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net/publication/322211723
O Parque Sitiê na Favela do Vidigal: Um Novo Espaço (The Sitiê Park in the
Vidigal Favela: A New Space)
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Interventions, Effects) View project
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Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 1
ORGANIZADORAS
Norma Regina Truppel Constantino
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin
Sandra Medina Benini
PAISAGEM
natureza, cultura e o imaginário
1a Edição
TUPÃ - SP
ANAP
2017
2
Editora
ANAP - Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos
Fundada em 14 de setembro de 2003
Rua Bolívia, nº 88, Jardim América,
Cidade de Tupã, Estado de São Paulo.
CEP 17.605-310
www.editoraanap.org.br
www.amigosdanatureza.org.br
editora@amigosdanatureza.org.br
ISBN 978-85-68242-65-0
I. Título.
CDD: 710
CDU: 710/49
Sumário
Apresentação 09
Norma Regina Truppel Constantino
Capítulo 1 13
ÁREAS VERDES URBANAS: CONCEITOS, DESAFIOS E ESTRATÉGIAS
Ana Paula do Nascimento Lamano-Ferreira ; Kelly Chaves de Oliveira;
Heidy Rodriguez Ramos
Simone Aquino
Capítulo 2 35
CONTRIBUIÇÕES DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL PARA A GESTÃO DE
PARQUES URBANOS
Ana Paula do Nascimento Lamano-Ferreira; Milena de Moura Régis
Capítulo 3 47
O PARQUE SITIÊ NA FAVELA DO VIDIGAL: UM NOVO ESPAÇO
Claudia Seldin; Lilian Fessler Vaz
Capítulo 4 59
ASSENTAMENTO SÃO JOAQUIM E A QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA
DE SUAS ÁGUAS SUPERFICIAIS, SELVÍRIA/MS
André Luiz Pinto; Denivaldo Ferreira de Souza
Capítulo 5 73
PAISAGEM: NATUREZA, CULTURA E O IMAGINÁRIO NO QUILOMBO
MANDIRA (CANANEIA, SÃO PAULO)
Luciene Cristina Risso; Yume Kikuda Silveira; Gardênia Baffi de
Carvalho
8
Capítulo 6 89
ALBERTO LÖFGREN E O ESTUDO SOBRE OS NOMES POPULARES
DAS PLANTAS “INDÍGENAS” DO ESTADO DE SÃO PAULO (1894)
Marta Enokibara; Laís Bim Romero
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 9
Apresentação
É com grande prazer que apresentamos os textos que compõem este livro que trata
da paisagem a partir de sua relação com a natureza, a cultura e o imaginário, buscando,
através da discussão analítica, a indicação de caminhos para propostas e estudos futuros.
Não podemos deixar de lembrar que a paisagem é “o elemento onde a humanidade se
naturaliza e onde a natureza se humaniza (e se simboliza)”1. São trabalhos resultantes de
pesquisas elaboradas no âmbito de programas de pós-graduação, abrangendo áreas de
estudo diversas. Nesse sentido, as paisagens não são apenas vistas, enxergadas, mas sim
experimentadas em todos os sentidos. E essa experiência vivida é analisada nos capítulos a
seguir.
As pesquisadoras Ana Paula do Nascimento Lamano-Ferreira, Kelly Chaves de
Oliveira, Simone Aquino e Heidy Rodriguez Ramos analisam a gestão das áreas verdes
urbanas com a integração de políticas urbanísticas e ambientais, visando à priorização da
infraestrutura verde, a ampliação da regulamentação pública sobre a especulação imobiliária
e a criação de mecanismos que viabilizem projetos de longa duração. Para as autoras, a
praça – espaço público para o convívio social onde acontecem atividades religiosas, de lazer,
comerciais e políticas – tem a função de organização espacial. O mais comum é a adoção de
projetos-padrão, que são simplesmente replicados a cada nova praça. Observa-se que o
esvaziamento das praças é causado não só pela mudança da vida cotidiana, mas devido ao
surgimento de outras opções privadas de lazer, além do abandono desses espaços pelo
poder público. Os estudos de percepção ambiental se mostraram uma importante
ferramenta para auxiliar na compreensão da maneira como o indivíduo vê e sente
determinado espaço público, o que também pode explicar as suas ações e uso, auxiliando a
gestão desses espaços.
No capítulo 2, as pesquisadoras Ana Paula do Nascimento Lamano-Ferreira e Milena
de Moura Régis apresentam os resultados da pesquisa sobre as contribuições da percepção
ambiental na gestão de parques urbanos. Segundo as autoras, a percepção ambiental ocorre
por meio da cognição do frequentador e deve relacionar-se com o contexto ambiental,
1
BESSE, Jean-Marc. As cinco portas da paisagem. In: O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro.
Eduerj, 2014.
10
Capítulo 1
2
Doutora em Ecologia Aplicada (ESALQ/CENA/USP), professora do Programa de Mestrado Profissional em
Administração – Gestão Ambiental e Sustentabilidade (MPA-GeAS) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE),
e-mail: ana_paula@uni9.pro.br
3
Mestre em Administração pela Universidade Nove de Julho, e-mail: kellychaves@gmail.com
4
Doutora em Administração pela Universidade de São Paulo – FEA/USP. Professora e pesquisadora do
Mestrado Profissional em Administração – Gestão Ambiental e Sustentabilidade (MPA-GeAS), do Programa de
Mestrado Acadêmico em Cidades Inteligentes e Sustentáveis (PPG-CIS) e do Programa de Pós-graduação em
Administração (PPGA) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), e-mail: heidyrr@uni9.pro.br
5
Médica veterinária sanitarista, professora doutora do Programa de Mestrado Profissional em Administração –
Gestão Ambiental e Sustentabilidade (MPA-GeAS) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), e-mail:
siaq66@uni9.pro.br
14
Um dos desafios encontrados pelos gestores de praças é adequar este espaço para
que ele atinja as necessidades da população e que tenha valor para ela, evitando sua
depreciação e abandono. Para isso, estudos voltados a compreender a maneira como a
população percebe e utiliza estes espaços é um recurso que pode auxiliar os gestores neste
desafio (LIYNCH, 1960). Segundo Tuan (2012), a forma como o indivíduo percebe o ambiente
ao seu redor determina a maneira como ele interage com o mesmo e o valor que este
ambiente tem para esta pessoa.
A cidade de São Paulo é um exemplo de urbanização desacelerada que causou
drástica redução da área verde urbana (MOMM-SCHULT et al., 2013; ACSELRAD, 2013). De
acordo com Benchimol e Lamano-Ferreira (2015) não há uma listagem das praças existentes
na cidade, que são geridas pelas 31 subprefeituras da capital paulista. Por conta disto, torna-
se importante conhecer a forma como a população paulistana se relaciona com as praças da
cidade, uma vez que os frequentadores podem influenciar na conservação desta área verde
por meio de seus usos e expectativas. Dessa forma, neste capítulo discutiremos conceitos de
áreas verdes urbanas e os desafios da gestão destes espaços públicos.
Benini e Martin (2011) então definem áreas verdes urbanas da seguinte maneira:
Área verde pública é todo espaço livre (área verde/lazer) que foi afetado como de
uso comum e que apresente algum tipo de vegetação (espontânea ou plantada),
que possa contribuir em termos ambientais (fotossíntese, evapotranspiração,
sombreamento, permeabilidade, conservação da biodiversidade e mitigue os
efeitos da poluição sonora e atmosférica) e que também seja utilizado com
objetivos sociais, ecológicos, científicos ou culturais.
Este conceito reforça os benefícios ambientais que a área verde deve proporcionar,
mas inclui também a função sociocultural, o que permite a inclusão de praças nesta
categoria, uma vez dotadas de áreas verdes, já que essas têm como função primordial a
18
[...] um conceito adequado para áreas verdes urbanas deve considerar que estas
sejam uma categoria de espaço livre urbano composta, predominantemente, por
solo permeável e vegetação arbórea e arbustiva (inclusive pelas árvores no leito
das vias públicas, desde que estas atinjam um raio de influência que as capacite a
exercer as funções de uma área verde), de acesso público ou não, e que exerçam
minimamente as funções ecológicas, estéticas e de lazer. (CAPORUSSO; MATIAS,
2008).
Jim e Chen (2006) trazem um conceito mais focado na forma que na utilização ou
benefícios gerados pela área verde. Para os autores, espaços verdes urbanos são espaços
abertos, localizados dentro dos limites de uma cidade, com boa cobertura vegetal, que pode
ter sido plantada ou herdada da pré-urbanização.
Em uma abordagem mais holística, Haq (2011) definiu áreas verdes urbanas como
espaços que podem prover benefícios ambientais, sociais, econômicos, culturais e
psicológicos para a população. Como benefícios ambientais o autor cita o controle da
poluição do ar e sonora e a manutenção da biodiversidade. Como benefícios econômicos são
citados a valorização da propriedade e economia de energia. Os benefícios sociais e
psicológicos citados são recreação e melhoria na saúde. Por isso, uma gestão adequada
desses espaços deve fazer uma abordagem integrativa de todas essas características e para
isso a cobertura vegetal é um fator importante.
Thompson (2002) usa a terminologia espaços abertos urbanos, o que não deixa
claro o fato de existir ou não cobertura vegetal, mas que, segundo o autor, são espaços que
devem trazer oportunidades de socialização, lazer e contemplação do meio ambiente para a
população, corroborando os conceitos dos autores anteriormente citados. O autor também
cita praças e parques como espaços públicos capazes de alcançar estes objetivos.
Momm-Schult et al. (2013) classificaram como espaços verdes urbanos os parques,
jardins, cemitérios, pequenos bosques, telhados verdes, campos de esportes e corpos
d’água. Quando esses espaços estão conectados a vias ou córregos, ajudam a evitar
alagamentos, controlar a temperatura local, conservar a biodiversidade e prover benefícios
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 19
socioculturais para a população. Esses espaços constituem uma infraestrutura verde, que
agrega valores sociais, econômicos, e ambientais à cidade. Em uma abordagem semelhante,
Dunn (2010) utiliza o termo infraestrutura verde, que é definido como sistemas que usam
vegetação e solo natural para capturar água e reduzir a temperatura, além de proteger e
ampliar a qualidade ambiental e a saúde pública.
Segundo Haq (2011), atualmente as cidades ocupam cerca de 2% da cobertura
terrestre, mas consomem 75% de seus recursos. Este é um dado alarmante que desafia os
gestores públicos em tornar as cidades mais sustentáveis e, para isso, a gestão de áreas
verdes é fundamental, devendo haver uma forte proteção das áreas já existentes, ser
resistente a novas oportunidades de desenvolvimento que possam diminuir a oferta pública
de lazer e prover novas áreas verdes com qualidade ambiental, acessibilidade e opções de
lazer (HAQ, 2011; THOMPSON, 2002).
