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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS


Faculdade de Educação

SARA BADRA DE OLIVEIRA

O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E


INSTITUCIONAL NOS PROCESSOS
PARTICIPATIVOS DE AVALIAÇÃO DA
QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA

CAMPINAS
2019
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SARA BADRA DE OLIVEIRA

O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E


INSTITUCIONAL NOS PROCESSOS
PARTICIPATIVOS DE AVALIAÇÃO DA
QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Educação da Faculdade de Educação
da Universidade Estadual de
Campinas como parte dos requisitos
exigidos para a obtenção do título de
Doutora em Educação, na área de
concentração de Educação.

Orientadora: MARA REGINA LEMES DE SORDI

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À


VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA
ALUNA SARA BADRA DE OLIVEIRA, E
ORIENTADA PELA PROFA. DRA. MARA
REGINA LEMES DE SORDI

CAMPINAS
2019
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS


FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E


INSTITUCIONAL NOS PROCESSOS
PARTICIPATIVOS DE AVALIAÇÃO DA
QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA

Autora: Sara Badra de Oliveira

COMISSÃO JULGADORA:
Profa. Dra. Mara Regina Lemes de Sordi
Prof. Dr. Luiz Carlos de Freitas
Prof. Dr. Pedro Ganzeli
Profa. Dra. Adriana Bauer
Prof. Dr. Elie George Guimarães Ghanem Júnior
Dra. Rita de Cássia Silva Godoi Menegão

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na
Secretaria do Programa da Unidade.

2019
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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Mara de Sordi, por ter orientado meu percurso acadêmico desde o
mestrado até o presente momento. Durante oito anos tive o privilégio de aprender com
seu profissionalismo, seriedade e integridade, que não prescindem do lado humano e
carinhoso, marcas características de sua conduta pessoal e acadêmica. Sou grata por
todo apoio, pelas discussões sempre frutíferas e instigantes, pelas palavras e gestos de
motivação e incentivo, por seus exemplos de atuação comprometida, por ter contribuído
imensamente com minha formação humana.

Aos meus amados pais, Celeste e Wanderley, que sempre me ajudaram em tudo
que precisei. Obrigada por todo amor, carinho e apoio, por serem meu porto seguro,
minha referência de esforço e superação. Ao meu irmão Mateus, que também esteve ao
meu lado nessa empreitada.

Ao Dirceu da Silva, por ter disponibilizado seu tempo para me ensinar o passo a
passo da construção do instrumento dessa pesquisa. Sua ajuda foi fundamental.

Ao Luiz Carlos de Freitas, por todos esses anos de aprendizado, por ser uma
grande referência de comprometimento, seriedade e pensamento crítico, por estar
sempre disposto a nos ajudar e a dialogar, por ter se empenhado em construir uma
referência de grupo que vai me acompanhar por toda minha trajetória. Obrigada também
pelas reflexões suscitadas na ocasião da defesa da tese.

À Adriana Varani, por sua importante participação na banca de qualificação, e


pelos aprendizados compartilhados ao longo de minha trajetória no LOED. À Regiane
Bertagna, pelas conversas e parcerias que contribuíram com a minha formação.

Ao Elie Ghanem, que compôs a banca desde a qualificação, ao Pedro Ganzeli e à


Adriana Bauer, que estiveram presentes na banca de defesa, pelas valiosas contribuições
e reflexões instigantes.

À Rita Menegão, sou grata por sua participação em minha banca de defesa, pelas
belas palavras proferidas, pela amizade de anos, pelas trocas e parcerias acadêmicas, por
ser tão inspiradora.

À Sharon Gewirtz, que aceitou me receber no Kings´ College London para meu
estágio sanduíche. Sou grata pelas discussões instigantes, pelas indicações
bibliográficas, pela parceria de escrita, por ter acreditado no meu trabalho. Mais que
isso, obrigada pelo acolhimento na cidade e na universidade, pelos passeios, pelas dicas
e contatos, sem os quais minha estadia em Londres não teria sido tão proveitosa.

À Marta Garcia, que esteve sempre disposta a compartilhar as dores e sabores


dessa trajetória, e me ajudou num momento crucial, indicando o professor Dirceu para
contribuir na parte quantitativa dessa tese. Obrigada por toda sua ajuda e amizade.
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À Raquel Alonso, amiga de graduação, pela sua inestimável capacidade e


disponibilidade em ouvir, dialogar e me compreender nos momentos que mais precisei.
Sou grata por sua amizade e pelas conversas acadêmicas, que ofereceram insights
valiosos para essa tese.

Ao Roberto Rezende, pelas discussões acadêmicas inspiradoras, por ter me


ensinado tanta coisa, e pelo apoio oferecido durante grande parte desse percurso.

Aos amigos e amigas de LOED que estiveram próximos em diferentes


momentos do meu doutorado: Ana Paula Carra, Bruno Jürgensen, Jackeline Santos,
Marcos Santos e Roberta Golçalves, por terem proporcionado aquela sensação de união
que tanto me motivou a seguir em frente, por todo companheirismo e pelas conversas
regadas a bolinhos, chás, vinhos, cupuaçus e açaís; à Camila Rodrigues, ao Jean
Rodrigues e à Luana Ferrarotto, pelas frutíferas conversas e parceria que me ofereceram
nos anos iniciais.

À Érika Moreira e à Sara Freitas, obrigada pela inestimável ajuda que me deram
quando cheguei em Londres para o período sanduíche do meu doutorado, por terem me
oferecido aquela sensação de amparo tão importante nesses momentos. Ao Yen-Hsiang
Huang, por ter me ajudado a decifrar os códigos e burocracias de uma universidade
inglesa, pelas ricas trocas de conhecimentos culturais e acadêmicos, pelo carinho e
amizade. À Karin e ao Klaus, que me receberam em sua casa de forma tão acolhedora,
sempre dispostos a uma conversa no fim do dia, a uma dica aqui outra ali sobre parques,
cinemas e museus, agradeço pelas trocas e aprendizados que vou levar para toda vida. À
Julia Malanchen, à Giuliana Almeida, à Patrícia Rocha e ao Rodrigo Alves, pelas novas
e velhas amizades fortalecidas em tempos difíceis em que estive me adaptando a outro
país e a uma nova fase da vida.

À Betina de Tella, à Ellen Corrêa, à Karen Polaz, à Lara Carajiliascov e à Letícia


Tarifa, por sua amizade desde a época da graduação, pelo crucial apoio e carinho ao
longo de tantos anos. À Ellen agradeço também pelos diálogos sobre a pesquisa, e por
ter se disposto a contribuir lendo parte da tese; e à Betina que me acolheu em minha
nova morada, pelo que também agradeço à Camila Costa. Ambas ajudaram a prover um
ambiente sereno e agradável para a importante reta final da escrita, sendo sempre muito
solícitas e companheiras.

Ao Pedro Cruz, pelo companheirismo e apoio na extenuante reta final de escrita


da tese.

À Júlia Rizzi, amiga de infância, que mesmo longe sempre esteve tão próxima,
me incentivando a seguir em frente nos momentos difíceis e vibrando junto nas
conquistas e alegrias.

À Suzelei e ao Alexandre, que me disponibilizaram e organizaram materiais das


reuniões de negociação.
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Aos membros das equipes gestoras e às(aos) professoras(es) das duas escolas de
campo, com destaque especial às duas professoras que coordenaram a CPA da Escola A
entre os anos de 2016 e 2017, os quais permitiram minha entrada nas escolas, e ao longo
da pesquisa foram muito solícitos respondendo às minhas dúvidas e compartilhando
seus saberes e experiências. Também agradeço às equipes gestoras e professoras(es) das
outras vinte e oito escolas da rede que aceitaram disponibilizar parte do seu horário de
trabalho para responder ao instrumento dessa pesquisa.

Aos funcionários da Faculdade de Educação da Unicamp, pela gentileza e


prontidão em auxiliar os estudantes em suas mais diversas necessidades acadêmicas.

Por fim, agradeço imensamente à FAPESP/CAPES, por ter financiado minha


trajetória de pesquisa desde o mestrado até o doutorado, tendo inclusive concedido
financiamento para realização do meu estágio de pesquisa no exterior - bolsa estágio de
pesquisa no exterior processo nº 2017/20119-3 e bolsa doutorado no país processo nº
2014/06295-5, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Além da FAPESP, nos seus primeiros meses o presente trabalho foi realizado com
apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil
(CAPES) - Código de Financiamento 001.

Porque qualquer esforço é um empreendimento COLETIVO.


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RESUMO

Essa tese analisa a relevância da categoria confiança interpessoal e institucional para


compreensão dos fatores que afetam a qualificação da escola pública. É crescente a
literatura nacional e internacional que documenta como determinado uso das avaliações
externas, associado às estratégias gerenciais de competição e punição/recompensa, traz
consequências negativas para a garantia do direito à educação, além de não contribuir
com os objetivos aos quais se propõe de elevação duradoura e substantiva da qualidade
educacional. Na contramão ao modo gerencial de regulação, parto do pressuposto que a
qualificação da escola pública depende do envolvimento ativo da comunidade escolar
em processos de avaliação institucional participativa (AIP), caracterizados pelos
princípios da qualidade social, negociação e responsabilização compartilhada. Nesse
sentido, o objetivo da tese é analisar como a confiança entre professores, e destes em
relação à equipe gestora, aos pais/responsáveis pelos alunos, e à Secretaria Municipal de
Educação, se relaciona com os processos democráticos de negociação da qualidade
educacional, no contexto da rede municipal de Campinas que implementa uma política
de AIP. Para tanto, as escolhas metodológicas quanti-qualitativas envolveram
entrevistas, observação em duas escolas, construção e validação de um instrumento de
medição da confiança interpessoal e institucional. Argumento que a participação dos
sujeitos na construção de propósitos comuns comprometidos com a qualidade social
depende do aprofundamento de um tipo de confiança pautada não apenas no pilar da
reciprocidade, como predominantemente ocorre na literatura, mas também do
reconhecimento e da redistribuição.
Palavras-chave: confiança - avaliação institucional participativa - escola pública -
reconhecimento - redistribuição
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ABSTRACT

This thesis analyzes the relevance of the concept interpersonal and institutional trust to
understand the factors that affect public schools´ capacity for educational improvement.
There is a growing emphasis on how certain use of external evaluations, associated with
managerial strategies of competition and punishment/reward, has negative
consequences for assuring the right to education, and does not contribute to achieving
the intended goals of deep and lasting change. In the opposite direction to the
managerial mode of regulation, I assume that educational improvement depends on the
active involvement of the school community in processes of participatory institutional
evaluation (AIP), characterized by the principles of social quality, negotiation and
shared responsibility. Hence the aim of the thesis is to analyze how the faculty trust in
colleagues, parents, the management team, and the Municipal Department of Education,
is associated with democratic processes of quality negotiation, in the context of the
Education System of Campinas where an AIP policy has been taking place. In order to
accomplish that, the quanti-qualitative methodological approach involved interviews,
observation in two schools and the construction and validation of an instrument to
measure institutional and interpersonal trust. I argue that the participation of school
subjects in the construction of common purposes committed to social quality depends
on strengthening an specific type of trust based not only on the dynamics of reciprocity,
as predominantly featured by the literature, but also on recognition and redistribution.
Key-words: trust - participatory institutional evaluation - public school - recognition -
redistribution
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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Articulação entre os três níveis de avaliação .......................................................... 54


Figura 2 - Modelo ajustado após eliminação das variáveis com carga inferior a 0,50.......... 159
Figura 3 - Valores do Teste T-Student .................................................................................. 161
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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Primeira Definição e Escala Likert sobre Confiança na Escola ......................... 104
Quadro 2 - Facetas da Confiança segundo Hoy e Tschannen-Moran ................................... 106
Quadro 3- Escala representativa da corrente de Wayne Hoy ................................................ 107
Quadro 4 - Tipos de Reuniões Observadas em Campo......................................................... 129
Quadro 5 - Professores entrevistados na fase exploratória ................................................... 132
Quadro 6 - Instrumento Confiança (primeira versão) ........................................................... 139
Quadro 7 - Juízes da Validação Conceitual .......................................................................... 146
Quadro 8 - O Modelo Testado: relação entre constructos e variáveis .................................. 154
Quadro 9 - Itens descartados no Teste AVE ......................................................................... 157
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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Cronograma Metodológico da Pesquisa ............................................................... 125


Tabela 2 - Quantidade de observação nas duas escolas ......................................................... 130
Tabela 3 - Participação das Escolas por NAED .................................................................... 151
Tabela 4 - Valores da qualidade de ajuste do modelo antes da eliminação das variáveis ..... 157
Tabela 5- Valores da qualidade de ajuste do modelo após a eliminação das variáveis ......... 159
Tabela 6 - Validade Discriminante ........................................................................................ 160
Tabela 7 - Validade Preditiva (Q²) e Tamanho do Efeito (f²)................................................ 162
Tabela 8 - Coeficientes de Caminho...................................................................................... 162
Tabela 9 - Médias por item e por constructo e Desvios-Padrão ............................................ 165
Tabela 10 - Itens e Médias da Relação Professor-Secretaria Municipal de Educação .......... 171
Tabela 11 - Itens e Médias da Relação Professor-Pais/Famílias ........................................... 199
Tabela 12 - Itens e Médias da Relação Professor-Equipe Gestora ........................................ 223
Tabela 13 - Itens e Médias da Relação professores- professores .......................................... 230
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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Participação das Escolas por NAED ................................................................... 151


Gráfico 2 - Confiança dos professores na SME, famílias, gestores e colegas professores.... 167
Gráfico 3 - Tipos de Demandas das Reuniões de Negociação .............................................. 173
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AERS: Applied Educational Research Scheme


AC: Alfa de Cronbach
AFC: Análise Fatorial Confirmatória
AFE: Análise Fatorial Exploratória
AIP: Avaliação Institucional Participativa
ANA: Avaliação Nacional de Alfabetização
APM: Associação de Pais e Mestres
AVE: Variância Média Extraída
CAE: Centro de Arquitetura Escolar
CAPES: Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior
CC: Confiabilidade Composta
CCS/T: Conselho de Classe, Série e Termo
CE: Conselho de Escola
CEASA: Centrais de Abastecimento de Campinas
CGP: Coordenadoria de Gestão de Pessoal
CHP: Carga Horária Pedagógica
CONUTRI: Coordenadoria de Nutrição
CP: Coordenador Pedagógico
CPA: Comissão Própria de Avaliação
CPFL: Companhia Paulista de Força e Luz
DEPE: Departamento Pedagógico
EAZ: Education Action Zone
EJA: Educação de Jovens e Adultos
EMEF: Escola Municipal de Ensino Fundamental
G1: Grupo de Saberes 1
G4: Grupo de Saberes 4
GERES: Estudo Longitudinal da Geração Escolar
HP: Hora-Projeto
IDEB: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
IP: Instituição Participativa
LDBEN: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
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LOED: Laboratório de Observação e Estudos Descritivos


MIPID: Programa Memória e Identidade: Promoção da Igualdade na
Diversidade na Rede Municipal de Campinas
NAED: Núcleo de Ação Educativa Descentralizada
OBEDUC: Observatório da Educação
ONG: Organização Não Governamental
OP: Orientador Pedagógico
PPP: Projeto Político Pedagógico
RMC: Rede Municipal de Campinas
RN: Reunião de Negociação
RPAI: Reunião de Planejamento e Avaliação Institucional
SAEB: Sistema de Avaliação da Educação Básica
SARESP: Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São
Paulo
SINAES: Sistema Nacional e Avaliação do Ensino Superior
SME: Secretaria Municipal de Educação
TDA: Trabalho Docente em Sala de Aula
TDEP: Trabalho Docente entre Pares
TDPA: Trabalho Docente em Preparação de Aulas
TDC: Trabalho Docente Coletivo
TDI: Trabalho Docente Individual
VD: Validade Discriminante
UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas
WVS: World Values Survey
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 18

CAPÍTULO 1. AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL PARTICIPATIVA: UMA


AÇÃO PROPOSITIVA DE CONTRARREGULAÇÃO .............................. 29
1.1. Efeitos e Limites das Reformas Gerenciais.............................................................. 29
1.2. Por uma accountability alternativa........................................................................... 42
1.2.1. Histórico, Princípios e Formatos da AIP .......................................................... 44
1.2.2. A implementação: potências e dificuldades da participação democrática ....... 57

CAPÍTULO 2. CONFIANÇA: o que é e para quê?....................................... 65


2.1. O Problema da Confiança na Teoria Sociológica .................................................... 65
2.1.1. Confiança para Cooperação: Política de Solidariedade, Tolerância e
Legitimidade ............................................................................................................... 76
2.1.2. Confiança enquanto Capital Social: Limites e Implicações ............................. 79
2.2. Confiança nas Relações Internas à Escola ............................................................. 102
2.2.1. Corrente de Wayne Hoy ................................................................................. 103
2.2.2. Corrente de Chicago ....................................................................................... 108

CAPÍTULO 3. PROBLEMATIZAÇÃO E OBJETIVOS .......................... 116


3.1. Os Limites da Literatura sobre Confiança nas Escolas .......................................... 116
3.2. Objetivos da Pesquisa ............................................................................................ 119
3.3. A Busca pela Superação dos Limites ..................................................................... 120

CAPÍTULO 4. ESCOLHAS METODOLÓGICAS ..................................... 124


4.1. A escolha das escolas para imersão em campo ...................................................... 125
4.2. Construção do Instrumento (Fase Preliminar) ....................................................... 131
4.3. Validação de Conteúdo e Validação Semântica..................................................... 146
4.4. Aplicação do Instrumento ...................................................................................... 150

CAPÍTULO 5. CONFIANÇA, PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE SOCIAL.


.......................................................................................................................... 153
5.1. Validação Estatística: Análise Fatorial Confirmatória ........................................... 153
5.2. Análise Descritiva dos dados ................................................................................. 163
5.3. Confiança e Redistribuição: professores e Secretaria Municipal de Educação ..... 168
5.4. Confiança e Reconhecimento: professores e pais/famílias .................................... 195
5.5. Confiança e Reciprocidade: relações entre pares e entre professores e equipe
gestora ........................................................................................................................... 222

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 255


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REFERÊNCIAS .............................................................................................. 261


ANEXOS .......................................................................................................... 271
ANEXO 1- Instrumento Confiança (versão final) ........................................................ 271
ANEXO 2- Cinco Dimensões da Qualidade Social segundo OBEDUC ...................... 274
ANEXO 3- Alterações no Instrumento e Justificativas ................................................ 276
ANEXO 4- Itens Incluídos no Instrumento e Justificativas .......................................... 285
ANEXO 5 - Motivos de Recusa das Onze Escolas ....................................................... 287
ANEXO 6- Modelo Impresso do Instrumento .............................................................. 290
ANEXO 7 - Termos de Consentimento Livre e Esclarecido ........................................ 294
ANEXO 8 - Frequências das respostas do Instrumento ................................................ 299
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INTRODUÇÃO

Motivei-me a olhar para a confiança enquanto um problema de pesquisa a partir


da necessidade de compreender os fatores que afetam a concepção coletiva do trabalho
nas escolas públicas. Por concepção coletiva do trabalho escolar entende-se o
envolvimento da população usuária e dos servidores na gestão e avaliação das unidades
escolares, no que diz respeito aos aspectos político-pedagógicos, financeiros e
administrativos. Trata-se de uma concepção de participação que começa a ser
regulamentada pelas legislações e políticas educacionais brasileiras na década de 1990,
como reflexo da luta de movimentos sociais em defesa da escola pública e democrática
ao longo de anos, e influenciada por um contexto teórico no qual as produções
acadêmicas ressaltavam o vínculo estreito entre gestão democrática e melhoria da
qualidade educacional.
Nessa época o sistema educacional brasileiro buscava oferecer saídas aos
problemas crônicos de acesso não universal à escola básica e de fracasso escolar dos
alunos que nela ingressavam. Quanto ao primeiro problema, a cobertura dos serviços
escolares prosseguia em uma tendência de crescimento gradativo. Por outro lado,
enquanto o país buscava garantir o direito à escolarização básica, focando no acesso
universal à escola e na ampliação de vagas, tornavam-se cada vez mais visíveis as
deficiências de desempenho das escolas públicas, manifestas principalmente no
insucesso escolar dos alunos em termos de reprovação e evasão. Assim, a atenção das
políticas públicas voltou-se para a questão da qualidade do ensino e da permanência dos
alunos na escola.
Tal inadequação do sistema escolar às camadas crescentemente contempladas
com seus serviços era atribuída, sobretudo, a falhas no saber profissional docente,
insuficiência de recursos aplicados inclusive na remuneração dos professores, e
ineficiência no gerenciamento desses recursos, o que motivou o governo a propor, entre
outras ações, o envolvimento da população usuária e dos servidores na gestão das
unidades escolares. Com isso pretendia-se adequar os serviços educacionais às
aspirações e peculiaridades dos seus beneficiários, com objetivo principal de melhorar a
qualidade desses serviços e alcançar maior eficiência em termos de redução dos índices
de reprovação e evasão dos alunos.
19

É nesse contexto que a ideia de envolvimento “da comunidade” na escola passou


a assumir uma importância crescente, servindo como referência para a proposição de
políticas e legislações educacionais voltadas à participação popular na gestão escolar. A
Constituição Federal da República de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº
9.394 de 1996 foram os marcos legal e constitucional da regulamentação da gestão
democrática em nível federal. Além de consagrar a educação como um direito de todos
os cidadãos, a Constituição determina-a como dever do Estado e da família e prescreve
que sua promoção e incentivo sejam feitos com a colaboração da sociedade. Nesse
sentido, a educação passa a ser entendida como uma área de corresponsabilidade entre
Estado e sociedade civil.
Sob os emblemas da autonomia pedagógica, financeira e administrativa, a gestão
democrática passou a ser concebida como participação da comunidade escolar nos
desígnios da escola no que se refere ao planejamento e avaliação dos conteúdos
curriculares e procedimentos de ensino, elaboração dos projetos pedagógicos e
definição dos calendários, alocação de recursos, seleção e recrutamento de profissionais.
Concretamente, sua implementação contou com a criação de práticas e instâncias
democráticas de gestão, como a eleição de diretores e a constituição de colegiados,
como o Conselho de Escola (o qual consta em legislações municipais e estaduais desde
a década de 1980). Com a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional nº 11.738 de 2008,
foram criadas legalmente as condições de trabalho que tornariam viável o envolvimento
adequado dos professores em atividades coletivas no âmbito da escola.
Uma vez oferecidas tais condições estruturais, a atenção de pesquisadores
preocupados com a democratização da escola pública passou a se concentrar na
investigação dos mecanismos propostos à participação democrática em cada caso
concreto, seus aspectos positivos, obstáculos e dificuldades enfrentados para realizá-la.
No mestrado, iniciei a empreitada de buscar contribuir com esses esforços, interessada
em compreender o que possibilita um trabalho concebido coletivamente, comprometido
com a melhoria da qualidade do ensino (OLIVEIRA, 2013). Investiguei como uma
escola municipal de ensino fundamental da cidade de São Paulo conseguiu formular e
implementar um Projeto Político Pedagógico (PPP) inovador por iniciativa própria de
seus professores, famílias, alunos e gestores. Algumas perguntas nortearam a
investigação: os objetivos do PPP foram negociados e pactuados a partir da escuta a
todos os membros da comunidade escolar, ou esse documento forjava a existência de
20

objetivos supostamente consensuais que teriam sido impostos por algum grupo
específico dentro da escola? O que me instigava naquela realidade era entender os
movimentos dialéticos de verticalização/participação, mudança/manutenção, como parte
de um processo dinâmico de construção coletiva.
A pesquisa de campo mostrou que a existência de espaços, apesar de
extremamente necessária, não foi suficiente para garantir a ampla participação de todos
os segmentos na formulação do PPP daquela escola (OLIVEIRA, 2013). Havia um
“núcleo duro” de professores antigos que ingressaram na escola no início da formulação
do Projeto em 2004, e de familiares pertencentes a extratos sociais superiores, que
tomavam as decisões relativas a procedimentos e conteúdos de ensino, enquanto os
alunos em geral, familiares das camadas populares e professores recém-chegados
tendiam a ser excluídos do processo. Esses achados vieram a se somar a outros da área
que discutiam, entre outras questões, a dificuldade de envolver alunos e famílias nas
tomadas de decisões pedagógicas, seja porque os profissionais da escola resistem a
compartilhar sua área de domínio pedagógico com leigos; seja porque as famílias não se
sentem à vontade para expor suas opiniões diante de pessoas com maior status que o
seu; ou mesmo devido às condições objetivas de vida, e subjetivas de desvalorização da
construção de sentidos coletivos. Documentou-se também a resistência dos próprios
professores em tirar proveito dos momentos de trabalho coletivo, uma vez que estes
tendem a ser vistos como entraves burocráticos ou perda de tempo (GHANEM, 1996;
OLIVEIRA, 2004; PARO, 2003; GEWIRTZ, 1997; BARRETO & NOVAES, 2016).
Além da participação propriamente, tais pesquisas também analisaram os
conteúdos das tomadas de decisões nos espaços avaliativos e deliberativos,
identificando dificuldades dos colegiados em abordar coletiva e sistematicamente
questões pedagógicas relativas às práticas docentes, ao currículo e procedimentos de
ensino; em formular claramente os problemas de caráter pedagógico e equacionar
medidas que contribuam para sua superação; em utilizar índices de rendimento
(externos ou elaborados pela escola) como base para proposição de alternativas de ação
pedagógica.
Dessa forma, ainda que a gestão democrática já tenha sido regulamentada,
percebe-se que a realidade de trabalho de muitas escolas permanece pautada, grosso
modo, no isolamento, hierarquização, e em discussões superficiais que não tocam os
21

pilares do PPP. Em outras palavras, apesar dos avanços estruturais1, a construção e


avaliação coletivas do Projeto Político Pedagógico pela comunidade escolar ainda é
uma realidade difícil de ser alcançada. Continua sendo instigante, portanto,
compreender quais fatores ajudam a explicar por que em algumas escolas as pessoas se
sentem mais impelidas a criar e ocupar seus espaços com discussões substantivas sobre
a qualidade do ensino do que em outras, nas quais o comparecimento a reuniões é uma
atitude meramente burocrática ou simplesmente inexistente.
Isso explica meu interesse continuado em compreender quais fatores afetam a
participação e o envolvimento das pessoas na construção de sentidos coletivos nas
escolas. Foi então que a ideia de estudar confiança pareceu promissora, no sentido de
oferecer novas possibilidades de explicação que viriam a compor com as demais.
No final do mestrado, tomei contato com o livro “Trust in Schools: a core
resource for improvement” (BRYK & SCHNEIDER, 2002) de pesquisadores da
Universidade de Chicago. Eles buscam justamente analisar por que o Ato de Reforma
de 1988 - que descentralizava alguns poderes para o nível local das escolas, como os
administrativos de demissão e contratação de diretores e professores -, apesar de afetar
legalmente toda a rede, produziu uma variedade imensa de resultados práticos nas
escolas em termos de apropriação do novo poder conferido pela Reforma.
Essa observação se assemelha ao diagnóstico feito por Licínio Lima (2008) em
sua análise da experiência de descentralização pela qual passou o sistema público de
ensino de Portugal após a Revolução de 1974. Ele concluiu que a democracia
normatizada pelo Estado português não significou um rompimento com o paradigma da
centralização, o que o levou a reconhecer os limites da institucionalização da
autonomia. Para que deixe de ser mero discurso, a autonomia não pode ser delegada de
cima para baixo; ao invés, é necessário que ela seja ensaiada e aprendida pelos próprios
sujeitos a partir de sua prática cotidiana (LIMA, 2008).
Também guiados por esse pressuposto, aqueles pesquisadores norte-americanos
realizaram intensa pesquisa etnográfica em doze escolas pertencentes ao distrito de
Chicago, o que os permitiu atentar para um recurso poderoso que poderia explicar a
variedade de resultados observada nas escolas: a “confiança relacional” (BRYK &
SCHNEIDER, 2002). Eles concebem a confiança nas escolas como um recurso de

1
Deve-se considerar que a existência de determinações legais não significa sua implementação de fato, o
que pode ser exemplificado com a grande quantidade de redes que ainda não implementa integralmente a
Lei do Piso Salarial Profissional Nacional nº 11.738 de 2008.
22

“capital social”, formado nas relações entre professores, e entre estes e o diretor e as
famílias dos alunos, que depende do julgamento que os professores fazem em relação às
ações e intenções do outro. É preciso que o outro lado da relação cumpra determinadas
expectativas de respeito, consideração, competência e integridade para que a confiança
entre esses segmentos se aprofunde. Os pesquisadores defendem que o grande ganho do
aprofundamento das relações de confiança é fortalecer as condições organizacionais
propícias ao trabalho cooperativo, o que por sua vez influencia a conquista de melhores
resultados acadêmicos para os estudantes (proficiência em língua inglesa e matemática).
Essa pesquisa instigou meu interesse em investigar a pertinência do conceito
“confiança relacional” para entender os entraves e potencialidades da implementação de
uma política democrática brasileira, precisamente a política de Avaliação Institucional
Participativa (AIP) nas escolas de ensino fundamental da Rede Municipal de Campinas
(RMC). A intenção foi entender se e como a “confiança” poderia ajudar a explicar por
que as escolas dessa rede, igualmente submetidas à política, apresentavam níveis
diferenciados de apropriação dos princípios da AIP, como inicialmente documentado
por Sordi et al. (2013).
A proposta de avaliação institucional participativa vem sendo desenvolvida
desde 2003 na rede municipal de Campinas através de uma rede colaborativa entre
escolas, gestores da Secretaria Municipal de Educação (SME) e pesquisadores do grupo
LOED da Faculdade de Educação da UNICAMP. Devido à legitimidade política
decorrente dessas parcerias, em 2008 a proposta de AIP foi elevada à condição de
política pública, sendo implementada nas quarenta e quatro escolas de ensino
fundamental da RMC. Ao longo desse percurso, o grupo LOED vem acumulando uma
série de investigações sobre o processo de construção e implementação dessa política,
buscando entender suas fragilidades e potências e os efeitos que produz sobre a
aprendizagem política da participação, sobre o fortalecimento das responsabilidades das
variadas instâncias e atores, e sobre o conhecimento social em torno do que é e do que
afeta a qualidade educacional.
A AIP foi proposta pelo LOED como tentativa de oferecer uma alternativa aos
pressupostos e efeitos das reformas gerenciais2 que começavam a adquirir
preponderância no cenário educacional brasileiro na década de 1990. As avaliações
externas em larga escala de desempenho acadêmico dos estudantes assumiam

2
Utilizaremos aqui “reformas gerenciais” e “reformas empresariais” como sinônimos.
23

centralidade crescente nessas reformas, que pretendiam assegurar o alcance da


“qualidade total” na educação pública através de estratégias e princípios importados do
setor empresarial produtivo (FREITAS, 2012a).
O grupo LOED desde então esteve atento à literatura crítica nacional e
internacional que tem documentado como determinado uso das avaliações externas,
associado às estratégias gerenciais de competição e punição/recompensa, traz
consequências negativas para a garantia do direito à educação, além de não contribuir
com os objetivos aos quais se propõe de elevação duradoura e substantiva da qualidade
educacional.
As pesquisas expoentes de Sharon Gewirtz (2002) e Diane Ravitch (2011)
denunciam essas consequências, de forma detalhada e sistemática, nos contextos inglês
e norte-americano respectivamente. No Brasil, Luiz Carlos de Freitas, fundador do
LOED, tornou-se referência nacional na compilação de dados e pesquisas3 que mostram
a incapacidade dessas reformas em gerar efetivamente maiores scores nos testes de
desempenho, uma vez que elas desmoralizam e responsabilizam unilateralmente as
escolas e seus profissionais desconsiderando a gama complexa de fatores que afetam a
qualificação da escola pública. Além disso, elas não contribuem com a garantia de
aprendizagens socialmente significativas para todos os estudantes. Na contramão de
uma qualidade de interesse social, as “reformas empresariais” restringem-se a uma
formação empobrecida, restrita àquilo que é esperado nos postos de trabalho mais
simples (FREITAS, 2014; 2012b) e a uma concepção de cidadania enquanto adaptação
à ordem vigente (DUARTE, 2008).
No bojo da transformação da educação pública em um lucrativo mercado
educacional, as estratégias gerenciais em curso têm provocado, entre outras
consequências, desvalorização da categoria docente e sensação de stress e impotência;
estreitamento do currículo às disciplinas que são cobradas nos testes; práticas de
treinamento para os testes; mecanismos de exclusão dos alunos que possuem pouca
chance de elevar os scores das escolas. Quando escolas e estudantes são valorizados de
acordo com custos e resultados, transformados em mercadorias e consumidores, e
encorajados a competir por posições de vantagem em relação aos outros, o resultado é a
prevalência de uma ética de mercado que legitima a desigualdade, o individualismo, o
pragmatismo e o valor performativo, e desvaloriza a ética da cooperação, da
3
Um panorama amplo e completo da compilação realizada por esse pesquisador pode ser vislumbrado em
seu blog https://avaliacaoeducacional.com, acesso em 07/01/2019.
24

solidariedade, a integridade, o respeito igualitário e a busca do bem comum (BALL,


2005; GEWIRTZ, 2002; RANSON, 2018).
Na contramão ao modelo gerencial de regulação, já está bem estabelecido na
literatura que a melhoria sustentável da qualidade educacional não resulta de pressão,
punição e accountability externa - características marcantes das políticas hegemônicas
sob influência desse modelo (FULLAN, 2009; MACLAUGHING, 1987; FORSYTH et
al., 2011; BRYK & SCHNEIDER, 2002). Segundo os autores, o alcance de tais
políticas tem se limitado a prover inputs (por ex. formação docente) e outputs (por ex.
desempenho nos testes), apostando em estratégias de pressão que pouco se adequam às
necessidades particulares das escolas e distritos, e desconsideram as condições sociais
dentro das escolas que afetam o uso dos inputs e a qualidade dos outputs.
Como forma de superar tais limitações, eles defendem, baseados em evidências
empíricas, que a melhoria educacional duradoura e substantiva depende da emergência
de processos locais de “controle social” alinhados ao trabalho cooperativo, à reflexão, a
autonomia e desenvolvimento profissionais, à responsabilidade compartilhada e,
sobretudo, à confiança coletiva.
Para eles, essa é a única forma de conectar as pretensões das políticas e reformas
externas ao alcance de resultados escolares efetivos. Isso porque a escola não é vista
como uma organização meramente burocrática que implementa automaticamente todas
as determinações que vêm de fora; ao invés, faz parte de sua dinâmica intrínseca a
produção contextual de regras próprias, a partir de suas condições locais e da interação
entre atores que são necessariamente diversos em suas experiências e visões de
educação (LIMA, 2008; MACLAUGHING, 1987). Reformas que não levam em conta
essas características da organização escolar, ou seja, que não criam condições para os
diversos atores se apropriarem dos sentidos da mudança, têm poucas chances de serem
bem sucedidas.
Segundo Forsyth et al. (2011), uma das formas pelas quais as políticas públicas
podem contribuir com o fomento de condições locais alinhadas à confiança e ao
trabalho cooperativo, é criando um sistema de avaliação baseado em múltiplas medidas,
que reflitam uma imagem ampla e justa da instituição. Ademais, é necessário que
estimule o uso formativo dessas medidas, associado à constante reflexão coletiva que,
ao aprofundar conhecimentos sobre a realidade escolar e recuperar a conexão entre
25

condições, processos e resultados, fundamente ações capazes de promover


desenvolvimento pessoal e institucional.
Ao longo de sua trajetória, o grupo LOED tem buscado endossar o escopo de
pesquisas que identificam os limites das reformas empresariais na educação pública e,
mais que isso, tem se empenhado em delinear uma proposta de regulação democrática
alternativa, a mencionada avaliação institucional participativa (AIP), comprometida
com o alcance de uma qualidade educacional socialmente relevante que não se restringe
aos interesses de mercado.
Basicamente, o LOED endossa a defesa de que as políticas de avaliação externa
só conseguem apresentar impactos substantivos na melhoria educacional quando
associadas ao processo de avaliação institucional no nível das escolas, pelo qual a
comunidade escolar consome os dados externos de forma crítica e consequente,
buscando entender seus resultados a partir do conhecimento que constrói sobre a
realidade da escola e seu entorno. Sem esses processos locais de reflexão, as ações de
mudança paralisam-se, e os dados da avaliação se esvaziam de significado, resumindo-
se à exposição de medidas pontuais de desempenho que não tem o poder de mobilizar
esforços de melhoria, podendo inclusive levar a efeitos deletérios quando associados a
mecanismos gerenciais.
Dessa forma, é pelo processo de avaliação institucional que os membros da
comunidade escolar constroem conhecimento sobre sua realidade, e desenvolvem
condições de identificar aspectos que entravam o desempenho dos estudantes e de
propor soluções adequadas para superá-los. No entanto, para o LOED esse processo de
reflexão local não se resume a apropriar-se dos dados de desempenho elaborados
externamente, ou dos “sentidos da reforma” como defendem Forsyth et al. (2011); ele
também envolve um sentido crítico de produção de novos indicadores e metas, que
ajudem a compor uma concepção mais ampla de qualidade, para além do que é cobrado
nos testes de proficiência em português e matemática.
Além disso, para que ocorra de forma legítima e precisa, o processo de avaliação
institucional depende do olhar de todos os segmentos da escola (alunos, famílias,
professores, equipe gestora, funcionários operacionais), pois é o confronto de posições
que permite uma reflexão robusta sobre os problemas sociais, organizacionais e
pedagógicos e uma proposição adequada de soluções e estratégias de ação, tendo como
26

referência os objetivos de qualidade consensuados no Projeto Político Pedagógico da


escola.
Assim, a AIP toma como referência o protagonismo da comunidade escolar nos
processos avaliativos, que incluem desde a elaboração de diagnósticos sobre a realidade
à definição da concepção de qualidade que se pretende atingir, com o objetivo de
fortalecer a aprendizagem política, o conhecimento social, e consolidar as condições
objetivas e subjetivas para o alcance de uma qualidade de ensino socialmente
significativa para todos os estudantes.
A garantia de tais condições objetivas e subjetivas depende de processos
participativos basicamente por dois motivos. Primeiro, como dito, o confronto entre os
diferentes olhares é o que possibilita negociar e pactuar um entendimento coletivo sobre
as condições, processos e resultados pretendidos, que seja legitimamente aceito como
benéfico para o bem comum. Daí decorre um dos pilares caros à AIP, a “qualidade
negociada” (BONDIOLI, 2004). Segundo, a negociação entre os diferentes sujeitos
fornece base para o estabelecimento de demandas internas, dirigidas aos membros da
comunidade escolar, e externas, dirigidas ao poder público, o que possibilita fortalecer
os múltiplos compromissos necessários para o alcance do pacto de qualidade negociado.
Daí outro princípio fundamental para a política de avaliação institucional participativa, a
“responsabilização compartilhada” (FREITAS et al., 2009), segundo a qual ambas as
instâncias, escolas e poder público, são igualmente responsáveis tanto pela execução
quanto pela definição dos objetivos de ensino.
Essa concepção de participação, trabalho coletivo e qualidade educacional
acrescenta certa radicalidade às discussões e práticas de qualificação da escola pública,
à medida que pretende horizontalizar relações e estruturas de poder tradicionalmente
verticais e autoritárias, com objetivo de formar sujeitos históricos e sociais que
contribuam com o alcance de relações e condições sociais mais humanas e justas, dentro
e fora das escolas.
É no contexto da rede municipal de ensino de Campinas que implementa política
de AIP, e tendo em mente tal concepção de qualidade, participação e trabalho coletivo,
que a presente tese tem como objetivo principal investigar como a confiança dos
professores em relação aos outros professores, à equipe gestora, aos pais/responsáveis, e
também em relação à Secretaria Municipal de Educação, relaciona-se à construção de
27

uma concepção coletiva do trabalho escolar assente nos princípios da qualidade social,
negociação e responsabilização compartilhada.
Guiada por esse objetivo, defenderei um tipo específico de confiança, pautado
nos pilares da reciprocidade, redistribuição e reconhecimento, como um fator associado
aos processos democráticos de negociação da qualidade, comprometidos com o alcance
de propósitos comuns socialmente justos que façam frente à fragmentação e aos
interesses mercadológicos alinhados à lógica gerencial.
Para tanto, a presente tese organiza-se em cinco capítulos mais as considerações
finais. No capítulo I, explico de forma mais aprofundada quais são os limites das
reformas empresariais da educação pública e por que é necessário desenvolver um modo
de regulação democrática que supere essas limitações. Apresento então mais
detalhadamente o histórico, princípios e formatos da política de AIP construída como
alternativa na rede municipal de Campinas. Finalizo esse capítulo com algumas
considerações sobre o processo de implementação dessa política, salientando as
potências e dificuldades da participação democrática como um todo.
Começo o capítulo II com a origem da problemática da confiança dentro da
teoria sociológica mais ampla, partindo do pressuposto de que é preciso, primeiro,
entender quais motivações têm suscitado o interesse geral no tema, para depois fazer
ponte com sua abordagem dentro da área educacional especificamente. Concentro
especial atenção em primeiro explicar e depois problematizar os limites da perspectiva
teórica do “capital social”, pois essa é a forma predominante pela qual a confiança tem
sido concebida, inclusive pelas teorias educacionais. Por outro lado, dedico-me a
explicar detidamente a confiança enquanto política de solidariedade, legitimidade e
tolerância, por acreditar que tal perspectiva defendida por Barbara Misztal, ao trazer a
categoria da negociação para o centro do debate, pode começar a oferecer uma
alternativa à do “capital social”. Por fim, apresento as duas correntes internacionais
principais que pautam o debate sobre confiança nas escolas.
O capítulo III dedica-se a explicar os limites das abordagens que entendem a
confiança nas escolas como um recurso de “capital social”, para depois desenvolver
como os pressupostos da avaliação institucional participativa podem oferecer uma base
teórica, no campo da educação, para superação desses limites. Aqui aproveito para
expor o objetivo geral e os específicos, e anuncio a tese que os dados empíricos, em
diálogo com o referencial teórico, me permitiram defender.
28

O capítulo IV explica as escolhas metodológicas quanti-qualitativas feitas para


dar conta de atingir os objetivos anunciados no capítulo anterior: 1. entrevistas semi-
estruturadas com trinta professores de nove escolas da RMC; 2. construção/validação
conceitual e semântica de um instrumento que utilizou uma escala do tipo likert para
medir grau de concordância em relação a afirmativas, e sua aplicação em 559
professores de 1º a 9º anos do ensino fundamental de trinta escolas da RMC; 3.
observação etnográfica dos momentos coletivos de reunião em duas escolas, escolhidas
por apresentarem diferentes graus de “qualidade social” e proverem ambientes
potencialmente diferentes também para observação do fenômeno da confiança.
Por fim, o capítulo V procura entender a relação entre confiança, participação e
qualidade social a partir da exposição dos dados provenientes do instrumento,
entrevistas e diário de campo. O diálogo com a literatura, sobretudo com as autoras
Barbara Misztal e Nancy Fraser, permitiu categorizar esses dados empíricos em três
dinâmicas relacionais: confiança e redistribuição, que diz respeito à relação entre
professores e poder público; confiança e reconhecimento, relativa, sobretudo, à relação
com as famílias e alunos; confiança e reciprocidade, referente às relações internas entre
profissionais da escola. Aqui também expomos o procedimento de análise fatorial
confirmatória, realizado no software Smart PLS, utilizado para validação estatística dos
dados do instrumento, o que permitiu confirmar que a confiança interpessoal e
institucional fazem parte do mesmo fenômeno, e que a construção da confiança depende
de manifestações de competência, respeito, integridade, e consideração. Nesse capítulo
também apresento a análise descritiva, obtida no software SPSS, das médias simples das
respostas para cada item e constructo, o que permitiu aferir os níveis de confiança para
cada par de relação (professores - professores; professores - equipe gestora; professores
- pais/responsáveis; professores - Secretaria Municipal de Educação).
Por fim, na conclusão retomamos a tese e os principais argumentos que nos
permitiram chegar até ela, e apontamos a necessidade de estreitar os vínculos entre os
estudos da área educacional sobre confiança e as investigações sobre justiça social.
29

CAPÍTULO 1. AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL PARTICIPATIVA:


UMA AÇÃO PROPOSITIVA DE CONTRARREGULAÇÃO

1.1. Efeitos e Limites das Reformas Gerenciais

A defesa de políticas de avaliação participativas por parte do LOED como


estratégia de contrarregulação foi motivada a partir do contexto da década de 1990,
quando a regulação dos sistemas de ensino e da qualidade educacional passou a ser
realizada pela avaliação externa em larga escala4. Naquele contexto, esse tipo de
avaliação emergia como pilar central de controle gerencial sobre o trabalho das escolas,
com vistas a assegurar o alcance da “qualidade total” na educação através de estratégias
e princípios importados do setor empresarial produtivo (FREITAS, 2012a).
Alinhadas às prescrições internacionais para os países em desenvolvimento5,
essas estratégias tinham como objetivo colocar o Brasil na rota do desenvolvimento
econômico competitivo. Na esteira da perspectiva do capital humano, a educação teria o
papel chave de formar nos indivíduos as competências e habilidades adequadas para a
empregabilidade individual, possibilitando que eles pudessem competir
satisfatoriamente num mercado de trabalho com novas exigências ligadas à
reestruturação produtiva em curso. A expansão da educação básica e a melhoria de sua
qualidade seriam, então, a chave para a mobilidade social, cumprindo o objetivo de
gerar mais desenvolvimento econômico e equidade através do duplo papel de “gerir a
pobreza” e de “formar para o trabalho” (OLIVEIRA, 2004). Nesse sentido, as políticas
educacionais e sociais como um todo vão sendo cada vez mais conformadas às
exigências da economia, de forma que as fronteiras entre os campos social e econômico
se tornam cada vez mais porosas.
Para garantir o alcance eficaz desses objetivos, seria necessário reformar o
Estado e o setor público. O primeiro fortalece-se num nível específico de atuação,
enquanto regulador e avaliador da qualidade dos serviços educacionais, ao mesmo
tempo em que se livra da responsabilidade exclusiva pela prestação direta desses
serviços, permitindo que a iniciativa privada desempenhe um papel central na gestão e
nas decisões de políticas públicas. Além disso, os princípios gerenciais do mundo dos

4
Com a introdução do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB).
5
Emanadas, sobretudo, do Banco Mundial e da Conferência Mundial sobre Educação para Todos,
realizada em Jomtien, Tailândia, em março de 1990.
30

negócios passam a conformar a “nova gestão pública” - como competitividade,


excelência e produtividade -, remodelando as estruturas, as relações de poder, a cultura
e os valores morais das instituições, bem como as subjetividades dos servidores. No
bojo da criação de uma cultura empresarial competitiva no setor público, novas
linguagens são usadas para descrever papéis e relações, por exemplo, as organizações
possuem “recursos humanos” que precisam ser gerenciados, o aprendizado é
transformado em alcance de metas de “produtividade”, tudo isso com implicações para
a definição de novas possibilidades éticas de ação, pautadas em novos valores e
compromissos (BALL, 2003).
Essa transformação cultural e estrutural da educação pública, cujo princípio
articulador é a mercantilização da esfera pública, exigiu estratégias combinadas de
fortalecimento do controle central na formulação e monitoramento de políticas somado
à descentralização administrativa na implementação dessas políticas. Tal orquestração
entre as forças complementares da centralização e descentralização concretiza-se, por
um lado, com a crescente centralidade que a avaliação externa assume no cenário
nacional, adquirindo o poder de direcionar o trabalho pedagógico das escolas e definir o
que conta como qualidade educacional; e, por outro lado, com a atribuição de novas
responsabilidades à comunidade escolar, que passa a delinear seus planos de ação e
angariar/administrar recursos com vistas ao alcance eficaz de melhores resultados nos
testes padronizados de desempenho dos estudantes.
Partimos do pressuposto que essas diretrizes, apesar das peculiaridades de cada
país, constituem uma “agenda globalmente estruturada para a educação” (DALE, 2004)
ou um “movimento de reforma educacional global” (SAHLBERG, 2011), que se inicia
na Inglaterra com a instituição do Education Reform Act em 1988 e rapidamente se
espalha para outros países como o Brasil devido ao poder de influência de organismos
internacionais como o Banco Mundial. As semelhanças observadas entre os países
valem para os mecanismos empregados e também para seus efeitos, como veremos mais
adiante. Segundo Sahlberg (2011), são seis os mecanismos comuns empregados pela
reforma, com objetivo de melhorar a “qualidade da educação”: a padronização da
educação; o foco em disciplinas específicas; a busca por métodos de ensino de baixo
risco; o uso de modelos de gestão gerenciais; políticas de accountability baseadas em
testes padronizados; e crescente controle externo sobre as escolas e professores.
31

Esses mecanismos, característicos das “reformas empresariais” (FREITAS,


2014) ou do que Ravitch (2011) chama de “corporate reform movement” e Gewirtz
(2002) de “post-welfarist complex”, começam a mostrar efeitos negativos do ponto de
vista da justiça social nos países que os implementaram mais cedo. Na década de 1990,
Stephen Ball (1994) e Sharon Gewirtz (2002) começam a analisar como as reformas
inglesas impulsionadas com o Education Reform Act, ao associarem os testes
padronizados aos pilares gerenciais da escolha e competição, minaram o alcance do
“bem comum” produzindo hierarquia, divisão e desigualdade no sistema educacional.
Mais tarde Diane Ravitch (2011) reforça esses argumentos ao demonstrar como a Lei
No Child Left Behind de 2002 prejudicou a educação pública norte-americana, pois o
uso dos dados associado às estratégias mercadológicas de competição e
punição/recompensa, além de não melhorar o desempenho geral dos estudantes,
contribuiu para aprofundar as desigualdades de desempenho entre estudantes e entre
escolas. Segundo ela, o maior problema por trás dessas reformas está em substituir a
busca por caminhos pedagógicos e sociais para os problemas educacionais por soluções
técnicas e gerenciais de cunho imediatista, as quais responsabilizam unilateralmente os
professores e escolas, desconsiderando toda a gama complexa de fatores que afetam a
qualidade educacional, como as condições de trabalho oferecidas pelo Estado e o
contexto sócio-econômico dos estudantes.
O foco das críticas não são os dados da avaliação em si, mas a forma pela qual
dados limitados estão sendo usados como o principal indicador de qualidade,
conduzindo a comparações superficiais com o poder de determinar decisões importantes
como as de financiamento, acabando por afetar negativamente a imagem das escolas
públicas e de seus profissionais. O processo de avaliação é reduzido à verificação de um
resultado pontual, à medição e à comparação, de forma que toda a complexidade
humana e do trabalho pedagógico é reduzida à forma mais simplista possível: números
em uma tabela (BALL, 2005).
O risco disso é que a sociedade, os governos e a opinião pública passam a
valorizar professores, escolas e estudantes utilizando como único critério um
número/indicador raso que desconsidera o contexto social no qual a qualidade
educacional é produzida. Como resultado, os servidores e escolas públicas tornam-se
ainda mais desmoralizados o que, por sua vez, é usado para justificar a contínua
implementação dos princípios gerenciais na esfera pública. Isso não é apenas injusto
32

com os profissionais e instituições públicas, como também contribui para dificultar o


alcance dos objetivos pretendidos de melhoria da qualidade, já que a lógica de mercado
acaba prejudicando aqueles alunos e escolas que mais precisam de ajuda (GEWIRTZ,
2002; RAVITCH, 2011).
É principalmente a partir dos anos 2000 que pesquisas brasileiras passam a
endossar o crescente escopo das pesquisas internacionais, documentando uma série de
efeitos negativos das políticas gerenciais sobre a organização do trabalho pedagógico,
sobre o currículo, sobre as relações interpessoais e a identidade docente também no
Brasil. Aqui, essas políticas “neotecnicistas” são caracterizadas, segundo Freitas
(2012b), pelo tripé responsabilização (unilateral), meritocracia e privatização, cujo
mecanismo articulador é a aplicação das avaliações externas em larga escala e a
divulgação dos seus resultados com fortes consequências simbólicas e materiais para
professores e escolas, com objetivo de gerar incentivos à melhoria da qualidade.
Em geral, pesquisas nacionais e internacionais têm mostrado como os
professores estão mais estressados e desmotivados no trabalho, devido, sobretudo, aos
processos de intensificação e precarização das condições de trabalho. Quanto ao
primeiro, o trabalho intensifica-se à medida que houve um aumento da carga de
trabalho, principalmente nos deveres administrativos voltados a atender novas regras e
regulamentos: os professores gastam mais tempo prestando conta, preenchendo
papelada para oferecer aos sistemas de inspeção provas do seu profissionalismo,
“arrumando” a escola para aparecer “bem na fita”, e comparecendo a reuniões com
discussões burocráticas. O que é próprio dessa era de gerencialismo é a natureza das
tarefas que estão absorvendo maior quantidade de tempo e energia, e o clima de
vigilância que permeia a realização dessas tarefas. Nesse contexto, os professores
sentem que estão se distanciando de sua função docente, que é preparar as aulas, dar
atenção à variedade de níveis de aprendizado dos alunos, interagir com os alunos
(TROMAN, 2000; GEWIRTZ, 1997; OLIVEIRA, 2004).
Essa pressão para atingir novos padrões de qualidade ocorre em situações
precárias, nas quais o corte de verbas ocasiona salas superlotadas, com menos recursos
para atender a todos os alunos. A contenção de gastos também gera remoção de
pagamento por trabalho além da sala de aula, aumento dos contratos temporários e part-
time, arrocho salarial, inadequação ou mesmo ausência em alguns casos de planos de
cargos e salários, perdas de garantias trabalhistas e previdenciárias, o que resulta em um
33

quadro de instabilidade e precariedade das condições de trabalho, bem como de


heterogeneidade da força de trabalho, contribuindo para a divisão da categoria e
sentimentos de stress e impotência (TROMAN, 2000; OLIVEIRA, 2004). Em redes
como a do estado de Goiás, em que algumas vantagens na remuneração foram retiradas
(como o piso salarial e a gratificação por titularidade) para dar lugar ao pagamento por
mérito (bônus), muitos professores precisam dobrar sua jornada para completar a renda,
dando aula em mais de uma escola (SILVA, 2018).
Nesse contexto, pouco sobra espaço e energia para a criatividade e a inovação.
Aumenta-se a pressão para adoção de pedagogias tradicionais, como, por exemplo,
agrupamento de alunos de acordo com suas diferentes habilidades, e torna-se mais
difícil responder aos interesses dos alunos e se conectar com suas experiências. As
estruturas gerenciais produzem um clima hostil ao “progressivismo”, fazendo com que
quaisquer experimentações, relacionadas, por exemplo, a reformular o currículo
nacional dando mais ênfase a discussões políticas e sociais, tornem-se um trabalho
extremamente árduo (GEWIRTZ, 1997). Vale pontuar que isso não significa
necessariamente que todos os professores queiram empreender esses esforços. Torquato
(2018) mostra como muitos deles possuem ideias educacionais contrárias a uma
educação empenhada em tornar os alunos sujeitos da própria existência, à
democratização e a uma concepção de escola para além de atender às demandas do
mercado de trabalho, pois muitos valorizam práticas tradicionais como o autoritarismo,
a transmissão de conteúdos desvencilhados do cotidiano discente, e a cultura de
classificação, seleção e reprovação como forma de incentivar o esforço por parte dos
alunos. No entanto, o que pretendemos mostrar é que as políticas gerenciais, se não são
as responsáveis por gerar essas ideias conservadoras - que viriam, sobretudo, das
experiências pessoais de socialização e formação -, geram condições propícias para
reforçá-las, bem como condições hostis à experimentação de práticas inovadoras
(TORQUATO, 2018).
Ainda em relação ao currículo, os professores estão devotando mais atenção às
disciplinas que são medidas pelas avaliações externas em larga escala, e adotando
práticas de treinamento para os testes em suas salas de aula, sobretudo em redes nas
quais os testes estão vinculados a fortes consequências. Uma vez que seu valor
profissional é cada vez mais atribuído a medidas limitadas de qualidade, os professores
tendem a supervalorizar aquilo que conta para as medidas, dando menos ênfase a outros
34

objetivos educacionais socialmente relevantes, o que tem provocado “estreitamento


curricular” (RAVITCH, 2011; GEWIRTZ, 2002; MENEGÃO, 2016; SILVA, 2018;
MADAUS et al., 2009).
Essas políticas também trazem implicações para o alcance da equidade, à
medida que estimula os professores a concentrar nos alunos que tem mais chance de
progredir rumo às notas desejadas, deixando para trás os que mais precisam de atenção
(NEAL & SCHANZENBACH, 2010). Além disso, a literatura tem reportado casos de
escolas que passam a competir pelos melhores estudantes e a adotar medidas para
excluir aqueles que podem prejudicar a nota da escola nos rankings de qualidade,
sobretudo quando essas notas estão ligadas a algum esquema de financiamento - como
nos casos de recursos extras alocados por empresas, ou dos programas de pagamento
por desempenho (HOUT & ELLIOTT, 2011; RAVITCH, 2011). Boa gestão, nesse
sentido, tem se tornado sinônimo de conseguir redistribuir os estudantes entre as
escolas. Gewirtz (2002) e Ravitch (2011) reforçam que onde a lógica de mercado opera,
crianças da classe trabalhadora e de minorias étnicas estão concentrando-se cada vez
mais em escolas com poucos recursos, enquanto as crianças da classe média frequentam
as escolas mais abastadas. Isso significa que os recursos estão sendo redistribuídos dos
grupos mais vulneráveis para os mais privilegiados da sociedade.
Esse contexto também tem reflexos para as relações interpessoais e para o
profissionalismo docente. Por um lado, tendo como base o contexto inglês, Geoff
Whitty e Emma Wisby (2006) analisam que as reformas conservadoras neoliberais,
apesar de terem reconfigurado o profissionalismo docente para o tipo “gerencial”,
trouxeram a possibilidade de emergência de um profissionalismo do tipo “colaborativo”
e até mesmo “democrático”, à medida que questionam as limitações do profissionalismo
“tradicional” caracterizado pelo isolamento dos professores em suas salas de aula e pela
autonomia irrestrita para decidir o que e como ensinar. Isso porque essas reformas
redefinem a profissão docente como um empreendimento coletivo, trazendo a
necessidade do trabalho conjunto entre professores e com outros profissionais da escola,
com pais e outros “stakeholders” de fora da escola.
Hargreaves (1994) reforça que essas políticas, apesar de terem a intenção de
aumentar o controle sobre o trabalho dos professores e de empoderar mais os pais
(vistos como consumidores) do que os professores, podem gerar como efeito não
previsto o empoderamento dos professores, ligado a uma redefinição da profissão de
35

forma positiva. Ao especificar de forma mais clara o que e como ensinar - através, por
exemplo, de estratégias de avaliação e observação de práticas de sala de aula pelos
pares, elaboração de planos de desenvolvimento pelas escolas e estabelecimento de um
currículo nacional -, a reforma teria criado um ambiente estrutural propício ou trazido
em seu bojo a necessidade de práticas colaborativas nas escolas, aproximando
professores entre si e com a comunidade mais ampla, sem o que a implementação das
prescrições da reforma é dificultada ou mesmo impossibilitada. Ele reforça, portanto,
que o sentido das reformas postas em marcha pelo Education Reform Act na Inglaterra é
teoricamente incompatível com a tradicional cultura de isolamento docente, fazendo
emergir uma possível cultura de “desenvolvimento profissional” em íntima dependência
do “desenvolvimento institucional” (HARGREAVES, 1994).
No entanto, pesquisas nacionais e internacionais têm apontado que essas
promessas não se concretizaram de forma tão positiva, pois apesar das previsões de que
as estruturas da reforma empoderariam professores e escolas fazendo-os gozar de um
clima de colaboração e satisfação profissional, há relatos de que as políticas gerenciais
significaram mais stress, insatisfação, individualismo, controle verticalizado sobre o
trabalho docente, e menos sociabilidade e cooperação entre os membros da comunidade
escolar. As classes mais lotadas devido aos cortes de verba, a sobrecarga de trabalho
burocrático e a ênfase no desempenho final em detrimento dos processos, faz com que a
construção íntima e processual da relação professor-aluno ceda lugar a um tipo de
relação de linha de produção (GEWIRTZ, 1997). Na relação entre professores, se por
um lado eles estão se encontrando mais - inclusive muitos reclamam da sobrecarga de
encontros -, por outro lado eles estão se sociabilizando menos, pois em geral esses
encontros são para discutir pautas postas pelos gestores das escolas, que respondem às
exigências da agenda de reforma (GEWIRTZ, 1997).
Outro fator que gera menor sociabilidade nas escolas é a competitividade entre
departamentos de uma mesma escola, que precisam elaborar projetos para concorrer em
programas de financiamento, no caso inglês (GEWIRTZ, 2002; BALL, 1994).
Pesquisas brasileiras documentam que o aumento da competitividade no Brasil está
mais ligado ao recebimento do bônus. Quando o pagamento é individualizado, medidas
como a exposição pública da frequência dos professores os colocam em relação de
competição entre si no interior da escola (SILVA, 2018), e quando o pagamento é
coletivo, tende a gerar competição entre escolas, o que também pode minar a
36

cooperação e o trabalho em equipe, indispensáveis ao funcionamento de qualquer


instituição educacional (CASSETTARI, 2010). Esse tipo de medida também é
questionado devido ao seu fraco poder indutor de mudanças, uma vez que é falha a
própria premissa na qual ele se baseia, a de que os professores são motivados
principalmente pelo auto-interesse (MARSH et al., 2011).
Torquato (2018) reforça que as políticas de gestão pautadas nos valores
empresariais, ao aumentarem a pressão para a produtividade, e agravarem a insegurança
no trabalho e a precariedade dos direitos trabalhistas e das condições escolares de
infraestrutura, acabam por reforçar disposições de ação docente individualistas e
competitivas, conduzindo as relações e a organização do trabalho ao isolamento, ao
mesmo tempo em que minam as disposições relacionadas ao trabalho coletivo de
aprendizagem e ajuda mútuas.
Vale lembrar que os conceitos de produtividade, eficiência, competição e
excelência coexistem com os mecanismos legais de gestão democrática, que insistem na
participação da comunidade nos aspectos financeiros, administrativos e pedagógicos da
escola. Esse contexto trouxe novas exigências ao trabalho docente, com a ampliação do
escopo de atividades realizadas pelos professores - incluindo, por exemplo, atividades
de elaboração de projetos, planejamento e discussão coletiva do currículo e da avaliação
-, somada à inclusão de novos atores não profissionais, nomeadamente pais e alunos,
nas discussões pedagógicas. Se em teoria isso poderia representar um avanço ao tipo
“democrático” de profissionalismo docente definido por Geoff Whitty e Emma Wisby
(2006), na prática, em um contexto de falta de condições subjetivas e objetivas
adequadas, as diretrizes da participação e do trabalho coletivo implicaram intensificação
e precarização do trabalho docente (OLIVEIRA, 2004).
Ironicamente, o tempo de trabalho coletivo aumentou ao mesmo tempo em que
se intensificou o sentimento de insegurança e desamparo, e não aumentou de forma
correspondente a sociabilidade e a sensação de que os professores têm poder para
definir os rumos do trabalho pedagógico. Oliveira (2004) e Gewirtz (1997) analisam
que isso ocorre, sobretudo, devido aos mecanismos gerenciais que, respaldados na
avaliação externa, representam um controle técnico sobre o currículo das escolas,
acabando por submeter a função dos encontros coletivos ao atendimento de exigências
externamente definidas. Oliveira (2004) acrescenta que outros fatores exógenos ao
trabalho, como a sensação de que leigos (estudantes e suas famílias) estão se
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“intrometendo” nas discussões que tradicionalmente pertenciam aos profissionais,


somado ao constante apelo à prática do voluntarismo nas escolas, são fatores que
também contribuem com a tendência à “desprofissionalização” docente.
Oliveira (2004) pontua que o ponto fulcral das teses da desprofissionalização, da
precarização ou mesmo da proletarização, é a questão da perda da autonomia e do
controle sobre o próprio trabalho. Gewirtz (1997; 2002) reforça que um dos efeitos das
reformas gerenciais é a diminuição do poder de decisão dos professores sobre os
objetivos do seu trabalho, resultado direto da separação entre aqueles que formulam e
aqueles que executam. Analisando-se as mudanças na função docente seja do ponto de
vista da “proletarização”, da “redefinição” de um “novo tipo de profissionalismo”, ou da
“erradicação” de qualquer profissionalismo (OLIVEIRA, 2004; TORQUATO, 2018,
WHITTY & WISBY, 2006; BALL, 2005), o fato é que os professores estão mais
pressionados para se concentrarem, sobretudo, nos aspectos técnicos de como alcançar
metas previamente definidas. A identidade profissional docente encontra-se pautada
pelo individualismo, pela competição, pela padronização de práticas, e controlada
externamente ao grupo profissional, restrita à obediência a regras geradas de forma
exógena, e relegada a uma forma de desempenho segundo a qual o que conta como
prática profissional resume-se a satisfazer julgamentos fixos e impostos a partir de fora.
Aos professores, “cabe a responsabilidade por seu desempenho, mas não o julgamento
sobre se esse desempenho é ‘correto’ ou ‘apropriado’, apenas se satisfaz os critérios de
auditoria” (BALL, 2005, p.543). Uma vez que lhes foram roubadas as possibilidades de
reflexão moral e de diálogo, Ball (2005) defende que seu profissionalismo foi de fato
erradicado.
Além disso, os professores são desvalorizados e vistos com desconfiança pelos
pais/consumidores e pelo governo, os quais precisam controlar de perto o que é dado em
sala de aula, através de mecanismos de controle como as avaliações externas ou mesmo
através dos espaços de deliberação democráticos, os quais acabam, em alguns casos,
assumindo caráter de controle verticalizado por parte dos pais e empresas, cujas vozes
às vezes predominam nesses espaços (TROMAN, 2000).
Vale pontuar que todos os efeitos discutidos até agora são tendências gerais,
favorecidas pelo contexto das políticas hegemônicas. Isso significa dizer que o esforço
para empreender inovações e cultivar relações e processos de cooperação e reflexão é
extremamente árduo num contexto de ênfase utilitária em resultados. No entanto, os
38

graus de dificuldade devem ser analisados mais de perto, caso a caso, pois o grau e a
forma como essas tendências gerais se concretizam dependem de alguns fatores, como a
ideologia dos agentes individuais envolvidos, o contexto sócio-econômico no qual cada
escola se insere, e a própria posição que a escola ocupa na hierarquia de mercado,
sendo, por exemplo, maior a margem de agência dos atores em escolas beneficiadas
com mais recursos (GEWIRTZ, 1997).
De qualquer forma, esses achados de pesquisa têm motivado pesquisadores e
educadores a indagar que tipo de qualidade educacional está sendo alcançada com a
introdução dos princípios e práticas de mercado na educação pública, e quem de fato
está se beneficiando disso. Quem parece ganhar são as empresas e o mercado
financeiro, que se aproveitam cada vez mais do lucrativo mercado no qual a educação
foi transformada (BALL, 2004; FREITAS, 2012b); quem perde são os professores,
vistos cada vez mais com desconfiança e desvalorizados perante a sociedade, e os
alunos - sobretudo os provenientes das classes sociais mais desfavorecidas - que
frequentam uma escola pública empobrecida, com infraestrutura precária e formação
restrita ao básico, àquilo que é esperado nos postos de trabalho mais simples
(FREITAS, 2012b). Quando escolas e estudantes são valorizados de acordo com custos
e resultados, transformados em mercadorias e consumidores, e encorajados a competir
por posições de vantagem em relação aos outros, o resultado é o aumento da divisão,
hierarquia e desigualdade no sistema educacional e na sociedade, e a naturalização da
lógica dos “vencedores versus perdedores” (BALL, 1994, 2003; GEWIRTZ, 2002;
RANSON, 2018; FREITAS, 2002, 2007).
Stephen Ball (1994; 2005), Stewart Ranson (2018) e Sharon Gewirtz (2002)
reforçam que o modelo gerencial de regulação promove uma nova ética de mercado que
valoriza determinados comportamentos e valores em detrimento de outros. No âmbito
de uma matriz de avaliações, comparações e incentivos relacionados ao desempenho, os
indivíduos e as organizações farão o que for necessário para se distinguir ou sobreviver,
remodelando-se à imagem daquilo que se espera deles, o que envolve pautar suas
práticas pelos valores morais do individualismo competitivo e do interesse privado,
elevado à condição de principal motor da vida. Deixa de ser importante, por exemplo, o
quanto todas as escolas estão providas com recursos suficientes; o que importa é se a
‘minha’ escola se destaca em relação às outras. Deixa de ser importante que todos os
professores desfrutem de condições adequadas de trabalho, ou que todos os alunos se
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desenvolvam de forma plena; o que importa é que a ‘minha’ escola atinja uma média de
desempenho elevada e ‘eu’ ganhe ‘meu’ bônus no final do mês.
A preocupação central das políticas governamentais passou da maximização do
bem-estar geral para a promoção de empresas, a excelência e a lucratividade tanto no
setor privado como no público (BALL, 2004). Nessa lógica, novas formas de disciplina
são instituídas pela competição, eficiência e produtividade, e novos sistemas éticos são
introduzidos com base no interesse próprio da instituição, no pragmatismo e no valor
performativo. Essas mudanças, que instituem uma nova era denominada pelos autores
de “pós-bem-estar”, acabam por erodir o compromisso com os princípios da
integridade, da justiça social, do respeito igualitário, do profissionalismo ético e
reflexivo, tornando obsoleta e menos importante a busca coletivamente deliberada pelo
“bem comum” (BALL, 1994; GEWIRTZ, 2002; RANSON, 2018). Este, na verdade,
passa a ser visto como resultado não planejado de um agregado de escolhas e bens
privados.
Na era do “pós-bem-estar”, a ética da competição e da “performatividade” estão
pautadas pela lógica da razão instrumental, que substitui a ética da cooperação e o
compromisso humanístico do verdadeiro profissional, capaz de julgamento crítico e
reflexão, pela “promiscuidade do profissional técnico” - o gerente - que é recompensado
pela sua “esperteza” e pela medida em que consegue atender às exigências funcionais
ou instrumentais do sistema, seja por qual meio for (BALL, 2005). Nessa lógica, as
ações e relações são pautadas por uma “moralidade fraca”, esvaziada, meramente
utilitária, que se opõe a uma “moralidade robusta” caracterizada por valores
compartilhados e interesses comuns (BALL, 1994).
Diante desse quadro, Stewart Ranson (2018) lança a pergunta: como podemos
resistir à cultura do individualismo predatório exacerbada com o ethos neoliberal e
começar a articular uma concepção de bem comum que valorize a justiça social, a
solidariedade e o reconhecimento da capacidade de todos os cidadãos? Nesse contexto
em que a cultura do interesse privado está prevalecendo sobre a busca deliberada do
interesse público, levando a uma sociedade extremamente estratificada na qual impera a
desigualdade cultural, social e econômica, a autora defende que é necessário reconstruir
a socialdemocracia, fortalecendo sua esfera pública de deliberação, reflexão e diálogo.
Ranson (2018) parte do pressuposto de que a democracia é essencial para
construção de bens comuns socialmente justos. Os bens comuns incluem desde serviços
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públicos como a iluminação pública das ruas de uma cidade, a virtudes morais e
políticas que servem ao propósito de desenvolver o bem-estar de todos. Em relação a
essa última categoria, ela sublinha três “bens comuns” necessários para a recriação da
socialdemocracia. Primeiro, o “reconhecimento mútuo”, baseado no pressuposto que os
indivíduos são seres relacionais cujo senso de identidade, capacidade e autoestima se
desenvolve através de um processo de encontro e comunicação, pelo qual são
reconhecidos pelos outros e reconhecem os outros em troca. Segundo, a “razão
pública”, que é uma linguagem de racionalidade característica da comunicação pública
guiada pelos princípios da veracidade, integridade, razoabilidade e validade
argumentativa. Terceiro, as práticas cooperativas da socialdemocracia vão depender da
“igualdade prática” entre os cidadãos, o que implica maior igualdade tanto na
distribuição material de riquezas quanto no reconhecimento do valor das pessoas. A
menos que os cidadãos sejam reconhecidos como iguais em sua humanidade, o espaço
da experiência comum não será valorizado.
A construção desses bens comuns exige espaços públicos democráticos de
participação e deliberação, caracterizados por um comprometimento com a linguagem
da “razão pública” e da civilidade, nos quais os cidadãos possam discutir e acordar
propósitos comuns como a distribuição de funções e recursos. Para que essas
disposições sejam realizadas, eles precisam gozar de condições materiais de base
igualitárias e de um reconhecimento igualitário de sua humanidade. Isso não significa
abolir as diferenças entre as pessoas. As diferenças precisam ser celebradas, desde que
não impliquem desigualdade no reconhecimento da humanidade de cada um, não
neguem respeito aos outros e aos bens comuns, e não conduzam à opressão de uns sobre
os outros (RANSON, 2018).
Percebe-se que o argumento incorre em certa circularidade: os bens comuns do
“reconhecimento mútuo”, “razão pública” e “igualdade prática” são condições
necessárias para recriação da democracia, e ao mesmo tempo devem ser construídos
pela deliberação pública nos espaços democráticos.
Nancy Fraser (2003) nos permite entender as razões dessa circularidade.
Primeiramente, ela postula que o “reconhecimento” é a dimensão cultural da busca por
justiça social, que, em conjunto com a esfera da distribuição de bens e recursos
provenientes da estrutura econômica, tem como objetivo garantir a “paridade
participativa”, ou seja, que todos os membros da sociedade possam interagir entre si
41

como pares. Como Ranson (2018), ela também reforça que a busca por reconhecimento
e redistribuição só pode ocorrer por meio de processos democráticos de deliberação, que
se baseiem na paridade participativa como critério de razão pública, e nos quais os
demandantes possam discutir como as atuais normas culturais e arranjos econômicos
negam-lhes injustamente as condições intersubjetivas e objetivas para sua participação
plena na vida social, e como sua substituição por novas normas e arranjos pode
representar um avanço em direção à conquista da paridade participativa. Ou seja, essas
interações sociais pautadas pelo diálogo e razão pública constituem condição essencial
para acabar com padrões econômicos e culturais injustos que institucionalizam a
depreciação das pessoas, a exploração, as disparidades de renda, riqueza e tempo de
lazer.
Por outro lado, a possibilidade dessa discussão pública para alcance da justiça
social requer as condições da distribuição justa e do reconhecimento recíproco. Ou seja,
é preciso que as pessoas já gozem de respeito igualitário e de recursos suficientes para
terem sua independência e voz garantidas nos processos de deliberação democráticos.
No entanto, Fraser (2003) defende que tal circularidade não reflete uma
deficiência teórica, apenas expressa o caráter reflexivo dessa perspectiva democrática.
Ou seja, a justiça social não é um requerimento dado a priori; ao invés, ela é
socialmente construída, de forma que seus destinatários também são seus autores.
Considerando o poder de agência dos sujeitos, mesmo uma sociedade capitalista - que
jamais permitiria poder real de decisão às classes dominadas (WOOD, 2003) - contém o
germe das possibilidades de ruptura via diversas formas de participação na arena
pública, que vão desde os movimentos sociais às instituições participativas. Não se
trata, portanto, de abolir a circularidade na teoria, mas de trabalhar progressivamente
para aboli-la na prática através da transformação social provocada pelos próprios
sujeitos.
Por fim, Ranson (2018) reforça que as forças imperativas do mercado, ao
valorizarem o individual em detrimento do coletivo e demolirem as estruturas
democráticas - como as autoridades públicas comunitárias - que provêm políticas
coadunadas ao bem comum, conduzem a uma situação de aumento da desigualdade
econômica e falta de reconhecimento mútuo, o que de alguma forma se aplica a todas as
sociedades ocidentais dominadas pelo ethos neoliberal mercadológico.
42

Concordamos com a autora que o desafio contemporâneo para essas sociedades


e suas instituições, incluindo as escolas, é descobrir processos democráticos que possam
conciliar a valorização das diferenças com o alcance de um entendimento compartilhado
sobre propósitos comuns, que seja sensível e responsivo às necessidades do público
como um todo, nas palavras de Ranson (2018), ou capaz de enfrentar as condições
culturais e econômicas que neguem às pessoas os meios e oportunidades de interagir
como pares na vida social, nas palavras de Fraser (2003). Acreditamos que é nesse
sentido de fortalecimento da democracia e da noção de um bem comum socialmente
justo que deve caminhar a busca por superar os limites das reformas hegemônicas
vigentes.

1.2. Por uma accountability alternativa

É crescente o escopo de autores que questionam o pressuposto por trás das atuais
iniciativas de reforma verticalizadas de que a melhoria da qualidade resulta de pressão,
punição e accountability externa.
Fullan (2009), Mclaughlin (1987), Forsyth et al. (2011) e Bryk & Schneider
(2002) partem do pressuposto de que a melhoria da qualidade escolar é um processo
social, que não pode ser reduzido à adoção de pacotes ou prescrições externas. Eles
defendem que se desloque o foco das políticas para o apoio a condições que permitam o
desenvolvimento da capacidade humana e social, uma vez que são as pessoas e relações
os principais responsáveis por conduzir processos de melhoria. Para eles, a mudança
educacional sustentável é um empreendimento coletivo e colaborativo, que necessita do
envolvimento ativo de todos os membros da comunidade escolar, inclusive professores,
na apropriação dos sentidos da mudança. Para que práticas e crenças sejam de fato
modificadas, é necessário que os professores participem de interações sociais pautadas
pela confiança, pelo apoio mútuo, pelo reconhecimento, pela aprendizagem e
responsabilidade coletivas, nas quais se discute o desenho da reforma e se chega a
acordos quanto aos objetivos e planos de ação.
Patrick Forsyth, Curt Adams e Wayne Hoy (2011) reforçam que as reformas de
accountability verticalizadas, ou os modelos de avaliação de alto-impacto, caminham na
contramão dessa tendência, acabando por minar a possibilidade de construção de
interações sociais pautadas pela confiança. Isso porque essas reformas se baseiam em
medidas limitadas de qualidade; usam os resultados dessas medidas para promover
avaliações taxativas; transformam o processo de avaliação num jogo estatístico que
43

distorce a realidade dos processos de ensino e aprendizagem; concentram-se


exclusivamente sobre medição de resultados, negligenciando a construção de uma
cultura de desenvolvimento profissional nos moldes cooperativos; e, ao adotarem um
discurso de culpabilização, medo e punição, acabam desvalorizando os professores e
simplificando a complexidade dos processos educacionais, criando atrito nas relações e
desmotivando ações de mudança. Além disso, essas políticas de reforma gerencial, ao
imporem regulações onerosas sobre as escolas, não concedem o tempo necessário para a
construção de culturas colaborativas.
O que os autores criticam nas políticas de accountability é, portanto, sua
aplicação e uso corrente, que justamente por serem insensíveis à construção de relações
de confiança, possuem fraco poder indutor de mudanças duradouras e substantivas
(FORSYTH et al., 2011). Eles defendem políticas de accountability que não se baseiem
em regulações rígidas ligadas a punições e coerção, pois o controle rígido aliena, gera
obediência e não cooperação, e diminui a motivação à mudança ao remover os
poderosos incentivos da autonomia e do comprometimento.
Nesse sentido, a accountability deve mudar o foco da regulação externa para o
“controle social”, o que envolve a criação de estruturas de apoio que permitam a
emergência de processos e práticas alinhados à confiança, ao trabalho cooperativo, a
reflexão, autonomia profissional e responsabilidade coletiva, tendo como foco o nível
local das escolas.
Ainda segundo Forsyth et al. (2011), exemplos dessas estruturas envolvem desde
aumentar o salário dos professores a resolver o problema da desigualdade de
financiamento e de recursos entre as escolas. Políticas sensíveis a formar um ambiente
de confiança nas escolas devem também reconhecer a complexidade dos processos de
ensino e aprendizagem, e conceber a melhoria educacional como uma responsabilidade
coletiva de todos os envolvidos, não apenas dos professores. Ao invés de se restringir a
slogans simplistas de mercado como “toda criança pode aprender”, é necessário que as
políticas se baseiem em “teorias de ação” que explicitem claramente expectativas e
responsabilidades, bem como os processos e condições interdependentes que
influenciam o alcance dos resultados desejados. Ao invés de contar com ações
autoritárias e diretivas que minam a formação da confiança, a accountability deve estar
baseada em mecanismos de apoio ao desenvolvimento profissional que estimulem o
diálogo reflexivo e a colaboração entre professores nos moldes de “comunidades
44

profissionais de aprendizagem”. É necessário também que os dados das avaliações se


baseiem em múltiplas medidas que reflitam uma imagem ampla e justa da instituição, e
que seu uso seja formativo, associado a constantes reflexões e feedbacks que promovam
conhecimento e crescimento pessoal e institucional.
Portanto, pressupondo que a confiança coletiva emerge de ambientes sociais
locais que são o centro das mudanças, o que as políticas externas podem fazer é apoiar a
emergência da confiança ao invés de decretar seu surgimento. Em resumo, isso é
possível se as políticas se apoiarem basicamente em três diretrizes: 1. uma concepção de
melhoria que esteja ligada a uma teoria clara de ação, que defina condições, processos e
múltiplas responsabilidades para o alcance dos objetivos; 2. um compromisso em
alavancar o poder de influência dos professores sobre o trabalho pedagógico num
ambiente que motive interações cooperativas, compartilhamento de aprendizagens e
autonomia; e 3. um sistema de medição do desempenho amplo e dinâmico, associado a
processos de interpretação dos resultados e constante feedback (FORSYTH et al.,
2011).
As diretrizes para as políticas públicas de accountability propostas acima fazem
parte dos pressupostos da presente tese. Elas compõem o corpo teórico da “Corrente de
Wayne Hoy” que explicaremos mais adiante no Capítulo II, e guardam algumas
semelhanças com os princípios da Avaliação Institucional Participativa. No entanto,
guardam também diferenças cruciais, à medida que, como veremos no Capítulo III, tais
perspectivas não desenvolvem uma noção de participação democrática que permita
discutir a fundo qual concepção de qualidade e de formação se deseja para as escolas.
De forma diferente, a política de AIP pretende reposicionar a avaliação no nível
das escolas tendo como horizonte o alcance de um bem comum democraticamente
construído e socialmente referenciado, como veremos a seguir.

1.2.1. Histórico, Princípios e Formatos da AIP

Na década de 1990, Luiz Carlos de Freitas, professor fundador do grupo LOED,


defendia que o capitalismo daquele final de século passava a fazer novas exigências à
organização do trabalho pedagógico da escola com objetivo de superar a crise
econômica e recompor suas taxas de acumulação. Nesse contexto de reestruturação
produtiva no qual as novas tecnologias desempenhavam papel fundamental, a escola
deveria preparar um novo trabalhador mais adequado aos novos padrões de exploração,
o que exigia instruí-lo um pouco mais e ao mesmo tempo controlar melhor o grau e o
45

tipo dessa instrução. Esse movimento instaura uma contradição entre educar e explorar,
cuja resolução parecia estar na centralidade que a avaliação assumia nas políticas
públicas educacionais, uma vez que a avaliação é o mecanismo que permite controlar os
objetivos, os métodos e conteúdos da escola (FREITAS, 2012a).
A temática da “avaliação” se tornou, assim, categoria central de análise do
LOED a partir da década de 1990, entendida como a chave tanto para compreender os
mecanismos de reprodução de desigualdades - permitindo desvelar os objetivos reais da
escola e não somente os proclamados - quanto para transformar a escola.
À época, Freitas (2012a) analisava como a avaliação da aprendizagem em sala
de aula é uma das categorias centrais da organização da escola capitalista, encarregada -
se nenhum movimento contrário for feito - de legitimar a exclusão e subordinação dos
alunos cujo capital cultural mais se distancia daquele valorizado pela escola. Isso ocorre
por meio tanto das avaliações formais da aprendizagem, manifestas nas notas/conceitos,
quanto das informais, caracterizadas pelos juízos de valor que o professor faz sobre
comportamentos e atitudes dos alunos. Juntas, elas cumprem a função de sancionar
determinadas posturas, conteúdos, valores e excluir outros que não estejam em
conformidade com aqueles desejados pela escola, o que acaba por produzir um processo
de “eliminação adiada” das classes populares no interior do sistema educacional
(FREITAS, 2007).
Em relação à avaliação externa em larga escala, ele defendia que o emergente
sistema nacional de avaliação e os usos dele que se anunciavam, no bojo do que ele
chamou de reforma “neoliberal/neotecnicista”, já traziam os ingredientes para
“desenvolver-se um programa puramente de adequação da escola pública brasileira às
necessidades do capitalismo contemporâneo”, o que provocaria entrega da educação
pública aos interesses privados e aumentaria a exploração da classe trabalhadora
(FREITAS, 2012a).
Já nessa época, Freitas (2012a) estava atento às pesquisas internacionais e
apontava indícios de que as avaliações externas e as políticas a elas associadas não
contribuiriam para a melhoria efetiva da qualidade social oferecida pelas escolas à
população em geral. O LOED considerava, então, que o momento era importante tanto
para desenvolver uma investigação a respeito das possibilidades e limitações desse tipo
de política de avaliação no campo da educação, quanto para refletir sobre propostas
alternativas que pudessem superar as limitações observadas.
46

Basicamente, o grupo de pesquisa passou a endossar a defesa de que as políticas


de avaliação só teriam impactos substantivos na melhoria educacional se fossem
associadas ao processo de avaliação institucional no nível das escolas, pelo qual os
dados externos são consumidos e interpretados pela comunidade escolar à luz de sua
realidade local, e em diálogo com outros indicadores coletivamente construídos.
Inspirado, sobretudo, nas diretrizes sobre avaliação institucional discutidas por
José Dias Sobrinho (1995) e nos pressupostos epistemológicos e formato avaliativo
propostos pelo SINAES - Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SORDI,
2011), o grupo LOED endossa a avaliação institucional como um processo
necessariamente participativo, que depende do olhar de todos os segmentos da
comunidade escolar - alunos, famílias, professores, equipe gestora, funcionários
operacionais - para uma reflexão robusta sobre os problemas da instituição e proposição
adequada de soluções e estratégias de ação, tendo como referência os objetivos de
qualidade consensuados no Projeto Político Pedagógico da escola.
Assim, a avaliação institucional participativa (AIP) toma como referência o
protagonismo da comunidade escolar nos processos avaliativos, que incluem desde a
elaboração de diagnósticos à definição da concepção de qualidade que se pretende
atingir, com o objetivo de fortalecer a aprendizagem política, o conhecimento social, e
consolidar as condições necessárias ao alcance de uma qualidade de ensino socialmente
significativa para todos os estudantes.
Por “qualidade social” entende-se aquela comprometida com a formação
humana dos educandos, que contribua com seu desenvolvimento pleno como sujeitos
sociais que participam ativamente na construção das condições históricas de
(re)produção da vida. Para o grupo do LOED, a “formação humana” é o processo pelo
qual as pessoas se humanizam a partir da sua interação com a natureza e com outros
homens e mulheres, natureza aqui entendida como aquela que incorpora
progressivamente as realizações e intervenções humanas. Conforme as pessoas se
apropriam, pela educação em sentido amplo, desse conjunto das realizações humanas,
elas se formam enquanto sujeitos “históricos e sociais”, preparando-se para o usufruto
dos bens espirituais e materiais produzidos pela humanidade, ao mesmo tempo em que
desenvolvem suas múltiplas potências - físicas, intelectuais, artísticas, políticas, éticas -
para serem coprodutoras desses bens e das condições de existência (MANACORDA,
2010; ARROYO, 1991; FREINET, 1998; CALDART, 2000).
47

A atuação desses sujeitos sobre o mundo, uma vez baseada em processos


imbricados de reflexão/ação e de “conscientização” e “des-velamento” da realidade,
necessariamente conduzirá à conquista de condições e relações sociais mais humanas,
isto é, à supressão das condições históricas que oprimem os seres humanos impedindo-
os de “ser mais” (FREIRE, 2011). Trata-se, portanto, de uma compreensão do
conhecimento e da educação que garante o direito das pessoas de entenderem a si e ao
mundo como sujeitos/processos históricos em constante transformação criadora.
Essa concepção de qualidade traz implicações tanto para os processos de
avaliação, quanto para a escolha dos conteúdos curriculares, e para a própria
organização do trabalho pedagógico e da gestão escolar.
A qualidade social exige uma avaliação formativa compromissada com o
desenvolvimento humano, o que requer questionar as variadas formas de classificação
das escolas e dos alunos6, uma vez que essas são vivências segregadoras que os ensinam
a se pensar como inferiores, a inculcar uma imagem negativa sobre si mesmos
(ARROYO, 2011).
A qualidade social também exige que os currículos garantam o direito dos
alunos de entenderem a si e a seus coletivos de origem como sujeitos ativos na produção
histórica da cultura e do conhecimento. Isso requer repensar os conteúdos de história,
geografia, os textos de português, os livros didáticos, que muitas vezes acabam
reproduzindo imagens pejorativas dos coletivos populares (trabalhadores, indígenas,
negros, feministas, camponeses, ribeirinhos, sem teto etc.), enxergando-os como
entraves ou manchas ao progresso nacional, ora como ignorantes, preguiçosos, incultos,
ora como dóceis, simplórios, ingênuos, ou como agressivos, indisciplinados, violentos
(ARROYO, 2011). O currículo precisa, no entanto, não só reconhecer uma imagem
mais positiva desses coletivos, mas desvendar as condições materiais históricas que os
levaram a ser assim representados e excluídos, de várias formas, da participação
igualitária na vida social.
Arroyo (2017) nos faz pensar que a defesa da qualidade social da educação exige
reconhecer nos trabalhadores, no povo, “qualidade” humana, ou seja, reconhecer que
eles não são um “fardo” ao progresso, mas são, uma vez seres humanos, sujeitos
valiosos capazes de mudar o sentido do progresso. A qualidade social exige, pois,
reconhecer que o povo, os trabalhadores, tem direito a uma educação que destrói a
6
Classificações como, por exemplo, reprovações, repetências, enturmações dos alunos como lentos,
defasados, abandonando a escola, voltando ao noturno, à EJA (ARROYO, 2011).
48

“longa história de pensá-los como sub-humanos”, o que implica disputar a forma como
os coletivos populares são retratados nos conteúdos curriculares.
Isso também implica reconfigurar os processos de gestão da escola. É por isso
que a AIP defende não só a participação dos professores, mas também dos alunos e suas
famílias nas tomadas de decisão relativas à formulação e avaliação do projeto político-
pedagógico da escola. A escola e o currículo tornam-se, assim, um campo democrático
de negociação pelos sentidos e concepções de educação e de qualidade. Isso não
significa desvalorizar o saber dos profissionais da educação, mas ajudar esses
profissionais a construir seus saberes em diálogo com os usuários do sistema
educacional, o que supõe “deixar de pensá-los e tratá-los como folhas em branco, como
contas bancárias ou como sem experiências, sem indagações, sem modos de pensar e de
pensar-se” (ARROYO, 2011, p.286,).
Na contramão dessa concepção bancária, a perspectiva emancipatória considera
as experiências sociais, vivenciadas cotidianamente por professores, alunos e suas
famílias, como a base viva que levanta indagações, angústias, questionamentos, que são
os motivadores da produção histórica do conhecimento, no passado e no presente
(ARROYO, 2011; FREIRE, 2011). Tais experiências, no entanto, não bastam por si
mesmas, ou seja, elas devem necessariamente entrar em diálogo entre si e com os
saberes acumulados historicamente para negociar os sentidos do conteúdo e da
qualidade educacional. Como lembra Freitas (2010, p.97), as experiências e práticas
sociais “ora precedem e ora corporificam o conteúdo escolar que deve avançar em
direção à análise, sistematização e teorização em níveis mais elevados de
compreensão”, que permitam compreender a totalidade da realidade social e suas
contradições como condição para sua superação.
Vale ressaltar que as reformas empresariais não caminham nesse sentido da
qualidade social e da formação humana. Considerando que o fim último da educação é
favorecer uma vida com maior satisfação individual e melhor convivência social, Paro
(2000) denuncia a incapacidade da escola de realizar uma educação comprometida com
o efetivo bem viver dos educandos e com uma sociedade mais humana e justa, uma vez
que as políticas públicas hegemônicas estariam se preocupando mais com resultados de
testes e com a meta de preparar para o mercado de trabalho.

