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A GESTÃO DA URBANIZAÇÃO EM BRASÍLIA, SOB A ÓTICA DE

MILTON SANTOS

Rócio Stefson Neiva Barreto – III


Universidade de Brasília – UnB.
rociobarreto_politica@yahoo.com.br
rociobarreto2000@yahoo.com.br

Sessão Temática 03

III - O autor é graduado em Ciência Política, Ciências Sociais (Bacharelado e Licenciado) ambas
graduações pela Universidade de Brasília – UnB, Especialista em Democracia Participativa,
República e Movimentos Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
A Gestão da Urbanização em Brasília, sob a Ótica de Milton Santos

RESUMO

Procura-se, com este trabalho, abarcar as definições de espaço geográfico, território


e ocupação segundo a ótica do emérito geógrafo brasileiro Milton Santos. A partir
destes conceitos, é possível definir importantes traços classificatórios da ocupação
urbana no Brasil, e então aplicar estas categorias para procurar entender,
historicamente, como se deu a ocupação urbana em Brasília. Um panorama geral da
cidade é apresentado, seguindo os eventos históricos recentes que culminaram em
sua criação e realização como capital federal. Seguem-se alguns dados sobre a
forma de exploração da cidade, tanto pelo setor empresarial quanto pelo setor
público, e postulam-se algumas considerações sobre a forma como a cidade vem
lidando com o seu crescimento e sua urbanização em relação à região em que se
encontra.

Palavras-Chave: Ocupação Urbana; Brasília; Milton Santos.


The Management of Urbanization in Brasilia, from the perspective of Milton
Santos

ABSTRACT

The purpose of this study is to identify features related to the urban occupation in
Brazil - specifically in the city of Brasilia - through the definitions of geographic space,
territory and occupation conceived by Brazilian geographer Milton Santos. This
article presents an overview of the city, considering its recent history and the events
that culminated in the creation of Brasilia as the new federal capital. This article also
presents some data related to the operations performed by the public sector and the
private sector on the city. This text also considers the way the city deals with its
growth and urbanization in relation to its location.

Key-Words: Urban Occupation; Brasília; Milton Santos.


INTRODUÇÃO

De acordo com a feliz concepção de Milton Santos, podemos compreender o


espaço geográfico como uma união indissolúvel de sistemas de objetos e sistemas
de ações, e suas formas híbridas, as técnicas (SANTOS, 2006). A partir desta
definição, sentimo-nos mais aptos a entender este espaço através da compreensão
de como, por que, por quem e para que este espaço está sendo usado. A ênfase,
então, recai sobre as técnicas, que são capazes tanto de fazer quanto de regular.
Desta forma, também se pensa no espaço como ator, e não apenas palco dos
acontecimentos.
Milton Santos já apresentara, em 1980, na reunião da Associação de
Geógrafos Brasileiros (AGB), a tentativa de entendimento do espaço como meio
técnico-científico. Muitos trabalhos foram desenvolvidos debatendo esta questão
desde então, envolvendo temas tão díspares quanto à importância da mídia e da
publicidade no uso do território brasileiro, ou a informação e a racionalidade da
divisão das novas forças de trabalho sobre o território brasileiro, tendo ainda São
Paulo como um centro conversor de toda a força economicamente ativa do país
inteiro. Mas temos também importante e profícuo material com enfoque mais
abrangente sobre a evolução e a situação atual da paisagem e a ocupação espacial
de uma cidade como Brasília.
É através de tais esforços de análise que podemos compreender,
primeiramente, o arcabouço teórico apresentado por Milton Santos sobre as
questões de espaço, racionalidade, técnica e ciência. Por fim, seguindo seus passos
e o trabalho desenvolvido por diversos geógrafos e por ele compilado para entender
a problemática da ocupação irracional do espaço de Brasília.