Carvalho e Romero (2013) definem desenvolvimento sustentável como aquele que
atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações
futuras atenderem as suas próprias necessidades, pressupondo a participação da sociedade
e equidade de distribuição de bens, espaço e recursos naturais. Já Acselrad (2013) aponta
que a ideia de cidade sustentável está associada ao desenvolvimento da cidade de acordo
com alguns princípios, como a eficiência energética, controle do crescimento econômico,
autossuficiência econômica (fazendo a cidade depender cada vez menos de recursos
externos), da ética, da justiça e da ecologia. Conduzir uma cidade para a sustentabilidade
significa, principalmente aos gestores, criar instâncias governamentais a fim de
regulamentar e promover a questão ambiental (MENDONÇA, 2007).
Segundo Cavalcanti (1997), uma política pública ou governamental voltada pra a
sustentabilidade significa identificar uma necessidade de utilização cuidadosa dos recursos
ambientais e de como seus benefícios são compartilhados à população. Frey (2009) ressaltou
que o aumento de problemas ambientais reflete no aumento da consciência ecológica por
parte da população, reforçando os conflitos entre interesses econômicos e ambientais. Tal
fato resulta em adoções de políticas públicas voltadas para a gestão ambiental. De acordo
com o autor, o termo políticas públicas refere-se a conteúdos concretos, programas políticos
e problemas técnicos referentes às tomadas de decisões políticas, ou seja, é a ação oriunda
de uma decisão política. A elaboração destas políticas pode envolver instituições diferentes,
tanto do Legislativo como do Executivo e da sociedade.
20
Jacobi (2003) alertou para o fato de que no Brasil as decisões em relação às políticas
públicas adotadas têm participação majoritária do Governo, envolvendo de forma mínima a
população ou entidades de representação popular, defendendo a adoção de comitês que
envolvam representantes governamentais de diferentes níveis como federal, estadual e
municipal, entidades de representação da população e membros de Organizações Não
Governamentais (ONG), a fim de buscar uma associação entre cidadania, democracia
participativa, governabilidade e sustentabilidade. Cuidar para que os recursos naturais
encontrados nas cidades sejam preservados pode fortalecer o sentimento de identificação
do cidadão com a cidade e melhorar a imagem da mesma num sentido geral, passando a ser
valorizada pelo seu patrimônio biofísico (ACSELRAD, 2013).
Para que os benefícios das áreas verdes urbanas possam ser sentidos em sua
totalidade pela população é importante criar opções de lazer diversificadas e interessantes o
suficiente para satisfazer os anseios dos cidadãos, encorajando-os a permanecer e desfrutar
deste espaço (HAQ, 2011). No entanto, este pode ser exatamente o grande desafio dos
gestores urbanos que se encontram diante de uma população jovem, que tem na tecnologia
e nos meios de comunicação sua principal fonte de lazer. Para ser atrativa para esta parcela
da população, é importante resgatar o lado emocional que pode existir em relação a esse
ambiente e a possibilidade de se viver uma experiência interativa com este espaço, que vai
além do visual encontrado nas TVs e computadores (THOMPSON, 2002; MENDONÇA, 2007).
Thompson (2002) aponta ainda outro desafio na gestão de áreas verdes urbanas: a
estrutura desses espaços especialmente em relação à acessibilidade. Ele afirma que nas
cidades existem muitas opções para socialização, lazer e até mesmo contemplação do meio
ambiente, nas ruas e avenidas que nas praças e parques, que são os tipos de áreas verdes
mais voltados para o lazer e socialização. Alguns locais tornam o ambiente preferencial de
um tipo específico de público, como idosos, crianças, pessoas de baixo poder aquisitivo ou
portadores de necessidades especiais. Esse público, no entanto, é o que mais necessita de
facilidade de acesso e segurança, o que faz com que o gestor tenha de pensar a gestão
desses espaços de forma mais abrangente (THOMPSON, 2002). As áreas verdes do futuro
devem ser locais inclusivos e que consigam atender aos anseios socioculturais e de lazer
dessa sociedade heterogênea e que também possam promover oportunidades de se
interagir com a natureza, observar sua transformação e crescimento (THOMPSON, 2002;
MENDONÇA, 2007; DUNN, 2010).
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 21
denomina a praça como um local necessariamente com área verde (Quadro 2). O que seria
considerada uma praça (sem área verde), comum na Europa, no Brasil seria classificado
como largos, pátios ou terreiros pela população brasileira, como exemplo do pátio do
Colégio em São Paulo (DE ANGELIS et al., 2004; GOMES, 2008). Este novo modelo de praça
com jardim acabou por redefinir seu tipo de uso, consolidando a praça como espaço de
lazer, passeio e convívio da população (CALDEIRA, 2007; GOMES, 2008).
por órgãos administradores, que buscam ampliar sua porção de áreas de lazer perante a
população (GOMES, 2008).
Entretanto, Mendonça (2007) apontou um conceito mais estrutural e urbanístico da
praça, como sendo “espaços públicos com função de convívio social, inseridos na malha
urbana como elemento organizador da circulação e de amenização pública, com área
equivalente à uma quadra, geralmente contendo expressiva cobertura vegetal, mobiliário
rústico, canteiros e bancos”.
Silva (2012) define praças como locais públicos com função social, destinadas ao
lazer, socialização e realização de atividades cívico-religiosas, com função também de
embelezamento da cidade por ter aspectos ornamentais. Já De Angelis et al. (2005) trazem
uma definição mais funcional da praça ao longo do tempo, como a ideia de que “praças são
locais onde as pessoas se reúnem para fins comerciais, políticos, sociais ou religiosos, ou,
ainda, onde se desenvolvem atividades de entretenimento”.
Essas visões abrangem muitas das características e funções das praças, mas que
justamente por isso não delimitam claramente que tipo de estrutura ela deve possuir. De
Angelis et al. (2004) confirmaram este aspecto ao relatar a dificuldade de grande parte dos
criadores das praças brasileiras em não terem uma ideia clara e objetiva de como estruturar
este espaço, tendo predomínio de dois projetos (ainda que de forma vaga): a do jardim e da
praça de esportes.
Segundo De Angelis et al. (2004), a realidade brasileira demonstra bem esta falta de
entendimento pelos administradores públicos da função que as praças deveriam ter no
cotidiano das cidades. A falta de critérios desde a elaboração do projeto até a fase de
implantação, não havendo estudos sobre as características do local, da população local, da
melhor forma de inserção da praça na malha urbana ainda é prática comum, com a adoção
de projetos-padrão, que são simplesmente replicados a cada nova praça (DE ANGELIS et al.,
2004). Isso explicaria a falta de interesse da população por esses espaços e a preferência, em
grandes centros urbanos, por outras opções de lazer, como parques ou shopping centers
(GOMES, 2008).
Este é um aspecto negativo da gestão de praças públicas no Brasil, especialmente
em grandes cidades, carentes de espaços verdes que possam melhorar a qualidade de vida
da população, permitindo uma melhoria da saúde física e mental e contribuindo para uma
melhor qualidade do ar, função que as praças poderiam exercer com eficácia por serem
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áreas de tamanho limitado, que facilita que estejam espalhadas pela malha urbana sem
comprometer sua estrutura e funcionalidade (LEE; MAHESWARAN, 2011). Para Gomes
(2008), esses benefícios fizeram com que a área verde, e consequentemente as praças,
passassem a ser mais valorizadas e requeridas nas cidades.
Gomes (2008) também relaciona a causa do esvaziamento das praças públicas
urbanas contemporâneas às opções de lazer oferecidas pelas novas tecnologias, como a TV e
a internet e a falta de segurança existente nos espaços públicos das grandes cidades. Para
continuar atraindo a população a praça tem que se mostrar tão interativa, moderna e
prática quanto o homem atual. De Angelis et al. (2005) corroboram com a visão de Gomes e
relacionam esse esvaziamento da praça não só com a mudança da vida cotidiana e suas
preferências de lazer, mas também com o surgimento de outras opções privadas de lazer e
ao abandono desses espaços pelo poder público, que não só deixa de realizar as
manutenções necessárias como também deixa de adaptá-las com mobiliário e
equipamentos adequados aos reais anseios da população.
Orth e Cunha (2000) atentam para a função de espaço de lazer das praças públicas,
tendo esta característica mais acentuada em cidades urbanizadas com grande densidade de
edifícios, aumentando a necessidade por espaços de lazer construídos como praças e
parques que servem para agregar qualidade de vida para as pessoas que ali habitam.
Dumazedier (1976, p. 94) definiu como lazer:
MASCARÓ, 2007). Essas funções somadas refletem na melhoria de qualidade de vida dos
frequentadores e por isso é importante que sejam planejadas de forma a atender de
maneira equitativa diferentes públicos e terem elementos que visem a aumentar a
permanência do visitante nesse espaço, como bancos e equipamentos de lazer, que devem
estar presentes de forma quantitativa, mas também qualitativa (OLIVEIRA, MASCARÓ, 2007).
4 PERCEPÇÃO AMBIENTAL
O crescente interesse por estudos e projetos voltados para as áreas verdes urbanas
fez com que se buscasse compreender e maximizar os benefícios que esses espaços podem
trazer para a população. No entanto, esta tendência fez com que pesquisadores olhassem
para a relação que o ser humano tem com esse espaço e os sentimentos que nutre por ele.
Dessa forma, os estudos de percepção ambiental se mostraram uma importante ferramenta
para auxiliar na compreensão da maneira como o indivíduo vê e sente determinado espaço o
que pode explicar as suas ações em relação a ele (COSTA; COLESANTI, 2011; DEL RIO, 1996).
Os estudos de percepção humana surgiram em 1879 pelo psicólogo Wilhelm
Wundt, e a partir daí passaram a chamar a atenção de pesquisadores em diversas áreas
como educação e geografia. No Brasil, os estudos nessa área começaram a se destacar na
década de 1970, culminando na criação, em 2000, do Núcleo de Pesquisas em Percepção
Ambiental (NEPA) da Faculdade Brasileira no Espírito Santo que hoje desenvolve pesquisas
em diversos setores (RODRIGUES et al., 2012).
Esses estudos visam a explicar as atitudes do indivíduo em relação a determinado
ambiente a partir da forma como ele entende aquele espaço e das impressões que ele tem
sobre o mesmo (DEL RIO, 1996). Segundo Tuan (2012), essas impressões são construídas a
partir dos estímulos que o ambiente provoca no indivíduo, vivenciados a partir dos seus
sentidos, como também pela cultura e personalidade que aquele indivíduo tem. Portanto,
para este autor, para compreender os problemas ambientais é necessário primeiramente
compreender os seres humanos que interagem com ele. Castello (1996) apontou que nas
práticas de urbanismo é cada vez mais importante compreender com clareza a relação
homem-ambiente.
A percepção ambiental é o resultado do contato entre nossos sentidos e o mundo.
Chauí (2001, p. 123) descreveu este processo da seguinte forma:
28
Para Liynch (1960), a relação de um morador de uma cidade pode ser determinada
pelas diversas percepções que este acumulou ao longo de sua relação com este ambiente.
