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CONCORDÂNCIA E DIVERGÊNCIA NA APLIAÇÃO DA TEORIA DE

ESTRUTURAÇÃO TERRITORIAL EM OURO PRETO

PEREIRA COSTA, STAËL DE ALVARENGA. (1); TEIXEIRA, HENRIQUE VIANNA


LOPES. (2); COSTA, PRISCILA SCHIAVO GOMES. (3); GIMMLER NETTO,
MARIA MANOELA (4)

Prof. Dra. do Departamento de Urbanismo da Escola de Arquitetura/UFMG - MACPS.


Endereço Postal: Laboratório da Paisagem EAUFMG
Rua Paraíba, 697, sala 404c. Funcionários. Belo Horizonte - MG.
E-mail: staelalvarenga@gmail.com

Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG.


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Rua Paraíba, 697, sala 404c. Funcionários. Belo Horizonte - MG.
E-mail: kikovianna@hotmail.com

Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG.


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E-mail: priscila_schiavo@hotmail.com

Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela UFMG.


Endereço Postal: Laboratório da Paisagem EAUFMG
Rua Paraíba, 697, sala 404c. Funcionários. Belo Horizonte - MG.
E-mail: manoelanetto@yahoo.com.br

RESUMO
Este trabalho apresenta resultados da pesquisa “A sincronicidade nas escolas de morfologia urbana e
os seus paradigmas sociais”. O objetivo é verificar a aplicabilidade da estruturação territorial da
Escola Italiana de Morfologia Urbana em Ouro Preto, Minas Gerais, contexto diferente do original para
o qual a teoria foi desenvolvida. Para a Escola Italiana, fundada pelo arquiteto Saverio Muratori, é a
abordagem arquitetônica que conduz a investigação da forma urbana, tomando como referência o
tipo edilício básico e o processo tipológico que o modifica ao longo do tempo. É a partir das
observações tipológicas que Muratori amplia sua escala de análise do tipo edilício para as séries,
tecido e finalmente território, sendo este o objeto deste estudo. Segundo a teoria, a ocupação do
território se configura em quatro fases, as rotas, os assentamentos, as áreas de produção e os proto-
núcleos. A hipótese é comprovada pelos autores com diversos estudos de caso, localizados
majoritariamente na Itália. No entanto, ao estudarmos como exemplo o processo de ocupação
territorial em Ouro Preto, verificamos algumas discordâncias, como aquelas ligadas ao diferente
contexto histórico da cidade, ao seu relevo montanhoso e às diferentes influências culturais na sua
formação e consolidação. Conclui-se que a teoria da Escola Italiana pode ser aplicada a contextos
diversos, desde que observadas as diferenças geográficas, ambientais, morfológicas e culturais dos
territórios. No caso de Ouro Preto, a atividade mineradora aurífera fez com que as três rotas paralelas
- de crista, meia encosta e fundo de vale - fossem determinantes para a estruturação do território
desde sua origem até a configuração morfológica resultante da paisagem contemporânea.

Palavras-chave: Escola Italiana de Morfologia Urbana; Estruturação Territorial; Ouro Preto.

Introdução

A teoria da estruturação territorial da Escola Italiana de Morfologia Urbana foi desenvolvida


incialmente por seu fundador, o arquiteto Saverio Muratori, em meados da década de 60,
como ampliação da escala de análise, que inicia-se no estudo tipológico das edificações.
Após selecionado o tipo edilício básico, modelo de edificação representativo da cidade
tradicional, a análise alcança o tecido urbano e finalmente amplia-se, abrangendo todo o
território. Pensada à partir de um contexto europeu, principalmente italiano, a teoria se
aplica muito bem a dinâmica de ocupação da península itálica, desde o período nômade,
passando pelos primeiros assentamentos, a estruturação dos primeiros núcleos urbanos até
sua consolidação, decadência e recuperação.

Com este trabalho tem-se a intensão de verificar a aplicabilidade da teoria de estruturação


territorial em um contexto distinto do original, na cidade histórica de Ouro Preto, situada na
região central de Minas Gerais. A princípio chamada de Vila Rica, sede da Capitania das
Minas Gerais, no período inicial de sua formação, a cidade recebe o nome de Ouro Preto a
partir da Independência do Brasil, em 1822.

