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Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 1

organizadoras
Jeane Ap. R. de Godoy Rosin
Norma Regina Truppel Constantino
Sandra Medina Benini

cidade,
resiliência e
meio ambiente

1ª Edição

ANAP
Tupã/SP
2018
2

EDITORA ANAP
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
Rua Bolívia, nº 88, Jardim América, Cidade de Tupã, São Paulo. CEP 17.605-310.
Contato: (14) 99808-5947
www.editoraanap.org.br
www.amigosdanatureza.org.br
editora@amigosdanatureza.org.br

Editoração e Diagramação da Obra: Sandra Medina Benini; Jeane Ap. R. de Godoy


Rosin
Revisão Ortográfica: Smirna Cavalheiro

Ficha Catalográfica

R821c Cidade, Resiliência e Meio Ambiente / Jeane Ap. R. de Godoy Rosin;


Norma Regina Truppel Constantino; Sandra Medina Benini (orgs). 1
ed. – Tupã: ANAP, 2018.

180 p; il.; 14.8 x 21cm

ISBN 978-85-68242-69-8

1. Espaço Urbano 2. Ambiente 3. Sustentabilidade


I. Título.

CDD: 710
CDU: 710/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Planejamento Urbano e Paisagismo
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 3

CONSELHO EDITORIAL

Profª Drª Alina Gonçalves Santiago - UFSC


Profª Drª Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão - UFPA
Prof. Dr. André de Souza Silva - UNISINOS
Profª Drª Andrea Holz Pfutzenreuter - UFSC
Profª Drª Célia Regina Moretti Meirelles - UPM
Profª Drª Daniela de Souza Onça - FAED/UESC
Profª Drª Denise Antonucci - UPM
Prof. Dr. Edson Leite Ribeiro - Unieuro - Brasília / Ministério das Cidades
Profª Drª Eliana Corrêa Aguirre de Mattos - UNICAMP
Prof. Dr. Francisco Marques Cardozo Júnior - UESPI
Prof. Dr. Glauco de Paula Cocozza - UFU
Prof. Dr. João Roberto Gomes de Faria - FAAC/UNESP
Profª Drª Karin Schwabe Meneguetti - UEM
Profª Drª Márcia Eliane Silva Carvalho - UFS
Profª Drª Maria Augusta Justi Pisani - UPM
Profª Drª Maria José Neto - UFMS
Profª Drª Martha Priscila Bezerra Pereira - UFCG
Prof. Dr. Maurício Lamano Ferreira - UNINOVE
Profª Drª Natacha Cíntia Regina Aleixo - UEA
Profª Drª Renata Cardoso Magagnin - FAAC/UNESP
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino - UNICAMP
Profª Drª Risete Maria Queiroz Leao Braga - UFPA
Profª Drª Ruth Maria da Costa Ataide - UFRN
Prof. Dr. Salvador Carpi Junior - UNICAMP
Profª Drª Simone Valaski - UFPR
Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto - FCAE/UNESP
4

ORGANIZADORAS DA OBRA

Jeane Ap. R. de Godoy Rosin


Professora e Pesquisadora do UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande-MT. Possui
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Tupã
(1986), Especialização em Planejamento e Gestão Municipal pela FCT/UNESP (2004), Mestrado
em Direito do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (2011) e Doutorado em
Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP (2016) e Pós-doutorado
em Arquitetura e Urbanismo pela FAAC/UNESP - Campus de Bauru-SP (2018). Tem experiência
na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase no Planejamento Urbano e Regional, atuando
principalmente nos seguintes temas: gestão pública, sustentabilidade urbana, projetos de
intervenção urbanística/requalificação de espaços públicos e políticas públicas atreladas ao
direito à cidade.

Norma Regina Truppel Constantino


Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná (1979),
mestrado em Planejamento Urbano e Regional Assentamentos Humanos pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1994) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela
Universidade de São Paulo (2005). Atualmente é professor assistente doutor da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho no Curso de Arquitetura e Urbanismo e no Mestrado
Acadêmico em Arquitetura e Urbanismo. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo,
com ênfase em Projetos de Espaços Livres Urbanos, atuando principalmente nos seguintes temas:
paisagem urbana, paisagismo, espaços livres urbanos e história da cidade e do território.

Sandra Medina Benini


Professora e Pesquisadora do UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande-MT. Possui
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Marília (1995), Bacharelado em
Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista (2005), Licenciatura em Geografia pelo Centro
Universitário Claretiano de Batatais (2014), Especialização em Administração Ambiental pela
Faculdade de Ciências Contábeis e Administração de Tupã (2005), Especialização em Engenharia
de Segurança do Trabalho (2008), Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (2009), Doutorado em Geografia na Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (2015), Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pelo PPGAU/FAU Mackenzie
(2016) e Pós-doutorado em Arquitetura e Urbanismo (PNPD/Capes) pela FAAC/UNESP - Campus
de Bauru-SP (2017). Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, Planejamento
Ambiental e Direito Urbanístico, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas públicas,
política urbana, gerenciamento de cidades e gestão ambiental.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 5

SUMÁRIO

PREFÁCIO .......................................................................................... 07
Antonio Busnardo Filho
Antonio Soukef Júnior

Capítulo 1 ......................................................................................... 09

QUALIDADE DE VIDA URBANA: DISCUTINDO


VULNERABILIDADE E RESILIÊNCIA URBANAS
Angela Santana de Oliveira
Douglas Gallo

Capítulo 2 ......................................................................................... 23

A METRÓPOLE EM PEDAÇOS: A FRAGMENTAÇÃO E OS


PADRÕES DE CONURBAÇÃO DA REGIÃO METROPOLITANA DE
GOIÂNIA
José Vandério Cirqueira

Capítulo 3 ......................................................................................... 43

SEIS ELEMENTOS DA FORMA URBANA E UM PROCEDIMENTO


DE ANÁLISE
Adilson Macedo

Capítulo 4 ......................................................................................... 69

MOBILIDADE URBANA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS:


ORIENTAÇÕES PARA MEDIDAS ADAPTATIVAS
Clarisse Linke
Daniel Oberling
João Pedro M. Rocha
6

Capítulo 5 ........................................................................................ 87

LEITURA E POTENCIALIDADES DA VEGETAÇÃO URBANA EM


CALÇADAS DE CUIABÁ/MT
Angela Santana de Oliveira
Douglas Luciano Lopes Gallo
Marcos de Oliveira Valin Jr.

Capítulo 6 ........................................................................................ 101

AÇÕES DE SAÚDE AMBIENTAL NOS PLANOS MUNICIPAIS DE


SAÚDE DO OESTE CATARINENSE
Maria Assunta Busato
Simone Cristine dos Santos Nothaft
Lucimare Ferraz
Carla Rosane Paz Arruda Teo

Capítulo 7 ......................................................................................... 119

PROPOSTA DE SISTEMA SANITÁRIO PÚBLICO VOLTADA À


PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE EM ASSENTAMENTOS DE
INTERESSE SOCIAL NO ESTADO DO TOCANTINS, BRASIL
Roberto Righi
Eleana Patta Flain

Capítulo 8 ........................................................................................ 143

OCUPAÇÃO URBANA EM MANANCIAIS: ESTUDO DE CASO DO


RESERVATÓRIO BILLINGS
Daniel Ladeira Almeida

Capítulo 9 ....................................................................................... 163

AGRICULTURA URBANA E POLÍTICAS PÚBLICAS: EXIGÊNCIAS


DA CIDADE CONTEMPORÂNEA
Eloisa Carvalho de Araujo
Fabíola Dornelles Torres Machado
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 7

PREFÁCIO

Antonio Busnardo Filho1


Antonio Soukef Júnior2

A presente obra, Cidade, Resiliência e Meio Ambiente, propõe a


análise de temas de importância fundamental para a compreensão do espaço
urbano contemporâneo e de como tratá-lo para se ter qualidade de vida e
melhor sociabilidade, independente da violência e da segregação
socioespacial, coisas comuns no cotidiano das cidades.
Os autores são profissionais competentes nas suas áreas de pesquisa
e atuação, e apresentam, de forma instigante, esses temas que compõem o
dia a dia das cidades, atingindo os cidadãos sem que eles se deem conta. Esses
temas são assuntos de conversas, conforme os fatos urbanos são
experienciados por todos que vivem e convivem em cidades. Assim, questões
da saúde, de vulnerabilidade, da capacidade de recuperação dos aspectos
originais após um desastre qualquer das áreas urbanas são motivos para uma
conversa e para o apontamento de soluções. O tamanho das cidades, sem se
compreender os processos de conturbação nem a formação das Regiões
Metropolitanas, o trânsito e a mobilidade urbana, a vegetação, a saúde
ambiental, políticas sanitárias em áreas menos privilegiadas ou de interesse
social, ocupação de áreas de mananciais, são motivos de discussão de como
se gerir uma cidade, permitindo que todos os cidadãos sejam gestores
urbanos.
Os autores, por experiência própria e vivência intelectual dos fatos,
deram a esses assuntos, aparentemente tão generalistas, a profundidade que
de fato esses assuntos têm. Analisaram-nos cuidadosamente, e o conjunto da
obra demonstra um fio condutor na sua composição, regido por uma visão
interdisciplinar, que ecoa nos diferentes artigos. Essa interdisciplinaridade
permite que os assuntos se complementem, possibilitando a compreensão da
cidade contemporânea, mesmo quando a abordagem é mais específica, ou

1
Doutor em Educação (FE-USP), formado em Arquitetura e Urbanismo, professor do UNIVAG -
Centro Universitário de Várzea Grande-MT.
2 Doutor em Estruturas Ambientais (FAU-USP), formado em Arquitetura e Urbanismo, professor

do UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande-MT.


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seja, comente um lugar ou região mais singulares. É possível da análise desses


lugares singulares se obter conhecimento para resolução de problemas de
outras situações semelhantes enquanto procedimento metodológico, posto
que as cidades contemporâneas têm as mesmas dificuldades de gestão.
As propostas apresentadas levam em consideração os impactos
causados sobre a coletividade, sugerindo políticas públicas que, às vezes,
devem partir das fragilidades para se buscar um elemento integrador para as
resoluções de problemas, pensando intervenções a partir de áreas de
vizinhanças, possibilitando a observação e o reconhecimento do lugar.
A elaboração deste livro é de importância ímpar para o estudo do
urbanismo e da cidade contemporânea, considerando-se que é o olhar sobre
o território próximo que permite a compreensão dos territórios mais
distantes e das igualdades das cidades contemporâneas naquilo que é a
marca da modernidade, a funcionalidade, suplantada nas questões cotidianas
e mais corriqueiras, que tiram a importância dos assuntos mais abstratos,
trazendo a gestão urbana para os assuntos mais próximos do cidadão.
O interessante da obra é a análise de situações que parecem se
eternizar na falta de soluções, mas os estudos mostram que com uma visão
outra, com uma mudança paradigmática, é possível se ter uma nova forma de
gestão, e considerar os problemas do ambiente urbano como princípios
indutores de propostas viáveis para a organização das cidades
contemporâneas.

Capítulo 1
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 9

QUALIDADE DE VIDA URBANA:


DISCUTINDO VULNERABILIDADE E RESILIÊNCIA URBANAS

Angela Santana de Oliveira3


Douglas Gallo4

Discutir a qualidade de vida nas cidades nos leva a enfrentar o desafio


de defini-la, e de imergir na cidade juntamente com suas questões materiais,
subjetivas, sociais e ambientais. Essa temática vem adquirindo grande
importância nas discussões sobre o planejamento e a gestão urbanas, sendo
que suas abordagens podem ser pautadas em aspectos objetivos (indicadores
socioambientais), subjetivos (percepção populacional) e análise das políticas
públicas.
O planejamento urbano modernista (progressista ou funcionalista)
tem sido hegemônico por grande parte do século XX, defendendo um modelo
urbano perfeito e obsessão pela higiene. Porém, o paradigma ecológico tem
se oposto a ele, embora neste a questão social tenha sido substituída pelo
discurso do desenvolvimento sustentável e da sustentabilidade urbana. O
desenvolvimento urbano sustentável muitas vezes é visto como marketing na
competição entre as cidades num mercado global, sendo utilizado de forma
bastante imprecisa na prática.
Já no modelo da sustentabilidade urbana as políticas públicas devem
adaptar a oferta de serviços à quantidade e qualidade das demandas sociais,
equilibrando as necessidades cotidianas da população e os investimentos em
redes de infraestrutura. Entra nesta matriz também considerar a cidade como
espaço da qualidade de vida.

3
Doutora em Física Ambiental, professora do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), campus
Octayde Jorge da Silva, e-mail: angela.oliveira@cba.ifmt.edu.br
4 Doutorando em Urbanismo, mestre em Saúde Coletiva, professor do Instituto Federal de São

Paulo (IFSP), e-mail:douglas.luciano@ifsp.edu.br


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O presente texto buscou discutir a qualidade de vida e a promoção da


saúde no espaço público com enfoque nos conceitos de vulnerabilidade e
resiliência urbanas.
O termo Promoção da Saúde surge pela primeira vez no Canadá, em
1974, no chamado Informe Lalonde, quando o então ministro da Saúde, Marc
Lalonde, demonstra, a partir de dados sanitários, que os investimentos
efetuados exclusivamente em assistência não seriam capazes de assegurar a
saúde de uma população. Lalonde mostrou que a política pública de saúde
necessitava de mudanças, não apenas na forma de agir, mas especialmente
na maneira de olhar e pensar a saúde e os problemas de saúde.
Como consequência, em 1986 foi realizada a I Conferência
Internacional da Saúde, no Canadá, cujo principal resultado foi o documento
“Carta de Ottawa”, segundo o qual promoção da saúde consiste em capacitar
a população para melhorar suas condições de saúde e aumentar seu controle
sobre as mesmas. Hoje, trinta anos após esta primeira conferência, o conceito
relaciona-se também com novas discussões sobre empoderamento e
participação social.
Para que uma cidade, município ou comunidade possam ser
considerados saudáveis entende-se ser necessária uma vontade política do
Estado, suas instituições e da sociedade civil em prol da efetivação de políticas
públicas intersetoriais com foco na qualidade de vida urbana.
Considerando o binômio vulnerabilidade-resiliência como conceitos
integradores e multidimensionais, buscou-se reconhecer seu sentido e
importância na discussão da promoção da saúde, como promoção de uma
qualidade de vida urbana, intersetorial e transdisciplinar. O objetivo do
presente ensaio é discutir os conceitos de vulnerabilidade e resiliência urbana
e promoção de saúde, apresentando-se como referencial para a melhoria da
qualidade de vida urbana e criação de cidades mais saudáveis.

1 PENSANDO A SAÚDE EM SUA POSITIVIDADE – PROMOÇÃO DA SAÚDE

O conceito de promoção de saúde reforça a importância da ação


ambiental e política bem como do estilo de vida como eixos norteadores.
Entende-se por promoção da saúde um
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 11

[...] processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de


sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no
controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-
estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber
identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar
favoravelmente o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um
recurso para a vida, e não como objetivo de viver. Nesse sentido, a
saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e
pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da
saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além
de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global.
(CARTA DE OTAWA, 1986, s/p).

O foco da saúde muda, deixando de ser um objetivo a ser alcançado,


tornando-se um recurso para o desenvolvimento da vida.
O movimento sanitarista exerceu grande influência nas políticas
públicas dos países desenvolvidos até o final do século XIX, mediante leis e
grandes obras de engenharia. No início do século XX iniciou-se a era
bacteriológica, quando a ênfase passou a ações de saúde com foco na
prevenção pessoal. Até a década de 1970 as políticas públicas para a saúde,
tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, estiveram
dominadas por essa orientação, concentrando as ações na construção de
grandes hospitais e superespecialistas (WESTPHAL, 2000).
No início da década de 1970, na maioria dos países, o setor de saúde
começou a entrar em crise, devido aos altos custos da medicina curativa que
utilizava alta tecnologia. Essa crise foi paulatinamente levando ao surgimento
de estratégias baseadas em novos conceitos, iniciando um período chamado
de “nova saúde pública”. Esta nova saúde pública surgiu do questionamento
do poder da medicina na resolução sozinha dos problemas de saúde e do
reconhecimento de que tudo que existe é produto da ação humana, em
contraposição à hegemonia da terapêutica. Como consequência surgiu uma
nova era de interesse social e político na saúde pública. A saúde de um
indivíduo ou de uma comunidade depende também das coisas que o homem
criou e faz, das interações dos grupos sociais, das políticas adotadas pelo
governo e também dos mecanismos de atenção à doença.
A partir da Declaração de Alma-Ata sobre Atenção Primária à Saúde em
1977, inúmeras iniciativas da Organização Mundial da Saúde (OMS)
culminaram com o projeto Cidades Saudáveis, em 1986. Os elementos
principais dessas iniciativas foram o interesse pela pobreza, necessidade de
12

reorientação dos serviços de saúde, a importância da participação


comunitária e o desenvolvimento de coalizões entre o setor público, setor
privado e o voluntariado.
Na década de 1980, em Toronto, no Canadá, aconteceu o congresso
“Para Além da Assistência à Saúde”, que atraiu muitos interessados, visto que
o Canadá já possuía inúmeras iniciativas que se caracterizavam como
inseridas no Movimento Cidades Saudáveis. Os representantes do escritório
europeu da OMS assumiram como novo paradigma este projeto estruturante,
elaborando uma proposta de projeto de Promoção da Saúde, selecionando
diversas cidades para adotarem os princípios definidos na proposta “Saúde
para Todos” da OMS (WESTPHAL, 2000).
A promoção da saúde surge então como uma reação à acentuada
medicalização da vida social e como resposta que articula diversos recursos
tecnológicos e posições ideológicas. Passa a ser um enfoque político e técnico
em torno da questão da saúde como qualidade de vida. Seu conceito
moderno surge e se desenvolve incluindo diversos procedimentos para a
promoção da saúde: bom padrão nutricional; atendimento das necessidades
para o desenvolvimento ótimo da personalidade; educação sexual; moradia
adequada; recreação e condições agradáveis no lar e no trabalho.
De acordo com Buss (2000), pode-se agrupar as diferentes
conceituações da promoção da saúde em duas vertentes. A primeira consiste
em atividades dirigidas à transformação dos comportamentos dos indivíduos,
focando nos seus estilos de vida, ambientes e territórios onde se encontram,
considerando a sua cultura particular, por consequência as ações se dariam
no nível pessoal. A segunda vertente sustenta-se no entendimento de que a
saúde é produto de um amplo espectro de fatores relacionados à qualidade
de vida, incluindo aí a alimentação e nutrição, habitação e saneamento,
condições de trabalho e oportunidades educacionais, ambiente físico e apoio
social, além dos cuidados com a saúde de modo geral, exigindo ações mais
globais e abrangentes.
A criação de ambientes favoráveis à saúde implica o reconhecimento
da complexidade das nossas sociedades e das relações de interdependência
entre diversos setores. A proteção do meio ambiente e a conservação dos
recursos naturais, o acompanhamento sistemático do impacto que as
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 13

mudanças no meio ambiente produzem, bem como a conquista de ambientes


que facilitem e favoreçam a saúde, eu sua dimensão positiva (BUSS, 2003).

2 QUALIDADE DE VIDA NA CIDADE – UMA ABORDAGEM INTEGRAL

A ideia de qualidade de vida introduz uma valorização de horizontes


desejáveis para os grupos sociais, onde diferentes níveis de exigência e de
aspirações conformam aspectos mais subjetivos e afeitos à percepção dos
indivíduos. O conceito de qualidade de vida guarda relação com a satisfação
das necessidades humanas, com a capacidade de uma comunidade desfrutar
de uma vida média longa, de forma saudável. A tese de Vitte (2009) é que a
garantia das necessidades básicas está longe de ser suficiente para a
qualidade de vida plena ou para uma vida de qualidade, sendo de suma
importância os fatores relativos à sociabilidade como suporte a uma
percepção mais positiva da qualidade de vida. É importante salientar que
essas práticas de sociabilidade vêm sofrendo duros golpes nas cidades
brasileiras, especialmente nas grandes metrópoles, devido ao crescimento da
violência e à segregação socioespacial.
Embora a expressão qualidade de vida tenha sido originalmente
utilizada com um caráter individual, especialmente na área da saúde, é
necessário lembrar que o planejamento governamental tem um caráter
coletivo, e que as políticas públicas são sempre orientadas a grupos
populacionais. Assim sendo, ao considerar a qualidade de vida numa
perspectiva do planejamento e da gestão, essas necessidades devem ser
satisfeitas por políticas públicas.
As necessidades humanas são regidas por dois conjuntos de valores,
os relacionados ao bem-estar social e os relacionados à diferença. Os valores
de bem-estar social têm vínculo com o bem-estar individual em função da
saúde, segurança e riqueza, já os valores afeitos à diferença se referem a
respeito, integridade, afeto e derivados das relações humanas. De acordo com
a hierarquia de Maslow, as necessidades se dividem em cinco níveis: o
primeiro nível está relacionado às necessidades básicas de sobrevivência; o
segundo corresponde às necessidades de segurança no ambiente; o terceiro
relaciona-se à necessidade de pertencimento e amor, do afeto nas relações
pessoais; o quarto nível é o da estima, relativo à necessidade de
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reconhecimento e posição social; e o quinto é o da autonomização (VITTE,


2009).
A percepção de bem-estar e qualidade de vida nem sempre tem
relação direta com a felicidade objetiva, mensurada por índices de nutrição,
saúde, renda per capita, educação, etc. Ela está subordinada à percepção
interna e ao julgamento que a pessoa faz da própria vida. Observa-se que nas
sociedades democráticas ocorre uma relativa oferta de bem-estar social,
porém, as necessidades humanas relacionadas ao verbo amar são mais
complexas e muitas vezes esquecidas no debate da qualidade de vida. Esses
aspectos podem ser relacionados às identidades sociais: vínculos e contatos
com a comunidade local, vínculos com a família, amizades, participação em
organizações e associações e relações com os colegas de trabalho.
Uma característica importante é que as pessoas tendem a julgar a
qualidade de seu ambiente mais pelo que percebem ser um bom vizinho do
que pela condição física do bairro (VITTE, 2009). A qualidade de vida urbana
é associada a aspectos das necessidades básicas e do ambiente físico, da
imagem vinculada à paisagem urbana.
A cidade é o lugar da manifestação do individual e da experiência
coletiva, uma vez que existe uma multiplicidade de trocas que ajudam a
produção da sociabilidade. É na cidade, como lugar, que ocorre a produção da
vida, pelos modos de apropriação do espaço, e cada sociedade produz seu
espaço de acordo com sua função social, os ritmos de vida, os modos de
apropriação, projetos e desejos. A vida citadina se revela como espaço
passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido pelo indivíduo, mediado
pelo corpo que cria/percebe os referenciais necessários para dar sentido à
experiência. A cidade pode ser entendida como um espaço concebido, vivido
e percebido, agregando símbolos e valores elaborados por meio de
impressões e experiências pessoais, mas também coletivas. Os indivíduos
interagem com o mundo por meio das atividades cotidianas, na busca de
satisfazer suas necessidades e desejos.
O bairro, a praça, a rua e o pequeno comércio aproximam os
moradores. Tais lugares podem ser mais que pontos de troca de mercadorias,
podem possibilitar o encontro, reforçando a sociabilidade. Ao vivenciar a
cidade o indivíduo percebe o meio e adquire uma imagem própria sobre o
espaço, imagem esta que pode diferir de outros indivíduos. As paisagens
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 15

urbanas constituem elementos representativos da qualidade de vida.


Acessibilidade, fluidez, limpeza, iluminação, qualidade das edificações,
tamanho das residências, presença de áreas verdes e disponibilidade de
serviços básicos são indicativos do grau de satisfação de necessidades básicas.
A consciência individual é um produto social, bem como as
subjetividades, e o coletivo atribui ao espaço ocupado o seu sentido, onde
coexiste uma dimensão subjetiva na qual ocorre interferências de fatores
socioculturais, que afetam as percepções individuais mediadas por aquelas.
As cidades contemporâneas vêm assumindo características muito
perversas, tornando-se muitas vezes inumanas. No entanto, pode-se
empreender mudanças necessárias ao mobilizar-se coletivamente as energias
e desprendendo-se de uma imagem de cidade como um inferno. O bem-estar
e uma alta qualidade de vida dever ser um direito do cidadão, e é por meio
da política que os cidadãos lutam por estes direitos e não o contrário (VITTE,
2009).
O Estado, por meio de suas práticas, induz e provoca marcantes
transformações nos usos e funções dos lugares na cidade. Ao direcionar
investimentos em infraestruturas pode gerar desigualdades, já que no
contexto da sociedade capitalista pode intervir aprofundando um processo de
valorização diferencial da terra urbana. Qualquer intervenção na cidade
capitalista não é necessariamente excludente, uma vez que todos os
governos, o tempo todo, intervêm na cidade. Tais intervenções podem ser
mais ou menos inclusivas de acordo com as forças sociais e políticas que estão
operando no momento na realidade local. É preciso dar nova vida à cidade,
fazer dela um espaço apropriável para a vida e para todos.
Países como o Brasil e outros da América Latina, onde existe uma
péssima distribuição de renda, analfabetismo e baixo grau de escolaridade,
bem como condições ambientais e de habitação precárias, as condições de
vida e saúde da população sofrem uma influência muito forte. O debate sobre
a qualidade (condições) de vida e saúde tem um forte histórico na saúde
coletiva (BUSS, 2000), no entanto, o desafio não é apenas mostrar que a
qualidade/condições de vida afeta a saúde, influenciando fortemente a
qualidade de vida, mas, sobretudo, investigar quais as intervenções,
especialmente quais as políticas públicas intersetoriais, podem influenciar
favoravelmente a qualidade de vida urbana.
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3 VULNERABILIDADE E RESILIÊNCIA URBANAS – CONCEITOS INTEGRADORES

O conceito de vulnerabilidade possui muitos sentidos e é utilizado em


diferentes áreas do conhecimento. O termo vulnerabilidade designa, em sua
origem, grupos ou indivíduos fragilizados, jurídica ou politicamente, na
promoção, proteção ou garantia de seus direitos de cidadania (AYRES et al.,
2003).
Segundo Porto (2007), podemos dividir três grandes campos
fenomênicos de complexidade onde o conceito pode ser aplicado: o mundo
fisicalista, o mundo da vida e o mundo humano. Para que o conceito
vulnerabilidade possa ser utilizado de forma transdisciplinar, faz-se
interessante entender como é tratado em cada um desses “mundos”.
No mundo fisicalista, analisado pela física, química e pelas
engenharias, a vulnerabilidade é definida como a perda de resiliência, ou seja,
a incapacidade de um sistema conservar certas propriedades durante ou após
um distúrbio qualquer. A física define resiliência como uma alteração elástica,
como a propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma
original após terem sofrido uma deformação elástica. Já a plasticidade é uma
característica importante para a modelagem de materiais, por manterem a
deformação aplicada. Importante salientar que o grau de resiliência ou
vulnerabilidade, neste caso, são propriedades intrínsecas a cada material, e
dependem também do grau de impacto externo sofrido. O paradigma
fisicalista incorpora à discussão um jogo dialético entre rigidez e flexibilidade,
entre conservação e ruptura, entre o que se perde e o que se ganha com as
transformações.
O conceito de vulnerabilidade no enfoque da vida (biológico) aborda o
tema em relação a ecossistemas complexos. Segundo este paradigma, certos
ecossistemas, espécies ou comunidades podem ser mais vulneráveis a
determinadas perturbações ou riscos, como às mudanças climáticas,
desmatamentos ou contaminações. A resiliência de ecossistemas é expressa
pela sua capacidade de enfrentar perturbações sem a perda de sua
integridade, o que se manifesta por meio de ciclos e relações globais do
ecossistema como um todo. A vulnerabilidade representaria a perda de
resiliência, representada pela declinação do vigor e da biodiversidade, ou pela
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 17

intensidade do impacto ambiental relacionado. O que isoladamente poderia


ser considerado vulnerável pode representar o funcionamento normal de um
conjunto maior.
Na perspectiva do mundo do homem, o paradigma biomédico
considera vulnerável a existência de indivíduos ou grupos suscetíveis com
predisposição especial para contraírem enfermidades diante de situações de
risco. O conceito evoluiu na perspectiva da Saúde Coletiva, ampliando o
espectro de análise ao considerar não apenas a visão biológica e individual,
mas também o contexto perante recursos e modos de vida que viabilizam ou
restringem ciclos virtuosos de vida das pessoas e comunidades. Para tanto,
tornou-se necessário entender um conjunto de processos políticos,
econômicos, culturais e psicológicos, além dos propriamente biomédicos, que
possibilitam o fortalecimento ou enfraquecimento diante da possibilidade de
eventos mórbidos. Aqui o termo vulnerabilidade surge como estratégia
conceitual e metodológica integradora.
O conceito de vulnerabilidade se desenvolveu justamente em um
período que considerava a chance de exposição das pessoas ao adoecimento
como resultado de um conjunto de aspectos não apenas individuais, mas
também coletivos, contextuais, que acarretam maior suscetibilidade a
agravos, de modo inseparável com maior ou menor disponibilidade de
recursos de todas as ordens para se proteger de ambos (AYRES et al., 2003).
Embora risco e vulnerabilidade guardem, como vimos, uma estreita
relação histórica, a confusão terminológica não traz benefícios a nenhum dos
dois conceitos. Uma primeira diferença que deve ser marcada é o caráter
eminentemente analítico do risco, em contraste com as aspirações sintéticas
da vulnerabilidade. Menos que isolar analiticamente, a grande pretensão é a
busca da síntese, em termos abstratos, a elaboração teórica mais concreta e
particularizada, nas quais os nexos e mediações entre os fenômenos são
explicitadas. No plano das práticas de intervenção, especialmente nas práticas
preventivas e de promoção de saúde, a confusão entre risco e vulnerabilidade
é menos frequente, especialmente porque são raras as propostas que se
colocam como referência a redução de vulnerabilidade (AYRES et al., 2003).
A vulnerabilidade não é binária, ela é multidimensional, ou seja, em
uma mesma situação estamos vulneráveis a alguns agravos e não a outros, o
que pode nos deixar vulneráveis sob um aspecto pode nos proteger sob
18

outros. A vulnerabilidade não é unitária, não respondendo ao modelo “sim ou


não”, há sempre gradações, estamos sempre vulneráveis em diferentes graus.
A vulnerabilidade também não é estável, as dimensões e os graus de nossas
vulnerabilidades mudam constantemente ao longo do tempo.
O conceito de vulnerabilidade desenvolvido numa perspectiva
transdisciplinar favorece uma abordagem integradora, ampliando o diálogo
entre os diversos campos disciplinares e seus paradigmas. Essa abordagem
integradora auxilia na compreensão dos problemas ambientais complexos
pelos quais passam a cidade contemporânea, especialmente quando nos
referimos à noção de qualidade de vida urbana. Conceitos integradores têm a
capacidade de fornecer analogias e metáforas que facilitam a comunicação
entre os distintos paradigmas, profissionais e não especialistas envolvidos nas
discussões do conceito.
Ao contrapor os significados de termos análogos utilizados por
diferentes paradigmas e disciplinas, podemos criar condições para um novo
olhar. Essa construção implica que ao nos debruçarmos sobre um problema
complexo, as contradições e complementaridades sejam superadas.

4 VULNERABILIDADE SOCIAL

Lidar com dificuldades da vida acaba se transformando em


vulnerabilidades estruturais para certos grupos e territórios com as injustiças
ambientais. A vulnerabilidade faz parte da condição humana da mesma forma
que enfrentá-la, sendo expressão simultânea da liberdade humana e de seu
abuso. Ela deriva das opções de desenvolvimento econômico e tecnológico,
do poder exercido pelos seres humanos sobre outros, ou sobre o
funcionamento da natureza, que reage e intervém nos ciclos da vida humana
e não humana (PORTO, 2007).
As discussões sobre vulnerabilidade que buscam integrar diferentes e
irredutíveis dimensões da realidade analisada (sociais, econômicas, culturais,
ambientais e de saúde) explicitam aspectos éticos essenciais para enfrentar
problemas urbanos e socioambientais. Os estudos sobre populações excluídas
dos países subdesenvolvidos e diferentes populações e regiões submetidas a
riscos naturais ou antropocêntricos em seus modos de sobrevivência em face
das precárias condições de vida e trabalho são uma importante origem
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 19

conceitual. Dessa forma, o tema vulnerabilidade foi desenvolvido neste


campo para designar tanto os processos geradores quanto as características
das populações e regiões com maior dificuldade de absorver esses impactos.
A partir do final do século XX ocorreu o fim da contraposição entre
natureza e sociedade, presente nas teorias sociais do século XIX. A natureza
nem é mais predeterminada nem designada, transformando-se em produto
social, sob as condições naturais de reprodução no universo civilizatório
(socialização da natureza). Dessa forma, o real desafio tornou-se a
transformação de ameaças civilizacionais à natureza em ameaças sociais,
econômicas e políticas sistêmicas, características da sociedade de risco (BECK,
2011).
De acordo com Porto (2007), a vulnerabilidade social pode ser definida
como a redução da capacidade de antecipar, sobreviver, resistir e recuperar-
se dos impactos decorrentes de desastres ou eventos de risco. Sua análise
busca articular, num enfoque transdisciplinar, o entendimento das
contribuições dos processos biológicos, geofísicos e tecnológicos aos
processos socioeconômicos e políticos por trás do ciclo de geração-exposição-
efeitos de certos grupos populacionais, em diferentes escalas espaciais e
temporais.
Diante do cenário atual das mudanças climáticas, uma questão central
a ser discutida é como se darão os processos adaptativos diante de tais
cenários, quais regiões e comunidades estão mais vulneráveis e quais medidas
podem ser tomadas para serem revertidas essas vulnerabilidades e impactos.
A adaptabilidade, ou resiliência, refere-se ao grau dos ajustes possíveis, a
curto ou longo prazo, que impedem ou reduzem efeitos negativos através de
práticas, processos e estruturas de um sistema. A sensibilidade está
relacionada ao grau de transformações que um sistema responderá em face
de tais mudanças. Nesse contexto, a vulnerabilidade expressa a extensão dos
danos ou perigos que um sistema passa a sofrer com as mudanças, resultando
não apenas da sensibilidade de certos sistemas, mas do modo como as
pessoas, populações e sociedades irão se adaptar.
As contradições e conflitos sociais na formação do território das
cidades constituem um tema especial para os estudos urbanos, de
planejamento e da gestão das grandes cidades. A cidade é a expressão da
produção social, da dinâmica de transformação e uso do território e dos
20

recursos naturais, isso significa pensar a urbanização e o urbano como


expressões do modelo de sociedade que estamos desenvolvendo, sendo este
contraditório, desigual e conflituoso (PENNA; FERREIRA, 2014).
O espaço urbano entra no circuito de produção e consumo da
sociedade, com suas contradições e lutas pelo espaço (movimentos sociais,
políticas públicas, ações regulatórias de governos, ação de mecanismos
imobiliários e empresariais, dentre outros). A variedade de fatores e o caráter
multidimensional da vulnerabilidade fazem com que a problemática urbana
seja tratada pontualmente. O conceito de vulnerabilidade tratado tem como
objetivo garantir uma linha explicativa e integradora que expresse a
conjuntura de carências, para além da relação de pobreza e renda.
Mesmo que processos políticos, econômicos e culturais estejam por
detrás da produção de vulnerabilidades sociais, de forma macroestrutural,
elas emergem nos territórios concretos onde as pessoas vivem, trabalham e
se encontram expostas a diferentes riscos.
Porto (2007) também diferencia vulnerabilidades populacional e
institucional, sendo que aquela corresponde a grupos sociais específicos, mais
vulneráveis a certos riscos, enquanto esta é relacionada à ineficiência de uma
sociedade e suas instituições de regular, fiscalizar, controlar e mitigar
determinados riscos. A vulnerabilidade institucional decorre de fragilidades
nos marcos jurídico-normativos, nas políticas e ações institucionais, bem
como de restrições dos recursos econômicos, técnicos e humanos disponíveis.
O conceito de vulnerabilidade é, simultaneamente, construto e
construtor dessa percepção ampliada e reflexiva, que identifica as razões
últimas de um agravo e seus impactos em totalidades dinâmicas formadas por
aspectos que vão de suscetibilidades orgânicas à forma de estruturação de
programas de saúde, passando por aspectos comportamentais, culturais,
econômicos e políticos (AYRES et al., 2003).
As abordagens de vulnerabilidade e risco requerem aproximações
multidisciplinares; ao se falar em processos de urbanização é necessário
considerar que essas novas dinâmicas estão vinculadas a novos aspectos de
transformações socioeconômicas e espaciais das cidades, às novas dinâmicas
populacionais, a mudanças no mercado de trabalho, a desigualdades
regionais e à nova ocupação do território. O conflito entre urbanização,
desenvolvimento e meio ambiente se manifesta no aumento de riscos, seja
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 21

pela ocupação de áreas frágeis biofisicamente, seja na produção de


vulnerabilidades sociais (MARANDOLA JUNIOR et al., 2013).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de urbanização das cidades trouxe novos desafios,


impactando diretamente nas condições de vida das populações,
especialmente das mais vulneráveis. Entende-se que a melhor forma de
impactar sobre a coletividade é por meios das políticas públicas, uma vez que
essas são produzidas do embate político entre diferentes classes e poderes
em jogo na arena social.
A promoção da saúde surge como uma nova orientação no setor
saúde, que ao extrapolar sua própria área de conhecimento, abrange
questões mais amplas para o desenvolvimento e obtenção da qualidade de
vida. O conceito de vulnerabilidade, como conceito integrador, é capaz de
auxiliar na compreensão e abordagem transdisciplinar da questão urbana e
da sociedade de risco. Ao compreender uma abordagem dinâmica possibilita
o diálogo entre diversas abordagens com vista à construção de uma sociedade
com mais qualidade de vida.
Outros temas que necessitam de maior aprofundamento, ampliando
assim a compreensão da questão, são: participação social e
“empoderamento” dos agentes responsáveis pela saúde urbana, no caso, a
própria população. Assim, poderá ser construído um quadro teórico mais
amplo sobre a problemática da qualidade de vida urbana e suas
vulnerabilidades.

