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RESUMO
Este trabalho apresenta resultados da pesquisa “A sincronicidade nas escolas de morfologia urbana e
os seus paradigmas sociais”. O objetivo é verificar a aplicabilidade da estruturação territorial da
Escola Italiana de Morfologia Urbana em Ouro Preto, Minas Gerais, contexto diferente do original para
o qual a teoria foi desenvolvida. Para a Escola Italiana, fundada pelo arquiteto Saverio Muratori, é a
abordagem arquitetônica que conduz a investigação da forma urbana, tomando como referência o
tipo edilício básico e o processo tipológico que o modifica ao longo do tempo. É a partir das
observações tipológicas que Muratori amplia sua escala de análise do tipo edilício para as séries,
tecido e finalmente território, sendo este o objeto deste estudo. Segundo a teoria, a ocupação do
território se configura em quatro fases, as rotas, os assentamentos, as áreas de produção e os proto-
núcleos. A hipótese é comprovada pelos autores com diversos estudos de caso, localizados
majoritariamente na Itália. No entanto, ao estudarmos como exemplo o processo de ocupação
territorial em Ouro Preto, verificamos algumas discordâncias, como aquelas ligadas ao diferente
contexto histórico da cidade, ao seu relevo montanhoso e às diferentes influências culturais na sua
formação e consolidação. Conclui-se que a teoria da Escola Italiana pode ser aplicada a contextos
diversos, desde que observadas as diferenças geográficas, ambientais, morfológicas e culturais dos
territórios. No caso de Ouro Preto, a atividade mineradora aurífera fez com que as três rotas paralelas
- de crista, meia encosta e fundo de vale - fossem determinantes para a estruturação do território
desde sua origem até a configuração morfológica resultante da paisagem contemporânea.
Introdução
O contexto do estado no século XVII apresenta diversas peculiaridades, pois quando iniciou-
se o processo de fundação dos núcleos urbanos que viriam a se tornar a cidade de Ouro
Preto, já se dispunha de mais conhecimento e técnica trazidos de Portugal. Além disso, as
características geográficas em Minas Gerais eram muito distintas das europeias, por se
tratar de um relevo montanhoso. Devem ser consideradas também as influências dos
nativos na cultura dos imigrantes que ali se assentariam e por fim, a atividade econômica a
que se destinavam, que era a exploração do ouro de aluvião no leito dos rios.
A Morfologia Urbana é o estudo utilizado para a análise das formas urbanas, além de se
tratar de um procedimento metodológico, que possibilita a compreensão das sucessivas
transformações, inerentes à evolução das cidades. Tais estudos focalizam nos resultados
visíveis, materializados pelas forças políticas, sociais e econômicas, revelando aspectos
culturais de formação das paisagens urbanas.
A Escola Italiana de Morfologia Urbana, fundada pelo arquiteto Saverio Muratori durante o
período de 1960 a 1970, elabora o estudo da forma urbana como um modelo projetual para
uma cidade. Tal metodologia concentra–se na análise de como as cidades deveriam ser
traçadas, a partir das tradições históricas dos elementos vernaculares das cidades italianas
e a sua relação com o espaço urbano (Muratori, 1959).
Muratori explica que em cada cultura existe um modo de construir edificações que é
intrínseco, ou seja, específico àquele povo, em determinado momento. Este modo é inerente
às pessoas e já está enraizado culturalmente como um protótipo na mente de alguém, que
Entretanto, quando há uma elaboração projetual e uma reflexão crítica técnica no ato de
construir, observa-se a manifestação da chamada consciência crítica. Diferente da
espontânea, a consciência crítica geralmente é o produto de uma construção especializada,
que se destaca na cidade por possuírem outras funções sociais, como o caso de igrejas e
equipamentos urbanos. Essa consciência geralmente é exercida pelo profissional técnico
responsável pela construção civil, ou seja, arquitetos ou engenheiros (Pereira Costa et al,
2013). Devido às tendências projetuais, muitas vezes, as soluções de alto valor
arquitetônico e histórico-cultural, de cunho vernarcular são desconsideradas e se perdem
em meio às novas técnicas construtivas.