1. Definições de espaço

A acepção consuetudinária do termo "território" indica uma extensão


apropriada e usada. Essa acepção, logicamente, está relacionada a trabalho,
atividade idiossincraticamente humana, mas deve-se entender, aqui, que o conceito
de territorialidade prescinde as marcas imanentemente humanas desta atividade: é
anterior à organização social, ao Estado como realizador de mediações nas relações
e mesmo à racionalidade: os animais são capazes de determinar territórios para sua
atividade. Por outro lado, também podemos conceber um sentido político para o
termo: o território é um nome para o espaço de um país. Deve-se entender, todavia
que nem todo país ocupa o seu território com atividades, e nem que cada território
exige um Estado.
A questão a ser discutida, portanto, é sobre as formas – ou, em termos de
Milton Santos, as técnicas1 – usadas em tal ocupação. Para isto, há uma repartição
do trabalho vivo nos lugares e também uma redistribuição do trabalho morto e dos
recursos naturais. Esta distribuição redefine a ocupação do espaço e a capacidade
de ação das pessoas, empresas e instituições. Porém, a ciência agindo de forma
heterogênea e sem uma programação, ou pré-configuração, causa lacunas de
atuação em que a informação gerada pelo meio técnico-científico fica alocada,
sobretudo ao contexto informal, tanto na ocupação quanto nas atividades daí
advindas.
Milton Santos utiliza o termo sistemas de engenharia para dar conta de um
importante processo: a implantação da infra-estrutura como base para as relações, e
daí decorrendo o dinamismo da economia e da sociedade. Muitos mecanismos
estão implícitos muitos mecanismos: todo o aparato jurídico envolvido (tanto o
dispositivo normativo e a jurisprudência da prática jurídica quanto o direito civil, fiscal
e financeiro, além de forças como o movimento da população, a distribuição da
agricultura e da indústria, o oferecimento de serviços – todos estes elementos,
juntos e concatenados, é que perfazem as condições para a definição de um novo
espaço geográfico, tendo como função o alcance e ampliação da cidadania.
O que se pretende, ao analisar um território, é entender como todas essas
formas, hoje naturalmente impregnadas de ciência e informação, se coadunam na
realização da cidadania. Justamente por isso, é importante também o estudo do
povoamento que se dá no território – sobretudo o que se relaciona com a sua fluidez
e ocupação econômica – e, retomando nosso primeiro tema, se há uma
racionalidade na ocupação do espaço (planejamento estratégico) ou não.
Em última instância, é necessário ficar atento a periodização correta dos
eventos e entender que a estrutura material que dispomos para decifrar o processo
de urbanização envolve diversas instâncias, pois temos sempre o fluxo concorrente
1
ou divergente das sub-regiões que concorrem para este desenvolvimento. Contudo
ainda se faz necessário uma definição do espaço de estudo, do corpus a que se faz
referência. Pois, ainda que se tenham mais detalhes ao se aprofundar em regiões
específicas, podemos não apenas perder o foco, como a própria concepção de
território.

2. Brasília: um panorama geral

As mudanças estruturais no Brasil recente colocam Brasília como um ponto


importantíssimo para a nova divisão do trabalho e do território como uso do espaço
conhecido.
Em um primeiro momento da industrialização ainda incipiente do país, temos
basicamente o eixo São Paulo – Rio de Janeiro com atividade urbana e industrial
fomentada, após o período da República Velha, mas os novos panoramas de
pensamentos surgidos com a Segunda Guerra Mundial tornam a ocupação física
dos vastos espaços contidos dentro do Estado-nação uma necessidade premente.
Também o perigo da iminência de uma invasão estrangeira outremér faz,
pela primeira vez, com que uma capital no litoral, apesar de longe dos vizinhos no
continente, ainda seja um alvo fácil de ataques na perigosa possibilidade do Brasil
ser um ponto importante no palco tumultuado que era a geopolítica internacional em
princípios de Guerra Fria.
Para entender esse processo, deve-se levar em conta como Brasília
despontará como cenário de ruptura da ordem econômica até então vigente, que já
se desenhava desde o século XVII com as expedições dos bandeirantes. A
hegemonia definida no eixo Rio – São Paulo é ainda polarizada, pois São Paulo é o
berço onde se desenvolve uma industrialização muito mais dinâmica.
O Rio de Janeiro tem uma espécie de “equiparação” quando se desenvolve
fortemente o terceiro setor, de comércio e serviços. Entretanto a sua movimentação
econômica ainda é menos desenvolvida do que em São Paulo. Com a formação de
capital ao redor de São Paulo, temos uma intensa diversificação da indústria tanto
na capital quanto na grande São Paulo, o que não acontece no Rio.
Este fator é preponderante para uma tramitação da população e, com isso, as
faculdades técnico-científicas, como o capital em São Paulo para receber
estrangeiros em seu porto. Junto com a construção de Brasília, a criação de uma
indústria automobilística é outro ponto que vem fortalecer São Paulo neste cenário.
Vemos aqui um curioso fenômeno quanto à ocupação do espaço em Brasília:
usualmente tendemos a pensar nas relações entre regiões como um acidente devido
à proximidade. Mas Brasília revela uma ligação com São Paulo maior do que se
costuma supor (SANTOS, 2006, p. 45).