O contexto do estado no século XVII apresenta diversas peculiaridades, pois quando iniciou-
se o processo de fundação dos núcleos urbanos que viriam a se tornar a cidade de Ouro
Preto, já se dispunha de mais conhecimento e técnica trazidos de Portugal. Além disso, as
características geográficas em Minas Gerais eram muito distintas das europeias, por se
tratar de um relevo montanhoso. Devem ser consideradas também as influências dos
nativos na cultura dos imigrantes que ali se assentariam e por fim, a atividade econômica a
que se destinavam, que era a exploração do ouro de aluvião no leito dos rios.

Para o desenvolvimento deste estudo, inicialmente será apresentada a Escola Italiana de


Morfologia e o seus principais conceitos e métodos.

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A Escola Italiana de Morfologia Urbana

A Morfologia Urbana é o estudo utilizado para a análise das formas urbanas, além de se
tratar de um procedimento metodológico, que possibilita a compreensão das sucessivas
transformações, inerentes à evolução das cidades. Tais estudos focalizam nos resultados
visíveis, materializados pelas forças políticas, sociais e econômicas, revelando aspectos
culturais de formação das paisagens urbanas.

A Escola Italiana de Morfologia Urbana, fundada pelo arquiteto Saverio Muratori durante o
período de 1960 a 1970, elabora o estudo da forma urbana como um modelo projetual para
uma cidade. Tal metodologia concentra–se na análise de como as cidades deveriam ser
traçadas, a partir das tradições históricas dos elementos vernaculares das cidades italianas
e a sua relação com o espaço urbano (Muratori, 1959).

Para Muratori, as cidades são grandes composições arquitetônicas e, assim, tornam-se um


importante instrumento teórico-metodológico. O objeto fundamental do urbanismo, segundo
ele, é o entendimento das cidades como organismos, que refletem o caráter original do
desenvolvimento do seu plano urbano ao longo do tempo e da manifestação das suas
estruturas urbanas e construtivas em sua vida cívica e social, e em sua tradição e história.

A escola italiana, então, define a cidade como um organismo vivo, em constante


transformação, formado por elementos construtivos. A análise desse organismo parte do
edifício tipo, como uma célula, que agrupados formam conjuntos que estabelecem
quarteirões. Gradativamente, a escala de investigação vai se ampliando. Assim, os
quarteirões, com tipos semelhantes, formam os tecidos urbanos, que representam manchas
de unidades similares. A cidade é, então, composta de diferentes tecidos urbanos.

Na abordagem muratoriana, a análise morfológica fundamenta-se na escala arquitetônica,


tendo como foco o estudo do tipo edilício, que é o arquétipo do edifício residencial, síntese
da história coletiva, definido a partir de observação e interpretação de um ambiente
construído. O tipo arquitetônico é uma construção, que ao surgir na mente de um individuo,
manifesta-se numa experiência que se repete inúmeras vezes, para responder à exigência
típica de uma sociedade e acaba por absorver e refletir todos os aspectos humanos
essenciais (Pereira Costa et al, 2013).

Muratori explica que em cada cultura existe um modo de construir edificações que é
intrínseco, ou seja, específico àquele povo, em determinado momento. Este modo é inerente
às pessoas e já está enraizado culturalmente como um protótipo na mente de alguém, que

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se propõe a construir uma casa. A essa predisposição de reproduzir esse protótipo,
nomeado como arquétipo, sem barreiras e sem censuras, por parte da população em geral é
denominada de consciência espontânea (Pereira Costa e Gimmler Netto, 2015).

Entretanto, quando há uma elaboração projetual e uma reflexão crítica técnica no ato de
construir, observa-se a manifestação da chamada consciência crítica. Diferente da
espontânea, a consciência crítica geralmente é o produto de uma construção especializada,
que se destaca na cidade por possuírem outras funções sociais, como o caso de igrejas e
equipamentos urbanos. Essa consciência geralmente é exercida pelo profissional técnico
responsável pela construção civil, ou seja, arquitetos ou engenheiros (Pereira Costa et al,
2013). Devido às tendências projetuais, muitas vezes, as soluções de alto valor
arquitetônico e histórico-cultural, de cunho vernarcular são desconsideradas e se perdem
em meio às novas técnicas construtivas.