REFERÊNCIAS

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da qualidade de vida? Ciência & Saúde Coletiva, v. 5, n. 1, p. 53-62, 2000.

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e desafios. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. Promoção da Saúde: conceitos, reflexões,
tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 117-139.
22

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177, 2000.

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M. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 15-
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BRASIL. Ministério da Saúde. As cartas da promoção da saúde. Brasília: Ministério da Saúde,
2002.

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Paulo. Rev. Bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, p. 35-56, 2013.

PENNA, N. A.; FERREIRA, I. B. Desigualdades socioespaciais e áreas de vulnerabilidades nas


cidades. Mercator, Fortaleza, v. 13, n. 3, p. 25-36, 2014.

PORTO, M. F. S. O conceito transdisciplinar de vulnerabilidade. In: PORTO, M. F. S. Uma ecologia


política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da
justiça ambiental. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 145-186.

VITTE, C. C. S. A qualidade de vida urbana e sua dimensão subjetiva: uma contribuição ao


debate sobre políticas públicas e a cidade. In: VITTE, C. C. S.; KEINERT, T. M. M. Qualidade de
vida, planejamento e gestão urbana: discussões teórico-metodológicas. Rio de Janeiro:
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WESTPHAL, M. F. O movimento cidade/municípios saudáveis: um compromisso com a qualidade


de vida. Ciência & Saúde Coletiva, v. 5, n. 1, p. 39-51, 2000.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 23

Capítulo 2

A METRÓPOLE EM PEDAÇOS:
A FRAGMENTAÇÃO E OS PADRÕES DE CONURBAÇÃO DA
REGIÃO METROPOLITANA DE GOIÂNIA5

José Vandério Cirqueira 6

A injunção [...] não pode ser una a não ser dividindo-se,


rasgando-se, diferindo de si mesma, falando a cada vez
diversas vezes – e com diversas vozes.
(Jacques Derrida, 1994, p. 33)

1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REGIÕES METROPOLITANAS NO BRASIL: OS


DESAFIOS DA GESTÃO TERRITORIAL

No Brasil, atualmente, existem oficializadas 35 Regiões Metropolitanas


(RMs) e três regiões integradas de desenvolvimento econômico (RIDEs)7. No
final da década de 1960 e início de 1970, elas começaram a ser definidas e
reconhecidas pelo governo federal. No ano de criação das mesmas, Eurico de
Andrade Azevedo (1967, p. 121) demonstrou que a institucionalização dessas

5 Este texto é fruto de parte do capítulo 01 da dissertação de mestrado em geografia intitulada


Fragmentação da metrópole: constituição da Região Metropolitana de Goiânia e suas
implicações no espaço intraurbano de Aparecida de Goiânia, orientada pelo professor Dr. Tadeu
Pereira Alencar Arrais, defendida no Instituto de Estudos Socioambientais da UFG, no ano de
2009.
6
Doutor em geografia, professor do quadro permanente do IFG, líder do Grupo de Estudos em
Ambiente e Sociedade (– GEAS), e-mail: vanderioifg@gmail.com
7 Para mais detalhes quanto às RMs e RIDEs, ver o relatório Regiões Metropolitanas do Brasil, do

Observatório das Metrópoles (GARSON; RIBEIRO; RODRIGUES, 2010). Segundo esse relatório,
“Algumas RMs contam ainda com colares metropolitanos, áreas de expansão metropolitana e
entorno metropolitano definidos em lei. No caso das RIDEs, vale lembrar ainda, que na sua
composição inclui municípios de diferentes unidades de federação. As 38 RMs/RIDEs comportam
444 municípios e estão distribuídas por 22 unidades da federação nas cinco grandes regiões”
(GARSON; RIBEIRO; RODRIGUES, 2010, p. 2).
24

regiões metropolitanas no Brasil seguia uma lógica mundial que ocorria nos
países desenvolvidos, e que no Brasil foram reconhecidas pelo seguinte
conceito:

A região metropolitana caracteriza-se por um conjunto de


aglomerações urbanas em torno da cidade grande, com a qual
desenvolvem uma série de relações, que passam a constituir um
sistema socioeconômico próprio que, no conjunto, é mais importante
do que a simples soma de suas partes. [...] O que releva notar é que
esses complexos humanos abrangem extensas áreas, sem apresentar
solução de continuidade no espaço urbanizado, num fenômeno de
conurbação, onde o maior empolga o menor, ou, quando menos, o faz
diretamente dependente, entrelaçando os problemas, fazendo-os
carentes de solução comum.

As RMs brasileiras só foram reconhecidas com a constituição de 1969,


em plena Ditadura Militar. Esse momento histórico possibilitou a
institucionalização dessas Regiões de Planejamento, que até a Constituição
de 1988 eram de responsabilidade federal. Os militares viram na criação
dessas áreas urbanas maior possibilidade de gestão territorial, pois no
momento havia um grande fervor sobre as megacidades, a urbanização
intensa em curso e, consequentemente, a sua transformação em territórios
de gestão.
Ronaldo Guimarães Gouvêa (2005, p. 101) alerta que, nas RMs do
Brasil não há uma ação de fomento politicamente capaz de instaurar uma
intervenção integrada e descentralizada na administração, na promoção de
infraestrutura básica e na geração de emprego e renda. O autor argumenta
que essa insuficiência de gestão integrada está no descompromissado e
ausente planejamento urbano do Brasil, que se delonga desde início do século
XX. O fenômeno da concentração populacional nas RMs, das conurbações e
das novas “funções urbanas e regionais com alto grau de diversificação,
espacialização e integração socioeconômica, exige planejamento integrado e
ação conjunta permanente dos entes públicos nela atuantes” (GOUVÊA,
2005, p. 101).
Marcelo Lopes de Souza (2003) discute que as primeiras RMs
brasileiras8, as quais tinham o objetivo de tornar mais racional, sob o ângulo
econômico, a prestação dos serviços comuns das metrópoles, como coleta de

8As primeiras RMs foram: Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de
Janeiro e São Paulo.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 25

lixo, abastecimento de água, etc., no interesse de uma gestão integrada. Mas


havia outro objetivo por trás desse, alerta Souza (2003), o objetivo de
geopolítica interna diz respeito a facilitar a intervenção do regime nos
espaços-chave da vida econômica e político-social brasileira.
Conforme demonstra Fany Davidovich (2003, p. 11), as primeiras
RMs do Brasil se sustentaram sobre uma base conservadora. Nelas, um
planejamento altamente “centralizado impôs um modelo que prescindiu de
práticas de cooperação intermunicipal e que preteriu a efetiva representação
política dos municípios participantes da região metropolitana”. Esse
momento de centralização política e concentração urbana possibilitou a
generalização de extensas áreas metropolitanas e acirrados processos de
conurbação.
Luís Dórich (1966, p. 7), discutindo o futuro das cidades latino-
americanas já na década de 1960, apontou sérios problemas urbanos ligados
ao crescimento desordenado e aos recentes processos de conurbação das
cidades pobres da América Latina. A partir dessa reflexão, o autor
demonstrou-se pessimista, argumentando que essas problemáticas cidades
carecem de “órgãos de governo metropolitano que se encarregarão de
coordenar todos os aspectos fundamentais dos serviços públicos”.
Conforme defende Souza (2003), quando as aglomerações urbanas
aceleram seu crescimento e se destacam, apresentando-se como áreas
econômicas fortalecidas, com polarização regional, então elas passam a ser
efetivamente constituídas enquanto RMs, e “nelas os espaços urbanos se
acham fortemente ‘costurados’, especialmente com a ajuda da ‘linha’ mais
importante, [...] que são os deslocamentos diários dos trabalhadores”
(SOUZA, 2003, p. 33)9. Essa complexidade de elementos das metrópoles
brasileiras incita a necessidade de apoio institucional e de enfrentamento dos
problemas de ordem interna e regional.
Segundo Gouvêa (2005, p. 245), as Regiões Metropolitanas brasileiras
“carecem de apoio institucional para equacionar questões que, por sua
complexidade, magnitude e abrangência, não se limitam ao âmbito de uma
municipalidade específica, por mais importante que seja”. Sandra Lencioni

9
Souza (2003) trata a conurbação de forma pragmática, não considerando o conceito de Gedds
(1994), que a classifica como qualquer forma de integração e polarização de uma cidade a outra,
sendo assim uma cidade-região ou metrópole, não necessariamente sendo rígida a necessidade
de encontro morfológico das cidades. Ou seja, conurbação não é somente um termo, e sim um
conceito. Com relação a esse assunto, Beaujeu-Garnier (1980, p. 135) diferencia conurbação de
aglomerado urbano, definindo a aglomeração como “a forma mais simples de desenvolvimento
urbano; define-se classicamente como uma cidade envolta por arredores; quer dizer que, neste
caso, é monocêntrica”. Já a “conurbação é uma aglomeração com várias cabeças. Nela,
numerosos problemas têm de ser tratados em comum” (p. 136).
26

(2003) destaca a emergência de um novo fato urbano, delineado por distintas


escalas de análise. Segundo a autora, nas metrópoles mais recentes ocorrem
certas particularidades em sua produção espacial, estas, por sua vez, estão
vinculadas à latente estratificação social no bojo do corpo urbano.
As RMs do Brasil são muito variadas entre si no tamanho e portam
consigo distintos problemas, tanto no âmbito social e econômico quanto
ambiental. Esses problemas urbanos, consequentemente, estão relacionados
aos temas da ingovernabilidade urbana e às propostas de superação dessas
questões estruturais da metrópole, caso do trabalho de José Luís Fiori (2000).
Há também trabalhos que cuidam de temas relacionados aos desafios da
governança metropolitana, conforme elucidam Sérgio de Azevedo e Virgínia
R. dos Mares Guia (2000). Esses trabalhos preocupam-se, de forma mais
veemente, com a gestão interna, a equalização das complexidades, a
participação popular e o enfrentamento dos problemas urbanos partindo a
escala local. Conseguinte a esta perspectiva, o caso dos trabalhos de Souza
(2003), Orlando Alves dos Santos Junior (2000) e Jose Luís Coraggio (2000)
também suscitam as experiências de superação dos problemas
metropolitanos diante do crivo da política de gestão local e horizontal, da
mediação entre a cooperação e o conflito.
Davidovich (2003, p. 12) argumenta que a implementação dessas
novas regiões metropolitanas a cargo dos Estados se desenvolveu de forma
abrupta e descontrolada, caracterizando uma “imprecisão de conceitos e de
atribuições, principalmente quanto às linhas de financiamento e aos recursos
financeiros”. Por outro lado, há de se considerar, conforme destaca Souza
(2003), que essas novas RMs, dotadas de pouco teor verdadeiramente
metropolitano, têm um lado positivo no que tange à busca mais flexível de
soluções para a região, de forma local e mais democrática.
Segundo Souza (2005), Milton Santos (1993), ao se preocupar com a
desintegração e espraiamento das cidades, como também Luis Cesar Ribeiro
(2000, 2004) ao utilizar o conceito de metrópole dual ou repartida, tentam
chamar a atenção para a fragmentação, porém se limitam ao tecido
socioespacial. Para Souza (2005), deve ser elucidado o fator mais importante,
a dimensão política, principalmente no caso das metrópoles nacionais, por
estarem embebidas pela violência urbana, tráfico de drogas e de armas e o
conflito entre polícia e traficantes, que alardeiam o espectro da
ingovernabilidade urbana. O autor denomina esse fenômeno de
fragmentação do tecido sociopolítico-espacial.
O necessário, no momento, é poder perceber que as RMs brasileiras
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 27

nasceram da intenção de gestão e planejamento regional. Esse planejamento


sempre esteve vinculado às relações de poder e aos arranjos institucionais.
Portanto, as RMs brasileiras foram baseadas em dois principais objetivos:
agente político, voltado ao enfrentamento dos desafios metropolitanos; e o
agente de gestão e de controle territorial. O último objetivo se sobressaiu, e
o primeiro ainda não se materializou, figurando apenas em esparsas
experiências pouco sólidas e raras exceções.

2 A METRÓPOLE EM PEDAÇOS: OS PADRÕES DE CONURBAÇÃO DA REGIÃO


METROPOLITANA DE GOIÂNIA

No aspecto intraurbano, Goiânia nasceu diferenciada, devido a seu


plano urbano radio-concêntrico – moderno para o período de 1930 no país –
e o zoneamento rígido e funcional dos setores comerciais, industriais e dos
setores residenciais, embasados nos moldes das cidades-jardins. Assim, seu
plano se organizou como uma réplica do plano urbano de Versalhes, na
França, não se esquecendo da arquitetura Art Déco, que modelou sua
paisagem, conforme destaca Célson Ferrari (1986). Segundo James H.
Johnson (1974), esses planos radio-concêntricos com cidades-jardins se
tornaram modismo que expressava estilo monumental e reprodutor do
poder.
O processo de mudança da capital da cidade de Goiás para Goiânia, na
década de 1930, foi contraditório, pois se baseou em um planejamento
arrojado, moderno, devido à sua instalação no interior de um Estado de Goiás
ainda marcado por traços da cultura agrária. Segundo Egmar Felício Chaveiro
(2004, p. 127), Goiânia nasceu devido ao interesse de sanar o atraso existente
no Estado de Goiás, ou seja, “fora inventada no seio de uma diversidade de
conflitos para antecipar a modernização conservadora” em curso. Mas devido
ao fato de Goiânia ter sido gerada nesse universo sertanejo, na sua
característica metropolitana ainda se encontra um comportamento
interiorano.

A sua invenção, a sua construção e o desenvolvimento, em certa


medida, marcam a história da desconstrução do plano moderno, de tal
modo que a cidade vive, hoje, num momento de travessia na
elaboração de outra configuração espacial, que não perde aquele,
28

todavia não o obedece. Temos hoje uma Goiânia articulada aos eixos
de transformação do mundo, da Região Centro-Oeste e do estado de
Goiás, sem perder a sua genealogia, mas nunca presa a ela. [...] Goiânia
metropoliza-se conservando, todavia, traços e signos da tradição
agrária do estado de Goiás. Isso lhe dá a sua especificidade.
(CHAVEIRO, 2004, p. 140).

Em contrapartida à perspectiva citada acima, autores como Barsanufo


Gomides Borges (1990) e Nasr Fayad Chaul (1997) não se ativeram ao caráter
singular da produção espacial de Goiás, e se dedicaram ao tratar do assunto
discutindo as ações de intervenção e modernização do território goiano.
Desse modo, a produção espacial goiana não ocorreu desligada do todo, mas
foi participante e integrada desigualmente da configuração espacial
brasileira.
Sobre a produção da metrópole goiana, Tadeu Alencar Arrais (2005, p.
351) mostra que “na análise da Região Metropolitana de Goiânia (RMG) não
podemos deixar de notar a primazia de Goiânia, ou seja, como foi construída
sua centralidade”. Essa polarização causa um dilema aos habitantes das
cidades no entorno de Goiânia, pois não encontram serviços necessários nos
seus municípios, obrigando-se a migrar em busca não somente de trabalho,
mas de serviços coletivos, como hospitais, escolas, serviços de bancos, etc.,
fazendo com que Goiânia acabe drenando a renda desses municípios,
concentrando mais poder e fragilizando a autonomia dos municípios à sua
volta. Essa condição de dependência e não de interação dos municípios do
entorno de Goiânia levou Arrais (2005, p. 353) a chamar a atenção para o
desafio político desse fenômeno:

A disparidade que se construiu na relação de Goiânia com os demais


municípios da RMG, compreendida à luz da mobilidade e
centralização, sugere não somente um desafio interpretativo, mas
antes de tudo, um desafio político. É preciso pensar alternativas
institucionais que atendam às demandas de todas as cidades da RMG,
com políticas de geração de emprego e também descentralização dos
serviços públicos. [...] Ao pensar e sugerir um equilíbrio entre
mobilidade e centralidade, estamos pensando, antes de tudo, no
rompimento de um padrão de fragmentação do tecido territorial
próprio dos ambientes metropolitanos.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 29

A própria rígida dualidade urbana ou, como comenta Ribeiro (2000), a


metáfora da “cidade partida”, por si só não explica a complexidade da cidade
atual e suas várias naturezas. Segundo o mesmo autor, ao analisar a cidade
dual, este afirma que ela é a expressão de uma nova ordem urbana, que tem
como resultado a fragmentação do espaço urbano como sua expressão
maior. Se essa nova ordem é a fragmentação, então não deveria ser
denominada de dualidade, pois sabe-se que múltiplos atores, de diferentes
formas, usufruem, se relacionam e transformam o espaço urbano, tendo
assim um espaço fragmentado, um mosaico de interposições, intersecções e
sobreposições. Vale lembrar que na cidade há uma luta por apropriação dos
distintos segmentos sociais, conforme discute Heitor Frúgoli Jr. (2000), e essa
luta faz com que atores santificados ou antagônicos se relacionem numa
complexa teia de envolvimento, de subjugações e de dependência
simultânea.
O processo de crescimento das periferias de Goiânia acarretou na sua
conurbação com os municípios vizinhos, reproduzindo no decurso desse
processo a formação da RMG. Vários fatores determinaram esse crescimento
urbano. De um modo geral, o crescimento urbano nas cidades dos países
ditos subdesenvolvidos está ligado à ação do Estado como regulador do
território. A disputa pela terra urbana acarreta na formação de periferias
precárias, favelas ou áreas de habitação sub-humana. Ermínia Maricato
(1996, p. 63) discute esse assunto da seguinte forma:

A maior tolerância e condescendência para com a produção ilegal do


espaço urbano vem dos governos municipais aos quais cabe a maior
parte da competência constitucional de controlar a ocupação do solo.
A lógica concentradora da gestão pública urbana não admite a
incorporação ao orçamento público da imensa massa, moradora da
cidade ilegal, demandatária de serviços públicos. Seu
desconhecimento se impõe, com exceção de ações pontuais definidas
em barganhas políticas ou períodos pré-eleitorais. Essa situação
constitui, portanto, inesgotável fonte para o clientelismo político.

Na contramão dessa lógica peculiar e perversa dos países


subdesenvolvidos, Mark Gottdiener (1993) aponta outros modelos de
suburbanização ampliada das metrópoles estadunidenses. Para o referido
autor, a suburbanização nos Estados Unidos tem conotação de bairros-
30

dormitórios a serviço das novas classes médias tecnocráticas, expressando


um novo estilo de vida no país. A suburbanização se instaurou após a
decadência da cidade central, sendo motivada, principalmente, pela
generalização de meios de transporte mais flexíveis, como o automóvel.
Gottdiener (1993, p. 17), ao realizar uma crítica à ecologia urbana,
argumenta que há uma ligação estruturante no meio urbano com o modo de
produção vigente, sendo que a produção social do espaço urbano está ligada
a padrões espaciais e forças profundas que residem em modos de
organização social. Essas forças se estruturam de forma “hierárquica pela
qual todos os espaços de assentamento são integrados através de ações de
formas sistêmicas”. Nesse sentido, as forças sociais do capitalismo tardio são
determinantes para a organização dos novos assentamentos urbanos, tendo
a iniciativa privada a necessidade de um novo modelo de habitação, além da
ação do Estado como os principais motivadores da expansão urbana
estadunidense. Este exemplo elucida que, no caso mais específico do Brasil,
o crescimento urbano se centra mais voltado à ampliação desordenada do
espaço urbano, através da manutenção de um estilo de vida precário nas
periferias.
No caso específico da conurbação da RMG, pode-se afirmar que ela se
iniciou no final da década de 1960. Vale lembrar que, neste caso restrito,
considera-se conurbação somente como o simples encontro entre duas
cidades. Posteriormente, a conurbação onde é hoje a RMG, se generalizou
como um fenômeno urbano, que não representava mais somente o encontro
entre cidades, mas a integração entre municípios vizinhos.
No período de 1960, 1970 e 1980 a conurbação entre Goiânia e
Aparecida de Goiânia e o crescimento urbano dos outros centros que se
localizavam próximos à capital, passou a se enquadrar no processo inicial de
formação do Aglomerado Urbano de Goiânia (AGLUG). Vale lembrar que a
década de 1980 foi o período de criação deste Aglomerado Urbano. Somente
após a década de 1990 que o desenvolvimento urbano da RMG pôde ser
considerado uma conurbação no sentido conceitual, aquele apontado por
Patrick Geddes (1994) e Jacqueline Beaujeu-Garnier (1980), ou seja, uma
conurbação que apresenta “várias cabeças”, nodalidades e articulação entre
entorno e a cidade polo.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 31

A partir do momento em que houve um processo avançado de


“encontro entre cidades” (conurbação física), e de integração intermunicipal,
como também a congregação de situações similares entre os municípios do
entorno de Goiânia, formando assim uma região com especificidade própria
é que foi considerada a existência da RMG como uma metrópole no sentido
estrito da palavra, sendo a escala intrametropolitana uma nova escala
montada em Goiás.
Os elementos motivadores dessa conurbação foram vários. Dentre
eles, e um dos mais importantes advém da ação do poder público como
incentivador da indústria da suburbanização, conforme destacou Sérgio de
Moraes (1991). Juntamente com o Estado, a iniciativa privada contribuiu com
os fatores responsáveis pela conurbação e a expansão generalizada das
periferias de Goiânia e, posteriormente, com a expansão urbana dos
municípios do entorno. O Estado autoritário da Ditadura Militar, no final dos
anos de 1970, com a desapropriação e/ou realocação de indesejados de
bairros em processo de gentrificação e dos fundos de vales, direcionou o
movimento de ocupação para Aparecida de Goiânia. Outro elemento que
merece destaque são as políticas de transportes coletivos, drenando a
população, renda e o emprego, fomentando a mobilidade e o parcelamento
do solo das periferias. A multiplicação de polos econômicos secundários nas
periferias também impulsionou a atração de população e o desenvolvimento
urbano desigual, promovendo a conurbação entre Goiânia e Aparecida de
Goiânia.
A diversificação e a modernização das atividades econômicas de
Goiânia também contribuíram para a construção de um polo regional, sendo
assim um fator responsável pela atração de migrações das mais diversas áreas
da nação que se dirigiam para Goiânia. Quando ela não mais suportou, ou
quando acharam necessário depositar o novo contingente de
subtrabalhadores, detentores das mais exploradas categorias ocupacionais,
buscaram direcionar esses sujeitos aos assentamentos humanos dos
municípios vizinhos, caso emblemático de Aparecida de Goiânia.
O fácil acesso à terra urbana nos arrabaldes de Goiânia e a oferta de
empregos com menor exigência técnica contribuíram, fortemente, com os
processos de periferização e de conurbação. Um último elemento relevante
a se considerar foi a expansão urbana induzida pelos vetores de crescimento
32

urbano, que são determinados pelas vias e rodovias de integração


intermunicipal, implantando no seu curso os novos bairros pauperizados.
Após o desenvolvimento das conurbações, gradativamente foi se
montando uma metrópole espraiada, nas décadas de 1980 e 1990. A
concentração urbana de Goiânia contrastava com os vazios urbanos de
Aparecida de Goiânia, que perduram até hoje, e os outros loteamentos
dispersos que iam surgindo nas proximidades de Senador Canedo, Goianira e
Trindade. Essa estrutura dispersa começou a ser desfeita no momento atual,
fortalecendo assim a ideia da metrópole Goiânia como uma região integrada
e dinâmica. Por outro lado, o termo metropolização de Goiânia tornaria
insuficiente, pois não houve nas décadas de 1970 e 1980 uma metropolização
dotada de desenvolvimento urbano, e sim uma periferização, em síntese,
uma simples expansão urbana, conforme defende David Clark (1985).
Com base nas discussões levantadas por Moraes (1991), Lana de Souza
Cavalcanti (2001) e Clorisnete Borges Marinho (2005), entre outras, a partir
da década de 1970 a região sul de Goiânia sofreu acirrada expansão urbana,
conurbando-se com Aparecida de Goiânia. Essa expansão para sentido sul da
capital foi posteriormente sofrendo grande valorização fundiária e
imobiliária, hoje é uma das regiões mais valorizadas. Marinho (2005, p. 77)
argumenta que, a abertura da via T-63 impulsionou a mobilidade e o
desenvolvimento da região, e a “pavimentação das vias da faixa sul dinamizou
a sua acessibilidade, contribuindo, assim, para a produção de uma localização
otimizada na capital”.
Essas modificações no espaço intraurbano de Goiânia causaram a
valorização do solo urbano e maior acirramento da conquista pela moradia,
fazendo com que a população que chegava buscasse novas áreas. Na mesma
dinâmica metropolitana de Goiânia, as cidades de Aparecida de Goiânia e,
posteriormente, Trindade, Senador Canedo e Goianira, foram sendo
impactadas pelo crescimento desordenado. Somente Senador Canedo não é
anterior à Goiânia, mas as demais são pretéritas à capital. Trindade surgiu no
século XIX, Goianira e Aparecida, no início do século XX. O crescimento
explosivo que elas sofreram causou forte impacto em suas estruturas
internas, justificando assim diferentes padrões de conurbação na RMG, com
tempos, espaços e configurações socioterritoriais particulares.
O mapa sobre a expansão urbana da RMG (mapa 1) ilustra quanto os
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 33

eixos rodoviários foram determinantes para o direcionamento do


crescimento urbano da RMG. A maior extensão do tecido urbano segue para
a região sul, delineando profunda conurbação entre Goiânia e Aparecida de
Goiânia. Trindade, Senador Canedo e Goianira apresentam relativo estágio de
conurbação, e Hidrolândia e Aragoiânia apresentam iniciado fenômeno de
conurbação.
O primeiro padrão de conurbação (padrão A), é o de Aparecida de
Goiânia com a capital estadual. Outro modelo de conurbação se desenhou no
sentido oeste e noroeste da capital, através dos municípios de Trindade e
Goianira, e das rodovias GO-060 e GO-070, respectivamente, sendo a
conurbação de Goianira mais recente do que a de Trindade (padrão B). O
outro padrão de conurbação é o de Senador Canedo, no sentido leste da
capital, este está ligado à ação induzida do Estado em promover
assentamentos humanos ligados à moradia popular (padrão C). Há também
um padrão (D) de conurbação similar entre os municípios de Hidrolândia (ao
sul de Aparecida de Goiânia) e Aragoiânia (sudoeste de Aparecida de Goiânia),
sendo uma conurbação que se encontra em estágio inicial e se forma
fisicamente com a cidade de Aparecida de Goiânia, sabendo que existe
também forte integração funcional com a capital, completando a organização
das conurbações da RMG. Mas o que chama a atenção dessa conurbação
embrionária é a sua morfologia urbana, pois está ligada não aos processos de
produção do espaço urbano e sim do espaço periurbano ou rural-urbano,
usando a conceituação de Johnson (1974).
34

Mapa 1: Região Metropolitana de Goiânia – Expansão Urbana (2000)

Fonte: PINTO, J. V. C. Fragmentação da metrópole: constituição da Região Metropolitana de


Goiânia e suas implicações no espaço intraurbano de Aparecida de Goiânia. 173 f. 2009.
Dissertação (mestrado), Geografia, IESA-UFG, Goiânia, 2009.

Mais importante que classificar a forma da conurbação, é necessário


compreender os seus vetores de expansão e sua integração, que é amarrada
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 35

pela mobilidade intrametropolitana.


Segundo Flávio Villaça (1998, p. 82), os eixos viários são um dos
elementos mais determinantes para o crescimento urbano e a constituição
da conurbação. “À medida que a cidade cresce, ela se apropria e absorve os
trechos urbanos das vias regionais, como nos casos das rodovias antigas que,
com o tempo, se transformaram em vias urbanas”.
A partir do momento em que a malha urbana de Goiânia transbordou
para Aparecida de Goiânia, esta vem transbordando-se para Hidrolândia. Na
verdade, o que ocorre é uma indução do crescimento urbano e não um
transbordamento propriamente dito, pois não se deve esquecer de que o
município que sofre crescimento, em decorrência da demanda
metropolitana, já tinha velhas formas espaciais que vão sendo ressignificadas
ou descaracterizadas. Além da região sul da RMG, a região oeste apresenta
considerada expansão urbana, composta por dispersos loteamentos,
principalmente nos municípios de Goiânia e Trindade, o mesmo acontece
com a região noroeste, no município de Goianira. Boggione, Ferreira e Silva
(2005, p. 687) tratam desse assunto e mostram que os vetores do
crescimento urbano de Goiânia estão mais acirrados nas regiões tratadas
anteriormente, sintetizando a argumentação da seguinte forma:

Entre os anos de 1975 e 2002, a área urbana de Goiânia praticamente


duplicou, sendo que os setores norte e oeste foram os que
apresentaram maiores expansões. Em particular, a região sul foi o que
apresentou menor expansão e nos próximos anos esta região não mais
se expandirá, pois naquela região a área urbana de Goiânia já atingiu
o limite municipal, contudo é importante em trabalhos futuros,
mensurar os vetores de crescimento da área urbana do município de
Aparecida de Goiânia, que atualmente tem sua expansão influenciada
por Goiânia.

Em decorrência desses vetores de crescimento urbano foram se


construindo distintos padrões de conurbação entre Goiânia e as cidades do
seu entorno. Na RMG existem diferenciados estágios de conurbação.
Distintos no sentido de tempo de formação, grau de contato entre os tecidos
urbanos de Goiânia, integração funcional entre os municípios, e, por último,
diversificação e dinamização econômica, reproduzindo maior ou menor
autonomia e complementaridade entre os municípios que se conurbam com
36

a centralidade metropolitana.
De forma objetiva, na RMG se desenvolveram quatro estágios
diferenciados de conurbação: a conurbação Aparecida de Goiânia com
Goiânia; depois a conurbação Trindade/Goianira com Goiânia; em seguida, a
conurbação Senador Canedo com Goiânia; e, por último, o estágio inicial da
conurbação Aragoiânia/Hidrolândia com Aparecida de Goiânia.

Quadro 1: Os padrões de conurbação na Região Metropolitana de Goiânia

Região
Nome da Quais cidades
que se Principais características
conurbação conurbam-se
conurba

– Densidade de contato físico com Goiânia;


Aparecida de – Novas centralidades;
Sul de
A Aparecida Goiânia com
Goiânia – Novas lógicas de mobilidade;
Goiânia
– Especulação e valorização imobiliária.

– Expansão urbana desordenada dirigida


Noroeste pela iniciativa privada;
Trindade/ Trindade e
e oeste
B Goianira com
Goianira de – Fragmentação dos bairros;
Goiânia
Goiânia
– Ocupação popular da terra urbana.

– Ocupação dispersa dirigida pelo poder


público e capital privado;
Senador
Senador Leste de
C Canedo com – Loteamentos populares e condomínios
Canedo Goiânia
Goiânia fechados;
– Forte integração funcional com Goiânia.

– Estágio inicial de conurbação;


Sul e
Aragoiânia e – Reduzido contato físico com Aparecida
Sudoeste
Hidrolândia de Goiânia;
Argoiânia/ de
D com
Hidrolândia Aparecid – Empreendimentos industriais,
Aparecida de
a de empresariais atacadistas e imobiliários;
Goiânia
Goiânia
– Ocupação rural-urbana do espaço.

Fonte: Organização José Vandério Cirqueira (2017).


Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 37

O primeiro caso iniciou na década de 1960, motivado pela expansão


urbana induzida pela ação do poder público, como gestor do território,
facilitando o parcelamento do solo e a ocupação desordenada fora do
município de Goiânia, consequentemente, no município de Aparecida de
Goiânia. A ação do poder público teve como respaldo o discurso de amenizar
as distorções que estavam se montando na nova capital Estadual, planejada
três décadas atrás. Essa primeira conurbação (conurbação Aparecida), nas
últimas décadas, vem sofrendo reestruturações, tendo como síntese a
formação de novas centralidades, dinamização econômica (polos
empresariais e industriais) e valorização do solo urbano (condomínios
fechados verticais e horizontais), fortalecendo sua diferenciação das demais
(ver Mapa 2). Na conurbação Aparecida, sua vinculação maior se dá,
evidentemente, devido à localização na região sul de Goiânia, por outro lado,
é uma conurbação integrada a quase todas as áreas da porção centro-sul da
capital, pois a extensa área limitada com Goiânia e as várias vias e rodovias
de acesso possibilitam essa articulação.
38

Mapa 2: Conurbação entre Goiânia e Aparecida de Goiânia

Fonte: PINTO, J. V. C. Fragmentação da metrópole: constituição da Região Metropolitana de


Goiânia e suas implicações no espaço intraurbano de Aparecida de Goiânia. 173 f. 2009.
Dissertação (mestrado), Geografia, IESA-UFG, Goiânia, 2009.

A segunda conurbação (conurbação Trindade/Goianira) iniciou nos


primeiros anos da década de 1990 e teve como impulso as ações imobiliárias,
em grande parte da iniciativa privada, constituindo tanto novos condomínios
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 39

horizontais (caso da região de Trindade), loteamentos irregulares dispersos


como extensão do eixo industrial e de comércio varejista na rodovia GO-070
(região de Goianira). Nessa conurbação existe uma característica principal
ligada à coesão socioeconômica (setores populares), fragmentação dos
setores conurbados e com baixa ligação ao centro tradicional dos municípios
que pertencem, proliferação de comércio de bairro, devido à demanda local
produzida pela desintegração dos bairros aos centros comerciais, e
lineamento da mancha urbana pelas rodovias e suas áreas adjacentes,
estando mais integrada ao subcentro de Campinas, em Goiânia, conforme
alertaram Correa, Paula e Pinto (2005).
O terceiro padrão é o da conurbação Senador Canedo. Nessa
conurbação, o traço característico que lhe diferencia das demais é que, na
última década, o poder Estadual interferiu decisivamente no contato físico
entre Senador Canedo e Goiânia através da produção de loteamentos para
classes populares. Portanto, é uma conurbação fortemente marcada pela
ação estadual e a demanda habitacional produzida pela expansão urbana da
região leste de Goiânia. Outro diferencial é que a conurbação Senador
Canedo se integra à Goiânia por três vias de acesso, estando mais vinculada
ao centro tradicional e aos subcentros próximos da Avenida Anhanguera, na
porção leste da capital.
O último padrão de conurbação é o de Hidrolândia/Aragoiânia. Vale
ressaltar que essas duas cidades apresentam contatos físicos com Aparecida
de Goiânia ainda em estágio primário. A integração via mobilidade também é
muito baixa, comparada com as outras conturbações; portanto, a
apresentação desse quadro de conurbação é um esforço de antever a
configuração da futura integração física. A perspectiva fragmentária da
metrópole em pedaços reforça a tendência ao processo de conurbação nessa
região sul, principalmente ao acompanhar as recentes transformações no
eixo rodovia BR-153 (Aparecida de Goiânia e Hidrolândia), marcada por polos
empresariais, empreendimentos comerciais atacadistas e condomínios
habitacionais; e no eixo GO-040 (Aparecida de Goiânia e Aragoiânia), marcada
pelos condomínios habitacionais e loteamentos de chácaras e sítios rurais.
Mas no momento atual, o que se verifica é que essa conurbação se diferencia
também por estar acontecendo entre Aparecida de Goiânia, Hidrolândia e
Aragoiânia, ou seja, no segundo anel de expansão urbana da RMG. A
40

conurbação Aragoiânia/Hidrolândia tem como agente estruturante a


produção periurbana ou rural-urbana do espaço, conforme já foi destacado.
Nas duas cidades, loteamentos tipo chácaras, e no caso de Hidrolândia, o
distrito rural de Nova Fátima, ao sul do ribeirão das Lages, que divide
Hidrolândia de Aparecida de Goiânia, são os vetores de assentamento urbano
das regiões, sendo assim, uma conurbação motivada pela auréola rural-
urbana de setores de chácaras, sítios, granjas e os arranjos locais de
horticultura, e também por empreendimentos atacadistas e loteamentos
habitacionais. Segundo Johnson (1974, p. 201), é na “aureola rururbana
donde se mezclan varias características rurales y urbanas”. Sendo essas áreas
uma indefinição ou fusão do urbano com o rural.
Com a consolidação de uma metrópole no interior de Goiás, o padrão
urbano desse Estado se redirecionou. Goiânia não mais se articulava sozinha.
Seu crescimento transbordou para além dos limites municipais da jovem
capital cerradeira, através de um desenvolvimento metropolitano agressivo e
perverso, constituindo-se hoje numa metrópole em pedaços, espectro da
fragmentação do tecido sociopolítico-espacial.
Surgiram novas cidades impulsionadas pela forma metropolizante da
capital, outras, embrionárias manifestações citadinas pretéritas,
periferizaram-se, formando um grau de suburbanização jamais visto em
Goiás.
Essa manifestação espectral fragmentária tem ligação direta com a
argumentação de Jacques Derrida (1994), tomando a liberdade de fazer
alusão à sua fala na qual denota que a injunção, ou a ordem impositiva de
desenvolvimento urbano rígido, para ser una e coesa deve-se dividir, diferir
de si mesma, falando a cada vez diversas vezes – e com diversas vozes. Assim,
é possível almejar constituir-se uma Região Metropolitana múltipla e não
apenas em pedaços.