Segundo ele, uma imagem ambiental positiva pode estabelecer uma relação harmoniosa
entre a cidade e o indivíduo que a percebe. O quadro mental elaborado é produto tanto da
sensação imediata quanto das experiências passadas acumuladas. Del Rio (1996)
acrescentou ainda que esses estímulos provocados pelo meio ambiente no indivíduo não
ocorrem de forma passiva, há uma contribuição do sujeito a este processo de percepção,
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 29
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As áreas verdes são espaços públicos de uso comum que de acordo com a revisão
da literatura podem ter diferentes funções, que muitas vezes se sobrepõem. Dentre as
funções dessas áreas destacam-se desde convívio social, lazer, conservação e/ou
preservação ambiental, até contribuições para fins comerciais. Entretanto, um ponto
importante em áreas urbanas é o estreitamento do contato da população com a natureza, o
qual traz muitos benefícios para melhor qualidade de vida.
Dentre as estratégias para estudos de áreas verdes destaca-se como ferramenta a
percepção ambiental. Esta investiga quais ligações são construídas por um grupo de
munícipes em relação a área verde de sua localidade ou em uma região específica. E auxilia o
gestor público a melhorar este vínculo, a partir da compreensão dos motivos para atitudes
positivas e negativas em relação à área verde e soluções para revertê-las, quando
necessário.
A análise da percepção ambiental também permite ao gestor público saber como as
políticas e projetos implantados foram percebidos e avaliados pela população local, o que
ajuda a direcionar as ações futuras para um resultado mais próximo do desejado, em novos
projetos. Além disso, é uma forma de estreitar a relação entre o poder público e os cidadãos,
favorecendo a manutenção da infraestrutura dos espaços públicos.
Um dos desafios do planejador é o de captar e compreender valores subjetivos que
compõem a percepção ambiental da população e conseguir aplicá-los aos projetos de gestão
de áreas verdes urbanas. Sem o envolvimento da população, o gestor não atinge as
expectativas da mesma, exclui uma parcela do público frequentador e atrair elementos ou
atividades indesejadas para aquela área.
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34
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 35
Capítulo 2
1 PERCEPÇÃO AMBIENTAL
6
Bióloga, doutora em Ecologia Aplicada (ESALQ/CENA/USP). Professora do Programa de Mestrado Profissional
em Gestão Ambiental e Sustentabilidade da Universidade Nove de Julho (GeAS/UNINOVE), e-mail:
ana_paula@uni9.pro.br
7
Bióloga, mestre em Administração – Gestão Ambiental e Sustentabilidade (GeAS). Professora do
Departamento de Saúde II da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), e-mail: milenaregis@uni9.pro.br
36
2 PARQUES URBANOS
Os fragmentos florestais (BARROS et al., 2006), como áreas verdes urbanas, nas
últimas décadas vêm se tornando os principais defensores do meio ambiente, pelo espaço
que lhes é destinado nos centros urbanos (LOBODA; DE ANGELIS, 2009), que, segundo Fiera
(2009), são áreas caracterizadas por muitas pressões, tais como espaço limitado, condições
climáticas adversas, poluição do ar, dentre outras.
Então surgem os parques urbanos, buscando um equilíbrio entre o processo de
urbanização e a preservação ambiental, recriando condições naturais, permitindo que a
população tenha contato físico com a natureza e, assim, tornando-se um local de
sociabilidade (SCALISE, 2002), oferecendo lugares de recreação em espaços abertos
próximos às áreas residenciais (LI et al., 2005).
O modelo paisagístico parque urbano, surgiu em meados do século XIX (COSTA,
2012), inspirados nos jardins ingleses (KLIASS, 1993). Gomes (2014) observa que os parques
surgem pela necessidade de dotar os espaços urbanos de áreas verdes e de lazer,
possibilitando dessa forma maior qualidade ambiental, pois os parques não são
simplesmente espaços verdes criados sem intencionalidades, mas sim representam
38
equipamentos urbanos capazes de alterar o padrão de uso e ocupação do solo, nas grandes
cidades.
Atualmente, a configuração dos parques urbanos está relacionada aos aspectos de
usos e funções desses espaços (COSTA, 2011), alguns estão relacionados à proteção
ambiental, outros à cultura, recreação e lazer (SCALISE, 2002). No entanto, o papel desses
espaços verdes urbanos diverge entre algumas cidades, devido aos distintos aspectos
ambientais e socioculturais (JANKOVSKA et al., 2010).
Cabe ainda ressaltar que os parques também podem ser usados para fins religiosos,
como demonstra Serpa (1996), no estudo realizado com praticantes do Candomblé em
Salvador/BA, sobre a relação dessa população com o Parque de São Bartolomeu. Segundo o
autor, a população estudada percebe o Parque como uma reserva ecológica (muito
importante para a preservação ambiental de Salvador, onde ainda é possível observar
resquícios de Mata Atlântica), mas também como um lugar sagrado para o candomblé (onde
se pode praticar rituais e colher as espécies vegetais necessárias para realizar os cultos nos
terreiros).
Chaves e Amador (2015) assinalam que, no contexto urbano, os parques são
categorizados como áreas livres de construções, destinadas a todos os tipos de utilização,
permitindo uma interação de modo coletivo na cidade, sendo esses espaços um ambiente de
lazer, recreação e entretenimento para toda a população urbana. Consiste assim em um
valioso recurso para as cidades superlotadas, conforme define Ryan (2005).
Como observado por Jorgensen et al. (2002), para muitos moradores urbanos o
contato com a natureza se limita a frequentar os parques locais. Os autores ainda
acrescentam que os parques urbanos têm efeitos benéficos sobre a população citadina, por
tornarem a paisagem urbana biologicamente mais sustentável.
Gomes (2014) ressalta que os parques urbanos são fundamentais na cidade, por
proporcionarem recreação e lazer, principalmente à população mais carente da sociedade
metropolitana, que nem sempre dispõe de outras opções. O autor também afirma que a
criação e implantação de parques requer a compreensão das necessidades de grupos
socialmente distintos, que se apropriam de diferentes maneiras dos equipamentos públicos
existentes no perímetro urbano.
Segundo Kliass (1993), parques urbanos são espaços públicos onde há
predominância de elementos naturais e cobertura vegetal amenizadoras das estruturas
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 39
(KLIASS, 1993) “são uma área verde com função ecológica, estética e de lazer, com uma
extensão maior que as praças e jardins públicos” (MMA, 2015a).
No Brasil, a criação do primeiro parque nacional aconteceu em 1937, na cidade de
Itatiaia/RJ (GOMES, 2014, FONTOURA; SILVEIRA, 2008), com o intuito de oferecer lazer à
população urbana e incentivar a pesquisa científica (FONTOURA; SILVEIRA, 2008). Já o
primeiro parque urbano do município de São Paulo, foi o Jardim Público, que data de 1825,
atualmente é chamado de Parque da Luz (PUMSP, 2015b).
Os demais parques urbanos de São Paulo surgiram de distintos processos e foram
implantados pelo poder público (KLIASS, 1993), que fez uso de áreas desapropriadas, antigas
sedes de fazendas e chácaras, designando esses espaços à implantação de parques, por
serem áreas arborizadas, que necessitavam apenas de adequações antes de serem abertas
ao público (BARTALINI, 1999).
Mariano et al. (2015) observam que a noção de “parque” durante muito tempo
esteve associada a serviços de estética e recreação. Porém, com as mudanças nas condições
e necessidades da cidade de São Paulo, a função de recreação passou a incluir também a
disponibilização de atividades esportivas. Ainda segundo os autores, é sob esse contexto que
a preocupação com a preservação e implantação de parques urbanos está associada não
apenas ao lazer e à estética, mas principalmente aos serviços ambientais que esses podem
prestar à metrópole.
Entretanto, de acordo com Londe (2014), para que as áreas verdes, como parques
urbanos, possam efetivamente desempenhar suas funções que tanto beneficiam física e
psicologicamente a população citadina, é necessário que elas sejam efetivamente
englobadas ao planejamento urbano.
Então, reconhecendo a importância dos parques públicos (MARIANO et al., 2015),
visando a ampliar as áreas verdes de lazer e de contato com a natureza na cidade,
transformando-as em parques, a Prefeitura de São Paulo lançou o Programa 100 Parques,
que objetivou não só ampliar esses espaços, mas distribui-los de forma mais equilibrada no
perímetro metropolitano (SÃO PAULO, 2015). Atualmente, a cidade de São Paulo dispõe de
109 parques, incluindo alguns que não abertos à visitação e alguns fechados por período
indeterminado.
Cabe salientar que o programa 100 parques também incluiu a implantação de
parques lineares nas margens dos rios e córregos da cidade, a fim de prevenir construções
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 41
3 CONSIDERAÇÕES
Sugere-se que a gestão dos parques urbanos seja baseada nos desejos e anseios da
população que frequenta, usufrui dos serviços, atividades, eventos e da infraestrutura
oferecida nesses espaços. Além de ser desempenhada de modo que o frequentador
participe da tomada de decisão, pois quando o ser humano se sente responsável por
determinado ambiente ele tende a conservar, zelar e cuidar mais desse espaço. Por isso, os
estudos sobre a percepção ambiental de frequentadores de parques urbanos são
importantes e cada vez mais necessários.
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Capítulo 3
Claudia Seldin9
Lilian Fessler Vaz10
8
Versões preliminares deste artigo foram apresentadas e publicadas nos anais do IV Seminário Internacional da
AEAULP (Belo Horizonte, 2017) e do XVII Encontro da ANPUR (São Paulo, 2017). Ver referências bibliográficas.
9
Doutora em Urbanismo, pesquisadora de pós-doutorado no PROURB/FAU-UFRJ com bolsa FAPERJ/CAPES.
10
Doutora em Arquitetura e Urbanismo, cofundadora e professora colaboradora do PROURB/FAU-UFRJ e
pesquisadora CNPq 1B. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Cultura, História e Urbanismo (GPCHU) na mesma
instituição.
11
De acordo com Coelho (2004), os equipamentos culturais consistem nas edificações destinadas a práticas
culturais ou grupos de produtores que tornam o espaço cultural passível de operação. Seriam os museus,
bibliotecas, centros culturais e salas de teatro e cinema, etc.
48
espontaneamente, áreas edificadas e livres. No entanto, para além da riqueza natural, dos
monumentos e de alguns exemplares emblemáticos de arquitetura celebrados como parte
essencial do imaginário local, encontram-se esses espaços esquecidos, que configuram
“brechas” – vazios urbanos, recortes adjacentes ao traçado viário, estruturas obsoletas,
abandonadas ou desocupadas.