Na arquitetura moderna, no entanto, o caráter vanguardista, embora muito discrepante da


forma tradicional, na verdade, superou o caráter vernarcular e foi definitivamente integrada
na cultura popular. Muratori então percebe tais riscos sobre a capacidade construtiva da
arquitetura moderna e alerta para a crise do ensino da Arquitetura. Isso porque, ao adotar os
preceitos modernistas, se desconhece as importantes lições da consciência espontânea.
Para ele, a crescente perda desses valores pode ocasionar uma prática de reconhecimento
e de valorização. Todos os seus projetos arquitetônicos e urbanísticos são recriações de
projetos baseados nos modos construtivos da consciência espontânea, amadurecidas por
meio da consciência crítica, incorporando-os em seus projetos (Pereira Costa et al, 2013).

Para a escola italiana, o sentimento de pertencimento do homem a um lugar em


determinado período de tempo, promove a relação direta entre o conceito de território à
consciência espontânea, já que as raízes culturais da população se manifestam
espontaneamente (Pereira Costa et al, 2013). Resultante deste princípio, o conceito de área
cultural se dá pela criação de vínculos espaciais, cujos limites são necessários para que se
diferenciem dos demais territórios a sua volta, estabelecendo características culturais
específicas, como aquelas ligadas aos costumes e às linguagens.

Na metodologia utilizada pela escola italiana é possível perceber uma desconexão das
escalas de investigação, permitindo a análise do território independentemente dos estudos
tipológicos do edifício. A abordagem territorial é investigada a partir do estabelecimento de
rotas, que configuram a fase inicial do processo de ocupação de um território, também
conhecida como fase nômade. Sucessivamente, tem-se a segunda fase, de assentamentos,
que ocorrem em áreas onde é possível a obtenção de recursos naturais. Na terceira fase, as
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áreas de produção são caracterizadas pelo cultivo do meio, pela agricultura, pela criação de
animais e pela capacidade de estocagem. A quarta fase referente aos núcleos urbanos é
considerada um estágio civil, que inicia a ocupação do território. Cada fase tem um paralelo
na história da evolução da civilização humana.

Pereira Costa e Gimmler Netto (2015), no livro Fundamentos de Morfologia Urbana, ao


estudar e aplicar a teoria da escola italiana, concluem:

"Os conceitos e métodos de Muratori constituem a base do método tipo-morfológico


desenvolvido no contexto italiano. Considera-se, porém que muitos deles são conceitos
universais e que podem ser tomados como referência para estudos morfológicos em
qualquer país do mundo" (Pereira Costa e Gimmler Netto, 2015, p. 152).

A seguir será apresentada a teoria da estruturação territorial da escola italiana, com a


definição dos conceitos para possibilitar assim a análise proposta neste trabalho.

A estruturação territorial

"O território é a mais vasta e mais inclusiva parte do espaço geográfico, porque relaciona as
estruturas construídas pelo homem para viver e criar o seu habitat. O território inclui o
assentamento, as estruturas urbanas, com as ruas e as edificações, e as estradas fora do
perímetro urbano. Além disso, inclui todas as estruturas produtivas como a criação de
animais, agricultura e indústrias. Os autores comentam que nosso mundo não consiste só
de residências, vilas e cidades, mas acima de tudo, originalmente provém de rotas e áreas
de produção" (Pereira Costa e Gimmler Netto, 2015, p. 297).

Para a Escola Italiana de Morfologia Urbana, a classe de estrutura que diz respeito ao
território é a rota. Sem ela, nenhuma atividade pode ser implementada e tornar-se produtiva
sem que o local seja previamente acessado. Ainda que as rotas sejam indispensáveis ao
uso e ocupação do território, existem, mesmo no século XXI, territórios que não são
produtivos ou ocupados, onde as rotas se configuram apenas como meio de transposição.
Exemplos disso são os oceanos e desertos.