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Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 43

Capítulo 3

SEIS ELEMENTOS DA FORMA URBANA


E UM PROCEDIMENTO DE ANÁLISE

Adilson Macedo10

1 INTRODUÇÃO

Este texto apresenta o resultado parcial de investigação sobre tipos


de espaços construídos que são o suporte da vida cotidiana de uma cidade de
tecido tradicional. A análise se apoia na subdivisão do tecido urbano em
setores levados a partes da cidade cada vez menores, até não haver mais
interesse para subdividir. Os setores pequenos, onde por conhecimento do
local se percebe características peculiares do parcelamento do solo e das
edificações, tem servido para testar os procedimentos de estudo.
Da abordagem empírica nasceu um processo de análise urbana
baseado no contato direto com o espaço físico, acompanhado pela consulta
a mapas e documentos. Trabalho de campo e escritório, dupla atenção que
facilita o entendimento do pesquisador quanto a natureza e caráter dos
espaços em face do cotidiano de uso pelas pessoas. Para conhecer, é
indispensável percorrer fragmentos do tecido urbano que indicam caminhos
para a análise e sugerem ideias de onde e como o existente poderá ser
transformado. O olhar atento sobre a malha urbana possibilita descobrir
como subdividir os espaços em setores, abrangendo ao mesmo tempo
grandes porções do território e o estudo de espaços menores, lugares onde a
vida urbana segue intensa. Por princípio, irá se empregar no decorrer do
manuscrito o termo espaço para designar a porção física e lugar como termo
atribuído ao espaço apropriado pelas pessoas (MACEDO, 2016, p. 72).

10 Professor Doutor da Universidade de São Paulo. Email - ac.macedo@terra.com.br


44

O título refere-se a seis elementos da forma urbana indicando que aos


quatro elementos clássicos – via, quadra, lote, edifício (VQLE) – foram
acrescidos dois. Os trabalhos desenvolvidos pelo geógrafo Michael Robert G.
Conzen, seguido por um grupo de pesquisadores aos quais se atribui o nome
de Escola Anglo-Germânica de Morfologia Urbana e os trabalhos devidos a
Escola Italiana, inspirada nos princípios do arquiteto Salvatore Muratori,
utilizam para a análise do espaço construído os elementos urbanos VQLE. Do
geógrafo resultou a acuidade da análise morfológica das camadas históricas
do ambiente natural, e do espaço construído do arquiteto resultou “o estudo
da forma urbana como um modelo projetual para uma cidade”, baseado nas
“tradições históricas dos elementos vernaculares das cidades italianas e sua
relação com o espaço urbano” (PEREIRA COSTA et al., 2015, p. 35). Os
pesquisadores da configuração dos espaços urbanizados, segundo as linhas
de trabalho de Conzen ou Muratori, desde os anos 1950 são referidos como
representantes de uma escola de pensamento. Em paralelo, desenvolveram-
se os estudos de Phillipe Panerai e parceiros na França, e na Europa
prosseguem estudos da forma urbana através de grupos atuantes como o
Forma Urbis Lab, liderado pelo professor Carlos Dias Coelho da Universidade
Técnica de Lisboa e o grupo da Universidade do Porto, responsável em
Portugal pelo ISUF, International Seminar on Urban Form, associado à
congênere inglesa (OLIVEIRA, 2016).
O escrito apresentado faz uso do quarteto VQLE e se arvora a
introduzir outros dois elementos, o corredor (C) e a subárea (S). O corredor
formado pela largura da via, acrescida da faixa lindeira de lotes, e a subárea
identificada como a superfície delimitada pela linha poligonal dos fundos de
lotes do corredor. Desta maneira se completam seis elementos com
inspiração na morfologia urbana clássica nos trabalhos de Bill Hillier (sintax
analisys) na Inglaterra e com afinidade maior aos conceitos de Aldo Rossi
sobre a arquitetura da cidade e com a experiência norte-americana,
representada por Christopher Alexander (Universidade da Califórnia,
Berkeley) e Kevin Lynch (M.I.T, Cambridge, MA), Peter Calthorpe (Berkeley) e
Douglas Farr (U.S. Green Building Council).
Não se estendendo nas associações teóricas e longe de buscar
afiliação às “escolas” europeias, os dois elementos urbanos, corredor e
subárea, devem ser considerados como tipos de elementos urbanos. São
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 45

padrões de ocupação de espaço urbanizado presentes na cidade de São Paulo


e que acontecem em outras cidades. Eles foram assimilados, pensados e
serão repensados pelo(s) pesquisador(es) durante o desenvolvimento de
trabalhos sobre tecidos urbanos.
Desta forma, a análise do conjunto de elementos VQLECS poderá
fornecer subsídios para a especulação teórica a partir de estudos analíticos.
Quando a análise desses elementos físicos se mostrar satisfatória, servirá
para alimentar o programa de um projeto urbano ou subsidiar o programa
inicial que responda à demanda por um plano geral (master plan).

2 MANEIRAS DE SUBDIVIDIR O TECIDO URBANO

Em São Paulo há subdivisões do espaço físico para atender aos


objetivos dos departamentos municipais de planejamento (administração,
demografia, educação, saúde e outros) e das concessionárias de serviços.
Pelo lado da população é introduzida a subdivisão do espaço chamada bairro.
Para o objetivo do manuscrito interessam duas subdivisões: o distrito,
segundo a delimitação oficial estabelecida pelo poder municipal e o bairro,
conforme entendido pela população, com sua delimitação física imprecisa.
Por sua vez, o bairro é composto por áreas de vizinhança, entendidas no
sentido convencional de ser a porção do espaço onde as pessoas dividem o
espaço livre com os vizinhos por extensão das moradias.
O Grupo de Pesquisa Arquitetura da Cidade, da Universidade São Judas
Tadeu, GPAC/USJT, na linha de pesquisa Tipos e Forma da Cidade, tem se
dedicado ao estudo dos bairros de origem industrial da cidade de São Paulo,
procurando relacionar padrões de tecido urbano e das edificações, com
setores de potencial para requalificação. São trechos de tecido urbano –
subáreas – onde se percebe pela vista aérea a homogeneidade do tecido
urbano e sua inserção entre os corredores. Observações para depois serem
confirmadas por vistoria no local, segundo dois momentos: o primeiro com o
objetivo de elucidar e estabelecer critérios de análise para o que se chama de
área de vizinhança protegida; depois, mostrar como da interpretação da
realidade resultam conceitos, que poderão ser expressos por um programa
para o projeto urbano (IMBRONITO et al., 2016, p. 87).
46

Ao se tratar de área de vizinhança há dificuldade para concordar seus


limites com a subdivisão física do espaço em distritos e subdistritos
(Prefeitura) e com a subdivisão em corredores e subáreas, CS, ora
apresentada. São duas maneiras apropriadas para o estudo do espaço físico
e não daquele contornado por razões socioeconômicas e culturais da
população. Conciliar esses propósitos é um tema tratado no texto por um
arquiteto, para elucidar e aprofundar a análise, apressado em gerar
programas adequados para o desenvolvimento de propostas para a
transformação do espaço das pessoas, mas respeitoso quanto à verdade de
que os projetos bem-sucedidos se iniciam por programa de necessidades
completos e são realizados através de bem formatado processo de
implementação (BARNETT et al., 2015).
O conceito de área de vizinhança deduzido por observações sobre a
malha urbana da cidade de São Paulo se refere a padrões do espaço físico
encontrados em partes de bairros de origem industrial da cidade. Afasta-se
do modelo de unidade de vizinhança clássica, onde o dimensionamento dos
espaços é feito em função da distância casa-escola. O tecido é formado por
quadras industriais junto a outras parceladas em lotes para pequenas
indústrias, sendo frequente existir no correr da mesma quadra lotes de três e
meio metro de frente para moradias em fileira e na esquina lote maior para
comércio no térreo e um ou dois pavimentos acima para moradia ou
escritório. Há um generalizado predomínio do uso misto dos espaços nesta
cidade, extrapolando até em bairros fora dos setores caracterizados por
indústrias.
Esta forma de ocupação demonstra que o padrão observado de haver
na cidade manchas com dimensão significativa mostrando a predominância
de lotes residenciais, até situações onde há uma praça, terreno com escola
ou igreja, isto não permite associação com o conceito clássico de unidade de
vizinhança. Pela razão que a densidade alta de ocupação e o transporte
favorecem quanto à distribuição dos equipamentos sociais.

3 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE E ÁREA DE VIZINHANÇA

Levando em conta preexistências, formula-se um conceito de área de


vizinhança (lugar) sobre a malha da cidade tradicional (espaço). Este conceito
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 47

tem como referência proposições que vêm ocorrendo no tempo: a ideia de


neighborhood unit de raízes na cidade jardim, na definição de unidade de
vizinhança do Urbanismo Moderno, e nas versões contemporâneas de
sustentabilidade (FAAR, 2008).
É levado em conta que esses “modelos” foram pensados para espaços
vazios, sem a preexistência de urbanização e propostos para baixa densidade
de população e de área edificada. No contexto da cidade tradicional de
variado acervo de tipos de tecidos, compacidade, transporte fácil, os
responsáveis pelas famílias – pai e mãe – trabalhando longe de casa, a mãe
deixando o nenê na creche e o irmão maiorzinho em escola de Educação
Infantil perto do trabalho, não se aplica o modelo clássico de unidade de
vizinhança. Neste texto atribui-se a designação de AV, área de vizinhança, a
um ajuntamento de quadras com lotes pequenos – 70 a 250 m² – mesclados
com pequeno número de lotes maiores e, hoje frequente, com a inserção dos
grandes condomínios residenciais murados. O contexto pode ter uso misto
balanceado, acentuada predominância residencial ou uso particularizado
(exemplo, condomínio industrial).
Seja nos procedimentos de análise ou na discussão do programa para
a elaboração de um projeto urbano é comum se levantar as necessidades
como requisitos práticos, funcionais e se incorporar demandas do espírito e
da percepção individual de interessados no programa para a transformação
de uma área urbana. Demandas que pouco se evidenciam na fase analítica,
mas costumam se manifestar com força por ocasião dos workshops para
discutir propostas para transformação de um espaço da cidade. Pode-se dizer
que nos trabalhos de cunho estritamente analítico e acadêmico não é sentido
o vigor da presença direta dos interessados na transformação urbana. Sim,
desde discussões iniciais para o desenvolvimento de um projeto, em que
interessados entram com predisposição para defender ideias e naturalmente
interesses individuais. A situação de auscultar a comunidade no início de um
projeto extrapola o campo da análise acadêmica e concorre para se refazer
premissas, enriquecer o programa do projeto e a teoria (COTT, 2014).
Consequência é que quanto mais sejam desenvolvidos fatores de
coesão social, emergentes destas reuniões, melhor a comunidade poderá
saber o que quer e como. Por exemplo, proteger-se de quem e de que poderá
afetá-la negativamente. Requisito que reflete no projeto sugerindo a
48

invenção de dispositivos para inibir o acesso dos veículos de passagem e se


destacar na paisagem urbana portas de acesso ao bairro. Os aspectos de
conteúdo social das questões que afetam o espaço são importantes, fogem
ao escopo desta análise, mas irão se fazer presentes no conjunto de
informações quando houver a eclosão do projeto através da contribuição de
profissionais de diferentes formações e da comunidade (MACEDO, 2016).
No município de São Paulo o Plano Diretor Estratégico (PDE) aprovado
em 2014 e elaborado à luz dos princípios do Desenvolvimento Orientado pelo
Transporte Público (DOTP), prescreve o desenvolvimento urbano com base
no adensamento de eixos estruturadores que seguem o sistema transportes
de massa (metrô, trem, VLT, BRT). O plano prevê também a seleção de
quadras no entorno das estações, em um raio entre 400 e 600 m, para o
adensamento de construções, visando maior ocupação por pessoas:
moradores, as atraídas pelo trabalho, compras e serviços. As estações
promovem uma forma de polarização de atividades da vida urbana que
podem se configurar como a área central de um bairro ou serem apenas uma
parte do que os moradores consideram ser o centro do bairro. O centro do
bairro concentra as linhas de transporte de alta capacidade que ligam pontos
distantes da cidade, em conjunto com linhas de ônibus interbairros. Ocorre o
efeito de centralidade, aglutinando ponto de ônibus, comércio, serviço e
residência mostrando maior densidade neste ponto, espraiamento e rápida
diluição pelas ruas vizinhas (Figura 1).
Figura 1: Acesso ao centro de uma área de vizinhança

Fonte: Foto do autor (março 2017).


Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 49

Em todo plano diretor municipal o processamento do trabalho e as


decisões finais são de gabinete, onde a equipe responsável, com a melhor das
intenções, se entusiasma com o saber e o poder de resolver os problemas da
cidade, é culta, politizada e julga conhecer o que está acontecendo lá fora.
Tem soluções no bolso e chegam com respostas prontas para as discussões
em audiência pública como procedimento usual do planejamento dito
participativo! As reuniões com a comunidade são mais para sentir o efeito
que as respostas prontas causam. Validar a opinião da equipe técnica e não
para colher e processar com isenção as manifestações locais. Com esta
atitude se contabiliza o aceite de um plano resultante de muitas reuniões
públicas. Dito como se diz, o planejamento pela via oficial tende a ser do tipo
top down, onde as decisões são de cima para baixo, resultando diretrizes para
facilitar o controle do plano pelo poder público, em vez de implantar
procedimentos efetivos para estimular o conhecimento do local e trabalhar
com eles (bottom up)11.
A constatação acima demonstra a preocupação da pesquisa ora em
andamento ter foco no conceito de área de vizinhança (AV). Ela representa
um fragmento do tecido urbano, independentemente de ser ou não de uso
misto. Ela é configurada por corredores, definidos pela largura das vias mais
as faixas lindeiras de lotes. Sua escolha, no contexto do tecido urbano do
bairro resulta da percepção do vir a ser, isto é, de uma visão prospectiva que
elege determinado local do ponto de vista apenas da configuração física para
ser uma AV. Escolha feita primordialmente pela homogeneidade do tecido
urbano e pela posição relativa aos canais de circulação. Conhecimento obtido
através de visitas ao local e do estudo de fotos aéreas, de onde se pode
verificar preliminarmente o traçado das vias, o parcelamento do solo em
quadras, das quadras em lotes e o tipo das edificações nele colocadas.
Dessas observações passa-se para a fase mais acurada de análise,
identificação e classificação de tipos. O próximo passo será explorar
possibilidades para o redesenho do fragmento do tecido como uma AV
protegida. Depois vem a atividade que depende menos dos técnicos em

11
O DOTP (TOD, Transit Oriented Development) é um processo de planejar a região e áreas
urbanas desenvolvido nos Estados Unidos da América sob a égide do Smart Growth. O PDE/SP
2014 de qualquer maneira foi um passo fundamental no sentido de considerar questões locais.
50

projeto de arquitetura urbana, e mais daqueles capazes de montar a agenda


local, para discutir e traduzir os procedimentos de implementação das
diretrizes do plano, em um projeto conjunto com a comunidade local.

4 BAIRRO E ÁREA DE VIZINHANÇA, AV

Em toda a cidade a propriedade do espaço se divide em público e


privado. À luz desta divisão fundamental é possível analisar, interpretar dados
e propor princípios (diretrizes) para o projeto de requalificação de partes da
cidade. Devem ser consideradas as regulações decorrentes do plano diretor
sem se ficar submisso a elas.
O importante é analisar, interpretar e inventar diretrizes elaboradas
segundo a procura para melhorar o ambiente de uma área em estudo.
Quando o trabalho não se restringir à análise para fins acadêmicos, mas, com
apoio nela, será possível produzir matéria propositiva, valorizar
peculiaridades – vida, cultura, genius loci – para incrementar a ação de
projetar. A organização dos espaços assim poderá ser consistente, no sentido
de completude da sustentabilidade sociocultural e aberta para as
transformações que o tempo irá impor (IMBRONITO et al., 2016).
O conceito de bairro, para efeito deste trabalho, se referencia no
tecido urbano existente e ao mesmo tempo se afasta para elaborar padrões
de aplicação geral. O bairro fica entendido aqui como um setor urbano
delimitado por vias que envolvem grupos de áreas de vizinhança. Uma das
áreas de vizinhança representa o centro do bairro. Portanto, o bairro além do
centro possui outras AV que usufruem deste centro e completam o conjunto.
Por sua vez, cada uma das áreas de vizinhança pode ter um pequeno centro,
ou compartilhar um centrinho destes com outra. O centro do bairro espraia-
se por algumas ruas e tem dimensões variadas dependendo dos seus limites
físicos, da existência de alguma grande construção ou praça: ele existe em
variadas configurações. Utiliza-se no texto a palavra centro, mas, o efeito de
centralidade pode ser exercido por uma rua ou por apenas um trecho dela
(MACEDO, 2016).
Na Figura 2 aparece um trecho de corredor de uso misto associado a
via de distribuição interna – Rua Carlos Weber, bairro Vila Leopoldina, São
Paulo. Nesta rua há terrenos de 25 m de profundidade onde se encontram
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 51

casas; eles estão intercalados com lotes grandes que serviram para indústrias
e hoje são condomínios residenciais. Do outro lado da rua, a maioria dos
terrenos de origem industrial foi ocupada por prédios residenciais, em
condomínios de um ou mais prédios de até trinta pavimentos.

Figura 2: Centralidade linear – residência, comércio e serviço em nível local

Fonte: Foto do autor (abril 2017).

Desde a Antiguidade têm sido propostas dimensões julgadas


adequadas para a cidade: diversas conforme o tempo e autor. Para os bairros,
diferentes concepções também rolam pelo tempo. Elas vêm acontecendo no
mundo moderno desde as teorias sociais criadas nas últimas décadas do
século XIX, para amenizar o impacto da migração de pessoas da área rural
para cidades europeias, particularmente Londres. Longa discussão se estende
sobre propostas para arranjos espaciais (modelos) para o bairro e para
mecanismos de controle da maneira de ocupar os espaços. Kevin Lynch
conclui o capítulo “A dimensão da cidade e a noção de bairro”, no livro A boa
forma da cidade, dizendo: “Numa outra economia organizada em
comunidade e relativamente coerente nos seus valores, onde o pequeno seja
realmente belo, o controle local pode tornar-se uma característica central da
concepção do aglomerado populacional” (LYNCH, 2007, p. 237). Entenda-se
isto como uma mensagem reforçando a compreensão atual de se trabalhar o
52

urbano na escala do bairro e o interesse de estudar as áreas de vizinhança


como partes do bairro.
Por um lado, trabalhando na pesquisa sobre o tecido de bairros em
São Paulo e, por outro, do aprendizado obtido através da elaboração de
projetos urbanos, destacam-se três tópicos importantes quanto a maneira
considerar os espaços:
 Tópico 1: ser a medida de referência para o tamanho de um bairro a
superfície até 80 ha, adotada neste trabalho e oriunda da
experiência de arquitetos-professores em função da pesquisa sobre
os tipos e a forma da cidade, com base no tecido tradicional da
cidade de São Paulo. Na cidade há bairros maiores que 80 ha, mas
esta é uma dimensão que, testada em projetos desenvolvidos na
universidade sem a preocupação de caracterizar formalmente um
bairro, mostrou-se eficaz particularmente para análise do espaço
urbano e a configuração de suas partes (MACEDO, 2002).

Pode-se identificar na Figura 3 o setor formado pelas vias externas.


Acima, em forma de triângulo, há um subsetor definido por três vias que
atravessam (noroeste). Logo abaixo há outro setor definido por duas vias que
atravessam e uma via que distribui o tráfego para as vias locais (representada
por traço mais fino). Chama-se de corredor que atravessa e de corredor que
distribui, o sistema formado pelas vias mais a faixa de lotes que as
acompanham. A poligonal formada pelos fundos dos lotes define um miolo
que se chama subárea.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 53

Figura 3: Trecho do bairro da Vila Prudente e área de vizinhança

Fonte: GPAC/USJT, autor

Observe-se que o setor escolhido para determinado estudo é subsetor


de outro de ordem maior, e assim por diante. Em investigação do GPAC,
testado por trabalhos didáticos, utilizou-se a subárea localizada à sudoeste,
formada pelo corredor que distribui (traço fino, acima) e os três corredores
que atravessam como objeto de estudo. Daí se decidiu considerar as vias de
distribuição interna, indicadas por tracejado, envoltórias de um conjunto de
quadras com lotes estreitos, pequenos e edificações similares, como uma
área de vizinhança protegida.
 Tópico 2: para o adensamento da ocupação junto as estações
centrais de transporte de alta capacidade, o PDE-SP adotou o critério
de selecionar quadras que estivessem num círculo de quatrocentos
a seiscentos metros da estação, para adensamento com coeficiente
de aproveitamento máximo CA = 4.

Construir até quatro vezes a área do lote para estimular o


adensamento populacional das edificações e a consequente oferta de
54

espaços para comércio, serviços e moradia. Considera-se em média a área


que possui um círculo de quinhentos metros de raio, igual a 78,5 ha, como
referência para o adensamento desejado no entorno das estações. O
diagrama apresentado na Figura 4 representa o conceito para selecionar
quadras para adensamento, situadas no entorno das estações de transporte
público de alta capacidade. Destaque para as quadras entre os círculos de
quatrocentos e seiscentos metros, que foram escolhidas para seus lotes
serem edificados com construções de coeficiente de aproveitamento, CA=4.

Figura 4: Diagrama conceitual para áreas de adensamento

Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU).

 Tópico 3: a dimensão entre 16 ha e 80 ha é recomendada para uma


neighborhood unit, como apresentado por Douglas Farr no livro
Urbanismo Sustentável (FARR, 2008, p. 63).

Trata-se de espaços para densidade de ocupação baixa, CA = 1,5 a 2,


que é uma forma de adensamento das construções comuns nas cidades
médias, pequenas e bairros fora de áreas centrais de cidades grandes nos
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 55

EUA. Quando há edificações em altura elas ficam no entorno de seis


pavimentos. O sonho americano ainda é a casa térrea, o sobrado e
dependendo dos recursos a residência individual isolada, situada em um
condomínio de subúrbio. Por este motivo, o diagrama de Farr retrata o
modelo de ocupação para uma área vazia, sem a preexistência de
urbanização.

Figura 5: Neighborhood unit – D. Faar (2008)

Fonte: Commons Wikimedia, 23.04.2017.


56

Dos três tópicos destacados acima emergem questões conceituais


relacionadas com a natureza e dimensão do tecido urbano escolhido para
estudo. A área sugerida pelo GPAC de até 80 ha vem de observações e
tentativas de se estabelecer corredores que atravessam tangencialmente
determinados trechos da cidade e definem subáreas sobre um tecido urbano
de traçado antigo, desenhado para conter quadras com lotes que acomodem
desde a grande planta industrial até a pequena vila operária. Em São Paulo, a
lógica deste traçado foi acompanhar aproximadamente o relevo do terreno
(natural, naquela época) e a proximidade de ferrovias e rodovias. Da maioria
das situações observadas, considerou-se que em um polígono formado por
corredores que atravessam tangenciando uma subárea e fazem ligações com
as demais partes da cidade poderia se desenvolver diretrizes para organizar
os espaços públicos do corredor e do miolo, as subáreas.
A equipe responsável pelo PDE, quanto ao adensamento da ocupação
dos espaços das quadras selecionadas no entorno das estações, trabalhou
com o parâmetro da distância confortável de até seiscentos metros para uma
pessoa caminhar até a estação. Como o ideal seriam quatrocentos metros,
para efeito de cálculo estimativo para comparação, considerou-se a média:
um raio de quinhentos metros, que resulta no círculo com área de 78,5 ha,
constituindo a área de influência direta estimada da estação.
Em 1929, Clarence Perry indicou que quatrocentos metros seria a
distância boa para se levar uma criança caminhando até a escola; uma pessoa
idosa ter condições de caminhar com conforto até as facilidades centrais da
neighborhood e ter acesso ao transporte público. A área do círculo que
correspondente ao raio de quatrocentos metros é 50,24 ha. Dando uma folga
ele chegou a 64 ha como pode ser observado em seu famoso diagrama
(PERRY, 1998, p. 25). Em 1998, Andrés Duany atualizou este diagrama dando
mais atenção à evolução do sistema de transportes e pouco depois, em 2008,
Douglas Farr repassa o diagrama de Duany incluindo aspectos básicos de
como deveria ser o diagrama ou modelo de uma neighborhood unit
sustentável (FARR, 2008, p. 64)12.
O conteúdo de relações entre vizinhos que a palavra neighborhood
sugere, transposto para o Brasil, ajusta-se melhor ao conceito de bairro,

12Foi apresentado apenas o diagrama de Farr, por ser o final de uma sequência de proposições:
Perry, Duany, Farr, onde o desenho de 1929 vai sendo aprimorado até incorporar os requisitos
da sustentabilidade.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 57

apesar que em São Paulo 80 ha poderá ser a superfície de apenas uma parte
do bairro. Nesta cidade há bairros grandes e, às vezes, na prática, confunde-
se o bairro com um distrito ou subdistrito (termos utilizados pela
administração municipal)13. No entanto, mesmo sem poder precisar
exatamente limites, as pessoas falam carinhosamente do bairro onde moram,
donde se conclui que a dimensão do bairro não importa muito e sim a
apreensão que se tem de lugares distintos dentro dele. Tanto o conceito de
neighborhood unit, ilustrado pelo diagrama de Farr (para uma área
desocupada), quanto certos conjuntos de áreas de vizinhança existentes em
São Paulo poderiam ser traduzidos por bairro, sem limites rígidos. Desta
maneira, o bairro pode ser entendido no sentido do conjunto de lugares que
as pessoas sentem o relacionamento com vizinhos e o palco de suas
atividades cotidianas (levar criança na escola, fazer compras...).

5 AS PARTES DO BAIRRO

No bairro, em particular em cada AV, é importante valorizar a


qualidade e o caráter das construções existentes (cidade e edifícios) para se
preservar e tirar partido do patrimônio disponível. Também otimizar as redes
públicas de infraestrutura, requalificar espaços abertos e edificados, com o
objetivo de formar comunidades locais sustentáveis na cidade grande.
O centro do bairro, espaço para ser o lugar de encontro de pessoas,
primordialmente dos moradores, sendo bem-vindos os que ali trabalham e os
visitantes, entende-se como parte de um sistema de centralidades cujo
momento maior é ele próprio. No bairro de aproximadamente 80 ha poderá
haver por volta de onze partes, resultando um centro de 5 ha e dez áreas de
vizinhança com 7,5 ha cada. Configuração que será utilizada para se explicar
o procedimento de interpretar a estrutura física por partes.
A área de vizinhança (AV) deve favorecer relações espontâneas entre
vizinhos, decorrente da aproximação das pessoas para discutir questões
locais, avaliar acidentes, fazer festas ou usufruir de amizades trazidas pelos
filhos. Os números apresentados estão resumidos, lembrando que o bairro

13O termo adotado pelo GPAC, áreas de vizinhança – AV – foi cunhado para se diferenciar de
unidade de vizinhança utilizado no Urbanismo Moderno (Brasília e Chandhigarh).
58

deve ter espaços públicos (sistema viário, áreas livres e institucionais), e


espaços privados; na proporção de 40% e 60% respectivamente 14. A área de
vizinhança de 7,5 ha (aproximada) resultou de observações em bairros de São
Paulo, onde há uma forte incidência de quadras de 100x100 m, área de
10.000,00 m² – 1 ha – e quadras de 50x150 m ou 50x200 m (IMBRONITO,
2016, p. 6790).
Considera-se a quadra como o elemento do tecido urbano que se
fragmenta conforme os grupos de lotes de dimensões resultantes da escolha
do primeiro loteador, sendo decorrência da visão que possua do vir a ser
aquela área da cidade. Somada as implicações do ajuste ao relevo do terreno
resulta o formato inicial das quadras que acabam se perpetuando no
desenvolvimento da cidade, mesmo quando houver alterações nos lotes por
junções ou desmembramentos. “É, por direito próprio, um momento no
desenho urbano: na concretização local de determinado modelo de
sociedade, na concepção dos modos de vida, na conformação dos espaços e
da arquitetura” (COSTA, 2013, p. 123).
Nas pesquisas do GPAC, existe uma inquietação de fundo quanto ao
dimensionamento das AV, que está em conciliar as razões técnicas que
garantem sustentabilidade aos empreendimentos urbanos, com os objetivos
de convivência sociocultural. Considera-se haver dimensões que qualificam o
aglomerado populacional conforme o local de moradia:
 Rua onde se localiza a moradia (casa ou apartamento). As relações
entre os vizinhos se alteram conforme a largura da rua e do fluxo
de veículos (APPLEYARD, 1981, p. 22).
 O condomínio fechado onde fica o apartamento ou a casa no
condomínio horizontal.
 A dimensão das quadras. A quadra menor facilita a interação entre
os vizinhos (JACOBS, 2009, p. 53).

O número de moradias por AV, onde se considera uma referência


importante Kevin Lynch, que indica o número de até cem moradias para uma
área de vizinhança. “São bastante mais pequenas que o bairro que, na

14
Dados da Lei Federal 6.766, para loteamentos em espaços desocupados, adaptada para o
município de São Paulo e utilizada apenas como uma referência geral.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 59

doutrina clássica do planejamento, deve ter uma dimensão adequada à de


uma escola primária.” (LYNCH, 2007, p. 233).
A localização de moradias nas vias de distribuição da AV, em particular
os apartamentos localizados em pavimentos acima dos estabelecimentos
comerciais do térreo. Comenta-se a seguir por que e como uma AV pode ser
subdivida em partes ainda menores, sem condição na cidade de São Paulo de
chegar a apenas cem moradias.
A setorização da cidade utilizada pelo GPAC/USJT, onde se define uma
AV com dimensão entorno de 7,5 ha, é feita pelo critério de análise da
estrutura física do tecido urbano. Desta maneira, uma área de vizinhança (7,5
ha) é delimitada por corredores que atravessam tangenciando seu entorno
ou corredores que distribuem o trânsito no bairro. Observa-se em muitos
casos que, buscando-se corredores que distribuem e são de ordem menor
dentro da AV, é possível subdividi-la um pouco mais, para se obter um espaço
com menor número de moradias, no sentido de chegar mais perto ao que
Lynch preconiza no contexto norte-americano. Esta subdivisão serve também
para ilustrar a possibilidade de se trabalhar usando o procedimento de
corredores e subáreas nas diversas escalas – da região ao quarteirão –
conforme o interesse da investigação (MACEDO, 2002, p. 16).
Mostra-se o exemplo de um corredor (via mais a faixa lindeira de lotes)
que é parte do sistema de corredores que definem a subárea Parque da Lapa,
na zona oeste de São Paulo. Os moradores chamam a subárea de bairro
(superfície de 17 ha), que está contida no distrito da Vila Leopoldina (156 ha)
pela classificação oficial do município. Os 17 ha reduzidos da área do distrito
fazem sobrar 139 ha, que a população chama de bairro da Vila Leopoldina.
Pelos estudos que ora se desenvolvem, pode-se observar que a área de 17 ha
está próxima do que se chama de área de vizinhança no padrão conceitual, e
a área de 139 ha é bem maior que a área de 80 ha da neighborhood unit,
segundo Douglas Faar (FAAR, 2008), tampouco daquela que se observa pela
pesquisa da universidade (Figura 6).
60

Figura 6: Corredor delimitando uma subárea

Fonte: Foto do autor (abril 2017).

Na Figura 6, o corredor constituído pela rua Bergson se caracteriza


pela situação de meia encosta: a foto mostra a esquerda no primeiro plano o
muro que separa o desnível abrupto de um terreno grande (cemitério) cujo
acesso principal acontece pela avenida Queiroz Filho e mais ao fundo lotes
residenciais voltados para a rua Bergson. À direita, o corredor se identifica
por construções em lotes estreitos remanescentes do loteamento feito para
residências, mas cujo uso hoje em dia é misto com comércio e serviços.
Facilitado pelo desnível do terreno, a rua Bergson define um corredor de
distribuição do fluxo de trânsito para as ruas da área de vizinhança Parque da
Mooca e acomoda linhas locais de ônibus.

6 CORREDOR E SUBÁREA COMO ELEMENTOS URBANOS

A largura do corredor é determinada pelas linhas de divisa dos fundos


dos lotes voltados para a via que lhe dá origem. Na interseção com outros
corredores, as linhas dos fundos dos lotes delimitam uma poligonal criando
um miolo (de vias internas e quadras) chamado de subárea. Sendo entidades
físicas os corredores e subáreas subdividem o território em diferentes
dimensões, que podem ser escolhidas para análise conforme o interesse do
pesquisador quanto ao objeto em estudo (da região ao quarteirão!).
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 61

O procedimento acima descrito ajuda no entendimento e na


hierarquização dos espaços da cidade. Para efeito de análise se identificam
primeiro os corredores que atravessam, como elementos morfológicos
relativos a compartimentação maior do espaço analisado. Depois se localizam
os corredores que distribuem, conforme a profundidade dos detalhes de
interesse para análise.
Quando o objetivo do trabalho for um setor urbano pequeno (por
exemplo, AV de 7,5 ha de área) mesmo quando for caracterizado por um
contorno definido apenas por corredores de distribuição, para este contexto
os corredores passam a ser corredores que atravessam. A aplicação do
procedimento de corredores e subáreas no estudo de tecidos urbanos de
abrangência diversa mostra o entendimento da natureza do fazer e dos
conceitos lhe dá origem.
Como exemplo, pode ser considerado o procedimento de seccionar o
espaço urbano em subáreas aplicado ao distrito da Mooca (770 ha), São
Paulo, explicado da seguinte maneira:
 Identificar quais são as vias principais que atravessam o subdistrito,
utilizando o Google Earth Pro, o conhecimento anterior do local e
mapas da Prefeitura do Município.
 Produzir uma planta na escala 1:10.000, onde serão desenhadas
em realce as vias que atravessam.
 Numerar e calcular a área de cada subárea. Complementar o
trabalho com quadro da população, densidade e outros (Figura 7).

A planta das vias que atravessam passa a ser um arcabouço de


referência para outros trabalhos, dos quais a investigação em curso é para
descobrir o modo de parcelar o espaço com vista a determinar a menor fração
possível que tenha características de área de vizinhança. Isto feito pelo lado
estrito do espaço físico, para ser depois ser cotejado com o que as pessoas
consideram como o bairro e a vizinhança.

Figura 7: Vias que atravessam o distrito da Mooca


62

Fonte: GPAC/USJT, G. S. Sales.

Pelo padrão de referência para a dimensão de um bairro e área de


vizinhança, demonstrado anteriormente a expectativa seria uma AV ter 7,5
ha, ainda com chance de subdivisão para se obter espaços menores, onde
vizinhos pudessem ter entrosamento mais intenso no dia a dia. Essas
subdivisões menores são mais difíceis na cidade de São Paulo, mas vale tentar
como teste para os procedimentos de aplicação dos conceitos de corredores
e subáreas. Na Figura 8, é feito um modo deste tipo de subdivisão sobre uma
área de vizinhança.

Figura 8: Distrito Mooca, subárea 8


Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 63

Fonte: GPAC/USJT, G. S. Sales.