Hoje, a principal falha da escola com relação à sua dimensão social parece
ser a omissão na função de educar para a democracia. Sabendo-se da
gravidade dos problemas e contradições sociais presentes na sociedade
49

brasileira - injustiça social, violência, criminalidade, corrupção, desemprego,


falta de consciência ecológica, violação de direitos, deterioração de serviços
públicos, dilapidação do patrimônio social, etc. -, que só se fazem agravar
com o decorrer do tempo, e considerando que uma sociedade democrática só
se desenvolve e se fortalece politicamente de modo a solucionar seus
problemas se pode contar com a ação consciente e conjunta de seus cidadãos,
não deixa de ser paradoxal que a escola pública, lugar supostamente
privilegiado do diálogo e do desenvolvimento crítico das consciências, ainda
resista tão fortemente a propiciar, no ensino fundamental, uma formação
democrática que, ao proporcionar valores e conhecimentos, capacite e
encoraje seus alunos a exercerem ativamente sua cidadania na construção de
uma sociedade melhor (PARO, 2000, p. 3).

Axel Honneth (2013a) corrobora esse diagnóstico, referindo-se às reformas


educacionais implementadas nos Estados Unidos e na Europa ocidental. Ele pontua que
nesses países os objetivos da escolarização tornaram-se restritos à aquisição de
habilidades úteis do ponto de vista estritamente econômico. Para garantir a consecução
desses objetivos, as reformas defendem que a escola pública seja um campo
supostamente neutro, livre do ensino de valores, que deve ser de responsabilidade
exclusiva das famílias. Nesses países, tal concepção se concretiza, sobretudo, através de
políticas de “escolha” como os “vouchers” educacionais (HONNETH, 2013a); no
Brasil, podemos perceber que tal concepção tem sido defendida, sobretudo, pelo
movimento Escola Sem Partido (FRIGOTTO, 2017).
Honneth (2013a, p. 557) reforça que essa suposta neutralidade do Estado é uma
ideia falsa e perigosa, à medida que leva a uma dissociação entre ensino escolar e
formação de valores democráticos:

Sob tais circunstâncias, parece não haver necessidade de recordar os tempos


em que o ensino escolar público era visto como elemento fulcral da
autorrenovação das democracias. Ao que tudo indica, não só a própria teoria
da democracia, mas também a política estatal perderam o interesse pelo único
órgão com o qual se podiam regenerar repetidamente, ao menos
tentativamente e num esforço constante, os frágeis pressupostos de uma
formação da vontade democrática do povo.

A avaliação institucional participativa busca recuperar essas preocupações, ao


constituir-se um modelo de regulação democrática, ou uma proposta
“contrarregulatória”, à medida que pretende oferecer uma alternativa às limitações do
modelo de regulação gerencial verticalizado (FREITAS et al., 2009). Diante das
consequências negativas que esse modelo gera, torna-se urgente a discussão pública
sobre formas de regulação comprometidas com a construção de uma sociedade mais
humana e mais justa. Esse desafio requer políticas educacionais de avaliação que sejam
sensíveis e responsivas à realidade socioeconômica dos estudantes e escolas públicas, e
50

guiadas por uma concepção de qualidade socialmente relevante, que não esteja restrita a
servir aos interesses de mercado.
Uma proposta de AIP nesses moldes começou a se desenvolver a partir de
discussões entre os gestores da Rede Municipal de Educação de Campinas e os
pesquisadores do grupo LOED. Iniciadas em 2002, elas foram impulsionadas, por um
lado, pela vontade da então Secretária de Educação de construir uma política
democrática de avaliação que pudesse oferecer alternativa ao modelo hegemônico
vigente no país, e, por outro, pelo engajamento histórico do LOED em defesa da
educação pública.
Essas discussões levaram à criação, em 2003, do Conselho Gestor de Avaliação
da Rede Municipal de Campinas, um espaço de negociação que marcou o começo da
parceria entre o LOED e a Secretaria Municipal de Educação. À criação do Conselho
seguiu a formulação de uma Carta de Princípios em 2005, cujo conteúdo foi
amplamente debatido e validado em audiências públicas nas quais estiveram presentes
as equipes gestoras das escolas. Basicamente, a Carta de Princípios abarcava um
conjunto de princípios relacionados à avaliação institucional participativa, incluindo as
concepções de qualidade e de avaliação que orientariam as ações políticas e discussões
subsequentes. O propósito era estabelecer as bases éticas da proposta que começava a se
desenhar, garantir transparência e legitimidade e deixar claros os compromissos e
intenções subjacentes.
O desenho do modelo de AIP começou a se tornar mais estruturado em 2005
quando o LOED se envolveu no Projeto Geração Escolar 2005 (Geres) - Estudo
Longitudinal sobre Qualidade e Equidade no Ensino Fundamental Brasileiro, financiado
pelo governo federal e a Fundação Ford e conduzido em 312 escolas espalhadas em
cinco grandes cidades brasileiras, entre elas as escolas da rede municipal de Campinas.
Assente sobre a perspectiva do valor-agregado, o estudo mediu a proficiência em
Português e Matemática de 35.538 estudantes cujo desempenho foi rastreado ao longo
de um período de quatro anos. O estudo também coletou informações variadas sobre os
estudantes e suas famílias, professores, diretores e escolas, com objetivo de identificar
as variáveis que afetam o aprendizado dos estudantes, particularmente aquelas
relacionadas à origem socioeconômica, às práticas pedagógicas de sala de aula e
condições estruturais da escola.
51

No contexto desse estudo, o LOED desenvolveu em Campinas um projeto


complementar de Avaliação Institucional Participativa, chamado Geres-AI, com a
intenção de auxiliar as escolas participantes a conferir significado aos resultados das
avaliações externas do Geres. Para dar início a esse projeto, um grupo composto por
pesquisadores do LOED e gestores da rede municipal de Campinas organizou um
encontro ao qual todas as escolas municipais foram convidadas a comparecer. Nesse
encontro, o grupo apresentou um documento às escolas presentes explicando as
intenções e estratégias da proposta, e em seguida as convidou a aderir voluntariamente
ao projeto, deixando claro que a não participação não implicaria nenhum tipo de
punição. Das escolas municipais de ensino fundamental, onze aceitaram o convite entre
os anos de 2005 e 2006.
Essa proximidade com as escolas e com os gestores da rede revestiu o projeto de
legitimidade política, criando condições objetivas favoráveis à sua proposição como
política de governo em 2007. O marco disso foi o documento “Plano de Avaliação
Institucional Participativa: uma alternativa para a educação básica de qualidade da Rede
Municipal de Ensino de Campinas e Fundação Municipal para Educação Comunitária”
(Secretaria Municipal de Educação, 2007). A política passava a ser implementada,
então, a partir de 2008 nas quarenta e quatro escolas do ensino fundamental.
Além de colaborar na idealização da proposta, o LOED apoiou a rede nos
processos de implementação e avaliação da política de AIP. O grupo esteve, inclusive, à
frente da assessoria de avaliação institucional estabelecida em 2009, cujo objetivo era
organizar seminários e sessões de formação para os gestores das escolas e da Secretaria
Municipal de Educação, e coordenar a implementação dos espaços estabelecidos pela
política. Guiada pela perspectiva do “amigo crítico” (MACBEATH & SWAFFIELD,
2005), a universidade deixa de se apresentar como detentora de soluções prontas, e
assume o papel de trabalhar colaborativamente com as escolas e o poder público na
construção conjunta de soluções para os problemas identificados. Segundo essa
perspectiva, o “amigo crítico” é eticamente comprometido em atuar sobre a realidade, o
que não significa assumir a liderança em dizer às escolas o que elas devem fazer. Ao
invés, a função do LOED foi ajudar os sujeitos do sistema educacional a desenvolver
sua própria autonomia para empreender processos de mudança.
Cabe ressaltar que essa perspectiva de trabalho é condizente com a importância
dada pela AIP à participação dos diversos atores, internos e externos à comunidade
52

escolar, no processo avaliativo, incluindo o poder público e a universidade. Pressupõe-


se que é a partir do encontro entre os diferentes pontos de vista que se criam as
condições para a definição e o alcance de uma concepção de qualidade socialmente
significativa (SORDI, 2012a). Os conceitos de qualidade e participação estão, portanto,
intimamente relacionados:

A qualidade não é um dado de fato, não é um valor absoluto, não é


adequação a um padrão ou a normas estabelecidas a priori e do alto.
Qualidade é transação, isto é, debate entre indivíduos e grupos que têm um
interesse em relação à rede educativa, que têm responsabilidade para com ela,
com a qual estão envolvidos de algum modo e que trabalham para explicitar e
definir, de modo consensual, valores, objetivos, prioridades, ideias (...). Não
há, portanto, qualidade sem participação. (BONDIOLI, 2004, p. 14-15).

Enfatizando a importância do envolvimento ativo das pessoas no processo de


definição da qualidade, Dias Sobrinho (1995, p. 60) também destaca que:

A noção de qualidade é uma construção social, variável conforme os


interesses dos grupos organizados dentro e fora da instituição. Os juízos de
valor a respeito dessa instituição poderão divergir conforme os grupos e
segmentos considerem que a instituição responde ou não às suas respectivas
prioridades e demandas. Seu conceito não é unívoco e nem fixo, e só pode ser
construído por consensos, como resultado das relações de força.

A política de avaliação institucional participativa ancora-se, portanto, em dois


conceitos centrais: “qualidade negociada” (BONDIOLI, 2004) e “responsabilização
compartilhada” (FREITAS et al., 2009). O pressuposto é que a definição de qualidade é
necessariamente política e socialmente construída e que, consequentemente, a forma
mais legítima e sustentável de defini-la é através de um processo de “negociação” que
implica reconhecer a contribuição que cada pessoa, instância ou segmento pode
acrescentar ao conhecimento e desenvolvimento institucional. Isso só é possível através
de diálogos corajosos e honestos, pelos quais os participantes ouvem e respeitam os
diferentes pontos de vista e, guiados por um compromisso com o bem comum, movem-
se em direção a uma visão coletiva que passa a ser matizada pelas múltiplas
perspectivas.
A “negociação” emerge como categoria:

(...) que permite a realização de acordos entre os diversos segmentos


interessados na qualidade da escola pública e serve de mediação entre o que
existe e o que precisa ser construído pela escola, rumo à concepção de
qualidade desejada (...). Trata-se de legitimar a ideia de que atores
diferentemente situados no projeto da escola podem, pelo diálogo,
estabelecer negociações em torno dos problemas a resolver e das metas a
atingir, permitindo-se demandas bilaterais (SORDI, 2012b, p. 489-90).
53

Leite (2005) ressalta que a construção de consensos negociados é um movimento


democrático caracterizado pela transformação de interesses privados em interesses
comuns, de cidadãos privados e independentes em cidadãos públicos. De acordo com
essa concepção, é através do confronto de posições que o coletivo organizado da escola
desenvolverá compromisso com o bem comum, e construirá consensos legítimos no
processo de avaliação institucional, em relação a indicadores de qualidade, prioridades
de ação e possíveis soluções aos problemas detectados, bem como à distribuição de
papéis e responsabilidades entre os atores da comunidade escolar e do poder público
(SORDI, 2012a).
Reconhecer que o protagonismo pertence aos atores locais não significa
desconsiderar o ponto de vista externo, que traz contribuições igualmente importantes
ao processo de autoconhecimento institucional. O poder público também participa da
negociação, tanto no sentido de prover um parâmetro externo de qualidade quanto de
assumir responsabilidade em garantir condições adequadas de trabalho para as escolas e
seus profissionais. Além disso, os dados provenientes das avaliações externas em larga
escala são considerados indicadores de qualidade relevantes, que precisam ser utilizados
de forma eticamente responsável e contextualizada, à luz das condições objetivas nas
quais a qualidade é produzida e da realidade socioeconômica dos alunos, e em diálogo
com outros indicadores de qualidade coletivamente negociados.
Como mostra a figura abaixo, a AIP ocorre no nível da escola, que é o lugar
mais apropriado para articular e conferir significado aos dados externos e internos que
emanam das avaliações em larga escala, da avaliação institucional e da avaliação da
aprendizagem em sala de aula.
55

formas criativas de pensar e intervir na realidade, o que, por sua vez, contribuirá para
fortalecer o compromisso de todos com o trabalho e desenvolvimento da escola.
A Carta de Princípios (Freitas et al., 2009), mencionada anteriormente, resume
como os conceitos de “avaliação” e “qualidade” são concebidos nessa perspectiva:

A avaliação educacional é um processo de reflexão coletivo e não apenas a


verificação de um resultado pontual. Esta é a maneira mais adequada de se
pensar a avaliação em quaisquer níveis: como processo destinado a promover
o permanente crescimento. Há que se medir, mas esta não é a parte mais
importante; há que se avaliar – esta sim é fundamental. Avaliar é promover
no coletivo a permanente reflexão sobre os processos e seus resultados, em
função de objetivos a serem superados.

Qualidade, portanto, não deve ser vista apenas como ‘domínio de português e
matemática’, mas, além disso, incluir os processos que conduzam à
emancipação humana e ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa.
Neste sentido, a qualidade da escola depende, também, da qualidade social
que se consegue criar no entorno da escola. A escola não pode dar conta de
gerar eqüidade se fora dela se gera ineqüidade, desigualdade, violência,
insegurança e revolta. Não menos importante, portanto, é a dimensão
emancipadora dos processos avaliativos que visa inserir os professores e as
crianças em seu tempo e espaço, bem como dotá-las de capacidade crítica e
criativa para superar seu tempo – a capacidade de auto-organizar-se para
poder organizar novos tempos e espaços.

A fim de possibilitar a realização dos princípios discutidos acima, o primeiro


espaço criado pela AIP foi a Comissão Própria de Avaliação (CPA)7, estabelecida em
cada escola para garantir a participação de pelo menos um representante de cada
segmento (alunos, professores, equipe operacional e famílias), com mediação do
Orientador Pedagógico representando a equipe gestora da escola8. Este é o espaço da
“negociação interna”, onde os participantes identificam os pontos fortes e fracos do
trabalho pedagógico da escola, e discutem quais prioridades e estratégias adotar para
resolver os problemas identificados.
A CPA surgiu na rede com o propósito de restaurar a “potência desperdiçada” do
Conselho de Escola, que foi tomado pelo “viés do burocratismo, da prestação pública de
contas desprovida de significações ancoradas nas necessidades da escola para a oferta
de uma educação de qualidade” (SORDI et al., 2016, p.181). A ideia da política de AIP
ao instaurar a CPA não foi “duplicar instâncias e/ou multiplicar funções; não lhe

7
A CPA é uma instância colegiada de caráter avaliativo que foi regulamentada pela Resolução SME nº
05/2008, cuja realização deve ser minimamente mensal, podendo realizar-se quinzenal/semanalmente
mediante as demandas/necessidades.
8
Os profissionais recebem uma hora adicional chamada Hora Projeto (HP) para comparecer a essas
reuniões.
56

interessa dicotomizar nem dividir, mas superar contradições presentes em um tempo


político que não pode ser desconsiderado” (idem, p. 182).
A possibilidade de a AIP superar essas contradições e constituir um exercício
mais intenso sobre a qualidade da escola pública estaria contida na própria organização
legal da CPA, que “(re)localiza o debate no âmbito da escola de forma menos
burocrática em relação à dinâmica dos Conselhos de Escola”, ao permitir, por exemplo,
que suas reuniões ocorram a qualquer tempo (idem, p.184). No entanto, a importância
do CE não deve ser desconsiderada. A ideia da política é que as duas instâncias se
complementem, de forma que os dados e encaminhamentos discutidos na CPA
ofereçam subsídios para as deliberações e decisões tomadas no Conselho de Escola9
(SORDI et al. 2016).
Na negociação interna via CPA, os sujeitos também alocam responsabilidades
para si, e identificam demandas a serem negociadas posteriormente com o poder público
em um espaço de “negociação externa” previsto para ocorrer anualmente: as Reuniões
de Negociação. Nessas reuniões, que ocorreram efetivamente nos anos de 2010, 2011 e
201410, prevê-se que os membros das CPAs e representantes da Secretaria Municipal de
Educação acordem compromissos com determinadas metas, estratégias e condições para
a qualificação das escolas.
Por fim, um terceiro espaço desenhado pela política foi o Encontro Anual entre
CPAs, com objetivo de reunir as CPAs de escolas pertencentes ao mesmo Núcleo de
Ação Educativa Descentralizada (NAED)11 para compartilhar suas experiências na
implementação da AIP. Além do valor intrínseco desta partilha de experiências, a ideia
era que isso ajudasse as CPAs a se prepararem melhor para negociar com o poder
público, especialmente no que diz respeito aos problemas e demandas comuns
identificadas entre as escolas da rede.

9
O Conselho de Escola é uma instância deliberativa que foi instituída em Campinas com a Lei 6.662 de
10 de outubro de 1991, e nacionalmente com a LDBEN 9.394/1996.
10
Considerando o período de coleta de dados da presente pesquisa, que vai até julho de 2017.
11
Os NAEDs são a parte descentralizada da Secretaria Municipal de Educação. Há cinco NAEDs em
Campinas, cada um sendo responsável por um grupo de escolas que pertencem a mesma área geográfica.
Sua responsabilidade é estabelecer uma relação mais próxima entre a esfera central e as escolas, com
objetivo de zelar pela implementação das políticas públicas municipais.
57

1.2.2. A implementação: potências e dificuldades da participação


democrática

O movimento de implementação desses espaços e princípios não tem sido linear


nem unívoco; ao contrário, trata-se de um movimento contraditório e dialético, que
depende das correlações de força que permeiam e articulam o contexto da prática das
escolas, as esferas do poder público e a universidade. Como analisa Geisa Mendes em
tese sobre a implementação da AIP na rede de Campinas, esse processo é:

[...] resultado das forças imbricadas no processo e na organização, nas


resistências dos atores, nas (re)significações decorrentes dos embates e
tensões vividas, forjadas nas particularidades da formação histórica de cada
sujeito e da realidade social da qual fazem parte. Assim, a implementação da
política é marcada e demarcada pelas influências de todos os atores e das
próprias instituições. [...] Criar novas culturas implica na desconstrução de
formas de ver, viver e praticar, o que não ocorre da noite para o dia
(MENDES, 2011, p. 294).

O grupo LOED desenvolveu duas pesquisas12 no período 2009-2017 junto às


escolas da Rede Municipal de Ensino de Campinas, com financiamento do Observatório
de Educação (OBEDUC) da CAPES, com objetivo de entender as fragilidades e
potências do processo de implementação bem como os efeitos que a AIP produz sobre a
aprendizagem política da participação, sobre o fortalecimento das responsabilidades das
variadas instâncias e atores, e sobre o conhecimento social em torno do que é e do que
afeta a qualidade educacional.
Os resultados destes oito anos de investigação tornaram visíveis movimentos
legítimos que nascem do chão da escola, envolvendo diferentes atores sociais reunidos
em diferentes instâncias colegiadas para conduzir processos de avaliação e qualificação.
Desde a primeira pesquisa do grupo, têm sido documentadas escolas que fazem de suas
CPAs e/ou Conselhos de Escola13 momentos de reflexão sobre fatores que influenciam
as múltiplas aprendizagens dos estudantes e de proposição de ações para encaminhar
problemas levantados (Sordi et al., 2013). As reuniões de negociação também parecem
ter cumprido papel importante na política de avaliação institucional participativa, à
medida que abriram um canal coletivo e institucionalizado de comunicação pelo qual as

12
Os resultados da primeira pesquisa (2009-2012) foram relatados em Sordi et al. (2013). Os resultados
da segunda pesquisa (2013-2017) podem ser encontrados em Sordi et al. (2017), também disponível
online no e-book https://www.editoranavegando.com/qualidade-s-da-escola-publica, acesso em
09/01/2019.
13
Na prática, algumas escolas acabaram cumprindo a função da CPA no espaço do Conselho de Escola.
Esse fato não foi necessariamente mal visto pelos idealizadores da política, pois se considerou que o mais
importante é estarem cumprindo a função avaliativa nos espaços encontrados para tal. Para discussão
mais detalhada sobre essas questões, ver Sordi et al. (2016).
58

CPAs puderam discutir e negociar com o poder central suas metas e necessidades, além
de terem sido um espaço de aprendizagem do exercício da participação (Sordi, 2012b).
Na ocasião da reunião de 2011, por exemplo, a Secretaria Municipal de
Educação solicitou às escolas que cada uma “elaborasse uma apresentação que (...)
deveria conter os índices de qualidade escolhidos pelas escolas e suas estratégias para
monitorarem seus processos de melhoria” (SORDI, et al., 2013, p.262), o que foi
avaliado pelos pesquisadores do LOED como positivo à medida que provocou
mobilização da comunidade escolar para se colocar frente à SME:

O clima, o movimento, a dinâmica, os diálogos ocorridos na reunião [de


negociação em 2011], bem como as possibilidades apresentadas para
superação de algumas demandas, sem dúvida possibilitaram a participação
efetiva dos sujeitos nesse processo participativo formativo. [...] A definição
das prioridades e prazos [por parte da SME] para execução das solicitações
demarca uma abertura ao diálogo e acompanhamento dos processos entre
todos os sujeitos envolvidos neste percurso na busca da melhoria da
qualidade das escolas públicas (SORDI, et al., 2013, p.273)

As pesquisas do LOED deixaram claro que a AIP ao longo desses anos


conseguiu enraizar importantes espaços e culturas de participação na estrutura do
sistema educacional e na consciência e ação de seus profissionais, apesar de a
conjuntura política não ser plenamente favorável à construção desses espaços na rede
(SORDI et al., 2013; SORDI et al., 2017).
Alguns exemplos demonstram esse enraizamento e sugerem possíveis fatores
facilitadores e dificultadores. Em 2014 a prefeitura firmou um convênio com uma
organização social e uma empresa privada para implementar uma assessoria de “gestão
por resultados” inicialmente em dez escolas de ensino fundamental da rede municipal de
Campinas, ao que a maioria dessas escolas manifestou resistência através de cartas
escritas por suas CPAs e/ou Conselhos de Escola, argumentando que esse tipo de
parceria minaria os princípios da gestão pública democrática. Como resultado desse
embate, a assessoria não foi implementada na extensão e forma inicialmente pretendidas
pela administração central (OLIVEIRA, 2016).
Além disso, vale mencionar que a própria permanência da CPA enquanto espaço
legalmente assegurado é fruto da influência de supervisores que trabalham no nível
descentralizado dos NAEDs, que em algum momento de sua formação acadêmica
passaram pelo LOED. Percebe-se que a influência do LOED nessa rede de ensino
permanece para além daquele momento inicial de formulação da política, através da
constante formação de profissionais que atuam em diversos níveis da RMC - embora
59

essa influência tenha passado a ocorrer com menor centralidade, sobretudo, após o
grupo ter formalmente se retirado da assessoria de avaliação institucional em 201414.
Apesar disso, o LOED continua realizando projetos em parceria com as escolas e a
SME. O último deles foi sobre construção de indicadores quantitativos de “qualidade
social”, que envolveu desde grupos focais com equipes gestoras de oito escolas,
aplicação do instrumento, a oficinas de interpretação dos dados, o que ajudou a
desenvolver uma maior atenção das escolas a dimensões da qualidade que não são
valorizadas pelos atuais índices externos (SORDI et al., 2017). Nota-se que o
envolvimento do Departamento Pedagógico da SME na organização dessas etapas do
projeto denotou certa abertura a continuar dialogando com o LOED e com os princípios
da avaliação institucional participativa.
Outro exemplo do contínuo movimento de negociação entre rede municipal e
universidade - e da consequente capilaridade dos princípios da AIP na rede - foi a
realização do encontro das CPAs em 201715, no qual membros das CPAs das escolas se
encontraram para compartilhar os resultados de seus trabalhos. Parte desse evento foi
acompanhada por mim em pesquisa de campo. Nele pude perceber professores
mudando sua percepção negativa sobre uma escola16 que possui um dos IDEBs mais
baixos da rede, à medida que tomaram conhecimento de seu projeto político-pedagógico
e da(s) outra(s) qualidade(s) que ele produz.
Por fim, vale citar a retomada das Reuniões de Negociação no segundo semestre
de 2018, como outro exemplo do enraizamento da AIP na estrutura da rede. Os dados
dessa reunião, no entanto, não serão discutidos na presente pesquisa17.
Como parte do movimento dialético de implementação da política, as pesquisas
do LOED também revelaram descontinuidades e dificuldades manifestas na falta de
apoio institucional por parte da Secretaria, que, devido a constantes mudanças de gestão
e ao alinhamento com políticas de gestão empresarial, deixou de organizar alguns
insumos necessários à consecução da política. As reuniões de negociação, por exemplo,
ficaram três anos seguidos sem ocorrer (2015, 2016 e 2017), não ocorrendo também em
2013. Como ressalta Sordi et al. (2013, p. 219) em relatório da primeira pesquisa
OBEDUC:

14
Pretendeu-se desvincular o nome do grupo daquela administração que firmou o convênio com a
iniciativa privada.
15
Esse encontro foi organizado pelo núcleo de avaliação institucional da SME.
16
Essa foi uma das duas escolas nas quais realizei pesquisa de campo.
17
A coleta de dados ocorreu até julho de 2017, não abarcando o período da última reunião de negociação.
60

Mesmo preservada a política de AIP, esta acaba perdendo apoio institucional


expresso na ausência de eventos de compartilhamento das experiências entre
as CPAs, suspensão da Reunião de Negociação e não acolhimento da
proposta feita pela coordenadoria de Avaliação de realização do Encontro
Anual das CPAs da rede de Campinas em sua quinta versão [...]. O
desapontamento manifestado diante da demora das respostas institucionais, a
insegurança pelo futuro desta política avaliativa frente ao cenário externo de
forte responsabilização vertical são queixas presentes e pertinentes.

Além do enfraquecimento do apoio institucional por parte do poder público, as


pesquisas do LOED também mostraram que os níveis de apropriação da política pelas
escolas variam significativamente, havendo escolas em que a constituição da CPA ainda
é deficitária no que tange ao cumprimento das suas funções e objetivos, quando não
inexistente (Sordi et al., 2013).
Esse diagnóstico sobre a atuação de colegiados não é novo na área educacional.
Na década de 1990, Ghanem (1996) já analisava algumas limitações relativas à
implementação do Conselho de Escola nos governos de Minas Gerais, Recife e Porto
Alegre. A atuação deste colegiado caracterizava-se por ser pontual sobre problemas, em
detrimento de uma função planejadora e reflexiva que se baseasse no Plano de
Desenvolvimento da Escola, em debates sobre conteúdos de currículo e procedimentos
de ensino, ou em proposição de alternativas de ação a partir de indicadores de
rendimento dos alunos. Em relação à AIP, eleita como prática ou política com objetivo
mais direcionado às questões de avaliação propriamente, Barreto e Novaes (2016)
analisam sua implementação em algumas redes/escolas de educação básica, incluindo a
rede de Campinas, e concluem:

Os estudos apontam que, de modo geral, a avaliação institucional pode


contribuir com um diagnóstico mais apurado da escola e propiciar condições
para o encaminhamento compartilhado de alguns de seus problemas. Mas
evidenciam também grande dificuldade dos atores escolares de formular com
maior clareza os problemas de caráter pedagógico e de melhor equacionar as
medidas que contribuam para a sua superação.

Há limitações também no que diz respeito à participação dos vários segmentos,


ou ao alcance de relações mais horizontais de poder nas escolas. Em estudo realizado
numa escola estadual, Paro (2003) identifica alguns determinantes internos e externos à
escola que influenciam a participação. Dentro dos internos, estão:
a) as condições de trabalho/condicionantes materiais, referentes à
disponibilidade de recursos materiais e humanos (ex. espaços físicos adequados);
b) os condicionantes institucionais, relativos à organização formal das relações e
estruturas de poder na escola. Ainda imperam as relações verticais de mando e
61

subordinação, trazendo a necessidade de criação de espaços institucionalizados que


permitam descentralizar o poder das mãos do diretor;
c) condicionantes político-sociais, que atentam para a necessidade de se
reconhecer a legitimidade do conflito, resultante da diversidade de interesses dos grupos
que compõem o coletivo da escola, no sentido da superação dos particularismos em
favor de um projeto coletivo;
d) condicionantes ideológicos, relativos à visão depreciativa da escola sobre a
comunidade, e à forma de participação que a escola espera da comunidade, limitada às
ações executivas e não decisórias. A superação desses condicionantes implica uma
reconstrução dos olhares e ações dos profissionais da escola em relação aos familiares
dos alunos.
Quanto aos fatores externos, Paro (20003) identifica:
e) as condições objetivas de vida da população, relativas, por exemplo, à falta de
tempo, cansaço, o que remete à dificuldade de sincronizar as disponibilidades de horário
das famílias e dos profissionais da escola;
f) os condicionantes culturais, referentes à visão da população sobre a escola. O
medo que os pais das camadas populares sentem em relação à instituição, ou o
constrangimento de se relacionar com pessoas de escolaridade/status maior que o seu,
distancia esses pais da participação em colegiados. Deve-se estar atento também às
formas próprias pelas quais as famílias demonstram seu interesse pela escola;
g) condicionantes institucionais da comunidade, dizem respeito à presença de
movimentos sociais organizados no entorno, os quais, a depender de suas
características, podem aumentar a conscientização ou a apatia da comunidade quanto à
participação na escola pública.
Fundamentado nas teorias sobre participação e avaliação institucional expressas
acima, Dalben (2010) analisa os aspectos que influenciaram a implantação da Avaliação
Institucional Participativa em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental de São
Paulo. Um deles é que ainda é forte a presença de uma relação de poder vertical e
centralizadora vinculada ao papel do gestor da escola. Isso ocorre devido a um contexto
caracterizado, entre outras coisas, pela intensa rotatividade de professores,
intensificação de demandas burocráticas que fazem a diretora se ausentar dos momentos
coletivos, manutenção na legislação da centralidade do poder do diretor nas esferas
62

administrativa, financeira e pedagógica; tudo isso colabora para gerar a naturalização do


ambiente autocrático no sistema educacional (DALBEN, 2010).
Freitas (2012a) acrescenta que faz parte da “forma escola” capitalista essa
organização hierárquica do poder. Para garantir a consecução dos objetivos capitalistas
de segregação e exclusão, a escola nesse contexto afasta-se das práticas sociais, das
experiências dos/as alunos/as, de suas indagações e vivências como base para a
produção dos conhecimentos e compreensão da realidade, ao mesmo tempo em que
inibe a participação dos familiares e alunos nos processos de gestão escolar, de
elaboração do Projeto Político Pedagógico, de reflexão crítica a respeito dos sentidos da
escola, de seus conteúdos, avaliação, e metodologia.
Vale ressalvar que, ao mesmo tempo em que a direção pode minar a participação
do coletivo, ela pode contribuir para promoção de uma cultura democrática nas escolas.
Em relação à rede de Campinas, Betini (2009) constata a importância do gestor na
conciliação das dimensões técnica e política do trabalho escolar, necessárias para o
desenvolvimento de uma cultura que favoreça a AIP. Forsyth et al. (2013) e Bryk e
Schneider (2002) também reforçam o papel da liderança, expressa, principalmente, na
figura do diretor, em fomentar um ambiente de interações constantes regidas pela
confiança.
O que tem predominado, no entanto, é uma cultura de gestão centralizadora
(DALBEN, 2010; SORDI, et al. 2013), que permeia não só as equipes gestoras das
escolas, mas também o poder público, os professores e a população em geral. Isso faz
com que muitas vezes o aumento da participação não seja buscado de forma intencional
nos Projetos Político Pedagógicos, havendo uma vontade tácita de que se mantenham as
relações fragmentadas e hierárquicas. Na ausência da ideia de que a participação
democrática pode colaborar com a gestão e com a melhoria do ensino, as
disponibilidades de tempo, espaço e recursos humanos e materiais deixam de ser
arquitetadas para sua efetivação.
Nesse sentido, Dalben e Sordi (2009) observam o incoerente posicionamento do
Estado, que, por um lado, proclama em leis a defesa da gestão democrática, mas, por
outro, não oferece as condições necessárias para que ela se efetive, dada a perspectiva
política de redução do investimento público em educação.
As condições objetivas oferecidas pelo poder público, no entanto, não são
suficientes. É necessário que a democracia seja “aprendida” e “conquistada” pelos
63

próprios sujeitos na sua prática cotidiana (LEITE, 2005; LIMA, 2008). E aqui também
se observam constrangimentos à prática democrática. Dalben e Sordi (2009) identificam
a existência de uma visão patrimonialista de escola, segundo a qual a população
considera a escola pública como propriedade exclusiva do governo ou, no máximo, dos
profissionais que nela atuam. Essa visão leva à autoexclusão de alunos e familiares e à
predominância dos profissionais da escola em relação aos demais segmentos nos órgãos
colegiados.
Os profissionais da escola, por sua vez, também acabam excluindo de várias
formas a participação dos alunos, familiares e funcionários, seja através da falta de
convite, da inadequação de horários escolhidos para as reuniões, ou do não
reconhecimento do aumento da participação da comunidade como meta da escola. Essa
atitude é influenciada em grande medida pela concepção de participação predominante
entre esses profissionais: em geral, eles esperam que a participação da comunidade
esteja mais ligada à execução de tarefas do que à tomada de decisões, o que ocorre, em
partes, pela falta de legitimidade que a participação do leigo tem nos assuntos
pedagógicos.
Por fim, os autores ressaltam que os próprios professores acabam se eximindo do
compromisso político com a participação (DALBEN & SORDI, 2009). Nesse sentido,
retomamos os estudos apresentados no tópico anterior desta tese, que procuram explicar
esse fato através dos processos de intensificação e individualização do trabalho, e da
conformação das pautas tratadas nos espaços coletivos às exigências postas pelas
reformas verticalizadas. Barroso (1996) nos lembra que, para as pessoas se motivarem a
participar, elas precisam perceber também um “sentido instrumental” na participação,
finalizado e traduzido em conquistas concretas. Precisam, assim, perceber que possuem
algum poder de influenciar os rumos do que é decidido, e que sua participação é útil e
necessária, capaz de trazer benefícios para elas e para a organização em seu conjunto.
Se os professores não sentem que têm poder real de influenciar as pautas nem percebem
retornos concretos de sua participação, a tendência é que continuem a ver esses
processos como uma sobrecarga de trabalho burocrático que pouco acrescenta à
melhoria do ensino.
A mesma lógica se aplica à participação da comunidade. Muitos estudos
desmentem o mito da falta de interesse dos familiares dos alunos pela qualidade de
ensino, ressaltando as várias formas pelas quais eles demonstram interesse, ao se
64

preocuparem, por exemplo, com o problema da merenda, com a falta de professores,


com a segurança da escola, com a greve de servidores, ou mesmo ao comparecerem à
escola para saber sobre o desempenho escolar dos filhos (PARO, 2003; CARRA, 2014).
No entanto, os dados da presente tese e de outras pesquisas (GHANEM, 1996) mostram
que tende a ser pequeno o número de famílias que se envolvem na gestão das escolas
propriamente. Além dos motivos já discutidos, como as condições objetivas de vida e a
visão da escola sobre a comunidade e da comunidade sobre a escola, Barroso (1996) nos
faz pensar que também não está bem estabelecido para as famílias qual seria o sentido
concreto de sua participação, o que/como se espera que elas façam/ajam, como podem
influir nos rumos da instituição, e quais benefícios podem esperar para si e para a
organização escolar como um todo.
O aparente paradoxo é que se a vontade de participar requer que esses sentidos
estejam bem estabelecidos, é também através da participação que os sentidos e
expectativas são construídos e negociados. E aí existe mais um fator que desencoraja a
participação das pessoas na construção de sentidos coletivos, a saber, a cultura
hegemônica individualista presente na sociedade como um todo, e em suas instituições
em particular (LEITE, 2005).
Essa tese pretende contribuir com a discussão dos fatores associados à
participação e à construção coletiva de sentidos, concepções, estratégias de ação e
responsabilidades. Especificamente, pretende-se entender a contribuição da categoria
confiança para a efetivação de políticas participativas caracterizadas pela qualidade
social, negociação e responsabilização compartilhada.
Para tanto, inspiramo-nos inicialmente nos trabalhos de Bryk e Schneider (2002)
e Forsyth et al. (2013), que apontam a confiança como um recurso de “capital social”
capaz de fortalecer relações cooperativas e, consequentemente, a qualidade do ensino.
No capítulo seguinte, explicaremos como a confiança tem sido concebida por esses
autores e pela teoria sociológica mais ampla na qual eles se inspiram.
65

CAPÍTULO 2. CONFIANÇA: o que é e para quê?

2.1. O Problema da Confiança na Teoria Sociológica

O interesse na questão da confiança - não necessariamente de forma direta com


referência explícita ao conceito em si - vem de uma longa tradição na filosofia e nos
pensamentos político e social, desde Thomas Hobbes e John Locke a Émile Durkheim e
Ferdinand Tönnies, chegando a teóricos mais recentes como Talcott Parsons e Anthony
Guiddens (SZTOMPKA, 1999). É na segunda metade do século XX que o problema da
confiança emerge na teoria sociológica de forma mais explícita, sendo detidamente
investigado a partir de variadas perspectivas teóricas e metodológicas.
A emergência da confiança enquanto um problema sociológico está situada
dentro de um novo paradigma que passou a apostar na relevância das dimensões
culturais da realidade social como fator explicativo da ação e transformação sociais.
Sztompka (1999) situa a origem da inclinação sociológica às variáveis culturais “soft”
na insuficiência explicativa dos fatores estruturais “hard”. Como exemplo, o autor cita
que os fatores culturais podem ajudar a explicar os contratempos da recessão econômica
e da inquietação social que afetaram sociedades onde o quadro institucional parecia
“infalível” - com Estado de Bem Estar, regimes democráticos e economia de livre
mercado. Além disso, admite-se cada vez mais que as mesmas instituições operam de
forma diferente em sociedades com heranças culturais diferentes, e que o terreno da
mudança cultural tem outro ritmo, muito mais lento, que o da mudança nas estruturas e
legislações (SZTOMPKA, 1999).
Misztal (1996) situa essa mudança de paradigma na procura por uma nova base
cultural capaz de compreender as causas, por um lado, dos problemas econômicos
enfrentados pelo mundo ocidental e, de outro, do extraordinário sucesso experimentado
pelo Leste Asiático. Segundo ela, uma comparação entre esses dois cenários tão
díspares leva a crer que o que proporciona as altas taxas de crescimento nos países
asiáticos é a estrutura solidária da indústria japonesa. Nesta, haveria um relativo nível
de confiança baseado em mútuas obrigações entre empregados e empregadores,
enquanto nos países ocidentais imperam o conflito, a ausência de lealdade e de
responsabilidade mútuas. Uma vez que a ação econômica e institucional está
necessariamente imbuída de relações sociais, passou-se a perguntar que tipos de
características culturais são necessárias para sustentar o crescimento econômico. O
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olhar atentou-se, então, para as relações sociais e bases culturais das sociedades e
organizações, entre elas, a confiança interpessoal e institucional (SZTOMPKA, 1999;
MISZTAL, 1996).
Enquanto conceito, a confiança já foi referida, no contexto da Sociologia, como
a crença na honestidade ou no amor de outra pessoa, e na probidade de sistemas
abstratos (GIDDENS, 1991); como uma forma de aposta em uma possível ação futura
de outra pessoa (SZTOMPKA, 1999); como um recurso particularmente relevante nas
condições de incerteza em relação ao desconhecido e às ações imprevisíveis dos outros
(GAMBETTA apud SZTOMPKA, 1999, ano). Para Talcott Parsons (apud MISZTAL,
1996), a confiança reside na crença de que o outro indivíduo colocará seu próprio
interesse de lado em favor de uma orientação de ação coletiva, enquanto para James
Coleman (1988), confiar é um recurso racional do qual se valem indivíduos racionais
para maximizar as oportunidades de ganho pessoal.
Misztal (1996, p.24, tradução minha) define confiança como “uma expectativa
positiva de que os resultados das ações intencionais do outro serão apropriados do meu
ponto de vista”. Ela pontua que a confiança, definida assim genericamente, desempenha
um papel importante em quaisquer tipos de troca social nos quais cada parte da relação
tenha expectativas em relação às outras. Citando um exemplo, a confiança é necessária
para as trocas cooperativas, pois as pessoas só entram numa relação de cooperação
quando confiam que o outro tem capacidade e vontade de cumprir as obrigações ou
expectativas nele depositadas, definidas informalmente ou na forma de contratos. Mas a
confiança também é importante em outros tipos de relações e com outros propósitos,
por exemplo, enquanto expectativa de estabilidade da ordem social, quando, por
exemplo, precisamos confiar que o sistema de transporte público vai funcionar
normalmente para podermos desempenhar nossas rotinas, o que se refere mais à
previsibilidade do que ao caráter cooperativo da ordem social.
Para confiar, as pessoas precisam ter alguma oportunidade de construir
julgamentos sobre a capacidade e vontade do outro de cumprir o que dele se espera. A
teoria da escolha racional pressupõe que esses julgamentos, bem como as motivações do
ato de confiar, são racionalmente orientados. Segundo essa teoria, a pessoa A escolhe
confiar na pessoa B com base numa aposta racional de que os interesses de A serão
levados em consideração por B, cujas motivações próprias também supõem que seus
interesses sejam contemplados por A. Trata-se de uma relação de troca orientada pelo
67

pensamento “eu faço o que você espera que eu faça se você fizer o que eu espero que
você faça”, de forma que ambos saiam com seus interesses individuais satisfeitos.
Assume-se, então, que toda ação é racionalmente orientada a escolher a alternativa que
melhor satisfaz o próprio interesse, dado o suposto conhecimento que se tem sobre
como o outro envolvido vai agir.
No entanto, autores críticos a essa perspectiva sugeriram que a confiança
corresponde a uma variável de implicações normativas e que a sua escolha não é sempre
racional, nem se determina pelo montante de informação disponível a respeito do
comportamento dos outros. Ou seja, questionou-se que a decisão de confiar seja
puramente baseada em cálculo estrito de custos/benefícios, argumentando que os
indivíduos teriam capacidade cognitiva limitada para acessar, na quantidade e na
qualidade necessárias, as informações a respeito da conduta dos outros ou para avaliar
adequadamente a utilidade da interação em que se envolveriam. Argumentou-se, então,
que valores sociais - como o republicanismo cívico, a solidariedade social, o desejo de
reconhecimento, o altruísmo - também formam a base da decisão de confiar, sobretudo,
quando os atores situam-se em contextos que incluem insuficiente ou nenhum
mecanismo de controle sobre o comportamento dos outros.
Trata-se de um contexto típico das complexas sociedades modernas, nas quais a
confiança tem sido considerada elemento indispensável de coesão social diante das
incertezas e riscos de desintegração característicos desse tipo de sociedade. Aqui, a
confiança manifesta-se, sobretudo, em sua forma “generalizada”, com vistas à
realização de objetivos coletivos de alcance social.

Neste caso, a confiança social estende os seus efeitos não apenas a amigos ou
conhecidos integrantes de grupos específicos, mas a estranhos que, na
condição de cidadãos, integram a comunidade política. Confiar em estranhos,
em quem é diferente ou em pessoas com quem não se tem familiaridade,
implica em disposição potencial para agir e cooperar com vistas a objetivos
coletivos, cuja definição extrapola o estrito terreno do interesse individual
dos envolvidos. A confiança funciona, neste caso, como uma alternativa para
indivíduos que se sentem vulneráveis em face de sua inserção em contextos
de crescente complexidade e interdependência típicos das sociedades
modernas, mas que, ao mesmo tempo, compartilham uma perspectiva comum
definida por sua condição de cidadãos. Como não podem controlar
individualmente os fatores que influenciam ou definem a sua vulnerabilidade,
nem se informar completamente sobre as circunstâncias que a produzem, eles
usam a confiança como recurso facilitador da coordenação de ações que são
indispensáveis para a realização de objetivos sociais de amplo alcance e que
são relativos aos direitos de cidadania (MOISÉS, 2005, p. 41).
68

Alguns autores denunciam os aspectos negativos dessa sociedade moderna, que


teria produzido maior individualismo, distanciamento, isolamento, e impessoalidade nas
relações. Ferdinand Tönnie, por exemplo, tem uma visão dicotômica que idealiza as
relações pessoais harmoniosas da pré-modernidade em contraste com a frieza da era
moderna. Na era da “comunidade” (Gemeinschaft), as relações seriam caracterizadas
pela estabilidade, harmonia, proximidade, e conduta moral. Aqui as pessoas formam
associações porque valorizam as relações como um fim em si mesmo, e existe uma
disposição mental em agir de acordo com uma vontade coletiva. As pessoas se
conhecem, são mutuamente dependentes e compartilham experiências e atividades
cotidianas, de forma que apenas nesse contexto íntimo e pessoalizado podem existir
relações baseadas na confiança e pessoas confiáveis. A confiança, portanto, seria um
produto automático do contexto da comunidade e não poderia ser criada artificialmente,
pois são as experiências conjuntas, a moral e os valores religiosos compartilhados, o
mútuo reconhecimento, as similaridades e os entendimentos comuns que criam
integração entre as pessoas gerando confiança, o que por sua vez estimula ainda mais a
coesão da comunidade (apud MISZTAL, 1996).
Já a sociedade moderna (Gesellschaft), segundo Tönnie, é caracterizada pela
hipocrisia e frieza nas relações, o que destrói o espírito e o potencial humanos para a
felicidade. Aqui as pessoas são egoístas e calculistas, relacionam-se umas com as outras
apenas por razões instrumentais, em busca de lucro e poder, e não podem ser confiáveis
justamente porque manipulam os outros com vistas a atingir seus próprios objetivos. A
unidade da vontade coletiva é perdida, pois o que prevalece são as vontades racionais
individuais. A escolha e a decisão individuais são consideradas mais importantes do que
as obrigações e sentimentos compartilhados, e as relações são valorizadas apenas como
um meio para se atingir fins egoístas. Ainda assim, as pessoas podem construir um tipo
de confiança impessoalizada entre estranhos, baseada no conhecimento que se adquire
do outro a partir de sua reputação, o que as motiva a desenvolver relações pontuais de
cooperação. No entanto, elas cooperam entre si motivadas apenas por interesses
próprios, o que, segundo o autor, só pode levar à erosão da vontade coletiva e da coesão
social (apud MISZTAL, 1996).
Outros autores mais contemporâneos também fazem diagnósticos negativos da
modernidade, mas não deixam de considerar a possibilidade - e a necessidade - de
formação da confiança e coesão dentro desse contexto. Ou seja, não apenas consideram
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isso como possibilidade, mas também apostam no revigoramento das conexões e


normas de reciprocidade entre as pessoas como a solução para os problemas modernos,
vistos em termos de desintegração social, riscos, incerteza, complexidade.
Niklas Luhmann, em 1979, pela primeira vez sugeriu que a confiança não é um
recurso obsoleto típico das sociedades tradicionais. Ao contrário, ela ganha importância
com o desenvolvimento das formas sociais modernas, sendo indispensável na atual fase
da modernidade caracterizada pela crescente necessidade de assumir riscos. Aqui a
confiança é considerada um valioso recurso que substitui a escassez de informação
disponível em um mundo incerto e contingente, permitindo a generalização de
expectativas de comportamento e reduzindo a complexidade social (apud MISZTAL,
1996).
Piotr Sztompka (1999) reforça que a nova ênfase que o conceito ganhou na área
da sociologia está relacionada aos dilemas e desafios dessa nova fase da modernidade.
Enquanto certa forma de confiança entre atores sociais é necessária para a continuidade
de qualquer ordem social, a problemática da confiança como solução para um tipo
particular de risco é um fenômeno contemporâneo, relacionado com a natureza da
divisão do trabalho nas atuais economias de mercado.
O autor sublinha as características modernas que tornam urgente a necessidade
de confiança: interdependência e vulnerabilidade, impessoalidade e anonimato,
incerteza, contingência e risco (SZTOMPKA, 1999). Primeiro, o processo de
globalização e a atual divisão internacional do trabalho amarraram de tal forma as várias
sociedades em uma rede mundial de relações econômicas, culturais e financeiras - e
internamente as sociedades também chegaram a tal nível de especialização de papéis,
funções, ocupações - que temos nos tornado cada vez mais dependentes da cooperação
alheia. Isso faz com que a “solidariedade orgânica” se torne mais imperativa que nunca
(DURKHEIM, 1999). Esse processo corrente de interdependência nos coloca diante de
incertezas e desafios, pois aumenta nossa vulnerabilidade perante os outros, que podem
a qualquer momento falhar no cumprimento de suas responsabilidades. E é justamente
daí que vem o aumento da demanda por confiança como uma condição essencial para a
cooperação (SZTOMPKA, 1999).
O autor também sublinha que vivemos em uma sociedade caracterizada pela
impessoalidade, na qual estamos constantemente na presença de estranhos. Além disso,
cada vez mais nossa vida, nossos interesses e necessidades dependem de variadas
70

instituições, organizações, sistemas tecnológicos, cujas operações globais são


controladas por indivíduos e entidades que nos são inacessíveis, da mesma forma como
nossa possibilidade de influenciar, controlar e monitorar suas atividades é bastante
remota. Em inúmeras situações dependemos da eficiência, responsabilidade, e boa
vontade dessas pessoas anônimas e tão importantes para nossas vidas. Recorrer à
confiança é, assim, a única forma de viver nesse ambiente de crescente anonimato e
impessoalidade, segundo Sztompka (1999).
Por fim, o mundo moderno nos coloca uma variedade imensa de opções de
escolha o tempo todo. Para escolhermos entre diferentes cursos de ação disponíveis
temos que recorrer à confiança - se vou escolher esse ou aquele médico, votar nesse ou
naquele político, comprar este ou aquele produto (SZTOMPKA, 1999). Da mesma
forma, tendo em vista que os outros também se deparam com uma gama imensa de
opções e fazem suas escolhas livremente, nunca podemos controlar totalmente as
escolhas alheias, então todas as nossas ações são baseadas numa aposta de como o outro
vai agir em determinada situação. Nessas situações de incerteza temos, então, que
recorrer à confiança.
Portanto, a nossa aposta sempre envolve incertezas e riscos. Para Sztompka
(1999), reside aí a própria definição de confiança. Em situações nas quais temos que
agir apesar da incerteza e do risco, a confiança se torna uma estratégia crucial para lidar
com um futuro incontrolável e incerto. Ela é um recurso particularmente relevante
justamente nesse contexto moderno em que temos que nos mover o tempo todo na arena
do desconhecido. Diferente da esperança, da crença ou da fé, a confiança é uma atitude
ativa de fazer uma aposta em uma possível ação futura de outra pessoa. Sua definição
abarca, portanto, uma expectativa de como o outro vai agir em determinada situação
futura, mas também um autocomprometimento de agir em cima do que se espera que o
outro faça. Por exemplo, eu tenho uma expectativa de que os produtos de determinada
marca são eficazes, então eu decido ativamente comprar esses produtos (faço uma
aposta nessa marca). Aqui, a incerteza e a incontrolabilidade não devem paralisar a
ação; ao contrário, é precisamente isso que dá sentido à noção de confiança.
Outros autores reforçam a importância da confiança na contemporaneidade,
referindo-se precisamente à cooperação social que leva ao alcance de objetivos comuns,
e buscando entender por que sua produção tem se tornado mais difícil.
71

Robert Putnam (2015) tenta explicar por que a partir da metade da década de
1960, com aceleração nos anos 1980 e 1990, o “tecido da vida comunitária” americana -
ou seja, a conectividade social e o engajamento cívico, expressos em inúmeras medidas
de capital social - começa a desfiar. Houve uma tendência de declínio em praticamente
todas as medidas em conjunto, que vão desde conexões sociais informais como
socializar com vizinhos e participar de jogos de cartas e ligas de boliche, passando pela
disposição em votar e filiar-se a partidos políticos, clubes, associações comunitárias,
entidades religiosas e sindicatos, até os padrões de confiança e altruísmo expressos na
adesão à filantropia e voluntariado e no comportamento honesto e recíproco. O
afrouxamento deste último estaria sendo observado, por exemplo, no declínio da
civilidade na estrada e nas altas taxas de criminalidade.
Para o autor, as características da vida contemporânea que explicariam as
tendências observadas são o intenso atarefamento das pessoas que precisam se dedicar
cada vez mais ao trabalho para se manter economicamente em tempos incertos; a
dispersão geográfica que acarreta, entre outras coisas, mais tempo gasto de locomoção
no trajeto casa-trabalho; o entretenimento eletrônico, especificamente a TV, em seu
papel de privatizar o tempo de lazer; e a mudança geracional, com a substituição de uma
geração cívica por filhos e netos mais ausentes da vida pública comunitária. Tendo em
vista essa conjuntura, Putnam (2015) coloca a pergunta: quem teria tempo e disposição
para se conectar com o outro em prol de objetivos comuns?
Mizstal (1996) defende que determinadas características da modernidade pós
1980 dificultam a emergência da confiança, vista como sinônimo de consenso em torno
de valores, o que reforça ainda mais a necessidade de persegui-la. Para a autora, a
coesão social não era uma questão de preocupação no momento pós-segunda guerra
mundial, em que o Estado de bem-estar social, e a consequente expansão dos direitos de
cidadania nos países ocidentais de capitalismo central, traziam certo consenso nacional.
O crescimento econômico da “era do ouro” e a ameaça militar da guerra fria também
favoreciam esse consenso. No entanto, as reformas neoliberais dos anos 1980,
caracterizadas pela privatização e pelo fortalecimento da cultura individualista,
mostraram que os direitos sociais não estavam firmemente estabelecidos, e também que
o antigo consenso e solidariedade não mais existiam.
Segundo a autora, o enfraquecimento do Estado de bem-estar social, somado ao
colapso de referências tradicionais relacionadas à família, ao trabalho e à disciplina, o
72

declínio das identidades de classe, a emergência de identidades culturais especificas


(étnicas, raciais, territoriais), e o declínio das fronteiras nacionais, levantam importantes
questões: onde devemos procurar as novas bases da solidariedade, da cooperação e do
consenso? Como a confiança social é produzida nesse novo contexto? Que tipo de
confiança melhora o desempenho econômico e institucional dos governos? Em uma
sociedade na qual a globalização gera pressões enfraquecendo a autonomia das
economias nacionais e a coesão do eleitorado e aumentando as desigualdades entre
classes e regiões, a produção da confiança torna-se mais difícil, o que traz a necessidade
de produzi-la a partir de um esforço ativo (MIZSTAL, 1996).
Anthony Giddens (2013; 2000) também entende que a “confiança ativa” é
particularmente relevante nos dias atuais. Para ele, a “modernidade tardia” tem um
caráter paradoxal, pois ao mesmo tempo em que traz riscos, incertezas e enfraquece o
poder de antigas bases de explicação do mundo como a tradição e a religião, também
empodera as pessoas a assumirem ativamente a construção de suas vidas, permitindo a
formação de um tipo de confiança valioso nesse contexto.
O sociólogo britânico defende que a confiança assume uma importância especial
nas sociedades de risco modernas, caracterizadas pelo desentranhamento de relações
antes vinculadas localmente e sua recombinação em novas configurações mais fluidas
de tempo e espaço; pela apropriação reflexiva e ativa do conhecimento especializado
que passa a ser amplamente contestado e utilizado por pessoas “leigas” como base de
suas escolhas e decisões; o que por fim está ligado à terceira característica, o
fortalecimento da ideia de que o mundo é passível de transformação pela intervenção
humana.
Nas sociedades pré-modernas ou tradicionais, a tradição e a natureza eram os
balizadores das nossas ações. Havia uma confiança passiva no saber especializado
proveniente de figuras tradicionais como o sacerdote, o curandeiro, e nas forças divinas
e da natureza como determinantes de ações sobre o mundo, as quais eram pensadas em
termos de destino, boa ou má fé concedida por Deus. A confiança era um atributo
pessoalizado e as condições para sua construção eram asseguradas pelo parentesco,
comunidade local, pela religião e tradição (GIDDENS, 2013; 2000).
A partir do momento em que as ações humanas vão se desenraizando das bases
da tradição e da natureza, ganha importância a gerência humana sobre o futuro, que
passa a ser visto como algo socialmente construído e influenciado pelas decisões que
73

tomamos. Nesse sentido, quanto mais decidimos ativamente sobre os eventos futuros,
mais pensamos em termos de “risco”, e para enfrentarmos um futuro incerto e
necessariamente “arriscado”, a modernidade nos obriga a viver de um modo mais
reflexivo e a desenvolver uma confiança ativa, seja nas pessoas com as quais lidamos
cotidianamente ou em estranhos, seja em sistemas comerciais e instituições abstratas
dos quais dependemos cada vez mais.
Diferente dos tipos anteriores de confiança que estavam mais intimamente
associados a referentes tradicionais de compromisso e moralidade, esse tipo moderno
envolve uma relação mais voltada para o futuro com a pessoa ou coisa em que se confia
e passa a ser ativamente construído, seja através de uma atitude de abertura mútua e
revelação emocional entre as pessoas, seja através da atitude autônoma e reflexiva de
tomar decisões de baixo para cima que afetem o modus operandi de sistemas e
instituições (GIDDENS, 2000).
O autor reforça que a característica de “distanciamento tempo-espaço” dos
tempos modernos fez emergir a necessidade de confiança em sistemas abstratos, a qual
cumpre a função de nos assegurar segurança ontológica em termos de constância do
nosso ambiente externo e previsibilidade dos nossos encontros e ações rotineiras. No
entanto, apesar de necessária, a confiança nos sistemas não é fonte de satisfação
emocional. Por isso, Giddens (2013) ressalta a importância de fortalecer a confiança
interpessoal e reconstruir a “intimidade” em novas bases, pois é esse tipo de confiança
que pode servir à construção da nossa autoidentidade. Vista como um projeto reflexivo
e ativo de “abertura para o outro”, a confiança nas pessoas envolve necessariamente
mutualidade, reflexividade, diálogo e autonomia:

A confiança em pessoas não é enfocada por conexões personalizadas no


interior da comunidade local e das redes de parentesco. A confiança pessoal
torna-se um projeto, a ser "trabalhado" pelas partes envolvidas, e requer a
abertura do indivíduo para o outro. Onde ela não pode ser controlada por
códigos normativos fixos, a confiança tem que ser ganha, e o meio de fazê-lo
consiste em abertura e cordialidade demonstráveis (GIDDENS, 2013, p. 121,
tradução minha)

Para além dos relacionamentos amorosos sexuais, ou entre pais e filhos e entre
amigos, a confiança interpessoal deve se concretizar no nível mais amplo da sociedade
na forma de ativismo social, representado pela emergência dos movimentos sociais
como uma resposta radical no contexto da modernidade tardia. Através deles, Giddens
(2000) defende que é possível encontrar aquele senso de segurança que permite às
74

pessoas construir estratégias para a preservação do mundo como um lugar viável diante
da constante iminência dos vários tipos de “risco”, que vão desde a instabilidade
econômica e social às catástrofes nucleares.
Seguindo a linha de Anthony Giddens, Misztal (1996) reforça que a construção
da confiança nos tempos atuais depende necessariamente de processos ativos de
encontro, diálogo e negociação, o que vale tanto para o universo particular da família
quanto para o nível mais amplo da sociedade civil e suas relações com as instituições
democráticas. Isso porque, entre outras questões, a natureza dessas relações
interpessoais e institucionais mudou, da mesma forma que mudaram as expectativas
associadas a instituições e papéis sociais. Uma vez que a confiança é construída a partir
do cumprimento de expectativas e obrigações vinculadas a papéis sociais, as quais não
estão mais mecanicamente assentes sobre as bases da tradição, comunidade local e
religião, é necessário diálogo e um processo de “abertura mútua” para construção
coletiva das expectativas e da confiança.
Para deixar esse ponto mais claro, é útil explicar a categorização feita pela
autora em relação aos três tipos de confiança e suas diferentes funções relativas a cada
característica da ordem social.
Em primeiro lugar, como já mencionado, a confiança enquanto “habitus”
desempenha um papel de garantia de “estabilidade”, regularidade, e previsibilidade da
ordem social. Para construir a percepção de que o mundo é coerente, legível e estável,
as pessoas precisam recorrer aos mecanismos do hábito, reputação e memória, que no
mundo contemporâneo estão também embutidos nas relações impessoais e nos sistemas
abstratos. É esse tipo de confiança que nos permite desempenhar nossas rotinas diárias,
fornecendo-nos a segurança ontológica de que precisamos para sobreviver. Como
poderíamos, por exemplo, enviar documentos pelo correio sem confiar que eles
chegarão intactos ao destino final?
Em segundo lugar, a confiança enquanto “paixão” (ou “afiliação”) cumpre a
função de garantir a “coesão” da ordem social, através das conexões entre pessoas da
mesma família, entre amigos ou pessoas que compartilham valores semelhantes, ou
pertencentes a um mesmo grupo social. Trata-se de uma percepção normativa da
confiança necessária para desenvolver nosso senso de autoidentidade, reconhecimento e
segurança emocional e psicológica (MISZTAL, 1996; HONNETH, 2013b).
75

Quanto à família, Misztal (1996) afirma que, uma vez que sua constituição está
mudando e seus membros assumindo novas aspirações e necessidades, a confiança entre
eles deve ser constantemente renegociada para acomodar os novos papéis e obrigações
emergentes. As expectativas associadas aos papéis do marido, da esposa, do homem ou
da mulher, ou mesmo dos filhos e da madrasta/padrasto, não estão mais definidas a
priori baseadas nos referentes dos costumes tradicionais, tornando hoje necessários
processos de constante comunicação e negociação para construção da confiança nesse
âmbito.
Quanto à amizade, a autora explora a pergunta sobre a possível perda da
capacidade de conexão genuína com as pessoas em um mundo globalizado,
individualista e utilitarista. Ela conclui que os novos meios de comunicação e as
oportunidades de interagir com pessoas de diferentes culturas e trajetórias, na verdade,
ampliam nossas oportunidades de contatos bem como a qualidade das novas interações
e a própria função da amizade, que deixa de estar restrita ao provimento de segurança e
autoestima e passa a ser vista também como um meio de exploração, construção de
empatia e entendimento mútuo.
Tanto num caso como no outro, a categoria da comunicação é central:

Os relacionamentos em torno de papéis da era pós-industrial ganham


estabilidade não pela força da conformidade a normas tradicionais, mas pela
confiança construída entre as pessoas da relação, ou pela confiança de que a
relação tal como definida hoje é viável para todos os concernidos, e por um
senso de que as pessoas envolvidas estão suficientemente em contato umas
com as outras a ponto de reconhecer quando certas mudanças são necessárias
e redefinir a relação quando chamadas a tal (MISZTAL, 1996, p.183-184,
tradução minha).

Ainda dentro dessa segunda categoria da confiança enquanto “paixão” para a


“coesão social”, encontram-se as conexões mais amplas no nível da sociedade entre
pessoas que compartilham entre si algumas crenças ou características, relacionadas, por
exemplo, a religião, etnicidade, ou mesmo a formas de atuação política num
determinado bairro, área de interesse etc. Esse tipo de confiança é baseado na crença de
que o outro possui uma “orientação à coletividade” - nas palavras de Talcott Parsons -, o
que provê seu caráter generalizado, necessário para o funcionamento ou integração da
“sociedade civil” (MISZTAL, 1996, p.99).
Partindo do pressuposto de que as antigas bases da coesão social - assentes na
tradição comum, comunidade e igreja - foram erodidas nas sociedades globalizadas e
multiculturais, as teorias contemporâneas sobre confiança passam a defender a
76

necessidade de se buscarem alternativas que recomponham a integração social em novas


bases. Foi essa busca que levou à revitalização do conceito de “sociedade civil”,
sobretudo, pelas teorias do “capital social” cujo expoente é Robert Putnam (2002),
segundo o qual as redes de engajamento cívico e as normas de reciprocidade entre as
pessoas são responsáveis por fortalecer o que ele chama de “comunidade cívica”.
Explicaremos essas teorias mais detidamente no tópico 2.1.2.

2.1.1. Confiança para Cooperação: Política de Solidariedade, Tolerância e


Legitimidade

Em terceiro lugar, ainda segundo Misztal (1996), existe a confiança enquanto


“política”, cujo papel é garantir a “cooperação” entre as pessoas e entre estas e as
instituições, abrangendo o terreno das relações impessoais entre os diferentes, ou seja,
aqueles que não necessariamente compartilham os mesmos valores imediatos, mas
encontram-se conectados pela sua condição de cidadão. Esse tipo de confiança também
se estende ao nível da sociedade, mas está mais focado em transcender a semelhança
imediata entre seus membros, enquanto a teoria de Putnam, representante do tipo acima,
enfoca as conexões horizontais entre pessoas iguais ou relativamente iguais.
Misztal (1996) pontua que a confiança só pode ser vista como um mecanismo
para resolver o problema da cooperação quando as pessoas cooperam
independentemente de coação, já que esta gera no máximo obediência, não cooperação.
Para cooperarem, elas precisam, então, perceber os mecanismos de controle social,
como a confiança e as normas coletivas, não como constrangimentos à liberdade
individual, mas como alavancas à colaboração destinada a desenvolver o bem-estar
coletivo e, consequentemente, o individual. Isso só é possível em ordens sociais nas
quais reinam a “solidariedade”, a “tolerância” e a “legitimidade”.
Uma “ordem solidária” baseia-se no entendimento mútuo e na reciprocidade
entre pessoas que, mesmo sendo diferentes, se reconhecem pertencentes a uma mesma
coletividade, possuindo, portanto, um interesse comum e uma responsabilidade de
contribuir com o bem-estar de todos. O desenvolvimento dessa ordem não ocorre
aleatoriamente, mas requer uma base institucional que construa condições de igualdade,
de comprometimento social e de participação, capazes de oferecer às pessoas um senso
genuíno de pertencimento igualitário à sociedade.
Dentro da ordem capitalista, essa base se expressa em políticas públicas,
estruturas, regulamentações e procedimentos que delimitem as fronteiras e limites da
77

operação dos mercados e garantam igualdade formal e real nos direitos de cidadania,
incluindo os direitos sociais dos trabalhadores. As estruturas e procedimentos
institucionais também devem educar os cidadãos para o bem comum, explicitando seus
vínculos e fomentando a consciência da dependência mútua, ou seja, o entendimento
entre as pessoas de que seu bem-estar individual depende do bem-estar coletivo e de que
elas possuem deveres e obrigações em relação aos outros. Além disso, precisam ser
caracterizados pela abertura democrática, criando condições e oportunidades para a
participação, negociação, e deliberação pública, pelas quais as pessoas aprendam a
trabalhar suas diferenças de posicionamento, valores e crenças em direção à construção
de consensos sobre o bem comum.
No sentido oposto à construção dessa base institucional, a aplicação do
receituário neoliberal nas sociedades ocidentais modernas contribuiu para minar a
solidariedade e a construção de um sentido público e coletivo para a vida, enquanto o
estado de bem-estar social foi o exemplo prático capaz de gerar solidariedade através da
criação de vínculos entre as pessoas, garantia de direitos sociais universais e cobrança
do cumprimento de responsabilidades mútuas (MISZTAL, 1996).
Algumas teorias do “capital social” tentam incorporar essa noção de
solidariedade, ao considerar, para além dos laços fortes/próximos formados entre iguais
dentro de comunidades específicas, aqueles laços mais fracos/distantes que transcendem
as clivagens sociais, mas que são mais poderosos no sentido de serem capazes de
fomentar a cooperação mais ampla (GRANOVETTER, 1973). No entanto, essas teorias
ainda possuem limitações, como abordaremos no tópico seguinte.
É certo que a confiança depende da solidariedade para gerar cooperação social,
mas Misztal (1996) sugere que a solidariedade deve ser perseguida de forma
complementar à “justiça social” e construída à luz da ideia de negociação e “formação
discursiva”, pois somente assim a noção de “solidariedade” - e suas correlatas
“consenso” e “coesão” - perdem seu caráter etnocêntrico e impositivo.
Nesse sentido, a formação de ordens cooperativas depende também de uma
“política de tolerância” que demande respeito igualitário a todas as pessoas
independentemente de suas filiações particulares. Misztal (1996) ressalta a positividade
do multiculturalismo e do respeito às diferenças, à medida que permitem expandir
nossos horizontes e desenvolver ação responsável em relação ao outro através da
valorização dos espaços públicos de diálogo e negociação. No entanto, não podem
78

resultar em negação dos valores comuns que nos unem enquanto seres humanos,
baseados na tolerância, igualdade de valor e de oportunidades, respeito, comunicação e
entendimento mútuo, e responsabilidade compartilhada.
Um exemplo prático de país multicultural que promoveu política de tolerância
baseada na confiança - não na indiferença - foi a Austrália, através da aprovação de
proteções legais às minorias, bem como de processos educacionais que reconhecem
positivamente a contribuição dos grupos minoritários ao legado cultural nacional, e de
processos de participação desses grupos em projetos sociais, políticos e econômicos
(MISZTAL, 1996). Esse caso mostra a importância das estruturas e procedimentos
democráticos e o papel da legislação e da regulação governamental em proteger as
crenças e direitos das pessoas, reconhecer seu valor e dignidade, bem como em cobrar o
cumprimento de deveres e obrigações em relação à coletividade.
Por fim, uma ordem assente na cooperação depende da “legitimidade” de suas
instituições públicas e das decisões por elas tomadas, ou do quanto os cidadãos em geral
percebem a ordem social como “justa”, o que depende do quanto sentem que as
demandas e aspirações coletivas são levadas em conta pelas instituições e governos. O
Estado precisa, pois, ser percebido como promotor e protetor dos interesses públicos,
sobretudo em termos de provisão do bem-estar social e econômico, ao invés de uma
agência a serviço das preferências privadas de grupos de interesse.
A redefinição dos papéis do Estado-nação e a internacionalização da governança
criam problemas de legitimidade política, uma vez que a falta de clareza quanto aos
critérios para tomada de decisões bem como a complexa sobreposição dos múltiplos
níveis de governança faz com que as pessoas comuns sintam que possuem um controle
muito ínfimo sobre essas decisões. Então em quem devemos confiar para nos
representar? Em quem devemos confiar para tomar as decisões nesse mundo de
múltiplas autoridades?
Os partidos políticos como um todo, junto com as instituições democráticas de
forma geral, enfrentam uma crise de confiança por parte da população; os novos
partidos políticos e os novos movimentos sociais, apesar de superarem alguns limites da
velha política convencional ao adotarem formas mais diretas de participação popular,
ainda não se mostraram suficientes para garantia da legitimidade política nos tempos
contemporâneos, talvez devido a sua dificuldade em assumir pautas de mais amplo
alcance.
79

Nesse cenário, a injeção de confiança na esfera política requer mudanças


consideráveis na natureza da representação política e da intermediação de interesses.
Mais uma vez, Misztal (1996) defende que isso só pode ser atingido pelas estruturas
institucionais da democracia deliberativa e participativa, orientadas pela “racionalidade
comunicativa” (HABERMAS apud MISZTAL, 1996), segundo a qual a formação de
consensos ocorre através da expressão e negociação entre os diferentes
posicionamentos. É dessa forma que se pretende promover condições para os cidadãos
participarem ativamente em processos de tomada de decisões e sentirem que possuem
algum poder de influenciar os rumos da vida coletiva.
Portanto, a construção da confiança política entre os cidadãos e entre eles e as
instituições democráticas depende, para alcance da cooperação com vistas ao bem
comum, de ordens sociais legítimas/justas, tolerantes e solidárias, em que a própria
formulação do significado de “bem comum” ocorra via processos de participação e
negociação. Esse é um elemento, no entanto, que parece estar ausente da forma como a
confiança tem sido predominantemente concebida pelas teorias e políticas do “capital
social”, como começaremos a explicar no tópico seguinte.

