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Faculdade de Educação
Campinas
2022
NATHALIA CRISTINA AMORIM TAMAIO DE SOUZA
Campinas
2022
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação
Rosemary Passos - CRB 8/5751
Informações Complementares
Título em outro idioma: Teaching inventiveness in the relationship between literacy teacher
training and writing teaching practices
Palavras-chave em inglês:
Teacher development
Literacy
Reading and writing
Literacy teacher
Área de concentração: Educação
Titulação: Doutora em Educação
Banca examinadora:
Ana Lúcia Guedes-Pinto [Orientador]
Telma Ferraz Leal
Paula Baracat De Grande
Edson do Carmo Inforsato
Norma Sandra de Almeida Ferreira
Data de defesa: 05-12-2022
Programa de Pós-Graduação: Educação
Faculdade de Educação
TESE DE DOUTORADO
COMISSÃO JULGADORA:
A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na
Secretaria do Programa da Unidade.
2022
Dedico esta pesquisa:
Chegar até aqui e sentir que um dos meus maiores e mais ambiciosos
sonhos enfim se realizou me faz pensar naqueles que, de uma forma ou de outra,
acreditaram, sonharam e trilharam esses quatro intensos anos comigo. Por cada ato
de apoio, carinho, paciência e escuta atenta de vocês, deixo registrada minha eterna
gratidão:
À Ana Lúcia, pelo privilégio de sua orientação tão dedicada, que me ajudou
a amadurecer e desenvolver os caminhos desta tese. Seus direcionamentos, suas
aulas, suas leituras e cada conversa que tivemos marcaram minha trajetória de um
jeito especial. Obrigada pelo apoio incondicional nesses anos, e principalmente pela
amizade.
À minha mãe Rosana, por ser a pessoa mais resiliente e bondosa que já
conheci. Obrigada por me incentivar e depositar toda a confiança do mundo no que
faço. Se estou onde estou, é porque você nunca soltou a minha mão. Te amo além
do amor.
Ao meu irmão Renato, pelos diálogos leves, que trouxeram alegria aos
meus dias, e à minha irmã Thayná, pela parceria em todos os momentos, por ouvir
repetidamente meus ‘ensaios’ de apresentação da pesquisa e, especialmente, pela
leitura cirúrgica dos meus textos. Vocês são muito importantes para mim!
Aos meus sogros Teresa e Ari, por me acolherem como filha e não medirem
esforços quando o assunto é ajudar. Vocês ressignificaram a visão de família que eu
costumava ter e preencheram espaços únicos em meu coração.
MUITO OBRIGADA!
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam.
E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em
lembrança, em narrativa. (...)
É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar
caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem.
Sempre.”
Ler e escrever são práticas essenciais para a vida em sociedade e, nesse caminho
que envolve seu ensino, geralmente iniciado nos primeiros anos de escolarização, a
figura da professora / do professor se apresenta como um divisor de águas. Isso
porque, a abordagem, o método e a perspectiva de ensino que consubstanciam as
práticas docentes incidem, em grande medida, na relação que os estudantes
estabelecerão com a leitura e a produção de textos. Discussões em torno das práticas
de leitura e escrita costumam ser recorrentes no âmbito da formação de
professoras/professores. No entanto, a maneira como as/os docentes conduzem esse
processo carrega, além das aprendizagens e orientações provenientes das
formações, modos próprios de agir, conceber e desenvolver a alfabetização. Diante
disso, o presente texto, a partir da realização de pesquisa bibliográfica, cujo material
de estudo reúne teses e dissertações produzidas em universidades públicas paulistas
entre os anos de 2015 e 2019, objetiva inferir a inventividade docente, por meio de
indícios, forjados pelas percepções advindas da relação entre a formação de
professoras alfabetizadoras e as práticas de ensino da leitura e da escrita, expressas
em tais estudos acadêmicos. O corpus da pesquisa é analisado à luz do referencial
teórico-metodológico da História Cultural, para fundamentar a análise das pesquisas
quanto às ações docentes face às possibilidades de apropriação, desvios e
reempregos em relação às propostas formativas, na interface com os Estudos do
Letramento na perspectiva sociocultural. Os apontamentos resultantes do estudo
evidenciaram pistas de que as professoras alfabetizadoras, narradas nas pesquisas,
manifestam sua inventividade de diferentes maneiras: nas relações entre pares que
protagonizam, nas orientações pedagógicas que ressignificam, nos múltiplos sentidos
que produzem entre si e com seus alunos, na ordem que subvertem, ainda que
sutilmente, enfim, nos rearranjos que fazem em contextos formativos. Assim, ainda
que os indícios inferidos representem realidades específicas e que não se tenha a
intenção de generalizá-los, foi possível concluir que não há uma transposição direta
entre o que as docentes aprendem nos cursos de formação, sejam eles mais
tradicionais ou não, e o que realizam ao alfabetizarem seus alunos.
Reading and writing are essential practices for life in society and, in this path that
involves their teaching, usually started in the first years of schooling, the figure of the
teacher and teacher is presented as a watershed. This is because the approach,
method, and teaching perspective that substantiate teaching practices largely affect
the relationship that students will establish with reading and text production.
Discussions around reading and writing practices are often recurrent in the context of
teacher training. However, how teachers conduct this process carries, in addition to
learning and guidance from training, their ways of acting, conceiving, and developing
literacy. Because of this, the present text, based on bibliographic research, whose
study material brings together theses and dissertations produced in public universities
in São Paulo between 2015 and 2019, aims to infer teaching inventiveness, through
evidence, forged by perceptions arising from the relationship between the training of
literacy teachers and the teaching practices of reading and writing, expressed in such
academic studies. The research corpus is analyzed in the light of the theoretical-
methodological framework of Cultural History, to support the analysis of research
regarding teaching actions in the face of possibilities of appropriation, deviations, and
re-employment concerning training proposals, in the interface with Literacy Studies
from a sociocultural perspective. The notes resulting from the study showed clues that
literacy teachers, narrated in the research, manifest their inventiveness in different
ways: whether in the relationships between peers that they star in, in the pedagogical
guidelines that give new or in the multiple meanings they produce among themselves
and with their students, in the order they subvert, albeit subtly, finally, in the
rearrangements they make in formative contexts. Thus, even though the inferred
evidence represents specific realities, and it is not intended to generalize them, it was
possible to conclude, that there is no direct transposition between what teachers learn
in training courses, be they more traditional or not, and what they accomplish when
teaching their students to read and write.