7 ANÁLISE, PROGRAMA E PROJETO URBANO

Na introdução deste capítulo se mencionou que projetos bem-


sucedidos têm o suporte de um programa de necessidades aprimorado e são
realizados através de um processo de implementação adequado. A primeira
parte da assertiva tem a ver com a análise morfológica e como explorar o
espaço urbano para gerar subsídios para o programa de necessidades. Nessas
condições o estudo do tecido possibilita a compreensão, em perspectiva
historiográfica dos elementos urbanos (rua, quadra, lote, edifício) que
constituem o corpo de onde podem ser extraídas ideias diretivas para o novo
projeto. Material que colegas de outras áreas (sociologia, administração –
implementação, geografia, mercado) participantes de grupo interdisciplinar
em conjunto irão contribuir para a produção do programa de necessidades
(termo de referência) para o desenvolvimento do projeto urbano. No
entanto, isto ainda é uma pequena parte da interdisciplinaridade, para se
compor com os estudos dos colegas da engenharia sanitária, ambiental,
ecologia, transportes, outros, o pacote completo do termo de referência para
o desejado projeto urbano sustentável.
Em cidades grandes dos países em desenvolvimento, o caminho na
direção da sustentabilidade tem sido buscado não só através da alta
tecnologia devido ao custo inicial, mas por procedimentos no campo da
64

inserção social melhorando hábitos da população, desenvolvendo os sistemas


de mobilidade urbana e de participação comunitária (Bogotá é um município
muito citado!). São Paulo caminha neste sentido pouco a pouco. Sua escala
metropolitana necessita de grandes investimentos na infraestrutura do todo,
o que pode acontecer em paralelo com ações da sociedade para o
desenvolvimento de comunidades de expressão importante sob a égide do
desenvolvimento inteligente. Por aí se chega ao trabalho com as pequenas
comunidades – em geral de baixa renda – através de procedimentos do tipo
bottom up em oposição às clássicas decisões top down (ROSA, 2011).
Nos últimos tempos, as ações para transformação e adequação do
planejamento urbano na cidade de São Paulo têm assumido relação mais
compatível com os problemas locais. A aplicação do novo Plano de
Desenvolvimento Estratégico (PDE) deverá resultar em transformações
espaciais importantes, uma vez que a nova lei possui mecanismos para ação
direta na relação entre adensamento, habitação, transporte, emprego,
serviço, mobilidade e qualidade ambiental. Além disso, vale ressaltar que,
paralelamente às ações estruturadoras do plano, outras ações que envolvem
o usuário têm sido tomadas no sentido de provocar transformações imediatas
no hábito e na relação que a pessoa estabelece com a cidade, o que aponta
através do plano diretor para uma mudança de paradigma sobre o modo de
vida na cidade. O PDE identifica a necessidade de promover planos na escala
dos bairros, retomando assim uma escala de ação intermediária entre o plano
geral e a ação pulverizada de transformação do uso e do hábito com base no
indivíduo. Esta é uma condição que estimula o desenvolvimento de estudos
localizados sobre tecidos urbanos que venham a servir de base as diretrizes
de um plano local ou ao programa de necessidades de um projeto urbano.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trabalhar a intervenção na cidade de São Paulo a partir de áreas de


vizinhança torna-se uma prática fundamental, seja enquanto especulação
teórica ou providência prática. O desafio que se coloca é justamente
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 65

compatibilizar determinados conceitos e modelos para aplicação em lugares


reais. Admitir as características e vocações dadas pelo lugar como elemento-
chave para a ação em projeto, capaz de conferir unicidade, caráter, promover
força e aderência entre o projeto e o sítio. O programa de necessidades para
o bom projeto urbano decorre de demandas identificáveis no local, bem
como do desejo de introduzir atividades transformadoras do uso e dos
espaços criando-se novas demandas.
O procedimento preliminar da caracterização dos espaços e demandas
futuras, latentes ou projetadas, é parte fundamental do exercício para intervir
na vizinhança, tendo por objetivo promover e reforçar a identidade do lugar.
Desse modo, cabe discutir o conceito de lugar, não apenas como o espaço
abstrato do modelo ideal da vizinhança, e sim enquanto relação direta que se
estabelece entre a pessoa e o espaço, baseada no reconhecimento e na
sedimentação própria do hábito, capaz de ocorrer na escala da vizinhança
quando compreendida como uma extensão da moradia. Desse modo, é
necessário refletir sobre a relação entre o espaço doméstico e a rua, e entre
a rua e o bairro.
As pessoas cada vez mais se isolam do espaço público aberto em
função de novos hábitos e tipos sugestivos de lugares fechados de convívio.
A rua e as praças são o elo entre esses vários pontos de interesse, o lugar por
onde as pessoas transitam. Esses espaços podem e devem ser valorizados,
tornando-se atrativos para olhar, parar, sentar e conversar: transição no ímã
das atrações enclausuradas nas edificações. Portanto, para promover e
viabilizar a relação cotidiana do indivíduo com a cidade cabe melhorar a
qualidade dos espaços urbanos abertos e promover o caminhar como sistema
elementar da mobilidade do indivíduo. Segundo este raciocínio e entendendo
a dimensão do bairro baseada na “distância que o indivíduo é capaz de
percorrer a pé”, a escala da vizinhança surge novamente como propícia para
investigação em projeto, seja lembrando o clássico Clarence Perry ou o
contemporâneo Jonathan Barnett e Larry Beasley, no livro Ecodesign for cities
and suburbs. Em uma cidade como São Paulo a grande diferença e desafio é
se investigar a forma da cidade buscando princípios aplicáveis a espaços
consolidados do tecido urbano tradicional.
Portanto, perceber as características do lugar, as demandas
programáticas, bem como considerar novas variáveis para um projeto que
66

transforme o lugar, são parte do exercício para estimular a percepção e ação


crítica do arquiteto desenhador urbano15. Trabalhar sobre o tecido urbano
existente conduzirá a resultados próprios, uma vez que toda ação pressupõe
reflexão sobre as circunstâncias dadas e irá se consubstanciar no
aperfeiçoamento e na visão crítica. Ao enfrentar a escala da área de
vizinhança – AV – o exercício terá que partir de uma leitura criteriosa e
hierarquizada buscando identificar os elementos existentes de interesse, para
reforçá-los ou modificá-los. Não se pode esquecer o modo como se
estruturou o espaço, os diferentes elementos urbanos e o respeito pela
vocação natural do lugar, como parte da arquitetura no que concerne às
edificações e aos espaços livres da cidade.

REFERÊNCIAS

APPLEYARD, Donald. Livable streets. Berkeley: University of California Press, 1981.

BARNETT, Jonathan; BEASLEY, Larry. Ecodesign for cities and suburbs. Washington,DC: Island
Press, 2015.

COSTA, João P. O quarteirão, elemento experimental no desenho da cidade contemporânea.


Cadernos MUrb n°1, Elementos Urbanos. Lisboa: Argumentum, 2013.

COSTA, Stael A.P.; NETO, Maria. M. G. Introdução à morfologia urbana. Belo Horizonte: C/Arte,
2016.

COTT, LeLand D. Renovar a cidade. In: MOHSEN, Mostafavi. Urbanismo ecológico. Barcelona:
Gustavo Gili, 2015.

FAAR, Douglas. Urbanismo sustentável. Porto Alegre: Bookman, 2008.

IMBRONITO, M.I; MACEDO, A. C. Tipos de corredores e ruas locais do Distrito da Mooca, São
Paulo. Revista de Morfologia Urbana, Portugal, p. 85-105, 2016.

______. Tecido urbano do distrito da Mooca: um estudo de tipos. PNUM 2016, Anais... p. 689-
702. Guimarães, Portugal. 2016.

JACOBS, Jane. Morte vida e de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
LYNCH, Kevin. A boa forma da cidade. Lisboa: Edições 70, 2007.

MACEDO, Adilson C. O espaço urbano por partes. Revista Sinopses, São Paulo, n. 38, 2002.

15 Referência ao arquiteto de edificações e ao arquiteto paisagista quando atuam no grupo


interdisciplinar de projeto urbano como urban designer.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 67

______. Conhecer as partes e projetar a cidade. In: Estudos urbanos, uma abordagem
interdisciplinar da cidade contemporânea. Tupã: ANAP, 2016.

OLIVEIRA, Vitor. Urban morphology, an introduction to the study of the physical form of cities.
Porto/Portugal: Springer, 2016.

PERRY, C. The neighborhood unit. In: Plan of New York and environs 1929. Londres:
Routledge/Thoemmes, 1998. p. 25-44.

SÃO PAULO, Prefeitura. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). Estratégias


ilustradas. Disponível em: <http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-
content/uploads/2015/01>. Acesso em: 14 jul. 2017.

NOTA

O professor Gastão Santos Sales, GPAC/USJT, foi o responsável pela edição


das Figuras 3, 4, 7 e 8.
68
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 69

Capítulo 4

MOBILIDADE URBANA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS:


ORIENTAÇÕES PARA MEDIDAS ADAPTATIVAS

Clarisse Linke16
Daniel Oberling17
João Pedro M. Rocha18

1 INTRODUÇÃO

O aquecimento do clima global é inequívoco, com mudanças sem


precedentes no último milênio. O Quinto Relatório de Avaliação do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC AR5) mostra que as três
últimas décadas têm apresentado sucessivamente as temperaturas de
superfície mais quentes desde 1850. O aumento da temperatura média global
foi de 0,85 0C no período de 1880 a 2012. Além disso, foram registradas
mudanças nos eventos climáticos extremos a partir de 1950. Essas mudanças
observadas no clima e as alterações futuras projetadas podem elevar o risco
à vida humana, de outras espécies e ao colapso das infraestruturas.
A América Latina tem passado por mudanças climáticas nas últimas
décadas. Foi observado um aumento na temperatura de 0,5 a 3,0 0C entre
1901 e 2012 no sul da América do Sul, com incrementos mais significativos na
região tropical (MARENGO, 2014). No território brasileiro, mudanças nos

16
Mestre em Políticas Sociais, ONGs e Desenvolvimento pela London School of Economics and
Political Science, diretora executiva do Instituto de Política de Transporte e Desenvolvimento –
ITDP, e-mail: clarisse.linke@itdp.org
17 Doutor em Planejamento Energético, área de concentração Planejamento Ambiental, pelo

Programa de Planejamento Energético da COPPE – UFRJ, pesquisador do Instituto Alberto Luiz


Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia – COPPE/UFRJ, e-mail:
daniel@lima.coppe.ufrj.br
18 Mestrando em Engenharia Urbana da POLI/UFRJ e assistente de programas do Instituto de

Política de Transporte e Desenvolvimento - ITDP, e-mail: joao.rocha@itdp.org


70

parâmetros do clima, anomalias e extremos climáticos podem ser percebidos


em eventos atípicos no que tange à intensidade, frequência, magnitude e
abrangência espacial (TORRES; MARENGO, 2014). Nos últimos 50 anos, o
Brasil apresentou um aumento médio de 0,7 0C, sendo mais significativo no
inverno, quando é maior que 1 0C (MARENGO; OBREGON, 2007).
Eventos climáticos extremos afetam diretamente a mobilidade
urbana, agindo como fatores de pressão na infraestrutura, nos sistemas de
transporte em operação e no comportamento da população. Por exemplo,
durante o mês de maio de 2015, a cidade de Salvador enfrentou níveis de
chuva que não eram vistos desde 1989, quando o acumulado no mês
registrou 662,7 mm19. Nesse período, a cidade teve seis dias com chuvas
diárias acima de 50 mm/dia, com pico de 105 mm no dia 20 de maio, segundo
dados da estação do INMET20. Os eventos comprometeram o funcionamento
do sistema de transporte marítimo entre Salvador e o terminal de Mar
Grande, que foi interrompido durante os dias de chuva forte 21. Com o
transbordamento de rios e alagamento de diversas vias, o sistema de
transporte rodoviário também foi interrompido. O deslocamento a pé foi
impactado em bairros que tiveram as calçadas comprometidas por
desabamentos, transbordamento de esgoto e falta de luz 22.
O território brasileiro enfrentará alterações climáticas como aumento
das médias de temperatura e precipitação e intensificação no número de
eventos extremos. Essas alterações terão influência na implementação da
Política Nacional de Mobilidade Urbana, afetando o planejamento e o
investimento de curto, médio e longo prazo. Entre os impactos causados
estão danos, interrupções ou redução do desempenho nos modos de
deslocamento, que podem interferir direta ou indiretamente nos padrões de
comportamento da população. Além disso, a distribuição de insumos e
serviços e a segurança viária das cidades também serão impactadas.

19
Disponível em: http://www.climatempo.com.br/noticias/312625/volume-passa-de-600mm-
em-salvador/. Acesso em 04 jan. 2018.
20 Disponível em: <http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=bdmep/bdmep>. Acesso em 04

jan. 2018.
21
Disponível em: <http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1251198-chuva-
compromete-funcionamento-do-sistema-de-transporte-maritimo>. Acesso em 04 jan. 2018.
22 Disponível em: <http://g1.globo.com/bahia/noticia/2015/04/motoristas-e-pedestres-
enfrentam-caos-por-causa-da-chuva-em-salvador.html>. Acesso em 04 jan. 2018.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 71

É essencial para o Estado brasileiro a garantia de sistemas de


mobilidade urbana confiáveis e acessíveis. Para as cidades com mais de vinte
mil habitantes, que contam de acordo com a PNMU (BRASIL, 2012), com
Planos Municipais de Mobilidade Urbana, será necessário internalizar
estratégias de enfrentamento das ameaças climáticas, sob pena de verem a
efetividade destes planos comprometida. Da mesma forma, as diretrizes dos
Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado, instituídos pelo Estatuto da
Metrópole, de janeiro de 2015, serão ameaçadas. Vale destacar que, segundo
o art. 12, § 1o, parágrafo V, os Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado
têm como conteúdo mínimo

[...] a delimitação das áreas com restrições à urbanização visando à


proteção do patrimônio ambiental ou cultural, bem como das áreas
sujeitas a controle especial pelo risco de desastres naturais, se
existirem. (BRASIL, 2015).

Desde 2007, o governo federal investe na expansão das redes de


transporte coletivo e privado nas cidades brasileiras, principalmente por meio
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No entanto, como são
investimentos em infraestrutura com longo prazo de maturação e vida útil,
não considerar alterações na dinâmica climática futura poderá resultar em
sistemas mais vulneráveis, comprometendo os níveis de serviços para os
quais foram planejados. Os custos de operação e manutenção das atividades
tendem a ser mais altos por ocorrerem mais rupturas temporárias, o que em
alguns casos pode comprometer o desempenho econômico, social e
ambiental dos sistemas. A interrupção de operações em virtude de eventos
extremos, ainda que temporária, ocasiona altos custos sociais e econômicos
para a sociedade.
Não existem soluções imediatas que tornem nossos sistemas de
transportes mais resilientes e adaptados ao clima futuro. No entanto, é
possível implantar estratégias para minimizar os impactos climáticos sobre
eles, reduzindo suas vulnerabilidades. É essencial para uma transição rumo a
economias mais sustentáveis, equitativas e de baixo carbono nas cidades
brasileiras que os sistemas de mobilidade se tornem mais resistentes. Desta
forma, as externalidades negativas de sistemas adaptados para as mudanças
72

climáticas tendem a ser menores, o que gera benefícios sociais, econômicos


e ambientais para a população como um todo.
Em junho de 2013, foi lançado o Plano Setorial de Transporte e de
Mobilidade Urbana para Mitigação e Adaptação23 à Mudança do Clima
(PSTM). O Plano teve como foco o desenvolvimento de medidas de mitigação
e não chegou a discutir estratégias de adaptação. Mesmo restrito, foi um
instrumento importante para promover a harmonização em nível federal dos
planos, políticas e financiamentos voltados à mobilidade urbana, com um
planejamento que possibilita a incorporação de ações para a adaptação e
resiliência. Após dois anos, como previsto na Política Nacional de Mudanças
do Clima (PNMC), o plano teve sua revisão iniciada, a fim de incorporar as
estratégias de adaptação exigidas pela legislação.
Neste artigo são apresentadas orientações para medidas adaptativas
voltadas ao setor de mobilidade urbana desenvolvidas pelo Instituto de
Política de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) Brasil, em colaboração com
a Secretaria de Mobilidade do Ministério das Cidades. Este esforço foi
realizado durante a revisão do Plano Setorial e faz parte de um amplo
movimento de conceituação, análise de projeções futuras e mapeamento de
boas práticas utilizadas no Brasil e em outras cidades do mundo. Assim,
planejadores e operadores de sistemas de mobilidade urbana poderão se
engajar em um aprendizado contínuo, que resulte em um círculo virtuoso
para a adaptação das cidades às mudanças climáticas.

2 SISTEMAS DE MOBILIDADE: IMPACTOS DO CLIMA

Os sistemas de mobilidade urbana das cidades brasileiras lidam há


muito tempo com eventos climáticos extremos. Os impactos dependem das
características do projeto (localização, sensibilidade dos materiais,
dimensionamento das infraestruturas, etc.), do grau de manutenção e da
intensidade do evento climático. No entanto, mesmo considerando eventos
climáticos extremos no planejamento e na operação, a mudança dos padrões

23
Neste artigo, o conceito adaptação é entendido como iniciativas e medidas para reduzir a
vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais e esperados da
mudança do clima (BRASIL, 2009).
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 73

do clima futuro leva a maiores incertezas sobre o comportamento das


infraestruturas e dos sistemas. Analisar todos os aspectos que tornam uma
infraestrutura de mobilidade vulnerável requer uma avaliação da localização,
características do projeto e sua operação – o que foi escopo deste trabalho.
Por outro lado, a análise, mesmo genérica, do comportamento da mobilidade
urbana frente aos eventos climáticos atuais permite identificar os elementos
mais vulneráveis dos sistemas.
Estudos destacam que os principais eventos climáticos causadores de
impactos na mobilidade urbana são: chuvas intensas, tempestades,
temperatura e elevação do nível do mar de origem meteorológica (DFT -
DEPARTMENT FOR TRANSPORT, 2014; EICHHORST, 2009; FHWA, 2012).
Para sintetizar os principais efeitos causados por esses eventos
climáticos, organizou-se uma matriz relacionando os impactos e as
vulnerabilidades mais comuns aos sistemas de transporte, de acordo com
cada modal. É possível perceber que tanto o modal rodoviário quanto o
ferroviário são vulneráveis a eventos climáticos extremos; a gravidade dos
efeitos varia em função da cidade e do evento climático. Esta lista não esgota
os impactos e as vulnerabilidades que atualmente ocorrem e podem vir a
ocorrer em todo o Brasil, mas indica investigações futuras que precisarão ser
aprofundadas pelas cidades.
74

Quadro 1: Impactos dos eventos climáticos e vulnerabilidades da infraestrutura de mobilidade


urbana atualmente
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 75

Fonte: ITDP Brasil, elaboração dos autores.

3 RESPOSTA SETORIAL ÀS VULNERABILIDADES AO CLIMA ATUAL

A capacidade de lidar com os eventos climáticos depende de como o


sistema consegue absorver essas perturbações sem a diminuição dos seus
níveis de serviços. Essa capacidade varia de acordo com as cidades e mesmo
76

dentro da mesma cidade, e tem relação direta com fatores como: estrutura
institucional, recursos financeiros disponíveis, resiliência dos sistemas modais
existentes, característica da operação e histórico de investimentos, entre
outras questões. Os governos municipais têm investido em mudanças
capazes de responder aos eventos climáticos que afetam os sistemas de
mobilidade, alterando os procedimentos operacionais ou reformando
pontualmente algumas infraestruturas. A cidade do Rio de Janeiro, por
exemplo, vem estruturando um sistema de gerenciamento de desastres no
Centro de Operações Rio24 e elaborando planos de contingência para o
restabelecimento da normalidade do trânsito de carros. Essas medidas não
precisam de investimentos maciços em infraestrutura.
As capitais e regiões metropolitanas tendem a ter mais interlocução
institucional que cidades menores, além da maior atenção dos governos
estaduais e federal, devido à concentração populacional. Há mais
investimentos em sistemas de transportes de média e alta capacidade, que
na maioria das vezes estão sob jurisdição estadual ou federal. Isso confere
maior capacidade para lidar com eventos extremos. Em alguns casos, como
nas operações dos sistemas em regime de concessão, isto pode significar
ainda maior capacidade para restabelecimento rápido e adequado dos
serviços.
Por outro lado, a inexistência de uma gestão metropolitana no setor
de mobilidade urbana costuma atrapalhar o planejamento e a operação das
ações, causando desequilíbrio na oferta de transportes entre os municípios
de uma mesma metrópole. Isso também se torna um obstáculo para a
adaptação às mudanças climáticas.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a existência de uma estrutura
institucional na gestão dos sistemas de mobilidade permite melhores
respostas a impactos de eventos climáticos. Por exemplo, os sistemas
metroviário e ferroviário das regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de
Janeiro têm investido em mudanças nos ciclos de manutenção e
monitoramento preventivo de trilhos e rede aérea alimentadora. Em São
Paulo, investiu-se em equipamentos de escaneamento de fissuras em trilhos,
e no Rio de Janeiro há procedimentos de segurança e inspeção da rede aérea

24 Disponível em: <http://cor.rio/> Acesso em 04 jan. 2018.


Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 77

em dias com altas temperaturas. Obras de adaptação na infraestrutura


também foram realizadas, tais como inclusão de sistemas de proteção contra
descargas elétricas, modernização e revitalização de estações, mudanças em
sistemas de bombeamentos e investimentos em comunicação para
emergências.
Acordos colaborativos entre os diversos sistemas de transporte
também têm sido adotados. Por exemplo, o Plano de Apoio entre Empresas
em Situação de Emergência (PAESE)25 é um acordo entre a SPTrans, CPTM e
Metrô SP, que consiste na operação de ônibus extras para suprir a demanda
quando linhas são interrompidas por eventos extraordinários, como greves,
manutenção e inundações. O Plano tem por objetivo evitar o prejuízo com o
deslocamento das pessoas, já que não é cobrada tarifa extra.
As cidades também têm adotado estratégias diversificadas de
proteção contra enchentes em sistemas viários. Algumas cidades buscam
reduzir as vulnerabilidades à inundação de seus sistemas viários através de
obras de infraestrutura, como a criação de reservatórios urbanos
(piscinões)26. Outras adotam ações operacionais, como a integração de
rotinas de limpeza de galerias com boletins meteorológicos, a fim de evitar
enchentes em áreas estratégicas. São medidas efetivas, que resolvem
problemas pontuais. No entanto, a maioria dos municípios enfrenta
dificuldades na reorganização do padrão de uso e ocupação do solo,
mantendo vias em áreas sujeitas à inundação e permitindo a expansão
desordenada da cidade.
No que se refere a altas temperaturas, a inclusão de veículos com ar-
refrigerado (trens, metrô, estações de BRT, ônibus) nos sistemas de
transporte público é uma tendência. Dependendo da região, são medidas
consideradas essenciais para a viabilidade do sistema de transportes. Outras
medidas dizem respeito à segurança da infraestrutura e da operação. Para a
rede aérea, por exemplo, alguns operadores têm investido no uso de cabos
compensados por peso para evitar as consequências da dilatação térmica.

25
Disponível em: <
http://www.emtu.sp.gov.br/Sistemas/legislacao/categorias/concessao/2012_res56.htm >
Acesso em 04 jan. 2018.
26 Disponível em: <https://goo.gl/2v4xkk> Acesso em 04 jan. 2018.
78

No que se refere aos deslocamentos por transporte não motorizado,


não foram encontradas estratégias de minimização dos efeitos das altas
temperaturas como, por exemplo, o aumento da arborização.
Essas são ações pontuais de adaptação, distantes de uma estratégia
integrada que considere as diversas questões setoriais e interssetoriais. É essa
lacuna que os Planos de Adaptação podem preencher para a garantia de
níveis de serviços adequados.

4 ORIENTAÇÕES PARA PLANEJAMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS


ADAPTATIVAS

Adaptar-se às mudanças climáticas é um desafio complexo e


interdisciplinar, por estar vinculado a interações entre aspectos culturais,
sociais, ambientais e econômicos. Por conta disso, não há soluções definitivas
ou que dependam exclusivamente da aplicação de tecnologias específicas,
mas um processo contínuo de aprimoramento de práticas.
Uma forma simplificada de classificar opções de adaptação,
elaboradas pelo ITDP com base nos estudos analisados junto à Secretaria de
Mobilidade do Ministério das Cidades, é apresentada a seguir:
 Medidas políticas e estratégicas: envolvem a elaboração,
implantação e revisão de políticas públicas setoriais ou
relacionadas às mudanças climáticas;
 Medidas técnicas e de infraestrutura: consistem na adoção de
ações para reduzir a vulnerabilidade e a exposição dos sistemas
de mobilidade aos perigos climáticos, principalmente reduzindo
as sensibilidades. Vão desde simples soluções tecnológicas até
projetos de infraestrutura de grande escala;
 Medidas estruturantes: exigem o desenvolvimento de
capacidades e habilidades para responder de maneira eficaz às
mudanças climáticas, incluindo a promoção da conscientização
sobre os impactos climáticos, medidas de gerenciamento da
demanda, levantamento e monitoramento de dados e
implantação de sistemas de alerta.
Opções de adaptação na mobilidade urbana variam em termos de
complexidade, benefícios e custos. Independentemente da escolha, elas
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 79

precisam estar vinculadas aos objetivos estratégicos de cada cidade e sistema


de mobilidade. Assim, é importante que existam critérios para a escolha e
priorização das opções de adaptação que melhor se adéquem às
necessidades específicas de cada localidade.
A seguir estão listados alguns critérios gerais para orientar o processo
de escolha. Essas recomendações podem ser complementadas por critérios
específicos para um determinado município. A lista tem como base a
metodologia desenvolvida pelo United Kingdom Climate Impacts Programme
(UKCIP, 2015):
 Efetividade: a opção precisa colaborar para que sejam atingidos
os objetivos delimitados no plano;
 Eficiência: os benefícios diretos e indiretos (incluindo
“cobenefícios” e redução das externalidades) devem superar os
custos de implementação e manutenção;
 Equidade: a opção não deve causar efeitos negativos em outros
setores e grupos vulneráveis;
 Flexibilidade: significa permitir ajustes, inclusive futuros, com a
inclusão de ações incrementais;
 Sustentabilidade: contribuir para o desenvolvimento sustentável
da região;
 Praticidade: a opção precisa ser colocada em prática em um
horizonte de prazo factível;
 Legitimidade: ser política e socialmente aceita;
 Custos sociais: considerar todas as suas externalidades sociais,
não somente os custos econômicos;
 Robustez: a opção deve ser coerente com as projeções climáticas
futuras;
 Sinergia: potencializar outros objetivos estratégicos relacionados
ao desenvolvimento local, favorecendo benefícios em outros
setores. Por exemplo, ações de adaptação podem ser sinérgicas
com a mitigação de Gases de Efeito Estufa (GEE) e economizar no
uso de recursos naturais.
Durante a escolha das opções de adaptação, o UKCIP (2015)
recomenda que, além dos critérios acima estipulados, outros fatores de
contexto local sejam considerados. Na sequência é apresentada uma lista de
80

fatores mencionados na metodologia e que podem ser replicados para o


contexto de planos de adaptação às mudanças climáticas na mobilidade
urbana dos municípios:
 Qual é a minha urgência para adaptar? A urgência de iniciar o
processo de adaptação é determinada pela necessidade de
enfrentar problemas climáticos que já influenciam negativamente
na mobilidade urbana da cidade, ou pelas vantagens obtidas com
o enfrentamento em curto prazo dessas questões. Os benefícios
complementares são fundamentais para reforçar essas
oportunidades. Se a cidade está considerando um projeto de
infraestrutura de mobilidade urbana com uma longa vida útil, é
fundamental que se leve em consideração as mudanças climáticas
o mais cedo possível. É menos custoso e gera maiores benefícios
incorporar opções de adaptação na fase de concepção do que
apresentá-las no final do processo de planejamento ou após a sua
construção;
 Existem janelas de oportunidade para implementar a
adaptação? São destacados quatro momentos que podem
maximizar os benefícios e minimizar os custos: incorporar
medidas de adaptação nos primeiros passos do planejamento de
novos projetos; aproveitar a renovação ou a revitalização
programada das infraestruturas; usar processos e ciclos de
manutenção; e implementar durante a revisão dos planos
setoriais;
 Qual é intensidade de adaptação requerida? O nível de
adaptação necessário dependerá do risco potencial, dos custos
envolvidos e dos benefícios gerados. É preciso encontrar um
equilíbrio adequado entre os custos da inação e os da adaptação
a qualquer tipo de ameaça.
A adaptação pode se tornar mais efetiva à medida que se busca uma
estratégia que aceite melhorias progressivas, em vez de uma opção definitiva.
Isso significa reconhecer as incertezas que ainda persistem sobre os níveis de
risco que os sistemas de mobilidade e usuários enfrentarão. Assim, é
preferível uma estratégia que contemple a adaptação como um passo de cada
vez, onde as ações são adotadas de maneira incremental, resultando em
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 81

benefícios imediatos. Por exemplo, aproveitar os processos de manutenção,


reposição e melhorias da infraestrutura de transporte para incorporar
pequenos ajustes que os adaptem a um novo padrão climático pode resultar
em um custo/benefício positivo. A renovação programada de pavimentos de
ruas e ciclovias também pode incorporar ajustes na qualidade da
pavimentação, tornando-os mais resistentes a ondas de calor. Todas são
melhorias de caráter técnico ou estrutural, que aproveitam oportunidades já
existentes e produzem resultados imediatos.
Trabalhar com opções de adaptação que ofereçam sinergias e
melhorias no desempenho dos sistemas de mobilidade, aumentem a
qualidade de vida nas cidades e fortaleçam os princípios de sustentabilidade,
dificilmente gera arrependimento para os gestores públicos e privados. É o
caminho natural para a adaptação nas cidades brasileiras. São estratégias
compatíveis e, principalmente, desejáveis, à medida que se investe em ações
prioritárias ao mesmo tempo em que se prepara a cidade para os desafios
impostos pelas mudanças climáticas.
Para isso, medidas políticas, técnicas e não estruturais precisam ser
articuladas, de modo a atingir um objetivo. Por exemplo: aumentar o conforto
de pedestres e ciclistas nos seus deslocamentos através do plantio de
espécies nativas, diminuir a área de concreto exposta ao sol e diminuir a
impermeabilidade do solo são estratégias que fortalecem o uso de
transportes não motorizados, colaboram para a qualidade de vida, melhoram
os índices de poluição do ar local, capturam carbono da atmosfera e
aumentam a capacidade de retenção de água da chuva, diminuindo a
intensidade das cheias. Ou seja, diversos benefícios estão associados a essas
ações.
Nesse mesmo sentido, ações de adaptação não podem estar
dissociadas da mitigação de GEE. Diversas opções de adaptação podem piorar
os efeitos das mudanças climáticas. Por exemplo, a instalação de ar-
condicionado nas estações de transporte de média e alta capacidade, tendo
o intuito de reduzir os efeitos das ondas de calor, pode provocar o aumento
da temperatura do microclima local (fora das estações) ao mesmo tempo que
aumenta o gasto energético do setor de transportes e eleva as emissões de
GEE. Estas são as chamadas adaptações ruins (maladaptations), que precisam
ser evitadas.
82

Em resumo, as cidades brasileiras apresentam diversas oportunidades


de adaptação que podem reduzir as vulnerabilidades dos sistemas de
mobilidade em novos projetos, na manutenção e reforma das infraestruturas
e nos procedimentos operacionais existentes. Aos projetos que estão em
curso, a incorporação de ajustes para lidar com as mudanças climáticas pode
ser uma estratégia de garantia de maior resiliência dos serviços de mobilidade
e melhorar a qualidade dos serviços oferecidos. Por exemplo, ajustes no
planejamento de novos sistemas de microdrenagem das obras de mobilidade
urbana para novos padrões de precipitação, levando em conta as variações
projetadas para chuvas no futuro, tendem a representar pequenas frações
dos custos totais, especialmente quando comparados aos benefícios gerados
por maior confiabilidade no caso de alagamentos e inundações.
A PNMU apresenta oportunidades para incorporar os benefícios das
medidas de adaptação às mudanças climáticas. A priorização dos transportes
público e não motorizado em detrimento dos carros e o estímulo à integração
entre os modais são medidas estratégicas que oferecem maior diversificação
das opções de deslocamento nas cidades. São medidas que diminuem as
emissões de GEE e aumentam a flexibilidade dos sistemas de mobilidade
urbana e a qualidade de vida nas cidades. No entanto, preparar esses
sistemas para os perigos climáticos futuros é medida fundamental para
manter a viabilidade dessa estratégia.
O processo de expansão das cidades também enseja a adoção de
métodos de adaptação. A revisão de critérios no desenvolvimento de polos
geradores de viagens e a incorporação de princípios de Desenvolvimento
Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS) 27 podem colaborar com a
adaptação, à medida que diminuiriam distâncias e quantidades de
deslocamentos obrigatórios, alterando consequentemente a exposição e
vulnerabilidade dos usuários e sistemas de mobilidade. Essas medidas
exigiriam uma abordagem bem diferente da que é vista atualmente em
políticas públicas. Além disso, a exclusão de áreas passíveis de inundação e

27 “O Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS, em tradução do termo


original em inglês “Transit Oriented Development”), estimula uma ocupação compacta e com
uso misto do solo, com distâncias curtas a pé e proximidade a estações de transporte de média
e alta capacidade.” Fonte: ITDP Brasil. Disponível em: <http://itdpbrasil.org.br/o-que-
fazemos/desenvolvimento-orientado-ao-transporte/> Acesso em 04 jan. 2018.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 83

outros impactos climáticos, também na implantação de novas infraestruturas


de mobilidade, diminui a vulnerabilidade dos sistemas.
Também pode ser considerada a redução das vulnerabilidades via
soluções técnicas e operacionais. É preciso garantir que os deslocamentos da
população estejam assegurados em situações com clima extremamente
adverso. No entanto, essas estratégias dependem fortemente de uma
aproximação das autoridades regulatórias e operadores de transportes
públicos, em todas as fases de elaboração e implantação das medidas: do
diagnóstico das vulnerabilidades e riscos até a definição de responsabilidades
pela implantação das medidas e monitoramento dos seus efeitos.
O fortalecimento da resiliência dos sistemas de transporte, reduzindo
sua sensibilidade, pode ser um caminho para a adoção de medidas de
adaptação nas infraestruturas sob a responsabilidade dos seus operadores.
Diversas são as possibilidades de intervenção, de ações de adaptação que
promovem maior eficiência até aquelas que alteram radicalmente a
infraestrutura. Destaca-se um conjunto de medidas que não dependem de
um diagnóstico de riscos detalhado e que podem ser promovidas. Por
exemplo, desenvolver uma estratégia de comunicação com o usuário em
situações normais e de emergência (até mesmo nos momentos de queda do
sistema operacional) aumenta a eficiência e confiabilidade do sistema de
transporte, ao mesmo tempo que o prepara para situações extraordinárias.