3. O meio-técnico científico em Brasília

Se a criação da cidade no centro do país já foi, por si só, uma contribuição à


fomentação da criação de estradas, modelo de transporte que, apesar de
insustentavelmente mais caro, ser o mais usado até hoje, também mostra que, sem
a industrialização de São Paulo, o próprio projeto Brasília seria impossível.
Por outro lado, não apenas com a criação de estradas e implementos de
ocupação do espaço por transporte e infra-estruturas de movimentação e ocupação
conseguimos compreender a fundamentação da cidade. Temos, por exemplo, a
quantidade de telefones implementados por região. Em 1980 tínhamos um telefone
para cada 16,33 habitantes no território nacional. Já em 1996, com a discussão do
projeto de privatizações das companhias, essa densidade salta para um telefone
para cada 8,03 habitantes (SANTOS, SILVEIRA, 2006).
A ocupação do espaço por telefones públicos também serve como um bom
indicador da maneira técnico-científica da ocupação. O caso de Brasília, cidade de
cunho administrativo, serve de exemplo: existia um telefone público para cada
2.291,13 habitantes no território de Brasília em 1980, muito superior à média
nacional. Esse índice só era acompanhado por Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná.
Além de serem as grandes regiões industrializadas e produtivas do país, também
são regiões de ocupação antiga e grande densidade populacional.
Também em Brasília se operam em primeiro lugar tecnologias de ponta,
como o cabo de fibra óptica que interliga Brasília, Belo Horizonte, Goiânia e Rio de
Janeiro. A localização da capital privilegia infra-estruturas caras, de cunho local, pela
sua garantia de retorno lucrativo, mesmo ligando-se a cidades pouco lucrativas
(SANTOS , 1996, p. 80).
Destaca-se ainda o uso por Brasília de um dos satélites brasileiros de
monitoramento de cargas. O Omnisat, da empresa Autorac, o que também ajuda no
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Vigilância Meteorológica
Mundial (VMM).
A infra-estrutura ainda se completa com a estrada Belém-Brasília, que se
desliga do avanço das chamadas frentes pioneiras na ocupação do território sem
objetivos claros afora os políticos. Também possui um dos mais antigos shopping
centers em funcionamento (em 1975, eram apenas sete shoppings no Brasil, sendo
um deles em Brasília)i. Também a própria Souza Cruz abre uma filial em Brasília nos
anos 70 (CÔRREA, 1994, pp. 254-255). Também temos atividades da Nestlé e da
Unisys Company, para ficar em duas franquias primordiais.
O número de viagens aéreas, contudo, ainda é baixo, apesar das facilidades
da capital. A quantidade de viagens entre Brasília e Rio de Janeiro, por exemplo,
ainda é um quinto do total acumulado entre Rio de Janeiro e São Paulo. Em um
contexto mais amplo, vê-se que a capital federal ainda se encontra fortemente
atrelada à movimentação de passageiros que circula pelas duas macrometrópoles,
pois Brasília destina a elas mais de 608 mil pessoas, senso São Paulo responsável
por 3.2 vezes mais movimentação do que o Rio, com um total de 365.758
passageiros, e 177,7 vezes mais do que o resto do Brasil. O Rio movimenta 15,5
vezes mais passageiros saindo de Brasília, em um total de 242.564 passageiros
(SANTOS, SILVEIRA, 2006).
O Banco do Brasil tem pouco menos de metade do número de agências de
São Paulo em Brasília: enquanto a capital tem cerca de cinquenta, São Paulo fica
com 108.