FE Faculdade de Educação
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 16
Entre memórias, apropriações e experiências: a constituição do objeto de estudo ... 16
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 23
1.2.1. Michel de Certeau: um olhar para os aspectos das práticas cotidianas ......... 48
1.2.2. Michelle Perrot: um olhar para as táticas de subversão ................................. 50
Apresentação
1
O Programa, deliberado em 2012 pelo Ministério da Educação (MEC), iniciado efetivamente em 2013
e vigente até 2018, consiste em um acordo firmado entre o Governo Federal, estados e municípios
com o objetivo de estabelecer o compromisso de alfabetizar os alunos das redes públicas de ensino
ao longo do ciclo de alfabetização, ou seja, até os oito anos de idade ou terceiro ano do Ensino
Fundamental.
2
Professores e/ou pós-graduandos vinculados a Instituições de Ensino Superior para conduzirem a
formação aos Orientadores de Estudo, conforme as propostas presentes nos cadernos de estudo.
3
Profissionais vinculados às Diretorias de Ensino municipais responsáveis por multiplicar a formação
oferecida pelos formadores aos Professores Alfabetizadores.
4
Professores atuantes nos anos iniciais do ensino fundamental responsáveis pelo ensino direto às
crianças no espaço escolar.
19
profissionais)? Enfim, mesmo sem saber qual seria o desfecho, respirei fundo e
enfrentei o desafio. Para minha surpresa, foi melhor do que poderia esperar. Os
docentes, como receado por mim, comentaram sobre a minha pouca idade, ao mesmo
tempo em que ressaltaram uma fala impregnada de otimismo e do oxigênio que eles
precisavam para revigorar suas práticas. E, claro, fiquei muito feliz!
Com o tempo fui estreitando as relações com o grupo docente e esse
movimento, permeado por leituras e releituras constantes, me permitiu identificar suas
necessidades formativas. Embora tenha atuado em diferentes municípios (dois anos
em São Paulo, um ano em Ribeirão Preto e um ano em São José do Rio Preto), com
diferentes demandas e especificidades, mostrou-se comum a urgência por diretrizes
que conduzissem à melhoria da atuação docente face ao que consideravam seu maior
desafio: o ensino da leitura e da escrita da língua portuguesa.
Essa necessidade, que denotou angústias, preocupações e até mesmo
certo imediatismo, me fez recordar a sensação de despreparo relatada pelas
licenciandas participantes de minha pesquisa de mestrado. Em ambos os casos,
pôde-se depreender que existe uma busca por “receitas”, por modelos. E, ainda que
tal busca não seja de todo contestável, uma vez que exemplos bem-sucedidos são
importantes para que os professores balizem e desenvolvam suas aulas, a ideia de
uma formação que visasse fornecer respostas prontas a serem
reproduzidas/aplicadas em qualquer contexto, me provocava desconforto. Nesse
sentido, sempre procurava atuar de modo a realçar a importância da construção de
boas práticas escolares5, apostando na inventividade docente.
Entre transformações e permanências na forma de compreender a
docência, considero que as formações foram bastante produtivas, tanto no que diz
respeito ao seu objetivo principal, centrado na formação de docentes para outras
perspectivas de ensino da leitura e da escrita no ciclo de alfabetização, quanto na
problematização de temas concernentes à constituição da docência em contexto de
mudanças e aprendizagens constantes. Tomando esse último aspecto como chave
5
BATISTA (2019), em sua dissertação, procura abordar a complexa relação entre teoria e prática na
formação continuada de professores. Interessada em conhecer os impactos do PNAIC na perspectiva
teórica das práticas pedagógicas das professoras, por meio da metodologia da História Oral, busca
definir o que seriam “boas” práticas. Seu trabalho indica que, para se atribuir essa qualificação, é
imprescindível levar em consideração os processos particulares de constituição profissional de cada
professora.
20
6
O artigo apresenta uma revisão de literatura sobre o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa (PNAIC), abrangendo 64 trabalhos, do período de 2013 até 2016.
7
Trata-se do Programa de Estágio Docente (PED), oferecido pela Faculdade de Educação da
UNICAMP. Minha participação ocorreu durante o primeiro período letivo de 2019, no Grupo C -
Atividades de Apoio à Docência Parcial, junto à disciplina EP152 – Didática: Teoria Pedagógica, e
durante o segundo período letivo de 2021 (de modo remoto no contexto pandêmico), no Grupo B –
Atividades de Docência Parcial, junto à disciplina EP372 – Avaliação, ambas sob supervisão da Prof.ª
Dr.ª Ana Lúcia Guedes-Pinto.
21
8
Nesta tese, opto por identificar a categoria docente no feminino: professoras alfabetizadoras. Essa
escolha se dá em virtude de a docência na alfabetização ser ocupada majoritariamente por mulheres.
9
Trata-se do objeto de estudo desta tese. Mais adiante explicitarei a elaboração que construí acerca
do conceito de “inventividade docente’.
23
Introdução
10
Oriundo do francês, o termo bricolage se refere a um trabalho manual feito de improviso e que
aproveita materiais diferentes. Certeau (1994) utilizou a noção de bricolagem para representar a união
de diferentes elementos culturais.
11
Esta delimitação é justificada no capítulo sobre o percurso metodológico.
25
12
O detalhamento da busca realizada no banco de teses e dissertações da CAPES é explicitado no
terceiro capítulo, que aborda os aspectos metodológicos da pesquisa.
26
Capítulo 1
Formação de professores no Brasil: do evidente ao negligenciado
13
Nesse contexto, concebo os termos amplo e normativo como análogos por fazerem referência a
fatores gerais da legislação da área que se dirigem às instituições formadoras.
