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O Parque Sitiê na Favela do Vidigal: Um Novo Espaço (The Sitiê Park in the
Vidigal Favela: A New Space)

Chapter · December 2017

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2 authors:

Claudia Seldin Lilian Vaz


Technische Universität Berlin Federal University of Rio de Janeiro
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A Cultura nas Políticas Urbanas: Possibilidades de Seu Uso Como Instrumento de Desenvolvimento Social (Culture in Urban Policies: Possibilities of Its Use as an
Instrument of Social Development) View project

As Transformações na Agenda de Políticas de Espaços Públicos: Intenções, Intervenções, Efeitos (Transformations in the Agenda of Public Spaces: Intentions,
Interventions, Effects) View project

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Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 1

ORGANIZADORAS
Norma Regina Truppel Constantino
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin
Sandra Medina Benini

PAISAGEM
natureza, cultura e o imaginário

1a Edição

TUPÃ - SP
ANAP
2017
2

Editora
ANAP - Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos
Fundada em 14 de setembro de 2003
Rua Bolívia, nº 88, Jardim América,
Cidade de Tupã, Estado de São Paulo.
CEP 17.605-310
www.editoraanap.org.br
www.amigosdanatureza.org.br
editora@amigosdanatureza.org.br

Editoração e Diagramação da Obra


Sandra Medina Benini; Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin

C758p Paisagem: natureza, cultura e o imaginário / Norma Regina Truppel


Constantino, Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin, Sandra Medina
Benini (org.) – Tupã: ANAP, 2017.

112 p ; il. Color. 21,0 cm

ISBN 978-85-68242-65-0

1. Paisagem 2. Ambiente 3. Cultura 4. Planjamento

I. Título.

CDD: 710
CDU: 710/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Planejamento urbano e paisagismo
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 3

Conselho Editorial Interdisciplinar

Profª Drª Alba Regina Azevedo Arana - UNOESTE


Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva
Prof. Dr. Alexandre França Tetto - UFPR
Prof. Dr. Alexandre Sylvio Vieira da Costa - UFVJM
Prof. Dr. Alfredo Zenen Dominguez González - UNEMAT
Profª Drª Alina Gonçalves Santiago - UFSC
Profª Drª Aline Werneck Barbosa de Carvalho - UFV
Profª Drª Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão - UFPA
Profª Drª Ana Lúcia Reis Melo Fernandes da Costa - IFAC
Profª Drª Ana Paula Santos de Melo Fiori - IFAL
Prof. Dr. André de Souza Silva - UNISINOS
Profª Drª Andrea Holz Pfutzenreuter - UFSC
Prof. Dr. Antonio Fábio Sabbá Guimarães Vieira - UFAM
Prof. Dr. Antonio Marcos dos Santos - UPE
Profª Drª Arlete Maria Francisco - FCT/UNP
Profª Drª Beatriz Ribeiro Soares - UFU
Prof. Dr. Carlos Andrés Hernández Arriagada
Profª Drª Carmem Silvia Maluf - Uniube
Profª Drª Célia Regina Moretti Meirelles - UPM
Prof. Dr. Cesar Fabiano Fioriti - FCT/UNESP
Prof. Dr. Cledimar Rogério Lourenzi - UFSC
Profª Drª Cristiane Miranda Martins - IFTO
Profª Drª Daniela de Souza Onça - FAED/UESC
Profª Drª Denise Antonucci - UPM
Profª Drª Diana da Cruz Fagundes Bueno - UNITAU
Prof. Dr. Edson Leite Ribeiro - Unieuro - Brasília / Ministério das Cidades
Profª Drª Eliana Corrêa Aguirre de Mattos - UNICAMP
Profª Drª Eloisa Carvalho de Araujo - UFF
Profª Drª Eneida de Almeida - USJT
Prof. Dr. Erich Kellner - UFSCar
Profª Drª Fátima Aparecida da SIlva Iocca - UNEMAT
Prof. Dr. Felippe Pessoa de Melo - Centro Universitário AGES
Profª Drª Fernanda Silva Graciani - UFGD
Profª Drª Flávia Akemi Ikuta - UMS
Profª Drª Flávia Maria de Moura Santos - UFMT
Prof. Dr. Francisco Marques Cardozo Júnior - UESPI
Prof. Dr. Frederico Braida Rodrigues de Paula - UFJF
Prof. Dr. Frederico Canuto - UFMG
4

Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai - UFSCar


Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira - UEMS
Profª Drª Gelze Serrat de Souza Campos Rodrigues - UFU
Prof. Dr. Generoso De Angelis Neto - UEM
Prof. Dr. Geraldino Carneiro de Araújo - UFMS
Profª Drª Gianna Melo Barbirato - UFAL
Prof. Dr. Glauco de Paula Cocozza - UFU
Profª Drª Isabel Crisitna Moroz Caccia Gouveia - FCT/UNESP
Prof. Dr. João Cândido André da Silva Neto - UEA
Prof. Dr. João Carlos Nucci - UFPR
Prof. Dr. João Roberto Gomes de Faria - FAAC/UNESP
Prof. Dr. José Aparecido dos Santos - FAI
Prof. Dr. Francisco de Carvalho Ferreira - UNIFAP
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Prof. Dr. Josep Muntañola Thornberg - UPC -Barcelona, Espanha
Profª Drª Josinês Barbosa Rabelo - UFPE
Profª Drª Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia - UFPB
Profª Drª Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro - FEA
Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia - UFPR
Profª Drª Karin Schwabe Meneguetti - UEM
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Profª Drª Lidia Maria de Almeida Plicas - IBILCE/UNESP
Profª Drª Lisiane Ilha Librelotto - UFS
Profª Drª Luciana Ferreira Leal - FACCAT
Profª Drª Luciana Márcia Gonçalves - UFSCar
Prof. Dr. Marcelo Campos - FCE/UNESP
Prof. Dr. Marcelo Real Prado - UTFPR
Profª Drª Márcia Eliane Silva Carvalho - UFS
Profª Drª Margareth de Castro Afeche Pimenta - UFSC
Profª Drª Maria Ângela Dias - UFRJ
Profª Drª Maria Ângela Pereira de Castro e Silva Bortolucci - IAU
Profª Drª Maria Augusta Justi Pisani - UPM
Profª Drª Maria Betânia Moreira Amador - UPE - Campus Garanhuns
Profª Drª Maria Helena Pereira Mirante – UNOESTE
Profª Drª Maria José Neto - UFMS
Profª Drª Maristela Gonçalves Giassi - UNESC
Profª Drª Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira - UFMT
Profª Drª Martha Priscila Bezerra Pereira - UFCG
Profª Drª Martha Priscila Bezerra Pereira - UFCG
Prof. Dr. Maurício Lamano Ferreira - UNINOVE
Profª Drª Natacha Cíntia Regina Aleixo - UEA
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 5

Prof. Dr. Natalino Perovano Filho - UESB


Prof. Dr. Nilton Ricoy Torres - FAU/USP
Profª Drª Olivia de Campos Maia Pereira - EESC - USP
Profª Drª Onilda Gomes Bezerra - UFPE
Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha - FCT/UNESP
Prof. Dr. Renan Antônio da Silva - UNESP - IBRC
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino - UNICAMP
Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara - UFSCar
Profª Drª Risete Maria Queiroz Leao Braga - UFPA
Prof. Dr. Rodrigo Barchi - UNISO
Prof. Dr. Rodrigo Gonçalves dos Santos - UFSC
Prof. Dr. Rodrigo José Pisani - UNIFAL-MG
Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho - UFGD
Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araujo - UFMA
Prof. Dr. Salvador Carpi Junior - UNICAMP
Prof. Dr. Sérgio Augusto Mello da Silva - FEIS/UNESP
Prof. Dr. Sergio Luis de Carvalho - FEIS/UNESP
Profª Drª Sílvia Carla da Silva André - UFSCar
Profª Drª Silvia Mikami G. Pina - Unicamp
Profª Drª Simone Valaski - UFPR
Profª Drª Tânia Paula da Silva - UNEMAT
Prof. Dr. Vilmar Alves Pereira - FURG
Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto - FCAE/UNESP
Prof. Dr. Xisto Serafim de Santana de Souza Júnior - UFCG
6
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 7

Sumário

Apresentação 09
Norma Regina Truppel Constantino

Capítulo 1 13
ÁREAS VERDES URBANAS: CONCEITOS, DESAFIOS E ESTRATÉGIAS
Ana Paula do Nascimento Lamano-Ferreira ; Kelly Chaves de Oliveira;
Heidy Rodriguez Ramos
Simone Aquino

Capítulo 2 35
CONTRIBUIÇÕES DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL PARA A GESTÃO DE
PARQUES URBANOS
Ana Paula do Nascimento Lamano-Ferreira; Milena de Moura Régis

Capítulo 3 47
O PARQUE SITIÊ NA FAVELA DO VIDIGAL: UM NOVO ESPAÇO
Claudia Seldin; Lilian Fessler Vaz

Capítulo 4 59
ASSENTAMENTO SÃO JOAQUIM E A QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA
DE SUAS ÁGUAS SUPERFICIAIS, SELVÍRIA/MS
André Luiz Pinto; Denivaldo Ferreira de Souza

Capítulo 5 73
PAISAGEM: NATUREZA, CULTURA E O IMAGINÁRIO NO QUILOMBO
MANDIRA (CANANEIA, SÃO PAULO)
Luciene Cristina Risso; Yume Kikuda Silveira; Gardênia Baffi de
Carvalho
8

Capítulo 6 89
ALBERTO LÖFGREN E O ESTUDO SOBRE OS NOMES POPULARES
DAS PLANTAS “INDÍGENAS” DO ESTADO DE SÃO PAULO (1894)
Marta Enokibara; Laís Bim Romero
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 9

Apresentação

É com grande prazer que apresentamos os textos que compõem este livro que trata
da paisagem a partir de sua relação com a natureza, a cultura e o imaginário, buscando,
através da discussão analítica, a indicação de caminhos para propostas e estudos futuros.
Não podemos deixar de lembrar que a paisagem é “o elemento onde a humanidade se
naturaliza e onde a natureza se humaniza (e se simboliza)”1. São trabalhos resultantes de
pesquisas elaboradas no âmbito de programas de pós-graduação, abrangendo áreas de
estudo diversas. Nesse sentido, as paisagens não são apenas vistas, enxergadas, mas sim
experimentadas em todos os sentidos. E essa experiência vivida é analisada nos capítulos a
seguir.
As pesquisadoras Ana Paula do Nascimento Lamano-Ferreira, Kelly Chaves de
Oliveira, Simone Aquino e Heidy Rodriguez Ramos analisam a gestão das áreas verdes
urbanas com a integração de políticas urbanísticas e ambientais, visando à priorização da
infraestrutura verde, a ampliação da regulamentação pública sobre a especulação imobiliária
e a criação de mecanismos que viabilizem projetos de longa duração. Para as autoras, a
praça – espaço público para o convívio social onde acontecem atividades religiosas, de lazer,
comerciais e políticas – tem a função de organização espacial. O mais comum é a adoção de
projetos-padrão, que são simplesmente replicados a cada nova praça. Observa-se que o
esvaziamento das praças é causado não só pela mudança da vida cotidiana, mas devido ao
surgimento de outras opções privadas de lazer, além do abandono desses espaços pelo
poder público. Os estudos de percepção ambiental se mostraram uma importante
ferramenta para auxiliar na compreensão da maneira como o indivíduo vê e sente
determinado espaço público, o que também pode explicar as suas ações e uso, auxiliando a
gestão desses espaços.
No capítulo 2, as pesquisadoras Ana Paula do Nascimento Lamano-Ferreira e Milena
de Moura Régis apresentam os resultados da pesquisa sobre as contribuições da percepção
ambiental na gestão de parques urbanos. Segundo as autoras, a percepção ambiental ocorre
por meio da cognição do frequentador e deve relacionar-se com o contexto ambiental,
1
BESSE, Jean-Marc. As cinco portas da paisagem. In: O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro.
Eduerj, 2014.
10

considerando os aspectos subjetivos presentes no local. A percepção ambiental pode ser


considerada uma estratégia de ação, onde é possível identificar possíveis soluções de
problemas em áreas verdes, como parques urbanos. Os parques urbanos possibilitam um
equilíbrio entre o processo de urbanização e a preservação ambiental, recriando condições
naturais, permitindo que a população tenha contato físico com a natureza, tornando-se um
local de sociabilidade. A investigação da percepção ambiental da população sobre parques
urbanos é uma ferramenta que pode ser utilizada por gestores públicos. Essas informações
geram subsídios e envolvem a sociedade nas estratégias de gestão das áreas verdes.
No capítulo 3, as pesquisadoras Cláudia Seldin e Lilian Fessler Vaz analisam a
improvisação do espaço sob o ponto de vista da cultura e do lazer, focando na capacidade de
transformação, através do uso cultural ou de novos modos de vida, de locais inicialmente
pensados para abrigar outras atividades – desocupados, escondidos ou desapercebidos em
meio à paisagem urbana. As autoras referem-se aos espaços insólitos – esses recortes não
planejados ou não projetados, modificados pelo uso temporário de uma camada da
população acostumada a ter que lutar por seu lugar na cidade. Este é o caso do lixão
transformado em parque urbano na favela carioca do Vidigal. Atualmente, o que se observa
é uma tendência de repaginação da imagem da cidade, com uma aposta na cultura como
principal instrumento remodelador do espaço urbano. As autoras citam exemplos que
apontam para o fortalecimento e a consolidação de grupos que assumem para si a
responsabilidade de transformar o cotidiano onde vivem e também de reconfigurar
simbolicamente o espaço urbano através de novos usos, que são quase sempre temporários,
subvertendo as referências e normas preestabelecidas.
Os pesquisadores André Luiz Pinto e Denivaldo Ferreira de Souza analisam a
questão das águas superficiais de uma determinada bacia hidrográfica, ressaltando que elas
armazenam informações características e peculiares da sociedade e das suas formas de
produção, refletindo a interação quanti-qualitativa de fatores, como o clima, topografia,
geologia, uso, cobertura e manejo da terra. Nesse sentido, é possível observar os traços
históricos e culturais que espelham a percepção, interação e valoração da população local
com determinado sistema hídrico.
No capítulo 5, as pesquisadoras Luciene Cristina Risso, Yume Kikuda Silveira e
Gardênia Baffi de Carvalho apresentam a paisagem numa visão integrativa da relação entre
natureza e cultura, a partir da pesquisa no quilombo de Mandira, um território de resistência
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 11

localizado na área rural do município de Cananeia-SP. Na pesquisa realizada na área de


estudo desde 2014, observou-se que a cultura se revela na paisagem através de símbolos. As
ações humanas estão dotadas de significados, de modo que os símbolos são transferidos
para o meio onde vivem e constroem seu modo de vida, assim como influenciam as mesmas
ações. A comunidade quilombola sempre usufruiu da paisagem, principalmente de suas
florestas, do rio Mandira e de seus manguezais, sendo que a cultura quilombola é
constituída de saberes e das práticas cotidianas da comunidade. Já a territorialidade
quilombola está diretamente ligada à identidade com determinado território.
O capítulo 6 nos traz uma interessante pesquisa de Lais Bim Romero e Marta
Enokibara sobre os nomes populares das plantas nativas do Estado de São Paulo. É comum
encontrarmos nomes diferentes para uma mesma espécie em cada região do país. No século
XIX, quando vieram vários naturalistas e botânicos para o Brasil, muitas das plantas já
tinham nomes dados pelos habitantes nativos, outras pelos que chegaram. Eram plantas
com nomes de origem indígena, portuguesa, mistas e também espécies diferentes que
recebiam o mesmo nome. Esse foi o universo encontrado pelo botânico sueco Johan Albert
Constantin Löfgren (1854-1918), convidado para chefiar a Seção Botânica e Meteorológica
da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo (CGG), criada em 1886. As
autoras apresentam o resgate e a justificativa dos nomes populares das plantas que
efetivamente foram identificadas por Löfgren quanto à sua origem.

Boa leitura a todos!

Norma Regina Truppel Constantino


PPGARQ-FAAC-UNESP
12
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 13

Capítulo 1

ÁREAS VERDES URBANAS: CONCEITOS, DESAFIOS E ESTRATÉGIAS

Ana Paula do Nascimento Lamano-Ferreira 2


Kelly Chaves de Oliveira 3
Heidy Rodriguez Ramos4
Simone Aquino 5

O crescimento acelerado da população humana e a intensa urbanização decorrente


disto gerou ao longo dos anos a redução das áreas verdes urbanas, levando a danos na
biodiversidade e qualidade de vida humana (SILVA; VARGAS, 2010). Isto gera um desafio aos
planejadores urbanos que devem encontrar formas de minimizar os impactos da intensa
urbanização. Este desafio difere entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos
(SHACKLETON; BLAIR, 2013, RICHARDS; PASSY, 2017) e entre diferentes perfis sociais da
população (JIN; CHEN, 2010; LO; JIM, 2010).
Dentre os espaços verdes encontrados em áreas urbanas estão as praças, que se
destacam por serem uma porção verde com área reduzida, o que permite que seja
facilmente pulverizada pela cidade, estendendo seus benefícios a uma maior parcela da
população (LEE; MAHESWARAN, 2011). Não há uma padronização quanto ao tamanho,
forma ou função das praças, mas a maioria dos trabalhos refere-se às praças como espaço
público aberto, ao ar livre, com vegetação e destinadas ao lazer e convívio social (BARROS;
VIRGILIO, 2003; LOBODA; DE ANGELIS, 2005; HARDER et al., 2006; SOUZA et al., 2011), sendo
um ambiente construído pelo homem (ADLER, TANNER, 2015).

2
Doutora em Ecologia Aplicada (ESALQ/CENA/USP), professora do Programa de Mestrado Profissional em
Administração – Gestão Ambiental e Sustentabilidade (MPA-GeAS) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE),
e-mail: ana_paula@uni9.pro.br
3
Mestre em Administração pela Universidade Nove de Julho, e-mail: kellychaves@gmail.com
4
Doutora em Administração pela Universidade de São Paulo – FEA/USP. Professora e pesquisadora do
Mestrado Profissional em Administração – Gestão Ambiental e Sustentabilidade (MPA-GeAS), do Programa de
Mestrado Acadêmico em Cidades Inteligentes e Sustentáveis (PPG-CIS) e do Programa de Pós-graduação em
Administração (PPGA) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), e-mail: heidyrr@uni9.pro.br
5
Médica veterinária sanitarista, professora doutora do Programa de Mestrado Profissional em Administração –
Gestão Ambiental e Sustentabilidade (MPA-GeAS) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), e-mail:
siaq66@uni9.pro.br
14

Um dos desafios encontrados pelos gestores de praças é adequar este espaço para
que ele atinja as necessidades da população e que tenha valor para ela, evitando sua
depreciação e abandono. Para isso, estudos voltados a compreender a maneira como a
população percebe e utiliza estes espaços é um recurso que pode auxiliar os gestores neste
desafio (LIYNCH, 1960). Segundo Tuan (2012), a forma como o indivíduo percebe o ambiente
ao seu redor determina a maneira como ele interage com o mesmo e o valor que este
ambiente tem para esta pessoa.
A cidade de São Paulo é um exemplo de urbanização desacelerada que causou
drástica redução da área verde urbana (MOMM-SCHULT et al., 2013; ACSELRAD, 2013). De
acordo com Benchimol e Lamano-Ferreira (2015) não há uma listagem das praças existentes
na cidade, que são geridas pelas 31 subprefeituras da capital paulista. Por conta disto, torna-
se importante conhecer a forma como a população paulistana se relaciona com as praças da
cidade, uma vez que os frequentadores podem influenciar na conservação desta área verde
por meio de seus usos e expectativas. Dessa forma, neste capítulo discutiremos conceitos de
áreas verdes urbanas e os desafios da gestão destes espaços públicos.

1 ÁREAS VERDES URBANAS

Nas últimas décadas a preocupação com os problemas ambientais do planeta vem


crescendo. Dentro deste contexto, as cidades e a forma como são administradas ganham
mais a atenção pela evidente degradação que sofreram ao longo do processo de
urbanização, gerando problemas de ordem social, econômica e ambiental (ACSELRAD, 2013).
O crescimento urbano ocorre de forma desregrada ao longo dos anos, tendo como
consequência o empobrecimento da paisagem urbana e acúmulo de problemas econômicos,
políticos, sociais e culturais (LOBODA; DE ANGELIS, 2005; COPORUSSO; MATIAS, 2008). O
espaço público é considerado como mercadoria ou como problema pelo poder público,
ficando sempre em segundo plano. Como consequência, as áreas verdes urbanas foram
destruídas, desencadeando uma série de problemas por conta da interdependência dos
múltiplos sistemas de uma cidade, como enchentes, aumento da poluição, aumento da
quantidade de vetores de doenças, parasitas, entre outros (LOBODA; DE ANGELIS, 2005). A
degradação social e a degradação ambiental avançaram juntas neste processo,
especialmente no Brasil (ACSELRAD, 2013; MOMM-SCHULT et al., 2013).
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 15

Ao final do século XX e início do século XXI, o efeito deste processo de urbanização


sem planejamento tornou-se mais evidente, principalmente em grandes cidades. Em relação
às áreas verdes públicas, percebe-se que, se suas estruturas físicas, sociais e estéticas não
forem reabilitadas, haverá uma depreciação da qualidade de vida da população (LOBODA;
DE ANGELIS, 2005; HAQ, 2011).
No Brasil, as consequências desta urbanização desordenada são sentidas
principalmente em grandes cidades, como São Paulo, que sofreu um crescimento rápido e
desestruturado, acompanhado de uma incapacidade das gestões públicas em
desenvolverem políticas de proteção ambiental, desencadeando uma série de problemas
sociais e ambientais, especialmente nas áreas de habitação e saneamento básico (MOMM-
SCHULT et al., 2013). Frente a isso, problemas como enchentes, ocupação indevida de áreas
protegidas ou áreas contaminadas, desabamentos, carência de espaços de lazer e recreação,
dentre outros, passaram a ser comuns nas grandes cidades brasileiras.
A gestão adequada de áreas verdes urbanas auxiliaria, por exemplo, a combater a
ocupação irregular destes locais (MOMM-SCHULTET et al., 2013). No entanto, essa gestão
não pode ser rígida a ponto de inibir uma apropriação da área pública pela população. Esse
modelo mais rígido de gestão de espaços públicos, incluindo áreas verdes, muitas vezes é
adotado com o intuito de evitar a marginalidade e a depredação, porém, se bem
direcionada, a apropriação fará com que a população busque adequar o espaço às suas
necessidades, incentivando seu uso de forma criativa e continuada, agregando valor para a
área em questão. Para isso, o mapeamento das atividades encontradas nestes espaços e das
características da população que o utiliza deve ser feito, considerado ainda como ponto
importante, a sua gestão (MENDONÇA, 2007).