Após as rotas, ocorrem sobre o território, assentamentos, que mais tarde se tornam áreas
produtivas e, finalmente, proto-núcleos e núcleos urbanos. Essas quatro etapas são
denominadas pelos autores de fases estruturantes do território. É importante destacar que
uma estrutura é indispensável à existência da seguinte. Dessa forma, a presença de
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assentamentos é impossível sem que o território tenha sido acessado através de rotas e a
existência de núcleos e proto-núcleos urbanos requer a presença de assentamentos fixos e
áreas produtivas.

Explicam ainda que, para cada fase de estruturação territorial há uma fase equivalente na
história da civilização humana. Um território constituído por rotas corresponde à fase civil
nômade, no qual os grupos de seres humanos moviam-se de um lugar a outro sem
estabelecer vínculos territoriais. De fato, somente à partir da terceira fase, de áreas
produtivas, é que se criam condições para a fixação humana no território. Só a partir disto, a
distinção dos papéis e a especialização de funções vão dar origem à troca de produtos e à
necessidade de estruturas nos centros de mercado, localizados no proto-núcleo urbano.

Os desenvolvimentos subsequentes à terceira fase, caracterizam a dinâmica da formação


territorial e são detalhados pelos autores sob a forma de ciclos. A quarta fase, ao todo
compreende quatro ciclos de formação territorial. O primeiro ciclo refere-se à ocupação do
território, o segundo ciclo define a consolidação, o terceiro ciclo apresenta a recuperação e o
quarto a reestruturação. Estes ciclos serão explicados individualmente a seguir.

Primeiro Ciclo

Para os autores, a intervenção humana no território incorpora as estruturas


geomorfológicas, hidrológicas e geográficas existentes e as transforma e reutiliza em
estruturas subsequentes. Sendo assim, para analisar como os seres humanos se apropriam
das estruturas naturais e implantam suas atividades, os autores elegem os limites das
bacias hidrográficas. As divisas entre bacias, linhas de crista, seriam para os autores a
maneira lógica de se deslocar pelo território, uma vez que apresentam topografia mais
plana, menos obstáculos como cursos d'água e proporcionam visibilidade do território ao
serem percorridas. No entanto, segundo os autores, as rotas de crista são "mão única":
extremamente úteis como primeiro acesso ao território, porém, raramente se tornam rotas
estáveis ao longo do tempo.

O primeiro ciclo da ocupação humana ocorre pela implantação das rotas, sendo a rota de
crista a primeira delas. Ao se percorrer a rota de crista, locais de descanso são necessários
e esses locais deveriam atender a algumas características como a disponibilidade de água,
alimento e segurança. O local escolhido para o assentamento preferencialmente tem a
morfologia de um promontório, que se projeta além do território que o circunda, uma
condição indispensável para se estabelecer um assentamento no qual o ser humano
reconhece a noção de território, adquirindo a noção de pertencimento. Assim, surgem rotas

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perpendiculares às rotas de crista, em direção aos promontórios situados a meia encosta.
Essas rotas perpendiculares às rotas de crista são denominadas rotas de crista secundárias.

A formação de vários assentamentos, próximos às nascentes, induz a implantação de uma


nova rota de ligação, localizada a meia encosta e paralela à rota de crista. Os
assentamentos se transformam gradualmente, à medida que os indivíduos começam a
cultivar a terra e modificar o entorno para atender melhor às necessidades de alimento e
segurança. A permanência é um incentivo ao comércio, que por sua vez, é um grande
indutor de deslocamentos. A partir disso, os indivíduos se tornam mais conscientes do seu
entorno e do seu assentamento, bem como dos assentamentos vizinhos, consolidando as
rotas de meia encosta entre assentamentos e impulsionando a intervenção humana sobre o
território.

Quando surge a necessidade de descer a encosta e acessar o vale, onde está o curso
d'água, busca-se vias de menor declividade. Muitas vezes, essa descida exige uma
intervenção que demonstra uma capacidade transformativa e, desta forma, é artificial. Nos
pontos de encontro entre as rotas que descem em direção aos vales, se formam outros
assentamento. Estes pontos geralmente se encontram em locais com características
geográficas de promontórios, porém, localizados mais próximos do vale do que da crista.
Esses assentamentos por sua vez, são os locais iniciais dos primeiros proto-núcleos
urbanos, com mercados e centros de troca em meio aos assentamentos.