14
Por questões específicas ou prescritivas compreende-se aquelas voltadas aos sujeitos envolvidos
no processo formativo (formadores das universidades, gestores escolares e os próprios professores).
29
15
De acordo com Ginzburg (1989), aspectos negligenciados são aqueles que transbordam nos
detalhes, nos vestígios, nos indícios, nos sintomas, nas pistas de um dado contexto.
30
16
A formação de professores polivalentes para as etapas elementares da Educação Básica esteve
historicamente circunscrita à formação em Nível Médio, diferentemente da formação de professores
especialistas (PEDROSO et al., 2019; SAVIANI, 2012).
33
17
Como golpe de estado, em que foi aprovado o impeachment a Presidente Dilma Rousseff, um novo
governo, com a condução do presidente Michel Temer, há uma nova orientação em movimento.
37
18
Trata-se de “um documento de caráter normativo, que define o conjunto orgânico e progressivo de
aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e
modalidades da Educação Básica” (BRASIL, 2017, p. 5).
38
ANPEd, essa preocupação produz uma inversão na lógica da profissão docente, uma
vez que reduz o professor a um mero acolhedor e atenua o papel da escola enquanto
espaço de construção e formação de bases para o desenvolvimento cognitivo.
A linha do tempo dos documentos oficiais, brevemente apresentada,
mostra o movimento dos aspectos evidentes que consubstanciam a formação docente
em suas faces normativa e prescritiva. Trata-se, conforme já explicitado, de questões
objetivas importantes para a orientação dos processos formativos. O quadro-síntese
resgata e ilustra o foco de cada documento selecionado:
19
Prevê um regime de colaboração entre União, estados e municípios, para a elaboração de um plano
estratégico de formação inicial para os professores que atuam nas escolas públicas. A Política foi
reformulada em 2016, de modo a ficar em consonância com o Plano Nacional de Educação
(PNE), aprovado pela Lei nº 13.005, de 24 de junho de 2014.
41
20
Não há referência ao PNAIC na recente Política Nacional de Alfabetização – PNE (BRASIL, 2019b).
21
Tomando como referência temporal o Brasil redemocratizado, pode-se afirmar que as políticas
públicas voltadas à alfabetização começaram a ser criadas a partir da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDBEN 9394/96 (TEIXEIRA e SILVA, 2021).
42
22
Cabe mencionar que a descontinuidade das ações do PNAIC e os encaminhamentos posteriores,
quanto à formação de alfabetizadores, foram marcos que evidenciaram o apagamento do termo
letramento nos documentos e nas propostas formativas.
45
Capítulo V
Da formação continuada em práticas de alfabetização
Seção I
Da Formação Continuada On-Line para Professores
Art. 13. A formação continuada on-line de professores alfabetizadores
será realizada por meio do Ambiente Virtual de Aprendizagem do
Ministério da Educação - Avamec.
Art. 14. O curso on-line será composto por textos, vídeos,
questionários e atividades.
§ 1º O professor, ao completar o curso, será submetido a teste on-line
para avaliar o conhecimento adquirido.
§ 2º O professor que atingir o desempenho mínimo estabelecido pelo
MEC terá direito a certificado de conclusão de curso (BRASIL, 2020b,
p. 69).
23
Refere-se ao curso on-line Alfabetização Baseada na Ciência (ABC), lançada no Ambiente Virtual
de Aprendizagem do Ministério da Educação (AVAMEC), com carga horária de 180 horas. Trata-se
de uma capacitação aberta a qualquer público, mas especialmente voltada para docentes que
trabalham com alfabetização, baseada exclusivamente no Método Fônico.
24
É válido ressaltar que, na intenção de compreender a proposta do curso de formação Alfabetização
Baseada na Ciência, realizei-o por completo no período de 16 de janeiro de 2021 e 10 de fevereiro de
2022.
46
pronto25. Alguns pontos de tensão já foram apresentados, entre os quais Telma Leal,
em publicação recente, destaca que:
25
Na conferência “Contribuições dos estudos linguísticos para alfabetização e letramento”, proferida
em 2 de setembro de 2020, Magda Soares se manifestou de forma enfática contrariamente à recente
política de alfabetização. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DQBKFrlklwY. Acesso
em: 18 /10 /2022.
47
26
Saviani (2009) discorre de forma bastante elucidativa a polêmica que tem percorrido a formação de
professores: seu aspecto mais geral que se volta para os seus fundamentos e o aspecto mais didático,
que se detém nas questões de metodologia.
27
Importante salientar que os subitens a seguir, que abordam as contribuições de autores da História
Cultural, constam, também, no referido artigo, cuja publicação constitui parte dos indicativos desta
pesquisa. Disponível em: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/13709. Acesso em:
16 nov. 2022.
48
28
Ao que sabemos, Certeau (1994) não chega a afirmar que as artes de fazer pertencem a ordem do
inconsciente ou do consciente. A respeito da consciência dos atos do cotidiano, Certeau (1994)
apresenta uma visão ambígua, que em certas análises nos levam a pensar que há uma racionalidade
intencional nos golpes, em outros prevalece uma ideia de uma resposta com astúcia inesperada, vinda
sem planos. Portanto, tomar os golpes como uma ação consciente ou semiconsciente, ainda é uma
questão para ser problematizada e refletida com mais vagar.
52
Capítulo 2
Ensino da leitura e da escrita: a perspectiva sociocultural em foco
29
Leal (2019, p. 78) ressalta que considerar a importância da consciência fonológica não corresponde
a defender o Método Fônico, pois este, “além de propor treino de habilidades que evidências científicas
têm mostrado que não são necessárias, tem muitos limites no que se refere ao trabalho para que os
estudantes compreendam o funcionamento do Sistema de Escrita Alfabética e desenvolvam, de fato, a
leitura e a escrita de textos”.
30
O ensino da escrita alfabética como Sistema Notacional enfatiza que as crianças precisam
compreender os princípios de seu funcionamento, ou seja, refletir sobre como as relações entre a
pauta sonora e o registro gráfico ocorrem (LEAL, 2019).