2 GESTÃO DE ÁREAS VERDES E POLÍTICAS PÚBLICAS

Um dos primeiros problemas encontrados na gestão de áreas verdes urbanas é sua


conceituação. Não há um consenso entre os pesquisadores e gestores públicos sobre o tema
ou o que define área verde urbana, além de outros conceitos como espaços públicos,
espaços verdes, dentre outros (Quadro 1). Esses termos são usados como sinônimos, o que
contribuiria ainda mais para gerar essa confusão conceitual.
16

Benini e Martin (2011) apontam para a dificuldade nesta conceituação encontrada


por diversos autores. Entretanto, na interpretação da legislação, como no artigo 22 da Lei nº
6.766, de 19 de dezembro de 1979 (alterada pela Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999), os
autores encontraram subsídios que podem contribuir para superar as dificuldades de se
definir o conceito de áreas verdes, e ainda encontraram neste texto normativo a
possibilidade de se determinar quais são os equipamentos urbanos e, consequentemente,
determinar quais espaços da cidade podem ser classificados como áreas verdes públicas.
Porém, como apontado por Benini e Martin (2011), outro fator prejudicial na análise da Lei é
que, uma vez que tenham outras áreas permeáveis e com cobertura vegetal, tais espaços
podem trazer os mesmos benefícios que se busca na área verde urbana, como melhoria na
qualidade de vida e do ar. O fato de esta lei não considerar esses espaços, mesmo com
cobertura vegetal como área verde, pode fazer com que a gestão pública perca o interesse
em cuidar dessas áreas.
No Estado de São Paulo a legislação vigente é mais específica. A resolução Conama
nº 369/2006 define áreas verdes como “espaço de domínio público que desempenhe função
ecológica, paisagística e recreativa, propiciando a melhoria da qualidade estética, funcional e
ambiental da cidade, sendo dotado de vegetação e espaços livres de impermeabilização”. Já
a resolução SMA-SP 31/2009 faz menção direta ao uso que se deve fazer desses espaços. Ela
exige que para loteamentos a partir de trinta mil metros quadrados, no mínimo 20% da área
seja destinada a área verde, e a esta área será admitida a inclusão de equipamentos
esportivos e de lazer, desde que obedeça a um limite de 30% do total da área verde.
Também poderão ser incluídas (no percentual de área verde exigida) áreas de lazer
preexistentes e que atendam a essas exigências, o que permite que parques e praças sejam
considerados como área verde urbana, desde que apresentem as características exigidas.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 17

Quadro 1: Conceitos de áreas verde urbana, de acordo com a literatura pesquisada


Autor Termo usado Conceito
“*...+ área verde pública é todo espaço livre (área verde/lazer) que foi afetado
como de uso comum e que apresente algum tipo de vegetação (espontânea
Benini e ou plantada), que possa contribuir em termos ambientais (fotossíntese,
Martin Área verde evapotranspiração, sombreamento, permeabilidade, conservação da
(2011) biodiversidade e mitigue os efeitos da poluição sonora e atmosférica) e que
também seja utilizado com objetivos sociais, ecológicos, científicos ou
culturais.”
“*...+ um conceito adequado para áreas verdes urbanas deve considerar que
estas sejam uma categoria de espaço livre urbano composta,
Caporusso
predominantemente, por solo permeável e vegetação arbórea e arbustiva
e Matias Área verde
(inclusive pelas árvores no leito das vias públicas, desde que estas atinjam um
(2008)
raio de influência que as capacite a exercer as funções de uma área verde), de
acesso público ou não, e que exerçam minimamente as funções ecológicas,
estéticas e de lazer.”
Jim et al. “Espaços verdes urbanos são espaços abertos, localizados dentro dos limites
Espaço verde
(2006) de uma cidade, com boa cobertura vegetal, que pode ter sido plantada ou
herdada da pré-urbanização”
Haq (2011) Espaço verde “*...] áreas verdes urbanas são espaços que podem prover benefícios
ambientais, sociais, econômicos, culturais e psicológicos para a população.”
Thompson Espaço
"Espaços abertos urbanos são espaços que devem trazer oportunidades de
(2002) aberto
socialização, lazer e contemplação do meio ambiente para a população.”

“*...+ classifica como espaços verdes urbanos parques, jardins, cemitérios,


pequenos bosques, telhados verdes, campos de esportes e corpos d’água.
Momm-
Quando estes espaços estão conectados a vias ou córregos, ajudam a evitar
Schult et al. Espaço verde
alagamentos, a controlar a temperatura local, conservar a biodiversidade, e
(2013)
prover benefícios socioculturais para a população estes espaços constituem
uma infraestrutura verde, que agrega valores sociais, econômicos, e
ambientais a cidade.”
“*...+ usa a terminologia infraestrutura verde, que é definida como sistemas
Dunn Infraestrutura
que usam vegetação e solo natural para capturar água e reduzir a
(2010) verde
temperatura além de proteger e ampliar a qualidade ambiental e saúde
pública.”
Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

Benini e Martin (2011) então definem áreas verdes urbanas da seguinte maneira:

Área verde pública é todo espaço livre (área verde/lazer) que foi afetado como de
uso comum e que apresente algum tipo de vegetação (espontânea ou plantada),
que possa contribuir em termos ambientais (fotossíntese, evapotranspiração,
sombreamento, permeabilidade, conservação da biodiversidade e mitigue os
efeitos da poluição sonora e atmosférica) e que também seja utilizado com
objetivos sociais, ecológicos, científicos ou culturais.

Este conceito reforça os benefícios ambientais que a área verde deve proporcionar,
mas inclui também a função sociocultural, o que permite a inclusão de praças nesta
categoria, uma vez dotadas de áreas verdes, já que essas têm como função primordial a
18

socialização e o lazer, conforme explicado anteriormente. No entanto, esta definição deixa


vaga a porção de verde que se deve existir para um espaço ser considerado área verde.
Caporusso e Matias (2008) trazem uma definição onde enfatizam a predominância
de vegetação e solo permeável e que inclui claramente áreas públicas e privadas, em
contraponto com Benini e Martin (2011). Segundo as autoras:

[...] um conceito adequado para áreas verdes urbanas deve considerar que estas
sejam uma categoria de espaço livre urbano composta, predominantemente, por
solo permeável e vegetação arbórea e arbustiva (inclusive pelas árvores no leito
das vias públicas, desde que estas atinjam um raio de influência que as capacite a
exercer as funções de uma área verde), de acesso público ou não, e que exerçam
minimamente as funções ecológicas, estéticas e de lazer. (CAPORUSSO; MATIAS,
2008).

Jim e Chen (2006) trazem um conceito mais focado na forma que na utilização ou
benefícios gerados pela área verde. Para os autores, espaços verdes urbanos são espaços
abertos, localizados dentro dos limites de uma cidade, com boa cobertura vegetal, que pode
ter sido plantada ou herdada da pré-urbanização.
Em uma abordagem mais holística, Haq (2011) definiu áreas verdes urbanas como
espaços que podem prover benefícios ambientais, sociais, econômicos, culturais e
psicológicos para a população. Como benefícios ambientais o autor cita o controle da
poluição do ar e sonora e a manutenção da biodiversidade. Como benefícios econômicos são
citados a valorização da propriedade e economia de energia. Os benefícios sociais e
psicológicos citados são recreação e melhoria na saúde. Por isso, uma gestão adequada
desses espaços deve fazer uma abordagem integrativa de todas essas características e para
isso a cobertura vegetal é um fator importante.
Thompson (2002) usa a terminologia espaços abertos urbanos, o que não deixa
claro o fato de existir ou não cobertura vegetal, mas que, segundo o autor, são espaços que
devem trazer oportunidades de socialização, lazer e contemplação do meio ambiente para a
população, corroborando os conceitos dos autores anteriormente citados. O autor também
cita praças e parques como espaços públicos capazes de alcançar estes objetivos.
Momm-Schult et al. (2013) classificaram como espaços verdes urbanos os parques,
jardins, cemitérios, pequenos bosques, telhados verdes, campos de esportes e corpos
d’água. Quando esses espaços estão conectados a vias ou córregos, ajudam a evitar
alagamentos, controlar a temperatura local, conservar a biodiversidade e prover benefícios
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 19

socioculturais para a população. Esses espaços constituem uma infraestrutura verde, que
agrega valores sociais, econômicos, e ambientais à cidade. Em uma abordagem semelhante,
Dunn (2010) utiliza o termo infraestrutura verde, que é definido como sistemas que usam
vegetação e solo natural para capturar água e reduzir a temperatura, além de proteger e
ampliar a qualidade ambiental e a saúde pública.
Segundo Haq (2011), atualmente as cidades ocupam cerca de 2% da cobertura
terrestre, mas consomem 75% de seus recursos. Este é um dado alarmante que desafia os
gestores públicos em tornar as cidades mais sustentáveis e, para isso, a gestão de áreas
verdes é fundamental, devendo haver uma forte proteção das áreas já existentes, ser
resistente a novas oportunidades de desenvolvimento que possam diminuir a oferta pública
de lazer e prover novas áreas verdes com qualidade ambiental, acessibilidade e opções de
lazer (HAQ, 2011; THOMPSON, 2002).
Carvalho e Romero (2013) definem desenvolvimento sustentável como aquele que
atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações
futuras atenderem as suas próprias necessidades, pressupondo a participação da sociedade
e equidade de distribuição de bens, espaço e recursos naturais. Já Acselrad (2013) aponta
que a ideia de cidade sustentável está associada ao desenvolvimento da cidade de acordo
com alguns princípios, como a eficiência energética, controle do crescimento econômico,
autossuficiência econômica (fazendo a cidade depender cada vez menos de recursos
externos), da ética, da justiça e da ecologia. Conduzir uma cidade para a sustentabilidade
significa, principalmente aos gestores, criar instâncias governamentais a fim de
regulamentar e promover a questão ambiental (MENDONÇA, 2007).
Segundo Cavalcanti (1997), uma política pública ou governamental voltada pra a
sustentabilidade significa identificar uma necessidade de utilização cuidadosa dos recursos
ambientais e de como seus benefícios são compartilhados à população. Frey (2009) ressaltou
que o aumento de problemas ambientais reflete no aumento da consciência ecológica por
parte da população, reforçando os conflitos entre interesses econômicos e ambientais. Tal
fato resulta em adoções de políticas públicas voltadas para a gestão ambiental. De acordo
com o autor, o termo políticas públicas refere-se a conteúdos concretos, programas políticos
e problemas técnicos referentes às tomadas de decisões políticas, ou seja, é a ação oriunda
de uma decisão política. A elaboração destas políticas pode envolver instituições diferentes,
tanto do Legislativo como do Executivo e da sociedade.
20

Jacobi (2003) alertou para o fato de que no Brasil as decisões em relação às políticas
públicas adotadas têm participação majoritária do Governo, envolvendo de forma mínima a
população ou entidades de representação popular, defendendo a adoção de comitês que
envolvam representantes governamentais de diferentes níveis como federal, estadual e
municipal, entidades de representação da população e membros de Organizações Não
Governamentais (ONG), a fim de buscar uma associação entre cidadania, democracia
participativa, governabilidade e sustentabilidade. Cuidar para que os recursos naturais
encontrados nas cidades sejam preservados pode fortalecer o sentimento de identificação
do cidadão com a cidade e melhorar a imagem da mesma num sentido geral, passando a ser
valorizada pelo seu patrimônio biofísico (ACSELRAD, 2013).
Para que os benefícios das áreas verdes urbanas possam ser sentidos em sua
totalidade pela população é importante criar opções de lazer diversificadas e interessantes o
suficiente para satisfazer os anseios dos cidadãos, encorajando-os a permanecer e desfrutar
deste espaço (HAQ, 2011). No entanto, este pode ser exatamente o grande desafio dos
gestores urbanos que se encontram diante de uma população jovem, que tem na tecnologia
e nos meios de comunicação sua principal fonte de lazer. Para ser atrativa para esta parcela
da população, é importante resgatar o lado emocional que pode existir em relação a esse
ambiente e a possibilidade de se viver uma experiência interativa com este espaço, que vai
além do visual encontrado nas TVs e computadores (THOMPSON, 2002; MENDONÇA, 2007).
Thompson (2002) aponta ainda outro desafio na gestão de áreas verdes urbanas: a
estrutura desses espaços especialmente em relação à acessibilidade. Ele afirma que nas
cidades existem muitas opções para socialização, lazer e até mesmo contemplação do meio
ambiente, nas ruas e avenidas que nas praças e parques, que são os tipos de áreas verdes
mais voltados para o lazer e socialização. Alguns locais tornam o ambiente preferencial de
um tipo específico de público, como idosos, crianças, pessoas de baixo poder aquisitivo ou
portadores de necessidades especiais. Esse público, no entanto, é o que mais necessita de
facilidade de acesso e segurança, o que faz com que o gestor tenha de pensar a gestão
desses espaços de forma mais abrangente (THOMPSON, 2002). As áreas verdes do futuro
devem ser locais inclusivos e que consigam atender aos anseios socioculturais e de lazer
dessa sociedade heterogênea e que também possam promover oportunidades de se
interagir com a natureza, observar sua transformação e crescimento (THOMPSON, 2002;
MENDONÇA, 2007; DUNN, 2010).
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 21

Em São Paulo, no entanto, a gestão pública se depara com problemas que


precedem a todos esses desafios: a falta de áreas verdes e falta de espaço para a
implantação de novas áreas. Ao buscarem soluções rápidas para problemas de transporte e
rápido crescimento da cidade, as administrações públicas realizaram obras, especialmente
em vias expressas e avenidas, em áreas de importância ambiental, como margem de rios e
córregos, vales, dentre outros, tornando impraticável a recuperação dessas áreas. Além
disso, juntamente com o crescimento desordenado, a ocupação irregular do solo fez com
que a cidade tivesse grande parte de sua área impermeabilizada e construída, sendo difícil
reverter esse processo (MOMM-SCHULT et al., 2013).
Martins (2011) afirma que esta situação de crescimento desordenado resulta em
um conflito pelo uso do espaço, gerando tensão principalmente entre o assentamento
urbano e o meio ambiente. Ainda relata que a questão ambiental urbana está diretamente
relacionada com a questão da moradia e a falta de oportunidades e alternativas para um
crescimento ordenado e sustentável. A questão ambiental em grandes metrópoles está
diretamente relacionada à questão social, que deve ser levada em conta nas políticas
públicas ambientais.
Segundo Zhouri e Laschefski (2010), a causa desses conflitos ambientais urbanos
são as distintas práticas de apropriação do espaço, que, por sua vez, são motivadas pela
manifestação de diferentes visões sobre a utilização do espaço urbano. Esses conflitos
acabam por evidenciar situações de injustiça ambiental, em que o ônus desta disputa (em
geral) fica a cargo de parcelas da população mais marginalizadas e vulneráveis, evidenciando
a desigualdade social presente nessas cidades. Essas disputas podem terminar no campo
político e legislativo, em que projetos e leis serão criados com o objetivo de orientar o uso e
ocupação do solo.
Para melhor gestão das áreas verdes urbanas na capital paulista, Momm-Schult et
al. (2013) sugerem que algumas medidas sejam priorizadas, como a integração de políticas
urbanísticas e ambientais, priorização da infraestrutura verde, ampliação da regulamentação
pública sobre a especulação imobiliária, criação de mecanismos que viabilizem projetos de
longa duração e, por fim, planejar e reestruturar o uso do solo.
22

3 PRAÇA – EVOLUÇÃO DE UM ESPAÇO URBANO SOCIAL E VERDE

Desde o início da criação das cidades, as praças foram de grande importância no


processo civilizatório, social e urbanístico. Sua função, porém, vem se transformando ao
longo do tempo, fazendo com que a praça em si tenha de sofrer novas adaptações aos
diversos tipos de uso.
Nas sociedades mais antigas, como a greco-romana, a praça tinha a função de
centro das atividades cívicas, sendo o ponto principal nas cidades e sua configuração, de
posição central e cercada por edifícios institucionais, sagrados e comerciais, reforçava a ideia
de um lugar de domínio público. A partir daí, a praça se desenvolveu nas sociedades
ocidentais como um espaço urbano de convívio e sociabilidade, tornando-se importante no
desenvolvimento das cidades, como vazios na malha urbana que funcionam como ponto de
descompressão e ruptura na paisagem edificada, passando a ser um elemento de
urbanização a partir do período do renascimento (CALDEIRA, 2007).
Com o surgimento de princípios de urbanização e a valorização da estética urbana,
a praça passa a ser um elemento estruturante nas cidades, definido por uma rígida
geometria (CALDEIRA, 2007). Em contrapartida, o desenvolvimento da burguesia fez com
que a vida pública e a socialização acontecessem em espaços privados e fechados como
teatros, bares e cafés e, consequentemente, a praça e outros espaços públicos, que outrora
tinham essa função, tornaram-se vazias (CALDEIRA, 2007; GOMES, 2008; BENINI, MARTIN,
2011).
Foi neste período que as cidades começaram a surgir no Brasil, com forte influência
de um urbanismo racionalista, porém, com características muito próprias da cultura
portuguesa quanto à topografia e localização em pontos estratégicos, como espaços
complementares de edifícios importantes como igrejas, edifícios políticos, mercantis e
militares, sendo os pontos centrais das cidades. Tal fenômeno determinava uma função
específica para cada praça, no contexto da cidade, exceto em alguns casos em que edifícios
de diferentes instituições circundavam uma mesma praça. Há um destaque maior para a
predominância das praças de igreja, ou praça religiosa, que é um modelo comum nas
cidades brasileiras (CALDEIRA, 2007; DE ANGELIS et al., 2004).
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 23

Como apontado, as cidades se iniciavam na circunvizinhança de uma igreja, onde se


instalavam os principais edifícios das cidades, como comércio e residências de pessoas
influentes (CALDEIRA, 2007; GOMES, 2008). Por isso, ainda hoje a praça principal e a igreja
católica são elementos referenciais para o centro das cidades brasileiras (GOMES, 2008).
Todavia, de forma diferente ao ocorrido na Europa, as praças brasileiras continuaram a ser
local principal para as relações sociais da população, onde ocorriam todo o tipo de
manifestações populares, civis e militares (GOMES, 2008).
De Angelis et al. (2004) chamam a atenção para as “praças” das aldeias indígenas,
que eram áreas centrais das aldeias destinadas a manifestações populares diversas. A forma
de estruturação dessas aldeias inicialmente teve influência na formação das primeiras vilas
brasileiras, que posteriormente evoluíram para cidades, fato que reforça o status de marco
central das praças e a importância e familiaridade da população brasileira com este espaço.
Com o desenvolvimento dos meios de transporte automotivos, as cidades passaram a
investir na construção de modernos e complexos trechos viários e as praças, nesse contexto,
passaram a serem grandes espaços vazios, utilizados muitas vezes como estacionamentos ou
simples áreas de passagem (CALDEIRA, 2007).
No Brasil, houve um movimento de modernização e de limpeza urbana das cidades,
que culminou na reformulação da estrutura urbana. Também nesse período, por influência
europeia, surgiu um movimento de embelezamento das cidades, onde a implantação de
jardins decorativos tornou-se uma prática comum e fez com que espaços públicos e
especialmente as praças fossem alvo desse tipo de ornamentação, definindo o formato mais
usual de praças encontrado no Brasil e especialmente na cidade de São Paulo, devido ao seu
período de rápido crescimento e modernização (CALDEIRA, 2007; GOMES, 2008).
Por outro lado, também houve uma distinção no público que a frequentava, ou seja,
as praças passaram a ser utilizadas pela população com faixa de renda menor. Esses espaços
passaram a ser usados como espaços de lazer, enquanto a elite preferia adotar espaços
privados para seus momentos de lazer, característica que prevalece até hoje (GOMES, 2008).
Esse fator levou à depreciação da praça, que em algumas situações foi abandonada pela
população em geral, sendo ocupada pela marginalidade, prostituição, etc. (DE ANGELIS et
al., 2004; GOMES, 2008).
O ajardinamento das praças determinou uma característica importante para este
espaço no Brasil, que acabou por determinar o entendimento de praça do brasileiro, que
24

denomina a praça como um local necessariamente com área verde (Quadro 2). O que seria
considerada uma praça (sem área verde), comum na Europa, no Brasil seria classificado
como largos, pátios ou terreiros pela população brasileira, como exemplo do pátio do
Colégio em São Paulo (DE ANGELIS et al., 2004; GOMES, 2008). Este novo modelo de praça
com jardim acabou por redefinir seu tipo de uso, consolidando a praça como espaço de
lazer, passeio e convívio da população (CALDEIRA, 2007; GOMES, 2008).

Quadro 2: Conceitos de praça de acordo com a literatura pesquisada


Autor Conceito Função
Robba e Macedo Espaço de lazer e
“*...+ espaços livres urbanos destinados ao lazer e ao convívio da
(2002 em GOMES, convívio social
população, acessíveis aos cidadãos e livres de veículos.”
2008)
“*...+ espaços públicos com função de convívio social, inseridos na Espaço e convívio
malha urbana como elemento organizador da circulação e de social e de
Mendonça (2007) amenização pública, com área equivalente à da quadra, geralmente organização
contendo expressiva cobertura vegetal, mobiliário rústico, canteiros espacial
e bancos.”
Espaço de lazer,
"[...] locais públicos com função social, destinada ao lazer, convívio social,
socialização e realização de atividades cívico-religiosas, com função
atividades cívicas
Silva (2012)
também de embelezamento da cidade, por ter aspectos religiosas e
ornamentais." embelezamento
da cidade
Espaço de
“[...] praças são locais onde as pessoas se reúnem para fins atividades
De Angelis et al.
comerciais, políticos, sociais ou religiosos, ou, ainda, onde se religiosas, lazer,
(2005)
desenvolvem atividades de entretenimento.” comerciais e
político sociais
Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

Observando esse histórico descrito da evolução das praças, é possível compreender


as classificações de praças adotadas por De Angelis et al. (2004) em sua metodologia, que
são: praças de igreja, de descanso ou recreação, de circulação, monumental e de significação
visual. Cada um desses tipos de praças está claramente representando um modelo de praça
estabelecido em um determinado momento histórico de urbanização das cidades.
A partir destas classificações é possível notar também que não há um conceito
consensual do que é praça. Gomes (2008) reportou que, dentre as definições de diversos
autores, o único fator que prevalece é o de espaço público. Robba e Macedo (2002 apud
GOMES, 2008) por exemplo, conceituaram as praças como “espaços livres urbanos
destinados ao lazer e ao convívio da população, acessíveis aos cidadãos e livres de veículos”,
ressaltando a característica de local de convívio e recreação, que impede a classificação de
espaços como canteiros, rotatórias e outros espaços muitas vezes classificados como praças
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 25

por órgãos administradores, que buscam ampliar sua porção de áreas de lazer perante a
população (GOMES, 2008).
Entretanto, Mendonça (2007) apontou um conceito mais estrutural e urbanístico da
praça, como sendo “espaços públicos com função de convívio social, inseridos na malha
urbana como elemento organizador da circulação e de amenização pública, com área
equivalente à uma quadra, geralmente contendo expressiva cobertura vegetal, mobiliário
rústico, canteiros e bancos”.
Silva (2012) define praças como locais públicos com função social, destinadas ao
lazer, socialização e realização de atividades cívico-religiosas, com função também de
embelezamento da cidade por ter aspectos ornamentais. Já De Angelis et al. (2005) trazem
uma definição mais funcional da praça ao longo do tempo, como a ideia de que “praças são
locais onde as pessoas se reúnem para fins comerciais, políticos, sociais ou religiosos, ou,
ainda, onde se desenvolvem atividades de entretenimento”.
Essas visões abrangem muitas das características e funções das praças, mas que
justamente por isso não delimitam claramente que tipo de estrutura ela deve possuir. De
Angelis et al. (2004) confirmaram este aspecto ao relatar a dificuldade de grande parte dos
criadores das praças brasileiras em não terem uma ideia clara e objetiva de como estruturar
este espaço, tendo predomínio de dois projetos (ainda que de forma vaga): a do jardim e da
praça de esportes.
Segundo De Angelis et al. (2004), a realidade brasileira demonstra bem esta falta de
entendimento pelos administradores públicos da função que as praças deveriam ter no
cotidiano das cidades. A falta de critérios desde a elaboração do projeto até a fase de
implantação, não havendo estudos sobre as características do local, da população local, da
melhor forma de inserção da praça na malha urbana ainda é prática comum, com a adoção
de projetos-padrão, que são simplesmente replicados a cada nova praça (DE ANGELIS et al.,
2004). Isso explicaria a falta de interesse da população por esses espaços e a preferência, em
grandes centros urbanos, por outras opções de lazer, como parques ou shopping centers
(GOMES, 2008).
Este é um aspecto negativo da gestão de praças públicas no Brasil, especialmente
em grandes cidades, carentes de espaços verdes que possam melhorar a qualidade de vida
da população, permitindo uma melhoria da saúde física e mental e contribuindo para uma
melhor qualidade do ar, função que as praças poderiam exercer com eficácia por serem
26

áreas de tamanho limitado, que facilita que estejam espalhadas pela malha urbana sem
comprometer sua estrutura e funcionalidade (LEE; MAHESWARAN, 2011). Para Gomes
(2008), esses benefícios fizeram com que a área verde, e consequentemente as praças,
passassem a ser mais valorizadas e requeridas nas cidades.
Gomes (2008) também relaciona a causa do esvaziamento das praças públicas
urbanas contemporâneas às opções de lazer oferecidas pelas novas tecnologias, como a TV e
a internet e a falta de segurança existente nos espaços públicos das grandes cidades. Para
continuar atraindo a população a praça tem que se mostrar tão interativa, moderna e
prática quanto o homem atual. De Angelis et al. (2005) corroboram com a visão de Gomes e
relacionam esse esvaziamento da praça não só com a mudança da vida cotidiana e suas
preferências de lazer, mas também com o surgimento de outras opções privadas de lazer e
ao abandono desses espaços pelo poder público, que não só deixa de realizar as
manutenções necessárias como também deixa de adaptá-las com mobiliário e
equipamentos adequados aos reais anseios da população.
Orth e Cunha (2000) atentam para a função de espaço de lazer das praças públicas,
tendo esta característica mais acentuada em cidades urbanizadas com grande densidade de
edifícios, aumentando a necessidade por espaços de lazer construídos como praças e
parques que servem para agregar qualidade de vida para as pessoas que ali habitam.
Dumazedier (1976, p. 94) definiu como lazer:

[...] conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade,


seja para repousar, seja para divertir-se, recrear e entreter-se ou ainda, para
desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social
voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das
obrigações profissionais, familiares e sociais.