Quando acessado o vale, formam-se assentamentos adjacentes a ele, dando origem à outra
rota que une os assentamentos uns aos outros, paralela ao rio (Pereira Costa e Gimmler
Netto, 2015). O vale por sua vez, é passível de ser explorado somente por meio de uma
estrutura artificial, bem como as planícies que, para serem ocupadas pelo homem, exigem
uma adaptação construtiva. Nos fundos de vale, onde a drenagem é dificultada, há a
necessidade de regular os fluxos de entrada e saída de água.

Como se observou, o processo de ocupação do território se inicia ao longo de vias de crista,


prosseguindo de cima para baixo, em todas as suas etapas subsequentes. Por outro lado, o
processo de consolidação da ocupação se inicia, preferencialmente, pelo fundo de vale,
utilizando-o para áreas de rodovia, produção, assentamentos e, acima de tudo, para os
núcleos urbanos.

Segundo Ciclo

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Este ciclo de consolidação da ocupação humana reinterpreta a estrutura territorial anterior e
integra o assentamento existente numa nova estrutura. Essa estrutura é identificada pelo
momento no qual os núcleos urbanos, originários dos assentamentos no limite mais baixo
da estruturação da encosta, se unem por meio das rotas de fundo de vale. A fase inicial do
ciclo de consolidação tem sua fundação sobre as rotas de ligação ao longo do vale,
descritas anteriormente. Essas rotas, assim como as rotas de crista, permitem polaridades
distantes de serem acessadas rapidamente, conectando os principais núcleos urbanos. As
áreas produtivas e os assentamentos menores, por sua vez, permanecem conectados
principalmente à estrutura herdada do ciclo anterior.

No momento em que a rede de vias no fundo do vale se expande, os vales opostos de uma
mesma montanha podem ser conectados por meio de uma rota de cruzamento. Esta
conecta os assentamentos anteriormente separados pelo rio, no fundo do vale. Assim, essa
rota é fundamental para o comércio e para as trocas, porque conecta as redes viárias.
Somente mais tarde, os fundos de vale se unirão efetivamente às áreas assentadas na
encosta através de rotas ao longo do vale paralelas à primeira, porém mais próximas da
encosta onde se conectam com os baixos promontórios, remanescentes do ciclo anterior.

Terceiro Ciclo

O ciclo de consolidação é seguido por um terceiro ciclo de recuperação, assim chamado


para enfatizar a intrínseca instabilidade das estruturas do vale, ocasionada pela intensa
utilização com impactos ambientais. Há a necessidade de retornar à estrutura anterior de
ocupação da meia encosta, porque esse é o sistema mais estável que assegura uma maior
resistência a riscos e fragilidades. A necessidade de retorno às estruturas anteriores é
ressaltada devido ao seu caráter mais natural e portanto, resiliente. Verifica-se que, neste
estágio, as rotas de crista, as rotas de cruzamento de crista, os assentamentos, os
promontórios e as cidades do planalto retomam seu desenvolvimento, enquanto as cidades
induzidas pelas estruturas do fundo de vale geralmente declinam ou se empobrecem pelo
esgotamento de seus recursos (Cannigia e Maffei, 2001).

Quarto Ciclo

O quarto ciclo se inicia pela reestruturação das estruturas do fundo dos vales, que são
progressivamente reutilizadas pela criação de planícies artificiais proporcionadas pela
tecnologia, restabelecendo o ambiente e retomando a ocupação do fundo do vale.

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Assim, concluem-se os ciclos de estruturação territorial prospostos pela teoria da Escola
Italiana de Morfologia Urbana. A seguir, será apresentado o estudo dessa teoria aplicada à
cidade de Ouro Preto.

Aplicação da teoria de estruturação do território em Ouro Preto

A estruturação do território já foi objetos de estudo na cidade de Ouro Preto. Aqui,


destacaremos dois deles para analisar a aplicação dos conceitos da Escola Italiana sobre a
formação do território urbanizado. O primeiro deles, elaborado por Guerreiro (2004) e o
segundo, apresentado na ocasião do Internation Seminar on Urban Form (ISUF) em 2007,
elaborado pelo grupo da Escola Italiana de Morfologia Urbana.