2.1.2 Confiança enquanto Capital Social: Limites e Implicações

Robert Putnam e James Coleman são os autores representantes da base teórica


do “capital social” que inspirou desde as teorias sobre confiança nas escolas, (BRYK &
SCHNEIDER, 2002; FORSYTH et al., 2013) passando pelas políticas educacionais da
Terceira Via implementadas pelo governo inglês, às prescrições e experiências
referendadas por influentes organismos como o Banco Mundial. Daí a importância de
nos atentarmos a esse referencial com vistas a compreender suas implicações no
contexto escolar.
Antes de adentrá-lo, ressalta-se de antemão que essas teorias são utilizadas de
forma prescritiva para advogar soluções políticas comunitárias aos problemas de
exclusão social e recessão econômica. Prescritiva porque pretende gerar orientações de
como resolver o problema de comunidades à margem dos benefícios socioeconômicos
através do desenvolvimento de seu capital social (laços de solidariedade internos e com
instituições e a sociedade mais ampla), uma vez que estas comunidades são vistas como
deficitárias nesse recurso. Segundo Gewirtz et al. (2005), tal forma prescritiva de
utilização desse referencial diferencia-se do uso crítico e analítico empreendido por
80

autores como Pierre Bourdieu, segundo o qual o capital social interage com outros
capitais para perpetuar desigualdades de todo tipo.
Adentremos agora na explicação desses autores e de seus frutos para a prática
política e para outras teorias. Robert Putnam (2006) aposta na importância dos fatores
socioculturais para a estabilidade e eficácia da democracia, seguindo o legado teórico de
Alexis de Tocqueville, segundo o qual as associações cívicas são as principais
responsáveis por desenvolver nos membros de uma sociedade os hábitos democráticos
de cooperação, solidariedade e espírito público.
Para Putnam, o capital social é formado em “comunidades cívicas” fortes,
caracterizadas pela participação dos cidadãos nos negócios públicos (“interesse pelas
questões públicas e devoção às causas públicas”); pela igualdade política entre cidadãos
que possuem os mesmos direitos e deveres; pelo sentimento de solidariedade, confiança
e tolerância que desenvolvem entre si; e pela existência de associações, que seriam as
estruturas sociais da cooperação. Na prática, o grau de civismo de uma comunidade se
expressa nas manifestações horizontalmente organizadas de solidariedade social, a
exemplo dos clubes e associações locais, bem como nas práticas de participação cívica,
como comparecimento a referendos e às urnas.
Essas características desenvolvem normas de reciprocidade, sentimentos de
confiança, e predisposição para os cidadãos se engajarem na ação coletiva com vistas à
resolução de problemas comuns, fatores que afetam positivamente o desenvolvimento
socioeconômico e o desempenho das instituições democráticas em garantir boas
legislações e políticas a serviço dos cidadãos. A tese central é que “as tradições cívicas
podem influenciar fortemente o desenvolvimento econômico e o bem-estar social, bem
como o desempenho institucional18” (PUTNAM, 2006, p. 167).
Para chegar a essa conclusão, o cientista político norte-americano analisa a
experiência de regionalização das instituições democráticas ocorrida na Itália a partir de
1970. Diante da variedade de desempenho institucional apresentada pelas vinte novas
regiões ao longo dos anos 70-80, ele procura compreender quais fatores influenciam o

18
Desenvolvimento econômico e bem-estar são medidos com base nos valores da força de trabalho
empregada na indústria em comparação à empregada na agricultura, e nos índices de mortalidade infantil.
Desempenho das instituições democráticas é medido por meio de doze indicadores, referentes à
capacidade organizacional de condução dos negócios internos, às políticas e programas, e ao atendimento
às necessidades dos cidadãos: estabilidade do gabinete; presteza orçamentária; serviços estatísticos e de
informação; legislação reformadora; inovação legislativa, clínicas familiares; instrumentos de política
industrial; capacidade de efetuar gastos na agricultura; gastos na comunidade sanitária local; sensibilidade
da burocracia às demandas dos cidadãos. Esses doze indicadores compuseram um único índice de bom
desempenho institucional, que se mostrou abrangente e internamente coerente.
81

andamento satisfatório ou deficitário dessas instituições. Partindo do pressuposto de que


o desenvolvimento dessas sociedades é produto de um legado cultural e histórico
construído paulatinamente, Putnam analisa a constituição da comunidade cívica em
cada uma das vinte regiões italianas no decorrer de séculos.
No norte da Itália, ele observou a presença de vínculos horizontais
caracterizados pela solidariedade mútua desde a época da Idade Média, com as
confrarias e guildas, passando pelas novas formas no pós-unificação em finais do século
XIX, como as sociedades de assistência mútua e as cooperativas, até a formação de
partidos e sindicatos no início do século XX. São regiões também nas quais os cidadãos
eram mais interessados em votar nas poucas eleições relativamente livres realizadas
antes do advento do fascismo. A partir da segunda metade do século XX, o civismo
manifesta-se no comparecimento a referendo, leitura de jornais, número de associações
desportivas e culturais, havendo uma constância ao longo do tempo entre esses diversos
índices de civismo de cada época. A teoria é que essas tradições cívicas são duráveis e
tendem a se reforçar ao longo do tempo.
Analisando o período mais recente, nessas regiões do Norte existem muitas
sociedades orfeônicas, clubes de futebol e Rotary Clubes; os cidadãos acompanham em
sua maioria os assuntos comunitários nos jornais diários, se envolvem nos negócios
públicos através do comparecimento a referendos para emitir sua opinião em relação a
questões diversas, como segurança pública e energia nuclear. São cidadãos que confiam
em que todos procedam corretamente e obedeçam à lei. Nessas regiões, os líderes são
razoavelmente honestos, distantes de práticas de corrupção manifestas, entre outras
características.
Já no Sul, os índices manifestam-se inversamente: os vínculos sociais são
verticais, de dependência, clientelismo e exploração. Os indivíduos são isolados, unidos
moralmente apenas à família, e recorrem a relações clientelistas quando necessitam,
pois veem nelas o único remédio para uma sociedade desarticulada. Nessa parte da
Itália, os donos de terra aproveitavam de sua situação privilegiada para reforçar seu
domínio sobre pessoas que deles dependiam social e economicamente e que em troca
lhes davam apoio eleitoral. Na falta de vínculos horizontais de solidariedade,
reciprocidade coletiva e de autodisciplina, como no caso das sociedades de mútua
assistência, a dependência vertical constituía uma estratégia racional de sobrevivência.
Nesses casos, as pessoas não confiam umas nas outras, e, diante da sensação constante
82

de que todos vão violar as regras coletivas (de trânsito, do fisco), sentem-se impelidas a
recorrer à hierarquia e às forças estatais ou paraestatais (como a polícia, ou mesmo a
Máfia em alguns casos) como a única saída à anarquia.
Assim, as sociedades carentes de estoque de capital social, nas quais os
indivíduos são incapazes de confiar uns nos outros, possuem um tipo de equilíbrio
social baseado na não cooperação, que tende a se reforçar e necessita de uma solução
hierárquica hobbesiana - a coerção, exploração e dependência - para resolver os dilemas
da ação coletiva de forma a coibir o oportunismo, a trapaça, a transgressão. Putnam
(2006) reforça que esse tipo de solução hierárquica não é o ideal. Sobretudo em
sociedades complexas e desiguais - nas quais as vantagens do oportunismo, da trapaça e
da transgressão aumentam - o recurso à cooperação, que depende dos estoques de
capital social, é a melhor saída para a resolução de problemas comuns.
Ainda segundo Putnam (2006), o capital social emana das regras de
reciprocidade generalizada (“farei isso pra você agora, sabendo que um dia você
retribuirá”) e dos sistemas de participação cívica caracterizados por relações
horizontais, que congregam agentes com o mesmo status e poder, como grupos
orfeônicos, clubes desportivos, partidos de massa, cooperativas, associações
comunitárias e culturais, sindicatos, sociedades de mútua assistência. Quanto mais
desenvolvidos forem essas regras e sistemas numa comunidade, maior será a
probabilidade de que seus cidadãos sejam capazes de cooperar em benefício mútuo. Ou
seja, a participação em organizações cívicas desenvolve o espírito de cooperação e o
senso de responsabilidade comum para com os empreendimentos coletivos, porque,
entre outras coisas, favorece o sistema de comunicação e o fluxo de informações sobre a
confiabilidade dos indivíduos.
Em suma, a confiança, formada a partir dos intercâmbios sociais e da interação
interpessoal proporcionada nos sistemas de participação cívica, favorece a disposição
das pessoas para agir em comum, estimula a cooperação e o surgimento de virtudes
cívicas, reforçando a capacidade dos grupos envolvidos de obter benefícios comuns
desejados. Esses estoques de capital social tendem a ser cumulativos na comunidade
cívica e a reforçar-se mutuamente, de forma que os círculos virtuosos redundam em
equilíbrios sociais com crescentes níveis de cooperação, confiança, reciprocidade,
civismo e bem-estar coletivo.
83

Bryk e Schneider (2002) inspiraram-se no legado dessa teoria ao focar o olhar


sobre como as relações de reciprocidade que ocorrem entre os membros da comunidade
escolar estimulam a cooperação entre as pessoas, a confiança, e o senso de trabalho
coletivo em prol do alcance de objetivos comuns, a saber, a aprendizagem dos alunos.
Há algumas diferenças com relação a Putnam: este entende que a confiança é produto de
determinadas condições históricas seculares, enquanto Bryk e Schneider (2002)
entendem que o capital social e a confiança podem ser intencionalmente fomentados por
agentes como o diretor da escola, quando este cria, por exemplo, estruturas formais que
permitem a interação entre as pessoas.
De toda forma, o pressuposto básico das teorias do capital social permanece: as
relações entre as pessoas são vistas como capital, sujeitas à acumulação/desacumulação
e ao intercâmbio com outros capitais como o econômico ou acadêmico; ou seja, são
vistas como recursos/meios para se atingir determinados resultados mensuráveis, seja
em termos de eficiência institucional do governo, de desenvolvimento econômico, ou
em termos da “produtividade” escolar medida pelo desempenho dos alunos nos testes
padronizados.
Nessa lógica, uma possível implicação das teorias do capital social é enxergar a
confiança como um recurso que condiciona o acesso a determinados bens. Ou seja, o
fato de uma pessoa pertencer a uma determinada rede durável de relações - por meio das
quais desenvolve confiança, reciprocidade, sentimento de pertença - a coloca em
condição de conquistar determinados ganhos materiais ou simbólicos.
Segundo Higgins (2005), houve um crescimento exponencial das pesquisas
sobre capital social no período que vai de 1988 até 2001. A sociologia da educação é
um dos núcleos temáticos que mais utilizou esse conceito, sendo que, dentro deste
núcleo, a maior parte das pesquisas operacionaliza o conceito na linha de James
Coleman, que inclusive é um autor referenciado por Robert Putnam.
Coleman (2005) toma as ações racionais como um ponto de partida de sua
teoria, mas rejeita a perspectiva individualista extremada, buscando reconhecer a
importância da estrutura social dentro do paradigma da ação racional. Segundo ele, há
duas perspectivas dentro das teorias da ação social: uma que enxerga as ações dos atores
como determinadas por contextos sociais cujas normas, regras e obrigações os
governam; outra que enxerga os atores como indivíduos que têm objetivos
independentes, agem independentemente uns dos outros para maximizar seus interesses
84

egoístas. Buscando superar os limites das duas abordagens tomadas isoladamente,


Coleman (2005) entende que as pessoas, racionalmente orientadas, precisam entrar em
relação umas com as outras caso pretendam alcançar seus objetivos e interesses
individuais.
O capital social seria, então, um tipo específico de recurso disponível ao sujeito,
localizado na estrutura das relações entre pessoas ou atores corporativos, que lhe facilita
ações e o alcance de determinados fins. É definido pela função que exerce, podendo
gerar diversos resultados, econômicos ou não, para os indivíduos. O autor oferece
alguns exemplos:
Exemplo 1 - No mercado de diamantes, um comerciante pode deixar sua
mercadoria alguns dias com outro para que este avalie a qualidade do produto em sua
casa. Isso só é possível em uma comunidade muito fechada, com laços familiares e
étnicos muito fortes, que garantam elevado grau de segurança e confiança entre as
pessoas, uma vez que, caso o segundo comerciante aja de má fé substituindo os
diamantes por pedras menos preciosas, é certo que ele será “punido” por meio da perda
de seus laços religiosos, comunitários, familiares;
Exemplo 2 - Uma família se muda de Detroit para Jerusalém devido à sensação
de segurança que esta última cidade proporciona. Nela, os pais poderão deixar suas
crianças brincarem soltas nas praças e ruas, pois sentem que os outros adultos da
vizinhança olharão por elas;
Exemplo 3 - Na Coréia do Sul, estudantes universitários com ideias
revolucionárias encontram-se em grupos de estudo nos quais podem trocar
conhecimentos, pensamentos e fazer frente ao sistema político de direita, o que constitui
capital social à medida que o grupo serve como unidade básica de organização da
resistência;
Exemplo 4 - Associações de crédito rotativo no sudeste da Ásia são grupos de
amigos ou vizinhos que contribuem mensalmente cada um com sua parte para formar
um fundo que a cada mês será entregue integralmente a um dos membros, até que ao
final das múltiplas rodadas todos os membros sejam contemplados.
Todos esses são exemplos de relações que constituem formas variadas de capital
social, vistas como recursos de reciprocidade que facilitam ações do indivíduo. Esses
recursos podem ser de três tipos:
85

A) Obrigações, expectativas e confiabilidade do ambiente: quando um sujeito A


faz algo para o sujeito B e espera que B dê um retorno no futuro, essa relação cria uma
expectativa em A e uma obrigação da parte de B, pois A passa a possuir um crédito do
qual pode se valer assim que necessitar de alguma ajuda. Esse tipo de relação baseada
em expectativas e obrigações depende de um alto grau de confiabilidade do ambiente,
como no caso do crédito rotativo: uma pessoa só deposita sua quantia no fundo por
confiar que todos farão o mesmo, e que os primeiros contemplados com o dinheiro não
irão desertar.
B) Compartilhamento de informações: relações sociais mantidas por outros
propósitos podem servir também como canais de informações para os indivíduos, como
quando um cientista social utiliza seus círculos de colegas da universidade para ficar
inteirado de acontecimentos relacionados a diversos campos de atuação.
C) Normas e sanções comunitárias: sendo internalizadas ou reforçadas por
sanções/recompensas externas, as normas levam o indivíduo a agir em nome do bem
público. Normas efetivas que inibem o crime são aquelas, por exemplo, que permitem
às pessoas andarem sozinhas à noite e sentirem-se seguras.
Ainda segundo Coleman (2005), alguns tipos de estrutura social facilitam a
emergência do capital social. Por exemplo, redes sociais fechadas, em que as pessoas se
conhecem e se comunicam entre si, são importantes para garantir a existência de normas
e sanções efetivas, assim como a confiabilidade que permite a proliferação de
obrigações e expectativas. Em estruturas fechadas, a preocupação com a própria
reputação é uma espécie de sanção coletiva poderosa que constrange o não
cumprimento das obrigações. Outro tipo de estrutura facilitadora são as organizações,
como, por exemplo, as associações formadas por moradores do mesmo bairro ou de um
mesmo conjunto habitacional, que se reúnem para resolver problemas comuns e mantêm
o grupo como uma fonte disponível de capital social para melhoria geral de sua
qualidade de vida.
Segundo Coleman (2005), movemo-nos em direção ao enfraquecimento desses
laços comunitários e familiares, ou seja, as condições que garantem aos indivíduos o
suplemento adequado desses bens públicos estão cada vez mais escassas. Tal
diagnóstico traz preocupações ao autor, uma vez que o capital social é visto como fator
crucial à formação do capital humano, definido como fruto do investimento que os
indivíduos fazem em sua própria formação, na aquisição de competências,
86

conhecimentos e habilidades que lhes permitirão adquirir os melhores empregos,


elevadas posições sociais, ou simplesmente conhecer melhor o mundo em que vivem.
Um fator de singular importância que interfere na formação do capital humano -
especificamente na aprendizagem dos alunos na escola - é a “bagagem familiar”,
decomposta em capital humano, capital financeiro, e capital social. Este último pode ser
do tipo intrafamiliar ou comunitário. O primeiro tipo refere-se à atenção que os pais
oferecem aos seus filhos no dia-a-dia, o que seria mais provável de ocorrer em famílias
com um pai e uma mãe que não ocupem a maior parte do seu tempo com trabalho, e que
tenham poucos filhos. O segundo localiza-se no seio da comunidade, referente às
relações das famílias entre si, ao grau de “fechamento” (coesão) da estrutura social, e às
relações das famílias com as instituições comunitárias, entre elas a escola. Aqui, os
indicadores referem-se ao número de vezes que a criança mudou de escola, e ao tipo de
escola, se religiosa (onde se espera maior coesão comunitária), privada comum, ou
pública.
Por fim, a partir desses variados indicadores, Coleman (2005) demonstrou que
quanto mais forte o capital social intrafamiliar e comunitário, menor a taxa de evasão
das crianças antes de completarem o Ensino Médio.
As teorias de Putnam e Coleman inspiraram vários estudos e abordagens que
buscaram compreender os efeitos do capital social e das relações de
confiança/cooperação no desenvolvimento socioeconômico e na melhoria de
oportunidades para os indivíduos e comunidades. Entre eles, The Social Capital
Iniciative (WORLD BANK, 2016) possui um impacto relevante como produção
científica e intervenção política, sobretudo, por se tratar de uma iniciativa conduzida
pelo Banco Mundial. Este organismo multilateral financia pesquisas em países como
Índia, Camboja, Ruanda, Tanzânia, México, Quênia, Indonésia e Bolívia com objetivo
de desenvolver índices e medidas de capital social e mostrar qual seu impacto no
desenvolvimento desses países ou de comunidades específicas. Além disso, oferece
suporte financeiro a organizações/associações locais para incentivar o fortalecimento
das comunidades e de suas relações com empresas, instituições, Estado, ONGs etc.
Aqui se extrapola a abordagem de Putnam, buscando incluir, além das relações
horizontais entre membros iguais ou relativamente iguais, também as formas
verticalizadas de associações caracterizadas por relações hierárquicas e distribuição
desigual de poder entre os membros. Além disso, o conceito aqui utilizado de capital
87

social inclui não somente as relações interpessoais dentro de associações no nível local,
mas busca atingir o nível macro das redes que ligam o nível local com organizações e
instituições de todo tipo (empresas, ONGs, Estado) e com normas legais, regras e
valores sociais mais amplos.
Essa abordagem trazida pelo Banco Mundial aposta em estratégias deliberadas
de intervenção que ajudem a construir e acumular capital social, transformando
comunidades com baixo “grau de civismo” em comunidades vivas no desenvolvimento
daquelas múltiplas conexões para além da associação em pequenos grupos horizontais.
O fortalecimento das redes sociais e dos fluxos de confiança entre esses diversos atores
traria benefícios como o acesso das comunidades a bens e serviços, o desenvolvimento
econômico de regiões, a redução dos níveis de violência e hostilidade entre grupos
étnicos, como fica claro nos diversos projetos financiados pelo fundo. Seguem alguns
exemplos de projetos, que tiveram os seguintes objetivos (WORLD BANK, 2016):
Exemplo 1 - Compreender como a descentralização das funções governamentais
de planejamento e financiamento interage com o capital social local, ajudando as
comunidades nos Estados mais subdesenvolvidos do México a formar organizações
locais, interagir com os programas do governo, e fazer uso do seu novo poder de
decisão para alocar fundos ao desenvolvimento sustentável da agricultura em áreas
rurais remotas;
Exemplo 2 - Identificar as características de comunidades de áreas pobres
urbanas em Bangladesh que conseguiram se organizar autonomamente para contratar
uma empresa privada de coleta de lixo, num contexto em que o serviço público provido
pelo município era muito intermitente e pouco confiável. Apostou-se que um fator
essencial que permitiu essa organização foi a coesão e a homogeneidade da comunidade
em termos de valores e crenças;
Exemplo 3 - Criar fontes novas de renda para pessoas que foram realocadas
devido à expansão de atividades extrativistas de mineração, a partir do estabelecimento
de uma rede social de confiança e cooperação entre governo local, ONGs, empresa
mineradora de carvão e trabalhadores da comunidade;
Exemplo 4 - Estudar o esgotamento e a restauração do capital social - em termos
de coesão social, níveis de confiança manifestos na propensão para a troca e
cooperação, redes locais e associações cívicas - em duas sociedades, Ruanda e
Camboja, que foram devastadas pela guerra civil entre grupos étnicos;
88

Exemplo 5 - Compreender como o sucesso de programas de difusão de técnicas


inovadoras em agricultura é afetado pelo grau de confiança e coesão existente entre os
membros da comunidade local, e pela confiança que estes possuem em relação ao
formador do programa;
Exemplo 6 - Compreender como a fragmentação étnica na África afeta o
desempenho econômico, a eficácia das instituições políticas, e conduz ao conflito e
violência, uma vez que a identidade étnica, ao mesmo tempo em que cria confiança e
capital social entre os membros de um mesmo grupo, diminui a coesão social e os
benefícios para a sociedade como um todo ao minar as relações de confiança entre os
grupos.
A nosso ver, há duas preocupações centrais que perpassam esses projetos: na
ausência de uma atuação adequada por parte do Estado, as comunidades locais devem
tomar iniciativa e responsabilizar-se pelo autoprovimento dos serviços coletivos, por
exemplo, a coleta de lixo. A literatura já se debruçou sobre as consequências negativas
que essa desresponsabilização da esfera estatal traz para a garantia dos direitos humanos
e sociais. Retomaremos mais tarde essa discussão.
Vale notar que mesmo nos exemplos em que o Estado entra como um ator
responsável pelos programas de desenvolvimento, ele aparece isento da
responsabilidade em formular os programas a partir das aspirações de seus destinatários.
Os projetos, ao invés, estão focados em compreender como os atores sociais interagem
para executar tais programas previamente formulados, e nesse sentido a “coesão social”
emerge como um fator necessário ao sucesso de iniciativas desenhadas de cima para
baixo. Coesão parece ser vista aqui na perspectiva durkheimiana: ora remete à
“solidariedade mecânica” de sociedades indiferenciadas, como quando se aposta na
homogeneidade e horizontalidade de relações entre membros de uma comunidade que
possuem os mesmos valores e crenças; ora remete à “solidariedade orgânica” de
sociedades complexas nas quais reina a divisão social do trabalho, como quando se
ressalta a importância da confiança entre patrões e empregados, que estariam unidos por
objetivos comuns (DURKHEIM, 1999).
De toda forma, o conceito de capital social - referente às redes de
relacionamento baseadas na confiança e cooperação entre membros de uma
comunidade, entre “stakeholders”, entre pessoas e organizações/instituições - parece
estar relacionado ao de coesão social, a serviço da promoção do que se considera
89

“benefícios comuns e partilhados”, como a conquista da paz em países devastados pela


guerra, o acesso a bens e serviços sociais, a geração de renda, e o desenvolvimento de
setores produtivos como a agricultura.
Outro exemplo de uma pesquisa que teve repercussão inclusive no Brasil é a de
Richard Locke (1995). Ele parte da definição de que os atores econômicos manifestam
confiança quando, mesmo em situações de informação incompleta e incerteza
características da maioria das relações econômicas, decidem se expor ao risco do
comportamento oportunista por parte do outro, pois têm razões suficientes para acreditar
que o outro não vai lhes tirar vantagem. A partir dessa definição, sua preocupação é
entender o impacto da confiança no desenvolvimento econômico, pressupondo que esta
pode ser construída, mesmo em situações adversas, através de um processo contínuo
que mistura a ação racional dos indivíduos, intervenção governamental e o
desenvolvimento de mecanismos de automonitoramento.
Segundo ele, as teorias disponíveis sobre confiança são “pessimistas” porque
apostam na rigidez dos padrões de confiança ao longo do tempo (como em Putnam),
subestimando as possibilidades de se criar confiança em contextos nos quais estejam
ausentes os pré-requisitos e condições facilitadoras. Locke propõe uma visão mais
“otimista”, defendendo que a construção da confiança é um processo/projeto que
envolve três passos: primeiro, atores autointeressados decidem cooperar racionalmente,
porque enxergam benefícios individuais na cooperação; segundo, para maximizar o
potencial desses esforços cooperativos, a intervenção estatal é necessária, no sentido de
ajudar a estruturar organizações inclusivas e responsivas aos interesses dos partícipes;
por fim, para garantir a continuidade e longevidade do ambiente cooperativo baseado na
confiança, é necessário que a própria organização desenvolva mecanismos de
monitoramento que desencorajem comportamentos oportunistas.
Para ilustrar a possibilidade da construção da confiança em situações adversas, o
autor analisa o caso de duas regiões, localizadas no sul da Itália (Campana) e no
nordeste do Brasil (Juazeiro da Bahia), nas quais as condições favoráveis estariam
ausentes. Ambas são regiões com serviços públicos de baixa qualidade e índices
elevados de pobreza, desemprego, corrupção, desigualdade de renda, mortalidade
infantil, analfabetismo. Apesar disso, essas regiões conseguiram crescer
economicamente a partir do desenvolvimento de ambientes cooperativos, a exemplo do
90

Consórcio de Mussarela de Búfala na Campana e da associação Valexport dos


produtores de manga em Juazeiro.
No caso italiano, Locke chama de “confiança” e “cooperação” a iniciativa de
produtores locais de se unirem em um Consórcio, pelo qual desenvolveram normas de
conduta e redes de apoio, o que permitiu uma série de avanços na indústria local.
Obtiveram do governo um registro de origem controlada para seus produtos, o que lhes
conferiu uma marca distintiva no mercado; em troca, o governo exigiu que o Consórcio
se abrisse para qualquer produtor da região que dele quisesse participar. Desenvolveram
mecanismos de monitoramento para garantir que os padrões e procedimentos de
qualidade fossem respeitados por todos os produtores, ao mesmo tempo em que lhes
forneceram apoio para o aumento da produção e redução de custos através da promoção
de inovação tecnológica. Organizaram iniciativas coletivas de marketing e venda, o que
os levou a atingir mercados para além do continente europeu.
No Brasil, o caso analisado é o da associação local Valexport, que agrega
produtores de manga de diferentes tamanhos, desde pequenos produtores (ex-
camponeses sem terra) a empresas maiores de agricultura. Com apoio do governo,
conseguiram arcar com os custos de equipamentos, produtos e formação do programa
de erradicação de moscas. A associação, ao facilitar os esforços coordenados entre os
produtores locais, permitiu-lhes diversificar e melhorar a qualidade de seus produtos,
erradicar pragas, estabelecer e monitorar padrões de qualidade e aumentar a exportação
aos mercados estrangeiros. O autor analisa o sucesso desse caso em termos do
desenvolvimento da indústria local a partir das redes de relações cooperativas entre
produtores, entre patrões e empregados das grandes empresas, e entre produtores
associados, governo, e mercados internacionais.
Aqui também se percebe que, por mais que o governo seja incluído como um
ator social, sua responsabilidade gira em torno de fornecer subsídios para determinadas
atividades econômicas. Em momento algum, as iniciativas que apostam no fomento de
capital social englobam o papel distributivo do Estado de atacar os problemas de
injustiça social - índices elevados de pobreza, desemprego, desigualdade de renda,
mortalidade infantil, analfabetismo, como cita o próprio Locke - através de políticas de
seguridade social, por exemplo. Ao invés, o autor defende que, apesar de todos esses
índices, é possível superar a recessão econômica e a exclusão social exclusivamente
pela lógica da reciprocidade e do empreendedorismo de mercado.
91

Vejamos como essa perspectiva também se manifesta na área educacional. As


iniciativas promovidas no ambiente escolar buscam incidir, sobretudo, na relação das
escolas com a comunidade atendida do entorno. Partindo-se do pressuposto que há
certas redes de relações que proveem benefícios desejáveis aos indivíduos em termos de
acesso a empregos, status, aprendizado escolar etc., e que os alunos e famílias em
situação de vulnerabilidade carecem desse valioso recurso social, essas iniciativas
buscam de diversas formas desenvolver seu capital social sob o atraente discurso do
empoderamento da comunidade local.
Em geral, essas pesquisas baseiam-se na distinção feita por Granovetter (1973)
entre três tipos de capital social: “bonding”, “bridging” e “linking”. O primeiro,
“bonding”, é usado para se referir aos laços fortes que existem entre pessoas da mesma
família ou de um mesmo grupo (por exemplo, uma comunidade religiosa), o que acaba
provendo uma rede de apoio e assistência em casos de necessidade. O segundo,
“bridging”, refere-se a redes sociais horizontais mais heterogêneas, que conectam
grupos entre si oferecendo às pessoas acesso a recursos e informações valiosas para
além do seu grupo de amigos ou contatos mais imediatos. Por fim, o tipo “linking”
refere-se a relações verticais que conectam comunidades a agências, instituições, e
pessoas influentes na sociedade. Estes últimos, apesar de serem os mais “fracos” em
termos de proximidade e intimidade, são os mais poderosos, pois proveem acesso a
formas valorizadas de capital cultural e econômico. Daí o paradoxo capturado por
Granovetter: “the strength of weak ties” (1973).
Exemplo de uma pesquisa que se apoia nesses pressupostos é a “Schools,
Communities and Social Capital: Building Blocks in the ‘Big Society’” (FLINT, 2011),
que analisa os relatórios de inspeção produzidos em 2009 por um Departamento
Governamental inglês sobre diversas escolas, com objetivo de perceber quais estratégias
as escolas ditas eficientes utilizam para promover capital social dentro das famílias e na
comunidade mais ampla. A intenção é mostrar ao governo o papel crucial que as escolas
podem desempenhar na construção da “Big Society” - que é o nome do programa
lançado em 2010 pelo então primeiro ministro inglês David Cameron.
Esse programa parte de um modelo de coprodução do bem-estar social,
questionando que as pessoas sejam receptoras passivas dos serviços públicos, pois as
enxerga como sujeitos ativos capazes de se engajar em redes de apoio e reciprocidade e
de construir caminhos a partir de suas próprias capacidades. O objetivo é empoderar as
92

comunidades para que resolvam os problemas que enfrentam, pois “[...] only when
people and communities are given more power and take more responsibility can we
achieve fairness and opportunity for all.”19
Nesse sentido, Flint (2011) enxerga a escola como uma fonte crucial de recursos
para comunidades carentes, pois através da abertura de seus espaços, de suas atitudes
respeitosas e apoiadoras, de suas reuniões e rodas de conversa, de seu currículo
inclusivo e sensível ao entorno, as escolas são capazes de fortalecer as relações entre as
diversas famílias e destas com seus profissionais, gerando o capital social de que
famílias e a ampla comunidade necessitam. O objetivo é empoderá-las para que
assumam o controle de suas vidas, fortalecendo sua resiliência, autoestima e senso de
autoeficácia, e melhorar as oportunidades de vida das crianças e jovens. A escola
possuiria, assim, o papel de “construir o cimento da sociedade civil” (FLINT, 2011, p.
03).
São várias as formas concretas mencionadas no estudo de se promover capital
social dentro da escola e na comunidade mais ampla: quando os pais se sentem
acolhidos, ouvidos e respeitados pelos professores e gestores; quando a escola abre seus
espaços nos finais de semana para que a comunidade celebre seus eventos
comemorativos; a realização de workshops ou cafés da manhã para recepcionar as
famílias, como oportunidades que as colocam em contato umas com as outras para se
conhecerem melhor, podendo eventualmente se tornar uma rede informal de pais que se
encontram para discutir preocupações e trocar informações além dos assuntos da vida
escolar; a realização de oficinas culinárias nas quais famílias de diferentes etnias
cozinham umas para as outras, o que é um exemplo do tipo “bridging” de capital social,
contribuindo para a “coesão comunitária” (FLINT, 2011); a promoção de programas de
treinamento para as famílias desenvolverem habilidades, autoestima e senso de
autoeficácia; a existência de equipes pastorais multidisciplinares nas escolas, com a
função de prover informação, apoio e orientação às crianças/jovens e suas famílias
carentes quando estas necessitam, por exemplo, de encaminhamento psicológico e
contatos com agências externas, o que seria um tipo “linking” de capital social.
Pode-se dizer que a mesma orientação estava presente na Inglaterra uma década
antes, em 1990, na política do New Labour encabeçada pelo então primeiro-ministro

19
Parte do documento publicado pelo governo de coalizão conservador liberal-democrata inglês (2010-
2015). Disponível em https://www.gov.uk/government/publications/building-the-big-society, acesso em
23/11/2018.
93

Tony Blair. Aqui, o discurso do capital social também é apresentado como um antídoto
tanto para os problemas de exclusão social decorrentes do neoliberalismo desenfreado,
como para a “cultura da dependência” produzida pelo Estado de bem-estar social.
Ambas as demandas seriam atingidas através do fortalecimento das comunidades locais,
o que traria benefícios coletivos como a redução do crime e da violência e benefícios
individuais relativos à melhoria do desempenho escolar e maior mobilidade social.
Para tanto, os defensores dessa política pretendiam encorajar, por meio de
programas e cursos promovidos pelas Education Action Zones20, a criação de capital
social dentro da família, manifesto no apoio dado pelos pais aos filhos, e daquele capital
social referente ao envolvimento dos pais com a escola, sobretudo nas comunidades em
situação de vulnerabilidade, partindo do pressuposto de que:

(...) as crianças são menos propensas a evadir, faltar nas aulas, ter
desempenho ruim, cair no mundo das drogas ou se tornarem delinquentes,
quando seus pais estão envolvidos com elas e com a escola, frequentam
programas promovidos pela escola, ajudam seus filhos na lição de casa e
monitoram seu comportamento fora da escola. (GEWIRTZ et al., 2005,
p.654, tradução minha)21.

Segundo Gewirtz et al. (2005), algumas iniciativas experimentadas nesse sentido


foram positivas, uma vez que trouxeram alguns benefícios aos indivíduos atendidos
sendo por eles aprovadas. Exemplo disso são as aulas de “Tecnologias da Informação e
da Comunicação”, proporcionadas a mães interessadas em ajudar o filho na lição de
casa ou mesmo em conseguir um emprego; bem como um curso de “controle de
emoções”, que, segundo uma mãe participante, ensinou-lhe a ouvir mais o filho ao invés
de gritar com ele.
No entanto, apesar de prover benefícios individuais, essas iniciativas acabaram
contribuindo apenas com o “intra-family bonding social capital”, esquecendo-se de
replicar os “strong weak ties” que conferem à classe média acesso a valiosas
informações, expertise, e contatos. Além disso, os programas não envolveram as
famílias nos processos de tomada de decisões sobre a escola, o sistema educacional e os
próprios programas, que foram desenhados para elas e não com elas. Segundo Gewirtz

20
As EAZs foram estabelecidas por essa política com objetivo de integrar os diferentes setores da
comunidade - escolas, autoridades educacionais, empresas, organizações comunitárias e religiosas,
agências governamentais etc. - para pensar formas inovadoras de implementar planos locais de melhoria
dos resultados educacionais.
21
“Children are less likely to drop out of school, truant, perform badly in an academic sense, get hooked
on drugs or become delinquent if their parents are involved with them and their school, attend
programmes at their children’s schools, help with their homework and monitor their behaviour outside
school”.
94

et al. (2005), o silenciamento de suas vozes e perspectivas pode inclusive ajudar a


explicar por que tais iniciativas não tiveram adesão significativa de pais/mães.
Os autores concluem que os programas em questão não capacitaram as pessoas
para agirem coletivamente rumo à mudança sistêmica nem contribuíram para o
equacionamento das injustiças que perpassam os sistemas educacionais (GEWIRTZ et
al., 2005), não podendo, portanto, ser enquadrados como manifestação de um capital
social progressivo, segundo o continuum de Gamarnikow e Green (apud Gewirtz et al.,
2005).

Em uma das pontas do continuum, o capital social abarca as noções


progressistas, cívicas e liberais de cooperação, empoderamento, participação
e ação comunitária na construção de necessidades e prioridades. Aqui há
espaço para a cidadania ativa e empoderada, e a participação política e
engajamento cívico triunfam. No outro extremo, o capital social pode ser
percebido dentro de uma ordem normativa de formas institucionais
tradicionais, por exemplo, ao favorecer famílias nucleares com um pai e uma
mãe, localizar o ‘déficit parental’ no aumento da atividade de trabalho
feminina, relacionando isso ao fracasso no aprendizado escolar, e ao
argumentar por um regime moral coletivo absoluto de deveres e
responsabilidades ao qual todos devem se conformar (GAMARNIKOW &
GREEN apud GEWIRTZ et al., 2005, p. 655, tradução minha.)22

O que está por trás de boa parte do discurso da política é a visão de que as
famílias pobres não valorizam a educação, não se envolvem de forma alguma com o
sistema educacional, e são totalmente carentes de redes e organizações sociais de apoio,
necessitando, portanto, de uma espécie de remédio para seus déficits em termos de
isolamento social ou falta de habilidade em dar suporte à educação dos filhos. No
entanto, Gewirtz et al. (2005) apontam evidências não só de que essas famílias
valorizam a educação, mas se engajam de diferentes formas no sistema educacional e
estão conectadas por diversas redes em suas comunidades e famílias.
Essas evidências também mostram como é o próprio sistema educacional que
não responde efetivamente às demandas das famílias. Elas muitas vezes se sentem
desrespeitadas no reconhecimento de sua identidade, e percebem que seus filhos são

22
“At one end of the continuum, social capital embraces progressive, liberal and civic notions of co-
operation, empowerment, participation and community action in the construction of needs and priorities.
Here there is space for an active, confident and empowered citizenry, and civic engagement and political
participation thrive. At the other extreme social capital may be realised in a normative order of
traditional institutional forms, for instance, favouring two-parent nuclear families; locating the
‘parenting deficit’ in women’s increased labour market activity and linking this to educational failure;
and arguing for a collective non-relativist moral regime of duties and responsibilities to which all are
expected to conform”.
95

excluídos de diferentes maneiras ao longo do sistema, mas se sentem impotentes para


solucionar de forma eficaz e duradoura esses problemas percebidos.
Por fim, os autores apostam que o “reconhecimento” e o respeito pela cultura
das pessoas, seus modos de vida e aspirações é essencial para sua dignidade,
valorização e autoestima (HONNETH apud GEWIRTZ et al., 2005). E concluem que
foi justamente a dificuldade da política em trabalhar nessa perspectiva o que explica seu
insucesso.

Reconhecimento não diz respeito à mera inclusão na agenda dos outros. Ao


invés, diz respeito a valorizar qualquer coisa que seja importante para as
pessoas, e garantir que a agenda política refletirá, e não negará, a dimensão e
a profundidade de suas perspectivas e experiências (GEWIRTZ et al., 2005,
p. 670, tradução minha)23.

Informados por uma preocupação com questões de justiça social, democracia e


participação, Eva Gamarnikow e Anthony Green (2009) também analisam as teorias de
capital social implementadas pelo governo inglês da Terceira Via, e concluem que, ao
contrário do que se preconizava, elas contribuem com a consolidação das estruturas
sociais de dominação e desigualdade. Para eles, essas teorias consideram que o capital
social constitui um bem público acessível a todos, ou seja, que as redes sociais podem
ser igualmente efetivas para todos produzindo resultados sociais positivos. Ignoram,
assim, a análise de que tais redes sejam constitutivas de estruturas sociais desiguais.
No lugar de buscar desvendar os mecanismos pelos quais o capital social está
articulado à reprodução das desigualdades sociais, essas teorias operam na chave da
“abundância/déficit” de capital social, ou das redes “boas/ruins”, sendo que a
abundância/redes “boas” estão associadas às comunidades mais abastadas em termos de
recursos socioeconômicos, e o déficit/redes “ruins” às comunidades desfavorecidas.
Nessa chave, a desigualdade torna-se um problema de déficit de capital social, a ser
equacionado por uma política institucional de geração desse capital em comunidades
vistas como deficitárias. Essas comunidades acabam sendo, então, destinatárias de
políticas top-down, antidemocráticas, uma vez que os cidadãos abastados, provedores,
competentes, nomeadamente os profissionais da educação, desde sua posição
privilegiada oferecem assistência aos “necessitados”, “impotentes” para que estes

23
“Recognition is not just about inclusion in other people’s agendas. Rather, it is about valuing whatever
it is that is important to people and ensuring that policy agendas reflect and do not deny the breadth and
depth of people’s experiences and perspectives”.
96

subam os degraus da concorrência econômica e social, sob o véu da provisão de


oportunidade para os desfavorecidos (GAMARNIKOW & GREEN, 2009).
Reproduzem-se, assim, as relações hierárquicas da sociedade, pois é o capital
social das elites que é valorizado, suas relações e “redes altamente capitalizadas” que
são vistas como a solução para os problemas de injustiça social. Não é à toa que a
capilaridade das teorias e políticas do capital social intensifica-se em um contexto pós-
democrático, em que o bem-estar passa a ser regulado pela penetração da lógica
individualista do mercado nas instituições democráticas, as quais se tornam cada vez
mais insignificantes na arena pública da provisão de serviços e perdem o caráter de
escuta e governança democrática (GAMARNIKOW & GREEN, 2009).
Outra pesquisa foi realizada no Reino Unido com a preocupação de entender as
implicações do conceito de capital social aplicado à educação (CATTS & OZGA, 2005;
ALLAN et al., 2009). Ela procura escapar às críticas acima, mostrando ter ciência das
limitações do referencial, sobretudo de Robert Putnam, que embasa essa aplicação. Para
tanto, recorre a Pierre Bourdieu:

Pensadores críticos argumentam que a exclusão social deriva da pobreza e da


distribuição desigual de riqueza e recursos na sociedade. Essa corrente crítica
encontra-se no trabalho de Pierre Bourdieu, para quem o capital econômico
sustenta o capital social e interage com estruturas mais amplas para
reproduzir as desigualdades sociais. O capital social, ele diz, capacita
indivíduos e grupos para acessar recursos valiosos. Esses recursos estão
conectados às vantagens de classe, e diferentes formas de interação social
reforçam desigualdades de classe, por exemplo, ser um torcedor de futebol ao
invés de um membro do Rotary Clube. Assim, a ideia em torno do capital
social pode ocultar os efeitos do capital “real”, reforçando uma cultura
de culpabilização daqueles que falham em observar as normas da classe
média. (CATTS & OZGA, 2005, p.2, tradução minha, grifo meu)24.

Criticam, inclusive, os atuais indicadores disponíveis para medir a presença de


capital social nas comunidades:

Muitos indicadores de capital social não são apropriados porque derivam de


informações sobre voto, associação em grupos voluntários etc., o que reflete
preocupações da classe média. Como resultado, eles podem deixar de captar
formas informais de participação social, reforçando a crença de que os
indivíduos e comunidades da classe trabalhadora carecem de engajamento

24
Critics argue that social exclusion stems from poverty and the unequal distribution of wealth and
resources in society. This critical strand is reflected in the work of Pierre Bourdieu who believes that
economic capital underpins social capital and interacts with wider structures to reproduce social
inequalities. Social capital, he says, enables individuals and groups to access valued resources (Bourdieu
1993:68). These resources are connected to class advantage, and different forms of social interaction
connect to and reinforce class inequalities, for example being a football fan rather than a member of the
Rotary Club. Thus social capital ideas may conceal the effects of ‘real’ capital and power, and may
reinforce a culture of ‘blame’ of those who fail to observe middle class norms.
97

cívico. As pesquisas, incluindo as governamentais (ver


www.statistics.gov.uk/socialcapital) podem produzir, então, evidências de
déficit, porque os instrumentos de pesquisa implicitamente assumem valores
da classe média, e podem também falhar em considerar questões de gênero,
etnicidade e deficiência (CATTS & OZGA, 2005, p.2, tradução minha).

Tais considerações informam a construção de indicadores de capital social


realizada por esses autores no âmbito do Projeto AERS - Social Capital Project, a partir
das seguintes questões:

O capital social está promovendo uma agenda moral particular que sugere
que os valores da classe média são intrinsicamente os melhores e que o
desvio deles é indesejável/condenável? Em outras palavras, está sendo usado
para culpar a vítima? Podemos concordar com normas que sejam aceitas por
todos os envolvidos (pais, alunos, professores, membros da comunidade,
decisores da política), por exemplo, engajamento com o aprendizado,
cidadania ativa, bem-estar, acesso a empregos? (CATTS & OZGA, 2005,
p.2-3, tradução minha)25

Buscando reconhecer a tensão entre diferentes capitais sociais, e evitar o


problema do viés da classe média discutido acima, o projeto elaborou alguns
indicadores de capital social como: atividades comunitárias realizadas no ambiente da
escola; participação dos estudantes, funcionários, pais e comunidades na governança da
escola; comunicação e fluxos de informação dentro da escola e com a comunidade;
reação a questões específicas quanto à diversidade.
A nosso ver, em geral, essas pesquisas que defendem a aplicação da teoria do
capital social em educação (CATTS & OZGA, 2005; FLINT, 2011) parecem partir do
pressuposto, compartilhado tanto por autores como Pierre Bourdieu quanto James
Coleman, de que as relações sociais constituem um patrimônio não visível, mas
altamente eficaz, a serviço dos sujeitos sociais, sejam estes indivíduos ou coletivos. Para
essas pesquisas, a formação do capital social também tem um efeito multiplicador em
relação a outras formas de capital como o econômico, o cultural e o humano, já que
determinados indivíduos que participam em estruturas sociais valorizadas obtém
proveitos múltiplos como status, bens culturais, conhecimentos, empregos, contatos,
posições etc.

25
Is social capital promoting a particular moral agenda that suggests that middle class values are
intrinsically good and that deviation from them is undesirable/blameworthy? In other words, is social
capital used to blame the victim? Can we agree on norms that are acceptable to all involved (parents,
pupils, community members, teachers and policy-makers), for example, engagement with learning, or
active citizenship, or well-being, or access to employment?
98

Da mesma forma, as pesquisas parecem partir do reconhecimento de que


existem estruturas sociais excludentes, que impedem o acesso de outros indivíduos e
grupos aos recursos necessários à conquista daqueles bens socialmente valorizados.
Partem dessa constatação para defender a necessidade de que esses indivíduos e grupos
sejam colocados em contato com as redes de que carecem e que lhes facilitariam o
percurso ao longo do sistema educacional, através, sobretudo, da forma “linking” de
capital social ou dos “strong weak ties”, o que, no entanto, não implica subestimar seus
valores, suas formas de engajamento cívico, seu capital social próprio (do tipo
“bonding”).
As críticas, no entanto, são várias, como já exposto em Gamarnikow e Green
(2009) e Gewirtz et al. (2005). Higgins (2005) completa que as aplicações práticas da
teoria do capital social conduzem à defesa do padrão da “reciprocidade” em detrimento
do padrão da “redistribuição”. A reciprocidade assenta-se no pressuposto de que
relações simétricas de troca entre as pessoas - como as obrigações recíprocas, as trocas
de informações e compartilhamento de normas - podem canalizar os problemas de
justiça social ao melhorar o intercâmbio econômico ou o desempenho de atividades
econômicas lucrativas em populações carentes e vulneráveis. Por outro lado, o padrão
da “redistribuição”, ignorado nessa perspectiva, implica a obrigação do Estado em
redistribuir os recursos, provenientes dos tributos, para situá-los onde as necessidades
coletivas os demandem (HIGGINS, 2005). Segundo ele:

Trata-se de uma linha reta entre simetria e intercâmbio sem passar pela
redistribuição ou, o que é mais problemático ainda, acreditar que o
intercâmbio feito sobre normas de reciprocidade elimina os problemas de
redistribuição em grande escala social. Podemos suspeitar que se trata de uma
nova versão do liberalismo econômico para aclimatar suas velhas idéias de
que (a) as relações do mercado acontecem em mundos sociais onde os
indivíduos são simétricos, (b) o mercado é a forma mais eficiente de localizar
os recursos produtivos, e (c) o mercado em si mesmo é redistribuidor ao
conseguir o “the social optimum” (idéia da mão invisível). Parodiando o
evangelho, seria um “vinho velho em odres novos” (HIGGINS, 2005, p.
122).

Ozga (2002) reforça que a ideia de capital social tem sido bastante explorada por
políticas e iniciativas que pretendem diminuir os investimentos estatais na garantia de
direitos sociais. Ela analisa que o governo da Terceira Via inglesa foi atraído por essa
teoria que confere suporte à criação dos “laços da comunidade cívica de um jeito
compatível com a natureza individualista da moderna vida econômica, social e cultural”
(BLAIR apud OZGA, 2002). A autora analisa que, com a intenção de combater a
99

pobreza e a exclusão, o governo inglês apostou nas redes de indivíduos e comunidades


como a resposta para os problemas de desintegração social criados pela globalização e
pelo Estado mínimo. Nesse sentido, as políticas de terceira via teriam transferido a
responsabilidade do Estado em prover o bem-estar social (visto como “bem-estar
passivo”) para o indivíduo e suas redes particulares de confiança e reciprocidade, agora
responsáveis por buscar soluções para seus problemas (visto como “bem-estar ativo”)
(LATHAM, 2007).
No Brasil, alguns autores também analisam os efeitos da implementação dessas
ideias, postas em marcha com o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado de
1995, concluindo que a corresponsabilização entre Estado e sociedade civil no
provimento dos bens e serviços sociais acarretou privatização de funções do Estado
relativas à garantia de direitos sociais, especialmente no que tange à oferta de políticas
públicas em geral e da educação em particular (MONTAÑO, 2008; ADRIÃO &
BEZERRA, 2013; PERONI, 2013; NEVES, 2005).
Recorrendo a Axel Honneth, Gewirtz et al. (2005) nos fazem pensar que, além
do padrão da “redistribuição”, falta a essas perspectivas considerar o padrão do
“reconhecimento”, pelo qual as pessoas são valorizadas em suas habilidades,
necessidades, e capacidades de julgamento, através de sua participação na definição de
prioridades da agenda política. Tal “reconhecimento” não diz respeito apenas à inclusão
na agenda dos outros; ao invés, implica ser responsável para com toda a gama de
valores e modos de vida das pessoas, valorizando o que for importante para elas e
garantindo que a agenda política reflita a amplitude e a profundidade de suas
experiências e perspectivas. Segundo Gewirtz et al. (2005), é essa concepção de
“reconhecimento” que permite alcançar uma abordagem participativa diferente da
retórica de “participação” presente no discurso da política inglesa que pretendia
“empoderar” comunidades vistas como “deficitárias”.
Honneth (2013b) salienta que os seres humanos possuem uma dependência em
relação a experiências de “reconhecimento social” que afetem positivamente sua
autoestima, autorespeito e autoconfiança, cuja durabilidade ao longo da vida depende
dos contatos íntimos e diretos com pessoas afins. Daí por que os indivíduos durante toda
vida desejam ser membros em diferentes modelos de agrupamentos sociais, da família
aos grupos religiosos. No entanto, além do pertencimento a grupos nos quais se reiteram
as semelhanças entre os membros e os valores compartilhados, o reconhecimento social
100

também depende da realização da experiência dos direitos e deveres de cidadania, ou


seja, da reafirmação do status de sujeito de direito na esfera da consciência pública.
De um jeito ou de outro, para Axel Honneth o reconhecimento deve ser buscado
como uma questão de auto-realização, no sentido de que ser reconhecido pelo outro é
condição essencial para se atingir uma subjetividade plena. De forma diferente, Nancy
Fraser (2003) concebe o reconhecimento como uma questão de “justiça social”, à
medida que afeta o “status social” de pessoas e de grupos. Retomando o que já foi
explicado no capítulo 1, ela propõe um modelo de justiça social que engloba tanto a
esfera distributiva quanto a esfera do reconhecimento, possíveis de serem integradas por
buscarem o mesmo objetivo geral: a “paridade de participação” dos indivíduos na
sociedade, ou seja, que todos os membros de uma sociedade possam interagir uns com
os outros como pares. Esse é o critério que deve orientar a elaboração de demandas por
redistribuição e por reconhecimento.
Orientadas pela norma da paridade participativa, essas demandas precisam ser
elaboradas dialogicamente, buscando evitar abordagens monolíticas que investem em
um único sujeito a autoridade de interpretar o que é justo para as pessoas. É, portanto,
nos processos democráticos de deliberação pública com a participação de todos os
concernidos, que deve ser discutido em que medida os atuais “padrões
institucionalizados de valoração cultural” e as condições objetivas de renda, tempo e
riqueza provenientes dos arranjos econômicos, impedem ou aproximam os sujeitos de
serem participantes plenos na vida social. Além disso, nesses espaços deve-se discutir
não só como garantir acesso igualitário aos bens sociais existentes, mas também quais
são os bens sociais desejados; não só como garantir a participação de todos nas formas
existentes de interação social, mas também quais formas de interação social devem
existir (FRASER, 2003).
Voltando às perspectivas do capital social, nelas não parece haver espaço para
esse tipo de reconhecimento defendido por Fraser, que ocorre via processos
democráticos de negociação para elaboração de pactos socialmente justos. Como
ressalta Peroni (2003), aquelas perspectivas baseiam-se na existência de uma sociedade
civil “suprapartidária”, isenta de conflitos (PERONI, 2013), da qual a definição de “bem
comum” emergiria naturalmente, ou já estaria dada a priori, ao invés de ser objeto de
uma deliberação pública que envolva de fato os diferentes setores/atores da sociedade.
101

(...) a terceira via apresenta o discurso da participação da sociedade civil, mas


setores vinculados ao mercado têm sido considerados a sociedade civil, como
se já tivéssemos superado o capitalismo, a sociedade de classes e como se os
interesses vinculados ao capital fossem os interesses da sociedade. A
agenda educacional tem sido ditada por um setor da sociedade, que detém
poder financeiro e de mídia para falar em nome dela (PERONI, 2013, p.252,
grifo meu).

A autora reforça que essas teorias e políticas, ao não reconhecerem a existência


de objetivos divergentes e conflitantes que habitam a arena da chamada “sociedade
civil”, ignoram o poder explicativo das estruturas de dominação e da luta de classes para
análise e transformação da realidade.

Como, para o autor [Anthony Giddens], as classes sociais não são mais
importantes para a análise de um mundo sem inimigos e para além da direita
e da esquerda (...), é possível defender uma cultura cívica, onde os
empresários estariam envolvidos com o bem comum e não apenas com o
lucro (PERONI, 2013, p. 239).

Dessa forma, os críticos a essa perspectiva reforçam que ela cumpriria a função
de escamotear as causas dos problemas das sociedades capitalistas, estando, assim, mais
comprometida com a manutenção de uma ordem social injusta do que com a
transformação social e o questionamento das desigualdades sociais (NEVES, 2005;
PERONI, 2013; MONTAÑO, 2008).
Em suma, o principal problema com essa forma de conceber a confiança e o
capital social é que esses conceitos são utilizados de uma forma prescritiva para advogar
soluções políticas estritamente comunitárias aos problemas de “exclusão social”, as
quais não levam em consideração a reprodução social das desigualdades, ignoram a
responsabilidade estatal na garantia de direitos sociais universais, e não contribuem para
capacitar os sujeitos a trabalhar coletivamente por mudanças sistêmicas ou pela
melhoria das injustiças estruturais embutidas nos sistemas educacionais, contribuindo
até para fortalecer essas estruturas de desigualdade (GEWIRTZ et al., 2005;
GAMARNIKOW & GREEN, 2009; HIGGINS, 2005). Isso se deve, por fim, ao fato de
que essas teorias e políticas focam exclusivamente no padrão da reciprocidade,
deixando de lado as esferas da redistribuição e do reconhecimento via participação
democrática.
Veremos no Capítulo 3 que as limitações aqui apresentadas se estendem para as
teorias que abordam especificamente o conceito de “confiança” no ambiente escolar,
uma vez que essa literatura aborda a confiança do ponto de vista do capital social. Antes
disso, no próximo tópico explicaremos um pouco mais detidamente esses referenciais.
102

2.2. Confiança nas Relações Internas à Escola

Vários autores mencionaram a importância da confiança no âmbito interno à


escola para fortalecimento do trabalho coletivo e melhoria das aprendizagens dos
estudantes. Yáñes (2010) e Fullan (2009) ressaltam que a confiança funciona como um
aglutinador social que permite o funcionamento de “comunidades profissionais de
aprendizagem”, ou seja, escolas das quais faz parte do trabalho pedagógico a reflexão
coletiva sobre as questões que impactam a aprendizagem dos estudantes, nas quais os
professores apoiam-se mutuamente e criam um ambiente de compromisso e
responsabilidade compartilhada. Um ambiente assim caracterizado “proporciona el
sentimiento de seguridad necesario tanto para analizar y cuestionar las viejas prácticas
como para asumir los riesgos que comportan las nuevas” (YÁÑES, 2010), tornando
possível às escolas empreender processos de mudança comprometidos com a melhoria
da qualidade.
No Brasil, Freitas (2014) cita esse conceito para referir-se à dimensão da micro
política da escola, perpassada pelas relações de afetividade. O autor menciona que é na
escola que se constrói, pela confiança entre seus atores, um processo de permanente
autoavaliação coletiva, o que se contrapõe às políticas de controle verticalizado que
enfraquecem as conexões entre as pessoas e estimulam a competição. A confiança, aqui,
seria contraposta à concorrência, à pressão sobre os profissionais, aos controles sobre o
processo de trabalho.
Todas essas referências ao conceito inspiram-se em duas grandes linhas de
pesquisa norte-americanas, que representam as investigações mais completas e
sistemáticas sobre o tema. A primeira delas é presidida por Wayne K. Hoy. Inicia-se em
1980 na Universidade de Rutgers, continua na Universidade do Estado de Ohio e,
posteriormente, na Universidade de Oklahoma, trajeto ao qual foram se somando
diversos outros pesquisadores, como Patrick Forsyth, Megan Tschannen-Moran e C.
John Tarter. A segunda inicia-se nos anos 2000 na Universidade de Chicago, presidida
por Anthony Bryk e Barbara Schneider.
Apesar das diferenças26, em geral as duas correntes pressupõem que
interdependência e vulnerabilidade são as condições principais que requerem a

26
A diferença mais substantiva de ambas as correntes é que aquela primeira baseia-se no conceito de
“confiança coletiva”, enquanto a segunda aborda a questão pelo conceito de “confiança interpessoal”.
Apesar dos pesquisadores da primeira abordagem argumentarem que a sua perspectiva é mais sociológica
que a segunda, criticada por estar supostamente assente sobre um ponto de vista meramente psicológico,
103

emergência da confiança, pois, sem confiança, as interações sociais entre grupos e


indivíduos necessariamente vulneráveis e interdependentes tornam-se fragmentadas,
levando à diluição da ação social coletiva. As escolas proveem, portanto, um ambiente
bastante propício para a análise da importância desse recurso social, uma vez que são
habitadas por pessoas e grupos que desempenham papéis altamente interdependentes,
que precisam cooperar entre si para atingir interesses comuns relativos ao aprendizado
estudantil e que, consequentemente, são altamente vulneráveis uns em relação aos
outros, o que implica certo nível de risco e imprevisibilidade, requerendo, portanto,
níveis elevados de confiança interpessoal/coletiva. Vejamos cada uma separadamente.

2.2.1. Corrente de Wayne Hoy

A primeira definição do conceito importada para a dinâmica escolar foi a de Hoy


e Kupersmith em 1985:

No contexto da organização, confiança é uma expectativa generalizada de um


grupo de que as palavras, ações e promessas de outro indivíduo, grupo ou
organização podem ser confiáveis (Apud TARTER et al., 1989, tradução
minha)27.

Basicamente, a tradição de Wayne Hoy defende que a “confiança coletiva” é a


chave para as relações interpessoais bem sucedidas, pautadas pelo trabalho em equipe,
que conduzam à “efetividade” das organizações. Organizações “efetivas”, nessa
perspectiva, são aquelas que conseguem melhorar constantemente o desempenho
acadêmico dos estudantes nos testes padronizados de língua inglesa e matemática. Essa
finalidade última é atingida de forma mais “efetiva” nas escolas que “empreendem
inovações” e trabalham coletivamente com “prevenção de problemas”, guiadas pela
constante “acomodação” e “adaptação” às exigências de mudança provenientes do
ambiente externo (FORSYTH et al., 2011).
Os autores reforçam que essa perspectiva está baseada na sociologia
funcionalista de Talcott Parsons: “[...] as escolas efetivas observam os imperativos
Parsonianos de: 1. acomodar-se ao ambiente; 2. estabelecer e atingir objetivos; 3.
manter solidariedade dentro do sistema; 3. preservar um sistema único de valores”
(FORSYTH et al., 2011, p.10, tradução minha).

eu defendo que, em termos da operacionalização do conceito, ambas proveem contribuições sociológicas


significativas para a compreensão da dinâmica escolar.
27
In the context of organization, trust is a work group’s generalized expectancy that the words, actions
and promisses of another individual, group or organization can be relied on.
104

Para tanto, é necessário que os atores da escola cumpram as normas coletivas e


expectativas relacionadas a seus papéis, determinadas pelas demandas funcionais do
sistema, conectadas à manutenção da estabilidade, da eficiência e da integração. Parte-
se do pressuposto que essas expectativas são estabelecidas a priori, discutidas pelos
membros do grupo “confiante” (que deposita a confiança), cabendo aos membros do
grupo “confiado” cumpri-las para demonstrar sua confiabilidade.
Isso fica claro na exposição dos autores sobre como a confiança se forma. Para
decidir se deve confiar no outro, o grupo “confiante” precisa recorrer a uma “avaliação
cognitiva” ou um “cálculo cuidadoso” da história comportamental, reputação ou
credenciais do grupo “confiado”, com base em suas experiências pessoais e
especialmente nas percepções compartilhadas sobre a confiabilidade do “confiado”, as
quais emergem ao longo do tempo a partir de múltiplas interações dentro do grupo
“confiante”. Por meio desses intercâmbios, as pessoas dentro desse grupo compartilham
entre si suas expectativas de comportamento adequado por parte dos membros do outro
grupo - expressas em termos de abertura, honestidade, benevolência e competência - e
avaliam em que medida o comportamento observado dos membros do outro grupo
corresponde àquelas expectativas. Daí emerge o consenso sobre a confiabilidade do
grupo confiante (FORSYTH et al., 2011).
Naquela primeira definição de Hoy e Kupersmith em 1985, os professores eram
o grupo “confiante”, e os grupos “confiados” eram apenas dois: os colegas professores e
o diretor. Os autores definiram e mediram cada um dos pares de relação como segue:

Quadro 1 - Primeira Definição e Escala Likert sobre Confiança na Escola

DEFINIÇÃO ALGUNS ITENS DA ESCALA LIKERT


Confiança no diretor: A equipe docente - Os professores nessa escola confiam na
confia que o diretor vai manter sua palavra integridade do diretor.
e agir pelo interesse das crianças. - O diretor tira vantagem dos professores
nessa escola (inverso).
Confiança nos professores: a equipe - Mesmo em situações difíceis, os
docente sente que os professores podem professores nessa escola podem contar uns
contar uns com os outros em situações com os outros.
difíceis e que podem confiar na integridade - Professores nessa escola desconfiam uns
dos colegas. dos outros (inverso).
Fonte: Hoy e Kupersmith (1985) (apud TARTER et al, 1989, tradução minha)28.

28
Trust in the principal: the faculty has confidence that the principal will keep his or her word and act in
the best interest of teachers. -The teachers in this school have faith in the principal’s integrity. - The
principal takes unfair advantage of teachers in this school. Trust in teachers: the faculty believe that
teachers can depend on each other in difficult situations and that teachers can rely on the integrity of
105

Posteriormente, uma série de pesquisas passou a se debruçar sobre essa variável


da “confiança” relacionando-a com outras como o “clima escolar” (TARTER et al,
1989), entendido como a percepção dos professores quanto ao ambiente de trabalho da
escola, ou seja, o conjunto de características internas que distingue uma escola da outra
e influencia o comportamento de seus membros.
Baseados em Kottkamp, Mulhern e Hoy (1987), Tarter et al. (1989) reforçam
que o clima escolar é considerado “aberto” quanto mais supportive e non-directive for o
comportamento do diretor, e quanto mais engaged e unfrustrated for o comportamento
dos professores, segundo as seguintes definições:
Supportive: o diretor motiva os professores usando críticas construtivas e dando
exemplo de trabalho árduo. O diretor ajuda os professores, e é genuinamente
preocupado quando ao desenvolvimento profissional e pessoal dos professores.
Directive: o diretor é rígido, não oferece aos professores a liberdade de agir com
base nos seus próprios julgamentos profissionais; eles são constantemente monitorados
e controlados.
Engaged: professores são extremamente orgulhosos de sua escola, gostam de
trabalhar uns com os outros e se apoiam mutuamente. Professores se preocupam uns
com os outros e são comprometidos com os estudantes.
Frustrated: interferências por parte dos administradores e colegas distraem os
professores de sua tarefa básica de ensino. Deveres de rotina não ligados ao ensino,
como papeladas administrativas, são excessivos; os professores perturbam e
interrompem uns aos outros.
Tarter et al. (1989) demonstraram, por meio de uma correlação entre escalas, que
o comportamento do diretor e o comportamento dos professores geram diferentes
impactos na qualidade das relações de confiança na escola. Uma liderança “supportive”
do diretor influencia o grau de confiança que os professores têm no diretor, enquanto
um comportamento “engaged” dos professores ajuda a criar confiança entre estes
sujeitos.
Dando continuidade a esses trabalhos, mais tarde Tschannen-Moran e Hoy
(1997) atualizaram a definição de confiança como:

their colleagues. - Even in difficult situations teachers in this school can depend on one another. -
Teachers in this school are suspicious of each other.
106

Confiança é a disposição de um indivíduo ou grupo para ser vulnerável à


outra parte, baseado na crença de que esta última será benevolente, confiável,
competente, honesta e aberta29.

Os autores mantiveram a descrição de Hoy e Kupersmith (1985) a respeito da


confiança dos professores nos colegas e no diretor. Em relação ao clima escolar, eles
usaram as dimensões collegial leadership e teacher professionalism para analisar como
elas se relacionam com a confiança.
Eles chegaram a conclusões semelhantes às de Tarter et al. (1989): a collegial
leadership por parte do diretor - liderança que apoia os professores, preocupa-se com
suas necessidades, motiva-os usando críticas construtivas, não monitora constantemente
tudo que eles fazem, não os ocupa com tarefas burocráticas, deixa claro o que espera
deles - tudo isso influencia o grau de confiança dos professores no diretor; enquanto o
teacher professionalism - professores comprometidos em ajudar os estudantes, que
respeitam a competência dos outros professores, levam seu trabalho a sério, sabem ouvir
e apoiam uns aos outros, conferem significado e propósito para seu trabalho - influencia
o grau de confiança dos professores nos seus pares.
Mais tarde, Hoy e Tschannen-Moran (1999) incrementaram pela primeira vez a
escala inicial de Hoy e Kupersmith (1985). A partir de uma ampla revisão da literatura,
surgiram cinco facetas da confiança, junto com a dimensão geral da vulnerabilidade
(Willing to Risk) que perpassa todas elas:

Quadro 2 - Facetas da Confiança segundo Hoy e Tschannen-Moran

Reliability: Sentimento de que se pode contar com o outro para fazer o que dele se
espera. O quanto se acredita que os resultados virão e serão positivos.
Benevolence: Confiança de que o meu bem-estar, ou algo que me é caro, será
protegido pelo outro. Poder contar com a boa vontade do outro para me fazer bem. O
outro preocupar-se com meus interesses e bem-estar.
Openness: A medida em que as informações são compartilhadas e não retidas.
Competence: Boas intenções não são suficientes. Confiar requer que o outro tenha
habilidade para cumprir as expectativas depositadas.
Honest: Expectativa de que se pode confiar na palavra, promessa verbal ou escrita, do
outro. Correspondência entre o que se fala e o que se faz.
Willing to Risk: Disposição em se arriscar em uma situação de vulnerabilidade,
sabendo que há risco, que isso pode resultar em consequências negativas, mas
29
Trust is an individual’s or group’s willingness to be vulnerable to another party based on the confidence
that the later party is benevolent, reliable, competent, honest, and open.
107

esperando que elas não ocorram.


Fonte: elaboração própria com base em Hoy e Tschannen-Moran (1999).

Novos itens surgiram para abarcar essas facetas. Os autores também


acrescentaram um conjunto de itens para dar conta de dois novos pares, “professores-
alunos” e “professores-pais”, que se fundiram em “professores-clientes” após análise
fatorial. Por fim, posteriormente criaram uma escala mais suscinta (Omnibus T-Scale)
que pretendia ser válida para as escolas elementary e secondary (FORSYTH et al.,
2011).
Essa nova escala foi referência para a continuidade das investigações tributárias
dessa corrente. Por exemplo, Hoy e Tarter (2004) incorporaram novas variáveis em seus
estudos quantitativos, investigando a relação entre a confiança dos professores nos
colegas e no diretor, por um lado, e a “justiça organizacional” por outro. Eles
concluíram que há uma forte correlação entre essas duas variáveis, sendo essa última
definida pelos princípios da equidade (o que os professores recebem deve ser
proporcional ao tanto que eles contribuem); igualdade (nenhum interesse individual
deve sobressair ao interesse coletivo); voz (diretores devem envolver os professores na
tomada de decisões que os afetam e quando eles têm expertise para contribuir com elas);
percepção de justiça (quando professores percebem que o diretor segue as regras e
procedimentos aceitos por todos); dignidade (quando o diretor trata os professores como
profissionais, com respeito e sensibilidade); consistência (quando o diretor adota
comportamentos adequados às características de cada situação).
Abaixo, segue quadro com as cinco facetas da confiança que continuaram sendo
referência para esses estudos, e seus respectivos itens para cada um dos três pares de
relação (HOY & MORAN, 1999):

Quadro 3- Escala representativa da corrente de Wayne Hoy

PROFESSOR-DIRETOR
FACETA ITEM
- Teachers in this school can rely on the principal
RELIABILITY
- The principal in this school keeps his or her word.
- The principal of this school does not show concern for the teachers
- The principal in this school typically acts with the best interests of
BENEVOLENCE
the teachers in mind.
- The principal in this school is unresponsive to teacher´s concern.

- The principal doesn’t tell teachers what is really going on.


OPENNESS
- The principal openly shares personal information with teachers.
108

COMPETENCE - The principal in this school is competent in doing his or her job.

- Teachers in this school trust the principal.


WILLING TO RISK - The teachers in this school are suspicious of most of the principal’s
action.
- The teachers in this school have faith in the integrity of the
HONESTY
principal.
PROFESSOR-PROFESSOR
OPENNESS - The teachers in this school are open with each other.
- Teachers in this school believe in each other
WILLING TO RISK - Teachers in this school trust each other
- Teachers in this school are suspicious of each other.
- Teachers in this school typically look out for each other.
BENEVOLENCE - Even in difficult situations, teachers in this school can depend on
each other.
- Teachers in this school have faith in the integrity of their
colleagues.
HONESTY
- When teachers in this school tell you something, you can believe
it.
- Teachers in this school are not competent in their teaching
COMPETENCE
responsibilities.
PROFESSOR-CLIENTES
- Teachers can count on the parents in this school.
- Parents in this school are reliable in their commitments.
RELIABILITY
- Students in this school are reliable
- Students in this school can be counted on to do their work.
- Teachers in this school trust their students
WILLING TO RISK
- The students in this school have to be closely supervised.
- Teachers in this school trust the parents to support them.
BENEVOLENCE
-Students are caring toward one another.
- Teachers can believe what parents tell them.
HONESTY - Teachers in this school believe what students say.
- Students in this school cheat if they have the chance.
- Teachers think that most of the parents do a good job.
COMPETENCE
-Teachers here believe students are competent learners.
- Students here are secretive.
OPENESS - The students in this school talk freely about their lifes outside the
school.
Fonte: Organizado pela pesquisadora a partir de Hoy & Moran, 1999.
*Ao invés da sucinta Omnibus T-Scale (FORSYTH et al., 2011), expomos a escala da fonte acima, pois ela traz
claramente separados os três pares de relação, bem como as facetas com seus respectivos itens. Sendo as duas escalas
extremamente próximas, sem prejuízos decidimos expor apenas esta.

2.2.2. Corrente de Chicago

A pesquisa realizada pela Universidade de Chicago (BRYK & SCHNEIDER,


2002) também se debruçou sobre a confiança dos professores em relação ao diretor, aos
demais professores, e aos pais30. Apesar de ter sido realizada posteriormente à corrente
de Wayne Hoy, não se limitou às facetas e itens formulados por essa última. Os

30
Essa corrente não considera os estudantes.
109

pesquisadores de Chicago foram além, pois tiveram o mérito de articular a revisão da


literatura com uma intensa pesquisa etnográfica. De alguma forma, isso foi inspiração
para o método dessa tese, uma vez que não ficamos restritas à literatura existente, mas
fomos buscar nas entrevistas e na observação em campo aspectos que pudessem
enriquecer nosso olhar. No entanto, apesar desse ganho qualitativo, os achados de
Chicago não diferem muito da tradição de Wayne Hoy, como será explicado.
A pesquisa inicia-se no início da década de 1990, com o objetivo de investigar
quais características das escolas influenciaram a implementação do Ato de Reforma das
Escolas de Chicago de 1988. Tratou-se de uma política de descentralização e
“empoderamento” da comunidade local que permitiu, entre outras coisas, que os
diretores contratassem os professores de sua escola, e que o Conselho Escolar31
decidisse sobre a contratação e demissão de diretores. A equipe de pesquisadores, então,
realizou etnografia em doze elementary schools32, e constataram que a qualidade das
relações interpessoais desempenhava um papel importante nos esforços de qualificação
da escola, e em determinar o uso que cada comunidade escolar fazia do novo poder
conferido pela Reforma. A partir desses achados empíricos e em diálogo com a
literatura, eles chegaram à formulação do conceito relational trust, específico à
dinâmica das organizações escolares.
A confiança é construída a partir do cumprimento de expectativas vinculadas a
cada papel, nas relações professores-professores, professores-pais, e professores-diretor,
os quais precisam agir uns com os outros de forma a diminuir o senso de
vulnerabilidade inerente à assimetria de poder característica dessas relações. Esses
papéis possuem entendimentos a respeito das suas próprias obrigações e expectativas
em relação às obrigações do outro, sendo que a construção e sustentação da confiança
relacional exige que tais expectativas sejam regularmente validadas a partir das ações e
intenções que o outro manifesta.
O julgamento que cada papel faz em relação às ações e intenções do outro
baseia-se em quatro critérios específicos de avaliação (BRYK & SCHNEIDER, 2002):

31
Com a Reforma de 1988, o Conselho Escolar passou a ser composto pelo diretor, seis pais, dois
professores, dois membros da comunidade, e um aluno no caso da middle school.
32
Buscou-se abarcar escolas diversas nos seguintes critérios: racial (escolas african-american e hispanic),
composição econômica dos estudantes (escolas de classe média e pobre); características de matrícula
(escolas que matriculam estudantes do entorno e escolas que não); escolas cuja comunidade é
politicamente ativa; escolas localizadas em bairros passando por transições étnicas. Também incluíram
critérios como defasagem idade-série, freqüência, test scores etc.
110

1) Respeito: inclui avaliar como a conversa ocorre entre as partes e se existe um


senso de escuta em relação ao que as pessoas pensam e dizem. A existência de
conversas genuínas desse tipo assinala que os pensamentos e ideias de cada pessoa têm
valor e que elas podem influenciar significativamente decisões importantes que afetam
suas vidas.
Os professores precisam poder falar com o diretor, com seus colegas
professores, e com os pais sobre suas inquietações e preocupações relativas à educação
das crianças e ao ambiente de trabalho. Os professores precisam sentir que o gestor
permite-lhes participar dos processos decisórios e oferece-lhes oportunidades para que
sejam ouvidos e levantem questões que serão consideradas nas ações subsequentes. Já
os pais precisam conseguir conversar com os professores e sentir que possuem
oportunidades de influenciar a educação de seus próprios filhos.
2) Competência: diz respeito à competência na execução das responsabilidades
que o papel requer, ou seja, analisa quanto cada um é capaz de atingir tanto objetivos de
aprendizagem para as crianças como resultados relativos às condições de trabalho
docente. Vejamos como essa definição geral se manifesta em cada par de relação.
a) Professor-Gestor: os professores esperam que o gestor encaminhe conflitos
entre a equipe docente de forma justa, mantenha um ambiente regido por regras básicas
e claras, provenha recursos adequados para o ensino, ofereça apoio ao trabalho dos
professores. Na contrapartida, os professores precisam sentir que o gestor confia no seu
trabalho. O isolamento do gestor das atividades de sala de aula dificulta que ele
supervisione de perto todos os aspectos relacionados ao trabalho docente. Dessa forma,
o diretor precisa confiar que os professores irão se esforçar para melhorar a
aprendizagem dos alunos e aprimorar suas práticas pedagógicas.
b) Professor-Professor: enquanto aspectos da competência administrativa do
diretor ficam mais visíveis e são, portanto, mais fáceis de julgar, isso não é tão válido
para os professores, cujo trabalho ocorre na privacidade da sala de aula. Ainda assim, é
possível fazer julgamentos baseados na falta de competência. É fácil reconhecer quando
um professor não consegue administrar o comportamento dos estudantes em sua sala, ou
quando ele tem uma forma de lidar com disciplina que humilha os estudantes. Da
mesma forma, é fácil reconhecer professores que oferecem poucas oportunidades
significativas de aprendizado aos alunos. Sinais de incompetência são corrosivos para a
construção da confiança.
111

c) Professor-Pais: aqueles pais que frequentemente não conseguem prover às


suas crianças as necessidades básicas de aprendizado (como colocá-las para dormir em
horários estipulados e não deixá-las atrasar na escola) sinalizam para os profissionais da
escola que neles não se pode confiar.
3) Consideração: quanto as pessoas percebem que os outros se preocupam com
elas e estão dispostos a realizar ações de cuidado para além daquilo que é formalmente
estabelecido. Vejamos como essa definição geral se manifesta em cada par de relação.
a) Professor-Gestor: o diretor mostra ter consideração pelos professores quando
tem preocupação com questões de ordem pessoal que afetam suas vidas, ou quando cria
oportunidades para seu desenvolvimento profissional. Considerando que o diretor
controla muitos aspectos da condição de trabalho dos professores - quais alunos serão
atribuídos a cada professor, em qual sala lecionará, quais materiais estarão disponíveis -,
os professores precisam sentir que o gestor age a partir de intenções benevolentes,
preocupadas em atender às necessidades docentes;
b) Professor-Professor: precisam da ajuda uns dos outros para conduzir os
procedimentos rotineiros da escola. É preciso que atentem para as necessidades uns dos
outros, que haja uma norma de reciprocidade entre eles, que os favores sejam
retribuídos (por exemplo, quando um professor não pode cumprir aquele dia uma tarefa
que lhe é designada e pede para que outro o “cubra”).
c) Professor-Pais: uma assimetria grande caracteriza a relação entre pais e
professores, bem como uma relação de dependência mútua. Os pais são muito
dependentes dos esforços da escola para que oportunidades valiosas de aprendizado
sejam oferecidas aos seus filhos. Os professores também dependem do apoio dos pais
para conseguir realizar seu trabalho a contento. Esse apoio implica, no mínimo, que seus
filhos frequentem a escola regularmente e cheguem à escola “prontos para aprender”;
também implica ajuda para resolver problemas de comportamento. Do outro lado, ações
tomadas pelos professores e diretores para reduzir o senso de vulnerabilidade dos pais
influenciam a construção da relação de confiança. Iniciativas com esse propósito
incluem: criação de espaços na escola nos quais os pais possam se reunir; desenvolver
atividades de apoio que os pais possam fazer em casa para auxiliar no aprendizado do
filho; elaborar programas para as famílias em resposta às necessidades da comunidade
local; recepcionar bem os pais recém-chegados e mostrar preocupação com seus filhos.
Conforme as famílias percebam que a escola realiza uma série de ações visando fazê-las
112

se sentirem mais confortáveis, elas passam a entender que o corpo da escola possui um
senso genuíno de cuidado e consideração por elas e que realmente se preocupa com
seus filhos. Esse discernimento de intenções tem efeitos muito positivos na qualidade
dessas relações.
4) Integridade: além da avaliação da consistência entre o que se fala e o que se
faz, avalia-se quanto o outro possui comprometimento moral com os princípios da
instituição e os interesses das crianças. Esse aspecto da confiança está baseado em
entendimentos comuns sobre os propósitos do coletivo escolar, a respeito do que os
estudantes devem aprender, como o aprendizado deve ser conduzido, como professores
e estudantes devem proceder. Trata-se de realizar ações que reforcem o
comprometimento do indivíduo com esses entendimentos comuns que são acordados
entre todos.
a) Professor-Gestor: o diretor mostra possuir integridade quando, por exemplo,
enfrenta alguma política que ele acredita ferir os propósitos do trabalho da escola. Ao
articular uma visão do que seja “a nossa escola” e executar ações que sejam
interpretadas como condizentes com essa visão, o gestor consegue fomentar o senso de
engajamento da equipe docente;
b) Professor-Professor: para que os professores sintam que os colegas possuem
integridade, eles precisam compartilhar visões comuns e perceber que as ações tomadas
pelos outros estão de acordo com essas visões. No entanto, as oportunidades são
pequenas para que isso ocorra nas escolas, uma vez que os professores passam a maior
parte do tempo isolados em suas salas de aula, havendo poucos momentos de interações
significativas com os colegas. Além disso, existe pouco controle quanto à contratação e
demissão dos professores. Eles ocupam posições na escola com base apenas no direito
de ‘senioridade’, o que significa que não se formam equipes com base no propósito de
criar coerência em torno de uma visão compartilhada. Não existe a ideia de um corpo
docente como uma equipe de trabalho deliberadamente formada. Assim, faltando os
mecanismos organizacionais que promovem a coletividade, poucas oportunidades
existem para os professores trabalharem suas diferenças pessoais e desenvolverem
entendimentos comuns. Ao invés disso, as diferenças em crenças, valores e experiências
de trabalho anteriores não são trabalhadas e os conflitos interpessoais ficam latentes. As
interações podem ser respeitosas, eles podem falar bom dia uns pros outros, colaborar
em torno de algumas questões pequenas, mas o cerne do trabalho ainda é organizado
113

individualmente nas salas de aula isoladas ou controlado externamente pelas políticas e


burocracias centrais. Isso reduz as oportunidades dos professores agirem como uma
equipe que resolve problemas coletivos;
c) Professores-Pais: alguns complicadores dessa relação são as diferenças
étnico-raciais e de classe entre pais e professores. Pesquisas na área tem documentado
que similaridades nesses aspectos tendem a fornecer uma base inicial para o alcance da
confiança e de entendimentos comuns. Principalmente em contextos urbanos, nos quais
essas diferenças imperam, é necessário um esforço mais atencioso para construir
confiança relacional entre as pessoas.
. . .
Percebe-se que, para os autores, ambientes homogêneos facilitam a emergência
da confiança, tanto do ponto de vista étnico-racial e sócio-econômico quanto em termos
de vontades e posicionamentos. O ambiente ideal são escolas pequenas, e nas quais se
permite a filiação deliberada de professores e pais à escola. Ou seja, o ideal é que eles
possam escolher onde vão dar aula ou matricular os filhos, e o diretor possa escolher
quais professores contratar e quais demitir. Segundo Bryk e Schneider (2002):

Um facilitador poderoso do desenvolvimento de relações de confiança nas


escolas é o a associação voluntária que une os participantes de uma
comunidade escolar. A confiança é mais provável de se desenvolver em
escolas nas quais professores e estudantes desejam estar lá. A reforma de
1990 tratou essa questão, à medida que a mudança em direção à
democratização foi acompanhada de uma considerável política de escolha.
Mais de 30% dos estudantes das escolas públicas de ensino fundamental de
Chicago não freqüentam a escola do seu bairro; no nível do ensino médio,
mais de 50% escolhem ir para outra escola. Da mesma forma, a reforma criou
um mercado entre escolas ao transferir decisões quanto à contratação para o
nível da escola. Agora os professores em Chicago têm mais cuidado em suas
atribuições, e muitos escolhem deliberadamente afiliar-se a certa escola e não
a outra (...). Em situações como essa, com ao menos um pouco de escolha
tanto para os professores quanto para os pais, as relações entre as pessoas
estão pré-condicionadas à confiança, já que elas podem escolher afiliar-se a
uma escola específica (BRYK, SCHNEIDER, 2002, p.142, tradução minha).

Os pesquisadores também procedem a análises estatísticas que pretendem captar


em que medida a confiança relacional, operacionalizada numa Escala Likert, afeta o
desempenho acadêmico dos estudantes diretamente, e indiretamente através da melhoria
das “condições organizacionais” favorecedoras da aprendizagem. Essas condições
associadas à confiança relacional são:
1) Orientação à inovação: mede quanto os professores estão continuamente
aprendendo e procurando novas ideias para melhorar o aprendizado dos estudantes;
114

2) Comprometimento com a escola: quanto os professores gostam de trabalhar


na escola e são leais a ela;
3) Aproximação com as famílias: mede os esforços da escola e dos professores
em trazer os pais para perto da escola e construir com eles uma relação de parceria para
a educação das crianças;
4) Comunidade profissional de aprendizagem: mede quanto os professores
compartilham seu trabalho envolvendo-se em práticas colaborativas; quanto conversam
uns com os outros sobre o aprendizado dos estudantes; desenvolvem comprometimento
em melhorar sua prática e a escola como um todo; e possuem expectativas bem
definidas de aprendizado, estabelecendo metas elevadas de desempenho acadêmico.
Para Bryk e Schneider (2002), os benefícios da confiança relacional são diminuir
o senso de vulnerabilidade e o risco associado à experimentação de novas práticas;
facilitar o trabalho coletivo e processos públicos de resolução de problemas; fortalecer o
sistema de controle social, à medida que professores sentem-se impelidos a se engajar
em inovações ao mesmo tempo em que apoiam uns aos outros; e criar um recurso moral
para a melhoria organizacional, por meio do comprometimento com a escola e seu
projeto educativo.
Yáñes (2010) e Fullan (2009) basearam-se em Bryk e Schneider (2002) para
reforçar a importância da confiança nas escolas que funcionam como comunidades
profissionais de aprendizagem. Segundo Fullan (2009), essas comunidades
caracterizam-se pelo envolvimento dos professores em uma experiência de aprendizado
coletivo no contexto de seu trabalho, que lhes permita conversar sobre o significado de
sua prática cotidiana; compartilhar visões, objetivos e pressupostos referentes à
aprendizagem estudantil e ao papel da escola; refletir constantemente sobre a ação;
investigar problemas, desafios e discutir soluções; indagar o que funciona para o
aprendizado, por que funciona e como fazer diferente, a partir de um ambiente que
estimule a interação significativa e a cooperação. Ele ressalta que as comunidades
profissionais de aprendizagem devem estimular trocas abertas, nas quais os professores
“possam explorar os elementos de sua própria prática que consideram eticamente
sensíveis ou problemáticos”, “demonstrar empatia pelos professores em circunstâncias
difíceis”, e simultaneamente exigir e reforçar “padrões éticos mais elevados”, cobrando
respeito “em relação a expectativas mútuas de contribuir para o aperfeiçoamento da
escola”.
115

Trata-se de um ambiente em que existe um “amparo social sólido” (idem, p. 56)


para a aprendizagem social, e ao mesmo tempo um “controle compartilhado” (BRYK &
SCHNEIDER, 2002) ou uma “pressão positiva” (FULLAN, 2010) capaz de gerar uma
accountability não punitiva, cujo intuito não seja estigmatizar ou culpabilizar, mas
desenvolver comprometimento moral e sentimento de pertença, bem como capacitação
em termos de conhecimentos e recursos. Bryk e Schneider (2002, p. 123, tradução
minha) reforçam:

A confiança relacional fortalece as trocas sociais necessárias entre os


profissionais da escola que trabalham juntos, aprendendo uns com os outros
nos processos de tentativa e erro característicos da implementação de novas
práticas. Ser capaz de conversar honestamente com os colegas sobre “o que
funciona, o que não funciona” significa expor fragilidades e ignorâncias, o
que torna as pessoas vulneráveis. Na ausência da confiança, conversas
sinceras desse tipo são improváveis.

As ideias mencionadas sobre a organização do trabalho dos professores -


controle compartilhado com accountability interna, onde existe apoio para a
aprendizagem social - são elementos centrais nas comunidades profissionais.
Reconhecer isso é importante porque um corpo crescente de pesquisa durante
os anos 90 indica que a formação de comunidades profissionais fortes é
necessária para incentivar um ensino mais ambicioso em sala de aula. Assim,
a relação da confiança relacional com o funcionamento das comunidades
profissionais é bastante saliente. Em essência, a confiança funciona como um
aglutinador social necessário para que essa forma de trabalho floresça e se
mantenha.

Por fim, os autores reforçam como importantes consequências da confiança


relacional: o fortalecimento de “um sistema de controle social no qual a supervisão do
trabalho dos indivíduos não é necessária”; a coordenação de ações coletivas
significativas; e a sustentação de um imperativo ético, uma fonte moral entre os
membros da escola para fazer avançar o interesse das crianças (BRYK, SCHNEIDER,
2002, p. 34, tradução minha).
116

CAPÍTULO 3. PROBLEMATIZAÇÃO E OBJETIVOS

3.1. Os Limites da Literatura sobre Confiança nas Escolas

Seguindo a linha teórica do capital social, a literatura exposta acima enxerga a


“confiança” como um recurso relacional, produto de redes e relações duráveis dentro da
escola, que fornece aos indivíduos acesso a determinados ganhos materiais e/ou
simbólicos. Nesse sentido, ela teria a função de facilitar as condições organizacionais
que levam à melhoria dos resultados acadêmicos, medidos pelo desempenho dos alunos
nas provas externas de língua inglesa e matemática.
Trata-se de uma aplicação da fórmula segundo a qual capital social (relações)
gera capital humano (conhecimento) (COLEMAN, 1988). Vistos na forma de capitais,
as relações e os conhecimentos viram inputs e outpus, ou insumos e resultados do
processo educativo, com objetivo de formar indivíduos empregáveis, detentores de
habilidades básicas de cálculo e leitura, capazes de competir satisfatoriamente no
mercado de trabalho e dar sua parcela de contribuição para o aumento da produtividade
da sociedade.
A confiança estaria, portanto, a serviço da eficiência e da produtividade escolar,
do ponto de vista estreito do aumento dos índices externos de proficiência em língua
inglesa e matemática. Aqui sinalizamos a primeira limitação dessas teorias: não há uma
problematização sobre o que é qualidade da educação para além desses índices. Ao
contrário, pressupõe-se que tais metas estejam estabelecidas a priori, não sendo
passíveis de discussão, regidas pelos princípios da neutralidade e da racionalidade
técnica.
De forma condizente com esse pressuposto, analisamos que essas teorias estão
atreladas a uma concepção de trabalho coletivo “tecnicista” (SAVIANI, 1986), o que
caracteriza sua segunda limitação. Isso significa que a função da cooperação restringe-
se a orientar esforços coletivos para a execução de finalidades elaboradas de cima para
baixo, restando à comunidade escolar no máximo refletir sobre a melhor forma de
alcançá-las. Isso fica bastante explícito, por exemplo, na concepção de “efetividade”
organizacional defendida por Forsyth et al. (2011), segundo a qual as escolas efetivas
conseguem acomodar-se e adaptar-se às exigências de mudança provenientes do
ambiente externo. Além disso, os autores defendem que a confiança é formada a partir
117

do cumprimento de expectativas construídas dentro do grupo “confiante”, não havendo


espaço para o grupo “confiado” participar da definição do que se espera deles.
Assim, a ação social estaria mais próxima de uma filiação coletiva das pessoas
em torno de objetivos e papéis previamente definidos, do que de um processo de
construção negociada sobre finalidades educativas e expectativas relacionadas a papéis
sociais. Seguindo os passos da teoria funcionalista de Talcott Parsons, a literatura sobre
confiança nas escolas parece supor que as normas e papéis são determinados pelas
exigências funcionais e instrumentais do sistema, conectadas à manutenção da
estabilidade, da eficiência e da integração, sobrando pouco espaço para a agência dos
atores sociais no sentido de produzir e transformar o sistema.
Nesse sentido, é ausente a problematização sobre como a qualidade se
desenvolve em ambientes plurais, que permitem a emergência do conflito ao envolver
todos os segmentos da comunidade escolar, inclusive o poder público, nos processos de
negociação e avaliação da qualidade, de estabelecimento de metas e demandas, de
delineamento do Projeto Político Pedagógico.
É certo que as teorias sobre confiança nas escolas não deixam de sinalizar que
existem divergências entre as pessoas. Isso fica claro, sobretudo, quando Bryk e
Schneider (2002) caracterizam o tipo específico de confiança que predomina no
ambiente escolar como “confiança relacional”, diferenciando-o dos tipos “confiança
contratual” e “confiança orgânica”.
A “confiança contratual” desenvolve-se por meio de uma relação forçada
baseada em contrato, que prevê obrigações das partes envolvidas, conquista de
resultados, e sanções caso tais obrigações e resultados não sejam atingidos. A base desta
troca social é primeiramente material e instrumental. A maioria da vida social atual,
incluindo transações comerciais, baseia-se nesta forma de confiança. Podemos dizer que
as reformas gerenciais da educação, discutidas no capítulo 1, também se baseiam nessa
lógica para induzir melhorias na qualidade da educação.
Já a “confiança orgânica” assenta-se no princípio da “solidariedade mecânica”
de Durkheim (1999), pois se trata de um apoio incondicional a uma visão de mundo que
cria laços orgânicos entre pessoas muito semelhantes. Pode ser encontrada, por
exemplo, em comunidades religiosas, nas quais se acredita na moral indiscutível da
autoridade, no caráter idôneo do sistema, e nas quais existem crenças amplamente
compartilhadas que predizem a ação de seus membros.
118

No entanto, segundo Bryk e Schneider (2002), para que uma escola seja
eficiente do ponto de vista de promover melhorias substantivas e duradouras, nenhuma
dessas duas formas de confiança deve predominar. Nas escolas é imperativo que se
desenvolva, pois, a confiança do tipo “relacional”. Isso porque nelas existem poucas
crenças assumidas automaticamente por todos os membros, devido à diversidade das
experiências de vida e bagagens familiares. Trata-se, assim, de um ambiente em que é
difícil nutrir consensos. Além disso, os mecanismos para se alcançar os objetivos da
escolarização são complexos, difíceis de serem medidos e claramente cobrados em
contrato. E apesar de a escola também incluir motivações de origem instrumental (os
professores se interessam pela conquista de resultados pessoais relativos, por exemplo, a
melhores salários), aqui as pessoas interagem entre si motivadas também pela satisfação
da autoestima, do status social, pela identificação com a instituição (o “sentir-se parte”),
e por interesses éticos e morais de buscar realizar o melhor para as crianças.
Bryk e Schneider (2002) reconhecem, portanto, a escola enquanto um lugar a
princípio não consensual e plural. No entanto, ao invés de considerar os conflitos como
inerentes à negociação que permeia a produção de entendimentos comuns, essa teoria
enxerga a pluralidade de visões de mundo como um “obstáculo” que deve ser removido
através de políticas de escolha e de demissão e contratação de professores, ou como um
“problema” facilmente “resolvível” com a busca pela “melhoria da qualidade” ou pelo
“melhor para as crianças”. Dessa busca, o consenso derivaria naturalmente. A busca por
esses objetivos vistos como inquestionáveis é constantemente reiterada cumprindo a
função de abafar qualquer divergência ou pluralidade de concepções do que venha a ser
“o melhor”.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que a definição de “confiança relacional”
consegue escapar ao princípio da “solidariedade mecânica”, parece atrelar-se ao da
“solidariedade orgânica” (DURKHEIM, 1999), pois a escola é vista como um
organismo portador de diversos órgãos diferenciados, cada um com sua função, que se
executadas corretamente concorrem juntas para a manutenção da ordem e estabilidade
do sistema. Isso se manifesta na concepção de “trabalho coletivo” enquanto filiação,
adaptação, adesão de toda comunidade escolar a objetivos de aprendizagem e papéis
sociais dados a priori, previamente definidos de fora.
Por fim, a terceira limitação dessas teorias é que nenhuma delas considera o
papel do poder público em prover condições adequadas de trabalho para as escolas e
119

seus profissionais; ou seja, não se discute como a confiança política ou institucional


(MOISÉS, 2005) afeta a confiança entre os atores da escola e a própria capacidade da
comunidade escolar em cumprir sua parte de responsabilidade na garantia de uma
educação de qualidade.
Portanto, a literatura sobre confiança nas escolas parece enfrentar os mesmos
tipos de limitações das teorias sobre capital social. A melhoria da produtividade escolar
seria alcançada exclusivamente através das redes de “reciprocidade” entre os membros
da comunidade escolar, relativas a obrigações e ajudas recíprocas, troca de informações
e compartilhamento de normas. Ignora-se, nessa perspectiva, a importância da esfera da
“redistribuição” para melhoria da qualidade educacional, do ponto de vista da oferta de
condições de trabalho por parte do poder público. A esfera do “reconhecimento” via
processos democráticos de negociação também não foi desenvolvida por essas teorias.
É certo que Bryk e Schneider (2002) avançam em relação a Forsyth et al. (2011)
ao incluírem a dimensão do “respeito” enquanto senso de escuta às aspirações das
pessoas, e reconhecerem a necessidade de diminuir as vulnerabilidades presentes em
relações de poder assimétricas. No entanto, eles ainda não discutem a importância da
horizontalização das relações de poder para decidir questões relativas às finalidades da
educação, às expectativas vinculadas a papéis sociais, e às próprias condições nas quais
a qualidade educacional é produzida.

3.2. Objetivos da Pesquisa

Assim como as pesquisas precedentes, pretendemos genericamente compreender


como se dá a associação entre confiança e o desenvolvimento do trabalho coletivo nas
escolas. No entanto, vale ressaltar que nosso objetivo acrescenta algo em relação ao
anterior, uma vez que a concepção de trabalho coletivo da qual partimos respalda-se nos
pilares da qualidade social, negociação e responsabilização compartilhada.
Dessa forma, o objetivo central da presente pesquisa foi analisar, na Rede
Municipal de Ensino Fundamental de Campinas, como a confiança interpessoal e
institucional relaciona-se à construção de uma concepção coletiva do trabalho escolar
pautada naqueles três pilares da AIP.
Para tanto, os objetivos específicos foram:
1. Compilar as contribuições e limitações do debate sociológico predominante
sobre confiança nas escolas e na sociedade;
120

2. Mapear, na opinião dos professores, o que caracteriza/do que depende a


construção de relações de confiança entre os vários segmentos;
3. Verificar os graus de confiança dos professores em relação aos vários
segmentos;
4. Compreender a relação entre confiança interpessoal no nível da escola e
institucional entre escola e poder público;
5. Descrever a construção da confiança na prática, buscando compreender sua
relação com as potencialidades e dificuldades enfrentadas pelas escolas para consecução
de uma concepção coletiva de trabalho pautada na qualidade social, negociação e
responsabilização compartilhada.