5 CONCLUSÃO

As estratégias de adaptação exigem dos municípios corpos técnicos


capacitados para realizar os diagnósticos das vulnerabilidades e riscos e para
a sua implantação. Os municípios, as regiões metropolitanas, os Estados e os
operadores dos sistemas devem ser os agentes da adaptação na mobilidade
urbana. O fortalecimento da capacidade institucional é estratégico para
qualquer ação de adaptação que se queira adotar.
Para fomentar o processo de adaptação das cidades, recomenda-se
uma série de orientações, que podem ser elencadas em três grupos:
 Entender as consequências das mudanças climáticas em nível
local. Recomenda-se que o município entenda o comportamento
de seus sistemas e usuários e identifique suas vulnerabilidades ou
84

riscos de paralisação, perda de desempenho ou degradação por


conta de eventos climáticos atuais e projetados. As ações
precisam ser realizadas em nível local, com base no conhecimento
técnico das próprias prefeituras e dos operadores dos sistemas de
mobilidade. O Ministério das Cidades tem o importante papel de
estimular o desenvolvimento do conhecimento metodológico e
técnico, promover a integração entre as diversas esferas de
governo e a sociedade civil e, se possível, disponibilizar recursos
financeiros. As grandes regiões metropolitanas e, principalmente,
os municípios classificados como de “maior vulnerabilidade”
podem ter prioridade na ação governamental, mas isso não exclui
a possibilidade de suporte a outros municípios proativos.
 Equipar os gestores locais com ferramentas e habilidades.
Também com o objetivo de fortalecer a capacidade de adaptação
dos governos locais e operadores de transportes públicos, o
Ministério das Cidades deve fomentar o desenvolvimento de
habilidades e ferramentas que permitam que as cidades atuem
com precisão sobre suas vulnerabilidades e riscos. Essa atuação
poderá envolver operadores, universidades, autoridades
reguladoras e responsáveis locais pelo planejamento, reunidos
em um ambiente propício para o diálogo, formação e
colaboração. Apesar de esta ser uma ação que pode ser
estimulada em todos os municípios, inicialmente pode-se atuar
nos municípios com maiores índices de vulnerabilidade ou nas
maiores regiões metropolitanas.
 Fomentar a integração da adaptação às regulamentações e
políticas públicas de mobilidade urbana e uso do solo urbano.
Cabe aos poderes locais fomentar a inclusão de medidas de
adaptação nos instrumentos regulatórios locais. No entanto, o
Ministério das Cidades pode estimular esse processo, liderando
uma articulação institucional para harmonizar planos e políticas
de adaptação nacionais com o planejamento local, envolvendo
atores do setor privado, da sociedade civil e de universidades.
Mais uma vez, essas ações podem se iniciar com alguns municípios
prioritários.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 85

REFERÊNCIAS

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Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 87

Capítulo 5

LEITURA E POTENCIALIDADES DA VEGETAÇÃO URBANA EM


CALÇADAS DE CUIABÁ/MT

Angela Santana de Oliveira28


Douglas Luciano Lopes Gallo29
Marcos de Oliveira Valin Jr.30

1 INTRODUÇÃO

A realidade contemporânea vem apresentando novos desafios


socioambientais que, em conjunto com antigos problemas não resolvidos de
um processo de urbanização desigual e pouco planejado, necessitam de um
enfrentamento urgente e inovador. Cabe à universidade como geradora do
conhecimento, ao poder público como representante legal da população, e a
cada cidadão como partícipe de sua cidade assumir um papel decisivo para a
construção da cidade que se deseja.
São inegáveis os benefícios de um planejamento da área urbana que
priorizem a presença e a distribuição adequada dos espaços livres, seja pelas
qualidades ambientais que propiciam, seja pelo acesso da população de
forma equitativa.
Com a atualidade das discussões sobre aquecimento global e a
constatação de dias cada vez mais quentes, aumenta o enfoque e interesse
pela arborização urbana, especialmente em relação ao conforto térmico, sem
considerar, muitas vezes, os microclimas das cidades.
Embora a importância da consideração do clima no planejamento
urbano seja reconhecida, constata-se que muito pouco do conhecimento

28 Doutora em Física Ambiental, professora do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT)– campus
Octayde Jorge da Silva, e-mail: angela.oliveira@cba.ifmt.edu.br
29
Arquiteto e urbanista, mestre em Saúde Coletiva, doutorando em Urbanismo, professor do
Instituto Federal de São Paulo (IFSP), e-mail:douglas.luciano@ifsp.edu.br
30 Mestre em Física Ambiental, Professor do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) – campus

Octayde Jorge da Silva, e-mail: marcos.vali@cba.ifmt.edu.br


88

disponível da climatologia urbana é usado no planejamento das cidades. O


crescimento e a melhoria da qualidade nos centros urbanos não estão
baseados apenas em novas e bem-sucedidas construções, mas, na inclusão
de espaços livres sustentáveis, na revitalização de espaços abertos e na
preservação de reservas naturais importantes para a manutenção do
equilíbrio ambiental.
O aumento da atividade urbana como vem acontecendo nas últimas
décadas, com intensificação do uso de veículos, adensamento das
edificações, processo de verticalização, dominância de superfícies
impermeabilizadas e diminuição das áreas verdes, vêm alterando de forma
crítica o uso do solo urbano; portanto, torna-se necessário repensar a
ambiência urbana, refletindo assim sobre a qualidade de vida na cidade
(MASCARÓ; MASCARÓ, 2005).
A arborização possui extrema importância nos centros urbanos,
sendo responsável por inúmeros benefícios ambientais e sociais que auxiliam
na qualidade de vida nas cidades e também na saúde física e mental da
população.

As árvores, os arbustos e outras plantas menores e no seu conjunto


constituem elementos da estrutura urbana. Caracterizam os espaços
da cidade por suas formas, cores e modo de agrupamento; são
elementos de composição e de desenho urbano ao contribuir para
organizar, definir e até delimitar esses espaços. (MASCARÓ;
MASCARÓ, 2005).

Gallo e Logsdon (2017), ao analisarem a percepção de usuários e


transeuntes nos espaços públicos do centro de Cuiabá/MT, encontraram que
aproximadamente 70% dos entrevistados consideravam a arborização das
praças como boa ou excelente, enquanto nas principais avenidas do centro
apenas 24% consideravam-na como boa, e ninguém relatou considerá-la
como excelente. Os autores encontraram uma percepção muito forte por
parte dos usuários e transeuntes, sobre a importância da arborização como
atrativo e determinante na apropriação dos espaços públicos.
A presença ou ausência de vegetação, a função desenvolvida, porte
e localização dessa vegetação podem fornecer indicadores importantes sobre
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 89

o papel e a função desempenhada pelo espaço público no ambiente urbano


(OLIVEIRA, 2011).
No Brasil, a arborização urbana foi implantada sistematicamente nos
municípios a partir da segunda metade do século XX, principalmente em
função do grande aumento da população das cidades neste período, o que
gerou a necessidade da criação de espaços urbanos arborizados que
proporcionassem lazer e bem-estar psicológico à população (OLIVEIRA, 2011).
Mais recentemente, diversas cidades, em diferentes Estados
brasileiros, têm elaborado e buscado implementar planos diretores de
arborização urbana. Os planos são baseados no diagnóstico da arborização
urbana municipal, partindo de inventários arbóreos e do levantamento de
gestão para obtenção de informações e estabelecimento de estratégias para
alcançar metas estipuladas para melhorar o gerenciamento da arborização e
que contribuam para melhoria da qualidade de vida. Capitais como Rio de
Janeiro (2015), Goiânia (2008), Curitiba (2014), Porto Alegre (2006), Campo
Grande (2010), Aracaju (2014), Salvador (2017), dentre outras, já elaboraram
planos diretores de arborização urbana. Segundo Gomes (2012), os planos
devem ser resultado da apreciação de elementos físicos e ambientais com
avaliação conjunta de fatores ambientais e paisagísticos, tendo como objetivo
definir diretrizes de planejamento, implantação e manejo da Arborização
Urbana nos Municípios.
No caso do Mato Grosso, por ser Estado de urbanização recente, há
escassez de estudos para além dos aspectos históricos e econômicos. O
ambiente urbano e seus espaços livres têm sido produzidos de forma
específica, incorporando temas de inclusão recente no repertório legal que
rege a formação e gestão de cidades e a criação das formas urbanas, porém
com resultados ainda não documentados de forma sistemática.
Na cidade de Cuiabá, capital do Estado, o processo de
descaracterização do Centro Histórico se deu a partir do final da década de
1950, iniciado pela obsessão pela modernização da capital pela iniciativa
pública, com demolição de vários edifícios da arquitetura colonial cuiabana.
A capital teve altos índices de crescimento populacional nas décadas de 1960
e 1970, incentivados pela política de ocupação da região amazônica e do
centro-oeste pelo Governo Federal. Com este processo ocorreu a degradação
dos serviços urbanos, invasões e ocupações de áreas de reserva, constituição
90

de habitações irregulares, pressão e especulação imobiliária,


impermeabilização e verticalização urbana, implicando em degradação da
qualidade de vida e impacto sobre o meio ambiente urbano (SILVA, 2007).
Segundo o mesmo autor, a Cuiabá contemporânea é uma capital que assume
seu papel de metrópole regional, mesmo tendo uma composição paradoxal e
complexa, refletida nos seus conflitos, segregação socioespacial, exploração
e destruição dos recursos naturais e dinamismo econômico.
Cuiabá é uma cidade de clima quente, os encontros e usos dos
espaços públicos e de forma particular nas calçadas podem ser muito
influenciados pelo sombreamento destes espaços, criando um microclima
mais agradável para o encontro. Gallo e Azevedo (2015) e Gallo et al. (2016)
discutiram como o hábito de colocar cadeiras na calçada ao final do dia em
Cuiabá/MT, como prática de sociabilidade, pode funcionar como
micropolítica de resistência à cidade modernista. Esses processos de
reapropriação do espaço público, construindo novas subjetividades, pode ser
influenciado e estimulado pela presença de arborização e sombreamento nas
calçadas.
Neste contexto a importância da arborização urbana é
inquestionável, bem como o papel dos espaços públicos, em particular das
calçadas para a sociabilidade na cidade contemporânea.
Esta pesquisa é um dos estudos que agregarão valor aos dados
acerca de áreas urbanas da capital mato-grossense e com ênfase à
valorização da vegetação e sustentabilidade ambiental. Buscou-se
diagnosticar a situação atual da arborização de acompanhamento viário e as
configurações espaciais de sua distribuição nos espaços públicos.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo foi realizado na cidade de Cuiabá/MT, cidade de clima


tropical e úmido com regime de chuvas que se concentram de outubro a abril.
A temperatura máxima pode chegar aos 40 °C nos meses mais quentes e a
mínima em julho, o mês mais frio, é de 16,6 °C.
De acordo com Milano (1994) a arborização urbana é
fundamentalmente dependente do planejamento urbano, em especial das
características do sistema viário, definindo suas características quanti-
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 91

qualitativas. Para o autor, os inventários totais (censo) em geral são inviáveis,


dado o tempo e recursos necessários para sua realização, sendo adotado
geralmente o inventário por amostragem.
O sistema de amostragem aleatório foi apontado por Milano (1994)
como o mais comum, devido às características gerais da arborização das
cidades. Meneghetti (2003) utilizou o método de amostragem sistemática por
ser considerado mais exato, garantindo a distribuição mais uniforme das
unidades pela área.
Em revisão de literatura observou-se que grande parte dos estudos
utilizou o inventário por amostragem para avaliar a arborização urbana, como
nas cidades de Pombal/PB (RODOLFO JÚNIOR et al., 2008), Campina
Grande/PB (ARAÚJO et al., 2009), Morrinhos, Goiatuba e Caldas Novas/GO
(SERPA et al., 2009), Piracicaba/SP (VOLPE-FILIK et al., 2007; SILVA FILHO et
al., 2008) e Patos/PB (MELO et al., 2007). Enquanto outros estudos utilizaram
o censo total para essa análise, em Maringá/PR (SAMPAIO; de ANGELIS,
2008), Nova Iguaçu/RJ (ROCHA et al., 2004), Várzea Grande/MT (MOURA;
SANTOS, 2009), entre outros.
O processo de amostragem do presente estudo baseou-se no trabalho
de Meneghetti (2003), utilizando-se de amostragem sistemática, tendo o
quarteirão como unidade amostral, denominado “quadra” e buscando uma
intensidade amostral de 10%. Inicialmente foram selecionados bairros em
Cuiabá que seguiam os seguintes critérios: contexto geográfico, período de
implantação dos loteamentos e perfil socioeconômico. Sendo selecionados os
seguintes bairros: Dom Aquino, Bandeirantes, Baú, Poção, Centro sul, Centro
norte, Porto, Araés, Lixeira e Areão, e enumeradas suas quadras.
Em seguida foi realizado o sorteio do primeiro quarteirão analisado, e
os demais componentes da amostragem foram determinados
sistematicamente de acordo com o intervalo determinado, a cada dez
quadras uma era selecionada, sendo excluídos os quarteirões ocupados por
áreas verdes.
Na coleta de dados foi realizado levantamento de informações através
de medições, registros fotográficos, levantamento e análise da arborização
existente e seu estado atual. Nesta fase foram avaliados os seguintes
aspectos das espécies encontradas: identificação, porte e o espaço ocupado
pelas mesmas nos logradouros.
92

Utilizou-se como variável principal a abundância de árvores, proposta


por Meneghetti (2003), que pode ser expressa pelo número de árvores por
quilômetro de calçadas, sendo esta uma variável considerada muito viável
para fins de inventários de arborização urbana. As variáveis qualitativas
usadas neste estudo foram adaptadas dos estudos de Meneghetti (2003),
Mascaró e Mascaró (2005) e Romero (2001). E os dados foram coletados com
auxílio da ficha de campo.

Variáveis relacionadas à quadra:


 Número do quarteirão ao qual pertence;
 Nome da rua correspondente;
 Largura da calçada, em metros, medida com trena metálica;
 Tipo de ocupação da quadra (residencial, comercial, mista);
 Variáveis relacionadas ao indivíduo:
 Número da árvore, conforme numeração sequencial de cada árvore
amostrada;
 Nome popular;
 Nome científico da espécie botânica.

Variáveis relacionadas ao tamanho dos indivíduos:


 Porte da planta, medida em três classes:
 “A”, para alturas até a rede telefônica – 0 a 4,5 metros;
 “B”, para alturas até a rede secundária – de 4,5 a 6,7 metros;
 “C”, para alturas até a rede primária – de 6,7 a 8,2 metros
 “D”, para alturas acima da rede primária – superiores a 8,2 metros.

Compatibilidade da árvore com relação ao local de plantio:


 Quanto à espécie escolhida:
 “A” – adequada;
 “B” – pequena para o espaço disponível;
 “C” – parcialmente compatível, devido à presença de fiação (árvores
de crescimento monopodial e árvores submetidas a podas
drásticas);
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 93

 “D” – parcialmente compatível, devido a outros motivos (frutos


grandes, palmeiras, arbustos...);
 “E” – inadequada devido ao sistema radicular;
 “F” – grande para o espaço disponível (observação in loco).

3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Na análise dos dados dos 47 quarteirões que compuseram a amostra


do estudo, foram encontrados 462 espécimes entre árvores e arbustos,
plantadas em 27.830 m lineares de acompanhamento viário. Representando
a média aproximada de 1 árvore a cada 60,24 m de calçadas ou
aproximadamente 17 árvores por quilômetro de calçada. Em outro estudo
realizado na cidade de Cuiabá, em Conjuntos Habitacionais de Interesse
Social, foram encontradas 69,16 árvores por quilômetro de calçada (GALLO,
et al., 2015), evidenciando como a região central, abordada neste estudo,
apresenta menor arborização em comparação com bairros mais periféricos.
Esta quantidade está muito abaixo do considerado ideal pela
Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, que seria de pelo menos 100
indivíduos por km de calçada (PAIVA, 2009). A distribuição das árvores por
bairro estudado se encontra na Tabela 1.
Segundo a tese de Cox (2015), a cidade de Cuiabá/MT sofre um
processo de arbustificação e (des)arborização das calçadas, este processo
faria parte de uma estratégia para evitar aglomerados humanos, enfim, o
encontro no espaço público. Para a autora, a minimização ou extinção das
árvores das calçadas transformam o espaço em ambientes inóspitos,
desencorajando o encontro entre pessoas conhecidas ou desconhecidas nas
calçadas. Não espanta que na pesquisa de percepção realizada por Gallo e
Logsdon (2017) aproximadamente 45% dos entrevistados utilizavam as
calçadas apenas para circulação, e suas percepções ambientais apontavam
para a conectividade e mobilidade como principais características e funções
desses espaços públicos.

Tabela 1: Distribuição das árvores por loteamento estudado, comprimento de calçamento no


perímetro das quadras e abundância de árvores
94

Quant. Quant. Extensão de Distância Árvores por


Ordem Loteamento de de calçamento entre km de
quadras árvores (m) árvores calçada
1 Dom Aquino 8 79 5.190 65,70 15,22
2 Bandeirantes 1 17 460 27,06 36,96
3 Baú 3 21 1.072 51,05 19,59
4 Poção 3 5 2.047 409,40 2,44
5 Centro sul 4 91 3.885 42,69 23,42
6 Centro norte 4 78 3.270 41,92 23,85
7 Porto 7 58 4.959 85,50 11,70
8 Araes 6 57 2.784 48,84 20,47
9 Lixeira 7 28 2.116 75,57 13,23
10 Areão 4 28 2.047 73,11 13,68
Total 47 462 27.830 60,24 16,60
Fonte: Elaborada pelos autores.

A maioria das árvores pôde ser identificada in loco, prevalecendo a


espécie Oiti (Licanea tomentosa) representando 38,10% das espécies, seguida
da Pata de Vaca (Bauhinia variegata) com 8,87%, e Fícus (Ficus benjamina)
em 7,36% (Figura 1). Em torno de 8,50% das espécies não puderam ser
identificadas e serão posteriormente complementados. A distribuição das
espécies pode ser observada na Tabela 2.
A alta concentração de poucas espécies é evidente também em outros
estudos. Oliveira (2011) em estudo sobre a influência da arborização em
praças públicas identificou o oiti com representação de 45% das espécies na
Praça Popular na cidade de Cuiabá/MT. Gallo e Guaraldo (2011) encontraram
predominância da espécie oiti em Aquidauana/MS (63,15%) e em Três Lagoas
(78,64%), já nas cidades de Dourados/MS e Ponta Porã/MS a sibipiruna foi a
mais abundante, com 38,45% e 19,98%, respectivamente.
Na pesquisa de Lima (1993), 56% do total da arborização da sua região
central e entorno eram de indivíduos da espécie Sibipiruna Caesalpinia
pluviosa DC.
Milano (1994) recomenda que cada espécie não deve ultrapassar 15%
do total de indivíduos da população arbórea, considerando riscos de pragas e
doenças, podendo comprometer a longevidade das espécies. Almeida e
Rondon Neto (2010), em pesquisa desenvolvida em três cidades no interior
de Mato Grosso, verificaram que a Licania tomentosa apresentou frequência
relativa acima desse limite nas três cidades estudadas, em Alta Floresta e
Carlinda, Ficus benjamina também superou o limite recomendado e em Nova
Monte Verde, Roystonea oleracea também se manteve acima desse limite.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 95

Figura 1: Espécies identificadas com maior frequência no estudo: Oiti (Licanea Tomentosa),
Pata de Vaca (Bauhinia variegata) e Fícus (Ficus benjamina)

Fonte: Fotos dos autores (2016)


96

Tabela 2: Distribuição das árvores por loteamento estudado, comprimento de calçamento no


perímetro das quadras e abundância de árvores
Ordem Nome popular Nome científico Quantidade Frequência
1 Oiti Licania tomentosa 176 38,10%
2 Pata de Vaca Bauhinia variegata 41 8,87%
3 Fícus Ficus benjamina 34 7,36%
4 Arbusto Rhododendron simsii 27 5,84%
5 Palmeira Não identificada 25 5,41%
6 Munguba Pachira aquatica 21 4,55%
7 Ipê Tabebuia sp 17 3,68%
8 Palmeira Imperial Roystonea oleracea 15 3,25%
9 Sibipiruna Caesalpinia pluviosa 9 1,95%
10 7 copas Terminalia catappa 7 1,52%
11 Resedá Lagerstroemia indica 7 1,52%
12 Murta Myrtus communis 6 1,30%
13 Robinia Fertilis Rosa x grandiflora 6 1,30%
14 Acácia Acacia podalyriifolia 5 1,08%
15 Espécies diversas com representação menor que 1% 27 5,84%
16 Não identificado 39 8,44%
TOTAL 462 100%
Fonte: Elaborada pelos autores.

Quanto ao porte das espécies observadas tem-se que a maioria,


61,24%, são de pequeno porte, ou seja, sua copa não ultrapassa a fiação da
rede telefônica (Tabela 3). Em muitos casos este percentual é devido a podas
e topiaria frequentes, especialmente na espécie mais predominante (oiti).
Os resultados diferem do que foi concluído pela pesquisa em Santos
por Meneghetti (2003), onde a maior parte dos indivíduos arbóreos
ultrapassava a rede secundária de energia.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 97

Tabela 3: Porte das árvores tendo como referência a rede de energia


Porte Frequência Porcentagem (%)
A – altura até a rede telefônica 286 61,24
B – altura até a rede secundária 89 19,05
C – altura até a rede primária 57 12,22
D – altura acima da rede primária 35 7,49
TOTAL 467 100
Fonte: Elaborada pelos autores.

Já em relação à compatibilidade da espécie com o local, 46,18% das


árvores estão adequadas, parcialmente compatíveis pela presença de fiação
e outros somadas representam 40,82% (Tabela 4).
No estudo de Meneghetti (2003), a maior frequência de árvores era
inadequada devido ao sistema radicular, seguido das plantas adequadas.

Tabela 4: Compatibilidade da arborização urbana com relação à espécie utilizada


Compatibilidade Frequência Porcentagem (%)
A – adequada 224 46,18
B – pequena para o espaço disponível 27 5,56
C – parcialmente compatível, devido presença de fiação 96 19,79
D – parcialmente compatível, devido a outros motivos 102 21,03
E – inadequada devido ao sistema radicular 18 3,71
F – grande para o espaço disponível 18 3,71
TOTAL 485 100
Fonte: Elaborada pelos autores.

A análise da compatibilidade das espécies com o calçamento indicou


que na maioria dos casos (77,98%) a calçada se encontrava em bom estado
(Tabela 5). Observou-se que os danos severos ao calçamento estão
relacionados às árvores de grande porte.

Tabela 5: Compatibilidade das espécies utilizadas na arborização com o calçamento

Qualidades das calçadas Frequência Porcentagem (%)


A – danos severos ao calçamento 35 8,19
B – danos leves ao calçamento 59 13,81
C – calçada em bom estado 333 77,98
TOTAL 427 100
Fonte: Elaborada pelos autores.
98

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatou-se a pequena diversidade de espécies e que maior


diversificação das espécies é necessária, em particular utilizando espécies
nativas do cerrado, para proporcionar uma valorização de referências
ecológicas e paisagísticas que promovam maior biodiversidade e possam
contribuir para a qualidade ambiental da paisagem urbana.

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Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 101

Capítulo 6

AÇÕES DE SAÚDE AMBIENTAL NOS PLANOS MUNICIPAIS DE SAÚDE


DO OESTE CATARINENSE

Maria Assunta Busato31


Simone Cristine dos Santos Nothaft32
Lucimare Ferraz33
Carla Rosane Paz Arruda Teo34

Planejamento em saúde e ambiente que envolva os determinantes e


condicionantes de saúde, pautado na reflexão da complexidade das redes de
atuação, proporcionam a inserção de ações de saúde ambiental no contexto
da prática diária de saúde. Dessa forma, para direcionar a prática na melhoria
das condições de saúde da população em todo o país, considerando as
diferenças regionais, tem-se a descentralização das decisões, inclusive do
planejamento em saúde, por meio da elaboração do Plano Municipal de
Saúde (PMS), que é o instrumento que integra a formulação do Plano Estadual
e do Plano Nacional de Saúde.
A estreita relação do ambiente com a saúde suscita a necessidade de
os PMS apresentarem ações e estratégias, de forma ecossistêmica, que
promovam qualidade de vida à população. O PMS é um dos instrumentos de
planejamento em saúde, podendo ser construído de forma complexa, com
fundamento em marcos teóricos e conceituais, bem como com proposições
dos atores sociais (BRASIL, 2009). Trata-se de um instrumento que, segundo
Reisdorfer et al. (2012), permite o planejamento de médio e longo prazo,

31
Doutora em Biologia, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó, SC, e-mail: assunta@unochapeco.edu.br
32 Mestre em Ciências da Saúde, professora substituta da Universidade Federal da Fronteira Sul,

Chapecó-SC, e-mail: nothaft@hotmail.com


33 Doutora em Saúde Coletiva, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da

Universidade Comunitária da Região de Chapecó, SC, e-mail: lferraz@unochapeco.edu.br


34 Doutora em Ciências de Alimentos, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da

Saúde da Universidade Comunitária da Região de Chapecó, SC, e-mail:


carlateo@unochapeco.edu.br
102

favorecendo melhor programação institucional. Possibilita, também, a


implementação de ações necessárias para melhoria das condições de saúde,
promovendo, direta e indiretamente, a transformação da sociedade, pois
abrange ações tanto no âmbito específico da saúde quanto intersetoriais.
O planejamento de ações em saúde, por meio do PMS, ampara as
práticas profissionais por um período de quatro anos. Reisdorfer et al. (2012)
apontam a dificuldade de se indicar um modelo de PMS único aplicável,
especialmente considerando as peculiaridades e necessidades próprias de
cada município, pois o plano deve refletir essas diferentes realidades.
Igualmente, é essencial que o planejamento em saúde ambiental seja
constantemente revisto e, conforme Jordão e Moretto (2015), adequado às
possíveis transformações ou informações que não foram plenamente
interpretadas inicialmente, para que alternativas mais sólidas ligadas à
realidade sejam construídas. Dessa forma, o conjunto de alternativas em
planejamento surge do diagnóstico de cenários que identificam as
potencialidades, fragilidades, acertos e conflitos existentes no território
(JORDÃO; MORETTO, 2015).
Sendo assim, as ações de saúde ambiental presentes no PMS devem
estar pautadas no estabelecimento de relações sistêmicas que requerem seu
planejamento e prática permeados pela transdisciplinaridade.
A realidade ambiental deve ser compreendida numa perspectiva
complexa em que o ambiente influencia de forma ampliada e articulada a
saúde humana. A ação humana influencia, da mesma forma, o ambiente.
Ambiente e saúde estão interligados, devendo ser considerada a
complexidade dessa relação no planejamento de ações de maneira que se
construam alternativas viáveis e efetivas com abordagens fundamentadas no
pensamento sistêmico. Nesse sentido, Jordão e Moretto (2015) colocam que
o planejamento é um componente essencial para a construção de uma visão
sobre as conexões entre os componentes do ambiente natural e o homem
que interagem em um mesmo território.
Na perspectiva ecossistêmica de saúde, a relação entre o
planejamento de ações que promovam a saúde no PMS e a prática das
Equipes de Saúde da Família (ESF) é, por essência, interdisciplinar, que
integram análises e métodos participativos para a compreensão da realidade
e para a geração de ações transformadoras (MINAYO, 2009). Dentre as
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 103

abordagens inovadoras possíveis de estabelecer a relação entre a teoria e a


prática em saúde, a Teoria Ecossistêmica de Saúde (TES) surge como
alternativa para a reflexão sobre essa prática, tendo como sustentação três
pilares, a transdisciplinaridade, a participação social e a equidade (MINAYO,
2009).
A principal estratégia adotada pela perspectiva ecossistêmica de
saúde é o pilar da transdisciplinaridade, entendido como um entrelaçamento
de saberes que considera e valoriza o conhecimento de todos os envolvidos
no entendimento e discussão cooperativa sobre um tema em questão
(GÓMEZ; MINAYO, 2006). Com relação a outro pilar da TES, a participação
social, alguns autores colocam que essa participação é dinâmica (GÓMEZ;
MINAYO, 2006; FORGET; LEBEL, 2001; LAWINSKY, 2012). Para os autores, na
participação social todos os membros compartilham de ações planejadas com
real envolvimento e cooperação, abrangendo, além da população,
autoridades públicas, empresários, gestores e funcionários, colaborando com
sua parte específica para criar uma perspectiva saudável na resolução de
problemas. O pilar da equidade apresenta-se como correspondente aos
interesses de todos os segmentos envolvidos na abordagem ecossistêmica,
independentemente do gênero ou classe social, que devem ser atendidos
buscando o equilíbrio entre os interesses da academia, população e gestores
(LAWINSKY, 2012).
A partir desse cenário interdisciplinar e sistêmico, o objetivo deste
estudo foi conhecer as ações de saúde ambiental presentes nos PMS de
municípios do oeste de Santa Catarina.
O percurso metodológico do estudo se caracteriza por ser do tipo
qualitativo com base documental. O local do estudo foi a 29ª Agência de
Desenvolvimento Regional (ADR) de Palmitos, Estado de Santa Catarina,
composta por oito municípios, tendo como documentos analisados os PMS
referentes ao quadriênio de 2014 a 2017 destes oito municípios que fazem
parte dessa Agência. Esses documentos, públicos e de livre acesso, foram
obtidos diretamente nas secretarias de Saúde dos municípios estudados.
A população dos municípios que compõem a 29ª Agência de
Desenvolvimento Regional tem entre 1.882 a 16 mil habitantes e o Índice de
Desenvolvimento Humano de 2010 varia entre 0,713 e 0,769 (IBGE, 2010).
104

A coleta de dados se deu pela leitura sistematizada dos PMS seguindo


um roteiro estruturado, utilizando as palavras-chave “ambiente”, “meio
ambiente” e “ambiental”. A frequência desses termos contidos nos PMS
serviu também para a análise qualitativa, feita e organizada com base na
análise temática (MINAYO, 2013), que está ligada a uma afirmação acerca de
determinado assunto, comportando um feixe de relações e podendo ser
graficamente apresentada por meio de uma palavra, de uma frase ou de um
resumo. Os núcleos temáticos observados nos PMS foram categorizados nos
seguintes itens: transdisciplinaridade, participação social e equidade
(FORGET; LEBEL, 2001), considerados neste estudo como categorias de
análise.
Para preservar a identidade, os municípios foram identificados por
letras e números, sendo M1, M2, M3, M4, M5, M6, M7 e M8, bem como
foram atendidas todas as normas éticas previstas na Resolução 466/2012, do
Conselho Nacional de Saúde.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 105

Figura 1: Localização dos municípios da 29ª Agência de Desenvolvimento Regional (ADR)

Fonte: Sul-SC on-line (2017).

O PMS é o instrumento norteador das ações de saúde no município, e


nele estão os objetivos e as diretrizes de um planejamento quadrienal.
Considerando a complexidade ecossistêmica em saúde, espera-se que nesse
documento, o PMS, ações de transdisciplinaridade, participação social e
equidade sejam consideradas/contempladas.

1 AÇÕES DE SAÚDE AMBIENTAL NOS PLANOS MUNICIPAIS DE SAÚDE

Nos PMS analisados, há pouca citação dos termos que refletem ações
que envolvem as questões ambientais. Em municípios como M4, o termo
106

ambiente aparece uma vez, e os dois outros termos não são citados no PMS.
Contudo, existem ações que não apresentam esses termos, mas que estão
relacionadas à saúde ambiental dos municípios, como: “Assegurar o destino
correto dos Resíduos de Serviços de Saúde (RSS), Grupos A e B – RDC ANVISA
306, produzidos pela Rede Pública de Saúde” (M1).
No caso específico do termo “ambiental”, este aparece vinculado à
vigilância em saúde, que diz respeito às vigilâncias epidemiológicas do
trabalhador, sanitária e ambiental, porém, esta última se evidencia com
menor expressividade. Mesmo sendo necessária sua citação por ser parte da
vigilância em saúde, as ações da vigilância ambiental estão direcionadas,
especialmente, ao controle das zoonoses.
Pondera-se a importância dos termos e ações da inter-relação saúde e
ambiente fazerem parte do PMS de forma transversal, em todas as etapas do
plano, desde o diagnóstico até a efetivação das ações, envolvendo todos os
departamentos e setores na reflexão sobre a relação saúde e ambiente de
modo transdisciplinar. Questões referentes ao ambiente são relevantes em
planos que nortearão as ações em saúde, por ser o ambiente um
condicionante e determinante de saúde, devendo ser considerado como um
dos temas prioritários na construção do PMS (ORTIGA et al., [20--]).

2 A TRANSDISCIPLINARIDADE NOS PLANOS MUNICIPAIS DE SAÚDE

A transdisciplinaridade implica uma visão de amplo alcance dos


problemas de saúde relacionados aos ecossistemas e é o princípio que mais
se adapta às necessidades da abordagem ecossistêmica de saúde pela
interação dos vários componentes sociais, econômicos e ambientais,
sobretudo quando não se pretende apenas diagnosticar problemas, mas
também encontrar soluções para eles (GÓMEZ; MINAYO, 2006; FORGET;
LEBEL, 2001; LAWINSKY, 2012).
A transdisciplinaridade enfatiza a integração de métodos,
conhecimentos e ações. Portanto, não há como entender o pensamento
complexo sem envolver todos os atores e setores responsáveis (MORIN,
2007). Nesta linha de pensamento, a complexidade e a transdisciplinaridade
permitem reencontrar os problemas fundamentais e globais, considerando
que todos os problemas são fundamentais e globais (MORIN, 2007).
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 107

Ao considerar a transdisciplinaridade como pilar/categoria da TES,


destacam-se, dentro desse contexto, as ações relacionadas ao ambiente nos
PMS, das quais emergiram duas subcategorias empíricas que foram
identificadas como intrassetorialidade e intersetorialidade.
A intrassetorialidade em saúde é considerada como a articulação dos
serviços que compõem o setor saúde, no desenvolvimento de ações, no caso
deste estudo, especificamente relacionadas à saúde e ambiente.
“Intrassetorialidade é a articulação de órgãos e entidades do setor saúde,
cujas ações se relacionem, complementem, aperfeiçoem recursos e resultem
na atenção integral à saúde da população.” (REDENUTRI, 2014, p. 5). A Política
Nacional de Promoção da Saúde, instituída em 2006, apresenta como um dos
eixos operacionais a articulação e cooperação inter e intrassetorial, sendo o
compartilhamento de projetos comuns entre diferentes áreas do mesmo
setor (BRASIL, 2014).
As ações intrassetoriais identificadas nos PMS analisados envolvem,
especificamente, a vigilância em saúde, tendo a vigilância ambiental como
parte integrante desse setor e responsável pelas ações de saúde e ambiente,
como a descrita a seguir:

Criar mecanismos que visam uma melhor integração entre Vigilância


Epidemiológica, Vigilância Sanitária, Vigilância Ambiental e Equipe da
ESF. (M8).

Entende-se que a vigilância em saúde é um serviço integrador no


desenvolvimento de ações e, como se percebe, há a intencionalidade de esse
município efetivar a integração entre as vigilâncias. Por outro lado, a
fragmentação ainda é dominante, separando as estruturas em
compartimentos nomeados de vigilância sanitária, epidemiológica,
ambiental, entre outras (LEÃO; VASCONCELLOS, 2013).
Compreendida como método e prática, a transdisciplinaridade efetiva
a produção de conhecimentos para sua integração operativa na explicação e
resolução dos cada vez mais complexos problemas, mas surge com a
pretensão de promover intercâmbios teóricos entre as ciências e de fundar
novos objetos científicos (LEFF, 2011).
Para essa integração, principalmente na atuação sobre os
determinantes da saúde, é imprescindível a implementação de estratégias de
108

vigilância em saúde havendo, necessariamente, o reconhecimento das


características socioeconômicas e ambientais, bem como as potencialidades
e prioridades locais (MOYSÉS; SÁ, 2014).
A articulação, para que ocorra a operacionalização de ações que
considerem a transdisciplinaridade na resolução de problemas, pode ser
exitosa com o envolvimento intersetorial que promove o diálogo, a discussão,
a reflexão e o compartilhamento de conhecimentos.
Na subcategoria intersetorialidade estão as ações que são as que
envolveram atores além do setor de saúde, compreendendo os órgãos
governamentais, não governamentais e comunidade em geral.
A intersetorialidade é “[...] uma prática integradora de ações de
diferentes setores que se complementam e interagem, para uma abordagem
mais complexa dos problemas” (WIMMER; FIGUEIREDO, 2006, p. 151). Para
Carvalho e Cavalcanti (2013), a intersetorialidade percorre diversos campos
de discussão promovendo a reflexão sobre as práticas de diferentes
profissionais no contexto de planejamento e gestão das políticas públicas.
Nessa mesma perspectiva, conforme Silva et al. (2014), ela deve estar
expressa no plano programático-normativo por meio da articulação entre
educação, meio ambiente, saúde e assistência social.
A proposição de articulação intersetorial nos PMS dos municípios da
29ª Agência de Desenvolvimento Regional foi percebida entre setores
governamentais, como secretarias municipais de Agricultura, Empresa de
Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (EPAGRI), Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (SENAR) e outros, nas ações relacionadas,
especificamente, aos agrotóxicos e zoonoses, como foi identificado nas ações
apresentadas a seguir:

Continuar com as parcerias de outros órgãos de governo para interferir


no uso excessivo de agrotóxicos. (M5).

Viabilizar parceria com a Secretaria Municipal de Agricultura visando


capacitar os agricultores para a prevenção de intoxicação com
defensivos agrícolas, acidentes com máquinas e outros agravos à
saúde (parcerias com EPAGRI, SENAR e outros). (M3).

Integração com as diferentes instituições, visando à atuação conjunta


no sentido de proceder à identificação dos fatores de risco, o controle
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 109

de populações animais, sejam vetores ou reservatórios, no intuito de


reduzir o risco de transmissão de enfermidades ao homem. (M6).

Percebe-se na ação de dois municípios (M3 e M6) a projeção de uma


prática intersetorial prevencionista e de promoção da saúde por intermédio
de ações que interferem nos determinantes da saúde, especificamente, o
meio ambiente. É nessa direção que a Organização Mundial da Saúde, por
meio do documento que apresenta recomendações sobre as políticas de
saúde, reconhece a importância do desenvolvimento de planos locais que
promovam a saúde com foco na construção de ambientes saudáveis como
um eixo transversal de políticas intersetoriais, tendo por base a concepção
ampliada de saúde (WHO, 1988).
Destaca-se uma ação de um município (M5) em que a
intersetorialidade emerge como resposta a novos desafios que o ser humano
encontra na própria sobrevivência, tratando-se de uma nova postura que visa
a instrumentalizar para lidar com a natureza complexa com a qual se depara
(GRIMM et al., 2015).
Ao refletir sobre a complexidade envolvendo a relação saúde e
ambiente, é necessária a integração e organização intersetorial no
planejamento e prática, como percebido nas ações de três municípios (M5,
M3 e M6), que visem à resolução de problemas ambientais complexos que
interferem na promoção da saúde da população. A necessidade da
intersetorialidade para a eficácia e ações de resolução de problemas
complexos é princípio fundamental para a formulação de políticas públicas de
saúde (LEÃO; VASCONCELLOS, 2013).