A eles nos referimos como espaços insólitos – recortes não planejados ou não
projetados, modificados pelo uso temporário e por muita força de vontade de uma camada
da população acostumada a ter que lutar por seu lugar na cidade. Este é o caso de um lixão
transformado em parque urbano na favela carioca do Vidigal – um dos muitos exemplos de
espaços que consistem em opções mais acessíveis aos habitantes das regiões marginalizadas
que os equipamentos culturais tradicionais, majoritariamente concentrados nas zonas
nobres do município.
A ocupação formal dos vazios urbanos e espaços residuais no Rio de Janeiro de hoje
segue padrões globais, em que o planejamento da cidade como um todo vem sendo
substituído por projetos pontuais para áreas degradadas ou abandonadas. O que se observa,
em geral, é uma tendência de repaginação da imagem da cidade, com uma aposta na cultura
como principal instrumento revitalizador do espaço urbano. Atualmente, muitos são os
casos de grandes investimentos em equipamentos culturais projetados por arquitetos
famosos em meio a espaços livres públicos de primoroso design, visando à renovação
urbana. Áreas estratégicas, centros históricos, vazios em zonas portuárias, industriais ou
outras áreas decadentes são reabilitadas, tornando-se, por vezes, âncoras da recuperação
econômica. Através de reformas urbanas pontuais, potencializadas por um marketing
eficiente, as cidades tornam-se casos espetaculares e midiáticos, impondo-se em uma
competição globalizada pela atração de capital, turistas e habitantes (SELDIN, 2017).
Em face das tendências internacionais de preenchimento dos vazios das cidades,
ressaltamos que, atualmente, apenas alguns dos espaços residuais cariocas – situados em
regiões centrais e/ou estratégicas – vêm se tornando objeto de projetos urbanos que visam
a revitalizar a imagem da cidade, como é o caso da operação urbana Porto Maravilha nos
bairros da Gamboa, Saúde e Santo Cristo. Esta operação propôs revitalizar a Zona Portuária
carioca através da recuperação de vastos galpões portuários e de uma série de intervenções
que incluem a implantação de grandes centros culturais e de lazer: um Aquário e dois
museus – o Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) e o Museu do Amanhã (projetado pelo
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 49
arquiteto Santiago Calatrava), que se justificariam devido à realização, na cidade, dos Jogos
Olímpicos de 2016.
multiplicidade dos atores que ele convida, o espaço “frouxo” permite que se atinja uma
autenticidade na esfera urbana, reforçando as práticas locais e permitindo o florescimento
de algumas culturas e identidades que ficariam oprimidas se eles não existissem (FRANCK;
STEVENS, 2007, p. 20-21).
Sob esta perspectiva, podemos afirmar que o caso aqui apresentado – o Parque e
Instituto Sitiê na favela do Vidigal – possui essa “frouxidão” e que, através do uso
temporário e cultural, transforma-se não só física, mas simbolicamente. Trata-se, portanto,
de um espaço insólito, raro, extraordinário, singular.
Situado na zona sul carioca, entre os bairros nobres do Leblon e São Conrado, o
morro do Vidigal conta com cerca de 25 mil habitantes12 e uma das mais belas vistas do
litoral da cidade. Em seu coração, totalizando 8.500 m2, encontra-se o Parque Sitiê13 – um
novo espaço público construído pela comunidade local em meio à Mata Atlântica.
O caráter de “frouxidão” do Sitiê deve-se ao fato de o local constituir uma enorme
área de depósito de lixo e entulho até o início dos anos 2000. Segundo seu fundador, Mauro
Quintanilha, aquela parte da favela sofreu com uma série de ocupações habitacionais
irregulares durante a década de 1980. Sem a infraestrutura adequada, a área passou a
acumular restos de material de construção e dejetos. A depredação abriu espaço para que
os moradores também jogassem ali seu lixo doméstico, contribuindo para o sucateamento
da encosta. Em 2003, a Prefeitura do Rio demoliu a maior parte das construções porque
“ultrapassavam a faixa vermelha da Mata Atlântica”14. O entulho resultante das demolições
nunca foi removido, levando a um quadro ainda mais expressivo de degradação, agora
somada ao relativo abandono do local, que chegou a acumular aproximadamente 16
toneladas de entulho.
12
De acordo com o censo demográfico de 2010, residem cerca de 10 mil habitantes na favela, porém, o censo
realizado pelo Instituto Sitiê (que funciona em parceria com o parque) aponta que o número real gira em torno
de 25 mil.
13
O nome Sitiê consiste em uma combinação do apelido da área conhecida pelos moradores antigos como
"sítio" e o sufixo “tiê” – uma alusão ao pássaro Tiê-Sangue [Ramphocelus bresilius] – ave símbolo da Mata
Atlântica brasileira.
14
Em entrevista pessoal realizada em novembro de 2016 no parque. Dados também retirados de Collins (2016)
e do website oficial do Sitiê, disponível em: <http://www.parquesitie.org/ historia>. Acesso em: 10 out. 2016.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 53
recursos próprios para investir e criar novos espaços públicos e se interessa por aqueles que
sejam autoconstruídos.
O arquiteto Pedro Henrique de Cristo15 enxerga a “ocupação” do Sitiê pela
comunidade como um projeto de integração com resultados concretos: o estabelecimento
de uma comunidade protetora do ambiente, a resiliência ambiental e a criação de um
espaço multifuncional, assim como a associação bem-sucedida da experiência prática da
comunidade com a teoria por ele trazida em função de sua formação.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 59
Capítulo 4
1 INTRODUÇÃO
A água é vital para os seres humanos, porém o uso descontrolado desse recurso
leva inúmeros sistemas hidrográficos ao colapso de seus regimes fluviais, comprometendo o
funcionamento desses ecossistemas aquáticos e toda vida neles inseridas.
Cada vez mais a crise hídrica influencia no volume das vazões fluviais, que é
diretamente proporcional ao poder dos cursos fluviais em diluir e assimilar os
contaminantes, que podem ser naturais e/ou antrópicos.
As águas superficiais de uma bacia hidrográfica de um território armazenam
informações características e peculiares da sociedade e das suas formas de produção.
Segundo Tundisi (2003), a qualidade da água guarda os valores sociais de uma sociedade e
expressa o seu grau de desenvolvimento.
Pinto (2014) enfatiza que “as bacias hidrográficas agregam elementos do
subsistema natural, construído e socioeconômico tanto produtivo como cultural, que são
interligadas entre si e com todo o ambiente à sua volta”. E sua drenagem lava todas as
formas de uso, cobertura e manejo da terra, carreando para o canal fluvial todas as
transformações geradas pela ação antrópica.
Portanto, a qualidade das águas de uma bacia hidrográfica segundo Pereira (1997),
16
Professor doutor responsável pela coordenação da pesquisa. Docente associado pela UFMS/Três Lagoas, e-
mail: andre.pinto@ufms.br
17
Mestre em geografia pela UFMS/Três Lagoas. Doutorando em Geografia pela Unicamp/Campinas, e-mail:
deny1609@gmail.com
60
Contudo, ressalta-se que água pura não existe, pois o termo referido trata-se da
composição de diversos elementos químicos que dependem do ambiente onde esta é
formada e circula, adquirindo propriedades que alteram os seus padrões de qualidade.
Em assentamentos rurais, sobretudo nos provenientes da reforma agrária, este
recurso tornou-se um problema habitual por vários fatores, como lotes divididos de modo
impreciso, que na maioria das vezes ocasiona problemas com relação à distribuição interna
de recursos hídricos. Assim, a escassez de água acaba por se tornar um dos mais árduos
desafios que os assentados devem superar para continuarem na terra (GODOI, 2014).
Desta forma, o monitoramento da qualidade das águas de uma bacia hidrográfica,
constitui informação vital para a sobrevivência e qualidade de vida da população, bem como
para o planejamento e gestão desse território. Acerca do monitoramento da qualidade das
águas, Casemiro (2016) argumenta que:
A gestão integrada dos recursos hídricos requer que a água seja sistematicamente
acompanhada tanto em termos de quantidade quanto de qualidade. O
monitoramento da qualidade das águas é fator primordial para a adequada gestão
dos recursos hídricos, sendo essencial para as ações de planejamento,
licenciamento, outorga, fiscalização e enquadramento dos cursos hídricos.
(CASEMIRO, 2016, p. 57).
2 ÁREA DE ESTUDO
3 METODOLOGIA
Quadro 1: Parâmetros, equipamento e métodos utilizados para análise da qualidade das águas superficiais dos
córregos Sabina e Pindaibinha, no assentamento São Joaquim, Selvíria/MS
pH Horiba U 50 Eletrométrico
Figura 2: Localização dos pontos de monitoramento da qualidade das águas superficiais no assentamento São
Joaquim, Selvíria/MS, no inverno de 2013 e 2016
Foram utilizadas para a análise a média dos dados da mensuração dos pontos
monitorados ao longo das duas campanhas de campo, realizadas em 3 de julho de 2013 e
em 5 agosto de 2016. E para a análise e enquadramento das águas superficiais do
assentamento, nas classes de limitações do uso das águas doces no Brasil foi utilizada a
resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA 357, de 2005. O Quadro 2 e a
Tabela 1 apresentam os valores máximos permitidos para enquadramento, segundo esta
Resolução.
64
Tabela 1: Limites dos parâmetros analisados para enquadramento nas classes das águas doces no Brasil
OD 10 a 6 mg/L
pH 6,0 a 9,0
Turbidez 20 até 40 NTU
I Condutividade Elétrica 50 até 75 uS/cm
TDS 200 a 300 mg/L
ORP 300 a 400 mV
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 65
OD 6 a 5 mg/L
pH 6,0 a 9,0
Turbidez 40 até 70 NTU
II Condutividade Elétrica 75 até 100 uS/cm
TDS 300 a 400 mg/L
ORP 400 a 500 mV
OD 5 a 4 mg/L
pH 6,0 a 9,0
Turbidez 70 até 100 NTU
III Condutividade Elétrica 100 até 150 uS/cm
TDS 400 a 500 mg/L
ORP 500 a 600 mV
OD – 4 mg/L
pH 6,0 a 9,0
Turbidez acima de 100 NTU
IV Condutividade Elétrica +150 uS/cm
TDS +500 mg/L
ORP + 600 mV
Fonte: Pinto et al. (2009), adaptado da Resolução nº 357/2005 do Conama .
4 RESULTADOS
Tabela 2: Qualidade físico-química das águas superficiais da sub-bacia do córrego Sabina, assentamento São
Joaquim, Selvíria/MS, inverno de 2013
Pontos amostrados 1 2 3 4 5 Enquadramento
Horário 09:00 09:35 09:25 08:40 10:53
Temperatura ar 25,2 25,83 27,54 28,44 27,45
Temperatura água 24,62 21,13 28,18 26,02 20,89
pH 5,32 5,55 5,36 6,67 6,34 IV
ORP (mV) 235,00 264,00 270,00 126,00 130,00 E
CE (uS/cm) 30,00 4,00 8,00 4,00 12,06 E
Turbidez (NTU) 2,28 14,53 22,85 5,57 4,13 E
OD (mg/L) 7,31 8,12 8,84 5,33 7,43 II
TDS (mg/L) 27,02 62,33 1,31 9,76 8,52 E
Salinidade (%) 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Velocidade (m/s) 0,12 0,25 1,40 0,10 1,90
Enquadramento IV IV IV II I IV
Fonte: Casemiro (2016).