3.3. A Busca pela Superação dos Limites

Tendo em vista esses objetivos, a pesquisa foi realizada em uma rede que de
alguma forma implementa, por meio de movimentos dialéticos de ruptura e
continuidade, os princípios da AIP, o que tenciona o entendimento corrente sobre
qualidade educacional, coletividade e confiança, dados os limites da literatura
sinalizados em tópico anterior.
A “responsabilização compartilhada” pressupõe que não podemos ignorar a
parte de responsabilidade do poder público - no caso a Secretaria Municipal de
Educação - em prover condições adequadas de trabalho para as escolas e seus
profissionais. Por esse motivo incluímos na presente pesquisa, além dos pares
“professores-professores”, “professores-pais” e “professores-equipe gestora” abordados
na literatura, o par “professores-Secretaria Municipal de Educação”, com objetivo de
compreender a relação entre os dois níveis de confiança interno e externo à comunidade
escolar.
A “qualidade social e negociada” pressupõe que a definição de qualidade vai
muito além do alcance de melhores notas em testes padronizados de português e
matemática. Existem múltiplos objetivos para a educação, e a definição do que é “o
melhor” para as crianças é necessariamente um campo em disputa. Como discutiremos
no capítulo 5, as observações em campo mostraram que as escolas, de forma mais ou
menos explícita, tocam inevitavelmente em questões espinhosas relativas à concepção
de educação, que não se encontram resolvidas a priori por políticas externas.
Por exemplo, em uma mesma escola, há professores que afirmam com toda
convicção que “o melhor” para os alunos é serem reprovados, enquanto outros
121

defendem veementemente que a reprovação é nefasta e deveria ser abolida; ou


professores que defendem a importância do ensino de história da África e aqueles que
desconfiam da necessidade de abordar o racismo no currículo escolar; uns que
acreditam nos agrupamentos dos alunos por habilidades e outros que priorizam turmas
mistas.
Pode-se afirmar que nem mesmo as áreas aparentemente consensuais da
proficiência em português e matemática escapam da diversidade de visões sobre quais
práticas pedagógicas de leitura/escrita e cálculo podem levar ao “melhor” ensino-
aprendizagem. Quais textos são escolhidos para leitura e debate, quais temas são
propostos para redação, quais problemas cotidianos embasam os cálculos matemáticos,
todas essas escolhas estão embuídas de significados sobre o que é uma boa educação.
Percebe-se, portanto, que o significado de “melhor” está longe de ser
consensual, e a discussão aberta e respeitosa sobre o que é “melhoria da qualidade”
ainda é e sempre será uma necessidade imperativa nas escolas.
Da mesma forma, a discussão aberta e respeitosa também é necessária para se
deixar claro quais são as expectativas associadas a cada papel social envolvido com a
educação. Veremos que se essas expectativas não estão claras para todos os concernidos
e se são formuladas unilateralmente (sem a escuta do outro lado da relação), a
construção da confiança é dificultada.
É certo que aquilo que se espera de uma professora, uma diretora, de um
estudante ou de um pai/mãe, está em certa medida definido por um conjunto de regras
legais, institucionais e simbólicas que de alguma forma é conhecido por todos. No
entanto, essas expectativas não estão dadas de uma vez por todas e, tal como a questão
da qualidade de ensino, aquilo que se espera de um “bom pai/mãe” ou de um “bom
professor” é inevitavelmente assunto de debate nas escolas, de formas mais ou menos
explícitas. Minha pesquisa de campo mostrou uma variedade significativa de opiniões
também a esse respeito: em uma mesma escola, por exemplo, há professoras que
pensam que sua função é somente transmitir conteúdo, e outras que defendem o trabalho
com valores. No contexto atual (2018-2019) em que o Projeto Escola Sem Partido
avança no campo educacional, será ainda mais imperativa a necessidade de uma
discussão aberta e transparente sobre qual é o papel da escola e de seus profissionais,
bem como da esfera privada das famílias, na educação das crianças e jovens.
122

Na perspectiva da avaliação institucional participativa, todas essas questões


precisam ser negociadas coletivamente de forma explícita, levando-se em conta a
pluralidade de visões de mundo existente nas escolas, o que não é visto como um
obstáculo; ao invés, é precisamente a participação dos diversos sujeitos e instâncias em
processos de negociação que permite o desenvolvimento pessoal e institucional. Mais
do que isso, é justamente a participação plural que permite o alcance de uma concepção
de qualidade socialmente referenciada, informada pelo compromisso com a comunidade
escolar e com a sociedade, com o acesso e a permanência de todas as crianças e jovens
na escola com direito de aprender, além de português e matemática,
conteúdos/habilidades que lhes permitam compreender/atuar sobre o mundo em que
vivemos, na perspectiva da formação humana e da justiça social.
Nesse sentido, o desafio de políticas democráticas como a AIP é concretizar
processos participativos nas escolas que sejam capazes de valorizar as diferenças que
contribuam com a riqueza humana de capacidades e conhecimentos, e ao mesmo tempo
superar os particularismos rumo ao alcance de entendimentos compartilhados sobre um
bem comum socialmente justo.
Vimos que essa construção coletiva de propósitos comuns envolve
inevitavelmente tocar em questões espinhosas relativas à concepção de educação e
ocorre dentro de um ambiente necessariamente plural e diverso, onde convivem pessoas
que desempenham diferentes papéis no cenário educacional, que provêm de diferentes
contextos sociais, econômicos e culturais e que pensam a educação de forma bastante
diferente. Nesse contexto, instigou-me compreender como pessoas tão diversas
conseguem negociar e estabelecer acordos comuns sobre a qualidade educacional
almejada. Como é possível orquestrar esses pactos em nível de rede, e em cada escola
em particular no nível de seu Projeto Político Pedagógico?
Tendo em mente esses pressupostos e inquietações, a presente tese demonstrará
que a construção coletiva do projeto político pedagógico, nos termos definidos pela
AIP, está associada ao desenvolvimento de um tipo específico de relações de confiança
- interpessoal e institucional - respaldado nos pilares da ‘reciprocidade’, da
‘redistribuição’ e do ‘reconhecimento’.
Como veremos nos capítulos a seguir, os dados confirmam que a confiança
define-se como confiar que o outro lado da relação possui ‘capacidade’ e ‘integridade’
para cumprir com ‘consideração’ e ‘respeito’ as expectativas de cooperação
123

relacionadas ao alcance do bem comum; e acrescentam que o cumprimento de tais


expectativas e o consequente aprofundamento da confiança manifestam-se não apenas
pelas dinâmicas de reciprocidade, mas também de redistribuição e reconhecimento.
Concebida dessa forma, a confiança torna-se um recurso imprescindível para as
políticas educacionais que se pretendem democráticas e participativas nos moldes da
AIP.
Em outras palavras, os dados empíricos da presente pesquisa, analisados à luz
das teorias discutidas nos capítulos teóricos, permitem defender que ambientes
permeados por relações de confiança - nos quais as pessoas demonstrem possuir
competência e integridade, respeito e consideração umas pelas outras - tornam mais
provável que se empreendam discussões acaloradas e necessárias sobre os objetivos da
educação e se desenvolva compromisso com um projeto coletivo socialmente
referenciado. A formação desses ambientes, por sua vez, depende de interações
pautadas naqueles três pilares do reconhecimento, redistribuição e reciprocidade.
Um ambiente como esse regido pela confiança torna mais provável, por
exemplo, que entre os extremos da “reprovação” e da “aprovação automática” se
construam outras possibilidades que podem oferecer uma saída melhor à formação
humana dos estudantes, através da experiência de um diálogo sincero, com exposição de
fraquezas, ignorâncias e contribuições, aliado à construção de potencialidades
desestabilizadoras e de apostas de se fazer diferente e se pensar diferente.
A partir do próximo capítulo explicarei a metodologia empregada e as análises
que nos autorizam chegar a essas considerações.
124

CAPÍTULO 4. ESCOLHAS METODOLÓGICAS

A pesquisa valeu-se de técnicas quantitativas e qualitativas, partindo do


pressuposto de que o dualismo entre elas é falso, uma vez que ambas se complementam
e podem ser integradas em uma mesma matriz epistemológica de análise, oferecendo
uma visão robusta do fenômeno que se pretende investigar em suas inter-relações
(GAMBOA, 2013).
O quantitativo refere-se propriamente à construção de um instrumento que
utilizou uma escala do tipo likert para medir o grau de concordância dos professores
com as afirmativas referentes à manifestação da confiança no ambiente escolar. O
instrumento foi aplicado em 559 professores de 1º a 9º anos de trinta escolas de Ensino
Fundamental da Rede Municipal de Campinas. Adotou-se essa técnica com objetivo de
mapear, na escala ampla de uma rede, qual é o nível de confiança dos professores em
relação aos diversos sujeitos/segmentos do processo educativo. Mais que isso, o
procedimento estatístico de validação do instrumento permite também dizer o que
caracteriza a construção de relações de confiança, pois a partir dele chegamos a uma
estrutura final com determinados itens/questões. São esses itens que atestam como, na
visão das centenas de professores respondentes, a confiança depende, por exemplo, do
apoio e do senso de escuta da equipe gestora, da garantia de condições de trabalho pela
Secretaria Municipal de Educação, entre outras questões.
A técnica quantitativa, no entanto, está ela mesma permeada constantemente
pelo qualitativo, desde o momento inicial de construção do instrumento, fruto de um
diálogo entre o referencial teórico e entrevistas exploratórias realizadas com trinta
professores dessa mesma rede. A partir daí foram delimitadas categorias usadas como
referência para elaboração inicial dos itens. Estes foram submetidos posteriormente à
análise de juízes, que avaliaram a pertinência teórica/conceitual dos itens apresentados,
sugerindo possíveis exclusões/modificações/inclusões que conferiram nova cara ao
instrumento. Depois que este é aplicado e validado estatisticamente, seus itens fornecem
valiosos dados que ajudam a descrever o fenômeno estudado. Por fim, o qualitativo está
presente mais uma vez no momento em que se busca compreender os achados
quantitativos em diálogo constante com o referencial teórico adotado.
Para enriquecer a descrição do fenômeno e sua análise, julgamos importante
adicionar mais uma etapa qualitativa, a imersão em campo, com objetivo de observar a
125

construção de relações de confiança in loco. Essa etapa permitiu, junto com as trinta
entrevistas, compreender com mais profundidade como as características e dimensões
da confiança, confirmadas no instrumento, manifestam-se na complexidade do
cotidiano.
O cronograma da pesquisa pode ser resumido na tabela abaixo:

Tabela 1 - Cronograma Metodológico da Pesquisa

2º semestre 1º semestre 2º semestre 1º semestre


2015 2016 2016 2017

Entrevistas (30 professores)

Construção Instrumento*
Aplicação Instrumento
(30 escolas)
Observação (2 escolas)
Validação Estatística
(Análise Fatorial Confirmatória)
*Análise de conteúdo das entrevistas, revisão da literatura, elaboração de categorias e itens iniciais,
validação conceitual e semântica.
Fonte: elaboração própria

4.1. A escolha das escolas para imersão em campo

Das 41 escolas de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Campinas,


escolhemos duas que pudessem nos fornecer ambientes diferenciados quanto à
formação da confiança. Adotamos como critério de escolha os dados do instrumento de
Qualidade Social construído na Pesquisa OBEDUC “A qualidade Social da Escola
Pública: um estudo longitudinal para sustentação da responsabilização compartilhada
em uma rede de ensino” (2014-2017), conduzido na mesma rede pelo grupo LOED da
Faculdade de Educação da UNICAMP (SORDI et al., 2017).
Nossa hipótese de que trabalho coletivo, qualidade social e relações de confiança
estão intimamente relacionados, sustenta a opção de utilizar os dados do OBEDUC
como critério para seleção das nossas escolas. O instrumento de qualidade social, ao
trazer como componente essencial a participação dos sujeitos da escola na construção
coletiva do projeto político pedagógico, foi capaz de nos prover indícios de escolas que,
caracterizadas por um trabalho mais ou menos detentor de qualidade social e de práticas
participativas, poderiam também caracterizar-se por desenvolver relações de confiança
mais ou menos significativas, provendo-nos a possibilidade de observar como a
confiança desenvolve-se em ambientes diversos do ponto de vista da qualidade social.
126

O instrumento construído na Pesquisa OBEDUC pretendia avançar no esforço


de considerar a multidimensionalidade da qualidade da escola, ancorada nos princípios
da formação humana. Os pesquisadores iniciaram tal empreitada com a escuta dos
professores e equipes gestoras de oito escolas, que foram instigados a responder em
dinâmica de grupo focal: “o que sua escola faz que considera qualidade para além
daquilo que é medido atualmente nos índices de larga escala?”.
As respostas obtidas forneceram dados qualitativos que foram analisados e
categorizados em diálogo com o referencial teórico escolhido sobre formação humana, o
que forneceu base para o processo de elaboração inicial dos itens. Após validação dos
itens por meio de análise fatorial exploratória, chegou-se a cinco dimensões que
compõem o constructo “Qualidade Social”: Participação, Trabalho Coletivo, Práticas
Pedagógicas (comprometidas com a formação humana), Relação Escola-Comunidade,
Acesso e Permanência, cada uma delas composta por perguntas/itens tais como: “Os
professores desenvolvem práticas pedagógicas que estimulam a aprendizagem da
participação dos alunos?” (SORDI et. al. 2017). 33
Segundo essas dimensões, uma escola com “qualidade social” é aquela
caracterizada por uma concepção coletiva de trabalho, que possui compromisso com o
entorno social, que garante a inclusão e permanência de todos os alunos na escola com
possibilidades de desenvolver, além da proficiência em português e matemática, as
demais dimensões da formação humana relacionadas à participação política, cultural,
ética e artística na sociedade (SORDI et. al. 2017).
A opção pela escala likert permitiu que os pesquisadores chegassem a um valor
geral de Qualidade Social para a rede, e também para cada escola em particular, de
forma que quanto mais perto de cinco as escolas pontuassem, mais próximas estariam
da expectativa de qualidade social definida na pesquisa34.
A partir do valor de cada escola, cheguei a uma classificação geral das 40
escolas da rede que participaram da pesquisa. Dessa classificação, surgiram dois grupos:
o primeiro com os “índices” mais baixos de qualidade social e o segundo com os
“índices” mais elevados. Dentro de cada grupo, as escolas não possuem diferenças

33
A definição mais detalhada de cada dimensão, com seus respectivos itens, encontra-se em Anexo 2.
34
Os detalhes da validação estatística e composição dos valores estão descritos em SORDI et. al. (2016).
127

significativas35 em seus valores. Para nossos propósitos, selecionamos uma escola


pertencente a cada um dos dois grupos:
1) No grupo das “melhores classificadas” segundo os dados do OBEDUC,
escolhemos aquela que fosse maior em número de matrículas. A escola escolhida tem
1.080 alunos matriculados, é uma das maiores da rede; está localizada em região
periférica de alta vulnerabilidade social; e apesar de estar progredindo no IDEB, ainda
possui uma das piores notas da rede36.
Motivamo-nos a escolher essa escola justamente por não se tratar de uma
situação em que todas as condições fossem favoráveis ao desenvolvimento da
confiança. A hipótese da literatura é que a confiança é mais provável de se desenvolver
em escolas pequenas e homogêneas (BRYK & SCHNEIDER, 2002). No entanto,
pretendi investigar casos em que seja possível a construção da confiança mesmo em
escolas grandes, que pressuponho sinalizarem a existência de maior diversidade de
pensamentos, visões de mundo, etc. Se pretendemos sublinhar a importância de práticas
verdadeiramente democráticas nas escolas, isso significa abrir espaço para a emergência
do conflito entre diferentes visões e concepções de educação. Assumindo então a
existência e a necessidade do conflito nesse sentido, busca-se entender como
a confiança e a concepção coletiva do trabalho se desenvolvem em contextos de
diversidade e pluralidade.
Além disso, vale ressaltar que o IDEB dessa escola, apesar de ser baixo quando
comparado com as demais a partir da lógica ranqueadora, tem crescido desde 2009 nos
anos iniciais, e desde 2011 nos anos finais. Sem contar que a escola, segundo os dados
da Pesquisa OBEDUC, apesar das adversidades, constrói uma educação de qualidade
social, caracterizada pelo trabalho coletivo comprometido com a permanência de todos
os alunos, com práticas pedagógicas voltadas a múltiplos aspectos da formação humana,
e com a comunidade do entorno (SORDI et al., 2017). Na parte da análise dos dados,
chamaremos essa escola de ESCOLA A.

35
As médias das escolas foram comparadas a partir do Independent-Samples t-Teste realizado em SPSS.
Foram comparadas entre si as escolas próximas aos valores mínimo e máximo, até que o valor de ‘p’
passasse a ser menor que 0,05, indicando diferenças significativas entre elas (DANCEY, REIDY, 2006).
Dessa forma chegamos a dois grupos, das piores classificadas e das melhores, sendo que não há
diferenças significativas entre as escolas de um mesmo grupo, à medida que na comparação entre elas ‘p’
foi maior que 0,05.
36
Disponível no site do INEP em http://idebescola.inep.gov.br/ideb/escola/dadosEscola, último acesso
em 04/12/2018.
128

Posteriormente, confirmando nossa hipótese inicial, essa escola apareceu como


uma das melhores classificadas também em nosso instrumento de Confiança
interpessoal e institucional. Em uma escala de zero a seis, a pior classificada obteve
2,85 e a melhor classificada obteve 4,28. A Escola A obteve 4.
2) No grupo das “piores classificadas”, escolhemos uma escola pequena (320
alunos matriculados), com IDEB e indicador sócio-econômico medianos quando
comparados ao restante da rede municipal de Campinas37. Segundo os dados
quantitativos do instrumento de qualidade social, a escola possui ‘trabalho coletivo’
fraco. A análise dos documentos38 que a escola apresentou à Secretaria Municipal de
Educação nas Reuniões de Negociação corrobora esse achado, pois mostra que: não há
uma avaliação sistemática sobre qualidade; as metas e ações da CPA são muito
genéricas; parece haver problemas de integração entre segmentos, como se pode ver nos
trechos abaixo. Além disso, ela “pontuou mal” também nas dimensões 'práticas
pedagógicas', 'acesso e permanência', 'relação escola-comunidade'. Na parte da análise
dos dados, chamaremos essa escola de ESCOLA B.

Na busca de autonomia e resolução de conflitos trazendo algum aprendizado, é necessário um


compromisso de toda escola e não apenas ações individuais de alguns professores (Comentário
feito por professor ao final do questionário OBEDUC, aplicado em 2016)

Enquanto a equipe gestora, o corpo docente e a comunidade não estabelecerem uma


comunicação eficiente, a qualidade da educação pública continuará deficitária (Comentário feito
por professor ao final do questionário OBEDUC, aplicado em 2016)

Ações para cumprimento das metas: mais integração entre a equipe gestora, corpo docente,
equipe de apoio, CPA, Conselho de Escola e equipe do NAED Sudoeste (Relatório de auto-
avaliação entregue à SME na ocasião de Reunião de Negociação, 2014).

Posteriormente, confirmando nossa hipótese inicial, essa escola apareceu no


grupo das piores classificadas também em nosso instrumento de Confiança interpessoal
e institucional. Em uma escala de zero a seis, a pior classificada obteve 2,85 e a melhor
classificada obteve 4,28. A Escola B obteve a “nota” mais baixa: 2,85.

37
Disponível no site do INEP em http://idebescola.inep.gov.br/ideb/escola/dadosEscola, último acesso
em 04/12/2018.
38
O núcleo de avaliação institucional da Secretaria Municipal de Educação nos disponibilizou
documentos relativos às reuniões de negociação de 2010, 2011 e 2014: planilhas e tabelas organizadas
pela SME contendo as demandas das CPAs por escola; slides apresentados pelas escolas na ocasião das
reuniões, bem como seus relatórios de auto-avaliação que embasaram a produção dos slides. Esses
documentos serviram, sobretudo, para categorização de demandas elaboradas pelas CPAs e direcionadas
ao poder público, com objetivo de mapear, junto com os dados provenientes das entrevistas, as
expectativas dos professores em relação ao poder público, o que serviu de base para elaboração dos itens
da escala sobre confiança, relativos ao par “professores-SME”. No entanto, parte desses documentos foi
usada também na presente fase de escolha das escolas, para confirmar os achados da escala de qualidade
social da pesquisa OBEDUC.
129

É importante enfatizar que tal classificação foi realizada meramente para fins de
seleção das escolas, e para oferecer subsídios à análise dos processos observados em
campo. No entanto, estamos cientes das limitações desses números, que não são capazes
de captar toda a complexidade do trabalho escolar, devendo sempre ser analisados em
diálogo com dados provenientes de diversas fontes.
. . .
Essas foram, portanto, as duas escolas escolhidas, por apresentarem indícios de
que proveriam ambientes diversificados, nos quais se poderiam observar diferenças no
processo de construção de relações de confiança.
A observação iniciou-se em 25 de julho de 2016 e foi finalizada em 06 de julho
de 2017, totalizando dez meses. Acompanhei os seguintes momentos de trabalho
coletivo:

Quadro 4 - Tipos de Reuniões Observadas em Campo

TIPO DE REUNIÃO DESCRIÇÃO


- Resolução SME nº 03/2003.
- Ocorrem uma vez por semana. Costumam ser
TDC separados: um TDC para ciclos I e II (1º a 5º
(Trabalho Docente Coletivo) anos), outro para ciclos III e IV (6º a 9º anos),
ambos com duração de 1h50.
- Participam professores e equipe gestora.
- Estabelecida nas unidades municipais de
ensino fundamental de Campinas pela
Resolução SME nº 08/2008, como parte da
política de Avaliação Institucional Participativa.
- Previsão de convocação no mínimo uma vez
por mês, com escolha do cronograma a critério
das escolas. Há escolas que realizam toda
semana, outras a cada quinze dias, outras a cada
CPA
dois meses.
(Comissão Própria de Avaliação)
- É um espaço do qual devem participar pelo
menos um representante dos segmentos
famílias, funcionários, alunos, professores e
equipe gestora. Na prática, a participação dos
segmentos varia muito entre as escolas.
- Objetivo é estabelecer metas, indicadores,
estratégias e avaliar o alcance da qualidade
negociada.
- Estabelecido nas unidades municipais de
Campinas pela Lei 6.662 de 10 de outubro de
Conselho de Escola 1991.
- Devem ocorrer bimestralmente, com
representantes de todos os segmentos.
- As reuniões acompanhadas foram as reuniões
Reuniões de Pais de recepção que ocorrem no início do ano
letivo, e aquelas convocadas ao final de cada
130

trimestre para tomada de ciência da situação dos


filhos.
- Tais reuniões ganharam espaço na jornada dos
professores com a Lei 6894/91 que introduz o
Trabalho Docente de Atendimento Individual
(TDI), com uma ou duas horas-aula semanais,
“destinado ao atendimento de dúvidas de
alunos, aulas de reforço e aulas de recuperação
paralela, atendimento a pais de alunos e outras
atividades definidas com a equipe escolar”
(grifo meu).
- Participam pais, equipe gestora, professores e
eventualmente alunos quando convocados.
- As RPAI ocorrem nos primeiros dias letivos e
nos últimos de cada semestre.
- Objetiva acompanhar o trabalho realizado no
âmbito da avaliação institucional e o
RPAI
cumprimento de metas, como reconhecimento
(Reunião Pedagógica de Avaliação
dos saberes das crianças, as aprendizagens,
Institucional)
conhecimentos e vivências proporcionadas e
sobre as demandas formativas da Equipe
Educativa.
- Participam professores e equipe gestora.
- O CCS/T passou a ter previsão de tempo e
espaço em calendário por meio da Resolução
SME 01/2001.
Conselho de Classe, Série e Termo - Previsão de quatro encontros anuais no
(CCS/T) calendário letivo.
- O objetivo final é definir a situação de
aprendizagem de cada aluno.
- Participam professores e equipe gestora.
Fonte: elaboração própria

As observações foram registradas em diário de campo. Segue uma tabela com a


totalidade de dias observados em cada escola, classificados de acordo com o tipo de
reunião. Observa-se que a ESCOLA A contou com mais dias e reuniões observados, já
que essa escola realizava reuniões de CPA toda semana, enquanto a ESCOLA B
realizou apenas três CPAs no segundo semestre de 2016 e nenhuma no primeiro
semestre de 2017.

Tabela 2 - Quantidade de observação nas duas escolas

ESCOLA A ESCOLA B
TDCs (1º a 5º anos) 13 10
TDCs (6º a 9º anos) 9 13
CPAs 18 2
Reuniões de Pais 3 4
Conselhos de Escola 2 2
Conselhos de Classe 3 2
131

RPAIs 2 3
Outras39 0 1
TOTAL (reuniões) 50 37
TOTAL (dias) 42 37
TOTAL (horas) 100 horas 74 horas
174 horas de observação
Fonte: elaboração própria

4.2. Construção do Instrumento (Fase Preliminar)

Construímos um instrumento com intuito de avaliar a confiança dos professores


em relação a cada um desses segmentos: demais professores; equipe gestora;
pais/responsáveis; Secretaria Municipal de Educação (SME). Para todos os pares
elaboramos itens referentes a cada uma das quatro dimensões ‘Competência’,
‘Integridade’, ‘Consideração’, ‘Respeito’, elaboradas inicialmente por Bryk e Schneider
(2002) e confirmadas no presente estudo por meio da análise de conteúdo das
entrevistas e da análise estatística, conforme será explicado.
Para a construção e validação deste instrumento, seguimos os passos propostos
por Netemeyer et al. (2003) e Pasquali (1998). O primeiro deles foi a revisão da
literatura, que nos permitiu tomar conhecimento de dois instrumentos já criados por
pesquisadores internacionais sobre confiança interpessoal no âmbito das relações
internas à escola (BRYK & SCHNEIDER, 2002; HOY & TSCHANNEN-MORAN,
2007).
Segundo Pasquali (1998), além da literatura, a entrevista (levantamento junto à
população-meta) também é uma fonte valiosa para a construção de itens para medição
de fenômenos. Considerando que a realidade da rede municipal de Campinas traz
riquezas únicas à compreensão do fenômeno da confiança, optamos por não realizar
uma mera tradução de itens já criados pelas pesquisas internacionais; ao invés,
apostamos que a realização de entrevistas semi-estruturadas com professores da RMC
trariam importantes elementos para caracterizar o processo de construção da confiança,
enriquecendo o trabalho de formulação dos itens.
Escolhemos as(os) professoras(es) como foco das entrevistas, uma vez que essa
categoria de profissionais foi eleita pela literatura como o principal grupo “confiante”
(aquele que confia) em torno do qual se relacionam as demais categorias de
“confiados”. Apesar de ser possível e necessário pensar em outras configurações que
39
Dia da Consciência Negra, observado apenas na escola B.
132

privilegiem outros grupos como “confiantes”40, na presente tese optamos por reforçar a
centralidade conferida ao professorado, e, mais que isso, incluímos a escuta de suas
vozes como parte da construção do instrumento, pois compartilhamos a posição de
Simões (2018), segundo a qual:

A investigação sobre as vozes docentes é relevante no debate educacional


não apenas por serem elas(es) as(os) principais agentes da educação escolar
na relação direta com estudantes e como implementadoras(es) das políticas,
mas também porque há uma cultura de silenciamento desses atores que lhes
nega a condição de sujeito. Esse tratamento aplicado às opiniões docentes
impacta diretamente na valorização do discurso docente e,
consequentemente, a participação desses atores em decisões políticas que
influenciam e formulam as políticas educacionais e a qualidade da educação.

Escolhemos trinta professores de nove escolas aleatórias41 da RMC, conforme


indicações de colegas e disponibilidades manifestas pelas equipes gestoras, buscando
apenas observar o critério da diversidade de regiões (ao menos uma escola por NAED).
O contato inicial foi feito com a diretora e/ou Orientadora Pedagógica de cada escola.
As(os) professoras(es) também foram aleatoriamente escolhidas(os), conforme
disponibilidade e interesse, buscando garantir o critério de serem efetivos e com no
mínimo três anos de RMC. Abaixo, segue um quadro com informações sobre quem são
esses sujeitos entrevistados. Alguns poucos fogem a esse critério geral (uma professora
adjunta, e dois com um ano de rede municipal), pois manifestaram especial interesse em
participar da pesquisa.

Quadro 5 - Professores entrevistados na fase exploratória

Anos como docente na


NAED Escola Descrição do professor
RMC
Ciclos III e IV
(adjunto) 8 anos
Português
8º e 9º anos
3 anos
LESTE ESCOLA C Português
(5 professores) (4 professoras) 19 anos
Educação Especial
1 ano
8º e 9º anos
(Experiência anterior de três
Português
anos na rede de São Paulo).

40
Pesquisadores ligados à corrente de Wayne Hoy introduziram na década de 2000, a partir da
Universidade do Estado de Oklahoma, os primeiros estudos que usavam outros grupos como
“confiantes”: eles investigaram a confiança dos pais na escola e no diretor, e dos estudantes no diretor, e
suas correlações com a já conhecida confiança dos professores e com uma série de resultados escolares
como eficácia docente coletiva (FORSYTH et al., 2011).
41
As escolas A e B do campo não estão entre as nove escolas escolhidas para as entrevistas exploratórias.
133

ESCOLA D
Ciclo I 20 anos
(1 professora)
ESCOLA E 7º ano.
24 anos
(1 professor) História
7º anos e EJA.
15 anos.
Português.
SUDOESTE 9º e 8º anos
(5 professores) 15 anos
ESCOLA F Português.
(4 professoras) 6º ao 9º e do EJA.
12 anos
Artes.
6º e 8º. Português. 7 anos

Ciclo II 5 anos
ESCOLA G
(3 professores) Ciclo I. 15 anos

Ciclo I e II 5 anos
NORTE
(6 professores) Ciclo I 5 anos
ESCOLA H
(3 professores) 6º e 7º anos. História. 15 anos

Ciclo I e II. 15 anos

Ciclo III e IV 12 anos

1º ano 12 anos

Educação Física 24 anos


ESCOLA I
(6 professores) 6º e 9º ano. Matemática 21 anos
NOROESTE
(8 professores) Ciclo II e IV
22 anos
Português
3º ano 5 anos

ESCOLA J 3º e 2º anos 16 anos


(2 professoras)
Ciclo I 15 anos

3º ano 12 anos

2º ano 15 anos

Ciclo I 12 anos
SUL ESCOLA K
(6 professores) (6 professores) Ciclo I 3 anos

5º ano. 5 anos
1 ano
Ciclos III e IV (experiência anterior na rede
estadual: entrou em 1992)
Fonte: elaborado pela pesquisadora.

As trinta entrevistas semi-estruturadas foram realizadas entre outubro/2015 a


dezembro/2015, com duração média de 40 minutos por entrevista. Tendo em vista que a
134

confiança é construída em cima das expectativas vinculadas a papéis sociais, as


perguntas norteadoras foram as seguintes:
1. Quais expectativas você possui em relação à equipe gestora?
- Do que você acha que depende a construção de relações de confiança com a
equipe gestora?
2. Quais expectativas você possui em relação aos colegas professores?
- Do que você acha que depende a construção de relações de confiança com os
colegas professores?
3. Quais expectativas você possui em relação aos pais/responsáveis?
- Do que você acha que depende a construção de relações de confiança com os
pais/responsáveis?
4. Quais expectativas você possui em relação à SME?
- Do que você acha que depende a construção de relações de confiança com a
42
SME?
As dúvidas mais recorrentes dos professores eram em relação à abrangência do
universo de cada segmento (todos os pais? só os professores do meu ciclo? Só OP ou
diretora também?), ao que eu reagia dizendo para tentarem responder tendo em mente o
segmento como um todo. Obviamente em alguns momentos os entrevistados recorriam
a figuras específicas. No entanto, isso não foi visto como um obstáculo, sendo
incorporado posteriormente na análise dos dados e construção dos itens (por ex., foram
elaborados itens específicos para a OP e diretora, junto com itens sobre a equipe gestora
como um todo). Tomei apenas o cuidado para deixar claro que não se tratava de pensar
em tal ou qual OP específica, mas no cargo/função de OP, e que tampouco se tratava de
fazer uma avaliação sobre o desempenho de tal ou qual OP específica, o que se aplicou
para todos os segmentos. Por fim, também orientei que pensassem em expectativas
plausíveis, ou seja, naquilo que esperam e acreditam que podem conseguir.
As entrevistas foram registradas pela pesquisadora no computador conforme o
sujeito se expressava. Esse procedimento traz vantagens e desvantagens em relação à
gravação/transcrição. A desvantagem é que algumas falas do sujeito entrevistado
escapam, enquanto a gravação permite obter um registro mais fiel e completo. No
entanto, dado o caráter exploratório das entrevistas, optamos pela vantagem desse

42
As perguntas marcadas com hífen representam uma forma alternativa de perguntar a mesma coisa,
visando a confirmar/reforçar as respostas à pergunta anterior e introduzir novos elementos não captados
pela pergunta anterior.
135

procedimento, já que ele permite maior rapidez em coletas extensas e agiliza a análise
(LUDKE, 1986). Buscamos minimizar a desvantagem de perda de informações, uma
vez que o registro foi feito de forma bastante atenta pela pesquisadora, visando a
preservar o essencial das falas dos sujeitos entrevistados.
As respostas dos sujeitos foram categorizadas segundo procedimento de análise
de conteúdo descrito por Bardin (2004). Primeiro, fizemos uma leitura atenta a cada
entrevista individualmente, organizando os tipos de expectativas dos sujeitos para cada
par de relação (professores - professores; professores - equipe gestora, professores -
pais/responsáveis, professores - SME). Posteriormente, realizamos uma leitura
transversal dessas expectativas sistematizadas, o que nos permitiu formar categorias
gerais que dessem conta de agrupar, por semelhança de conteúdo, os tipos de
expectativas de todos os sujeitos entrevistados.
Em relação à equipe gestora, por exemplo, as categoriais emergentes foram:
Apoio aos professores (materiais, ideias); Mediação com SME; Abertura a mudanças;
Preocupação com os alunos; Consideração (com o ser humano e com o profissional);
Respeito (à competência profissional e às características individuais); Abertura ao
diálogo; Compromisso com trabalho coletivo; Sintonia dentro da equipe gestora;
Integridade (intersecção entre discurso e prática, clareza no que acredita e nas próprias
ações, compromisso com a educação e com a escola); Competência; Flexibilidade.
Construímos uma tabela com três colunas, relacionando 1. o nome da categoria; 2. as
falas dos entrevistados que caracterizam a categoria; 3. os entrevistados responsáveis
pelas falas de cada categoria. Aquelas com poucas falas/sujeitos, como “Flexibilidade”,
quando não se mostravam claras ou não tinham relação com a literatura, foram
descartadas.
Por fim, após construção dessas categorias iniciais para cada par de relação,
chegou o momento de construir as categoriais finais, que dessem conta de perpassar
todos os pares. Nesse momento, fizemos o diálogo entre nossas categorias e as da
literatura. Percebemos que as quatro categorias da corrente de Chicago (Integridade,
Competência, Consideração, Respeito) eram mais completas e densas quando
comparadas com as seis facetas da corrente de Wayne Hoy (Reliability, Benevolence,
Openness, Competence, Willing to Risk, Honesty), uma vez que aquelas primeiras
conseguiam abranger tanto as nossas categorias elaboradas a partir das entrevistas,
136

quanto as construídas por Wayne Hoy, oferecendo-nos uma organização mais


parcimoniosa e completa das várias características da confiança.
A dimensão “Respeito” não aparece em Wayne Hoy, por exemplo, mas nos é
bastante cara, considerando os dados das entrevistas e a concepção de trabalho coletivo
que nos embasa. A definição da dimensão “Consideração” consegue abranger as
definições de Openess e Benevolence; da mesma forma, a definição de “Integridade”
abrange Honesty e Reliability, além de abordar a construção de entendimentos coletivos,
o que não é mencionado em nenhuma faceta da corrente de Wayne Hoy.
Os dados de nossas entrevistas corroboram que a definição de Bryk é mais
completa, pois contempla importantes aspectos que apareceram nas falas dos
professores de Campinas, relativos ao comprometimento da equipe gestora e dos
colegas com a educação, com os acordos coletivos da escola, com a formação e o bem
estar das crianças. Em nossos dados, isso envolve estar aberto a pensar novas formas de
trabalhar; tratar as crianças com respeito; agir conforme o que foi acordado
coletivamente; e ter disposição para compartilhar experiências de sala de aula, pensar e
fazer projetos em conjunto, no caso dos professores.
Mais que o cumprimento dos pactos, apareceu em nossas entrevistas que a
equipe gestora precisa incentivar uma concepção coletiva de trabalho, abrindo espaços e
momentos de discussão em que todos possam participar na definição das questões da
escola e do sentido do Projeto Político Pedagógico. Essa questão não aparece em
nenhuma das duas correntes da literatura.
O mais próximo a isso é a definição de “Integridade” de Bryk e Schneider
(2002), quando eles se referem a “compartilhamento de visões comuns”. No entanto,
essa definição não deixa claro o sentido plural da “negociação” que permeia a
construção de visões comuns, e também não é explorada pelos pesquisadores nos itens
de seus instrumentos de medição. Os itens também não exploram: o comprometimento
com novas ideias e com a reflexão constante sobre o próprio trabalho, o compromisso
com as crianças, nem a disposição em compartilhar práticas e experiências.
Ambas as correntes consideram a importância de algumas dessas questões para a
melhoria da “produtividade” da escola, mas elas são colocadas em um constructo à parte
da confiança. No caso de Bryk e Schneider (2002), esse constructo chama-se “condições
organizacionais”, composto por diferentes instrumentos que medem: 1. orientação à
137

inovação; 2. colaboração entre os pares; 3. diálogo reflexivo; 4. foco nos estudantes 43,
entre outros. Esse constructo relaciona-se com a ‘confiança relacional’ na medida em
que as escolas caracterizadas por essas condições costumam apresentar graus elevados
de confiança44.
Da mesma forma, a corrente de Wayne Hoy considera outro constructo,
chamado “clima escolar”, no qual aparecem algumas menções ao trabalho coletivo.
Tarter et al. (1989) definem “clima engajado” como aquele no qual os professores são
extremamente orgulhosos de sua escola, gostam de trabalhar uns com os outros, se
apoiam mutuamente, se preocupam uns com os outros e são comprometidos com os
estudantes. O “clima apoiador”, por sua vez, é definido como aquele no qual o diretor
ajuda os professores, preocupa-se com seu desenvolvimento profissional e pessoal, e
motiva-os usando críticas construtivas. Os autores concluem que há uma relação entre
os constructos ‘clima’ e ‘confiança’, à medida que quanto mais “engajado” e “apoiador”
for o clima, maior a confiança nos pares e no diretor.
No entanto, em nossos dados essas questões apareceram como fazendo parte
intrinsecamente do processo de construção da confiança. Os professores diziam que,
para confiarem em seus pares, por exemplo, estes precisavam comprometer-se com as
crianças, estar dispostos a trabalhar coletivamente, compartilhar experiências, e repensar
constantemente o próprio trabalho, uma vez que isso é considerado um sinal de
comprometimento com a educação.
Assim, itens relacionados a essas questões foram incluídos em nosso
instrumento, na dimensão “Integridade”. Além dessa dimensão, nossa definição das
outras (Respeito, Competência, Consideração) também bebeu nas fontes de Bryk e
Schneider (2002); porém julgamos importante refinar as definições de cada dimensão
para atender aos nossos princípios, relacionados a um tipo de trabalho coletivo que
envolve, além do “compartilhamento de visões”, os processos de negociação que
permitem chegar a objetivos comuns socialmente referenciados. Referir-se meramente a
“compartilhamento de visões” pode remeter a que apenas uma pessoa ou um grupo

43
1. Se os professores estão dispostos a assumir riscos e buscar novas ideias; 2. Se os professores fazem
projetos juntos, coordenam seu trabalho com o de outros anos; 3. Se os professores conversam sobre os
objetivos da escola, concepções de ensino-aprendizagem, desenvolvimento de novos currículos, sobre
práticas que ajudam os alunos a aprenderem melhor; 4. Se a escola foca no que é melhor para o
aprendizado dos estudantes, estabelece objetivos elevados de aprendizagem acadêmica, e preocupa-se em
desenvolver habilidades sociais nos estudantes.
44
A correlação entre os constructos foi feita com base em sucessivas medidas ao longo do tempo, e
controlando variáveis relacionadas a diversos aspectos da composição e características escolares.
138

dentro da escola decide o que deve ser feito e os outros necessariamente aderem à ideia,
que pode limitar-se à busca pelo aumento dos índices de proficiência em português e
matemática.
Por fim, foi nesse diálogo entre nossas concepções, os dados provenientes das
entrevistas, e a literatura da área que construímos nossos itens, e confirmamos a
pertinência daquelas quatro dimensões para caracterizar o fenômeno da confiança. Foi
dado, assim, o primeiro passo na confirmação de que a construção da confiança
depende, na visão dos professores, de manifestações de respeito, consideração,
integridade e competência. Essas dimensões fizeram sentido para todos os pares de
relação, inclusive para o par “professores - Secretaria Municipal de Educação (SME)”,
mesmo este não sendo abordado pela literatura. Ou seja, as categorias iniciais que
elaboramos para todos os pares mantinham relação clara com a definição das quatro
dimensões, ainda que estas tenham adquirido novas nuances para conseguir abarcar
todas as categorias provenientes das entrevistas.
Os itens relacionados à “confiança institucional” surgiram da análise das
entrevistas e das demandas negociadas pelas CPAs nas Reuniões de Negociação com a
SME. Tivemos acesso a essas demandas através dos documentos das reuniões de 2010,
2011 e 2014 disponibilizados pelo Núcleo de Avaliação Institucional da Secretaria45.
Consideramos basicamente essas duas fontes (entrevista e análise documental) para
compor os itens da relação “professores - SME”, dado que a literatura sobre confiança
política nas instituições não destrincha as expectativas que os professores possuem em
relação a esse órgão específico (NEWTON & NORRIS, 2000; MOISÉS &
CARNEIRO, 2010).
Ao invés, a metodologia de pesquisa principal utilizada por essa literatura é a
análise de dados provenientes de questionários (Latinobarômetro ou World Values
Survey) que medem valores e adesão das pessoas à democracia. Para captar o grau de
confiança dos cidadãos nas instituições democráticas, as pesquisas geralmente recorrem
à seguinte pergunta dos questionários: “Qual seu grau de confiança nas seguintes
instituições: polícia, parlamento, partidos etc”? Ou seja, trata-se de perguntas muito
diretas, que não destrincham os componentes da construção de relações de confiança, e
abrangentes, que não se referem a órgãos municipais de áreas de atuação específicas.

45
O núcleo de AI nos cedeu: slides apresentados pelas escolas na ocasião da RN em 2014; planilhas com
as demandas de 2014 organizadas por tipo de demanda; folhas impressas com tabelas das demandas de
2010 e 2011 organizadas por escola; vídeos das Reuniões de Negociação de 2014.
139

No quadro seguinte, podem-se visualizar as definições das dimensões a que


chegamos, junto com a primeira versão dos itens que elaboramos para cada uma das
dimensões.

Quadro 6 - Instrumento Confiança (primeira versão)

PROFESSOR-DIRETOR
Dimensões Itens

CONSIDERAÇÃO 1. A equipe gestora preocupa-se com


o bem estar pessoal dos professores.
Quanto os professores percebem que a equipe gestora
se preocupa com eles enquanto seres humanos, que 2. A equipe gestora sempre apoia os
está disposta a ajudá-los e apoiá-los em suas professores em nosso trabalho
atividades profissionais, atender a seus interesses e cotidiano.
necessidades, realizar ações de cuidado para além
daquilo que é formalmente estabelecido. Trata-se, em 3. A equipe gestora é bastante
suma, de um senso de preocupação e consideração acessível quando precisamos
pela pessoa e pelo profissional. conversar sobre nossas práticas
pedagógicas.

4. A equipe gestora preocupa-se mais


em resolver questões burocráticas do
que em dar apoio pedagógico aos
professores.

5. A equipe gestora preocupa-se com


nosso desenvolvimento profissional.

6. A equipe gestora repassa


informações importantes aos
professores (por ex. sobre nossa vida
funcional, sobre o que está
acontecendo na rede etc.)

RESPEITO
7. A equipe gestora sempre respeita
Avalia como a conversa ocorre entre as partes, se os professores.
existe um senso de escuta em relação ao que as
pessoas pensam e dizem. Os professores precisam
sentir-se à vontade para expressar suas inquietações e 8. A equipe gestora dá bastante
preocupações relativas à educação das crianças e ao liberdade para os professores se
ambiente de trabalho. Essa abertura assinala que os colocarem, pautarem questões,
pensamentos e ideias de cada pessoa têm valor. opinarem.

COMPETÊNCIA
Competência na execução das responsabilidades que 9. A equipe gestora é competente na
a função requer. Avalia-se quanto a equipe gestora é execução de suas responsabilidades.
capaz de atingir objetivos de aprendizagem para as
140

crianças e resultados relativos às condições de


trabalho docente; se é eficiente em gerir recursos e
10. A equipe gestora confia no
articular a equipe de profissionais da escola. Na
trabalho dos professores.
contrapartida, os professores precisam sentir que o
gestor confia no trabalho docente.
INTEGRIDADE
11. Há coerência entre o discurso da
Além da avaliação da consistência entre o que se fala equipe gestora e suas ações.
e o que se faz, avalia-se quanto a equipe gestora
possui comprometimento com os princípios da escola
e os interesses das crianças e jovens. Os professores 12. A equipe gestora age de forma
precisam sentir que a equipe gestora preocupa-se coerente com aquilo que foi
com os alunos, sem discriminações e pré- combinado e acordado coletivamente.
julgamentos; compromete-se em fomentar uma
concepção coletiva de trabalho; tem clareza quanto
aos combinados e propósitos da escola e age de 13. A equipe gestora trata todos os
forma coerente com eles, tendo como horizonte a alunos com respeito.
formação humana e o bem-estar das crianças e
jovens.
14. A equipe gestora compromete-se
seriamente com todos os alunos.

15. A equipe gestora coloca seus


interesses pessoais e/ou políticos
acima das necessidades dos alunos.

16. A equipe gestora alimenta o


trabalho coletivo, incentivando a
participação de todos na definição do
Projeto Pedagógico da escola.

17. A equipe gestora traz as decisões


prontas, desencorajando momentos
coletivos de discussão sobre as
questões da escola.

18. Há uma nítida falta de sintonia


dentro da equipe gestora da minha
escola.
PROFESSOR-PROFESSOR
Dimensões Itens
CONSIDERAÇÃO
19. As(os) professoras(es) nessa escola
Quanto os professores percebem que os colegas se realmente se importam uns com os
preocupam com eles e estão dispostos a realizar outros.
ações de cuidado para além daquilo que é
141

formalmente estabelecido. É preciso que os


professores se ajudem e sejam solidários, que haja 20. Os professores podem contar
uma norma de reciprocidade entre eles, que olhem sempre com a ajuda uns dos outros
para as necessidades uns dos outros. na condução do trabalho cotidiano da
escola.

RESPEITO
21. Os professores respeitam uns aos
Inclui avaliar como a conversa ocorre entre as partes outros.
e se existe um senso de escuta e de consideração em
relação ao que os colegas pensam e dizem. Trata-se 22. Os professores estão sempre
de um respeito às diferenças de pensamento; ter dispostos a se ouvir para aprender
educação e cautela na forma de abordar questões e uns com os outros.
resolver problemas; estar aberto a ouvir o que o outro
pensa e aprender com o outro, afastando a postura de
achar que já se sabe tudo e está sempre certo. 23. Os professores nunca ouvem uns
aos outros, pois acham que os outros
professores têm pouco a contribuir.

24. Sinto-me à vontade para expor


aos meus colegas as fragilidades e
dificuldades do meu trabalho.

COMPETÊNCIA

Competência na execução das responsabilidades que


a função docente requer. A avaliação quanto à 25. Os professores dessa escola são
competência passa por quanto se percebe que o outro profissionais competentes.
é capaz de atingir objetivos de aprendizagem para os
alunos, oferecendo-lhes oportunidades significativas
e promovendo um ambiente adequado de
aprendizagem.
INTEGRIDADE 26. Os professores nunca desistem
dos alunos, fazendo o máximo para
Avalia-se quanto o outro possui comprometimento contribuir com a formação de todos.
com os princípios da escola e os interesses das
crianças e jovens. Para que os professores sintam que 27. Os professores tratam todos os
os colegas possuem integridade, estes precisam alunos com respeito.
querer trabalhar coletivamente, compartilhando
visões comuns e agindo de acordo com essas visões; 28. Os professores colocam seus
precisam mostrar que possuem compromisso com a interesses pessoais acima das
formação humana dos alunos, respeito por eles e suas necessidades dos alunos.
famílias; abertura para repensar o próprio trabalho;
disposição para trocar, compartilhar experiências de 29. Os professores comprometem-se
sala de aula, pensar e fazer projetos em conjunto. em aprimorar constantemente seu
trabalho.

30. Os professores cumprem os


combinados coletivos, mesmo quando
isso significa abrir mão de suas
opiniões individuais.

31. Os professores se “fecham em


142

suas salas de aula” e se recusam a


trabalhar coletivamente com os
colegas.

32. Os professores estão dispostos a


desenvolver propostas de trabalho em
conjunto com os colegas.

33. Os professores nessa escola


confiam uns nos outros.
PROFESSOR-PAIS/RESPONSÁVEIS
Dimensões Itens
CONSIDERAÇÃO 34. Sinto que posso contar com o
apoio dos pais/responsáveis para
Por um lado, os professores precisam sentir que os realização do meu trabalho.
pais/responsáveis apoiam o trabalho do professor. Do
outro lado, a escola precisa realizar ações visando
fazer as famílias sentirem-se mais confortáveis. Essas 35. Os professores dessa escola
ações são interpretadas como expressão de intenções realmente se importam com a
benevolentes, assinalando que a escola possui um comunidade que atendem.
senso genuíno de consideração pelas famílias dos
estudantes, e que realmente se preocupa com as 36. Os professores empenham-se
crianças e jovens. continuamente em aproximar os
pais/responsáveis da vida escolar.

RESPEITO 37. Os professores dessa escola


sempre respeitam os
Inclui avaliar como a conversa ocorre entre as partes pais/responsáveis.
e se existe um senso de escuta e de consideração em
relação ao que as pessoas pensam e dizem. Os 38. Os professores dessa escola ouvem
professores precisam ouvir os pais, suas opiniões e com atenção o que os
vivências, bem como as dificuldades e problemas pais/responsáveis têm a dizer sobre a
que enfrentam e que podem interferir na educação dos seus filhos.
aprendizagem do aluno. Os pais, por sua vez,
39. Sinto-me respeitado pelos
precisam atender aos chamados dos professores e
pais/responsáveis.
ouvir o que estes têm a dizer. A existência de
conversas genuínas desse tipo assinala que os 40. Sinto que os pais/responsáveis são
pensamentos e ideias de cada pessoa têm valor. abertos a ouvir o que nós professores
temos a dizer sobre a educação de
seus filhos.
COMPETÊNCIA

A avaliação quanto à competência passa por quanto 41. Os pais/responsáveis cumprem


se percebe que o outro é capaz de atingir objetivos de sua parte de responsabilidade na
formação para os alunos. Os professores precisam educação das crianças/jovens.
sentir que os pais/responsáveis conseguem executar
143

sua parte de responsabilidade na educação das


crianças, provendo-lhes as necessidades básicas
(como colocá-las pra dormir em horários estipulados
42. Os pais/responsáveis confiam no
e não deixá-las atrasar na escola). Por outro lado, os
trabalho dos professores dessa escola.
pais precisam acreditar que os professores são
profissionais competentes que merecem sua
confiança.
43. Os pais/responsáveis dão o seu
INTEGRIDADE
melhor para ajudar seus filhos a
Avalia-se compromisso com o trabalho coletivo e aprender.
com os interesses das crianças/jovens. É preciso que
os pais/responsáveis mostrem comprometimento com 44. Os pais/responsáveis preocupam-
seus filhos e com o trabalho da escola, entendendo-o se em acompanhar a vida escolar de
como um trabalho coletivo do qual precisam seus filhos.
participar. Eles devem estar presentes na escola, nas 45. Os pais/responsáveis fazem o
festas, eventos, reuniões de pais, e demais espaços possível para participar das reuniões
destinados à construção coletiva sobre a educação da escola.
que se quer para as crianças. Professores e
pais/responsáveis precisam pensar juntos, pactuando 46. Os pais/responsáveis mostram
entendimentos comuns a respeito dos propósitos da interesse pelos assuntos da escola.
escola.
47. Professores e pais/responsáveis
consideram-se parceiros na educação
das crianças/jovens.
PROFESSOR - SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
Dimensões Itens
CONSIDERAÇÃO
É necessário que haja uma pessoa física (no caso, o
supervisor) que esteja próxima à realidade da escola,
conhecendo o que nela acontece, o trabalho que ela 48. O(a) supervisor(a) conhece de
desenvolve, quais problemas enfrenta, quais são suas perto a realidade de nossa escola.
necessidades, bem como conversando com os
professores sobre a prática pedagógica que realizam,
suas conquistas e dificuldades. Manifesta-se no apoio
dado à escola para ajudar a resolver problemas e
respaldar o seu trabalho pedagógico cotidiano, com
objetivo de dar uma atenção adequada aos alunos, ao
bom andamento das relações e do local de trabalho.
Essa postura denota preocupação e cuidado com as 49. O(a) supervisor(a) mostra
pessoas, para além daquilo que é formalmente prontidão em comparecer à escola
estabelecido. Os professores percebem que há esse quando é solicitado(a) para resolver
tipo de apoio: algum problema.
1. Pela prontidão dos supervisores em comparecer à
escola quando são solicitados para ajudar a resolver
144

algum problema;
2. Quando ajudam a pensar junto o que a escola pode
fazer para o aluno melhorar seu aprendizado e seu
relacionamento com as pessoas e, quando é o caso,
agilizam ações de articulação intersetorial para 50. O(a) supervisor(a) nunca está
encaminhar questões de saúde, familiares, de conosco nos momentos em que a
violência, que afetam a vida escolar dos alunos. escola está passando por dificuldades.
3. Pela ajuda que oferecem para lidar com problemas
de evasão e infrequência;
4. Quando ajudam a resolver questões de
relacionamento interpessoal entre a equipe através de
conversas e reuniões com o coletivo escolar;
5. Oferecem apoio quando a escola está passando por 51. O(a) supervisor(a) zela pelas
alguma mudança e precisa repensar a organização necessidades da nossa escola.
dos tempos e turmas.
RESPEITO
52. A SME cria espaços e
Inclui avaliar como ocorre a conversa entre as partes. oportunidades para ouvir a opinião
Os professores esperam que a SME os chame para dos professores sobre questões que
“construir junto”, considerando sua voz no processo impactam a qualidade da educação.
de tomada de decisões a respeito de questões que
impactam seu trabalho e a qualidade da educação.
Trata-se de uma postura de escuta e consideração - 53. A voz dos professores é
por meio de Conselhos, Comissões, Conferências - considerada pela SME nos processos
em relação ao que a comunidade escolar pensa e de tomada de decisões.
julga necessário para a melhoria da educação.
COMPETÊNCIA 54. A SME cumpre adequadamente
sua parte de responsabilidade na
Diz respeito à competência na execução das garantia de uma educação pública de
responsabilidades que a função requer. Avalia-se qualidade.
quanto a SME é capaz de atingir condições
adequadas de trabalho, que valorizem o professor 55. No que se refere à infra-estrutura,
enquanto profissional e garantam o atendimento das a SME oferece boas condições de
necessidades da escola. Manifesta-se nos seguintes trabalho para nossa escola.
aspectos:
- Infra-estrutura física (quadras cobertas, salas de
56. No que se refere a recursos
aula em número suficiente, laboratórios de
humanos, a SME oferece boas
informática e de ciências bem equipados etc);
condições de trabalho para nossa
- Recursos humanos (quadro completo de professores
escola.
e funcionários);
- Recursos, equipamentos e materiais adequados;
57. Em termos de
- Condições adequadas para formação profissional e
salário/jornada/formação, os
realização de projetos na escola
professores têm boas condições de
- Valorização do professor em termos de salário,
trabalho nessa rede.
carreira, jornada.
- Número adequado de alunos por sala.
58. A Secretaria de Educação me
valoriza enquanto profissional.

INTEGRIDADE
Avalia-se quanto a SME assume uma postura de 59. Eu confio na Secretaria Municipal
defesa da qualidade da educação, colocando “os de Educação.
alunos em primeiro lugar”. Ou seja, os entrevistados
145

esperam que a SME olhe menos para a questão


financeira e política (redução de gastos, manutenção
em cargos, propaganda eleitoral, mero aumento de 60. A SME coloca a qualidade da
índices) e se preocupe mais em investir de fato na educação acima de interesses políticos
qualidade da educação, o que se manifesta na e financeiros.
garantia de condições para que as escolas funcionem
adequadamente.
Fonte: elaborado pela pesquisadora.

Como já explicado, as entrevistas semi-estruturadas com professores foram uma


das bases para construção do instrumento acima. Para além dessas entrevistas,
realizamos outras entrevistas menos estruturadas com seis Orientadoras Pedagógicas46 e
três Coordenadores Pedagógicos47. Diferentemente do objetivo das entrevistas
realizadas com os professores, o objetivo dessas entrevistas foram mais difusos, pois
senti a necessidade de entender melhor, junto aos CPs, como se organizavam na prática
algumas questões da rede, e, junto aos OPs, como se dava concretamente a relação do
poder público com as escolas.
Cinco OPs foram escolhidas aleatoriamente, a partir de contatos e conforme
disponibilidades, tomando cuidado apenas para que fosse uma por NAED. Todas
tinham no mínimo um ano como OP na rede. Essas entrevistas foram realizadas na
mesma época das entrevistas com os professores. Apenas a sexta OP foi escolhida
especificamente por fazer parte da escola que atingiu o maior grau de confiança
segundo o instrumento dessa pesquisa. Essa entrevista foi realizada, então, após
validação estatística do instrumento, em abril de 2017. Nesse caso, perguntamos
primeiro se ela achava que esse número de fato representava a realidade da escola, e,
segundo, ao que ela atribuía a elevada confiança entre os sujeitos.
Quanto aos CPs, uma delas fazia parte do núcleo de avaliação institucional, a
quem fizemos perguntas específicas relativas ao andamento da política na rede,
sobretudo, quanto às reuniões de negociação. Outro fazia parte do núcleo de currículo, e
ajudou a implementar a política de AIP no NAED do qual fazia parte em 2009. Para ele
perguntei sobre as mudanças nas atribuições dos supervisores e coordenadores
pedagógicos. Essas duas entrevistas foram realizadas no mesmo período das entrevistas
com os professores. A terceira CP foi escolhida por ter participado da Comissão de
Estudos sobre Jornada, Carreira e Formação, com objetivo de me ajudar a entender as

46
Os OPs são membros das equipes gestoras das escolas, junto com a diretora e as vices.
47
Os CPs são profissionais lotados no nível central da SME, ou no Departamento Pedagógico ou na
Secretaria de Educação Básica.
146

expectativas dos professores quanto a esse aspecto específico. Essa última entrevista foi
realizada em maio de 2016.

4.3. Validação de Conteúdo e Validação Semântica

Após a elaboração inicial dos itens, submetemos essa primeira versão à


validação de conteúdo e semântica (NETEMEYER et al., 2003; PASQUALI, 1998). A
validação de conteúdo consiste em pedir para que juízes (ou seja, professores/as
especialistas) avaliem os seguintes elementos do instrumento:
1) relevância, clareza e simplicidade do item;
2) desejabilidade social, isto é, quanto o respondente manifestará uma resposta
desejada pela sociedade e não a que realmente acredita;
3) necessidade de eliminação do item em decorrência de redundância, não
relevância etc.;
4) necessidade de inclusão de itens novos que não foram previstos inicialmente;
5) pertinência do item à dimensão - se de fato ele serve para mensurar a
dimensão a que se refere.
Tivemos que escolher, para serem juízes, estudiosos de temas correlatos, uma
vez que o tema da confiança nas escolas não é investigado em sua especificidade por
pesquisadores brasileiros. Escolhemos, assim, seis juízes cujos estudos/atuação
estivessem relacionados à área de avaliação institucional, organização do trabalho
pedagógico, gestão democrática e/ou formação humana. Segue quadro com os nomes
dos juízes escolhidos e descrição quanto à sua atuação.

Quadro 7 - Juízes da Validação Conceitual

PROFESSORES ATUAÇÃO/JUSTIFICATIVA
É Coordenadora Pedagógica na Secretaria Municipal de
Educação de Campinas. Participou da Assessoria de Avaliação
Profa. Dra. Eliana da Silva Institucional dessa mesma Secretaria, oferecendo formação às
Souza escolas como parte do processo de implementação da política
de Avaliação Institucional Participativa. Seus estudos
acadêmicos também estiveram focados nessa área.

É professor na Faculdade de Educação da UNICAMP. Tem


experiência na área de Administração e Educação, com ênfase
Prof. Dr. Dirceu da Silva em Planejamento e Avaliação Educacional, sobretudo com o
olhar para as metodologias quantitativas de análise de dados
numéricos e análise estatística multivariada de dados. Escreveu
artigos sobre construção e validação de escalas.
147

Professor da Faculdade de Educação da UNICAMP. A ênfase


de suas pesquisas é Avaliação da Aprendizagem e de Sistemas.
Prof. Dr. Luiz Carlos de Em seu currículo Lattes os termos mais frequentes na
Freitas contextualização de sua produção científica são: Avaliação,
Políticas Públicas, Neoliberalismo, Organização do Trabalho
Pedagógico.

Professor de matemática da Rede Municipal de Campinas.


Mestre em Educação pela UNICAMP, sob orientação da Profa.
Dra. Corinta Geraldi (ex-secretária de educação em Campinas).
Desenvolve pesquisa e projetos de estudo sobre História da
África e pedagogia étnico-racial. É militante na questão da
Prof. Me. Wilson Queiroz implementação de pedagogias diferenciadas que considerem os
valores humanos, a democracia, o respeito à diversidade, tendo
participado como Educador Étnico do Programa MIPID -
“Memória e Identidade: Promoção da Igualdade na
Diversidade”, promovido pela Secretaria Municipal de
Educação de Campinas para implementação da Lei 1.0639/03.

Livre Docente e Professor da UNESP. Atua principalmente nos


seguintes temas: política educacional, avaliação educacional,
Prof. Dr. Celestino Alves
administração educacional, organização do trabalho na escola,
da Silva Junior
a partir de um olhar voltado ao trabalho coletivo pautado na
construção da autonomia e emancipação.

Professor da Faculdade de Educação da UNICAMP. Atua


principalmente no tema de Administração Educacional, sob o
olhar da gestão democrática e construção de
Prof. Dr. Pedro Ganzeli estruturas/instituições participativas. Suas pesquisas
concentram-se, sobretudo, na rede municipal de Campinas,
tendo defendido tese sobre o processo de construção da gestão
escolar democrática nesse município.
Fonte: elaborado pela pesquisadora.

Pedimos aos seis juízes que observassem os aspetos elencados acima.


Entregamos-lhes um documento em Word, contendo uma breve explicação dos
objetivos da pesquisa e da forma como o instrumento foi construído, bem como uma
tabela com três colunas: na primeira, havia a descrição de cada dimensão, na segunda os
itens agrupados por dimensão, e na terceira havia espaço ao lado de cada item para que
realizassem, quando necessário, seus comentários e julgamentos relativos à revisão do
item, eliminação, entre outros. Para acréscimo de itens havia espaço ao final de cada par
de relação.
Especificamente em relação ao aspecto “pertinência do item à dimensão”,
pedimos que, em todos os itens, avaliassem o grau em que o item representa a dimensão
a que ele se refere a partir das categorizações “não representativo”, “pouco
148

representativo”, “claramente representativo”, segundo as recomendações de Netemeyer


et al. (2003).
Também procedemos à validação semântica com seis professoras(es) da rede na
qual o instrumento foi aplicado (PASQUALI, 1998). O objetivo é avaliar se os itens são
compreensíveis para os membros da população à qual o instrumento se destina. Pedi
para que o/a professor/a respondesse cada item em voz alta, comentando o que havia
compreendido, a que situações o item remetia, quanto ele/a concordava com cada
afirmação, e então eu observava qual alternativa ele/a assinalava (numa escala
progressiva de concordância de zero a seis). Pretendi com isso verificar se a
compreensão dos itens pelos sujeitos era a mesma que a minha, bem como se a
alternativa assinalada correspondia ao grau de concordância por ele verbalizado. As
falas dos sujeitos foram anotadas durante o processo, como numa entrevista, gerando
um corpo de dados que ajudou posteriormente a análise qualitativa.
O Anexo 3 traz um quadro com todas as alterações realizadas nos itens, e o
Anexo 4 traz os itens incluídos, ambos com justificativas. Todo esse processo, no qual
itens foram excluídos, reformulados, complementados, incluídos ou mantidos, se deu a
partir das contribuições dos juízes e dos sujeitos respondentes, em diálogo constante
com o referencial teórico que norteia a pesquisa. A pesquisa de campo realizada nas
duas escolas da rede também ajudou a refinar e incluir alguns itens.
Por fim, após todas as alterações dispostas nos Anexos 3 e 4, chegamos a outra
versão do instrumento, que ainda foi validada semanticamente por mais quatro sujeitos
da população alvo. Nessa última rodada da validação semântica, os respondentes não
fizeram nenhuma consideração que implicasse alguma alteração nos itens. Isso nos
sinalizou que essa etapa poderia ser finalizada.
Entre os dois formatos de escala possíveis, o dicotômico e o “multicotômico”,
optamos por este último, uma vez que ele permite alcançar maior variabilidade nas
respostas do que o dicotômico contendo o mesmo número de itens (NETEMEYER et
al., 2003). Dentro do modelo multicotômico, escolhemos uma escala de zero a seis,
considerando que os respondentes tiveram dificuldade em responder uma escala de zero
a dez que não continha explicação (“label”) abaixo de cada número. Deve-se considerar
que o instrumento foi aplicado presencialmente durante horário de trabalho, ou seja, foi
necessário pensar um modelo que facilitasse a resposta ao máximo. Dessa forma, fez
sentido utilizar uma escala de 7 pontos (zero a seis), devido a que:
149

It has been our experience that 5- or 7-point formats suffice, and providing
more response alternatives may not enhance scale reliability or validity. If the
researcher wants to provide a “label” for each scale, it is easier and probably
more meaningful for both scale developer and respondent if 5- or 7-point
formats are used. More alternatives may require more effort on the
respondent’s behalf by forcing him or her to make finer distinctions. This, in
turn, can produce random responding and more scale error variance
(NETEMEYER et al, 2003. p.101).

Nesses modelos, é comum identificar na escala um ponto intermediário (“scale


midpoint”), representado por labels como “no opinion”, “not sure”, “neither agree nor
disagree”, as quais significam uma “neutral response” que não assume posição nem pro
lado do concordo nem pro lado do discordo (NETEMEYER et al., 2003, p.101). Assim,
nosso modelo da escala ficou da seguinte forma, precedido da orientação:

Por favor, em cada item marque apenas uma nota, numa escala gradativa de zero (0)
a seis (6), onde zero indica discordância máxima e seis indica concordância
máxima. Nos itens que você não tem opinião, não se aplicam à sua realidade ou sua
posição é de indiferença, coloque a nota três (3).

(Não sei/Indiferente/Não se aplica)

0 1 2 3 4 5 6
Discordo Discordo Discordo Concordo Concordo Concordo
plenamente um pouco um pouco plenamente

Na parte “dados do respondente”, foram feitas perguntas de múltipla escolha


sobre: Quantos anos a pessoa tem; Há quanto tempo atua como docente; Em quais
ciclos trabalha; Há quantos anos atua como docente naquela escola. Apostamos que essa
última questão seria importante, sobretudo, para termos dados quanto à rotatividade de
professores, o que, segundo Bryk e Schneider (2002) é um dos aspectos que impactam a
construção de relações de confiança.
Pode-se visualizar a versão do instrumento após validações semântica e
conceitual no Capítulo 5, tópico 5.1. “Validação Estatística: Análise Fatorial
Confirmatória”, no Quadro “O Modelo Testado: relação entre constructos e variáveis”.
Lá, os itens (novos/reformulados/complementados) estão organizados por par de relação
(confiança na relação professores - professores; confiança na relação professores -
pais/famílias; confiança na relação professores - equipe gestora; confiança na relação
professores - SME). Passaremos a chamar esses pares de “constructos”.
150

4.4. Aplicação do Instrumento

A aplicação foi feita presencialmente nos momentos de Trabalho Docente


Coletivo (TDC) dos professores, e, em poucos casos, nas RPAIs. O contato inicial com
as escolas foi feito por telefone, junto à equipe gestora (geralmente com a Orientadora
Pedagógica), ou em alguns poucos casos por email. Na maioria, o aceite era imediato e
logo marcávamos um dia para aplicação. Em outras, precisei ir pessoalmente à escola
para expor os objetivos da pesquisa e pedir aceite às equipes gestoras.
Uma vez aceita minha presença nos TDCs para fins da pesquisa, eu pedia a
adesão dos professores. Em todas as escolas, eu expunha ao coletivo durante
aproximadamente cinco minutos quais eram os objetivos da pesquisa e da aplicação do
instrumento, e em seguida pedia para responderem o instrumento, sinalizando que
levaria por volta de 30 minutos. Em geral, a maioria aceitava. Os poucos que recusavam
alegavam cansaço, “não estou com cabeça pra isso”, ou simplesmente devolviam o
papel em branco sem justificativas.
Na grande maioria das escolas os professores respondiam no próprio TDC,
durante os cinquenta minutos que as orientadoras pedagógicas reservavam para isso.
Apenas em uma a equipe gestora me pediu que voltasse outro dia para recolher as
respostas, pois os professores iriam responder em suas casas. Particularmente nessa
escola, eu compareci cinco vezes: uma para pedir aceite à equipe gestora, duas para
explicar a pesquisa e pedir aceite aos professores em cada um dos TDCs, e outras duas
para recolher as respostas de cada grupo de professores. Foi um caso atípico. Na grande
maioria, eu precisei comparecer duas vezes, simplesmente para aplicar o instrumento
nos dois TDCs.
Consegui aplicar em trinta (73%) das quarenta e uma escolas de Ensino
Fundamental da Rede Municipal de Campinas, totalizando 559 professores de 1º a 9º
anos. A aplicação iniciou-se em 10/10/2016 e terminou em 15/03/2017. Conseguimos
um número representativo de escolas, nunca menos que 50% por região (NAED).
152

Por outro lado, uma breve análise das falas das equipes gestoras nos indica que
algumas escolas não confiam na universidade, seja porque possuem certas expectativas
em relação ao seu papel que não veem serem cumpridas, ou porque acreditam que não
ganharão nada expondo suas fraquezas. Ao contrário, talvez até acreditem que perderão
prestígio, pois talvez pensem que os pesquisadores da universidade estão lá somente
para julgá-los e apontar falhas, ao invés de ajudá-los a resolver seus problemas.
Ao que tudo indica, de uma forma ou de outra esses apontamentos convergem
para se pensar: qual papel a universidade desempenha na visão das equipes gestoras e
professores? Qual papel deveria desempenhar? Essas expectativas são claramente
negociadas entre sujeitos das escolas e da universidade? Seguindo os pressupostos dessa
tese, acreditamos que é necessária uma negociação coletiva e transparente na
formulação dessas expectativas para que se construam relações de confiança mais fortes
e duradouras entre escolas e instituições de ensino superior.
No Anexo 6, consta o modelo impresso do instrumento, tal como foi aplicado
nos professores. O Anexo 7 traz o modelo dos Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido de acordo com as exigências do Comitê de Ética da Unicamp, que foram
assinados pelos respondentes do instrumento e também das entrevistas realizadas na
etapa anterior.
153

CAPÍTULO 5. CONFIANÇA, PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE


SOCIAL

5.1. Validação Estatística: Análise Fatorial Confirmatória

As respostas dos 559 respondentes foram transpostas para o programa Microsoft


Excel. Descartamos os sujeitos que deixaram de responder alguma questão (9= em
branco) ou que anularam alguma questão marcando mais de uma alternativa (99=
anulado), sobrando, assim, 446 sujeitos para a análise. As questões feitas na negativa48
(8, 19, 27, 29, 34, 35, 37, 44, 47) tiveram seus padrões de resposta invertidos. Procedeu-
se à Análise Fatorial Confirmatória (AFC) de segunda ordem, com um total de 61 itens,
um constructo de segunda ordem (CONFIANÇA interpessoal e institucional) e quatro
constructos de primeira ordem:
- Constructo PA: Confiança na Relação Professores - Pais/famílias;
- Constructo G: Confiança na Relação Professores - Equipe Gestora;
- Constructo PR: Confiança na Relação Professores - Professores;
- Constructo S: Confiança na Relação Professores - Secretaria Municipal de
Educação.
A escolha da técnica de AFC deu-se em decorrência da pesquisadora ter
construído o modelo a ser testado a partir da literatura e da análise de conteúdo das
entrevistas, com objetivo de confirmar se a relação previamente estabelecida entre itens
e constructos é verdadeira. Diferente da forma como ocorre na Análise Fatorial
Exploratória (AFE), não foi o modelo estatístico que gerou os fatores/constructos, mas a
pesquisadora que especificou o número de construtos e as suas variáveis, ou seja,
definiu o modelo fatorial a priori. A AFC é utilizada para fornecer um teste
confirmatório da teoria de mensuração proposta (HAIR et al., 2009) e é constituída das
mesmas técnicas que a AFE, porém, não há rotação da matriz de dados, isto é, tem-se
uma única solução fatorial, que é testada para se avaliar a qualidade do ajuste e informar
se a especificação dos fatores/constructos combina com a realidade (NUNALLY &
BERNSTEIN, 1994). Por sua vez, escolhemos a AFC de “segunda ordem”, pois este
tipo permite avaliar a relação dos quatro constructos com o todo, indicando em que
medida cada um deles é importante dentro do constructo CONFIANÇA interpessoal e

48
Ou seja, aquelas nas quais quanto mais próximo a zero o sujeito responder, mais confiança possui.
154

institucional. Essa decisão foi importante, sobretudo, devido ao nosso objetivo


específico de compreender em que medida a confiança institucional entre professores e
poder público relaciona-se com a confiança interpessoal entre os segmentos da escola.
Em outras palavras, o objetivo dessa análise estatística basicamente é responder:
todos os itens (perguntas) são importantes para medir confiança? Eles estão realmente
relacionados ao constructo de primeira ordem previsto? Todos esses constructos medem
coerentemente um único fenômeno, a saber, a CONFIANÇA interpessoal e
institucional?
Pretendeu-se confirmar a seguinte relação entre itens/variáveis e constructos:

Quadro 8 - O Modelo Testado: relação entre constructos e variáveis

CONSTRUCTOS ITENS/VARIÁVEIS
Confiança na1. Sinto que posso contar com o apoio dos pais/famílias dessa escola
relação para realização do meu trabalho.
Professores- 2. Os professores realmente se importam com a comunidade que
Pais/famílias atendem.
(PA) 3. A escola empenha-se constantemente em convidar os pais/famílias
para participar da CPA e/ou Conselho de Escola.
4. Os pais/famílias sentem-se à vontade nas reuniões da escola,
expondo suas opiniões, anseios, necessidades.
5. Avaliamos coletivamente, com alunos e pais/famílias, quais são as
potências, as dificuldades, e o que podemos melhorar no trabalho da
escola.
6. Os professores dessa escola têm consideração pelas opiniões dos
pais/famílias.
7. Sinto-me respeitada(o) pelos pais/famílias.
8. Sinto que os pais/famílias não educam seus filhos e, portanto, eles
não se comportam adequadamente na escola. (INVERTIDO)
9. Sinto que os pais/famílias têm consideração pelo que nós professores
dizemos sobre a educação de seus filhos.
10. Os pais/famílias confiam no trabalho dos professores dessa escola.
11. Os pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a aprender.
12. Os pais/famílias mostram interesse pelos assuntos da escola.
13. Os professores e pais/famílias dessa escola estão juntos na educação
das crianças/jovens.
14. Os pais/famílias dessa escola preocupam-se em acompanhar a vida
escolar de seus filhos.
15. Os pais/famílias estão sempre participando das reuniões, festas e
eventos dessa escola.
Confiança na 16. Tenho autonomia para organizar minha prática pedagógica em sala
relação de aula.
Professores- 17. Sinto que posso contar com o apoio do(a) diretor(a) para realização
Equipe gestora do meu trabalho.
(G) 18. O(a) diretor(a) compartilha informações importantes com os
professores (por ex. sobre nossa vida funcional, sobre o que está
acontecendo na rede etc.)
19. Sinto-me como se estivesse sozinha(o) nas minhas atividades
155

profissionais, no cotidiano da escola. (INVERTIDO)


20. A equipe gestora preocupa-se com nosso desenvolvimento
profissional (por ex., garantindo momentos de formação na escola etc.).
21. Gosto de procurar o(a) orientador(a) pedagógico(a) quando preciso
conversar sobre minhas práticas pedagógicas.
22. Sinto-me respeitada(o) pelo(a) diretor(a) da minha escola.
23. Os professores sentem liberdade para se colocarem, opinarem,
pautarem questões com o(a) diretor(a).
24. O(a) diretor(a) cumpre sua parte na garantia de condições
adequadas de trabalho para nossa escola.
25. Os professores sentem que suas opiniões e propostas são
consideradas pela equipe gestora.
26. O(a) diretor(a) confia no trabalho dos professores dessa escola.
27. Minha forma de trabalhar com os alunos é estabelecida pelo(a)
diretor(a) e tenho que cumprir as recomendações profissionais que são
feitas. (INVERTIDO)
28. O(a) diretor(a) trata todos os alunos com respeito.
29. Sinto-me como se estivesse sendo vigiada(o) em meu trabalho.
(INVERTIDO)
30. A equipe gestora incentiva a participação de todos (professores,
funcionários, famílias e alunos) na definição do Projeto Pedagógico da
escola.
31. O(a) diretor(a) compromete-se com o bem-estar de todos os
estudantes.
32. O(a) diretor(a) age de forma coerente com aquilo que foi
combinado coletivamente.
33. O(a) orientador(a) pedagógico(a) está sempre combinando com os
professores ações pedagógicas para ajudar os alunos que mais precisam.
34. O(a) diretor(a) desencoraja momentos coletivos de tomada de
decisão sobre as questões da escola. (INVERTIDO)
35. A escola toma, com frequência, medidas sérias (por ex. suspensão,
formas de punição) em relação aos alunos considerados indisciplinados.
(INVERTIDO)
Confiança na 36. Os professores podem contar com a ajuda uns dos outros na
relação condução do trabalho cotidiano da escola.
Professores- 37. Há um clima de competição entre os professores dessa escola.
Professores (INVERTIDO)
(PR) 38. Os professores respeitam uns aos outros.
39. Os professores dessa escola gostam de se ouvir para aprender uns
com os outros.
40. Sinto-me à vontade para expor aos meus colegas professores as
fragilidades e dificuldades do meu trabalho.
41. Quando um(a) professor(a) tem boas ideias sobre como trabalhar
com os alunos, ele(a) compartilha com os outros professores.
42. Eu confio na competência profissional dos professores dessa escola.
43. Os professores tratam todos os alunos com respeito.
44. Os professores não conseguem fazer seu trabalho devido à falta de
interesse e de disciplina das crianças/jovens. (INVERTIDO)
45. Os professores nunca desistem dos alunos, fazendo o máximo para
contribuir com a formação de todos.
46. Os professores comprometem-se em avaliar e aprimorar
constantemente seu próprio trabalho.
47. Os professores dificilmente ouvem uns aos outros, pois acham que
os outros professores têm pouco a contribuir. (INVERTIDO)
156

48. Os professores dessa escola frequentemente desenvolvem propostas


de trabalho em conjunto com os colegas (por ex. dupla docência,
trabalhos temáticos etc.).
49. Nós professores temos a prática de avaliar nosso trabalho
coletivamente, refletindo e combinando juntos o que podemos melhorar.
50. Os professores cumprem os combinados coletivos.
Confiança na 51. O(a) supervisor(a) conhece a realidade de nossa escola.
relação 52. O(a) supervisor(a) mostra prontidão em comparecer à escola
Professores - SME quando é solicitado para ajudar a resolver algum problema.
(S) 53. O(a) supervisor(a) nos ajuda a defender as necessidades da nossa
escola.
54. A SME cria espaços e oportunidades para ouvir a opinião dos
professores sobre questões que impactam a qualidade da educação.
55. A voz dos professores é considerada pela SME nos processos de
tomada de decisões.
56. A SME cumpre adequadamente sua parte de responsabilidade na
garantia de uma educação pública de qualidade.
57. A SME compromete-se com a melhoria da minha qualificação
profissional, criando espaços e oportunidades para isso.
58. No que se refere à infra-estrutura, a SME oferece boas condições de
trabalho para nossa escola.
59. A SME oferece boas condições de trabalho para nossa escola, no
que se refere à garantia de quadro completo de docentes, funcionários, e
equipe gestora.
60. Em termos de salário/jornada/formação, os professores têm boas
condições de trabalho nessa rede.
61. Estou satisfeita(o) com o desempenho do atual governo municipal
na área da educação.
Fonte: dados da pesquisa

Esse modelo foi montado e analisado no software Smart PLS 2.0, seguindo as
orientações de Ringle, Silva e Bido (2014), Silva et al. (2016) e Hair et al. (2009). O
primeiro passo da análise do ajuste do modelo foi a mensuração da Validade
Convergente através do teste AVE (Variância Média Extraída). Esse teste pretende
avaliar quanto, em média, as variáveis/itens se correlacionam positivamente com seus
respectivos constructos. Para se obter o valor AVE, é calculada a média das correlações
(entre cada item e seu constructo) elevadas ao quadrado. Os valores devem ser maiores
que 0,50 para que o modelo seja satisfatório.
Fizemos três rodadas desse teste: na primeira, os construtos PA (Pais/famílias),
PR (Professores) e G (Equipe Gestora) apresentaram valores de AVE menores que 0,50,
destacados em vermelho, como se pode visualizar na primeira coluna da tabela abaixo:
157

Tabela 4 - Valores da qualidade de ajuste do modelo antes da eliminação das variáveis

Composite
AVE Reliability R Square Cronbachs Alpha

G 0,482 0,941 0,730 0,927

PA 0,367 0,893 0,627 0,870

PR 0,443 0,917 0,428 0,900

S 0,522 0,923 0,517 0,908


Fonte: gerado pelo SmartPLS2.0 a partir dos dados da pesquisa

Precisamos aproximar o olhar, então, para os valores das correlações de cada


variável/item. Assim, pudemos descartar os itens PA_2; PA_3; PA_4; PA_8; G_27;
G_35; PR_44 por terem apresentado valor abaixo de 0,50. Depois, rodamos denovo o
modelo e os constructos PA e PR continuaram apresentando carga baixa, de forma que
precisamos descartar os seguintes itens que apresentaram carga menor que 0,50: PA_6;
PR_37; PR_48. Procedemos a uma nova rodada, e descartamos o item PA_5 pelo
mesmo motivo. Seguem os onze itens descartados:

Quadro 9 - Itens descartados no Teste AVE

PA_ 2. Os professores realmente se importam com a comunidade que atendem.


PA_3. A escola empenha-se constantemente em convidar os pais/famílias para participar da
CPA e/ou Conselho de Escola.
PA_4. Os pais/famílias sentem-se à vontade nas reuniões da escola, expondo suas opiniões,
anseios, necessidades.
PA_5. Avaliamos coletivamente, com alunos e pais/famílias, quais são as potências, as
dificuldades, e o que podemos melhorar no trabalho da escola.
PA_6. Os professores dessa escola têm consideração pelas opiniões dos pais/famílias.
PA_8. Sinto que os pais/famílias não educam seus filhos e, portanto, eles não se comportam
adequadamente na escola.
PR_37. Há um clima de competição entre os professores dessa escola.
PR_44. Os professores não conseguem fazer seu trabalho devido à falta de interesse e de
disciplina das crianças/jovens. (INVERTIDO)
PR_48. Os professores dessa escola frequentemente desenvolvem propostas de trabalho em
conjunto com os colegas (por ex. dupla docência, trabalhos temáticos etc.).
G_27. Minha forma de trabalhar com os alunos é estabelecida pelo(a) diretor(a) e tenho que
cumprir as recomendações profissionais que são feitas. (INVERTIDO)
G_35. A escola toma, com frequência, medidas sérias (por ex. suspensão, formas de punição)
em relação aos alunos considerados indisciplinados. (INVERTIDO)
Fonte: dados da pesquisadora
158

Esses itens foram descartados por não apresentarem “coerência” de escolha de


respostas pelos respondentes, ou seja, por terem uma baixa correlação com os outros
itens/variáveis do seu constructo previsto. Chamou atenção que a única carga negativa
foi no item G_35 (-0,296). Isso pode significar que, ao contrário do que prevíamos, os
professores confiam na escola que adota medidas como punição e suspensão para os
alunos considerados indisciplinados.
Também chamou atenção que todos os itens do constructo PA relativos à parte
de responsabilidade dos profissionais da escola foram descartados. Esse dado pode nos
indicar que a confiança dos professores em relação às famílias depende de uma relação
unilateral na qual se espera que as famílias cumpram determinadas expectativas
formuladas internamente ao grupo docente, sem necessariamente participar de sua
elaboração. Discutiremos essas impressões mais adiante em diálogo com os dados de
campo.
Após realizar os ajustes no modelo, eliminando as onze variáveis acima, os
valores de AVE para cada um dos quatro constructos (PA, PR, G e S) foram superiores
ao valor estimado na literatura (0,50), como observado na Tabela 5. Também as
correlações (cargas fatoriais) de cada uma das cinquenta variáveis/itens restantes foram
maiores que 0,50 - como se pode observar nos valores dispostos nas setas entre os
retângulos amarelos (itens) e os círculos azuis periféricos (constructos de primeira
ordem)49 da Figura 2. Isso significa que os cinquenta itens restantes se correlacionam
positivamente com seus respectivos constructos de forma satisfatória.

