabilidade de o indivíduo
lembrar-sedatarefa.

OsresultadosdeZeigarnik confirmaramasprevisões. Aspessoaslembravam-


Efeito Zeigarnik: tendência de se
-se das tarefas não concluídas commais facilidade do que das completadas.
lem brar m ais facilmente das
Desdeentão, esseefeito passou asechamar efeito Zeigarnik.
tarefas não c o m p le ta d a s do que
d a s com pletadas.
A inspiração paraessapesquisadeLewin arespeito damotivação surgiu
dasuaobservação deumgarçomdo cafésituado do outro lado daruado Psychological InstituteemBerlim.
Uma tarde, ao reunir-secomalgunsalunos dapós-graduação no café,

f ig u r a 12.6 Um e xe m p lo s im p lif ic a d o do e s p a ç o vital.


310 História da psicologia moderna

alguém comentou estar surpreso com a habilidade aparente do garçom em lembrar-se do pedido de cada um
sem anotar nada. Algum tempo depois de pagar a conta, Lewin chamou o garçom e perguntou-lhe o que eles
haviam consumido. O garçom, indignado, respondeu que não se lembrava mais. (Ash, 1995, p. 271)

D epois que os clientes pagavam a conta, a tarefa d o garçom term in av a c a tensão desaparecia. Ele não
precisava m ais se lem brar do que cada um tin h a pedido.

A psicologia social
Sua ex trao rd in ária realização na psicologia social foi a criação da dinâm ica de g ru p o , a aplicação dos con cei­
tos psicológicos aos com portam entos individual c coletivo. Assim com o o indivíduo c seu am biente form am
u m cam po psicológico, o g ru p o c seu am biente form am o cam po social. O s co m p o rtam en to s sociais resultam
de entidades sociais coexistentes, com o subgrupos, m em bros de g ru p o , barreiras c canais de com unicação. O
co m p o rtam en to coletivo a q ualquer m o m en to e u m a função da situação total do cam po.
L ew in conduziu pesquisas sobre o co m p o rtam en to em várias situações sociais. U m a experiência que se
to rn o u clássica reu nia tipos de liderança autoritários, dem ocráticos c neutros em u m g ru p o de garotos (Lew in,
Lippitt c W h itc, 1939). O s resultados m ostraram que os garotos d o g ru p o au to ritário to rn av am -se b em agres­
sivos, en q u an to os do g ru p o dem ocrático eram gentis uns com os o u tro s c com pletavam mais tarefas que os
dos dem ais grupos. A pesquisa de L ew in deu início a novas áreas da pesquisa social e im pulsionou o cresci­
m en to da psicologia social.
A lém disso, L ew in enfatizou a pesquisa da ação social, o estudo de problem as sociais relevantes visando a
intro d u ção dc m udanças na sociedade. R e fle tin d o sua preocupação pessoal com questões raciais, conduziu
estudos cm com unidades sobre m oradia integrada, o p o rtu n id ad es iguais dc em p reg o c desenvolvim ento e
prevenção do preconceito na infância. Seu trabalho transform ou essas questões polêm icas cm estudos dc pes­
quisa controlados, aplicando o rigor do m étodo experim en tal sem a artificialidade d o laboratório académico.
L ew in prom oveu o tre in a m e n to da sensibilidade dos educadores e dos em presários para reduzir o c o n ­
flito e n tre grupos c desenvolver o potencial individual. O s grupos dc trein am en to da sensibilidade (grupos-T )
foram precursores dos grupos de en co n tro , que sc to rn aram m u ito populares nas décadas dc 1960 c 1970.
Em geral, os program as e x p e rim en tais c as descobertas das pesquisas de L ew in são m ais accitos pelos
psicólogos d o que m u ito s dc seus conceitos teóricos. Sua in flu ên cia na psicologia in fan til c social foi bas­
ta n te considerável, c m uitos dc seus conceitos c técnicas ain d a são usados nos estudos da p ersonalidade c
da m otivação.

As críticas à psicologia da Gestalt


O s críticos da cscola de pensam ento da psicologia da G estalt alegavam que a organização dos processos pcrccp-
tuais, com o no fenóm eno phi, não cra tratada com o u m problem a científico a ser investigado, mas com o um
fenôm eno cuja existência cra sim plesm ente aceita. Era com o sc fosse um a negação da existência do problem a.
A lém disso, os psicólogos ex p erim en tais acusavam dc vaga a posição da G estalt, c afirm avam que os
conceitos básicos não eram definidos com rigor suficiente para possuir alg u m significado científico. O s psi­
cólogos da G estalt rebatiam essas acusações, afirm an d o que, em u m a ciência jo v em , as tentativas dc explica­
ção c d efinição podem estar incom pletas, m as que estar incom pletas não significa que sejam vagas.
Capítulo 12 A psicologia da Gestalt 311