4. Desfazendo a metrópole

Brasília é um dos aglomerados urbanos que cresce mais do que as próprias


grandes regiões de divisão geopolítica do território. Em 1980, havia apenas quatro
cidades com mais de meio milhão de habitantes que estavam longe das grandes
regiões metropolitanas do país (além de Brasília, Manaus, Goiânia e São Luís do
Maranhão). O crescimento da população de Brasília é de 44,23%, enquanto que as
nove grandes Regiões Metropolitanas cresceram 22,33%.
A construção de Brasília usurpou do Rio de Janeiro o poder central, o que
significa que a antiga capital da república perde não só a autonomia, como também
a capacidade de ser um “centro de referência” para todo o país no que tange à
ocupação do espaço público.
Por outro lado, em contrapartida a uma certa rivalidade entre Brasília e Rio de
Janeiro, surgiu uma colaboração entre Brasília e São Paulo neste aspecto,
intercâmbio com a maior cidade do hemisfério que só foi possível ainda em tempos
de República do Café-com-Leite, ainda mais porque a economia de ambas as
cidades exige tal parceira, por serem as duas de certa forma dependentes da
cumplicidade do poder público para o bom funcionamento de suas economias.
Se por um lado Brasília se fortalece com a centralidade política afastada no
centro do país, a centralidade econômica fortalece São Paulo como uma
macrometrópole, nos dois casos é uma ordem e regularização pouco efetiva, isto é,
realizam uma “regularização delgada” (SANTOS, 2006, p. 267) – o ordenamento
jurídico que pretendem está fora de seu próprio território. São Paulo e Brasília se
tornam cada vez mais centralizados, enquanto o país se torna periférico.
A construção de Brasília também abriu brechas para uma ocupação um tanto
irregular de seu perímetro, visto que a mesma revolução técnico-científica
redescobriu o cerrado, permitindo uma agricultura moderna, com consumo
diversificado e representando uma nova etapa da urbanização.
Com a infra-estrutura brasiliense anteriormente apresentada, foi possível
gerar novas relações espaço/tempo em um ambiente micro, mas em que só houve
planejamento para o macro.
Enquanto se pensava nas ligações entre Brasília e Goiânia, pelo intercâmbio
de pessoas das duas cidades e o processo moderno de urbanização das duas,
posteriormente recebendo muitas pessoas do Piauí, Maranhão e do mais jovem
estado, Tocantins, não se criaram políticas públicas para a ocupação dos setores
desprivilegiados dentro do próprio território de Brasília, sobretudo sua periferia e
suas chamadas cidades satélites – Ceilândia, Sobradinho, Taguatinga – não tiveram
o mesmo planejamento estratégico do plano piloto.
Desta forma, fica-se com a impressão de que a arquitetura da cidade, voltada
para o dinamismo de suas formas concretistas sem cortes e representando a
rapidez direta que existia no Brasil em época de abertura econômica, foi projetada
mais para a própria infra-estrutura ali instalada (e pensemos que trata-se de uma
cidade em que a industrialização já existia quando estava em suas maquetes), e não
para a população que precisou se “encontrar” justamente nas lacunas.