Partindo da análise da aplicação de ambos os estudos, vamos discutir se é possível afirmar


que a estruturação do território em Ouro Preto aconteceu à partir de uma rota de crista ou
de cumeada, como prevê a teoria. Guerreiro (2004) apresenta a base cartográfica da região
e, a partir dela, expõe que a estrutura urbana da cidade está majoritariamente localizada
entre a meia encosta e o sopé da Serra de Ouro Preto, onde se encontram as nascentes
que abastecem o Ribeirão do Funil mais abaixo.

De acordo com a autora, a primeira estruturação ocorre a partir das cumeeiras, onde se
implanta a rota de crista. Para a definição desta rota, Guerreiro se baseia em descrições
sobre a descoberta do ouro e, consequentemente, apresenta a gênese da implantação da
região de Ouro Preto. Para ela, a fase inicial da estruturação territorial ocorreria em 1697,
quando da divulgação da descoberta de ouro na região. Nesse estudo percebe-se a opção
pela análise utilizando a teoria da escola italiana apresentada por Caniggia e Maffei, em
2001. No entanto, para a formação do território, tão importante quando a descoberta do
ouro, foi a ocupação anterior, a sociedade civil original que ali habitava, os índios.

Podemos presumir então, a ocorrência das três fases iniciais de estruturação, como
explicadas pela Escola Italiana de Morfologia Urbana, em território brasileiro. Nestas etapas
anteriores, os índios ocupavam áreas planas, cultivavam a terra, estabeleciam áreas de
pouso e descanso, defendiam e percorriam seus territórios. No entanto, a prática indígena
era de se deslocar próximo aos cursos d'água e não nas cristas. Entre os prováveis fatores
para tal hábito estão o porte e a exuberância da floresta tropical, na qual o deslocamento
próximo aos cursos d'água facilitava a superação de obstáculos causados pelo calor
excessivo e a sede. Os nativos, no entanto, tinham a mesma necessidade de

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reconhecimento do território e orientação, para tanto, também subiam até as cumeeiras.
Presume-se que os bandeirantes paulistas, desbravadores da região também utilizavam tal
prática, adquirida inclusive, pela convivência com os índios escravizados que eram levados
em tais expedições com a função de guia, como explica Holanda (1994).

A descoberta do ouro na região Ouro Preto por Antônio Dias ilustra este tipo de
deslocamento. O bandeirante sobe até a linha da cumeeira e se depara com uma vista
inebriante proporcionada pela sequência de morros enrugados, conhecidos como mares de
morros, que se sobrepunham uns atrás dos outros, separados por precipícios e vales
cobertos de florestas (Lima Jr., 1962).

Outro fator de relevância é a descoberta do outro de aluvião, encontrado nas margens dos
ribeirões. A aplicação da fase de estruturação territorial a partir das rotas de crista, como
sugere Guerreiro (2004) é, portanto, em parte comprovada. No entanto, as rotas de crista
não atuaram como rota principal de deslocamento pelo território e sim, como uma rota de
observação e reconhecimento.

Aspectos determinantes para a estruturação territorial diferentes daqueles estabelecidos


pela teoria italiana são justificados pelo tipo da atividade produtiva: a exploração do ouro de
aluvião que ocorre nos vales. No caso de Ouro Preto, a rota matriz se estabelece em meia
encosta e é responsável pela ligação entre os pontos de exploração mineral no fundo dos
vales e a rota de crista utilizada para orientação e reconhecimento do território. Aos
promontórios, correspondem as datas minerárias, implantadas com meia légua de distância
umas das outras, onde se localizam as capelas.