O ponto 1 caracteriza-se por ser uma das nascentes de uma pequena sub-bacia do
córrego Sabininha, identificado por uma voçoroca com o afloramento do lençol freático. No
período em questão, o local já se encontrava cercado, impedindo assim o acesso do gado
proveniente da pecuária extensiva de corte. Tal iniciativa mostra-se importante já que o
córrego estava, em 2013, passando por processo de recuperação de suas matas ciliares.
O ponto 2 localiza-se na foz da sub-bacia do córrego Sabininha, assim nomeado
pelos integrantes da pesquisa, em área cercada por densa mata ciliar.
Já o ponto 3 posiciona-se à jusante da foz da sub-bacia do córrego Sabininha. Com
condições similares ao ponto anterior, possuindo também área cercada com mata ciliar
densa e, ainda, intensa deposição de material orgânico tanto nas margens do córrego como
no fundo do canal fluvial.
Sobre a qualidade das águas do assentamento São Joaquim em Selvíria, Casemiro
(2016) faz alguns esclarecimentos:
A qualidade das águas do córrego Sabina, no assentamento São Joaquim tem como
principal limitante seu baixo pH, inferior ao estabelecido pela resolução 357 de
2005 do CONAMA, que preconiza de 6 a 9, sendo registrados no inverno de 2013,
nos pontos 1, 2 e 3, valores entre 5,30 a 5,55. (CASEMIRO, 2016, p. 34).
Tabela 3: Qualidade físico-química das águas superficiais da sub-bacia do córrego Sabina, assentamento São
Joaquim, Selvíria/MS, inverno de 2016
Tabela 4: Qualidade físico-química das águas superficiais na sub-bacia do córrego Pindaíba, assentamento São
Joaquim, Selvíria/MS, inverno de 2013
Pontos 1 2 3 4 Enquadramento
Horário 11:30 10:53 10:55 10:00
Temperatura ar 28,40 27,45 26,87 26,75
Temperatura água 21:30 20,80 23,52 24,20
pH 5,67 6,30 6,38 6,20 II
ORP (mV) 126,00 187,00 202,00 207,00 E
CE (us/cm) 4,00 12,00 19,00 31,00 E
Turbidez 5,50 4,10 7,17 50,25 I
OD (mg/L) 5,33 7,73 8,98 8,30 II
TDS (mg/L) 8,98 8, 24 11,57 12, 38 E
Salinidade (%) 0,00 0,00 0,00 0,00
Velocidade (m/s) 0,60 1,91 2,96 1,30
Enquadramento IV I I I II
Fonte: Casemiro (2016).
Tabela 5: Qualidade físico-química das águas superficiais na sub-bacia do córrego Pindaíba, assentamento São
Joaquim, Selvíria/MS, inverno de 2016
Pontos 5 9 Enquadramento
Horário 12:50 10:30
Temperatura ar 31,40 26,79
Temperatura água 26,98 22,32
pH 3,83 3,89 IV
ORP (mV) 304,00 385,00 I
CE (uS/cm) 10,00 12,00 E
Turbidez (NTU) 12,70 37,2 I
OD (mg/L) 3,37 10,08 II
TDS (mg/L) 6,00 8,00 E
Salinidade (%) 0,00 0,00
Velocidade (m/s) 0,50 3,65
Enquadramento IV IV IV
Fonte: UFMS (2016).
O ribeirão Beltrão converge todos os seus afluentes, que pela margem direita
cortam o assentamento São Joaquim e também sofre a influência da grande contribuição
das águas subterrâneas que são muito ácidas, bem abaixo do limite máximo permitido,
70
segundo o Conama. Sendo o pH mais baixo registrado na campanha de 2016, com apenas
2,3. E que devido a este fato, mesmo tendo ótima oxigenação de suas águas foi enquadrado
na classe IV (Tabela 6).
Tabela 6: Qualidade físico-química das águas superficiais na margem direta do ribeirão Beltrão, assentamento
São Joaquim, Selvíria/MS, inverno de 2016
Pontos 10 Enquadramento
Horário 12:54
Temperatura ar 32,00
Temperatura H2O 21,37
pH 2,3 IV
ORP (mV) 390,0 I
CE (uS/cm) 16,0 E
Turbidez (NTU) 27,8 I
OD (mg/L) 14,2 E
TDS (mg/L) 10,0 E
Salinidade (%) 0,0
Velocidade (m/s) 5,6
Enquadramento IV IV
Fonte: UFMS (2016).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRASIL. Conama. Resolução n° 274, de 29 de novembro de 2000. Dispõe a balneabilidade dos corpos
de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento no Brasil. Brasília: DOU, 2000. Seção 1.
BRASIL. Conama. Resolução n° 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos
de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e
padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências. Brasília: DOU, 2005. Seção 1.
BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Manual dos Assentados de
Reforma Agrária. Brasília, 2001. 53 p.
CASEMIRO, K.S.F. A perda da percepção da natureza e a qualidade das águas no Assentamento São
Joaquim, Selvíria/MS. 2016. 60 fl. Monografia (graduação), Geografia, Universidade de Federal do
Mato Grosso do Sul (UFMS), Três Lagoas, 2016.
COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO (CETESB). Relatório da qualidade das águas
subterrâneas do estado de São Paulo de 2012. São Paulo: Cetesb, 2013. Séries Relatórios. 242p.
GODOI, D.P.A. A água como desafio à permanência na terra: estudo sobre o potencial de captar água
da chuva no Assentamento Roseli Nunes – MT. Vitória – ES. In: VII ENCONTRO NACIONAL DE
GEÓGRAFOS – ENG, 2014, Anais... 2014.
HORIBA. Horiba Operation Manual: U 50. Multiparameter Water Quality Monitoring System.
Irvine/USA: Horiba Ltd, 2004. 130p.
72
MERTEN, G.H.; MINELLA, J.P. Qualidade da água em bacias hidrográficas rurais: um desafio atual para
a sobrevivência futura. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, v. 3, n. 4, p. 33-38, 2002.
PEREIRA, V.P. Solo: manejo e conservação de erosão hídrica. Jabuticabal: FCAV, 1997. 56p.
PINTO, A.L.; MEDEIROS, R.B.; OLIVEIRA, G.H. et al. Eficiência da utilização do oxigênio dissolvido
como principal indicador da qualidade das águas superficiais da bacia do córrego Moeda, Três
Lagoas/MS. Geografia. Rio Claro, v. 39, p. 541-551, 2014.
______; OLIVEIRA, G.H.; PEREIRA, G.A. Avaliação da eficiência da utilização do oxigênio dissolvido
como principal indicador da qualidade das águas superficiais da Bacia do Córrego Bom Jardim,
Brasilândia/MS. In: II SEMINÁRIO DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO PARAÍBA DO
SUL, Recuperação de Áreas Degradadas Serviços Ambientais e Sustentabilidade, 2009, Taubaté.
Anais... Taubaté: IPABHi, 2009. p. 553-560.
TUNDISI, J.G. Água no século XXI: enfrentando a escassez. São Carlos: RiMa, 2003. 248p.
Capítulo 5
1 INTRODUÇÃO
18
Professora doutora da UNESP, campus de Ourinhos e professora do Programa de Pós-Graduação na UNESP
de Rio Claro, e-mail: luciene@ourinhos.unesp.br; rissoluciene@gmail.com
19
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNESP de Rio Claro, e-
mail:yu_silveira@hotmail.com
20
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UNESP de Bauru, e-
mail:gardeniabc@hotmail.com
74
Figura 2: Entrada do quilombo de Mandira entre os morros cobertos de mata atlântica e a planície
[...] viram um clarão no sambaqui, um clarão que deu aquela alumiada assim, um
“cilibim” para cima assim, de cima pra baixo, e de baixo pra cima, aí no que
alumiou da estrada, perto da ruína, ele olhou disse que viu um homem por cima
das árvores, um homão grande assim, e ele foi um pouco mais próximo, depois ele
voltou. Depois ele no outro dia foi lá, também não tinha nada, não tinha rastro não
tinha nada [...] [risos] mais alto que os abacateiros, abacateiro lá deve ter uns 20
quase 20 metros, no sambaqui [...] (MANDIRA, 2014).
Meu tio com os primos dele foram pescar, mas não estavam pegando nada, e aí
tinha um saci assobiando assim na beira do rio: “fiii saci saperê, fiii saci saperê”. Ele
era muito safado, meu avô, e ele falou assim para o saci: se você fizer nós matar
um pouco de tainha nós damos uma tainha pra você. Aí diz que lotaram a canoa de
tainha, pegaram tainha pra danar. Aí um olhou pro outro e falou, sabe quando nós
vamos dar tainha pra esse saci, nunca! [risos] não vamos dar tainha pra esse cara
não. Aí vieram embora, vieram embora e dizem que esse saci veio atropelando
eles, que ele assobiava que a terra tremia até. Eles escutavam ele andar na beira do
mato, aí dava aquela ventania, na hora que ele passava de um lado pra outro da
estrada, do caminho que não era estrada, era trilha, aí vieram até em casa. Aí
chegaram em casa o pai dele perguntou pra ele, o que eles tinham feito que o saci
estava bravo com eles daquele jeito. Eles não queriam contar, até que contaram e
dizem que o pai dele brigou bem brigado com eles, depois fez uma oração, rezou lá
um Pai Nosso, Ave Maria e diz que o saci subiu assim, que disse que estremecia a
terra, e sumiu, está correndo até hoje... mas diz que atropelou eles do rio até em
casa [...] atropelando eles no sentido de pisar forte do lado deles no caminho,
quando ele passava de um lado da estrada pra outro e assobiava que estremecia o
chão esse assobio dele, isso ele veio até na porta de casa, na porta de casa aqui
escutava o pisar dele no terreiro assim. Mas aí o pai do meu avô fez uma oração aí
ele foi embora. Meu avô brigou bastante com eles, tinha que ter dado a tainha pro
cara, eles pediram, pediram que eles davam uma tainha em troca e não deram
[...]ele não é bobo nem nada, ele vai aonde dá certo pra ele [...] (MANDIRA, 2014).
[...] aqui era um engenho de pilar arroz na época da fazenda no século XVIII, XIX.
Nessa região era o ciclo do arroz, os escravos trabalhavam. Aqui que viram a
mulher de branco [...] e aqui morava muita gente. E a casa do capelão era ali em
cima, capelão do terço. A entrada passava por ali do lado e subia pra cima, e a
mulher saiu junto com meu tio no caminho lá de trás, aí onde ela estava, ninguém
sabe ninguém viu [...]. (MANDIRA, 2014).