31
O conceito de letramento surgiu como uma demanda de pesquisadores ingleses (dentre eles, Brian
Street, David Barton e Marly Hamilton) que, interessados em compreender o impacto da escrita na
59
de Rojo (2010), a própria autora reconhece que, para participar de práticas letradas
de certas esferas valorizadas, como a escolar, a da informação impressa, a literária,
a burocrática, é necessário não somente ser alfabetizado como também ter
desenvolvido níveis mais avançados de alfabetismo.
É a partir das práticas sociais e escolares de letramento que o indivíduo
pode compreender as funções sociais da escrita, como ela se ajusta aos diferentes
contextos e como nos apropriamos dela (MARCUSCHI, 2001). Desse modo, e para
realçar a especificidade do letramento em contextos escolares, focalizando o ensino
da leitura e da escrita, os conceitos de eventos de letramento e de práticas de
letramento se mostram oportunos são discutidos a seguir.
32
No texto-base de apresentação na reunião da ANPEd, de 2010, publicado no Cadernos CEDES
(vol. 33, n. 89, 2013), Street retoma a história do conceito de letramento na Inglaterra e o que significa
os Novos Estudos do Letramento, procurando construir relações de seu uso no contexto brasileiro.
61
33
Como define Brian Street (1995), práticas de letramento são comportamentos exercidos pelos
participantes em um evento de letramento, onde as concepções sociais que o configuram têm uma
raiz histórico-cultural, impregnada da prática social.
62
34
Dados esses apresentados em documentos oficiais, como os apresentados no primeiro capítulo
deste estudo.
64
35
Essas abordagens “propõem um ensino linear, com progressão fixa, em que as letras, fonemas e
sílabas são objetos de reflexão que antecedem o trabalho com os textos autênticos, que circulam
socialmente” (LEAL, 2022, p. 164).
36
A concepção de gêneros textuais defendida nesta tese não se reduz a unidades textuais dadas,
estáticas, descontextualizadas; leva em conta a situação comunicativa de produção e recepção do
texto, ou seja, considera os critérios de ação prática, circulação sócio-histórica e funcionalidade
(MARCUSCHI, 2005).
65
apresentar a escrita dando lugar a textos autênticos e plurais que ampliem o repertório
de práticas de letramento intra e extraescolares dos alunos.
Conforme visto no subitem anterior, a alfabetização é uma das muitas
práticas de letramento que se faz presente na vida dos jovens estudantes. Aprender
a ler e a escrever proporciona que as crianças interajam com textos escritos e
escrevam os seus próprios, com autoria. E, junto da escola, em diferentes espaços da
sociedade elas se defrontam com outros textos que podem ser encontrados e
interpretados. A aprendizagem da leitura e da escrita permite a inserção e
participação efetiva em esferas mais complexas da vida social.
Desse modo, faz-se imprescindível que as professoras alfabetizadoras
explorem, além de textos diversificados, estratégias variadas para o ensino da leitura
e da escrita, a fim de que os alunos sejam incitados a usar diferentes formas de
relação entre textos. Brandão e Rosa (2010) acreditam que essas estratégias podem
ser ativadas já nos anos iniciais de escolarização, através, por exemplo, de rodas de
conversa sobre textos.
Outro aspecto que merece atenção ao se discutir práticas de leitura e
escrita na escola, na perspectiva sociocultural, diz respeito às finalidades da leitura.
Ler para compor um repertório comum; ler para comentar/argumentar sobre o que foi
lido; ler para se entreter (leitura deleite); ler para aprender a ressignificar; ler para
partilhar textos que apreciamos: são diversas as possibilidades e os objetivos da
leitura. Objetivos esses que
[...] sempre começa com uma pergunta que fazemos a um texto, não
importa que essa pergunta seja para nos distrair, para nos emocionar,
para nos confortar, para esquecer, para lembrar, para identificar ou
para compartilhar. Se a leitura é um diálogo, todo diálogo começa
essencialmente com uma pergunta, com uma questão, cuja resposta
nos leva a outra pergunta e a outra resposta e a outra pergunta...
(COSSON, 2014, p. 4).
66
Ora com mais ênfase em uma adesão às orientações oficiais, ora com
mais resistência às formas tradicionais, ou então, com um movimento
que é dado pelos sujeitos que as praticam. Alfabetização como prática
cultural não é espelho ou aplicação exclusivamente das orientações
oficiais do governo ou mesmo da gestão escolar. Em suas práticas, os
professores as significam no interior de condições reais e cotidianas
da sala de aula (BORTOLAZZO, 2019, p. 157).
Capítulo 3
Abordagens e percursos metodológicos do estudo
em: 07/03/2022.
69
de situações de controle. Nos diversos exemplos citados pelo autor em suas obras,
assim como os citados por Perrot (1998), a inventividade, ora chamada de furtividade
ou, ainda, ‘arte de dar golpe’, se manifesta de múltiplas maneiras, sendo em alguns
casos um pouco mais evidente, enquanto, em outros, mais camuflada. O que se
coloca em discussão, no entanto, não é o destaque para a maior proporção ou a maior
nitidez do ato inventivo, como se configurassem uma transgressão mais expressiva,
mas a compreensão de que ele se apresenta em diferentes nuances. A inventividade
não ‘é’, ela ‘se faz’.
Como é característico do referencial adotado (História Cultural), Certeau e
outros autores que também desenvolvem reflexões envolvendo a inventividade, não
fazem uso de definições inflexíveis para definir precisões e objetividades e tampouco
para gerar comprovações. Ao contrário, reconhecem as sinuosidades existentes em
diferentes contextos, evitando dicotomias, como obediência versus subversão, teoria
versus prática, inventivo versus acomodado.