Marcellino (2006) destacou dois tipos de lazer, o lazer passivo, referindo-se


principalmente ao lazer de consumo, como teatro, cinema, shopping e atividades como
leitura, contemplação e jogos (participantes sentados), e o lazer ativo, referindo-se às
práticas de atividades físicas (caminhadas, corridas e esportes) e atividades lúdicas, como
brincadeiras e jogos infantis.
A praça, além de ter essa função de espaço de lazer, também agrega outras funções
que ampliam o bem-estar promovido pela utilização deste espaço pelo cidadão, como
sociabilidade, conforto ambiental e contato com a natureza (ORTH; CUNHA 2000; OLIVEIRA;
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 27

MASCARÓ, 2007). Essas funções somadas refletem na melhoria de qualidade de vida dos
frequentadores e por isso é importante que sejam planejadas de forma a atender de
maneira equitativa diferentes públicos e terem elementos que visem a aumentar a
permanência do visitante nesse espaço, como bancos e equipamentos de lazer, que devem
estar presentes de forma quantitativa, mas também qualitativa (OLIVEIRA, MASCARÓ, 2007).

4 PERCEPÇÃO AMBIENTAL

O crescente interesse por estudos e projetos voltados para as áreas verdes urbanas
fez com que se buscasse compreender e maximizar os benefícios que esses espaços podem
trazer para a população. No entanto, esta tendência fez com que pesquisadores olhassem
para a relação que o ser humano tem com esse espaço e os sentimentos que nutre por ele.
Dessa forma, os estudos de percepção ambiental se mostraram uma importante ferramenta
para auxiliar na compreensão da maneira como o indivíduo vê e sente determinado espaço o
que pode explicar as suas ações em relação a ele (COSTA; COLESANTI, 2011; DEL RIO, 1996).
Os estudos de percepção humana surgiram em 1879 pelo psicólogo Wilhelm
Wundt, e a partir daí passaram a chamar a atenção de pesquisadores em diversas áreas
como educação e geografia. No Brasil, os estudos nessa área começaram a se destacar na
década de 1970, culminando na criação, em 2000, do Núcleo de Pesquisas em Percepção
Ambiental (NEPA) da Faculdade Brasileira no Espírito Santo que hoje desenvolve pesquisas
em diversos setores (RODRIGUES et al., 2012).
Esses estudos visam a explicar as atitudes do indivíduo em relação a determinado
ambiente a partir da forma como ele entende aquele espaço e das impressões que ele tem
sobre o mesmo (DEL RIO, 1996). Segundo Tuan (2012), essas impressões são construídas a
partir dos estímulos que o ambiente provoca no indivíduo, vivenciados a partir dos seus
sentidos, como também pela cultura e personalidade que aquele indivíduo tem. Portanto,
para este autor, para compreender os problemas ambientais é necessário primeiramente
compreender os seres humanos que interagem com ele. Castello (1996) apontou que nas
práticas de urbanismo é cada vez mais importante compreender com clareza a relação
homem-ambiente.
A percepção ambiental é o resultado do contato entre nossos sentidos e o mundo.
Chauí (2001, p. 123) descreveu este processo da seguinte forma:
28

A percepção envolve toda nossa personalidade, nossa história pessoal, nossa


afetividade, nossos desejos e paixões, isto é, a percepção é uma maneira
fundamental de os seres humanos estarem no mundo. Percebemos as coisas e os
outros de modo positivo ou negativo, percebemos as coisas como instrumentos ou
como valores, reagimos positiva ou negativamente a cores, odores, sabores,
texturas, distâncias, tamanhos. O mundo é percebido qualitativamente,
afetivamente e valorativamente. Quando percebemos outra pessoa, por exemplo,
não temos uma coleção de sensações que nos dariam as partes de seu corpo, mas
a percebemos como tendo uma fisionomia (agradável ou desagradável, bela ou
feia, serena ou agitada, sadia ou doentia, sedutora ou repelente) e por essa
percepção definimos nosso modo de relação com ela.

Segundo a autora existem três correntes de pensamento que estudam a percepção


ambiental: a empirista, onde a percepção depende do estímulo externo e se consolida por
meio da repetição e da frequência destes estímulos; a intelectualista, onde a percepção
depende do sujeito que a percebe e acontece quando o sujeito analisa o objeto e o
decompõe em suas qualidades simples; e a fenomenológica, onde não há distinção entre
sensação e percepção e estas sensações provocadas pelo ambiente são dotadas de sentido e
significado (CHAUÍ, 2001).
Kohlsdorf (1996, p. 18) explicitou essa relação entre sensação e percepção:

Na percepção do espaço, em que pese a contribuição dos receptores visuais e tátil


– cinético, não comparecem apenas estas características do objeto, mas toda a sua
complexidade, ainda que de maneira subjetiva. É por isso que a percepção
constitui-se, no processo de conhecimento humano, na forma básica do reflexo
sensorial, e não a sensação. A percepção possui caráter de maior conscientização:
está intimamente ligada ao pensamento e às demais experiências anteriormente
adquiridas, porque, no córtex cerebral, ocorre uma síntese dos estilos provenientes
de todos os receptores, tanto os sensoriais (sinais primários) quanto dos
decodificadores (sinais secundários). Em segundo lugar, esta síntese fornece a
percepção caráter de globalidade, o que faz da imagem percebida um retrato claro
da realidade objetiva, onde estão abrangidos não apenas as manifestações
externas, as relações superficiais, o isolado e o ocasional, mas também, junto com
estes, as conexões internas importantes, genéricas e essenciais.

Para Liynch (1960), a relação de um morador de uma cidade pode ser determinada
pelas diversas percepções que este acumulou ao longo de sua relação com este ambiente.
Segundo ele, uma imagem ambiental positiva pode estabelecer uma relação harmoniosa
entre a cidade e o indivíduo que a percebe. O quadro mental elaborado é produto tanto da
sensação imediata quanto das experiências passadas acumuladas. Del Rio (1996)
acrescentou ainda que esses estímulos provocados pelo meio ambiente no indivíduo não
ocorrem de forma passiva, há uma contribuição do sujeito a este processo de percepção,
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 29

como a motivação, necessidades, humor, conhecimento prévio, julgamento de valor,


expectativas entre outros.
Tuan (2012) afirmou ainda que esta percepção não é imutável, mas que pode variar
com passar do tempo, onde aquele ambiente pode sofrer mudanças e as experiências
vividas por aquela pessoa podem mudar seu modo de agir e pensar. Segundo Breuste et al.
(2013), o nível socioeconômico do indivíduo pode influenciar em sua forma de ver o
ambiente e, consequentemente, determinar suas escolhas e preferências em relação ás
áreas verdes urbanas. Nesse sentido, mesmo fazendo parte de uma mesma cidade ou bairro
as pessoas podem perceber o ambiente a sua volta de forma diferente, entretanto, admite-
se que existam considerações e atitudes comuns entre um determinado grupo, o que
justifica a adoção de pesquisas de percepção ambiental para nortear a ação pública (DEL
RIO, 1996). Por isso, projetos padronizados ou elaborados sem a consulta a população
podem não gerar os resultados esperados. A forma como o planejador vê e pensa sobre
aquele espaço verde pode não ser compatível com a visão da população de seu entorno
(COSTA; COLESANTI, 2011).
Um dos principais programas de incentivo do uso e estudos de percepção ambiental
em gestão de áreas verdes é o Man And Biosphere (MAB). Trata-se de um programa
intergovernamental que visa a melhorar o relacionamento entre o homem e o meio
ambiente de forma a promover o desenvolvimento sustentável (UNESCO, 2014). Dos 14
projetos que compõem o programa, o projeto 13 trata justamente de estudos de percepção
da qualidade ambiental.
Atualmente, o MAB está presente em 117 países, tendo sido implantado em
grandes cidades como Roma e a Cidade do México, cidades de grande urbanização assim
como em São Paulo, onde se aplica especialmente em áreas pertencentes ao Cinturão Verde
de São Paulo, que preserva áreas de Mata Atlântica remanescentes (RBMA, 2014). Em seus
projetos, o MAB busca contrapor a opinião dos três principais atores relacionados ao meio
ambiente que são: especialistas na área, tomadores de decisão e frequentadores, sendo
estes últimos o alvo dos estudos de percepção ambiental.
30

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As áreas verdes são espaços públicos de uso comum que de acordo com a revisão
da literatura podem ter diferentes funções, que muitas vezes se sobrepõem. Dentre as
funções dessas áreas destacam-se desde convívio social, lazer, conservação e/ou
preservação ambiental, até contribuições para fins comerciais. Entretanto, um ponto
importante em áreas urbanas é o estreitamento do contato da população com a natureza, o
qual traz muitos benefícios para melhor qualidade de vida.
Dentre as estratégias para estudos de áreas verdes destaca-se como ferramenta a
percepção ambiental. Esta investiga quais ligações são construídas por um grupo de
munícipes em relação a área verde de sua localidade ou em uma região específica. E auxilia o
gestor público a melhorar este vínculo, a partir da compreensão dos motivos para atitudes
positivas e negativas em relação à área verde e soluções para revertê-las, quando
necessário.
A análise da percepção ambiental também permite ao gestor público saber como as
políticas e projetos implantados foram percebidos e avaliados pela população local, o que
ajuda a direcionar as ações futuras para um resultado mais próximo do desejado, em novos
projetos. Além disso, é uma forma de estreitar a relação entre o poder público e os cidadãos,
favorecendo a manutenção da infraestrutura dos espaços públicos.
Um dos desafios do planejador é o de captar e compreender valores subjetivos que
compõem a percepção ambiental da população e conseguir aplicá-los aos projetos de gestão
de áreas verdes urbanas. Sem o envolvimento da população, o gestor não atinge as
expectativas da mesma, exclui uma parcela do público frequentador e atrair elementos ou
atividades indesejadas para aquela área.

REFERÊNCIAS

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regionais, v. 1, n. 1, p. 79-90, 1999.

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34
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 35

Capítulo 2

CONTRIBUIÇÕES DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL


PARA A GESTÃO DE PARQUES URBANOS
Ana Paula do Nascimento Lamano-Ferreira 6
Milena de Moura Régis 7

Estudos realizados a partir de abordagens perceptivas, buscam identificar as


maneiras pelas quais os seres humanos respondem ao ambiente físico no qual estão
inseridos. Assim, esses estudos investigam a percepção humana sobre o ambiente ao seu
redor e o valor atribuído a ele (COSTA; COLESANTI, 2011; TUAN, 2012). Os primeiros estudos
sobre percepção estavam mais voltados ao campo de informação sobre determinados
espaços geográficos (WAKABAYASHI, 1996).
Neste capítulo abordam-se as contribuições de estudos de percepção ambiental de
munícipes sobre áreas verdes urbanas, como parques públicos, e como essas informações
sobre valores, experiências e atitudes podem contribuir para a gestão.

1 PERCEPÇÃO AMBIENTAL

O estudo da percepção ambiental permite a compreensão da dinâmica de troca


entre homem e ambiente, na qual o indivíduo absorve sensações, a partir de aspectos
subjetivos (naturais ou artificiais), existentes em um determinado espaço, representados por
elementos culturais e pelo entendimento do observador sobre estes (SOUSA et al., 2012).
Dacanal et al. (2010), acrescentam ainda que a percepção acontece de forma distinta e
particular, pois está vinculada a experiências anteriores, a respostas sensoriais, à memória e
à cultura de cada indivíduo.

6
Bióloga, doutora em Ecologia Aplicada (ESALQ/CENA/USP). Professora do Programa de Mestrado Profissional
em Gestão Ambiental e Sustentabilidade da Universidade Nove de Julho (GeAS/UNINOVE), e-mail:
ana_paula@uni9.pro.br
7
Bióloga, mestre em Administração – Gestão Ambiental e Sustentabilidade (GeAS). Professora do
Departamento de Saúde II da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), e-mail: milenaregis@uni9.pro.br
36

Estudo realizado por Silva e Freire (2010) buscou compreender a percepção


ambiental de moradores do entorno da Estação Ecológica do Seridó (Rio Grande do
Norte/Brasil), sobre as plantas usadas para fins medicinais. Os autores concluem que a
percepção ambiental da população por eles estudadas, revelou um rico conhecimento
desses indivíduos sobre as espécies medicinais, demonstrando um resgate de costumes “que
podem constituir uma forma de parceria entre a comunidade local e a científica”.
Mattos et al. (2011) estudaram a percepção da população em relação à Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Ponta do Tubarão (nos municípios de Guamaré e Macau/RN).
Por meio de entrevistas, obtiveram relatos que, segundo eles, “comprovam a estreita
relação do homem com a natureza, contrastando com a sociedade urbano industrial”. As
atividades produtivas, e consequentemente as interações estabelecidas com determinado
ambiente, repercutem a diversidade de percepções ambientais dos atores sociais envolvidos
com o determinado local (HOEFFEL et al., 2008).
A premissa de que as pessoas de diferentes origens e culturas usam e percebem as
áreas verdes urbanas de maneiras distintas (PRIEGO et al., 2008) são reforçadas. Ou seja, os
seres humanos respondem ao meio ambiente de várias maneiras, compartilhando atitudes e
perspectivas comuns entre si. No entanto, cada pessoa tem uma visão particular do mundo
(TUAN, 2012). Portanto, cada indivíduo percebe, reage e responde de maneiras diferentes a
questões ambientais (CUNHA; CANAN, 2015). Ainda que estejam convivendo na mesma
cidade, no mesmo bairro, as pessoas percebem os ambientes de forma diferente (TUAN,
2012).
Segundo Sousa et al. (2012), a percepção ambiental ocorre por meio da cognição do
frequentador e deve relacionar-se com o contexto ambiental, considerando os aspectos
subjetivos presentes no local. Então a percepção ambiental está relacionada a distintas
reações, considerando o grau de instrução dos indivíduos (CUNHA; CANAN, 2015). Desse
modo, Sousa et al. (2012) também observa que a percepção se refere a organização espacial
“lugar”, espaço no qual estão contidos elementos, por meio dos costumes da população,
assim ocorrendo a caracterização da identidade desse local, relacionando as experiências de
vida e as manifestações culturais.
O estudo da percepção demonstra que a mente humana apresenta distintas
interpretações do ambiente ao seu redor (COSTA; COLESANTI, 2011). Então quando uma
pessoa visita determinado local, dá-se início a uma reverência oriunda de sentimentos
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 37

envolvidos ao meio natural, decorrentes da admiração de belas paisagens (SOUSA et al.,


2012). Essa percepção estética pode influenciar o homem a repensar suas interações e
relações com a natureza e/ou com o meio no qual está inserido (MARIN; KASPER (2009).
A percepção consiste em uma importante análise das relações que os seres
humanos mantêm com o meio ambiente. Porém, os estudos sobre percepção ambiental,
não devem se limitar apenas a identificar como o indivíduo percebe o ambiente no qual está
inserido. O estudo pode promover a compreensão desse ambiente, por meio da
sensibilização e da tomada de consciência, pois a relação do homem com o meio ambiente
deve estar atrelada à responsabilidade de conservação desses recursos naturais (VIANA et
al., 2014).
A percepção construída pelo indivíduo está relacionada ao entendimento dos
fatores que os levam a formar opiniões e ter atitudes em relação ao meio no qual estão
inseridas (TERAMUSSI, 2008). Então, conhecer a percepção ambiental pode ser considerada
uma estratégia de ação, na qual se possa identificar possíveis soluções de problemas em
áreas verdes, como parques urbanos.

2 PARQUES URBANOS

Os fragmentos florestais (BARROS et al., 2006), como áreas verdes urbanas, nas
últimas décadas vêm se tornando os principais defensores do meio ambiente, pelo espaço
que lhes é destinado nos centros urbanos (LOBODA; DE ANGELIS, 2009), que, segundo Fiera
(2009), são áreas caracterizadas por muitas pressões, tais como espaço limitado, condições
climáticas adversas, poluição do ar, dentre outras.
Então surgem os parques urbanos, buscando um equilíbrio entre o processo de
urbanização e a preservação ambiental, recriando condições naturais, permitindo que a
população tenha contato físico com a natureza e, assim, tornando-se um local de
sociabilidade (SCALISE, 2002), oferecendo lugares de recreação em espaços abertos
próximos às áreas residenciais (LI et al., 2005).
O modelo paisagístico parque urbano, surgiu em meados do século XIX (COSTA,
2012), inspirados nos jardins ingleses (KLIASS, 1993). Gomes (2014) observa que os parques
surgem pela necessidade de dotar os espaços urbanos de áreas verdes e de lazer,
possibilitando dessa forma maior qualidade ambiental, pois os parques não são
simplesmente espaços verdes criados sem intencionalidades, mas sim representam
38

equipamentos urbanos capazes de alterar o padrão de uso e ocupação do solo, nas grandes
cidades.
Atualmente, a configuração dos parques urbanos está relacionada aos aspectos de
usos e funções desses espaços (COSTA, 2011), alguns estão relacionados à proteção
ambiental, outros à cultura, recreação e lazer (SCALISE, 2002). No entanto, o papel desses
espaços verdes urbanos diverge entre algumas cidades, devido aos distintos aspectos
ambientais e socioculturais (JANKOVSKA et al., 2010).
Cabe ainda ressaltar que os parques também podem ser usados para fins religiosos,
como demonstra Serpa (1996), no estudo realizado com praticantes do Candomblé em
Salvador/BA, sobre a relação dessa população com o Parque de São Bartolomeu. Segundo o
autor, a população estudada percebe o Parque como uma reserva ecológica (muito
importante para a preservação ambiental de Salvador, onde ainda é possível observar
resquícios de Mata Atlântica), mas também como um lugar sagrado para o candomblé (onde
se pode praticar rituais e colher as espécies vegetais necessárias para realizar os cultos nos
terreiros).
Chaves e Amador (2015) assinalam que, no contexto urbano, os parques são
categorizados como áreas livres de construções, destinadas a todos os tipos de utilização,
permitindo uma interação de modo coletivo na cidade, sendo esses espaços um ambiente de
lazer, recreação e entretenimento para toda a população urbana. Consiste assim em um
valioso recurso para as cidades superlotadas, conforme define Ryan (2005).
Como observado por Jorgensen et al. (2002), para muitos moradores urbanos o
contato com a natureza se limita a frequentar os parques locais. Os autores ainda
acrescentam que os parques urbanos têm efeitos benéficos sobre a população citadina, por
tornarem a paisagem urbana biologicamente mais sustentável.
Gomes (2014) ressalta que os parques urbanos são fundamentais na cidade, por
proporcionarem recreação e lazer, principalmente à população mais carente da sociedade
metropolitana, que nem sempre dispõe de outras opções. O autor também afirma que a
criação e implantação de parques requer a compreensão das necessidades de grupos
socialmente distintos, que se apropriam de diferentes maneiras dos equipamentos públicos
existentes no perímetro urbano.
Segundo Kliass (1993), parques urbanos são espaços públicos onde há
predominância de elementos naturais e cobertura vegetal amenizadoras das estruturas
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 39

urbanas, podendo oferecer equipamentos de lazer e recreação. E são considerados


ambientes de uso coletivo (CHAVES; AMADOR, 2015), sendo um espaço essencial à
conjectura de vida moderna, como estratégia ao desenvolvimento sustentável das grandes
cidades (TOLEDO; SANTOS, 2012).
Como parte do ecossistema urbano (LI et al., 2005), composto por elementos
naturais (incluindo árvores, gramado, arbustos, flores) e artificiais, os parques urbanos são
ambientes naturais localizados entre áreas construídas, que oferecem benefícios ambientais,
como contato com a natureza e oportunidades de lazer (LO; JIM, 2012), além de poderem
promover melhorias na qualidade de vida urbana (ACAR; SAKICI, 2008).
Para Viana et al. (2014) os parques urbanos são lugares muito importantes para a
melhoria da qualidade de vida ambiental e social nas grandes cidades. Os autores ressaltam
que esses espaços surgiram para atenuar o desconforto social no meio urbano. Desse modo,
a percepção dos cidadãos, sobre esses fragmentos florestais, determina a forma que utilizam
os parques urbanos. Pois, de acordo com Dorigo e Lamano-Ferreira (2015), quando a
população se aproxima da natureza valores e atitudes, em relação ao meio ambiente, são
questionados a partir de suas percepções.
Chiesura (2004) argumenta que os parques urbanos, próximos de onde as pessoas
vivem e trabalham, representam uma importante estratégia na qualidade de vida da
sociedade urbanizada, por fornecerem serviços ambientais como a purificação do ar e
estabilização do microclima. Segundo Chaves e Amador (2015), as áreas verdes urbanas,
como os parques, proporcionam um ambiente agradável para recreação e lazer, um
equilíbrio ambiental, por filtrar a poluição do ar e amenizar as altas temperaturas, além de
promover interações sociais nas áreas urbanas.
Cardoso et al. (2015) assumem que os parques urbanos representam um espaço
público de aprendizado e sociabilização, assim relacionando esses espaços aos aspectos de
funcionalidade, pois, segundo os autores, os parques desempenham funções distintas no
cenário urbanizado. Para Costa e Colesanti (2011), essas funções proporcionam um bom
relacionamento entre população e meio ambiente, pois os parques urbanos são importantes
locais de lazer para os cidadãos citadinos (LIU et al., 2013), por constituírem locais de
convívio social e de manifestação da vida em comunidade, como ressalta Londe (2014).
Portanto, os parques como elementos urbanos, incorporados ao patrimônio citadino
40

(KLIASS, 1993) “são uma área verde com função ecológica, estética e de lazer, com uma
extensão maior que as praças e jardins públicos” (MMA, 2015a).
No Brasil, a criação do primeiro parque nacional aconteceu em 1937, na cidade de
Itatiaia/RJ (GOMES, 2014, FONTOURA; SILVEIRA, 2008), com o intuito de oferecer lazer à
população urbana e incentivar a pesquisa científica (FONTOURA; SILVEIRA, 2008). Já o
primeiro parque urbano do município de São Paulo, foi o Jardim Público, que data de 1825,
atualmente é chamado de Parque da Luz (PUMSP, 2015b).
Os demais parques urbanos de São Paulo surgiram de distintos processos e foram
implantados pelo poder público (KLIASS, 1993), que fez uso de áreas desapropriadas, antigas
sedes de fazendas e chácaras, designando esses espaços à implantação de parques, por
serem áreas arborizadas, que necessitavam apenas de adequações antes de serem abertas
ao público (BARTALINI, 1999).
Mariano et al. (2015) observam que a noção de “parque” durante muito tempo
esteve associada a serviços de estética e recreação. Porém, com as mudanças nas condições
e necessidades da cidade de São Paulo, a função de recreação passou a incluir também a
disponibilização de atividades esportivas. Ainda segundo os autores, é sob esse contexto que
a preocupação com a preservação e implantação de parques urbanos está associada não
apenas ao lazer e à estética, mas principalmente aos serviços ambientais que esses podem
prestar à metrópole.
Entretanto, de acordo com Londe (2014), para que as áreas verdes, como parques
urbanos, possam efetivamente desempenhar suas funções que tanto beneficiam física e
psicologicamente a população citadina, é necessário que elas sejam efetivamente
englobadas ao planejamento urbano.
Então, reconhecendo a importância dos parques públicos (MARIANO et al., 2015),
visando a ampliar as áreas verdes de lazer e de contato com a natureza na cidade,
transformando-as em parques, a Prefeitura de São Paulo lançou o Programa 100 Parques,
que objetivou não só ampliar esses espaços, mas distribui-los de forma mais equilibrada no
perímetro metropolitano (SÃO PAULO, 2015). Atualmente, a cidade de São Paulo dispõe de
109 parques, incluindo alguns que não abertos à visitação e alguns fechados por período
indeterminado.
Cabe salientar que o programa 100 parques também incluiu a implantação de
parques lineares nas margens dos rios e córregos da cidade, a fim de prevenir construções
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 41

indevidas em áreas de risco e operar como drenos de água minimizando enchentes,


decorrentes da impermeabilização do solo urbano. E mesmo apresentando uma
configuração diferente dos parques convencionais, os parques lineares implantados e
mantidos pela prefeitura de São Paulo também são considerados estruturas produtoras de
serviços ambientais, lazer, educação e cultura (MARIANO et al., 2015).