De acordo com Vasconcellos (1956), quase todos os núcleos coloniais orientavam-se


longitudinalmente pelo caminho tronco, que interligava os arraias, ao redor das capelas.
Estas por sua vez, se encontram sempre nos pontos mais altos e de maior visibilidade, de
acordo com a Constituição Primeira do Arcebispado da Bahia. Marx (1991) comenta que,
para destacar as igrejas do casario, recomendava-se o seu afastamento dos edifícios
residenciais. Era também exigência, pelas mesmas normas, a configuração de espaços
livres nos locais mais elevados, de forma a aumentar a visibilidade, imponência e
valorização das igrejas, revelando sua silhueta na paisagem urbana por entre a massa do
casario, permitindo a formação de um adro ao redor do templo. A forma de implantação dos
edifícios religiosos do casario ao seu entorno, de acordo com as exigências eclesiásticas,
revela a semelhança aos promontórios, localizados a meia encosta e interligados por uma
rota.

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Em Ouro Preto, a principal rota de estruturação é a Rota Matriz, segundo a Escola Italiana
de Morfologia Urbana, e esta seria classificada como rota de assentamento. No caso em
análise, esta rota é denominada de "caminho tronco" e é constituinte da Estrada Real, que
sempre se implantou em meia encosta. Ao analisarmos as rotas originais podemos verificar
a existência de vários caminhos longitudinais em relação ao vale; um no fundo do vale, ao
nível do córrego, o caminho tronco à meia encosta, ao longo do qual se dispõem os
assentamentos, e, finalmente, o trecho de cumeeira, todos estruturantes do território onde
se encontra a cidade de Ouro Preto. Quanto às ligações secundárias, perpendiculares em
relação à rota de crista e à de meia encosta, observa-se a existência de apenas uma, que
unia o arraial de Santana ao de São João. Outras supostas ligações mencionadas não
correspondem aos fatos que comprovem a sua existência e a ligação que circula pela Praça
Tiradentes, que só se estabelece a partir de 1790 (Pereira Costa e Gimmler Netto, 2015).

De acordo com Castro (2013) a aplicação da teoria da estruturação territorial deve levar em
conta condicionantes locais, como evidenciado no estudo sobre a implantação de rotas em
Ouro Preto. Os bandeirantes e exploradores buscavam explorar as minas de ouro da forma
mais eficiente, e esta seria a partir de rotas em meia encosta, que permitia assentamentos,
bem como acesso facilitado ao leito dos rios e à crista dos morros. Da mesma forma é
implantada a Estrada Real que unia os centros minerários aos centros de comercialização.

Conclui-se que, apesar de as rotas de fundo de vale e de crista terem sido fundamentais
para a estruturação do território de Ouro Preto, o processo não ocorreu exatamente como
prevê a teoria italiana. Nesse ponto, destaca-se o papel marcante da rota de
assentamentos, pertencente à Estrada Real, como principal elemento estruturante da
região.

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Referências

CANIGGIA, Gianfranco; MAFFEI, Gian Luigi. Architectural composition and building


typology: interpreting basic building. Firenze: Alinea editrice srl, 2001.

CASTRO, Cleide Mara. A análise da aplicação da teoria das rotas em Ouro Preto pela
pesquisa Sincronicidade nas Escolas de Morfologia Urbana e seus paradigmas sociais.
Banner apresentado na Semana de Iniciação Científica, da Escola de Arquitetura,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, FUMP, PRPQ, 2013.

GUERREIRO, Maria Rosália P. A lógica territorial na gênese e formação das cidades


brasileiras. O caso de Ouro Preto. In: TEIXEIRA, Manuel C. (Cord.). A construção da cidade
brasileira. Lisboa: Livros Horizontes, 2004. Capítulo 1. p. 47-63.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.

LIMA JR., Augusto de. As primeiras vilas ao ouro. Belo Horizonte: Estabelecimentos
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MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem? São Paulo: Nobel; Edusp, 1991.

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PEREIRA COSTA, Staël de Alvarenga, et al. Laboratório da Paisagem. “Encontro de


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principais Escolas de Morfologia Urbana. Plano de Trabalho da pesquisa financiada pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Universidade
Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura. Belo Horizonte. 2011.

PEREIRA COSTA, Staël de Alvarenga, et al. Similaridades e disparidades entre as escolas


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PEREIRA COSTA, Staël de Alvarenga; GIMMLER NETTO, Maria Manoela. Fundamentos


de Morfologia Urbana. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2015.

VASCONCELLOS, Sylvio de. Vila Rica: formação e desenvolvimento – residências. Rio de


Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1956.

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