Pensando nessa possibilidade de redimensionar um conceito, e com apoio
nas ideias centrais de Certeau (1994; 1996), ressalto que o olhar sobre inventividade
produzido nesta tese diz respeito a ações táticas – impregnadas de criatividade,
astúcia – de sujeitos (neste caso, professoras alfabetizadoras) em narrativas sobre
suas práticas cotidianas, que podem ser expressas na descrição de olhares (e
mudanças de olhares), na combinação entre o tradicional e as apropriações, no jogo
de palavras, nas histórias, na bricolagem de diferentes elementos culturais para a
construção de um modo próprio de ressignificar, imbricado ao que lhes é dado para
consumo (em contexto de formação inicial ou continuada).
Tão importante quanto explicitar o que é considerado inventividade neste
trabalho, é especificar o que não a representa, pois há uma linha tênue que separa o
entendimento de ser inventivo e de ‘ser inovador’ ou ‘andar sempre na contramão do
sistema’. Assim, a título de exemplo, não se quer dizer que uma professora que faz
uso de tecnologias, sendo pertencente a um grupo de professoras que não o faz,
esteja sendo, necessariamente, inventiva. Também não significa ser inventiva uma
professora que se recusa veementemente a atribuir menção numérica a seus alunos
em dinâmicas avaliativas, como é estabelecido pelos sistemas de ensino. Não se
trata, portanto, do oposto de autoridade, de instituído, de tradição ou de imposição,
70
38
Segundo Thiry-Cherques (2006), o método estruturalista considera o objeto como totalidade
passível de descrição a partir dos elementos que a constituem e das relações que mantém entre si.
O estruturalismo, ao construir um método de análise formal, pretende dar objetividade ao estudo do
humano.
73
8%
9% Norte
34%
8% Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
41%
Sul
USP
37% 40% UNESP
UNICAMP
23%
USP – 617. Das 4242 pesquisas situadas na região sudeste, 1530 são oriundas de tais universidades.
76
e) Seleção: após a triagem por títulos, realizou-se uma seleção com critérios ainda
mais específicos, a fim de acolher para este estudo as pesquisas que, de fato,
apresentassem contribuições ao objeto de investigação delineado. São eles:
alusão à formação de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
seja ela na esfera inicial (curso de Pedagogia) ou continuada; e referência ao
ensino da leitura e/ou da escrita e ao processo de alfabetização/letramento.
Destarte, procedeu-se com a leitura minuciosa dos resumos das 94
teses/dissertações. Dessas, 25 foram selecionadas. A figura abaixo ilustra a
origem e o total de pesquisas localizadas após triagem e seleção definitiva:
USP
UNICAMP
UNESP
0 10 20 30 40 50
Triagem Seleção
Fonte: Elaboração da autora com base nas pesquisas do Catálogo de Teses e Dissertações
da CAPES.
41
Nesta etapa foram desconsiderados os trabalhos que trazem em seus títulos elementos que
evidenciam explicitamente a não aderência ao foco deste estudo, como: referência a níveis de ensino
não correspondentes aos anos iniciais do Ensino Fundamental; foco em outras áreas ou cursos.
42
As universidades USP, UNICAMP E UNESP registraram, respetivamente, 39, 29 e 26 pesquisas
após a triagem e 9, 12 e 4 após a seleção definitiva.
78
43
Seu estudo será retomado com vagar.
79
Da vivência à elaboração: uma proposta de plano de ensino de Maria da Conceição Educação / USP / São
P1 D 2015
língua portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental Costa Paulo
Organização e funcionamento do Programa Sala de Leitura Josany Leme da Educação / UNESP /
P2 M 2015
nas escolas da diretoria de ensino de Presidente Prudente Silva Batista Presidente Prudente
A escrita na formação inicial docente: o que escrevem os Bruna Fabiane Educação / UNESP /
P3 M 2015
futuros professores? Baptistella Rio Claro
Como a prática de leitura da professora, através da literatura Cristiane Begalli Educação / UNICAMP /
P4 M 2015
em sala de aula, pode contribuir na formação da criança leitora Evangelista Campinas
O livro de imagem como base para produções orais e escritas Vera Lúcia Fellipin Educação / USP / São
P5 M 2015
de crianças do Ensino Fundamental dos Santos Paulo
A supervisão de estágio: interlocuções sobre a inserção de
Rita de Cássia Educação / UNICAMP /
professores em formação nas escolas de Educação Infantil e P6 D 2015
Cristofoleti Campinas
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Alfabetização e letramento: ampliação dos saberes didáticos Marilene Bortolotti Educação / UNESP /
P7 M 2015
por meio da formação continuada online Boraschi Presidente Prudente
Projeto colaborativo de avaliação do desempenho escolar:
Railene Menezes Educação / USP / São
contribuições para a formação de professores da Educação P8 M 2015
Naranjo Policaro Paulo
Básica
Alfabetização no Ensino Fundamental: novas bases Educação / USP / São
P9 M Natalia Bortolaci 2015
curriculares Paulo
Educação / UNICAMP /
O trabalho docente com.par.t(r)ilhado: focalizando a parceria P10 D Marissol Prezotto 2015
Campinas
A formação continuada de professores/as nas cidades de
Educação / UNICAMP /
Campinas e Hortolândia: um balanço do período de 2000 a P11 M Raquel Pereira Alves 2015
Campinas
2012
O ensino de leitura literária nos anos iniciais do ensino
Iracema Santos do
fundamental: dimensões relativas à gestão e à estrutura da P12 D Educação / USP / São 2016
Nascimento
escola Paulo
80
Práticas pedagógicas no ensino de leitura nas séries iniciais: o Fernanda Caroline Educação / UNICAMP /
P13 M 2016
processo de constituição de uma professora Teixeira Campinas
Leitura Fruição na escola: o que alunos e professores têm a Fabiana Bigaton Educação / UNICAMP /
P14 D 2016
dizer? Tonin Campinas
As representações de práticas de ensino de leitura e escrita no
Silvia Aparecida Educação / UNICAMP /
processo de elaboração do Programa Ler e Escrever: P15 D 2016
Santos de Carvalho Campinas
prioridade na escola municipal
(Re)ensinando a alfabetizar: um estudo sobre os livros de Bárbara Pereira Educação / USP / São
P16 M 2016
orientação pedagógica do PNAIC (2012) Leme Barletta Paulo
Elaine Cristina
Projetos didáticos em salas de alfabetização: desafios da Educação / USP / São
P17 M Rodrigues Gomes 2016
transposição didática Paulo
Vidal
O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: Eliana Aparecida Educação / UNESP /
P18 M 2016
resultados da experiência em Campinas Barbosa Boscolo Rio Claro
A voz de uma professora - formadora que se inventa e Renata Barroso de Educação / UNICAMP /
P19 M 2016
reinventa a partir da/com/na escola Siqueira Frauendorf Campinas
Práticas pedagógicas: como se ensina ler e escrever no ciclo Renata Rossi Fiorim Educação / USP / São
P20 M 2018
de alfabetização? Siqueira Paulo
A sala de aula como espaço de interlocução e produção de Giovana Tolesani Educação / UNICAMP /
P21 M 2018
sentidos Camargo Barbosa Campinas
A professora-pesquisadora-iniciante e seus outros: caminhos Vanessa França Educação / UNICAMP /
P22 D 2018
partilhados na invenção de ser professora Simas Campinas
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: as
Edna Rosa Correia Educação / USP / São
estratégias e táticas de apropriação de uma alfabetizadora e P23 D 2018
Neves Paulo
seus formadores
Modos de ensinar a ler e a escrever: alfabetização como uma Educação / UNICAMP /
P24 D Mariana Bortolazzo 2019
prática cultural Campinas
Interlocuções no contexto de pesquisa com professoras Daniele Aparecida Educação / UNICAMP /
P25 M 2019
iniciantes em turmas de alfabetização Biondo Estanislau Campinas
Fonte: Elaborado pela autora, com base no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES.