3 CONSIDERAÇÕES

A percepção ambiental é uma ferramenta utilizada em estudos sobre parques


públicos nos grandes centros urbanos, pois a investigação científica proporciona
oportunidades de compreender como os indivíduos formam suas percepções tanto sobre o
ambiente natural como sobre o ambiente construído. A compreensão individual e coletiva
sobre o meio ambiente está relacionada a valores pessoais, experiências, escolhas e
comportamentos dos seres humanos.
A investigação da percepção ambiental da população sobre parques urbanos é uma
ferramenta que pode ser utilizada por gestores públicos. Essas informações geram subsídios
e envolve a sociedade nas estratégias de gestão das áreas verdes. A participação pública na
tomada de decisões a respeito de políticas que visam ao desenvolvimento sustentável tem
sido cada vez mais reconhecida (BI et al., 2010).
Políticas públicas ambientais, quando formuladas e aplicadas de modo a contemplar
os desejos e anseios da população para os quais essas medidas são destinadas, podem ser
capazes de reduzir o desperdício de tempo e, consequentemente, do dinheiro público, por
possibilitarem um gasto mais eficiente desses recursos. Além de promover efetivamente o
desenvolvimento social, econômico e ambiental de forma sustentável, alcançam também a
satisfação da população em relação ao desempenho dos gestores públicos.
O crescimento urbano ocasiona profundas transformações nas paisagens (PRIEGO
et al., 2008), e a falta de áreas verdes influencia negativamente na qualidade de vida da
população (MARIANO et al., 2015). Assim, a ampliação das áreas verdes em São Paulo e a
distribuição desses espaços de forma equilibrada dentre as regiões da cidade são
importantes, no sentido que a alta oferta de espaços verdes no contexto urbano pode
contribuir para a formação de cidadãos com valores e atitudes que contribuam para
comportamentos pró-ambientais.
42

Sugere-se que a gestão dos parques urbanos seja baseada nos desejos e anseios da
população que frequenta, usufrui dos serviços, atividades, eventos e da infraestrutura
oferecida nesses espaços. Além de ser desempenhada de modo que o frequentador
participe da tomada de decisão, pois quando o ser humano se sente responsável por
determinado ambiente ele tende a conservar, zelar e cuidar mais desse espaço. Por isso, os
estudos sobre a percepção ambiental de frequentadores de parques urbanos são
importantes e cada vez mais necessários.

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46
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 47

Capítulo 3

O PARQUE SITIÊ NA FAVELA DO VIDIGAL: UM NOVO ESPAÇO8

Claudia Seldin9
Lilian Fessler Vaz10

1 INTRODUÇÃO: NOVOS ESPAÇOS

Em uma cidade como o Rio de Janeiro, caracterizada pela pluralidade cultural e


pelas desigualdades sociais, investigar as diferentes formas através das quais a população
utiliza os espaços é uma tarefa de extrema importância. Isso porque muitas das disparidades
presentes na realidade carioca se traduzem, com frequência, em um grande desequilíbrio no
acesso e na distribuição dos serviços públicos, das infraestruturas urbanas e dos
equipamentos culturais formais11. Em áreas menos privilegiadas, como as favelas e
periferias, onde os investimentos são menores e as carências são múltiplas, grande parte da
população se vê obrigada a usar sua criatividade e poder de improvisação para criar meios e
espaços alternativos, que sejam capazes de suprir algumas necessidades básicas (VAZ, 2014).
Aqui, trataremos mais especificamente desta improvisação do espaço sob o ponto
de vista da cultura e do lazer. Ou seja, focaremos na capacidade de transformação do espaço
urbano, através do uso cultural ou de novos modos de vida, de locais inicialmente pensados
para abrigar outras atividades – desocupados, escondidos ou desapercebidos em meio à
paisagem urbana. Ressaltamos que a paisagem carioca é famosa por sua diversidade
morfológica, que reúne marcos naturais e construídos, bairros projetados e ocupados

8
Versões preliminares deste artigo foram apresentadas e publicadas nos anais do IV Seminário Internacional da
AEAULP (Belo Horizonte, 2017) e do XVII Encontro da ANPUR (São Paulo, 2017). Ver referências bibliográficas.
9
Doutora em Urbanismo, pesquisadora de pós-doutorado no PROURB/FAU-UFRJ com bolsa FAPERJ/CAPES.
10
Doutora em Arquitetura e Urbanismo, cofundadora e professora colaboradora do PROURB/FAU-UFRJ e
pesquisadora CNPq 1B. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Cultura, História e Urbanismo (GPCHU) na mesma
instituição.
11
De acordo com Coelho (2004), os equipamentos culturais consistem nas edificações destinadas a práticas
culturais ou grupos de produtores que tornam o espaço cultural passível de operação. Seriam os museus,
bibliotecas, centros culturais e salas de teatro e cinema, etc.
48

espontaneamente, áreas edificadas e livres. No entanto, para além da riqueza natural, dos
monumentos e de alguns exemplares emblemáticos de arquitetura celebrados como parte
essencial do imaginário local, encontram-se esses espaços esquecidos, que configuram
“brechas” – vazios urbanos, recortes adjacentes ao traçado viário, estruturas obsoletas,
abandonadas ou desocupadas.
A eles nos referimos como espaços insólitos – recortes não planejados ou não
projetados, modificados pelo uso temporário e por muita força de vontade de uma camada
da população acostumada a ter que lutar por seu lugar na cidade. Este é o caso de um lixão
transformado em parque urbano na favela carioca do Vidigal – um dos muitos exemplos de
espaços que consistem em opções mais acessíveis aos habitantes das regiões marginalizadas
que os equipamentos culturais tradicionais, majoritariamente concentrados nas zonas
nobres do município.
A ocupação formal dos vazios urbanos e espaços residuais no Rio de Janeiro de hoje
segue padrões globais, em que o planejamento da cidade como um todo vem sendo
substituído por projetos pontuais para áreas degradadas ou abandonadas. O que se observa,
em geral, é uma tendência de repaginação da imagem da cidade, com uma aposta na cultura
como principal instrumento revitalizador do espaço urbano. Atualmente, muitos são os
casos de grandes investimentos em equipamentos culturais projetados por arquitetos
famosos em meio a espaços livres públicos de primoroso design, visando à renovação
urbana. Áreas estratégicas, centros históricos, vazios em zonas portuárias, industriais ou
outras áreas decadentes são reabilitadas, tornando-se, por vezes, âncoras da recuperação
econômica. Através de reformas urbanas pontuais, potencializadas por um marketing
eficiente, as cidades tornam-se casos espetaculares e midiáticos, impondo-se em uma
competição globalizada pela atração de capital, turistas e habitantes (SELDIN, 2017).
Em face das tendências internacionais de preenchimento dos vazios das cidades,
ressaltamos que, atualmente, apenas alguns dos espaços residuais cariocas – situados em
regiões centrais e/ou estratégicas – vêm se tornando objeto de projetos urbanos que visam
a revitalizar a imagem da cidade, como é o caso da operação urbana Porto Maravilha nos
bairros da Gamboa, Saúde e Santo Cristo. Esta operação propôs revitalizar a Zona Portuária
carioca através da recuperação de vastos galpões portuários e de uma série de intervenções
que incluem a implantação de grandes centros culturais e de lazer: um Aquário e dois
museus – o Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) e o Museu do Amanhã (projetado pelo
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 49

arquiteto Santiago Calatrava), que se justificariam devido à realização, na cidade, dos Jogos
Olímpicos de 2016.

Figura 1: O Museu do Amanhã, de Santiago Calatrava, na Praça Mauá no Rio de Janeiro

Fonte: Claudia Seldin (2015).

Outros espaços residuais e vazios – periféricos e menos atraentes ao mercado


imobiliário – são deixados de lado pelo planejamento urbano formal. Muitos permanecem
desapercebidos ou desocupados, muitos são transformados em estacionamentos ou
tomados pelo comércio informal, e alguns poucos vêm sendo apropriados pela população
local para a instalação de moradia ou para a realização de atividades culturais. Essas
atividades variam desde a ocupação de edifícios e galpões abandonados por coletivos de
artistas (à semelhança dos squats europeus), até a apropriação cultural e inusitada das já
mencionadas “brechas” espaciais, que transcende a noção do “ordinário”, fazendo surgir
lugares que representam verdadeiros laboratórios de experiência urbana e de encontro
social.
50

2 OS USOS TEMPORÁRIOS E OS ESPAÇOS “FROUXOS”

As apropriações socioculturais sob estruturas viárias, por exemplo, vêm


proliferando no Rio de Janeiro. Casos como um baile sob o Viaduto Negrão de Lima no bairro
suburbano de Madureira e o sarau e eventos de troca solidária sob o Viaduto Laranjeiras, no
bairro homônimo de classe média, vêm ganhando cada vez mais atenção midiática.
Porém, essas não são as únicas formas alternativas de realização de atividades de
encontro e sociabilidade em espaços obsoletos. Usos surpreendentes de espaços
escondidos, abandonados ou projetados para outras funções são cada vez mais comuns,
especialmente nas favelas cariocas, onde a ideia de “planejamento” adquire outros
significados: as casas, edifícios, lajes e escadarias vão sendo construídas de acordo com a
necessidade e com as oportunidades que se apresentam. E, seguindo a mesma lógica, os
indivíduos e coletivos culturais também atuam de acordo com a ocasião, agarrando as
possibilidades que surgem.
Alguns exemplos consistem na utilização de lajes, paredes e empenas para a
projeção de filmes no espaço conhecido como “Laje do Michael Jackson”, no Morro Santa
Marta; na galeria de grafite ao ar livre denominada Museu de Favela (MUF), no Morro do
Cantagalo (ambos na Zona Sul carioca); ou ainda nas apresentações de peças teatrais em
ruas e lajes pelo coletivo Teatro da Laje, surgido na comunidade de Vila Cruzeiro (Complexo
da Penha, na Zona Norte).
Esses casos apontam para o fortalecimento e a consolidação de grupos que
assumem para si a responsabilidade de transformar o cotidiano onde vivem e também de
reconfigurar simbolicamente o espaço urbano – e principalmente o espaço público – através
de novos usos, que são quase sempre temporários. Ou seja, trata-se de atividades de caráter
transitório e efêmero, que não são necessariamente fixas a apenas uma localidade,
movendo-se no espaço ou operando durante tempo limitado.
Devido à sua grande capacidade de adaptação, os usos temporários de arte e lazer
propiciam novas relações entre as pessoas e os lugares, independente da presença de
edificações – os equipamentos tradicionais – para abrigar as atividades culturais e promover
a sociabilidade.
Apoiando-nos nas noções de “estratégia” e “tática” propostas por Michel de
Certeau (1994), podemos afirmar que o uso temporário, conforme observado nos exemplos
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 51

citados, consiste em uma tática do homem comum/ordinário – no caso, do habitante da


favela ou da periferia –, que, em face dos problemas da vida cotidiana, encontra como
solução a reutilização e a reapropriação dos objetos e dos espaços de acordo com as
possibilidades que estes oferecem, subvertendo referências e normas impostas, e abrindo
fissuras nas relações de poder preestabelecidas. Olhar semelhante é lançado por Ana Clara
Ribeiro (2004), ao defender que os excluídos das oportunidades de educação, saúde,
esporte, trabalho e lazer apresentam-se, muitas vezes, como os “verdadeiro(s)
desbravador(es) de oportunidades criativas, insubordinadas e disruptivas”, pois “é(são)
dele(s) e dos seus espaços inorgânicos que advêm as inovações realmente radicais, capazes
de impulsionar um grande espectro de novos e atraentes bens culturais, de especial
relevância para a juventude” (RIBEIRO, 2004, p. 100-101).
Somando-se ao potencial dos usos temporários, destacamos a característica de
“frouxidão” de certos espaços, capazes de revitalizar a vida nas cidades. Os autores Karen
Franck e Quentin Stevens ressaltam a relevância dos “espaços frouxos” (loose spaces) para o
contexto urbano. Segundo eles, esses são lugares que abrigam a espontaneidade através de
atividades frequentemente não planejadas. Neles não existe, necessariamente, um uso
predeterminado ou fixo (2007, p. 2).
A presença de “espaços frouxos” é possibilitada através da ação humana direta e da
criatividade das pessoas, que notam sua existência e apreendem o seu potencial,
enxergando novas formas de arranjar os elementos físicos que os compõem, bem como
novas possibilidades para seu aproveitamento. Franck e Stevens explicam o conceito de
“frouxidão” espacial (looseness), associando-o principalmente aos espaços públicos e às
atividades ao ar livre (em oposição aos espaços privados, que são tradicionalmente mais
fechados e restritos). Isso porque, nos espaços públicos, há uma fluidez de expectativas,
uma liberdade e acessibilidade maior para exercer múltiplas atividades (2007, p. 2). Trata-se
dos “espaços de respiração da cidade” (2007, p. 3), onde a descoberta, a exploração e as
oportunidades são possíveis; assim como o encontro com o inesperado e o não regulado.
Uma parte considerável das iniciativas ligadas à “frouxidão” espacial consistem em
formas de entretenimento, de lazer, de expressão da cidadania ou de interação social. São
atividades que se encontram fora da rotina monótona das pessoas. O espaço “frouxo”
constituiria, por tanto, uma esfera para além do ambiente homogêneo e controlado de lazer
e consumo das cidades atuais, onde o imprevisível quase não tem lugar. Através da
52

multiplicidade dos atores que ele convida, o espaço “frouxo” permite que se atinja uma
autenticidade na esfera urbana, reforçando as práticas locais e permitindo o florescimento
de algumas culturas e identidades que ficariam oprimidas se eles não existissem (FRANCK;
STEVENS, 2007, p. 20-21).
Sob esta perspectiva, podemos afirmar que o caso aqui apresentado – o Parque e
Instituto Sitiê na favela do Vidigal – possui essa “frouxidão” e que, através do uso
temporário e cultural, transforma-se não só física, mas simbolicamente. Trata-se, portanto,
de um espaço insólito, raro, extraordinário, singular.

3 O PARQUE E INSTITUTO SITIÊ NA FAVELA DO VIDIGAL

Situado na zona sul carioca, entre os bairros nobres do Leblon e São Conrado, o
morro do Vidigal conta com cerca de 25 mil habitantes12 e uma das mais belas vistas do
litoral da cidade. Em seu coração, totalizando 8.500 m2, encontra-se o Parque Sitiê13 – um
novo espaço público construído pela comunidade local em meio à Mata Atlântica.
O caráter de “frouxidão” do Sitiê deve-se ao fato de o local constituir uma enorme
área de depósito de lixo e entulho até o início dos anos 2000. Segundo seu fundador, Mauro
Quintanilha, aquela parte da favela sofreu com uma série de ocupações habitacionais
irregulares durante a década de 1980. Sem a infraestrutura adequada, a área passou a
acumular restos de material de construção e dejetos. A depredação abriu espaço para que
os moradores também jogassem ali seu lixo doméstico, contribuindo para o sucateamento
da encosta. Em 2003, a Prefeitura do Rio demoliu a maior parte das construções porque
“ultrapassavam a faixa vermelha da Mata Atlântica”14. O entulho resultante das demolições
nunca foi removido, levando a um quadro ainda mais expressivo de degradação, agora
somada ao relativo abandono do local, que chegou a acumular aproximadamente 16
toneladas de entulho.

12
De acordo com o censo demográfico de 2010, residem cerca de 10 mil habitantes na favela, porém, o censo
realizado pelo Instituto Sitiê (que funciona em parceria com o parque) aponta que o número real gira em torno
de 25 mil.
13
O nome Sitiê consiste em uma combinação do apelido da área conhecida pelos moradores antigos como
"sítio" e o sufixo “tiê” – uma alusão ao pássaro Tiê-Sangue [Ramphocelus bresilius] – ave símbolo da Mata
Atlântica brasileira.
14
Em entrevista pessoal realizada em novembro de 2016 no parque. Dados também retirados de Collins (2016)
e do website oficial do Sitiê, disponível em: <http://www.parquesitie.org/ historia>. Acesso em: 10 out. 2016.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 53

Figura 2: Casas próximas ao Parque Sitiê na Favela do Vidigal

Fonte: Claudia Seldin (2016).

Indignados com a destruição da área onde habitavam, os moradores Quintanilha e


Paulo Cesar de Almeida decidiram iniciar um processo de limpeza das redondezas em 2005,
com o objetivo de transformá-las em um local público digno para a comunidade do Vidigal,
que carece de espaços livres de qualidade dentro da favela.
Inicialmente, as tentativas de limpeza foram frustradas, pois os demais moradores
continuavam identificando a área como obsoleta e sem uso útil. Houve, então, o
entendimento de que comunidade precisaria participar ativamente da construção daquele
local para considerá-lo como um espaço de valor simbólico para todos, o que levou a um
trabalho de conscientização dos moradores sobre a importância da natureza e dos valores
ligados à sustentabilidade.
54

Figura 3: Acesso ao Sitiê na Favela do Vidigal

Fonte: Claudia Seldin (2016).

O respeito à área veio através de um projeto de horta urbana acompanhado da


realização de oficinas abertas aos moradores. Os produtos colhidos passaram a ser
distribuídos para a comunidade, estabelecendo uma relação de troca funcional e afetiva
entre ela e o espaço. Logo, formou-se um grupo responsável por tomar conta do local, que
tomou para si a iniciativa de realizar um reflorestamento parcial. Em 2012, o Sitiê – agora
conformado como parque, recebeu o título de primeira agrofloresta do mundo.
No mesmo ano, a realização da Rio+20 – conferência das Nações Unidas sobre
desenvolvimento sustentável, fez com que as atenções se voltassem para esta iniciativa,
aumentando a visibilidade do Sitiê. A partir deste momento, o arquiteto Pedro Henrique de
Cristo conheceu a proposta e juntou-se à mesma, relocando-se para o Vidigal e inaugurando
ali seu escritório, intitulado +D. Ele seria uma peça determinante para concretização do
Instituto Sitiê, oficializando o status do parque e viabilizando parcerias entre a comunidade e
instituições públicas e privadas. A aliança com o arquiteto possibilitou uma nova etapa na
história do coletivo, que passou a focar na ampliação do parque através de áreas projetadas
a partir da parceria entre o escritório e os moradores envolvidos.
Nesse sentido, o Sitiê se transformou em uma espécie de laboratório para o
desenho urbano experimental: em sua paisagem de encosta, destacam-se escadas de acesso
feitas de pneus preenchidos com entulho, uma praça (denominada “ágora digital”) com
patamares em pneus voltados para a vista do mar e um guarda-corpo feito a partir de aros
de bicicletas. Para reter e incentivar a permanência das pessoas, o coletivo trabalha na
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 55

agradabilidade do local, focando em um design de mobiliário urbano criativo e também em


artifícios como acesso à internet sem fio grátis.
O resultado do envolvimento emocional e da criatividade dessas pessoas foi a
transformação deste “espaço frouxo”, escondido em meio ao verde e às casas, em um local
de convivência e de respiro para a população local, bem como em um novo ponto turístico
carioca. Só que, diferentemente da maioria das atrações turísticas do Rio de Janeiro, esta
situa-se em uma favela – local normalmente malvisto, marcado pela violência e pelas
carências; agora reconhecido pela potencialidade e por fugir do senso comum.
Em 2016, o Parque Sitiê foi reconhecido oficialmente pela Fundação Parques e
Jardins e pela Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura através da assinatura de um
contrato que incorporava a ele uma trilha de caminhada. Com isso, a área total do parque foi
ampliada de 1.500 m2 em 2013 para os atuais 8.500 em 2016.

Figura 4: A vista de chegada ao Parque Sitiê

Fonte: Claudia Seldin (2016).


56

Figura 5: O espaço da “ágora digital”

Fonte: Claudia Seldin (2016).

Concomitante ao seu crescimento, novas atividades de caráter cultural passaram a


ser ali realizadas, como debates, shows musicais, eventos religiosos, oficinas de pintura e de
educação ambiental, artística e tecnológica, rodas de samba e bossa-nova. Os planos para o
parque incluíam o desenvolvimento de um “caminho das artes” a ser construído na trilha e
de soluções projetuais para a captação das águas pluviais na favela, geralmente
desperdiçadas com intensidade e rapidez. No fim de 2016, os responsáveis pelo Sitiê foram
obrigados a se afastar do local em função de conflitos com poderes paralelos da favela.
Durante a maior parte de 2017, as atividades do parque foram consideravelmente reduzidas
até que, no fim de novembro, ele passou a ser chamado de Parque Educacional Popular
Sitiê, dando sinais de poder retornar no momento em que este capítulo foi encerrado.
O diferencial deste estudo de caso se deve ao fato de se tratar de uma iniciativa da
própria comunidade, que se mantém liderando e participando ativamente do projeto,
tornando-se um exemplo de ação capaz de modificar e intervir num quadro de carências de
diversos tipos. Somado a isso, temos o fato de esta iniciativa ter contribuído para a definição
de um novo conceito de parque urbano – baseado no envolvimento comunitário, e que
passou a ser adotado como modelo pela Prefeitura do Rio, uma vez que a mesma não possui
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 57

recursos próprios para investir e criar novos espaços públicos e se interessa por aqueles que
sejam autoconstruídos.
O arquiteto Pedro Henrique de Cristo15 enxerga a “ocupação” do Sitiê pela
comunidade como um projeto de integração com resultados concretos: o estabelecimento
de uma comunidade protetora do ambiente, a resiliência ambiental e a criação de um
espaço multifuncional, assim como a associação bem-sucedida da experiência prática da
comunidade com a teoria por ele trazida em função de sua formação.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O diferencial deste parque urbano em uma favela carioca se deve ao fato de


constituir uma iniciativa “de baixo para cima” (um esquema bottom-up), partindo das mãos
da própria comunidade, que se mantém liderando e participando ativamente do seu
desenvolvimento. Além disso, esse caso reflete a aliança da comunidade com o arquiteto
profissional e a associação bem-sucedida da experiência prática do “fazer” do homem
comum de De Certeau (1994) com a teoria de campos consolidados da Arquitetura, do
Urbanismo, do Paisagismo e do Design.
Apesar da trajetória majoritariamente bem-sucedida do Sitiê, não podemos deixar
de mencionar que o mesmo pode vir a contribuir para um já crescente quadro de
gentrificação da favela do Vidigal. Isso porque a nova fama do parque vem intensificando o
turismo cultural por parte de visitantes de fora da comunidade. Este fato, somado ao
aumento do número de albergues e do interesse imobiliário no local em função da sua
localização privilegiada, vem acarretando a expulsão de alguns moradores da região por não
conseguirem mais arcar com o aumento do custo de vida ali. Ressaltamos, portanto, que o
futuro crescimento do parque deverá levar em conta este fenômeno e considerar que o
conceito de sustentabilidade implica também na redução da probabilidade de gentrificação
e na proteção dos interesses da comunidade local. Se incorporar esta consciência, o caso do
Vidigal servirá como um ótimo exemplo para atestar a importância dos “espaços frouxos” e
dos usos temporários para as cidades contemporâneas.
Esses usos, ao possibilitarem a produção de cultura, arte e lazer no espaço público,
potencializam também a transformação da “frouxidão” espacial em vitalidade urbana,
15
Também em entrevista pessoal realizada em novembro de 2016, no parque.
58

permitindo que as pessoas consigam observar, relaxar, celebrar e se encontrar em recortes


da cidade historicamente marcados pela falta de políticas públicas. Mais do que isso, essas
iniciativas permitem a fruição da vida na cidade para além de uma realidade marcada pela
crescente privatização da terra, pela sanitização e mercantilização do espaço público,
inspirando a elaboração de novas formas de se pensar as políticas urbano-culturais.
Através da real criatividade e da participação, iniciativas deste tipo ajudam a
despertar as potencialidades de locais dormentes, degradados, vazios, escondidos e
periféricos. Elas incentivam novas formas de pensar e construir o espaço urbano,
contribuindo para incentivar e reforçar o direito à participação, à apropriação e,
fundamentalmente, o direito à cidade.