82
Assim, esse mapeamento das paisagens simbólicas foi importante porque mostra a
associação entre as paisagens e os valores/percepções imateriais da comunidade. O registro
e divulgação das lendas é um exercício de resgate e manutenção da identidade da
comunidade, uma vez que faz parte da cultura local. É um exercício de valorização do
patrimônio imaterial da comunidade, para um autorreconhecimento e um reconhecimento
das pessoas que vem de fora para visitar a comunidade, da riqueza cultural que nela existe.
Sobre o conceito de identidade, concorda-se com Manuel Castells (1999, p. 22), que
é o processo de “construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um
conjunto de atributos culturais interrelacionados, o(s) qual(is) prevalece(m) sobre outras
fontes de significado”. O autor ainda apresenta as identidades de resistência, que se
encontram em posições desprivilegiadas ou, ainda, estigmatizadas pela lógica dominante,
como é o caso dos quilombos, que se constroem com base em outros princípios e, por vezes,
opostos à sociedade. Essa resistência não se restringiu à época da escravidão, ainda
permanece na época atual, pois resistem contra tudo e todos que querem ver o seu fim, o
fim de suas culturas e ancestralidades.
Para Castells (1999, p. 25), trata-se da “construção de uma identidade defensiva nos
termos das instituições/ideologias dominantes, revertendo o julgamento de valores e, ao
mesmo tempo, reforçando os limites da resistência”. Pode-se interpretar o caso da
identidade quilombola, construída a partir da necessidade de lutar pela terra e pela sua
ancestralidade, como uma identidade de resistência sim.
Já a territorialidade quilombola está diretamente ligada à identidade com
determinado território. Os territórios quilombolas podem ser considerados territórios de
resistência, pois além de oferecerem resistência à sociedade da época, escravocrata, e
mesmo no período pós-abolição, também consistem numa forma de resistência ao racismo
e toda forma de discriminação racial que a população negra sofreu e sofre até hoje.
Concorda-se com Simone Rezende-Silva (2011) que a história do negro, no Brasil, vai muito
além da submissão. Trata-se de uma história de resistência:
[...] pode-se afirmar que a história do negro no Brasil não se constitui somente de
submissão, houve também diversas formas de resistência negra à escravização
como revoltas, fugas, assassinato de senhores, abortos, mas a que nos interessa,
pois se trata da materialização da resistência negra são os quilombos. Estes livres e
sagrados foram uma das primeiras formas de defesa dos negros, contra não só a
escravização, mas também à discriminação racial e o preconceito que se
estenderam para além da abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888.
(REZENDE-SILVA, 2011, p. 81).
O quilombo reaparece como uma das muitas formas de resistência, como um tipo
de guerrilha, bem como todas as ações e reações dos negros no cotidiano, antes e
após a abolição. A noção de território como base geográfica e como espaço
necessário à sobrevivência de negros, possibilitou uma certa tendência, desde
então, a interpretar todos os tipos de lugares habitados por estes, como espaços
de resistência no interior da sociedade branca racista. (LEITE, 1990, p. 40).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
AGRADECIMENTOS
REFERÊNCIAS
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Editorial, 2003. v. 1.
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negros no Brasil. Textos e Debates, Publicação do Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações
Interétnicas, ano I, n. 2, p. 7-24, 1990.
BONNEMAISON, J. Viagem em torno do território. In: CORRÊA, R.L.; ROSENDAHL, Z. (orgs.). Geografia
cultural: um século (3). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2002. p. 83-131.
CORRÊA, R.L.; ROSENDAHL, Zeny. Geografia cultural: um século (2). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2000.
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CORRÊA, R.L.; ROSENDAHL, Z. (orgs.). Paisagem, tempo e cultura. 2. ed. Rio de Janeiro: EdUERJ,
2004. p. 92-123.
DIEGUES, A.C. et al. Biodiversidade e comunidades tradicionais no Brasil. São Paulo: NUPAUB-
USP/PROBIO-MMA/CNPq, 1999.
FREIRE, J.M. Seringueiros do Acre: imaginário e paisagem cultural. In: CEPIAL – CONGRESSO DE
CULTURA E EDUCAÇÃO PARA INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA, III, 2012, Curitiba, Anais... Curitiba:
CEPIAL, 2012. p. 1-22.
FURTADO, M.B.; SUCUPIRA, R.L.; ALVES, C.B. Cultura, identidade e subjetividade quilombola: uma
leitura a partir da psicologia cultural. Psicologia & Sociedade, v. 26, n. 1, p. 106-115, 2014.
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territórios negros no Brasil. Textos e Debates. Publicação do Núcleo de Estudos sobre Identidade e
Relações Interétnicas, ano I, n. 2, p. 39-46, 1990.
MANDIRA, F. Sr. Chico Mandira: depoimento [jul. 2014]. Entrevistadores: Gardênia Baffi de Carvalho,
Luciene Cristina Risso, Yume Kikuda Silveira. Ourinhos: UNESP – Ourinhos, 2015. 1 gravador digital de
voz. Entrevista concedida no bairro do Mandira, Cananéia-SP ao Projeto de Pesquisa Mapeamento da
Cultura Imaterial na Comunidade dos Mandira – Cananéia-SP.
RISSO, L.C. Paisagens e cultura: uma reflexão teórica a partir do estudo de uma comunidade indígena
amazônica. Espaço e Cultura, n. 23, p. 67-76, 2008. (eletrônico).
______. Estudo da paisagem: história ambiental, percepções e memórias de rios. Ourinhos: UNESP,
2017. (Relatório processo 19201-1 da FAPESP).
SCATAMACCHIA, M.C.M.; UCHOA, D.P. O contato euro-indígena visto através de sítios arqueológicos
do estado de São Paulo. Revista de Arqueologia, São Paulo, n. 7, p. 153-173, 1993.
SILVA FILHO, J.B.; PINTO, A.K.L.F. Quilombolas: resistência, história e cultura. São Paulo: IBEP, 2012.
SILVEIRA, Y.K. Sobre quilombos e territórios: um estudo na comunidade Mandira em Cananéia – SP.
Rio Claro: UNESP, 2016 (Qualificação de Mestrado em Geografia).
88
Capítulo 6
Marta Enokibara21
Laís Bim Romero22
1 INTRODUÇÃO
21
Doutora em Arquitetura e Urbanismo, professora do Curso de Graduação e Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo na FAAC-UNESP-Bauru, e-mail: marta@faac.unesp.br
22
Arquiteta e urbanista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAAC-
UNESP-Bauru, e-mail: lbimromero@gmail.com
90
23
O presente texto é um desdobramento das pesquisas conduzidas em 2015 pela professora doutora Marta
Enokibara em seu Pós-doutorado intitulado “A Ciência nos jardins. Os hortos botânicos da capital paulista e a
difusão de um repertório vegetal (1897-1917)”, junto ao Programa de Pós-graduação em História das Ciências e
da Saúde na Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz-RJ), sob a tutela da professora doutora Lorelai Brilhante Kury. O
texto também é parte das pesquisas em andamento da dissertação de mestrado da arquiteta Laís Bim Romero
junto ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAAC/UNESP-Bauru, sob a orientação da
professora doutora Marta Enokibara.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 91
Este foi o motivo, como esclarece Guillaumon (1989, p. 26), da vinda de Alberto
Löfgren ao Brasil em 1874, aos 20 anos de idade, “para se agregar, como assistente, à
expedição botânica dirigida por Hjalmar Mosén, que explorou, entre 1874 e 1877, os Estados
de Minas Gerais e São Paulo”. Sendo esta financiada por Regnell, todo material coletado foi
posteriormente enviado para compor o Herbário Regnelliano da Academia de Ciências
Naturais de Estocolmo (GUILLAUMON, 1989, p. 27; HOEHNE et al., 1941, p. 126). É também
neste período que Löfgren “passa a contribuir na elaboração da Flora Brasiliensis, a primeira
obra de vulto sobre a vegetação brasileira, idealizada e iniciada por Martius”25
(GUILLAUMON, 1989, p. 27).
Com o término da expedição, permaneceu no Brasil e atuou como engenheiro da
Companhia Paulista de Vias Férreas de 1877 a 1881, tendo residido primeiro na cidade de
24
Não há um consenso nas referências consultadas se Löfgren graduou-se antes de vir ao Brasil. Conceição
(1919, p. 546); Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930) e Perisiani (2012),
afirmam que sim. Hoehne et al. (1941, p. 126) e Guillaumon (1989, p. 26) afirmam que veio ao Brasil antes de
se graduar. Para o presente texto utilizou-se a referência destes dois últimos autores por conterem mais
informações acerca da vinda de Löfgren ao Brasil.
25
O botânico Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) e o zoólogo Johann Baptist Ritter von Spix (1781-
1826), ambos da Real Academia de Ciências de Munique, iniciaram a Flora Brasiliensis a partir do material
coletado em sua viagem ao Brasil de 1817 a 1820. Com o falecimento prematuro de Spix, Martius deu
continuidade ao trabalho tendo o primeiro volume publicado em 1840 e o último em 1906, bem posterior ao
seu falecimento. Trata-se até hoje da obra mais completa sobre a flora brasileira e encontra-se disponível na
internet em <http://florabrasiliensis.cria.org.br/index>. Outras informações em Enokibara (2015); kury (2009);
Lisboa (1997).
92
Os resultados dos trabalhos da CGG começaram a ser divulgados em 1889 por meio
de seus “Boletins”26. Esses eram temáticos e nove foram elaborados por Löfgren: três
referentes aos dados climatológicos (LÖFGREN, 1889, 1890a, 1891), um referente à
arqueologia (LÖFGREN, 1893) e cinco referentes à botânica (LÖFGREN, 1890b, 1894, 1896,
1897a, 1897b).
Para o presente texto, o enfoque recai sobre o Boletim 10, onde Löfgren realizou
um “Ensaio para uma synonimia dos nomes populares das plantas indígenas do Estado de S.
Paulo” (1894).
Todos os nomes científicos neste texto estão citados tal qual descritos nesta
publicação. Conservam, portanto, a nomenclatura atribuída por Löfgren.
Löfgren tinha uma “explicação intuitiva” para esta constatação. Achava que “os
primitivos habitantes” viam “os objetos naturais pelo lado puramente prático” (LÖFGREN,
1894, p. 5):
26
Segundo Figuerôa (1977, p. 170), foram publicados 24 Boletins, os quais, a partir de 1905, “foram
praticamente substituídos pelos ‘Relatórios de Exploração’ (onze de 1905 a 1928)”. Os Boletins da Comissão
Geográfica e Geológica de 1889 a 1906 estão disponíveis para download no site do Instituto Geológico de São
Paulo: <http://igeologico.sp.gov.br/publicacoes/boletim-cgg/boletins-cgg/>
94
Os demais vegetais, que não tinham uma “utilidade”, na leitura de Löfgren, eram
simplesmente ignorados. “Os poucos nomes assim creados serviam depois, muitas vezes,
para indicar genericamente toda a planta que gozasse das mesmas propriedades ou que de
algum modo se parecesse com a primitiva” (LÖFGREN, 1894, p. 5). Por outro lado, os
primeiros europeus que chegaram ao país, “pouco ou nada encontravam nessa majestosa
natureza que se assimilasse as formas conhecidas do velho continente” (LÖFGREN, 1894, p.