* Refere-se à abreviatura atribuída a cada pesquisa, cuja ordem se baseia na cronologia crescente.
** D = Nível de Doutorado; M = Nível de Mestrado.
81
Pesquisa Objetivo
P14 - Tese Entender um pouco mais da leitura fruição e seus desdobramentos, como
se concretizaram no ambiente escolar, bem como seus impactos, e como
(TONIN, 2016) poderiam influenciar a formação de leitores, em especial, dos alunos.
P22 - Tese Compreender como ocorre o processo pelo qual a profissional recém-
formada constitui-se professora, ou melhor: como é que esse processo
(SIMAS, 2018) ocorre com o meu eu, como me invento e me reinvento professora.
Instrumentos de coleta
7% Entrevista
7%
Registros orais informais
7% 38% Diário de bordo / campo
Questionário
21%
Relato da própria prática
20% Produções escritas
P3 (BAPTISTELLA,
História Oral (Ataíde; Guedes-Pinto; Meihy)
2015)
P4 (EVANGELISTA,
História Cultural (Lajolo; Certeau; Chartier)
2015)
P6 (CRISTOFOLETI,
Teoria enunciativa (Bakhtin)
2015)
P9 (BORTOLACI, 2015) História da escrita, cultura oral, psicanálise e educação (Freud; Havelock)
P15 (CARVALHO,
História Cultural (Chartier; Hébrard; Ginzburg)
2016)
P21 (BARBOSA, 2018) História Cultural (Certeau); concepção dialógica da língua (Bakhtin; Brait)
P23 (NEVES, 2018) Abordagem etnográfica (Rockwell); História Cultural (Certeau; Chartier)
P24 (BORTOLAZZO,
História Cultural (Certeau; Chartier; Geraldi; Ginzburg)
2019)
44
Aqui já as identifico no feminino, dada a constatação de que todas as produções acadêmicas
selecionadas foram escritas por mulheres.
87
P23 (NEVES, 2018) Investiga a apropriação de uma política educacional por seus
destinatários (neste caso, professora alfabetizadora e orientadores de
89
45
Ressalta-se que os elementos formais são utilizados por Ginzburg quando estes são meios para
encontrar indícios (LEANDRO e PASSOS, 2021).
90
46
As palavras, em ordem alfabética, são: alfabetizadora; alfabetização; alunos; aprendizagem;
contexto; diálogo; Educação Básica; ensino; entrevista; escola; escrever; escrita; estágio; formação
continuada; formação inicial; leitura; ler; livros; narrativa; Pedagogia; PIBID; PNAIC; prática;
professores; saberes; sala; sentidos; teórico; textos; universidade.
47
O termo “focos de interesse” parece mais coerente com o referencial adotado do que “categorias de
análise”.
91
Capítulo 4
A inventividade docente na relação formação-práticas de ensino de
leitura e escrita: indícios nas pesquisas
“Em relação aos bilhetes, acho que é uma escrita que não tem como
o professor controlar. Tem bastante, principalmente com quem senta
do seu lado. O professor fala ‘não conversa’, então troca bilhetinhos.
E querem fugir da aula, ou combinar um trabalho que tem que ser feito.
Ou ‘oi tudo bem, como está hoje?’. Quando uma amiga chega meio
cansada, abatida, eu sempre vou lá e escrevo alguma coisa no
cantinho do caderno dela” (BAPTISTELLA, 2015, p. 107 - excerto de
uma entrevista).
Esse gênero textual (bilhete) produzido pela aluna, assim como outras
anotações no final do caderno, na agenda, por exemplo, são práticas
da escrita não reconhecidas pela universidade como escritas que
fazem parte da formação. Tais produções dos alunos podem ser
compreendidas dentro do eixo que chamo de “práticas de escrita
marginais”, que se referem às escritas não legitimadas pela academia,
mas que estão presentes no contexto da formação inicial docente.
Elas estão inscritas nas “brechas” (BAPTISTELLA, 2015, p. 108).
[...] esse é um dos fatores que explica por que muitas vezes os
programas de formação continuada para professores
alfabetizadores dos anos iniciais do ensino fundamental não trazem
os resultados esperados, mesmo tendo grandes investimentos
financeiros. Embora sejam bem elaborados, são planejados de
acordo com as intencionalidades de quem os desenvolveu, que
podem não ter as mesmas intenções de quem será formado
(BORASCHI, 2015, p. 89).