49
O círculo azul central representa o constructo de segunda ordem “Confiança interpessoal e
institucional”. Os valores dispostos nas setas entre os círculos azuis periféricos e central (ou seja, entre os
constructos de primeira ordem e o constructo de segunda ordem) são os “coeficientes de caminho”, cuja
análise será apresentada mais adiante.
159

Figura 2 - Modelo ajustado após eliminação das variáveis com carga inferior a 0,50

Fonte: gerado em Smart PLS 2.0 com dados da pesquisa

Tabela 5- Valores da qualidade de ajuste do modelo após a eliminação das variáveis

Composite Cronbachs
AVE Reliability R Square Alpha

G 0,529 0,951 0,737 0,945

PA 0,543 0,913 0,407 0,893

PR 0,514 0,927 0,373 0,913

S 0,523 0,923 0,549 0,908


Fonte: gerado em Smart PLS 2.0 com dados da pesquisa

Nessa tabela, também se observam outros valores: Alfa de Cronbach (AC) e


Confiabilidade Composta (CC). Trata-se de uma segunda etapa do processo de
validação, com objetivo de avaliar a consistência interna do modelo, ou seja, se a
amostra está livre de vieses e se as respostas dos sujeitos tiveram coerência e são
confiáveis em seu conjunto. Os valores adequados são acima de 0,60 para o AC, e
acima de 0,70 para a CC. De acordo com a tabela acima, todos os valores são superiores
a 0,80, atestando a confiabilidade dos constructos.
160

A terceira etapa é a avaliação da Validade Discriminante (VD), entendida


como um indicador de que os constructos (PA, PR, G, S) são independentes uns dos
outros, ou seja, que cada um mede questões próprias que não são medidas pelos outros
constructos. Para tanto, utilizamos o critério de Fornell e Larcker, pois é o mais usado e
o mais rigoroso segundo Ringle et al. (2014) e Silva et al. (2016): comparam-se as
raízes quadradas dos valores das AVEs de cada constructo com as correlações entre os
constructos. As raízes quadradas das AVEs devem ser maiores que as correlações entre
os constructos. Ou seja, as correlações das variáveis com seu constructo precisam ser
maiores que sua correlação com os outros constructos, lembrando que se está lidando
com as médias das correlações.
Na Tabela abaixo, pode-se visualizar, por exemplo, que as variáveis do
constructo “Confiança na relação Pais/famílias” (PA) se correlacionam mais com seu
constructo (0,737) do que com o constructo G (0,379) ou PR (0,267) ou S (0,416). Ou
seja, os valores na diagonal pintados em amarelo são maiores que os demais, o que
atesta a validade discriminante do modelo.

Tabela 6 - Validade Discriminante

G PA PR S

G 0,727
PA 0,379 0,737
PR 0,345 0,267 0,717
S 0,470 0,416 0,309 0,723
Fonte: gerado em Smart PLS 2.0 com dados da pesquisa

Terminados os testes de ajuste do modelo de mensuração, parte-se para a análise


do modelo estrutural. A primeira análise desse segundo momento é a Avaliação dos
Coeficientes de Determinação de Pearson (R²). Seus valores estão na Tabela 12 na
coluna “R Square”. Os valores de R2 avaliam a porção da variância das variáveis de
primeira ordem que é explicada pelo modelo estrutural. Ou seja, o objetivo é indicar
quanto a variância dos constructos PA, PR, G, S depende do constructo de segunda
ordem CONFIANÇA interpessoal e institucional. Esse teste indica, portanto, a
qualidade do modelo ajustado. Tomaremos como referência os valores: R²=2%
classificado como efeito pequeno, R²=13% como efeito médio e R²=26% como efeito
grande (RINGLE et al., 2014). Observa-se na Tabela 12 que os valores referentes aos
161

quatro constructos estão acima de 0,30. Pode-se afirmar, então, que há um “efeito
grande” do modelo estrutural sobre cada um desses constructos de primeira ordem.
Dando sequência, deve-se avaliar se as relações do modelo são significantes. Há
dois tipos de relações no modelo de segunda ordem com o qual estamos trabalhando: as
correlações (relações entre variáveis e constructos) e regressões lineares (relações entre
constructos). Com objetivo de avaliar as significâncias das correlações e regressões, o
Smart PLS calcula Testes t-Student a partir do módulo Bootstrapping. Os valores t
precisam ser maiores ou iguais a 1,96 para que as relações sejam consideradas
significantes/válidas. Nesse caso, as setas da Figura 3 mostram que todos os valores das
relações constructo-variável e das relações constructo-constructo estão acima do valor
de referência.

Figura 3 - Valores do Teste T-Student

Fonte: gerado em SmartPLS2.0 com dados da pesquisa

Na sequência serão avaliados os valores de dois outros indicadores da qualidade


de ajuste do modelo: Validade Preditiva (Q²) ou indicador de Stone-Geisser, e
Tamanho do efeito (f²) ou Indicador de Cohen, ambos obtidos pelo uso do módulo
Blindfolding no Smart PLS. O primeiro avalia a qualidade da predição do modelo, ou
162

seja, se todos os constructos são importantes para o modelo, aproximando-se do que se


esperava dele (valor de referência maior que zero). O segundo avalia quanto cada
constructo é “útil” para o ajuste do modelo, obtido pela inclusão e exclusão dos
constructos, um a um (valores de 0,02 são considerados pequenos; 0,15 médios; 0,35
grandes). Os valores da Tabela abaixo mostram que o modelo tem acurácia e que todos
os constructos são muito importantes para o ajuste geral do modelo.

Tabela 7 - Validade Preditiva (Q²) e Tamanho do Efeito (f²)

Q² F²

G 0,385 0,478

PA 0,219 0,431

PR 0,187 0,423

S 0,286 0,432
Fonte: gerado em Smart PLS 2.0 com dados da pesquisa

Finalmente, parte-se para a interpretação dos Coeficientes de Caminho. São os


valores que estão nas setas entre os círculos azuis da Figura 2 (retomados na Tabela a
seguir). Esses valores permitem dizer, por exemplo, que aumentando a CONFIANÇA
interpessoal e institucional em um ‘ponto’, a confiança especificamente na Secretaria
Municipal de Educação aumenta em 0,8585. Uma vez que todos eles estão acima de
0,60, podem ser considerados muito adequados. Confirma-se novamente que o modelo
ajustado é robusto e se mostra válido.

Tabela 8 - Coeficientes de Caminho

G PA PR S

CONFIA 0,8585 0,637912 0,610783 0,740805


Fonte: gerado em Smart PLS 2.0 com dados da pesquisa

Pode-se afirmar que os testes empregados que analisam a qualidade do modelo


confirmaram que:
a) o grau de confiança relativo a cada um dos pares de relação depende
significativamente do grau de CONFIANÇA interpessoal e institucional como um todo;
b) uma porção elevada da variância da confiança relativa a cada um dos pares de
relação é explicada pelo modelo como um todo;
163

c) há relações significantes entre a confiança desenvolvida nos pais, na equipe


gestora, na SME e nos professores;
d) há relações válidas entre os cinquenta itens restantes e a confiança referente
ao par de relação que eles pretendem medir;
e) cada par de relação é muito importante para a medição do fenômeno da
CONFIANÇA interpessoal e institucional como um todo.
Simplificando, isso significa, de forma geral, que todos os constructos (ou seja, a
confiança em cada um dos pares de relação) ao mesmo tempo em que contêm
especificidades relativas a cada par, estão consistentemente relacionados uns com os
outros, sendo componentes relevantes de um mesmo fenômeno, que chamamos de
CONFIANÇA interpessoal e institucional.
Esse achado confirma nossa hipótese de que as relações no âmbito interno à
comunidade escolar só podem ser satisfatoriamente concebidas com a devida
consideração às relações de confiança construídas no âmbito externo, entre professores
e poder público. A análise estatística reforçou, portanto, a pertinência de introduzir esse
par de relações inicialmente não abordado na literatura sobre confiança nas escolas.
Outra questão confirmada pelo instrumento foi a pertinência das quatro
dimensões - construídas no diálogo entre a literatura, as entrevistas e o referencial da
AIP - para caracterização do fenômeno da confiança. Uma vez que os cinquenta itens
restantes guardam relação com nossas definições dessas dimensões, podemos afirmar
que o instrumento ajudou a confirmar que a construção da confiança depende, na visão
dos professores, de manifestações de respeito, consideração, integridade e competência,
as quais perpassam todos os pares de relação. Uma descrição mais detalhada dessas
manifestações consta nos tópicos seguintes de análise qualitativa dos dados
provenientes do campo.
O Anexo 1 traz o modelo final do instrumento (com os constructos, itens e
dimensões), após ter passado pelos testes da Análise Fatorial Confirmatória.

5.2. Análise Descritiva dos dados

A análise descritiva, realizada no Software SPSS 15.0, trouxe dados


interessantes quanto ao perfil dos respondentes. Houve certo equilíbrio entre ciclos:
25,6% dos respondentes dão aula no ciclo I, e 25,9% nos ciclos III e IV. A maioria dos
professores é experiente: 36,5% trabalha como docente há mais de 21 anos e 28,5%
entre 11 e 20 anos; 42% está na faixa etária acima de 47 anos. Esses dados mostram que
164

muitos professores estão em vias de se aposentar, havendo necessidade da Rede


Municipal de Campinas abrir novos concursos, além de pensar políticas públicas
específicas para a grande leva de novos professores que irão ingressar. Outro dado
curioso é que há uma grande rotatividade de professores na Rede Municipal de
Campinas: 50,7% dos professores está na mesma escola no máximo há três anos, sendo
que destes, 26,2% está há menos de um ano. Esse dado pode ajudar a explicar por que o
grau de confiança nessa rede não é elevado, como veremos a seguir.

1- Em quais ciclos você trabalha nessa escola?


CICLOS %
Ciclo I 25,6
Ciclo II 16,1
Ciclo III 5,9
Ciclo IV 6,3
Ciclos I e II 9,3
Ciclos III e IV 25,9
Ciclos I e III 0,5
Ciclos II e III 0,7
Ciclos II, III, IV 3,4
Ciclos II e IV 0,5
Ciclos I, II e III 0,5
Ciclos I, III, IV 0,5
Ciclos I, II, III, IV 5,0

2- Há quantos anos você trabalha como docente?


ANOS %
Até 5 anos 14,8
De 6 a 10 anos 20,1
De 11 a 20 anos 28,5
Acima de 21 anos 36,5
Total 100,0

3- Há quantos anos você trabalha como docente nessa escola?


ANOS %
Até 1 ano 26,2
De 2 a 3 anos 24,4
De 4 a 6 anos 16,5
De 7 a 12 anos 11,8
Acima de13 anos 21,0
165

4- Em qual faixa etária você se inclui?


ANOS %
De 18 a24 anos 0,9
De 25 a 35 anos 28,9
De 36 a 46 anos 28,2
Acima de 47 42,0

Analisemos agora os dados referentes à confiança propriamente. Prosseguindo


com a análise descritiva no SPSS 15.0, obtivemos as médias simples das respostas por
questão/item, e em seguida as médias simples das questões/itens por constructo, com
objetivo de verificar os graus de confiança dos professores em relação a cada segmento.
Observamos que os graus de confiança em todos os constructos não chegam a cinco
pontos (em uma escala de 0 a 6). Os constructos com os menores valores são “confiança
na relação professores - Secretaria Municipal de Educação” (2,49) e “confiança na
relação professores - pais/famílias” (3,5), como se pode observar na tabela e gráfico
abaixo.
Outro dado interessante é que os valores de desvio-padrão são significativos, ou
seja, as respostas dos sujeitos variam significativamente em torno da média (para cima e
para baixo). Ainda assim, olhando as frequências de respostas para cada item50,
podemos estabelecer alguns padrões de resposta por item: no padrão C (Concordo), a
maioria dos sujeitos (mais que 50%) respondeu de 4 a 6 (ou seja, de concordo um pouco
a concordo plenamente); no padrão D (Discordo), a maioria dos sujeitos respondeu de 0
a 2 (ou seja, de discordo plenamente a discordo um pouco). Na tabela abaixo, pode-se
perceber que os únicos itens com padrão “Discordo” são os S_54, S_55, S_56, S_58,
S_59, S_61, todos relativos à relação dos professores com a Secretaria Municipal de
Educação.

Tabela 9 - Médias por item e por constructo e Desvios-Padrão

Média Desvio Média - Média +


C/D
simples Padrão Desvio Padrão Desvio Padrão
PA_1 3,39 1,48 1,91 4,87 C
PA_7 4,23 1,35 2,88 5,58 C
PA_9 3,87 1,28 2,59 5,15 C
PA_10 4,4 1,09 3,31 5,49 C
PA_11 2,9 1,33 1,57 4,23 C

50
Os dados foram obtidos selecionando-se Analyze > Descriptive Statistics > Frequencies, no SPSS 15.0.
As frequências das respostas a cada item encontram-se no Anexo 8.
166

PA_12 3,07 1,29 1,78 4,36 C


PA_13 3,22 1,3 1,92 4,52 C
PA_14 2,96 1,33 1,63 4,29 C
PA_15 3,5 1,29 2,21 4,79 C
PAIS 3,5
G_16 5,18 0,96 4,22 6,14 C
G_17 4,81 1,32 3,49 6,13 C
G_18 4,62 1,47 3,15 6,09 C
G_19 3,95 1,68 2,27 5,63 C
G_20 4,49 1,31 3,18 5,8 C
G_21 4,26 1,54 2,72 5,8 C
G_22 4,84 1,39 3,45 6,23 C
G_23 4,54 1,46 3,08 6 C
G_24 4,57 1,37 3,2 5,94 C
G_25 4,07 1,5 2,57 5,57 C
G_26 4,56 1,3 3,26 5,86 C
G_28 5,05 1,17 3,88 6,22 C
G_29 4,13 1,7 2,43 5,83 C
G_30 4,34 1,45 2,89 5,79 C
G_31 4,78 1,19 3,59 5,97 C
G_32 4,29 1,65 2,64 5,94 C
G_33 4,47 1,41 3,06 5,88 C
G_34 3,99 1,82 2,17 5,81 C
GESTORES 4,5
PR_36 4,73 1,15 3,58 5,88 C
PR_38 4,89 1,13 3,76 6,02 C
PR_39 4,47 1,26 3,21 5,73 C
PR_40 4,5 1,31 3,19 5,81 C
PR_41 4,52 1,11 3,41 5,63 C
PR_42 5 0,99 4,01 5,99 C
PR_43 4,66 1,23 3,43 5,89 C
PR_45 4,57 1,24 3,33 5,81 C
PR_46 4,6 1,18 3,42 5,78 C
PR_47 4,61 1,33 3,28 5,94 C
PR_49 4,12 1,37 2,75 5,49 C
PR_50 4,5 1,19 3,31 5,69 C
PROFESSORES 4,6
S_51 3 1,64 1,36 4,64 C
S_52 3,18 1,5 1,68 4,68 C
S_53 2,91 1,56 1,35 4,47 C
S_54 2,03 1,57 0,46 3,6 D
S_55 1,64 1,48 0,16 3,12 D
168

dinâmicas de redistribuição. Nesse sentido, veremos como a confiança interpessoal e


institucional está associada ao papel distributivo do poder público e à participação nos
espaços públicos de negociação.

5.3. Confiança e Redistribuição: professores e Secretaria Municipal de Educação

Nesse tópico, pretendemos defender que o papel distributivo do poder público


em alocar adequadamente recursos físicos e materiais para as escolas, bem como
condições satisfatórias de trabalho aos professores, é importante para a construção de
relações de confiança interpessoal e institucional.
Da mesma forma, mostraremos que um tipo de participação específico - via
instituições democráticas com poder de afetar os resultados da distribuição de bens e
recursos, bem como as concepções do que é uma educação de qualidade - também se
relaciona à construção da confiança. Na linha da argumentação cíclica de Fraser (2003)
que relaciona redistribuição e reconhecimento com participação51, os professores
precisam participar de espaços democráticos para conquistar melhores condições de
trabalho e terem seus pensamentos sobre educação reconhecidos, ao mesmo tempo em
que condições objetivas e intersubjetivas adequadas são necessárias à prática
participativa.
A pertinência desse tópico, focado na questão da redistribuição e da
participação, também é justificada pela teoria de Misztal (1996), segundo a qual a
confiança enquanto recurso para cooperação social depende da legitimidade das
instituições públicas. Tal legitimidade, por sua vez, depende da existência de estruturas
institucionais de democracia deliberativa, que garantam oportunidades para os cidadãos
participarem das tomadas de decisões que afetam suas vidas, sobretudo aquelas
relacionadas à provisão do bem-estar social e econômico.
Como se pode observar no gráfico acima, o grau mais baixo de confiança foi em
relação à Secretaria Municipal de Educação. Uma questão que pode ajudar a explicar
esse dado diz respeito ao caráter autoritário assumido pela SME na visão dos
professores entrevistados, uma vez que 15% deles remetiam a palavras como “controle”
e “imposição” quando perguntados sobre essa instituição:

14. A gente perdeu muito o caráter da escola, autonomia escolar pra decisões escolares. O que
era escolar não é mais, é decidido na SME e depois rebate aqui. Eu percebo que existem
algumas coisas que são levadas muito a ferro e fogo. Que o pessoal dá uma razão pros pais e

51 Essa argumentação foi exposta no item 1.1 da presente tese.


169

pra pessoas que não entendem nada de educação, dão razão pra essas pessoas, e quem tem anos
de experiência fica relegado ao nada [...] A SME deveria confiar nos professores e nos gestores,
deixar ousar, tem que buscar dos professores e gestores a melhoria.
13. Eles só vêm pra impor. Sempre acontece de uma forma muito truculenta. Tão sempre
distantes, e quando vem é pra impor. Causa na gente certa aversão. Deveriam dar respaldo pra
que todos trabalhassem de uma forma melhor na escola [...].Vejo como uma instância de
cobrança e não de assistência.52

Outros analisam que há um distanciamento grande dessa instituição em relação


às unidades escolares. Nesse aspecto, 30% dos professores entrevistados relataram
sentir necessidade de uma aproximação maior de representantes da SME com a
realidade das escolas.

1. Tem que auxiliar pedagogicamente, estar mais presente na escola, mas não para pressionar,
para ajudar.
4. Eles têm que ter contato mais próximo com a escola, percepção do cotidiano escolar, da
especificidade de cada escola, das necessidades e características reais de cada escola.
8. Penso na SME como um prédio distante onde as coisas são decididas pensando mais no peso
econômico, em reduzir gastos.
13. Falta vínculo da Secretaria com o trabalho pedagógico, com o que acontece na escola, estar
presente nas reuniões, Conselho, espaços da escola, fazer parte do coletivo, pra entenderem por
que reprovamos, por exemplo, como o processo de dá.
17. Deveriam ter uma relação mais próxima com a comunidade, participar das reuniões,
palestras pra comunidade, pra mostrar que somos uma equipe. Assim comunidade se sentiria
mais segura.
29. Pra ter confiança na SME, eles deveriam estar mais próximos da realidade da escola,
mostrar a cara, ir mais à escola.

Segundo os entrevistados, o supervisor educacional, profissional lotado no nível


descentralizado dos NAEDs, seria a figura capaz de concretizar essa relação mais
pessoalizada entre escolas e SME, pois é esse cargo que têm atribuição de realizar
visitas às escolas. Os professores esperam, no geral, que essa aproximação sirva para os
supervisores enxergarem mais de perto a realidade das escolas e as apoiarem em suas
necessidades, ajudando-as a resolver questões diretamente pedagógicas, ou relativas a
condições de trabalho e ao encaminhamento de alunos para órgãos de apoio
especializado.

3. Quero respaldo, apoio. Na educação especial isso se manifesta em recursos, por exemplo,
mais fonos e psicólogos para dar atendimento adequado ao aluno.
11. Quero suporte para amparar o trabalho da escola, quando a escola tem problema e não dá
conta de resolver. Agilidade na resposta ao problema. NAED poderia ter procedido de outra
forma no caso de aluno com problema de agressividade, encaminharam pra abrigo ao invés de
pensar em algo que a escola pudesse fazer para ajudá-lo.

52
Cada número corresponde a um professor entrevistado. Lembrando que foram trinta professores.
170

17. Atender às necessidades da comunidade escolar, nas questões além das pedagógicas, que
envolvam saúde, questão familiar, articulação intersetorial, pra dar maior atenção ao aluno.
18. A lei deveria ter flexibilidade para se ajustar ao que a escola precisa. Por exemplo, CHP
(hora de reforço com aluno) poderia ser usada pra planejamento.
18. Deveria se preocupar com questões pedagógicas, ter mais tempo pra conversar com o
professor, reuniões focadas nas dificuldades de grupos menores (profs. do 1º ano por ex), para
ver o que se pode fazer para o aluno melhorar, planejar estratégias a longo prazo.
19. Dar resposta para questões como problemas de alunos (saúde, família, violência).
22. Precisam olhar mais o lado do professor. Ouvem mais o pai, por exemplo, quando querem
matricular mais alunos mesmo a escola já estando no limite.
26. Falta apoio na questão pedagógica, saber lidar com alunos que precisam de atendimento
especializado. Pra onde encaminho, o que faço?
Os professores esperam que eles venham mais à escola no dia a dia pra conhecer a comunidade,
conhecer as situações reais, pra não mandar mais aluno pra um espaço que não comporta.
Estar aqui conosco, ver que preciso de uma sala, não tenho infra-estrutura, quais adequações a
gente faz.(Orientador Pedagógico E)
28. O supervisor vem à escola quando é chamado, por exemplo, no caso do fechamento do
período intermediário. E ouvem as demandas, ainda que não atendam sempre. Há uma
negociação, veem o que é possível fazer. As turmas fecharam, não teve jeito, mas ajudaram a
gente na transição, alugando um barracão bem perto da escola.

No entanto, nem sempre essas visitas cumprem as expectativas verbalizadas


pelos professores. Em partes porque o objetivo dessas visitas, segundo determinação
legal, restringe-se a “supervisionar os estabelecimentos de ensino sob sua
responsabilidade, acompanhando as questões de caráter administrativo e legal,
cumprindo e fazendo cumprir a legislação vigente”53. O apoio mais diretamente
pedagógico não faz parte das atribuições legais desse cargo. A figura responsável
antigamente por realizar esse apoio eram os coordenadores pedagógicos (CPs), que a
partir de 2014 passaram a estar lotados no nível central da SME.

o PPP passava pela análise do CP, que subsidiava e dava um parecer: o que a escola colocou
no PPP? Essas ações vão dar conta de atingir a meta? Essa escola tem muitos alunos sem
conceito, o que ta havendo? Auxiliava a escola a pensar seu Projeto. Era mais próximo, ia lá e
analisava, “essa classe ta com muitos alunos sem conceito, sem bom desempenho, o que ta
acontecendo?”. Todos trabalhavam o PPP. E também ajudava a implementar a política, fichas
descritivas, diretrizes curriculares. (Coordenador Pedagógico 1)
[os CPs] estavam muito próximos a escola, iam à escola, participavam das reuniões, tinha um
apoio pedagógico próximo, acompanhavam organização da escola, tempos pedagógicos, TDCs,
planejamento dos professores, CPAs, planejamento do trabalho dos OPs. (Coordenador
Pedagógico 2)

Com a saída desses profissionais do nível dos NAEDs, os professores parecem


estar sentindo falta daquele acompanhamento pedagógico, o qual não é suprido pelo
supervisor. Além disso, os professores entrevistados mencionaram que os supervisores
53
Diário Oficial do município de Campinas. Campinas, quinta-feira, 31 de julho de 2014.
171

vão com pouca frequência às escolas, só para resolver problemas pontuais diretamente
com a equipe gestora referentes, por ex., à matrícula, fechamento de turmas,
transferência de alunos, tendo pouco contato com a equipe docente.
Segundo uma Orientadora Pedagógica entrevistada, os supervisores cobram “o
cumprimento de determinações legais (preenchimento de ficha, do PPP online,
reposição de aula)”, o que ela considera um trabalho “muito legalista, pautado em
números, quantidade, não é orientação pedagógica”. Um coordenador pedagógico
entrevistado concorda que “o olhar ainda é legal, administrativo, ver se falta professor,
se o aluno ta sem escola, se o ponto escola foi entregue no prazo, se tem aula pra repor,
transferência pra aluno”, o que ele considera uma “carga burocrática intensa, que
toma muito tempo, enquanto o trabalho mais pedagógico, olhar pras fichas descritivas,
pro Projeto Pedagógico, fica em segundo plano”.
O instrumento confirmou que a proximidade da SME em relação às escolas,
manifesta de forma pessoalizada na figura do supervisor, influencia a construção da
confiança dos professores em relação ao poder público. Nos três itens 40, 41 e 42,
relativos a essa questão, a maior percentagem de respondentes alegou ser
indiferente/não sei/não se aplica (resposta 3). Como alguns salientaram, “não existe
muito contato entre SME/Supervisor e os professores, tanto que nem sei o nome dele”;
“vejo pouco a supervisora... quando está na escola, não fico sabendo que assunto veio
tratar ou resolver”, segundo comentários por escrito deixados por professores na parte
aberta do questionário.

Tabela 10 - Itens e Médias da Relação Professor-Secretaria Municipal de Educação

MÉDIA
ITEM
(0-6)
40. O(a) supervisor(a) conhece a realidade de nossa escola. 3
41. O(a) supervisor(a) mostra prontidão em comparecer à escola quando é solicitado
3,18
para ajudar a resolver algum problema.
42. O(a) supervisor(a) nos ajuda a defender as necessidades da nossa escola. 2,91
43. A SME cria espaços e oportunidades para ouvir a opinião dos professores sobre
2,03
questões que impactam a qualidade da educação.
44. A voz dos professores é considerada pela SME nos processos de tomada de decisões. 1,64
45. A SME cumpre adequadamente sua parte de responsabilidade na garantia de uma
2,06
educação pública de qualidade.
46. A SME compromete-se com a melhoria da minha qualificação profissional, criando
3,33
espaços e oportunidades para isso.
47. No que se refere à infra-estrutura, a SME oferece boas condições de trabalho para
2,36
nossa escola.
48. A SME oferece boas condições de trabalho para nossa escola, no que se refere à
2,31
garantia de quadro completo de docentes, funcionários, e equipe gestora.
172

49. Em termos de salário/jornada/formação, os professores têm boas condições de


3,19
trabalho nessa rede.
50. Estou satisfeita(o) com o desempenho do atual governo municipal na área da
1,41
educação.
MÉDIA GERAL 2,49
Fonte: dados da pesquisa. O programa SPSS calculou as médias das respostas para cada item, lembrando
que o intervalo é de 0 a 6 (0-discordo totalmente; 6-concordo totalmente).

Os dados quantitativos corroboram os dados qualitativos das entrevistas


exploratórias. As principais faltas sentidas pelos professores dizem respeito à
infraestrutura física das escolas e ao provimento de profissionais em número suficiente,
e às oportunidades de participação/escuta nos processos decisórios. Em termos de
qualificação, salário, jornada e formação, a avaliação foi mais positiva, mas ainda assim
a percentagem maior de respostas foi “concordo pouco”.
Todos esses dados no conjunto ajudam a explicar a baixa satisfação dos
professores com o desempenho do atual governo municipal na área da educação, bem
como a avaliação de que a Secretaria Municipal de Educação não cumpre
adequadamente sua parte de responsabilidade na garantia de uma educação pública de
qualidade.
Dialogando com os dados das entrevistas exploratórias, os professores
mencionaram bastante que esperam da SME condições adequadas de trabalho, o que se
manifesta na infra-estrutura física (quadras cobertas, salas de aula em número
suficiente, laboratórios de informática e de ciências); recursos humanos (quadro de
professores e funcionários completo, educadores sociais para escolas de tempo integral,
criação de novos cargos como bibliotecário e monitor de informática); materiais e
equipamentos (“em consonância com o que a escola precisa”); remuneração e
composição de jornada (lei do piso e garantia de tempos pedagógicos para formação,
trabalho coletivo e desenvolvimento de projetos na escola, valorização do professor);
número adequado de alunos por sala.
Esses dados também podem ser comparados com as demandas feitas pelas
escolas à Secretaria de Educação na ocasião das Reuniões de Negociação. A partir dos
arquivos disponibilizados pelo Núcleo de Avaliação Institucional, pudemos categorizar
os tipos de demandas feitas nessas reuniões nos anos de 2010, 2011 e 201454. Dessa

54
Quanto às demandas de 2014, utilizamos tabelas organizadas pela SME com as demandas das escolas
das regiões NOROESTE, NORTE e SUL. Algumas escolas destas regiões, bem como escolas da LESTE
e SUDOESTE, não constavam nessas tabelas, e para estas escolas recorremos às apresentações/slides que
as escolas enviaram à SME. Quanto a 2010 e 2011, utilizamos folhas impressas que a SME nos
disponibilizou, nas quais constavam as demandas por escola. Esses dados dispersos nos permitiram
173

sistematização, concluímos que as RNs são utilizadas para a escola colocar suas
demandas individuais a respeito das condições estruturais de seu funcionamento, sendo
as questões mais frequentes aquelas relativas à infraestrutura física e recursos humanos -
44,8% e 29,7% respectivamente, das 575 demandas.

Gráfico 3 - Tipos de Demandas das Reuniões de Negociação

300
250
200
150
100
50
0

Fo ola
os

Se o

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Fonte: elaborado pela pesquisadora

Nesta primeira categoria, apareceram principalmente: pedidos de construção,


ampliação e/ou reforma de espaços da escola utilizados para atividades com alunos
(salas de aula, biblioteca, laboratórios, quiosques, quadras), entre outros, como cozinha,
refeitório, banheiros, almoxarifado etc. As escolas reclamam da ausência ou tamanho
reduzido dos espaços que possuem, reivindicando em alguns casos que se alugue outro
espaço para ampliação da Unidade, ou mesmo que se construam outras EMEFs na
região. Algumas reformas bastante reivindicadas são construção de rampas de
acessibilidade para deficientes e cobertura da quadra de esportes. Aqui também
apareceram pedidos de pequenas reformas como troca de azulejo do banheiro e pintura
de muro, alguns cuja responsabilidade de execução é da escola a partir do dinheiro do
“Conta Escola”.
Na segunda categoria, as reivindicações giram principalmente em torno de:
contratação de professores (titulares e adjuntos) e funcionários (inspetores de alunos,

montar, primeiramente por escola, tabelas com as demandas de todos os anos (2010, 2011, 2014). Depois,
categorizamos as demandas de todas as escolas e de todos os anos de acordo com a semelhança de
conteúdo observada entre elas (BARDIN, 2004).
174

agente de limpeza, agente administrativo etc), de forma a completar o quadro necessário


para o bom atendimento dos alunos/comunidade em todos os turnos;
profissionais/estagiários que auxiliem o trabalho pedagógico nas salas de
informática/multimídia e na biblioteca; monitores/cuidadores de educação especial. Nas
duas escolas em que realizei as observações, os professores sentiam bastante
necessidade de mais apoio na lida com o aluno especial. Julgavam necessário ter mais
oportunidade para conversar com a professora de educação especial, lamentando que
naquele momento isso era inviável, pois havia somente uma professora para todos os
turnos, e não havia tempo de planejamento entre pares incluído na jornada. Outras
questões que impactam são o número insuficiente de cuidadores e a quantidade elevada
de alunos por turma, dificultando a atenção individualizada.
Uma demanda bastante recorrente nas Reuniões de Negociação é a garantia de
que a escola tenha a equipe de professores completa, inclusive professores que
substituam os titulares nos casos de licenças, faltas e abonadas. Relatam que a
substituição tem sido precária, devido à demora no envio desses profissionais à escola, e
por conta de muitas vezes não possuírem formação compatível com a disciplina
assumida. Para não prejudicar os casos de faltas/abonadas, reivindicam que haja
profissionais “contínuos livres” nas unidades escolares, que “não tenham carga
atribuída”, e que os adjuntos participem das atividades com os professores titulares.
A falta de equipe completa de profissionais influencia a confiança dos
professores no poder público, e parece afetar também a confiança nas relações internas
da escola. Há algumas situações emblemáticas trazidas pela pesquisa de campo que nos
ajudam a explicar a correlação entre confiança institucional e interpessoal aferida no
teste quantitativo. Segundo uma Orientadora Pedagógica entrevistada, por fazer parte da
equipe gestora da escola que apresentou mais alto grau de confiança da rede:

Vejo essa situação de confiança localizada no ano passado [2016], quando você aplicou o
questionário. Porque tínhamos uma equipe completa de professores e a equipe gestora completa,
e também o quadro de apoio administrativo completo. Nessas condições havia de fato essa
confiança aqui dentro: tínhamos alguns combinados, quando surgia alguma questão que
precisávamos discutir, fazíamos isso nas RPAIs, CPA. Conseguimos trazer apoio das famílias...
a família tinha uma visão que aqui era uma bagunça, aí depois criamos procedimentos pra tudo.
A figura do diretor era importante pra isso. Ele também era o responsável por fazer compra dos
materiais que os professores pediam... Hoje [sem diretor/a] os professores precisam de lista de
material, mas a gente não consegue comprar. Aí cria uma apatia: professor bravo falando da falta
de condição de trabalho... e a gente [OP e vices] ta dando jeitinho em tudo, tivemos que pedir
pro diretor da outra escola assinar a compra, porque a gente não pode assinar papelada pra
compra. Nesse ano também tivemos muita situação de pais querendo agredir a gente. Teve
semana passada reunião com a supervisora pra essa mãe entender que ela não pode entrar
qualquer hora na escola....com o diretor aqui ele conseguia segurar esses problemas. Chegava um
175

pai desse jeito, e ele que resolvia. Ele dava o tom da música, a gente negociava... e agora a gente
ta apagando fogo... A gente tem que fazer de tudo agora, questões de relacionamento,
comportamento... estamos vivendo um momento de descaracterização da nossa função. Isso
fragiliza nossa confiança na SME. Ano passado a gente tinha condições melhores, por isso deu
que a confiança aqui era alta (Orientadora Pedagógica da escola com maior grau de confiança
segundo nosso instrumento, 13/04/2017).

A “descaracterização da função” parece fragilizar a confiança nas relações


internas, pois os professores dirigem certas expectativas à orientadora pedagógica que,
por estar com a equipe gestora e de funcionários incompleta, não consegue cumpri-las
adequadamente.
Outra situação aconteceu na Escola B, onde também há expectativas frustradas,
pois os professores esperam que a diretora dê conta de resolver um problema criado pela
ausência de adjuntos. Eles reclamam que os alunos, quando estão de aula vaga devido à
falta de algum professor, bagunçam muito, atrapalhando quem está tendo aula.
Atribuem essa bagunça à falta de postura da equipe gestora, que, segundo eles, não
repensa formas de “subir aula” dos professores, não cobra comportamento adequado dos
alunos, ou não está presente na escola em determinados dias da semana. No entanto, em
conversa comigo, ela lembra que faz parte de sua função ausentar-se alguns períodos
para comparecer a reuniões externas, reforçando que essa cobrança dos professores é
descabida. Também ressalta que não deveria depender só dela o controle da disciplina,
que a SME deveria cumprir sua parte de responsabilidade garantindo adjuntos para a
escola, da mesma forma que os professores também deveriam se responsabilizar em
avisar com antecedência quando irão abonar ou faltar.
Em suma, nas duas escolas a desresponsabilização da SME em prover equipe
completa de profissionais gerou uma sobrecarga de expectativas na orientadora
pedagógica e na diretora que elas não deram conta de cumprir, o que ajudou a fragilizar
a confiança interna. Por outro lado, na Escola A pude perceber como o quadro completo
de profissionais e sua permanência na escola é capaz de modificar positivamente as
relações internas, como narra o Orientador Pedagógico:

Até 2014, havia muitas mudanças nos cargos inclusive na equipe gestora, as pessoas eram
transitórias e faltava comprometimento. Havia muito enfrentamento, falta de diálogo, de gestor
com aluno, professor com aluno, polícia vinha sempre tirar aluno da escola. Agora a SME
mudou o olhar, a partir de 2014, completou quadro com professores efetivos. Alunos passaram a
ter rotina, e uma equipe gestora olhando pra eles o tempo todo (Diário de Campo, Escola A,
04/08/2016).

Em terceiro lugar, apareceu a categoria das demandas referentes ao número de


alunos por turma. Estas, junto com outras como fortalecimento dos espaços
176

participativos na rede, compuseram a categoria “outros”. Isso porque reivindicar menor


quantidade de alunos por sala relaciona-se tanto com estrutura física (mais salas de aula)
quanto com recursos humanos (mais professores), de forma que não foi possível
encaixá-la em apenas uma dessas categorias. Da mesma forma, a reivindicação de
momentos participativos apareceu com frequência muito baixa nos documentos das
RNs, não justificando a criação de uma categoria exclusiva para isso. Apesar disso,
discutiremos adiante que nas entrevistas uma quantidade expressiva de professores
reivindica maior participação na condução da política da rede.
Em quarto lugar, mas ainda com número expressivo de demandas, veio a
categoria “ações intersetoriais”. Aqui apareceram reivindicações relacionadas a diversas
parcerias que as escolas precisam firmar com outras Secretarias e serviços da prefeitura
para que as crianças sejam atendidas integralmente em suas necessidades. Muitas
escolas solicitam maior interação com o Serviço de Saúde/Posto de Saúde local, que
este atenda satisfatoriamente os alunos encaminhados principalmente para as áreas de
fonoaudiologia e psicologia, pois relatam que “muitos encaminhamentos ficam parados
e sem atendimento, dificultando assim o desenvolvimento escolar do aluno”. As escolas
reivindicam essa interação de diferentes formas: que haja reuniões do pessoal das
escolas com os profissionais da saúde para apresentação das necessidades dos alunos;
formação de um “centro de especialidades que reúna tais profissionais”; presença de
uma “equipe de apoio escolar (fonoaudiólogo, psicólogo, assistente social, agentes de
saúde, terapeutas, oftalmologista e psicopedagogos)”, que tenha relação direta com as
Unidades Escolares, auxiliando de perto os pais/professores na avaliação diagnóstica e
acompanhamento dos alunos. Também salientam a necessidade de ações efetivas e
eficazes junto ao Conselho Tutelar.
Outra questão importante, que apareceu de diversas formas nas entrevistas e nas
Reuniões de Negociação, refere-se à composição da jornada e tempos pedagógicos para
formação, trabalho coletivo e realização de projetos na escola. Os entrevistados
valorizam condições adequadas para que possam participar de cursos de formação, e
para que a escola consiga implementar projetos de acordo com suas necessidades. No
entanto, ressaltamos que, para o conjunto dos entrevistados, essas “condições
adequadas” não significam necessariamente incorporar na jornada a formação, os
projetos, os tempos coletivos.
177

Uma coordenadora pedagógica que participou da Comissão de Estudos sobre


Jornada, Carreira e Formação55 considera que essa questão de incluir na jornada tempos
pedagógicos além do trabalho em sala de aula é polêmica:

Ao discutir jornada em 2013, e fui da comissão que sistematizou as propostas da rede, vimos que
há grandes resistências dos professores em ampliar jornada, colocar na carga obrigatória a
formação etc. Vieram à tona as várias visões: dos que querem jornadas mais coerentes com uma
dedicação ao trabalho, como profissão de alta responsabilidade, que viam isso como
potencializador da escola e do trabalho do professor; e dos que não querem muito envolvimento
com a escola, querem dar sua aula e sair correndo, se cansavam dessas horas, faltavam,
reclamavam, queriam abrir mão. Era penoso também pra quem acumulava trabalho com outras
redes; outros preferiam mais tempo com a família, por isso não queriam formação ou horas de
trabalho coletivo na jornada. Não era assim tão simples, a polêmica era grande. (Coordenadora
Pedagógica, grifo meu).

Nas Reuniões de Negociação, apareceu apenas em sete reivindicações a


formulação de uma nova jornada para o professor, que amplie seu tempo de
permanência na escola em momentos de planejamento coletivos garantindo inclusive
sua participação nas CPAs e em cursos/projetos de formação continuada. Nas palavras
de algumas escolas, pede-se a “implementação total da Lei do Piso” para “realização de
atividades coletivas/recuperação paralela/CPA”, uma vez que “o tempo é insuficiente
para discussão coletiva e realização de trabalhos interdisciplinares, incluindo a
coordenação de ciclo”.
No entanto, a baixa ocorrência dessas reivindicações nos documentos das
Reuniões de Negociação pode ocorrer também pelo fato de que as escolas acabam
utilizando as RNs para solicitar questões mais individualizadas. Pouco se toca em
questões que impactariam a formulação de novas resoluções e políticas públicas para o
conjunto das escolas e dos profissionais. Talvez isso ocorra, entre outras questões, pelo
próprio caráter da CPA, que foi pensada, segundo a resolução de sua criação
(RESOLUÇÃO SME Nº 05/2008), para se referir ao processo de auto-avaliação da
própria Unidade Escolar, pelo qual se “constrói conhecimento sobre sua própria
realidade com a finalidade de planejar as ações destinadas ao aprimoramento
institucional (...)” (grifos meus). Isso também pode explicar porque a
criação/fortalecimento de espaços de participação na rede não é tão reivindicada nas
RNs quanto nas entrevistas.
Com vistas a entender melhor as expectativas dos professores quanto à jornada,
recorremos também à análise do Relatório56 elaborado pela Comissão de Estudos sobre
55
Essa comissão foi formada em 2013, visando a subsidiar a SME na implementação da Lei 11.738 de 16
de julho de 2008, que regulamenta o Piso Salarial Nacional para os Profissionais do Magistério Público
da Educação Básica.
178

Jornada, Carreira e Formação (2013), o qual traz propostas de todas as escolas da rede a
respeito dessa questão. O Relatório documenta que “a grande maioria dos professores
(87%), sejam eles da educação infantil ou fundamental/EJA do ensino fundamental,
defende a proposta que a formação esteja incluída na jornada semanal”; e que, apesar da
baixa indicação de ampliação dos Tempos de Trabalho Coletivos (TDC), 54% dos
professores dos anos iniciais e 55% dos anos finais do Fundamental propuseram a
criação de outros tempos de trabalho coletivo direcionados especificamente para
planejamento dentro do mesmo ciclo, período, ou área curricular (COMISSÃO DE
ESTUDOS SOBRE JORNADA, CARREIRA, FORMAÇÃO, 2013).
Esses dados corroboram o que temos observado em campo. Os professores
ressentem a falta de momentos de planejamento entre pares, sem a presença da equipe
gestora como no TDC, nos quais possam trabalhar em conjunto com os colegas de ciclo,
ou sentar com a professora de educação especial e planejar atividades para os alunos
com deficiência: “eles querem que a gente trabalhe em ciclo, mas não conseguimos
sentar junto!” (Diário de Campo Escola B, 13/03/2017).
Os professores também reclamavam que havia cada vez mais cobrança da
Secretaria sem a contrapartida do apoio necessário em termos de tempo e condições
materiais. Por exemplo, durante boa parte do ano de 2017 eles tentaram se adaptar a
uma nova exigência de registrar as faltas/presenças dos alunos em um sistema online, o
que gerou bastante insatisfação. Eles reclamavam que os computadores das salas de
informática eram precários, o sinal de wifi não chegava às salas de aula, nem todos os
professores receberam tablets, e que o sistema era muito ruim e demorado. Diante dessa
situação, pediam às equipes gestoras se podiam usar algum tempo pedagógico para
transportar os registros do papel impresso ao sistema, o que era dificilmente atendido
dado que o escopo de atividades permitidas nesses tempos tornava-se cada vez mais
limitado.
Em 2017, a jornada do professor de ensino fundamental incluía, além do tempo de
aula propriamente (TDA), o Trabalho Docente Coletivo de reunião entre professores e
equipe gestora (TDC), o Trabalho Docente Individual, utilizado para atendimento aos
pais (TDI) e o Trabalho Docente Preparação de Aulas (TDPA). O TDEP (Trabalho
Docente entre os Pares) existe apenas para as escolas de Educação Integral.

56
O objetivo do relatório era subsidiar a SME Campinas na implementação da Lei 11.738 de 16 de
julho de 2008, que regulamenta o Piso Salarial Nacional para os Profissionais do Magistério Público da
Educação Básica.
179

Para realização de formação continuada, projetos na escola, e participação na


CPA, os professores podem optar pela Hora-Projeto (HP), que não faz parte da jornada.
Alguns possuem em sua jornada a CHP - apenas aqueles que ingressaram na rede antes
de 2004 e optaram por manter essas horas na jornada, utilizadas também para formação
e realização de projetos. As professoras da Escola B relataram usar a CHP para planejar
atividades com a professora de educação especial. No entanto, em janeiro de 2017 a
SME lançou uma resolução limitando o uso da CHP, gerando insatisfação no corpo
docente dessa escola. Desde então, essas horas deveriam ser usadas apenas para
atividades diretas com o aluno, pois, segundo Orientadora Pedagógica dessa escola, “em
reunião a supervisora disse que os índices da prefeitura estão muito baixos na
avaliação externa, então a orientação foi usar todos os tempos pedagógicos para
recuperação dos alunos” (Diário de Campo Escola B, 13/03/2017).
Considerando que a maior parte dos professores respondeu o instrumento em
57
2016 , anteriormente à resolução acima, pode-se afirmar que ele não captou a
insatisfação dos professores com essa modificação. No item “Em termos de
salário/jornada/formação, os professores têm boas condições de trabalho nessa rede?”, a
maior parte dos respondentes marcou “concordo pouco” (30,5%). Ainda assim, os
respondentes estão mais distribuídos no nível do concordo (55,2%) do que do discordo
(41,3%).
Analisamos que, apesar das insatisfações acima mencionadas, a maioria dos
professores avalia positivamente o desempenho do poder público nesse aspecto, pois,
pelo menos até 2016, havia a possibilidade de fazerem projetos, formação e
planejamento coletivo através das horas CHP e HP. Isso é considerado suficiente por
muitos professores, pois nem todos almejam a inclusão desses tempos na jornada. Como
disse uma entrevistada, “comparando com outras redes que temos hoje no país, a nossa
é avançada quanto a essas possibilidades”. Ela completa, no entanto, que quando se
compara com outras profissões de mesma formação, o professor é desvalorizado e as
condições são precárias. Essa ambiguidade pode explicar o “concordo pouco” dos
professores nesse item.
Vale retomar que as questões do instrumento foram construídas a partir da
pergunta feita a trinta professores da rede: “O que você espera da SME? Do que
depende sua confiança nessa instituição?”. Isso significa que todos os aspectos acima

57
Apenas três escolas responderam em 2017.
180

mencionados, desde condições de trabalho à permeabilidade dos processos decisórios,


fazem parte das expectativas dos professores quanto ao desempenho e às características
dessa instituição. Eles avaliam o desempenho da SME em termos de resultados
concretos, manifestos no provimento de condições de trabalho, mas também avaliam
suas características, no sentido de abertura das estruturas de poder às demandas
docentes. Por enquanto, vimos que os professores esperam poder influenciar algumas
decisões da SME (ex. quantidade de alunos por turma, uso do CHP) via proximidade do
supervisor com a realidade das escolas. Veremos que eles também esperam canalizar
suas demandas através da participação em espaços institucionais da rede. Na medida em
que a avaliação desses aspectos corresponda às expectativas depositadas, desenvolve-se
então a confiança dos professores nessa instituição.
A baixa confiança dos professores na Secretaria Municipal de Educação
corrobora achados já documentados na literatura sobre confiança política nas
instituições democráticas (NEWTON & NORRIS, 1999; MOISÉS, 2005; RIBEIRO,
2011). Tais estudos documentam uma onda global de desencanto com essas instituições,
o que seria explicado, sobretudo, pela sua ineficácia em desempenhar as funções para as
quais foram criadas, na percepção dos cidadãos.
Utilizando os dados do World Values Survey (WVS)58 em suas sucessivas ondas
desde 1980 até 2005, Ribeiro (2011) conclui que nos países da América Latina, o
contexto de transição democrática gerou uma série de expectativas positivas em relação
à democracia e às instituições que se solidificavam. No entanto, a ineficiência da
maioria dos regimes implementados no atendimento a essas expectativas, sobretudo nas
áreas econômica e social, levaram gradualmente ao desencanto e ceticismo em relação
ao sistema político, o que aparece claramente nas baixas taxas de confiança depositadas
em suas instituições fundamentais, como o parlamento, partidos políticos, poder
judiciário, serviços públicos e sindicatos.
Esse estudo mostrou que a confiança em tais instituições é influenciada pela
avaliação concreta que os indivíduos fazem do sistema político, medida pela pergunta
V163 do WVS: “Em que medida o Brasil está sendo governado de maneira democrática
hoje?”. Outra variável que se mostrou relevante para a formação da confiança foi
relativa à avaliação da situação financeira familiar, o que de alguma forma está ligado à

58
O WVS é uma grande investigação sobre mudanças socioculturais e políticas, executada por uma rede
global de cientistas sociais a partir de surveys aplicados a amostras nacionais representativas de mais de
oitenta nações espalhadas por todos os continentes do planeta.
181

avaliação do governo, em termos das consequências que suas escolhas políticas geram
na vida privada (RIBEIRO, 2011).
Na mesma linha, Newton e Norris (1999) também utilizam dados do WVS
(1981-84; 1990-93) para documentar a crescente desconfiança política nas instituições
públicas da democracia representativa, desta vez nos países centrais de industrialização
avançada, considerando o parlamento, sistema legal, forças armadas, polícia, e serviços
civis. A explicação para o declínio da confiança foca no desempenho dos governos e
instituições políticas. Por meio de regressões estatísticas e influenciada pela teoria de
Robert Putnam, a pesquisa mostrou que, no nível agregado nacional, redes densas e
vibrantes de capital social, e os elevados níveis de cooperação e confiança a elas
associados, conduzem a instituições eficientes e responsivas às demandas dos cidadãos.
O bom desempenho dessas instituições, por sua vez, gera níveis elevados de confiança
política, o que sinaliza para uma relação entre confiança social e confiança institucional
mediada pelo desempenho das instituições.
Especificamente sobre o caso brasileiro, pesquisas recentes mostram que, apesar
do apoio ao regime democrático per se, cerca de 2/3 dos brasileiros não confiam - em
diferentes graus - em parlamentos, partidos políticos, órgãos executivos, tribunais de
justiça e serviços públicos de saúde, educação e segurança (MOISÉS, 2005a), o que
sinaliza para a multidimensionalidade do conceito de confiança: confiar nos princípios
do regime é diferente de confiar no desempenho concreto de suas instituições.
O autor busca as raízes dessa desconfiança nas teorias institucionais, segundo as
quais a explicação da confiança política radica na experiência dos cidadãos com as
instituições. A confiança é gerada, assim, pela avaliação crítica que eles fazem do
funcionamento concreto das instituições a partir do que aprenderam que é a sua missão
fundamental. A confiança depende, então, tanto da internalização de valores
normativos, ou seja, da identificação das pessoas com as instituições, aprendida através
de processos sucessivos de transmissão de seu significado de geração a geração, quanto
das experiências dos indivíduos ao longo de suas vidas adultas, o que os qualifica para
fazer avaliações racionais.
Os cidadãos confiam em instituições que funcionam de forma compatível com as
expectativas suscitadas por sua justificação normativa e seus fundamentos legais, ou
seja, que sinalizem imparcialidade, universalismo, justeza e probidade, decorrentes do
princípio da igualdade de todos perante a lei. Por outro lado,
182

A desconfiança política corresponderia ao oposto disso, ou seja, à situação


em que os cidadãos sentem-se desrespeitados por procedimentos
institucionais ilícitos ou não autorizados, a exemplo de eleições irregulares
ou fraudulentas, corrupção e comportamento anti-republicano de governos e
políticos; ou, ainda, quando os cidadãos não encontram motivos para
acreditar que instituições como as agências de serviços públicos funcionam
de acordo com o fim para o qual existem ou com a eficiência necessária ao
cumprimento de sua missão; e, finalmente, quando estão convencidos de que
alguns entre eles têm mais acesso a direitos civis, políticos e sociais do que
outros – ao contrário do que preconizam a constituição e as leis do país
(MOISÉS, 2005a, p. 52).

Em outras palavras, uma vez que as instituições sejam capazes de sinalizar, de


modo inequívoco, o universalismo, a imparcialidade, a justeza e a probidade de seus
procedimentos, assegurando que os interesses dos cidadãos sejam efetivamente levados
em conta pelo sistema político, elas geram solidariedade e ganham a confiança dos
cidadãos. Em sentido contrário, quando prevalece a ineficiência ou a indiferença
institucional diante de demandas para fazer valer direitos assegurados por lei ou
generalizam-se práticas de corrupção, de fraude ou de desrespeito ao interesse público,
instala-se uma atmosfera de suspeição, de descrédito e de desesperança (MOISÉS,
2005b).
Os três trabalhos citados acima focam no desempenho das instituições,
questionando as explicações fornecidas pelas teorias sócio-psicológicas e socioculturais
para o fenômeno da confiança. Segundo essa primeira, a disposição de confiar, seja em
instituições ou em outras pessoas, é fruto de um traço de personalidade individual.
Dependendo da história psicológica e afetiva de cada um, algumas pessoas teriam uma
atitude mais positiva diante da vida e seriam, em consequência, mais propensas a
cooperar e a confiar nos outros. Já as teorias socioculturais pressupõem que as pessoas
que participam de instituições intermediárias (associações voluntárias e comunitárias,
por exemplo) qualificam-se para a realização de objetivos comuns, ao desenvolverem
espírito cívico e solidariedade, em um ambiente propício à criação da confiança entre os
membros das associações, o que consequentemente fomentaria a confiança desses
membros em relação às autoridades e instituições políticas.
No entanto, ao testar esse modelo, Newton e Norris (1999) não encontraram
associação significativa, no nível individual, entre confiança social, confiança
institucional e participação em associações voluntárias. Ribeiro (2011) também testou
essa hipótese considerando as respostas fornecidas pelos entrevistados do World Values
Survey a uma série de perguntas sobre sua participação em diferentes organizações,
instituições e atividades voluntárias, como igreja ou grupo religioso, organização
183

esportiva, organização cultural ou artística, sindicato, partido político, organização


ambiental, associação profissional, associação de caridade, grupos de autoajuda, etc.
Além dessas organizações disponíveis no survey em questão, ele também introduziu no
modelo a ser testado tipos de participação “não-convencionais ou contestatórias”
(RIBEIRO, 2011), como boicotes, ocupações, greves ilegais e passeatas. Concluiu que
não há diferenciais em termos de confiança institucional entre aqueles que participam
mais ou menos dessas organizações e atividades, independentemente da forma de
participação.
Os estudos acima, portanto, questionam que a participação em termos de capital
social gere nos indivíduos maior propensão à confiança nas instituições políticas. A
confiança política, ao invés, seria influenciada pelo desempenho concreto das
instituições, avaliado com base em uma ideia aprendida sobre qual é sua missão. Por um
lado, essa conclusão dialoga com parte de nossos achados, de que a confiança dos
professores é influenciada pelo desempenho da Secretaria Municipal de Educação em
termos do provimento de condições de trabalho.
Por outro lado, deixa descoberta outra parte, que mostrou que as oportunidades
de participação nos processos decisórios da rede afetam a confiança institucional -
segundo os itens 43 e 44 do instrumento. Isso porque, tal como nas teorias do capital
social, os estudos acima medem engajamento na vida cívica através da participação em
atividades e organizações limitadas, nos moldes do que é considerado “comunidade
cívica” por Robert Putnam. No máximo, Ribeiro acrescenta participação em boicotes,
ocupações, passeatas. Analisaremos que nesses estudos pouco ou nada se fala a respeito
de movimentos sociais e instituições participativas, como Orçamento Participativo e
Conselhos Municipais. Elege-se apenas uma parte da sociedade civil como lugar
privilegiado de onde irão imergir esforços profícuos de participação e florescimento da
vida cívica.
Lembrando que nosso instrumento captou tanto as expectativas de melhores
condições de trabalho (infraestrutura e quadro completo de profissionais, salário,
jornada, formação), quanto de que os professores possuam algum poder de influir sobre
o processo decisório, e de que a ordem institucional seja capaz de absorver e processar
suas demandas. Os professores esperam que isso ocorra não somente via contato dos
supervisores com a realidade das escolas, mas, sobretudo, via participação efetiva em
espaços institucionais de negociação e/ou deliberação.
184

De trinta e cinco sujeitos entrevistados59, quinze (42%) mencionaram que


esperam que a Secretaria de Educação “chame os professores para construir junto”, ou
seja, esperam uma postura de escuta e consideração em relação ao que os profissionais
da escola julgam necessário para a melhoria da educação. Segundo eles, isso deve
ocorrer, sobretudo, através de sua participação em formatos institucionais como
conselhos, comissões, conferências, reuniões de negociação etc. Os professores mais
antigos se reportavam com nostalgia ao governo petista entre 2001-2004, quando a
professora Dra. Corinta Geraldi assumiu a Secretaria de Educação. Nessa época, ela
implementou um projeto de educação denominado Escola Viva que, além de trazer
modificações na organização do trabalho pedagógico das escolas, propiciou momentos
de discussão pública no âmbito da rede através dos fóruns e congressos de educação60.
Segundo 36% dos professores entrevistados com no mínimo quinze anos de rede, esse
formato de negociação rendeu-lhes poder de influência sobre os rumos da política
municipal, afetando principalmente o Plano de Cargos, Carreira e Salários, o que
aumentou sua confiança na SME.
No entanto, os entrevistados colocam sua impressão de que “hoje [2015] não
tem muito esses espaços”. As entrevistas proveram situações concretas que
exemplificam como a SME por vezes até cria alguns poucos espaços para participação,
ou “até ouve os professores”, sem que disso decorra necessariamente um
comprometimento com as demandas dos docentes.
Nos dados estatísticos, vimos que a maioria dos professores discorda das
seguintes afirmativas: “A SME cria espaços e oportunidades para ouvir a opinião dos
professores sobre questões que impactam a qualidade da educação”; “A voz dos
professores é considerada pela SME nos processos de tomada de decisões”, o que
contribui para gerar a baixa confiança nesse nível institucional. Os momentos que os
entrevistados julgaram mais impositivos foram: a construção do Plano Municipal de
Educação61 em 2015; o convênio da Prefeitura com a empresa Comunitas/Falconi,
firmado em 2014, com objetivo de implementar uma assessoria de gestão por resultados

59
Considerando os trinta professores e os cinco OPs inicialmente escolhidos.
60
Para uma análise completa sobre a política de educação desse governo, ver tese de Oliveira (2005).
61
A construção do Plano Municipal de Educação envolveu um momento de consulta às escolas e
discussão de suas propostas em cinco pré-conferências e uma Conferência Municipal de Educação,
convocadas pelo Fórum Municipal de Educação, ocorridas em maio de 2015.
185

nas escolas62; e a construção da matriz de Educação Integral, quando a SME fechou a


matriz em 2015 decidindo padronizar os projetos das escolas.

4. Espero que ouçam nas mudanças relacionadas ao cotidiano escolar, porque parece que é
uma realidade distante deles, e como a gestão conhece melhor a escola, ela poderia propor
soluções que seriam mais produtivas ao invés de seguir uma receita. O que ta acontecendo
agora são várias reuniões sobre a organização das escolas integrais, eles querem mais
uniformidade...foi aberto o diálogo com os professores, mas muito do que foi pedido e proposto
pelas escolas [professores e direção] não foi atendido. Então ficou impressão de que tava tudo
pronto e que a abertura foi só uma máscara.

2. Espero que ofereçam recursos de acordo com o que a escola precisa...e deem maior
autonomia pras escolas. Formaram a comissão de escola integral consultiva... a escola vota
uma coisa, mas decidem outra....espero que realmente levem em consideração a consulta que
eles resolveram fazer. Acho que é isso, ouvir as escolas, o que ela aponta como necessidade.

8. Quando eu entrei [época em que Corinta estava à frente da SME] eu me sentia mais
valorizada do que agora, em relação a plano de carreira, em relação ao cumpra-se. Se a
educação é feita por nós, é a gente que tem que pautar as coisas. E obviamente a SME pode
dizer ‘isso é legal, mas não temos dinheiro’, mas eu só vejo o ‘isso vai ser assim e assado’. O
fechamento do período intermediário é um exemplo...(...), quando fecha período fecha sala de
aula (...) não fizeram rasgado como ta sendo do Alckmin63, mas teve caso de escola que a
prefeitura pagou ônibus pra estudar longe...acho isso ruim, fechar número de sala sem construir
escola...alunos perdem vínculo (...) tem uma sala aqui que tem um degrauzinho, é escura, e a
gente tem que por aluno lá (...), são condições de trabalho que impedem diálogo que nem tem...
quando diz que quer dialogar... mas como dialogar se a gente não tem condição de trabalho?

11. Por exemplo a questão do Plano Municipal de Educação... eles têm que promover os debates
dentro das escolas, fazer com que haja o diálogo, não podia ser uma opção de cada diretor. Tem
que ter essa discussão. Só depois de pressão que liberaram dois dias pra discussão, esse
espacinho precisou ser cavado.

15. A discussão é apenas pró-forma. A própria implantação da questão da Falconi... quando


vieram pra discutir, já tava tomada a decisão... também a educação integral, a discussão do
plano municipal de educação... aquilo que foi discutido não foi levado em conta. Eles até ouvem
o que a gente fala [faz careta], agora se um grupo de pai fala, eles têm mais poder do que o
professor (...). Eu particularmente tive confiança na época da Corinta. Acho que ali houve um
momento de discussão, ela atendeu o próprio Plano de Carreira, surgiu naquela época. Quando
você tem pessoas que estão dispostas a ouvir, o que não significa fazer tudo que a gente quer,
mas aquilo que a gente pleiteia ou discute não seja simplesmente colocado num canto e fazer de
conta que ouviu. O que não significa que a gente vai concordar com tudo e não vai ter conflito...
sempre vai ter. Às vezes é bom o conflito. Mas que os diferentes grupos se ouçam, façam as
coisas em conjunto... vinham as discussões pra gente fazer...ela [Corinta] atendeu muitos desejos
e anseios que a gente tinha, não só na questão salarial, que houve uma melhora, também mais
tempo pra desenvolver projeto, isso foi colocado na jornada.

24. Eu espero fomento, no sentido de garantir tempos e espaços de diálogo pra construção
participativa das políticas públicas da cidade, e isso não tem ocorrido (...) não só o espaço pra
discussão, mas pra avaliação, retorno, construção de ações, e retorno dessas ações (...) Hoje
não é um tom de vamos trabalhar juntos. Na época da Corinta existia tensão também, porque
tem os limites de verbas e tal. Mas hoje é só tensão, ta difícil. As últimas semanas a SME decidiu
padronizar os projetos de Ed. Integral. E isso mexeu muito com o projeto dessa escola. A nossa
escola tem um projeto diferente em termos de matriz. Eles mudaram a matriz, tiraram

62
Sobre a chegada dessa assessoria à RMC e os embates gerados com os educadores, ver Oliveira (2016).
63
Referindo-se à política do Estado de São Paulo de implementação das escolas de ciclo único, proposta
pelo então governador Geraldo Alckmin em 2015, que gerou muita polêmica entre educadores e
estudantes que reclamavam da forma autoritária como a decisão havia sido tomada.
186

profissionais. Já informaram do fechamento de turmas, não com plano de abrir outras, vão
aumentar o número de crianças na sala (...). Nenhuma das propostas que nós levamos foi
discutida, analisada. Eles queriam propostas que mudassem um pouquinho o formato dentro da
lógica que eles já tavam querendo.

5. Teria que olhar pra demanda da educação. Quando teve o Plano Municipal de Educação,
eles ouviram nossas vontades, mas na hora H fecharam com as entidades [organizações sociais].
Não ouvem nossa demanda, não atendem, não valorizam a educação pública.

16. A impressão que dá é que eles não têm uma total consciência do ambiente escolar. Escola
integral por ex. veio a ordem da implementação da escola integral, sem que tivesse a menor
condição física, pessoal, de funcionários, e às vezes a SME toma algumas atitudes arbitrárias
que vão contra tudo que a gente já ta desenvolvendo na escola, desconsidera...(...) e teve a
Falconi....uma decisão que vem sem consultar a escola, sem conhecer as reais necessidades da
escola (...) Pra ter confiança... que as ações sejam realmente democráticas, que os professores
sejam ouvidos. Normalmente são ouvidos...até tem aquela cara democrática...eles vem e
propõem...aí a gente dá o retorno, mas as coisas acontecem da forma como iam acontecer
mesmo, independente do que a gente pensou praquela ação.

23. o PME foi levado, foram levadas as propostas, aí vai lá na Câmara, o projeto aprovado tem
trocentos cortes. “A gente deu oportunidade”... mas e daí? Que oportunidade foi essa que a
gente vê que não tem encaminhamentos, que não é respeitado. Ocorreram discussões sérias em
várias escolas....e aí? Pelo menos um retorno a gente tinha que ter.

A mesma percepção vale para as Reuniões de Negociação. Ainda que esse


espaço não tenha influenciado a política da rede como um todo uma vez preenchido
com demandas individuais das escolas, ele representa um canal importante de
negociação externa. No entanto, muitos entrevistados mencionaram essas reuniões
como momentos negativos, à medida que as CPAs não tiveram suas demandas
atendidas.

Solicitamos construção de sala, laboratório de informática. Mas até agora nada. Reunião de
negociação não avança nisso, não tem continuidade na gestão. Ir lá é expor nossa parte sem
acreditar que vai ter retorno (Orientadora Pedagógica B).

Espero que atenda às demandas da CPA. Nossa CPA fez umas reivindicações pra Secretaria,
mas não responderam... cobertura da quadra, questões de infra-estrutura. Às vezes não dá pra
atender, mas ao menos dar um retorno (Orientadora Pedagógica E).

6. Costumamos protocolar via CPA questionamento pro DEPE [Departamento Pedagógico] em


relação à sala de informática. Eles respondem, mas não atendem: “estamos discutindo”, e a
coisa vai enrolando.

20. Pedimos computadores na sala de informática, quadra de esportes. A CPA fez documento e
levou lá, mas até hoje nada.

22. Tivemos caso de demanda da CPA por quadra coberta, que nesse caso foi positivo porque
foram pra escola medir o espaço e hoje a escola é a segunda da lista.

Nota-se que a situação ideal é que as demandas de todas as escolas sejam


atendidas prontamente; no entanto, os professores parecem ter flexibilizado essa
exigência, entendendo o caráter de “negociação” destes espaços, esperando ao menos
187

que haja um retorno com clareza e registro dos encaminhamentos dados pela SME, e
listas que explicitem/acompanhem o compromisso de atendimento das demandas.
Quanto a isso, uma coordenadora pedagógica entrevistada ressalta a necessidade
de haver esse retorno, pois a falta dele desmobilizou tanto o núcleo de avaliação
institucional da SME que em 2015 não marcou reuniões de negociação, quanto as
próprias escolas, cujas CPAs passaram a se concentrar exclusivamente em demandas
internas.

Falta clareza em termos de política de rede, por parte de Secretaria e DEPE pra fortalecer
algumas coisas. Por ex., quando faz Reunião de Negociação, não precisa necessariamente
atender tudo, mas dar um retorno. Primeira reunião [em 2010] tinha só o Tadeu, o Secretário.
Não ficava nenhum registro de como as demandas iam ser encaminhadas, ele só falava na
reunião informalmente. Depois [reunião de 2011] tinha representante do CGP 64, que cuida dos
recursos humanos, outro representante que cuida da arquitetura escolar, do CAE. Aí quando as
escolas apresentavam as demandas, tinha a fala do Secretário e do fulano da área, mas ainda não
tinha retorno pra escola. A última [2014] foi no mesmo modelo, também acho que não teve
retorno. Teria que organizar a reunião da seguinte forma: CAE fala “temos 20 escolas”, organiza
uma lista, “nossa verba é tanto, esse ano vamos atender tal, tal e tal escola, primeiro atender a
escola Edson que ta mais precária”. E publiciza isso, dá a devolutiva pra todo mundo saber. Tem
que dar visibilidade pra isso e estar claro. Como não tem retorno, isso contamina outras coisas.
Como fazer reunião de negociação esse ano [2015] se não temos o retorno do ano passado?
(Coordenadora Pedagógica responsável pelo Núcleo de Avaliação Institucional, 2015).

No período de realização da pesquisa de campo, pode-se dizer que os canais de


negociação das escolas com a Secretaria não existiam formalmente, devido à ausência
das Reuniões de Negociação. O que lhes restou como opção foi o envio de ofícios de
solicitação/esclarecimento, como se pode ver na situação abaixo:

A Orientadora Pedagógica conta aos professores que acabou de chegar de uma reunião com a
Supervisora, que informou sobre a mudança no CHP que agora é pra ser usado exclusivamente
com o aluno: “falei pra ela [supervisora] que vocês precisavam de um espaço pra conversar
com a professora de educação especial. Ela falou que a gente tem que documentar essa
necessidade, ou mandar um projeto de acordo com a carga de cada um”. As professoras
estavam indignadas que o horário CHP não poderia mais ser usado para planejamento e
formação. Diante disso, a diretora sugeriu: “vamos documentar que precisa desse momento de
planejamento, senão ano que vem vai ser igual”. Junto com uma professora, a Orientadora
Pedagógica reforça: “Temos que mandar um ofício, requerimento. Se não mandamos nada, fica
por isso mesmo!”. (Diário de Campo, ESCOLA B, 10/03/2017).

Ainda assim, às vezes as escolas parecem ser desencorajadas a mandar ofícios


de solicitação, em situações nas quais já teria sido dada uma resposta, como certa vez
disse o Orientador Pedagógico da Escola A:

Quando terminou essa parte inicial [do evento de recepção aos pais, em que se falou sobre as
regras da escola, mostrou-se vídeo enaltecendo o trabalho dos alunos, e a Secretária de Educação
e o diretor do Departamento Pedagógico noticiaram à comunidade que a escola foi escolhida
para receber uma biblioteca, por meio de parceria entre uma ONG, a CPFL e a prefeitura], as
famílias presentes começaram a se dispersar. Alguns foram embora para trabalhar, outros

64
CGP: Coordenadoria de Gestão de Pessoas. CAE: Centro de Arquitetura Escolar.
188

procuraram os professores da turma de seu filho para conversar, e alguns alunos aproveitaram a
presença da Secretária de Educação para pedir a tão sonhada quadra coberta e ampliação da
cozinha. Depois de um tempo, em um cantinho, sentamos eu, o Orientador Pedagógico, alguns
alunos e uma professora participantes da CPA. Uma das alunas comentou como foi conversar
com a Secretária: “ela disse que não tem dinheiro esse ano, quem sabe ano que vem”. Nisso, a
professora indignou-se, cobrando que a CPA formalizasse mais uma vez o pedido, dessa vez
enviando um ofício à SME exigindo resposta formal por escrito, pois “não é de hoje que a gente
tenta, uma vez disseram pra CPA que a escola tava na lista, mas cadê que nunca chega nossa
vez?”. O Orientador Pedagógico (OP) interveio nessa hora, dizendo que foi dito ao diretor que a
escola não pode mais fazer o mesmo pedido, sendo que já tiveram uma resposta... insistir nisso
enviando um ofício de cobrança configuraria incitação ao poder público quando feito pelos
servidores públicos, sendo passível de processo legal. Mais uma vez a professora indignou-se,
desta vez questionando: “então qual é a função da CPA?”, ao que o OP respondeu que somente
a comunidade poderia fazer essa solicitação: “os pais/famílias teriam que se unir pra mandar um
ofício questionando sobre uma verba parte do Programa de Aceleração do Crescimento do
governo federal, que tem sido enviada aos municípios e usada pra cobrir a quadra das escolas.
O problema é que a verba vem em partes, uma escola por vez, daí você acha que eles vão
preferir cobrir aqui ou uma escola de tempo integral, que é o que gera visibilidade pro
governo?”. (Diário de campo, ESCOLA A, 20/04/2017).

Avaliamos que essa situação caracteriza inclusive um enfraquecimento do papel


da CPA. O que sobra para as escolas são pequenos momentos, não espaços, de
interlocução com o poder público, quando se “aproveita” a vinda da Secretária para
fazer uma solicitação no corredor, ou quando a equipe gestora das escolas se reúne com
a Supervisora ou Representante Regional.
Na Escola B, a diretora e a orientadora pedagógica mais ouvem quais são as
novas orientações da Secretaria (diário eletrônico, novas regulamentações dos tempos
pedagógicos) e as repassam aos professores do que expressam demandas. Pelo que
consegui observar, a escola parece não ter um conjunto de demandas organizadas, talvez
pelo fato de que nela a CPA não esteja solidamente constituída. No segundo
semestre/2016, houve apenas três reuniões de CPA, sem cronograma pré-agendado; no
primeiro semestre/2017, não houve nenhuma reunião, em partes por conta da saída da
Orientadora Pedagógica que as vinha conduzindo até então.
Vale mencionar que a Escola B é a escola da rede que tem o grau de confiança
mais baixo no poder público. Em nossa escala de zero a seis, ela pontuou com 1,48
nesse par de relação, enquanto a maior média foi 3,21. A Escola A, por sua vez, esteve
no grupo das melhores classificadas, com 3,07, ainda assim um grau de confiança baixo.
Na Escola A, observou-se que diante de novas resoluções que mexem na vida da
escola e no trabalho docente, o diretor pede aos professores que escrevam suas dúvidas
e questionamentos para que ele possa encaminhá-las à SME e depois dar-lhes a
devolutiva. Nessa escola, o diretor se antecipou na atitude de sistematizar e encaminhar
as demandas docentes e de fato executou essa promessa. Ainda assim, aqui o contato
189

dos professores com a SME também depende dessa mediação feita pelo diretor, que
acaba centralizando em suas mãos os canais de reivindicação, o que pode ser percebido
na situação acima e outras vezes em que a CPA foi desincentivada a encaminhar ofícios
na Escola A.
A observação das duas escolas autoriza a conclusão de que, na ausência/carência
das reuniões de negociação e outros espaços institucionalizados de negociação com o
poder público, os professores: 1. ficam dependentes do contato pessoal da equipe
gestora com os supervisores para manifestar suas demandas, porém esse contato, pelo
seu próprio caráter, fica mais restrito ao repasse de novas normas e à manifestação de
dúvidas; e, como veremos, 2. ficam reféns da disposição da equipe gestora de se
envolver em relações de troca do tipo mercadológicas (ex. troca de favores) com a SME
e com organizações do terceiro setor para conseguir certas condições de infraestrutura,
como parquinho e biblioteca.
Quanto a esse segundo aspecto, na Escola B não havia essa disposição,
predominando o clima de insatisfação e desconfiança internamente e nas relações com a
SME. Já na Escola A foi observada uma relação peculiar entre SME e equipe gestora.
Apesar da reivindicação histórica da escola em receber uma quadra coberta, ainda não
atendida, a SME parece dar uma atenção especial à escola em outros aspectos, quando,
por exemplo, a escolheu para receber um projeto de construção de biblioteca através de
parceria do poder público municipal com uma empresa, e também quando a indicou
para receber outro projeto, de protagonismo juvenil, coordenado por uma Fundação.
Parece que essas “benesses” são obtidas dentro de uma relação de troca, na qual a
equipe gestora, por sua vez, tem feito sua parte ao “fazer” o IDEB da escola subir, e
também ao ser uma das poucas escolas que aceitaram receber uma assessoria privada de
gestão que a prefeitura queria impor à rede (OLIVEIRA, 2016).
A equipe gestora mostra ter uma preocupação grande com a imagem da Escola
A e sua visibilidade, pois, como já me disse algumas vezes, trata-se de uma escola
localizada em região de alta vulnerabilidade que sempre foi conhecida por seus aspectos
negativos: pobreza, baixos índices no IDEB, violência. Alguns alunos mesmo já
comentaram “quando toca no nome da escola, o pessoal já se assusta: por que você
estuda lá? É uma escola que não presta”. Já ouvi também dizerem que os moradores do
bairro têm dificuldade de conseguir emprego quando colocam no currículo onde moram.
Certa vez, acompanhando o evento de Encontro das CPAs promovido pelo
190

Departamento Pedagógico em outubro/2016, após a apresentação da Escola A ouvi


algumas professoras de outra escola comentando entre elas que não imaginavam que
essa escola fizesse um trabalho tão interessante. Elas estavam surpresas, já que a Escola
A sempre foi conhecida “como aquele lugar pra onde nenhum professor quer ir”, mas,
segundo elas, “agora [depois de tomar contato com o trabalho que a escola desenvolve]
eu até pensaria em pegar aula lá”.
Por isso a meta da equipe gestora tem sido mudar essa imagem, ciente de que
por aí passa a conquista de melhorias. Tal mudança parece estar surtindo efeito, pois
também ouço elogios e vejo olhares admirados sobre a escola: “é verdade que as
reuniões de pais lá são cheias, a comunidade lota a escola?” (diretora de outra escola
da rede); “a direção la é ótima, topa participar de vários projetos, a escola ta sempre
cheia de coisa acontecendo” (coordenadora do projeto de protagonismo juvenil
oferecido em parceria com uma Fundação); “desde que essa gestão entrou, as coisas
estão muito melhores aqui” (professora antiga na escola). A escola atraiu atenção de um
canal renomado de TV, que escolheu fazer uma série de reportagens em cinco escolas
brasileiras que se destacaram por terem passado por processos grandes de mudança.
Trata-se de uma escola que ainda apresenta um dos mais baixos IDEBs da rede, mas que
vem evoluindo significativamente nesse índice. Em entrevista, o canal de TV perguntou
a uma aluna, presidente do grêmio da escola, qual foi a maior mudança que ela sentiu na
escola. Ela disse que foram as relações:

“Antes os alunos falavam muito palavrão, não se respeitavam. Hoje as pessoas se respeitam, tem
amizade, é isso que eu vou levar da escola”. Ela lembrou que os amiguinhos cantaram parabéns
pra ela no dia do seu aniversário. Ressaltou que sente que todo mundo se importa com ela, desde
a equipe gestora aos professores e colegas (Diário de Campo, Escola A, 04/08/2016).

A escola não mede esforços para buscar inclusive recursos de outras fontes
através da exibição de seu trabalho. Um exemplo é quando o diretor instigou a CPA a
organizar atividades de desenvolvimento sustentável como parte da parceria da escola
com um projeto da Fundação Depaschoal. A professora coordenadora da CPA deixou
clara a intenção dessa atividade na escola: “precisamos fazer os projetos [sabão
artesanal, vassoura com material reciclável, caixa de captação de água da chuva] e
apresentar no evento que vai ter em outubro pra nossa escola ser a melhor e ganhar o
prêmio [da Fundação]”. Além da CPA, o grêmio da escola é constantemente
reconhecido, tendo já ganho prêmio em dinheiro de uma Fundação que foi utilizado
para fazer a reforma do parquinho.
191

Apesar de esses ganhos serem vistos pela escola como um importante


reconhecimento pelo seu trabalho, eles funcionam na lógica mercadológica da
premiação individualizada. Ressalta-se, assim, que uma vez enfraquecidos os espaços
participativos nos quais todas as escolas possam, sem preferências, colocar-se no debate
sobre qualidade da educação e negociar demandas, resta-lhes se render à lógica de
mercado como única forma de conseguir melhorias. No entanto, mesmo aquelas que se
rendem a essa lógica e melhoram alguns aspectos de sua infraestrutura, como a Escola
A, não apresentam níveis elevados de confiança no poder público, como se pode
observar nos dados do nosso instrumento. Fica claro, portanto, que a baixa confiança
dos professores da rede na SME é explicada também pela falta de espaços de
interlocução entre as escolas e a Secretaria Municipal de Educação.
Quando falamos das reuniões de negociação, ou de outros espaços de
deliberação sobre políticas públicas, estamos falando da criação de oportunidades
institucionais ou, em outras palavras, de “Instituições Participativas” (PIRES, 2011).
Esta forma de participação institucional, no entanto, não é considerada na literatura
sobre capital social, que enfoca a participação das pessoas em clubes desportivos,
igrejas, associações locais, clubes de futebol etc., sem discutir propriamente o conteúdo
desses lugares de participação, dada a preocupação restrita em estabelecer uma
correlação - não uma explicação - entre essas redes de reciprocidade e o bom
desempenho do governo (PUTNAM, 2002).
É certo que Putnam usa, além dessas medidas de solidariedade social, algumas
relativas à participação política mais diretamente (comparecimento às urnas e a
referendos). No entanto, essas medidas referem-se a formas restritas de participação,
pois continuam a ignorar toda uma gama de processos participativos vinculados a
projetos democratizantes - como aquele construído no Brasil desde os anos 80,
encabeçado pelos movimentos sociais e inserido na própria dinâmica institucional
através da Constituição Cidadã (1988) e de diversas leis municipais que implementaram
Conselhos Gestores e Orçamentos Participativos.
Esse projeto tinha como objetivo a expansão da cidadania e o aprofundamento
da democracia, expressos na criação de espaços públicos que dessem vazão à crescente
participação da sociedade civil nos processos de discussão e de tomada de decisão
relacionados às políticas públicas. Aqui, a participação da sociedade civil é marcada
192

pelo objetivo da “partilha efetiva do poder” entre Estado e sociedade, por meio do
exercício da negociação e da deliberação no interior de espaços públicos institucionais.
A cidadania seria, assim, um processo de constituição de sujeitos sociais pelo
fortalecimento da sociedade civil, à medida que essa última passaria a dividir com os
atores estatais a arena de formulação de políticas públicas fundamentais à garantia e
ampliação de direitos de todo tipo (direitos humanos, direitos sociais, e os “novos
direitos”, como à autonomia sobre o próprio corpo e o direito à diferença) (DAGNINO,
2004; PAULA, 2005).
Tais características essenciais do projeto democrático historicamente situado,
com todos os embates e lutas que empreendeu pra se fazer reconhecer no nível
institucional, oferecem um parâmetro que nos permite situar teorias e experiências
dentro de um projeto social mais amplo. A partir daí podemos afirmar que, ao sequer
mencionar esses espaços públicos deliberativos tampouco os movimentos sociais, as
teorias e políticas respaldadas no conceito de “capital social” acabam vinculando-se a
outro projeto, o neoliberal da terceira via, que esvazia os sentidos público e político da
participação e da cidadania, caros ao projeto democrático.
O projeto da terceira via, cujas implicações e características foram discutidas no
item 2.1.2, vale-se das mesmas palavras (cidadania, democracia, participação) para
defender uma corresponsabilização entre “sociedade civil” e Estado no que diz respeito
à garantia e à ampliação do acesso aos direitos sociais básicos. Essa
corresponsabilização ocorre, no entanto, transferindo-se a responsabilidade estatal pela
gestão e execução desses serviços a determinados atores da sociedade civil, como
ONGs e Organizações Sociais. Além desses atores do chamado “terceiro setor”, os
institutos e fundações, representantes da “nova filantropia”, tornaram-se os
interlocutores preferenciais do Estado no nível da elaboração de políticas públicas,
tendo influenciado fortemente a formulação, por exemplo, da Base Nacional Curricular
Comum através do Movimento pela Base Nacional Comum (AVELAR & BALL,
2017).
O projeto democrático não defende o Estado como único protagonista da gestão
pública. Pelo contrário, nele também se reivindica o fortalecimento do papel da
sociedade civil na condução da vida política do país. Esse fortalecimento, no entanto,
assume aqui outro caráter, pois envolve a elaboração de formatos institucionais que
possibilitem a cogestão e a participação dos cidadãos comuns no nível da deliberação e
193

tomada de decisões (PAULA, 2005). Envolve, assim, a garantia de diálogo com


diversos atores da sociedade civil, incluindo movimentos sociais, que precisam poder
negociar suas demandas com o Estado via processo deliberativo institucional, no que
tange à garantia de direitos já conquistados, e, mais que isso, ao reconhecimento de
novos direitos.
As noções de cidadania, participação, sociedade civil adquirem, no projeto
democrático, um sentido diverso do projeto neoliberal acima mencionado. A
“confluência perversa” (DAGNINO, 2004) dos dois projetos fundamentalmente
distintos na década de 1990 no Brasil é o que trouxe a confusão conceitual que perpassa
essas palavras, e o que traz a necessidade de se definir claramente de onde se está
falando.
De onde falam as teorias e experiências que defendem o trabalho voluntário de
indivíduos ou grupos moralmente engajados, a filantropia das Fundações, ou mesmo o
engajamento de cidadãos em redes de confiança e solidariedade que priorizam a busca
por soluções locais para problemas de exclusão social? Como Dagnino (2004),
analisamos que esse tipo de solidariedade ou de “responsabilidade social” baseia-se em
uma perspectiva privatista e individualista, que substitui e redefine o significado
coletivo da participação social, conformando-a ao terreno privado da moral.
Além de desviar o sentido de uma “cidadania” comprometida com a participação
nos processos deliberativos e a partilha efetiva de poder, essas teorias e experiências
encobrem um processo de desresponsabilização do Estado face à questão social, à
medida que a solidariedade sistêmica baseada em direitos universais e na vinculação
desses direitos à atividade estatal é substituída por formas particulares e voluntárias de
solidariedade dependentes da aleatoriedade da ajuda individual/organizacional
(MONTAÑO, 2008). Trata-se de:

[...] um sistema em que cada um é solidário, desde que a isso se disponha


com seus pares, com seus iguais ou semelhantes, com seu grupo de interesse
particular. A substituição do princípio da solidariedade baseada em direitos
universais (presente no sistema de tributação direta, na previdência única e na
seguridade e nas políticas sociais do welfare state) faz com que cada grupo
ou coletivo que apresenta uma necessidade ou carência particular tenha de se
auto-responsabilizar (direta ou indiretamente) pelo financiamento/prestação
da sua resposta (MONTAÑO, 2008, p. 44).