5). Eram comuns, nos relatos dos primeiros viajantes, associações curiosas para descrever
nossas plantas, como por exemplo, o abacaxi, cujo fruto “lembrava a alcachofra” e as folhas
a “erva-babosa” (HUE, 2009).
Era natural, portanto, a confusão e imprecisão dos nomes populares de origem
indígena e portuguesa, e quando não mista. Mas Löfgren justifica a importância do estudo
desses nomes, pois via que “por si já *era+ uma contribuição para o estudo das raças que
outr’ora habitavam S. Paulo” e havia a necessidade de preservá-los, pois “estes nomes
pouca probabilidade têm de serem conservados pela população nova e por isso são
destinados a desaparecerem, tornando-se portanto cada vez mais raros” (LÖFGREN, 1894, p.
6).
Outra observação importante comparece na “Explicação” do Boletim 10. A
publicação se refere ao estudo das espécies compreendidas no herbário da CGG até o
número dois mil e pertencentes à flora dos campos (LÖFGREN, 1894, p. 3). A flora dos
campos foi objeto de estudo e publicação do Boletim 5, elaborado por Löfgren em 1890 e
intitulado “Contribuição para a Botanica Paulista: região campestre”.
O Boletim 10 contém 115 páginas (Figura 2) e está organizado em três partes. Inicia
com uma “Explicação” e uma “Introdução”, ambas escritas por Löfgren; posteriormente são
descritas as espécies estudadas e, no final, é apresentado o “Indice Alphabetico”,
mesclando, no mesmo índice, os nomes populares e científicos em ordem alfabética.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 95
Figura 2 (à esquerda): Capa do Boletim 10 da Comissão Geographica e Geologica do Estado de São Paulo –
Ensaio para uma Synonimia dos nomes populares das plantas indígenas do Estado de São Paulo,
por Alberto Löfgren
Figura 3 (à direita): Página onde inicia a descrição das plantas do Boletim 10
Observa-se que nem sempre há todos esses itens ou a justificativa sobre o nome
que deve prevalecer para cada espécie. A explicação encontra-se no início da publicação.
Löfgren justifica que se trata do primeiro volume “de uma sucessão de fascículos” e, mesmo
sabendo que estava incompleto, publicou-o:
Relação de colunas:
1ª coluna: Número sequencial da espécie em ordem alfabética
2ª coluna: número da página em que se encontra a espécie na publicação
3ª coluna: nome popular
4ª coluna: nome científico
5ª coluna: família
6ª coluna: tipo (arbórea, arbustiva, trepadeira, etc.)
7ª coluna: porte
8ª coluna: região de incidência (bioma)
9ª coluna: florescimento/frutificação
10ª coluna: utilização
11ª coluna: propriedades
12ª coluna: nome indicado para prevalecer
13ª coluna: origem do nome indicado para prevalecer
14ª coluna: justificativa para prevalecer o nome escolhido
15ª coluna: autor e/ou obra de referência (para indicação do nome)
16ª coluna: local de incidência
17ª coluna: local de coleta da espécie existente no herbário
quantificação das espécies esclarece que não foram descritas, portanto, todas as
duas mil espécies existentes no herbário da CGG como é exposto no início da obra.
3ª e 12ª coluna: nomes populares e nome que deve prevalecer: somente lendo o
texto pode-se identificar qual nome deve prevalecer. Separando em colunas distintas
já é possível identificar rapidamente o nome que deve prevalecer ou mesmo quando
não há uma definição quanto a este item.
13ª coluna: origem do nome indicado para prevalecer: trata-se do item mais
importante da publicação, que possibilita aferir se a origem é indígena, portuguesa
ou mista. Infelizmente, são poucos os casos em que o autor explicita sua origem. É
certo que há um padrão que o autor estabelece, mas, neste caso, não pode ser
“interpretado”, sob o risco de serem quantificados erroneamente.
15ª coluna: autor e/ou obra de referência (para indicação do nome que deveria
prevalecer): por vezes Löfgren cita autores ou obras que utiliza como referência para
indicar o nome que deve prevalecer. Trata-se de um dado importante para identificar
com quem o autor mantinha contato sobre o assunto ou as referências bibliográficas
que utilizava.
[...] além do estudo da flora e das condições climáticas, preocupava-se com a coleta
de material botânico para o Herbário da Comissão Geográfica e Geológica, [...] e
com a coleta de sementes para experimentação científica quanto à utilização
destes vegetais. (GUILLAUMON, 1989, p. 27).
coincidem com os locais onde foram instalados os postos meteorológicos (Mapa 2) sob a
responsabilidade de Löfgren à frente da Seção Meteorológica da CGG, alguns em locais
distantes e adentrando terrenos ainda pouco explorados.
Mapa 1: Cidades do Estado de São Paulo onde Löfgren indica a incidência de algumas das espécies
Fonte: Boletim da Comissão Geográphica e Geológica do Estado de São Paulo n° 06, 1890.
Por mais que Löfgren estivesse interessado em estudar nossa flora, a CGG, como
bem lembrou Figueirôa (1997), foi criada com o objetivo de atender uma finalidade prática,
ou melhor, as pesquisas e levantamentos deveriam ter uma aplicação prática e isso incluía,
também, as plantas. Interessava ao governo do Estado conhecer as chamadas “plantas
úteis”, ou seja, “as plantas que poderiam ter utilidade ou interesse na medicina, nas
indústrias, na lavoura, na horticultura ou jardinagem” (Lavoura e Commercio, 24/03/1898).
Por este motivo, visando inclusive facilitar o reconhecimento das plantas pelo
público leigo, Löfgren divide-as em sete categorias: “I. Plantas forrageiras; II. Plantas
fructiferas; III. Plantas tóxicas ou nocivas; IV. Plantas medicinaes; V. Plantas industriaes,
têxteis; tincturas, oleosas, etc.; VI. Essencias florestaes, madeiras de lei e outras e VII.
Plantas ornamentaes” (Lavoura e Commercio, 24/03/1898).
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 101
Tendo tantas espécies medicinais citadas, seria normal supor que Löfgren houvesse
consultado profissionais da área. De fato, um dos citados foi o médico polonês Pedro Luiz
Napoleão Chernoviz (1812-1882), mais conhecido como Chernoviz. Atuando no final do
século XIX no Brasil, Chernoviz elaborou vários manuais de medicina popular, onde os mais
conhecidos foram o “Formulário ou guia médico” (1841) e o “Dicionário de medicina
popular” (1851). Esses manuais, segundo Guimarães (2005, p. 502), eram fundamentais nas
regiões rurais afastadas das grandes cidades e “uma presença mais evidente do que o
contato com os médicos”. Neste sentido,
Em várias espécies citadas no Boletim 10, tal qual nos manuais de medicina popular,
também são citadas suas propriedades medicinais e forma de utilização. No exemplo abaixo
(Figura 6), Löfgren cita uma prescrição do Dr. Chernoviz para a Caápeba (Cissampelos
glaberrima V.St.Hil.)
Na definição do nome popular que deve prevalecer para cada espécie estudada,
Löfgren muitas vezes se utiliza das observações de outros botânicos e médicos. Regnell, o
médico que havia financiado sua vinda ao Brasil em 1874, é um dos que aparece citado para
se definir o nome popular mais indicado para a planta que possui as denominações de
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 103
No Boletim 10, Martius é o autor mais citado, seja pela referência ao nome popular
ou científico por ele já atribuído, ou mesmo por suas obras. As citadas no Boletim 10 foram a
Flora Brasiliensis (1840-1906), que teve colaboração de Löfgren no envio de algumas
espécies, e o Glossarium Linguarum Brasilensium (1863), sobre as diversas línguas e dialetos
que falavam os índios do Brasil.
“Dr. Jorge Maia, distincto engenheiro das Terras e Colonisação, o nome deve ser
yuapé, formado de y= agua, rio; u= correr, a elemento eufônico e pé= caminho, isto
é, caminho de correr na agua ou no rio” (LÖFGREN, 1894, p. 10). E complementa:
“a Victoria regia é conhecida no Amazonas por yuapé-jaçanã, caminho de jaçanã
correr na agua ou no rio” (LÖFGREN, 1894, p. 10).
[...] são os nomes mixtos, como p.ex.: couve-tinga, os quaes, porém, muitas vezes
são apenas abreviações ou – permitam-me a expressão, portuguezisação de nomes
tupis ou guaranis, como p.ex.: cabriuva, de cabúreiba, barbatimão, de paróra-
tuum-tumune, etc. (LÖFGREN, 1894, p. 6).
Das 259 espécies estudadas por Löfgren poucas tinham uma definição clara sobre a
origem do nome popular. Procurando evitar equívocos, foram selecionadas somente as
espécies em que Löfgren deixa sua origem explicitada. Assim, com a sistematização dos
dados, foram identificadas 23 espécies com nome popular de origem indígena (Tabela 2); 10
de origem portuguesa (Tabela 3) e 8 de origem mista (Tabela 4); constituindo um total de 41
espécies.
Paisagem: natureza, cultura e o imaginário - 105
Tabela 2: Espécies claramente identificadas por Löfgren no Boletim 10 como tendo o nome popular indicado
para prevalecer de origem indígena
ORIGEM INDÍGENA
NOME
POPULAR
NOME CIENTÍFICO NOMES POPULARES INDICADO UTILIZAÇÃO INDICAÇÃO
PARA
PREVALECER
Abobrinha do Mato
Purgante, antissifilítico, contra
Trianosperma tayuyá Mart. Taiuiá Taiuiá Medicinal
hidropisia.
Tuiuiú
Aguá-pé
Pontederia cordifolia Mart. Dama dos Lagos Yuapé Medicinal Contra moléstias cutâneas.
Rainha dos Lagos
Amêndoa de Espinho Artesanal
Grão de Cavallo Industrial Tingimento preto, construção,
Caryocar brasiliense Camb. var
Piqui Piquiá fruto comestível (levemente
planifolium Alimentício
purgativo).
Piquiá
Medicinal
Brosimum gaudichaudii Free. forma Apé
Apé Medicinal Purgante, contra picada de cobra.
longius pedunculata Maminha de Cachorro
Araçá
Psidium incanescens Mart. Araçá Felpudo Alimentício Fruto comestível.
Felpudo
Araribá
Araribá ou Madeira boa para marcenaria e
Centrolobium tomentosum Benth Industrial
Arara-Uva Arara-uva construção.
Araticum do
Anona furfuracea St. Hil. Araticum do Campo Alimentício Fruto comestível.
Campo
Bananeirinha
Canna aurantiaca Rosc. Caá-eté Artesanal Índios fazem colares e adereços.