3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL

A construção do PMS deve levar em consideração as especificidades


regionais e locais tão bem conhecidas e vividas pela população, ou seja, o
cidadão deve fazer parte desse planejamento, execução e avaliação, para a
percepção do seu pertencimento naquele território.
Fazer as pessoas se moverem em direção a uma transformação é
possível quando se dá voz ao ator local reconhecendo seus valores (MOYSÉS;
SÁ, 2014) para que, efetivamente, assumam a função prevista no Sistema
Único de Saúde (SUS), de participação social. A população deve ser
110

estimulada à reflexão sobre a convivência em equilíbrio com o ambiente, e


sua responsabilidade na gestão e desenvolvimento de ações que considerem
a relação saúde e ambiente. O ambiente aparece como um sistema produtivo
dos ecossistemas e nos estilos étnicos das diferentes culturas que o habitam
(LEFF, 2013). A transformação paradigmática necessária é lenta, pois
mudança de abordagens para a resolução de problemas envolvendo o
ambiente requer tempo e compreensão da população sobre o seu papel
transformador e de responsabilidade social. Para Vilani (2014), é preciso
atentar-se para o livre e ativo exercício da cidadania em busca da
concretização das funções urbanas de um ambiente equilibrado.
A relação saúde e ambiente requer um equilíbrio, sendo necessária a
compreensão e cuidados que ela exige, considerando o homem como ser
ativo nesse processo. A participação social é condição primordial para a
transformação de paradigma, destaca Morin (2008). O autor coloca que
existe um aspecto individual, outro social e outro genérico, e que cabe ao ser
humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as
responsabilidades pessoais), além de desenvolver a participação social (as
responsabilidades sociais), ou seja, a participação no gênero humano, pois
compartilha um destino comum.
A participação social evidenciada nos PMS da ADR relacionada às
ações de saúde e ambiente originou duas subcategorias empíricas que foram
identificadas como orientação e conscientização e incentivo e mobilização.
Na subcategoria orientação e conscientização estão apresentadas
ações de saúde e ambiente que têm como foco principal a orientação e
conscientização da população para determinadas questões. Avalia-se que a
participação social está colocada com certa passividade nos PMS,
principalmente quando se salientam os verbos orientar e conscientizar.
Diferentemente, o termo participação cria possibilidades para a
transformação social, implicando que essa participação seja ativa e
deliberativa, ou seja, o sujeito deverá interpretar, analisar, dialogar e agir
sobre a realidade em que está inserido (SILVA; PELICIONI, 2013).
O ato de “conscientizar” deve estar vinculado a uma ação concreta e
eficaz, sendo que a conscientização implica que se ultrapasse a esfera
espontânea de apreensão da realidade, para chegar a uma esfera crítica
(FREIRE, 2001). Portanto, a conscientização não pode existir sem o ato ação-
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 111

reflexão, sendo que esta unidade dialética constitui, de maneira permanente,


o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens, implica
que eles assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo (FREIRE,
2001). Portanto, no sentido com que Freire apresenta a palavra
conscientização, não é possível que alguém conscientize o outro.
As ações de saúde ambiental contidas nos PMS demonstram a
preocupação em orientar a população para determinadas situações. As ações
dessa subcategoria estão apresentadas a seguir, e como se pode perceber,
dizem respeito, em sua maioria, ao saneamento básico e zoonoses:

Orientar sobre a importância de instalações sanitárias adequadas nas


propriedades e esclarecendo e orientando sobre a importância de uma
alimentação adequada, e valorização ao meio ambiente. (M2).

Orientar quanto à limpeza nas residências e pátios, colocar os lixos em


recipientes adequados até a coleta no interior e na cidade os horários
de coletas e a separação do lixo para reciclagem. (M2).

Ações de orientação ao combate de insetos e roedores à população do


município. (M6).

Realizar campanhas publicitárias e ações educativas visando


conscientizar a população para a prevenção da dengue. (M3).

Desenvolver campanhas visando à conscientização da população para


a preservação das fontes naturais e não jogar lixo nos rios e córregos
do município. (M3).

Realizar campanhas publicitárias e ações educativas visando


conscientizar a população para a qualidade da água para o consumo
humano. (M3).

Os termos “conscientizar”, contido nas ações de um município (M3), e


“orientar”, presente nas ações de dois municípios (M2 e M6), tangenciam a
intencionalidade do compartilhamento da responsabilidade e participação da
comunidade, no entanto, evidenciam a necessidade de maior participação
social no planejamento dos PMS e nas suas decisões. É nessa perspectiva que
autores se referem à participação social como dinâmica na qual todos os
membros participam de ações planejadas com real envolvimento e
112

cooperação. Ela abrange, além da população, autoridades públicas,


empresários, gestores e funcionários, todos colaborando com sua parte
específica para criar uma perspectiva saudável na resolução de problemas
(GÓMEZ; MINAYO, 2006; FORGET; LEBEL, 2001; LAWINSKY, 2012).
Considerando a subcategoria incentivo e mobilização, percebe-se que
as ações que usam os verbos “incentivar” e “mobilizar” são destacadas como
uma forma de participação social, sendo que é por meio de ações individuais
e coletivas que envolvem os munícipes para a reflexão do seu papel que se
possibilita a transformação da realidade.
Nos PMS constam ações que estimulam a população a despertar para
a necessidade de práticas que promovam a saúde do ambiente e,
consequentemente, a própria saúde. No que tange ao incentivo e
mobilização, apresentam ações que incitam a participação social por meio de
iniciativas que dizem respeito ao ambiente particular, como limpeza de
terrenos, e o ambiente coletivo, como proteção de fontes de água. Destacam-
se algumas das ações:

Realizar campanhas incentivando a população para a limpeza das


residências e terrenos. (M5).

Incentivar a proteção e tratamento de fontes e poços de água. (M2).

Incentivar o uso de caixa de água, com tampas e fazer a limpeza


correta. (M2).

Ações realizadas junto à população através dos veículos de


comunicação e palestras, para coleta seletiva e destinação adequada
dos resíduos sólidos gerados pela população. (M6).

Realizar pelo menos um evento anual com atividades educativas


visando mobilizar a comunidade em geral sobre ações de prevenção e
combate à dengue. (M1).

Atuação na área de educação em saúde e mobilização social para as


zoonoses, doenças transmitidas por vetores e acidentes por animais
peçonhentos. (M6).

Participação social na formulação de políticas, planos e programas de


saúde. (M6).
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 113

Incentivar a reciclagem de lixo e conscientizar a importância da


população para a separação do lixo em nossas residências criando
cooperativas de catadores de reciclagem. (M2).

Ações de saúde e ambiente requerem a participação social como


forma de incentivo e mobilização para as transformações necessárias. Ao
estimular a população a participar da construção e manutenção de ambientes
saudáveis, desenvolve-se o comprometimento de fazer parte do processo e
do compartilhamento de experiências por viver num meio comum. Com isso,
o envolvimento e o empoderamento contribuem para a efetiva participação
social, compreendendo-se que a resolução de problemas depende também
de outras instâncias, sejam elas governamentais, sejam elas institucionais,
mas que, de modo geral, todos os atores envolvidos sejam corresponsáveis
no processo decisório, no planejamento de ações e nas demais etapas do
PMS, como expresso na ação de um município (M6).
No que tange à participação na construção dos planos, percebe-se nos
documentos que em três municípios não há citação de quem contribuiu nessa
construção. Em um município, especificamente, o PMS foi elaborado por um
assessor técnico contratado para esse fim. Nos demais, o setor de saúde foi o
principal responsável pela organização do plano, com o envolvimento do
Conselho Municipal de Saúde.
Percebe-se, no disposto dos planos deste estudo, indicativos de ações
que promovem o incentivo à participação da população. No entanto, a
participação social requer, além de ações planejadas, o estímulo e o
envolvimento efetivo dos cidadãos para que essa prática se reflita nos
processos decisórios, nas políticas públicas e na resolução de problemas que
envolvem os impactos advindos das transformações ambientais. Na
perspectiva das demandas decorrentes das transformações ambientais e seus
impactos, as questões relacionadas ao ambiente promovem a participação
democrática da sociedade no uso e manejo dos recursos, assim como a
construção de novas formas de desenvolvimento (LEFF, 2013).

4 EQUIDADE
114

A redução das iniquidades econômicas e sociais, que interferem direta


e indiretamente na saúde, é possível de ser realizada pela mobilização social
em prol de um futuro sustentável e equânime, que esteja preparado para as
transformações necessárias. Reduzir as iniquidades se torna um princípio
fundamental para a intervenção dos determinantes de saúde a fim de
promover a saúde (MOYSÉS; SÁ, 2014). O alcance da equidade significa “[...]
conhecer, olhar, ver e ouvir as diferenças, semelhanças e especificidades
entre as pessoas, suas condições sociais e econômicas e seus ambientes e
espaços vividos” (MOYSÉS; SÁ, 2014). As ações relacionadas à saúde e
ambiente nos planos, correspondentes à equidade, são escassas. A que
consta nos PMS tem como foco o apoio à pesquisa acadêmica.
Percebe-se a pouca ou inexistente descrição de ações nos PMS que se
referem ou consideram a equidade nas suas proposições. Destaca-se em um
município (M6) o apoio ao meio acadêmico para iniciativas de atividades que
envolvam a pesquisa, o que pode contribuir para conhecer as situações de
equidades/iniquidades locais e regionais e a proposição de ações. Os
interesses direcionados às questões sobre saúde e ambiente devem abranger
todos os setores, inclusive o meio acadêmico com o desenvolvimento de
pesquisa e extensão, principalmente com abordagens participativas,
possibilitando resultados que contribuirão na transformação progressiva e
sistemática em benefício aos interessados. Nesse sentido, a equidade como
correspondente aos interesses de todos os segmentos envolvidos na
abordagem ecossistêmica, independentemente do gênero ou classe social
que devem ser atendidos, busca o equilíbrio entre os interesses da academia,
população e gestores, bem como os resultados da abordagem devem ser
compartilhados entre todos os envolvidos (LAWINSKY, 2012).
Os resultados e a análise dos dados apontaram a categoria equidade
como um ponto frágil nos PMS, já que a conceituação, para alguns autores
(GÓMEZ; MINAYO, 2006; LEBEL, 2005), está relacionada à questão de gênero
especificamente, e para Lawinsky (2012) a conotação para esse pilar está
direcionada aos interesses dos atores envolvidos no processo. Além da
distinção na conceituação, evidenciou-se a inexistência de ações de saúde e
ambiente que considerassem o gênero, como colocado pelos autores
referenciados anteriormente, e somente uma ação que apresenta o apoio aos
interesses da academia como coloca Lawinsky (2012).
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 115

Para incorporar a equidade em projetos participativos, é essencial o


desenvolvimento de métodos que permitam a análise desagregada de dados
relativos a diferentes grupos sociais, e explorar como as barreiras à
participação enfrentada por alguns segmentos da comunidade possam ser
superadas (MERTENS et al., 2005). Isso se torna possível quando a
transdisciplinaridade, participação social e equidade são incorporadas nas
discussões para o enfrentamento de problemas ambientais advindos do
desenvolvimento humano, e na possibilidade de rompimento de paradigmas
para o surgimento de alternativas que supram as necessidades dos seres
humanos de uma forma sustentável. Assim, destaca-se que o princípio da
equidade é indissociável dos objetivos do desenvolvimento sustentável (LEFF,
2013).

5 CONSIDERAÇÕES A TÍTULO DE FINALIZAÇÃO

As ações de saúde ambiental nos PMS dos municípios pertencentes à


Agência de Desenvolvimento Regional de Palmitos, Santa Catarina, são
incipientes e percebe-se uma fragmentação no que compete aos setores
responsáveis pelas questões ambientais, que conferem um direcionamento
para temas específicos como zoonoses e saneamento básico, evidenciando
uma fragilidade de ações transdisciplinares.
A transdisciplinaridade, como conceito que transcende a
compartimentalização das ações, pode ser identificada nos PMS pela
intrassetorialidade, tendo a vigilância em saúde como principal setor
envolvido nas ações de saúde e ambiente, e pela intencionalidade do
envolvimento no processo de construção e de setores internos como
Secretaria de Agricultura, EPAGRI, SENAR e outros, na implementação de
ações relacionadas à saúde ambiental.
A dificuldade de conceituação da equidade refletiu na identificação
das ações relacionadas à saúde ambiental que estivessem permeadas por
esse pilar. Percebeu-se que esse princípio aparece de forma inexpressiva
quando se considera o papel de cada setor ou indivíduo nos PMS. Surge
superficialmente, porém, com a iniciativa de envolver o meio acadêmico
como incentivo ao desenvolvimento de pesquisas que contribuirão para o
116

processo de gestão em saúde e principalmente para o planejamento das


ações.
A ínfima quantidade dos termos ambiente, meio ambiente e ambiental
contidos nos PMS evidencia a necessidade de incorporar o ambiente,
efetivamente, como determinante de saúde, refletindo sobre a relação saúde
e ambiente transversalmente na construção dos PMS.
Nessa perspectiva, teorias com bases sistêmicas apresentam-se como
referencial teórico que pode potencializar/nortear o planejamento das ações
nos PMS, uma vez que considera as relações sistêmicas entre saúde e
ambiente e o contexto que perpassa essa relação.
Por fim, salienta-se que é imprescindível o estabelecimento de redes
intersetoriais na construção dos PMS que considerem o cidadão como parte
do processo, equidade de todos os interessados e transdisciplinaridade de
ações que prevejam a prática em conformidade com as necessidades e
potencialidades locais. Os PMS devem ser construídos por munícipes que
representem toda a sociedade e que considerem a cultura, o conhecimento,
as raízes e todos os demais aspectos envolvidos nessa construção.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).


À Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó.
Aos municípios da 29ª Agência de Desenvolvimento Regional de Santa
Catarina.

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Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 119

Capítulo 7

PROPOSTA DE SISTEMA SANITÁRIO PÚBLICO VOLTADA À


PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE EM ASSENTAMENTOS DE
INTERESSE SOCIAL NO ESTADO DO TOCANTINS, BRASIL

Roberto Righi35
Eleana Patta Flain36

1 INTRODUÇÃO

Os problemas decorrentes do grande crescimento demográfico e a


desregrada expansão dos perímetros urbanos das cidades deste
relativamente novo (25 anos) Estado do Tocantins, estão associados à
degradação da saúde pública, do meio ambiente e da paisagem urbana,
tornando indispensável a avaliação e urgente adequação daquela realidade.
A providência proposta neste documento se refere principalmente às cidades
de menor porte. Inicialmente, discute-se a questão do meio ambiente e mais
especificamente da água no Estado visando a apresentar uma proposta
alternativa para a questão do esgotamento sanitário em habitações de
interesse social no Estado do Tocantins, que possa contribuir para a melhoria
das condições urbanas. O objetivo é a preservação do meio ambiente e a
melhoria da saúde pública. A metodologia empregada para a realização desta
pesquisa e para a elaboração da proposta técnica alternativa iniciou-se com
análise de referências documentais e ulterior levantamento em campo. Como
resultado, neste capítulo é apresentado inicialmente um panorama geral da
água no Estado do Tocantins e, na sequência, conceitos de esgotamento
sanitário para habitações de interesse social no Brasil. A partir desses

35 Doutor em arquitetura e urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da


Universidade de São Paulo em 1988, Professor Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: roberto.righi@mackenzie.br
36 Doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie

em 2017, Professora Assistente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade


Presbiteriana Mackenzie I. E-mail: eleana.flain@mackenzie.br
120

fundamentos e com os dados obtidos no levantamento de campo dos estudos


de casos, foi possível a realização da proposta final. Como conclusões afirma-
se que a situação hoje precária e degradante é possível de ser substituída pela
implementação de um sistema integrado que abrange desde a coleta,
transporte e disposição dos afluentes sanitários dentro de uma perspectiva
viável e tecnicamente realizável frente aos problemas emergentes e à
tecnologia atual.

2 A QUESTÃO DA PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE E A ÁGUA

Segundo Rebouças (2001, p. 331), é importante considerar que do


total de água existente no planeta Terra somente 2,5% aproximadamente são
de água doce e 97,5% de água salgada, do volume estimado em 1.386 km 3
que formam os oceanos e os mares (Figura 1). Apenas uma fração ínfima, de
cerca de 2,5% do total das águas doces, encontra-se prontamente acessível
como água superficial, formando áreas alagadas, rios, lagos e represas. Sob o
prisma da qualidade, a preocupação com a disponibilidade da água é ainda
maior. Pode-se dizer que se está enfrentando uma crescente crise de água:
onde mesmo sendo possível continuar tendo água, será cada vez mais difícil
utilizá-la (BICUDO et al., 2010, p. 5).

Figura 1: Condições da água doce do planeta Terra do total de 2,5% existentes

0,3
29,9 0,9 Calotas Polares

Água Subterrânea
Doce
Rios e Lagos
68,9
Outros reservatórios

Fonte: Adaptado de Rebouças (2001; p. 332).


Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 121

O Brasil é um país privilegiado pela diversidade e quantidade de


recursos naturais e entre eles estão os hídricos. O país possui
aproximadamente 14% das reservas de água doce do planeta Terra e algumas
das maiores bacias hidrográficas do mundo (as bacias hidrográficas dos rios
Amazonas, Paraná e São Francisco). Deste total, 70% dessa água está na bacia
Amazônica, mas sua distribuição é muito desigual. Os 30% restantes
disponíveis têm que abastecer 93% da população do Brasil, incluindo aqui a
agricultura irrigada, atividade econômica que consome quase 50% da água
disponível. Para o consumo humano urbano e rural sobram apenas 27% do
total e o restante vai para a indústria (MMA/ANA 2007 apud BICUDO, 2010,
p. 17). Tudo é agravado devido a essas participações diferirem entre as
regiões, refletindo as divergências nos padrões climáticos e socioeconômicos
existentes entre os Estados (REBOUÇAS, 2001). A Figura 2 ilustra os consumos
de água apresentados em 2015 pela Agência Nacional de Águas (ANA),
conforme evento ocorrido em Brasília. A diferença entre os valores de 2010
e 2015 em relação aos consumos pode ser atribuída ao crescimento da
população urbana, do agronegócio e da industrialização, associados ao uso
da água doce. Infelizmente, dificultando o presente trabalho, a bacia do
Araguaia apresenta sérios problemas de diagnóstico, avaliação estratégica e
gestão de seus recursos hídricos frente ao meio ambiente (BICUDO, 2010, p.
12).

Figura 2: Vazões de consumo. Apresentação da ANA sobre "Preservação e recuperação da Bacia


Hidrográfica do Rio Araguaia", em Brasília, 16 de setembro 2015

Fonte: <http://slideplayer.com.br/slide/10328691/>. Acesso em: 8 maio 2017.


122

O Brasil possui 3.607 m3 de volume máximo armazenado em


reservatórios artificiais por habitante. Apesar de parecer muito, esse valor
proporcionalmente está abaixo da América do Norte que possui 5.660 m 3,
mas é superior a outros continentes, entre eles a Ásia com 353 m3 que possui
um dos menores volumes. Felizmente, a região hidrográfica do Tocantins-
Araguaia é a que apresenta o maior volume armazenado per capita no país.
Possui capacidade de armazenamento de 115.798 hm 3, contra população
total de 8.572.716 de habitantes e capacidade/per capta de 13.508 m3/hab.,
segundo censo do IBGE (2010) (ANA, 2013, p. 50).

2.1 BACIAS HIDROGRÁFICAS

As bacias hidrográficas brasileiras foram instituídas pela Resolução 32,


de 15 de outubro de 2003, considerando-as como unidade do gerenciamento
de recursos hídricos para a implementação da Política Nacional e do Sistema
de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Em seu parágrafo único considera
como região hidrográfica o espaço territorial brasileiro compreendido por
uma bacia, grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas com
características naturais, sociais e econômicas homogêneas ou similares para
orientar o planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos. A Figura 3(a)
ilustra as bacias hidrográficas brasileiras e 3(b) destaca a bacia hidrográfica
Tocantins-Araguaia.
A Figura 4 apresenta a composição da bacia hidrográfica Tocantins-
Araguaia com 967.059 km2, que é a maior exclusivamente brasileira. Esta
bacia drena aproximadamente 9,5% do território nacional. Seus principais
rios nascem no Estado de Goiás e no Bico do Papagaio (TO). Em terras
paraenses, o Tocantins deságua no Golfo Amazônico, onde se localiza a ilha
de Marajó37.

37 Disponível em: <http://baciadetocantins.blogspot.com.br/2012/10/citar-os-principais-


afluentes-da-bacia.html> Acesso em: 8 maio 2017.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 123

Figura 3: Divisão hidrográfica nacional e em destaque a bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia

(a) (b)
Fonte: < http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/bacias-hidrograficas-brasil.htm> e
<http://exercicios.brasilescola.uol.com.br/exercicios-geografia-do-brasil/exercicios-sobre-as-
principais-bacias-hidrograficas-brasil.htm>. Acesso em: 7 maio 2017.

Os limites geográficos da bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia são:


Planalto Central (ao sul), Serra dos Carajás (a oeste), Serra Geral de Goiás (a
leste) e o estuário do rio Amazonas (ao norte). São três os mananciais
superficiais mais importantes da bacia: os dos rios Tocantins, Araguaia e o das
Mortes. A região hidrográfica do Tocantins-Araguaia é a segunda em
disponibilidade hídrica e vazões médias do país, apresentando vazão média
de 13.799 (m3/s) e disponibilidade hídrica de 5.447 (m3/s), ficando abaixo da
Amazônica, que apresenta vazão média de 132.145 (m 3/s) e disponibilidade
hídrica de 73.748 (m3/s). Em termos de Brasil, isso corresponde a 7,7% para
vazão média e 6% para a disponibilidade hídrica (ANA, 2013, p. 45).
124

Figura 4: Bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia

Fonte: < http://www.zaeto.cnpm.embrapa.br/baci.html > Acesso em: 7 maio 2017.

Visando a aprofundar a compreensão do ciclo da água responsável


pela dinâmica dos mananciais e sua presença no meio ambiente é importante
levar em conta que a renovação da água num aquífero se processa
lentamente, o que dificulta a recuperação de suas características qualitativas
e quantitativas. Esse fato leva o meio técnico a dar maior ênfase no alerta à
população dos riscos de contaminação das águas subterrâneas. O teor de
contaminação está baseado no padrão de qualidade recomendado pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) para consumo humano.
Segundo Costa (2010, p. 64), os dados de qualidade das águas
existentes são restritos espacialmente, considerando as dimensões da região,
a pequena série histórica existente e estão concentrados, na maior parte, nos
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 125

dois principais rios, o Tocantins e o Araguaia. Esse autor acrescenta ainda que
os dados disponíveis indicam que a qualidade das águas dos corpos hídricos
menores é mais significativamente impactada pelas atividades humanas,
principalmente pelo lançamento de cargas de esgoto, que, associadas à baixa
capacidade de diluição dos cursos dos rios, leva à intensa concentração de
cargas poluidoras que chegam às classes 3 e 4.
Avaliando esta situação, segundo Conama - Resolução 357 (2005,
Seção I), os mananciais de classe 3 são formados por águas que podem ser
destinadas ao abastecimento para consumo humano, após tratamento
convencional ou avançado. Já os mananciais de classe 4, não podem ser
destinados ao consumo humano sob nenhuma condição. Portanto, no caso
dos corpos hídricos menores, em determinadas regiões eles já se encontram
contaminados por cargas de esgoto proibitivas, de natureza até irreversível.
O Plano Estratégico da Bacia Hidrográfica dos Rios Tocantins e
Araguaia (s.d., p. 3) estabelece diretrizes compatíveis com as demais políticas
setoriais para assegurar o uso sustentável e propõe ações baseadas em
critérios de sustentabilidade hídrica e ambiental. É muito importante neste
documento o destaque de que atualmente 62% da água utilizada para
abastecimento provêm de mananciais superficiais, mostrando a relevância de
sua preservação.

2.2 AGUAS SUBTERRÂNEAS E CARGAS CONTAMINANTES

Considerando em consonância o Plano Estratégico e o relatório final


do Mapa Hidrológico da Região Sudeste do Estado do Tocantins, Costa (2010,
p. 269, p. 272) aponta que a preservação da qualidade das águas subterrâneas
envolve cuidados específicos em relação ao risco de contaminação dos
aquíferos por agentes físicos, químicos ou orgânicos. A contaminação
depende da vulnerabilidade do aquífero e da presença de carga
contaminante. Infelizmente, a forma mais comum de disposição dos
contaminantes é a colocação de efluentes em superfícies de baixa
profundidade, isto é, na superfície. Esta tipologia é a pior possível,
comprometendo os mananciais em extensão e profundidade. Nas áreas
urbanas as cargas contaminantes podem ter várias origens. Mais
especificamente nas áreas urbanas estão os problemas de saneamento sem
126

esgoto, vazamento de esgotos, descarga de águas residuais na superfície e


poços mal construídos.

2.3 ESGOTAMENTO SANITÁRIO ATUAL EM MUNICÍPIOS DA REGIÃO NORTE


DO ESTADO DO TOCANTINS

Segundo Plano Estratégico (s.d., p. 5) formulado pelo Estado do


Tocantins, os investimentos em saneamento são fundamentais para o
crescimento sustentável das cidades sem comprometer os recursos hídricos
e a saúde da população. Acrescenta ainda que a ocorrência de doenças de
veiculação hídrica, na região, está diretamente vinculada à falta de
saneamento básico.
A descarga de efluentes domésticos é o principal problema que afeta
a qualidade das águas superficiais, pois apenas 48% dos esgotos domésticos
são coletados e 39% são tratados (IBGE, 2010). Outros grandes poluidores da
água em todas as regiões hidrográficas incluem diversos efluentes como:
industriais, de mineração, descargas difusas de drenagem do solo urbano e
agrícola, e a deposição de resíduos sólidos.
Segundo Rebouças (2001, p. 336), os dados disponíveis indicam que
aproximadamente 90% do volume de esgotos domésticos coletados nas
cidades continuam tendo o mesmo destino, ou seja, rios, outros corpos de
água doce, praias e águas litorâneas, sem tratamento prévio. Em 2017 essa
situação pouco mudou. A Figura 5 ilustra a distribuição da população atendida
com coleta de esgoto e destinação por outros meios no Estado do Tocantins.
No documento observa-se que predomina o uso de fossa séptica e sumidouro
e apenas fossa seca.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 127

Figura 5: População atendida com coleta de esgoto e destinação por outros meios. Em
apresentação da ANA sobre "Preservação e recuperação da Bacia Hidrográfica do Rio Araguaia",
em Brasília, em 16 de setembro, 2015

Fonte: <http://slideplayer.com.br/slide/10328691/> Acesso em: 8 maio 2017.


128

2.4 A PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE, QUALIDADE DA ÁGUA E O


POTENCIAL TURÍSTICO

O potencial turístico é muito importante para desenvolvimento futuro


de uma região como o caso do Tocantins. Este Estado apresenta enorme
potencial turístico, principalmente relacionado com a água, representada por
rios, praias, cachoeiras e outros. Nesse contexto é de grande relevância o
tratamento de esgoto e de seus efluentes, bem como a busca por alternativas
econômicas para melhorarem as condições ambientais, para manutenção da
saúde e a qualidade de vida da população, preservando o meio ambiente. A
Figura 6 aponta as regiões com acentuado potencial, consideradas
excepcionais, e de interesse turístico internacional.

Figura 6: Alto potencial turístico

Alto Potencial
(excepcional e de interesse
internacional)
Praias do Araguaia e
Ilha do Bananal

Fonte: <http://slideplayer.com.br/slide/10328691/> Acesso em: 7 maio 2017.

Existe grande diversidade natural no Estado do Tocantins que deve


contribuir para o seu desenvolvimento, como as praias nas margens dos rios
Araguaia e Tocantins e seus afluentes e as cidades históricas, acrescida de sua
cultura. Nas margens do rio Araguaia tem-se diversos exemplos, como: as
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 129

praias da Ilha Grande localizada na cidade de Araguanã; a praia de Bacuri


Grande, na cidade de Esperantina; a praia da Ponta localizada na cidade de
Araguatins no norte do Tocantins; entre outros. Nas margens do rio Tocantins
tem-se como exemplos: a praia do Sono localizada na cidade de Pedro Afonso;
a praia da Santa localizada na cidade de Tocantinópolis, entre outros.
Também existem diversas cidades históricas, entre elas a de Porto Nacional,
uma das mais antigas do Estado, onde se localiza a praia de Porto Real. Há
outras tantas regiões que são: o Jalapão, com suas cachoeiras, lagoas, dunas
de areia, e as serras e chapadões do Parque Estadual; o Parque Estadual do
Cantão que se destaca pela grande variedade de fauna, que inclui aves e
peixes; além do Taquaruçu, conhecido como Santuário Ecológico com 80
cachoeiras. No extremo sul do Estado fica a região da Ilha do Bananal que é
considerada a maior ilha fluvial do mundo. A Figura 7 ilustra o rio Tocantins e
proximidade com região urbana de São Pedro do Sucavão.

Figura 7: Margens do Rio Araguaia e a proximidade com a região urbana de São Pedro Sucavão

Fonte: Arquivo e foto de Eleana Patta Flain, 2011.

3 SANEAMENTO PÚBLICO NA REGIÃO NORTE DO TOCANTINS

Adota-se neste trabalho o recorte do sistema de esgotamento


sanitário público para habitação de interesse social, analisando,
diagnosticando e propondo solução alternativa para municípios da região
norte do Estado do Tocantins.
Numa escala mais ampla, o primeiro levantamento nacional sobre
saneamento básico no Brasil foi realizado em 1974, através de convênio
celebrado entre o Ministério da Saúde e o IBGE, cabendo a este somente a
130

responsabilidade pela operação de coleta. Em 1999, o IBGE realizou, no


primeiro semestre de 2000, a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB
2000). Esta era mais abrangente, incorporando drenagem urbana assim como
novas variáveis aos temas: abastecimento de água, esgotamento sanitário e
limpeza urbana e coleta de lixo, já pesquisados em 1989 (Pesquisa Nacional
de Saneamento Básico, 2008, p. 18).
Focando melhor a problemática de interesse, segundo IBGE (2010), a
região norte concentrou 32,2% de habitações com esgoto a céu aberto,
característica associada ao meio ambiente e à saúde da população. Tal
realidade é apresentada constantemente em diários de notícias. Constitui
uma situação ligada à cultura regional resultante da situação geográfica, pois
a ocupação é dispersa e rural, além da origem indígena que prevalece.
Quando isto é trazido à cidade torna-se muito grave e insustentável. O
levantamento de campo mostra in loco como é crônico este quadro na região
norte do Estado do Tocantins. Desde os anos 1970 a construção das moradias
populares privilegia a quantidade, sem considerar aspectos relevantes como
os bioclimáticos, de conforto ambiental e de eficiência energética, bem como
outros como a falta de esgotamento sanitário.
O sistema de esgotamento necessita funcionar ininterruptamente.
Portanto, para isso deverá existir sempre um sistema eficiente e ter operação
e manutenção apropriadas que atendam aos usos desejados pela
comunidade, garantindo também as condições ambientais necessárias para a
sobrevivência da fauna e da flora ABCP (2002, p. 69).
É inegável que a implementação de um sistema de esgotamento
sanitário em determinada região melhora as condições ambientais, ao
mesmo tempo em que também pode mudar a paisagem em torno dos
empreendimentos e, como consequência desses fatos, deve alterar a
percepção do ambiente pela população. Nesse sentido, recentemente,
diversos autores, entre eles Bay e Silva (2011, p. 97-112), têm estudado a
percepção ambiental e como a implementação de esgotamento sanitário em
determinadas regiões tem mudado a percepção dos ambientes pela
população usuária.
A Lei 11.445, de 5/1/2007, regulamentada pelo Decreto 7.217, de
21/6/2010, estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico no país
e determina, em seu art. 52, a elaboração do Plano Nacional de Saneamento
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 131

Básico sob a coordenação do Ministério das Cidades. O Governo Federal e o


Conselho das Cidades (ConCidades) estão trabalhando na continuidade do
processo de elaboração do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
O Plansab, quando aprovado em sua etapa final, constitui o eixo central da
política federal para o saneamento básico, promovendo a articulação
nacional dos entes da federação para a implementação das diretrizes
estabelecidas na Lei 11.445/2007.
De uma forma mais ampla e atualizada no contexto da Reforma
Urbana, amplamente discutida na Primeira Conferência das Cidades em 1999
(HABITAR, 2000, p. 17-20), os serviços de saneamento básico contemplam os
componentes de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário,
limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, e drenagem e manejo das águas
pluviais urbanas.
Segundo a publicação Gasto Público em Saneamento Básico (2009),
em relação aos indicadores de acesso aos serviços de saneamento básico,
dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar referentes ao ano de
2008, divulgados pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE),
mostram que a rede geral de esgotamento sanitário está disponível para
apenas 52,5%.
A grande e crescente escassez de recursos hídricos em quantidade e
em qualidade adequada para as diferentes necessidades humanas tem
incentivado cada vez mais o desenvolvimento de pesquisas para a busca e
aprimoramento de soluções para o tratamento de esgoto sanitário. Observa-
se que a ausência de tratamento e a disposição inadequada dos esgotos
sanitários são uma das principais causas da deterioração dos recursos
naturais, em especial dos hídricos necessários para o desenvolvimento
humano e das cidades.

3.1 LOCALIZAÇÃO E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS TERRITORIAIS DOS


MUNICÍPIOS VISITADOS

A microrregião localizada no norte do Estado do Tocantins, conhecida


como Bico do Papagaio, é pertencente à mesorregião ocidental do Tocantins.
A população estimada nessa região, em 2006 pelo IBGE, foi de 198.388
habitantes que está dividida em 25 municípios dos 139 existentes no
132

Tocantins. Possui uma área total de 15.767,856 km². As Figuras 8 e 9 ilustram


a localização da microrregião e dos 25 municípios pertencentes à
microrregião, incluindo aqueles que foram visitados, objeto deste trabalho,
destacados com a seguinte numeração: 07, 09, 17, 22 e 24. A microrregião
limita-se ao norte com os Estados do Pará à esquerda e do Maranhão à direita
no mapa.

Figura 8: Localização geográfica da Figura 9: Municípios pertencentes à


microrregião Bico do Papagaio no Estado microrregião Bico do Papagaio no Estado do
do Tocantins Tocantins

Fonte: <www.pt.wikipedia.org/> Fonte: <www.citybrazil.com.br/>


Acesso em: 21 fev. 2015. Acesso em: 21 fev. 2015.

Os últimos resultados do censo (IBGE, 2010) mostram que o Brasil


possui 16,2 milhões de brasileiros que vivem em extrema pobreza, o
equivalente a 8,5% da população total. No Tocantins, esse percentual chega
a 11,8% da sua população vivendo em extrema pobreza, ou seja, são 163 mil
do total de 1.383.445 habitantes. O Índice de Desenvolvimento Humano do
Município (IDHM) de Palmas é de 0,699, enquanto a cidade de São Paulo o
IDHM é 0,805 com uma população estimada em 11.895.893. Este índice,
segundo o PNUD, é uma medida composta de indicadores de três dimensões
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 133

do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda, que varia de 0


a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano.
Na Tabela 1 é apresentada uma síntese das informações referentes ao
último censo, segundo IBGE (2010), de cada um dos municípios visitados.
Observa-se que todos eles apresentam um IDHM entre 0,5 e 0,6, abaixo do
IDHM da capital - Palmas, o que demonstra o nível de extrema pobreza dos
municípios visitados. A figura 10 ilustra as condições locais de extrema
pobreza de alguns municípios visitados.
134

Tabela 1: Síntese das informações referentes ao último censo dos municípios visitados

Buriti do Carrasco Praia São Sítio


Município
TO Bonito Norte Miguel Novo
Área da unidade territorial
251,919 192,939 289,054 398,82 324,106
(km²)
Estabelecimentos de Saúde
2 2 2 3 4
SUS
Matrícula - Ensino
2.005 874 1.794 2.004 1.706
Fundamental - 2012
Matrícula - Ensino Médio -
562 224 398 452 502
2012
Número de unidades locais 83 27 58 37 70
Pessoal ocupado total 532 171 340 140 532
PIB per capita a preços
5.683,54 6.424,58 5.785,36 5.260,97 6.166,09
correntes - 2012 (em reais)
População residente 9.768 3.688 7.659 10.481 9.148
População residente - Homens 4.939 1.919 3.897 5.290 4.631
População residente -
4.829 1.769 3.762 5.191 4.517
Mulheres
População residente
6.898 2.332 4.668 6.847 6.072
alfabetizada
População residente que
3.468 1.330 3.026 3.875 3.136
frequentava creche ou escola
Valor do rendimento nominal
médio mensal dos domicílios
particulares permanentes com
971,62 846,2 632,62 939,53 696,61
rendimento domiciliar, por
situação do domicílio - rural
(em reais)
Valor do rendimento nominal
médio mensal dos domicílios
particulares permanentes com
1.328,73 1.057,37 1.073,51 1.845,11 1.138,39
rendimento domiciliar, por
situação do domicílio - urbana
(em reais)
Valor do rendimento nominal
mediano mensal per capita dos
150 170 115,82 186,67 106,8
domicílios particulares
permanentes rurais (em reais)
(Continua)
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 135

Tabela 1: Síntese das informações referentes ao último censo dos municípios visitados
(Continuação)

Buriti do Carrasco Praia São Sítio


Município
TO Bonito Norte Miguel Novo
Valor do rendimento
nominal mediano mensal
per capita dos domicílios 213,6 192,67 208,8 275 260,5
particulares permanentes
urbanos
Índice de
Desenvolvimento Humano
0,627 0,594 0,583 0,623 0,604
Municipal - 2010 (IDHM
2010)
Fonte: IBGE (2010).