Esses apontamentos nos fazem desconfiar das intenções democráticas das teorias
do capital social, por não sublinharem a importância de determinadas formas de
194

participação para a garantia de políticas redistributivas, o que na presente pesquisa se


mostrou essencial à formação da confiança institucional e interpessoal.
Segundo Wampler (2011), a qualidade da democracia e o bem-estar dos
cidadãos estão ligados à consolidação da “governança participativa” através do
fortalecimento das Instituições Participativas (IPs), como Conselhos Gestores e
Orçamento Participativo. As IPs se fortalecem, aumentando a disposição dos diversos
atores em participar delas, quando apresentam impactos substanciais 1. na melhoria da
qualidade dos serviços públicos, 2. na qualidade da deliberação e 3. no bem-estar social.
É nesse âmbito que se pode entender a construção da confiança como um componente
fundamental da criação de instituições eficazes, pois:

A arquitetura institucional das IPs liga os movimentos sociais e as lideranças


comunitárias em um processo contínuo, que pode construir a confiança por
meio de interações repetidas. Os cidadãos têm, através deste canal, meios
para compartilhar seus problemas, bem como para estabelecer “laços de
solidariedade” com indivíduos e grupos que enfrentam problemas
semelhantes. (...). Assim, a arquitetura institucional fornece os meios para
que os cidadãos possam desenvolver fortes laços com os seus concidadãos,
bem como com representantes do governo (WAMPLER, 2011, p.48)

Diversos trabalhos buscaram lidar com a espinhosa questão de aferir os impactos


das IPs nas três ordens de fatores expostos acima. Maureen Donaghy (2013) em Civil
society and participatory governance: municipal councils and social housing programs
in Brazil discute os efeitos da participação na alocação de bens públicos e na promoção
de políticas de bem-estar. Ela conclui que a “densidade associativa da sociedade civil”
não é um fator relevante capaz de gerar políticas e programas sociais e que, ao invés, é
pela via das instituições, no caso os Conselhos Municipais de Habitação, que a
participação consegue gerar resultados do ponto de vista do incremento do acesso da
população aos direitos de cidadania.
Esses estudos, junto com os dados da presente pesquisa, mostram a importância
das instituições participativas como lócus privilegiado que confere à participação o
poder de influenciar os processos decisórios relativos à esfera da distribuição de bens e
recursos. Nossos dados confirmam que a confiança dos professores passa pela
existência desses espaços e, mais que isso, pela legitimidade e efetividade dos mesmos.
Ou seja, não basta que existam: é preciso que sejam legítimos, efetivos, o que deve se
manifestar no respeito às aspirações dos professores e na garantia de condições
adequadas de trabalho para as escolas e seus profissionais.
195

5.4. Confiança e Reconhecimento: professores e pais/famílias

Nesse tópico, faremos um diálogo entre a literatura, os dados quantitativos e os


qualitativos das entrevistas e da observação em campo, com objetivo de defender que o
reconhecimento entre pessoas com diferentes status, aqui representado pela relação
professores-famílias e desenvolvido através dos diversos tipos de interações entre esses
segmentos, afeta a construção de relações de confiança.
O segundo grau de confiança mais baixo, de acordo com o gráfico do tópico 5.2,
é dos professores em relação às famílias. Os dados de observação das duas escolas nos
mostram que isso pode ser reforçado devido aos poucos momentos de interação entre
docentes e famílias, o que faz com que eles tenham poucas oportunidades para construir
entendimentos comuns sobre as expectativas que possuem uns em relação aos outros e
em relação ao projeto da escola.
Como vimos no capítulo 1, há alguns fatores que ajudam a explicar a baixa
participação das famílias, sobretudo, nos espaços colegiados da escola, desde as
condições objetivas de vida, passando pelo constrangimento das famílias das camadas
populares em interagir com pessoas de escolaridade/status maior que o seu, até a visão
que os profissionais da escola possuem em relação à comunidade, relacionada a
taxações pejorativas ou mesmo à falta de desejo de que leigos se intrometam em
assuntos pedagógicos, o que muitas vezes desmotiva esses profissionais a efetivamente
convidarem a comunidade para participar dos espaços avaliativos e deliberativos da
escola.
De qualquer forma, o que perpassa todos esses fatores é a existência de uma
assimetria de status nessas relações: apesar de famílias das camadas populares e
docentes das escolas públicas pertencerem, grosso modo, à “classe que vive do
trabalho” (ANTUNES, 1995), não havendo entre eles uma clivagem de classe social
propriamente, pode-se dizer que existe, em geral, uma diferença de status, sobretudo,
quando se considera o nível médio de escolaridade e o fato de que os professores
representam o capital cultural valorizado pela instituição escolar e pela sociedade,
enquanto as famílias seriam dotadas de um capital cultural popular que tende a ser
desvalorizado e até mesmo excluído, de formas mais ou menos veladas, do sistema
educacional em particular e da sociedade como um todo (FREITAS, 2007; NOGUEIRA
& CATANI, 2001).
196

Essas diferenças de status, que numa sociedade capitalista se traduzem em


desigualdades, parecem afetar, além das possibilidades de participação, a própria
formação de confiança. Isso porque tais assimetrias, quando não são trabalhadas através
de interações que permitam aos participantes (re)conhecerem as condições, aspirações e
necessidades uns dos outros, colocam os sujeitos em posição de pré-julgar o outro a
partir dos seus próprios pressupostos, o que acontece de forma particular na relação
entre docentes e famílias afetando o grau de confiança entre eles.
Os dados de campo mostrarão que a confiança nesse par de relação é afetada
pela “avaliação informal” que os professores fazem em relação aos alunos e suas
famílias, a qual, segundo Freitas (2012a), corresponde aos julgamentos/juízos de valor
sobre comportamentos e atitudes do outro a partir do ponto de vista próprio, que é
culturalmente situado. Nesse sentido, os professores constantemente expressam diversas
expectativas, formuladas internamente ao grupo docente, de como os pais/responsáveis
devem se comportar em relação à escola e a seus filhos, e também avaliam internamente
se os alunos e seus pais/responsáveis estão ou não cumprindo tais expectativas. No
entanto, essas expectativas frequentemente se mostram frustradas. Uma vez que as
famílias não correspondem ao modelo que se espera delas de comportamento e atitudes
perante os filhos e a escola, elas são taxadas como “deficitárias”, “desinteressadas”
entre outros adjetivos pejorativos, o que gera baixa confiança dos professores nesse
segmento.
Nos termos da presente tese, analisaremos que um dos motivos que ajuda a
explicar essa baixa confiança é a “falta de reconhecimento” em relação às condições,
capacidades, e aspirações das famílias. Isso, por sua vez, é afetado pela baixa frequência
de interações entre esses segmentos, o que torna raras as oportunidades de que docentes
e famílias possam, inclusive, negociar e avaliar coletivamente as expectativas que
possuem uns em relação aos outros, colocando novos patamares mais justos para a
construção da confiança.
Segundo Fraser (2003), a “falta de reconhecimento” manifesta-se pela
“dominação cultural” e pelo “desrespeito”, que ocorrem quando os grupos/pessoas de
maior status rotineiramente difamam ou depreciam os de menor status “através de
representações culturais públicas estereotipadas e/ou nas interações sociais rotineiras”,
ou quando determinados grupos/pessoas estão “sujeitos a padrões de interpretação
associados a outra cultura” ou são tornados invisíveis por meio de práticas
197

interpretativas e representativas autoritárias. A causa primeira dessas atitudes, no


entanto, não está na mente dos oprimidos nem dos opressores, mas nos “padrões
institucionalizados de valoração culturais” que, ao classificarem determinados
grupos/pessoas e comportamentos como normativos e outros como inferiores ou
desviantes, impedem esses últimos de participarem como iguais da vida social
(FRASER, 2003, p.13, tradução minha).
Vale lembrar que a autora defende que o enfrentamento da “falta de
reconhecimento” é necessário, tanto quanto a luta pela distribuição igualitária de bens e
recursos, para o alcance pleno dos objetivos de justiça social. Isso porque ela considera
que todos os tipos de injustiça, em maior ou menor grau, contém algum elemento das
duas esferas, de forma que não é possível, por exemplo, englobar satisfatoriamente
todas as demandas por reconhecimento dentro da esfera distributiva presumindo-se que
a distribuição igualitária de direitos, bens e recursos dê conta de sanar completamente as
injustiças do tipo cultural, nem vice-versa. Usemos como exemplo o tipo de injustiça
mais aparentemente “puro”, vinculado à classe social. É certo que sua causa última é a
estrutura econômica do capitalismo; no entanto, é preciso considerar que os efeitos daí
gerados incluem danos culturais, que podem ter se tornado suficientemente autônomos
em sua operação a ponto de requererem também “remédios” independentes de
reconhecimento. A atenção a essa dimensão torna-se importante, inclusive, para a
transformação econômica, à medida que o questionamento dos padrões culturais que
invisibilizam, desvalorizam e/ou difamam os pobres da classe trabalhadora contribui
para alavancar sua capacidade de lutar contra a má distribuição de recursos.
Segundo Fraser (2003), os remédios próprios da esfera do reconhecimento para
enfrentar situações de dominação cultural e desrespeito envolvem investir as instituições
e práticas sociais de novos padrões culturais, que ou valorizem as diferenças que
contribuem para o alcance da “paridade participativa”, ou desmontem as diferenças que
negam tal paridade, ou reforcem a humanidade comum acima das diferenças. A escolha
por um ou outro caminho vai depender dos obstáculos existentes à paridade
participativa em cada caso concreto.
É importante dizer que essa forma de abordar o “reconhecimento” mostra como
a concepção de Fraser busca escapar das armadilhas do relativismo pós-moderno,
segundo o qual todos devem ter suas peculiaridades respeitadas como se o objetivo
último fosse apenas a auto-realização individual ou de grupos. Já que para ela o
198

“reconhecimento” não é, como em Axel Honneth (2013b), uma questão de auto-


realização subjetiva, mas de justiça social, ela defende que sejam valorizadas apenas
aquelas diferenças que não impliquem negação do critério da “paridade participativa”.
Nesse sentido, um grupo como a Ku Klux Klan, por exemplo, não deve ter a sua
identidade respeitada.
De toda forma, a autora defende que qualquer um desses “remédios” para a falta
de reconhecimento deve ser construído de forma dialogada, através de processos
democráticos de debate público, em que as pessoas com diferentes status e de diferentes
classes sociais possam argumentar/debater em que medida as normas vigentes de
alocação de recursos bem como os atuais padrões de valoração cultural impedem as
pessoas de interagirem como pares na vida social, e se as alternativas propostas são
capazes de fomentar essa paridade sem introduzir outras disparidades.
Pode-se dizer que a capacidade da escola é limitada para sanar as desigualdades
socioeconômicas e culturais geradas fora dela. No entanto, uma vez que essa instituição
não é um campo somente de reprodução, mas também de disputa, ela não pode esperar
uma suposta situação ideal, em que haja igualdade prática material e de
respeito/reconhecimento, para promover interações sociais entre as pessoas. Se por um
lado essa igualdade cria as condições objetivas e subjetivas à participação democrática,
é também através da participação que se dão as lutas por reconhecimento e
redistribuição (FRASER, 2003; RANSON, 2018).
É dessa forma que entendemos a importância do fortalecimento dos espaços
públicos de diálogo entre famílias e docentes para a formação da confiança, pois é
através deles que os participantes podem ser reconhecidos em sua humanidade comum,
valorizados em suas necessidades, aspirações, e capacidades distintivas, naquilo que
tiverem de positivo para contribuir com a formulação de entendimentos compartilhados
socialmente justos sobre os propósitos da escola e os papéis de cada segmento. Por
outro lado, as interações entre os diferentes dependem da confiança, ou seja, é preciso
que eles confiem que os outros possuem competência, integridade, respeito e
consideração para se dispor a construir junto.
Da mesma forma que a esfera da redistribuição, analisada no tópico anterior,
remete em alguma medida à “política de legitimidade” defendida por Misztal (1996),
aqui a importância da esfera do reconhecimento para construção da confiança é
reforçada pela defesa da “política de tolerância” (MISZTAL, 1996), a qual, segundo a
199

autora, remete ao respeito igualitário a todas as pessoas independentemente de suas


filiações particulares.
No entanto, a nosso ver, a ideia de “reconhecimento” defendida por Fraser
(2003), uma vez intrinsecamente atrelada a questões de justiça social e à esfera da
distribuição, é mais completa e adequada que a ideia de “tolerância” ou de “inclusão”.
Isso porque o “reconhecimento” supera os limites da concepção pós-moderna
multicultural que, ao restringir-se à defesa da tolerância enquanto respeito a todas as
diferenças, cai num relativismo cultural que fragmenta a luta por mudanças sociais
substantivas capazes de superar as estruturas e padrões culturais de opressão e
exploração.
Passemos aos dados empíricos, começando com as expectativas que os docentes
depositam nas famílias. A análise dos itens do instrumento, bem como das entrevistas e
dos dados de campo, revela que os professores esperam que os pais/responsáveis
acompanhem a vida escolar de seus filhos, sinalizem a eles a ideia de que a escola e a
educação são importantes, e ensinem-lhes certas posturas e comportamentos necessários
para uma boa convivência e um bom andamento nos estudos. Uma vez que as famílias
não agem em conformidade com essas expectativas, a confiança dos professores é
afetada. Os itens com menos concordância por parte dos professores foram: “Os
pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a aprender”; “Os pais/famílias dessa
escola preocupam-se em acompanhar a vida escolar de seus filhos”.

Tabela 11 - Itens e Médias da Relação Professor-Pais/Famílias

MÉDIA
ITEM
(0-6)
1. Sinto que posso contar com o apoio dos pais/famílias dessa escola para realização do
3,39
meu trabalho.
2. Sinto-me respeitada(o) pelos pais/famílias. 4,23
3. Sinto que os pais/famílias têm consideração pelo que nós professores dizemos sobre
3,87
a educação de seus filhos.
4. Os pais/famílias confiam no trabalho dos professores dessa escola. 4,4
5. Os pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a aprender. 2,9
6. Os pais/famílias mostram interesse pelos assuntos da escola. 3,07
7. Os professores e pais/famílias dessa escola estão juntos na educação das
3,22
crianças/jovens.
8. Os pais/famílias dessa escola preocupam-se em acompanhar a vida escolar de seus
2,96
filhos.
9. Os pais/famílias estão sempre participando das reuniões, festas e eventos dessa
3,5
escola.
MÉDIA GERAL 3,5
Fonte: dados da pesquisa. O programa SPSS calculou as médias das respostas para cada item, lembrando
que o intervalo é de 0 a 6 (0-discordo totalmente; 6-concordo totalmente).
200

Nas entrevistas, 57% dos entrevistados mencionaram que esperam o


acompanhamento da vida escolar: os pais precisam estar sempre atentos ao caderno dos
filhos, cuidar para que tragam material na mochila, e devem ajudá-los a fazer lição de
casa. Esse modelo idealizado pela escola de acompanhamento foi problematizado por
apenas dois dos dezessete professores que mencionaram essa questão:

11. Tem pai que não vai conseguir acompanhar o filho em casa, não tem o tempo... não pode
colocar isso como determinante.

5. Você acha que pela condição de vida de algumas mães, tem alguma condição de eu condenar
que ela não ajuda em casa? Professores têm que entender a questão social que está por trás da
participação das famílias.

Essas falas explicitam consideração em relação à forma pela qual as famílias dos
estudantes se organizam, suas dificuldades e contextos particulares. Porém, no geral,
idealiza-se um modelo de famílias que saibam ajudar os filhos nas lições de casa e
garantam que eles cheguem à escola “prontos para aprender”. Os professores também
esperam que as famílias ensinem regras e princípios básicos de convivência e de
valorização dos estudos. Seguem as ocorrências a esse respeito:

2. Acompanhar o filho na vida escolar, dar suporte em casa, perguntar pro filho o que ele fez na
escola, mostrar interesse, construir junto com a escola.
3. Participar mais da vida escolar dos filhos, saber o que ta acontecendo.
4. O pai precisa se preocupar com o filho, saber sobre o cotidiano escolar dele, se tem mochila,
estojo, em que série está, quem são os professores.
8. Ver lição, olhar o caderno, mostrar que ta preocupado, dar atenção, cuidar, querer conhecer
o que ta acontecendo.
13. Acompanhar o aprendizado do filho, estar próximo ao que o aluno faz, à leitura de bilhetes,
ao trabalho que a gente manda pra casa (lição de casa, projetos), ler caderno do filho.
14. Conversem com os filhos, participem da vida escolar, olhem caderno e mandem bilhete caso
percebam algo errado, se preocupem com o que ele faz na escola. Venham pelo menos à reunião
de pais pra saber da vida do filho, não só pra reclamar.
15. Acompanhe e se preocupe com a educação dos filhos, dividindo com a gente as
responsabilidades, observe como ta o filho, se interesse pelo que o filho faz na escola, se
preocupe que o filho não falte.
16. Participar da vida escolar dos filhos, perguntar sobre a atividade, como foi o dia, olhar o
caderno. Levar filho no posto quando fazemos agendamento.
17. Precisa dar atenção ao filho, olhar caderno, estabelecer horário de estudo, ainda que não
saiba ler, isso já mostra cuidado.
18. Comprometimento com a escola: não deixar o filho faltar, saber como pode ajudar na lição
de casa sem dar a resposta.
20. Olhar caderno do filho, se preocupar se estão fazendo o que é pedido.
25. Parceria, que cumpram os combinados, olhem caderno do filho, mochila.
26. Tem que participar mais na escola, ter comprometimento com os estudos do filho, ver
caderno, lição.
201

27. Dar suporte de material e na lição de casa, se preocupar com o que o filho ta aprendendo na
escola.
28. Cumprir combinados, acompanhar a vida escolar dos filhos (olhar mochila, acompanhar
caderno), pois mostra que valoriza a educação, que não enxerga a escola somente como o lugar
onde vai deixar o filho enquanto trabalha.
30. Que acompanhem a vida escolar dos filhos, as tarefas, as dificuldades, os sucessos.
2. Reforçar a ideia de que educação é importante, valorizar a escola.
13. Mostrar ao filho que a escola é importante.
15. Valorizar a escola, pensar como a gente, que aqui é um lugar de socialização do
conhecimento.
3. Eles têm que fazer sua parte na educação dos filhos, dar limite pros filhos, não deixá-los tão
soltos.
7. Que saibam dizer ao filho que não pode ficar até altas horas da noite na internet, senão chega
apático no dia seguinte na escola. Eles são responsáveis por essa educação dos filhos.
16. Cumprir a função dele de passar educação básica e princípios éticos pro filho dele.
17. Exercer a responsabilidade própria da família, de formação da criança em casa, passar
valores ao filho de respeito ao outro, aos professores, aos colegas.
30. Que se responsabilizem por sua parte na educação das crianças: valores éticos, respeito,
limites, higiene, alimentação.
22. Entender que eles têm uma parte na responsabilidade de ajudar o filho, pôr regras e limites,
saber dizer não.
29. Assumam a parte de sua responsabilidade na educação das crianças: cobrem a importância
de estudar, respeitar os outros, fazer tarefa, respeitar regras.

Outra questão com número elevado de ocorrências refere-se às expectativas dos


professores que os pais atendam aos chamados da escola, estejam dispostos a ouvir as
orientações dos professores, e a procurá-los para tirar dúvidas ou contar questões
pessoais que interfiram no aprendizado do filho. Esperam também que os pais acreditem
na palavra do professor e confiem no seu trabalho, mencionando que muitas vezes eles
chegam “armados” e tratam os professores de forma agressiva. Essas expectativas
relacionadas ao diálogo foram mencionadas por 20 dos 30 entrevistados (67%):

3. Se um professor chama, entender que está chamando por um motivo importante.


8. Pai tem que atender quando o professor chama, e procurar o professor pra perguntar alguma
coisa que não entendeu sobre o aprendizado da criança.
15. Vir conversar com a gente sobre a situação do filho.
20. Ir às reuniões quando são chamados.
22. Ter parceria, vir pra escola quando mandamos bilhete, não se chatear com nossas
orientações. Procurar o professor para contar questões pessoais que possam estar prejudicando
o aprendizado.
25. Estar disposto a vir conversar com a gente quando pedimos, e procurar a escola quando
tiver passando por algum problema familiar que influencie o aprendizado do filho.
27. Ir à escola quando chamamos e procurar a gente quando precisam, pra contar questões
pessoais que possam interferir na aprendizagem.
202

29. Responder nossos bilhetes, e vir falar conosco quando precisam.


4. Precisam compreender que os professores também sabem o que é melhor pro filho deles, são
profissionais da educação que precisam ser ouvidos. Não deveriam chegar com agressividade,
achando que somos prestadores de serviço, que eles sabem melhor o que passar pros filhos do
que nós.
7. Precisam acreditar no que dissemos.
9. Tem que saber a hora de chegar, o momento de ser falado, não é chegar no meio da aula:
“meu filho bateu num menino e quero falar agora”.
17. Quando chamamos os pais para falar que é preciso ensinar certos princípios e valores aos
filhos, precisam ser receptivos.
19. Quando vêm conversar, não chegar armado só reclamando, numa postura de duelo, mas
numa postura de trabalhar em conjunto, dialogar, ter reciprocidade, bons tratos no
relacionamento: “sou pai do fulano, como posso ajudar?”.
20. Acreditar no professor quando estes dizem algo sobre o filho, por exemplo, que estão
faltando. Pais acreditam mais quando conhecem o professor (dei aula pro pai).
22. Quando mandamos bilhete dizendo que não pode fazer a lição pelo filho, ou que o filho está
com problema de comportamento, ou que o filho tem alguma questão que precisa de ajuda
profissional fora da escola, tem que ouvir a gente, acreditar no professor.
23. O pai não pode vir sempre armado, achando que o filho tem sempre razão. Pai tem que estar
próximo, apoiar as orientações do professor, ir à escola quando chamamos, escutar o que temos
pra dizer, crescer conosco.
24. Tem que ter parceria pra pensar na melhor maneira de educar a criança, porque às vezes as
famílias pensam o ato de educar diferente da gente, mas tem que estar aberta ao diálogo, vir pra
escola conversar com a gente, entender que precisa dar limites à criança, que conflito não se
resolve na porrada.
25. Eles precisam confiar no nosso trabalho.
26. Vir conversar abertamente com o professor. Porque a maioria acha que a gente só critica,
não acreditam na gente, a gente ta sempre errado.
30. Que nos ouçam: “é assim que queremos educar seu filho, essas são as regras, você
concorda?”. E serem ouvidos também.

Em uma das escolas nas quais apliquei o instrumento da pesquisa, o vice-diretor


narrou uma situação ocorrida na escola como parte de um momento conturbado
caracterizado por “muitos casos de pais vindo agredir a gente”. Segundo ele, a mãe de
uma criança chegou de repente na escola, fazendo “o maior escândalo” querendo falar
com a professora de seu filho, que estava dando aula no momento. Ela queria tirar
satisfação do porquê a professora tinha impedido a criança de fazer a aula de educação
física. O vice-diretor narrava esse caso indignado, reforçando que a escola tem regras
que precisam ser respeitadas pelos pais, que eles não podem chegar a hora que querem,
têm que marcar hora, e vir com uma postura aberta para dialogar e ouvir as razões da
escola.
Caso semelhante ocorreu na Escola B. Em dia de reunião de pais, no qual eles iam
chegando aos poucos no decorrer do período para conversar com a professora
203

responsável sobre o desempenho do filho, uma mãe reclamou para a diretora que uma
professora foi grosseira com sua filha, ao dizer para um colega de turma dela:
“problema dela que ela não veio fazer a prova!”. Essa reclamação foi feita no ambiente
externo do corredor com várias pessoas olhando, inclusive a professora envolvida. Essa
professora depois me confessou que naquele momento esperou que a diretora a
defendesse das agressões verbais da mãe; a diretora, por sua vez, me confessou que não
sabe como agir nesses momentos, que as duas são adultas e deveriam se entender
sozinhas, e que aquela professora nem mereceria ser defendida.
Além do olhar da escola, que julga com razão essas situações como
desrespeitosas e como sinal de que as famílias mimam demais seus filhos, poderíamos
enxergar a situação também pelo lado das famílias, que, ao contrário do que o senso
comum preconiza, estariam demonstrando como se preocupam com seus filhos, ao
zelarem para que sejam respeitados pelos professores. A situação acaba sendo
canalizada apenas no sentido de “acalmar” as famílias, mas pouco se observa no sentido
de acolher sua preocupação fazendo disso um disparador de diálogos coletivos entre os
próprios profissionais da escola, e entre estes e as famílias que se sentem desrespeitadas.
Dialogar sobre essas questões seria muito profícuo na Escola B, pois, como narraremos
mais adiante, a forma como muitos professores dirigem-se aos alunos e suas famílias
nessa escola é de fato desrespeitosa.
Em geral, as falas dos entrevistados remetem mais ao que a família deve fazer.
Mesmo quando mencionam “parceria”, é mais no sentido de “entender o trabalho que
realizamos”, ajudar a escola cumprindo os combinados, estando presentes quando são
chamados e “ouvindo nossas orientações”, “nos ajudando a resolver problemas
relacionados ao filho”. Isso nos remete à observação de Almeida et al. (2016, p.650):

Mesmo quando a instituição escolar admite a contribuição positiva do


trabalho em parceria com as famílias, ainda ocorre certo “tutelamento”, no
qual a escola tem um conjunto de orientações a serem passadas aos
pais/responsáveis como a melhor forma destes participarem da vida escolar
de seus filhos.

Nas falas das entrevistas, esse “tutelamento” é expresso, sobretudo, na expectativa


de que as famílias compareçam à escola para assistir a “palestras de orientação”. Quanto
a isso, é interessante trazer uma fala do Orientador Pedagógico da Escola A, proferida
em momento de Trabalho Docente Coletivo:

O Orientador dizia: “essa é a cultura deles, os filhos ficam aqui e os pais não vêm buscar,
querem que o filho volte sozinho pra casa. Temos que começar a mudar algumas coisas no
204

longo prazo, senão daqui a pouco vamos ta apanhando”. Um professor perguntou se existe uma
possibilidade de fazer palestras pros pais em relação à violência, respeito, pra que eles saibam o
que fazer com os filhos, já que o problema é a cultura do bairro. O Orientador respondeu: “é
questão de capital cultural. Acho interessante, sim, a gente passar nosso conhecimento
agregado pra eles, não é discriminatório. Temos que fazer um ponto de ruptura, porque daí vão
passando de geração pra geração” (Diário de Campo, Escola A, 26/09/2016).

Nessa linha, existe uma expectativa de que as famílias sejam inseridas dentro da
escola na perspectiva de aceitar uma proposta de trabalho que já foi previamente
definida. É nesse sentido que os professores esperam que os pais se mobilizem mais
para participar das reuniões da escola, desde reuniões de pais a Conselho de Escola e
CPA, onde poderiam indagar aos professores: “Como você ensinou isso?”, “O que a
criança ta aprendendo?”, “Por que faltam professores na escola?”, bem como
“entender qual escola estamos construindo”.

3. Participar mais das reuniões (reunião de pais, de Conselho).


6. A preocupação deles deveria ser no sentido de um lugar bacana onde meus filhos vão aprender
o que tem que aprender. Gostaria que eles cobrassem mais em relação à aprendizagem. Não
lembro de nenhum pai perguntando: “como você ensinou isso?”. Eles não questionam. Deveriam
e poderiam questionar mais.
11. Espero que ajudem a construir os rumos da escola. Participam do Conselho de Escola, das
reuniões de pais. Estão interessados, participam muito, sabem das coisas que estão acontecendo
na escola. Questão da biblioteca, por ex. Mesmo que pensem diferente dos professores, é bom que
venham e se coloquem.
16. Estar presente no ambiente escolar, não só quando solicitamos, mas também para fazer
críticas, dar sugestões, querer saber por exemplo por que faltam professores, pois isso mostra que
ele ta preocupado com a educação do filho; ir às reuniões da escola.
21. Muitos pais não sabem como participar, não sabem que têm direito de cobrar da escola
pública. Deveriam vir mais pras reuniões (CPA, C.E, reunião de família), pra saber o que ta
acontecendo na escola, o que a criança ta aprendendo, como ta sendo esse aprendizado.
23. Ter parceria, que participem do Conselho pra entender qual escola estamos construindo.

Por outro lado, há algumas falas que situam a parceria no sentido da


responsabilização compartilhada, reforçando que também cabe à escola e seus
profissionais ouvir os pais quando estes querem conversar sobre seus filhos, e chamá-
los a participar de eventos, reuniões, projetos, gincanas, festas, oficinas, feiras de
divulgação do trabalho das crianças. Poucos professores mencionaram que a escola
precisa também chamá-los a participar dos colegiados como CPA e Conselho de Escola,
estando aberta a ouvir suas opiniões e fazendo-os se sentirem à vontade nesses espaços
avaliativos e deliberativos. Apenas uma fala mencionou que estimular verdadeiramente
a participação implica também buscar horários alternativos de acordo com as
possibilidades de vida das famílias.
205

Ainda sobre a parte de responsabilidade da escola, alguns entrevistados


mencionaram que, para construção de relações de confiança, os professores precisam
respeitar e ser afetuosos com os pais e as crianças, mostrando preocupação com seu
aprendizado e reconhecendo suas potencialidades.

4. Escola tem que promover momentos, chamar os pais pra escola, não só pra falar sobre mau
comportamento do filho, mas ter um diálogo constante em que possam falar sobre a educação dos
filhos, suas dificuldades, e possamos ajudá-los, passar nossos conhecimentos. (ex. higiene,
vacinação)
5. Temos que chamar os pais, chamar pros eventos na escola, comentar em relação às atividades.
Deveríamos trabalhar com todos os pais, respeitá-los, deixá-los entrar na escola e opinar, e não
achar que eles vêm pra atrapalhar. A escola tem que ir pra comunidade e vice-versa.
8. Tem que ter prontidão das duas partes, o professor atender o pai quando o pai quer vir
conversar.
8. Dificuldade dos pais participarem... Cita condições de trabalho, não podem faltar no trabalho.
Escola cria horários alternativos pros pais darem conta de vir.
9. A escola estar com as portas abertas (tem o “leia e leve” na biblioteca). É essencial que tenha
essa convivência, que é a chave de tudo, o diálogo com a comunidade. Temos a CPA, um espaço
pra pais e professores verem problemas e pensarem juntos como encaminhar os problemas.
10. Pais confiam no professor quando percebem que o filho gosta do professor.
10. Que estejam presentes na escola, quero conhecer os pais, não só quando o aluno ta dando
muito trabalho. Quero trazê-los para a sala de aula. Eles têm que descobrir o poder que têm, mas
o que acontece hoje é que eles se inferiorizam, vêm à CPA e só a gestão fala, ficam com medo do
enfrentamento.
11. [sobre os pais que opinaram contrariamente aos professores em reunião para discutir a chegada
de uma assessoria de gestão na escola]: significa que eles têm abertura pra se posicionar no
Conselho. O OP chamou pra participar do Conselho.
12. A escola tem que dar o acolhimento, construir um vínculo fortalecido, dar abertura pra que os
pais contem a vida deles. Principalmente pais que tiveram vida conturbada, que não acreditam na
escola. Eles não vão dar, é a escola que tem que oferecer. Ouvir esses pais, pra entender por que
o filho deles tem determinado comportamento na escola.
13. Movimento contínuo de trazer os pais pra escola, ter ações comunitárias, mas os professores
muitas vezes são resistentes porque dá trabalho.
14. Professor tem que ser acolhedor, beijar o pai no rosto, saber como falar do filho, não falar só
coisa ruim, saber reconhecer o que o aluno tem de bom.
15. Professor tem que mostrar seriedade e coerência no que ele faz, que se preocupa com o filho
dele.
16. Responsabilidade da escola também de fazer chamamento, palestras, feira cultural.
18. Quero fazer uma dinâmica pra conversar sobre como ensinar o filho em casa, acho que
poderia sintetizar desempenho do aluno numa nota para que eles entendam melhor a descrição
dos saberes.
20. Por parte do professor: tem que mostrar que se preocupa com o aprendizado da criança, ser
sério, não faltar, passar atividade.
24. Nós também temos que ouvir os pais e saber ceder, passar atividades que eles gostam. Temos
que ir negociando os sentidos do que é educar.
25. Tem que estar dispostos a ouvir os pais e orientá-los, e respeitá-los.
26. De nossa parte, temos que trazer mais os pais pra escola, gincana, oficina, festas.
206

27. Saber ouvir o pai, conversar, acalmar quando chegam nervosos e querem proceder de formas
que não apoiamos. Fazer eventos, festas, pra chamar mais os pais, ajudar a divulgar o trabalho
que as crianças fazem. E promover atividades para os pais (ex. artesanato).
28. Professor tem que mostrar preocupação com o filho deles, tratar bem a criança, de forma
respeitosa.
29. O professor tem que respeitar o pai, respeitar o filho dele, não falar só coisa ruim do filho,
saber enxergar o lado bom. Isso muda o olhar do pai sobre o filho.
30. E que os pais sejam ouvidos também, sobre como educar os filhos.

Especialmente três entrevistados expuseram de forma mais detalhada o que


queriam dizer com “respeitar os alunos e suas famílias”. Para eles, o respeito passa
pelas ideias de inclusão, de trato humano e de escuta, e tem mais chances de ser
garantido quando a equipe gestora se compromete com essa visão:

5. As pessoas na escola têm que entender um pouco de história, entender a pessoa humana,
respeitar as diferenças. Mas ninguém gosta de pai de aluno, porque “pai só reclama, vem
atrapalhar”. Eles têm que entender que o pai é classe trabalhadora, e que nós professores
também! O nosso inimigo não é o pai do nosso aluno. Temos que trabalhar junto com eles,
pensar junto. Mas os professores têm boa relação só com os pais de nível sócio-econômico
melhor... já aqueles alunos que realmente precisam, que tem dificuldade em casa...quando esses
pais não vêm pra escola, os professores reclamam; quando vêm, não recebem bem, falam só mal
do filho: “o senhor tem que dar um jeito nele, tem que educar”. Os professores têm que entender
que existe um problema social. Ficar culpando a família de tudo não dá. Fizeram aqui um
questionário pra conhecer a comunidade, perguntando quantos livros o pai lê por ano, mas nem
o próprio professor lê! E você não conhece a comunidade por um questionário. Medem a
participação da comunidade pela ida às festas, mas só querem nas festas, e aquela parte da
comunidade que sabem que não vai atrapalhar. Será que querem mesmo toda a comunidade
dentro da escola? Vamos mandar também questionário pra comunidade avaliar a gente? Os
professores não querem, disseram que a comunidade não tem condição de avaliar a escola. No
TDC, só falam de indisciplina, falta de lição... Na CPA também, tem 5 ou 6 professores
pensando nessas ações....e os pais que vêm no Conselho de Escola são das crianças brilhantes.
Os professores querem expulsar algumas “laranjas podres”, mas o diretor não deixa....diz que a
escola é o último vínculo da criança, a hora que sair da escola, cai na vida.

11. As conversas informais dizem muito também... a partir disso, eu balizo que tipo de problema
levo ou não pro gestor. Dependendo do problema que eu tenho em sala, eu levo pro orientador
pedagógico, não pra diretora, porque eu sei que ele vai conduzir a coisa de uma forma mais
humana, que vai respeitar o aluno, a família do aluno... Chego pro OP e digo: como eu conduzo
a situação com esse aluno? Porque nele tenho confiança.

6. Quando começou a política de inclusão, ficamos horas debatendo se a palavra todos deveria
ou não aparecer no Projeto. Porque sabíamos que “todos” ia implicar um compromisso outro
de todos. Aí a gente votava. Agora, se você tem uma equipe gestora que zela para que a escola
funcione em função do que está posto no Projeto, isso gera confiança. Pelo que está posto como
princípio no PPP da escola, é o que agrega os profissionais que estão ali. Outra coisa que
gerava confiança, é o foco muito grande nos alunos que não aprendiam, que aprendiam menos,
aprendiam pouco...Tinha essa proximidade de concepção de escola. Com a troca de equipe
gestora, a escola entrou numa crise de identidade, vários colegas acabaram se aposentando.
Estamos hoje experimentando a construção de outra escola. Aí numa primeira conversa, chega
a OP e diz que “se o aluno aprende, aprende, se não aprende, reprova”. Fiquei muito chateado.
Isso fortalece as posições mais conservadoras dentro da escola, deixa de trabalhar pela lógica
da aprendizagem pra trabalhar pela lógica da repetência. Agora estamos acostumando a uma
escola que reprova...por conta da equipe gestora. É feita pouca pergunta do porquê esse aluno
não aprendeu. E “ah, agora sim a escola ta boa”. São concepções de educação diferentes.
Tivemos reunião de sétimo ano pra saber como resolver alunos que vão reprovar. Eram muitos.
207

Fizemos mediação a três: o aluno, o professor que se da bem com o aluno, e a professora que
tem problema com o aluno. A professora disse que já tinha desistido do aluno... é concepção que
não bate.

Chama atenção que esse último entrevistado cita a importância de um processo


de “mediação”, como uma oportunidade de interação e diálogo em que os diferentes
pontos de vista são confrontados, buscando-se chegar a uma relação mais humana entre
a professora e o aluno do qual ela havia “desistido”. E a primeira fala mostra como a
escola muitas vezes acaba se blindando da avaliação feita pela comunidade. Em geral,
percebe-se que para essas professoras, a confiança está necessariamente ligada ao
respeito, o qual implica não assumir como natural que o aluno não aprenda, não
naturalizar a reprovação, e ouvir os pontos de vista dos alunos e suas famílias como
condição para a melhoria do aprendizado e o alcance de relações mais humanas.
Expostos os dados das entrevistas, que serviram de base para elaboração dos itens
do instrumento, é interessante observar que todos os itens que buscaram captar a parte
de responsabilidade da escola foram eliminados na análise fatorial, porque não
apresentaram “coerência” de escolhas pelos respondentes, ou seja, apresentaram baixa
correlação com os outros itens/variáveis. São os que seguem:

1. Os professores realmente se importam com a comunidade que atendem.


2. A escola empenha-se constantemente em convidar os pais/famílias para
participar da CPA e/ou Conselho de Escola.
3. Os pais/famílias sentem-se à vontade nas reuniões da escola, expondo suas
opiniões, anseios, necessidades.
4. Avaliamos coletivamente, com alunos e pais/famílias, quais são as potências,
as dificuldades, e o que podemos melhorar no trabalho da escola.
5. Os professores dessa escola têm consideração pelas opiniões dos
pais/famílias.

É significativo notar que sobraram apenas os itens que medem a parte de


responsabilidade das famílias. Isso significa que, na visão dos professores, a confiança
que sentem em relação às famílias está associada às expectativas de que elas
correspondam a um modelo idealizado pela escola: que acompanhem em casa os
estudos dos filhos; que os ensinem comportamentos e posturas valorizados pela escola;
que compareçam à escola, sobretudo, para ouvir orientações ou contar algum problema
familiar que esteja prejudicando a aprendizagem das crianças e jovens. Se as famílias
não procedem dessa forma, elas são avaliadas negativamente.
208

Ao não ocorrer um acompanhamento minucioso das atividades escolares,


facilmente identificado pela escola, tais famílias são rotuladas como
desinteressadas da vida escolar dos filhos ou, ainda, como afirma
Albuquerque (2014, p. 622), a elas são atribuídos adjetivos como “famílias
desestruturadas, carentes, problemáticas” (ALMEIDA et al., 2016, p. 651).

Em minhas idas às trinta escolas na ocasião da aplicação do instrumento, pude


interagir com alguns professores, que me procuravam depois da aplicação para fazer
comentários. Em algumas escolas, tive a oportunidade de acompanhar os TDCs
(Trabalho Docente Coletivo), o que também me proveu situações e falas interessantes
para análise. Nessas ocasiões, equipes gestoras e professores manifestaram uma
sensação de desamparo em relação às famílias, ressentindo que os pais não valorizam a
escola, não se envolvem nem se interessam em participar das ações da escola, não
educam adequadamente seus filhos, permitindo, por exemplo, que durmam muito tarde.

ESCOLA 1: Depois de responder o instrumento, um professor me chamou para conversar sobre


as impressões dele. “Você vai ver que estamos sem estrutura nas escolas, a questão salarial, tudo
isso pega, mas hoje em dia o que ta pegando cada vez mais é a falta de valor que a comunidade
dá pra escola. Os alunos não dão valor, porque os pais também não dão, por não considerarem
que a escola teve um papel importante na vida deles. Eu já desisti de passar conteúdo, porque a
gente passa a maior parte do tempo resolvendo conflito, um aluno que se machucou aqui, outro
ali... E eles são violentos, mal educados, falam muito palavrão, porque é o que ouvem em casa”.

ESCOLA 2: Depois da aplicação, voltei outro dia à escola para socializar com os professores os
resultados da pesquisa do LOED (...). A Orientadora Pedagógica falou que a escola piorou no
IDEB, e que os dados que eu expus sobre as várias dimensões da qualidade ajudam a escola a se
olhar e a entender suas fragilidades. Comentou que, de fato, como aparecem nos dados, os alunos
não frequentam as ações de apoio pedagógico oferecidas pela escola. Alguns professores
reforçaram que as famílias não se interessam em participar... A diretora comentou que os
alunos não valorizam a escola, não se interessam pelos conteúdos, e que os pais não têm
controle sobre eles.

ESCOLA 3: Uma professora me chama de canto e diz: “você vai encontrar que a gente ta
totalmente desamparado pelos pais e pelo poder público”.

ESCOLA 4: Um professor me chamou pra conversar. Referindo-se ao item “se os pais educam
seus filhos...”, achou perigoso, pois há um senso comum que diz que os pais não educam, e os
professores acabam sentindo que toda a responsabilidade foi transferida pra escola.

ESCOLA 5: Assisti ao TDC da escola enquanto aguardava o próximo TDC para aplicar o
instrumento na outra metade dos professores. Uma professora se pronunciava, a respeito dos seus
alunos: “Eles dormem na minha aula, como vou lutar contra isso? Eles dormem três da manhã,
porque pras famílias isso é normal”. Uma professora então sugeriu chamar esses pais para
ouvi-los e entender o que pensam, ao que outra professora respondeu: “não é assim, a gente
chama e eles não vem, eles não valorizam nosso trabalho, parece que fora da escola o aluno é
ensinado a valorizar um monte de coisa e aqui a gente tenta fazer ele valorizar a escola e não
consegue, parece que estamos enxugando gelo”.

ESCOLA 6: Voltei à escola, depois da aplicação do instrumento, para dar devolutiva dos dados
da pesquisa do LOED. Observando os gráficos da escola, a conclusão a que professores e equipe
gestora chegaram é que precisam melhorar no aspecto da relação com a comunidade e da
participação. Pontuaram que os alunos não frequentam as ações de reforço e que há uma
dificuldade imensa em envolver a família. A vice diretora interviu: “ok, a gente sabe disso,
209

mas a questão é como resolver... a dificuldade dessa escola é que atende muitos bairros,
então não temos essa sensação de que a escola pertence à comunidade”.

(Diário de Campo da aplicação do instrumento nas escolas. De 10/10/2016 a 15/03/2017. Grifos


meus).

As situações observadas nas duas escolas do campo confirmam essa sensação de


desamparo sentida pelas professoras, fruto do não cumprimento das expectativas
unilaterais que a equipe docente deposita nas famílias. Mais que isso, as observações
ajudaram a entender a relação da baixa confiança nesse par de relação com as
oportunidades de interação entre os segmentos e com a falta de reconhecimento.
Pode-se dizer que em nenhuma das duas escolas há uma participação expressiva
das famílias nos colegiados deliberativos e avaliativos da escola (CPA e Conselho de
Escola). Assim, as reuniões mais frequentes com comparecimento de pais que
acompanhei nas duas escolas foram as reuniões periódicas que ocorrem a cada
fechamento de trimestre, com objetivo de socializar com eles o desempenho de seus
filhos; as reuniões de recepção de início de ano; e outras esporádicas com alguns pais
selecionados entre aqueles cujos filhos dão mais “problema” de comportamento e/ou
que estão perigando ser retidos por problema de falta ou conceito insatisfatório.
No entanto, há algumas diferenças entre as duas escolas nesse aspecto das
interações escola-comunidade. É certo que nenhuma delas apresenta um grau de
confiança elevado nas famílias, o que é válido para todas as trinta escolas da pesquisa: a
maior média atingida por elas foi 4,25 numa escala de zero a seis. No entanto, algumas
constatações talvez ajudem a explicar por que a confiança “professores-pais/famílias”
na Escola A é maior que na Escola B (3,75 e 2,84 respectivamente), estando a Escola A
no grupo das melhores classificadas da rede e a Escola B no grupo das piores
classificadas65.
Na Escola A, as reuniões de pais são preenchidas também com atividades de
valorização da comunidade e da escola, enquanto na Escola B tais reuniões restringem-
se a palestras de orientação, cobranças e comunicados. Além disso, a Escola A promove
mais festas e eventos para os quais a comunidade é convidada de forma ativa. Essas
atitudes, ainda que pareçam pequenas, colocam as pessoas num grau de interação que as

65
As médias das escolas (para cada par de relação) foram comparadas a partir do Independent-Samples T
Teste realizado em SPSS. Fomos comparando entre si as escolas próximas aos valores mínimo e máximo,
até que o valor de ‘p’ passasse a ser menor que 0,05, indicando diferenças significativas entre elas
(DANCEY, REIDY, 2006). Dessa forma chegamos a dois grupos, das piores classificadas em cada par, e
das melhores, sendo que não há diferenças significativas entre as escolas de um mesmo grupo, à medida
que na comparação entre elas ‘p’ foi maior que 0,05.
210

permite demonstrar ao menos “respeito” e “consideração” umas pelas outras


(KOCHANEK, 2005).
Essa autora defende que o(a) diretor(a) possui papel fundamental em criar um
ambiente de confiança nas escolas, através, sobretudo, da promoção de oportunidades
de interação entre as pessoas. Considerando que todas as escolas, em maior ou menor
grau, precisam lidar com sensações de vulnerabilidade de pessoas que se conhecem
pouco devido à maior ou menor rotatividade de professores e de famílias/alunos, é
recomendável que a(o) diretor(a) comece pela promoção de interações de “baixo risco”.
Exemplos desse tipo de interação envolvem a formação de pequenas comissões para
discutir/encaminhar assuntos específicos, a realização de projetos ou tarefas conjuntas
como cuidar da horta da escola, ou mesmo a promoção de eventos divertidos ou festas
especiais, como no caso da Escola A. Nesses encontros, segundo Kochanek (2005), os
participantes têm oportunidade de se conhecer melhor e desenvolver sentimentos e
manifestações principalmente de “respeito” e “consideração”. Quando essas estratégias
estiverem bem estabelecidas gerando um grau de confiança relativo, o(a) diretor(a) pode
passar à promoção das interações de “alto risco”, ou seja, aquelas nas quais equipe
gestora, professores e pais discutem e deliberam sobre o plano de ação e a “missão da
escola”. É esse tipo de interação que aprofunda a confiança, à medida que permite às
pessoas irem além do “respeito” e “consideração”, demonstrando e percebendo umas
nas outras um senso de “integridade” e “competência” (KOCHANEK, 2005).
Em nenhuma das duas escolas se chegou ainda às interações de “alto risco”. Na
Escola A não há nenhum representante do segmento famílias frequentando efetivamente
as CPAs, que ocorriam toda semana. Na Escola B, as CPAs eram bimestrais no segundo
semestre de 2016 e também não contavam com participação expressiva de familiares.
Na Escola A, as reuniões do Conselho de Escola ocorrem de forma fragmentada.
Quando o diretor fecha o balancete de prestação de contas, chama alguns pais para
tomar ciência e assinar a ata, e utiliza um tempo dentro do TDC para fazer o mesmo
com os professores. Não se pode dizer então que há propriamente uma reunião de
Conselho de Escola em que todos os segmentos se encontrem, mas uma ciência isolada
da prestação de contas. Na Escola B, essas reuniões existiam efetivamente e no início de
2017 contavam com a participação de doze pais/mães. No entanto, também se
restringiam à tomada de ciência da prestação de contas e a pequenas decisões relativas,
por exemplo, à arrecadação de novos fundos para a APM.
211

Nesse aspecto, portanto, as duas escolas são parecidas, pois em nenhuma delas
foram observados momentos coletivos em que os pais pudessem se aproximar entre si e
dos professores e gestores para avaliar e discutir questões substantivas que impactem o
Projeto Político Pedagógico da escola. As oportunidades de conversa são mais
individuais, quando professores e gestores chamam as famílias ou são procurados
pontualmente por elas para tirar alguma dúvida, fazer alguma reclamação etc.
No entanto, na Escola A há mais interações de “baixo risco” do que na Escola B.
As reuniões de pais da Escola A são bastante cheias, marcadas pela divulgação e
exaltação dos trabalhos dos alunos e pela entrega de presentes, por exemplo, quando
numa delas (junho/2017) o diretor sorteou algumas cestas básicas para presentear os
pais. Nelas os alunos e suas famílias parecem se sentir valorizados. Na reunião de
outubro/2016, a equipe gestora projetou, na ampla parede do pátio interno, um vídeo
sobre a escola feito por uma rede de TV, interessada em entender os fatores que a
levaram a melhorar seu IDEB. Na reunião de abril/2017, projetou uma gravação, feita
pelos próprios professores, de uns seminários apresentados pelos alunos nas salas de
aula explicando conteúdos de algumas disciplinas, depois outro vídeo de uma aluna com
deficiência visual dando seu depoimento de como é gostoso estudar naquela escola,
porque ela se sente respeitada pelos colegas e professores.
Também entre si os professores dessa escola estão sempre divulgando e
exaltando os trabalhos dos alunos, compartilhando com orgulho fotos e vídeos na
página do facebook, enfeitando as paredes da escola com diversos tipos de produções
realizadas pelos próprios alunos. Os dois jornais da escola (o “Informafricativo”, sobre
o projeto de educação em africanidades, e o Jornal geral da escola) são outro importante
veículo que divulga suas produções para toda a comunidade, que vão desde poemas
sobre temas discutidos em sala de aula a recados de amizade e agradecimento dirigidos
a colegas e professores.
O projeto de educação em africanidades vem sendo desenvolvido nessa escola
há muitos anos, sob coordenação de um professor que é pessoalmente engajado e
militante da causa, com objetivo de construir um currículo mais democrático no qual a
cultura africana seja de fato valorizada. As atividades do projeto incluem desde estudos
na perspectiva da etnomatemática, passando pela realização de exposições e eventos na
escola, a passeatas pelo bairro com entrega dos jornais à comunidade. A leitura dos
testemunhos de alunos sobre essas e outras atividades, publicados no jornal, mostra que
212

os resultados incluem um aumento na autoestima especialmente das meninas negras que


começaram a valorizar seu cabelo; uma maior conscientização entre os estudantes
quanto às origens das desigualdades raciais e sociais no Brasil; e um entendimento mais
profundo sobre as marcas positivas da cultura africana na herança cultural brasileira.

Africanidades trata sobre diversos assuntos tanto do início da nossa história, como dos tempos
atuais, pois até hoje ainda é possível ver desigualdades sociais, econômicas. Portanto quanto
mais puder ser divulgada e explicada o que é africanidades, mais pessoas terão a possibilidade de
não só saber suas raízes e sua real história, mas também de saber seus direitos e deveres.

Eu ajudei a preparar uma exposição sobre africanidades. Eu adorei participar do projeto e acho
muito bonito o trabalho do professor [fulano]. Preservando a cultura africana e conscientizando
as pessoas a respeitar ao próximo independente da raça ou da cor. Isso é muito importante,
porque enfrentamos uma sociedade cheia de preconceitos. Eu cresci em uma família
maravilhosa, tenho primos e irmãos negros e desde cedo adoro as pessoas negras e brancas,
independente da sua orientação sexual. Temos que respeitar o próximo sempre, porque ninguém
é melhor que o outro. Somos todos iguais.

Bom, eu particularmente não tive a oportunidade de participar das últimas ações desenvolvidas,
mas conheço um pouco do trabalho, pois eu já recebi alguns informafricativos, que fala do
assunto. Acho muito importante ter esse diálogo sobre africanidades, afinal a maioria dos
brasileiros tem antecedentes africanos. Por isso é interessante nós estudarmos este assunto, para
conhecer mais sobre a África e sobre africanidades, para ter mais conhecimento sobre o Brasil,
Palmares, Quilombos, etc

Eu acho que esse projeto é preciso se espalhar nas escolas de todo o Brasil e de todo o mundo.
Porque nas escolas se prega que todos têm direitos e deveres, porque somos uma sociedade, mas
nunca conta a nossa história (sou negra) do quanto o povo negro sofreu e ainda tem sofrido até
hoje.

Os livros didáticos em minha opinião deveriam ter mais desenhos e imagens com pessoas negras,
por que nas figurinhas que eu vi nos livros só tem desenhos que apresenta pessoas brancas e
também deveria ter mais professorxs conscientes que aqui ainda tem racismo na nossa escola, na
cidade de Campinas, no estado de São Paulo, no Brasil e também no mundo.

(...) cada dia com mais esperança nesta escola, soube que na África não é tudo ruim. São ruins os
nossos pensamentos cheios de racismo e preconceito com os negros.

(...) Africanidades incentiva os negros a terem orgulho de sua cor e da sua religião.

(...) Foi importante principalmente para muitas adolescentes que aprenderam a se ver de uma
maneira diferente e respeitando o seu cabelo e sua cor.

(Trechos de depoimentos de alunos ao final de 2016. Compilação do professor coordenador.


Enviado à pesquisadora por email).

Esse projeto é um dos três pilares do Projeto Político Pedagógico da escola,


junto com os outros dois relativos à educação ambiental e à sexualidade, que sinalizam
como nessa escola os professores têm a prática de repensar o trabalho pedagógico no
sentido de conectar-se às aspirações e necessidades dos alunos e da comunidade. Do que
pude acompanhar, o primeiro, chamado “Gaia”, envolvia atividades como o
reaproveitamento de materiais usados, questionamento de práticas consumistas, e o
213

plantio de sementes. Quanto ao segundo, além da leitura de livros e debates em sala de


aula sobre assédio sexual no ambiente familiar, alguns professores conduziam
atividades dirigidas com grupos de alunos:

Os professores deram o informe aos demais: “Hoje eu e a [nome da professora] estamos com um
projeto na escola: segunda feira, a partir do segundo TDC, vamos atender alunos de ciclos III e
IV. Por exemplo, tem meninos assediando meninas... então a professora vai pegar um grupo de
alunos e levar pra gente trabalhar. Nosso objetivo é dirimir preconceitos, levar informações,
formar o aluno pra que ele multiplique pros colegas” (Diário de Campo Escola A. Momento de
TDC. 13/03/2017. Grifo meu).

Analisamos que não é à toa que essa escola consegue realizar projetos que tocam
em temas tão espinhosos, e ao mesmo tempo caros aos debates sobre justiça social e
reconhecimento, como sexualidade, gênero e raça (FRASER, 2003). De forma geral,
não só através dos projetos pedagógicos que realiza, mas também na forma como a
escola relaciona-se com seus alunos e comunidade, percebe-se que a categoria do
“reconhecimento”, tanto do ponto de vista da “justiça social” (FRASER, 2003) quanto
da “auto-realização” (HONNETH, 2013b), se fez presente de alguma maneira nessa
escola, que está no grupo das melhores classificadas em nossa escala de confiança.
Além disso, aqueles três eixos do Projeto Político Pedagógico da Escola A, em
conjunto com as atividades da CPA, fornecem elementos que nos permitem identificar
nessa escola nuances de um trabalho pedagógico pautado nos pilares da qualidade social
e da formação humana, à medida que busca garantir a todos/as o direito à educação na
perspectiva de formar sujeitos capazes de compreender e atuar sobre a realidade, rumo
ao alcance de relações e condições mais humanas e socialmente justas.
Quanto à CPA, durante o período de campo, pude observar que uma média de
quinze alunos de vários anos mais três professores frequentam suas reuniões todas as
semanas desde início de 2016, e nelas discutem, planejam e põem em prática ações com
vistas a tornar a escola um “ambiente melhor para todos”, nas palavras da professora
coordenadora. Segundo ela, uma das coisas que “ajudou muito na questão do
rendimento e evasão escolar foi o trabalho dos alunos na CPA... a autoestima deles
melhorou quando puderam ser ouvidos” (Diário de Campo, 26/10/2016); além disso, a
CPA colaborou em “ensinar a importância de respeitar, conviver. Tinha muita
depredação, muita quebração de porta, cadeira, lixo, desperdício de alimento. Isso
melhorou. Agora tudo que acontece, a gente discute” (Diário de Campo, 27/07/2016).
Entre as ações/projetos realizados pela CPA, destacamos a pesquisa do “eu
critico”, “eu solicito”, “eu felicito”, preenchida por todas as turmas da escola, de onde
214

surgiram reclamações recorrentes quanto, por exemplo, à falta de variedade da merenda,


ao que a CPA reagiu convocando uma reunião com o Ceasa e a Conutri 66, cujos
resultados depois foram socializados em assembleias: “tava todo mundo com medo da
conversa, até pessoal do Ceasa que achou que gente da Escola A fosse mal-educada,
mas a conversa foi tranquila, respeitosa. Conseguimos pratos, talheres, frutas
melhores” (Diário de Campo. Fala de uma aluna em reunião de CPA, 27/07/2016).
Outras ações realizadas foram: elaboração de ofício à Coordenadoria de
Arquitetura Escolar para justificar necessidade de ampliação da cozinha; campanhas
contra bullying, pela boa convivência e adequada higienização das mãos; controle de
frequência, o que gerou ações como conversar diretamente com os alunos faltosos e
suas famílias para saber o motivo de tantas faltas.

Um aluno sugere que tire alguma coisa que eles [alunos faltosos] gostam, por exemplo, não
deixar jogar bola, ao que a professora coordenadora responde: “vocês não acham que a pessoa
que ta faltando muito, tem alguma coisa que ta fazendo ela faltar? Vamos analisar. Um faltou
porque ficou com alguém que ta doente. Mas tem alguns casos que tão enforcando mesmo.
Quem falta sempre é quem tem mais dificuldade... se a gente fizer esse negócio de punir, a gente
vai afastar mais a pessoa do que ajudar. Temos que bolar um jeito de aproximar, perguntar:
‘por que você faltou?’, não esperar eu perguntar. Temos que pensar o que podemos fazer pra
deixar a escola mais interessante. Gincana? Vamos ver se a gente monta tipo um campeonato
brasileiro...”(...) Um aluno comenta: “eles faltam porque não tem apoio, vê que ninguém vai
ajudar”. Professora: “isso que eu to falando, trazer apoio, verificar quem ta faltando e destacar
pessoas pra ajudar... eles adoram ouvir os mais velhos”. Uma aluna lembrou que foi numa sala
conversar com eles e eles respeitaram ela. O aluno anterior reforçou: “tem que ser insistente, não
desistir na primeira patada”. Outra aluna disse: “você podia ir conversando com o Vinícius, ele
é muito inteligente, mas tem uma necessidade de aparecer” (Diário de Campo, reunião CPA,
10/08/2016).

A Escola A é conhecida pela relação forte que possui com a comunidade. As


reuniões são bastante cheias, e as festas de final de semana também, como a Mostra de
Africanidades e a Festa Junina. Certa vez saí com os alunos participantes da CPA para
colar cartazes nos estabelecimentos comerciais do bairro divulgando a Festa Junina da
escola, quando pude ouvir alguns comerciantes empolgados querendo saber quando
seria e dizendo que iam comparecer, mesmo sem ter filho na escola. Um professor
costumava me dizer que a escola é referência importante naquele entorno, desde seu
momento histórico inicial, quando cumpriu o papel de assegurar a consolidação do
processo de luta pela ocupação do bairro, até hoje, sendo a marca da presença do Estado
na comunidade. Ele também disse que as famílias confiam muito na escola, procurando-
a para pedir ajuda sobre como encaminhar questões de saúde do filho, por exemplo.

66
Ceasa: Centrais de abastecimento de Campinas. Conutri: Coordenadoria de Nutrição da prefeitura
Municipal de Campinas.
215

A Escola A parece ser um importante lugar de socialização e auto-realização


para a comunidade em geral, e particularmente para os alunos e suas famílias. Outra
situação representante disso é que os alunos frequentam bastante a escola fora do seu
turno de aula, seja para participar das reuniões da CPA, do Grêmio, dos encontros de
protagonismo juvenil coordenados pelos “multiplicadores” de uma Fundação. Nota-se
também que alguns desses alunos vão ficando conhecidos, sendo vistos com admiração
por certos colegas, como exemplo a ser seguido, e ao mesmo tempo como alvo de
chacota por outros que “só querem saber de zoar”. Mas em geral parece que as ações
desses alunos são vistas com bons olhos pelos demais. Lembro, por exemplo, quando os
alunos participantes da CPA ensinaram os pequenos como lavar as mãos antes de
comer. Eles faziam aquela ação com orgulho, se sentindo importantes, sensação que
parece acompanhá-los em todas as atividades que realizam pela CPA, pois sentem que
estão ajudando os colegas e contribuindo para tornar a escola um ambiente melhor.
Percebo que a CPA tem forte adesão desses alunos também por conta da relação de
confiança e respeito que eles têm com a professora responsável, que sempre se mostra
pessoalmente preocupada com suas vidas. Por fim, é comum também a escola ceder seu
espaço nos finais de semana para eventos do bairro, por exemplo, para as reuniões de
um grupo de escoteiros da igreja.
Como certa vez me disse uma professora, a escola acaba sendo o único espaço
de sociabilidade positiva naquele bairro povoado por práticas de tráfico de drogas e
prostituição e carente de recursos como praças, quadras de esporte etc. Ela acrescenta:
“quero dizer, o único que é para todos”, pois há outros espaços como as ONGs do
bairro, porém elas têm a limitação de trabalhar com pequenos grupos de crianças e
jovens.
Além do espaço público da Escola A, são esses espaços privados do bairro que
parecem trazer sociabilidade positiva e sensação de reconhecimento para alguns alunos,
no sentido de auto-realização e promoção da autoestima dado por Honneth (2013b).
Eles me contavam com satisfação que participavam das atividades culturais oferecidas
por uma ONG, como aulas de teatro, passeios a chácaras, aulas de dança e de
informática. Outros alunos, por sua vez, contavam que gostavam de frequentar suas
igrejas, pois lá seria um espaço de encontrar as pessoas e aprender a tocar instrumentos.
No entanto, apesar dos benefícios proporcionados, esses espaços de fato não são para
todos, como bem lembra a professora.
216

Apesar dessa relação relativamente próxima com a comunidade, a fala de um


professor nos lembra que a Escola A não dá conta de resolver sozinha os problemas
sociais do seu entorno, e como essa sensação de impotência acaba de alguma forma
justificando certa blindagem da escola à comunidade.

(...) “ter consciência da importância da comunidade é uma coisa, mas fazer na prática é outra. A
escola ta ainda blindada dessa comunidade. Quando ela vier aqui pra dentro com a totalidade de
problemas que ela tem, talvez a gente não suporte a experiência. Será que a gente quer isso de
fato? Tem alguns lugares que eu me blindo... eu vou pro shopping, pra biblioteca... temos algumas
maneiras de expurgar: temos alvos, reprovação... O que os alunos que tão fora da nota nos dizem,
incomoda” (Diário de Campo, Escola A, set/2016).

A própria postura de “tutelamento”, que tende a ser adotada por professores e


equipe gestora das escolas em relação às famílias, pode ser vista como uma forma de
lidar com essa impotência, ou seja, é aquilo que se pode fazer dadas as condições que se
tem. Nas duas escolas observadas em campo, foram registradas situações que ilustram
como esse “tutelamento” está baseado de certa forma na ideia de que as famílias
possuem algumas limitações ou déficits de certos conhecimentos básicos em relação ao
cuidado com os filhos, necessitando ser orientadas ou ensinadas pela escola quanto à
melhor forma de proceder.
Na Escola A, em reunião de pais de abril de 2017, a equipe gestora tinha intenção
de orientar os pais sobre a importância de colocar seus filhos para dormir cedo; porém,
diante da hora adiantada, preferiu liberá-los dessa parte inicial, deixando à vontade
aqueles que pudessem e quisessem procurar os professores para conversar mais em
particular. Acompanhei então um grupo de pais e mães que procuraram uma professora
do 6º ano. Ela dizia ao grupo como um todo que eles precisavam cuidar para os filhos
dormirem cedo, precisavam impor limites e mostrar aos filhos que é preciso respeitar as
regras: “vocês têm regras no seu serviço, não é? Não pode chegar tarde, tem que ir bem
vestido. O mesmo vale aqui na escola”. Também falou da necessidade de cobrar que os
filhos façam lição de casa, que é um momento importante para eles consolidarem o que
viram em sala de aula. Às vezes ela se dirigia especificamente para um ou outro,
dizendo que a filha precisa ter mais foco, por exemplo.
Em outra ocasião, na reunião de outubro/2016, a professora responsável pela sala
que acompanhei entregou para cada pai um papel com o desempenho do filho na forma
de “grupos de saberes”, que vão do G1 ao G4. Ela tentou explicar-lhes o que essas
siglas significavam, traduzindo-as de acordo com o antigo sistema de notas de zero a
dez. Ouvi alguns pais/mães manifestarem baixinho que não estavam entendendo.
217

Conversando mais tarde com o diretor sobre isso, ele me disse que “não adianta
explicar muito por que eles não vão entender mesmo”. Nesse caso, o pressuposto de que
as famílias são deficitárias motivou uma atitude de desistência ao invés de gerar
esforços de orientação.
Certa vez em horário de Trabalho Docente Coletivo, presenciei as professoras
dos ciclos III e IV discutindo quais pais deveriam ser convocados para tomarem ciência
de problemas relacionados à infrequência do filho ou a questões comportamentais, na
esperança que a família “dê um jeito” na criança.

Os professores de sexto ano foram com a professora coordenadora de ciclo pensar juntos quais
pais eles vão chamar para conversar. Começaram então a separar, aluno por aluno, quem são os
alunos com problema de comportamento e quem são os faltosos. Em reunião passada, uma
professora havia lembrado que não pode deixar de falar do comportamental: “Isso vem da
família!”. E completa: “Também temos que mostrar o IDEB pra eles, dizer que eles estão em
último. Se somos os últimos no IDEB, vamos ser os últimos a conseguir posto de saúde, quadra
na escola”. Na presente reunião, discutindo caso a caso, comentam: “Esse é frequente, mas é
indisciplinado, conversa demais, atrapalha a aula”. “Ele não faz as atividades, enrola. Vamos
chamar o pai dele por indisciplina e frequência. Ele não pára no lugar!”. “Mas vocês sabem
que vamos convocar 30, vão vir uns 10”. “Tem que chamar esses pais, fazer pressão pra
cuidarem do filho. Porque aqui não é depósito!”. “Esse precisa chamar denovo porque combinei
da mãe acompanhar a vida escolar dele. Esse é o tipo de aluno que tem que acompanhar senão
perde... O pai falou que ele permite o filho fazer tudo que quiser. Ele não vai escutar a gente.
Ele diz que criou um filho autônomo... e a gente fala que não é bem assim, mas ele não quer
entender. Pior que ele é um dos melhores alunos, mas vamos acabar perdendo ele... não adianta
conversar com o pai... o pai veio na reunião já”. “A mãe tal veio pra mim e perguntou se a gente
não tem lista pras coisas boas que eles fazem. Eu disse que mesmo se tivesse, não ia ser o filho
dela... Falei que temos os alunos destaques, mas não chamamos mesmo pra falar disso, né.
Deveria, mas é outra história”. “Esse tem que chamar de novo, eu me responsabilizo. Esse
menino ta mentindo pro pai que ta vindo no reforço, mas não ta....o problema dele é
comportamento, sem contar o que ele ta falando pras meninas”. “A gente tem que orientar os
pais a lavar direito o sovaco pra não chegar fedido, a saber o que é essa história de criar filho
com autonomia”. “A Fulana ta com bastante falta... a mãe já veio, disse que quem passa a mão
na cabeça é o pai e ela não tem mais o que fazer”. (Diário de Campo, 10/10/2016. Momento de
TDC. ESCOLA A).

Essas falas mostram uma preocupação recorrente do professorado: as famílias


precisam aprender a colocar limites nos filhos, e às escolas cabe o papel de orientá-las
nessa empreitada, explicando inclusive qual é o sentido de “criar com autonomia”.
Na Escola B presenciei essa preocupação sendo posta em prática de forma mais
enfática. Lembrando que a Escola B, segundo nossa escala, possui o mais baixo grau de
confiança geral das trinta escolas pesquisadas (2,85), e um dos mais baixos no par de
relação “professores-pais/famílias” (2,84). Nela pude observar uma ocorrência
significativa de palestras de orientação às famílias, da qual participaram também
professores, funcionários, equipe gestora, e convidados externos. Uma delas ocorreu no
começo de 2017, na reunião de recepção aos pais, que se iniciou com uma exposição
218

das regras da escola (uso de roupas adequadas, proibição de celular, necessidade de


marcar horário para conversar com os professores etc.). Depois disso:

[...] A diretora falou orgulhosa sobre uma aluna da escola que passou na ETECAP. Reforçou que
foram os professores que deram essa oportunidade, mas que também existe a parte da família e o
mérito do aluno. “Se todos trabalharmos juntos, eles vão ter ótimos resultados”. Passou a
palavra para a Guarda Municipal. O guarda falou sobre a importância de dar atenção aos filhos,
que mesmo trabalhando muito, a gente precisa chegar à noite em casa e dizer que os ama, dar-
lhes atenção, senão depois pode ser tarde demais. Depois falou sobre a importância dos limites,
de saber falar ‘não’, transferir valores morais e éticos pra eles, porque a vida lá fora não é fácil,
ele vai encontrar um monte de ‘não’, vai ter várias frustrações, e como vai lidar com elas? Às
vezes eles entram em situações complicadas por não terem aprendido a ter limites. “Vocês
conhecem o Cortela? Ele conta história de um pai que contou que o segredo da vida é: a vaca
não dá leite, é a gente que tira dela. Temos que ensinar que ele tem que correr atrás das coisas:
filho, vai lavar seu prato, vai arrumar sua cama. É passar algumas responsabilidades pra eles,
pra eles não sofrerem lá na frente, pra aprenderem a respeitar, dar valor pro trabalho dos
outros. Onde ta a raiz da violência? Um dos ramos está na família. É duro dizer isso, mas muito
dela ocorre dentro de casa... Quantas ocorrências nós atendemos de violência doméstica? Uma
história mais triste que a outra... é onde nossos filhos deveriam ter proteção, segurança, amor,
carinho, mas eles tão sofrendo violência. A sociedade acaba sendo vítima da criança que sofreu
violência na vida dela. Por que isso ocorre? Se eu recebo violência a vida toda, o que eu
devolvo pra sociedade? Não vou dar amor”. Falou sobre os tipos de violência: física,
psicológica, sexual. “Precisamos tomar alguns cuidados com a internet, TV. Quando a criança
entra na internet, elas encontram pedófilos, gente ruim. É uma ferramenta muito boa, mas
também tem coisas terríveis. Temos que supervisionar, é o mais importante. De vez em quando,
temos que convidar a família pra jantar, olhar pro filho, perguntar como ele ta, o que fez na
escola. Às vezes a gente pára pra olhar pro filho, e vê como ele cresceu, e o que a gente fez com
ele? Temos que jogar bola, conversar, enquanto dá tempo. A sociedade hoje é muito consumista,
individualista, às vezes a gente deixa de lado coisas importantes do “ser” pra correr atrás do
“ter”. Moral da historia é ter tempo pra família”. Depois da palestra, a equipe gestora
dispensou as famílias. Nenhuma delas colocou questões durante a palestra, não houve perguntas
no coletivo. Algumas foram depois procurar os guardas para conversar individualmente. Os
professores achavam que o assunto era de algum tema delicado, relativo a algum tipo de
violência que elas sofrem em casa (Diário de Campo, 17/02/2017. Reunião de Recepção aos
Pais. ESCOLA B).

Tendo em mente os estudos de Gewirtz et al. (2005), a respeito das tentativas


das Education Action Zones de construir capital social dentro da família e na relação
escola-comunidade, podemos dizer que esse tipo de iniciativa pode ter representado um
tipo linking de capital social, gerando, por um lado, efeitos positivos para as famílias
envolvidas, que podem ter enxergado nos guardas municipais um meio de manifestar
certas angústias e de buscar ajuda para certos problemas.
No entanto, essas iniciativas são limitadas porque, entre outras razões, reforçam
estigmas de que as famílias e alunos são deficitários, e seu desenho dificilmente é
formulado em conjunto com os destinatários buscando ouvi-los para saber quais são
suas reais aspirações e necessidades. No geral, como lembram Gewirtz et al. (2005),
esses programas/iniciativas não capacitam as pessoas para agirem coletivamente rumo à
mudança sistêmica nem contribuem para o equacionamento das injustiças que
perpassam os sistemas educacionais.
219

Além disso, esse tipo de iniciativa não seria um problema tão fundamental na
Escola B se não viesse associado com a baixa frequência67 de manifestações de
reconhecimento, e com a recorrência de outras formas de estigmatização e de
responsabilização unilateral dos alunos e suas famílias.
Aqui é constante a referência aos alunos como desinteressados, sem foco,
preguiçosos, apáticos, “perdidos, não sabem pra onde vão, não tem limites”, ou como
violentos, agressivos, mal educados, o que nos remete à denúncia feita por Arroyo
(2011) de como a escola tende a se referir aos coletivos populares, inferiorizando-os. A
forma como alguns professores dos ciclos III e IV referem-se aos alunos e famílias nos
momentos de TDC são bastante pejorativas e em geral são corroboradas pelos colegas
com risos e sinais de concordância:

“Mas também, não sabe nem ler nem escrever, daí o que sobra é ter que mostrar o corpo!”;
“Fico impressionado, eles não sabem nem entender o que a gente fala!”; “Falei pra ela: ‘copia
da lousa e responde depois as perguntas’, e a aluna ‘mas é pra copiar?’. Gente!!!”; “Ela [OP]
vai ficar falando do problema da casa do aluno, que a mãe dele não pintou a parede de verde,
que o papagaio morreu... não aguento!”; “E a professora [cita o nome] que ficou lá ouvindo a
mãe falar não sei o que da vida dela, credo, parecia terapia!”; “Ela é quietinha, esforçada, mas
é limitada, coitada”. (Diário de Campo, Escola B. Momentos de TDC)

Como consequência dessa forma de enxergar os alunos, é enfática a chamada de


responsabilidade para as famílias. Em reunião de pais com alunos dos 6ºs e 9ºs anos,
foram convocados aqueles cujos filhos estão em situação de possível retenção. Em pé na
frente da sala, estavam seis professoras/es e a orientadora pedagógica, enquanto as
famílias ficavam sentadas nas carteiras, visivelmente acuadas, ouvindo os sermões. A
OP e os professores falavam para elas que falta comprometimento, que os alunos
brincam muito, bagunçam muito, não têm foco nem interesse, e não se comprometem
com a aprendizagem. As famílias, por sua vez, mostraram que se sentem impotentes e
que também não têm controle total sobre as crianças e jovens.

Os professores enfatizavam:“Vocês precisam cobrar que eles sejam bons na vida, na


escola!”;“a gente precisa que vocês puxem também a orelha deles, marquem no calendário um
dia para sentar com eles e cobrar as coisas da escola!”; “vocês têm que acompanhar em
casa!”; “então fala pra mãe dele que ela tem que pegar firme com ele, mudar a postura!”.
Também era recorrente a responsabilização do aluno: “Tem que chamar a responsabilidade
deles, não é a professora que reprova, é ele! Eles precisam se esforçar, parar de enrolar, tem
que entender que precisa estudar pra ser alguém na vida... mas é um desinteresse total, o outro
só quer saber de namorar!” (Diário de Campo, Escola B, 09/09/2016).

Ao final da reunião, algumas mães tomaram a palavra: “eles acham que são donos do nariz. Eles
sempre acham que sabem o que é melhor pra eles. Tenho certeza que a maioria aqui cobra os
filhos, mas eles mentem, esquivam, a gente se sente chata de cobrar muito... eles têm preguiça
de tudo, estão sempre cansados”; “Ela não trabalha, não peço pra me ajudar, não faz nada, só

67
Ao menos nos espaços coletivos que pude observar.
220

peço pra focar nos estudos! Tem perigo de reprovar esse ano?”; “ele é muito apático, pergunto
as coisas e ele só responde sim ou não. Vou por ele pra trabalhar pra ver se anima!”; “não sei o
que é, se é a idade, ou as amizades” (Diário de Campo, Escola B, 09/09/2016).

A parte de responsabilidade da escola, segundo os professores, já está sendo


cumprida. Em nenhum momento pude visualizar algum movimento de autoavaliação
feito pelos profissionais da escola para repensar as próprias práticas e sugerir novas
formas de organizar seu trabalho. Segundo certa vez me contou a OP da escola, “eu
queria que os ciclos III e IV fizessem assembleia de classe, como os ciclos I e II fazem,
pra ouvir o lado dos alunos, mas eles têm uma resistência imensa a isso, pois acham
que aluno não sabe avaliar professor”. Nos momentos de trabalho coletivo os
professores não compartilham seu trabalho e pouco se fala sobre projetos pedagógicos
da escola. As conversas giram mais em torno de preenchimento de dados em sistemas,
dias de reposição, levantamento de lugares interessantes para os alunos visitarem,
organização prática de festas, informes sobre novas resoluções da Secretaria Municipal
etc. É comum ouvir os professores reclamarem do TDC e não verem utilidade nesse
momento, dizendo constantemente que não veem a hora de ir embora, ou que trocariam
esse horário por qualquer outra coisa.
A relação dessa escola com a comunidade parece ser distante. Na festa do dia da
consciência negra, poucas famílias compareceram. Houve, aliás, imensa resistência dos
professores dos ciclos III e IV em organizar as atividades para esse dia, pois segundo
eles isso atrasaria seu planejamento e estava impedindo que se discutissem assuntos
mais urgentes. Já a festa junina foi um evento fechado somente para alunos e
professores, sem participação das famílias. Em conversa informal, o zelador da escola
me disse que o motivo é “porque aqui não gostam muito de chamar as pessoas da
comunidade pra escola”; já uma professora avalia que é porque não tem espaço
suficiente na escola, nem dinheiro.
As informações que consegui colher sobre a relação da Escola B com a
comunidade derivam mais da observação de ausências do que de
depoimentos/conversas com os alunos, uma vez que nessa escola tive pouco contato
com eles. Enquanto na Escola A tive a oportunidade de conversar bastante com os
alunos, principalmente com os que frequentavam a CPA toda semana, na Escola B
nunca conversei com nenhum aluno. Pude encontrar alguns poucos nas três reuniões da
CPA que ocorreram ao longo do segundo semestre de 2016, e mesmo assim não
consegui me aproximar deles. A própria relação deles com essa instância era mais
221

distante, pois não participavam ativamente nas reuniões, apenas ouviam a OP


explicando os dados dos índices externos (IDEB, ANA) e do Provão da escola, sem
intervir ou colocar suas opiniões.

A Orientadora Pedagógica falava com os dez alunos presentes, uma professora, dois funcionários
e duas mães: “A CPA vai analisar o que ta por trás das notas. Vou trazer as provas pra vocês
verem, sem nome dos colegas. Vocês sabem que vocês são da CPA, temos que ser éticos... é pra
ficar aqui o que foi conversado aqui. Por ex. falar de resultado de avaliação... estamos falando
da escola, não de fulano e beltrano... por que os alunos foram tão mal nessas provas? Nós
professores temos discutido bastante sobre isso. A última reunião foi até difícil. Teve aluno de
nono ano que marcou várias alternativas. Na hora de prestar vestibulinho, se errar já era. Aqui
errar é aprender, mas lá não tem como. Então a gente não vai abolir o provão... a gente tem que
trabalhar mais com vocês o provão. Pensar o tempo... teve aluno que fez muito rápido... a gente
encontrou redação de uma linha. Alguma coisa ta errada. Vamos pensar junto? De repente
trabalhar mais com produção de texto... fazer alguma coisa pensando em leitura e
interpretação... O tema era olimpíada, e a pessoa tava falando de paraolimpíada. Vocês como
multiplicadores podem falar isso pros colegas. Muitos entregaram de qualquer jeito. A gente já
ta reavaliando essa coisa de fazer interdisciplinar... mas é uma pena pra vocês, porque é estilo
Enem. Aí a gente vai voltar.... mas não vai perder isso de ter atividade avaliativa no final, com
objetivo de fazer alunos se prepararem... esse retorno vocês podem dar pros colegas”. Os alunos
se mostraram apáticos e não interviram. Ao final, tiraram a data da próxima reunião para
continuar a discutir índices externos e notas de provas da escola (Diário de Campo. Reunião de
CPA. Escola B. 29/09/2016).

Havia cinco alunos, dois funcionários, e duas professoras. A orientadora pedagógica explicou
pros alunos sobre a ANA [avaliação nacional de alfabetização], como funcionam os níveis de
aprendizagem em língua portuguesa e matemática, quais são as habilidades requeridas pra cada
nível, e mostrou os gráficos de desempenho da escola, comparando-os com a rede, e fazia
perguntas: “vocês acham que a escola ta bem? A intenção é pensar depois num plano de ação
pra fazer os alunos dos níveis mais baixos avançarem”. Os alunos estavam apáticos e não se
manifestaram. Uma delas falou que não gosta de matemática, ao que uma professora respondeu:
“do que você gosta também?” E ela: “nada, gosto de dormir na minha cama”. Ao final, a OP
disse que ficou chateada porque muita gente não foi pro dia da consciência negra. Explicou que é
um dia importante, que eles precisavam valorizar; disse que muitos alunos não foram porque
“ah, minha mãe precisou fazer compra”. Falou que o que foi exposto foram os trabalhos deles
mesmos! Uma das alunas disse que não teve trabalho da sala dela. A professora e a OP insistiram
que teve sim. (Diário de Campo. Reunião de CPA. Escola B. 24/11/2016).

Da mesma forma, a minha relação com a CPA da Escola B foi distante, ou seja,
ali minha ajuda não era demandada, diferente da Escola A, na qual me senti mais
acolhida e acabei me envolvendo com várias ações da CPA, ajudando-os a confeccionar
vídeos, elaborar ofício, distribuir cartazes pela comunidade.
Com a saída da antiga OP que conduziu as reuniões da CPA em 2016, estas
deixaram de ocorrer no primeiro semestre de 2017. Em nenhum momento a nova OP
sinalizou vontade de retomar essas reuniões. Conversando com uma professora, ela
comentou que em 2017 estava tentando implementar grêmio na escola, mas que o
processo ainda estava muito incipiente: “fizemos uma primeira reunião com quem
topou participar, pra começar a compor as chapas... mas eu queria que eles tomassem
mais as rédeas, vejo que se eu deixo acontecer, não acontece”.
222

Sinto que na Escola B os alunos não ocupam os espaços, o que se manifesta


tanto na sua falta de participação em instâncias como grêmio e CPA, quanto na quase
ausência de produções suas coladas nos murais e paredes dos corredores da escola.
Nessa escola, ouvi mais referências ao que os alunos não sabem e às suas deficiências
do que elogios e reconhecimento pelo que eles são e produzem.
De tudo que foi exposto nesse tópico, percebe-se como o reconhecimento e a
falta de reconhecimento em relação à comunidade manifestam-se de diversas formas,
seja no currículo propriamente, quando a Escola A decide realizar projetos que
dialogam diretamente com as necessidades de seus alunos, seja nas relações, quando a
Escola B faz uso de adjetivos pejorativos para se referir aos alunos e suas famílias, e até
mesmo na forma como os alunos participam ou deixam de participar de instâncias
avaliativas e as famílias são convidadas e ocupam ou não as festas e eventos da escola.
Fica claro, assim, como o reconhecimento/falta de reconhecimento dos
professores em relação às famílias e o reconhecimento/falta de reconhecimento em
relação aos alunos se contaminam mutuamente, e como a confiança nas famílias/alunos
não está relacionada apenas às dinâmicas de reciprocidade e ao quanto eles se
enquadram nas expectativas formuladas internamente ao grupo docente. A confiança
está associada, sobretudo, à abertura da escola à comunidade e à mudança de olhar
sobre o papel da escola e sobre os alunos e suas famílias.

5.5. Confiança e Reciprocidade: relações entre pares e entre professores e equipe


gestora

Nesse tópico, faremos um diálogo entre a literatura, os dados quantitativos e os


qualitativos das entrevistas e da observação em campo, com objetivo de defender que as
relações de reciprocidade entre professores, e entre eles e a equipe gestora, afetam a
construção de relações de confiança.
Entendemos o conceito de reciprocidade no sentido dado por James Coleman
(1988) conforme exposto no capítulo 2. Nessa perspectiva, a confiança dos professores
nos colegas e na equipe gestora é influenciada a) pelo quanto eles percebem a existência
de lealdade no ambiente da escola, ou seja, que as obrigações e ajudas serão retornadas;
b) pela percepção de que as pessoas se dispõem a trocar informações e conhecimentos
valiosos entre si; c) pelo senso de compartilhamento de normas e regras combinadas e
cumpridas coletivamente.
223

Da mesma forma que a “redistribuição” remete, em alguma medida, à


“legitimidade” das instituições públicas, e o “reconhecimento” à “política de
tolerância”, pode-se dizer que a importância da esfera da “reciprocidade” é reforçada
pela ideia de “solidariedade” defendida por Misztal (1996), segundo a qual uma “ordem
solidária” baseia-se no entendimento mútuo e na reciprocidade entre pessoas que,
mesmo sendo diferentes, se reconhecem pertencentes a uma mesma coletividade,
possuindo, portanto, um interesse comum e uma responsabilidade de contribuir com o
bem-estar de todos.
O gráfico exposto no tópico 5.2 mostra que os segmentos mais “confiáveis” são
aqueles que guardam mais semelhança de status com os professores e estão de certa
forma mais próximos deles, interagindo com eles cotidianamente no ambiente escolar:
os próprios pares (4,6) e a equipe gestora (4,5). Vale notar que, ainda que estes
segmentos gozem de um grau mais elevado de confiança em comparação às famílias e à
Secretaria Municipal de Educação, eles ainda carecem do que poderia ser considerado
um grau elevado de confiança, uma vez que nenhuma das duas médias chega a cinco
pontos.
Vejamos primeiro o que nos dizem os itens do instrumento e as entrevistas sobre
a construção de relações de confiança entre professores e equipe gestora. Nesse caso,
diferentemente da relação entre os pares professores, existe uma hierarquia dada pela
própria definição legal das atribuições conferidas ao papel de cada segmento. No
entanto, mesmo nesse caso em que as trocas não são consideradas propriamente
simétricas em termos de poder, os dados nos mostram que ainda é possível desenvolver
relações de reciprocidade, sobretudo, quando a(o) diretor(a) engendra ações que
diminuam o senso de vulnerabilidade dos professores.

Tabela 12 - Itens e Médias da Relação Professor-Equipe Gestora

ITENS Média (0-6)


1.Tenho autonomia para organizar minha prática pedagógica em sala de aula. 5,18
2. Sinto que posso contar com o apoio do(a) diretor(a) para realização do meu trabalho. 4,81
3. O(a) diretor(a) compartilha informações importantes com os professores (por ex. sobre
4,62
nossa vida funcional, sobre o que está acontecendo na rede etc.)
4.Sinto-me como se estivesse sozinha(o) nas minhas atividades profissionais, no
3,95
cotidiano da escola. (INVERTIDO)
5.A equipe gestora preocupa-se com nosso desenvolvimento profissional (por ex.,
4,49
garantindo momentos de formação na escola etc.).
6.Gosto de procurar o(a) orientador(a) pedagógico(a) quando preciso conversar sobre
4,26
minhas práticas pedagógicas.
224

7.Sinto-me respeitada(o) pelo(a) diretor(a) da minha escola. 4,84


8.Os professores sentem liberdade para se colocarem, opinarem, pautarem questões com
4,54
o(a) diretor(a).
9.O(a) diretor(a) cumpre sua parte na garantia de condições adequadas de trabalho para
4,57
nossa escola.
10.Os professores sentem que suas opiniões e propostas são consideradas pela equipe
4,07
gestora.
11.O(a) diretor(a) confia no trabalho dos professores dessa escola. 4,56
12.O(a) diretor(a) trata todos os alunos com respeito. 5,05
13.Sinto-me como se estivesse sendo vigiada(o) em meu trabalho. (INVERTIDO) 4,13
14.A equipe gestora incentiva a participação de todos (professores, funcionários,
4,34
famílias e alunos) na definição do Projeto Pedagógico da escola.
15.O(a) diretor(a) compromete-se com o bem-estar de todos os estudantes. 4,78
16. O(a) diretor(a) age de forma coerente com aquilo que foi combinado coletivamente. 4,29
17. O(a) orientador(a) pedagógico(a) está sempre combinando com os professores ações
4,47
pedagógicas para ajudar os alunos que mais precisam.
18. O(a) diretor(a) desencoraja momentos coletivos de tomada de decisão sobre as
3,99
questões da escola. (INVERTIDO)
MÉDIA GERAL 4,5
Fonte: dados da pesquisa. O programa SPSS calculou as médias das respostas para cada item, lembrando
que o intervalo é de 0 a 6 (0-discordo totalmente; 6-concordo totalmente).

Os professores esperam que a equipe gestora como um todo tenha consideração


e respeito por eles, o que se manifesta em várias situações concretas, conforme consta
nos itens acima e nas entrevistas exploratórias. O tratamento humano e a preocupação
com o bem estar pessoal foi tema de um item retirado do instrumento durante a
validação conceitual68, mas apareceu nas entrevistas (e no campo) como uma
manifestação importante da dimensão consideração:

1. Preocupar-se com bem-estar do professor, enquanto ser humano.


16. Olhar carinhoso e humano para o professor, quando sente que ele ta passando por alguma
dificuldade, problema pessoal.
29. Apoio humano, perceber quando o professor ta com algum problema pessoal e ouvi-lo.