Na metodologia utilizada pela escola italiana é possível perceber uma desconexão das
escalas de investigação, permitindo a análise do território independentemente dos estudos
tipológicos do edifício. A abordagem territorial é investigada a partir do estabelecimento de
rotas, que configuram a fase inicial do processo de ocupação de um território, também
conhecida como fase nômade. Sucessivamente, tem-se a segunda fase, de assentamentos,
que ocorrem em áreas onde é possível a obtenção de recursos naturais. Na terceira fase, as
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
áreas de produção são caracterizadas pelo cultivo do meio, pela agricultura, pela criação de
animais e pela capacidade de estocagem. A quarta fase referente aos núcleos urbanos é
considerada um estágio civil, que inicia a ocupação do território. Cada fase tem um paralelo
na história da evolução da civilização humana.
A estruturação territorial
"O território é a mais vasta e mais inclusiva parte do espaço geográfico, porque relaciona as
estruturas construídas pelo homem para viver e criar o seu habitat. O território inclui o
assentamento, as estruturas urbanas, com as ruas e as edificações, e as estradas fora do
perímetro urbano. Além disso, inclui todas as estruturas produtivas como a criação de
animais, agricultura e indústrias. Os autores comentam que nosso mundo não consiste só
de residências, vilas e cidades, mas acima de tudo, originalmente provém de rotas e áreas
de produção" (Pereira Costa e Gimmler Netto, 2015, p. 297).
Para a Escola Italiana de Morfologia Urbana, a classe de estrutura que diz respeito ao
território é a rota. Sem ela, nenhuma atividade pode ser implementada e tornar-se produtiva
sem que o local seja previamente acessado. Ainda que as rotas sejam indispensáveis ao
uso e ocupação do território, existem, mesmo no século XXI, territórios que não são
produtivos ou ocupados, onde as rotas se configuram apenas como meio de transposição.
Exemplos disso são os oceanos e desertos.
Após as rotas, ocorrem sobre o território, assentamentos, que mais tarde se tornam áreas
produtivas e, finalmente, proto-núcleos e núcleos urbanos. Essas quatro etapas são
denominadas pelos autores de fases estruturantes do território. É importante destacar que
uma estrutura é indispensável à existência da seguinte. Dessa forma, a presença de
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assentamentos é impossível sem que o território tenha sido acessado através de rotas e a
existência de núcleos e proto-núcleos urbanos requer a presença de assentamentos fixos e
áreas produtivas.
Explicam ainda que, para cada fase de estruturação territorial há uma fase equivalente na
história da civilização humana. Um território constituído por rotas corresponde à fase civil
nômade, no qual os grupos de seres humanos moviam-se de um lugar a outro sem
estabelecer vínculos territoriais. De fato, somente à partir da terceira fase, de áreas
produtivas, é que se criam condições para a fixação humana no território. Só a partir disto, a
distinção dos papéis e a especialização de funções vão dar origem à troca de produtos e à
necessidade de estruturas nos centros de mercado, localizados no proto-núcleo urbano.
Primeiro Ciclo
O primeiro ciclo da ocupação humana ocorre pela implantação das rotas, sendo a rota de
crista a primeira delas. Ao se percorrer a rota de crista, locais de descanso são necessários
e esses locais deveriam atender a algumas características como a disponibilidade de água,
alimento e segurança. O local escolhido para o assentamento preferencialmente tem a
morfologia de um promontório, que se projeta além do território que o circunda, uma
condição indispensável para se estabelecer um assentamento no qual o ser humano
reconhece a noção de território, adquirindo a noção de pertencimento. Assim, surgem rotas
Quando surge a necessidade de descer a encosta e acessar o vale, onde está o curso
d'água, busca-se vias de menor declividade. Muitas vezes, essa descida exige uma
intervenção que demonstra uma capacidade transformativa e, desta forma, é artificial. Nos
pontos de encontro entre as rotas que descem em direção aos vales, se formam outros
assentamento. Estes pontos geralmente se encontram em locais com características
geográficas de promontórios, porém, localizados mais próximos do vale do que da crista.
Esses assentamentos por sua vez, são os locais iniciais dos primeiros proto-núcleos
urbanos, com mercados e centros de troca em meio aos assentamentos.
Quando acessado o vale, formam-se assentamentos adjacentes a ele, dando origem à outra
rota que une os assentamentos uns aos outros, paralela ao rio (Pereira Costa e Gimmler
Netto, 2015). O vale por sua vez, é passível de ser explorado somente por meio de uma
estrutura artificial, bem como as planícies que, para serem ocupadas pelo homem, exigem
uma adaptação construtiva. Nos fundos de vale, onde a drenagem é dificultada, há a
necessidade de regular os fluxos de entrada e saída de água.