5. O fracasso do planejamento urbano de Brasília

O crescimento desordenado da população em solos urbanos vem gerando


riscos de queda de qualidade de vida, além de constante degradação ambiental.
Assim, mesmo com toda a legislação que visa ao desenvolvimento
sustentável, veem-se ilhadas áreas naturais essenciais para a sustentação da vida.
O caso é também fruto de alguns problemas clássicos brasileiros, como a acentuada
exclusão social, cujos segregados sujeitam-se a situações desumanas de vivência.
Brasília (compreendida não só como o Plano Piloto, mas também como as
antigas cidades-satélites) foi um projeto urbanístico e arquitetônico cuja origem foi
proveniente do urbanismo moderno. A cidade, fruto de projeto pioneiro no Ocidente,
com incontestável influência para além dos limites do Distrito Federal, não teve um
planejamento físico-estrutural complementar, faltando-lhe, portanto, um quê
essencial para ser considerada uma “cidade planejada”.
Paviani (2003) diz que não podemos mais ver Brasília, atualmente
contextualizada, como exemplo brasileiro de planejamento urbano, já que,
polinucleada, revela intenso contraste quanto ao que foi cuidadosamente planejado.
O pluralismo de núcleos espalhados pelo território evidencia o fracasso do
planejamento urbano, trazendo à tona questões inerentes ao separatismo e à
exclusão sócio-espacial.ii
O projeto fundador de Brasília desejava uma cidade compacta, com o Plano
Piloto completado futuramente pelas cidades-satélites. Entretanto, agravando a
situação brasiliense, o polinucleamento urbano gerou a transformação de Brasília de
Plano Piloto a uma constelação, que é o aglomerado formado pelo centro e pelas
outras cidades.
Se o ideal era que a democratização do espaço de Brasília se desse de uma
forma mais igualitária, o que se viu na prática foi a ocupação do Plano Piloto por
parte dos ricos, enquanto os pobres habitavam as cidades-satélites, em especial as
favelas e periferias. Assim, embora possua a maior renda média do Brasil, Brasília
se assemelha a grandes metrópoles do país, com uma população de 2.233.613 de
habitantes, conforme estimativa para 2004 da SEDUH/GDF, posicionando-se, assim,
entre as sete cidades mais populosas do Brasil.
Brasilmar Nunes afirma que "Brasília é mais um plano urbanístico do que
propriamente um plano urbano", pois "as interações humanas são aqui
desproporcionalmente inferiores ao volume demográfico, fenômeno que decorre
justamente da concepção urbanística adotada” iii. Cristóvam Buarque também
enfatiza, em Admirável Mundo Atualiv, a distância existente entre o real e o ideal em
Brasília.
As cidades-satélites de Brasília, como já mencionado, não pertenciam ao
planejamento inicial da construção da cidade, que só englobava o Plano Piloto.
Pesquisas recentes, então, feitas com moradores dessas cidades evidenciam um
sentimento de abandono e exclusão por suas partes. As carências nessas cidades
vão desde a possibilidade de aquisição de um bom emprego até a qualidade de
vida, passando por problemas no esgotamento pluvial, iluminação pública,
asfaltamento, saúde pública, equipamentos de lazer, educação, segurança pública,
transporte etc. Um singelo complemento comentado por esses moradores
segregados é que o metrô das cidades-satélites é conhecido como “trem
suburbano”.

6. Possíveis explicações políticas: o governo Roriz

O Distrito Federal possui mais da metade da população da Região Centro-


Oeste (51,8%). Falando em números concretos, isso representa, segundo dados de
PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios) de 2006, divulgados pelo
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 2.043.000 habitantes.
Piauí, Goiás, Bahia e Minas Gerais foram os estados que mais levaram
pessoas ao Distrito Federal, no movimento migratório do qual o Centro-Oeste tem
sido constante autor.
Ao contrário das expectativas que os imigrantes do Distrito Federal tinham,
resultaram do movimento migratório violência na região e nos arredores, invasões
de terras da União, delinqüência juvenil e, acima de tudo, desemprego, que
aumentou com o inchaço de Brasília.
Para analisarmos o fracasso de Brasília, devemos focar nossa análise no
governo de Joaquim Roriz, governador do Distrito Federal de 1999 a 2006 e uma
das figuras mais influentes na política local.
Roriz, o “pai dos pobres”, quando assumiu o governo local, propôs-se a
acabar com sessenta e quatro favelas e invasões situadas em pleno Plano Piloto,
oferecendo lotes para as 130 mil famílias desabrigadas. Consequentemente,
tivemos a criação de várias novas cidades, dentre elas Samambaia (a maior cidade
periférica de Brasília), para onde Roriz transferiu seu título de eleitor e que virou o
principal reduto político do citado governante.
A cidade de Samambaia, quando foi criada, em janeiro de 1989, tinha 7 mil
habitantes e, em setembro do mesmo ano, possuía já 50 mil moradores. Com isso, o
Distrito Federal entrou na década de 90 com 1,6 milhões de pessoas, sendo menos
da metade de seus habitantes pertencentes ao Plano Piloto. v
O pobre emerge como beneficiário apenas, na artimanha clássica de
induzir que ele aceite ser "cuidado" pelo Estado e pelos governos, e
mesmo pela elite; faz parte dessa mesma artimanha manipular
estatísticas de tal sorte que o número de pobres e, sobretudo sua
condição marginalizada sejam escamoteados, colocar Estado e
governos como patronos da cidadania popular, particularmente
colocar a elite econômica e política como garante da equidade.
Brincar de transferência de renda, como se renda estivesse
alegremente disponível, oferecer coisa pobre para o pobre, formular
políticas sociais que se destinam acima de tudo a domesticar os
pobres; como resultado, o pobre agradece e vota, no mais
escancarado pão e circo.vi

Em 2007, José Roberto Arruda assume o poder do Distrito Federal.