Também é relevante para a formação da confiança que a equipe gestora


demonstre se preocupar com as necessidades profissionais dos professores, oferecendo
apoio para que eles consigam realizar a contento suas atividades. Demonstrar esse tipo
de consideração significa, segundo os entrevistados, atender às necessidades de compra
e disponibilização de materiais e recursos; ajudar a pensar formas de proceder em casos
de alunos com dificuldade, tanto no aspecto disciplinar quanto de aprendizagem;
incentivar propostas inovadoras de trabalho que possam mexer com formas tradicionais
de disposição dos tempos e espaços; ajudar a buscar e a conversar com os pais. Os
68
Ver detalhes em Anexo 3.
225

professores precisam poder conversar com a gestão sobre as conquistas e dificuldades


de suas práticas pedagógicas, de forma a obterem um retorno sobre o trabalho que estão
realizando, terem respaldo para repensar métodos e objetivos e encontrar ideias de
novos caminhos.

1. Espero que o cabo da TV não seja trancado a sete chaves.


2. Quando precisamos de um projetor... e apoio para solucionar problemas com alunos.
3. Apoiar propostas de trabalho do professor.
4. Apoio na lida com indisciplina dos alunos... E quando propomos coisas, mostras, projetos... e
para conversar com pais.
13. Chamar pai de aluno pra vir à escola.
26. Apoio na aprendizagem e disciplina: compra de materiais, ligar pros pais, ajudar a fazer
encaminhamentos para alunos que precisam de ajuda especializada.
5. Ajudar a pensar como operacionalizar ideias.
8. Ouvir os professores, sobre os conteúdos que aplicamos, sobre nossas relações com os
alunos; dar feedback, discutir pedagogicamente as ações.
10. Poder falar sobre o trabalho pedagógico, o que é dado em sala de aula, sobre o que cada
um ta fazendo, o que eu penso, porque eu to fazendo isso, qual meu objetivo, quais dificuldades
eu tenho encontrado. Conversar sobre práticas, conhecer o trabalho do outro, apoiar ideias
diferentes, como a que eu to fazendo na minha sala.
14. Apoio e orientação, conversar com os professores sobre o trabalho deles, o que ta legal, o
que não ta, fazer crítica, elogio.
29. Apoio pedagógico com ideias para fazer em sala de aula.

A dimensão do respeito apareceu associada à abertura ao diálogo: os professores


esperam ser ouvidos para tratar das prioridades dos gastos, para pensar a forma de se
relacionar com os pais e os encaminhamentos para alunos. Em geral, trata-se de um
senso de escuta àquilo que eles têm a dizer. Também apareceu associada ao
reconhecimento das diferenças e individualidades:

2. Ouvir professores quanto às prioridades de gasto, gerenciamento de recursos.


4. A porta tem que ta sempre aberta... o diretor tem que estar atento à escola, sabendo o que ta
acontecendo, o que os professores estão fazendo... Na outra escola tinha que marcar hora, eu
batia na porta e pensava: “o que essa mulher ta fazendo lá dentro?”.
8. Espero que a gestão atue junto com o professor, seja parceira. Não gosto de hierarquia, “eu
que mando aqui”, não é chefe. Tem que funcionar como se fosse uma engrenagem, saber ouvir e
saber falar, saber fazer e receber críticas, ter diálogo, pensar projetos coletivamente.
9. Dar ouvido aos professores, ouvir seus argumentos. Dar a liberdade de expor aquilo que
acham que tem que ser feito. Deu algum problema, fez algo errado, “vem cá, vamos resolver”,
sem fazer alarde. A porta da direção tem que estar sempre aberta.
16. Ouça os professores, pondere, ainda que nem sempre seja possível acolher tudo.
21. Abrir situações para serem discutidas: prioridades de gastos; encaminhamentos para alunos
(encaminhar aluno com excesso de falta ao Conselho Tutelar, chamar os pais em situações de
briga tensa).
226

28. Um posicionamento autoritário (aí faço a diferença entre autoridade e autoritário) traz pra
quem recebe as ordens um sentimento que pode gerar um comportamento de obediência, mas
não de confiança. E quando exerce autoridade considerando o posicionamento e as
características... vou dizer individuais... esse relacionamento de confiança, acredito que ele se
faça de maneira mais sólida.
28. Tem que dar liberdade das pessoas falarem, sugerirem, se colocarem (por ex. sobre a data
de envio de bilhete aos pais, sobre a forma como é escrito).
7. Nível justo no tratamento com alunos e professores.
9. Respeitar as diferenças, reconhecer as potencialidades de cada um.
10. Trabalhar com todos, inclusive com quem pensa diferente.
14. Tratar os professores de forma igual, sem diferenciar. Tem que ser perspicaz, valorizar os
talentos dos professores. Por mais que a pessoa seja difícil no trato, a diretora pega a parte boa
dele e diz “faz esse cartaz pra mim, pra escola, essa arte gráfica, esse filminho pra mim”.
28. Respeitar as características individuais dos professores.

Na dimensão da competência, as expectativas relacionadas à adequada execução


dos papéis da direção e orientação pedagógica apareceram nas falas dos entrevistados.
Referem-se à capacidade de articular a equipe e administrar conflitos, estabelecer regras
claras para o bom funcionamento da escola, gerenciar recursos e materiais. De forma
recíproca, os professores precisam sentir que a equipe gestora confia que os professores
farão adequadamente e de forma competente o seu trabalho.

2. Trabalhar as relações interpessoais e conflitos, pra equipe ficar unida.


4. Manter espírito de equipe.
5. Articular os projetos da escola, os professores, fazer o trabalho coletivo.
14. Saiba delegar funções por ex. através de comissões de trabalho (comissão da festa junina,
dia das crianças...).
15. Em certos momentos é função dela tomar decisão, às vezes essa decisão não agrada os
professores. Na medida do possível, ela tem que discutir com a gente, procurar soluções em
conjunto, sem que isso tire a autoridade que é dela. Por exemplo, gerenciar os recursos da
escola, de forma que esses recursos atendam a questão pedagógica, isso é próprio da direção.
19. Tem que ter conhecimento de como administrar, encaminhar, resolver demandas, por
exemplo, relativas a materiais, recursos, jornada. Tem que conhecer a unidade escolar. Portar-
se como um profissional, sendo justo, e não trazendo problemas pessoais.

20. Cuidar da organização burocrática do ambiente da escola, organização de todas as equipes,


de limpeza, da cozinha, que organize essas equipes.

21. Saber conduzir conflitos, delegar funções e cobrar seu cumprimento adequado, ouvir os
clamores da comunidade e filtrar o que é possível, ter a visão do todo da escola e tomar atitudes
pro bom funcionamento da escola (por ex. não deixar professores saírem mais cedo).
23. Profissionais competentes em gerir recursos humanos, administrar questões legais, articular
os professores, saber ouvir e ao mesmo tempo tomar decisões e conversar duro quando for
preciso.
30. Saber ler e administrar conflitos.
3. Confiar e valorizar o trabalho do professor, quando a gente faz propostas diferentes.
5. Acreditar no trabalho dos professores.
227

16. Confiar no nosso trabalho, saber que a gente ta fazendo nosso melhor.
18. Dar autonomia pra que os professores escolham seus próprios métodos pedagógicos.
29. Respeito à competência profissional do professor. Autoridade na sala de aula sou eu,
ninguém vai me dizer o que vou fazer com meus alunos. Essa cátedra merece respeito.

Na dimensão da integridade, os professores mencionaram que esperam


comprometimento da equipe gestora com a educação, com os acordos coletivos da
escola, com a formação e o bem estar das crianças. Isso envolve estar aberto a pensar
novas formas de trabalhar, fomentado pelo compromisso com um processo de melhoria
constante; estar sempre próximo às crianças, conhecer seus nomes, tratá-las com
respeito e envolver-se nas questões que afetam sua formação; comprometer-se a
cumprir e cobrar ações coerentes com os pactos acordados pelo coletivo. Mais que o
cumprimento dos pactos, apareceu nas falas que a equipe gestora precisa incentivar uma
concepção coletiva de trabalho, abrindo espaços e momentos de discussão em que todos
possam participar na definição dos rumos da escola.

3. Saber fugir do quadradinho, do certinho, bonitinho, quando professor propõe coisa diferente.
10. Viabilizar ações criativas, do aluno, do professor, ter posturas e falas aprovando e
defendendo novas ideias.
1. Preocupar-se com o que ta sendo ensinado, o que o aluno ta aprendendo.
5. Saber ouvir e respeitar a criança, ter compromisso com a criança.
6. Foco grande nos alunos que tem mais dificuldade, fazer o máximo por esses alunos,
investigar por que não estão aprendendo.
4. A diretora ta sempre andando pela escola. Isso é um ponto positivo, essa relação de portas
abertas pra receber os alunos... até na entrada, dizer: “oi, boa tarde, o que aconteceu, você
machucou?”.
9. Conhecer os alunos, se preocupar com os alunos (cita recebê-los na entrada e estar sempre
circulando pela escola).
11. Respeitar o aluno, a família do aluno, conduzir os problemas de uma forma humana.
23. Não perder de vista as crianças.
6. Zelar para que os combinados coletivos sejam cumpridos.
9. Estar sempre atenta ao que está acontecendo na escola, ao que os professores estão fazendo.
10. Dar voz aos alunos, que possam decidir sobre questões, avaliar qualidade do trabalho dos
professores.
8. Discutir coletivamente como vai ser o plano pedagógico, fazer avaliação, e comprometer-se a
aplicar.
11. Propiciar momentos coletivos de discussão, não trazer decisões prontas.
13. Comparecer às reuniões; ter compromisso com a escola, com as crianças.
15. Discutir com professores, procurar soluções em conjunto, sem tirar a autoridade que é dela.
Pensar na escola como um trabalho coletivo, usar as reuniões pra discutir trabalhos, projetos,
planejamento, avaliação, que exigem discussões coletivas.
228

22. União com a gente pra melhorar a escola, resolver juntos os problemas, trabalhar em
conjunto. Por ex, não deixar tudo pra gestão resolver. Alunos e professores na CPA fazem
projetos e encaminham certas coisas (troca de cortina, curso vestibulinho) que ajudam a livrar a
gestão para correr atrás de coisas que não podemos resolver.
24. Alimente o trabalho coletivo, permita espaço destinado à produção coletiva (em que todos
tenham voz, possam pautar questões, avaliem quais são os objetivos dos trabalhos que
realizamos, como as oficinas, por exemplo); cuide dos tempos de formação, ajude todos a
pensarem no trabalho da escola como um todo.
25. Articular o trabalho da equipe, pra ter coerência no trabalho da escola como um todo. Que
apoie e acolha as decisões tomadas pelo grupo, não seja impositiva.
8. Fazer aquilo com que se compromete nas discussões pedagógicas.
11. Ter critérios claros pras escolhas que faz.
13. Ter um posicionamento político claro, mantendo esse posicionamento diante da SME.
15. Não atuar de forma diferente nos bastidores e na frente dos professores.
24. Honestidade, ter clareza quanto ao projeto que se está trabalhando, agir de forma coerente.
25. Adequar os mandos da SME à realidade da escola.
28. Agir de forma coerente com aquilo que foi combinado e acordado entre a equipe, ter clareza
quanto a normas e regras, o que é pra ser feito e respeitado.
30. Tem que ter pulso firme, ter claro quais são os objetivos da escola, os combinados, as regras
de convivência, os direitos e deveres, deixar isso claro pra todos.

Nas idas às trinta escolas que aceitaram participar da aplicação do instrumento,


diversas situações foram observadas que ajudam a compreender como as dimensões do
respeito, consideração, integridade e competência se manifestam. Em cinco delas, ficou
claro que os professores consideram a equipe gestora autoritária, incapaz de ouvir e
canalizar as demandas docentes. Os professores reclamaram que não foram consultados
quanto à decisão de fechar algumas turmas da escola, ao que a diretora respondeu que
não tinha culpa, pois uma decisão desse porte depende de ordens externas sobre as quais
ela não tem controle. Outra situação que gerou bastante atrito em duas dessas escolas foi
a postura da direção de mudar o que foi decidido em órgão colegiado. Os professores
alegavam que a diretora decidiu aprovar alunos que haviam sido reprovados em
Conselho, descumprindo o acordo coletivo sem consultar os professores.
Outra situação observada diz respeito à falta de apoio da equipe gestora em
prover os materiais requeridos pelos professores para executarem suas ideias de trabalho
com os alunos em eventos da escola. Em uma das escolas onde isso aconteceu, os
professores reclamavam que além de não terem sido apoiados com o devido aporte de
recursos, não foram reconhecidos pelo seu trabalho: “não recebemos nenhum elogio!”.
Por fim, outro tipo de ocorrência que chamou atenção foram conflitos
relacionados à diferença de concepções de educação. Abaixo, segue a narrativa de
229

situações que ocorreram em duas escolas, relacionadas às temáticas “trabalho


interdisciplinar e em oficinas” e “divisão das turmas de acordo com classificação do
desempenho de alunos”. Trata-se de temas que, embora bastante debatidos na literatura
e constantes em documentos legais, devem ser constantemente negociados na escola.
Nos exemplos abaixo, as gestoras escutaram os professores, se comprometeram a
satisfazer suas necessidades, ao mesmo tempo em que remeteram à importância de
respeitar os acordos coletivos e souberam apresentar por que pensam de forma
diferente. Houve, portanto, de certa forma, um processo de negociação.

A Orientadora Pedagógica (OP) manifestava indignada que não gostou da postura de dois
professores especialistas, que parecem ter decidido entre eles montar turmas de alunos de acordo
com o grau em que se apropriaram do conteúdo, contrariando uma regra da escola que parece já
ter sido deixada clara pela equipe gestora. O professor justificava que aqueles com mais
dificuldade precisam de atenção individualizada, da mesma forma que os mais avançados não
podem ser segurados pra trás pelos outros. Salientava que a única intenção havia sido essa, que
não fizeram por mal. A OP deixou claro que o que a tinha deixado irritada não era a concepção
em si por trás dessa prática, com a qual ela não concordava, mas a maneira individual como eles
tomaram a decisão sem trazer isso pra discussão. Defendeu que uma decisão como essa tem que
ser trazida pro coletivo, discutida, e que se mesmo assim continuassem achando benéfico montar
turmas homogêneas de alunos, tudo bem. Mas não poderiam achar isso com base em “achismo”,
sendo que há todo um corpo de pesquisa dizendo que a diversidade é boa, que os alunos
precisam conviver com a diferença e inclusive ajudar uns aos outros. Ela dá bastante valor à
pesquisa, aos estudos, e é nisso que fundamenta o valor de toda discussão, como um momento
das pessoas trocarem conhecimentos, aprenderem umas com as outras, ainda mais o professor
novo que acabou de entrar e poderia, antes de tomar essa decisão, conversar com as professoras
mais experientes. Depois da discussão, esses professores especialistas foram embora, pois estava
na hora do fretado sair. Ela continuou a conversa com as professoras de ciclos I e II. Perguntou a
elas se acharam que ela foi grossa. As professoras pareciam concordar com a postura dela. Senti
que, apesar das discordâncias, houve respeito na fala de todos os lados. (Diário de Campo de
aplicação do instrumento, Escola Y, 12/12/2016).

A escola tem um projeto com oficinas (de teatro, dança, MMA, pintura, leitura) e precisava
encaixar esse trabalho dentro da jornada. Um professor se manifestou, disse que não daria pras
oficinas acontecerem sempre no mesmo dia e horário da semana, senão iria prejudicar o
conteúdo da disciplina dele. A diretora explicou que não são coisas separadas: que as oficinas
também são conteúdos. De toda forma, considerou a fala do professor e disse que vai pensar em
diversificar os horários. Discutiram também como compor o provão da escola. A diretora queria
convencê-los a fazer a prova baseada num único texto, pois segundo ela isso é
interdisciplinaridade e trabalho coletivo, tal como preconizado pelas diretrizes curriculares: “eu
não estou inventando a roda”. Os professores acharam que isso seria muito difícil, de um único
texto extrair questões para todas as disciplinas. Pensaram em pegar a prova do SARESP.
Algumas professoras ressalvaram que podem usá-la como base, mas que necessariamente tem
que haver um cuidado de pensar as questões à luz da realidade da rede municipal. A diretora
reforçou que usar uma inspiração não exime os professores daquela escola de fazerem eles
próprios o trabalho de pensar a prova. Combinaram que alguém traria o modelo do SARESP
xerocado para que pudessem trabalhar em cima (Diário de Campo de aplicação do instrumento,
Escola X, 10/11/2016).

Vejamos agora o que dizem os itens do instrumento e as entrevistas sobre a


relação de confiança entre os pares professores.
230

Tabela 13 - Itens e Médias da Relação professores- professores

ITENS Média (0-6)


28. Os professores podem contar com a ajuda uns dos outros na condução do trabalho
4,73
cotidiano da escola.
29. Os professores respeitam uns aos outros. 4,89
30. Os professores dessa escola gostam de se ouvir para aprender uns com os outros. 4,47
31. Sinto-me à vontade para expor aos meus colegas professores as fragilidades e
4,5
dificuldades do meu trabalho.
32. Quando um(a) professor(a) tem boas ideias sobre como trabalhar com os alunos,
4,52
ele(a) compartilha com os outros professores.
33. Eu confio na competência profissional dos professores dessa escola. 5
34. Os professores tratam todos os alunos com respeito. 4,66
35. Os professores nunca desistem dos alunos, fazendo o máximo para contribuir com a
4,57
formação de todos.
36. Os professores comprometem-se em avaliar e aprimorar constantemente seu próprio
4,6
trabalho.
37. Os professores dificilmente ouvem uns aos outros, pois acham que os outros
4,61
professores têm pouco a contribuir. (INVERTIDO)
38. Nós professores temos a prática de avaliar nosso trabalho coletivamente, refletindo e
4,12
combinando juntos o que podemos melhorar.
39. Os professores cumprem os combinados coletivos. 4,5
MÉDIA GERAL 4,6
Fonte: dados da pesquisa. O programa SPSS calculou as médias das respostas para cada item, lembrando
que o intervalo é de 0 a 6 (0-discordo totalmente; 6-concordo totalmente).

Tantos nos itens como nas entrevistas, os professores demonstram esperar dos
colegas que tenham compromisso com a educação, o que se manifesta basicamente na
vontade de trabalhar coletivamente, compartilhando visões comuns relativas ao trabalho
pedagógico e às regras de conduta e agindo de acordo com essas visões; na preocupação
constante com o aprendizado dos alunos e no tratamento respeitoso dispensado a eles e
suas famílias; na abertura para repensar o próprio trabalho. Chamamos essa dimensão
de “integridade”.

2. Minha confiança depende muito... da forma como o professor lida com o aluno, como se
refere a ele no TDC, porque aí você vê a visão de mundo da pessoa.
19. Precisa ter compromisso profissional, comprometimento político (refletir sobre mudanças na
escola e na sociedade). Ter um olhar atento pro aluno, perceber a questão social que está por
trás das manifestações e conflitos, por ex., os problemas na família.
5. Professor tem que ter formação política e social, respeitar as diferenças, o ser humano,
querer trabalhar perto da comunidade.
23. Tem que assumir posições políticas claras (enfrentamento com SME).
13. Envolvimento e preocupação com a qualidade da educação.
4. Não pensar só no próprio horário, nas próprias questões pessoais.
5. Não colocar as questões pessoais em primeiro lugar (de casa, de disputa de ego). Pensar na
escola, no trabalho coletivo (planejar junto atividades, fazer parceria com outras áreas, fazer
projetos pensando na escola).
231

17. Questões profissionais tem que falar mais alto que as pessoais, mas muitos deles pensam em
si: “porque to chegando agora, porque to próximo de aposentar”. Alguns são individualistas.
Educação melhoraria se a gente trabalhasse de forma coletiva, interdisciplinar, se todos
pensassem no aluno e na melhoria do trabalho que se desenvolve na escola como um todo.
10. Não pensar apenas no salário. Tem que ter compromisso com a educação. Isso envolve
repensar constantemente as próprias práticas, e ter comprometimento com os alunos, relação de
afeto.
21. Professor precisa se atualizar, acompanhar o que é novo na educação (novas formas de
trabalhar conteúdo).
11. Disposição de estar sempre repensando o trabalho. Preocupar-se com os problemas da
escola, e com as crianças.
3. Estejam dispostos a construir coisas novas.
12. Sempre vai haver diferenças entre os professores, mas tem que ter comprometimento com os
alunos, investir no aluno.
6. Não desistir do aluno, tentar pensar sempre o que fazer pro aluno melhorar.
23. Não precisa pensar todo mundo igual, mas tem que pensar no que é importante pra escola e
pro aluno.
15. Ajam de acordo com o que foi combinado no coletivo, mesmo que isso contrarie o que ele
tava querendo.
2. Ouvir o outro, participar dos projetos coletivos, saber abrir mão do que pensa em nome do
que foi decidido coletivamente.
17. Executar o que foi combinado.
23. Ter abertura para conhecer coisas novas, querer trabalhar junto, entender que as pessoas
pensam de forma diferente e nem sempre sua opinião vai ser acatada pelo grupo.
24. Posso confiar em quem pensa diferente, desde que a pessoa seja coerente e deixe às claras, e
tenha compromisso com o outro, com o trabalho, comigo, e principalmente com a criança,
respeite a criança.
26. Comprometimento, querer fazer com que o aluno aprenda.
28. Arriscar novas formas de trabalhar, pensando no aluno, ainda que isso traga insegurança
ao professor acostumado a trabalhar sempre da mesma maneira.
1. Tem que sair um pouco da sala de aula, pensar outros movimentos na escola (aqueles que
vêm com as mudanças da educação integral, por exemplo).
4. Aberto ao diálogo, a sair da sua zona de conforto e repensar formas de trabalhar. Entender
que não é um professor trabalhando individualmente na sua sala, mas parte de uma equipe.
9. Visão coletiva da educação, ação interdisciplinar, ao invés de cada um com seu livrinho
dando sua aula.
6. Ter clareza das intenções da escola.
29. Espero que falemos a mesma língua... que possamos entrar em acordos em relação a vida
escolar, regras escolares, por ex, uso de celular na escola. Tem professor que deixa os alunos
usarem o celular pra ouvir música dentro da sala de aula... como vou dizer que é proibido se o
outro colega deixa usar? Tem que ter acordos, concordâncias, pra que a escola ande bem, e não
gere desorganização.
30. Tem que haver um mecanismo de avaliação do trabalho, pra evitar professores que não se
comprometem, não fazem nada, só reclamam.

Outra questão recorrente nas entrevistas e itens refere-se à disposição para trocar
experiências/conhecimentos e fazer projetos em conjunto, o que requer abertura para
232

ouvir e aprender com o outro, afastando a prepotência de achar que já se sabe tudo. Para
tanto, é necessário que se respeitem as diferenças de pensamento e se tenha educação e
cautela na forma de abordar questões e resolver problemas. Chamamos essa dimensão
de “respeito”.

6. Possibilidade de trabalhar junto, construir projetos. Sentir-se à vontade para se expor, falar
com o colega sobre o trabalho pedagógico, o que se faz em sala de aula.
11. Mesmo com as diferenças, tem que estar aberto a pensar junto, construir projeto, conversar
sobre o que ta fazendo. Pactuar formas de trabalhar, não pode cada um se fechar na sua sala.
12. Aberto a escutar e a receber crítica (construtiva), repensar o próprio trabalho, tentar coisas
novas.
13. Diferença não quebra as relações de confiança. Tem que estar aberto ao trabalho coletivo, a
dialogar, debater, trocar, compartilhar.
15. Espero trabalho coletivo... por ex., a gente estabeleceu eixos, apesar de eu estar no sexto
ano, as atividades estavam ligadas ao eixo direitos humanos, desde a leitura desses direitos,
montagem de literatura de cordel... aí tinha o grupo do sexto ano trabalhando isso, e em alguns
momentos em conjunto com o professor do oitavo, que tava organizando o festival de música;
apesar de serem turmas diferentes, a gente juntava a turma de sexto com a de oitavo.
16. Disposição do outro em te auxiliar, trocar e compartilhar metodologias, experiências, fazer
projetos em conjunto. Trocar ideia: “eu trabalhei esse tema de tal forma, e você?”.
17. Devem estar abertos a participar de projetos coletivos, repensar e desenvolver formas novas
de trabalhar e de olhar os alunos, trocar experiências e práticas pedagógicas. Cita exemplo de
projeto que ouve os alunos quanto a problemas pessoais e busca trabalhá-los.
18. Fazer trabalho coletivo, que é sentar junto, conversar, planejar atividades, discutir o que vai
ser trabalhado e como.
19. Poder chegar pra conversar com seu colega: “nessa sala ta acontecendo isso, to com um
problema assim, vamos tentar construir dessa forma”, ir encontrando uma solução, mesmo que
seja para aquela situação, fato específico, mas é uma construção coletiva.
20. Disposto a trabalhar junto, fazer projetos interdisciplinares, compartilhar as dificuldades,
avanços e erros.
22. Trabalhar em conjunto, trocar experiência, pensar que a escola é um todo, não apenas sua
sala de aula. Pensar junto qual a melhor forma de ajudar aquele aluno, no comportamento,
aprendizado.
24. Tem que ter parceria, pensar propostas de trabalho em conjunto, sejam ações com as
crianças, sejam questões da escola.
25. Compartilhar experiências, o que deu certo, o que não deu, materiais pedagógicos,
principalmente professores do mesmo ano.
26. Trocar experiências, conversar sobre o que ta dando certo, o que não ta. Importância dos
projetos coletivos (dengue, reciclagem, reforço). Eu vou pra sala dela [cita professora do mesmo
ano] com minha HP [hora-projeto] e auxilio os alunos dela... a gente fez um acordo, cada uma
faz o projeto na sala da outra na sua hora vaga... e a gente vai conversando, trocando ideias do
que fazer.
28. Disposição ao trabalho coletivo, de se abrir às contribuições do outro, não achar que sabe
tudo.
30. Estar disposto a dialogar, interagir, trocar, ouvir e aprender com o outro, dividir o que
sabe, falar sobre a própria prática, o que deu certo e o que não deu, sem medo do julgamento do
outro.
14. Respeito aos colegas, não falar mal dos colegas na frente dos outros nem sair por aí
criticando sem saber... por ex., vem o professor do quarto ano: “foi aluno de quem essa
233

criança? Chegou assim no quarto ano!” E diz isso sem ter lido nada que foi relatado, sem saber
qual foi todo o trabalho que foi desenvolvido. Sem nem sequer vir conversar com a professora
anterior. “nossa, mas o que aconteceu que ele não ta alfabetizado?”. Ele poderia ter vindo
conversar com você, ao invés de já sair falando por aí. Porque senão você fica só denegrindo o
professor...
8. Saber ouvir e saber falar. Não deixar que birrinhas impeçam de ouvir e considerar o que o
outro ta falando.
3. Escutar o outro, o que o outro tem pra oferecer. Não achar que sabe tudo.
27. Estar disposto a trocar, dar opinião, ouvir opinião do outro, sobre atividades para se
trabalhar um tema. Não se fechar na própria sala e querer fazer tudo do seu jeito. Cita parceria
com professora do mesmo ano.
15. Respeitar as diferenças, saber conviver com professores que possuem pensamentos e
ideologias diferentes. Às vezes tem professores com postura muito impositiva nas suas ideias.
Isso não é legal. Por exemplo, a conversa sobre a questão do negro... um ouve, o outro ouve e
diz que não concorda, mas se a pessoa chega impondo a verdade dela, se não ouve o outro, ela
já perde a confiança... se aquela pessoa não acolhe as ideias, aí você já fica distante... aí você
nem entra na discussão com ela: “ah, ela não vai deixar eu falar mesmo, então deixa que ela
fala sozinha”.
21. Respeitar o que eu penso sobre educação. Respeito por aquilo que eu sou, por aquilo que eu
acredito. Ao meu conteúdo, às minhas posições em relação à educação, ao meu trabalho com o
adolescente, com a criança, à minha visão de mundo. As relações dentro da escola são bastante
conflituosas. Professores de várias formações diferentes estão na mesma escola, pertencem a
períodos históricos diferentes. Isso causa conflito no processo de educação, mas não precisa
gerar desrespeito.
25. Ter conversa aberta, pra perguntar sobre os alunos, sobre o trabalho que foi feito no ano
anterior, antes de criticar o trabalho do outro e sair falando. Postura de saber ouvir e acolher
ideias do outro, não chegar impondo achando que é dono da verdade.
30. Respeitar as diferenças de olhares, trabalhar com a diversidade, pois os professores não
pensam igual.
29. Muito respeito um pelo outro. Pelas experiências que já tiveram... pelas coisas que
aprenderam... pelo jeito como ensina. Pelas coisas novas que aprendem e querem falar. Dou
aula com uma colega de 5º ano... temos que ensinar as mesmas coisas...a gente se respeita à
medida que ensinamos a mesma coisa com jeitos diferentes... eu parto de pesquisa, ela gosta de
livro didático...eu a respeito, e ela me respeita....não é porque trabalhamos juntas que uma vai
fazer o que a outra faz o tempo inteiro.
7. O respeito é olhar o outro como se tivesse olhando pra você mesmo. Começa aí. Respeitar o
outro, o espaço do outro, o tempo do outro. Não tem o direito de ultrapassar os limites com o
outro porque ninguém é melhor que ninguém. Você pode ter alguma coisa melhor, mas o outro
tem algo também... ninguém tem o direito de menosprezar, dizer alguma coisa que possa
magoar o outro. Se você não quer magoar, você sempre vai ter um cuidado no relacionamento,
na forma de abordar questões, resolver problemas com educação e cautela, e isso vai gerar
confiança.
4. Deveria ter uma “despessoalização”... aqui não é um grupo de amigos... a gente é amigo fora
da escola...mas aqui dentro da escola, é saber ouvir e saber falar: “entendo que o menino é
peste, mas do jeito que você fez não da, pode vir mãe ou pai reclamar”, e eu falo “é mesmo,
tenho que consertar”... é saber exercitar que nem tudo que fala é pra atingir seu íntimo, não é
pessoal, e nem tudo que fala tem que falar de determinadas maneiras. Tem que deixar claro o
que você ta sentindo e pensando, isso é melhor que metáfora ou silêncio. As relações
interpessoais entre os professores, tem que ser profissional, por mais que tenha amizade.

Alguns entrevistados ressaltaram que o “ser profissional” passa por certa


separação entre as questões pessoais e profissionais, outros sublinharam o compromisso
234

ético e político, como já foi possível visualizar nas falas acima. Também foi citada a
competência técnica de forma genérica, como um atributo que deve ser reconhecido
para gerar confiança:

19. Tem que ter competência técnica.


21. Respeitar a competência profissional de cada um.
23. Reconhecer a competência profissional dos colegas.

Por fim, os professores entrevistados esperam que seus pares sejam solidários, o
que se expressa na forma de apoio, ajuda e colaboração nas pequenas coisas do dia a dia
que envolvem o trabalho e a vida pessoal. Chamamos essa dimensão de “consideração”.

14. Colaboração em questões de convivência, por exemplo, limpar a lousa antes do outro usar.
20. Ajudar quando é preciso.
21. Respeito nas pequenas coisas, como tirar carro da garagem, cumprimento de datas,
horários.
23. Sentir solidariedade dos colegas, que se importam com você como ser humano.
25. A questão da sensibilidade... de repente chega e você não ta bem. Aconteceu alguma coisa
na sua casa... não tem como separar o pessoal do profissional. Quando alguém olha pra você de
verdade: “ta tudo bem, aconteceu alguma coisa?” Essa sensibilidade cria um laço de confiança.
29. O apoio, ajuda, solidariedade, nessa época em que a gente vive, é o que tem segurado a
maioria na escola, um apoiar o outro, em todos os sentidos. Com aluno, com disciplina,
materiais, conteúdos a serem dados. A gente troca muito as coisas. Respeito e solidariedade, são
as palavras de ordem. Essa mesma colega... tive um problema que precisei sair da sala, ela fez a
ponte, olhou meus alunos enquanto eu tava com um pai.
. . .
Passemos à análise das observações em campo realizadas nas duas escolas.
Também nos pares “professores-equipe gestora” e “professores-professores”, as escolas
A e B nos proveram ambientes bastante diversificados quanto à formação da confiança.
Os dados mostraram que o grau em que a equipe gestora adota posturas de
reciprocidade - deixando claro quais são as normas e combinados da escola,
compartilhando informações, permitindo a negociação coletiva de demandas e
concepções, e oferecendo apoio/ajuda aos professores - influencia poderosamente a
confiança dos professores nesse segmento. Da mesma forma, colegas professores que
agem de forma recíproca, compartilhando aprendizados, formando parcerias,
oferecendo ajuda e apoio uns aos outros, são capazes de fomentar um senso maior de
confiança entre os pares.
De acordo com nossa escala de zero a seis, a Escola B foi a pior classificada no
grau de confiança dos professores em relação à equipe gestora, com 2,95. A melhor
classificada obteve 5,41. Quanto à relação entre pares, a Escola B obteve 4,13 (a menor
235

média foi 4,06, e a maior foi 5,26). Vejamos como as situações observadas em campo
nos ajudam a entender esses números.
Pelo que pude observar, a Escola B não realiza processos efetivos de avaliação
institucional participativa, pois enfrenta dificuldades em negociar entendimentos
comuns no nível das concepções de educação do projeto político pedagógico. Uma vez
que essas questões não estão bem resolvidas/acordadas entre os profissionais da escola,
quando elas inevitavelmente emergem nas situações cotidianas cria-se um ambiente de
suspeição que acirra ainda mais a falta de confiança entre eles.
Exemplos dessas discordâncias que não foram devidamente negociadas giram
em torno dos temas ensino da história da África e aprovação/reprovação. A dificuldade
de se elaborar um entendimento comum sobre essas questões se dá, por um lado, devido
à resistência deliberada do grupo de professores dos ciclos III e IV e, por outro, devido à
postura da equipe gestora que não insiste nas discussões e não oferece apoio pedagógico
para basear possíveis mudanças de concepções. A resistência desses professores parece
ser explicada, em partes, por outros aspectos da atuação da equipe gestora relativos às
dimensões do respeito, consideração, integridade e competência. A equipe gestora, por
sua vez, não consegue promover certas ações e discussões devido à resistência dos
docentes, o que acaba gerando uma espiral de desconfiança difícil de ser quebrada.
Certo dia em horário de TDC do 6º a 9º anos, a Orientadora Pedagógica
informou aos professores que eles precisavam pensar atividades com os alunos para
apresentar na Mostra do Dia da Consciência Negra. Eles questionaram por que essa
Mostra aconteceria de novo esse ano, disseram que não têm tempo para preparar essas
atividades, pois isso implicaria ter que interromper o conteúdo da disciplina que já
estava atrasado. A equipe gestora queria reservar um TDC inteiro pra que eles pudessem
fazer juntos o planejamento, o que foi frontalmente rechaçado pelos professores, que a
chamaram de autoritária por querer impor de última hora um trabalho que segundo eles
nem precisaria de tanto tempo para ser executado, que “em um minuto a gente faz em
casa”. A Orientadora Pedagógica e a diretora ainda tentaram contra-argumentar,
dizendo que essa semana é prevista com antecedência no calendário, e mostraram textos
e legislações que embasam a importância do ensino da história da áfrica nas escolas. No
entanto, elas não foram bem sucedidas, e acabaram cedendo à vontade dos professores
de discutir outra pauta que eles julgavam mais importante, relativa à formatura dos
alunos e ao estudo do meio.
236

O TDC seguinte de 6º a 9º estava reservado para uma palestra com um formador


do MIPID69 que trabalha especificamente com a introdução dessas questões raciais no
currículo. Por coincidência, eu havia assistido a essa palestra em outra escola na qual fui
aplicar o instrumento. Lá a formadora foi muito bem recebida e conseguiu fomentar
uma discussão profícua com os professores. Fiquei, então, ansiosa para ver como seria a
recepção desse momento formativo na Escola B. Enquanto esperávamos o formador
chegar à sala dos professores, alguns deles começaram a confessar que não viam sentido
algum no ensino da história da áfrica nas escolas, porque, segundo eles, a premissa da
qual esse ensino parte - de que há racismo no Brasil - é falsa. Um professor
especificamente foi desenvolvendo todo o argumento, ao que os demais reagiam com
sinais de concordância. Uma professora completou dizendo que se você é contra cotas
ou contra esse currículo nas escolas, você é taxado como racista, e isso está errado. Ela
narrou uma situação em que se sentiu desrespeitada pela Orientadora Pedagógica: logo
após elas terem tido uma conversa na escola em que a professora defendeu o “dia da
consciência humana” no lugar da “consciência negra”, a OP teria escrito uma postagem
no facebook dizendo que quem pensa assim é “fascista hipócrita”. A professora
finalizou: “Depois dessa, não falo mais nada também!”. No fim das contas, o formador
não veio, devido a um problema de comunicação com a orientadora pedagógica quanto
à data.
A maioria dos assuntos tratados nos TDCs, tanto dos ciclos I e II quanto dos
ciclos III e IV, refere-se a informes de novas regras estabelecidas pela Secretaria, e a
questões operacionais de escolher a melhor data para festas, passeios pedagógicos,
estudos do meio etc. A diretora diz se sentir acuada para propor discussões mais
acaloradas, sobretudo, nos TDCs de 6º a 9º ano, pois confessa sentir medo desses
professores. A orientadora pedagógica que esteve na escola no segundo semestre de
2016 também se sentia intimidada. Ela reclamava que especialmente esses professores
são muito difíceis, resistentes a tudo, e que várias vezes ia embora da escola chorando
devido às hostilidades que sofria. Como consequência, elas parecem se acuar cada vez
mais e dificilmente propõem discussões que permitam levantar pontos de vista
divergentes. O resultado disso é que a escola não passa por processos de avaliação sobre
a qualidade do ensino que oferece e outras possíveis que poderia oferecer. Essa

69
Programa “Memória e Identidade: promoção da igualdade na diversidade”, da Rede Municipal de
Campinas.
237

orientadora pedagógica pediu remoção para outra escola mais perto da sua casa, e no
semestre seguinte entrou outra OP, que também dizia sentir a mesma sensação.
Talvez isso também explique por que nessa escola nunca há momentos de
formação com os professores, ou seja, durante o período que acompanhei, nenhum
momento de TDC foi preenchido com palestras/rodas de conversa que fomentassem
discussões conduzidas por especialistas de fora ou de dentro da própria escola. Daí os
professores sentirem que a equipe gestora não se preocupa com seu desenvolvimento
profissional, um dos elementos que contam para a construção da confiança.
Nos encontros coletivos entre professores, dificilmente eles compartilham entre
si novas ideias e trabalhos que vem realizando. Tanto nas RPAIs quanto nos TDCs, não
consegui observar momentos de troca de conhecimentos ou formação de parcerias e
projetos interdisciplinares. O que chamou mais atenção nesse aspecto foi a resistência
explícita dos professores em geral, e especialmente dos ciclos III e IV, em discutir
projetos diferenciados propostos pela equipe gestora, bem como sua tentativa constante
de dirimir pautas mais diretamente pedagógicas e focar naquelas mais organizativas
como formatura, estudo do meio, uso dos espaços, ou encaminhamento de alunos para
atendimento especializado.
Essa resistência foi observada também, ainda que em menor grau, entre as
professoras dos ciclos I e II. Certo dia em TDC a orientadora pedagógica apresentou a
elas um material organizado pelo MIPID sobre educação para as relações étnico-raciais,
sugerindo que isso servisse como base para elaboração das atividades da Mostra do Dia
da Consciência Negra. Pouca atenção foi dada ao material.

A orientadora pedagógica falou: “Então vocês tem que pensar as parcerias... como vocês vão
trabalhar? Por ano?” Uma professora respondeu: “a gente já ta desenvolvendo um projeto do
PNAIC. Não tenho pernas. De acordo com a proposta do PNAIC, perguntei pros alunos o que
eles queriam trabalhar esse ano... eles queriam natureza, arco-íris... já comecei a montar um
trabalho em cima disso. Teria que tentar encaixar [as atividades da Mostra]”.

Outro aspecto que chamou atenção sobre a relação entre os professores é que,
além de haver poucas trocas e parcerias entre eles, há um estado de rixa entre os
professores dos ciclos III e IV de um lado, e os dos ciclos I e II de outro, o que se
manifesta, sobretudo, na desconfiança dos professores “especialistas” em relação à
competência profissional das pedagogas, e na percepção de que a equipe gestora não
aplica as mesmas regras para todos, favorecendo as professoras da manhã (pedagogas).
238

“Às vezes eu não faço meu máximo não [pelos alunos]. Eu atribuo essa diferença à formação de
pedagogo... a gente [especialistas] tem uma formação assim, ‘ou você aprende, ou cai fora’, eu
não tenho muita paciência... se não entendeu o conceito, eu não quero explicar denovo, digo:
‘você não sabe ler!!’ As pedagogas são tão emboladas de teoria pedagógica que o menino chega
escrevendo cebola com dois S. Alguém ta errando... como que em cinco anos o menino não sabe
ler nem escrever?!? Chegava os alunos no sexto ano tudo analfabeto porque as P1 [pedagogas]
não conseguem alfabetizar em cinco anos. Elas dizem que tão tentando...mas a equipe gestora
também não tem um norte pra elas... é um mega chororô: ‘ai, o pai é drogado, morreu o
papagaio da outra’... tudo tem desculpa pra não dar nota ruim pro aluno... ela [diretora] falou:
‘um terço de reprovados, não pode’. Aposto que vai retirar tudo que a gente conversou lá no
conselho” .(...). “De manhã [ciclos I e II] ninguém confia em ninguém. O povo da tarde [ciclos
III e IV] não confia no da manhã. E o povo da tarde não confia em 100% do povo da tarde”
(Diário de Campo. Aplicação pré-teste em duas professoras, set/2016).

Uma professora dos ciclos III e IV comentou: “Essa reposição eu não to entendendo como é, tem
um monte de gente que deveria ta repondo... só a gente [ciclos III e IV] vem e conta que todo
mundo ta repondo? Não vejo o pessoal da manhã! (Diário de Campo, TDC 6º ao 9º,
16/09/2016).

A orientadora pedagógica mudou o assunto: “agora um assunto bem chato. Sobre CHP. Só
alguns têm. Acabei de vir de uma reunião com a supervisora. CHP é exclusivamente com o
aluno, essa administração entende que é pra trabalhar só com aluno. O que ela explicou é o
seguinte: se você tiver uma janela, pode usar CHP entrando na sala da colega que ta dando
aula” (...). Uma professora comentou indignada: “as P1 [pedagogas] tão usando CHP pra
encontro com pares, mas elas não fazem isso, vão resolver coisa no Banco do Brasil... sou
contra isso, o que vale pra elas vale pra gente” (Diário de Campo, TDC 6º ao 9º, 10/03/2017).

Principalmente os professores dos ciclos III e IV reclamavam de diversas


posturas da equipe gestora, por exemplo, quanto ao que eles chamaram de
inflexibilidade na elaboração de pauta dos TDCs. Certa vez eles quiseram discutir sobre
a quantidade de alunos por sala, uma reivindicação antiga do professorado da rede
municipal de Campinas, como já demonstrado no tópico “confiança e redistribuição”.

No TDC, um professor perguntou: “Quantas salas tem pra ano que vem? O sexto ano podia
virar dois sétimos”, ao que a OP respondeu: “mas uma sala de aula já ta como sala específica
pra apoio pedagógico”. Uma professora disse: “A gente quer fazer um protesto, queria que
abraçassem uma sala a mais pra poder acomodar os alunos!”. Passaram um tempo discutindo as
demandas de alunos por vaga. Ao final, os professores ressentiram: “agora a gente não vai poder
reverter mais isso, poderia ter falado isso antes pra gente...mas não falaram...”. A Orientadora
Pedagógica disse que isso não estava na pauta de hoje, e que há outras demandas mais urgentes
para serem discutidas. Professores ficaram bastante chateados, queriam colocar pra discutir isso
semana que vem. A equipe gestora não se posicionou nem favorável nem contra, apenas tentou
dirimir esse assunto dizendo que não seria possível colocar os alunos em espaços destinados a
outras atividades: “Nós temos que ter esses espaços pra atender aluno, não pode enfiá-los lá”.
Professora: “mas eles [Secretaria Municipal de Educação] não tão nem aí, mandam colocar
aluno nas salas que tem, enfiam aluno lá. Já não foi sala de aula uma vez? Por que não pode ser
mais?”. Professor: “escola é uma ditadura disfarçada. Falam em gestão democrática, mas isso
não existe aqui. E a gente reproduz com os alunos... nem perguntaram pros alunos se eles
queriam aquela palestra lá. Eles estavam lá, entrando por um ouvido e saindo pelo outro”.
Professora: “é verdade, não há comunicação aqui”. (Diário de Campo, 07/10/2016)

A equipe gestora, no entanto, colocou outra pauta na reunião seguinte, sobre a


Mostra do Dia da Consciência Negra, conforme explicado anteriormente. É certo que a
resistência dos professores em discutir esse assunto tem origens sociais para além da
239

postura da equipe gestora da escola, mas pode-se dizer que contribuiu para essa
resistência o fato de não se sentirem respeitados na pauta que solicitaram. Nesse caso,
no fundo os professores estão manifestando desgosto em relação à Secretaria Municipal
de Educação, mas como se trata de uma instância muito distante, acabam enxergando na
diretora a figura que deveria representá-los perante a Secretaria em suas reivindicações.
Segundo Bryk e Schneider (2002), o diretor mostra possuir integridade quando, por
exemplo, enfrenta alguma política que ele acredita não contribuir com a qualidade do
trabalho da escola. Os professores da Escola B não esperam que a equipe gestora mude
as determinações vindas de cima; afinal, sabem que ela não tem poder suficiente para
tanto. No entanto, na ausência de canais diretos de negociação dos professores com o
poder público, eles esperam que a equipe gestora paute os problemas por eles
identificados nas reuniões de planejamento do NAED, que protocole pedidos, que
encaminhe suas dúvidas ao poder público e lhes dê alguma devolutiva.
Outra expectativa frustrada que contribui para minar as relações de confiança
nessa escola é que a equipe gestora respeite o que foi acordado no coletivo. Houve uma
situação emblemática na qual os professores sentiram que a diretora e orientadora
pedagógica passaram por cima do que foi decidido em Conselho de Classe:

As professoras me contaram que em Conselho de Classe, deram I [Insuficiente] para uma aluna
[que tinha chegado à escola fazia pouco tempo, vinda de uma situação de mudança constante de
escola]. Decidiram reprová-la, mas depois perceberam que a gestão alterou as notas dela para S
[Satisfatório] e não reprovou a menina. Acharam um desrespeito, pois ela não teria condições de
passar de ano sendo que não tinha feito nenhuma atividade. Sentiram que isso foi passar pela
autoridade do que foi decidido em Conselho. Mais tarde, a orientadora pedagógica e a diretora
me procuraram para contar o que houve. Senti que a intenção delas era justamente trazer o outro
lado, pois sabiam que eu, que estou sempre rodando pela escola e converso bastante com os
professores, já tinha ouvido falar do ocorrido e não poderia ficar com uma visão parcial. “Como
a gente pode reprovar a menina sem ter o histórico dela? Os professores não mostraram nada
que justificasse a reprovação. Sem contar que ela fez [alguma prova ou atividade] e se saiu bem.
E eles falam que a gente não pode, mas podemos sim tomar a decisão de não reprová-la, porque
consideramos outros fatores que eles não consideram”. A diretora completa: “E o que me
garante que esses professores realmente fizeram de tudo pra ajudar a menina?” (Diário de
Campo, 14/12/2016).

A questão da reprovação ainda é bastante delicada nas escolas. Estudos


documentam as consequências excludentes de tal decisão, ao mesmo tempo em que ela
ainda é sentida como uma necessidade pelos professores, que enxergam na reprovação o
mecanismo mais eficaz de motivação para a aprendizagem (FREITAS, 2007; 2002). De
um lado, os professores não querem abrir mão desse mecanismo; do outro, a equipe
gestora recebe constantemente a pressão de não poder reprovar uma quantidade muito
grande de alunos. Essa pressão, somada ao fato de a diretora e a orientadora pedagógica
240

não confiarem no trabalho dos professores, justifica para elas a decisão de mudar o que
foi decidido em Conselho. No entanto, o que os professores mais ressentem é que elas
não colocam abertamente sua postura nos momentos coletivos de reunião; ao invés,
calam-se nesses momentos, procurando evitar conflitos, e agem às escuras sem
consultá-los.
Os professores se sentem desvalorizados pela equipe gestora da Escola B. Se por
um lado eles resistem a certas atividades propostas pela equipe gestora, por outro lado a
orientadora pedagógica e a diretora também não apoiam as propostas inovadoras de
trabalho elaboradas pelos docentes, uma vez que desconfiam da sua competência e
compromisso.

Enquanto fazíamos o pré-teste, as professoras iam comentando sobre as questões do instrumento.


Uma delas disse: “A gente só quer inovar, mas às vezes não da certo... Ela [a diretora] podia
falar: ‘da próxima vez tenta diferente’... mas não, ela já acha que a gente quer matar aula. E
quando fazemos algum trabalho legal, elas nunca elogiam!”. A outra professora completou: “Se
você faz um trabalho interdisciplinar.... Se da certo, ela fica calada, se da errado, ela malha a
gente. Ela fica muito brava: ‘por que vocês juntaram? Vocês não tão querendo dar aula!’. A
gente fez um projeto interdisciplinar sobre o açúcar: ela falou que precisava fazer um projeto
por escrito, fez várias modificações, na tentativa de boicotar... mesmo assim nós insistimos, e ela
ficava com pé atrás: ‘não deixa esses alunos saírem, já tão matando aula!’. Por exemplo, o
projeto da Câmara, o vereador agradeceu, mas aqui é como se não tivesse acontecido nada... a
gente não tem incentivo nenhum por parte da escola”. (Diário de Campo, 28/09/2016).

Certa vez uma professora narrou uma situação na qual se sentiu desrespeitada
em sua competência profissional, quando foi chamada para uma ouvidoria sem ter tido a
oportunidade de se defender, segundo ela.

A professora me contou: “tive uma ouvidoria contra mim... fui chamada na direção, com a
supervisora do NAED, com todas da equipe gestora da escola [OP, diretora, vice], que falaram
pra supervisora que eu não sou uma profissional! Em nenhum momento elas me perguntaram:
‘isso de fato aconteceu?’. Já chegaram me acusando que eu não faço a parte pedagógica”
(Diário de Campo, 28/09/2016).

Por outro lado, essa é a mesma professora que confessou acima que “ou você
aprende, ou cai fora! Eu não tenho muita paciência, se não entendeu o conceito, eu não
quero explicar denovo”. É certo que concepções de educação como essa devem ser
combatidas no meio escolar; no entanto, a forma como a equipe gestora optou por
encaminhar essa questão foi recebida pela professora como um sinal de desrespeito. Na
ausência de mecanismos de controle social nessa escola, pelos quais os profissionais
possam dialogar, aprimorar seus conhecimentos e se apoiar mutuamente, parece que
restou à diretora recorrer a um tipo de controle mais verticalizado.
241

Outra professora narrou que certa vez ela se sentiu desrespeitada por uma mãe, e
esperava que a diretora intervisse de alguma forma impedindo ou apaziguando a
situação.

No meio da tarde [em dia de reunião de pais] saí da sala do 6º ano e fui dar uma volta no
corredor para ver como estava o movimento nas demais salas. A professora Regina estava em pé
na porta de uma sala conversando com duas alunas mais uma funcionária, reclamando da
agressão verbal que havia sofrido por parte de uma mãe. Segundo ela, a mãe foi bastante grossa,
porque dizia que Regina havia se referido à filha dela, em conversa com outro aluno, de forma
desrespeitosa. Regina teria dito “problema dela!” se referindo ao fato da aluna ter faltado na
prova. Depois, a diretora veio conversar comigo para contar o que aconteceu. Disse que foi uma
situação bem tensa, porque a mãe chegou falando alto com a professora no meio do corredor, e
juntou um monte de gente em volta para olhar as duas “batendo boca”. Diante do barulho a
diretora acabou aparecendo na cena. Ela disse que não conseguiu se posicionar defendendo
nenhum lado, preferindo se eximir de qualquer responsabilidade de se colocar naquele conflito,
pois “as duas envolvidas que tem que se entender”. Ela me contou que não conseguiu defender a
professora, porque imaginava que a mãe podia ter razão na reclamação dela, já que aquela
professora era realmente desrespeitosa com os alunos (Diário de Campo, 26/05/2017).

Por um lado, os professores esperam da equipe gestora uma postura de


consideração de “acalmar os pais quando tentam agredir a gente”. Como também
mostraram as entrevistas, o professorado espera que os gestores tenham a competência
política de saber administrar conflitos na escola. No entanto, a diretora alega que não foi
possível agir dessa forma, pois ela mesma não confia que os professores tenham
consideração pelos alunos e suas famílias. De fato, observando as falas da professora
Regina e do coletivo de professores de 6º a 9º ano em geral, pode-se dizer que eles se
referem aos alunos de formas bastante pejorativas. A desconfiança, assim, torna-se um
círculo vicioso que afeta todas as relações na escola.
Os professores reclamam também da falta de comunicação. Em reunião de RPAI
no final de 2016, eles expuseram:

“Funcionário entra e a gente não sabe quem entrou quem saiu... ninguém comunica a gente das
coisas. Os terceirizados chegaram e a gente não sabe nada. A comunicação poderia ser
facilitada se fosse passado no TDC: vai acontecer tal coisa na escola. Vai chegar tal pessoa pra
fazer tal projeto”. Outra professora completa: “tipo o coral... Chegou e a gente nem tava
sabendo. E tem também o problema do dinheiro: não tinha dinheiro pra comprar nem uma caixa
de bis!”. Outro professor: “isso é eficácia da pauta. O problema é que parece que não é da nossa
conta, mas tudo que acontece aqui diz respeito a nós. Isso já vem sendo falado há muito tempo.
Mas as RPAIs nunca fecham [no sentido de dar resultado]”. (Diário de Campo, 15/12/2016).

Eles esperam que a equipe gestora comunique os acontecimentos com


antecedência, e deixe claro o que espera dos professores, por exemplo, quanto à
anotação de faltas e presenças dos alunos. Esperam também que estabeleça regras claras
e limites para os alunos. Conversando sobre a bagunça que os alunos fazem quando
ficam de aula vaga devido à falta de algum professor:
242

No meio do TDC, uma professora diz que é preciso conversar sobre o que aconteceu terça-feira...
Ela narra que o professor Murilo foi bem grosso com um aluno, dizendo “esse menino vem pra
escola rebolar o cu!” Outra professora completa indignada: “ele chegou extremamente
estressado na sala dos professores, e falou: ‘precisamos reunir conselho de escola pra subir
aula porque os alunos ficam soltos por aí, e não sabem se comportar. A gente não consegue dar
aula por conta desses alunos soltos. Esse biba do Fulano fica solto rebolando a bunda por aí
dando trabalho pra gente. Depois apanha... tem mais é que apanhar mesmo’!!”. Outra
professora tenta entender a atitude estressada do professor, dizendo que todo mundo estava
alterado aquele dia, porque os alunos que estavam de aula vaga e não tinham ido embora ficaram
chamando todo mundo que estava tendo aula de “cuzão”. A professora insiste: “mas nada
justifica o que o Murilo disse, ele é grosso e preconceituoso”. A diretora se pronuncia: “não
vamos falar do professor, é antiético, ele não está presente”, ao que a professora responde: “tem
que falar sim, o que ele disse é inaceitável! Aconteceu outra coisa... uma menina xingou a outra
de preta, ele ouviu e não fez nada!!” Discutiram sobre a possibilidade de subir aula, ou dispensar
os alunos. A diretora disse que não era possível montar horário tirando a aula do professor. As
professoras insistiam se não podia subir aula, pois pareciam ver aí a saída pra resolver o
problema dos alunos que invadem as aulas dos outros enquanto estão de aula vaga. A diretora
responde: “temos que ser uniformes nas regras, rotina, falar a mesma linguagem... A regra é:
faltou professor, tem que aprender a ficar ali sentado esperando”. Uma professora: “mas essa
linguagem não ta posta, porque eles não estão esperando!”. Diretora: “mas falta professor todo
dia...e tudo bem, vocês podem faltar, é direito, eu só peço a gentileza de avisar com
antecedência pra gente se organizar”. Disse que essa linguagem tem que ser construída todo dia,
reforçada a todo momento por todos. Outra professora lembra que é preciso registrar que a zona
aconteceu por falta de professor adjunto, e isso tem que ir pra Secretaria [SME]. Ela opina que o
professor Murilo estava errado de fato, mas ele estava sem apoio nenhum também. As
professoras que começaram colocando o caso insistiram que alguma coisa tinha que ser feita por
conta do que ele falou, que de toda forma a direção tinha que chamar a atenção dele. Mas ela não
se pronunciou quanto a isso. Depois, conversando com a diretora e a orientadora pedagógica,
elas me contaram que de terça-feira realmente é ruim porque elas não estão na escola, mas não
podem fazer nada, pois estão cumprindo o trabalho delas indo a reuniões na SME e não vão se
desdobrar trabalhando a mais. Perguntei como é nos outros dias da semana. A diretora disse que
se sente mais babá correndo atrás de aluno do que diretora, e que são os professores que
deveriam se responsabilizar por colocar essas regras. Perguntei como era a questão das abonadas
na escola, se os professores avisavam com antecedência, ela disse que não, que apenas mandam
mensagem no whatsapp pros colegas. E, pra piorar, não há professor adjunto na escola.

Existem questões estruturais mais de fundo que acabam afetando as relações na


escola, como a falta de professores adjuntos. Como se pode ver no caso relatado, uma
vez que essa questão não é resolvida com a SME, os professores transferem à diretora
toda a responsabilidade de sanar os problemas derivados daí. Da mesma forma, a
diretora tende a responsabilizar unilateralmente os professores pela resolução da
situação, ficando obscuro o que se pode esperar de cada parte. Em um ambiente sem
confiança como esse, torna-se difícil desenvolver processos de avaliação que permitam
acordar responsabilidades compartilhadas para os problemas identificados. E ao mesmo
tempo essa falta de acordo quanto às múltiplas responsabilidades e expectativas ajuda a
minar as relações de confiança.
Quando diz que “se sente mais babá do que diretora” e que “são os professores
que deveriam colocar essas regras”, a diretora mostra possuir uma concepção sobre a
função de seu papel diferente daquela compartilhada pelos professores. Para eles, ser
243

diretora implica estabelecer regras e cobrar seu cumprimento, bem como ter
proximidade com os alunos. Certo dia de reunião de pais, eu fiquei na sala
acompanhando uma professora de Ciências. Nos intervalos entre um pai e outro, quando
a sala estava vazia, ela começou a desabafar que sentia falta de uma postura mais
cuidadosa da diretora com os alunos:

“Se você deixa solto, é muito ruim... é importante ta ali, fiscalizar, colocar limite, isso é
importante... dar muita liberdade deu no que deu”. A professora falava isso o tempo todo para as
famílias dos alunos. Mas uma hora falou isso pra mim se referindo à diretora. O assunto
começou quando eu comentei que estava percebendo que havia muitas gerações de pais e filhos
que estudaram na escola. Ela concordou e disse que isso acaba gerando uma confiança deles em
relação à escola: “mas outra coisa que ajudaria também é ter uma equipe gestora envolvida,
presente, preocupada com os alunos, que apareça nas salas de aula, mostre que está ali, se
importando, ao invés de deixar solto ‘se aprendeu, aprendeu, se não aprendeu, paciência’”. Ela
sente que a equipe atual não é assim. Comentava que por um lado entende, sabe que é difícil por
conta das tarefas burocráticas, sem contar que elas acabaram de chegar na escola. Mas de toda
forma disse que os professores sentem muita falta da diretora anterior, que era mais próxima dos
alunos.

Fica claro que os professores cobram da diretora o estabelecimento de regras


claras e limites, mas também uma postura de apoio e carinho. Ou seja, não basta que os
alunos sejam “repreendidos” ou controlados; é preciso que se sintam olhados, cuidados,
e tenham opções de atividades na escola. Certa vez uma professora sugeriu consertar
uma mesa de ping pong para que os alunos tivessem o que fazer nas aulas vagas, mas
isso esbarrou em outro problema que a escola enfrenta: a falta de dinheiro,
constantemente referida pela equipe gestora e ressentida pelos professores.

Não tem dinheiro pra comprar uma caixa de bis! (Diário de Campo, reunião de RPAI,
15/12/2016)

Uma professora contou que leu no Diário Oficial que a escola recebeu tantos mil do Conta
Escola: “agora temos dinheiro pra arrumar várias coisas que precisamos!”. As professoras
começaram a cobrar melhorias na escola. Uma delas questionou: “eu não sei por que essa escola
ta cheia dos problemas!”. A vice-diretora passou a responsabilidade pra estagiária: “ela que não
anotou o que eu pedi, pedi pra ela fazer uma verificação do que ta faltando, mas ela não fez”.
Começaram a pensar necessidades de compra da escola, e alternativas de atividades para ocupar
os alunos no intervalo. Outra professora contou: “o fulano [professor de educação física]
denunciou pro CREF 70 que a gente tava deixando os alunos praticarem Ed. Física sem
supervisão... mas o problema dele é outro... ele queria implicar”, ao que a orientadora
pedagógica respondeu: “Ele tem razão, legalmente, o aluno pode se machucar. E pode quebrar
um braço”. Outra professora: “Mas ping pong é tudo bem, eles ficam quietos quando falta
professor. Se a gente tiver uma mesa pra montar, eles gostam tanto pra brincar... Tem duas
mesas que poderiam ser acertadas, quem sabe a gente consegue alguém pra soldar lá com esse
dinheiro”. (Diário de Campo, 17/02/2017).

As professoras estavam organizando a festa junina. Descobri que não vai ter participação da
comunidade, é só pros alunos e professores. Perguntei para o zelador por quê, ele disse “aqui não
gostam muito de chamar as pessoas da comunidade pra escola”. Uma professora me disse que é
porque não tem espaço, e também pela falta de dinheiro. Durante o TDC, as professoras ficaram

70
Conselho Regional de Educação Física.
244

pensando em atividades que não precisassem gastar muito: “Não vai ter prenda... mas pode ter
um lápis de brinde, por exemplo. Vamos fazer uma vaquinha pro bolo”. Depois da reunião, a
diretora falou que estavam sem dinheiro mesmo, e ressentiu que a contribuição dos pais para a
APM estava muito baixa. (Diário de Campo, 19/06/2017).

As questões financeiras, sobre a quantidade de dinheiro disponível e a prestação


de contas, são discutidas no Conselho de Escola da Escola B. Mas nessa instância não é
feita uma avaliação sistematizada que permita vincular problemas detectados a possíveis
soluções e encaminhamentos concretos. A instância própria onde isso deveria acontecer
é a CPA, que não tem sido mais convocada no ano de 2017. Nesse espaço, seria
possível sistematizar e colocar como prioridade, por exemplo, a construção de uma
quadra coberta com objetivo de melhorar a qualidade das aulas de educação física, ou o
conserto de mesas de ping pong para que os alunos tenham mais opções de lazer nos
intervalos e aulas vagas. Na ausência de CPA, no entanto, não há um conjunto
organizado de demandas que permita contínuo monitoramento e alocação de
responsabilidades. Dessa forma, os professores têm a sensação de que os problemas
identificados ficam “soltos”, sem retorno.
. . .
Na Escola A, a relação dos professores com o diretor e com os pares se mostrou
diferente da Escola B nos dados de campo, apesar dessa diferença não ter sido tão
pronunciada nos dados quantitativos.
De acordo com nossa escala de zero a seis, a confiança dos professores na
equipe gestora da Escola A é 4,71, estando mais próxima do grupo das melhores
classificadas (a Escola B obteve a pior média, 2,95; a melhor foi 5,41).
Quanto à relação entre os pares, a Escola A não obteve uma pontuação alta:
4,45, sendo que a menor média foi 4,06 e a maior foi 5,26. Ainda assim, foi maior que a
média da Escola B (4,13).
A pequena diferença na pontuação das duas escolas nesse par de relação nos
motivou a olhar mais de perto as frequências das respostas a cada um dos itens. Dessa
forma, foi possível ver que a diferença entre elas se encontra na percentagem das
respostas localizadas no “padrão concordo”. No máximo 66% dos respondentes da
Escola B, e no mínimo 80% da Escola A, concordam71 que os professores nunca
desistem dos alunos, possuem compromisso em avaliar e aprimorar constantemente o

71
Somando as frequências das respostas ‘concordo pouco’, ‘concordo’, ‘concordo totalmente’.
245

próprio trabalho, gostam de se ouvir para aprender uns com os outros, e desenvolvem
propostas em conjunto com os colegas.
Na Escola A, a questão financeira não parece ser um problema tão grande.
Professores e alunos ressentem que suas antigas reivindicações de cobertura da quadra e
ampliação da cozinha não foram atendidas pela prefeitura, ao menos até aquele
momento da pesquisa de campo; no entanto, nessa escola não faltam materiais para a
festa junina, por exemplo, que conta com a ampla participação da comunidade. Certa
vez perguntei a um professor ao que ele atribui a boa situação financeira da escola. Ele
respondeu que a equipe gestora sabe administrar o dinheiro que recebe, pois costuma
pesquisar as opções mais em conta antes de comprar. Pelo que foi possível observar das
reuniões, as verbas vêm não só do recurso Conta Escola, mas do FNDE, do Programa
Mais Educação e até mesmo de Fundações, às quais está atrelada a apresentação de
resultados como, por exemplo, ter um grêmio consolidado, dentro daquela lógica de
mercado da qual falamos no tópico 5.3.
Nas reuniões de TDC o diretor frequentemente dá informes de alguma nova
aquisição da escola, e pede aos professores para fazerem lista dos materiais que vão
precisar para as mostras e festas. Os banheiros foram arrumados; as salas passaram a
contar cada uma com uma rádio para atividades com música; uma mesa de pimbolim foi
comprada para ficar no pátio e melhorar a qualidade da convivência nos intervalos, tal
como proposto pela CPA.
Há outras formas pelas quais os professores se sentem apoiados por essa equipe
gestora. Certa vez uma professora contou uma situação em que se sentiu desrespeitada
por uma mãe, que chegou de repente na escola querendo tirar satisfação sobre a
professora ter falado para seu filho que ele deveria usar cueca e uma calça mais apertada
que não ficasse caindo toda hora expondo seu corpo. A professora conta que se sentiu
apoiada pelo diretor, que disse à mãe: “eu sei a profissional que tenho aqui, ela nunca
desrespeitaria seu filho”. Segundo a professora, ele conseguiu contornar a situação, e ao
final a mãe pediu-lhe até desculpas. A professora me disse que “por mais que o diretor
converse duro com o professor depois, a gente espera que na frente da mãe ele nos
apoie”. Outra professora também me disse certa vez, quando perguntei o que ela
esperava da equipe gestora da escola:

“O importante é que eles reconheçam nosso trabalho, nos apoiem no diálogo com as famílias”.
Perguntei como isso se manifesta. Ela deu um exemplo de quando veio uma mãe raivosa
conversar aqui sobre o filho que não aprendia, colocando a culpa na professora, e o diretor foi
246

fazendo perguntas pra mãe ir percebendo que ela tinha sua parte de responsabilidade nisso
(Diário de Campo, 16/09/2016).

O diretor demonstra valorizar e reconhecer o trabalho dos professores, ao elogiá-


los constantemente durante as reuniões, ou quando, por exemplo, fez uma homenagem a
eles no dia dos professores, montando ele próprio um vídeo com depoimentos de pais e
funcionários da escola. Há também uma página fechada no facebook, da qual participam
professores e equipe gestora, onde os professores sempre postam fotos e vídeos sobre os
trabalhos e atividades que realizam com os alunos, que são “curtidos” e comentados
pelo diretor. No final de 2016, houve um evento na escola de fechamento de ano, com
distribuição de certificados para os alunos, professores e funcionários que foram
“destaque” no ano, seja por terem presidido o grêmio, ou por terem coordenado projetos
na escola como a CPA, o Gaia e o Africanidades.
Outro ponto de destaque em relação à postura do diretor é que ele está sempre
andando pelos corredores da escola, conversando com professores e alunos, brincando
com eles, recebendo-os no pátio no momento de entrada. Parece que há entre eles uma
relação próxima de afeto e consideração. Além disso, o diretor é visto como alguém que
se preocupa com o bem estar pessoal dos professores.

Depois da reunião, fui perguntar à professora Marcela se teria RPAI no final do semestre. Ela
disse que não sabia, mas que ia ter com certeza uma feijoada de confraternização na sexta-feira.
Disse que o diretor deu uma reduzida nos horários das crianças nessa última semana do semestre:
elas vão ficar só duas horas no período da tarde. Segundo ela, com isso as professoras terão
tempo para preencher diários etc. “Ele é muito humano... acho que por conta de ser professor
também, ele sabe o que a gente passa, que o trabalho nosso não é fácil, então deixou semana
que vem ser uma semana mais leve pra nós”. (Diário de Campo, 28/06/2017).

“[o aumento do IDEB] se deve bastante à mudança de gestão, que hoje é mais aberta,
participativa, vai às salas de aula, se preocupa se o aluno está na escola. Todo mundo conhece
o diretor. A direção anterior nem ia pras salas de aula” (Diário de Campo, 27/07/2016).

Ao mesmo tempo em que o diretor é visto como uma figura afetuosa que apoia e
reconhece o trabalho dos professores, ele mantém uma postura bastante rígida, sempre
cobrando que os professores cumpram os combinados e regras da escola. Ele reforça
constantemente quais são essas regras, e estabelece claramente o que espera deles em
termos de comportamento e comprometimento.

Na reunião de planejamento (RPAI) de começo de semestre, a equipe gestora entregou um


informativo com cronograma e orientações contendo regras básicas da escola. O diretor deixou
claro que é preciso manter a transparência, sobretudo quando se trata de pedir abonada e precisar
se ausentar. “Tem que informar a escola, não da pra não avisar”. Se avisar em cima da hora, ele
disse que vai por falta. “Também tem que pedir com antecedência as cópias pra secretária,
vocês tem que se planejar, a gestão da sala de aula não está na minha mão. O CHP [horário
destinado à execução de projetos na escola] também é sério; se não solicitar conforme a regra,
vai ficar com falta e não vai receber”. (Diário de Campo, 01/02/2017).
247

O diretor disse aos professores durante o TDC: “Acho ótimo que vocês façam cursos [de
formação, oferecidos pela prefeitura, que têm previsão em carga horária], mas tem que estar
previsto do PPP [Projeto Político Pedagógico]. Fazer o mesmo curso durante vários anos
também não pode, né. Quero cursos que vocês usem na sala de aula, e tem que estar previsto no
seu planejamento. Se não tiver previsto no planejamento, se você não usou na sala, não vou
contar”. Um professor perguntou se ele poderia fazer curso relacionado ao tema africanidades,
ao que o diretor respondeu que sim, obviamente, pois esse tema faz parte do Projeto da escola,
não é um projeto individual do professor Fernando. “Não vou me acanhar de perguntar: ‘você
usou isso? Fez parceria com a professora? Quando que eu não vi?’” (Diário de Campo,
29/08/2016).

O diretor várias vezes usa algum momento do TDC para “dar bronca” nos
professores por algum comportamento que julga inadequado, ou por não estarem
cumprindo os acordos coletivos. No geral, os professores ouvem quietos com atenção.
Por vezes, manifestam que se sentiram ofendidos, dizendo que o diretor não deveria
apontar os erros de forma indiscriminada ou sem respaldo.

No TDC, o diretor informou que estava atendendo alguns pais que estão reclamando de professor
que usa celular na sala de aula. “Não pode, pessoal, tem que tomar cuidado. Eu entendo algumas
situações, coisas que acontecem fora do nosso controle... mas não podemos reproduzir essa
prática que a gente mesmo critica. Outra coisa: horário de almoço é preciso que professores
acompanhem os alunos, é um momento de formação, não dá pra nessa hora ir pegar material
que esqueceu não sei onde... O intervalo de vocês é 15 minutos. Isso já foi decidido em Conselho
de Escola antes, tem que respeitar. Se for pra ser vinte minutos, nós vamos fazer vinte
oficialmente. Todo mundo é ser humano, fica conversando um pouquinho a mais. Mas os
estagiários estão sendo formados, temos que deixar claro pra eles que tem que cumprir o
horário certinho. E na hora do almoço, tem que estar junto com os alunos, almoçar junto”.
(Diário de Campo, 15/08/2016)

O diretor deu uma bronca nos professores porque passou em algumas salas e tinha professor
deixando aluno usar celular depois de terminar a atividade, e professor que às 07h25 ainda não
tava dando aula. Cobrou mais compromisso, que não podem ser negligentes, nem muito
permissivos, tem que saber cobrar: “melhor ser professor vilão do que bonzinho, senão chega no
final do ano eles vão ta fazendo o que eles querem. Precisa ter ações pra controlar essa
bagunça. Não podemos deixar o negócio pegar fogo aqui, algumas regras tem que ficar claras,
‘abrir o caderno, cumprir o mapa, vai um por vez no banheiro’. Vocês tem que cumprir os
combinados coletivos. Não pode ter isso: ‘na aula do fulano pode, na do outro não pode, o
professor vilão e o bonzinho’. Se for preciso ferve, suspende, chama a mãe, faz ocorrência se o
aluno não quiser fazer a atividade. Suspende a sala inteira se for preciso. Aqui é um lugar que
se ouve “não” porque isso é formação do cidadão também. Temos que nos credibilizar, só
podemos reivindicar direitos se cumprirmos nosso dever. Outra coisa: não vamos sair por aí
falando mal do colega pros alunos, isso é um desrespeito!”(Diário de Campo, 03/04/2017).

No final do TDC, o diretor retomou o caderno piloto [um caderno de cada sala de aula onde os
alunos anotam as atividades dadas pelos professores daquela sala/turma, com objetivo de
prestação de conta do conteúdo dado]. Ele falou que em três salas os alunos anotaram “aula
livre”, e que não é pra isso acontecer! Os professores não gostaram muito, disseram que é injusto
balizar o trabalho deles só por esse caderno, pois o que os alunos anotam ali pode ser uma visão
parcial, e que às vezes eles colocaram “aula livre” por sacanagem. Uma professora disse: “nós
nunca combinamos aqui que era pra gente verificar o caderno piloto”, ao que o diretor
respondeu: “vamos combinar agora, vocês tem que verificar então” (Diário de Campo,
17/04/2017).

Os momentos de TDC são usados para retomar esses pactos, mas também para
conversar sobre o ensino-aprendizagem, quando, por exemplo, as professoras se reúnem
248

em pequenos grupos, geralmente professoras do mesmo ano, para planejar atividades


em conjunto. Nos TDCs também são realizados constantemente momentos de
formação, quando a equipe gestora traz convidados de fora para dar palestras e
promover rodas de conversa, ou aproveita os profissionais da própria escola para
fomentar discussões em torno de temas pedagógicos.
Por exemplo, certa vez trouxeram um formador da área da matemática, que
ofereceu às professoras de ciclos I e II ideias de como começar a introduzir a lógica do
pensamento algébrico para os alunos desde os primeiros anos, e um da área da
psicologia para falar com as professoras dos ciclos III e IV sobre o desenvolvimento da
sexualidade nos adolescentes. Também foram reservados TDCs para a professora de
educação especial da escola explicar o que é adaptação curricular, deficiência
intelectual, oferecendo ferramentas para as demais saberem como proceder em sala de
aula com os alunos especiais. Uma professora de ciclo I da própria escola também teve
sua vez de expor aos colegas seu estudo de mestrado sobre alfabetização e letramento,
reforçando a importância da leitura constante em sala de aula.
Chama atenção como há vários professores que se destacam por conduzir
projetos historicamente enraizados na trajetória da escola. Parecem ser figuras
respeitadas que servem de referência para os colegas:

Fiquei conversando com [o professor coordenador] sobre o projeto africanidades. Ele disse que é
preciso que ele, que tem uma relação mais orgânica com a coisa, encabece o projeto, pra que este
saia da forma senso comum de lidar com a questão. Da mesma forma como se recusa a falar da
questão indígena, se não for trazendo um índio mesmo, porque senão vai acabar ficando naquela
coisa quadrada de pintar as crianças e dançar dança da chuva. Ele disse que virão indígenas à
escola conversar com crianças e professores. Enquanto conversávamos, uma professora veio
perguntar a ele: “selecionei uma lenda pra eu trabalhar na Mostra, depois você vê o que acha?”
Depois veio o orientador pedagógico mostrar ao professor o folder que ele havia feito pra Mostra
de Africanidades (Diário de Campo, Escola A, 15/08/2016).

Os professores constantemente comunicam seus projetos aos colegas, colhem


contribuições uns dos outros e formam parcerias. Por exemplo, certo dia um professor
de geografia expôs aos colegas no TDC sobre o projeto de sexualidade que ele
começaria a implementar na escola em parceria com outra professora. De vez em
quando a professora responsável pela CPA compartilha com os demais quais trabalhos
está realizando com os alunos nessa instância. Em reunião de RPAI no início de 2017,
cada professor teve um tempo para socializar com os colegas o trabalho que realiza em
sua sala de aula, de forma que os professores dos ciclos I e II ouviram os de ciclo III e
IV e vice-versa, com objetivo deliberado da equipe gestora de integrar esses ciclos.
249

[questionado sobre as mudanças promovidas na escola, o OP expunha ao jornalista]: “o que


professor de 1º a 5º faz, mostramos pros de 6º a 9º. E pros professores de 1º a 5º, mostramos as
expectativas que os professores de 6º a 9º têm” (Diário de Campo, Escola A, 04/08/2016).

Professora falou: “pensei em trabalhar um filme sobre consumismo, e depois aplicar um


questionário pra avaliar se a pessoa é consumista”. Dividiu essa ideia com professores.
Luciano: “minha ideia é pensar a questão indígena a partir da visão que o aluno tem sobre isso.
A partir daí, trabalhar povos indígenas nomeados, os xavanti... o que é índio? Mostrar o vídeo
índios do Brasil... o cara entrevista o que a pessoa pensa do índio: ‘ele anda nu’, e a ideia é
desconstruir isso”. Outros dois professores se envolveram na discussão, falaram de várias
populações indígenas, que também tem uma no Vale do Ribeira, em Campinas, que seria legal
problematizar que muitos deles se consideram pardos. O Orientador Pedagógico também tentou
ajudar: “tem vários livros aqui pra vocês pegarem da coleção ler e escrever” (Diário de Campo,
Escola A, TDC 6º - 9º ano, 20/03/2017).

Os professores começaram a expor uns aos outros os trabalhos que vinham realizando, sejam
individuais ou coletivos. A professora Cleusa falou que trabalhou em conjunto com os
professores Cleber e Paula, como incorporou o projeto gaia e africanidades nas suas aulas... disse
que só teve dificuldade com a discussão da sexualidade, pois gera conflito com pais (Diário de
Campo. Reunião RPAI com todos os ciclos. 06/02/2017).

Além dos espaços reservados pela equipe gestora nos TDCs e RPAIs, contribui
para esse compartilhamento a existência de um sistema de comunicação e divulgação
eficiente. Os professores compartilham seus trabalhos entre si e com a comunidade mais
ampla através dos jornais que fazem circular por várias escolas da rede e até na
Faculdade de Educação da Unicamp, ou mesmo através dos murais e paredes da escola
que estão constantemente repletos de produções realizadas pelos alunos. Além disso,
existe o já mencionado grupo criado no facebook, e uma pasta de Google Drive,
organizada pelo orientador pedagógico, com objetivo de facilitar o compartilhamento de
atividades e projetos realizados:

O orientador pedagógico mostra como acessar o Google drive, lembra que é para fins bastante
pedagógicos, como postar contribuições para o jornal. Ou dentro do projeto Gaia, por exemplo.
Mostra a pasta dos professores que conduzem o projeto sexualidade, com textos sobre
sexualidade. Reforça que é para acesso de todos, e aberto a contribuições: “tem uma pasta com
os planos de todas as disciplinas, até as coisas do TDC estão numa pasta. Também coloquei lá
todos os trabalhos do ano passado, e documentos da escola pra vocês acessarem”. (Diário de
Campo, TDC 6º a 9º ano, 20/03/2017).

Dessa dinâmica de troca de conhecimentos, fazem parte também as relações de


apoio mútuo entre os professores, pelas quais eles se inspiram, se ajudam, se fortalecem.
Como certa vez me disse um professor da Escola A durante a aplicação do pré-teste do
instrumento:

“Havia grupos da escola que não sustentavam um horizonte de esperança: ‘ah, não vejo a hora
de me aposentar’. Como se isso fosse ser feliz para sempre. Por isso é bom socializar,
compartilhar esperanças e sonhos, pra termos fôlego. A pessoa ta saturada de que a educação é
o futuro, e temos cada vez mais aulas, o que torna a nossa prática inviável. Eu fui e tive
privilégio de estar num grupo... tem gente que me inspira, a gente vai se retroalimentando, se
250

fortalecendo”. Conta história de uma professora que era bastante desanimada, e agora não é mais
por conta da dinâmica da escola. Segundo o professor, ela chegou pra ele e disse: “você não sabe
o quanto eu to gostando de falar do meu trabalho” (...). Ele continua: “melhorou porque a gente
consegue ficar quinze minutos do lado dela: ‘não deu certo? Experimenta desse outro jeito’.
Antes era impossível falar com ela sobre a aula que ela dava, porque ela projetava tudo nos
alunos. Aí a gente dizia: ‘você tem que pegar alguma coisa que deu certo!’, e ela foi
mudando...” (Diário de Campo, set/2016).

Analisamos que a existência daqueles canais de comunicação representa, além


de maior transparência e oportunidades de aprendizado pelo compartilhamento de ideias
e trabalhos realizados, uma forma de valorização da criatividade e competência
profissional dos professores, bem como da produção dos alunos. Como nessa escola foi
possível entrar mais em contato com essas produções, pude perceber que elas sinalizam
um trabalho na perspectiva da formação humana e da qualidade social, como já
explicamos no tópico 5.4 a respeito da CPA e dos projetos sobre sexualidade e
africanidades. Observamos outras situações que reforçam essa impressão. Por exemplo,
na ocasião da roda de conversa promovida por uma pesquisadora da Unicamp em
momento de RPAI, uma professora fez o seguinte comentário:

Também me surpreendi com essa escola... porque a totalidade dos professores que trabalham
aqui são preocupados com os alunos, fazem projetos novos, a comunidade nos exige, não temos
como ficar calados com uma realidade que é muito difícil, e que mesmo assim estão aqui todos
os dias... o pessoal da noite trabalha o dia inteiro, mas vem pra ca... isso é uma coisa que mexe
com a gente, nos motiva. No livro da EJA tinham que comentar sobre as habitações do Brasil,
eles falaram: ‘eu já morei numa casa de pau a pique’, a partir disso a gente simulou uma casa
de pau a pique com depoimentos deles que eles criaram. É isso, valorizar a história desses
alunos e mostrar que a história deles faz parte da História do país... num primeiro momento a
gente pensa que eles não têm valores...mas quando entendemos a realidade deles, a gente se
transforma. (Diário de Campo, RPAI, 03/02/2017).

Pode-se dizer que as dinâmicas de reciprocidade nessa escola existem devido a


dois fatores conectados: por um lado, o protagonismo e compromisso emanam dos
próprios professores; por outro, a equipe gestora tem o mérito de apoiar e valorizar suas
iniciativas, o que parece autorizá-la a exercer certo controle sobre o trabalho docente.
O diretor e o Orientador Pedagógico estão sempre propondo novas ideias de
trabalho para os professores, que por vezes sentem que isso é imposto de certa forma.
Um exemplo foi quando requisitaram que todos os professores trabalhassem com os
alunos textos e músicas que falavam sobre consumismo e homofobia, todos os dias
durante a semana de provas, nas aulas anteriores ao horário de aplicação das provas.
Também informaram os professores, em reunião de RPAI de começo de semestre, que
eles deveriam cobrar dos alunos de 6º a 9º ano ao menos uma produção de texto em
todas as disciplinas como parte obrigatória da avaliação:
251

O Orientador Pedagógico informa: “(...) vamos exigir produção de texto dos alunos desde o 6º
ano. Ainda há defasagens na linguagem escrita, então é preciso encontrar meios de superar
essas deficiências. Cada sala vai ter uma pastinha... não vamos exigir redação de vestibular... é
um registro de autoria do aluno sobre o conteúdo da sala de aula... por exemplo, matemática,
tem que se pensar um modo pra que ele registre o que foi trabalhado”. O Orientador leu nas
Diretrizes Curriculares de Campinas o que é considerado uma produção satisfatória: “pontuação,
ortografia, letras maiúsculas, observância ao gênero textual...” e continua: “isso vai contar um
percentual da nota de uns 20%. Letramento é imprescindível na situação de vulnerabilidade que
eles vivenciam”. Os professores queriam entender melhor como isso vai ocorrer, ficaram
preocupados com o tempo de correção das produções. Nessa hora, o diretor interveio: “gente, é
uma por trimestre, não é muito! Vi ano passado que teve professor que não deu nenhuma
atividade de escrita ao longo do semestre inteiro... temos que estimular! Aí o aluno tira Ótimo
numa matéria, mas não sabe escrever! Não pode isso. Eu que sugeri pro Orientador Pedagógico
trabalhar isso. Se não tiver na pasta na data estipulada, vou questionar e querer saber o que
aconteceu!” (Diário de Campo, 01/02/2017).