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Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 59

Capítulo 4

ASSENTAMENTO SÃO JOAQUIM E A QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA


DE SUAS ÁGUAS SUPERFICIAIS, SELVÍRIA/MS

André Luiz Pinto16


Denivaldo Ferreira de Souza 17

1 INTRODUÇÃO

A água é vital para os seres humanos, porém o uso descontrolado desse recurso
leva inúmeros sistemas hidrográficos ao colapso de seus regimes fluviais, comprometendo o
funcionamento desses ecossistemas aquáticos e toda vida neles inseridas.
Cada vez mais a crise hídrica influencia no volume das vazões fluviais, que é
diretamente proporcional ao poder dos cursos fluviais em diluir e assimilar os
contaminantes, que podem ser naturais e/ou antrópicos.
As águas superficiais de uma bacia hidrográfica de um território armazenam
informações características e peculiares da sociedade e das suas formas de produção.
Segundo Tundisi (2003), a qualidade da água guarda os valores sociais de uma sociedade e
expressa o seu grau de desenvolvimento.
Pinto (2014) enfatiza que “as bacias hidrográficas agregam elementos do
subsistema natural, construído e socioeconômico tanto produtivo como cultural, que são
interligadas entre si e com todo o ambiente à sua volta”. E sua drenagem lava todas as
formas de uso, cobertura e manejo da terra, carreando para o canal fluvial todas as
transformações geradas pela ação antrópica.
Portanto, a qualidade das águas de uma bacia hidrográfica segundo Pereira (1997),

16
Professor doutor responsável pela coordenação da pesquisa. Docente associado pela UFMS/Três Lagoas, e-
mail: andre.pinto@ufms.br
17
Mestre em geografia pela UFMS/Três Lagoas. Doutorando em Geografia pela Unicamp/Campinas, e-mail:
deny1609@gmail.com
60

reflete a interação quanti-qualitativa de fatores, como clima, topografia, geologia, uso,


cobertura e manejo da terra. Bem como os seus traços históricos e culturais que espelham a
sua percepção, interação e valoração com esse sistema hídrico.

O termo qualidade da água não se refere ao estado de pureza, mas sim ao


equilíbrio das características físicas, químicas e biológicas da água, que estipularão
finalidades diferentes para o uso da água. (MERTEN; MINELA, 2002, p. 34).

Contudo, ressalta-se que água pura não existe, pois o termo referido trata-se da
composição de diversos elementos químicos que dependem do ambiente onde esta é
formada e circula, adquirindo propriedades que alteram os seus padrões de qualidade.
Em assentamentos rurais, sobretudo nos provenientes da reforma agrária, este
recurso tornou-se um problema habitual por vários fatores, como lotes divididos de modo
impreciso, que na maioria das vezes ocasiona problemas com relação à distribuição interna
de recursos hídricos. Assim, a escassez de água acaba por se tornar um dos mais árduos
desafios que os assentados devem superar para continuarem na terra (GODOI, 2014).
Desta forma, o monitoramento da qualidade das águas de uma bacia hidrográfica,
constitui informação vital para a sobrevivência e qualidade de vida da população, bem como
para o planejamento e gestão desse território. Acerca do monitoramento da qualidade das
águas, Casemiro (2016) argumenta que:

A gestão integrada dos recursos hídricos requer que a água seja sistematicamente
acompanhada tanto em termos de quantidade quanto de qualidade. O
monitoramento da qualidade das águas é fator primordial para a adequada gestão
dos recursos hídricos, sendo essencial para as ações de planejamento,
licenciamento, outorga, fiscalização e enquadramento dos cursos hídricos.
(CASEMIRO, 2016, p. 57).

O presente artigo tem como objetivo avaliar o comportamento da qualidade físico-


química das águas superficiais dos córregos Sabina e Pindaibinha, que cortam o
assentamento de reforma agrária São Joaquim, no município sul-mato-grossense de Selvíria,
nos invernos dos anos de 2013 e 2016.

2 ÁREA DE ESTUDO

O Assentamento São Joaquim está localizado a 80 quilômetros do município de Três


Lagoas/MS e a 65 quilômetros do município de Selvíria/MS, possuindo área de 35,16 km².
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 61

Situado entre as coordenadas geográficas de 20°05’00’’ e 20°10’00’’ de latitude S e


51°45’00’’ e 51°50’00’’ de longitude W (Figura 1).

Figura 1: Mapa de localização e articulação do assentamento São Joaquim, Selvíria/MS

As origens do Assentamento São Joaquim remontam aos anos 2000, quando


produtores rurais do município de Selvíria/MS, montaram acampamento às margens da
rodovia MS 112, sendo criado oficialmente pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) apenas em 2008.
O assentamento está subdividido em 181 lotes, onde habitam cerca de 600
moradores, sendo 56% do sexo feminino e 44% do sexo masculino, 69% dos indivíduos são
casados ou têm união estável, 69% estudaram até o Ensino Fundamental, 10% até o Ensino
Médio, 2% curso superior e 19% não possuem escolaridade. As famílias têm, em média, 2,7
indivíduos e todas as famílias foram alocadas no assentamento mediadas pela FETAGRI/MS
(2012). Em sua maioria, os assentados obtêm seu sustento por meio da agricultura familiar,
em lotes com em média 13,2 ha, com áreas de proteção permanente ambiental de 140,0 ha
e 935,4 ha de reserva legal, totalizando 3.514,34 ha.
62

3 METODOLOGIA

Para o monitoramento da qualidade físico-química das águas superficiais do


assentamento, que é cortado pelo ribeirão Beltrão e os afluentes, pela margem direita, em
seu alto curso, os córregos Pindaíba e Sabina. Utilizou-se dos parâmetros de oxigênio
dissolvido (OD), indicador principal e complementares, condutividade elétrica (CE), potencial
hidrogeniônico (pH), turbidez, potencial redox ou de óxidorredução (ORP), sólidos totais
dissolvidos (TDS), salinidade e temperatura da água e do ar. Todos mensurados em campo,
por meio do analisador multiparâmetros Horiba U50. Os equipamentos e métodos adotados
para mensuração estão explicitados no Quadro 1.

Quadro 1: Parâmetros, equipamento e métodos utilizados para análise da qualidade das águas superficiais dos
córregos Sabina e Pindaibinha, no assentamento São Joaquim, Selvíria/MS

Parâmetros Equipamentos Método

Oxigênio Dissolvido – OD Horiba U 50 Espectrofotométrico

Condutividade Elétrica – CE Horiba U 50 Eletrométrico

Turbidez Horiba U 50 Eletrométrico

pH Horiba U 50 Eletrométrico

Temperatura Ar e Água Horiba U 50 Eletrométrico

Potencial Redox – ORP Horiba U 50 Eletrométrico

Salinidade Horiba U 50 Eletrométrico

Sólidos Totais Dissolvidos – TDS Horiba U 50 Eletrométrico

Em 2013 foram selecionados 9 pontos de monitoramento, sendo 5 na sub-bacia do


córrego Sabina e 4 na sub-bacia do Pindaíba, pois a maior concentração de uso e ocupação
da terra centrava-se nessas sub-bacias (Figura 2).
Para a campanha de 2016, em função da expansão da ocupação do uso, cobertura e
manejo da terra, selecionou um ponto a mais, totalizando 10 pontos, inclusive no ribeirão
Beltrão. Ficando assim distribuídos: na sub-bacia do córrego Sabina, na sub-bacia do córrego
Pindaíba e na sub-bacia da margem direita do ribeirão Beltrão (Figura 2).
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 63

Figura 2: Localização dos pontos de monitoramento da qualidade das águas superficiais no assentamento São
Joaquim, Selvíria/MS, no inverno de 2013 e 2016

Foram utilizadas para a análise a média dos dados da mensuração dos pontos
monitorados ao longo das duas campanhas de campo, realizadas em 3 de julho de 2013 e
em 5 agosto de 2016. E para a análise e enquadramento das águas superficiais do
assentamento, nas classes de limitações do uso das águas doces no Brasil foi utilizada a
resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA 357, de 2005. O Quadro 2 e a
Tabela 1 apresentam os valores máximos permitidos para enquadramento, segundo esta
Resolução.
64

Quadro 2: Principais classes de limitações de uso das águas doces no Brasil

Classes Principais usos

Consumo humano com desinfecção; preservação de equilíbrio natural das comunidades


Especial aquáticas; preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção
integral.

Consumo humano, após tratamento simplificado; proteção das comunidades aquáticas;


recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho) Resolução Conama nº 274,
I de 2000; irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam
rentes ao solo e que sejam ingeridas sem remoção de películas e à proteção das comunidades
aquáticas em terras indígenas.

Abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional, à proteção das


comunidades aquáticas, à recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e
II mergulho, Resolução Conama nº 274, de 2000, à irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de
parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato
direto e à aquicultura e à atividade de pesca.

Abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional ou avançado, à irrigação


de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras, à pesca amadora, à recreação de contato
III
secundário e à dessedentação de animais.

IV Navegação e à harmonia paisagística.

Fonte: Resolução nº 357 do Conama, de 17/03/2005.

Tabela 1: Limites dos parâmetros analisados para enquadramento nas classes das águas doces no Brasil

Classes Limites para o enquadramento

Nas águas de classe especial deverão ser mantidas as condições


naturais do corpo de água.
OD + 10,0 mg/L
pH 6,0 a 9,0

Especial Turbidez até 20 NTU


Condutividade Elétrica até 50 us/cm
TDS 100 a 200 mg/L
ORP – 300 mV

OD 10 a 6 mg/L
pH 6,0 a 9,0
Turbidez 20 até 40 NTU
I Condutividade Elétrica 50 até 75 uS/cm
TDS 200 a 300 mg/L
ORP 300 a 400 mV
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 65

Classes Limites para o enquadramento

OD 6 a 5 mg/L
pH 6,0 a 9,0
Turbidez 40 até 70 NTU
II Condutividade Elétrica 75 até 100 uS/cm
TDS 300 a 400 mg/L
ORP 400 a 500 mV

OD 5 a 4 mg/L
pH 6,0 a 9,0
Turbidez 70 até 100 NTU
III Condutividade Elétrica 100 até 150 uS/cm
TDS 400 a 500 mg/L
ORP 500 a 600 mV

OD – 4 mg/L
pH 6,0 a 9,0
Turbidez acima de 100 NTU
IV Condutividade Elétrica +150 uS/cm
TDS +500 mg/L
ORP + 600 mV
Fonte: Pinto et al. (2009), adaptado da Resolução nº 357/2005 do Conama .

4 RESULTADOS

A reduzida vazão dos corpos de água juntamente com a turbidez concentrada,


condutividade elétrica, sólidos totais dissolvidos e o potencial redox, obtidos nas campanhas
realizadas nos invernos de 2013 e 2016, devem-se aos baixos níveis pluviométricos que
caíram sobre o assentamento. Em 2013 a precipitação acumulada cinco dias antes da
mensuração, de 29 de junho a 3 de julho, foi de apenas 6,7 mm (CASEMIRO, 2016),
enquanto em 2016 a precipitação acumulada de 1 a 5 agosto foi de 0,0 mm (NMET, 2016).
66

Tabela 2: Qualidade físico-química das águas superficiais da sub-bacia do córrego Sabina, assentamento São
Joaquim, Selvíria/MS, inverno de 2013
Pontos amostrados 1 2 3 4 5 Enquadramento
Horário 09:00 09:35 09:25 08:40 10:53
Temperatura ar 25,2 25,83 27,54 28,44 27,45
Temperatura água 24,62 21,13 28,18 26,02 20,89
pH 5,32 5,55 5,36 6,67 6,34 IV
ORP (mV) 235,00 264,00 270,00 126,00 130,00 E
CE (uS/cm) 30,00 4,00 8,00 4,00 12,06 E
Turbidez (NTU) 2,28 14,53 22,85 5,57 4,13 E
OD (mg/L) 7,31 8,12 8,84 5,33 7,43 II
TDS (mg/L) 27,02 62,33 1,31 9,76 8,52 E
Salinidade (%) 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Velocidade (m/s) 0,12 0,25 1,40 0,10 1,90
Enquadramento IV IV IV II I IV
Fonte: Casemiro (2016).

O ponto 1 caracteriza-se por ser uma das nascentes de uma pequena sub-bacia do
córrego Sabininha, identificado por uma voçoroca com o afloramento do lençol freático. No
período em questão, o local já se encontrava cercado, impedindo assim o acesso do gado
proveniente da pecuária extensiva de corte. Tal iniciativa mostra-se importante já que o
córrego estava, em 2013, passando por processo de recuperação de suas matas ciliares.
O ponto 2 localiza-se na foz da sub-bacia do córrego Sabininha, assim nomeado
pelos integrantes da pesquisa, em área cercada por densa mata ciliar.
Já o ponto 3 posiciona-se à jusante da foz da sub-bacia do córrego Sabininha. Com
condições similares ao ponto anterior, possuindo também área cercada com mata ciliar
densa e, ainda, intensa deposição de material orgânico tanto nas margens do córrego como
no fundo do canal fluvial.
Sobre a qualidade das águas do assentamento São Joaquim em Selvíria, Casemiro
(2016) faz alguns esclarecimentos:

A qualidade das águas do córrego Sabina, no assentamento São Joaquim tem como
principal limitante seu baixo pH, inferior ao estabelecido pela resolução 357 de
2005 do CONAMA, que preconiza de 6 a 9, sendo registrados no inverno de 2013,
nos pontos 1, 2 e 3, valores entre 5,30 a 5,55. (CASEMIRO, 2016, p. 34).

Derivado da grande ocorrência de áreas de ressurgência de água freática que


sofrem influência química dos arenitos da formação, Santo Anastácio, pertencente ao grupo
Bauru, possui como uma de suas características pH entre 5 e 6 (CETESB, 2013).
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 67

Portanto, os pontos monitorados 1, 2 e 3 enquadram-se pelo parâmetro pH na


classe IV do CONAMA, Resolução nº 357/2005. Sendo assim, seu uso é indicado apenas para
navegação e paisagismo.
Porém, o principal indicador de qualidade de água, o OD, encontrava-se em 2013,
elevado nos pontos 1, 2, 3 e 5, variando entre 7,31 e 8,84 mg/L, sendo classificado na classe
I. Somente o ponto 4 mostrou-se diferente, ficando na classe II (Tabela 2).
O ponto 4 encontra-se localizado a montante da confluência do Sabininha com o
Sabina, ponto onde se transforma em canal anastomosado, possuindo mata ciliar reduzida,
com uma pequena e pouco profunda lâmina de água, o que altera os níveis dos parâmetros
mensurados. Foi neste ponto também, que o maior potencial de oxidorredução da bacia foi
registrado, enquadrando-se na classe I.

[...] apesar da baixa concentração de sólidos dissolvido, registrada no córrego


Sabina neste ano, mostrando que as reações ocorrem não pela presença de sólidos
dissolvidos e sim pelo volume de matéria orgânica em decomposição, que
consomem muito oxigênio dissolvido na água e aumentam a turbidez da água.
(CASEMIRO, 2016, p. 35).

O ponto 5 caracteriza-se por estar a montante do ponto 4, na primeira e mais


importante nascente do córrego Sabininha. Localizado em área de afloramento de águas
subterrâneas, com mata ciliar fechada, não cercada com a constante presença de animais ao
longo do curso de água. Suas águas enquadram-se na classe I, com qualidade físico-química
boa.
A bacia do Sabina em 2013 foi enquadrada na classe IV, pois como uma parte da
população do assentamento São Joaquim consome água de forma in natura, o baixo pH de
suas águas pode causar desde queimações no estômago, até gastrites e úlceras, com seu uso
prolongado (Tabela 2).
No inverno de 2016, persistiram as baixas concentrações de pH. Na realidade essas
foram até mais baixas, enquadrando todos os pontos monitorados e a sub-bacia do Sabina
na classe IV do Conama, Tabela 3.
68

Tabela 3: Qualidade físico-química das águas superficiais da sub-bacia do córrego Sabina, assentamento São
Joaquim, Selvíria/MS, inverno de 2016

Pontos Amostrados 1 2 3 Enquadramento


Horário 10:04 9:30 14:15
Temperatura Ar 27,80 25,24 32,93
Temperatura Água 25,21 25,42 20,30
pH 3,50 3,90 3,15 IV
ORP (mV) 227,00 269,00 364,00 I
CE (uS/cm) 9,00 4,00 5,00
Turbidez (NTU) 28,70 20,00 28,01 I
OD (mg/L) 6,03 9,71 15,12 I
TDS (mg/L) 6,00 3,00 3,00 E
Salinidade (%) 0,00 0,00 0,0
Velocidade (m/s) 2,12 1,00 3,1
Enquadramento IV IV IV IV
Fonte: UFMS(2016).

A sub-bacia do córrego Pindaíba, em 2013, apenas no ponto 1, localizado na sua


nascente principal, obteve pH ácido, abaixo do valor mínimo permitido, que é 6,0, pela
Resolução nº 357/2005, do Conama e OD baixo, o enquadrando quanto ao pH e na classe IV
e no OD, classe II. Todos os demais pontos enquadraram-se pelo OD na classe I, que
preconiza: “Consumo humano, após tratamento simplificado; Proteção das comunidades
aquáticas; Recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho) Resolução
Conama nº 274, de 2000; Irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que
se desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas sem remoção de películas e à proteção
das comunidades aquáticas em terras indígenas” (Tabela 4). Esta sub-bacia enquadrou-se no
inverno de 2013 na classe II.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 69

Tabela 4: Qualidade físico-química das águas superficiais na sub-bacia do córrego Pindaíba, assentamento São
Joaquim, Selvíria/MS, inverno de 2013

Pontos 1 2 3 4 Enquadramento
Horário 11:30 10:53 10:55 10:00
Temperatura ar 28,40 27,45 26,87 26,75
Temperatura água 21:30 20,80 23,52 24,20
pH 5,67 6,30 6,38 6,20 II
ORP (mV) 126,00 187,00 202,00 207,00 E
CE (us/cm) 4,00 12,00 19,00 31,00 E
Turbidez 5,50 4,10 7,17 50,25 I
OD (mg/L) 5,33 7,73 8,98 8,30 II
TDS (mg/L) 8,98 8, 24 11,57 12, 38 E
Salinidade (%) 0,00 0,00 0,00 0,00
Velocidade (m/s) 0,60 1,91 2,96 1,30
Enquadramento IV I I I II
Fonte: Casemiro (2016).

No inverno de 2016, o pH muito ácido foi o principal limitante da qualidade de suas


águas, bem como a baixa oxigenação das águas do ponto 5, a sua nascente principal, ponto 1
em 2013. O ponto 9 localiza-se próximo à foz do córrego Pindaíba no Ribeirão Beltrão e
também em função de sua grande acidez foi posicionado na classe IV. Classe esta que
caracterizou a sub-bacia do córrego Pindaíba em 2016 (Tabela 5).

Tabela 5: Qualidade físico-química das águas superficiais na sub-bacia do córrego Pindaíba, assentamento São
Joaquim, Selvíria/MS, inverno de 2016
Pontos 5 9 Enquadramento
Horário 12:50 10:30
Temperatura ar 31,40 26,79
Temperatura água 26,98 22,32
pH 3,83 3,89 IV
ORP (mV) 304,00 385,00 I
CE (uS/cm) 10,00 12,00 E
Turbidez (NTU) 12,70 37,2 I
OD (mg/L) 3,37 10,08 II
TDS (mg/L) 6,00 8,00 E
Salinidade (%) 0,00 0,00
Velocidade (m/s) 0,50 3,65
Enquadramento IV IV IV
Fonte: UFMS (2016).

O ribeirão Beltrão converge todos os seus afluentes, que pela margem direita
cortam o assentamento São Joaquim e também sofre a influência da grande contribuição
das águas subterrâneas que são muito ácidas, bem abaixo do limite máximo permitido,
70

segundo o Conama. Sendo o pH mais baixo registrado na campanha de 2016, com apenas
2,3. E que devido a este fato, mesmo tendo ótima oxigenação de suas águas foi enquadrado
na classe IV (Tabela 6).

Tabela 6: Qualidade físico-química das águas superficiais na margem direta do ribeirão Beltrão, assentamento
São Joaquim, Selvíria/MS, inverno de 2016

Pontos 10 Enquadramento
Horário 12:54
Temperatura ar 32,00
Temperatura H2O 21,37
pH 2,3 IV
ORP (mV) 390,0 I
CE (uS/cm) 16,0 E
Turbidez (NTU) 27,8 I
OD (mg/L) 14,2 E
TDS (mg/L) 10,0 E
Salinidade (%) 0,0
Velocidade (m/s) 5,6
Enquadramento IV IV
Fonte: UFMS (2016).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Classicamente, o melhor qualificador de qualidade dessas águas superficiais seria o


parâmetro bacteriológico, sobretudo o termotolerantes, no entanto, são ensaios caros e
demorados, sendo a alternativa utilizada neste trabalho o uso do oxigênio dissolvido, pois
sem oxigênio na água não ocorrem reações biológicas e grande parte das químicas.
Apesar da boa concentração de oxigênio dissolvido nas águas das sub-bacias dos
córregos Sabina e Pindaíba e do ribeirão Beltrão, o grande problema, agravado no inverno
seco, com grande contribuição de águas freática é o baixo pH de suas águas, que oscilaram
em 2013 de 5,32 a 5,67 e em 2016 de 2,3 a 3,15, bem abaixo do limite mínimo exigido pela
Resolução Conama nº 357, de 2005, sobretudo em 2016. Não se trata de contaminação e
sim de influência das águas subterrâneas, derivadas do grupo Bauru, que são
reconhecidamente ácidas. Porém, se consumidas de forma in natura, uma água com pH
baixo reduz o sistema imunológico e dá oportunidade a doenças degenerativas que estão
associadas à hiperacidez corporal.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 71

O assentamento São Joaquim, cortado pelas sub-bacias dos córregos Sabina e


Pindaíba, afluentes do ribeirão Beltrão, aloja, segundo a Fetagri-MS (2012), cerca de 600
pessoas assentadas em 181 lotes e tem cerca de 90% de seus moradores abastecidos por
dois poços comunitários e cerca de 6 particulares, contudo ainda uma parcela da população
utiliza-se das águas superficiais dos córregos e ribeirão para seu abastecimento domiciliar,
sendo assim de vital importância o mínimo controle da qualidade das águas consumidas
pelos assentados.

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Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 73

Capítulo 5

PAISAGEM: NATUREZA, CULTURA E O IMAGINÁRIO NO QUILOMBO MANDIRA


(CANANEIA, SÃO PAULO)

Luciene Cristina Risso18


Yume Kikuda Silveira19
Gardênia Baffi de Carvalho 20

1 INTRODUÇÃO

Este capítulo visa a apresentar a paisagem em uma visão integrativa da relação


entre natureza e cultura. A área de pesquisa elegida foi o quilombo de Mandira, um
território de resistência localizado na área rural do município de Cananeia/SP (Figura 1).
Buscando compreender os elementos da paisagem, uma vez que nos dias de hoje os
geógrafos culturais se concentram bastante no significado (COSGROVE, 2000), foi realizado
um recorte no âmbito do imaginário das lendas e na questão da identidade quilombola. O
capítulo é fruto das pesquisas realizadas na área de estudo, desde 2014, com total apoio da
comunidade, que aguarda ansiosamente sua titulação de terra.
O trabalho apresenta os conceitos de paisagem, identidade e imaginário numa
perspectiva da Nova Geografia Cultural. Além disso, apresenta uma cartografia das lendas
contadas pela liderança principal da comunidade – o senhor Francisco Mandira, chamado
carinhosamente de Chico Mandira pelos integrantes do grupo de pesquisa.
Sem dúvida, as experiências dessa comunidade reforçam a necessidade de proteção
desse patrimônio cultural e natural da região do Vale do Ribeira, e a importância da
demarcação e titulação das terras quilombolas.