Pressupõe-se, com essa vitória nas urnas, o desejo do povo local de pôr fim ao
clientelismo de Roriz.

Considerações Finais

Arruda aparentemente vem priorizando em seu governo a criação de novos


empregos e a solução para os cofres públicos, muito afetados na administração
Roriz.
O atual governo do Distrito Federal tem batalhado para melhorar o transporte
público, um dos principais problemas do local, como já dito. Somado a isso, no
Distrito Federal, devido à maior renda nacional, há um carro para cada três pessoas,
o que causa intenso e freqüentes congestionamentos, a exemplo de grandes
metrópoles brasileiras.
Arruda criou a Secretaria de Estado, que trata dos ensinos médio e
fundamental em período integral. Ainda sobre educação, o atual governo visa,
dentre outras medidas urgentes, ao aumento do salário dos professores federais.
A esperança é de que a expectativa de Flávio Testa seja consolidada, no
sentido de que:
O foco da política do DF seja invertido. Isto é, que se olhe o entorno
a partir de Brasília. Mas a mudança de foco só ocorrerá por meio de
ações estratégicas: formação de novas lideranças políticas oriundas
de setores progressistas baseados no crescimento econômico local;
desenvolvimento gerencial e institucional; educação
empreendedora; mudança da cultura política do entorno para uma
cultura participativa; aumento da capacidade de governo nos
municípios oferecendo educação de boa qualidade, saúde e
segurança. Isto é, a cultura política do DF terá que mudar
substancialmente, se quiser liderar o crescimento econômico da
região metropolitana e melhorar a vida dos brasilienses e vizinhos.vii

A revista “Políticas Sociais: acompanhamento e análise” enaltece o trabalho


de Arruda quanto à educação no Distrito Federal, ao dizer que “enquanto caem as
matrículas no Ensino Médio (1,5% entre 2004 e 2005 e 1,4% entre 2005 e 2006), a
procura pela modalidade EJA-Médio (Educação de Jovens e Adultos – Ensino
Médio) cresce 10% entre 2005 e 2006; a recuperação salarial dos professores da
rede federal elevou o gasto com pessoal em 23% de 2005 para 2006 e a aprovação
do Fundeb amplia os recursos de complementação da União para R$ 2 bilhões já
em 2007.”viii
O PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) reflete diretamente na
educação do Distrito Federal, somando-se, inclusive, ao programa federal PROUNI,
que ajudou inúmeros habitantes da região, introduzindo-os ao Ensino Superior. Há
ainda a Bolsa Renda Universidade do DF, que tem metas e funções parecidas com
as do PROUNI.
David Fleischer, professor da UNB e renomado cientista político, acredita que
a origem das dificuldades do Distrito Federal provém majoritariamente da
administração Roriz.
Roriz, que chegou ao poder pelas mãos do ex-presidente da República José
Sarney e acumulou quatro mandatos seguidos, é definido por Fleischer como “um
cacique da política, com estilo coronelista e patrimonialista. Aquele que diz: o
governo é meu e faço o que quiser".ix
Já Arruda parece lidar bem com as críticas e cobranças que, porventura, vier
a sofrer, em especial se decorrentes de suas promessas de campanha, como, por
exemplo, disponibilizar 300 novos postos policias e um dentista em cada escola,
considerando-as parte da democracia.
Pedro Demo nos diz que a pobreza política não necessariamente se relaciona
com a sabedoria inerente ao povo de saber ou não votar, mas, sim, com as poucas
opções que a população tem na hora de escolher seu candidato. Demo acredita,
portanto, não ter acontecido nenhuma mudança crucial na pobreza política, que
continua em seu rumo de restrição à capacidade da sociedade.
Já Flávio Testa almeja que o foco do governo do Distrito Federal mude, que
se olhe também para os arredores do Plano Piloto, a fim de estabelecer-se uma
Brasília mais justa e democrática. É difícil afirmar que Arruda possibilitará isso, mas
Roriz, definitivamente, não o fez.
De qualquer forma, ainda que o poder público de Brasília tenha sido
responsável por alguns impulsos importantes para a não-contaminação dessas
áreas por atividades clandestinas, em que o poder público não possui nenhuma
força de lei para intervir, essa função ainda não é gerada em Brasília, sendo um fato
que nasce sobretudo em São Paulo e depois se expande para a capital federal
(SANTOS, 2006, p. 304). O uso deste poder restrito ainda fica subordinado a quem
possui um poder ainda maior.
Assim, essa desejada mudança de foco acontecerá apenas se,
estrategicamente, o governo olhar de forma diferente para a educação
empreendedora, a mudança da cultura política do entorno para uma cultura
participativa, a formação de novas lideranças políticas oriundas de setores
progressistas baseados no crescimento econômico local, o desenvolvimento
gerencial e institucional, a segurança, a saúde, o aumento da capacidade de
governo nos municípios oferecendo educação de boa qualidade, dentre outros
aspectos.
Deseja-se que a população que pôs Arruda no poder exerça seu papel
cidadão e cobre as promessas que ele fez em sua campanha, não sendo aquilo que
Demo chama de cidadão pobre.
BIBLIOGRAFIA