Às vezes, esses informes sobre novos trabalhos que deverão ser realizados pelos
professores causam-lhes algum estranhamento, mas não percebi que há um incômodo
generalizado. Certa vez um professor disse pra mim que a ideia de trabalhar aqueles
textos e músicas sobre homofobia e consumismo foi uma imposição, porque segundo
ele a equipe gestora avisou de última hora: “nem deu tempo de discutir, e eu já falei que
não trabalho de final de semana, de jeito nenhum!”. O orientador pedagógico, quando
me contou sobre essa atividade, relatou que alguns professores toparam e outros se
mostraram resistentes a princípio. Mas esse mesmo professor narrou que, no final das
contas, ele acha que houve ampla adesão e foi produtivo.
Algumas práticas adotadas pela equipe gestora parecem tributárias de uma
postura controladora. Quando o diretor propôs o caderno piloto72, já sabia que muitos
professores franziriam a testa e se sentiriam controlados ou vigiados, então já se
antecipou explicando que a intenção não era essa:

O diretor apresentou aos professores um novo mecanismo a ser adotado na escola, o caderno
piloto. Ele disse que os alunos representantes de sala serão os responsáveis pelos cadernos de
forma geral, mas que cada dia um aluno deve se encarregar de anotar todo o conteúdo que foi
dado no dia. “Queremos ver o conteúdo que é dado. É fiscalização? Entenda como quiser. Mas
não é isso. É possível replanejar, planejamento é flexível. Mas me permite perguntar: ‘por que
esse professor só deu adição o ano todo?’ Se precisar dizer a verdade, vou dizer na cara. Vocês
podem explorar os espaços da escola: ‘ah, fiz uma leitura, uma roda de conversa no quiosque,
uma atividade de mural’, tudo bem, vão constar as atividades que você fez no dia. Não quero
volume. É o que você fez. Se planeja muita coisa, mas não deu conta de fazer tudo, isso
acontece. Ninguém vai ser enforcado. É só pra ter o registro.” (Diário de Campo, 02/08/2016)

O caderno-piloto serviu, por exemplo, para o diretor cobrar por que alguns
professores estariam dando “aula livre”, ao que eles responderam que era injusto balizar
seu trabalho apenas por aquilo que o aluno, muitas vezes de sacanagem, anota num

72
Como já explicado em trecho de diário de campo, trata-se de um caderno de cada sala de aula onde os
alunos anotam as atividades dadas pelos professores daquela sala/turma, com objetivo de prestação de
conta do conteúdo dado.
252

caderno. Os dois lados negociaram, então, que os professores deveriam conversar com
os alunos e checar os cadernos-piloto em suas aulas para evitar uma avaliação unilateral.
Da mesma forma, o diretor pediu à professora responsável que os alunos da CPA
comparassem o conteúdo desses cadernos com o planejamento de cada professor, o que
a professora realizou a contragosto, reportando depois ao diretor, de forma genérica, que
os conteúdos dados nas aulas estavam todos em conformidade com os planejamentos.
Esses dois casos são emblemáticos, pois o desconforto dos professores em ter seu
trabalho avaliado unilateralmente pelos alunos mostra como a avaliação precisa ser um
empreendimento coletivo, no qual esteja presente também a parte avaliada.
No entanto, de modo geral e também nessa escola, ainda há dificuldade de se
avaliar coletivamente o trabalho pedagógico. A atitude controladora do diretor de
implementar os cadernos-piloto é reveladora da ausência desse processo avaliativo
coletivo em que estejam presentes todos os segmentos e no qual se discutam
sistematicamente questões pedagógicas sobre currículo e práticas de ensino.
Vimos que essas questões são discutidas somente entre professores em
momentos de Trabalho Docente Coletivo, e ainda assim eles mais compartilham
conhecimentos, projetos e novas ideias do que propriamente identificam falhas em seu
trabalho e avaliam medidas reparadoras. Os dados quantitativos confirmam essa
impressão: o item com a menor média da rede nesse par de relação foi “nós professores
temos a prática de avaliar nosso trabalho coletivamente, refletindo e combinando juntos
o que podemos melhorar”.
Além disso, vimos que nessa escola o Conselho de Escola restringe-se à
prestação de contas e a reuniões isoladas com cada segmento; por sua vez, a CPA conta
com a participação apenas de alunos e professores e suas discussões/atuações não tocam
propriamente no cerne da prática docente. É certo que, como descrevemos, essa
instância aborda questões pedagógicas importantes, como assiduidade dos alunos e
melhoria da convivência entre eles. No entanto, as soluções elaboradas para esses
problemas restringiam-se, respectivamente, a conversar individualmente com os alunos
faltosos e suas famílias; elaborar cartazes para campanha contra bullying e comprar uma
mesa de jogos para os intervalos. Ou seja, dificilmente a CPA discute e sistematiza
problemas de aprendizagem propriamente, tampouco encaminha soluções pedagógicas
que incidam sobre o currículo e sobre as práticas docentes.
253

Voltando à questão da postura de controle exercida pelo diretor, por se sentirem


excessivamente cobrados e controlados, onze professores pediram remoção da escola
em 2013, na época em que o novo diretor entrou. Uma delas foi uma professora que me
concedeu entrevista em 2015, quando ela já estava lecionando em outra escola. Quando
perguntei o que ela espera de uma equipe gestora, ela respondeu:

Espero que a equipe gestora seja humana, e pra mim essa é humana. Acho a diretora muito
humana com todos. Por exemplo, você vai tirar uma abonada, que é um direito seu, lá na Escola
A era muito burocrático, tinha que fazer papel solicitando, e o diretor deferia ou não. Aqui é
mais democrático, tem um calendário, você marca lá. O outro diretor [da Escola A] já pensava
que se dois ou três vão tirar abonada, “eu vou indeferir”... às vezes você precisava com
urgência, mas ligar de um dia pro outro não podia, ele colocava falta.... Já aqui aconteceu de eu
ligar no dia anterior e pedir pra marcar abonada e a gestão aceitou. Sinto que aqui tem mais
diálogo... [Sobre o diretor da Escola A]: No TDC era só brigando com a gente, dando bronca,
falando que professores não sabiam dar aula. Tinha vez que ficava no corredor ouvindo a aula
da gente. Quando o professor falava alguma coisa contra na reunião, se você fosse contra as
ideias dele, você era professor ruim, ele passava a perseguir. Aí não liberava abonada, ou
quando professor pedia pra ir no NAED assinar licença premium, ouvi ele falando “vou dar
uma canseira no fulano, não vou assinar licença premium”, sendo que é um direito da gente.
Não é uma postura correta pra um gestor. Ele não confiava em ninguém... eu fazia parte do
programa Y, eu era obrigada a filmar, tirar foto, pra ele ver que a gente tava trabalhando.
Parece que ele tava sempre desconfiado que as pessoas não iam cumprir sua responsabilidade.
Tinha professor que se calava... No fim, teve onze que se removeram, professores que estavam lá
fazia dez anos. (Entrevista com professora, 19/11/2015).

No entanto, segundo a frequência das respostas aos itens do instrumento, a


maioria dos atuais professores da Escola A não se sentem vigiados, sentem que o diretor
confia no seu trabalho e os respeita, e que suas opiniões e propostas são consideradas
pela equipe gestora. O caderno piloto inclusive foi visto por uma professora como um
mecanismo de apoio:

O diretor falou com orgulho sobre o aumento do IDEB, informou os professores que a escola
atingiu a meta de 1º a 5º ano: “Isso mostra o compromisso de vocês, todo o esforço de vocês!”.
Parabenizou todas pelo ótimo trabalho. Disse também que os cadernos pilotos “estão lindos!
Mesmo os alunos que têm dificuldade estão fazendo... porque a ideia é essa mesmo. Se
preocupem menos em mostrar pra mim, façam como fariam normalmente. Os índices também
são só uma consequência”. Uma professora elogiou a utilidade do caderno piloto: “uma mãe veio
me cobrando por que a filha dela não faz nada, daí mostrei o caderno piloto pra ela ver como a
turma faz. Acaba sendo um instrumento pra nos ajudar na conversa com os pais” (Diário de
Campo, 12/09/2016).

Os atuais professores da escola não parecem concordar que o diretor é


“desumano” porque não permite abonadas de última hora. Como vimos, eles associaram
a “humanidade” a outras questões, por exemplo, quando o diretor atenuou a carga de
trabalho da última semana do ano. Além disso, os professores parecem sancionar a regra
de que as abonadas, horas-projeto, cópias para impressão etc. devem ser solicitadas com
alguma antecedência. O que afeta positivamente a confiança nesse caso não é a ausência
de cobranças e de regras, pelo contrário, os professores esperam isso da equipe gestora,
254

como manifesto nas entrevistas. O que afeta a confiança é precisamente o quanto essas
regras são percebidas como benéficas ao bem comum e transmitidas às claras, o quanto
as cobranças são percebidas como justas, e o quanto se age de forma coerente com o
que foi combinado.
255

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pretendemos demonstrar como a confiança é um recurso social importante para


o estabelecimento de políticas democráticas participativas nas escolas, que se pretendam
pautadas nos pilares da qualidade social, responsabilização compartilhada e negociação.
Na presente tese, as implicações práticas desses pilares foram estudadas no contexto
concreto de uma rede municipal de educação que implementa política de avaliação
institucional participativa. A observação dos espaços coletivos de duas escolas dessa
rede, diferentes do ponto de vista da construção da confiança e da qualidade social,
permitiu concluir que a existência de processos participativos de avaliação da qualidade
está relacionada ao fortalecimento de relações de confiança entre os professores, e entre
estes e a equipe gestora, os pais/responsáveis, e a Secretaria Municipal de Educação.
A análise dos dados quantitativos e qualitativos permitiu confirmar que a
disposição para a cooperação entre esses segmentos, com vistas ao alcance de um bem
comum socialmente referenciado, é afetada pela confiança, ou seja, por quanto se
percebe que o outro lado da relação cumpre determinadas expectativas de respeito,
consideração, integridade e competência.
Na escola com baixo grau de confiança em todos os pares de relação, ficou claro
que o trabalho pedagógico é fragmentado, ou seja, professores, famílias, alunos e equipe
gestora não se envolvem em discussões coletivas que permitam compartilhar
responsabilidades e negociar os sentidos da qualidade educacional. Nessa escola, em
geral os professores sentem-se pouco apoiados, ouvidos, reconhecidos, e respeitados
pela equipe gestora, famílias e colegas; eles dificilmente consideram, de forma geral, as
atividades propostas pela equipe gestora; resistem a ouvir os pontos de vista dos alunos
e de suas famílias e a valorizar suas produções e contribuições; não confiam na
competência e integridade da equipe gestora, de alguns colegas, famílias e alunos.
Dessa forma, esse ambiente mostrou-se desfavorável a que os professores se
envolvam em processos de avaliação do próprio trabalho, caracterizados pelo
compartilhamento de conhecimentos e exposição de fragilidades, pela proposição de
projetos coletivos e inovadores que possam oferecer novas possibilidades à formação
humana dos estudantes. Nessa escola, os momentos de Trabalho Docente Coletivo
(TDC) são considerados perda de tempo e os profissionais tendem a responsabilizar
256

unilateralmente os alunos e suas famílias pelo alcance de melhores resultados de


aprendizado acadêmico.
Por outro lado, a outra escola observada pertence ao grupo com grau de
confiança interpessoal e institucional acima de quatro pontos. Lá os professores, em
geral, sentem-se mais apoiados, reconhecidos, valorizados e respeitados pela equipe
gestora, e também sentem que o diretor e o orientador pedagógico cumprem suas
expectativas de competência e integridade; eles demonstram ouvir mais os alunos e
valorizar suas produções; sentem-se mais confortáveis com a presença da comunidade
na escola, que inclusive parece ser um importante espaço de socialização e
reconhecimento para alunos e suas famílias; eles também sentem apoio por parte dos
colegas professores, bem como comprometimento com a educação, com os alunos e
com os projetos coletivos da escola.
Dessa forma, esse ambiente mostrou-se mais propício à troca de conhecimentos
entre os professores, ao fomento da criatividade e da aprendizagem social, ao
desenvolvimento de projetos coletivos comprometidos com a formação humana das
crianças e jovens. Nessa escola, a CPA é um espaço ativo no qual alunos identificam
problemas e sugerem ações de melhoria, e os TDCs são frequentemente preenchidos
com práticas de formação e discussões sobre assuntos pedagógicos.
No entanto, ainda que comparativamente haja diferenças claras entre as duas
escolas do ponto de vista da confiança e da qualidade social, pode-se dizer que o grau
de confiança geral, bem como em cada par de relação, é relativamente baixo também na
Escola A e na rede como um todo. De forma correspondente, nas duas escolas ainda é
baixo o envolvimento conjunto de famílias, alunos e profissionais em discussões
relativas aos conteúdos e procedimentos curriculares e aos sentidos do projeto político
pedagógico. Os colegiados das duas escolas apresentam dificuldades em formular, de
forma coletiva e sistemática, indicadores de qualidade, estratégias de monitoramento,
ações que levem à superação dos problemas e ao alcance de metas. Essas observações
reforçam como a participação genuína de toda comunidade escolar e a qualificação da
escola pública dependem, entre outras coisas, da intensificação das relações de
confiança entre os sujeitos da escola e destes com o poder público.
A literatura internacional demonstrou a importância da confiança interpessoal,
vista como um recurso de “capital social”, para a coordenação coletiva de esforços de
todos os atores da comunidade escolar rumo à melhoria da qualidade educacional.
257

Acertadamente, tais pesquisadores (BRYK & SCHNEIDER, 2002; FORSYTH et al.,


2011) defendem que a mudança substantiva e duradoura só é possível através de
políticas de “controle social”, baseadas na criação de estruturas de apoio que permitam a
emergência de processos e práticas alinhados à confiança, ao trabalho cooperativo, a
reflexão, autonomia profissional e responsabilidade coletiva, tendo como foco o nível
local das escolas. Tal perspectiva questiona os pressupostos hegemônicos por trás das
reformas gerenciais, segundo os quais a melhoria dos índices de qualidade é resultado
de políticas de controle verticalizado. Como reforçam Forsyth et al. (2011), esse tipo de
controle é o modelo dominante de regulação do passado, o qual já provou sua ineficácia,
enquanto a confiança coletiva precisa se tornar o modelo de regulação do futuro.
No entanto, a análise dessas teorias à luz dos pressupostos da avaliação
institucional participativa mostrou que para elas a confiança é um recurso que facilita a
adaptação ou a adesão coletiva dos membros da comunidade escolar a reformas
externamente definidas, preocupadas exclusivamente com a melhoria dos resultados
acadêmicos e da eficácia organizacional. Além de ignorar as dinâmicas de negociação
para produção de uma qualidade socialmente relevante, tais teorias não consideram o
papel do poder público em prover melhores condições de trabalho para as escolas e seus
profissionais, estando, pois, restritas às dinâmicas internas de “reciprocidade” como
condição suficiente para promoção de uma qualidade educacional restrita.
Para que a confiança seja um recurso importante à avaliação institucional
participativa e à transformação educacional rumo a objetivos de qualidade social, ela
precisa ser concebida não só enquanto política de “reciprocidade” e “solidariedade”,
mas também em articulação com os pilares da “redistribuição” e do “reconhecimento”.
Demonstramos que o papel redistributivo do poder público em alocar
adequadamente recursos físicos e materiais para as escolas, bem como condições
satisfatórias de trabalho aos professores, é importante para a construção de relações de
confiança interpessoal e institucional. Ou seja, a confiança externa nas instituições
democráticas afeta a confiança interpessoal das relações internas à escola.
Por sua vez, a formação de confiança entre segmentos marcadamente diferentes
em termos de status, como o professorado e as famílias das camadas populares, exige
não só que as famílias/alunos cumpram expectativas de comportamento formuladas pelo
coletivo docente; exige, sobretudo, que essas expectativas sejam mutuamente
negociadas, e que o professorado reconheça os alunos/famílias em sua humanidade
258

comum, e valorizem suas necessidades, aspirações e capacidades distintivas, naquilo


que tiverem de positivo para contribuir com a formulação de entendimentos
compartilhados socialmente justos sobre os propósitos da escola e os papéis de cada
segmento. Assim pautada no reconhecimento mútuo, a confiança deixa de ser afetada
negativamente pela “avaliação informal” (FREITAS, 2012a) costumeiramente feita
pelos professores em relação aos alunos/famílias das camadas populares.
A pesquisa de campo na Escola A mostrou que, no âmbito das possibilidades da
escola, o fortalecimento das interações sociais entre esses segmentos - ainda que
restritas a eventos pontuais de “baixo risco” - contribui para fomentar tal
reconhecimento bem como demonstrações de respeito e consideração que afetam
positivamente a construção da confiança. No entanto, a ainda baixa confiança dos
professores nas famílias, de forma geral e também nessa escola, pode ser explicada pela
assimetria existente nessa relação, o que inclusive dificulta o envolvimento das famílias
em interações de “alto risco” nas quais se possa discutir a “missão” da escola e,
consequentemente, aprofundar a confiança (KOCHANEK, 2005). Quando se trata desse
par de relação, sobretudo da relação entre professores e famílias da camadas populares,
fica claro como as desigualdades sociais podem afetar a construção da confiança.
Da mesma forma que o “reconhecimento” é afetado pelas oportunidades de
interação social, a “distribuição” adequada de recursos e condições de trabalho para as
escolas e seus profissionais é afetada pela possibilidade do diálogo público via
instituições participativas. As entrevistas e o instrumento confirmaram que esse tipo de
participação institucional é importante para a construção de relações de confiança tanto
institucional quanto interpessoal. Por sua vez, a pesquisa de campo reforçou essa
importância: na ausência de espaços de negociação com o poder público, a Escola A vê-
se motivada a se envolver em relações de troca do tipo mercadológicas com a SME e
com organizações do terceiro setor para conseguir certas condições de infraestrutura. A
conquista dessas “benesses” via lógica de mercado pode explicar, por um lado, porque a
confiança dos professores da Escola A no poder público é maior que na Escola B, já que
ao menos eles percebem algumas melhorias em sua realidade. Por outro lado, também
explica porque a confiança é baixa nesse par de relação de forma geral, dada a ausência
de espaços de negociação e a consequente percepção de que a SME significa controle,
imposição, distanciamento, e prioriza interesses privados acima dos interesses públicos.
259

Por fim, tal articulação entre confiança, participação, reconhecimento e


redistribuição parece abrir novas possibilidades de aproximar os estudos sobre
confiança do campo de investigação sobre justiça social.
É certo que já existem estudos quantitativos no campo amplo da sociologia que
buscam entender a relação entre justiça social e confiança, incluindo como principais
variáveis a “distribuição de renda” e a “diversidade étnica”. Por exemplo, utilizando
análises multi-nível dos dados do World Values Surveys de oitenta países, You (2005)
conclui que o grau de justiça de uma sociedade - medido através da existência de regras
e procedimentos legais justos (democracia), administração justa das regras (ausência de
corrupção), distribuição de renda justa (simétrica e relativamente igual) - produz
incentivos para a confiança interpessoal, e uma vez que essas condições estão presentes
numa sociedade, a homogeneidade étnica perde significância enquanto fator que afeta a
confiança. No âmbito da educação, no entanto, o máximo que se chegou a estudar foi a
relação da confiança com o conceito de “justiça organizacional” (HOY & TARTER,
2004), como explicado no referencial teórico, não havendo, portanto, qualquer
articulação entre confiança e justiça social no campo da sociologia educacional.
Pode-se dizer que os estudos sobre confiança ainda estão predominantemente
vinculados às teorias sociológicas normativas preocupadas com a estabilidade da ordem
social, com o crescimento econômico ou com a “eficácia organizacional” no caso das
escolas (FORSYTH et al., 2011). Na perspectiva dessas teorias, a confiança seria o
motor de uma ação coletiva pautada estritamente na lógica da “reciprocidade” e da
“solidariedade”, com objetivo de garantir coesão social pelo cumprimento de normas e
papéis sociais dados a priori, determinados pelas próprias demandas funcionais de
manutenção da estabilidade sistêmica.
De forma diferente, na presente pesquisa a confiança aparece como um recurso
importante para as práticas democráticas de negociação entre diferentes sujeitos sociais,
com vistas ao alcance de entendimentos comuns sobre uma concepção de qualidade que
não se restringe às demandas de mercado impostas de cima para baixo. Esse tipo de
confiança mostra-se, portanto, extremamente necessário no atual cenário caracterizado
pela hegemonia das reformas gerenciais, que minam o significado emancipatório da
participação com objetivo de conformar os membros da comunidade escolar às regras e
concepções de interesse mercadológico.
260

Nesse contexto, é imperativo o fortalecimento de uma concepção de confiança


que não seja conformista, mas que garanta a participação genuína da comunidade
escolar nos processos decisórios, assegurando que os diversos sujeitos interessados na
qualidade da escola pública de interesse público possam tocar em discussões
pedagógicas e políticas profundas sobre a função da escola e dos segmentos que a
compõem. Isso porque a formação de coletivos robustos assim concebidos é a única
forma de evitar que a educação escolar fique refém dos interesses de mercado, e de
garantir que ela sirva ao propósito de educar para o alcance de relações e condições
sociais mais humanas e mais justas, dentro e fora das escolas.
261

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271

ANEXOS

ANEXO 1- Instrumento Confiança (versão final)

CONSTRUCTOS ITENS/VARIÁVEIS e suas DIMENSÕES


Confiança na1. Sinto que posso contar com o apoio dos pais/famílias dessa escola
relação para realização do meu trabalho. (Consideração)
Professores- 2. Sinto-me respeitada(o) pelos pais/famílias. (Respeito)
Pais/famílias 3. Sinto que os pais/famílias têm consideração pelo que nós professores
dizemos sobre a educação de seus filhos. (Respeito)
4. Os pais/famílias confiam no trabalho dos professores dessa escola.
(Competência)
5. Os pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a aprender.
(Integridade)
6. Os pais/famílias mostram interesse pelos assuntos da escola.
(Integridade)
7. Os professores e pais/famílias dessa escola estão juntos na educação
das crianças/jovens. (Integridade)
8. Os pais/famílias dessa escola preocupam-se em acompanhar a vida
escolar de seus filhos. (Integridade)
9. Os pais/famílias estão sempre participando das reuniões, festas e
eventos dessa escola. (Integridade)
Confiança na 10. Tenho autonomia para organizar minha prática pedagógica em sala
relação de aula. (Respeito)
Professores- 11. Sinto que posso contar com o apoio do(a) diretor(a) para realização
Equipe Gestora do meu trabalho. (Consideração)
12. O(a) diretor(a) compartilha informações importantes com os
professores (por ex. sobre nossa vida funcional, sobre o que está
acontecendo na rede etc.) (Consideração)
13. Sinto-me como se estivesse sozinha(o) nas minhas atividades
profissionais, no cotidiano da escola. (Consideração)
14. A equipe gestora preocupa-se com nosso desenvolvimento
profissional (por ex., garantindo momentos de formação na escola etc.).
(Consideração)
15. Gosto de procurar o(a) orientador(a) pedagógico(a) quando preciso
conversar sobre minhas práticas pedagógicas. (Competência)
16. Sinto-me respeitada(o) pelo(a) diretor(a) da minha escola.
(Respeito)
17. Os professores sentem liberdade para se colocarem, opinarem,
pautarem questões com o(a) diretor(a). (Respeito)
18. O(a) diretor(a) cumpre sua parte na garantia de condições adequadas
de trabalho para nossa escola. (Competência)
19. Os professores sentem que suas opiniões e propostas são
consideradas pela equipe gestora. (Respeito)
20. O(a) diretor(a) confia no trabalho dos professores dessa escola.
(Competência)
21. O(a) diretor(a) trata todos os alunos com respeito. (Integridade)
22. Sinto-me como se estivesse sendo vigiada(o) em meu trabalho.
(Competência)
272

23. A equipe gestora incentiva a participação de todos (professores,


funcionários, famílias e alunos) na definição do Projeto Pedagógico da
escola. (Integridade)
24. O(a) diretor(a) compromete-se com o bem-estar de todos os
estudantes. (Integridade)
25. O(a) diretor(a) age de forma coerente com aquilo que foi combinado
coletivamente. (Integridade)
26. O(a) orientador(a) pedagógico(a) está sempre combinando com os
professores ações pedagógicas para ajudar os alunos que mais precisam.
(Integridade)
27. O(a) diretor(a) desencoraja momentos coletivos de tomada de
decisão sobre as questões da escola. (Integridade)
Confiança na 28. Os professores podem contar com a ajuda uns dos outros na
relação condução do trabalho cotidiano da escola. (Consideração)
Professores- 29. Os professores respeitam uns aos outros. (Respeito)
Professores 30. Os professores dessa escola gostam de se ouvir para aprender uns
com os outros. (Respeito)
31. Sinto-me à vontade para expor aos meus colegas professores as
fragilidades e dificuldades do meu trabalho. (Respeito)
32. Quando um(a) professor(a) tem boas ideias sobre como trabalhar
com os alunos, ele(a) compartilha com os outros professores.
(Integridade)
33. Eu confio na competência profissional dos professores dessa escola.
(Competência)
34. Os professores tratam todos os alunos com respeito. (Integridade)
35. Os professores nunca desistem dos alunos, fazendo o máximo para
contribuir com a formação de todos. (Integridade)
36. Os professores comprometem-se em avaliar e aprimorar
constantemente seu próprio trabalho. (Integridade)
37. Os professores dificilmente ouvem uns aos outros, pois acham que
os outros professores têm pouco a contribuir. (Respeito)
38. Nós professores temos a prática de avaliar nosso trabalho
coletivamente, refletindo e combinando juntos o que podemos melhorar.
(Integridade)
39. Os professores cumprem os combinados coletivos. (Integridade)
Confiança na 40. O(a) supervisor(a) conhece a realidade de nossa escola.
relação (Consideração)
Professores- 41. O(a) supervisor(a) mostra prontidão em comparecer à escola quando
Secretaria é solicitado para ajudar a resolver algum problema. (Consideração)
Municipal de 42. O(a) supervisor(a) nos ajuda a defender as necessidades da nossa
Educação escola. (Consideração)
43. A SME cria espaços e oportunidades para ouvir a opinião dos
professores sobre questões que impactam a qualidade da educação.
(Respeito)
44. A voz dos professores é considerada pela SME nos processos de
tomada de decisões. (Respeito)
45. A SME cumpre adequadamente sua parte de responsabilidade na
garantia de uma educação pública de qualidade. (Competência)
46. A SME compromete-se com a melhoria da minha qualificação
profissional, criando espaços e oportunidades para isso. (Competência)
47. No que se refere à infraestrutura, a SME oferece boas condições de
trabalho para nossa escola. (Competência)
48. A SME oferece boas condições de trabalho para nossa escola, no
que se refere à garantia de quadro completo de docentes, funcionários, e
273

equipe gestora. (Competência)


49. Em termos de salário/jornada/formação, os professores têm boas
condições de trabalho nessa rede. (Competência)
50. Estou satisfeita(o) com o desempenho do atual governo municipal na
área da educação. (Integridade)
274

ANEXO 2- Cinco Dimensões da Qualidade Social segundo OBEDUC

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS (PP)


Ações intencionais tomadas pelo professor, com olhar atento às singularidades dos alunos, seus
interesses, potencialidades e dificuldades, visando a promover seu desenvolvimento integral
nas múltiplas dimensões da formação humana: dos valores, relacional, afetiva, política/social,
cognitiva, cultural.
Itens da Escala:
-Os professores desenvolvem práticas pedagógicas que estimulam a aprendizagem da
participação dos alunos?
-Os professores oportunizam o desenvolvimento do trabalho autônomo dos alunos?
-Os professores promovem a autoestima dos alunos?
-Os professores promovem um clima de solidariedade na sala de aula?
-Os professores levam em conta os argumentos dos alunos no contexto da aula?
-Os professores transformam as situações de conflito entre os alunos em oportunidade de
aprendizagem?
-São desenvolvidos projetos que priorizam temas de interesse social (dengue, água, violência,
etc)?
-Os projetos propostos, nas diversas áreas do conhecimento, exploram os interesses de
aprendizagem de todos os alunos?
-As pessoas se preocupam em garantir a aprendizagem de todos os alunos?
-Os professores promovem atividades que colocam o aluno em contato com as diversas
manifestações culturais?
____________________________________________________________________________
_
TRABALHO COLETIVO (TC)
Ação desenvolvida com intencionalidade dentro e entre os segmentos de sujeitos da escola
(professor, aluno, equipe gestora, funcionários, família) que se organizam para o
acompanhamento, a avaliação, e o (re)planejamento dos trabalhos educativos, norteados por
objetivos negociados no Projeto Político Pedagógico. Efetiva-se por meio de discussões,
reflexões e apresentação de ideias, pelo que se garante a escuta aos diferentes pontos de vista
em defesa da qualidade social e da formação humana. Nesse processo, estabelecem-se
parcerias com partilha de responsabilidades e compromissos.
Itens da Escala:
-As vozes dos diferentes segmentos são igualmente respeitadas no ambiente escolar?
-As propostas dos professores são consideradas nas reuniões coletivas?
-A equipe gestora considera os argumentos dos diferentes segmentos para a tomada de
decisão?
-As relações interpessoais dificultam a participação de todos os segmentos na vida da escola?
-Os profissionais da escola demonstram dificuldade em ouvir nos momentos de discussão?
-Os profissionais da escola (equipe gestora, docentes e equipe de apoio) mostram-se resistentes
ao trabalho em grupo?
____________________________________________________________________________
_
ACESSO E PERMANÊNCIA (AP)
Ações ligadas à matrícula, ao acolhimento das crianças, adolescentes e jovens na escola e à
garantia das mesmas de frequentar todo o ano letivo com possibilidade de aprender. Nesse
sentido, a escola preocupa-se em oferecer propostas de trabalho que garantam o ensino e a
aprendizagem a todos/as, a partir dos conhecimentos que estes/as já possuem; e, para a garantia
da permanência com qualidade, busca parceria com as famílias e/ou com outras instituições.
Itens da Escala:
-Há a preocupação em se buscar informações junto à família, quando se observa a infrequência
275

do aluno?
-Tomam-se providências para evitar que os alunos fiquem próximos ao limite dos 25% de
infrequência?
-A escola se articula com outros órgãos/setores sociais para resolver problemas dos alunos?
-Os problemas de aprendizagem dos alunos são discutidos coletivamente?
-O abandono dos estudos pelos alunos gera ações do coletivo da escola além dos
encaminhamentos ao Conselho Tutelar?
____________________________________________________________________________
_
PARTICIPAÇÃO (PA)
Processo de aprendizagem que constitui a formação política, social e cidadã, pela qual o sujeito
percebe-se histórico e social à medida que se integra e se sente parte de um coletivo, com o
qual aprende a colocar suas posições e a respaldá-las, a argumentar, dialogar, escutar, refletir,
respeitar ideias divergentes. Nesse processo, desenvolve um senso de protagonismo ao
partilhar pontos de vista e decisões, produzindo conhecimento social em permanente
construção. Consolida-se por meio da participação ativa, crítica e consciente dos sujeitos, com
vistas à tomada de decisões e à ação que transformem a realidade rumo à melhoria da
qualidade de vida individual e coletiva.
Itens:
-A construção do Projeto Pedagógico da escola limita-se à equipe gestora e docente?
-A escola promove a participação da comunidade na construção do Projeto Pedagógico?
-Há momentos que propiciam a participação dos diversos segmentos na avaliação do Projeto
Pedagógico?
-Os alunos participam na tomada de decisões sobre a escola?
____________________________________________________________________________
__
RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE (REC)
Envolvimento, preocupação e ação sobre as questões que dizem respeito à
sociedade/coletividade com o objetivo de promover maior bem-estar individual e coletivo. Ter
compromisso social implica desempenhar uma atuação responsável quanto às questões de
convivência, meio-ambiente, enfrentamento à desigualdade social e a todas as formas de
discriminação.
Itens:
-Os problemas da comunidade são inseridos nas discussões feitas na escola?
-Os problemas do bairro são também problemas da escola?
Fonte: Elaborado pelo coletivo de pesquisadores do LOED, como parte da Pesquisa OBEDUC (SORDI,
et al., 2017).
276

ANEXO 3- Alterações no Instrumento e Justificativas

PROFESSOR-EQUIPE GESTORA
Itens Alterações e Justificativas
(primeira versão) (após validação conceitual e semântica)

RETIRADO.
Considerei comentário de uma juíza:
1. A equipe gestora preocupa-
se com o bem estar pessoal dos “quando se pergunta sobre o bem estar pessoal, penso que
professores. muitos professores atribuem alto grau de consideração
quando o diretor é “bonzinho”, sem relacionar o bem
estar ao trabalho que ele tem o compromisso de realizar.”

2. A equipe gestora sempre REFORMULADO.


apóia os professores em nosso “Sinto que posso contar com o apoio do(a) diretor(a) para
trabalho cotidiano. realização do meu trabalho”

3. A equipe gestora é bastante REFORMULADO.


acessível quando precisamos “Gosto de procurar o(a) orientador(a) pedagógico(a)
conversar sobre nossas práticas quando preciso conversar sobre minhas práticas
pedagógicas. pedagógicas”.

4. A equipe gestora preocupa-


se mais em resolver questões RETIRADO.
burocráticas do que em dar Segundo um juiz, não discriminava adequadamente os
apoio pedagógico aos diferentes papeis do diretor e do orientador pedagógico.
professores.

COMPLEMENTADO.
5. A equipe gestora preocupa- “(...) (por ex., garantindo momentos de formação na escola
se com nosso desenvolvimento etc.)”.
profissional.
Pois na validação semântica, professores não entenderam o
que eu quis dizer.

6. A equipe gestora repassa


informações importantes aos
professores (por ex. sobre REFORMULADO.
nossa vida funcional, sobre o “O diretor “compartilha” informações importantes (...)”.
que está acontecendo na rede
etc.)

REFORMULADO.
7. A equipe gestora sempre
respeita os professores. “Sinto-me respeitado(a) pelo(a) diretor(a) da minha
escola.”

8. A equipe gestora dá bastante REFORMULADO.


liberdade para os professores
277

se colocarem, pautarem “Os professores sentem liberdade para se colocarem,


questões, opinarem. opinarem, pautarem questões com o(a) diretor(a)”.

REFORMULADO.
9. A equipe gestora é
“O(a) diretor(a) cumpre sua parte na garantia de condições
competente na execução de
adequadas de trabalho para nossa escola”.
suas responsabilidades
Pois não estava claro o que quis dizer com competência.

10. A equipe gestora confia no


MANTIDO.
trabalho dos professores.

RETIRADO.
Os respondentes sentiram dificuldade para responder essa
questão no pré-teste.
Conversando com um deles e com um dos juízes, percebi
que o item era frágil: o gestor pode ter um discurso
11. Há coerência entre o autoritário e agir de acordo com ele. Esse tipo de coerência
discurso da equipe gestora e não se relaciona com a concepção de confiança aqui
suas ações. adotada.
Juiz: “Pode haver coerência, mas as ações não serem
legais. A coerência pode ser transgredir... No oficial eu
posso falar tudo que deve ser dito, e no paralelo eu posso
construir outra coisa. Isso é ser coerente com minhas
concepções”.

MANTIDO.
Ainda assim, o mesmo juiz acima questionou essa questão
da coerência:
“Posso perceber contradições e coerências... coerência
pode ser calar todo mundo, isso não ajuda
12. A equipe gestora age de necessariamente. As contradições não necessariamente
forma coerente com aquilo que são ruins. Não é a unanimidade que me interessa, é a
foi combinado e acordado diversidade, as divergências com respeito”.
coletivamente.
No entanto, nesse momento estamos apostando que o
coletivo, permeado pela confiança e pelo respeito às
diferentes vozes, delibera ações que vão de encontro à
formação humana. Um coletivo com essas características
não deliberaria por ações que caminham no sentido
contrário a esse.

13. A equipe gestora trata


MANTIDO.
todos os alunos com respeito.

REFORMULADO.
14. A equipe gestora “O(a) diretor(a) compromete-se com o bem-estar de todos
compromete-se seriamente com os(as) estudantes”.
todos os alunos.
Um juiz colocou uma questão pertinente:
“Qual o significado de “seriamente”, pois para alguns
278

professores, o sério pode significar uma forma autoritária


no tratamento com os alunos”.
Nesse sentido, ele sugeriu:
“Fico preocupado com as diferentes concepções de
educação e ensino presentes entre os entrevistados,
produzindo interpretações que não representam a
realidade, mas apenas um “desabafo” em relação aos
colegas gestores e professores. Sugiro que, antes da
entrevista seja elaborada uma ou duas questões
relacionadas a CONCEPÇÃO POLÍTICO –
PEDAGÓGICA do entrevistado”.
Apesar de o juiz não ter dado sugestões de questões nesse
sentido, incluí algumas (explicadas no próximo quadro).

RETIRADO.
Um juiz questionou por que interesses pessoais e políticos
estariam em oposição a interesses dos alunos,
15. A equipe gestora coloca
considerando que toda ação é política.
seus interesses pessoais e/ou
políticos acima das “os meus interesses pessoais e políticos dialogam com as
necessidades dos alunos. necessidades dos alunos. O que a equipe gestora faz
reflete o que ela faz na política. Não ta claro que interesse
político é esse. Pode ser bom, porque toda ação que a
gente faz é política”.

16. A equipe gestora alimenta REFORMULADO.


o trabalho coletivo,
incentivando a participação de “A equipe gestora incentiva a participação de todos
todos na definição do Projeto (professores, funcionários, famílias e alunos) na definição
Pedagógico da escola. do Projeto Pedagógico da escola”.

17. A equipe gestora traz as


decisões prontas, REFORMULADO:
desencorajando momentos “O(a) diretor(a) desencoraja momentos coletivos de
coletivos de discussão sobre as tomada de decisão sobre as questões da escola”.
questões da escola.

RETIRADO.
18. Há uma nítida falta de
sintonia dentro da equipe Juiz argumentou que “sintonia”, “coerência”, “falar a
gestora da minha escola. mesma língua”, pode estar numa perspectiva que abafa os
conflitos, as contradições.

REFORMULADO.
Buscamos evitar falar “equipe gestora”, pois no pré-teste os respondentes não identificavam
todos da equipe, mas remetiam mais ao diretor. Uma juíza também pontuou isso. Era preciso
deixar mais claro de quem se estava falando. Desmembramos então as perguntas em diretor e
orientador pedagógico; mantivemos “equipe gestora” apenas nos casos que inevitavelmente
queríamos saber sobre a equipe como um todo.

PROFESSOR-PROFESSOR
Itens Alterações e Justificativas
(primeira versão) (após validação conceitual e semântica)
279

19. As(os) professoras(es) nessa RETIRADO.


escola realmente se importam
uns com os outros. Redundante.

20. Os professores podem


contar sempre com a ajuda uns
MANTIDO.
dos outros na condução do
trabalho cotidiano da escola.

21. Os professores respeitam


MANTIDO.
uns aos outros.

22. Os professores estão REFORMULADO.


sempre dispostos a se ouvir
para aprender uns com os “Os professores gostam de se ouvir para aprender uns com
outros. os outros”.

23. Os professores nunca


ouvem uns aos outros, pois
acham que os outros MANTIDO.
professores têm pouco a
contribuir.

24. Sinto-me à vontade para


expor aos meus colegas as
MANTIDO.
fragilidades e dificuldades do
meu trabalho.

REFORMULADO.
25. Os professores dessa escola
são profissionais competentes. “Eu confio na competência profissional dos professores
dessa escola”.

26. Os professores nunca


desistem dos alunos, fazendo o
MANTIDO.
máximo para contribuir com a
formação de todos.

27. Os professores tratam todos


MANTIDO.
os alunos com respeito.

RETIRADO.
Não ficou claro pra um juiz e pra alguns respondentes o
que quis dizer com “interesses pessoais”.
28. Os professores colocam Ao explicar que se tratava de professores que chegam
seus interesses pessoais acima atrasado, faltam sem avisar, etc, um juiz respondeu:
das necessidades dos alunos.
“aí é uma questão ética. Ele ta errado, passível de
processo. Tem alguma coisa que é ética. Eu todo dia não
estar disposto a não dar aula... aí não é uma questão de
confiança... é de contrato profissional. Ta agindo
criminosamente. Escrevendo assim parece que é possível
280

fazer essa forma de negociação. A direção que compactua


com isso ta sendo negligente criminalmente”.

29. Os professores COMPLEMENTADO.


comprometem-se em
aprimorar constantemente seu “Os professores comprometem-se em avaliar e aprimorar
trabalho. constantemente seu próprio trabalho”.

REFORMULADO.
Retiramos o “mesmo quando isso significa abrir mão de
suas opiniões individuais”, pois não queremos colocar o
coletivo do lado oposto ao respeito às individualidades.
Segundo um juiz:
30. Os professores cumprem os
“Fala recorrente que me incomoda do ‘todos falarem a
combinados coletivos, mesmo
mesma língua’. Acho que pode ter várias línguas. Mas
quando isso significa abrir mão
todo mundo pode fazer do seu jeito e do melhor jeito.
de suas opiniões individuais.
Mesmo no combinado quando você transgride, não é em
detrimento do coletivo. Tua dinâmica de aula permite você
analisar isso. Nem tudo dá pra ser delegado pelo coletivo.
Não pode ter essa camisa de força. Tem algumas
alternativas que é bom que o professor construa. Essa
coisa do coletivo... algumas transgressões são boas”.

RETIRADO.
Um dos respondentes do pré-teste e um juiz questionaram
essa questão, pois ela jogaria toda a responsabilidade sobre
31. Os professores se “fecham os professores.
em suas salas de aula” e se
recusam a trabalhar “cada um fica na sua sala, mas não porque se recusam...
coletivamente com os colegas. A palavra recusa que ta meio forte. Não se trata de uma
recusa, se alguém me procurasse, eu toparia...”.
“professor não é algoz. Tem uma série de questões que
afetam nisso... por ex. formação”.

32. Os professores estão REFORMULADO.


dispostos a desenvolver “Os professores dessa escola frequentemente desenvolvem
propostas de trabalho em propostas de trabalho em conjunto com os colegas (por ex.
conjunto com os colegas. dupla docência, trabalhos temáticos etc.)”.

33. Os professores nessa escola RETIRADO.


confiam uns nos outros. Redundância.
PROFESS0R – PAIS/RESPONSÁVEIS
Itens Alterações e Justificativas
(primeira versão) (após validação conceitual e semântica)
34. Sinto que posso contar
com o apoio dos
MANTIDO.
pais/responsáveis para
realização do meu trabalho.

35. Os professores dessa MANTIDO.


escola realmente se importam
281

com a comunidade que


atendem.

REFORMULADO.
“A escola empenha-se constantemente em convidar os
pais/famílias para participar da CPA e/ou Conselho de
Escola”.
36. Os professores
Uma juíza apontou que a resposta dos sujeitos poderia
empenham-se continuamente
expressar o socialmente desejável.
em aproximar os
pais/responsáveis da vida Além disso, a responsabilidade não é apenas do professor
escolar. em fazer esse chamamento.
Decidimos explicitar dois espaços avaliativos/decisórios
(CPA/Conselho de Escola), pois “aproximar da vida
escolar” pode significar o mero chamamento para reuniões
nas quais se fala sobre o mau desempenho das crianças.

RETIRADO.
Uma juíza apontou que o sujeito poderia responder pautado
naquilo que a sociedade deseja que ele responda.
Além disso, alguns respondentes no pré-teste disseram
que, na hora do tratamento, tratam com respeito, ou seja,
não xingam os pais. No entanto, isso não implica
37. Os professores dessa necessariamente uma postura de olhar atento às suas
escola sempre respeitam os necessidades, opiniões, como se pode depreender da
pais/responsáveis. seguinte fala de uma respondente: "respeitamos, mas desde
que não encham muito o saco". A pesquisa de campo
também refinou esse olhar para a questão.
Com objetivo de captar respeito para além desse tratamento
formal, considera-se que outras perguntas cumpram melhor
esse objetivo: quando se busca saber se os pais sentem-se à
vontade nas reuniões da escola, se eles freqüentam a escola,
se os professores consideram suas opiniões e necessidades.

REFORMULADO.
38. Os professores dessa
escola ouvem com atenção o “Os professores dessa escola têm consideração pelas
que os pais/responsáveis têm a opiniões dos pais/famílias.”
dizer sobre a educação dos
É necessário ter um senso de consideração, não apenas
seus filhos.
escutar.

39. Sinto-me respeitado pelos


MANTIDO.
pais/responsáveis.

40. Sinto que os


pais/responsáveis são abertos REFORMULADO.
a ouvir o que nós professores “Sinto que os pais/famílias têm consideração pelo que nós
temos a dizer sobre a professores dizemos sobre a educação de seus filhos.”
educação de seus filhos.
282

41. Os pais/responsáveis
cumprem sua parte de RETIRADO.
responsabilidade na educação Redundante.
das crianças/jovens.

42. Os pais/responsáveis
confiam no trabalho dos MANTIDO.
professores dessa escola.

REFORMULADO.
“Os pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a
43. Os pais/responsáveis dão o
aprender”.
seu melhor para ajudar seus
filhos a aprender. ‘Dão o seu melhor’ induz a responder negativamente,
porque já existe no senso comum que a família não
acompanha o estudante.

44. Os pais/responsáveis
preocupam-se em
MANTIDO
acompanhar a vida escolar de
seus filhos.

45. Os pais/responsáveis
fazem o possível para
MANTIDO.
participar das reuniões da
escola.

46. Os pais/responsáveis
mostram interesse pelos MANTIDO.
assuntos da escola.

47. Professores e REFORMULADO.


pais/responsáveis consideram-
se parceiros na educação das “Professores e pais/famílias estão juntos na educação das
crianças/jovens. crianças/jovens”.

Mudou-se de pais/responsáveis para pais/famílias, pois se trata de considerar não apenas os


responsáveis legais, mas as famílias em geral.

PROFESSOR- SECRETARIA DE EDUCAÇÃO


Itens Alterações e Justificativas
(primeira versão) (após validação conceitual e semântica)
REFORMULADO.
48. O(a) supervisor(a) conhece
“O(a) supervisor(a) conhece a realidade de nossa escola.”
de perto a realidade de nossa
escola. Excluiu-se “de perto”, pois de fato ele não participa do dia-
a-dia da escola.
283

REFORMULADO.
“O(a) supervisor(a) mostra prontidão em comparecer à
escola quando é solicitado(a) para ajudar a resolver algum
problema.”
Pois ele não resolve, mas ajuda a resolver. Como colocou
um juiz:

49. O(a) supervisor(a) mostra “supervisor faz diferença quando você tem a questão
prontidão em comparecer à criminal. Na hora de separar ele tem que entrar na
escola quando é solicitado(a) relação... enquanto a gente tiver casado, não precisa. Só
para resolver algum aparece numa cobrança específica, não vive a escola. É
problema. uma figura meio sogra. Não faz parte da relação da escola
com comunidade. Não tenho uma relação muito simpática
com essa ideia do supervisor. Gosto da ideia da escola
conseguir encontrar maneiras de resolver. Nunca tive neles
um aporte. Mas é porque eu tenho outras fontes pra buscar
conhecimento que não passa pela fonte do supervisor.
Talvez para uma pergunta muito específica podemos
recorrer a eles: pode subir aula, adiantar aula, fazer algo
que é fora do padrão e precisa de uma autorização”.

50. O(a) supervisor(a) nunca RETIRADO.


está conosco nos momentos
em que a escola está passando Pois o supervisor não está mesmo presente no cotidiano da
por dificuldades. escola, nas dificuldades cotidianas que ela enfrenta.

REFORMULADO.
“O(a) supervisor(a) nos ajuda a defender as necessidades da
nossa escola”.
Um juiz estranhou a palavra “zelo”. Uma juíza apontou,
51. O(a) supervisor(a) zela referindo-se a outra questão, que o supervisor não resolve
pelas necessidades da nossa sozinho os problemas. No máximo ele ajuda a escola.
escola.
Pensamos que, em se tratando de um cargo no âmbito
descentralizado, deveria ficar mais claro que ele tem um
papel de ajudar a escola a defender seus interesses perante
os decisores centrais.

52. A SME cria espaços e


oportunidades para ouvir a
opinião dos professores sobre MANTIDO.
questões que impactam a
qualidade da educação.

53. A voz dos professores é


considerada pela SME nos
MANTIDO.
processos de tomada de
decisões.
284

54. A SME cumpre


adequadamente sua parte de
responsabilidade na garantia MANTIDO.
de uma educação pública de
qualidade.

55. No que se refere à infra-


estrutura, a SME oferece boas
MANTIDO.
condições de trabalho para
nossa escola.

REFORMULADO.
“A SME oferece boas condições de trabalho para nossa
56. No que se refere a
escola, no que se refere à garantia de quadro completo de
recursos humanos, a SME
docentes, funcionários, e equipe gestora”.
oferece boas condições de
trabalho para nossa escola. Um juiz apontou a inadequação do uso do termo “recursos
humanos”. No pré-teste, respondentes tiveram dificuldade
para entender do que se tratava.

57. Em termos de
salário/jornada/formação, os
professores têm boas MANTIDO.
condições de trabalho nessa
rede.

58. A Secretaria de Educação RETIRADO.


me valoriza enquanto Abstrato e redundante, pois outras questões já perguntaram
profissional. isso.

59. Eu confio na Secretaria RETIRADO.


Municipal de Educação. Redundante

60. A SME coloca a qualidade RETIRADO.


da educação acima de Conforme apontou um juiz, não faz sentido dissociar
interesses políticos e qualidade da educação de interesses políticos. A luta pela
financeiros. qualidade não é apolítica.
Fonte: elaborado pela pesquisadora
285

ANEXO 4- Itens Incluídos no Instrumento e Justificativas

ITENS JUSTIFICATIVAS
Com objetivo de captar respeito para além do
Os pais/famílias sentem-se à vontade nas tratamento formal. Quando se busca saber se os
reuniões da escola, expondo suas pais sentem-se à vontade nas reuniões da escola,
opiniões, anseios, necessidades. é uma forma de avaliar quanto a escola os deixa
à vontade, respeitando-os em suas falas.
Sinto que os pais/famílias não educam Sugestão de um juiz.
seus filhos e, portanto, eles não se É necessário avaliar a concepção dos
comportam adequadamente na escola. professores em relação às famílias.
Saber se a comunidade efetivamente participa
Os pais/famílias estão sempre
dos eventos e reuniões é uma forma de avaliar
participando das reuniões, festas e
mais claramente em que medida ela é bem
eventos dessa escola.
acolhida pela escola.
A pesquisa de campo tem mostrado que a
avaliação é um tema delicado, ainda mais
quando se trata de submeter o próprio trabalho
ao olhar do outro.
Avaliamos coletivamente, com alunos e Parece-me, pelas observações, que os
pais/famílias, quais são as potências, as professores são resistentes a esse diálogo, pois
dificuldades, e o que podemos melhorar não consideram que alunos e famílias possam
no trabalho da escola. contribuir no processo de avaliação do trabalho
pedagógico.
Julgou-se importante incluir uma questão que
captasse mais claramente a presença/ausência de
processos de negociação nesse sentido.
Sugestão de juiz.
Sinto-me como se estivesse sozinha(o) nas
Julgou-se ir de encontro com o aspecto do
minhas atividades profissionais, no
apoio, suporte, ajuda, já mensurado em outros
cotidiano da escola.
itens.
Os professores sentem que suas opiniões Faltava um item que deixasse claro esse
e propostas são consideradas pela equipe sentimento de sentir-se ouvido e considerado.
gestora.
Minha forma de trabalhar com os alunos Sugestão juiz.
é estabelecida pelo(a) diretor(a) e tenho Captar em que medida o diretor respeita a
que cumprir as recomendações autonomia profissional dos professores.
profissionais que são feitas.
Sugestão juiz.
Sinto-me como se estivesse sendo
Captar em que medida o diretor respeita a
vigiada(o) em meu trabalho.
autonomia profissional dos professores.
Idem.
Tenho autonomia para organizar minha
prática pedagógica em sala de aula.
A partir do momento que se desmembrou o
“equipe gestora”, julgou-se pertinente incluir
O(a) orientador(a) pedagógico(a) está
perguntas específicas para a função do
sempre combinando com os professores
orientador pedagógico. Nesse caso, trata-se de
ações pedagógicas para ajudar os alunos
captar o respaldo que o OP oferece, em termos
que mais precisam.
de pensar alternativas pedagógicas para ajudar
os alunos.
286

Objetivo de deixar clara a concepção do que


seja “comprometer-se com os alunos...”,
buscando entender como a concepção se
relaciona com a confiança.
A escola toma, com freqüência, medidas Em uma questão do quadro acima (“o diretor
sérias (por ex. suspensão, formas de compromete-se seriamente com os alunos’), um
punição) em relação aos alunos juiz pontuou:
considerados indisciplinados.
“Qual o significado de “seriamente”, pois para
alguns professores, o sério pode significar uma
forma autoritária no tratamento com os
alunos”.
Sugestão juiz.
Há um clima de competição entre os
Considerando que a competição é oposta à
professores dessa escola.
confiança.
Sugestão juiz.
Quando um(a) professor(a) tem boas Importante incluir questão sobre a iniciativa dos
ideias sobre como trabalhar com os professores em compartilhar boas ideias. Antes
alunos, ele(a) compartilha com os outros havia questão apenas sobre a iniciativa de expor
professores. fragilidades, e sobre a disposição em ouvir o
colega.
Sugestão juiz.
Os professores não conseguem fazer seu
Captar concepção, se os professores isentam-se
trabalho devido à falta de interesse e de
de sua parte de responsabilidade, culpabilizando
disciplina das crianças/jovens.
os alunos.
Captar o empenho da escola em assumir sua
parte de responsabilidade por meio de processos
Nós professores temos a prática de
constantes de avaliação.
avaliar nosso trabalho coletivamente,
Importante marcar o caráter coletivo da
refletindo e combinando juntos o que
avaliação, pois a hipótese é que avaliações desse
podemos melhorar.
tipo necessitam de confiança entre as pessoas
para se desenvolver.
A SME compromete-se com a melhoria Sugestão juíza.
da minha qualificação profissional, Não havia de fato uma questão que abordasse
criando espaços e oportunidades para isso explicitamente.
isso.
A literatura sobre confiança política nas
instituições (NEWTON & NORRIS, 2000)
aponta que a confiança dos cidadãos é
influenciada pelo desempenho institucional
percebido por eles.
Estou satisfeita(o) com o desempenho do Na definição da dimensão “Integridade”, um
atual governo municipal na área da juiz apontou que os interesses do governo e da
educação. Secretaria de Educação não são conflitantes.
Tendo em vista esses dois apontamentos, incluí
uma questão sobre avaliação do desempenho do
governo, apostando que isso influencie o grau
de confiança dos professores na Secretaria
Municipal de Educação.
Fonte: elaborado pela pesquisadora
287

ANEXO 5 - Motivos de Recusa das Onze Escolas

ESCOLA 1- OP disse não poder em 2016 por conta das muitas demandas de final de
ano. No começo de fevereiro/2017, retornei, mas ela disse que só poderíamos marcar
dia 20 de março, alegando que "retomaremos as reuniões de TDC em março". No
entanto, essa data seria inviável dentro do meu planejamento (marquei de iniciar o
processamento estatístico dia 15 de março).
(email)
ESCOLA 2 - “Nós estamos com um número de demandas para o TDC bastante
intensa, visto que nesse último mês há muitos acontecimentos que foram previamente
programados pela escola. Conversei com a Fulana, a outra OP, que cuida do 1º ao 5º
e ela também está na mesma situação. Para além disso, nesse ano os professores
tiveram já outras pessoas que fizeram com eles aplicações de pesquisa e já haviam
pedido que não colocássemos mais ninguém. Caso haja abertura para próximo ano,
retomo contato com você”. (email)
ESCOLA 3- “Discuti com a diretora a respeito e não temos mesmo como
disponibilizar tempo no TDC deste ano para pesquisas acadêmicas, porque o tempo
está sendo insuficiente para todas as demandas internas de planejamento. Um projeto
diferenciado exige maior trabalho de estudo e planejamento coletivos e os tempos
institucionais para isso são bastante escassos. Para 2017, podemos pensar nessa
possibilidade. A outra consideração que temos feito com todos os pesquisadores
interessados em fazer pesquisas nessa escola é que apenas dispensarmos mais tempo
coletivo para retorno sobre as avaliações feitas é um retorno muito pequeno para a
colaboração da escola na pesquisa. A Academia precisa repensar sua relação com a
escola básica para além de tê-la como campo de pesquisa para aquisição de títulos
acadêmicos. Precisa pensar em projetos que ajudem a propor mudanças positivas na
escola, não apenas investigar se o que a escola faz sozinha dá ou não certo. A parceria
escola-academia precisa se dar no dia-a-dia e não mais nesse processo em que a
Academia vem apenas analisar o já feito”.
(email)
ESCOLA 4 - Conversei com a OP por telefone. Ela ficou de ver com os professores.
Retornei depois de um tempo para saber a resposta. Ela disse que eles não aceitaram
usar o espaço do TDC nem horário livre: “a gente ta se sentindo muito pressionada na
escola. Marquei dois conselhos de quatro classes no TDC... os professores estão tendo
formação à noite. Estamos muito sobrecarregadas. Com professoras de 1º a 5º nem
falei, porque estão fazendo PNAIC, tem que fazer evento da escola... de 6º a 9º
algumas poucas vão aceitar”. (telefone)
Perguntei se poderia usar um tempo menor de TDC somente para explicar a pesquisa e
depois voltar para recolher os questionários de quem aceitasse participar. Ela até
deixou, mas só em metade da escola. No TDC das professoras de 1º a 5º não quis nem
disponibilizar esse espaço. Achei que não valia à pena ir a essa escola.
ESCOLA 5- Tinha marcado aplicação com o OP. Estava tudo certo. Mas chegando à
escola, ele disse que conversou no dia anterior, domingo, com a diretora, e acharam
que agora não era o momento: “quem sabe em outro momento”. Ele narrou que a
equipe passou por um momento delicado. Houve fechamento de turmas, e os
professores da escola são muito críticos, acharam que a diretora tem culpa, então houve
tensão. “Mas a gente fica de mãos atadas, são ordens da Secretaria. Quando
288

soubemos, nos perguntamos: vamos contar pra eles? Nem adiantaria falar antes ou
não, ia fechar mesmo. Mas resolvemos contar. Se eles respondessem agora à pesquisa,
não refletiria a nossa realidade aqui, porque eles só falariam mal da escola”.
(conversa pessoal)
Perguntei se eu poderia entrar em contato no começo de 2017, em fevereiro, ele disse
que ainda seria muito cedo, não daria tempo de a equipe acalmar, porque também
houve muitas mudanças (oito professores saíram da escola).
ESCOLA 6- Não consegui falar com diretora em 2016, estava sempre ocupada quando
eu ligava. Escola ficou muito tempo sem OP. Essa escola também não aceitou
participar da pesquisa do LOED.
ESCOLA 7- Em 2016, liguei e mandei email explicando as intenções da pesquisa.
Fiquei aguardando durante umas semanas a resposta da equipe gestora. Diante da
ausência de resposta, liguei mais uma vez. Ficaram de ver o email e retornar por email.
Não retornaram. Insisti ligando ainda mais uma vez, ao que a OP pediu para enviar
outro email com os arquivos da pesquisa. Fiz isso. Mesmo assim não retornaram.
ESCOLA 8- Em 2016, a escola alegou não ter tempo. Em 2017, consegui marcar com a
OP. Mas ela desmarcou comigo, pois disse que surgiu uma demanda muito urgente. Ela
pediu pra eu ligar para conversarmos. Liguei, ela explicou por que desmarcou, e
quando solicitei uma nova data, ela disse que naquele momento não poderia ver isso,
mas que me retornaria depois por email. Mandei um email lembrando alguns dias
depois, mas não tive mais resposta.
ESCOLA 9- A OP me passou whatsapp dela na primeira vez que liguei na escola.
Disse pra conversarmos por lá. Eu perguntei por lá se ela já tinha visto com a equipe,
mas ela não respondeu. Liguei então novamente, ela me atendeu de forma mais fria,
disse a mesma coisa, que me retornaria depois, mais pro final do ano. Mandei outro
whatsapp lembrando, mas não tive resposta. Em 2017, entrei em contato novamente.
Ela foi bastante solícita dessa vez, mas disse que em reunião com a diretora, esta não
aceitou a pesquisa, pois o questionário vai de encontro com o que a escola está
vivendo, e ela é bastante centralizadora, na visão da OP. Quando ela questionou à
diretora por que a recusa, a diretora respondeu rispidamente que entraria em contato
comigo, mas não entrou.
ESCOLA 10- Nunca atendem o telefone. Liguei muitas e muitas vezes em 2016. Em
2017, consegui pegar o telefone novo da escola com uma professora que tinha
trabalhado lá em 2016. Mas também não atendeu.
ESCOLA 11- Ano passado, a OP Fulana chegou a pré-agendar comigo dia 20 de
dezembro em RPAI. Pediu pra que eu falasse com a outra OP Ciclana pra confirmar.
Falei com ela, ela disse que dia 20 seria ruim, que seria melhor eu ir no TDC, mas só
prontificou um TDC, apesar de eu dizer que teria que ir nos dois. Mantive então que
seria melhor em RPAI, ela disse que me retornaria para confirmar, mas não retornou.
Fui à escola pessoalmente esse dia, e ninguém estava lá. A RPAI foi adiantada pra
outro dia. Começo de 2017, tentei inicialmente falar com Ciclana, pois Fulana estava
de licença. Nunca consegui, ela estava sempre ocupada. Deixei o telefone duas vezes
com a secretária, com a promessa de que ela me retornaria quando estivesse livre, mas
não tive retorno. Depois, comecei a tentar falar com Fulana. Também não consegui
falar com ela, pois diziam que ela “não está na escola” ou que “está ocupada”. O
pessoal da secretaria em geral apenas ligava na sala dela, e se ela não atendia, já diziam
que não estava na escola. Apenas uma vez se prontificaram a procurá-la pelas
dependências da escola. Acharam-na, mas, mais uma vez, ela estava ocupada em
reunião. Uma vez apenas ela me atendeu, eu expliquei toda a pesquisa, mas ela disse
pra eu retornar outro momento, pois estava ocupada no meio de um atendimento com
289

pai. Mandei email à escola direcionado a elas, mas também não tive retorno.
Fonte: elaborado pela pesquisadora
290

ANEXO 6- Modelo Impresso do Instrumento


291
292
293
294

ANEXO 7 - Termos de Consentimento Livre e Esclarecido

7.1. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


(Instrumento)

Influência da Confiança Relacional nos processos de participação ativa


Pesquisadora Responsável: Sara Badra de Oliveira

Número do CAAE: 49929615.7.0000.5404

Você está sendo convidado a participar como voluntário de um estudo. Este


documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus
direitos como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e
outra com o pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas.
Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com
o pesquisador. Se preferir, pode levar para casa e consultar seus familiares ou outras
pessoas antes de decidir participar. Se você não quiser participar ou retirar sua
autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo.

Justificativa e Objetivo
É crescente a literatura internacional que aborda a importância das interações,
trocas sociais e relações entre os diversos sujeitos do ambiente escolar no processo de
melhoria da qualidade educacional. O objetivo da pesquisa é investigar, em uma
realidade brasileira, como a confiança que os professores sentem em relação aos
pais/responsáveis, equipe gestora e demais professores, e em relação à Secretaria de
Educação, influencia o trabalho coletivo na escola e sua capacidade de produzir
qualidade socialmente relevante.

Procedimentos
Participando do estudo você está sendo convidado a preencher um questionário
que levará cerca de 30 minutos. O questionário possui questões relativas às dimensões
que compõem a confiança em cada um dos pares citados (professor-professor;
professor-pais/responsáveis; professor-equipe gestora; professor-Secretaria Municipal
de Educação).
A aplicação do questionário acontecerá em seu local de trabalho, após consulta
prévia, de modo a atendê-lo da melhor maneira possível, sem prejuízos para as suas
atividades profissionais.

Sigilo e privacidade
Você tem a garantia de que sua identidade e a identidade da sua escola serão
mantidas em sigilo e nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam
parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome
e o nome da sua escola não serão citados.

Benefícios
295

Não haverá benefícios diretos para o participante da pesquisa. No entanto, o


benefício indireto será contribuir com a criação de um corpo de conhecimento científico
ainda escasso na realidade brasileira, a respeito de um importante fator que influencia a
melhoria da qualidade educacional.

Desconfortos e riscos
Com relação aos riscos, caso você sinta qualquer tipo de desconforto em função
dos assuntos aflorados durante as entrevistas, tem o direito de negar-se a responder
qualquer pergunta ou parte de informações. A pesquisadora estará atenta à questão e
tomará medidas, na situação, para amenizá-la, como mudar o tema ou até interromper a
sessão, se for necessário.

Ressarcimento
Em caso de dano decorrente da pesquisa, está garantida a assistência integral e
imediata, de forma gratuita, pelo tempo que for necessário. Você também tem direito a
indenização em caso de danos.

Contato
Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com a
pesquisadora Sara Badra de Oliveira:
Endereço: Rua Uruguaiana, 431, apto 104. CEP 13026-001. Campinas -SP
Telefone: (19) 99794-7315. (19) 3342-5187
E-mail: sara.badra.oliveira@gmail.com

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões


éticas do estudo, você pode entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da UNICAMP: Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887
Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-7187; e-mail:
cep@fcm.unicamp.br

Consentimento livre e esclarecido


Após ter sido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos,
métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar,
aceito participar:

Nome do(a) participante:


______________________________________________________________________
_________________________________________Data: ____/_____/______
(Assinatura do participante)

Responsabilidade da Pesquisadora
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e
complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma
cópia deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP
perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os
296

dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste


documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

______________________________________________Data:____/_____/______.
Sara Badra de Oliveira

7.2. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


(entrevistas)

Influência da Confiança Relacional nos processos de participação ativa


Pesquisadora Responsável: Sara Badra de Oliveira

Número do CAAE: 49929615.7.0000.5404

Você está sendo convidado a participar como voluntário de um estudo. Este


documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus
direitos como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e
outra com o pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas.
Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com
o pesquisador. Se preferir, pode levar para casa e consultar seus familiares ou outras
pessoas antes de decidir participar. Se você não quiser participar ou retirar sua
autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo.

Justificativa e Objetivo
É crescente a literatura internacional que aborda a importância das interações,
trocas sociais e relações entre os diversos sujeitos do ambiente escolar no processo de
melhoria da qualidade educacional. O objetivo da pesquisa é investigar, em uma
realidade brasileira, como a confiança que os professores sentem em relação aos pais,
equipe gestora e demais professores, e em relação à Secretaria de Educação, influencia
o trabalho coletivo na escola e sua capacidade de produzir qualidade socialmente
relevante.

Procedimentos
Participando do estudo você está sendo convidado a conceder uma entrevista que
será transcrita e durará cerca de 40 minutos. A entrevista será realizada em seu local de
trabalho e de acordo com sua disponibilidade, após consulta prévia, de modo a atendê-lo
da melhor maneira possível, sem prejuízos para as aulas ou demais atividades escolares.

Desconfortos e riscos
Com relação aos riscos, caso você sinta qualquer tipo de desconforto em função
dos assuntos aflorados durante as entrevistas, tem o direito de negar-se a responder
qualquer pergunta ou parte de informações. A pesquisadora estará atenta à questão e
297

tomará medidas, na situação, para amenizá-la, como mudar o tema ou até interromper a
sessão, se for necessário.

Benefícios
Não haverá benefícios diretos para o participante da pesquisa. No entanto, o
benefício indireto será contribuir com a criação de um corpo de conhecimento científico
ainda escasso na realidade brasileira, a respeito de um importante fator que influencia a
melhoria da qualidade educacional.

Sigilo e privacidade
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma
informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores.
Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será citado.

Ressarcimento
Em caso de dano decorrente da pesquisa, está garantida a assistência integral e
imediata, de forma gratuita, pelo tempo que for necessário. Você também tem direito a
indenização em caso de danos.

Contato
Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com a
pesquisadora Sara Badra de Oliveira:
Endereço: Rua Uruguaiana, 431, apto 104. CEP 13026-001. Campinas -SP
Telefone: (19) 99794-7315. (19) 3342-5187
E-mail: sara.badra.oliveira@gmail.com

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões


éticas do estudo, você pode entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da UNICAMP: Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887
Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-7187; e-mail:
cep@fcm.unicamp.br

Consentimento livre e esclarecido


Após ter sido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos,
métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar,
aceito participar:

Nome do(a) participante:


______________________________________________________________________
________________________________________Data: ____/_____/______.
(Assinatura do participante)

Responsabilidade da Pesquisadora
298

Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e


complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma
cópia deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP
perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os
dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste
documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

______________________________________________Data:____/____/____.
Sara Badra de Oliveira
299

ANEXO 8 - Frequências das respostas do Instrumento

(geradas no SPSS 15.00)

PA_1 - Sinto que posso contar com o apoio dos pais/famílias dessa escola para
realização do meu trabalho.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 11 2,5 2,5 2,5
1,00 52 11,7 11,7 14,1
2,00 81 18,2 18,2 32,3
3,00 24 5,4 5,4 37,7
4,00 181 40,6 40,6 78,3
5,00 80 17,9 17,9 96,2
6,00 17 3,8 3,8 100,0
Total 446 100,0 100,0

PA_7- Sinto-me respeitada(o) pelos pais/famílias.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 9 2,0 2,0 2,0
1,00 14 3,1 3,1 5,2
2,00 41 9,2 9,2 14,3
3,00 17 3,8 3,8 18,2
4,00 139 31,2 31,2 49,3
5,00 173 38,8 38,8 88,1
6,00 53 11,9 11,9 100,0
Total 446 100,0 100,0

PA_9 - Sinto que os pais/famílias têm consideração pelo que nós professores dizemos
sobre a educação de seus filhos.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 8 1,8 1,8 1,8
1,00 20 4,5 4,5 6,3
2,00 53 11,9 11,9 18,2
3,00 23 5,2 5,2 23,3
4,00 198 44,4 44,4 67,7
5,00 127 28,5 28,5 96,2
6,00 17 3,8 3,8 100,0
Total 446 100,0 100,0
300

PA_10 - Os pais/famílias confiam no trabalho dos professores dessa escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 2 ,4 ,4 ,4
1,00 12 2,7 2,7 3,1
2,00 24 5,4 5,4 8,5
3,00 12 2,7 2,7 11,2
4,00 149 33,4 33,4 44,6
5,00 212 47,5 47,5 92,2
6,00 35 7,8 7,8 100,0
Total 446 100,0 100,0

PA_11 - Os pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a aprender.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 16 3,6 3,6 3,6
1,00 49 11,0 11,0 14,6
2,00 143 32,1 32,1 46,6
3,00 24 5,4 5,4 52,0
4,00 184 41,3 41,3 93,3
5,00 28 6,3 6,3 99,6
6,00 2 ,4 ,4 100,0
Total 446 100,0 100,0

PA_12 - Os pais/famílias mostram interesse pelos assuntos da escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 10 2,2 2,2 2,2
1,00 35 7,8 7,8 10,1
2,00 143 32,1 32,1 42,2
3,00 26 5,8 5,8 48,0
4,00 190 42,6 42,6 90,6
5,00 40 9,0 9,0 99,6
6,00 2 ,4 ,4 100,0
Total 446 100,0 100,0

PA_13 - Os professores e pais/famílias dessa escola estão juntos na educação das


crianças/jovens.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 7 1,6 1,6 1,6
1,00 37 8,3 8,3 9,9
2,00 122 27,4 27,4 37,2
301

3,00 28 6,3 6,3 43,5


4,00 194 43,5 43,5 87,0
5,00 55 12,3 12,3 99,3
6,00 3 ,7 ,7 100,0
Total 446 100,0 100,0

PA_14 - Os pais/famílias dessa escola preocupam-se em acompanhar a vida escolar de


seus filhos.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 11 2,5 2,5 2,5
1,00 47 10,5 10,5 13,0
2,00 150 33,6 33,6 46,6
3,00 24 5,4 5,4 52,0
4,00 172 38,6 38,6 90,6
5,00 39 8,7 8,7 99,3
6,00 3 ,7 ,7 100,0
Total 446 100,0 100,0

PA_15 - Os pais/famílias estão sempre participando das reuniões, festas e eventos dessa
escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 5 1,1 1,1 1,1
1,00 28 6,3 6,3 7,4
2,00 97 21,7 21,7 29,1
3,00 21 4,7 4,7 33,9
4,00 210 47,1 47,1 80,9
5,00 76 17,0 17,0 98,0
6,00 9 2,0 2,0 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_16 - Tenho autonomia para organizar minha prática pedagógica em sala de aula.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid 1,00 5 1,1 1,1 1,1
2,00 11 2,5 2,5 3,6
3,00 4 ,9 ,9 4,5
4,00 44 9,9 9,9 14,3
5,00 197 44,2 44,2 58,5
6,00 185 41,5 41,5 100,0
Total 446 100,0 100,0
302

G_17 - Sinto que posso contar com o apoio do(a) diretor(a) para realização do meu
trabalho.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 6 1,3 1,3 1,3
1,00 9 2,0 2,0 3,4
2,00 25 5,6 5,6 9,0
3,00 11 2,5 2,5 11,4
4,00 75 16,8 16,8 28,3
5,00 165 37,0 37,0 65,2
6,00 155 34,8 34,8 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_18 - O(a) diretor(a) compartilha informações importantes com os professores (por ex.
sobre nossa vida funcional, sobre o que está acontecendo na rede etc.)

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 7 1,6 1,6 1,6
1,00 15 3,4 3,4 4,9
2,00 37 8,3 8,3 13,2
3,00 14 3,1 3,1 16,4
4,00 81 18,2 18,2 34,5
5,00 147 33,0 33,0 67,5
6,00 145 32,5 32,5 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_19 - Sinto-me como se estivesse sozinha(o) nas minhas atividades profissionais, no


cotidiano da escola. (INVERTIDO)

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 9 2,0 2,0 2,0
1,00 31 7,0 7,0 9,0
2,00 88 19,7 19,7 28,7
3,00 14 3,1 3,1 31,8
4,00 95 21,3 21,3 53,1
5,00 123 27,6 27,6 80,7
6,00 86 19,3 19,3 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_20 - A equipe gestora preocupa-se com nosso desenvolvimento profissional (por ex.,
garantindo momentos de formação na escola etc.).
303

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 5 1,1 1,1 1,1
1,00 13 2,9 2,9 4,0
2,00 30 6,7 6,7 10,8
3,00 15 3,4 3,4 14,1
4,00 125 28,0 28,0 42,2
5,00 163 36,5 36,5 78,7
6,00 95 21,3 21,3 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_21 - Gosto de procurar o(a) orientador(a) pedagógico(a) quando preciso conversar


sobre minhas práticas pedagógicas.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 15 3,4 3,4 3,4
1,00 25 5,6 5,6 9,0
2,00 24 5,4 5,4 14,3
3,00 31 7,0 7,0 21,3
4,00 100 22,4 22,4 43,7
5,00 170 38,1 38,1 81,8
6,00 81 18,2 18,2 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_22- Sinto-me respeitada(o) pelo(a) diretor(a) da minha escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 11 2,5 2,5 2,5
1,00 10 2,2 2,2 4,7
2,00 19 4,3 4,3 9,0
3,00 13 2,9 2,9 11,9
4,00 56 12,6 12,6 24,4
5,00 176 39,5 39,5 63,9
6,00 161 36,1 36,1 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_23 - Os professores sentem liberdade para se colocarem, opinarem, pautarem


questões com o(a) diretor(a).

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 12 2,7 2,7 2,7
1,00 13 2,9 2,9 5,6
2,00 32 7,2 7,2 12,8
304

3,00 10 2,2 2,2 15,0


4,00 88 19,7 19,7 34,8
5,00 179 40,1 40,1 74,9
6,00 112 25,1 25,1 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_24 - O(a) diretor(a) cumpre sua parte na garantia de condições adequadas de trabalho
para nossa escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 6 1,3 1,3 1,3
1,00 12 2,7 2,7 4,0
2,00 37 8,3 8,3 12,3
3,00 12 2,7 2,7 15,0
4,00 86 19,3 19,3 34,3
5,00 188 42,2 42,2 76,5
6,00 105 23,5 23,5 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_25 - Os professores sentem que suas opiniões e propostas são consideradas pela
equipe gestora.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 13 2,9 2,9 2,9
1,00 19 4,3 4,3 7,2
2,00 57 12,8 12,8 20,0
3,00 11 2,5 2,5 22,4
4,00 139 31,2 31,2 53,6
5,00 147 33,0 33,0 86,5
6,00 60 13,5 13,5 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_26 - O(a) diretor(a) confia no trabalho dos professores dessa escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 10 2,2 2,2 2,2
1,00 8 1,8 1,8 4,0
2,00 23 5,2 5,2 9,2
3,00 23 5,2 5,2 14,3
4,00 82 18,4 18,4 32,7
5,00 218 48,9 48,9 81,6
6,00 82 18,4 18,4 100,0
Total 446 100,0 100,0
305

G_28 - O(a) diretor(a) trata todos os alunos com respeito.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 3 ,7 ,7 ,7
1,00 7 1,6 1,6 2,2
2,00 15 3,4 3,4 5,6
3,00 16 3,6 3,6 9,2
4,00 39 8,7 8,7 17,9
5,00 186 41,7 41,7 59,6
6,00 180 40,4 40,4 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_29 - Sinto-me como se estivesse sendo vigiada(o) em meu trabalho. (INVERTIDO)

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 18 4,0 4,0 4,0
1,00 24 5,4 5,4 9,4
2,00 55 12,3 12,3 21,7
3,00 33 7,4 7,4 29,1
4,00 63 14,1 14,1 43,3
5,00 159 35,7 35,7 78,9
6,00 94 21,1 21,1 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_30 - A equipe gestora incentiva a participação de todos (professores, funcionários,


famílias e alunos) na definição do Projeto Pedagógico da escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 8 1,8 1,8 1,8
1,00 17 3,8 3,8 5,6
2,00 39 8,7 8,7 14,3
3,00 32 7,2 7,2 21,5
4,00 88 19,7 19,7 41,3
5,00 178 39,9 39,9 81,2
6,00 84 18,8 18,8 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_31 - O(a) diretor(a) compromete-se com o bem-estar de todos os estudantes.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9
1,00 5 1,1 1,1 2,0
306

2,00 22 4,9 4,9 7,0


3,00 18 4,0 4,0 11,0
4,00 80 17,9 17,9 28,9
5,00 192 43,0 43,0 72,0
6,00 125 28,0 28,0 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_32 - O(a) diretor(a) age de forma coerente com aquilo que foi combinado
coletivamente.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 19 4,3 4,3 4,3
1,00 21 4,7 4,7 9,0
2,00 42 9,4 9,4 18,4
3,00 13 2,9 2,9 21,3
4,00 85 19,1 19,1 40,4
5,00 165 37,0 37,0 77,4
6,00 101 22,6 22,6 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_33- O(a) orientador(a) pedagógico(a) está sempre combinando com os professores


ações pedagógicas para ajudar os alunos que mais precisam.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 7 1,6 1,6 1,6
1,00 13 2,9 2,9 4,5
2,00 42 9,4 9,4 13,9
3,00 10 2,2 2,2 16,1
4,00 104 23,3 23,3 39,5
5,00 168 37,7 37,7 77,1
6,00 102 22,9 22,9 100,0
Total 446 100,0 100,0

G_34- O(a) diretor(a) desencoraja momentos coletivos de tomada de decisão sobre as


questões da escola. (INVERTIDO)

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 23 5,2 5,2 5,2
1,00 34 7,6 7,6 12,8
2,00 64 14,3 14,3 27,1
3,00 22 4,9 4,9 32,1
4,00 56 12,6 12,6 44,6
5,00 156 35,0 35,0 79,6
307

6,00 91 20,4 20,4 100,0


Total 446 100,0 100,0

PR_36 - Os professores podem contar com a ajuda uns dos outros na condução do
trabalho cotidiano da escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9
1,00 4 ,9 ,9 1,8
2,00 21 4,7 4,7 6,5
3,00 11 2,5 2,5 9,0
4,00 111 24,9 24,9 33,9
5,00 185 41,5 41,5 75,3
6,00 110 24,7 24,7 100,0
Total 446 100,0 100,0

PR_38- Os professores respeitam uns aos outros.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9
1,00 6 1,3 1,3 2,2
2,00 19 4,3 4,3 6,5
3,00 4 ,9 ,9 7,4
4,00 66 14,8 14,8 22,2
5,00 220 49,3 49,3 71,5
6,00 127 28,5 28,5 100,0
Total 446 100,0 100,0

PR_39 - Os professores dessa escola gostam de se ouvir para aprender uns com os
outros.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9
1,00 11 2,5 2,5 3,4
2,00 29 6,5 6,5 9,9
3,00 21 4,7 4,7 14,6
4,00 127 28,5 28,5 43,0
5,00 172 38,6 38,6 81,6
6,00 82 18,4 18,4 100,0
Total 446 100,0 100,0
308

PR_40 - Sinto-me à vontade para expor aos meus colegas professores as fragilidades e
dificuldades do meu trabalho.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9
1,00 8 1,8 1,8 2,7
2,00 44 9,9 9,9 12,6
3,00 19 4,3 4,3 16,8
4,00 88 19,7 19,7 36,5
5,00 195 43,7 43,7 80,3
6,00 88 19,7 19,7 100,0
Total 446 100,0 100,0

PR_41 - Quando um(a) professor(a) tem boas ideias sobre como trabalhar com os
alunos, ele(a) compartilha com os outros professores.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9
1,00 6 1,3 1,3 2,2
2,00 22 4,9 4,9 7,2
3,00 10 2,2 2,2 9,4
4,00 151 33,9 33,9 43,3
5,00 185 41,5 41,5 84,8
6,00 68 15,2 15,2 100,0
Total 446 100,0 100,0

PR_42- Eu confio na competência profissional dos professores dessa escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 3 ,7 ,7 ,7
1,00 2 ,4 ,4 1,1
2,00 14 3,1 3,1 4,3
3,00 3 ,7 ,7 4,9
4,00 60 13,5 13,5 18,4
5,00 232 52,0 52,0 70,4
6,00 132 29,6 29,6 100,0
Total 446 100,0 100,0

PR_43 - Os professores tratam todos os alunos com respeito.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 3 ,7 ,7 ,7
309

1,00 8 1,8 1,8 2,5


2,00 33 7,4 7,4 9,9
3,00 10 2,2 2,2 12,1
4,00 86 19,3 19,3 31,4
5,00 207 46,4 46,4 77,8
6,00 99 22,2 22,2 100,0
Total 446 100,0 100,0

PR_45 - Os professores nunca desistem dos alunos, fazendo o máximo para contribuir
com a formação de todos.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 2 ,4 ,4 ,4
1,00 8 1,8 1,8 2,2
2,00 38 8,5 8,5 10,8
3,00 10 2,2 2,2 13,0
4,00 111 24,9 24,9 37,9
5,00 183 41,0 41,0 78,9
6,00 94 21,1 21,1 100,0
Total 446 100,0 100,0

PR_46 - Os professores comprometem-se em avaliar e aprimorar constantemente seu


próprio trabalho.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 2 ,4 ,4 ,4
1,00 6 1,3 1,3 1,8
2,00 33 7,4 7,4 9,2
3,00 15 3,4 3,4 12,6
4,00 105 23,5 23,5 36,1
5,00 197 44,2 44,2 80,3
6,00 88 19,7 19,7 100,0
Total 446 100,0 100,0

PR_47 - Os professores dificilmente ouvem uns aos outros, pois acham que os outros
professores têm pouco a contribuir. (INVERTIDO)

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 3 ,7 ,7 ,7
1,00 12 2,7 2,7 3,4
2,00 35 7,8 7,8 11,2
3,00 20 4,5 4,5 15,7
4,00 80 17,9 17,9 33,6
310

5,00 180 40,4 40,4 74,0


6,00 116 26,0 26,0 100,0
Total 446 100,0 100,0

PR_49 - Nós professores temos a prática de avaliar nosso trabalho coletivamente,


refletindo e combinando juntos o que podemos melhorar.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 5 1,1 1,1 1,1
1,00 15 3,4 3,4 4,5
2,00 57 12,8 12,8 17,3
3,00 28 6,3 6,3 23,5
4,00 136 30,5 30,5 54,0
5,00 149 33,4 33,4 87,4
6,00 56 12,6 12,6 100,0
Total 446 100,0 100,0

PR_50 - Os professores cumprem os combinados coletivos.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 3 ,7 ,7 ,7
1,00 12 2,7 2,7 3,4
2,00 27 6,1 6,1 9,4
3,00 7 1,6 1,6 11,0
4,00 131 29,4 29,4 40,4
5,00 198 44,4 44,4 84,8
6,00 68 15,2 15,2 100,0
Total 446 100,0 100,0

S_51 - O(a) supervisor(a) conhece a realidade de nossa escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 40 9,0 9,0 9,0
1,00 58 13,0 13,0 22,0
2,00 52 11,7 11,7 33,6
3,00 123 27,6 27,6 61,2
4,00 80 17,9 17,9 79,1
5,00 72 16,1 16,1 95,3
6,00 21 4,7 4,7 100,0
Total 446 100,0 100,0

S_52 - O(a) supervisor(a) mostra prontidão em comparecer à escola quando é solicitado


para ajudar a resolver algum problema.
311

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 25 5,6 5,6 5,6
1,00 42 9,4 9,4 15,0
2,00 52 11,7 11,7 26,7
3,00 152 34,1 34,1 60,8
4,00 79 17,7 17,7 78,5
5,00 74 16,6 16,6 95,1
6,00 22 4,9 4,9 100,0
Total 446 100,0 100,0

S_53 - O(a) supervisor(a) nos ajuda a defender as necessidades da nossa escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 40 9,0 9,0 9,0
1,00 53 11,9 11,9 20,9
2,00 62 13,9 13,9 34,8
3,00 135 30,3 30,3 65,0
4,00 80 17,9 17,9 83,0
5,00 62 13,9 13,9 96,9
6,00 14 3,1 3,1 100,0
Total 446 100,0 100,0

S_54 - A SME cria espaços e oportunidades para ouvir a opinião dos professores sobre
questões que impactam a qualidade da educação.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 91 20,4 20,4 20,4
1,00 102 22,9 22,9 43,3
2,00 85 19,1 19,1 62,3
3,00 70 15,7 15,7 78,0
4,00 69 15,5 15,5 93,5
5,00 26 5,8 5,8 99,3
6,00 3 ,7 ,7 100,0
Total 446 100,0 100,0

S_55 - A voz dos professores é considerada pela SME nos processos de tomada de
decisões.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 130 29,1 29,1 29,1
1,00 112 25,1 25,1 54,3
2,00 71 15,9 15,9 70,2
312

3,00 66 14,8 14,8 85,0


4,00 56 12,6 12,6 97,5
5,00 10 2,2 2,2 99,8
6,00 1 ,2 ,2 100,0
Total 446 100,0 100,0

S_56 - A SME cumpre adequadamente sua parte de responsabilidade na garantia de uma


educação pública de qualidade.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 91 20,4 20,4 20,4
1,00 108 24,2 24,2 44,6
2,00 80 17,9 17,9 62,6
3,00 52 11,7 11,7 74,2
4,00 86 19,3 19,3 93,5
5,00 24 5,4 5,4 98,9
6,00 5 1,1 1,1 100,0
Total 446 100,0 100,0

S_57 - A SME compromete-se com a melhoria da minha qualificação profissional,


criando espaços e oportunidades para isso.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 29 6,5 6,5 6,5
1,00 57 12,8 12,8 19,3
2,00 63 14,1 14,1 33,4
3,00 26 5,8 5,8 39,2
4,00 151 33,9 33,9 73,1
5,00 100 22,4 22,4 95,5
6,00 20 4,5 4,5 100,0
Total 446 100,0 100,0

S_58 - No que se refere à infra-estrutura, a SME oferece boas condições de trabalho


para nossa escola.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 77 17,3 17,3 17,3
1,00 92 20,6 20,6 37,9
2,00 91 20,4 20,4 58,3
3,00 24 5,4 5,4 63,7
4,00 108 24,2 24,2 87,9
5,00 49 11,0 11,0 98,9
6,00 5 1,1 1,1 100,0
313

Total 446 100,0 100,0

S_59 - A SME oferece boas condições de trabalho para nossa escola, no que se refere à
garantia de quadro completo de docentes, funcionários, e equipe gestora.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 80 17,9 17,9 17,9
1,00 97 21,7 21,7 39,7
2,00 90 20,2 20,2 59,9
3,00 22 4,9 4,9 64,8
4,00 100 22,4 22,4 87,2
5,00 53 11,9 11,9 99,1
6,00 4 ,9 ,9 100,0
Total 446 100,0 100,0

S_60 - Em termos de salário/jornada/formação, os professores têm boas condições de


trabalho nessa rede.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 27 6,1 6,1 6,1
1,00 54 12,1 12,1 18,2
2,00 103 23,1 23,1 41,3
3,00 16 3,6 3,6 44,8
4,00 136 30,5 30,5 75,3
5,00 91 20,4 20,4 95,7
6,00 19 4,3 4,3 100,0
Total 446 100,0 100,0

S_61 - Estou satisfeita(o) com o desempenho do atual governo municipal na área da


educação.

Cumulative
Frequency Percent Valid Percent Percent
Valid ,00 170 38,1 38,1 38,1
1,00 105 23,5 23,5 61,7
2,00 72 16,1 16,1 77,8
3,00 29 6,5 6,5 84,3
4,00 58 13,0 13,0 97,3
5,00 10 2,2 2,2 99,6
6,00 2 ,4 ,4 100,0
Total 446 100,0 100,0

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