3.2 METODOLOGIA EMPREGADA PARA A ELABORAÇÃO DA PROPOSTA

A metodologia para o desenvolvimento da pesquisa e para o sistema


de esgotamento proposto baseou-se na análise bibliográfica, em dados
obtidos em levantamento de campo e de estudo de caso.
Quando em visita técnica realizada recentemente a diversos
municípios pertencentes à microrregião conhecida como Bico do Papagaio no
Estado do Tocantins, a saber: Buriti do Tocantins (Quebradeiras de Côco),
Carrasco Bonito, São Miguel (no Povoado de Grota do Meio), Sítio Novo (no
Povoado de Sumaúma), Praia Norte (no Centro Urbano e Povoado de São
Félix) entre outros, observou-se in loco fatores relevantes em relação ao
esgotamento sanitário de 825 unidades habitacionais de interesse social onde
não há sistema de coleta de esgoto municipal, com a contaminação de cursos
d’água, lençol freático e da própria população. A proposta técnica a ser
apresentada foca na substituição e melhoria do sistema existente, que hoje é
individualizado e passaria a ser coletivo e público.
Os principais aspectos identificados visando à compreensão das
deficiências e para sua superação são:
a) O sistema fossa séptica e sumidouro são executados em local
onde o lençol freático é aflorante;
b) O sistema fossa séptica e sumidouro são executados em margens
de córregos e ou rios;
136

c) O esgoto sanitário está aflorando a superfície do terreno;


d) O esgoto sanitário é conduzido por canalização improvisada para
a rua;
e) Os moradores, principalmente crianças e animais domésticos,
estão em contato direto com o esgoto sanitário.

Através de pesquisa de campo constata-se total falta de conhecimento


da população, de maneira geral, acerca das consequências do contato de
humanos e animais domésticos com materiais provenientes do esgotamento
sanitário e da contaminação do lençol freático.
Assim, o estudo de caso e do que foi constado in loco é mostrado na
Figura 10, realizada durante as visitas às unidades habitacionais de interesse
social no Estado do Tocantins. Diante desta realidade impactante apresenta-
se a seguir uma proposta técnica alternativa para o sistema de esgotamento
sanitário considerando-se principalmente os aspectos essenciais: baixo custo,
facilidade de instalação e de manutenção.
Como estudo de caso, adota-se a microrregião Bico do Papagaio, por
ser de grande relevância para a região norte do Estado do Tocantins.

Figura 10: Fossa séptica transbordando no quintal da unidade habitacional (Carrasco Bonito)

Fonte: Arquivo e foto da autora, 2011.

A microrregião localizada no norte do Estado do Tocantins conhecida


como Bico do Papagaio é pertencente à mesorregião Ocidental do Tocantins.
Cidade, Resiliência e Meio Ambiente - 137

A microrregião limita-se ao norte com os Estados do Pará à esquerda e do


Maranhão à direita.
Na Tabela 2 é apresentada uma síntese das informações referentes ao
último censo (IBGE, 2010), de cada um dos municípios visitados. Observa-se
que todos eles apresentam um IDHM entre 0,5 e 0,6, abaixo do IDHM da
capital - Palmas, o que demonstra o nível de extrema pobreza dos municípios
visitados.

Tabela 2: Síntese das informações referentes ao último censo dos municípios visitados
Município

Buriti do Carrasco Praia São Sítio


Síntese das Informações
TO Bonito Norte Miguel Novo

Área da unidade territorial 289,05


251,919 192,939 398,82 324,106
(km²) 4

PIB per capita a preços 5.785,3


5.683,54 6.424,58 5.260,97 6.166,09
correntes - 2012 (em reais) 6

População residente 9.768 3.688 7.659 10.481 9.148

Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal - 2010 0,627 0,594 0,583 0,623 0,604
(IDHM, 2010)

Fonte: IBGE (2010).

3.3 PROPOSTA DE SISTEMA SANITÁRIO PÚBLICO PARA ASSENTAMENTOS DE


INTERESSE SOCIAL

A Figura 11 apresenta um esquema geral do sistema de esgotamento


sanitário proposto para um conjunto de unidades habitacionais de interesse
social, objeto deste capítulo.
138

Figura 11: Esquema geral do projeto proposto para esgotamento sanitário de unidades
habitacionais de interesse social

CORPO HÍDRICO
GRADEAMENTO FOSSA FILTRO

OU

SUMIDOURO

CAIXA DE DISTRIBUIÇÃO

Fonte: Desenvolvido por Cristiano Patta Flain, Engenheiro Ambiental (2014).

O sistema é proposto para cada conjunto de unidades habitacionais,


dimensionado de acordo com a carga de efluentes sanitários. Tal proposta foi
desenvolvida baseada em conceitos e projetos de estações de tratamento
usuais e pode se tornar economicamente viável, principalmente se os
componentes constituintes do sistema forem produzidos industrialmente. O
projeto do sistema de tratamento para os efluentes domésticos será
composto por um conjunto de fases de gradeamento / fossa séptica / filtro
anaeróbio de fluxo ascendente / sumidouro. O dimensionamento do sistema
proposto dependerá do número de unidades que serão contempladas, não
sendo objeto deste artigo.
Cidade e Meio Ambiente - 139

Segundo a NBR 13.969 (ABNT, 1997), as faixas (%) prováveis de


remoção dos poluentes para sistemas de tratamento em conjunto, tanque
sépticos e filtro anaeróbio de fluxo submerso, podem ser avaliadas quanto à
sua eficiência.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema de tratamento para esgotamento sanitário aqui proposto é


do tipo fossa séptica / filtro submerso de fluxo ascendente. É um sistema
simples, de fácil manutenção e execução. Além disso, o sistema é constituído
de elementos e materiais convencionais facilmente encontrados nos
municípios visitados ou em outros com as mesmas características e condições
econômicas. Isto cria possibilidades para a sua utilização, principalmente
diante da realidade dos municípios de baixa renda.
Ressalta-se que todo e qualquer tipo de sistema de esgotamento
sanitário, assim como o aqui proposto, requer algumas condições essenciais
para o desenvolvimento do projeto, da execução e do uso e manutenção,
como: levantamento, investigação e análise das condições locais (condições
ambientais, tipo de solo, local a ser executada, quantidade de pessoas a
serem atendidas); reconhecimento e análise do tipo de solo, por exemplo,
caso venha ocorrer a redução da capacidade de absorção do sumidouro,
devido ao processo de colmatação (preenchimento dos vazios do solo,
tornando-o impermeável), novas unidades deverão ser construídas; vistorias
periódicas para que mantenha a eficiência; em caso de disponibilização da
rede de coleta de esgoto, os sumidouros deverão ser eliminados;
planejamento para inspeção semestral dos sumidouros; levantamento de
custos para a implementação do sistema e envolvimento da população
através de planejamento de ações conjuntas com as instituições envolvidas.
O interesse pelo uso de esgotos sanitários tanto em atividades urbanas
como em atividades industriais e agrícolas tem se renovado e mostra-se cada
vez mais frequente em vários países, tanto os desenvolvidos quanto os em
desenvolvimento. O interesse é justificado pela grande escassez de recursos
hídricos.
As utilizações de efluentes tratados apresentam grande potencial,
sendo que, dentre outros atrativos, há os seguintes: reuso e economia de
140

água em atividades urbanas, industriais e agropecuárias; reciclagem de


nutrientes, por exemplo, em irrigação e aquicultura; economia de insumos
em atividades produtivas, tais como fertilizantes e ração animal e controle de
poluição e de eutrofização dos corpos receptores.
O resultado das parcerias público-privadas pode ser satisfatório, por
exemplo, para o pagamento do funcionamento e da manutenção do sistema
aqui proposto.

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Cidade e Meio Ambiente - 141

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www.turismonotocantins.com.br/praias-fluviais-do-tocantins/. Acesso em: 2 maio 2017.
Cidade e Meio Ambiente - 143

Capítulo 8

OCUPAÇÃO URBANA EM MANANCIAIS:


ESTUDO DE CASO DO RESERVATÓRIO BILLINGS

Daniel Ladeira Almeida38

1 INTRODUÇÃO

A usina hidrelétrica, compreendida como parte de um conjunto


composto pelo reservatório e seus mananciais, é um vetor para o crescimento
das cidades e de atividades produtivas.
Como exemplo, pode-se observar que o crescimento industrial da
capital paulista contribuiu para o adensamento urbano dos municípios no
entorno do Reservatório Billings, com o objetivo de suprir de energia
potencial hidráulica a Usina Henry Borden. A construção da usina tinha como
justificativa o enorme aumento do consumo de energia elétrica registrado na
década de 1920 na cidade de São Paulo, devido principalmente pelo seu
crescimento industrial.
A partir da década de 1980 se intensificou o adensamento
populacional da capital paulista e posteriormente nas cidades margeadas
pelo Reservatório Billings. Durante os estudos da evolução da ocupação do
reservatório foi observada uma diminuição no aporte hídrico e deterioração
da qualidade das águas do reservatório, fato que resultou indiretamente na
diminuição da produção da Usina Henry Borden.
Atualmente, a Usina Henry Borden não gera energia em sua
capacidade máxima, precisamente por não haver volume hídrico no
reservatório que atenda a vazão necessária para o seu funcionamento ótimo.
Com isso, seria necessário repensar as ações relacionadas à ocupação dos

38Bacharel e licenciado em Geografia pela PUC-Campinas, especialista em Geografia pela UNESP-


Presidente Prudente, mestre em Energia pela UFABC, doutor em Energia pela UFABC e professor
efetivo de educação básica pelo Governo do Estado de São Paulo, com experiência em ensino a
distância, e-mail: ufabcdaniel@gmail.com
144

mananciais do Reservatório Billings, ou na iniciativa de retomada do


bombeamento das águas do Alto Tietê (sistema hídrico ligado ao
reservatório) que atualmente se encontram com alta concentração de
poluentes.
A recuperação do potencial hídrico do Reservatório Billings consiste
em coibir a expansão da ocupação em áreas próximas aos olhos d’água por
meio de políticas ambientais mais articuladas no interior das esferas do poder
público, privado e não governamental.
Sendo assim, este capítulo consiste em analisar os passivos ambientais
provenientes da deterioração das áreas de mananciais do Reservatório
Billings que comprometem o aumento do potencial energético da Usina
Hidrelétrica Henry Borden. Nessa perspectiva, foram entrevistados os
responsáveis da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB),
Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A. (EMAE) e Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) de modo a permitir uma
análise das ações que contemplem planejamentos ambientais voltados para
o aumento da produção na Usina Henry Borden.
As explanações obtidas nas entrevistas almejam estabelecer conexões
lógicas e complexas entre as tendências existentes no plano institucional,
operacional, econômico e socioambiental das empresas atuantes no
Reservatório Billings. O destaque dos atores entrevistados na pesquisa não
exclui importância da atuação de demais atores, pois o reservatório possui
diversas dimensões: social, econômica e ambiental, as quais permitem a
inserção de outras instituições.
A análise das entrevistas indicou que a redução da capacidade de
resiliência do Reservatório Billings e o comprometimento da produção de
energia e abastecimento humano ocorreram em função da gama de leis
visando à proteção dos mananciais, que foram limitadas a políticas públicas
desarticuladas.

2 IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS EM RESERVATÓRIOS

À obtenção de energia elétrica por meio das usinas hidrelétricas


acrescenta-se a importância do reservatório para o abastecimento humano e
energético, fatores vitais para se atingir o desenvolvimento, e se for
Cidade e Meio Ambiente - 145

considerado o desenvolvimento como o aumento das liberdades dos


indivíduos, conforme proposto por Sen (2000). O comprometimento do
acesso à água e à energia elétrica, fundamentais para a manutenção do
padrão de vida urbana, significa uma perda nas liberdades dos indivíduos.
A demanda por energia elétrica nas regiões metropolitanas brasileiras
segue um ritmo cada vez mais crescente. Segundo Tolmasquim (2005), seria
necessário um crescimento contínuo dos investimentos voltados para a
expansão e modernização do sistema elétrico, de forma que atenda a um
possível crescimento econômico de 4,5% ao ano, a uma taxa sensivelmente
menor que a evolução histórica do PIB brasileiro. Calcula-se que,
considerando um planejamento previsível (10-15 anos), seja necessária a
ampliação do parque gerador em 3.500 MW a cada ano para atender a
demanda nacional por energia elétrica (TOLMASQUIM, 2005).
O Brasil dispõe de uma matriz elétrica predominantemente renovável,
com destaque para a geração hidrelétrica a qual corresponde por 65,2% da
oferta interna. Na expansão da capacidade instalada, em 2015 as centrais
hidráulicas contribuíram com 44,3%, enquanto as centrais térmicas
responderam por 18,1% da capacidade adicionada. Restam as gerações
eólicas e solares, que foram responsáveis pelos 37,6% da geração elétrica em
escala nacional (EPE, 2015).
No caso da Usina Henry Borden, o Estado brasileiro concedeu à
empresa canadense LIGHT a construção dos Reservatórios Billings,
Guarapiranga e também da Usina Henry Borden, em uma época que não
havia jurisprudência que regulamentava as relações com o Estado e as
empresas privadas em empreendimentos que gerassem impactos ao meio
ambiente. Para que essa prática se perpetuasse, a LIGHT ofereceu lobbies ao
Congresso Federal para atrasar a aprovação do Código das Águas (em 1934).
Isso foi fundamental para que em 1927 e 1928 fosse feita a reversão do rio
Pinheiros, permitindo de forma deliberada, canalizar, alargar, retificar,
aprofundar e desapropriar os bens que fossem de necessidade e utilidade
públicas, fortalecendo os interesses econômicos da LIGHT (SEABRA, 1987).
No entanto, modificações nas características naturais trouxeram
consequências diretas aos recursos hídricos que suportam as barragens das
usinas hidrelétricas. É natural que as erosões pluvial e fluvial transportem
sedimentos à jusante dos rios, ou em outro afluente (tributário), embora o
146

seu represamento permita a deposição desses sedimentos formando áreas


assoreadas nos reservatórios.
O assoreamento em reservatórios pode variar de acordo com o
tamanho da área inundada e de como são utilizados os solos dos mananciais
que estão contidos na bacia hidrográfica do reservatório. Por isso, é
fundamental manter a cobertura vegetal em áreas de mananciais para que as
águas das chuvas mais intensas sejam interceptadas pelas matas ciliares, ou
simplesmente pela vegetação que protege o solo, contribuindo para a
preservação do reservatório.
Essas condicionantes devem ser previstas no momento em que se
constrói uma barragem, e monitoradas após a conclusão do empreendimento
hidrelétrico (ANEEL, 2000).
Uma vez construída a barragem, não cessam os estudos
sedimentológicos. Com isso, deve-se ter uma vigilância dos efeitos do
sedimento com a formação do reservatório; por ser uma obra que traz
desenvolvimento regional e expansão na ocupação territorial, que inclui o
maior uso de solo na agricultura pela maior disponibilidade de água na
construção de estradas e toda uma transformação, cujas consequências
podem não ter sido avaliadas adequadamente nos estudos de planejamento
(ANEEL, 2000).
É fundamental que haja eficiência na previsão dos impactos causados
pela construção de barragens, para que sejam incluídas nos planejamentos
regionais medidas que resultem na preservação do solo, das coberturas
florestais (em meio urbano e rural) e das bacias hidrográficas, que, por sua
vez, são necessárias para a garantia da manutenção do reservatório.
Outro condicionante que compromete a preservação dos
reservatórios é o adensamento populacional que promove a retificação de
córregos, o lançamento clandestino de esgoto não tratado e o descarte de
resíduos sólidos nos rios.
Segundo o Ministério de Minas e Energia (BRASIL, 2007), para que isso
não comprometa a construção e operação de uma usina hidrelétrica, é
necessário que algumas das diversas medidas a serem tomadas sejam postas
em prática, principalmente no que remete ao controle do assoreamento do
reservatório. Podem ser citadas as seguintes medidas:
Cidade e Meio Ambiente - 147

• monitoramento hidrossedimentométrico;
• monitoramento do uso do solo e da cobertura vegetal;
• contenção de encostas: plantação de mata ciliar, contenção de
taludes, etc.;
• gestão junto aos municípios, Estados, proprietários e/ou ocupantes
das terras e órgãos ambientais quanto ao uso do solo na bacia de
contribuição do reservatório. (BRASIL, 2007, p. 156).

Essas medidas são fundamentais para a credibilidade da construção e


garantia da funcionalidade de uma usina hidrelétrica. Todavia, as leis
ambientais não foram capazes de regular na prática o uso das áreas de
mananciais, controladas pelo mercado imobiliário. As determinações legais
não fizeram com que fossem impedidas as ocupações em áreas de
mananciais, que continuaram a ser ocupadas, apenas ganhando o caráter de
irregularidade.
O reservatório pode operar também como um manancial,
abastecendo a região com água, sendo que a ocupação não planejada pode
prejudicar a qualidade da água dos reservatórios, como o caso do
Reservatório Billings (com 10.814,20 ha de área inundada), possuindo uma
bacia hidrográfica que ocupa um território de 582,8 km², ao sul da Região
Metropolitana de São Paulo (CAPOBIANCO; WHATELY, 2002).
O crescimento desordenado da Região Metropolitana de São Paulo fez
com que os mananciais do Reservatório Billings fossem alvo dessa ocupação
sem o devido planejamento, comprometendo a resiliência do ecossistema
local e os seus múltiplos usos do reservatório. Esse fato contribuiu para a
diminuição do aporte hídrico do reservatório, e consequentemente reduziu
as perspectivas de aumento do potencial energético da Usina Henry Borden,
que conta com o sistema de bombeamento das águas dos rios Pinheiros e
Tietê.
A Usina Henry Borden se encontra na Baixada Santista, em uma região
limítrofe à Região Metropolitana de São Paulo, localizada em uma posição
estratégica, pois permite o mínimo de gasto com as linhas de transmissão,
isso porque se encontra próxima a um dos maiores (centros de carga)
adensamentos urbanos do país.
A bacia do Alto Tietê, por ser endorreica, exigiu que as suas águas
fossem revertidas para garantir o aporte hídrico do Reservatório Billings,
disponibilizando a vazão necessária para a produção hidroenergética na Usina
148

Henry Borden. Isso também contribuiu para o desenvolvimento industrial da


cidade de Cubatão e da Região do Grande ABC, justamente por disponibilizar
água e energia para as empresas que se instalaram nas respectivas
localidades.
Em 1989, a Constituição Estadual, sob o ponto de vista da qualidade
das águas no sistema Tietê-Pinheiros-Billings e considerando a priorização do
Reservatório Billings para o abastecimento público, determinou no art. 46 das
Disposições Transitórias, um prazo de três anos aos Poderes Públicos Estadual
e Municipal para a adoção de medidas eficazes no sentido de impedir o
bombeamento de águas imbuídas de dejetos, e outras substâncias poluentes
para o Reservatório Billings. Nessa nova configuração, o sistema hidrelétrico
da LIGHT (atual EMAE) passou a ser vítima do próprio crescimento
desordenado, da qual foi coadjuvante. Isso se deu a partir das várias
mudanças nas regras operacionais a partir da década de 1970 e culminou com
a proibição do bombeamento das águas do rio Pinheiros para o Reservatório
Billings a partir de 1992 (VICTORINO, 2002).
Em março de 1996, a Resolução Conjunta entre as Secretarias de
Energia e Saneamento/do Meio Ambiente/de Recursos Hídricos, Saneamento
e Obras, de n. 1 é publicada a fim de estabelecer critérios mais objetivos e
rígidos para as situações emergenciais relacionadas às situações de enchente
em que são permitidas as operações de bombeamento: 1) previsão de vazão
superior a 160 m³/s no rio Tietê, no ponto de confluência com o rio Pinheiros;
2) sobre-elevação superior a 30 cm do nível da água na confluência dos rios
Tietê e Pinheiros. Para as demais condições emergenciais foram mantidos os
critérios estabelecidos em 1992 (EMAE, 2007).
A partir da implantação das regras operativas estabelecidas para o
atendimento às disposições legais, o turbinamento médio anual na Usina
Henry Borden, que oscilava entre 74 e 131 m³/s no período de 1970 a 1992,
caiu para 32 m³/s em 1993, 14 m³/s em 1994 e 6 m³/s em 1996, vazão
suficiente apenas para manter os equipamentos em funcionamento e
também permitir a captação de água no rio Cubatão para abastecimento
público na Baixada Santista (EMAE, 2007).
Nessa perspectiva, uma possível modernização do sistema
hidromecânico da Usina Henry Borden não surtiria grandes efeitos para o
sistema elétrico nacional comparado à recuperação do aporte hídrico
Cidade e Meio Ambiente - 149

necessário para que seja contemplado o funcionamento ótimo da usina, pois


a preservação do Reservatório Billings e a despoluição do rio Pinheiros, neste
caso específico, são medidas fundamentais para o aumento da produção
hidroenergética da Usina Henry Borden.

3 PERSPECTIVAS DE RECUPERAÇÃO DO RESERVATÓRIO BILLINGS

Os níveis de poluição dos recursos hídricos na Região Metropolitana


de São Paulo chegaram a índices alarmantes, motivo que impulsionou o
Ministério Público paulista, baseado no art. 46 da Constituição paulista, a
proibir o bombeamento das águas do rio Pinheiros para o Reservatório
Billings, culminando na redução em aproximadamente 75% da energia
produzida em Henry Borden (EMAE, 2010).
O sistema de flotação em fluxo para a melhoria das águas do rio
Pinheiros surgiu como um trabalho complementar às ações de ampliação e
implantação dos sistemas de coleta e tratamento de esgoto, que vêm sendo
implementadas na Região Metropolitana de São Paulo. Foi um trabalho do
qual fez parte as seguintes empresas públicas ligadas ao governo do Estado
de São Paulo: CETESB, EMAE e SABESP, porém ineficaz sob a ótica do
Ministério Público, fato que impediu o andamento dos trabalhos.
Embora a paralização no bombeamento do rio Pinheiros tenha trazido
melhorias na qualidade da água do Reservatório Billings, não foi suficiente
para diminuir o avanço do assoreamento que representava em 1992, 7,5% do
volume útil do reservatório (MODESTO, 1999).
Atualmente, não existem dados concretos para avaliar a magnitude do
assoreamento, porém é possível inferir que o assoreamento tenha
aumentado devido ao bombeamento das águas do rio Pinheiros em dias
chuvosos e pelo material careado para dentro do reservatório devido à
exposição do solo causado pela ocupação dos mananciais do Reservatório
Billings.
Segundo o Proam (2009), é possível que o Reservatório Billings tenha
tido uma perda de capacidade de armazenagem de aproximadamente 22%,
o que correspondia a 286 milhões de m³ de água, decorridos do
assoreamento causado pela ocupação adensada e descriteriosa dos
mananciais do reservatório.
150

O assoreamento é o indicador do processo de degradação da bacia


vertente da Billings, à medida que é resultante da deposição de sedimentos,
removidos do solo e transportados para o sistema fluvial, tendo como destino
a área da represa. Praticamente 15% dos mananciais do Reservatório Billings
já se encontravam em uso urbano com um parcelamento excessivo do solo
em lotes pequenos, ultrapassando os 20% do território no final das décadas
de 1980 e 1990 (MODESTO, 1999).
Como a ocupação inadequada dos mananciais do reservatório traz
consequências aos recursos hídricos, é plausível envolver setores não
usuários do reservatório, como transporte, agrícola e habitação, com o
objetivo de reduzir os passivos ambientais.

4 INICIATIVA PÚBLICA EM SANEAMENTO AMBIENTAL

Os sistemas produtivistas se instalaram próximos às grandes fontes de


recursos naturais que, uma vez exauridas, dificilmente serão repostas
inteiramente pela natureza, os recursos naturais, uma vez utilizados em
quantidades desconhecidas no processo de desenvolvimento, não estarão
disponíveis uma segunda vez para as estratégias de produção (ALTVATER,
1995). Para Leff (2000), o problema é, acima de tudo, cultural e será resolvido
por uma mudança da racionalidade do ser humano, ora econômica, para uma
racionalidade ambiental.
No que diz respeito aos recursos hídricos, o Estado de São Paulo foi
pioneiro na sua gestão. Na década de 1950, São Paulo criou o Departamento
de Água e Energia Elétrica (DAEE), que teve como base o Tennesse Valey
Authority (TVA), dos Estados Unidos da América, que tinha como meta
promover o desenvolvimento socioeconômico para o país, principalmente
para o Vale do Tennessee, por meio da redução das enchentes, desenvolver
a produção local, revitalizar as áreas degradas e promover o planejamento
ambiental regional (BARROS, 2005). Dessa forma, o planejamento passou a
englobar a esfera social e econômica nos planos espacial e urbanístico,
enfatizando nos planos de desenvolvimento regional.
O planejamento, ainda que fosse visto como um instrumento técnico
motivado por direitos civis, passou a ser entendido como instrumento político
ao qual deveria contemplar as mudanças na sociedade em prol dos menos
Cidade e Meio Ambiente - 151

favorecidos (OLIVEIRA, 2006). E a Lei 7.663/1991, que teve como base a


Política Estadual de Recursos Hídricos, definiu regras para estruturar o
planejamento ambiental. Esta lei possui sete princípios básicos:
a) a gestão da água deve ser descentralizada, integrada e
participativa;
b) adota a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e
gestão de recursos hídricos;
c) reconhece o valor econômico da água e implanta a sua cobrança;
d) estabelece o rateio de custos das obras de aproveitamento
múltiplo;
e) destaca o combate e prevenção das causas e efeitos da poluição
das águas, das inundações, das estiagens, da erosão e do
assoreamento dos corpos d'água;
f) reconhece que deve ser feita a compensação financeira a
municípios inundados por reservatórios e que tenham restrições
devido à lei de proteção aos recursos hídricos;
g) ressalta a importância de compatibilizar o gerenciamento com o
desenvolvimento regional e com a proteção do meio ambiente
(SÃO PAULO, 1991).

Além disso, o Sistema Nacional de Recursos Hídricos elegeu a bacia


hidrográfica como unidade de planejamento e definiu novas instrumentos
para a gestão dessas unidades.
Destaca-se aqui o primeiro princípio, que observa a necessidade da
gestão descentralizada e participativa. Tendo este princípio como guia,
formou-se o conceito de Comitê de Bacia Hidrográfica, que deve ser
composto por representantes relacionados à administração de recursos
hídricos, representantes do poder municipal, de entidades civis, acadêmicas
e científicas.
No contrassenso do conceito de Comitê de Bacia Hidrográfica foi
iniciado, em 1977, o Projeto de Saneamento para a Grande São Paulo
(SANEGRAN), que seguiu um enfoque tecnocrático servido de ações
governamentais desarticuladas as quais favoreceram apenas o faturamento
das grandes empreiteiras atuantes na área do saneamento (SÓCRATES et al.,
1985).
A proposta do SANEGRAN, financiado pelo Banco Mundial e o Governo
Federal, era conduzir o esgoto da Grande São Paulo para o corpo central do
Reservatório Billings, transformando o reservatório em uma “grande estação
152

de tratamento de esgoto” isolando os braços do reservatório do seu corpo


central (SÓCRATES et al., 1985).
Diante dessa proposta, o governo federal contrapôs as diretrizes do
SANEGRAN, por comprometer o corpo central do Reservatório Billings e o seu
ecossistema, além de dificilmente atender a todos os objetivos de
despoluição das águas do Alto Tietê e de revitalizar os mananciais do
Reservatório Billings (SÓCRATES et al., 1985).
Recuperando a discussão anterior sobre a necessidade de uma nova
forma de pensar o problema ambiental ou da necessidade de mudanças
culturais para o tratamento destes problemas, é interessante observar que
praticamente todas as propostas tiveram pontuadas considerações
econômicas, o que mostra que, apesar de todos os problemas conhecidos
relacionados à questão hídrica, o imperativo econômico ainda se fez presente
como instrumento de análise de persuasão política.
Quanto às questões financeiras, elas ainda continuam limitando o
planejamento de políticas públicas, mesmo com o aumento significativo da
arrecadação, como no caso do Brasil. Boa parte dos países no mundo em
desenvolvimento depende de recursos externos ou destina parte
considerável de seu orçamento a pagar dívidas públicas e déficits setoriais
(OLIVEIRA, 2006, p. 197).
No entanto, atender essa perspectiva é um desafio para as políticas
públicas voltadas ao saneamento, pois muitas das ações governamentais
esbarram na viabilidade econômica dos projetos como condicionantes
primordiais antes mesmo da concepção dos empreendimentos.

5 PERSPECTIVAS DE RECUPERAÇÃO DO RESERVATÓRIO BILLINGS

O respectivo estudo de caso foi estruturado com base em


questionários aplicados aos representantes da Companhia Ambiental do
Estado de São Paulo (CETESB), Empresa Metropolitana de Águas e Energia
S.A. (EMAE) e Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
(SABESP), possuindo os mesmos níveis hierárquicos para análise de ações que
contemplam as políticas ambientais voltadas para o aumento da produção de
energia elétrica da Usina Henry Borden, com o intuito de obter resultados que
contribuam para os usos múltiplos do Reservatório Billings.
Cidade e Meio Ambiente - 153

Os sete representantes das respectivas empresas controladas pelo


governo estadual, aqui denominados por RC1, RC2, RC3, RE1, RE2, RS1 e RS2
concordaram em participar explanando as suas contribuições sobre as ações
que contemplem as políticas ambientais voltadas para o aumento da
produção de energia elétrica da Usina Henry Borden, com o intuito de obter
resultados que venham a contribuir para os usos múltiplos do Reservatório
Billings.
O padrão urbanístico dos últimos anos se deu num processo agressivo
sem proteção dos solos, geralmente erosíveis, sem a preservação da
cobertura vegetal e com insuficiência de obras de infraestrutura,
principalmente em saneamento básico, levando a um processo de
assoreamento do Reservatório Billings. Para constatar os impactos
ambientais provenientes do assoreamento do reservatório, foi indagado aos
responsáveis da CETESB e EMAE sobre quanto avançou o processo de
assoreamento, por meio da seguinte questão:

Com que frequência são realizadas as medidas periódicas do nível de


assoreamento em toda a represa Billings? Se afirmativa, quais os pontos mais
assoreados?

Todos os respondentes foram unânimes ao afirmar que não existe um


acompanhamento efetivo e periódico do processo de assoreamento em
diferentes localidades do Reservatório Billings. RC1 enfatizou essa realidade
ao dizer que:

Não existe nenhuma empresa pública que realiza o monitoramento


contínuo dos níveis de assoreamento da represa Billings, portanto não
existem ações efetivas para a contenção de sedimentos que podem
comprometer o volume hidrológico do respectivo reservatório, ao
qual tem grande importância para o abastecimento humano e
produção de energia. (RC1)

Na perspectiva de RC2, corrobora a ideia de que não é de


responsabilidade da CETESB o monitoramento de condições que envolvem no
aporte hídrico do reservatório, e descreve o papel da CETESB por meio da
seguinte afirmação:
154

De acordo com a Lei Estadual 118/73, alterada pela Lei Estadual


13.542/09, em relação aos recursos hídricos a CETESB tem a seguinte
atribuição (art. 2º, inciso VI): Executar o monitoramento ambiental,
em especial da qualidade dos recursos hídricos superficiais e
subterrâneos, do ar e do solo. Sendo assim, capacidade hídrica não é
monitorada pela CETESB. (RC2)

Para RC3 é muito provável que: “Devido ao bombeamento do rio


Pinheiros para o controle de cheias, a área próxima à usina elevatória de
Pedreira é uma das mais assoreadas”, pois os sedimentos muito finos não são
retidos nas usinas elevatórias e são transportados até o Reservatório Billings
(MODESTO, 1999). Porém, o(a) entrevistado(a) garante que a CETESB não
realiza esse tipo de monitoramento com periodicidade, justamente pelo
motivo de que a preocupação principal da instituição é avaliar a qualidade da
água do reservatório.
Na perspectiva dos responsáveis da EMAE, o(a) entrevistado(a) RE2,
afirmou que esse monitoramento é um indicador fundamental que
demonstra o avanço do desmatamento e da ocupação em áreas de
mananciais, o que favorece o transporte de sedimentos causando o
assoreamento que diminui a vida útil do reservatório, devido à diminuição do
volume a ser reservado. O(a) entrevistado(a) também constatou que não
existe um acompanhamento contínuo quanto aos níveis de assoreamento no
Reservatório Billings, ao fazer a seguinte afirmação:

Entre as décadas de 1980 e 1990, também foi realizado o


monitoramento batimétrico em alguns pontos dos reservatórios
Billings e Guarapiranga, embora esse monitoramento não seja
sistemático e contínuo. (RE2)

É necessário que sejam obtidos com regularidade dados de


granulometria em suspensão e do leito por meio de batimetria. Também é
fundamental a medida da carga de fundo em estudos sedimentológicos para
pequenos e médios reservatórios, uma vez que o sedimento grosso nunca
será descarregado pelos condutos e vertedouro, ficando depositado no
reservatório. Exceção se faz de pequena quantidade de areia ser
descarregada em ocasião de grande enchente (ANEEL, 2000).
Cidade e Meio Ambiente - 155

Um manancial desprovido de mata ciliar e indevidamente ocupado por


loteamentos irregulares, que são implantados na busca de máximo
adensamento em locais de difícil transposição e de alta declividade interna e
estabilidade precária desprovida de um plano de manejo ambiental,
possivelmente irá alavancar para o avanço do processo de assoreamento do
reservatório. Tais loteamentos ocorrem, geralmente, em áreas públicas
destinadas a parques e de difícil urbanização e muitas vezes em áreas de
mananciais. Além disso, “[...] as áreas de proteção são muito extensas. Isso
dificulta uma fiscalização mais atuante, pois depende exclusivamente dos
esforços dos governos” (ROSS, 2004, p. 198).
O compromisso institucional com a descentralização está diretamente
associado ao tamanho da complexidade das políticas públicas que envolvem
a manutenção dos recursos hídricos. Um passo significativo para essa
descentralização é municipalizar parte das ações estaduais, mas antes é
preciso pensar as políticas públicas em termos de rearticulação econômica,
focando em um projeto comum para todos os municípios do entorno do
Reservatório Billings. E ainda é necessária uma melhoria na avaliação das
políticas públicas, e que sejam implantadas de forma integrada entre as
instituições públicas, como previsto na Lei Específica da Billings (Lei
13.579/2008), cap. I, art. 2º, § 7º, ao afirmar que “Cabe ao Sistema de
Planejamento e Gestão da Área de Proteção e Recuperação de Mananciais-
Billings implementar a gestão tripartite, integrada, descentralizada e com
aporte financeiro, para construir instâncias na estrutura de gestão”.
Nesse sentido, a descentralização das políticas públicas poderia
priorizar a colaboração entre os setores públicos estaduais e municipais,
flexibilizando as relações, impedindo a rigidez da administração pública
tradicional. Com isso, é fundamental criar instituições com maior poder de
articulação e flexíveis à dinamização do território, integrando as ações
desempenhadas pela sociedade civil e as instâncias governamentais.
Os representantes da CETESB foram indagados sobre a existência de
propostas de trabalho em conjunto com as prefeituras que possuem áreas
nos mananciais do Reservatório Billings, no intuito de haver ações integradas
que viabilizem o monitoramento da qualidade das águas do reservatório.
Para constatar a existência de ações em conjunto entre a CETESB e as
prefeituras da região, foi indagado aos seus responsáveis:
156

A CETESB possui parcerias com municípios para o monitoramento do


índice de poluição das áreas localizadas nos mananciais da represa Billings?
Se afirmativa, que tipo de ações a CETESB desempenha?