18
Professora doutora da UNESP, campus de Ourinhos e professora do Programa de Pós-Graduação na UNESP
de Rio Claro, e-mail: luciene@ourinhos.unesp.br; rissoluciene@gmail.com
19
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNESP de Rio Claro, e-
mail:yu_silveira@hotmail.com
20
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UNESP de Bauru, e-
mail:gardeniabc@hotmail.com
74

Figura 1: Mapa de localização de Mandira (Cananeia)

Fonte: Risso (2017).

2 A PAISAGEM E O IMAGINÁRIO: CONCEITOS PRINCIPAIS

O conceito de paisagem, a partir da década de 1970, com o advento da Nova


Geografia Cultural, passa a ter novas implicações que dão mais importância a valores e
outras questões humanas voltadas à cultura e à subjetividade.
A paisagem sendo, então, não apenas um produto resultante da ação do Homem,
como nos escreve Corrêa (2011), mas também receptora das influências da cultura de
determinados grupos, faz com que a cultura se revele na paisagem através de símbolos. As
ações humanas estão dotadas de significados, as ações humanas são simbólicas, de modo
que os símbolos são transferidos para o meio onde vivem e constroem seu modo de vida,
assim como influenciam as ações humanas.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 75

De acordo com Corrêa e Rosendahl (2000), baseados em Cosgrove (2004), em


Mundos de significados: geografia cultural e imaginação, consideram que a análise dos
múltiplos significados da paisagem soma-se a outro termo-chave: a imaginação. Os autores
dizem que a imaginação é a “categoria central da geografia cultural, que possibilita analisar
criticamente o infindável processo de metamorfose do espaço geográfico” (CORRÊA;
ROSENDAHL, 2000, p. 12).
Os símbolos emergem do ato imaginativo, que, segundo Cosgrove (2000, p. 40), é
“inerente ao ser humano, de ler o mundo natural simultaneamente como um objeto e como
um signo cujo significado vai além de si próprio”. Igualmente, a imaginação, de acordo com
Almeida (apud FREIRE, 2012, p. 13), “é a faculdade de evocar imagens ausentes, fictícias,
irreais”. Portanto, "a paisagem está no imaginário e o imaginário está na paisagem" (FREIRE,
2012, p. 2).
A paisagem é constituída de materialidade e imaterialidade. A materialidade
constitui as formas naturais e sociais presentes, e a imaterialidade é constituída pelos
símbolos, identidade, memória, modos de fazer, lendas, mitos etc. Para Cosgrove (2004), a
paisagem simbólica consiste na expressão coletiva da experiência humana, é memória, mito,
iconografias, etc.
A Organização das Nações Unidas e Unesco (2003) reconhecem a importância de
salvaguardar o patrimônio cultural imaterial. No caso brasileiro, o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), juntamente com a Convenção da Unesco sobre a
salvaguarda do patrimônio cultural imaterial (2003), partilha da definição de patrimônio
cultural imaterial com proposições e implementações de políticas públicas (Decreto n°
3.551/2000) direcionadas para o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, que
constituem o patrimônio cultural brasileiro. Segundo o IPHAN (2014),

[...] em meio ao fenômeno da crescente massificação cultural, ocorrido nas últimas


décadas, perceber a importância e ativar mecanismos para a preservação e a promoção
das tradições populares, os saberes, as manifestações culturais e lugares onde elas se
realizam, significou não somente um avanço setorial no campo em questão, mas um
alinhamento a políticas mais amplas de valorização da cidadania e respeito à diversidade
cultural. (IPHAN, 2014, p. 5).

Para a leitura dos símbolos inseridos na paisagem e sua “decodificação geográfica”,


os dois principais caminhos “são o trabalho de campo e a elaboração e interpretação de
mapas”, de modo que, ao desenvolver o conhecimento, sejam geradas respostas que
76

possam ser refletidas e honestamente reconhecidas nos textos da geografia (COSGROVE,


2004, p. 109). Corrêa (2011) escreve que, de acordo com Cosgrove, é possível construir
“mapas de significados”, algo que ampliaria o propósito da geografia cultural.
Entretanto, mapear a cultura imaterial, mapear o imaginário é algo inovador.
Quando a abordagem envolve comunidades tradicionais, “o estudo leva todo pesquisador a
se interrogar um dia sobre o que existe para além das geoestruturas e sobre a realidade de
um espaço cultural que ele mais pressente do que percebe” (BONNEMAISON, 2002, p. 105).
Nesse contexto, a paisagem, o imaginário e suas cartografias são temas
fundamentais nas pesquisas atuais da Geografia Cultural.

3 PAISAGEM E BREVE CONSTRUÇÃO HISTÓRICA

O quilombo de Mandira está localizado no município de Cananeia, litoral sul do


Estado de São Paulo (Brasil). A área de estudo tem paisagens exuberantes – Serra do Mar e
morros costeiros com Mata Atlântica, e uma imensa planície sedimentar formada por rios,
lagos de mar, canais, manguezais e restingas.
Considerando a paisagem com essas formas materiais naturais e sociais,
juntamente com as suas imaterialidades, a comunidade quilombola se apropriou dessas
paisagens de modo singular (RISSO, 2008, 2017).
Geomorfologicamente, suas serras e morros costeiros podem ser explicados dentro
do processo de formação da Serra do Mar, constituída de rochas muito antigas (do pré-
cambriano). Já a planície costeira foi formada com as oscilações do oceano, principalmente
quando o rebaixamento máximo oceânico (chamado de regressão marinha) foi atingido, por
volta de 17.500 aC. Após esse tempo, com o nível oceânico se elevando (transgressão
marinha), formaram-se extensos sistemas lagunares (AB’SABER, 2006). Diante de oscilações
ocorridas ao longo do litoral, no caso o rebaixamento do nível do oceano, ocorreu a
formação de manguezais (CALIPPO, 2004).
A área se encontra no Domínio dos “Mares de Morros” Florestados, de acordo com
a classificação de Ab’Saber (2003), ou Bioma Mata Atlântica, floresta latifoliada úmida de
encosta e formações litorâneas de manguezal.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 77

Figura 2: Entrada do quilombo de Mandira entre os morros cobertos de mata atlântica e a planície

Fonte: Foto de Yume Kikuda Silveira (2017).

A planície de Cananeia foi ocupada há aproximadamente 8 mil anos, com os povos


sambaquis, que sobreviviam de recursos, basicamente de ostras, os quais não demandavam
muita tecnologia, oriundos dos manguezais da região. Os depósitos deixados por esses
povos formaram montes constituídos de conchas, materiais arqueológicos, etc. Por muito
tempo, esses depósitos foram usados como argamassa para construções de Cananeia e
região. Hoje, esses depósitos são considerados patrimônio histórico. Boa parte desses
depósitos é encontrada no território dos Mandira.
Após os povos sambaquis, habitaram em Cananeia os carijós, povos com modo de
vida adaptado à floresta atlântica, aos rios e lagamar, realizando sua agricultura de
mandioca em sistema itinerante (RISSO, 2017).
Scatamacchia e Uchoa (1993, p. 154) afirmam que de Cananeia para o sul estavam
os carijós, e de Angra dos Reis para o norte, os tupinambás e tamoios. “Entre essas duas
nações estavam os tupiniquins, cujos limites não estão bem definidos em virtude da pouca
informação existente sobre esta área, principalmente para aquela que vai de Itanhaém até
Cananeia”.
78

Foram os povos carijós que os portugueses encontraram em Cananeia, e com o


sistema colonial sendo implantado durante o século XVI, essa mão de obra indígena foi
utilizada na busca do ouro de aluvião. Mais tarde, essa mão de obra indígena foi sendo
substituída pela mão de obra africana escravizada, principalmente para o trabalho nas
fazendas de arroz instaladas em Iguape e Cananeia (RISSO, 2017).
Uma dessas fazendas de arroz foi a fazenda Andrade. Os antepassados dos Mandira
viveram e trabalharam nessa fazenda, que se situava no entorno do rio Mandira (ALMEIDA,
2012, p. 50). Na metade do século XIX, a cultura entra em declínio, levando muitos
proprietários/fazendeiros a venderem/doarem suas terras. Essa fazenda não foi diferente; a
filha branca, por volta de 1868, doou a terra ao seu meio-irmão negro, e isso explica a
ocupação das terras de Mandira (TURATTI, 2002). Dessa forma material restam vestígios do
antigo engenho, um patrimônio cultural dos quilombolas.
Essa comunidade, como tantas outras, resistiu a opressões pós-abolicionismo para
deixarem suas terras, dificuldades econômicas e sociais, além do racismo. Somente após o
direito advindo da Constituição Federal de 1988, entre outros processos ocorridos nesse
território, como a criação da reserva extrativista, em 2002, é que a comunidade quilombola
melhorou sua qualidade de vida e reforçou sua identidade (SILVEIRA, 2016).
Nesse sentido, pode-se perceber que a comunidade quilombola sempre usufruiu de
suas paisagens, principalmente de suas florestas, das margens e do rio Mandira e de seus
manguezais. Atualmente, a principal fonte econômica deriva do extrativismo das ostras dos
seus manguezais, de modo sustentável, ação que ganhou o prêmio da ONU na África do Sul.
Suas crenças, festas, culinária e lendas são um grande patrimônio da comunidade.

4 O IMAGINÁRIO – A CARTOGRAFIA DAS LENDAS DA COMUNIDADE


QUILOMBOLA DE MANDIRA

Os Mandira, moradores do Quilombo, são considerados uma comunidade


tradicional, pois apresentam características relevantes que os determinam como tal.
Segundo Diegues (1999), o respeito ao sistema natural no manejo, a existência de
conhecimentos adquiridos pela tradição, herança dos mais velhos, e, principalmente, a
autoidentificação de pertencerem a uma cultura distinta das outras, configuram-se como
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 79

algumas dessas características. Os membros da comunidade realmente se identificam como


quilombolas e mandiranos.
A extração de ostra dos manguezais tem presença significativa na região, é a
principal fonte de renda da comunidade, que passou a ser motivo de orgulho quando, depois
do trabalho, veio o reconhecimento. Em dezembro do ano de 2002 foi criada, por um
Decreto Federal, a Reserva Extrativista Mandira, e o consequente reconhecimento da terra
quilombola. A comunidade vem trabalhando muito em prol da construção e do
desenvolvimento do Turismo de Base Comunitária no Quilombo.
Sr. Chico, líder da comunidade, demonstra muita satisfação em poder dar
continuidade às tradições da família, da comunidade, e não deixar que estas se percam com
o passar do tempo. Destaca-se a referência familiar em todas as lendas e histórias contadas,
pois sempre um parente está presente nos relatos, o que era de se esperar, uma vez que a
comunidade é constituída da família Mandira.
As lendas, contos e histórias registradas fazem parte da identidade e estão
presentes no imaginário da comunidade, orgulhosamente identificada como Quilombo do
Mandira. Vale ressaltar que os mais antigos atribuem grande importância aos feitos de seus
antepassados, bem como valorizam a cultura e tradição legada.
Como as informações orais nos mostraram, Sr. Chico Mandira, o líder da
comunidade, preocupa-se e faz de tudo para que suas tradições, como as lendas, a culinária,
a forma de trabalhar e conviver na comunidade continuem com o passar das gerações,
perpetuando a identidade dos Mandira.
Foram coletadas por Carvalho (2015) quatro lendas da comunidade: a lenda do
“Homem maior que os abacateiros”, a lenda da “Mulher de Branco”, a lenda do “Saci
Saperê”, e a lenda do “Rei Arthur do Mandira”. A lenda da sereia foi relatada, mas não
entrou na cartografia porque ultrapassava os limites do território.
Para representar as lendas no mapa, foram utilizadas fotos das paisagens, tiradas
em campo, e inserida a ilustração dos personagens principais das histórias, de acordo com os
desenhos das crianças da comunidade, que retratam aquilo que existe em seu imaginário,
exceto o desenho do “Rei Arthur do Mandira”, extraído do livro dos “Contos, Causos e Fatos
da Comunidade do Mandira” (OLIVEIRA, 2009). Por fim, segue o produto final do trabalho
(Figura 3). O mapa poderá servir como auxílio para o turismo na comunidade, com a
espacialização das lendas coletadas.
80

Figura 3: Cartografia das lendas do Quilombo do Mandira

Fonte: Carvalho (2015).

A lenda do “Homem maior do que os abacateiros”, está associada à paisagem da


floresta de Mata Atlântica e floresta de galeria do rio Mandira, onde se encontram muitos
depósitos de ostras e outros materiais deixados pelos povos de sambaquis. Essa lenda,
portanto, se passa no interior da trilha do Sambaqui ou trilha Peabiru, que é palco de várias
histórias, inclusive a do Saci Saperê. O homem maior que os abacateiros foi visto pelo tio do
Senhor Chico Mandira, o qual diz que:

[...] viram um clarão no sambaqui, um clarão que deu aquela alumiada assim, um
“cilibim” para cima assim, de cima pra baixo, e de baixo pra cima, aí no que
alumiou da estrada, perto da ruína, ele olhou disse que viu um homem por cima
das árvores, um homão grande assim, e ele foi um pouco mais próximo, depois ele
voltou. Depois ele no outro dia foi lá, também não tinha nada, não tinha rastro não
tinha nada [...] [risos] mais alto que os abacateiros, abacateiro lá deve ter uns 20
quase 20 metros, no sambaqui [...] (MANDIRA, 2014).

A lenda do “Saci Saperê” se materializa nessa mesma trilha, em meio a floresta


atlântica, que leva aos depósitos de sambaquis. O Sr. Chico Mandira contou que:
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 81

Meu tio com os primos dele foram pescar, mas não estavam pegando nada, e aí
tinha um saci assobiando assim na beira do rio: “fiii saci saperê, fiii saci saperê”. Ele
era muito safado, meu avô, e ele falou assim para o saci: se você fizer nós matar
um pouco de tainha nós damos uma tainha pra você. Aí diz que lotaram a canoa de
tainha, pegaram tainha pra danar. Aí um olhou pro outro e falou, sabe quando nós
vamos dar tainha pra esse saci, nunca! [risos] não vamos dar tainha pra esse cara
não. Aí vieram embora, vieram embora e dizem que esse saci veio atropelando
eles, que ele assobiava que a terra tremia até. Eles escutavam ele andar na beira do
mato, aí dava aquela ventania, na hora que ele passava de um lado pra outro da
estrada, do caminho que não era estrada, era trilha, aí vieram até em casa. Aí
chegaram em casa o pai dele perguntou pra ele, o que eles tinham feito que o saci
estava bravo com eles daquele jeito. Eles não queriam contar, até que contaram e
dizem que o pai dele brigou bem brigado com eles, depois fez uma oração, rezou lá
um Pai Nosso, Ave Maria e diz que o saci subiu assim, que disse que estremecia a
terra, e sumiu, está correndo até hoje... mas diz que atropelou eles do rio até em
casa [...] atropelando eles no sentido de pisar forte do lado deles no caminho,
quando ele passava de um lado da estrada pra outro e assobiava que estremecia o
chão esse assobio dele, isso ele veio até na porta de casa, na porta de casa aqui
escutava o pisar dele no terreiro assim. Mas aí o pai do meu avô fez uma oração aí
ele foi embora. Meu avô brigou bastante com eles, tinha que ter dado a tainha pro
cara, eles pediram, pediram que eles davam uma tainha em troca e não deram
[...]ele não é bobo nem nada, ele vai aonde dá certo pra ele [...] (MANDIRA, 2014).

A lenda da “Mulher de Branco” se espacializa nas proximidades do antigo engenho


de arroz da Fazenda Andrade, em meio a floresta, chamado por eles de casa de pedra ou
ruínas de pedra (Figura 4). A lenda da mulher de branco é bem presente na comunidade,
todos conhecem, porque mais de uma pessoa viu. Ninguém sabe quem é essa mulher,
imaginam como se fosse um espírito que vaga pela região, e sua aparição mais marcante foi
na ruína de pedra, como conta o Sr. Chico Mandira:

[...] aqui era um engenho de pilar arroz na época da fazenda no século XVIII, XIX.
Nessa região era o ciclo do arroz, os escravos trabalhavam. Aqui que viram a
mulher de branco [...] e aqui morava muita gente. E a casa do capelão era ali em
cima, capelão do terço. A entrada passava por ali do lado e subia pra cima, e a
mulher saiu junto com meu tio no caminho lá de trás, aí onde ela estava, ninguém
sabe ninguém viu [...]. (MANDIRA, 2014).
82

Figura 4: Antigo engenho de arroz (Casa de Pedra)

Fonte: Foto de Luciene C. Risso (2015).

E, finalmente, a lenda do “Rei Arthur do Mandira”, que está associada à área do


manguezal (Figura 5). A estória conta que o rei Arthur era um negro muito forte, que uma
vez carregou uma canoa nas costas.

Figura 5: Sr. Chico Mandira no manguezal de Mandira/SP

Fonte: Foto de Gardênia Baffi de Carvalho (2015).


Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 83

Assim, esse mapeamento das paisagens simbólicas foi importante porque mostra a
associação entre as paisagens e os valores/percepções imateriais da comunidade. O registro
e divulgação das lendas é um exercício de resgate e manutenção da identidade da
comunidade, uma vez que faz parte da cultura local. É um exercício de valorização do
patrimônio imaterial da comunidade, para um autorreconhecimento e um reconhecimento
das pessoas que vem de fora para visitar a comunidade, da riqueza cultural que nela existe.

5 CULTURA, IDENTIDADE E TERRITÓRIO QUILOMBOLA

Para pensar na cultura quilombola, torna-se essencial saber que a identidade


quilombola está atrelada diretamente ao seu território/territorialidade.
Para Kabengele Munanga (2009, p. 29) “uma cultura é um conjunto complexo de
objetos materiais, comportamentos e ideias, adquiridos numa medida variável pelos
respectivos membros de uma dada sociedade”. Ainda, para o autor não poderia existir
sociedade sem cultura, sendo ela uma herança coletiva transmitida de geração em geração.
No caso da cultura quilombola, Silva Filho e Pinto (2012) afirmam que a cultura quilombola é
constituída de saberes que se revelam nas práticas cotidianas das comunidades, assim,

[...] as culturas das comunidades remanescentes de quilombos em suas várias


manifestações constituem-se de saberes que compreendem um conjunto de
práticas cotidianas, agrícolas e ecológicas, ligadas à biodiversidade e às expressões
artísticas e religiosas sob a forma de música, dança, cantos, atividades artesanais,
desenhos, pinturas corporais, elementos de linguagem e festas. Esses saberes, que
não são estáticos, se transformam e continuam refletindo na formação social,
tecnológica, demográfica e cultural brasileira, que, ao longo dos séculos, foi
preservada e recriada. Esses saberes são representados pelos descendentes
daquelas etnias que, no espaço territorial do Brasil, estabeleceram comunidades
em diferentes regiões e contextos, preservando uma herança cultural e material de
valor inestimável. (SILVA FILHO; PINTO, 2012, p. 69-70).

No Brasil, a cultura quilombola surge com o aparecimento dos primeiros quilombos,


no século XVI, e foi se desenvolvendo ao longo dos séculos de existência dos quilombos
espalhados por todo o país. Segundo Furtado, Sucupira e Alves (2014, p. 107) “a cultura
quilombola, enquanto esfera social, permite aos indivíduos expressarem seus valores e
princípios e vincularem-se de forma simbólica e afetiva ao grupo”.
84

Sobre o conceito de identidade, concorda-se com Manuel Castells (1999, p. 22), que
é o processo de “construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um
conjunto de atributos culturais interrelacionados, o(s) qual(is) prevalece(m) sobre outras
fontes de significado”. O autor ainda apresenta as identidades de resistência, que se
encontram em posições desprivilegiadas ou, ainda, estigmatizadas pela lógica dominante,
como é o caso dos quilombos, que se constroem com base em outros princípios e, por vezes,
opostos à sociedade. Essa resistência não se restringiu à época da escravidão, ainda
permanece na época atual, pois resistem contra tudo e todos que querem ver o seu fim, o
fim de suas culturas e ancestralidades.
Para Castells (1999, p. 25), trata-se da “construção de uma identidade defensiva nos
termos das instituições/ideologias dominantes, revertendo o julgamento de valores e, ao
mesmo tempo, reforçando os limites da resistência”. Pode-se interpretar o caso da
identidade quilombola, construída a partir da necessidade de lutar pela terra e pela sua
ancestralidade, como uma identidade de resistência sim.
Já a territorialidade quilombola está diretamente ligada à identidade com
determinado território. Os territórios quilombolas podem ser considerados territórios de
resistência, pois além de oferecerem resistência à sociedade da época, escravocrata, e
mesmo no período pós-abolição, também consistem numa forma de resistência ao racismo
e toda forma de discriminação racial que a população negra sofreu e sofre até hoje.
Concorda-se com Simone Rezende-Silva (2011) que a história do negro, no Brasil, vai muito
além da submissão. Trata-se de uma história de resistência:

[...] pode-se afirmar que a história do negro no Brasil não se constitui somente de
submissão, houve também diversas formas de resistência negra à escravização
como revoltas, fugas, assassinato de senhores, abortos, mas a que nos interessa,
pois se trata da materialização da resistência negra são os quilombos. Estes livres e
sagrados foram uma das primeiras formas de defesa dos negros, contra não só a
escravização, mas também à discriminação racial e o preconceito que se
estenderam para além da abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888.
(REZENDE-SILVA, 2011, p. 81).

Para Rezende-Silva (2011), a territorialidade das comunidades quilombolas tem um


valor particular, refletindo as multidimensionalidades do vivido territorial pelos moradores
do quilombo, que vivenciam o processo territorial e o produto territorial.
A construção da identidade quilombola é um processo, e é diferente de
comunidade para comunidade, depende do seu processo de formação, dos moradores, da
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 85

localização, do momento político da comunidade, entre outros fatores. A identidade e a


cultura quilombola também podem se tornar uma “arma” contra a sociedade dominante,
uma reação defensiva, às vezes a única forma de sobrevivência da comunidade.
Ainda segundo Leite (1990), a noção de território com base geográfica possibilitou
interpretar os quilombos como espaços de resistência no interior de uma sociedade branca
racista, como:

O quilombo reaparece como uma das muitas formas de resistência, como um tipo
de guerrilha, bem como todas as ações e reações dos negros no cotidiano, antes e
após a abolição. A noção de território como base geográfica e como espaço
necessário à sobrevivência de negros, possibilitou uma certa tendência, desde
então, a interpretar todos os tipos de lugares habitados por estes, como espaços
de resistência no interior da sociedade branca racista. (LEITE, 1990, p. 40).

A territorialidade quilombola pode ser pensada a partir da sua identidade coletiva


de resistência baseada nos princípios de solidariedade, reciprocidade e o igualitarismo,
como assevera Bandeira (1990). Esta será a forma de as comunidades de unirem e se
fortalecerem, na forma de um coletivo, para lutar contra a imposição das ideologias das
sociedades dominantes.
Dessa forma, é a partir do reconhecimento da cultura quilombola e da
autodenominação da identidade quilombola que as comunidades conseguem lutar por seus
direitos, pelo direito à posse das terras em que vivem.
Quanto ao território, ele tem o sentido de pertencimento e identidade com a terra,
que é o caso das comunidades quilombolas, resgate de ancestralidade e, sobretudo, de
resistência.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A “nova geografia cultural” expandiu outras concepções com relação à


interpretação da paisagem, destacando a subjetividade embutida nela, que, muitas vezes,
não conseguimos enxergar porque são sutis, mas existem e interferem de modo significativo
na vida dos habitantes de uma comunidade.
Desse modo, a paisagem, ou melhor, as paisagens da área de estudo, são territórios
culturais e de resistência, com seus patrimônios naturais e culturais que devem ser
protegidos.
86

Espera-se, assim, que esta pesquisa no quilombo de Mandira ajude a comunidade a


manter viva sua cultura, sua identidade, suas tradições e suas paisagens.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à comunidade quilombola de Mandira, em especial ao senhor


Francisco Mandira (ou Chico Mandira), dona Irene e Ney Mandira. Agradecemos também à
professora Andrea Zacharias, na ocasião coordenadora executiva da UNESP, campus
experimental de Ourinhos, pelo total apoio à pesquisa.