48
A autora comenta que brinca com o verbo “compartilhar”, mesclando-o com o verbo “trilhar”. Para
ela, com.par.t(r)ilhar é estar com o outro na caminhada que se estabelece ao longo do caminho
percorrido ou até mesmo o isolamento que vivemos quando estamos realizando o trabalho docente.
101
Como se pode notar, as três pesquisas (P7, P10 e P13) que inauguram o
foco de interesse sobre a formação da professora atuante, aqui tratado, acolhem o
pressuposto de que um dos aspectos centrais para a formação profissional de
professoras alfabetizadoras reside na interação entre pares e na constante reflexão
sobre a própria prática. Ao analisarem as narrativas das docentes envolvidas em seus
103
[...] todo autor, todo escrito impõe uma ordem, uma postura, uma
atitude de leitura. Que seja explicitamente afirmada pelo escritor ou
produzida mecanicamente pela maquinaria do texto, inscrita na letra
da obra como também nos dispositivos de sua impressão, o protocolo
de leitura define quais devem ser a interpretação correta e o uso
adequado do texto, ao mesmo tempo que esboça seu leitor ideal.
Deste último, autores e editores têm uma clara representação: são as
competências que supõem nele que guiam seu trabalho de escrita e
de edição; são os pensamentos e as condutas que desejam nele que
fundam seus esforços e efeitos de persuasão. É possível, portanto,
interrogando de novo os textos e os livros, revelar as leituras que
pretendiam produzir, ou aquelas tidas como aptas para decifrar o
material que davam a ler. (CHARTIER, 2011, p. 20 apud ALMEIDA,
2013, p. 8)
modos que também não são únicos. E sobre tais usos, Barletta (2016, p. 97) enfatiza,
como uma de suas principais considerações, que:
49
Vide narrativas das pesquisas P8 e P16, já apresentadas.
120
50
Cumpre relembrar que a dimensão estética das práticas cotidianas é entendida por Certeau como
os modos diversos e individuais de se usar um determinado objeto, uma linguagem ou mesmo um
lugar.
126
A autora conta em seu texto que, antes mesmo de iniciar sua pesquisa,
refletia sobre a importância de fazer anotações regularmente sobre o que tivesse
relação com as práticas leitoras de seus alunos. Ao ingressar na pós-graduação, no
entanto, passou a ter um olhar ainda mais atento a tais anotações descritivas,
compreendendo-as à luz do referencial teórico da História Cultural e, portanto,
concebendo-as como importantes registros do cotidiano e das ações dos sujeitos
ordinários, imersos em culturas plurais (CERTEAU, 1994; 1996).
No período que abrange a pesquisa, ao iniciar o trabalho com a literatura
infantil, a autora optou por escolher obras de autores renomados da literatura infantil,
entre os quais foram eleitos: Monteiro Lobato, Ruth Rocha, Ziraldo, Eva Furnari,
Ricardo Azevedo e Ana Maria Machado. As leituras, realizadas sempre no início de
suas aulas, eram previamente submetidas a um ‘rito’ de preparação:
produtivo a leitura fruição também ser realizada por outros docentes (especialistas) e
não apenas pela professora responsável por ensinar a Língua Portuguesa 51.
As professoras e professores entrevistadas(os), por sua vez, reconhecem
que as iniciativas de leitura fruição obtiveram sucesso por terem sido bem acolhidas
pelos estudantes. No entanto, comentam que nem todos os docentes da escola
aderiram ao projeto de leituras por prazer em suas aulas.
Dentre as contribuições da leitura fruição, foram elencadas, pelo grupo
docente, a aproximação dos alunos com as obras literárias, estímulo ao gosto pela
leitura, incorporação crítica das habilidades de análise literária, apropriação da(s)
cultura(s) (CERTEAU, 1996; CHARTIER, 1999).
Diante das conversas realizadas com os diferentes interlocutores, a autora
chama atenção para o aspecto performativo daquele que lê para o outro, indicando
que no ato da leitura se fazem presentes questões ligadas à atuação do corpo, à
entonação, ao espaço, às trocas, e que estas culminam em sentidos produzidos entre
os atores.
51
KLEINFELDER (2021), em sua pesquisa de mestrado, intitulada: “Mas leitura de literatura não é só
na aula de Língua Portuguesa, prô?: Desenvolvendo práticas pedagógicas de Geografia com o auxílio
de textos literários” narra sua experiência com a leitura literária, incluindo a leitura fruição, destacando
o enriquecimento do componente de Geografia por meio de tais práticas.
133
sociais que sobredeterminam a sua relação com os textos. Tarefa necessária” (1994,
p. 244).
As relações que foram se estabelecendo entre a professora e seus alunos
parece ter cultivado a sensação de que inventar, imaginar, criar, atribuir significados
outros, seria ‘permitido’. Permissão esta que não precisou ser dita, pois como declara
Certeau (1994), ao subir, descer e girar ao redor das práticas, algo escapa sem
cessar, que não pode ser dito ou ensinado, mas deve ser praticado. E assim, aos
poucos, as crianças se deram conta de que foram produzidas diversas interpretações
para uma mesma história.
Nos dizeres conclusivos da autora, as crianças, no contexto da pesquisa,
foram fornecendo pistas de como vinham se apropriando das atividades de leitura e
escrita e das práticas culturais, por ela (professora) mediadas. Tal conclusão enseja,
também, a compreensão de que o processo de inventividade dos alunos no que diz
respeito aos modos de pensar e de fazer as práticas de leitura floresceu quando
encorajado pela professora. Esta, por sua vez, mostrou-se inventiva na medida em
que reconhecia, validava e registrava suas próprias práticas cotidianas como terreno
fértil e astucioso para a produção de múltiplos sentidos.
Partindo do pressuposto de que a função primeira da escola é formar
leitores e escritores proficientes, Renata Rossi Fiorim Siqueira idealizou sua
dissertação de mestrado (P20), concluída em 2018. A pesquisadora, a partir de um
estudo de caso, envolvendo observações de seis turmas do Ciclo de Alfabetização
(duas turmas do 1º, duas do 2º e duas ao 3º ano do Ensino Fundamental), objetivou
compreender as implicações das diferentes intervenções e práticas docentes para a
aprendizagem dos alunos.