Todos os respondentes foram unânimes ao afirmarem que não existe


nenhuma parceria com as prefeituras que possuem o seu território inserido
nos mananciais do Reservatório Billings.
As ações em conjunto durante a tomada de decisão poderiam
configurar práticas mais comuns entre os municípios que margeiam o
Reservatório Billings e as empresas públicas estaduais. No entanto, a
desarticulação entre as empresas públicas estaduais e as prefeituras se
perpetua inclusive na gestão do território.
O planejamento de políticas públicas deve ser pensado como um
processo contínuo que perdura por diferentes administrações
governamentais e não se reduzindo a um produto técnico. A dissociação entre
a elaboração e a implementação no processo do planejamento faz que com
os resultados sejam fracassados (OLIVEIRA, 2006).
O principal condicionante para o fracasso na implementação dos
planos está no não comprometimento em seguir o plano estabelecido por
atores políticos de governos anteriores que se encontram no presente, além
de contarem com uma série de carências do ponto vista técnico (como falta
de recursos humanos qualificados, motivados e experientes) que muitas
vezes se depara com desarticulações entre as instituições da mesma esfera
governamental.
Nesse sentido, a poluição do Reservatório Billings transpõe os limites
municipais, fazendo com que qualquer proposta de recuperação das áreas
degradadas necessariamente seja implantada por meio de políticas públicas
articuladas entre os municípios da Região Metropolitana de São Paulo
inseridos nos domínios territoriais na bacia do Reservatório Billings. As
políticas públicas desarticuladas permitem que o planejamento de um
município seja distinto dos demais planejamentos municipais de uma mesma
região, o que permitiu que algumas áreas de mananciais caracterizadas como
rurais passassem a ser áreas de uso urbano, favorecendo a ocupação
adensada e descriteriosa do solo.
Cidade e Meio Ambiente - 157

Das nascentes do Reservatório Billings brotava aproximadamente 22


m³/s que garantiam o aporte hídrico em momentos de maior escassez
pluviométrica. Atualmente essa vazão reduziu para menos de 14 m³/s em
função do assoreamento dos seus afluentes a aterramento de suas nascentes
promovidas pelas ocupações nos mananciais do reservatório. Esse fator
compromete ainda mais a vazão de 157 m³/s, necessária para o
funcionamento ótimo da Usina Henry Borden (EMAE, 2009).
A falta de vazão no reservatório que abastece a Usina Henry Borden
gerou o não faturamento de R$ 3,67 bilhões entre os anos de 1993 a 2008,
devido aos comprometimentos ambientais que poderiam ser solucionados
por meio dos lucros obtidos na geração de energia elétrica (GRAMULIA,
2009).
O Pró-Billings – Programa de Recuperação da Bacia do Reservatório
Billings tem a perspectiva de reduzir os passivos ambientais no Reservatório
Billings por meio de propostas de trabalho que visam ao tratamento dos
efluentes gerados no município de São Bernardo do Campo.
As propostas de trabalho voltadas para a revitalização do Reservatório
Billings necessariamente deveriam atingir todos os municípios inseridos nos
mananciais do Reservatório Billings por meio de ações governamentais, de
maneira a integrar as empresas públicas estaduais que fazem uso do
Reservatório Billings e as prefeituras da região. Para constatar a aplicabilidade
das respectivas propostas de trabalho em nível intermunicipal, foi feita a
seguinte pergunta aos responsáveis da SABESP:

O Pró-Billings (programa que visa à despoluição do Reservatório


Billings) possui financiamento do governo japonês (JICA – Japan Internacional
Cooperation Agency) e a contrapartida da SABESP. Nesse programa existe o
interesse de universalização da rede coletora dos esgotos (inclusive em alguns
municípios que são operados por empresas autônomas, que nem sempre
fazem parceria com a SABESP, gerando problemas com a extensão e conexão
das redes). Quanto ao gerenciamento desses problemas metropolitanos,
serão tratados de forma "metropolitana", ou apenas pontuais? Quais os
empecilhos para sua concretização?
158

Na ótica de RS1 o Pró-Billings é um programa que a Sabesp incorporou


da prefeitura de São Bernardo do Campo, tendo as suas propostas de trabalho
contempladas apenas pelo município de São Bernardo do Campo, embora a
bacia do Reservatório Billings envolva outros municípios do Grande ABC. E
ainda afirma que:

Os problemas metropolitanos merecem uma reflexão maior e são de


origem política, para você fortalecer o ente metropolitano, num
primeiro momento o estado necessariamente precisa dividir poder e
recursos, portanto é uma equação delicada para quem cede (RS1).

Essa ideia foi corroborada em RS2, ao reiterar que as obras do Pró-


Billings acontecem apenas no município de São Bernardo do Campo, e a
participação dos municípios vizinhos se concentraram apenas nos estudos
técnicos, não ocorrendo ações em conjunto para a recuperação do
Reservatório Billings.
É possível que o Pró-Billings seja uma reprodução do SANEGRAN, pois
as questões que envolvem o saneamento estão fora do caráter das políticas
públicas intermunicipais, visto que o projeto atende somente ao município de
São Bernardo do Campo. Isso faz com que sejam insustentáveis os
planejamentos construídos dentro de políticas públicas desarticuladas entre
governos municipais de uma mesma região.
O planejamento inclui um comportamento que articula com todas as
esferas da sociedade, com o objetivo de manter o equilíbrio do meio
ambiente. Por isso, é necessário responsabilizar todos os municípios da
Região Metropolitana de São Paulo pela poluição emitida ao Reservatório
Billings, para que os passivos ambientais sejam reduzidos pela regeneração
natural dos ecossistemas.

6 CONCLUSÃO

Os maiores indutores de poluição do Reservatório Billings partem da


degradação ambiental da bacia do Alto Tietê e da ocupação adensada e
descriteriosa presente na sua bacia de captação direta que excede a
capacidade de suporte ambiental da sua área de manancial, comprometendo
Cidade e Meio Ambiente - 159

os usos múltiplos do reservatório e prejudicando progressivamente a


utilização do recurso hídrico para o abastecimento público e aproveitamento
energético. Essa ocupação irregular oriunda da falta de planejamento foi
induzida pela falta de uma política habitacional que privilegie a ocupação de
áreas com condições sanitárias favoráveis.
Nesse sentido, a ocupação dos mananciais do reservatório deveria vir
seguida de uma reorganização territorial urbana em comum para todos os
municípios que se encontram em área de mananciais, garantindo ao máximo
a preservação e a recuperação das nascentes do Reservatório Billings.
Os responsáveis da CETESB, EMAE e SABESP evidenciaram a
importância de alguma instituição pública que desenvolva um
monitoramento periódico do avanço do assoreamento no Reservatório
Billings, visto que este passivo ambiental é o principal indicador que define a
expansão da ocupação adensada e descriteriosa dos mananciais do
Reservatório Billings.
Dentro da realidade do grau de desenvolvimento é necessário que haja
capacidade de organização institucional articulada de forma adequada com
as demais instituições. Exercer ações compartilhadas é estimular parcerias
entre operadores de usinas hidrelétricas, empresas de saneamento, entidade
públicas (federais, estaduais e municipais), a fim de tornar concretas as
propostas de preservação do reservatório.
A desarticulação entre as empresas controladas pelo governo estadual
contribui para redução da vida útil do reservatório, isso reflete diretamente
no funcionamento da Usina Henry Borden, que teve a sua produção reduzida
em função dos passivos ambientais presentes no reservatório que garante a
vazão necessária para o funcionamento das suas turbinas.
A falta de fiscalização para o cumprimento das leis ambientais
contribuiu para a degradação dos mananciais do Reservatório Billings,
acompanhado de políticas públicas desarticuladas que permitiram que o
adensamento urbano atingisse as áreas que deveriam ser preservadas. Essa
fiscalização deveria ser feita de maneira uniforme de forma compatibilizada
entre os municípios que estão inseridos nos domínios territoriais do
Reservatório Billings.
Foi possível constatar que os projetos na área do saneamento não são
compreendidos como políticas de Estado, mas como políticas de governo,
160

pois sofrem profundas mudanças com a alternância do poder executivo, as


quais dificilmente resultam em soluções para os conflitos pelo uso dos
recursos hídricos.
As políticas públicas em prol do Reservatório Billings deveriam ser
integradas, pois uma bacia hidrográfica não deve ser concebida de forma
fragmentada. Para que isso ocorra são necessárias ações integradas entre as
empresas controlas pelo governo estadual e as prefeituras que visem à
redução dos passivos ambientais na bacia do Alto Tietê e nos mananciais do
Reservatório Billings. Dessa forma, será possível resgatar o funcionamento
ótimo da Usina Henry Borden, garantindo os múltiplos usos do Reservatório
Billings.

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Cidade e Meio Ambiente - 163

Capítulo 9

AGRICULTURA URBANA E POLÍTICAS PÚBLICAS:


EXIGÊNCIAS DA CIDADE CONTEMPORÂNEA

Eloisa Carvalho de Araujo39


Fabíola Dornelles Torres Machado40

1 INTRODUÇÃO

O tema aqui exposto pretende abordar a agricultura urbana em um


contexto da cidade contemporânea, considerando inquietações que regem a
formulação e o acompanhamento de políticas públicas associadas a uma
estratégia de sustentabilidade urbana.
Em 1992, Milton Santos, em sua obra 1992: A Redescoberta da
Natureza, nos apresentou reflexões sobre a criação da natureza social,
respaldada na vontade de renovar sempre, a partir de uma atitude
continuada. Para o autor, as questões do meio ambiente precisam ser levadas
em consideração, sem, no entanto, deixar que a gestão técnica e racional
conduza ao fim da criatividade e da originalidade. Ela deve ocupar, de forma
articulada e compromissada, o entendimento de que representar a natureza
hoje significa situá-la em um contexto de interdisciplinaridade.
A agricultura urbana corresponde a uma diversidade de campos e
manifestações que nos instiga a conhecer sua adesão como política pública
no Brasil recente. Como essa ideia vem sendo plantada como instrumento de
planejamento? Que práticas, nesse campo, vêm emergindo da luta particular
de lugares e atores sociais?

39 Arquiteta e Urbanista. Doutora em Urbanismo e Mestre em Geografia pela UFRJ. Professora


da Escola de Arquitetura e Urbanismo, do Curso de graduação e Pós-graduação em Arquitetura
e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense. eloisa.araujo@gmail.com
40 Arquiteta e Urbanista. Formada pela UFRGS. Mestranda do PPGAU/UFF.
fabidtm@hotmail.com
164

Nessa perspectiva, a pesquisa em curso inicialmente pautou-se em


contribuir para a reflexão sobre as necessidades sociais, individuais e
coletivas apreciadas à luz da agricultura urbana. Necessidades capazes de
gerar transformações no espaço e na vida cotidiana, proporcionando novos
modos de vida, de apropriação, uso e significado do território.
Posteriormente, a pesquisa deparou-se com a investigação sobre o universo
das políticas públicas urbanas, com a factibilidade das ideias se tornarem
visíveis, palpáveis e assimiláveis pela população.
É importante ressaltar que políticas urbanas são consideradas, por
muitos autores, como um conjunto de proposições de âmbito do poder
público na perspectiva de atuar nas práticas sociais. Correspondem,
geralmente, a um conjunto de ações que implicam no alcance de metas, de
objetivos, de diretrizes e procedimentos que orientam a atuação do poder
público (ALVIM et al., 2010). Assim sendo, entendemos que as políticas
públicas voltadas para a agricultura urbana devem surgir de forma a valorizar
as necessidades sociais e de transformação do espaço urbano que surgem das
demandas dos habitantes e da cidade contemporânea.
Lovo (2011) fala que as oportunidades políticas para a agricultura
urbana surgem de fissuras na estrutura hegemônica:

O potencial da ação coletiva em torno do campo da agricultura urbana


é influenciado pelas estruturas de oportunidades políticas que
surgem. Por sua vez, essas oportunidades políticas são consequência
de fissuras que aparecem na estrutura hegemônica dos processos de
gestões das cidades, como por exemplo, o uso de um espaço vazio com
práticas de agricultura ou ainda a solução de um problema da gestão
urbana com estratégias de agricultura urbana, que podem levar à
abertura do sistema político institucionalizado para o tema da
agricultura urbana. (LOVO, 2011, p. 129-130).

Para a autora, combinar local e cotidiano, em um contexto de um


sistema político institucionalizado, é o que deve ser enfatizado nas análises
de projetos e políticas públicas, seja pelo viés das estratégias seja pelo leque
de atores envolvidos, ou, ainda, pelos resultados alcançados.
Desse modo cabe enfatizar ações que vêm introduzindo novas
vivências nos espaços urbanos de muitas de nossas cidades, consolidando-se
Cidade e Meio Ambiente - 165

como uma prática no campo do direito à cidade41. De acordo com Giacchè et


al. (2015), essas vivências depararam-se com a procura da classe média pelas
periferias, como um espaço fundamental para a produção de alimentos. Por
outro viés, recentemente a articulação de movimentos comprometidos com
a transformação da cidade nos proporcionou conviver com ativismos em prol
da agricultura urbana42. Para os referidos autores, o uso coletivo do espaço
público como uma prática social, a partir de uma relação instituída com o
significado de produzir alimentos, pode também assumir um caráter
pedagógico.
Com esse entendimento, também salientamos a contribuição dos
estudos de Ortner (2007) sobre a teoria da prática. Para o autor, o fazer de
forma coletiva significa acolher ações de pessoas comuns, dentro de um
contexto de diversidade, envolvendo múltiplas dimensões associadas às
práticas que revelam estratégias de resistência e liderança, intenções de vida
e saberes, possibilitando caminhos nos quais as ações coletivas se
sobressaem no campo das transformações sociais.
Nesse contexto, as experiências que aqui pretendemos compartilhar
ganham destaque em sua capacidade de potencializar a criação de uma
natureza social. E por este viés este artigo vem sublimar a importância de
refletir sobre práticas de políticas públicas, cujo desenho institucional
reafirme o interesse no diálogo entre o rural e o urbano, entre o caráter
temporário ou permanente da ação, entre pensar e educar, apoiadas em
estratégias de gestão de cidades que se apoiem na agricultura urbana.

2 POR QUE A AGRICULTURA URBANA É UM TEMA ATUAL?

A produção de alimentos nas cidades parece ser um tema novo e atual,


pois costumamos entender a agricultura como uma atividade essencialmente

41 Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Agricultura-


urbana-ativismo-e-direito-a-cidade/3/33932>. Acesso em: 6 maio 2017.
42 Experiências como o Movimento Urbano de Agroecologia de São Paulo (MUDA-SP). Também

as Hortelões Urbanos, assim como o Movimento Horta di Gueto e muitos outros experimentos
no campo das hortas comunitárias, podem ser destacados como práticas presentes nas cidades
contemporâneas, em especial na segunda década do século XX. Tais informações estão
disponíveis no link: <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Agricultura-
urbana-ativismo-e-direito-a-cidade/3/33932>. Acesso em: 6 maio 2017.
166

rural enquanto a vida nas cidades, como diz Tuan (2013), é marcada pelo
distanciamento do campo, do ritmo da agricultura e da natureza. No entanto,
é necessário compreender que esse não é um tema novo. A formação de
cidades sempre esteve relacionada com a prática da agricultura, de acordo
com Morán e Aja (2011). Para os autores, os primeiros assentamentos
humanos sedentários no Neolítico só foram possíveis graças ao
desenvolvimento das técnicas agrícolas. Já Smit et al. (2001) apontam que
existem relações entre a agricultura e a forma como diferentes sociedades
criaram as suas cidades.
O afastamento da produção de alimentos do ambiente urbano surgiu
após a Revolução Industrial, com o desenvolvimento dos meios de transporte,
capazes de abastecer as cidades com alimentos e outras necessidades básicas
vindas de longas distâncias (NAGIB, 2016). Foi nesse período que a agricultura
se distanciou das cidades e as áreas verdes passaram a ter somente funções
ornamentais, de recreação e de higienização. Contudo, essa separação não
pode ser considerada definitiva, pois em períodos de crise a agricultura volta
a ter um papel importante no ambiente urbano das cidades.
Na primeira parte do século XX a história da agricultura urbana está
relacionada com as guerras mundiais, pois com a dificuldade de distribuição
dos alimentos as cidades precisaram se adaptar e produzir o seu alimento
(MORÁN; AJA, 2011). A literatura direcionada ao tema aponta que excelentes
resultados voltados ao incentivo da produção de alimentos puderam ser
vivenciados em países europeus (HOWE et al., 2005a). Já os Estados Unidos,
apesar de não terem sido afetados tão diretamente como a Europa, também
criaram um comitê para tratar do assunto, pois ao produzirem os alimentos
na cidade conseguiam economizar com materiais e transporte e assim
podiam transferir estes recursos para a guerra (MORÁN; AJA, 2011).
Na década de 1990, com o fim da União Soviética e com o embargo
econômico, Cuba sofreu com a dificuldade de alimentar a população, pois
75% dos seus alimentos provinham de importação e mesmo o que era
produzido no país sofria com a dificuldade de transporte (DÍAZ, HARRIS,
2005). Nesse momento, o país “[...] adentrou em uma crise severa,
comumente conhecida como Período Especial” (NOVO; MURPHY, 2000, p.
330, tradução nossa). Como alternativa, o governo incentivou a população a
usar todo o espaço livre para a produção de alimentos (DÍAZ, HARRIS, 2005).
Cidade e Meio Ambiente - 167

A ideia era a implantação de um programa de agricultura produzido na


comunidade, pela comunidade e para a comunidade. Para o sucesso do
programa de agricultura urbana em Cuba foi decisivo o incentivo do governo
e o alto nível de educação da população (NOVO; MURPHY, 2000).
A importante repercussão do tema na atualidade surge novamente
como resposta à crise, no entanto, hoje não há uma só questão a ser
considerada, mas sim diversas. A crise ambiental, econômica e dos espaços
urbanos, além do aumento da pobreza e da fome nas cidades são
preocupações atuais e que podem se beneficiar com a inclusão da agricultura
nas cidades. De acordo com Dubbeling et al. (2010), as recentes crises
econômicas fizeram os governos perceber que a segurança alimentar é uma
questão importante que necessita de políticas públicas.
A agricultura urbana, segundo Bourque (2000), está crescendo nos
setores mais pobres da sociedade como resultado das desigualdades sociais,
pois a pobreza no contexto neoliberal, com o enfraquecimento das redes de
segurança social dos trabalhadores, tem incentivado novos movimentos de
agricultura urbana. Já para Howe et al. (2005b) a insegurança alimentar e as
dietas deficientes nas cidades têm relação com a dificuldade de acesso aos
alimentos frescos. Grande parte dessa dificuldade recai sobre a população
mais pobre, pois, de acordo com Wiskerke (2015), essa dificuldade tem
grande relação com o preço dos alimentos.
As crises sanitárias e a produção nos padrões da agroindústria 43
incentivaram, na Europa, diferentes formas de produção do alimento e da sua
comercialização através de short food supply chain44, favorecendo a
produção, distribuição e consumo de alimentos no âmbito urbano (Bon et al.,
2015).
Nesse sentido, Nugent (2000) aponta que os agricultores urbanos na
Europa e na América do Norte buscam com esta prática, além do alimento
orgânico e mais saudável, as interações sociais e os benefícios recreativos que
o contato com a natureza pode proporcionar. O que ressalta que a produção

43Baseada no uso intensivo de fertilizantes químicos, agrotóxicos e transgênicos.


44
De acordo com Bon et al. (2015), trata-se de uma cadeia curta de abastecimento de alimentos
visando a admitir configurações diversas, envolvendo produtores, comércio, agricultura apoiada
pela comunidade e grupos solidários a contribuir na cadeia de abastecimento alimentar.
168

de alimentos tem o potencial de beneficiar a todas as classes sociais, não


somente aos que são afetados pela insegurança alimentar.
Na atual crise ambiental, fortemente influenciada pelas mudanças
climáticas, mostra ser necessário repensar a forma de planejar as cidades,
para que elas possam trazer menos impactos ao meio ambiente. A inclusão
ou o aumento das áreas verdes nas cidades é uma das soluções utilizadas, no
entanto, os benefícios ambientais da produção de alimentos nas cidades
extrapolam os benefícios das áreas verdes45.
Inserido no contexto ambiental, Smit et al. (2001) ressaltam que a
agricultura urbana contribui para reduzir o problema de depósito de lixo. Com
a produção de alimentos no espaço urbano, o composto orgânico pode ser
visto como um recurso e não mais como um problema, pois, através da
compostagem, ele pode ser transformado em adubo e utilizado na produção
de alimentos. Dessa forma a cidade pode funcionar como um circuito
fechado, no qual é capaz de produzir alimento e dar um uso ao lixo ao em vez
de descartá-lo em aterros sanitários.
Deelstra e Girardet (2000) apresentam a possibilidade de redução da
pegada ecológica46 da cidade como grande incentivo à produção local de
alimentos. Já Wiskerke (2015) sinaliza que 40% do que é produzido no mundo
não é consumido, em função das perdas durante a produção, estoque,
transporte e também o desperdício dos que compram esses produtos. Para o
autor, a aproximação da produção com o seu ponto de consumo tem o
potencial de reduzir o lixo gerado no atual sistema de produção e facilitar o
acesso ao alimento, podendo melhorar a segurança alimentar nas cidades.
Com esse propósito, Matos (2010), associa o desejo de devolver à
cidade o sentido ecológico ao proporcionar identidade aos espaços,
oportunizando através de ações práticas às cidades um enfoque que
considere também a produção de alimentos. Corroborando com esta visão,

45Redução de CO2, dos ruídos, das partículas de poeira; aumento da permeabilidade do solo e da
biodiversidade; melhora no microclima urbano, etc.
46 Em linhas gerais o termo significa a contabilização de recursos naturais renováveis. Mas

segundo Fabiano Scarpa, do programa internacional Global Land Project, um estilo de vida que
compromete o futuro conclama pela redução da pegada ecológica. In: JUSTINO, Guilherme. Saiba
o que é a pegada ecológica e como reduzir os danos ao planeta. Disponível em:
<http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/planeta-ciencia/noticia/2014/06/saiba-o-que-e-a-pegada-
ecologica-e-como-reduzir-os-danos-ao-planeta-4518658.html>. Acesso em: 13 maio 2017.
Cidade e Meio Ambiente - 169

autores como Arruda (2011) e Porto e Giacchè (2015) destacam que a


agricultura urbana compreenderia hoje tanto um enfoque na transição
agroecológica como também em um sistema de economia popular solidária,
em um contexto de atividade de empreendedorismo socioambiental.
Além dos benefícios citados acima, Veenhuizen (2006) vislumbra que
o incentivo ao maior conhecimento sobre o tema na atualidade, está
relacionado ao crescimento acelerado da população urbana, acompanhado
da pobreza e da fome nas cidades, ao aumento da investigação sobre o
assunto, a atenção voltada à formulação de políticas no campo da agricultura
urbana e à segurança alimentar nas cidades, por organizações internacionais
como a Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO),
United Nations Development Programme (UNDP) e United Nations Human
Settlements Programme (UN-Habitat), além do aumento potencial da
capacidade da agricultura urbana, em nível transescalar.
Apesar da repercussão e do incremento das práticas, pesquisas e
políticas públicas voltadas ao tema, o cenário nacional de políticas para a
agricultura urbana ainda é muito incipiente. A atividade começou a ser
apoiada somente a partir de 2004 pelo Ministério de Desenvolvimento Social
(MDS) (MATTOS et al., 2015).
Somente no ano de 2007 são analisadas, pela primeira vez, diretrizes
políticas para a agricultura urbana no país, através da pesquisa de Santandreu
e Lovo (2007) que resultou no documento “Panorama da agricultura urbana
e periurbana no Brasil e diretrizes políticas para a sua promoção”. Este
importante documento analisa 160 atividades de agricultura urbana
existentes em 11 regiões metropolitanas do país. A quantidade e a
diversidade das práticas de produção de alimentos nas cidades retratadas no
documento mostram que, apesar do pouco apoio político, a atividade existe
e resiste no território brasileiro.
Contudo, no ano de 2012, mudanças no governo federal
interromperam as ações no campo da agricultura urbana. Como forma de
reativar o debate, a comissão permanente do Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) criou um grupo de trabalho
sobre agricultura urbana e elaborou um documento para tratar da construção
de política nacional de agricultura urbana, o “Subsídio para uma Política
Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana (PNAUP)” (MATTOS et al., 2015).
170

Além do apoio do CONSEA, em 2015, o deputado federal Padre João


(PT-MG) apresentou uma proposta de projeto de lei para a construção de
uma política nacional de agricultura urbana47.
As diferentes abordagens acima expostas reafirmam a potência que a
agricultura urbana tem de proporcionar às cidades uma prática social focada
para a necessidade de cada região, integrada à gestão urbana das cidades na
perspectiva do planejamento urbano e regional.

3 QUAL O POTENCIAL DO ESPAÇO PÚBLICO PARA A AGRICULTURA


URBANA?

A agricultura urbana pode ser intra ou periurbana, ela pode ocupar


parques, praças, áreas de conservação e locais que não são apropriados para
a construção, estar junto a rios, estradas e linhas de trem e também pode
ocupar espaços semipúblicos como escolas e hospitais (DUBBELING et al.,
2010). Bohn e Viljoen (2005) afirmam que a agricultura urbana48 pode ter
qualquer forma e ocupar qualquer lugar dentro da cidade, jardins, parques,
esquinas, ruas, etc., propiciando o elo entre o urbano e o rural.

Áreas urbanas cujo vazio é devido a uma espécie de absentismo,


principalmente quando confrontado com a matriz sócio urbana da
cidade de que faz parte. [...] São áreas que, por determinada razão,
deixaram de ter um propósito só por si. Elas existem de um modo
residual – latente ou expectante – na sua inconsequência urbana.

47A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos


Deputados aprovou a criação da Política Nacional de Agricultura Urbana, prevista no Projeto de
Lei 906/2015. Entre seus objetivos estão a articulação da produção de alimentos na cidade com
programas de alimentação escolares, em restaurantes populares, estabelecimentos prisionais,
entre outros. Disponível em: <http://www.coad.com.br/home/noticias-
detalhe/69529/comissao-aprova-politica-nacional-de-agricultura-urbana>. Acesso em: 12 maio
2017.
48 O projeto de agricultura urbana proposto por estes autores é o chamado Continuous

Productive Urban Landscape (CPUL) (paisagem urbana produtiva contínua). Na obra em


referência, de 2005, o tema apresenta-se como uma nova forma de projetar a cidade para incluir
a produção de alimentos nos espaços abertos urbanos. Sua concepção prevê a interligação dos
espaços abertos para criar uma infraestrutura urbana produtiva na forma econômica, social e
ecológica e promover uma conexão com o campo. Disponível em:
http://library.uniteddiversity.coop/Food/Continuous_Productive_Urban_Landscapes.pdf; e
<http://arts.brighton.ac.uk/research/sustainability-network/cpul>. Acesso em: 13 maio 2017.
Cidade e Meio Ambiente - 171

Surgiram, por exemplo, com o desuso de determinadas funções [...].


(MATOS, 2010, p. 144).

Para Matos (2010), as vantagens de uso dos espaços residuais para a


agricultura urbana, em função das oportunidades que esses espaços e essa
atividade apresentam para a renovação, sustentabilidade urbana e também
para a revitalização cultural e social da cidade, têm conteúdo socioambiental.
A referida autora considera importante criar um uso intencional aos espaços
verdes, pois eles têm um elevado potencial na estrutura e coesão da cidade,
mas atualmente são reduzidos a um índice nas estatísticas municipais. Por
outro lado, a autora salienta que a viabilidade de tais iniciativas pressupõe a
cooperação entre organizações públicas e coletividades e que estas devem se
dar de forma integrada.
A partir das visões acima expostas, ressaltamos que as paisagens
urbanas produtivas, apregoadas por Bohn e Viljoen (2005) e Matos (2010),
estão associadas à reconstrução da natureza. Elementos da estrutura urbana,
como parques e jardins, muitas vezes entendidos como elementos naturais,
quando apropriados pela agricultura urbana, podem vir a representar a ideia
do campo. A agricultura urbana, enquanto natureza social, como
representação do campo na cidade.
No Brasil, temos como exemplo na utilização dos espaços residuais
para a agricultura as linhas de alta tensão que, por questões de segurança,
não podem ter construções próximas. Muitas vezes, as próprias empresas
geradoras de energia incentivam a produção de alimentos nesses espaços,
pois elas surgem como alternativa para evitar o acúmulo de lixo, coibir as
ocupações irregulares de alto risco e também como forma de
responsabilidade social da empresa. Surgem em um contexto de prover o
abastecimento local49.
Os ambientes escolares também são ótimas opções de local para a
produção de alimentos, visto que podem proporcionar aos alunos a formação
de hábitos alimentares, informá-los sobre os meios de produção de

49Terrenos vazios viram fonte de alimento para comunidades da periferia de SP – Projetos


auxiliam vizinhos a transformar terrenos baldios em hortas orgânicas, criando fontes de trabalho
e produzindo alimentos frescos e saudáveis para bairros carentes. BREDA, Tadeu. RBA. Vazios
que enchem a barriga. Publicado 02/04/2013, última modificação 17/07/2013. Disponível em:
<http://www.redebrasilatual.com.br/cidades/2013/04/vazios-que-enchem-barriga>. Acesso
em: 7 maio 2017.
172

alimentos, além de ser uma ferramenta para a educação ambiental, conforme


Silva e Fonseca (2011, p. 36-37) vislumbram:

[...] é associada a diversos aspectos da educação ambiental, ao


reconhecimento dos processos de produção de alimento, à
valorização dos trabalhadores do setor, ao seu potencial
interdisciplinar, ao oferecimento de vivências não proporcionadas no
ambiente doméstico urbano e, ainda, como contribuinte para a
formação de hábitos alimentares, a melhoria das relações
interpessoais, a inclusão de atividade física no processo de
aprendizagem e na quebra de preconceitos em relação a essa
modalidade de trabalho.

No campo das ações de caráter pedagógico, as hortas escolares


tendem a proporcionar uma multiplicidade das formas de aprendizado.
Articulando e integrando métodos e recursos diversos e complementares de
aprendizagem, tendem a sensibilizar, criar comportamentos e atitudes no
âmbito de uma natureza social.
Segundo o portal do Ministério da Educação50, o Brasil vem
incentivando, através de parcerias com municípios, práticas de ensino que
adotam as hortas urbanas como ferramenta nuclear de transformação
comportamental, seja pelo viés da conscientização sobre o meio ambiente,
seja através de programas de segurança alimentar. O aprendizado a partir
desse mote, com experiências bem-sucedidas pode vir a melhorar a qualidade
de vida de alunos, suas famílias e propiciar uma corrente de ações
relacionadas ao cuidado com a vida, com a cidade, com o país e com o mundo.
Ainda segundo o referido portal, projetos conduzidos pelas prefeituras
municipais, nas escolas, com pequenos jardineiros, são capazes de gerar
atitudes diferenciadas em relação a novos hábitos alimentares, com a adesão
à agricultura urbana orgânica, tendo as crianças como multiplicadores dessa
transformação.

Figura 1: Horta urbana agroecológica

50 Ministério da Educação. Disponível em:


<http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/33451>. Acesso em: 26 nov. 2017.
Cidade e Meio Ambiente - 173

Fonte: Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia, Teutônia/RS, ago. 2015.


Disponível em:
<https://www.google.com.br/search?q=Imagem+horta+Centro+de+Apoio+e+Promoção+da+Ag
roecologia+-+Teutônia/RS+-+agosto+de+2015>. Acesso em: 13 de maio 2017.

As praças públicas e espaços livres públicos vêm sendo bordados por


iniciativas de comunidades locais. Essas iniciativas se envolvem menos com a
produção de alimentos e buscam na articulação e criação de ações que
rompem o isolamento uma potencial estratégia para práticas de
convivência51, de natureza social.

Figura 2: Horta urbana espaços livres públicos

51Os lugares se sobressaem e as cidades ganham novos significados. Numa tentativa de trazer o
campo para a cidade, as hortas proporcionam compartilhamento de experiências coletivas.
“Cinza que te quero verde: vizinhos usam praças para fazer São Paulo menos hostil – Sem se
preocupar em produzir alimentos, cidadãos conseguem se articular e criar ações que rompem
isolamento e garantem boa convivência”. BREDA, Tadeu. Cinza que te quero verde. RBA
publicado 05/04/2013 12h07, última modificação 17/07/2013. Disponível em:
<http://www.redebrasilatual.com.br/cidades/2013/04/cinza-que-te-quero-verde-vizinhos-
usam-pracas-para-fazer-de-sao-paulo-lugar-menos-hostil>. Acesso em: 7 maio 2017.
174

Fonte: Eloísa Araújo. Bairro Portuário, Aarhus, Dinamarca, ago. 2016.

As coberturas de edifícios também são alternativas utilizadas nas


cidades para a produção de alimentos, pois também trazem vantagens ao
edifício, como o conforto ambiental e acústico do mesmo. No entanto, na
maioria das vezes, é vista como uma alternativa particular.
Qualquer espaço urbano possui potencial para a agricultura, no
entanto, segundo Dubbeling, Zeeuw e Veenhuizen (2010), há uma
preocupação de como a agricultura pode conviver com a dinâmica
competitiva do mercado imobiliário urbano, por isso é necessário que ela seja
protegida por normas e programas que assegurem a sua legitimidade e
importância. Além disso, é importante que ela integre o planejamento urbano
para que os espaços produtivos possam interagir com as áreas já consolidadas
da cidade e com os seus habitantes, de forma a maximizar seus benefícios e
proteger os agricultores.
Recentemente, a cidade de Niterói anunciou seu programa de
Agricultura Urbana52. Com uma abordagem político-institucional o programa
em referência se revela como articulador entre produção de alimentos,
melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente, criação de espírito

52Com o intuito de promover através do desenvolvimento de hortas comunitárias a criação de


espaços voltados para a prática de horticultura em terrenos ociosos e áreas públicas. Disponível
em: <https://www.smarhs.niteroi.rj.gov.br/single-post/2017/02/06/Programa-de-Agricultura-
Urbana-em-Niter%C3%B3i>. Acesso em: 5 maio 2017.
Cidade e Meio Ambiente - 175

comunitário e qualificação do espaço público. Pretende ainda o programa


atuar no campo educativo, proporcionando ações de capacitação.
A produção de alimentos nas cidades ainda precisa ultrapassar os
estigmas de que esta é uma atividade somente rural para que possa ser aceita
por um maior número de habitantes. Contudo, existem movimentos de
criação de hortas comunitárias nas cidades que comprovam que uma parte
da população já entende os benefícios da agricultura nas cidades e, mesmo
sem o apoio dos governos, querem fazê-los presentes nas suas vidas. No
entanto, esses movimentos sofrem resistência de outra parcela da
população.
A educação e o esclarecimento das vantagens que essas atividades
podem trazer são essenciais para que o preconceito diminua e as hortas
possam ser difundidas nas cidades, portanto, incluir a agricultura no
planejamento urbano e nas políticas públicas é uma excelente forma de
educação, aceitação e incentivo dessa prática na cidade contemporânea.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sentido da formulação de políticas públicas, tendo como


protagonismo de um lado o Estado e de outro a sociedade ganha amplitude
na atualidade à medida que busca responder aos desafios urbanos e
possibilitar a análise de possíveis caminhos nos quais as ações coletivas se
sobressaem no campo das transformações sociais. Nessa perspectiva, o
presente artigo vem por colocar em pauta, como exigência da cidade
contemporânea, a importância da agricultura urbana no sentido de contribuir
para o desenvolvimento sustentável do território. Prioridades no campo do
combate à pobreza, a inclusão social, à segurança alimentar, à qualificação
dos espaços produtivos urbanos, entre outros aspectos, exigem,
realinhamento com as novas demandas da sociedade.
Mecanismos propostos no sentido de adequação às transformações
urbanas vêm por requerer conhecimento das características locais, da
infraestrutura implantada ou a implantar, objetivos técnicos, instrumentos
normativos, incentivos urbanísticos, desenho e redesenho dos espaços
públicos além de critérios de valorização e apropriação da paisagem.
176

A formulação de políticas públicas no campo da agricultura urbana


pode sim propiciar uma revolução no âmbito político-administrativo,
possibilitando um pacto entre a cidade e o campo.
Esse olhar descortina um sem número de interações entre a
agricultura e a cidade à luz da cidade contemporânea, propiciando uma
simultaneidade de aproximações entre cidade e campo e entre urbano e o
ambiental. A possibilidade de novos arranjos socioespaciais e de novos
sentidos para os projetos urbanos, do esverdeamento do urbano, do
incentivo ao cultivo de alimentos, de práticas sociais coletivas associadas a
uma economia solidária, são aspectos que precisam ser decodificados por
quem formula política pública.
Nesse sentido as reflexões aqui apresentadas nos convidam a pensar
na necessidade de perceber a importância de inovar e adequar àquilo que nos
parece tão evidente, associar agricultura urbana ao planejamento urbano e
regional. E também contribuir para que as políticas públicas associadas sejam
capazes e eficientes para proporcionar as condições necessárias para que
práticas agroecológicas, em diferentes contextos urbanos, possam alcançar,
a partir da apropriação social dos recursos naturais, um ambiente de cidade
sustentável, de caráter mais permanente.
Uma agenda que tenha no seu conteúdo o entendimento de que a
representação da natureza pode sim na cidade contemporânea, a partir de
práticas coletivas e de convívio humano, estar associada à articulação da
agricultura com a economia, comprometida com a qualidade de vida e dos
espaços públicos.

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