Caá-eté
Baririçó Amarello
Batata de Purga
Lansbergia cathartica Klott. Barariçó Medicinal Purgante.
Batatinha do Campo
Rhuibarbo do Campo
Caangai
Relbunum hirtum Schum. Caangai Industrial Tingimento vermelho.
Ruivinha
Caápeba
Chernoviz indica contra picada de
Cissampelos glaberrima V. St. Hil. Cipó de Cobra Caápeba Medicinal
cobra e para cissura.
Herva de Nossa Senhora
Caá-piá-mirim Caá-piá- Diurética. Contra dor de
Dorstenia brasiliensis Lam. Medicinal
Contraherva mirim estômago e disenteria forte.
Cabriuvinha do Campo
Myrocarpus fastigiatus Fr. Allem. Cabureiba Cabureiba Industrial Madeira boa para marcenaria.
Oleo Pardo
Cajueiro Bravo
Cambaiba
Capa-Homem
Cipó Caboclo
Davilla rugosa Poir. Sambaiba Medicinal Contra orquite.
Cipó de Carijó
Folha de Lixa
Sambaiba
Sambaibinha
Fumo Bravo Em clísteres contra febres
Petum Petum ou malignas. Em chá para picada de
Solanum langsdorfh Weinm. Medicinal
Pety cobra. Contra “pleurizes
Pety catarrhaes”. Contra embriaguez.
Fumo Bravo
Elephantopus scaber L. var Herva Collegio Contra febres intermitentes,
Suçuaia Medicinal
tomentosus Sch. Bip. Herva Grossa bronquite e elefantíase.
Suçuaia
Giriquiti
Rhynchosia phaseoloides D.C. Giriquiti Medicinal Colírio oftalmológico.
Olho de Pomba
Phoradendron crassifolium Pohl. var
Herva Passarinho de folha Crianças usam para untar varas
parvifolia Uirarepoti Artesanal
grande para apanhar passarinhos.
106
ORIGEM INDÍGENA
NOME
POPULAR
NOME CIENTÍFICO NOMES POPULARES INDICADO UTILIZAÇÃO INDICAÇÃO
PARA
PREVALECER
Maricá
Serve para fechamento de
Acacia paniculata Willd. Sessenta Feridas Maricá Ornamental
terrenos.
Unha de Gato
Orelha de Negro
Tambuvi
Medicinal
Timbahyva
Casca adstringente, fruto
Enterolobium timbouva Mart. Timbó Tiambo-uba
venenoso, madeira para forro.
Timbo-Uba
Tóxico
Ximbò
Ximbuva Industrial
Uba-Peba
Hexachlamys humilis Berg. Uba-peba Alimentício Fruto comestível.
Uvaiasinha do Campo
Industrial Casca é empregada em curtumes.
Goma contra a bronquite e
Piptadenia macrocarpa Benth. Angico Angico
Medicinal poderia ser aproveitada
industrialmente
Industrial Pastagem nutritiva, feno. Para
Capim acondicionar plantas. Para fazer
Andropogon virginicus Linn. Capim Membeca
Membeca Artesanal cestos, peitinhos de cavalo,
enchimentos e vassouras.
Tabela 3: Espécies claramente identificadas por Löfgren no Boletim 10 como tendo o nome popular indicado
para prevalecer de origem portuguesa
ORIGEM PORTUGUESA
NOME
POPULAR
NOMES
NOME CIENTÍFICO INDICADO UTILIZAÇÃO INDICAÇÃO
POPULARES
PARA
PREVALECER
Periandra dulcis Mart. Alcaçuz Alcaçuz Medicinal Contra bronquite, moléstias pulmonares.
Oxalis hirsutissima Mart. e Azedinha do Azedinha do Medicinal
Zucc. Campo Campo Alimentícia Contra angina e para saladas.
Baccharis articulata Pers. Medicinal
Carqueija Carqueija Febrífuga, tônicas. Para falsificação de cerveja.
var gaudichiana. Artesanal
Baccharis stenocephala Medicinal
Carqueija Carqueija Febrífuga, tônicas. Para falsificação de cerveja.
Baker. Artesanal
Baccharis genistelloides Medicinal
Carqueija Carqueija Febrífuga, tônicas. Para falsificação de cerveja.
Pers. var trimera. Baker. Artesanal
Cassia affinis Benth. Fedegoso Fedegoso Medicinal Casca diurética e tônica, usada contra hidropisia,
moléstias do fígado e diurética. Folhas purgativas.
Herva Medicinal Venenosa. Calmante e emoliente em cataplasmas. Para
Solanum nigrum L. Herva Moura
Moura Tóxica ulcerações.
Ortiga
Urera punu Wedd. Ortiga Branca - -
Branca
Ortiga
Urera armigera Mig. Ortiga Vermelha Medicinal Urente.
Vermelha
Pimenta Comari
Capsicum frutescens Pimenta
Pimenta Alimentício Condimento.
Willd. Comari
Malaguetta
Tabela 4: Espécies claramente identificadas por Löfgren no Boletim n°10 como tendo o nome popular indicado
para prevalecer de origem mista
ORIGEM MISTA
NOME
POPULAR
NOMES
NOME CIENTÍFICO INDICADO UTILIZAÇÃO INDICAÇÃO
POPULARES
PARA
PREVALECER
Schinus weinmanniaefolius Aroeira do Aroeira do
Tóxica Tóxica.
Engl. Campo Campo
Árvore Copal
Medicinal
Jatahi
Hymenaea stigonocarpa Contra hemoptises, anticatarral. Tingimento preto e
Jatobá Jatobá
Mart. para tinta de escrever.
Jetaicica Industrial
Jutahy
Guarea tuberculata Vell.
Ataúba Ataúba Medicinal
var. purgans C. Dec. Depurativo e antissifilítico.
Outras espécies de origem indígena são conhecidas por seus frutos como o Piqui,
fruto típico do Cerrado, mas que Löfgren sugere prevalecer o nome Piquiá (Caryocar
brasiliense Camb.), por ser “o nome indígena ainda não corrompido, significando ‘fruta de
espinho’” (LÖFGREN, 1894, p. 13). Outra também característica do cerrado é o Angico,
“árvore utilíssima” e que “segundo Martius, Glossaria linguarum Brasiliensium, o nome é
bastante duvidoso como tupi; deve, entretanto, ser conservado” (LÖFGREN, 1894, p. 15-16).
Outras espécies eram habituais entre os índios, como o Petum ou Pety (Solanum
langsdorfh Weinm), usado como fumo, mas também para combater a febre, curar a
embriaguez e picada de cobras (LÖFGREN, 1894, p. 65). Junto ao Petum ou Pety os índios
também utilizavam a Caá-piá-mirim (Dorstenia brasiliensis Lam.), que “segundo Dr. Maia o
108
nome decompõe-se assim: caá=folha ou planta, piá ou opiá = aromática, isto é, herva
aromática que usavam os indígenas para misturar com o fumo, costume ainda existente”
(LÖFGREN, 1894, p. 27).
Às vezes não é o nome indígena o mais conhecido, mas Löfgren sugere que
prevaleça, como é o caso da Herva passarinho (Phoradendron crassifolium Pohl.): “Apezar de
ser o nome H. de passarinho tão divulgado, obstamos para que não seja esquecido o nome
de Uirarepoti, de uira = pássaro e repoti = excremento, segundo Dr. Maia” (LÖFGREN, 1894,
p. 71).
Dentre as de origem portuguesa, a maioria é igualmente medicinal e, na atualidade,
várias são conhecidas pelo nome que Löfgren sugere prevalecer, como o Alcaçuz (Periandra
dulcis Mart.), que tem
Todas estas espécies são preconizadas como tônicas e febrífugas por causa do
principio amargo que contem. São também empregadas na falsificação da cerveja.
(LÖFGREN, 1894, p. 43).
(LÖFGREN, 1894, p. 20). Novamente se apoiando em Martius e Dr. Jorge Maia, esclarece a
origem do Barbatimão (Stryphnodendron barbatimão Mart.):
[...] segundo Martius, uma corrupção das palavras tupis paróva – tuum – tumune
que querem dizer arvore que chora, isto é, que segrega um succo grosso em forma
de lagrimas. Dr. Jorge Maia decompõe a palavra do seguinte modo: iuá-tumú ou
tumúne com a mesma tradução. (LÖFGREN, 1894, p. 23).
6 CONCLUSÃO
Alberto Löfgren teve uma importância crucial à frente dos trabalhos da Seção Botânica
e Meteorológica, desde seu ingresso na CGG em 1886. Em 1907, ambas foram anexadas à
Diretoria de Agricultura, quando Löfgren se desligou da Seção Meteorológica permanecendo
na chefia da Seção Botânica até 1910 (PERSIANI, 2012, p. 26). Neste intervalo entre seu
ingresso na CGG e seu desligamento em 1910, atuou intensamente no Estado de São Paulo,
especializando-se no estudo da flora brasileira, particularmente a paulista. Foram vários os
cargos assumidos neste período: a direção do Jardim da Luz (a partir de 1888); a direção da
Coleção Sertório (1891-1894), embrião do futuro Museu Paulista e a criação e direção do
Horto Botânico na serra da Cantareira (fundado em 1896), atual Parque Estadual Alberto
Löfgren, para onde foi transferido o Herbário da CGG 27.
Foi no Horto Botânico que Löfgren pôde dar continuidade à coleta e identificação de
espécies da flora paulista iniciada na CGG, além de ensaiar e reproduzir as espécies que
começaram a ser distribuídas a partir de 1897 pelo Serviço de Distribuição de Mudas e
Sementes28 do governo do Estado de São Paulo.
O resgate de seu trabalho permitiu detectar, através da sistematização dos dados de
sua obra publicada em 1894, os nomes populares das plantas que foram efetivamente
identificadas quanto a sua origem, no caso, indígena, portuguesa ou mista. Como visto,
algumas dessas plantas possuem um nome já familiar, mas talvez poucos soubessem sua
origem. Se a preocupação de Löfgren, ao elaborar e publicar esse trabalho, era justamente
preservar esses nomes, acreditamos que seu esforço não foi em vão.
27
A página do Herbário da CGG pode ser acessada em: <http://inct.splink.org.br/>
28
Pesquisa de Iniciação Científica FAPESP, sob a orientação da professora doutora Marta Enokibara, sobre as
solicitações de requerentes público entre os anos de 1909 e 1912, desenvolvida por Bruna Panigassi Zechinato
(2007-2008) e pesquisa sobre as solicitações de requerentes privados dividida em três partes: o ano de 1909 foi
desenvolvido por Juliana Yendo (2010-2011), os anos de 1910 e 1911 (janeiro a junho) foi desenvolvido por Laís
Bim Romero (2011-2012) e os anos de 1911 (julho a dezembro) e 1912 foi desenvolvido por Ana Paula Santiago
Modesto.
110
REFERÊNCIAS
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