Outros psicólogos alegavamqueosproponentes da Gestalt estavamocupados demais comateoria, em


detrimento da pesquisa edos dados empíricos. Embora aescola da Gestalt assumisse aorientação teórica,
tambémenfatizou aexperimentação eproduziu considerável quantidade depesquisa.
Ligadaaessavisão existeaafirmação deque o trabalho experimental daGestalt erainferior àpesquisa
dapsicologiabehaviorista, porquefaltavamcontrolesadequados, edadosnãoquantificáveisnãoerampassíveis
deanáliseestatística (Wagemans et al., 2012). Os psicólogos daGestalt sustentavamquegrandepartedasua
pesquisa erapropositalmente menos quantitativa do que asoutras escolas consideravamnecessário, já que,
nessesistema, osresultados qualitativos tinhamprecedência. A maioria daspesquisas da Gestalt temcaráter
exploratório, investigando osproblemaspsicológicos emummodelo diferente.
A noção deKöhler sobre insight tambémfoi questionada. As tentativas dereproduzir aexperiência dos
chimpanzés easduas varas proporcionarampouca comprovação sobre o papel do insight na aprendizagem.
Esses últimos estudos sugeririamque asolução do problema não ocorre de repente, epode depender da
aprendizagemou daexperiênciaanterior (ver, por exemplo, Windholz eLamal, 1985).

As contribuições da psicologia da Gestalt


Omovimento daGestalt deixou umapermanentemarcanapsicologiaeinfluenciou o trabalho arespeito de
percepção, aprendizagem, pensamento, personalidade, psicologia social emotivação. Em2012, aGerman
Psychological Society organizou umacelebração pelo 100° aniversário dapublicação do artigo fundamental
deWertheimer sobreofenômenophi. Entreospalestrantesestavaseufilho, ofamosopsicólogonorte-americano
Michael Wertheimer, que declarou que “aPsicologia daGestalt, claramente, continua viva eintensanase­
gunda décadado séculoXXI” (2014, p. 130).
Ao contrário deseumaior rival naépoca—obehaviorismo— , apsicologiadaGestalt manteveumaiden­
tidade separada. Seus maiores princípios não foramabsorvidos pelo principal pensamento psicológico. Ela
continuou apromover o interesse na experiência consciente como umproblema legítimo para apsicologia
duranteosanos emqueobehaviorismo dominava.
O enfoquedaGestalt naexperiênciaconscienteeradiferentedaabordagemdeWundt eTitchener, pois
seconcentravaemumaversãomodernadafenomenologia. OsadeptoscontemporâneosdaposiçãodaGestalt
acreditam, realmente, na ocorrência da experiência consciente, sendo ela, portanto, um objeto de estudo
legítimo. Elesreconhecem, no entanto, não ser possível investigá-lacomamesmaprecisão eobjetividadedo
estudo do comportamento manifesto. A abordagemfenomenològicadapsicologiatemmaior aceitação entre
ospsicólogos europeus do que entre osnorte-americanos, mas suainfluência pode ser percebida no movi­
mento dapsicologiahumanistanorte-americana (vejano Capítulo 14). Muitosaspectosdapsicologiacogni­
tivacontemporâneatambémdevemsuaorigemàpsicologiadaGestalt.

QUESTÕES PARADISCUSSAO

1. Quais sãoasdiferenças entreasrevoltasdaGestalt easdo behaviorismo contraapsicologiawundtiana?


2. O que ospsicólogos da Gestalt queriamdizer comas expressões “o todo édiferente dasoma de suas
partes” e“hámaisnapercepção do queosolhosveem”?
312 História da psicologia moderna

3.Sevocê visse umlivro sobre amesa edissesse: “Estou vendo umlivro sobre amesa”, que erro estaria
cometendo, deacordo comTitchener?
4. Descrevaosantecedenteshistóricos dapsicologiadaGestalt.
5. ExpliqueasdiferençasentrearevoltadaGestalt eadosbehavioristascontraapsicologiawundtiana.
6. Como o Zeitgeist nafísicamudou no final do séculoXIX?Como essamudançainfluenciou apsicologia
daGestalt?
7. O queéofenómenophi?Por queapsicologiawundtiana não conseguiaexplicá-lo?
8. Por quealgumaspessoas, erroneamente, acreditavamqueapsicologia daGestalt sededicavasomente à
percepção?
9. Descrevaalgunsprincípiosdaorganização perceptual.
10. De queformaosestudosdaconstânciaperceptual sustentamoponto devistadaGestalt?
11. Por queapalavra Gestalt provocou problemasparao movimento?
12. Dê umexemplo dapesquisadeKöhler sobreinsight nailhadeTenerife.
13. Como aaprendizagempelo insight diferedaaprendizagempor tentativa-e-erro, descritapor Thorndike?
14. Quais fatoresimpediramaaceitação dapsicologiadaGestalt nosEstados Unidos?
15. QuefatoressãousadosnascríticascontraapsicologiadaGestalt?
16. Quais foramosargumentos usadospelapsicologiadaGestalt paracriticar obehaviorismo?
17. Descrevaateoria decampo deLewin eexpliqueainfluênciadafísicanaformulação dessateoria.
18. De quemodo ateoria decampo lidacomamotivação ecomapsicologiasocial?O queéapesquisada
ação social?
19. De quemaneiraapsicologiadaGestalt afetou apsicologiacomo umtodo?

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