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Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 89

Capítulo 6

ALBERTO LÖFGREN E O ESTUDO SOBRE OS NOMES POPULARES DAS


PLANTAS “INDÍGENAS” DO ESTADO DE SÃO PAULO (1894)

Marta Enokibara21
Laís Bim Romero22

1 INTRODUÇÃO

A denominação dita “popular” às plantas muitas vezes gera problemas para a


correta identificação das espécies. É comum encontrarmos nomes diferentes para uma
mesma espécie em cada região do país. Imaginemos no século XIX, quando nossas plantas
ainda estavam sendo “descobertas” pelos vários naturalistas e botânicos que para cá vieram.
Muitas já tinham nomes dados pelos habitantes nativos, outras pelos que chegaram. Eram
plantas com nomes de origem indígena, portuguesa, mistas e também espécies diferentes
que recebiam o mesmo nome. Esse foi o universo encontrado pelo botânico sueco Johan
Albert Constantin Löfgren (1854-1918), convidado para chefiar a Seção Botânica e
Meteorológica da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo (CGG), criada em
1886.
Procurando verificar parâmetros para uma nomenclatura popular mais correta a ser
adotada, Löfgren estudou uma parte das duas mil espécies “indígenas” (no caso, as
presentes no Estado de São Paulo) coletadas e depositadas no Herbário da CGG, criado em
1887. O resultado desse estudo foi publicado em 1894 no Boletim 10 da CGG, denominado
“Ensaio para uma synonimia dos nomes populares das plantas indígenas do Estado de São
Paulo”.

21
Doutora em Arquitetura e Urbanismo, professora do Curso de Graduação e Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo na FAAC-UNESP-Bauru, e-mail: marta@faac.unesp.br
22
Arquiteta e urbanista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAAC-
UNESP-Bauru, e-mail: lbimromero@gmail.com
90

O “ensaio”, mais que uma classificação, é uma incursão a um universo de


referências que possibilitam averiguar diferentes chaves de leitura a partir da sistematização
dos dados das 259 espécies contidas na obra. Neste contexto, o objetivo deste capítulo é
expor os resultados desta pesquisa em três partes. Na primeira são expostos os dados
biográficos do autor: os primeiros anos no Brasil e seu ingresso na CGG. Na segunda parte é
apresentado o Boletim 10 e a forma como foram sistematizadas as informações para a
análise dos dados contidos no presente texto. Na terceira parte são apresentadas as
diferentes chaves de leitura a partir do material sistematizado, concluindo com o resgate e
justificativa dos nomes populares das plantas que efetivamente foram identificadas por
Löfgren quanto a sua origem23.

2 OS PRIMEIROS ANOS DE LÖFGREN NO BRASIL E O INGRESSO NA COMISSÃO


GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE SÃO PAULO (1886)

Figura 1: Johan Albert Constantin Löfgren

Fonte: Archivos do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 1922.

23
O presente texto é um desdobramento das pesquisas conduzidas em 2015 pela professora doutora Marta
Enokibara em seu Pós-doutorado intitulado “A Ciência nos jardins. Os hortos botânicos da capital paulista e a
difusão de um repertório vegetal (1897-1917)”, junto ao Programa de Pós-graduação em História das Ciências e
da Saúde na Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz-RJ), sob a tutela da professora doutora Lorelai Brilhante Kury. O
texto também é parte das pesquisas em andamento da dissertação de mestrado da arquiteta Laís Bim Romero
junto ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAAC/UNESP-Bauru, sob a orientação da
professora doutora Marta Enokibara.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 91

Johan Albert Constantin Löfgren nasceu em Estocolmo (Suécia), em 11 de setembro


de 1854, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 30 de agosto de 1918 (Figura 1). Mais
conhecido por Alberto Löfgren, como assim assinava na maioria de seus artigos, consolidou
sua carreira de botânico na cidade de São Paulo, mas percorreu anteriormente outras
cidades e exerceu diferentes funções.
Löfgren chegou ao Brasil em 1874, antes de graduar-se em Filosofia e Ciências
Naturais na Universidade de Upsala (Suécia)24, a convite do médico e naturalista sueco
Anders Fredrik Regnell (1807-1884). Segundo Guillaumon (1989), Regnell residia desde 1841
na cidade de Caldas, Minas Gerais, clinicando e ao mesmo tempo coletando material para o
estudo da flora de nosso país. Como necessitava de uma pessoa

[...] que lhe auxiliasse na coleta e preparo do material botânico, escreve à


Academia de Ciências da Suécia, em 1873, pedindo que lhe enviasse “um estudante
distinto, disposto à longa viagem e à permanência na culta, mas modesta
cidadezinha, perdida entre as montanhas de Minas Gerais”. (OLIVEIRA, 1952 apud
GUILLAUMON, 1989).

Este foi o motivo, como esclarece Guillaumon (1989, p. 26), da vinda de Alberto
Löfgren ao Brasil em 1874, aos 20 anos de idade, “para se agregar, como assistente, à
expedição botânica dirigida por Hjalmar Mosén, que explorou, entre 1874 e 1877, os Estados
de Minas Gerais e São Paulo”. Sendo esta financiada por Regnell, todo material coletado foi
posteriormente enviado para compor o Herbário Regnelliano da Academia de Ciências
Naturais de Estocolmo (GUILLAUMON, 1989, p. 27; HOEHNE et al., 1941, p. 126). É também
neste período que Löfgren “passa a contribuir na elaboração da Flora Brasiliensis, a primeira
obra de vulto sobre a vegetação brasileira, idealizada e iniciada por Martius”25
(GUILLAUMON, 1989, p. 27).
Com o término da expedição, permaneceu no Brasil e atuou como engenheiro da
Companhia Paulista de Vias Férreas de 1877 a 1881, tendo residido primeiro na cidade de
24
Não há um consenso nas referências consultadas se Löfgren graduou-se antes de vir ao Brasil. Conceição
(1919, p. 546); Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930) e Perisiani (2012),
afirmam que sim. Hoehne et al. (1941, p. 126) e Guillaumon (1989, p. 26) afirmam que veio ao Brasil antes de
se graduar. Para o presente texto utilizou-se a referência destes dois últimos autores por conterem mais
informações acerca da vinda de Löfgren ao Brasil.
25
O botânico Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) e o zoólogo Johann Baptist Ritter von Spix (1781-
1826), ambos da Real Academia de Ciências de Munique, iniciaram a Flora Brasiliensis a partir do material
coletado em sua viagem ao Brasil de 1817 a 1820. Com o falecimento prematuro de Spix, Martius deu
continuidade ao trabalho tendo o primeiro volume publicado em 1840 e o último em 1906, bem posterior ao
seu falecimento. Trata-se até hoje da obra mais completa sobre a flora brasileira e encontra-se disponível na
internet em <http://florabrasiliensis.cria.org.br/index>. Outras informações em Enokibara (2015); kury (2009);
Lisboa (1997).
92

Pirassununga/SP e posteriormente na cidade de Campinas/SP. Em 1878 casa-se com Emma


Bremer, com quem teve seis filhos (PERSIANI, 2012, p. 24; CONCEIÇÃO, 1919, p. 546).
Terminada a ferrovia, Löfgren dedicou-se ao ensino das ciências naturais no Colégio Morton
(CONCEIÇÃO, 1919).
O ano de 1886 marca seu retorno ao ofício de botânico. A oportunidade surgiu
quando foi convidado a integrar a equipe da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo
(CGG), chefiada pelo geólogo norte-americano Orville Adelbert Derby (1851-1915). Criada
através da Lei nº 9, de 27 de março de 1886, foi aprovada por unanimidade na Assembleia
Provincial de São Paulo.
A CGG surgiu, segundo Figuerôa (1997), com o objetivo de responder “às demandas
práticas colocadas pela cafeicultura” que incluíam, entre outros, “a disponibilidade de solos
adequados à agricultura, particularmente à cafeicultura, e de vias de comunicação entre as
regiões” (PERSIANI, 2012, p. 40). Para tal era necessário um levantamento minucioso do
então “sertão paulista”, assim denominada a região do extremo oeste do Estado. Já em seu
primeiro artigo, a referida lei especifica que os trabalhos incluíam o “levantamento de cartas
geográficas, topográficas, itinerárias, geológicas e agrícolas da mesma província” (Lei nº 9,
de 27/3/1886). As instruções para o levantamento foram dadas pela Resolução de 7/4/1886,
que previam, além dos trabalhos geográficos e geológicos,

[...] conforme as circunstâncias permitirem [...] informações concernentes dos


outros ramos de história natural, tendo-se em vista o que pertencer a relação
prática e econômica da zoologia e da botânica com a indústria e a agricultura,
principalmente a respeito dos vegetais e animais úteis ou nocivos que lhes
interessem [...]. (Art. 6º, grifo nosso).

É neste contexto que se justifica a inserção de Löfgren na CGG, cabendo-lhe a


direção da Seção Botânica e da Seção Meteorológica. A Seção Zoológica foi proposta em
1893 e ficaria sob a responsabilidade do zoólogo alemão Hermann Albrecht Friedrich von
lhering (1850-1930), mas que a partir de 1894 passou a chefiar o recém-criado Museu
Paulista, cargo que ocupou até 1915 (FIGUERÔA, 1997, p. 146; LOPES, 2009, p. 269). Outras
duas seções, presentes desde a fundação da CGG, foram a Seção Geológica, que ficou a
cargo do próprio diretor, e a Seção Geográfica, cuja responsabilidade coube ao engenheiro
geógrafo brasileiro Theodoro Fernandes Sampaio (1855-1937).
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 93

Os resultados dos trabalhos da CGG começaram a ser divulgados em 1889 por meio
de seus “Boletins”26. Esses eram temáticos e nove foram elaborados por Löfgren: três
referentes aos dados climatológicos (LÖFGREN, 1889, 1890a, 1891), um referente à
arqueologia (LÖFGREN, 1893) e cinco referentes à botânica (LÖFGREN, 1890b, 1894, 1896,
1897a, 1897b).
Para o presente texto, o enfoque recai sobre o Boletim 10, onde Löfgren realizou
um “Ensaio para uma synonimia dos nomes populares das plantas indígenas do Estado de S.
Paulo” (1894).
Todos os nomes científicos neste texto estão citados tal qual descritos nesta
publicação. Conservam, portanto, a nomenclatura atribuída por Löfgren.

3 O BOLETIM Nº 10 (1894): “ENSAIO PARA UMA SYNONIMIA DOS NOMES


POPULARES DAS PLANTAS INDÍGENAS DO ESTADO DE SÃO PAULO”

O título do Boletim 10 é por si só curioso. Tratando-se de um botânico, ligado ao


estudo científico das plantas e, por conseguinte, à sua correta identificação botânica, é de se
estranhar o porquê de Löfgren ter se interessado a realizar um estudo sobre a sinonímia dos
nomes populares dados às plantas indígenas (nativas) do Estado de São Paulo. A explicação
já se faz nas primeiras linhas:

Uma das principaes provas de quanto é moderna a ocupação do Brazil é nós


fornecida pelo estado de sua flora. Qualquer flora de paiz antigo que abrimos, o
patenteia imediatamente visto ahi toda espécie descripta possuir um nome vulgar
pelo qual é conhecida do povo, ao passo que talvez nem um decimo por cento das
plantas brasileiras estejam no mesmo caso. (LÖFGREN, 1894, p. 3).

Löfgren tinha uma “explicação intuitiva” para esta constatação. Achava que “os
primitivos habitantes” viam “os objetos naturais pelo lado puramente prático” (LÖFGREN,
1894, p. 5):

Nada se lhes destacava ou merecia-lhes a atenção que não estivesse em relação


directa com a vida deles, quer pela utilidade que de um objeto tiravam, quer pelas
qualidades nocivas que os obrigavam a evital-o ou temel-o (LÖFGREN, 1894, p. 5).

26
Segundo Figuerôa (1977, p. 170), foram publicados 24 Boletins, os quais, a partir de 1905, “foram
praticamente substituídos pelos ‘Relatórios de Exploração’ (onze de 1905 a 1928)”. Os Boletins da Comissão
Geográfica e Geológica de 1889 a 1906 estão disponíveis para download no site do Instituto Geológico de São
Paulo: <http://igeologico.sp.gov.br/publicacoes/boletim-cgg/boletins-cgg/>
94

Os demais vegetais, que não tinham uma “utilidade”, na leitura de Löfgren, eram
simplesmente ignorados. “Os poucos nomes assim creados serviam depois, muitas vezes,
para indicar genericamente toda a planta que gozasse das mesmas propriedades ou que de
algum modo se parecesse com a primitiva” (LÖFGREN, 1894, p. 5). Por outro lado, os
primeiros europeus que chegaram ao país, “pouco ou nada encontravam nessa majestosa
natureza que se assimilasse as formas conhecidas do velho continente” (LÖFGREN, 1894, p.
5). Eram comuns, nos relatos dos primeiros viajantes, associações curiosas para descrever
nossas plantas, como por exemplo, o abacaxi, cujo fruto “lembrava a alcachofra” e as folhas
a “erva-babosa” (HUE, 2009).
Era natural, portanto, a confusão e imprecisão dos nomes populares de origem
indígena e portuguesa, e quando não mista. Mas Löfgren justifica a importância do estudo
desses nomes, pois via que “por si já *era+ uma contribuição para o estudo das raças que
outr’ora habitavam S. Paulo” e havia a necessidade de preservá-los, pois “estes nomes
pouca probabilidade têm de serem conservados pela população nova e por isso são
destinados a desaparecerem, tornando-se portanto cada vez mais raros” (LÖFGREN, 1894, p.
6).
Outra observação importante comparece na “Explicação” do Boletim 10. A
publicação se refere ao estudo das espécies compreendidas no herbário da CGG até o
número dois mil e pertencentes à flora dos campos (LÖFGREN, 1894, p. 3). A flora dos
campos foi objeto de estudo e publicação do Boletim 5, elaborado por Löfgren em 1890 e
intitulado “Contribuição para a Botanica Paulista: região campestre”.

3.1 CARACTERIZAÇÃO DO BOLETIM 10

O Boletim 10 contém 115 páginas (Figura 2) e está organizado em três partes. Inicia
com uma “Explicação” e uma “Introdução”, ambas escritas por Löfgren; posteriormente são
descritas as espécies estudadas e, no final, é apresentado o “Indice Alphabetico”,
mesclando, no mesmo índice, os nomes populares e científicos em ordem alfabética.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 95

Figura 2 (à esquerda): Capa do Boletim 10 da Comissão Geographica e Geologica do Estado de São Paulo –
Ensaio para uma Synonimia dos nomes populares das plantas indígenas do Estado de São Paulo,
por Alberto Löfgren
Figura 3 (à direita): Página onde inicia a descrição das plantas do Boletim 10

Fonte: Boletim 10 da Comissão Geographica e Geologica do Estado de São Paulo, 1894.

As espécies descritas ao longo da obra também são citadas em ordem alfabética,


mas não são numeradas. Em primeiro lugar constam os nomes populares em letras
maiúsculas (Figura 3). O primeiro nome sempre aparece em formato maior que os
subsequentes. A princípio, visualmente, parece ser esse o nome que predomina, mas trata-
se apenas do primeiro nome em ordem alfabética.
Em segundo lugar consta a família, o gênero, a espécie e a sua autoridade botânica,
ou seja, quem descreveu cientificamente a planta. Em alguns casos são descritos também a
variedade ou apenas a família e o gênero.
Em terceiro lugar consta a descrição da espécie identificando quando se trata de
uma arbórea, arbustiva, trepadeira, herbácea, aquática, gramínea, capim, cipó ou erva; seu
porte (“pequeno”, “regular”, “alto” e “altíssimo” e em alguns casos a altura em metros);
formato da folha; flores; fruto; propriedades; local de incidência; época de florescimento;
época de frutificação; utilização; origem do nome e nome indicado para prevalecer.
96

Observa-se que nem sempre há todos esses itens ou a justificativa sobre o nome
que deve prevalecer para cada espécie. A explicação encontra-se no início da publicação.
Löfgren justifica que se trata do primeiro volume “de uma sucessão de fascículos” e, mesmo
sabendo que estava incompleto, publicou-o:

[...] na esperança de que as pessoas interessadas nestes estudos se dignassem


auxiliar-nos, quer enviando-nos as correcções ou ampliações que julgassem
necessárias, quer fornecendo-nos nomes novos que não conhecemos ou
propriedades e aplicações que ignoramos. (LÖFGREN, 1894, p. 3, 4).

Com o intuito de dar visibilidade ao trabalho, o Boletim 10 também foi noticiado


nos jornais da época, como atesta a nota do jornal Correio Paulistano, de 2 de março de
1895 (Figura 4). Ao final da nota também é salientado o retorno esperado dos leitores: “O sr.
Löfgren espera que os estudiosos o auxiliem enviando-lhe correcções ou subsídios para
ampliar a sua memoria”.

Figura 4: Notícia do jornal Correio Paulistano, de 2 de março de 1895 (edição 11.493)


informando sobre a publicação do Boletim 10 da CGG.

Fonte: Correio Paulistano, 1895 (grifos no original). Disponível em:


<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=090972_05&pesq=Lofgre>. Acesso em: 01 jul. 2017

3.2 A SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS CONTIDOS NO BOLETIM 10

Visando a extrair informações contidas no Boletim 10, os dados foram sistematizados


em uma Planilha Excel (Programa Microsoft Excel 2010). A utilidade de inserir os dados nesta
planilha é a possibilidade de extrair as informações com maior facilidade quando há um
número considerável de dados a comparar. No caso, são 259 espécies. Para tal, há a
necessidade de definir os itens que permitam extrair as informações da obra com a maior
veracidade possível. Na planilha montada foram elencados os itens gerais que estão
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 97

contidos na própria estrutura de apresentação da obra (listados no item 3.1 Caracterização


do Boletim 10), acrescidos de outros itens contidos nas informações textuais, de forma a
possibilitar outras chaves de leitura. Na sequência, são apresentados os itens definidos para
cada coluna da planilha Excel (Figura 5) e exemplos dos dados que podem ser extraídos.

Relação de colunas:
1ª coluna: Número sequencial da espécie em ordem alfabética
2ª coluna: número da página em que se encontra a espécie na publicação
3ª coluna: nome popular
4ª coluna: nome científico
5ª coluna: família
6ª coluna: tipo (arbórea, arbustiva, trepadeira, etc.)
7ª coluna: porte
8ª coluna: região de incidência (bioma)
9ª coluna: florescimento/frutificação
10ª coluna: utilização
11ª coluna: propriedades
12ª coluna: nome indicado para prevalecer
13ª coluna: origem do nome indicado para prevalecer
14ª coluna: justificativa para prevalecer o nome escolhido
15ª coluna: autor e/ou obra de referência (para indicação do nome)
16ª coluna: local de incidência
17ª coluna: local de coleta da espécie existente no herbário

Figura 5: Modelo de planilha adotado

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Exemplos de dados que podem ser extraídos a partir das colunas:

 1ª e 2ª coluna: número sequencial da espécie em ordem alfabética e número da


página em que se encontra a espécie na publicação: como não há uma numeração
das espécies descritas na obra, o número sequencial permite aferir a quantificação
das plantas estudadas (259) e sua localização de forma mais rápida. A informação da
98

quantificação das espécies esclarece que não foram descritas, portanto, todas as
duas mil espécies existentes no herbário da CGG como é exposto no início da obra.
 3ª e 12ª coluna: nomes populares e nome que deve prevalecer: somente lendo o
texto pode-se identificar qual nome deve prevalecer. Separando em colunas distintas
já é possível identificar rapidamente o nome que deve prevalecer ou mesmo quando
não há uma definição quanto a este item.
 13ª coluna: origem do nome indicado para prevalecer: trata-se do item mais
importante da publicação, que possibilita aferir se a origem é indígena, portuguesa
ou mista. Infelizmente, são poucos os casos em que o autor explicita sua origem. É
certo que há um padrão que o autor estabelece, mas, neste caso, não pode ser
“interpretado”, sob o risco de serem quantificados erroneamente.
 15ª coluna: autor e/ou obra de referência (para indicação do nome que deveria
prevalecer): por vezes Löfgren cita autores ou obras que utiliza como referência para
indicar o nome que deve prevalecer. Trata-se de um dado importante para identificar
com quem o autor mantinha contato sobre o assunto ou as referências bibliográficas
que utilizava.

4 CHAVES DE LEITURA A PARTIR DO MATERIAL SISTEMATIZADO

4.1 PERCORRENDO DE TREM AS PAISAGENS PAULISTAS

Os trabalhos da CGG para o levantamento topográfico do território paulista


trouxeram a oportunidade para Löfgren também coletar material para o estudo da flora
paulista. Nessas expedições, segundo Guillaumon (1989, p. 27), Löfgren,

[...] além do estudo da flora e das condições climáticas, preocupava-se com a coleta
de material botânico para o Herbário da Comissão Geográfica e Geológica, [...] e
com a coleta de sementes para experimentação científica quanto à utilização
destes vegetais. (GUILLAUMON, 1989, p. 27).

Em algumas espécies descritas no Boletim 10, Löfgren cita as cidades ou a ferrovia


por onde coletou o material para a identificação da vegetação. Sobrepondo esta informação
ao mapa de 1910 elaborado pela CGG (Mapa 1), pode-se verificar que Löfgren percorreu
cidades ao longo da Estrada de Ferro Mogiana, Sorocabana e a Companhia Paulista de Vias
Férreas, com preponderância desta, além do litoral paulista. Várias dessas cidades também
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 99

coincidem com os locais onde foram instalados os postos meteorológicos (Mapa 2) sob a
responsabilidade de Löfgren à frente da Seção Meteorológica da CGG, alguns em locais
distantes e adentrando terrenos ainda pouco explorados.

Mapa 1: Cidades do Estado de São Paulo onde Löfgren indica a incidência de algumas das espécies

Fonte do mapa base: Disponível em: <http://www.ndl.go.jp/brasil/pt/data/R/010/010-001r.html>. Acesso em:


11 jul. 2017.
Fonte das cidades com incidência de espécies: Boletim da Comissão Geographica e Geológica de São Paulo n°
10, 1894. Elaborado por Laís Bim Romero.
100

Mapa 2: Mapa dos Postos Meteorológicos do Estado de São Paulo em 1889

Fonte: Boletim da Comissão Geográphica e Geológica do Estado de São Paulo n° 06, 1890.

4.2 SOBRE A UTILIDADE DAS PLANTAS: A SEPARAÇÃO POR CATEGORIAS

Por mais que Löfgren estivesse interessado em estudar nossa flora, a CGG, como
bem lembrou Figueirôa (1997), foi criada com o objetivo de atender uma finalidade prática,
ou melhor, as pesquisas e levantamentos deveriam ter uma aplicação prática e isso incluía,
também, as plantas. Interessava ao governo do Estado conhecer as chamadas “plantas
úteis”, ou seja, “as plantas que poderiam ter utilidade ou interesse na medicina, nas
indústrias, na lavoura, na horticultura ou jardinagem” (Lavoura e Commercio, 24/03/1898).
Por este motivo, visando inclusive facilitar o reconhecimento das plantas pelo
público leigo, Löfgren divide-as em sete categorias: “I. Plantas forrageiras; II. Plantas
fructiferas; III. Plantas tóxicas ou nocivas; IV. Plantas medicinaes; V. Plantas industriaes,
têxteis; tincturas, oleosas, etc.; VI. Essencias florestaes, madeiras de lei e outras e VII.
Plantas ornamentaes” (Lavoura e Commercio, 24/03/1898).
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 101

Analisando o texto das espécies descritas no Boletim 10, foram encontradas as


seguintes categorias e respectivas quantidades:

Tabela 1: As categorias e quantidades de plantas descritas no Boletim 10


UTILIZAÇÃO QUANTIDADE UTILIZAÇÃO QUANTIDADE
AGRÍCOLA 02 INDUSTRIAL 44
ALIMENTÍCIA 21 MEDICINAL 133
ARTESANAL 10 ORNAMENTAL 21
SEM
DESCONHECIDA 15 32
INFORMAÇÃO
DIVERSOS
01 TÓXICA 18
USOS
FORRAGEIRA 22
Fonte: Elaborado pelas autoras.