BUARQUE, Cristóvam. Admirável mundo atual. Dicionário pessoal dos horrores e


esperanças do mundo globalizado. São Paulo, Geração Editorial, 2001.

DEMO, Pedro. Pobreza política: a pobreza mais intensa da pobreza brasileira.


Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2006, p.33-34.

MORELLI, Ana L. F. Correio Braziliense: 40 anos - Do pioneirismo à consolidação.


Universidade de Brasília, 2002.

NUNES, Brasilmar (org). Brasília: a construção do cotidiano. Brasília, Paralelo, 1997,


p. 15.

PAVIANI, Jayme. Estética mínima: notas sobre arte e literatura. Porto Alegre:
Edipucrs, 2003.

SANTOS, Milton. A urbanização desigual. Petrópolis: Vozes, 1980.

SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Lúcia. Brasil: território e sociedade no início do


século XX. São Paulo: Record, 2006.

TESTA, Antonio Flávio. "Política no DF e coronelismo". Tribuna do Brasil, 10 de


agosto de 2007. Disponível em http://www.tribunadobrasil.com.br/?
ned=2077&ntc=45811&sc=2. Acesso em 12 dez. 2007.
i
O shopping de Brasília, Park Brasília, é administrado pelo grupo Multiplan, também responsável pelo
Shopping Morumbi (SP), Barra Shopping (RJ) e BH Shopping (MG).
ii
PAVIANI, Jayme. Estética mínima: notas sobre arte e literatura. Porto Alegre: Edipucrs, 2003.
iii
NUNES, Brasilmar (org). Brasília: a construção do cotidiano. Brasília, Paralelo, 1997, p. 15.
iv
BUARQUE, Cristóvam. Admirável mundo atual. Dicionário pessoal dos horrores e esperanças do mundo
globalizado. São Paulo, Geração Editorial, 2001.
v
MORELLI, Ana L. F. Correio Braziliense: 40 anos - Do pioneirismo à consolidação. Universidade de
Brasília, 2002.
vi
DEMO, Pedro. Pobreza política: a pobreza mais intensa da pobreza brasileira. Campinas, SP: Armazém
do Ipê (Autores Associados), 2006, p.33-34.
vii
TESTA, Antonio Flávio. "Política no DF e coronelismo". Tribuna do Brasil, 10 de agosto de 2007.
Disponível em http://www.tribunadobrasil.com.br/?ned=2077&ntc=45811&sc=2. Acesso em 12 dez. 2007.
viii
[10]Edição nº 14, da Diretoria de Estudos Sociais (Disoc) / Ipea, Dezembro de 2007.
ix
Entrevista do “Jornal Hoje em Dia”. Acessado em < http://www.hojeemdia.com.br/v2/busca/index.php?
data_edicao_anterior=2007-07-07&sessao=13&ver=1&noticia=3030>, no dia 26/01/2009.

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