Nos capítulos iniciais, a autora descreve os espaços físicos das salas de
aula, destacando como elemento comum a presença de caixas com livros,
posicionadas no fundo da sala, que ficavam à disposição das crianças para leituras
após o término das atividades.
Na sequência, são explicitadas as práticas rotineiras das professoras, as
quais também apresentaram um aspecto comum: a escrita de um cabeçalho,
contendo as seguintes informações: nome da escola, nome do aluno, nome da
professora, o dia da semana e a condição climática. O que variava era o tipo de letra
utilizado (maiúscula de imprensa nos primeiros anos e cursiva nos demais).
135
cotidiano, mas não reflete a determinação de desarranjos, pois como diria Certeau
(1994), as práticas não se fundam em um ambiente de total desordem.
Alunos e professores fazem parte de um sistema de ensino que orienta a
realização de um rol de atividades pertinentes à posição que cada sujeito ocupa.
Portanto, não se pode afirmar, por exemplo, que os docentes de uma escola têm ‘carta
branca’ para modificarem ou rejeitarem toda e qualquer proposta. Igualmente, não é
concedido aos alunos o manejo indiscriminado de situações que envolvem o
direcionamento das aulas. Nessa linha de raciocínio, Bortolazzo (2019, p. 156) reflete:
Assim, pode-se inferir que a inventividade que subjaz a relação entre uma
professora e seus alunos, se dá na medida em que tais sujeitos produzem sentidos,
criam seus próprios modos de fazer e seus acordos / negociações em um contexto
que, historicamente, é marcado pelo controle – a escola.
139
Considerações Finais
Iniciar as Considerações Finais desta tese com cenas de uma obra52 infantil
significa, para mim, uma escolha bastante emblemática, sobretudo porque elas me
remetem aos sentidos que atribuí a este livro, especificamente, em diferentes
momentos de minha trajetória: ao lê-lo pela primeira vez, na infância, pensei no quanto
era interessante entender uma mesma história do começo para o final e do final para
o começo; já ao apresentá-lo para meus alunos do primeiro ano do Ensino
Fundamental, ponderei sobre a relevância de existirem livros que podem ser lidos e
52
BANYAI, I. Zoom. (Tradução de Gilda Aquino). São Paulo: Brinque-Book,1995.
140
interpretados por todos, até mesmo por crianças que ainda não sabiam ler, por
contarem com imagens que falam por si; mas foi ao revê-lo, em outro contexto,
durante uma disciplina do doutorado, no momento de leitura fruição sempre realizado
no início das aulas por minha orientadora, Ana Lúcia, que adquiri uma outra e preciosa
percepção: a possibilidade de o livro inspirar o olhar metodológico que eu viria a
projetar neste estudo.
Zoom é um livro que pode ser lido da perspectiva do afastamento (do início
para o meio) ou da aproximação (do meio para o fim), assim como de trás para frente.
Dentre as múltiplas interpretações que ele permite, uma delas é o movimento de partir
do micro para o macro e vice-versa. Considerando a vertente teórica que passei a me
apropriar no doutorado, a História Cultural, cujos estudos valorizam as sinuosidades
das práticas cotidianas de sujeitos comuns, a primeira possibilidade pareceu-me
promissora.
O movimento de começar uma leitura pela perspectiva do ‘zoom’, isto é, da
menor unidade, que foi aproximada, em muito se assemelha ao exercício realizado de
“angariar pistas” (GINZBURG, 1989) a partir de detalhes presentes em teses e
dissertações. No livro, a figura do galo recebe visibilidade imediata, sendo a partir dela
que outras perspectivas vão tomando forma. Do mesmo modo, nesta pesquisa, são
os indícios narrativos de micro realidades que ganham relevo e que se tornam
subsídios para a compreensão de um fenômeno maior: a inventividade docente.
****
Breve retomada dos caminhos do estudo
docente de modo geral, para depois prosseguir com um afunilamento que focalizou
as políticas e os programas voltados à alfabetização. Estas especificações se
mostraram importantes, uma vez que as teses e dissertações também as
problematizaram.
Por se tratar de uma pesquisa que investiga a inventividade docente forjada
nas relações entre a formação de professoras alfabetizadoras e as práticas de ensino
de leitura e escrita, fez-se necessário explicitar a concepção teórica sobre
alfabetização aqui assumida: os estudos do letramento na perspectiva sociocultural.
Igualmente, considerei basilar elucidar os caminhos metodológicos do estudo,
desenvolvendo a compreensão do objeto de pesquisa – a inventividade docente –,
bem como do método de investigação adotado – o paradigma indiciário, a partir de
uma pesquisa bibliográfica.
Contempladas estas etapas e já com o corpus definido (as 25 produções
acadêmicas), dei início às descrições das pesquisas, ao passo que estabeleci
diálogos entre elas e os autores que fundamentam a tese.
****
Diante das produções acadêmicas: a(s) inventividade(s)
****
Contribuições da tese para a Educação
Referências Bibliográficas
BARTON, D. Preface: Literacy events and literacy practices. In: HAMILTON, M.;
BARTON, D; ROZ, I. (Ed.). Worlds of literacy. Clevedon: Multilingual Matters Ltd.,
1993.
CHARTIER, A-M. Ensinar a ler e escrever, entre teoria e prática. In: V Semana da
Educação. (Anais do evento). São Paulo: Fundação Victor Civitas, 2010.
149
CHARTIER, A-M. Fazeres ordinários da classe: uma aposta para a pesquisa e para a
formação. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 26, n. 2, p. 157-168, 2000.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GINZBURG, C. As vozes do outro: uma revolta indígena nas ilhas marianas. In:
GINZBURG, C. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia
das Letras, 2002.
PERROT, M. Mil maneiras de caçar. In: Projeto História. n. 17. São Paulo: EDUC,
1998.
SEIXAS, R. Prelúdio. In: Álbum Gita (Bonus Tracks). Universal Music Group, 1974,
faixa 10.