O que impressiona à primeira vista é a preponderância de espécies medicinais. Se


forem analisadas as doenças que foram “tratadas” por estas plantas, é possível também ter
uma ideia das doenças recorrentes no período. Pelos dados levantados, a mais recorrente
era a sífilis. Portanto, a doença que aparece com maior indicação de plantas para seu
tratamento (lembrando que só na década de 1940 surgirá a Penicilina). As espécies citadas
para tratá-la eram: Croton antisyphiliticus Meissn var. genuinus Müll. Arg., Zeyhera montana
Mart., Anacardium humile Mart., Rudgea viburnioides Benth., Perianthopodus espelina
Manso., Piptocarpha rotundifolia Baker., Solanum paniculatum L., Sweetia elegans Benth.,
Helicteres sacarolha St. Hil., Helicteres ovata Lam., Bowdichia virgilioides H.B.K. v. glabrata,
Vitex montevidensis Cham., Vitex polygama Cham.
A primeira espécie chama a atenção pelo próprio nome: Croton antisyphiliticus:
“considerada especifica contra syphilis” (LÖFGREN, 1894, p. 10). Em alguns casos a planta é
acompanhada da descrição de sua propriedade e posologia. Como no caso da Zeyhera
montana Mart.: “É reputada poderoso antisyphilitico. A casca da raiz macerada em agua fria
é usada contra moléstias da pelle. Bebem-se 2 a 3 copos diários desta maceragem”
(LÖFGREN, 1894, p. 25).
Algumas espécies são ornamentais, como é o caso da Rudgea viburnioides Benth.,
considerada por Löfgren “um dos arbustos mais ornemaentaes que conhecemos” e também
“poderoso anti-syphilitico”. Neste caso verifica inclusive seu potencial industrial: “com
pouco trato [pode] tornar-se grande objeto de exportação” (LÖFGREN, 1894, p. 47).
102

4.3 MARTIUS E CHERNOVIZ: O BOTÂNICO E O MÉDICO NAS REFERÊNCIAS DE


LÖFGREN

Tendo tantas espécies medicinais citadas, seria normal supor que Löfgren houvesse
consultado profissionais da área. De fato, um dos citados foi o médico polonês Pedro Luiz
Napoleão Chernoviz (1812-1882), mais conhecido como Chernoviz. Atuando no final do
século XIX no Brasil, Chernoviz elaborou vários manuais de medicina popular, onde os mais
conhecidos foram o “Formulário ou guia médico” (1841) e o “Dicionário de medicina
popular” (1851). Esses manuais, segundo Guimarães (2005, p. 502), eram fundamentais nas
regiões rurais afastadas das grandes cidades e “uma presença mais evidente do que o
contato com os médicos”. Neste sentido,

[...] contribuíram para a instrução acadêmica de inúmeros praticantes leigos da


medicina [...]. Elaborados de modo a facilitar a leitura, os manuais de medicina
popular continham a descrição das moléstias, bem como os conselhos e
medicamentos que deveriam ser empregados em cada uma delas, de fácil
formulação e úteis na economia doméstica. (GUIMARÃES, 2005, p. 501).

Em várias espécies citadas no Boletim 10, tal qual nos manuais de medicina popular,
também são citadas suas propriedades medicinais e forma de utilização. No exemplo abaixo
(Figura 6), Löfgren cita uma prescrição do Dr. Chernoviz para a Caápeba (Cissampelos
glaberrima V.St.Hil.)

Figura 6: Descrição da planta Cissampelos glaberrina V. St. Hil. no Boletim 10

Fonte: Boletim 10 da Comissão Geographica e Geologica do Estado de São Paulo, 1894.

Na definição do nome popular que deve prevalecer para cada espécie estudada,
Löfgren muitas vezes se utiliza das observações de outros botânicos e médicos. Regnell, o
médico que havia financiado sua vinda ao Brasil em 1874, é um dos que aparece citado para
se definir o nome popular mais indicado para a planta que possui as denominações de
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 103

Bacupari, Laranginha do campo ou Uvacupari (Salacia campestris Walp.). Neste caso,


também cita Martius, que atribui este nome a outra espécie – Platonia insignis (Figura 7).

Figura 7: Descrição da planta Salacia campestres Walp. no Boletim 10

Fonte: Boletim 10 da Comissão Geographica e Geologica do Estado de São Paulo, 1894.

No Boletim 10, Martius é o autor mais citado, seja pela referência ao nome popular
ou científico por ele já atribuído, ou mesmo por suas obras. As citadas no Boletim 10 foram a
Flora Brasiliensis (1840-1906), que teve colaboração de Löfgren no envio de algumas
espécies, e o Glossarium Linguarum Brasilensium (1863), sobre as diversas línguas e dialetos
que falavam os índios do Brasil.

4.4 A DIFERENCIAÇÃO DOS NOMES POPULARES DE ORIGEM INDÍGENA,


PORTUGUESA E MISTA

Ao coletar os nomes populares das plantas, Löfgren distinguiu três situações:


aquelas de origem indígena, portuguesa e mista.
As de origem indígena, como abordado anteriormente, recebiam os nomes por sua
utilidade ou por suas qualidades nocivas (LÖFGREN, 1894, p. 5). Por exemplo, a planta
aquática Agua-pé, também era denominada Dama dos lagos ou Rainha dos lagos. O seu
nome popular, segundo Löfgren, era dado a várias espécies e mesmos gêneros da família
Pontederiaceae (sendo as mais vulgares em São Paulo a Eichornia azurea Kth. e a Pontederia
cordifolia Mart.) e algumas Nymphaceas. Mas, segundo
104

“Dr. Jorge Maia, distincto engenheiro das Terras e Colonisação, o nome deve ser
yuapé, formado de y= agua, rio; u= correr, a elemento eufônico e pé= caminho, isto
é, caminho de correr na agua ou no rio” (LÖFGREN, 1894, p. 10). E complementa:
“a Victoria regia é conhecida no Amazonas por yuapé-jaçanã, caminho de jaçanã
correr na agua ou no rio” (LÖFGREN, 1894, p. 10).

Os nomes de origem portuguesa, segundo Löfgren, “distinguem-se á primeira vista


e são quase sempre a indicação de uma forma, como por ex.: bico de pato, ou de uma
propriedade, como p. ex.: arrebenta-cavallo” (LÖFGREN, 1894, p. 6). Há casos em que
Löfgren demonstra a solução para o mesmo nome popular para espécies distintas. Por
exemplo: o nome popular Açoita-cavallo é encontrado para as espécies Lühea speciosa Wild.
e Belangera tomentosa Camb. No caso, opina Löfgren, deve-se adotar o nome Açoita-cavallo
para a espécie Belangera tomentosa Camb., “por que tem ramos flexíveis que se prestam
para chicotes, e por faltar-lhe o nome indígena” (LÖFGREN, 1894, p. 7-8).
Mas, “os mais interessantes”, segundo Löfgren,

[...] são os nomes mixtos, como p.ex.: couve-tinga, os quaes, porém, muitas vezes
são apenas abreviações ou – permitam-me a expressão, portuguezisação de nomes
tupis ou guaranis, como p.ex.: cabriuva, de cabúreiba, barbatimão, de paróra-
tuum-tumune, etc. (LÖFGREN, 1894, p. 6).

Poliglota, Löfgren dominava quatro idiomas: alemão, sueco, dinamarquês e português


(PERSIANI, 2012, p. 64). Foi o responsável pela “tradução para o português de sete
importantes obras de naturalistas estrangeiros que visitaram o Brasil”: Hans Staden, Karl
Friedrich Philipp von Martius, Carl Axel Magnus Lindman, Georg Wilhelm Freireyss, Eugênio
Warming, Gustavo Beyer (PERSIANI, 2012, p. 64). Pela série de referências neste trabalho
sobre os nomes indígenas das plantas, tudo indica que também detinha conhecimento de
uma ou mais línguas indígenas.

5 RESGATANDO A ORIGEM DOS NOMES POPULARES DE NOSSAS PLANTAS

Das 259 espécies estudadas por Löfgren poucas tinham uma definição clara sobre a
origem do nome popular. Procurando evitar equívocos, foram selecionadas somente as
espécies em que Löfgren deixa sua origem explicitada. Assim, com a sistematização dos
dados, foram identificadas 23 espécies com nome popular de origem indígena (Tabela 2); 10
de origem portuguesa (Tabela 3) e 8 de origem mista (Tabela 4); constituindo um total de 41
espécies.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 105

Tabela 2: Espécies claramente identificadas por Löfgren no Boletim 10 como tendo o nome popular indicado
para prevalecer de origem indígena

ORIGEM INDÍGENA
NOME
POPULAR
NOME CIENTÍFICO NOMES POPULARES INDICADO UTILIZAÇÃO INDICAÇÃO
PARA
PREVALECER
Abobrinha do Mato
Purgante, antissifilítico, contra
Trianosperma tayuyá Mart. Taiuiá Taiuiá Medicinal
hidropisia.
Tuiuiú
Aguá-pé
Pontederia cordifolia Mart. Dama dos Lagos Yuapé Medicinal Contra moléstias cutâneas.
Rainha dos Lagos
Amêndoa de Espinho Artesanal
Grão de Cavallo Industrial Tingimento preto, construção,
Caryocar brasiliense Camb. var
Piqui Piquiá fruto comestível (levemente
planifolium Alimentício
purgativo).
Piquiá
Medicinal
Brosimum gaudichaudii Free. forma Apé
Apé Medicinal Purgante, contra picada de cobra.
longius pedunculata Maminha de Cachorro
Araçá
Psidium incanescens Mart. Araçá Felpudo Alimentício Fruto comestível.
Felpudo
Araribá
Araribá ou Madeira boa para marcenaria e
Centrolobium tomentosum Benth Industrial
Arara-Uva Arara-uva construção.

Araticum do
Anona furfuracea St. Hil. Araticum do Campo Alimentício Fruto comestível.
Campo
Bananeirinha
Canna aurantiaca Rosc. Caá-eté Artesanal Índios fazem colares e adereços.
Caá-eté
Baririçó Amarello
Batata de Purga
Lansbergia cathartica Klott. Barariçó Medicinal Purgante.
Batatinha do Campo
Rhuibarbo do Campo
Caangai
Relbunum hirtum Schum. Caangai Industrial Tingimento vermelho.
Ruivinha
Caápeba
Chernoviz indica contra picada de
Cissampelos glaberrima V. St. Hil. Cipó de Cobra Caápeba Medicinal
cobra e para cissura.
Herva de Nossa Senhora
Caá-piá-mirim Caá-piá- Diurética. Contra dor de
Dorstenia brasiliensis Lam. Medicinal
Contraherva mirim estômago e disenteria forte.
Cabriuvinha do Campo
Myrocarpus fastigiatus Fr. Allem. Cabureiba Cabureiba Industrial Madeira boa para marcenaria.
Oleo Pardo
Cajueiro Bravo
Cambaiba
Capa-Homem
Cipó Caboclo
Davilla rugosa Poir. Sambaiba Medicinal Contra orquite.
Cipó de Carijó
Folha de Lixa
Sambaiba
Sambaibinha
Fumo Bravo Em clísteres contra febres
Petum Petum ou malignas. Em chá para picada de
Solanum langsdorfh Weinm. Medicinal
Pety cobra. Contra “pleurizes
Pety catarrhaes”. Contra embriaguez.
Fumo Bravo
Elephantopus scaber L. var Herva Collegio Contra febres intermitentes,
Suçuaia Medicinal
tomentosus Sch. Bip. Herva Grossa bronquite e elefantíase.
Suçuaia
Giriquiti
Rhynchosia phaseoloides D.C. Giriquiti Medicinal Colírio oftalmológico.
Olho de Pomba
Phoradendron crassifolium Pohl. var
Herva Passarinho de folha Crianças usam para untar varas
parvifolia Uirarepoti Artesanal
grande para apanhar passarinhos.
106

ORIGEM INDÍGENA
NOME
POPULAR
NOME CIENTÍFICO NOMES POPULARES INDICADO UTILIZAÇÃO INDICAÇÃO
PARA
PREVALECER
Maricá
Serve para fechamento de
Acacia paniculata Willd. Sessenta Feridas Maricá Ornamental
terrenos.
Unha de Gato
Orelha de Negro
Tambuvi
Medicinal
Timbahyva
Casca adstringente, fruto
Enterolobium timbouva Mart. Timbó Tiambo-uba
venenoso, madeira para forro.
Timbo-Uba
Tóxico
Ximbò
Ximbuva Industrial
Uba-Peba
Hexachlamys humilis Berg. Uba-peba Alimentício Fruto comestível.
Uvaiasinha do Campo
Industrial Casca é empregada em curtumes.
Goma contra a bronquite e
Piptadenia macrocarpa Benth. Angico Angico
Medicinal poderia ser aproveitada
industrialmente
Industrial Pastagem nutritiva, feno. Para
Capim acondicionar plantas. Para fazer
Andropogon virginicus Linn. Capim Membeca
Membeca Artesanal cestos, peitinhos de cavalo,
enchimentos e vassouras.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Tabela 3: Espécies claramente identificadas por Löfgren no Boletim 10 como tendo o nome popular indicado
para prevalecer de origem portuguesa

ORIGEM PORTUGUESA
NOME
POPULAR
NOMES
NOME CIENTÍFICO INDICADO UTILIZAÇÃO INDICAÇÃO
POPULARES
PARA
PREVALECER
Periandra dulcis Mart. Alcaçuz Alcaçuz Medicinal Contra bronquite, moléstias pulmonares.
Oxalis hirsutissima Mart. e Azedinha do Azedinha do Medicinal
Zucc. Campo Campo Alimentícia Contra angina e para saladas.
Baccharis articulata Pers. Medicinal
Carqueija Carqueija Febrífuga, tônicas. Para falsificação de cerveja.
var gaudichiana. Artesanal
Baccharis stenocephala Medicinal
Carqueija Carqueija Febrífuga, tônicas. Para falsificação de cerveja.
Baker. Artesanal
Baccharis genistelloides Medicinal
Carqueija Carqueija Febrífuga, tônicas. Para falsificação de cerveja.
Pers. var trimera. Baker. Artesanal

Cassia affinis Benth. Fedegoso Fedegoso Medicinal Casca diurética e tônica, usada contra hidropisia,
moléstias do fígado e diurética. Folhas purgativas.
Herva Medicinal Venenosa. Calmante e emoliente em cataplasmas. Para
Solanum nigrum L. Herva Moura
Moura Tóxica ulcerações.
Ortiga
Urera punu Wedd. Ortiga Branca - -
Branca
Ortiga
Urera armigera Mig. Ortiga Vermelha Medicinal Urente.
Vermelha
Pimenta Comari
Capsicum frutescens Pimenta
Pimenta Alimentício Condimento.
Willd. Comari
Malaguetta

Fonte: Elaborado pelas autoras.


Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 107

Tabela 4: Espécies claramente identificadas por Löfgren no Boletim n°10 como tendo o nome popular indicado
para prevalecer de origem mista
ORIGEM MISTA
NOME
POPULAR
NOMES
NOME CIENTÍFICO INDICADO UTILIZAÇÃO INDICAÇÃO
POPULARES
PARA
PREVALECER
Schinus weinmanniaefolius Aroeira do Aroeira do
Tóxica Tóxica.
Engl. Campo Campo
Árvore Copal
Medicinal
Jatahi
Hymenaea stigonocarpa Contra hemoptises, anticatarral. Tingimento preto e
Jatobá Jatobá
Mart. para tinta de escrever.
Jetaicica Industrial
Jutahy
Guarea tuberculata Vell.
Ataúba Ataúba Medicinal
var. purgans C. Dec. Depurativo e antissifilítico.

Stryphnodendron Chernoviz indicada a casca para curtume em clísteres


Barbatimão Barbatimão Medicinal contra desisteria eve e em banho contra leucorreia.
barbatimão Mart.
Contra úlceras.
Medicinal
Cajueiro do Cajueiro do Antissifilítico, contra moléstias cutâneas, adstringente.
Anacardium humile Mart. Industrial
Campo campo Goma pode tornar-se industrial. Fruto comestível.
Alimentício
Ambrosia polystachya D.C. Cravorana Cravorana Medicinal Banhos calmantes.
Ipecacuanha
Cephaëlis Ipecacuanha Rich. Poaya Medicinal Provoca vômito.
Poaya
Pilocarpus pinnatifolius Lem. Jaborandi Jaurandi Medicinal Febrífuga e sudorífica.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Dentre as espécies de origem indígena observa-se que a maioria é medicinal. De um


total de 23 espécies, 12 são medicinais. Uma delas, a Caápeba (Cissampelos glaberrima V. St.
Hil.), indicada para picada de cobra, vinha descrita com a posologia prescrita pelo Dr
Chernoviz:

As raízes, [...] contusas e diluídas em aguardente, empregam-se contra mordeduras


de cobra; administra-se na dose de 4-8 grs. de 2 em 2 horas. A mesma raiz contu-a
é aplicada sobre a cissura. (LÖFGREN, 1894, p. 27).

Outras espécies de origem indígena são conhecidas por seus frutos como o Piqui,
fruto típico do Cerrado, mas que Löfgren sugere prevalecer o nome Piquiá (Caryocar
brasiliense Camb.), por ser “o nome indígena ainda não corrompido, significando ‘fruta de
espinho’” (LÖFGREN, 1894, p. 13). Outra também característica do cerrado é o Angico,
“árvore utilíssima” e que “segundo Martius, Glossaria linguarum Brasiliensium, o nome é
bastante duvidoso como tupi; deve, entretanto, ser conservado” (LÖFGREN, 1894, p. 15-16).
Outras espécies eram habituais entre os índios, como o Petum ou Pety (Solanum
langsdorfh Weinm), usado como fumo, mas também para combater a febre, curar a
embriaguez e picada de cobras (LÖFGREN, 1894, p. 65). Junto ao Petum ou Pety os índios
também utilizavam a Caá-piá-mirim (Dorstenia brasiliensis Lam.), que “segundo Dr. Maia o
108

nome decompõe-se assim: caá=folha ou planta, piá ou opiá = aromática, isto é, herva
aromática que usavam os indígenas para misturar com o fumo, costume ainda existente”
(LÖFGREN, 1894, p. 27).
Às vezes não é o nome indígena o mais conhecido, mas Löfgren sugere que
prevaleça, como é o caso da Herva passarinho (Phoradendron crassifolium Pohl.): “Apezar de
ser o nome H. de passarinho tão divulgado, obstamos para que não seja esquecido o nome
de Uirarepoti, de uira = pássaro e repoti = excremento, segundo Dr. Maia” (LÖFGREN, 1894,
p. 71).
Dentre as de origem portuguesa, a maioria é igualmente medicinal e, na atualidade,
várias são conhecidas pelo nome que Löfgren sugere prevalecer, como o Alcaçuz (Periandra
dulcis Mart.), que tem

[...] uma raiz amarela e doce. É empregada em bronchites catarrhaes e outras


moléstias pulmonares de crianças [...]. O nome foi dado pelos portugueses por ter a
raiz as propriedades do alcaçuz europeu. (LÖFGREN, 1894, p. 10).

Outra espécie medicinal e igualmente conhecida é a Carqueija. Estranhamente


Löfgren expõe que com esse nome existem 3 espécies distintas, “todas bastante vulgares”:
Baccharis articulata Pers.; Baccharis stenocephala Baker e Baccharis genistelloides Pers. E
complementa:

Todas estas espécies são preconizadas como tônicas e febrífugas por causa do
principio amargo que contem. São também empregadas na falsificação da cerveja.
(LÖFGREN, 1894, p. 43).

Também estavam presentes as espécies alimentícias, como a Pimenta comari


(Capsicum frutescens Willd.), “que emprega-se especialmente como condimento nas
comidas” (LÖFGREN, 1894, p. 98)
Dentre as de origem mista, todas são medicinais, exceto a Aroeira do Campo
(Schinus weinmanniaefolius Engl.), considerada tóxica (LÖFGREN, 1894, p. 18). Tal qual nas
espécies de origem portuguesa, as espécies de origem mista são conhecidas geralmente pelo
nome que Löfgren sugere preconizar, como o Jatobá (Hymenaea stigonocarpa Mart.),
utilizado como anticatarral e também para tingir e fazer tinta de escrever. O nome Jatobá,
conforme Löfgren, “deve prevalecer segundo opinião de Martius e o Dr. Maia nos comunica:
Jatahi = nome próprio do fruto e jatobá corruptela de Jatai-iná = nome da árvore”
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 109

(LÖFGREN, 1894, p. 20). Novamente se apoiando em Martius e Dr. Jorge Maia, esclarece a
origem do Barbatimão (Stryphnodendron barbatimão Mart.):

[...] segundo Martius, uma corrupção das palavras tupis paróva – tuum – tumune
que querem dizer arvore que chora, isto é, que segrega um succo grosso em forma
de lagrimas. Dr. Jorge Maia decompõe a palavra do seguinte modo: iuá-tumú ou
tumúne com a mesma tradução. (LÖFGREN, 1894, p. 23).

6 CONCLUSÃO

Alberto Löfgren teve uma importância crucial à frente dos trabalhos da Seção Botânica
e Meteorológica, desde seu ingresso na CGG em 1886. Em 1907, ambas foram anexadas à
Diretoria de Agricultura, quando Löfgren se desligou da Seção Meteorológica permanecendo
na chefia da Seção Botânica até 1910 (PERSIANI, 2012, p. 26). Neste intervalo entre seu
ingresso na CGG e seu desligamento em 1910, atuou intensamente no Estado de São Paulo,
especializando-se no estudo da flora brasileira, particularmente a paulista. Foram vários os
cargos assumidos neste período: a direção do Jardim da Luz (a partir de 1888); a direção da
Coleção Sertório (1891-1894), embrião do futuro Museu Paulista e a criação e direção do
Horto Botânico na serra da Cantareira (fundado em 1896), atual Parque Estadual Alberto
Löfgren, para onde foi transferido o Herbário da CGG 27.
Foi no Horto Botânico que Löfgren pôde dar continuidade à coleta e identificação de
espécies da flora paulista iniciada na CGG, além de ensaiar e reproduzir as espécies que
começaram a ser distribuídas a partir de 1897 pelo Serviço de Distribuição de Mudas e
Sementes28 do governo do Estado de São Paulo.
O resgate de seu trabalho permitiu detectar, através da sistematização dos dados de
sua obra publicada em 1894, os nomes populares das plantas que foram efetivamente
identificadas quanto a sua origem, no caso, indígena, portuguesa ou mista. Como visto,
algumas dessas plantas possuem um nome já familiar, mas talvez poucos soubessem sua
origem. Se a preocupação de Löfgren, ao elaborar e publicar esse trabalho, era justamente
preservar esses nomes, acreditamos que seu esforço não foi em vão.

27
A página do Herbário da CGG pode ser acessada em: <http://inct.splink.org.br/>
28
Pesquisa de Iniciação Científica FAPESP, sob a orientação da professora doutora Marta Enokibara, sobre as
solicitações de requerentes público entre os anos de 1909 e 1912, desenvolvida por Bruna Panigassi Zechinato
(2007-2008) e pesquisa sobre as solicitações de requerentes privados dividida em três partes: o ano de 1909 foi
desenvolvido por Juliana Yendo (2010-2011), os anos de 1910 e 1911 (janeiro a junho) foi desenvolvido por Laís
Bim Romero (2011-2012) e os anos de 1911 (julho a dezembro) e 1912 foi desenvolvido por Ana Paula Santiago
Modesto.
110

REFERÊNCIAS
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C.; FARIA, O. B.; SALCEDO, R. F. B. (orgs.). Pesquisa em arquitetura e urbanismo: fundamentação
teórica e métodos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015. v. 1. p. 107-120.

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