Segundo Ciclo
No momento em que a rede de vias no fundo do vale se expande, os vales opostos de uma
mesma montanha podem ser conectados por meio de uma rota de cruzamento. Esta
conecta os assentamentos anteriormente separados pelo rio, no fundo do vale. Assim, essa
rota é fundamental para o comércio e para as trocas, porque conecta as redes viárias.
Somente mais tarde, os fundos de vale se unirão efetivamente às áreas assentadas na
encosta através de rotas ao longo do vale paralelas à primeira, porém mais próximas da
encosta onde se conectam com os baixos promontórios, remanescentes do ciclo anterior.
Terceiro Ciclo
Quarto Ciclo
O quarto ciclo se inicia pela reestruturação das estruturas do fundo dos vales, que são
progressivamente reutilizadas pela criação de planícies artificiais proporcionadas pela
tecnologia, restabelecendo o ambiente e retomando a ocupação do fundo do vale.
De acordo com a autora, a primeira estruturação ocorre a partir das cumeeiras, onde se
implanta a rota de crista. Para a definição desta rota, Guerreiro se baseia em descrições
sobre a descoberta do ouro e, consequentemente, apresenta a gênese da implantação da
região de Ouro Preto. Para ela, a fase inicial da estruturação territorial ocorreria em 1697,
quando da divulgação da descoberta de ouro na região. Nesse estudo percebe-se a opção
pela análise utilizando a teoria da escola italiana apresentada por Caniggia e Maffei, em
2001. No entanto, para a formação do território, tão importante quando a descoberta do
ouro, foi a ocupação anterior, a sociedade civil original que ali habitava, os índios.
Podemos presumir então, a ocorrência das três fases iniciais de estruturação, como
explicadas pela Escola Italiana de Morfologia Urbana, em território brasileiro. Nestas etapas
anteriores, os índios ocupavam áreas planas, cultivavam a terra, estabeleciam áreas de
pouso e descanso, defendiam e percorriam seus territórios. No entanto, a prática indígena
era de se deslocar próximo aos cursos d'água e não nas cristas. Entre os prováveis fatores
para tal hábito estão o porte e a exuberância da floresta tropical, na qual o deslocamento
próximo aos cursos d'água facilitava a superação de obstáculos causados pelo calor
excessivo e a sede. Os nativos, no entanto, tinham a mesma necessidade de
A descoberta do ouro na região Ouro Preto por Antônio Dias ilustra este tipo de
deslocamento. O bandeirante sobe até a linha da cumeeira e se depara com uma vista
inebriante proporcionada pela sequência de morros enrugados, conhecidos como mares de
morros, que se sobrepunham uns atrás dos outros, separados por precipícios e vales
cobertos de florestas (Lima Jr., 1962).
Outro fator de relevância é a descoberta do outro de aluvião, encontrado nas margens dos
ribeirões. A aplicação da fase de estruturação territorial a partir das rotas de crista, como
sugere Guerreiro (2004) é, portanto, em parte comprovada. No entanto, as rotas de crista
não atuaram como rota principal de deslocamento pelo território e sim, como uma rota de
observação e reconhecimento.
De acordo com Castro (2013) a aplicação da teoria da estruturação territorial deve levar em
conta condicionantes locais, como evidenciado no estudo sobre a implantação de rotas em
Ouro Preto. Os bandeirantes e exploradores buscavam explorar as minas de ouro da forma
mais eficiente, e esta seria a partir de rotas em meia encosta, que permitia assentamentos,
bem como acesso facilitado ao leito dos rios e à crista dos morros. Da mesma forma é
implantada a Estrada Real que unia os centros minerários aos centros de comercialização.
Conclui-se que, apesar de as rotas de fundo de vale e de crista terem sido fundamentais
para a estruturação do território de Ouro Preto, o processo não ocorreu exatamente como
prevê a teoria italiana. Nesse ponto, destaca-se o papel marcante da rota de
assentamentos, pertencente à Estrada Real, como principal elemento estruturante da
região.
CASTRO, Cleide Mara. A análise da aplicação da teoria das rotas em Ouro Preto pela
pesquisa Sincronicidade nas Escolas de Morfologia Urbana e seus paradigmas sociais.
Banner apresentado na Semana de Iniciação Científica, da Escola de Arquitetura,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, FUMP, PRPQ, 2013.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
LIMA JR., Augusto de. As primeiras vilas ao ouro. Belo Horizonte: Estabelecimentos
Gráficos Santa Maria, 1962.
MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem? São Paulo: Nobel; Edusp, 1991.
MURATORI, Saverio. Studi Per Una Operante Storia Urbana De Venezia. Roma: Istituto
Poligraphico dello Stato, 1959.